GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito Vinícius Lott Thibau GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL Belo Horizonte 2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

Vinícius Lott Thibau

GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

Belo Horizonte

2017

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Vinícius Lott Thibau

GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Direito da Faculdade Mineira de Direito da

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,

como requisito parcial para a obtenção do título de

Doutor.

Orientador: Prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho

Marques

Linha de Pesquisa: O Processo na Construção do

Estado Democrático de Direito

Belo Horizonte

2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Thibau, Vinícius Lott

T425g Garantismo e decisão jurídica imparcial / Vinícius Lott Thibau. Belo

Horizonte, 2017.

175 f.

Orientador: Leonardo Augusto Marinho Marques

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito

1. Garantia (Direito). 2. Discricionariedade. 3. Decisão judicial. 4. Estado

democrático de direito. 5. Direito processual. I. Marques, Leonardo Augusto

Marinho. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-

Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 342.4

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Vinícius Lott Thibau

GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Direito da Faculdade Mineira de Direito da

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,

como requisito parcial para a obtenção do título de

Doutor.

Orientador: Prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho

Marques

Linha de Pesquisa: O Processo na Construção do

Estado Democrático de Direito

Prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho Marques – PUC Minas (Orientador)

Prof. Dr. Rosemiro Pereira Leal – PUC Minas (Banca Examinadora)

Prof. Dr. Carlos Henrique Soares – PUC Minas (Banca Examinadora)

Prof. Dr. Sérgio Henriques Zandona Freitas – FUMEC (Banca Examinadora)

Prof. Dr. Émilien Vilas Boas Reis – ESDHC (Banca Examinadora)

Prof. Dr. Vinícius Diniz Monteiro de Barros – PUC Minas (Banca Examinadora)

Prof. Dr. André Cordeiro Leal – PUC Minas (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2017.

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Para Nathy.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor Leonardo Augusto Marinho Marques pela aceitação da

orientação. Obrigado pela gentileza na condução dos encontros destinados ao direcionamento

dos estudos realizados e, ainda, pela oferta de um apoio acadêmico irrestrito nos últimos

quatro anos.

Agradeço ao professor Rosemiro Pereira Leal que, ao enunciar a teoria

neoinstitucionalista do processo, tornou possível o enfrentamento de uma normatividade que

ainda se operacionaliza pela lógica da ciência dogmática do direito. Registro a minha gratidão

pela oportunidade de aprendizagem que me propiciou nos cursos de Bacharelado, Mestrado e

Doutorado.

Agradeço aos professores André Cordeiro Leal, Vinícius Diniz Monteiro de Barros,

Émilien Vilas Boas Reis, Carlos Henrique Soares, Sérgio Henriques Zandona Freitas,

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de Morais, Fernando

Laércio Alves da Silva, André Del Negri, Luís Henrique Vieira Rodrigues, Francisco Rabelo

Dourado de Andrade, Luiz Gustavo Levate, Flávia Ávila Penido, Gil César de Carvalho

Lemos Morato, Túlio Márcio Trindade, Roberta Maia Gresta, Ulisses Moura Dalle e Luiz

Sérgio Arcanjo dos Santos pelos proveitosos momentos de interlocução.

Agradeço aos professores Mariza Rios e Paulo Roberto Lassi de Oliveira pelo auxílio

na aquisição de publicações estrangeiras e, a este, também, pela assistência prestada na

formatação dos escritos da tese.

Agradeço, por fim, aos familiares e amigos, pela paciência e pelo constante incentivo.

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Analisados, um a um, todos os modos de dominação que o homem inventou ao

longo dos séculos para relacionar-se com o seu próximo, nenhum é mais eficiente do

que o da manipulação dos sentidos. Aquele que manipula os sentidos do discurso

transforma-se no árbitro todo-poderoso da comunidade para a qual define o que

venha a ser valor e antivalor; é ele quem assinala os objetivos a serem perseguidos

pelo grupo, ditas as regras de comportamento que hão de dirigir a ação singular dos

indivíduos na tentativa de realização de seus valores, pune e recompensa. Pois como os mitos de sempre demonstraram, só o que sabe quer, só o que sabe pode, só o que

sabe faz.1

1 LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 4.

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RESUMO

Esta pesquisa aborda a teoria geral do garantismo de Luigi Ferrajoli e suas interfaces com a

centralidade da jurisdição como atividade do juiz e com a discricionariedade judicial.

Adotando o método dedutivo-eliminacionista de Karl Raimund Popper, os escritos

formalizados valem-se de uma revisão bibliográfica e, com base no marco teórico da

proposição neoinstitucionalista do processo, de autoria de Rosemiro Pereira Leal, buscam

testar a hipótese de que o garantismo apresenta-se como uma proposição inapta a oferecer

respostas consistentes ao problema da crise de democraticidade jurídico-decisória. Assim,

submetidos os fundamentos do garantismo à falseabilidade, vê-se que, filiando-se aos

pressupostos da ciência dogmática do direito, a proposição ferrajoliana não enuncia uma

teoria da decisão jurídica imparcial. É que, analisando o âmbito de aplicação do direito, o

garantismo recepciona a incompletude fatal da lei para, a partir desse acolhimento, afirmar o

inafastável vazio normativo como recinto confessado de atuação discricionária do juiz

imparcial e não do devido processo. A pesquisa instrutiva da tese formalizada conclui pela

corroboração – sempre falível – da hipótese submetida a teste.

Palavras-chave: Garantismo. Discricionariedade judicial. Decisão jurídica imparcial. Estado

Democrático de Direito. Teoria neoinstitucionalista do processo.

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RIASSUNTO

Questa ricerca si occupa della teoria generale del garantismo de Luigi Ferrajoli e sue

interfacce con la centralità della giurisdizione come attività del giudice e con la discrezionalità

giudiziale. Adottando il metodo deduttivo-eliminazionista di Karl Raimund Popper, gli scritti

formalizzati fa uso della recensione bibliografica e, sulla base della teoria neoinstitucionalista

del processo, presentata da Rosemiro Pereira Leal, cerca di examinare l'ipotesi che il

garantismo è una proposizione inadatta per offrire risposte consistenti al problema della crisi

della democraticità giuridice-decisionale. Così, sottoposti i fondamenti del garantismo per

falsificabilità, si vede che, unendo i presupposti della scienza dogmatica del diritto, la

proposizione ferrajoliana non afferma una teoria della decisione giuridica imparziale. È che,

analizzando il campo di aplicacazione dell diritto, il garantismo accoglie l'incompletezza

fatale della legge per, a quel punto, affermare la assenza normativa come recinto confessato

dell’operatto discrezionale del giudice imparziale e non de dovuto processo. La ricerca della

tesi formalizzata conclude con la corroborazione – sempre fallibile – dell'ipotesi sottoposta

alla prova.

Parole chiave: Garantismo. Discrezionalità giudiziale. Decisione giuridica imparziale. Stato

Democratico di Diritto. Teoria neoinstitucionalista del processo.

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RESUMEN

Esta investigación aborda la teoría general del garantismo de Luigi Ferrajoli y sus interfaces

con la centralidad de la jurisdicción como actividad del juez y con la discrecionalidad judicial.

Al adoptar el método deductivo-eliminacionista de Karl Raimund Popper, los escritos

formalizados se valen de una revisión bibliográfica y, con base en el marco teórico de la

proposición neoinstitucionalista del proceso, de autoría de Rosemiro Pereira Leal, buscan

probar la hipótesis de que el garantismo presenta como una proposición inapta para ofrecer

respuestas consistentes al problema de la crisis de democraticidad jurídico-decisoria. Así,

sometidos los fundamentos del garantismo a la falseabilidad, se ve que, afiliándose a los

presupuestos de la ciencia dogmática del derecho, la teoría ferrajoliana no enuncia una teoría

de la decisión jurídica imparcial. Es que, analizando el ámbito de aplicación del derecho, el

garantismo acoge la incompletud fatal de la ley para, a partir de esa acogida, afirmar el

inefable vacío normativo como recinto confesado de actuación discrecional del juez imparcial

y no del debido proceso. La investigación instructiva de la tesis formalizada concluye por la

corroboración – siempre falible – de la hipótesis sometida a prueba.

Palabras clave: Garantismo. Discrecionalidad Judicial. Decisión jurídica imparcial. Estado

Democrático de Derecho. Teoría neoinstitucionalista del proceso.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 19

2 GARANTISMO E A CENTRALIDADE DA JURISDIÇÃO NO ÂMBITO DA

APLICAÇÃO DO DIREITO ............................................................................................. 27

2.1 Garantismo como modelo normativo de direito e o controle jurisdicional do exercício

ilegítimo do poder .............................................................................................................. 35

2.2 Garantismo como teoria crítica do direito e a afirmação jurisdicionalista da validade

normativa ........................................................................................................................... 51

2.3 Garantismo como filosofia política e a irredutível ilegitimidade da jurisdição ......... 62

3 DISCRICIONARIEDADE JUDICIÁRIA E A APLICAÇÃO GARANTISTA DA

NORMATIVIDADE JURÍDICA ...................................................................................... 73

3.1 Juiz como garante da legalidade e a jurisdição garantista como atividade

tendencialmente cognitiva do julgador ............................................................................. 76

3.2 Espaços de poder judicial e a discricionariedade judiciário-garantista na aplicação

da lei ................................................................................................................................... 91

3.2.1 Interpretação jurídico-garantista e o poder judicial de denotação............................... 93

3.2.2 Poder judicial de disposição e o dever judiciário de decidir na teoria garantista ........ 99

3.3 Jurisdição garantista e o enfrentamento, por via discricionária, das antinomias e

lacunas normativas .......................................................................................................... 104

4 GARANTISMO JURISDICIONALISTA E A PROCESSUALIDADE

DEMOCRÁTICA ............................................................................................................ 117

4.1 Interpretação judicial garantista e a vedação continuada do exercício da isocrítica

.......................................................................................................................................... 125

4.2 Discricionariedade judiciária e o dogmatismo-garantista impediente de uma

hermenêutica isomênica ................................................................................................... 136

4.3 Garantismo jurisdicionalista e a impossibilidade teórica de uma decisão jurídica

imparcial........................................................................................................................... 147

5 CONCLUSÃO ............................................................................................................... 157

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 159

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19

1 INTRODUÇÃO

Em 1989, foi publicada a primeira edição italiana de Diritti e Ragione: Teoria del

garantismo penale.2 Conforme anuncia Norberto Bobbio,

3 essa produção é o resultado de uma

longa reflexão de Luigi Ferrajoli sobre temáticas relativas à epistemologia, ética, lógica, teoria

do direito, teoria da ciência e história que, somada à experiência que adquiriu pelo exercício

sério e intenso da atividade de magistrado, propiciou a construção de um designado sistema

garantista.

A partir dos significados de garantismo como modelo normativo de direito, teoria

crítica do direito e filosofia política, Luigi Ferrajoli4 enunciou o garantismo como uma teoria

geral e, não obstante tenha proposto a aplicação de seus fundamentos inicialmente ao âmbito

penal, foi taxativo em afirmar que para outras áreas do conhecimento jurídico também seria

possível “elaborar, com referência a outros direitos fundamentais e a outras técnicas e

critérios de legitimação, modelos de justiça e modelos garantistas de legalidade – de direito

civil, administrativo, constitucional, internacional, do trabalho – estruturalmente análogos.”

Assumindo o status de uma teoria geral,5 o garantismo erige-se como sinônimo de um

Estado Constitucional de Direito que condiciona o exercício do denominado poder, público

ou privado, à observância das esferas do “indecidível que” e do “indecidível que não”.

Apresenta-se, ainda, como uma proposição que interroga as teses juspositivistas que não

situam a vigência, a validade e a efetividade como categorias distintas, e, por fim, como uma

filosofia política que é determinativa de uma justificação externa do Estado e do Direito. Com

a teorização ferrajoliana, o garantismo desvincula-se dos contornos que lhe foram,

2 O livro Diritti e Ragione: Teoria del garantismo penale foi publicado, originariamente, em 1989, na Itália, pela

Editori Laterza. Em 1995, os seus escritos foram traduzidos para a língua espanhola e publicados pela Editorial

Trotta, sob o título Derecho y Razón: Teoría del garantismo penal. Em 2002, a versão originária foi traduzida

para o idioma português, sendo publicada pela editora Revista dos Tribunais com o rótulo Direito e Razão:

Teoria do Garantismo Penal. A terceira edição do livro foi publicada no Brasil, no ano de 2010, e foi utilizada

como referência bibliográfica para parte dos escritos produzidos nesta tese de doutorado. 3 BOBBIO, Norberto. Prefácio à 1. ed. italiana. In: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo

penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed.

rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 7. 4 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

788. 5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

786-832.

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20

originariamente, ofertados por Charles Fourier e Guido de Ruggiero6 e passa a auferir uma

importância que lhe era, até então, negada pela comunidade jurídica.

Consoante se lê no magistério de André Karam Trindade,7 assim que foi publicado, o

livro Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal:

[...] ingressou rapidamente na lista das obras jurídicas mais importantes do direito

contemporâneo, convertendo-se em um verdadeiro clássico do século XX, de tal maneira que sua leitura certamente se tornou obrigatória para todos os juristas.

Tanto é assim que, com a tradução desta obra – primeiro, em 1995, para o espanhol

(Derecho y razón); e, mais tarde, em 2002, para o português (Direito e razão) –, o

modelo garantista não só passou a pertencer, definitivamente, ao léxico jurídico

como, também, tornou-se cada vez mais presente entre os juristas, sobretudo na

América Latina.

No Brasil, da mesma maneira como ocorreu na Argentina, na Colômbia, no México,

o garantismo foi importado precisamente durante o período de redemocratização,

marcado pela promulgação das novas cartas constitucionais e pela imposição de

respeito aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, sobretudo aqueles de

liberdade, contra as arbitrariedades do Estado. [...] Nos últimos anos, dezenas de faculdades e centros de pesquisa assumiram o

garantismo como referencial teórico de seus cursos de graduação e pós-graduação,

centenas de dissertações de mestrado e teses de doutorado foram defendidas, além

da publicação de incontáveis livros e artigos sobre o tema.

A produção acadêmica ferrajoliana, no entanto, não se esgotou com Direito e Razão:

Teoria do Garantismo Penal. Essa publicação, que foi a mais destacada entre as ofertadas por

Luigi Ferrajoli no século XX, somou-se a inúmeras outras que, focadas nos três significados

de garantismo, aplicam os fundamentos da teoria garantista a temáticas diversas, com ênfase

na área jurídica. Dentre essas produções, que formam uma bibliografia enciclopédica, ganha

realce a coleção intitulada Principia Iuris: Teoria del diritto e della democrazia, na qual o

autor concretiza a sua tão almejada teoria axiomatizada do direito, que foi esboçada em um

ensaio que publicou em 1970, na Itália.8

6 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.

54-55; IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. Garantismo: una teoría crítica de la jurisdicción. In: CARBONELL,

Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli.

Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 59-61. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 7 TRINDADE, André Karam. Revisitando o garantismo de Luigi Ferrajoli: uma discussão sobre metateoria,

teoria do direito e filosofia política. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, Franca, v. 5, n.

1, p. 3-21, jul. 2012a. p. 5-6. 8 A coletânea Principia Iuris: Teoria del diritto e della democrazia foi publicada, originariamente, em 2007, na

Itália, pela Editori Laterza. Produzida em trinta e sete anos, é composta por três livros destinados à análise

garantista da teoria do direito, da teoria da democracia e, ainda, da sintaxe do direito. No Brasil, no ano de

2010, a coletânea teve os seus principais objetivos e temas expostos no artigo produzido por

CADEMARTORI, Sérgio Urquhart de; STRAPAZZON, Carlos Luiz. Principia iuris: uma teoria normativa do

direito e da democracia. Revista Pensar, Fortaleza, v. 15, n. 1, p. 278-302, jan./jun. 2010. Em 2011, também

no Brasil, a partir das críticas que recebeu de autores italianos e espanhóis no seminário intitulado Diritto e

Democrazia Costituzionale: Discutendo “Principia Iuris” di L. Ferrajoli, realizado em Bréscia (Itália), no mês

de dezembro de 2007, os escritos ferrajolianos foram analisados em artigo de autoria de TRINDADE, André

Karam. A teoria do direito e da democracia de Luigi Ferrajoli: um breve balanço do “Seminário de Bréscia” e

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21

Pela importância de seus escritos e, ainda, pelo modo de condução do seu viver, Luigi

Ferrajoli é apontado por Miguel Carbonell9 como, provavelmente, “o jurista mais importante

e influente do mundo”, nos dias de hoje. É considerado “um ‘clássico vivo’, um dos autores

imprescindíveis para entender o presente e observar com atenção o futuro”. Conforme registra

Perfecto Andrés Ibáñez:10

A obra imponente de Ferrajoli e o que ele mesmo representa no plano cultural e

ético-político depois de mais de 40 anos de produção teórica e de um esforço

generoso e cristalino dedicado à luta pelos direitos de todos expressa a convergência

de três vetores, três linhas de força, três almas, que não costumam apresentar-se juntas e, menos ainda, com tanto proveito em matéria de resultados. Uma, a do

estudioso com infinita capacidade de interrogar e interrogar-se, disposto a chegar até

onde a razão o leve, sem nenhuma preguiça e com a audácia necessária para

aventurar-se por caminhos incertos. Outra, a do jurista prático, juiz durante anos,

ocupado em primeira pessoa em dar soluções concretas a problemas concretos e, ao

mesmo tempo, imerso, com papel destacado, no desenvolvimento do mais notável

esforço de transformação em matéria constitucional do papel da jurisdição

protagonizado na Itália pela Magistratura Democrática. E outra, enfim, a do cidadão

cosmopolita militante, profundamente implicado em diversas articulações de uma

sociedade civil sem fronteiras, como bem demonstra a sua participação no Tribunal

Permanente dos Povos, expressão de um sentido precocemente global da

preocupação ativa pelos direitos humanos.

Diante de tudo isso, Ana Cláudia Bastos de Pinho11

afirma que qualquer discussão

séria sobre democracia não “pode prescindir dos aportes do maestro italiano. Pode-se deles

discordar. Ignorá-los jamais.” Embora reconheça que a teoria ferrajoliana apresente-se frágil

da discussão sobre Principia Iuris. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 103, p. 111-

137, jul./dez. 2011. Em 2011, a coleção foi traduzida para a língua espanhola e publicada pela Editorial Trotta

sob o título Principia Iuris: Teoría del Derecho y de la Democracia, em três volumes que totalizam 2496

páginas. A coletânea ainda não foi traduzida para o idioma português, motivo pelo qual esta tese de doutorado

vale-se da edição espanhola como referência bibliográfica para parte dos escritos produzidos. Para acessar o

ensaio a que se faz referência, veja FERRAJOLI, Luigi. Teoria assiomatizzata del diritto. Milano: Giuffrè, 1970.

9 CARBONELL, Miguel. Presentación. In: FERRAJOLI, Luigi. Las fuentes de legitimidad de la jurisdicción.

México: Instituto Nacional de Ciências Penais, 2010. p. 10 e 21. (Serie Conferencias Magistrales, v. 17). No

original: “[...] el jurista vivo más importante e influyente del mundo.” No original: “[...] un ‘clásico vivo’, uno

de los autores imprescindibles para entender el presente y avizorar el futuro.” 10 IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. Luigi Ferrajoli. Los derechos rigurosamente en serio. Revista Nexos, México, n.

366, jun. 2008. No original: “La obra imponente de Ferrajoli y lo que él mismo representa en el plano cultural

y ético-político, tras más de 40 años de producción teórica y de un esfuerzo generoso y cristalino volcado en

la lucha por los derechos de todos, expresa la convergencia de tres vectores, tres líneas de fuerza, tres almas

que no acostumbran a presentarse juntas, y menos con tanta fortuna en materia de resultados. Una, la del

estudioso con infinita capacidad de interrogar e interrogarse, dispuesto a llegar hasta donde la razón le lleve, sin ninguna pereza y con la audacia necesaria para aventurarse por caminos inciertos. Otra, la del jurista

práctico, juez durante años, ocupado en primera persona en dar soluciones concretas a problemas concretos y,

a la vez, inmerso, con un papel destacado, en el desarrollo del más notable esfuerzo de transformación en

clave constitucional del rol de la jurisdicción, protagonizado en Italia por Magistratura Democratica. Y otra,

en fin, la del ciudadano cosmopolita militante, profundamente implicado en diversas articulaciones de una

sociedad civil sin fronteras, como bien lo acredita su participación en el Tribunal Permanente de los Pueblos,

expresión de un sentido tempranamente global de la preocupación activa por los derechos humanos.” 11

PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da

decisão penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 23 e 26.

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em vários dos seus conteúdos, a autora não apenas afirma ser inquestionável a sua

contribuição “para a formatação séria de um projeto democrático de direito”, como assevera

que “o garantismo apresenta-se como uma teoria democrática”, por uma conjectura que se

pretende problematizar.

É que, com base nos conteúdos informativos da proposição neoinstitucionalista do

processo,12

que é adotada como marco teórico da pesquisa instrutiva da tese apresentada, não

pode ser qualificada como democrática uma teoria que acolhe a possibilidade de que a

normatividade seja operacionalizada pelos fundamentos da ciência dogmática do direito. De

acordo com as cogitações de Rosemiro Pereira Leal,13

a democracia não se compatibiliza com

a infiscalidade processual, porque, no “direito democrático, o processo abre, por seus

princípios institutivos (isonomia, ampla defesa, contraditório), um espaço jurídico-discursivo

de auto-inclusão do legitimado processual na Comunidade Jurídica para construção conjunta

da Sociedade Jurídico-Política.”

É, nesse sentido, que, ao apresentar a teoria neoinstitucionalista do processo, André

Cordeiro Leal14

explicita tratar-se de uma proposição que se notabiliza por:

[...] um impressionante esforço epistemológico bem-sucedido de construção de

critérios de demarcação da objetividade decisória a tornar obsoletos, para o direito

democrático, os apelos à tradição e à autoridade (subjetividades sapientes) que ainda

povoam (ou assombram), explícita ou implicitamente, o direito dogmatizado

(ideologizado) – o que permite ao autor [Rosemiro Pereira Leal] a ruptura com as

idealidades (imaginários) do Estado Liberal e do Estado Social de Direito, ambas

ainda impregnadas e reprodutoras de sua insistentemente esquecida violência

fundante.

No cerne das proposições do Professor Rosemiro Pereira Leal está uma questão que não costuma ser suscitada, que é aquela que o autor desenvolve em torno do plano

instituinte do direito (âmbito da necessária instalação do democrático pelo devido

processo), e pela qual afirma a imprestabilidade de a (sic) toda e qualquer remissão a

sociedades pressupostas (existentes antes ou apesar do direito democrático) para a

ancoragem do direito democrático.

12 Para acessar os principais conteúdos informativos da teoria neoinstitucionalista do processo, confira,

especialmente, as publicações de LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma

trajetória conjectural. Belo Horizonte: Arraes, 2013. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7); LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed. rev., atual. e aum. Belo

Horizonte: Fórum, 2016a; LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo

Horizonte: Fórum, 2017a; LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo

Horizonte: D’Plácido, 2016b. (Coleção Direito e Justiça). 13 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.

p. 169. (Coleção Direito e Justiça). 14 LEAL, André Cordeiro. Apresentação. In: LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do

processo: uma trajetória conjectural. Belo Horizonte: Arraes, 2013. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de

Souza Cruz, v. 7). p. XIII.

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Ofertada à comunidade jurídica no ano de 1999,15

a teoria neoinstitucionalista do

processo, portanto:

[...] nenhuma relação apresenta com as demais teorias que, ao se proporem a

instrumentalizar soluções de conflitos numa sociedade pressuposta, não se

comprometem com a autoinclusão processual de todos nos direitos fundamentais,

sem os quais se praticaria [...] a tirania da ocultação dos problemas jurídicos e não a

sua resolução compartilhada.

O processo, nessa concepção, não se estabelece pelas forças imaginosamente

naturais de uma sociedade ideal ou pelo poder de uma elite dirigente ou genialmente judicante, ou pelo diálogo de especialistas, mas se impõe por conexão teórica com a

cidadania (soberania popular) constitucionalmente assegurada, que torna o princípio

da reserva legal do processo, nas democracias ativas, o eixo fundamental da

previsibilidade das decisões. A institucionalização coinstitucional do processo

acarreta a impessoalização das decisões, porque estas, assim obtidas, se esvaziam de

opressividade potestativa (coatividade, coercibilidade) pela deslocação de seu

imperium (impositividade) do poder cogente da atividade estatal para a conexão

jurídico-político-processual da vontade popular coinstitucionalizada. [...]

O processo, por concretização constitucional, é aqui concebido como instituição

regente e pressuposto de legitimidade de toda criação, transformação, postulação e

reconhecimento de direitos [...].16

Assim sendo, a tematização da teoria garantista se impõe porque, a despeito de

rotulada como democrática, quando foca o âmbito de aplicação do direito, recepciona o

pressuposto dogmático de que a lei é sempre acometida por uma incompletude fatal para, a

partir desse acolhimento, enunciar o vazio normativo como recinto de atuação jurisdicional

desprocessualizada. É que, para a proposição ferrajoliana, a atividade aplicativa do direito

exprime-se por via de um silogismo e a identificação da norma cabível para a regência do

suposto de fato é necessariamente vinculada ao exercício da discricionariedade judicial que,

embora parcialmente questionada por Luigi Ferrajoli, aufere relevância no âmbito da fixação

judiciário-garantista do sentido da legalidade que se oferta à aplicação, bem como da

certificação da validade desse significado pela pessoa do juiz.17

15 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. Porto Alegre: Síntese, 1999. 16 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed. rev., atual. e aum. Belo

Horizonte: Fórum, 2016a. p. 156-157. 17 Conforme registra Tomás-Ramón Fernández, a “discricionariedade comporta uma certa liberdade de escolha

entre duas ou mais alternativas em princípio possíveis, juridicamente possíveis à vista da norma aplicável.”

Para esse autor, contudo, a discricionariedade pode ser classificada como intencional ou não intencional e, no

seu entendimento, a expressão discricionariedade deveria ser reservada à espécie intencional. Ao contrário do que ocorre em relação à chamada discricionariedade intencional ou voluntária, em que a discricionariedade é

o “resultado da vontade deliberada, consciente e inequívoca do autor desta [norma] de outorgar ao órgão

competente para aplicá-la um efetivo poder para eleger uma entre várias soluções que, em princípio, cabem no

marco que essa norma desenha”, a discricionariedade não voluntária depende das imperfeições do sistema

jurídico, dentre as quais a ambiguidade e a vagueza da linguagem legal, as lacunas e as antinomias

normativas. Nesse caso, porém, a norma não renunciou o estabelecimento da precisa consequência do suposto

de fato que contempla, embora tenha a estabelecido de modo impreciso. A partir dos estudos que realiza,

portanto, a discricionariedade judicial a que faz referência o garantismo seria a denominada discricionariedade

não intencional, logo, não deveria sequer ser designada discricionariedade. FERNÁNDEZ, Tomáz-Ramón.

Page 17: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

24

É, por isso, que, acompanhando Riccardo Guastini,18

é possível afirmar que “o coração

do modelo garantista é uma teoria da discricionariedade judicial e, simultaneamente, dos

modos para reduzi-la ao mínimo.” Isso porque, apesar de o garantismo problematizar a

denominada discricionariedade judicial indevida – que não é advinda das margens irredutíveis

de opinabilidade na interpretação das leis, mas de espaços redutíveis de atuação do poder

judicial –, para Luigi Ferrajoli,19

a eliminação da discricionariedade judicial é impossível,

uma vez que, nos Estados Constitucionais de Direito, “as leis nunca são de todo ‘claras e

precisas’”, bem como os ordenamentos jurídicos não se apresentam plenos e coerentes.

Com efeito, quando aborda a atividade de aplicação jurídico-normativa, o garantismo

esforça-se em teorizar técnicas destinadas a minorar o emprego da discricionariedade

judiciária e não em enunciar a sua imprestabilidade para o direito não dogmático. A proposta

de Luigi Ferrajoli consiste em formular e analisar as garantias, “no plano teórico, fazê-las

vinculantes no plano normativo e assegurar a sua efetividade no plano prático”,20

com o

objetivo de diminuir, na maior intensidade possível, o espaço de exercício do poder judicial.

Se, contudo, no âmbito da produção do direito, essas garantias não atuam em consonância

com o modelo traçado pelo garantismo, no recinto de aplicação do direito, estará instalada a

discricionariedade judiciária indevida, à qual se entrega a teoria garantista diante do dever

judicial de decidir.

Por uma perspectiva ferrajoliana, portanto, o enfrentamento da falibilidade normativa

não se dá pelo obrigatório acolhimento do non liquet, como teoriza a proposição

neoinstitucionalista do processo. Filiando-se à ciência dogmática do direito, Luigi Ferrajoli

deixa de tematizar adequadamente a compulsoriedade decisória e recepciona a possibilidade

de que o direito seja operacionalizado por marcos teóricos condutores de um status no qual a

Del arbitrio y de la arbitrariedad judicial. Madrid: Iustel, 2005. p. 26 e 43. (Colección Biblioteca Jurídica

Básica, n. 2). No original: “[...] discrecionalidad comporta una certa libertad de elegir entre dos o más

alternativas en principio posibles, juridicamente posibles a la vista de la norma aplicable.” E, ainda: “[...]

resultas de la voluntad deliberada, consciente e inequívoca del autor de ésta de otorgar al órgano competente

para aplicarla un efectivo poder para elegir una entre las varias soluciones que, en principio, caben en el

marco que esa norma dibuja.” 18 GUASTINI, Riccardo. Los fundamentos teóricos y filosóficos del garantismo. Traducción de Nicolás

Guzmán. In: GIANFORMAGGIO, Letizia (Edit.). Las razones del garantismo: discutiendo con Luigi

Ferrajoli. Bogotá: Editorial Temis, 2008. p. 46. No original: “[...] el corazón del modelo garantista es una

teoría de la discrecionalidad judicial y, simultaneamente, de los modos para reducirla al mínimo.” 19 FERRAJOLI, Luigi. Epistemología jurídica y garantismo. Traducción de José Juan Moreso, Jordi Ferrer,

Ángeles Ródenas, Juan Ruiz Manero, Pedro Salazar, Marina Gascón, Mary Bellof, Christian Courtis, Lorenzo

Córdova y José María Lujambio. México: Fontamara, 2004a. p. 235. No original: “[...] las leyes nunca son del

todo ‘claras y precisas’”. 20

PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da

decisão penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 110.

Page 18: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

25

“decisão judicial autodeterminou-se ante a decisão jurídica em face do caráter retórico do

princípio da legalidade.”21

É, com base nessas cogitações, que, nesta pesquisa, pretende-se testar a hipótese de

que o garantismo apresenta-se como uma proposição inapta a oferecer respostas consistentes

ao problema da crise de democraticidade jurídico-decisória. Submetidos os fundamentos do

garantismo à falseabilidade, sustenta-se a tese de que a proposição ferrajoliana enuncia uma

teoria da decisão do juiz imparcial e não uma teoria da decisão jurídica imparcial. Conjectura-

se que a decisão garantista nunca será imparcial (in-parcial), porque não consiste em um ato

procedimental que, adstrito ao sistema jurídico estabilizado pelo devido processo, explicite a

atuação jurídica da integralidade (não parcialidade) dos integrantes da comunidade jurídica de

legitimados ao processo, desde os níveis instituinte e coinstituinte do direito que é aplicado no

nível constituído.

A pesquisa instrutiva da tese formalizada baseia-se em uma revisão bibliográfica e

aproveita-se do método dedutivo-eliminacionista proposto por Karl Raimund Popper.22

Apresenta-se estruturada em cinco capítulos, dentre os quais encontra-se a introdução, que é

destinada a anunciar “uma apresentação sintetizada do objeto de estudo abordado e sua

contextualização”.23

No segundo capítulo, além de uma digressão histórica a respeito do garantismo,

aborda-se a teoria geral garantista e, a partir da análise dos três significados de garantismo

propostos por Luigi Ferrajoli, busca-se indicar a importância da jurisdição para a

implementação do projeto que formula no âmbito da aplicação do direito. A análise realizada

permite identificar o destaque atribuído pelos escritos ferrajolianos à atuação discricionária do

juiz, a quem cabe enfrentar as falhas normativas que acometem os sistemas jurídico-positivos

não plenamente garantistas, assim como fixar o significado válido da norma eleita para a

regência da situação sub judice. Demais disso, a jurisdição deve garantir que o Estado e o

Direito não se exponham como fins em si mesmos, mas que se apresentem como instituições

21 LEAL, Rosemiro Pereira. A crise do dogmatismo e implicações jurídico-políticas. Revista Brasileira de

Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 23, n. 92, p. 241-245, out./dez. 2015a. p. 242. Sobre o

caráter retórico do princípio da legalidade, confira a produção de CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. O

caráter retórico do princípio da legalidade. Porto Alegre: Síntese, 1979. 22

POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Tradução de Milton

Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999; POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. Tradução

de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 2004; POPPER, Karl Raimund. O

conhecimento e o problema corpo-mente. Tradução de Joaquim Alberto Ferreira Gomes. Lisboa: Edições

70, 2009. 23 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Graduação. Sistema

Integrado de Bibliotecas. Orientação para elaboração de trabalhos científicos: projeto de pesquisa, teses,

dissertações, monografias, relatório entre outros trabalhos acadêmicos, conforme a Associação Brasileira de

Normas Técnicas (ABNT). 2. ed. Belo Horizonte: PUC Minas. 2016. p. 99.

Page 19: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

26

artificialmente criadas à tutela e à satisfação de direitos, notadamente dos direitos

fundamentais.

No terceiro capítulo, a pesquisa instrutiva da tese apresentada propõe-se a investigar,

com mais profundidade, as interfaces teóricas existentes entre o garantismo, a centralidade da

jurisdição no âmbito da aplicação normativa e a discricionariedade judicial. Após analisar a

relação instalada entre a jurisdição e o consenso popular, são examinadas as duas fontes

específicas de legitimação da jurisdição garantista, com base nas quais esta é adjetivada como

um contrapoder e, ao mesmo tempo, como uma atividade dos juízes que devem atuar em

busca de uma verdade processual que, pelo garantismo, é tida como sempre imperfeita. Isso

porque, para Luigi Ferrajoli, dentre outros limites, a verdade processual está adstrita ao

caráter opinativo da verdade jurídica e à subjetividade do juiz, que, somados a um forte déficit

de garantias que qualifica os sistemas jurídicos não plenamente garantistas, propiciam a

inauguração de espaços destinados ao exercício da discricionariedade judiciária – devida ou

indevida – no recinto de aplicação do direito, os quais devem ser preenchidos pelo exercício

do poder judicial, com destaque para os poderes judiciais de interpretação jurídica e de

valoração ético-política. O que se extrai do terceiro capítulo da pesquisa formalizada é que,

pelas cogitações garantistas, a decisão é teorizada como o resultado de uma atuação dos juízes

que é sempre, em alguma medida, imune à fiscalidade processual.

Por isso, no quarto capítulo, objetiva-se enunciar a incompatibilidade teórica do

garantismo com os fundamentos da processualidade democrática. Explicita-se que, na

operacionalização do direito, a proposição ferrajoliana encontra-se alinhada à ciência

dogmática, situando o espaço aberto pela falibilidade normativa como recinto de atuação

discricionária do julgador e não como âmbito procedimental destinado ao exercício da

isocrítica. Aponta-se que, de acordo com os conteúdos informativos da proposição garantista,

o juiz é o titular do privilégio da significação normativa, exercendo uma atividade dogmático-

hermenêutica que é supressora do exercício do igual direito de interpretação para todos.

Afirma-se que, ao focar a aplicação do direito, o garantismo não enuncia uma teoria da

decisão jurídica imparcial, cingindo-se a propor uma teoria da decisão do juiz imparcial.

Indica-se que, pelos escritos ferrajolianos, é conjecturado um garantismo jurisdicionalista e

não um garantismo processual-democrático.

No quinto e último capítulo, são apresentadas as conclusões da pesquisa instrutiva da

tese formalizada, com a corroboração – sempre falível – da hipótese formulada.24

24

POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Tradução de Milton

Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999. p. 106.

Page 20: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

27

2 GARANTISMO E A CENTRALIDADE DA JURISDIÇÃO NO ÂMBITO DA

APLICAÇÃO DO DIREITO

De acordo com Dario Ippolito,25

a “palavra ‘garantismo’ – hoje de uso corrente nas

principais línguas neolatinas – é um neologismo do século XIX (momento prolífico de ismos

políticos: liberalismo, constitucionalismo, comunismo...).” Segundo afirma, no entanto, a

significação atribuída ao vocábulo garantismo à época de seu advento não é equivalente à

empregada, habitualmente, nos dias atuais.

Após analisar os escritos produzidos pelos principais dicionaristas franceses, no

período de 1856 a 1874, registra que, até então, a expressão garantismo não integrava, de

modo usual, o léxico comum da França e, com base no ensino de Émile Littré, esclarece que o

garantismo caracterizava-se como um termo apenas acadêmico, cunhado e empregado por

Charles Fourier, que designou garantisme como um “sistema de segurança social que busca

salvaguardar os sujeitos mais fracos, fornecendo a eles as garantias dos direitos vitais

(partindo daqueles conexos à subsistência) através de um plano de reformas que diz respeito

tanto à esfera pública quanto à privada.”26

Nesse sentido, o garantismo fourieriano foi adjetivado como social.27

Estabelecido em

prol da implementação de uma sociedade comunitária perfeita e harmônica, o garantismo, de

Charles Fourier, foi bastante destacado por escritos franceses publicados ao longo do século

XIX e, ainda, no início do século XX, “quando a circulação da palavra ‘garantismo’ já havia

superado os limites da escola”.28

A despeito disso, não recebeu a adesão necessária para que

pudesse se firmar como a única significação de garantismo.

25 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.

54. No original: “[...] parola “garantismo” – oggi d’uso corrente nelle principali lingue neolatine – è un

neologismo del XIX secolo (estagione prolifica di ismi politici: liberalismo, constituzionalismo,

comunismo...).” 26 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.

54. No original: “[...] sistema di sicurezza sociale che mira a salvaguardare i soggetti più deboli, fornendo loro

le garanzie dei diritti vitali (a partire da quelli connessi alla sussistenza), atraverso un piano di reforme

riguardante tanto la sfera pubblica quanto i rapporti privati.” 27 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.

54. 28 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.

55. No original: “quando ormai la circolazione della parola ‘garantismo’ ha travalicato i confini della scuola”.

Sobre o assunto, esclarece Dario Ippolito que, na França, o garantismo social de Charles Fourier foi abordado

em “artigos da revista La Phalange (1836-1849) dirigida por Victor Considerant – obras políticas e

sociológicas como De quelques heureux effets du garanstisme [...] envisagés au double point de vue

comercial et social, publicada anonimamente em 1838; Du droit de vivre, de la proprieté e du garantisme, de

Paul de Jouvencel, editada em 1847; Révolution sociale (1848), de Fontarive, que se ocupa entre outras coisas

– como preanuncia o subtítulo – das ‘Institutions de garantisme’; e os Principes de sociologie (1867), de

François Barrier, nos quais se encontra desenvolvido um articulado discurso sobre ‘garantismo agrícola’,

sobre ‘garantismo industrial’, sobre ‘garantismo doméstico’, etc., que, alguns anos após, aparece nas colunas

Page 21: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

28

É o que se extrai, mais uma vez, da pesquisa realizada por Dario Ippolito,29

que, ao

mirar o ingresso do vocábulo garantismo no direito italiano, esclarece que esse ocorreu de

modo completamente desvinculado das aspirações socializantes de Charles Fourier. Na Itália,

por publicação jurídica de 1925, de autoria de Guido de Ruggiero, o garantismo foi

compreendido como uma proposta fundada na garantia da liberdade do indivíduo em relação

ao Estado e diante do Estado, em uma perspectiva associada aos estudos de Baron de la Brède

et de Montesquieu, a qual em nada se confundia com as propostas fourierianas que, naquele

momento, já se encontravam identificadas com o socialismo utópico a que faz referência

Friedrich Engels.30

Sobre esse aspecto, a propósito, a pesquisa de Dario Ippolito não discrepa da que foi

formalizada por Perfecto Andrés Ibáñez,31

no ano de 2005. Ao discorrer sobre os antecedentes

históricos do garantismo, esse aponta o livro Storia del Liberalismo Europeo, de Guido de

Ruggiero, como um marco expressivo do estudo do garantismo na Itália, tendo em vista que,

por via dessa publicação, o garantismo assumiu o status de um “regime de garantia de direitos

(de primeira geração) com vocação de efetividade, fundado na ideia de separação de poderes”,

mediante o reconhecimento de que a tutela da liberdade do indivíduo depende de limitações

jurídico-institucionais previstas constitucionalmente.

do Grand Dictionnaire universel du XIX siècle (1872), de Pierre Larouse.” IPPOLITO, Dario. Itinerari del

garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p. 54-55. No original: “[...]

articoli della rivista La Phalange (1836-1849) diretta da Victor Considerant – opere politiche e sociologiche

quali De quelques heureux effets du garanstisme [...] envisagés au double point de vue comercial et social,

pubblicata anonima nel 1838; Du droit de vivre, de la proprieté e du garantisme di Paul de Jouvencel, edita

nel 1847; Révolution sociale (1848) di Fontarive, che si occupa tra l’altro – come preannuncia il sottotitolo –

delle ‘Institutions de garantisme’; e i Principes de sociologie (1867) de François Barrier, in cui trova

svolgimento un articolato discorso sul ‘garantismo agricolo’, sul ‘garantismo industriale’, sul ‘garantismo domestico’ etc., che qualche anno dopo trapassa nelle colonne del Grand Dictionnaire universel du XIX siècle

(1872) di Pierre Larouse.” 29 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.

55. 30 De acordo com Friedrich Engels, as propostas do socialismo utópico deveriam ser afastadas em favor daquelas

apresentadas pelo socialismo científico. É que as propostas do socialismo utópico não enfrentavam a

dualidade existente entre modos de produção e forças produtivas, de forma a possibilitar, inicialmente, a

emancipação de uma classe determinada. ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo

científico. Tradução de Rubens Eduardo Frias. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2005. p. 60. Ao contrário, as

proposições apresentadas pelos socialistas utópicos, dentre os quais Charles Fourier, “[...] não fazem mais do

que refletir o estado incipiente da produção capitalista, a incipiente condição de classe. Pretendia-se tirar da cabeça a solução dos problemas sociais, latentes ainda nas condições econômicas pouco desenvolvidas da

época. A sociedade não encerrava senão males, que a razão pensante era chamada a remediar.” ENGELS,

Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. Tradução de Rubens Eduardo Frias. 2. ed. São

Paulo: Centauro, 2005. p. 64-65. 31 IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. Garantismo: una teoría crítica de la jurisdicción. In: CARBONELL, Miguel;

SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid:

Editorial Trotta, 2005. p. 59. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] un

régimen de garantía de derechos (de la primera generación) con vocación de efectividad, fundado en la idea

de la separación de poderes [...]”.

Page 22: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

29

O que daí se vê, portanto, é que, tanto no direito francês quanto no direito italiano, nos

quais o garantismo foi inicialmente abordado, nenhuma correlação marcante foi estabelecida

entre esse e o âmbito penal, no qual o termo garantismo apresenta-se, atualmente, mais

empregado. Pesquisas realizadas por Dario Ippolito, Perfecto Andrés Ibáñez e Luigi

Ferrajoli32

apontam que apenas na década de setenta do século passado as correlações

existentes entre garantismo, direito penal e direito processual penal tornaram-se notadas de

modo consistente, a partir de uma atuação incisiva de doutrinadores italianos comprometidos

com a normatividade constitucional estabelecida após a Segunda Guerra Mundial e, também,

de parte da magistratura italiana, que se insurgiu contra a aplicabilidade dos dispositivos

penais integrantes da codificação fascista de Alfredo Rocco e, ainda, em desfavor da

legislação de emergência que foi produzida ao enfrentamento do terrorismo e do crime

organizado.

À época, além de diversas publicações destinadas à tematização do autoritarismo

legislativo infraconstitucional italiano,33

por uma atuação destacada da Magistratura

Democrática, que era uma associação de jovens juízes “comprometida na redefinição de um

papel garantista da jurisdição, ancorado nos princípios da Constituição, os quais até então

permaneciam substancialmente ignorados pela jurisprudência dominante”,34

membros da

judicatura italiana uniram-se em prol do enfrentamento da discrepância existente entre a

Constituição e a legislação infraconstitucional, principalmente a legislação penal, em relação

à qual a divergência era mais acentuada.35

32 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.

56-57; IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. Garantismo: una teoría crítica de la jurisdicción. In: CARBONELL,

Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.) Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli.

Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 60. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI,

Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino, 2013a. p. 13.

(Collana Contemporanea); FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica e a filosofia jurídica analítica no século

XX. Tradução de Alfredo Copetti Neto, Alexandre Salim e Hermes Zaneti Júnior. São Paulo: Saraiva, 2015a.

p. 60-68. (Coleção Saberes Críticos); FERRAJOLI, Luigi. O garantismo e a esquerda. In: VIANNA, Túlio;

MACHADO, Felipe (Coord.). Garantismo penal no Brasil: estudos em homenagem a Luigi Ferrajoli. Belo

Horizonte: Fórum, 2013b. p. 15. 33 FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica e a filosofia jurídica analítica no século XX. Tradução de Alfredo

Copetti Neto, Alexandre Salim e Hermes Zaneti Júnior. São Paulo: Saraiva, 2015a. p. 64-65. (Coleção

Saberes Críticos). 34 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:

Editoral Trotta, 2012a. p. 15. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...]

comprometida en la redefinición de un papel garantista de la jurisdicción, anclado en los principios de la

Constitución, que hasta entonces habían permanecido substancialmente ignorados por la jurisprudencia

dominante.” 35

FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,

2013a. p. 44 e 49. (Collana Contemporanea).

Page 23: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

30

Conforme explicita Luigi Ferrajoli,36

que teve participação ativa na fundação de

referida associação,37

à qual rende homenagens por obstar-lhe o abandono precoce de sua

carreira de julgador,38

a Magistratura Democrática apresentou-se como:

[...] uma associação de juízes que recusa abertamente a velha ideologia de classe da

avaloração da aplicação da lei e a rígida separação de casta do corpo judiciário pela

sociedade que, de fato, decidia-se na sua gravitação política e cultural no âmbito do

poder. Daquela ideologia que era reflexo do velho mito da tecnicidade e autonomia

do direito, os magistrados democráticos contestaram ativamente os dois principais

pressupostos: uma errônea teoria da interpretação, que ignorava as lições de Kelsen e da filosofia analítica sobre o caráter inevitavelmente discricionário das escolhas

interpretativas e, portanto, das opções ético-políticas por elas requisitadas, e uma

errônea teoria das fontes, que igualmente ignorava a tensão originada no

ordenamento pelo virtual conflito entre a Constituição e o velho sistema legislativo

ainda prevalentemente fascista. E denunciaram, com um radicalismo bem maior do

que aquele acadêmico, os vícios ideológicos da cultura, até então dominantes na

magistratura: a presunção da coerência e da completude, o mito da certeza do

direito, a ideia de aplicação da lei como operação técnica e mecânica, a desconfiança

em relação à Constituição como programa “político” ou ornamento ideológico, a

solidariedade corporativa e a organização hierárquica da ordem judiciária, fundadas

no caráter unitário e na univocidade das diretrizes jurisprudenciais defendidas pela Corte de Cassação.

E conclui:

O resultado dessa redefinição da jurisdição – como momento terceiro e imparcial,

mas não avalorativo, independente, embora, ou melhor, por causa, do caráter

discricionário das escolhas interpretativas, começando pela avaliação da

constitucionalidade das leis – teve duas consequências. Em primeiro lugar, o

desenvolvimento de uma jurisprudência que se chamou, então, de alternativa, mas

que simplesmente pretendia fazer valer a primazia da Constituição, que por muito

tempo ficara esquecida, sobre a legalidade viciada na qual se baseavam as

orientações jurisprudenciais dominantes em matéria de direito do trabalho, dos crimes de opinião e sindicais, da liberdade pessoal, da garantia dos direitos difusos,

de tutela da segurança e da saúde nos locais de trabalho e de defesa do meio

ambiente. Em segundo lugar, o desenvolvimento, em toda a magistratura, do hábito

de independência e de um novo sentido em relação ao papel do juiz, como

responsável pela legalidade contra os poderes fortes, tanto públicos como privados,

36 FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica e a filosofia jurídica analítica no século XX. Tradução de Alfredo

Copetti Neto, Alexandre Salim e Hermes Zaneti Júnior. São Paulo: Saraiva, 2015a. p. 66-68. (Coleção

Saberes Críticos). 37 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:

Editoral Trotta, 2012a. p. 15. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FIGUEROA, Alfonso

García. Entrevista a Luigi Ferrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.) Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 515-516.

(Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 38 FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,

2013a. p. 44. (Collana Contemporanea). No período compreendido entre 1967 e 1975, Luigi Ferrajoli atuou

como pretor na Itália. Em 1975, Luigi Ferrajoli foi aprovado no concurso para professor ordinário de Direito e

optou por deixar a magistratura para se dedicar integralmente à docência universitária. Confira, nesse sentido,

o magistério disposto em livro de FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de

constitucionalismo: una conversación. Madrid: Editoral Trotta, 2012a. p. 20. (Colección Estructuras y

Procesos – Serie Derecho).

Page 24: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

31

que manifestará a sua força perturbadora na crise do sistema político no início dos

anos noventa.

De conseguinte, é possível afirmar que as interfaces existentes entre o garantismo e o

âmbito penal estabeleceram-se, de modo nítido, quando foi abordada a dicotomia liberdade-

poder na Itália, já nas três últimas décadas do século XX. Foi neste momento, em consonância

com o que ocorria em outras áreas do direito italiano, nas quais a produção e a aplicação

jurídico-normativas apresentavam-se dissociadas dos critérios fixados pelo modelo

estabelecido na Constituição, que se afirmou “com força o primado dos direitos individuais de

imunidade e liberdade diante dos poderes punitivos do Estado”.39

É permitido afirmar, também, que, embora, originariamente, o garantismo tenha

integrado as cogitações socialistas, de Charles Fourier, e históricas, de Guido de Ruggiero,

apenas na década de setenta do século passado é que ganhou notoriedade, que foi provocada

pela atuação de cientistas do direito e de juízes italianos dedicados à defesa da normatividade

constitucional, dentre os quais destacava-se Luigi Ferrajoli. Segundo afirma André Karam

Trindade,40

aliás, a própria “consolidação do termo garantismo é decorrência direta das

atividades e pesquisas científicas desenvolvidas por Luigi Ferrajoli – à época juiz vinculado à

Magistratura Democrática e professor da faculdade de direito da Universidade de

Camerino –”, as quais se tornaram ainda mais conhecidas a partir do ano de 1989, com a

publicação da primeira edição do livro Diritti e Ragione – Teoria del garantismo penale.

Apresentando-se como referência indispensável para a análise da temática garantista,

Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal explicita, de modo cuidadoso, os contornos

teóricos do garantismo proposto por Luigi Ferrajoli, não se restringindo, contudo, à

formulação de uma proposição exclusivamente aplicável ao âmbito penal, como pode parecer

por uma análise apressada do seu subtítulo. Ao contrário disso, vê-se que, aproveitando-se de

sua vivência como pretor em Prato,41

de sua atuação na Magistratura Democrática, de seus

39 IPPOLITO, Dario. Itinerari del garantismo. Revista Videre, Dourados, ano 3, n. 6, p. 53-67, jul./dez. 2011. p.

57. 40 TRINDADE, André Karam. Revisitando o garantismo de Luigi Ferrajoli: uma discussão sobre metateoria,

teoria do direito e filosofia política. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, Franca, v. 5, n.

1, p. 3-21, jul. 2012a. p. 5. 41

Por oito anos, Luigi Ferrajoli foi pretor em Prato, uma cidade industrial italiana dotada de altas taxas de

contenciosidade, situada próxima à Florença. Como membro da magistratura, atuava como agente de juízo

com competência fixada nas áreas civil, penal, do trabalho e de família, além de exercer a função de

investigação do Ministério Público. Atualmente, não há mais pretores na Itália, tendo em vista que o cargo foi

extinto em 1989, consoante anota Juan Ruiz Manero. Nesse sentido, confira, especialmente, os escritos de

FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:

Editoral Trotta, 2012a. p. 15. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Dei

diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino, 2013a. p. 44 e 48. (Collana

Contemporanea).

Page 25: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

32

estudos relacionados à lógica jurídica e à filosofia analítica,42

assim como daqueles atinentes

ao direito penal e ao direito processual penal – especialidades a que se dedicou intensamente

nas décadas de setenta e oitenta do século passado –,43

Luigi Ferrajoli formula uma teoria que

é aplicada inicialmente ao âmbito penal e, logo em seguida, expandida para outras áreas

jurídicas.

Desta forma, em um primeiro momento, os escritos ferrajolianos esclarecem que

Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal objetiva “contribuir com a reflexão sobre a

crise de legitimidade que assola os hodiernos sistemas penais, e em particular o italiano, com

respeito aos fundamentos filosóficos, políticos e jurídicos”.44

Em momento posterior,

entretanto, Luigi Ferrajoli amplia a sua pretensão, asseverando que as reflexões direcionadas

ao âmbito penal podem ser estendidas para outras áreas do direito, que estão sujeitas à

semelhante crise de legitimidade. Conforme registra o autor garantista:

Também para os outros setores do ordenamento e para os direitos a eles relativos podem se configurar sistemas mais ou menos garantistas ou autoritários, a partir dos

modelos de racionalidade e de justiça assumidos como fundamento, dos esquemas

de legalidade positivamente elaborados e quem sabe constitucionalizados, e do

funcionamento concreto das instituições. E também por eles a divergência

ineliminável entre dever ser e ser do e no direito – aqui tematizada por um lado com

a separação juspositiva entre direito e moral ou entre validade e justiça, de outro

com aquela entre validade, vigor e efetividade do ordenamento jurídico – tem um

valor teórico e metodológico de caráter geral.45

Com efeito, não obstante Luigi Ferrajoli dedique-se, nas três primeiras partes de sua

pesquisa, ao exame das três ordens de fundamentos do direito penal, próprias das intituladas

epistemologia jurídica, filosofia do direito e ciência penal, bem como se entregue, na quarta

parte, à análise da usual inobservância do modelo penal garantista na prática italiana, na

quinta parte do livro Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, esforça-se pela

enunciação de uma teoria geral do garantismo e, para tanto, aduz que o garantismo pode ser

compreendido por três acepções distintas, embora conexas entre si, que designam um modelo

normativo de direito, uma teoria jurídica da validade e da efetividade como categorias que não

se confundem com a vigência das normas e, por fim, uma filosofia política.

42 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:

Editoral Trotta, 2012a. p. 13. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 43 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:

Editoral Trotta, 2012a. p. 20. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 44 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

15. 45 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

21.

Page 26: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

33

Segundo as cogitações ferrajolianas, esses três significados apresentam um alcance

propositivo que não pode ser desconsiderado, porque:

Eles delineiam, precisamente, os elementos de uma teoria geral do garantismo: o

caráter vinculado do poder público no Estado de direito; a divergência entre validade

e vigor produzida pelos desníveis das normas e um certo grau irredutível de

ilegitimidade jurídica das atividades normativas de nível inferior; a distinção entre

ponto de vista externo (ou ético-político) e ponto de vista interno (ou jurídico) e a

conexa divergência entre justiça e validade; a autonomia e a prevalência do primeiro

e um certo grau irredutível de ilegitimidade política com relação a ele das instituições vigentes.46

Por tudo isso, apresenta-se acolhível a afirmação de Alfredo Copetti Neto, Alexandre

Salim e Hermes Zaneti Júnior,47

no sentido de que Luigi Ferrajoli seja o fundador da teoria

garantista do direito. Apesar dos escritos ferrajolianos terem recebido realce nas áreas do

direito penal e do direito processual penal, a sua proposta vai muito além da oferta de uma

teoria do garantismo penal.

Em termos mais exatos, vê-se mesmo, na primeira parte dos escritos integrantes de

Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, uma abordagem da racionalidade das decisões

penais a partir do que Luigi Ferrajoli denomina epistemologia jurídica, fazendo alusão ao

modelo penal garantista que, sendo tendencialmente cognitivista e baseado no princípio da

taxatividade, “equivale a um sistema de minimização do poder e maximização do saber

judiciário, enquanto condiciona a validade das decisões à verdade, empírica e controlável das

suas motivações.”48

Na segunda parte, sob o plano da filosofia do direito, da chamada justiça penal, é

examinada a fundamentação externa ou política do direito penal, abordando-se as

“justificações ético-políticas da qualidade, da quantidade e antes ainda da necessidade das

penas e das proibições, além das formas e dos critérios das decisões judiciais”,49

que, pelo

46 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

788. 47 COPETTI NETO, Alfredo; SALIM, Alexandre; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Apresentação da obra. In:

FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica e a filosofia jurídica analítica no século XX. Tradução de Alfredo

Copetti Neto, Alexandre Salim e Hermes Zaneti Júnior. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 11. (Coleção Saberes

Críticos). 48 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

16. 49 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

16.

Page 27: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

34

garantismo, possibilitariam a maximização da liberdade em face do arbítrio, com o prestígio

da centralidade da pessoa.

Na terceira parte de Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, é analisada a

ciência penal, que encampa a teoria geral do direito e a intitulada dogmática jurídico-penal.

Nesse trecho, Luigi Ferrajoli incursiona sobre o modelo penal garantista que, mesmo sendo

acolhido pelas Constituições de modo imperfeito, deve ser acolhido como o fundamento

interno ou jurídico de legitimidade da legislação e da jurisdição penais, isto é, como um

referencial “idôneo a limitar e ao mesmo tempo convalidar ou invalidar a potestade punitiva

com razões de direito”.50

E, na quarta parte, a partir das reflexões realizadas no longo percurso temático trilhado

à análise das três ordens de fundamentos do direito penal, correspondentes ao que denomina

razão do direito penal, razão no direito penal e razão de direito penal, Luigi Ferrajoli promove

“uma análise sumária dos perfis de irracionalidade, de injustiça e de invalidez que marcam o

ordenamento penal e processual italiano”,51

dando fim aos estudos específicos relativos ao

âmbito penal para, já na quinta parte de sua publicação, enunciar a teoria geral do garantismo.

Nesta última parte de Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, o autor garantista

é taxativo ao expor que, não obstante tenham os três significados de garantismo recebido uma

abordagem exclusivamente penal nos tópicos que lhe antecederam, os elementos que deles se

extraem não são restritos ao âmbito penal, valendo “também para os outros setores do

ordenamento. Inclusive para estes é, pois, possível elaborar, com referência a outros direitos

fundamentais e a outras técnicas e critérios de legitimação, modelos de justiça e modelos

garantistas de legalidade”.52

A vinculação do garantismo exclusivamente ao âmbito penal, logo, somente pode

decorrer de uma leitura equivocada de Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal,53

que,

embora adote o direito penal e o direito processual penal como áreas de aplicação inicial da

50 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

16. 51 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p. 18.

52 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

788. 53 É o que também salientam os escritos de TRINDADE, André Karam. Revisitando o garantismo de Luigi

Ferrajoli: uma discussão sobre metateoria, teoria do direito e filosofia política. Revista Eletrônica da

Faculdade de Direito de Franca, Franca, v. 5, n. 1, p. 3-21, jul. 2012a. p. 6; e de COPETTI NETO, Alfredo.

A democracia constitucional sob o olhar do garantismo jurídico. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.

p. 19. (Coleção Sob o olhar do Garantismo Jurídico, v. 1).

Page 28: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

35

proposição ferrajoliana, caracteriza-se como marco proposicional de uma teoria geral do

garantismo que, desde então, erige-se como tema privilegiado de diversas pesquisas

publicadas por Luigi Ferrajoli e por muitos outros que, ora desenvolvem seus estudos com

base nas cogitações garantistas, ora formalizam escritos destinados à crítica dessas

conjecturas.

Muito mais do que uma publicação voltada ao exclusivo exame das interligações

existentes entre o garantismo, o direito penal e o direito processual penal, Direito e Razão –

Teoria do Garantismo Penal notabiliza-se por abordar, de modo aprofundado, os três

significados de garantismo propostos por Luigi Ferrajoli, que, nesta tese, serão examinados

com o sopesamento dos esclarecimentos que lhe foram ofertados por pesquisas

posteriormente formalizadas pelo autor garantista.

O que se frisa, desde logo, é que, assumindo o status de modelo normativo de direito,

de teoria crítica do direito ou de filosofia política, o garantismo destaca-se por atribuir

especial realce à jurisdição, que é conceituada como uma atividade discricionária dos juízes

destinada à afirmação da lei. Tematizando a coerência e a completude do ordenamento

jurídico, bem como a avaloração na análise jurídico-normativa pelos magistrados, a

proposição garantista atribui aos julgadores a condição de garantes da legalidade e a esses

entrega o monopólio jurídico-interpretativo.

Com isso, já a partir dos escritos dispostos em Direito e Razão – Teoria do Garantismo

Penal, a jurisdição ocupa um lugar central no âmbito da aplicação garantista do direito. Um

locus que, também, nas pesquisas garantistas publicadas após 1989, jamais lhe foi negado e

que, a despeito de ser anunciado como garantia de concretização dos objetivos estabelecidos

pela teoria ferrajoliana, é confirmatório de sua imprestabilidade para o direito democrático.

2.1 Garantismo como modelo normativo de direito e o controle jurisdicional do exercício

ilegítimo do poder

Na sua primeira acepção, o garantismo é sinônimo de Estado Constitucional de

Direito. De acordo com Luigi Ferrajoli,54

assim se apresentando, o garantismo acolhe o

denominado governo das leis em face do governo dos homens e, com base em uma distinção

54 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

789-791; BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro

da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 165-174. (Coleção

Pensamento crítico, v. 63).

Page 29: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

36

traçada por Norberto Bobbio, e inovada pela teoria garantista, apresenta-se como um Estado

que designa um governo per leges e, ao mesmo tempo, um governo sub lege.

Para a teoria garantista, o Estado Constitucional é o terceiro modelo normativo de

direito que se identifica ao longo da história. Apontado como a refundação do Estado

Legislativo de Direito,55

também chamado Estado de Direito, Estado Paleojuspositivista e

Estado Paleopositivista, o Estado Constitucional de Direito é igualmente baseado no princípio

da legalidade, que se afirmou no momento em que o Estado assumiu o monopólio da

produção normativa.56

Distingue-se do Estado Legislativo de Direito, entretanto, pela nova

teorização que atribuiu a esse princípio.

Segundo Luigi Ferrajoli,57

no Estado Legislativo de Direito, o sistema jurídico

caracteriza-se como nomodinâmico, de modo que “existência e validade das normas são, de

fato, neles reconhecíveis com base na forma de produção e não com base em seus conteúdos.

Auctoritas, non veritas facit legem”. Com o seu advento, instala-se a separação de direito e

moral, bem como de validade e justiça. A existência e a validade das normas passam a estar

vinculadas exclusivamente à positivação regular destas, motivo pelo qual a justiça da norma

não mais se coloca como temática ínsita ao direito ou à ciência do direito, ao contrário do que

ocorria no modelo de direito jurisprudencial pré-moderno que lhe antecedeu.58

55 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

790; FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo

teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015b. p. 17-22. 56

FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.

Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz

Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 32. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Democracia, estado de derecho y jurisdicción en la crisis del estado nacional. In:

ATIENZA, Manuel; FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de

derecho. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005a. p. 112-113. (Serie Estado de Derecho

y Función Judicial). 57 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo

teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015b. p. 19. 58 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo

teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015b. p. 19. Conforme assevera Luigi Ferrajoli, o denominado modelo de direito jurisprudencial pré-

moderno consistia em “um sistema normativo que, de acordo com a terminologia kelseniana, podemos

caracterizar como tendencialmente e prevalentemente nomoestático. A sua norma de reconhecimento é, de

fato, a sua intrínseca justiça ou racionalidade. Mesmo na experiência histórica pré-moderna, existiam

obviamente leis, decretos, ordenações e estatutos. Contudo, por causa da heterogeneidade, do pluralismo e do

particularismo dos ordenamentos que conviviam sobre o mesmo território, estas normas, a longo prazo,

acabam por se inserir e se amalgamar dentro do corpus iuris transmitido pela tradição, sucumbindo ao

princípio normativo, ainda que se de fato largamente não efetivado, relativo à coerência interna e à

completude. A existência e a validade das normas do direito comum, além das derrogações constituídas pelo

Page 30: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

37

O Estado Legislativo de Direito inaugura o intitulado governo das leis que, consoante

Norberto Bobbio,59

deve ser analisado sob dois aspectos que, embora diversos, são coligados.

De um lado, o Estado de Direito explicita-se por um governo sub lege, segundo o qual todo o

exercício do poder encontra-se submetido ao direito e, de outro, por um governo per leges,

por via do qual todo o poder deve ser exercido por leis, ou seja, por ordens gerais e abstratas

que, consoante afirma Antonio Manuel Peña Freire,60

devem também ser emanadas da

vontade geral do povo.

Trata-se de duas exigências que, além de não se sobreporem,61

devem ser objeto de

distinção não apenas em prol de uma clarificação conceitual, mas, principalmente, para a

melhor identificação de seus predicados, uma vez que:

[...] as virtudes costumeiramente atribuídas ao governo da lei são diversas conforme

estejam referidas ao primeiro significado ou ao segundo. As virtudes do governo sub

lege consistem, como já se afirmou, em impedir ou ao menos obstaculizar o abuso

do poder; as virtudes do governo per leges são outras. Mais ainda: deve-se dizer que

a maior parte dos motivos de preferência pelo governo da lei em detrimento do

governo dos homens, aduzidos a começar dos escritores antigos, estão vinculados ao

exercício do poder mediante normas gerais e abstratas. De fato, os valores fundamentais, aos quais se referiram de diversas maneiras os defensores do governo

da lei – a igualdade, a segurança e a liberdade –, estão garantidos pelas

características intrínsecas da lei entendida como norma geral e abstrata, mais que

pelo exercício legal do poder.62

É, por isso, que, ressalvada a divergência teórica relativa à existência de um vínculo

entre liberdade e vontade geral na edição da lei,63

é usual que, na literatura especializada, a

direito estatutário, dependiam, em outras palavras, da sua substância ou conteúdo prescritivo. A lógica, de

fato, era interna e não externa ao sistema jurídico. Veritas, non auctoritas facit legem: é a verdade, isto é, a

intrínseca justiça ou racionalidade, a norma de reconhecimento das normas jurídicas de acordo com este modelo. Por isso a confusão entre direito e moral, ou mesmo entre validade e justiça. Uma máxima de Gaio,

por exemplo, prevalecia em juízo sobre uma máxima de Ulpiano, ou vice-versa, pois considerada, no caso

concreto, mais justa ou mesmo mais apropriada. Por isso, o jusnaturalismo era a filosofia do direito que

refletia esta experiência.” FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo

garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre

Salim, Alfredo Copetti Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2015b. p. 18. 59 BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro da

democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 170-171. (Coleção

Pensamento crítico, v. 63). 60 PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de derecho. Madrid: Editorial

Trotta, 1997. p. 49-50. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 61 BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro da

democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 170-171. (Coleção

Pensamento crítico, v. 63). 62 BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro da

democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 171. (Coleção

Pensamento crítico, v. 63). 63

BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro da

democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 173-174. (Coleção

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38

generalidade da lei esteja atrelada à igualdade, já que, por não se destinar a norma nela

prevista a um único indivíduo, não estaria posta para beneficiar ou prejudicar quem quer que

seja. A abstração, a seu turno, habitualmente, encontra-se adstrita à segurança jurídica, ao

possibilitar a previsibilidade das repercussões advindas da adoção de uma determinada

conduta omissiva ou comissiva por qualquer sujeito.64

Por uma perspectiva garantista, portanto, em conjunto, governo sub lege e governo per

leges propiciariam o enfrentamento do absolutismo monárquico. Com a implementação desse

novo modelo normativo de direito, que assumiu, inicialmente, a forma liberal, ao “súdito que

presta ao Estado, confundido com o rei, total subserviência, sucedem as primeiras

manifestações do cidadão. O Estado não se confunde com o príncipe e não pode tudo.”65

O

desejo do monarca – como fonte do direito – é permutado pela vontade popular, a qual

deveria estabelecer o direito a que se submeteria o exercício do poder por via da democracia,

isto é, por meio de um procedimento eletivo e de um exercício governamental legitimado pela

maioria.66

Uma pretensão que, como registra Antonio Manuel Peña Freire,67

em pouco tempo,

demonstrou-se incapaz à garantia dos direitos de liberdade dos indivíduos, tendo em vista que,

pelo Estado Legislativo de Direito:

Pensamento crítico, v. 63); PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de

derecho. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p. 49-50. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);

CADEMARTORI, Sérgio Urquhart de. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. 2. ed.

atual. e ampl. Campinas: Millennium, 2007. p. 12. 64 BOBBIO, Norberto. Governo dos homens ou governo das leis? In: BOBBIO, Norberto. O futuro da

democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 171-172. (Coleção

Pensamento crítico, v. 63); ZAGREBELSKI, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos y justicia. Traducción

de Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, 2011. p. 29-30. (Colección Estructuras y Procesos – Serie

Derecho); PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de derecho. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p. 49. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); CADEMARTORI, Sérgio

Urquhart de. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. 2. ed. atual. e ampl. Campinas:

Millennium, 2007. p. 11. 65 SOUZA, Patrus Ananias de. Processo constitucional e devido processo legal. In: LEAL, Rosemiro Pereira

(Org.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 35. v. 1. Em sentido

semelhante, confira os escritos de FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução

de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2010a. p. 793. 66 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: uma justificação democrática do

controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo

Horizonte: Fórum, 2016. p. 46. 67

PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de derecho. Madrid: Editorial

Trotta, 1997. p. 53-54. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] el absolutismo

monárquico dará paso a un sistema organizativo donde la supremacía política e jurídica pasa a manos del

poder legislativo, único soberano al ser representante de la nación. Si el imperio de la ley era considerado la

garantía máxima contra el arbitrio y la injusticia de los gobernantes, una vez asentado el modelo jurídico-

político burgués, asistiremos a un giro en la realidad del Estado de derecho, que abrirá las puertas a nuevas

expresiones absolutas o totales del poder. Em definitiva, superado el poder absoluto del rey, éste fue

substituido por el de las asambleas soberanas, y, por lo tanto, al absolutismo monárquico sucede una suerte de

absolutismo legislativo o concepción absoluta de la ley a la que queda finalmente asimilada la propria ideia de

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39

[...] o absolutismo monárquico dá lugar a um sistema organizativo onde a

supremacia política e jurídica passa às mãos do poder legislativo, único soberano

para representar a nação. Se o império da lei era considerado a garantia máxima

contra o arbítrio e a injustiça dos governantes, uma vez assentado o modelo jurídico-

político burguês, assistiremos a um giro na realidade do Estado de direito, que abrirá

as portas a novas expressões absolutistas ou totalizantes de poder. Definitivamente,

superado o poder absoluto do rei, este foi substituído pelo das assembleias

soberanas, e, portanto, ao absolutismo monárquico sucede uma sorte de absolutismo

legislativo ou concepção absoluta de lei à qual é, finalmente, assimilada a própria

ideia de direito.

É que, pelas bases normativas do Estado Legislativo de Direito, em sua versão liberal,

estabelecia-se que “todos eram livres, iguais e proprietários. Pensava-se que, dessa forma, a

felicidade de todos seria alcançada pelo livre desenvolvimento das habilidades humanas”.68

Assim, como observa Luigi Ferrajoli,69

no liberalismo, era reservada ao Estado uma função

negativa nos âmbitos econômico e social, autorizando-se a sua atuação apenas para a defesa e

a manutenção da ordem pública. O Estado deveria garantir tão somente a certeza das relações

sociais através da harmonização dos interesses privados com o interesse global, permitindo

que entre os particulares vigorasse um livre jogo de interesses em busca de sua própria

felicidade.70

Como leciona Ovídio Araújo Baptista da Silva,71

a “democracia liberal deixa intocada

toda a nova esfera de dominação e de coação criada pelo capitalismo, sua transferência de

poderes substanciais do Estado para a sociedade civil, para a propriedade privada e as

pressões do mercado.” No liberalismo, nenhuma relevância atribuía-se à desigualdade

econômica propiciada pelas regras de livre concorrência e de livre iniciativa que, impositivas

derecho. La crisis del Estado de derecho en su versión legislativa o liberal es así la crisis de la ley y del

derecho, en su imagen tradicional, en tanto que mecanismos de regulación y programación social.” 68 OMMATI, José Emílio Medauar. A igualdade no paradigma do estado democrático de direito. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 69. 69 FERRAJOLI, Luigi. El garantismo y la filosofía del derecho. Traducción de Gerardo Pisarello, Alexei Julio

Estrada y José Manuel Díaz Martín. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2000a. p. 67. (Serie de

Teoría Jurídica y Filosofía del Derecho, n. 15). 70 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno

Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 138. v. 2; CATTONI DE OLIVEIRA,

Marcelo Andrade. Tutela jurisdicional e estado democrático de direito: por uma compreensão

constitucionalmente adequada do mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 37;

FERNANDES, Bernando Gonçalves Alfredo. A teoria geral do processo e a teoria da constituição no estado

democrático de direito. Revista do Unicentro Izabela Hendrix, Nova Lima, v. 1, n. 1, p. 07-18, maio 2003. p. 39.

71 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. 2. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006. p. 317. Nesse sentido, confira, ainda, a lição de Joaquim José Calmon de Passos, segundo o

qual, no liberalismo, a “[...] dissociação entre o econômico e o político deixou livre de controles o poder

econômico, que é um poder tão necessitado de controles quanto o poder político. As leis do mercado não

operaram corretivamente por si mesmas, visto como o mercado não é uma realidade ‘natural’, sim ‘humana’.”

CALMON DE PASSOS, Joaquim José. Democracia, participação e processo. In: GRINOVER, Ada

Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. Participação e processo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1988. p. 91.

Page 33: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

40

de uma dicotomia radical, infligiam um intenso sofrimento humano aos despatrimonializados

e, ao mesmo tempo, determinavam um enriquecimento ostensivo dos detentores do capital,72

que valiam-se das leis que “eram discutidas e aprovadas pelos representantes da ‘melhor

sociedade’, já que o voto era censitário”,73

para incrementar o seu patrimônio.

É, nesse sentido, que, diante do abstencionismo estatal que qualificava o Estado

Legislativo de Direito, bem como da validade conferida às leis produzidas com a observância

das condições formais relativas à sua edição por uma assembleia elitista e soberana, o

princípio da legalidade deixou de cumprir a sua função de garantia da centralidade da pessoa

em face do poder. A acentuada concentração de riquezas pela burguesia – em contraste com a

exacerbação da pobreza do proletariado – instalou, em grande parte da Europa, um relevante

estado de tensão institucional que se agravou com a Revolução Industrial, a qual erigiu-se

como referência ensejadora de uma maior organização dos não civis74

e, também, da

intensificação de sua atuação em prol do atendimento de melhores condições de sobrevivência

material, muitas vezes conduzida por violentos eventos grevistas, organizados diretamente por

operários ou por organizações sindicais.

A insatisfação popular auferiu repercussão relevante e, no final do século XIX, já se

formalizavam proposições variadas pela necessidade de um Estado que, deixando de assumir

a condição de mero garantidor da autonomia individual, deveria ostentar o status de especial

responsável pelo estabelecimento do destino político, social, jurídico e econômico de todos.

Reivindicações que muito se ampliaram com o advento da Primeira Guerra Mundial, que

72

É o que já se lia, em 1890, em livro de autoria de MENGER, Anton. El derecho civil y los pobres.

Traducción de Adolfo Posada. Granada: Comares, 1998. p. 146-147. (Colección Crítica del Derecho).

Segundo o autor, “Há um século, acreditava-se que, deixando livres as forças econômicas, obter-se-ia uma produção maior, em quantidade, dos diferentes objetos e, em virtude disso, alcançar-se-ia o bem estar

econômico de todos (doutrina de Manchester). Tratando a todos os cidadãos de um modo perfeitamente igual,

sem atender às suas qualidades pessoais e à sua posição econômica, permitindo que entre eles se estabelecesse

uma competição sem freios, lograr-se-ia, sem dúvidas, uma elevação da produção até o infinito. Mas, ao

mesmo tempo, conseguiu-se que os pobres e os fracos tomassem uma parte escassíssima nesse aumento de

produção. [...] Hoje, sabe-se que não existe uma desigualdade maior do que aquela que consiste em tratar aos

desiguais de um modo igual.” No original: “Un siglo hace se creía que, dejando en libertad las fuerzas

económicas, se obtendría una producción mayor en cantidad de los diferentes objetos, y en su virtud se

alcanzaría el bienestar económico de todos (doctrina de Manchester). Tratando á todos los ciudadanos de un

modo perfectamente igual, sin atender á sus cualidades personales y á su posición económica; permitiendo

que entre ellos se estableciese una competencia sin freno, se ha logrado, sin duda, elevar la producción hasta lo infinito; pero al proprio tiempo se ha conseguido que los pobres y los débiles, tomasen una parte escasísima

en ese aumento de producción. [...] Hoy se sabe que no existe una desigualdad mayor que aquella que consiste

en tratar á los desiguales de un modo igual.” 73 DEL NEGRI, André. Teoria da constituição e direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2016.

p. 47; DEL NEGRI, André. Controle de constitucionalidade no processo legislativo. 3. ed. rev., ampl. e

aum. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 31. É o que, também, já se identificava no livro de MAGALHÃES,

José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. p. 53. t. I. 74

Sobre a distinção teórica entre civil e não civil, confira a análise de LEAL, Rosemiro Pereira. Processo civil e

sociedade civil. VirtuaJus – Revista Eletrônica, Belo Horizonte, v. 4, n. 2, dez. 2005a.

Page 34: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

41

causou o agravamento dos desajustes sociais e da precariedade econômica, fortemente

questionados pelos movimentos instaurados em prol de um novo Estado, dentre os quais os

socialistas, comunistas, fascistas e, um pouco após, nazistas.

Consoante afirma Sahid Maluf,75

nesse momento, o Estado Legislativo de Direito “foi

colocado ante o dilema de reformar-se ou perecer. Efetivamente, onde ele permaneceu fraco e

inerte, ocorreu a transformação violenta, surgindo o Estado revolucionário, como na Rússia,

na Itália, na Alemanha, na Polônia e em vários países”. Onde conservou-se forte, apresentou-

se o Estado como Social, assumindo deveres positivos que, somados à garantia da ordem e da

segurança públicas, formataram uma nova concepção de atuação da estatalidade.76

É o que também se lê no magistério de Patrus Ananias de Souza,77

para quem, no

afastamento das fragilidades do liberalismo, o Estado:

[...] se viabilizou em experiências e processos de conotações democráticas

(socialismo democrático, social-democracia, democracia-cristã) e experiências

autoritárias e algumas totalitárias como o nazismo, o fascismo, o stalinismo. Para os

teóricos de inspiração democrática do Estado Social tratava-se de manter, ampliar e

universalizar os direitos e garantias individuais e os direitos políticos e a eles

acrescer os novos direitos sociais. Numa busca de integração entre os princípios da

liberdade e da justiça social; a presença de um Estado normatizador e

regulamentador, inclusive das relações de mercado, mas que se preservassem os

princípios básicos do Estado de Direito. Na concepção dos avalistas dos regimes

autoritários e totalitários, é o Estado todo poderoso agindo em nome da sociedade para impor projetos fundados ideologicamente em conceitos como raça, nação,

classe. Ao Estado, mais especificamente aos que detinham o poder, (sem questionar

a origem e a legitimidade desse poder) dava-se uma procuração com plenos e

irrevogáveis poderes para conduzir e salvar a nação. O preço foi alto: os campos de

concentração, a eliminação sumária dos adversários políticos e dos dissidentes, a

tortura, o genocídio, a Segunda Guerra Mundial.

De conseguinte, a superação do liberalismo inaugurado pelo Estado Legislativo de

Direito não foi suficiente para excluir a possibilidade de reprodução da violência instalada

contra os não patrimonializados, sob autorização expressa do princípio da legalidade. O

afastamento do liberalismo estatal-abstencionista não foi impediente do advento de um Estado

total, inadimplente ou totalitário que se candidatou a substituí-lo. Não impossibilitou que o

Estado se apresentasse como o “grande tutor da sociedade”,78

aquele que regula e compensa,

75

MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 141. 76 LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual

democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 27. Sobre o advento e a crise do Welfare State, confira,

ainda, os escritos detalhados de FERRAJOLI, Luigi. El garantismo y la filosofía del derecho. Traducción de

Gerardo Pisarello, Alexei Julio Estrada y José Manuel Díaz Martín. Bogotá: Universidad Externado de

Colombia, 2000a. p. 65-91. (Serie de Teoría Jurídica y Filosofía del Derecho, n. 15). 77 SOUZA, Patrus Ananias de. Processo constitucional e devido processo legal. In: LEAL, Rosemiro Pereira

(Org.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 36. v. 1. 78 ZIPPELIUS, Reinhold. Introdução ao estudo do direito. Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes.

Page 35: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

42

discricionariamente, as contingências políticas, sociais, jurídicas e econômicas. Muito menos,

que desconsiderasse que as Constituições promulgadas após a Primeira Guerra Mundial

salientam o dever do Estado de satisfazer direitos sociais e econômicos,79

em conjunto com a

não violação dos direitos políticos e civis. Não foi apto, por fim, para obstar a eclosão de um

Estado que, conforme registra Leandro Konder,80

é antiliberal, antiproletário, anticomunista e

antissocialista.

Isso porque, para o garantismo, o Estado Legislativo de Direito foi enunciado a partir

de uma qualificação meramente formal do princípio da legalidade, segundo a qual o governo

sub lege a que faz referência Norberto Bobbio é compreendido “num sentido fraco, ou lato, ou

formal, no qual qualquer poder deve ser conferido pela lei e exercitado nas formas e com os

procedimentos por ela estabelecidos”.81

Por uma concepção de Estado Legislativo de Direito,

a validade de uma norma não apenas identifica-se com a sua existência como, também,

independe de seu conteúdo. No ordenamento jurídico paleojuspositivista, além de lacunas

normativas, podem existir normas que, a despeito de positivadas, sejam injustas, e a “possível

injustiça das normas é o preço que se paga pelos valores da certeza do direito, da igualdade

perante a lei, da liberdade contra o arbítrio e da submissão dos juízes ao direito assegurados

por tal modelo.” 82

Na perspectiva do Estado Legislativo de Direito, assim, é factível uma atuação estatal

inadimplente ou total marcadamente discricionárias. A ascensão de governos totalitários e a

promulgação de leis para a condução do seu exclusivo interesse devem, também, ser

reconhecidas como legítimas, já que:

No velho modelo paleopositivista de estado legal de direito, o poder legislativo das

maiorias parlamentárias era um poder virtualmente absoluto, ao resultar

inconcebível a possibilidade de uma lei que limitasse a lei. Existiam, é certo, constituições e direitos fundamentais estipulados em cartas constitucionais. No

entanto, ao menos no continente europeu, estas cartas eram constituições flexíveis:

leis solenes, mas, ao final, leis que o legislador ordinário podia validamente

modificar com outras posteriores. Os princípios e os direitos estabelecidos nelas

operavam, assim, de fato, como limites e vínculos somente políticos, carentes de

uma força jurídica capaz de vincular a legislação.

Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 116.

79 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do constitucionalismo. Revista de Informação

Legislativa, Brasília, ano 23, n. 91, p. 05-62, jul./set. 1986. p. 46. 80 KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. 28. 81 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

790. 82 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo

teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015b. p. 19.

Page 36: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

43

Deste modo, em um país como a Itália, de fracas tradições liberal-democráticas, o

fascismo pode desfazer com suas leis o Estatuto albertino e sepultar a democracia e

as liberdades fundamentais sem um formal golpe de estado. Com efeito, em

substância é o que foi, embora não nas formas, dado que as leis fascistas, inclusive

as que despedaçaram o estado de direito e a representação parlamentar, foram

consideradas formalmente válidas enquanto votadas pela maioria de deputados,

segundo os cânones da democracia política e formal.83

Por tudo isso, quando aborda os modelos normativos de direito, a teoria garantista

afirma que, nos ordenamentos da civil law, apenas com o advento das Constituições rígidas é

que o princípio da legalidade passa a cumprir, efetivamente, a sua função de primeira garantia

contra o arbítrio.84

Somente após a Segunda Guerra Mundial é que a Constituição estabelece

limites e vínculos conteudísticos ao exercício do poder, a que correspondem vedações

(proibições de lesão ou de restrição) e obrigações (deveres de prestação em prol de sua

satisfação) para a garantia dos direitos de liberdade e sociais, as quais, se não forem

observadas, exigirão a atuação de garantias secundárias, dentre as quais destaca-se a

jurisdição que, pelas cogitações ferrajolianas, consiste em uma atividade tendencialmente

cognitiva dos juízes destinada à aplicação valorativa da lei.

O princípio da legalidade passa a encampar, nesse instante, além do âmbito que

condiciona a validade formal das normas produzidas, um condicionamento substancial que

deve ser acatado por todos os chamados poderes públicos.85

Para que seja considerada válida,

83 FERRAJOLI, Luigi. Poderes salvajes. La crisis de la democracia constitucional. Traducción de Perfecto

Andrés Ibáñez. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2011b. p. 31. (Colección Minima Trotta). No original: “En el

viejo estado legal de derecho el poder legislativo de las mayorías parlamentarias era un poder virtualmente

absoluto, al resultar inconcebible la posibilidad de una ley que limitase a la ley. Existían, es cierto,

constituciones y derechos fundamentales estipulados en cartas constitucionales. Sin embargo, al menos en el

continente europeo, estas cartas eran constituciones flexibles: leys solemnes, pero, al fin, leyes que el

legislador ordinario podía válidamente modificar con otras posteriores. Los principios y los derechos estabelecidos en ellas operaban, así, de hecho, como límites y vínculos solamente políticos, carentes de una

fuerza jurídica capaz de vincular a la legislación. De este modo, en un país como Italia, de débiles tradiciones

liberal-democráticas, el fascismo pudo deshacer con sus leyes el Estatuto albertino y sepultar la democracia y

las libertades fundamentales sin un formal golpe de estado. En efecto, pues en substancia es lo que fue,

aunque no en las formas, dado que las leyes fascistas, incluso las que hicieron pedazos el estado de derecho y

la representación parlamentaria, tuvieron la consideración de formalmente válidas cuanto votadas por

mayorías de diputados según los cánones de la democracia política o formal.” 84 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

790. 85 A expressão poderes públicos é, habitualmente, empregada por Luigi Ferrajoli como gênero do qual seriam

espécies os intitulados poder legislativo, poder executivo e poder judiciário. De acordo com Rosemiro Pereira

Leal, entretanto, é de se registrar que se apresenta “arcaica a divisão da atividade estatal pela afirmação de

poderes, porque, em face do discurso jurídico-democrático avançado [...], a única fonte do poder é o povo.”

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed. rev., atual. e aum. Belo

Horizonte: Fórum, 2016a. p. 335. Também criticando a separação do poder estatal, confira o magistério de

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, para quem “a expressão Poderes do Estado se equipara a osso de

megatério, embora largamente empregada nos textos jurídicos e legislativos produzidos entre nós.” BRÊTAS,

Ronaldo C. Dias. Responsabilidade do estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.

105. Veja, ainda, os escritos de BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo constitucional e estado democrático

Page 37: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

44

a lei deve ser coerente com a Constituição. O significado da lei deve ser compatível com os

conteúdos das disposições constitucionalmente estabelecidas, principalmente com os

significados dos direitos fundamentais que, por uma definição puramente formal ou estrutural,

são conceituados pelo garantismo como “todos aqueles direitos subjetivos que correspondem

universalmente a ‘todos’ os seres humanos enquanto dotados do status de pessoas, de

cidadãos ou pessoas com capacidade de agir”.86

Daí, e a despeito das inúmeras críticas recebidas pela significação garantista de

direitos fundamentais, com destaque para as que foram ofertadas por Riccardo Guastini,

Ermanno Vitale, Danilo Zolo, Mario Jori, Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Anna Pintore,

Adrián Renteria Díaz, Alexandre da Maia, Flaviane de Magalhães Barros e Marcelo Andrade

Cattoni de Oliveira,87

é de se sublinhar que, pela proposição ferrajoliana, com a rigidez

de direito. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 22 e 31. Confira, também, uma análise

detalhada da temática na pesquisa de FREITAS, Sérgio Henriques Zandona. A impostergável reconstrução

principiológico-constitucional do processo administrativo disciplinar no Brasil. 2014. 210 f. Tese

(Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,

Belo Horizonte, 2014. p. 24-26. 86 FERRAJOLI, Luigi. Derechos fundamentales. In: FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más

débil. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez y Andrea Greppi. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2004. p. 37. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] todos aquellos derechos subjetivos que

corresponden universalmente a ‘todos’ los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de

ciudadanos o personas con capacidad de obrar [...]”. Registre-se, por oportuno, que a definição garantista de

direitos fundamentais é fundada em quatro teses que são apontadas por Luigi Ferrajoli como essenciais para

uma teoria da democracia constitucional: a diferença de estrutura dos direitos fundamentais em relação aos

direitos patrimoniais que, sendo direitos exclusivos, singulares e disponíveis, não pertencem a todas as

pessoas, mas, apenas, a algumas delas, com exclusão das demais; a correlação existente entre os direitos

fundamentais e a chamada dimensão substancial da democracia, que é indicativa de limites e vínculos à

democracia formal; a natureza supranacional de grande parte dos direitos fundamentais, que não se vinculam

à cidadania; e as interfaces havidas entre direitos fundamentais e suas garantias, das quais não apenas

distinguem-se os direitos fundamentais como, também, não se vinculam em termos de existência. É o que se

lê, principalmente, nos escritos de FERRAJOLI, Luigi. Derechos fundamentales. In: FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez y Andrea Greppi. 4. ed.

Madrid: Editorial Trotta, 2004. p. 37-72 (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI,

Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción de Perfecto

Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial

Trotta, 2011c. p. 684-800. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Los

derechos fundamentales en la teoría del derecho. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos

fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna

Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo

Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid:

Editorial Trotta, 2009a. p. 139-196. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi.

Teoria dos direitos fundamentais. In: FERRAJOLI, Luigi. Por uma teoria dos direitos e dos bens

fundamentais. Tradução de Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, Daniela Cademartori, Hermes Zaneti

Júnior e Sérgio Cademartori. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011d. p. 89-122. (Coleção Estado e

Constituição, v. 11); FERRAJOLI, Luigi. Sobre los derechos fundamentales. In: FERRAJOLI, Luigi.

Democracia y garantismo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Rodrigo Brito Melgarejo, Antonio de

Cabo y Gerardo Pisarello, Christian Courtis, Marina Gascón Abellán, Nicolás Gusmán, Benjamín Rivaya

García, Pedro Salazar Ugarte y Corina Yturbe. Edición de Miguel Carbonell. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta,

2008a. p. 42-59. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 87

GUASTINI, Riccardo. Tres problemas para Luigi Ferrajoli. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los

derechos fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori,

Page 38: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

45

constitucional, bem como pela positivação constitucional de limites e vínculos de conteúdo

que devem ser observados pela legislação infraconstitucional, a Constituição passa a ocupar

um lugar que não lhe era destinado no Estado Legislativo de Direito.

A Constituição estabelece, a partir de então, novos contornos à compreensão do

princípio da legalidade, que passa a determinar as formas da produção normativa relativas ao

Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo,

Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed.

Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 57-62. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); VITALE,

Ermano. ¿Teoría general del derecho o fundación de una república óptima? Cinco dudas sobre la teoría de los

derechos fundamentales de Luigi Ferrajoli. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos

fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna

Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo

Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. Ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009a. p. 63-74. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); VITALE, Ermano.

Sobre la fundamentación de los derechos fundamentales. Entre jusnaturalismo y iuspositivismo. In:

FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate con Luca Baccelli,

Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo.

Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo

Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009b. p. 267-285.

(Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); ZOLO, Danilo. Libertad, propriedad e igualdad en la

teoría de los “derechos fundamentales”. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos

fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna

Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo

Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 75-104. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); JORI, Mario.

Ferrajoli sobre los derechos. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales:

debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno

Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos

Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta,

2009. p. 105-137. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); BACCELLI, Luca. Derechos sin

fundamento. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate con Luca

Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo.

Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo

Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 197-213.

(Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); BOVERO, Michelangelo. Derechos fundamentales y

democracia en la teoría de Ferrajoli. Un acuerdo global y una discrepancia concreta. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero,

Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés

Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo

y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 215-242. (Colección Estructuras y Procesos –

Serie Derecho); PINTORE, Anna. Derechos insaciables. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los

derechos fundamentales: debate con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori,

Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo,

Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed.

Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 243-265. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); DÍAZ,

Adrián Renteria. Derechos fundamentales, constitucionalismo y iuspositivismo em Luigi Ferrajoli. In:

CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 119-145. (Colección Estructuras y Procesos – Serie

Derecho); MAIA, Alexandre da. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli: notas preliminares. Revista de

Informação Legislativa, Brasília, v. 37, n. 145, p. 41-46, jan./mar. 2000; BARROS, Flaviane de Magalhães.

A vítima de crimes e seus direitos fundamentais: seu reconhecimento como sujeito de direito e sujeito do

processo. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n. 13, p. 309-334, jan./jun. 2013a;

BARROS, Flaviane de Magalhães; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Os direitos fundamentais

em Ferrajoli: limites e possibilidades no estado democrático de direito. In: VIANNA, Túlio; MACHADO,

Felipe (Coord.). Garantismo penal no Brasil: estudos em homenagem a Luigi Ferrajoli. Belo Horizonte:

Fórum, 2013b. p. 69-85.

Page 39: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

46

“quem pode” e ao “como se deve” decidir e, igualmente, os conteúdos da norma produzida,

que são relacionados ao “o que” e “ao que não” deve ser decidido. Se, por uma concepção

garantista, no Estado Legislativo de Direito, o princípio da legalidade pode ser classificado

como princípio da mera legalidade, com o reforço e a complementação desse Estado de

Direito, o princípio da legalidade é classificado como princípio da estrita legalidade que,

embora pressuponha o acatamento do princípio da mera legalidade à sua identificação, exige

para a validade das normas não apenas a sua positivação regular, mas, ainda, que os seus

conteúdos estejam em consonância com os significados dispostos em norma supraordenada.88

Fixa-se, desta forma, o sentido forte, estrito ou substancial do governo sub lege,

segundo o qual o exercício do poder deve ser limitado e vinculado por uma legislação não

somente determinativa das formas de sua atuação, como, igualmente, dos significados que

devem ser normativamente acatados.89

Uma exigência que, segundo o garantismo, é

viabilizadora da extração da própria origem da legitimação do poder, já que, enquanto o

princípio da mera legalidade cinge-se a determinar que o “exercício de qualquer poder tenha

como fonte a lei qual condição formal de legitimidade; o princípio da estrita legalidade exige,

ao contrário, dessa mesma lei, que condicione a legitimidade do exercício de qualquer poder

por ela instituído a determinados conteúdos substanciais”.90

A distinção entre legitimidade formal e legitimidade substancial, aliás, é apontada por

Luigi Ferrajoli91

como essencial para o esclarecimento das interfaces teóricas existentes entre

Estado de Direito e democracia política em ordenamentos que apresentem Constituições que

prevejam limites e vínculos ao exercício do poder. Como afirma o autor garantista, as

condições formais impostas ao exercício do chamado poder público são atinentes à forma de

governo e indicam o “quem” pode decidir e o “como” deve ser decidido. As condições

substanciais determinadas ao exercício do intitulado poder público, que são relacionadas à

estrutura dos rotulados poderes estatais, apontam o “que” deve e o que “não deve” ser

decidido.

88 FERRAJOLI, Luigi. El garantismo y la filosofía del derecho. Traducción de Gerardo Pisarello, Alexei Julio

Estrada y José Manuel Díaz Martín. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2000a. p. 166-171. (Serie

de Teoría Jurídica y Filosofía del Derecho, n. 15). 89

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

790. 90 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

791. 91 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

791.

Page 40: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

47

De acordo com o garantismo, logo, o que deve se mostrar claro é que, com a

refundação do Estado de Direito, também o conceito de democracia deve ser

ressemantizado.92

A democracia não pode mais ser compreendida como um simples método

de tomada de decisões pelos cidadãos, diretamente ou por seus representantes (“quem” pode

decidir), por meio do sufrágio universal e da maioria (“como” deve ser decidido). A adoção

de uma acepção exclusivamente formal de democracia, que estaria restrita à observância dos

expedientes legalmente estipulados acerca do “quem” pode e do “como” se deve decidir,

apresenta-se insuficiente nos Estados Constitucionais de Direito, uma vez que explicitaria

quatro fragilidades que são compreendidas, pela proposta garantista, como inafastáveis.93

A primeira delas é a ausência de alcance empírico da pretensão de qualificar a

democracia como um poder popular absoluto. Caso fosse acatada essa aspiração, não existiria

democracia após o advento do Estado Constitucional de Direito, o qual se destacou pelo

estabelecimento de limites e vínculos a todos os denominados poderes estatais, inclusive ao

legislativo, que não se submete apenas às formas de produção da norma, mas, ainda,

compromete-se com o conteúdo normativo.

A segunda diz respeito à escassa consistência teórica da defesa de uma democracia

formal como satisfatória. Se não for limitada, a democracia política pode até mesmo não

subsistir, uma vez que é sempre possível que, por métodos formalmente democráticos,

elimine-se a própria democracia. Não existindo condições substanciais impostas à democracia

política, é possível que, por uma maioria eleita, suprima-se qualquer direito, mesmo que

fundamental. Os direitos políticos, o pluralismo político, a chamada separação de poderes e a

representação popular podem ser abolidos mediante métodos adstritos à democracia formal,

como já ocorreu no século XX, após a instalação de movimentos autocráticos na Europa.

A terceira fragilidade consiste na correlação indissolúvel entre soberania popular e

direitos fundamentais. É de se sublinhar, sobre esse aspecto, que a vontade popular somente

92 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.

Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz

Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 32. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);

FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo

teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015b. p. 37-45; FERRAJOLI, Luigi. La democrazia costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2016a. p. 23-37.

(Collana Introduzioni). 93 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.

Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz

Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 10-13. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);

FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo

teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015b. p. 38-45.

Page 41: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

48

será expressa de modo autêntico, se o exercício dos direitos políticos for livre, consciente e

informado. Para que isso ocorra, no entanto, é indispensável que os direitos fundamentais de

liberdade e sociais estejam garantidos na condição de direitos vitais permissivos de uma

efetiva participação popular na vida pública.

E, por fim, a quarta fragilidade relativa à insuficiência de uma compreensão

exclusivamente formal de democracia para os Estados Constitucionais de Direito diz respeito

a uma aporia de índole filosófico-política. A concepção de democracia como autonomia,

autogoverno ou autodeterminação popular é apontada, pelo garantismo, como uma ideia

falaciosa, porque:

A tese clássica, como escreveram Rousseau e Kant, segundo a qual ela consistiria

em não obedecer outras leis a não ser aquelas que nós mesmos prescrevemos, ou,

ainda, como escreveu Kelsen, no acordo mais amplo possível entre vontade

individual e vontade coletiva, é uma tese claramente ideológica, que alude a uma hipótese que, no melhor dos casos, é inverossímil e, no pior, antiliberal. Podemos

muito bem caracterizar os direitos políticos como “direitos de autonomia política”.

Mas é claro que “autonomia”, nesta expressão, não designa, em absoluto, o

autogoverno político, ou seja, a submissão às leis produzidas pelos próprios súditos.

As leis, todas as leis, permanecem sempre heterônomas, mesmo que para as

maiorias que, direta ou indiretamente, as votaram. Disso resulta que o único

significado que pode ser associado à “autonomia” assegurada pelos direitos políticos

é a livre autodeterminação de cada um que se manifesta por intermédio do voto, bem

como na participação na escolha dos representantes, no consenso e, ainda mais, na

livre oposição; no compartilhamento de opiniões, mas também na crítica e no

conflito político legitimamente gerado por este. O único fundamento axiológico da dimensão formal da democracia é, em suma, a

representação de todos os governados que se torna possível pela igualdade política,

através do sufrágio universal, em relação à específica classe de direitos que é

formada pelos direitos políticos: que é um fundamento não diferente daquele

relativo à igualdade em todos os outros direitos fundamentais na qual reside [...] a

dimensão substancial da democracia.94

Não se quer dizer, com isso, que, para a proposição garantista, a democracia formal

não seja importante.95

Para Luigi Ferrajoli, é inadmissível a cogitação da existência de um

94 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo

teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015b. p. 43-44. 95 Michelangelo Bovero parece ser o maior crítico de Luigi Ferrajoli quanto à importância que oferta à

democracia substancial. Em escritos diversos, suscita diálogos a respeito da necessária distinção teórica entre democracia e Estado de Direito, bem como sobre as conexões existentes entre decisões coletivas e democracia

não substancial. É o que se lê, especialmente, nas publicações de BOVERO, Michelangelo. La filosofía

política de Ferrajoli. Traducción de Pedro Salazar Ugarte. In: GIANFORMAGGIO, Letizia (Edit.). Las

razones del garantismo: discutiendo con Luigi Ferrajoli. Bogotá: Editorial Temis, 2008. p. 417; BOVERO,

Michelangelo. Derechos fundamentales y democracia en la teoría de Ferrajoli. Un acuerdo global y una

discrepancia concreta. In: FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate

con Luca Baccelli, Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno Vitale y

Danilo Zolo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos Criado y

Gerardo Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009. p.

Page 42: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

49

sistema jurídico que se pretenda adjetivar como democrático e que não valorize a vontade

popular. O que se almeja salientar é que a democracia formal, per se, não se apresenta

suficiente nos Estados Constitucionais de Direito.

Para o garantismo, assim como a constitucionalização rígida dos direitos fundamentais

proporcionou o acréscimo de um âmbito substancial no direito, foi, igualmente, responsável

por incluir semelhante limitação e vinculação à democracia. Se o Estado Constitucional de

Direito notabiliza-se pelo acolhimento de limites e vínculos ao exercício de todos os

chamados poderes, a que correspondem deveres públicos e privados de fazer e não fazer cuja

inobservância exige a atuação de garantias secundárias, especialmente da jurisdição, também

o legislativo e o executivo não podem escapar dessa limitação e vinculação ao argumento de

que, somente assim, a vontade popular estaria respeitada.

Pelo advento dos Estados Constitucionais de Direito, não mais se mantém a tese da

onipotência da maioria que, no Estado Legislativo de Direito, mostrou-se transgressora de

direitos fundamentais e de suas garantias. Por isso, em uma perspectiva ferrajoliana:

Nenhuma maioria, nem sequer a unanimidade, pode legitimamente decidir a

violação de um direito de liberdade ou não decidir a satisfação de um direito social.

Os direitos fundamentais, precisamente porque igualmente garantidos a todos e

subtraídos à disponibilidade do mercado e da política, formam a esfera do

indecidível que e do indecidível que não; e operam como fatores não só de

legitimação, mas também, e sobretudo, de deslegitimação das decisões ou das não-decisões.

Naturalmente (sic) uma tal estrutura do Estado Constitucional de Direito está

destinada, pela sua natureza, a um grau mais ou menos elevado de eficácia: devido à

possível incoerência provocada por normas inválidas contraditórias com proibições

impostas por normas superiores à esfera do decidível ou, ao contrário, devido à

possível falta de plenitude, provocada pela não-produção de normas ou decisões

impostas à mesma esfera. São estes os dois possíveis vícios do ordenamento: as

antinomias e as lacunas, que são determinadas respectivamente em virtude da sua

234-242. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). Respostas garantistas às críticas de

Michelangelo Bovero podem ser acessadas nas publicações de FERRAJOLI, Luigi. Notas críticas y

autocríticas en torno a la discusión sobre “derecho y razón”. Traducción de Nicolás Guzmán. In:

GIANFORMAGGIO, Letizia (Edit.). Las razones del garantismo: discutiendo con Luigi Ferrajoli. Bogotá:

Editorial Temis, 2008b. p. 528-530; FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales. In:

FERRAJOLI, Luigi. Los fundamentos de los derechos fundamentales: debate con Luca Baccelli,

Michelangelo Bovero, Riccardo Guastini, Mario Jori, Anna Pintore, Ermanno Vitale y Danilo Zolo.

Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Antonio de Cabo, Lorenzo Córdova, Marcos Criado y Gerardo

Pisarello. Edición de Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2009b. p. 342-346. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Sobre la definición de

“democracia”. Una discusión con Michelangelo Bovero. In: FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo.

Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Rodrigo Brito Melgarejo, Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello,

Christian Courtis, Marina Gascón Abellán, Nicolás Gusmán, Benjamín Rivaya García, Pedro Salazar Ugarte y

Corina Yturbe. Edición de Miguel Carbonell. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2008c. p. 77-89. (Colección

Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la

democracia. 2. Teoría de la democracia. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina

Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 21. (Colección

Estructuras y Procesos – Serie Derecho).

Page 43: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

50

diversa estrutura, pelos direitos de liberdade, que consistem em expectativas

negativas a que correspondem limites negativos, e pelos direitos sociais, que, pelo

contrário, consistem em expectativas positivas a que correspondem vínculos

positivos com os poderes públicos.

É claro que estes dois vícios são em certa medida fisiológicos, e seria ilusório

acreditar na sua total eliminação. Um Estado Constitucional de Direito é, pela sua

própria natureza, um ordenamento imperfeito, sendo impensável, por causa do

fundamento nomodinâmico da vigência das normas, uma perfeita coerência e

plenitude do sistema nos seus diversos níveis. Mais: a sua perfeita coerência e

plenitude e uma total ausência de antinomias e de lacunas só seriam efetivamente

possíveis se não fosse incorporado nas normas sobre a produção nenhum vínculo substancial [...].96

E, ainda:

Assim, uma concepção exclusivamente procedimental ou formal da democracia é

solidária com uma concepção igualmente formal da validade das normas [...] que da

primeira representa, por assim dizer, o pressuposto; enquanto uma concepção

substancial da democracia, garante dos direitos fundamentais dos cidadãos e não

simplesmente da onipotência da maioria, requer que se admita a possibilidade de

antinomias e de lacunas geradas pela introdução de limites e vínculos substanciais –

sejam eles negativos, como os direitos de liberdade, ou positivos, como os direitos sociais – como condições de validade das decisões da maioria. Neste sentido,

diremos, a possibilidade do “Direito Inválido” ou “lacunoso” – ou seja, da distinção

entre normatividade e efetividade, entre dever ser e ser do Direito – representa a

condição prévia tanto do Estado Constitucional de Direito como da dimensão

substancial da democracia.97

Por consectário, para Luigi Ferrajoli,98

nos Estados Constitucionais de Direito, a

democracia formal há de estar acompanhada da democracia substancial. Em conjunto, essas

formam o que o garantismo designa democracia constitucional, que pode ser abordada por

quatro dimensões: democracia política, democracia civil, democracia liberal e democracia

social. As duas primeiras compondo a democracia formal e dando base ao exercício dos

96 FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantias. Tradução de Eduardo Maia Costa. In: OLIVEIRA

JÚNIOR, José Alcebíades de (Org.). O novo em direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

1997. p. 98-99. 97 FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantias. Tradução de Eduardo Maia Costa. In: OLIVEIRA

JÚNIOR, José Alcebíades de (Org.). O novo em direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

1997. p. 99-100. 98 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.

Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 16-31; 158-469. (Colección Estructuras y Procesos – Serie

Derecho); FERRAJOLI, Luigi. La democrazia costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2016a. p. 7-37. (Collana

Introduzioni); FERRAJOLI, Luigi. Garantismo: uma discussão sobre direito e democracia. Tradução de

Alexander Araujo de Souza. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012b. p. 8; FERRAJOLI, Luigi. A democracia

através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução

de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, André Karam Trindade, Hermes

Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015b. p. 37-48; FERRAJOLI, Luigi.

Poderes salvajes. La crisis de la democracia constitucional. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez. 2. ed.

Madrid: Editorial Trotta, 2011b. p. 35-39. (Colección Minima Trotta).

Page 44: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

51

direitos políticos e civis. As duas últimas integrando a democracia substancial e

fundamentando a tutela e a satisfação dos direitos de liberdade e sociais.

Quatro dimensões que, embora pelo plano lógico, mostrem-se independentes,

complementando-se e reforçando-se mutuamente, a partir do plano axiológico, apresentam-se

em regime de subordinação,99

tendo em vista que, para a teoria garantista, a dimensão

substancial da democracia impõe limites e vínculos que não podem ser inobservados pelo

exercício da autonomia pública ou privada, sob pena de afastamento da grande inovação

trazida pelos Estados Constitucionais de Direito, que é a primazia do direito sobre o poder.100

Como modelo normativo de direito, portanto, o garantismo destaca-se por ansiar que o

exercício de todo o chamado poder, público ou privado, deva ser condicionado não apenas

pelas formas legalmente estabelecidas como, também, por conteúdos normativos

determinativos de limites e vínculos, cujo acatamento deve ser assegurado mediante atuação

de garantias já existentes ou a serem introduzidas no ordenamento jurídico.101

Uma pretensão

que reconhece a possibilidade da divergência entre normatividade e efetividade, validade e

vigência e dever ser e ser do direito nos Estados Constitucionais de Direito, com base na qual

é identificada uma irredutível ilegitimidade dos denominados poderes legislativo, executivo e

judiciário.

2.2 Garantismo como teoria crítica do direito e a afirmação jurisdicionalista da validade

normativa

Na sua segunda acepção, o garantismo apresenta-se como uma teoria crítica do direito

positivo vigente. Acolhendo como tema privilegiado de pesquisa a irredutível ilegitimidade

jurídica que acomete os denominados poderes no Estado Constitucional de Direito, a teoria

99 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

798; FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.

Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz

Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011. p. 25-28. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de derecho. Madrid: Editorial Trotta,

1997. p. 64-67. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 100 COPETTI NETO, Alfredo. A democracia constitucional sob o olhar do garantismo jurídico.

Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 62. (Coleção Sob o olhar do Garantismo Jurídico, v. 1). 101 FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie. conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,

2013a. p. 44 e 49. (Collana Contemporanea); FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o

constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo

de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo

Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015b. p. 31.

Page 45: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

52

garantista destaca-se pela enunciação de uma crítica interna do direito positivo, também

chamada jurídica ou de iure condito.102

Focando nas categorias da vigência, da validade e da efetividade, o garantismo

propõe-se, como teoria jurídica, à análise crítica do direito em vigor, a partir de seus

contornos de invalidade e inefetividade, que, nos Estados Constitucionais de Direito, devem

receber novas significações. É que, nestes, sem desconsiderar a possiblidade da ocorrência de

lacunas, a estrutura normativa é caracterizada da seguinte forma:

[...] a) por pertencerem as normas vigentes a níveis diversos e hierarquicamente

ordenados, cada um dos quais se configura como normativo respectivamente àquele

inferior, e como fático respectivamente àquele superior; b) pela incorporação nas

normas superiores das obrigações e vedações que disciplinam a produção das

normas inferiores, e cuja obtemperação é condição de efetividade das primeiras e

validade das segundas; c) pelas antinomias produzidas pelas violações das normas

superiores por parte das inferiores, e pelo simultâneo vigor de umas, ainda que não

efetivas, e de outras, ainda que inválidas; d) pela consequente ilegitimidade jurídica

que, em qualquer medida, investe sempre os poderes normativos, legislativo e

judiciário, e que é tanto maior quanto mais ampla mas não efetiva é a incorporação limitativa dos deveres nos níveis mais altos do ordenamento.103

Assim considerando, segundo o garantismo, com o advento dos Estados

Constitucionais de Direito, apenas por uma análise da validade e da efetividade como

categorias independentes da vigência é que se escaparia das armadilhas nas quais incorrem as

concepções meramente normativistas ou realistas do direito. Isso porque, para Luigi

Ferrajoli,104

as orientações normativistas e realistas erigem-se ideológicas, ora por tão só

contemplar o direito válido, deixando-se de lado a possibilidade de que este seja inefetivo, ora

por preocupar-se apenas com o direito efetivo, deixando-se de sopesar a possibilidade da

invalidade deste direito. As duas concepções apresentam-se defeituosas por sua

unilateralidade, isto é, por estarem adstritas a uma análise do “dever ser” normativo e não de

seu “ser” efetivo, no caso da orientação normativista, ou a uma abordagem do “ser” efetivo e

não do “dever ser” normativo, na hipótese da orientação realista.

Para a proposição ferrajoliana, as orientações normativistas e realistas não se mostram

aptas a impedir a implementação, por via teórica, da legitimação ideológica do direito

102

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

804. 103 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

804. 104 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

803.

Page 46: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

53

inválido vigente, seja porque ignorado como não vigente, seja porque acreditado como válido.

Deixam de considerar que, nos Estados Constitucionais de Direito:

[...] norma e fato, normatividade e efetividade são mais bem concebidas como os

dois pontos de vista, parciais e complementares, dos quais pode ser visto cada

fenômeno jurídico normativo. Cada um destes – ao menos nos ordenamentos

minimamente complexos, e tipicamente naqueles próprios do Estado de direito – é

ao mesmo tempo norma, relativamente aos fatos (também normativos) que ele

regula, e fato (mesmo se normativo), relativamente às normas que o regulam.

Consequentemente, [...], “direito vigente” não coincide com “direito válido”: é vigente, ainda que inválida, uma norma efetiva que não obtempera todas as normas

que regulam a sua produção. Nem coincide, de outra parte, com “direito efetivo”: é

vigente, ainda que não efetiva, uma norma válida não obtemperada pelas normas às

quais regula a produção.105

Daí, para o garantismo, com o advento dos Estados Constitucionais de Direito,

mostram-se absolutamente inacolhíveis as teses juspositivistas que não situam a vigência, a

validade e a efetividade como categorias distintas. De acordo com os escritos ferrajolianos,

essas orientações integram o chamado juspositivismo dogmático, a respeito do qual se

contrapõe o positivismo jurídico em que se insere a teoria garantista, que é intitulado por

Luigi Ferrajoli juspositivismo crítico.106

A proposição garantista, assim, a despeito de

contrapor-se, intensamente, ao direito pré-moderno, o qual, diante da diversidade de suas

fontes normativas, implicava em uma total incerteza e arbitrariedade do direito vigente,107

atrela-se ao juspositivismo de forma sui generis.108

É o que se vê, especialmente, pela análise garantista das produções de Hans Kelsen e

Norberto Bobbio, que equiparam-se ao identificar os conceitos de vigência e validade. Pelo

garantismo,109

nos escritos de Hans Kelsen e, mais tarde, no magistério de Norberto Bobbio,

explicita-se uma concepção excessivamente simplificada de validade normativa, que não é

capaz de entrever a possibilidade de que uma norma seja vigente e, ao mesmo tempo,

inválida.

105 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

803. 106 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p. 803-804.

107 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

802. 108 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 98. No

mesmo sentido, confira o livro de CADEMARTORI, Sérgio Urquhart de. Estado de direito e legitimidade:

uma abordagem garantista. 2. ed. atual. e ampl. Campinas: Millennium, 2007. p. 103. 109

FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:

Editoral Trotta, 2012a. p. 34-35. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho).

Page 47: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

54

Conforme anuncia o autor garantista, na abordagem de Hans Kelsen, é usual a

afirmação de que a norma existente é válida; se não é válida, não pode ser qualificada como

existente. Qualquer cogitação teórica que não acolhesse essas lições seria tormentosa, porque

uma norma contrária à outra nada mais é do que uma contraditio in terminis, que expressaria

a possibilidade da existência de um direito antijurídico, a anular a unidade do sistema

normativo.110

De conseguinte, para Hans Kelsen, a ideia de uma norma existente e,

simultaneamente, inválida, por inobservância das formas de sua produção ou pela incoerência

dos seus conteúdos, é reiteradamente rejeitada. Embora não negue a possibilidade de que a

Constituição vincule o conteúdo das normas inferiores, assim como ocorre com as formas da

produção normativa,111

por identificar a vigência da norma com a sua validade, a teoria

kelseniana não considera o aspecto substancial para a finalidade de teorizar a diferenciação

entre a vigência de uma norma e a sua validade, tal como propõe a teoria garantista.

Como, em uma perspectiva kelseniana, a vigência da norma é identificada com a sua

validade, diz o garantismo que o conteúdo normativo mostra-se irrelevante na aferição da

validade normativa. Se comparada à proposta garantista, é possível afirmar que a tese

formulada por Hans Kelsen identifica a existência normativa tanto com a validade substancial

quanto com a invalidade substancial, tornando-se, por isso, de difícil aplicação nos Estados

Constitucionais de Direito. É que, de acordo com Luigi Ferrajoli,112

na análise de Hans

Kelsen, a existência ou a validade de uma norma consiste apenas:

110 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo

teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015b. p. 50; KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 228-232. (Coleção jurídica WMF). 111 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo

teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015b. p. 54. 112 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:

Editoral Trotta, 2012a. p. 35-36. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] en la

existencia empírica y en la regularidad formal del acto normativo, que Kelsen, a causa de su concepción

simplificada no solo de la validez sino del entero fenómeno normativo, no distingue habitualmente de la

norma, concebida por él, de acuerdo con John Austin, como ‘mandato’. La falta de distinción entre el acto

normativo y la norma que es el efecto y el significado (o, si se prefiere, la substancia y el contenido) de aquel,

impide, en efecto, a Kelsen articular y descomponer la noción de ‘existencia’ de la norma sobre la base de sus diversas referencias empíricas: le impide distinguir, precisamente, entre su vigencia o mera existencia,

que depende de la forma del acto normativo que lo hace recognoscible como perteneciente al ordenamento, y

su validez o invalidez sustancial, que dependem, por el contrario, del significado – la primera de su

coherencia y la segunda de su incoherencia con normas substantivas supraordenadas – de la norma producida

por medio del acto [...]. Es en esta concepción simplificada de la validez como existencia, tenazmente

defendida por Kelsen, en lo que consiste inevitablemente el carácter formal de su noción de validez de las

normas. Al no distinguir entre existencia y validez, Kelsen no está en condiciones de ver la existencia de una

norma inválida por razones de contenido, ni de concebir, más en general, la invalidez de una norma,

rechazada por él como una ‘contradicción en los términos’. Una norma, a su parecer, o es válida os es

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55

[...] na existência empírica e na regularidade formal do ato normativo, que Kelsen,

em razão de sua concepção simplificada não só da validade, mas de todo fenômeno

normativo, não distingue, habitualmente, da norma, concebida por ele, de acordo

com John Austin, como “mandato”. A falta de distinção entre o ato normativo e a

norma, que é o efeito e o significado (ou, se se prefere, a substância e o conteúdo)

daquele, impede, com efeito, a Kelsen articular e decompor a noção de “existência”

da norma sobre a base de suas diversas referências empíricas: impede-lhe distinguir,

precisamente, entre sua vigência ou mera existência, que depende da forma do ato

normativo que o faz reconhecível como pertencente ao ordenamento, e a sua validez

ou invalidez substancial, que dependem, pelo contrário, do significado – a primeira

de sua coerência e a segunda de sua incoerência com normas substantivas supraordenadas – da norma produzida por meio do ato [...].

É nesta concepção simplificada da validade como existência, tenazmente defendida

por Kelsen, em que consiste inevitavelmente o caráter formal de sua noção de

validade das normas. Ao não distinguir existência e validade, Kelsen não está em

condições de ver a existência de uma norma inválida por razões de conteúdo, nem de

conceber, em termos mais gerais, a invalidade de uma norma, rechaçada por ele

como uma “contradição em termos”. Uma norma, em seu entendimento, ou é válida

ou é inexistente: tertium non datur.

Não é por acaso que, nos escritos kelsenianos, a chamada lei inconstitucional, assim

como a norma que esteja em conflito com as condições que regulam a sua produção, ora é

apontada como válida e, por isso, existente, ora é indicada como inexistente e, desta maneira,

inválida.113

Não obstante identifique-se, com essas qualificações, que o autor austríaco incorre

em contradição, por admitir adjetivações distintas a uma mesma espécie de norma, é de se

registrar que, segundo a proposta garantista, as duas teses que formula mostram-se contrárias

à possibilidade de um direito vigente e inválido.

De toda forma, esclarece o garantismo que:

A teoria kelseniana da validade não nos diz, como é lícito esperar de uma teoria

consistente, em que casos uma lei inconstitucional é válida e, portanto, existente, e

em que casos é inválida e, portanto, inexistente. Não nos diz porque não nos pode

dizer. A única certeza é que, em ambos os casos, a identificação da validade com a

existência impede a Kelsen ver (ou, melhor, deveríamos talvez dizer, permite-lhe

ignorar) a vertente substancial da invalidade das normas. Mas devemos reconhecer

que as contradições não se devem a nenhuma ambiguidade ou incoerência de

Kelsen, mas à inconsistência de sua noção de validade como existência, noção que admite, na presença de uma norma viciada quanto ao conteúdo, tanto a tese de sua

validade como a tese de sua inexistência: quer dizer, duas teses que, no léxico

kelseniano, em que validade equivale à existência, são claramente contraditórias.114

inexistente: tertium non datur.

113 FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015b. p. 52; FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una

conversación. Madrid: Editoral Trotta, 2012a. p. 36. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 114 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:

Editoral Trotta, 2012a. p. 38. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] La teoría

kelseniana de la validez no nos dice, como es lícito esperar de una teoría consistente, en qué casos una ley

inconstitucional es válida y por tanto existente y en qué casos es no válida y por tanto inexistente. No nos

dice porque no nos lo puede decir. Lo único certo es que, en ambos casos, la identificación de la validez con

Page 49: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

56

Demais disso, de acordo com a teoria garantista, as duas teses a que se faz referência

erigem-se igualmente falsas, uma vez que os vícios substanciais mencionados não implicam a

validade da norma ou mesmo a sua inexistência, mas a existência de uma norma inválida,

hipótese que já foi explicitamente rejeitada por Hans Kelsen, em lição compartilhada por

Norberto Bobbio, cuja teorização incorre nos mesmos equívocos presentes nas teses

kelsenianas.

É que, por também identificar a existência de uma norma com a sua validade,115

Norberto Bobbio adere à concepção simplificada do conceito de validade normativa

sustentada por Hans Kelsen, a qual se mostra impediente do reconhecimento da existência de

um direito inválido. Sobressaindo-se na disputa teórica instalada pelo chamado juspositivismo

dogmático contra o jusnaturalismo, a proposição bobbiana da validade preocupa-se em realçar

“somente a dissociação e a divergência deôntica externa entre justiça e validade, entre o dever

ser ético-político e o ser positivo do Direito, entre Direito como ‘valor’ e Direito como

‘fato’”,116

não fazendo parte de suas cogitações a análise da divergência deôntica interna ao

direito positivo, a que se dedica, com relevo, o garantismo.

Por consectário, mesmo quando, em seus escritos, Norberto Bobbio aborda a temática

dos limites normativos formais e substanciais, não os distingue em busca de uma

fundamentação teórica da possibilidade de um direito existente e inválido.117

Para os estudos

que desenvolve, o juízo de validade é tão somente contraposto ao juízo de valor, motivo pelo

qual “não podem ser superpostos, porque representam dois pares de juízo sobre direito

formulados com base em critérios reciprocamente independentes”.118

Assim como ocorre com a teorização de Hans Kelsen, pela perspectiva garantista, a

concepção de validade normativa adotada por Norberto Bobbio não se apresenta

recepcionável nos Estados Constitucionais de Direito. As teses apresentadas por ambos

la existencia impide a Kelser ver (o, mejor, deberíamos quizás decir, le permite ignorar) la vertiente

substancial de la invalidez de las normas. Pero entonces debemos reconhecer que las contradicciones no se

deben a ninguna ambigüedad o incoherencia de Kelsen, sino a la inconsistencia de su noción de validez como

existencia, noción que admite, en presencia de una norma viciada en cuanto al contenido, tanto la tesis de su

validez como la tesis de su inexistencia: es decir, dos tesis que, en el léxico kelseniano en el que validez

equivale a existencia, son claramente contradictorias.” 115 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio

Pugliese, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 136-137. (Coleção Elementos de Direito).

116 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:

Editoral Trotta, 2012a. p. 40. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] es solo

la discociación y la divergencia deóntica externa entre justicia y validez, entre o deber ser ético-político y o

ser positivo del Derecho, entre Derecho como ‘valor’ y Derecho como ‘hecho’.” 117 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos

Santos. 10. ed. Brasília: UnB, 1999. p. 53-56. 118

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio

Pugliese, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 137. (Coleção Elementos de Direito).

Page 50: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

57

desconsideram que, com a nova estrutura normativa inaugurada pelos Estados Constitucionais

de Direito, é possível a discrepância entre as condições estipuladas sobre a produção

normativa, inclusive as substanciais, e as normas que são produzidas, dando-se margem ao

estabelecimento de um direito vigente e inválido.119

A conceituação de validade formulada

por Hans Kelsen e por Norberto Bobbio deixa de sopesar que, com a nova estrutura normativa

instaurada com a positivação de Constituições rígidas e determinativas de limites e vínculos

ao exercício de qualquer poder, torna-se imprescindível a crítica interna do direito posto, a

fim de que, a partir dessa, viabilize-se o exame das antinomias e lacunas que se impõem como

efeitos da inobservância das vedações e obrigações estabelecidas à garantia dos direitos de

liberdade e sociais.

É possível afirmar, portanto, que a abordagem garantista da vigência, da validade e da

efetividade como categorias independentes é fundada na necessidade de enfrentamento da

virtual divergência entre o dever ser e o ser nos âmbitos da produção e da aplicação jurídico-

normativa. Já que, com o advento dos Estados Constitucionais de Direito, o acatamento das

condições formais de produção normativa não basta para qualificar uma norma como válida,

tornou-se necessária uma oferta teórica destinada a interrogar a proposta juspositivista

dogmática.

É nesse sentido que, por uma teorização inicial de Luigi Ferrajoli,120

o preenchimento

das condições formais de produção normativa é suficiente apenas para caracterizar uma

norma como existente, isto é, para afirmar que uma norma jurídica está vigente. Válida, para o

garantismo, somente seria a norma que, além de acatar as condições formais de sua produção,

apresente-se coerente com os significados estabelecidos por uma norma que lhe seja

supraordenada. É o que se explicita em vários escritos ferrajolianos e, também, de seus

intérpretes,121

dentre os quais José Luis Serrano,122

para quem, pelo enfoque garantista, o

119 FERRAJOLI, Luigi; MANERO, Juan Ruiz. Dos modelos de constitucionalismo: una conversación. Madrid:

Editoral Trotta, 2012a. p. 41. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 120 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

806-811. 121 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 100-101;

CADEMARTORI, Sérgio Urquhart de. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. 2. ed. atual. e ampl. Campinas: Millennium, 2007. p. 106; ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo jurídico e

controle de constitucionalidade material. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 39; ROSA, Alexandre

Morais da. O que é garantismo jurídico? (teoria geral do direito). Florianópolis: Habitus, 2003. p. 47-48.

(Coleção Para entender o Direito, v. 3); OLIVEIRA, Francisco José Rodrigues. Atividade jurisdicional sob

enfoque garantista. 4. tir. Curitiba: Juruá, 2005. p. 125-127; FELL, Elizângela Treméa; BRACHT, Daniela.

Garantismo como referência jurídica. Ciências Sociais Aplicadas em Revista, Cascavel, v. 7, n. 13, p. 43-

64, 2. sem. 2007, p. 56-62; PEÑA FREIRE, Antonio Manuel. La garantía en el estado constitucional de

derecho. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p. 97-98. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);

JORI, Mario. La cigarra y la hormiga. Traducción de Andrea Cattoria. In: GIANFORMAGGIO, Letizia

Page 51: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

58

juízo de “vigência é aquele que se refere à mera constatação da existência de uma norma no

interior de um sistema jurídico. É um juízo de fato ou técnico, pois se limita a constatar que a

norma cumpre os requisitos formais”; e o juízo de “validade é aquele em virtude do qual se

declara (se é positivo) que uma determinada norma (cuja vigência formal comprovou-se como

verdadeira) adequa-se, também em seu conteúdo, às determinações existentes em níveis

superiores do ordenamento”.

Em termos mais detalhados, anunciam as cogitações ferrajolianas que:

Ao menos nos ordenamentos complexos próprios dos Estados de direito, estes juízos

[de validade] diferem dos juízos sobre o vigor das normas, requerendo,

relativamente a estes, o acerto de condições ulteriores e de diversa natureza. Para

que uma norma exista ou esteja em vigor, é suficiente que satisfaça as condições de

validade formal, as quais resguardam as formas e os procedimentos do ato

normativo, bem como a competência do órgão que a emana. Para que seja válida, é

necessário que satisfaça ainda as condições de validade substancial, as quais

resguardam o seu conteúdo, ou seja, o seu significado. Sejam as condições formais

suficientes para que uma norma esteja vigente, sejam substanciais necessárias para

esteja válida, estão estabelecidas pelas normas jurídicas que lhes disciplinam a produção em nível normativo superior. Todavia, enquanto as condições formais de

vigor consistem em adimplemento de fato, na ausência dos quais o ato normativo é

imperfeito e a norma por ele ditada não vem à existência, as condições substanciais

da validade, e exemplarmente as de validade constitucional, consistem

habitualmente no respeito aos valores [...].

Disto resulta que enquanto a verdade (ou a falsidade) dos juízos sobre vigor é

predicável com base em simples verificações empíricas ou de fato, o mesmo não se

pode dizer dos juízos sobre a validade, os quais, quando consistem na valoração da

conformidade ou da deformação das normas dos valores expressos pelas suas

normas superiores, não são, como escreve BOBBIO, juízos de fato, mas juízos de

(Edit.). Las razones del garantismo: discutiendo con Luigi Ferrajoli. Bogotá: Editorial Temis, 2008. p. 78-

89; LUZZATI, Claudio. Sobre la justificación de la pena y los conflitos normativos. Traducción de Pablo D.

Eiroa. In: GIANFORMAGGIO, Letizia (Edit.). Las razones del garantismo: discutiendo con Luigi

Ferrajoli. Bogotá: Editorial Temis, 2008. p. 142-154; VILLA, Vittorio. Garantismo y verificacionismo,

validez y vigencia. Traducción de Carla V. Amans y Gustavo A. Herbel. In: GIANFORMAGGIO, Letizia (Edit.). Las razones del garantismo: discutiendo con Luigi Ferrajoli. Bogotá: Editorial Temis, 2008. p. 186-

192; ABELLÁN, Marina Gascón. La teoría general del garantismo: rasgos principales. In: CARBONELL,

Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli.

Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 26-27. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); MIGUEL,

Alfonso Ruiz. Validez y vigencia: un cruce de caminos en el modelo garantista. In: CARBONELL, Miguel;

SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid:

Editorial Trotta, 2005. p. 213-217. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); VILA, Marisa

Iglesias. El positivismo en el estado constitucional: algunos comentarios en torno al constitucionalismo de

Ferrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el

pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 78 e 82. (Colección Estructuras y

Procesos – Serie Derecho); MOLINA, Juan Jesús Mora. El garantismo jurídico del Luigi Ferrajoli: un estudio de filosofía del derecho sobre la frágil relación entre la democracia, la constitución y el estado de

derecho. Huelva: Universidad de Huelva, 2004. p. 73. 122 SERRANO, José Luis. Validez y vigencia: la aportación garantista de la norma jurídica. Madrid: Editorial

Trotta, 1999. p. 51. No original: “[...] vigencia es aquel que va referido a la mera constatación de la existencia

de una norma en el interior de un sistema jurídico. Es un juicio de hecho o técnico, pues se limita a constatar

que la norma cumple los requisitos formales [...]”. No original: “[...] validez es aquel en virtude del cual se

declara (si es positivo) que una determinada norma (cuya vigencia formal se há comprovado como

verdadeira) se adecua además en su contenido a las determinaciones existentes en niveles superiores del

ordenamento [...]”.

Page 52: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

59

valor, e, como tais, nem verdadeiros nem falsos. Por exemplo, não se requerem

juízos de valor, mas apenas ajustes de fato, para asseverar ou negar o vigor a uma lei

em que esteja em questão a aprovação da parte de uma só ou de ambas as Câmaras,

ou a advinda ou omissa promulgação ou publicação, ou outras características

formais similares. Enquanto é seguramente um juízo de valor – nem tanto

verificável (ou falsificável) e não por acaso opinável e controverso – a tese de que as

normas sobre vilipêndio contidas no Código Penal italiano são inválidas porque em

contraste com os valores constitucionais da liberdade de manifestação do

pensamento.123

Como o garantismo reconhece como utópica a pretensão de que sejam observados,

sempre, os limites e os vínculos impostos ao exercício do poder, bem como as suas garantias,

Luigi Ferrajoli anuncia a necessidade de que se admita a existência da antinomia e da lacuna

normativas nos ordenamentos jurídicos não plenamente garantistas para, em seguida, propor

que esses vícios sejam denunciados pela ciência jurídica e, de acordo com a espécie de

inobservância, comissiva ou omissiva, enunciar o dever de afastamento do vício pelos juízes

garantistas ou por outra autoridade estatal competente.

É exatamente aí que reside a crítica interna do direito positivo sustentada pela teoria

garantista que, tematizando a coerência e a completude do ordenamento jurídico, bem como a

avaloração da ciência jurídica e a sujeição acrítica à lei pelo julgador, oferta-se ao

enfrentamento das falhas semânticas da linguagem legal e, ainda, das lacunas e antinomias

normativas. Baseando-se na premissa de que, nos Estados Constitucionais de Direito,

coerência e completude não mais se apresentam como propriedades do direito em vigor, mas

“como ideais-limites de direito válido, que não refletem o ‘ser’ efetivo (sic) mas apenas o

‘dever ser’ das normas relativamente às normas superiores”,124

o garantismo afirma a

indispensabilidade de uma postura crítica da ciência jurídica e dos juízes na análise e na

aplicação das normas jurídicas.

Com efeito, segundo uma teorização inicial garantista, além de lidar com as

imperfeições semânticas da linguagem legal, cabe ao cientista do direito realizar uma

permanente crítica interna da normatividade em vigor, mediante a qual viabilizará a

explicitação das lacunas normativas e, ainda, das normas que, embora vigentes, sejam tidas

como antinômicas. Ao julgador, além do enfrentamento e, se possível, afastamento das

lacunas normativas, é negada a obrigatoriedade de aplicar a lei em vigor, se essa lei, além de

123 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

806-807. 124 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

810.

Page 53: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

60

vigente, não for por ele considerada válida. De acordo com Luigi Ferrajoli,125

é “a crítica do

direito, com base nas mesmas fontes de legitimação e de perda da legitimação jurídica, a

principal tarefa civil da jurisprudência e da ciência jurídica. E é dessa que provém aquela

permanente possibilidade de autorreforma do ordenamento”.

É o que também se lê, aliás, nos escritos dispostos na Principia Iuris – Teoria del

Diritto e della Democrazia.126

No entanto, na publicação que é apontada por Luigi Ferrajoli127

como o trabalho mais importante e desafiador de sua vida, a análise das temáticas da vigência,

da validade e da efetividade apresenta-se ainda mais detalhada do que a realizada nas

produções acadêmicas anteriores, sendo caracterizada pela formulação cuidadosa de seus

conceitos e pelo exame acurado de suas interfaces. Abordando as correlações existentes entre

um ato formal e a norma que dele se apresenta como efeito, a proposta garantista enunciou

contornos teóricos diferenciados às categorias analisadas, tornando possível uma nova

compreensão a respeito da vigência e da validade.

Permanece a crítica relativa à avaloratividade da ciência jurídica e à sujeição acrítica

do julgador à lei. A qualificação de um ato formal como vigente ou como formalmente válido

é que se altera pela nova proposta garantista, uma vez que, pelos estudos formalizados por

Luigi Ferrajoli128

a partir do ano de 2007, a vigência passou a ser conceituada como “a

existência dos atos formais produzida pela conformidade de, ao menos, alguma de suas

formas com alguma das normas formais.” Desde então, aduz o autor garantista que, para que

um ato formal esteja em vigor, não é necessário que preencha todas as condições formais de

sua produção, bastando que sejam acatadas as normas formais que tornem o ato reconhecível

e compreensível como um ato dotado de significação jurídica.

A vigência, assim, diferencia-se da validade formal que, pelas novas cogitações

garantistas, exige, para a sua identificação, a conformidade de suas formas com todas as

normas formais sobre a produção do ato jurídico e não apenas a conformidade de alguma

dessas formas com as normas formais que ditam a sua construção. Trata-se, como se vê, de

125 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

810. 126 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 488-539. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 127 FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,

2013a. p. 12-13 e 58. (Collana Contemporanea). 128 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 499-500. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No

original: “[...] a la existencia de los actos formales producida por la conformidad de al menos alguna de sus

formas con alguna de las normas formales [...]”.

Page 54: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

61

uma diferença de tipo quantitativo, pois, conforme explicita o garantismo, a distinção entre

vigência e validade formal:

[...] radica no distinto grau de observância das normas formais requerido em cada

caso. Tanto uma como outra, com efeito, fazem referência às formas dos atos

formais (D9.16, T.9.150). Mas, enquanto que a primeira designa esse mínimo de

conformidade de ditas formas (T9.143), sem a qual não existe nem forma nem ato

formal, a segunda consiste em sua conformidade com todas as normas sobre a

formação do ato (T9.153). [...] Obviamente, [...] não é a teoria, mas só o direito

positivo, que pode identificar com precisão, como seria desejável em garantia da certeza, quais são as formas essenciais para a vigência e quais as requeridas para a

validade formal.129

O que não se modifica, pela nova enunciação garantista, são as coligações existentes

entre validade formal e validade substancial, que permanecem distintas pelo aspecto

qualitativo.130

A validade formal, assim como ocorre com a vigência, persiste relacionada às

formalidades do ato normativo, ao passo que a validade substancial continua adstrita ao seu

conteúdo. Pela sua inovadora oferta crítico-teórica interna do direito positivo, o garantismo

mantém a exigência do preenchimento das condições de validade formal e, sempre que o ato

formal erija-se decisório, também das condições de validade substancial, à identificação da

validade normativa.

Desta forma, em se considerando que a validade substancial faz referência aos

significados das decisões, é de se afirmar que, para que um ato formal seja considerado válido

nos atuais escritos de Luigi Ferrajoli,131

são exigidas “que não algumas, mas todas as suas

formas, sejam conformes com as normas formais que o prevejam; e que, ademais, se se tratar

de uma decisão, tenha ao menos um significado coerente com todas as normas substantivas

129 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 504. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:

“[...] radica en el distinto grado de observancia de las normas formales requerido en cada caso. Tanto una

como otra, en efecto, hacen referencia a las normas de los actos formales (D9.16, T.9.150). Pero mientras que

la primera designa ese mínimo de conformidad de dichas formas (T9.143) sin el cual no existe ni forma ni

acto formal, la segunda consiste en su conformidad con todas las normas sobre la formación del acto

(T9.153). [...] Obviamente, repito, no es la teoría sino sólo el derecho positivo el que puede identificar con

precisión, como sería deseable en garantía de la certeza, cuáles son las formas esenciales para la vigencia y

cuáles las requeridas para la validez formal.” 130

FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 505. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 131 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 500. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:

“[...] que no algunas sino todas sus formas sean conformes con las normas formales que lo prevén; y que

además, si se trata de una decisión, tenga al menos un significado coerente con todas las normas substantivas

sobre su producción.”

Page 55: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

62

sobre sua produção”. Por consequência, e, em síntese, pela nova proposição garantista da

validade normativa, é de se registrar:

[...] primeiramente, que a validade supõe sempre a vigência (T9.140), de maneira

que não existem atos formais válidos, mas não vigentes (T9.141); em segundo lugar,

que a vigência consiste nessa quantidade de observância das (ou conformidade com)

normas formais sobre a produção, necessária e suficiente para que se possa falar de

forma e de ato formal (T9.142, T9.143), e está excluída somente no caso de sua total

inobservância (ou desconformidade) (T9.144, T9.145); em terceiro lugar, que pode

acontecer que existam atos inválidos vigentes, como são, de um lado, os atos formais conformes com algumas, mas não todas, as normas formais (T9.146) e, de

outro, as decisões cujo significado contraste mesmo que apenas com alguma das

normas substantivas sobre sua produção (T9.147); e, finalmente, que a validade de

um ato formal [de cunho decisório] é assegurada pela observância de todas as

normas, formais e substantivas, sobre sua produção (T9.148) e, em consequência,

perde-se em caso de inobservância, relativa à forma ou ao significado, mesmo que

de uma só delas (T9.149).132

Quatro aspectos que o chamado juspositivismo dogmático não pode identificar e que,

por uma teorização inicial, Luigi Ferrajoli não conseguiu enunciar. Trata-se de conjecturas

garantistas que, rejeitando a identificação de vigência e validade formal e, sobretudo, de

vigência e validade, sustentam a necessidade de que, nos Estados Constitucionais de Direito,

seja implementada uma crítica interna do direito positivo, tanto pela ciência jurídica quanto

pelos juízes, a ser acrescida à crítica ético-política da normatividade, da qual, igualmente, não

se furta o garantismo.

2.3 Garantismo como filosofia política e a irredutível ilegitimidade da jurisdição

Na última de suas acepções, o garantismo designa uma filosofia política que é

determinativa de uma justificação externa do Estado e do Direito. Para Luigi Ferrajoli,133

o

132 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 501. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:

“[...] ante todo que la validez supone siempre la vigencia (T9.140), de manera que no existen actos formales

válidos pero no vigentes (T9.141); en segundo lugar, que la vigencia consiste en ese tanto de observancia de

(o conformidad con) las normas formales sobre la producción necesario y suficiente para que pueda hablarse

de forma y de acto formal (T9.142, T9.143), y está excluida solamente en caso de su total inobservancia (o disconformidad) (T9.144, T9.145); en tercer lugar, que bien puede suceder que haya actos inválidos vigentes,

como son, de un lado, los actos formales, conformes con algunas pero no con todas las normas formales

(T9.146) y, de otro, las decisiones cuyo significado contraste incluso sólo con alguna de las normas

sustantivas sobre su producción (T9.147); y, finalmente, que la validez de un acto formal viene asegurada por

la observancia de todas las normas, formales y sustantivas, sobre su producción (T9.148) y, en consecuencia,

se pierde en caso de inobservancia, relativa a la forma o al significado, incluso de una sola de ellas (T9.148).” 133 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

812.

Page 56: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

63

Estado e o Direito não devem ser compreendidos como fins em si mesmos, mas como

instituições criadas à garantia dos direitos das pessoas, sobretudo dos seus direitos

fundamentais.

Conforme registra Salo de Carvalho,134

ao comparar os três significados de garantismo

abordados nas produções de Luigi Ferrajoli:

O modelo do Estado democrático de direito construído a partir da separação entre

racionalidade formal e material [...] e democracia política e substancial possibilita,

ao operador do direito, parâmetros de avaliação interna do sistema jurídico. Capacita

critérios de (des)legitimação das normas e decisões contrárias aos direitos fundamentais desde dentro do modelo, criando uma metodologia interpretativa

capaz de desmascarar os mitos de plenitude e coerência do ordenamento, e da

democracia como sistema de decisão vinculado apenas à vontade da maioria.

Todavia, o aporte garantista permite ainda outra ruptura que possibilitará a

compreensão do sistema jurídico a partir do seu exterior, qual seja, a separação entre

ponto de vista interno (normativo) e externo (axiológico) decorrente da cisão

ilustrada entre direito e moral (princípio da secularização).

Se o primeiro arcabouço teórico (teoria das normas e teoria do Estado) permite o

estudo da validade das leis e decisões dos poderes, o segundo (teoria política)

viabiliza critérios de justiça do próprio sistema, operando a (des)legitimação ético-

política do direito e do Estado.

Assim, se o garantismo estabelece um sistema normativo de invalidação das normas vigentes (teoria crítica do direito) e do exercício arbitrário dos poderes das maiorias

organizadas (teoria democrática), desde sua concepção filosófico-política permite a

crítica e a deslegitimação de fora das instituições jurídicas positivas, sobre a base

da rígida separação entre direito e moral, ou entre validade e justiça, ou entre

ponto de vista jurídico ou interno e ponto de vista ético-político ou externo do

ordenamento.

É nesse sentido que, de acordo com a proposta garantista,135

Estado e Direito impõem-

se como males necessários, instituídos artificialmente pelos homens e para os homens, com o

objetivo de propiciar-lhes a tutela e a satisfação de direitos de sua titularidade. O afastamento

dessa finalidade pelo Estado e pelo Direito é geradora de uma ilegitimidade política e, por

conseguinte, de uma ausência de limitação ou vinculação ao exercício do poder. Um sistema

político garantista, assim, deve se despir de qualquer pretensão de atribuir ao Estado uma

atuação que se desenvolva em prol de si próprio e que, à consecução dos seus escopos, busque

subordinar os indivíduos ao seu ilimitado poderio. Para que seja qualificado como garantista,

o sistema político deve situar o Estado como instituição atuante em benefício das pessoas que

artificialmente o criaram, assegurando-lhes, especialmente, a observância de seus direitos

fundamentais de liberdade e sociais.

134 CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 108-109. 135 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

812-813.

Page 57: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

64

Pelas conjecturas ferrajolianas, portanto, o garantismo não se coaduna com as teorias

que intitula autopoiéticas. Parafraseando Niklas Luhmann, Luigi Ferrajoli136

afirma que essas

indicam o Estado como um fim em si mesmo, encarnando “valores ético-políticos de

característica suprassocial e supraindividual cuja conservação e reforço para o direito e os

direitos hão de ser funcionalizados”, ao contrário do que ocorre com as teorias rotuladas

heteropoiéticas, em que o Estado é apontado como apenas um meio artificialmente produzido

e legitimado para garantir direitos, principalmente os fundamentais.

Baseando-se nos escritos luhmannianos dispostos no livro Stato di Diritto e Sistema

Sociale, que é a tradução italiana de Politische Planung, anuncia a proposição garantista que a

teoria dos sistemas proposta pelo autor alemão não situa o homem como parte do sistema

social, mas como o seu ambiente problemático. Na proposta de Niklas Luhmann, é

estabelecida uma concepção organicista dos sistemas políticos, em que os seus subsistemas

subordinam-se ao todo sistêmico. Impera, a partir daí, a primazia da sociedade sobre os

indivíduos, tal qual o sistema político prevalece sobre o ambiente social. O Estado apresenta-

se como um sujeito ativo, que deve conservar a si próprio mesmo que à custa dos demais, que

a ele se ligam por vínculos de sujeição.137

Com efeito, de acordo com o garantismo, apresentam-se como autopoiéticas todas as

teorias de legitimação desde o alto, tais como as que, no âmbito da pré-modernidade,

fundamentaram a soberania estatal em Deus, na religião e na natureza, bem como as que, com

a secularização, mostraram-se idealistas. Como esclarece Luigi Ferrajoli,138

ao discorrer sobre

as denominadas doutrinas autopoiéticas instaladas após o advento da modernidade:

Estas ideologias assumem o princípio da legalidade não somente como princípio

jurídico interno, mas também como princípio axiológico externo, sobrepondo à

legitimidade política a legalidade jurídica e conferindo às leis valor, e não apenas

136 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

812. 137 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

827-828. Para acessar as interfaces existentes entre o homem e o sistema social na teoria luhmanniana,

confira, ainda, em especial, os escritos de LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução

de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília: UnB, 1980. p. 129. (Coleção Pensamento Político, v. 15); FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Apresentação. In: LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo

procedimento. Tradução de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília: UnB, 1980. p. 1-2. (Coleção

Pensamento Político, v. 15); COHN, Gabriel. As diferenças finas: de Simmel a Luhmann. São Paulo: Revista

Brasileira de Ciências Sociais, v. 13, n. 38, 1998; CHAVES, Terezinha Ribeiro. A insuficiência discursiva

da autopoiesis na fundamentação dos provimentos. In: LEAL, Rosemiro Pereira (Org.). Estudos

continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 101-102. v. 3. 138 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

813.

Page 58: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

65

validade ou vigor, unicamente com base no valor associado a priori à sua forma, ou

pior, à sua fonte (o soberano, a assembleia, ou o ditador, ou o partido, ou o povo, ou

similares). Habitualmente (sic) além disso, se acompanham ou se confundem com

concessões organicistas do Estado, idealizado como personificação da inteira

sociedade e como síntese de razão de valores e interesses sociais gerais. A confusão

entre direito e moral, entre ser e dever ser, ou entre o ponto de vista interno e o

ponto de vista externo se associa de tal modo à confusão entre Estado e sociedade,

ou pior, entre Estado e cidadãos: “Se o Estado”, escreve HEGEL, “é o espírito

objetivo, então só como seu membro é que o indivíduo tem objetividade, verdade e

moralidade”. Esta é uma solução não muito diferente daquela a que pertencem,

desde outras premissas, muitas doutrinas realistas dos teóricos da razão de Estado [...] até à recente teoria sistêmica de NIKLAS LUHMANN, o qual, promovendo

uma reformulação do Estado como “sistema” e da sociedade como “ambiente”,

postula o primado do primeiro sobre a segunda, reduzindo tudo a uma espécie de lei

biológica: a necessidade do sistema sobreviver e se desenvolver, de dominar o seu

ambiente modificando-o, simplificando-o e em todos os casos rendendo-se às

próprias instâncias funcionais.

Daí, por uma perspectiva garantista, um sistema político pode ser caracterizado como

autopoiético sempre que ignorar a centralidade da pessoa, para quem a estatalidade foi

instituída a servir, proporcionando-lhe a tutela e a satisfação de seus direitos. A

instrumentalidade do Estado e, também, do Direito, não se compatibiliza com a ideia de

sociedade como organismo social, uma vez que, por essa concepção, “o que interessa é o

organismo e não as suas células. As decisões são tomadas apenas pelas células preparadas

especialmente para decidir e não pela maioria indiferenciada delas”, conforme observa

Eugenio Raúl Zaffaroni.139

De conseguinte, para o garantismo,140

apenas podem ser adjetivadas como

heteropoiéticas as teorias que sustentam que a legitimação política do Estado e do Direito seja

proveniente desde abaixo, ou seja, emanada da sociedade que, de acordo com Luigi Ferrajoli,

deve ser compreendida como a somatória heterogênea de pessoas, forças e classes sociais. Ao

contrário do que ocorre em relação às teorias autopoiéticas, as teorias heteropoiéticas prestam

adesão à filosofia política utilitarista, de maneira a acolher como natural não o Estado ou o

poder, mas as pessoas e seus direitos, para cuja tutela e satisfação foram criados o Estado e o

Direito.

É mesmo aceitável, por isso, que o garantismo festeje as concepções filosófico-

políticas teorizadas pelo movimento iluminista.141

Não porque acolha as premissas do

139 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal.

Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 49. 140 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

813-814. 141 Na literatura garantista produzida no Brasil, as correlações teóricas existentes entre o garantismo e o

iluminismo auferem destaque nas publicações de COPETTI NETO, Alfredo. A democracia constitucional

sob o olhar do garantismo jurídico. Florianópolis: Santa Catarina, 2016. p. 29-33 e 37 (Coleção Sob o

Page 59: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

66

jusnaturalismo a que tanto combate como proposição de taxionomia positivista que é, mas

porque, segundo assevera:

Direitos “inatos” ou “naturais”, para além da metafísica jusnaturalista onde foram

concebidos, significam precisamente direitos “pré-estatais” ou “pré-políticos”, no

sentido de que não fundados por aquela criatura que é o Estado, mas são

“fundamentais” ou “fundadores” de sua razão de ser, como parâmetros externos e

objetivos de sua organização, delimitação e disciplina funcional. O vício ideológico,

além de metafísico, do jusnaturalismo, foi a ideia de um direito natural como

entidade ontológica, no lugar de puramente ideológica. Obviamente, o “direito” e “os direitos naturais” não existem; não são realidades objetivas, mas sim princípios

axiológicos ou normativos de tipo extrajurídico. Mas isto não tolhe em nada o valor

que a estes se quer associar como fundamentos externos – “naturais”, no sentido de

“pré-políticos” ou “sociais” – do direito positivo e do Estado, e nem ao menos ao

primado e a autonomia moral e política reivindicada pelos escopos nos quais estão

fundados. A ideia jusnaturalista do contrato social é sob este aspecto uma grande

metáfora da democracia. O Estado, segundo o paradigma da justificação externa por

esta sugerida, não é nem um fim nem um valor: é, isto sim, um produto fabricado

pelos homens, “porque pela arte” – são as palavras de HOBBES – “é criado aquele

grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade [em latim Civitas] que não é

senão um homem artificial, embora de maior estatura e força do que o homem

natural, para cuja proteção e defesa foi projetado”; de modo que vale tanto na medida em que serve aos “homens naturais”, que de comum acordo o produziram, e

nada vale nada [sic] e deve por isso ser transformado, remodelado e demolido

quando se insurgem contra eles [sic]. Mais: ele é de per si um desvalor, isto é, um

mal menor sujeito enquanto tal ao ônus da justificação externa e a posteriori. Isto

quer dizer que os seus poderes não são concebidos como “justos” apenas por quem

os detém, mas sobretudo segundo por que, quando e como são ou não são sempre

exercitados. Não é, em suma, a fonte ou a forma das normas, mas os seus concretos

conteúdos que justificam ou não justificam politicamente a sua produção.142

Assim sendo, para Luigi Ferrajoli,143

é correto afirmar que o contratualismo clássico

pode ser considerado uma teorização embrionária da democracia, tanto em seu aspecto

político quanto em seu aspecto substancial. Se for extraído do contrato social um esquema de

justificação externa do Estado e do Direito, advindo não somente de um consenso existente

entre os contratantes para sua instituição, como, também, do objetivo de criação do Estado e

do Direito à garantia de seus direitos vitais, do contratualismo clássico será cabível inferir

olhar do Garantismo Jurídico, v. 1); CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 3. ed. rev. e atual. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 108-109; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart de. Estado de direito e

legitimidade: uma abordagem garantista. 2. ed. atual. e ampl. Campinas: Millennium, 2007. p. 214; ROSA,

Alexandre Morais da. Garantismo jurídico e controle de constitucionalidade material. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2005. p. 6-8; ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico? (teoria geral do direito). Florianópolis: Habitus, 2003. p. 23-26. (Coleção Para entender o Direito, v. 3); CALDAS, Andressa.

Constituição e garantismo jurídico: uma proposta de refundação do estado social. Revista da Faculdade de

Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 35, p. 135-142, 2001. p. 138-141. 142 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

814. 143 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

814-815.

Page 60: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

67

uma primeira ruptura com a ideia de que o Estado e o Direito erijam-se como fins em si

mesmos.

O garantismo não ignora que, a partir dos escritos de Jean-Jacques Rousseau,

estabeleceu-se a onipotência da vontade geral que, ao se apresentar como um valor absoluto,

poderia até mesmo ser utilizada como fundamento hábil à restrição de direitos de titularidade

dos próprios contratantes. Também não desconhece que as teses de John Locke e Thomas

Hobbes, com a ressalva de suas singularidades, são habitualmente qualificadas como liberal-

burguesas, vez que dedicadas, em vários de seus pontos, à abordagem dos limites de atuação

estatal e à elaboração de uma teorização inaugural dos direitos fundamentais que ainda está

restrita aos direitos de liberdade e de propriedade.144

No entanto, para a teoria garantista, se examinadas as teses do contratualismo clássico

por uma perspectiva filosófico-política diferenciada, será possível nelas identificar não

somente a artificialidade do Estado e do Direito, que são precedidos pelos indivíduos que os

instituíram, mas, ainda, uma teoria da democracia formal indicativa de “quem pode” decidir e

de “como pode” ser decidido e uma teoria da democracia substancial que apontaria “o que

deve” ser decidido e “o que não deve” ser decidido. Embora sejam reflexões apenas iniciais

sobre a democracia, mostram-se bastante contributivas para uma abordagem ferrajoliana

atual, já que, pelo autor garantista:

A partir desse ponto de vista, podemos bem dizer que o paradigma da democracia

constitucional é filho da filosofia contratualista. Em um duplo sentido. No sentido de

que as constituições são contratos sociais de forma escrita e positiva, pactos

fundantes da convivência civil gerados historicamente pelos movimentos

revolucionários, que, por vezes, foram impostos aos poderes públicos, de outra

forma absolutos, como fontes de sua legitimidade. E no sentido de que a ideia de contrato social é uma metáfora da democracia: da democracia política, dado que

alude ao consenso dos contraentes e, por conseguinte, vale para fundar, pela

primeira vez na história, uma legitimação do poder político desde abaixo; mas é

também uma metáfora da democracia substancial, posto que esse contrato não é um

novo acordo vazio, mas que tem como cláusulas, e, ao mesmo tempo, como causa,

precisamente a tutela dos direitos fundamentais, cuja violação por parte do soberano

legitima a ruptura do pacto e o exercício do direito de resistência.145

144 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

815. 145

FERRAJOLI, Luigi. Derechos fundamentales. In: FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más

débil. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez y Andrea Greppi. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2004. p. 53.

(Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “Desde este punto de vista, podemos decir

que el paradigma de la democracia constitucional es hijo de la filosofía contractualista. En doble sentido. En

el sentido de que las constituciones son contratos sociales de forma escrita y positiva, pactos fundantes de la

convivencia civil generados históricamente por los movimientos revolucionarios con los que en ocasiones se

han impuesto a los poderes públicos, de otro modo absolutos, como fuentes de su legitimidade. Y en el

sentido de qual a idea del contrato social es una metáfora de la democracia: de la democracia política, dado

que alude al consenso de los contratantes y, por consiguiente, vale para fundar, por primera vez en la historia,

Page 61: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

68

É o que se lê, de modo semelhante, também na Principia Iuris – Teoría del Derecho y

de la Democracia:

É certo que a ideia do contrato social [...] é uma metáfora. Mas é a metáfora,

precisamente, do momento constituinte da democracia constitucional, ou seja,

daquela atividade humana que, de uma maneira ou outra, estabeleceu essa ficção que

é o estado constitucional de direito, como centro e instrumento de imputação das

situações, ativas e passivas, estabelecidas pelos constituintes. Esta atividade pode

consistir em um efetivo pacto de convivência, como foram a Constituição dos

Estados Unidos ou a Carta da ONU e como, provavelmente, será a Constituição europeia, todas elas estipuladas em forma de tratado; ou pode realizar-se mediante

um processo constituinte, que se inicia com o estabelecimento de uma assembleia

constituinte e desenvolve-se com a elaboração e, depois, a aprovação de um texto

constitucional, como ocorreu nas experiências inauguradas pela Revolução francesa;

ou, enfim, pode consistir, em vez de um específico e solene ato normativo produtivo

de uma constituição escrita, em um costume, como é – assim deve se considerar – o

que se encontra na base dos sistemas carentes de uma lei constitucional formal. O

certo é que o Estado, ao consistir, como ocorre em relação a qualquer outra

instituição, em uma entidade fictícia e artificial, não está só constituído, como

ordenamento e pessoa jurídica ao mesmo tempo, por um ato que o institui, mas é,

também, continuamente re-construído, quer dizer, operacionalizado, graças à

realização e, portanto, da efetividade das normas produzidas por ele. O que faz que a imagem do contrato social seja mais pertinente do que nenhuma

outra para representar o ato constituinte de uma democracia constitucional é o fato

de que, na constituição por ele produzida, estipule-se a igualdade através da

atribuição a todos dos direitos fundamentais. Nela, são convencionadas, com efeito,

duas dimensões da igualdade: a dimensão formal, de acordo com a qual as

dinâmicas do ordenamento estabelecido, quer dizer, toda a produção normativa é

confiada direta ou indiretamente à autonomia, individual e coletiva, dos próprios

contratantes ou associados; e a dimensão substancial, conforme a qual tais

dinâmicas, tanto públicas como privadas, estão vinculadas à garantia dos direitos

fundamentais e, em particular, ao respeito dos direitos de liberdade e à satisfação

dos direitos sociais.146

una legitimación del poder político desde abajo; pero es también una metáfora de la democracia substancial,

puesto que este contrato no es un nuevo acuerdo vacío, sino que tiene como cláusulas y a la vez como causa

precisamente la tutela de los derechos fundamentales, cuya violación por parte del soberano legitima la

ruptura del pacto y el ejercicio del derecho de resistencia.” 146 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 2. Teoría de la democracia.

Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz

Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011a. p. 159-160. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No

original: “Es cierto que la idea del contrato social [...] es una metáfora. Pero es la metáfora, precisamente, del

momento constituyente de la democracia constitucional, o sea, de aquella actividad humana que, de una

manera u otra, ha estabelecido esa ficción que es el estado constitucional de derecho, como centro e

instrumento de imputación de las situaciones, activas y pasivas, a su vez establecidas por los constituyentes.

Esta actividad puede consistir en un efectivo pacto de convivencia, como lo fueron la Constitutición de los

Estados Unidos o la Carta de la ONU y como probablemente lo será la Constitución europea, estipuladas

todas con la forma del tratado; o puede realizarse mediante un proceso constituyente y se desenrola con la

elaboración y después la aprobación de un texto constitucional, como ha ocorrido en las experiencias por Revolución francesa; o bien, en fin, puede consistir, en vez de en un específico y solemne acto normativo

productivo de una constitución escrita, en una costumbre, como lo es – así debe considerarse – la que se

encuentra en la base de los sistemas carentes de una ley constitucional formal. Lo cierto es que el Estado, al

consistir al igual que cualquier otra institución en una entidade ficticia y artificial, no está sólo constituido,

como ordenamiento y persona jurídica a un tempo, por un acto que lo instituye, sino que es también

continuamente re-constituido, es decir, hecho funcionar, gracias a la realización y por tanto a la efectividad

de las norms producidas por él. Lo que hace que la imagen del contrato social sea más pertinente que ninguna

otra para representar el acto constituyente de una democracia constitucional es el hecho de que en la

constitución por él producida se estipule la igualdad a través de la atribución a todos de los derechos

Page 62: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

69

Desta forma, em seu significado filosófico-político, o garantismo presta homenagens

ao contratualismo clássico para, a partir dele, interrogar quaisquer teorias que não situam a

estatalidade como instrumento criado para a tutela e a satisfação de direitos fundamentais das

pessoas e, também, para apostar “na negação de um valor intrínseco do direito somente

porque vigente, e do poder somente porque efetivo, e no primado axiológico relativamente a

eles do ponto de vista ético-político ou externo, virtualmente orientado à sua crítica e

transformação”.147

Por consequência, e exatamente com base nesses elementos, Luigi Ferrajoli148

nega a

adesão garantista a uma visão finalista e otimista do poder,149

a qual tanto atrai as teorias

autopoiéticas e suas inclinações para o totalitarismo. Independentemente da fonte de

legitimação do poder, esse deve ser compreendido como um malefício, tendo em vista que,

além da tendência de se degenerar em despotismo sempre que não estiver limitado e

vinculado, o otimismo quanto ao poder é, habitualmente, associado à existência de uma

sociedade que é pressupostamente caracterizada como má, por via de uma correlação político-

sociológica que, a contrario sensu, também vincula o pessimismo relativo ao poder à noção

de uma sociedade boa.150

Como o que se apresenta relevante para uma teoria garantista é a justificação externa

do Estado e do Direito, o otimismo atinente ao poder – que notabiliza as concepções

autopoiéticas – cede espaço a uma preocupação quanto ao modo de exercício desse poder, que

deverá estar voltado à concretização dos escopos de tutela e satisfação dos direitos,

fundamentales. En ella son convenidas, en efecto, dos dimensiones de la igualdad: la dimensión formal,

conforme a la cual las dinâmicas del ordenamento estabelecido, es decir, toda la producción normativa, se

confían, directa o indirectamente, a la autonomía, individual y colectiva, de los proprios contratantes o asociados; y la dimensión substancial, conforme a la cual tales dinâmicas, tanto públicas como privadas,

están vinculadas a la garantía de los derechos fundamentales y, en particular, al respeto de los derechos de

libertad y a la satisfacción de los derechos sociales.” 147 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

815. 148 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

816-817. 149 Para acessar um estudo aprofundado sobre o poder e seu exercício pelo Estado, a partir dos escritos de José

Alfredo de Oliveira Baracho, Raymond Carré de Malberg, Norberto Bobbio, Filomeno Moraes, Lenio Streck, Karl Loewenstein, Pablo Lucas Verdú, Ekkehart Stein, Jürgen Habermas, Hans Kelsen, Georg Jellinek,

Georges Burdeau, Joaquim José Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Marcello Caetano, Mário Lúcio Quintão

Soares e Luiz Sanchez Agesta, confira as lições de BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo constitucional e

estado democrático de direito. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 9-17. Sobre a

temática, confira, ainda, a publicação de LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do processo em crise.

Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 31. 150 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

816.

Page 63: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

70

notadamente dos direitos fundamentais, ainda que essas ocorram de maneira sempre

imperfeita. É que, para o garantismo, assim como os Estados Constitucionais de Direito são

caracterizados pelo acolhimento de uma inafastável ilegitimidade jurídica, também são

alcançados por uma inarredável ilegitimidade política que, além de atingir a jurisdição, que,

por uma perspectiva ferrajoliana, é sempre, em algum grau, poder discricionário e não

somente uma atividade cognitiva dos juízes destinada à garantia de direitos,151

atinge o

legislativo e o executivo, que se erigem como:

[...] dois poderes do Estado democrático de direito, cuja legitimação depende da sua

capacidade de exprimir e satisfazer a vontade e os interesses representados: do Poder

Legislativo, cuja representatividade é sempre aproximativa e imperfeita por ausência

de mandatos imperativos e pelas mediações burocráticas interpostas pelas partes que

o exprimem; e do Poder Executivo, cuja representatividade é ainda mais tênue e

mediata por suas margens de autonomia e pela não efetividade dos controles

parlamentares. [...]

Esta irredutível ilegitimidade política de todos os poderes no Estado de direito é uma

aporia política do garantismo, que se soma àquela [...] da sua irredutível

ilegitimidade jurídica. A par desta, tal depende da divergência estrutural entre dever-ser e ser que sempre caracteriza os modelos normativos de legitimações impostas –

tanto do exterior como do interior – ao exercício do poder. Diria, também, que uma

irredutível ilegitimidade política é característica fisiológica de todos os

ordenamentos que se fundam sobre modelos de legitimação heteropoiética, ou

ascendente ou descendente. Garantismo e democracia são sempre modelos

normativos imperfeitamente realizados; e valem, portanto, tanto como parâmetros de

legitimação, quanto como parâmetros de perda da legitimação política.

Paradoxalmente, nos regimes absolutos pré-modernos, onde a legitimação provinha

do alto (Deus, nascimento, investidura soberana e similares) e se limitava à fonte de

poder (“quod principi placuit”), a legitimidade – não apenas jurídica (sic) mas

também política – era absoluta, perfeita, enquanto apriorística e incondicionada. Vice-versa, nos modernos Estados de direito, onde provém de baixo e do exterior, a

legitimidade política é sempre relativa, condicionada e mensurável em graus: seja

porque depende do grau de efetiva realização das funções externas que justificam os

poderes (grau de representatividade, grau de satisfação dos direitos garantidos e dos

interesses representados), seja pela imperfeição estrutural dos instrumentos

institucionais a tal fim apontados (representação indireta, princípio da maioria,

garantias jurisdicionais e outras técnicas jurídicas de tutela). Por isso se deve sempre

falar, a propósito dos sistemas políticos que requerem fontes de legitimação de

baixo, de “democracia imperfeita”, de “liberalismo imperfeito”, de “socialismo

imperfeito”, bem como, obviamente, de “garantismo imperfeito”.152

Como filosofia-política, em suma, o garantismo apresenta-se como uma proposição

que permite a crítica externa do Estado e do Direito. Baseando-se na prevalência do ponto de

vista externo (ético-moral) sobre o ponto de vista interno (jurídico) do ordenamento, a teoria

151 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

817. 152 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

817-818.

Page 64: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

71

garantista não apenas acolhe a dissociação de validade e justiça, como torna viável a

identificação da ilegitimidade política dos cognominados poderes públicos no Estado

Constitucional de Direito, que é decorrente da lamentável, mas admitida como frequente,

ausência de atuação estatal em prol da concretização dos direitos das pessoas, sobretudo dos

direitos fundamentais.

Page 65: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL
Page 66: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

73

3 DISCRICIONARIEDADE JUDICIÁRIA E A APLICAÇÃO GARANTISTA DA

NORMATIVIDADE JURÍDICA

Com base no que foi exposto, é possível identificar a importância da jurisdição na

proposição ferrajoliana. Pela análise dos significados de garantismo como modelo normativo

de direito, como teoria crítica do direito e como filosofia política, vê-se que a proposta

garantista apresenta-se como absolutamente irrealizável sem que, no âmbito da aplicação do

direito, destaque-se a atuação dos juízes no enfrentamento das falhas normativas que

acometem os sistemas jurídico-positivos atuais.

Desde a criação da Magistratura Democrática, que se estabeleceu na década de setenta

do século XX, na Itália, ressalta-se a centralidade da jurisdição para a implementação da

pretensão garantista que, rejeitando a avaloração na aplicação da lei pelos julgadores, instou

os juízes a assumirem um papel que até então lhes era negado. Os magistrados passam a

ostentar a condição de garantes da legalidade, permutando qualquer atividade de aplicação

mecânica da normatividade jurídica por uma atuação que será, sempre, em alguma medida,

opinável.

O que se extrai dos escritos ferrajolianos é que aplicação do direito pelos juízes exige

a adoção de juízos discricionários pela magistratura, os quais, além de recairem sobre o

resultado probatório, atingem a atividade de seleção da norma aplicável ao suposto de fato. A

identificação judiciária da norma regente dos fatos tidos como provados no âmbito

procedimental passa, necessariamente, pela fixação judiciária do sentido da norma que o

julgador garantista escolheu aplicar, bem como pela certificação da validade desse

significado.

É, por isso, que, de acordo com os fundamentos da teoria garantista, a aplicação

jurídico-normativa não pode prescindir de uma complexa atividade de análise judiciária das

normas cuja incidência é cogitada. Como se já não bastasse a dificuldade relativa à

identificação, no ordenamento jurídico, de uma norma que implemente determinação disposta

em norma que lhe seja hierarquicamente superior e aplicável à regência da hipótese fática

procedimentalmente debatida, é de se considerar que, embora, no recinto de aplicação do

direito, a jurisdição garantista esteja sujeita à lei, o significado dessa lei deve ser previamente

desvendado pelo próprio juiz garantista que, ademais, apenas se sujeita às normas que, além

de estarem vigentes, sejam por ele consideradas válidas.

À jurisdição garantista, dessa forma, é também atribuída a missão de garantir que o

Estado e o Direito não se exponham como fins em si mesmos, mas como instituições

Page 67: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

74

artificialmente criadas para a tutela e a satisfação dos direitos das pessoas, principalmente dos

direitos fundamentais. A despeito de ser a jurisdição, habitualmente, indicada como um dos

cognominados poderes públicos, ao lado dos chamados poderes executivo e legislativo,

segundo a teoria geral do garantismo, o juiz “não é precisamente um órgão do aparato de

Estado. A respeito dos demais poderes do Estado, o juiz é um contrapoder, no duplo

sentido”.153

Pelos escritos ferrajolianos, o julgador “é o encarregado do controle da legalidade

sobre atos inválidos e sobre atos ilícitos e, portanto, sobre os danos, provenham de quem

provenham, aos direitos dos cidadãos.”154

É, por esse motivo, que Luigi Ferrajoli155

leciona que, conquanto o consenso popular

esteja, frequentemente, vinculado à legitimação democrática das funções políticas de governo,

não se vincula à jurisdição da mesma maneira. Conforme enuncia o garantista, além de, nos

Estados Constitucionais de Direito, o consenso popular não se colocar como apto, per se, para

a legitimação das decisões tomadas pelas funções de governo, uma vez que, nas democracias

constitucionais, as decisões públicas, assim como as privadas, devem ser tomadas com a

observância da esfera do “indecidível que” e do “indecidível que não”, não se apresenta

sequer aconselhável, por uma perspectiva garantista, a adstrição entre jurisdição e consenso

popular.

Sendo a jurisdição ferrajoliana uma atividade dos juízes que se concretiza pela

aplicação das normas jurídicas válidas aos supostos de fato, para mais de ser exercida de

maneira tendencialmente cognitiva em busca da verdade processual, a qual não pode ser

afastada por um consenso popular que tornaria verdadeiro o que é falso ou falso o que é

verdadeiro,156

deve enfrentar todas as decisões que contrastem com a legalidade,

153 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 100. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).

No original: “[...] no es precisamente un órgano del aparato de Estado, el juez es, si acaso, un contrapoder, en

el doble sentido [...]”. 154 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 100. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).

No original: “[...] es el encargado del control de la legalidad sobre actos inválidos y sobre actos ilícitos y, por

lo tanto, sobre los daños, provengan de quien provengan, a los derechos de los ciudadanos.” No mesmo

sentido, confira o livro de FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010a. p. 534-535. 155 FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo

Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b. 156 FERRAJOLI, Luigi. O direito como sistema de garantias. Tradução de Eduardo Maia Costa. In: OLIVEIRA

JÚNIOR, José Alcebíades de (Org.). O novo em direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

1997. p. 102; FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA,

Manuel; FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho.

México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 97-98. (Serie Estado de Derecho y Función

Page 68: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

75

principalmente com a legalidade constitucional, ainda que essas decisões sejam

representativas de uma vontade geral alcançada pelo consenso majoritário.

A vinculação entre consenso e jurisdicionalidade, assim, é contrária às próprias fontes

de legitimação da jurisdição abordadas pela proposição de Luigi Ferrajoli,157

o qual, ao se

pronunciar sobre a posição institucional do juiz na democracia constitucional, é taxativo em

afirmar que:

[...] o consenso é a fonte de legitimação democrática das funções políticas de

governo, dentro dos limites e com os vínculos estabelecidos pelas constituições. Mas

por que – e chego assim ao tema da relação que me foi encomendada – o consenso nunca pode ser uma fonte de legitimação também da jurisdição?

A resposta a essa pergunta deve-se procurar na diversidade das fontes de legitimação

do poder judiciário, e mais em geral, das instituições de garantia, em relação àquela

dos poderes políticos: uma diversidade ligada à diversa natureza das funções

públicas e sobre a qual se fundamenta a separação dos poderes. Estas funções são

essencialmente duas, referíveis mais ou menos às duas grandes dimensões da

experiência: vontade e conhecimento, poder e saber, disposição e averiguação,

consenso e verdade, produção e aplicação do direito, legis-latio e juris-dictio, uma

ligada àquela que chamei esfera do decidível, a outra ligada àquela que chamei

indecidível (que ou que não). Pertencem à esfera de discricionariedade do decidível

as funções de governo, nas quais podemos incluir tanto as funções legislativas, como aquelas stricto sensu governativas e aquelas que lhe são auxiliares, de tipo

administrativo. São, ao contrário, instituídas para atuação e para defesa da esfera do

indecidível aquelas que podemos chamar de funções de garantia, nas quais eu incluí

seja a função judiciária, que é uma função de garantia secundária, seja as funções

administrativas de garantia primária dos direitos de liberdade e dos direitos sociais

igualmente vinculadas à lei. As funções de governo desenham o espaço da política,

cujos parâmetros de avaliação são a eficiência e a utilidade dos resultados obtidos,

do ponto de vista dos interesses gerais, e cujas fontes de legitimação são, por isso, a

representação política e o consenso. As funções de garantia correspondem, ao

contrário, ao espaço da jurisdição e da administração vinculada, cujos critérios de

avaliação e cujas fontes de legitimação são a retidão e o fundamento das aferições

dos pressupostos legais de seu exercício.

Assim sendo, compreende-se porque o garantismo opõe-se ao pleito de eleição dos

magistrados, bem como à relação de dependência instalada, na Itália, entre o Ministério

Público e o rotulado poder executivo. No que concerne à jurisdição garantista, que interessa,

especialmente, à pesquisa instrutiva da tese formalizada, as fontes de sua legitimação abonam

a sua desvinculação de qualquer vontade majoritária eletiva e não a sua vinculação, que pode

se apresentar perigosa para a independência de uma jurisdição que, nos Estados

Constitucionais de Direito, situa-se como um contrapoder.158

Judicial); FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais –

RBEC, Belo Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b. 157 FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo

Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b. 158 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 98-100. (Serie Estado de Derecho y Función

Page 69: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

76

O que importa assinalar, pelos escritos de Luigi Ferrajoli,159

é que, diante das fontes de

legitimação da jurisdição garantista, “o juiz se reporta à maioria apenas pelo trâmite de sua

sujeição à lei, na qual a vontade majoritária se expressou antes da comissão dos fatos

submetidos a juízo.” Uma sujeição que, no entanto, dá-se de um modo bastante peculiar, vez

que, não obstante a jurisdição seja teorizada como garantia da legalidade, como uma atividade

dos juízes destinada à afirmação da normatividade jurídica e, ainda, como técnica de tutela da

imunidade da pessoa quanto a decisões arbitrárias, é exercida de modo sempre discricionário.

3.1 Juiz como garante da legalidade e a jurisdição garantista como atividade

tendencialmente cognitiva do julgador

Luigi Ferrajoli aponta, por textos diversos, a existência de duas fontes específicas de

legitimação da jurisdição. A primeira delas consiste na atribuição ao julgador do papel de

garante da legalidade e a segunda exprime-se pelo caráter tendencialmente cognitivo da

atividade de aplicação do direito que é realizada pelo juiz garantista.

Em relação à primeira dessas fontes, é de se esclarecer, de logo, que, como já

deixaram entrever os escritos formalizados no segundo capítulo desta tese, o termo garantia

assume contornos teóricos singulares na proposição ferrajoliana. Assim é que, de acordo com

a proposta garantista, mostram-se até recepcionáveis as acepções de garantia a que faz

referência Marina Gascón Abellán,160

ao afirmar que garantir “significa afiançar, assegurar,

proteger, defender, tutelar algo”. Entretanto, diante da complexidade teórica que adjetiva o

estudo desenvolvido por Luigi Ferrajoli, erige-se indispensável registrar que este autor realiza,

em suas publicações, de modo pioneiro, uma análise taxionômica de garantia que impacta

diretamente nas interconexões havidas entre direitos e técnicas destinadas à sua tutela ou

satisfação.

É exatamente em razão da taxionomia proposta por Luigi Ferrajoli que a análise que

este oferta ao tema da garantia distingue-se da que é apresentada por outros estudiosos. Por

amostragem, se fosse sopesada tão somente a conceituação de garantia, pouco divergiria o

significado que é adotado pela proposição ferrajoliana daquele que foi anunciado por José

Judicial).

159 FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo

Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b. 160 ABELLÁN, Marina Gascón. La teoría general del garantismo: rasgos principales. In: CARBONELL, Miguel;

SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid:

Editorial Trotta, 2005. p. 21. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] significa

afianzar, asegurar, proteger, defender, tutelar algo [...]”.

Page 70: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

77

Alfredo de Oliveira Baracho,161

já em 1984, ao asseverar que a “própria palavra garantia é

usada como sinônimo de proteção jurídico-política. O conceito vem do direito privado, de

onde decorre sua acepção geral e o seu conteúdo técnico-jurídico; garantir significa assegurar

de modo efetivo.”

Um exame mais aprofundado da temática, no entanto, indica que se trata, apenas, de

uma aproximação teórica, tendo em vista que, não obstante estejam contempladas na

significação de garantia proposta por Luigi Ferrajoli as garantias processuais e jurisdicionais,

que são assinaladas por José Alfredo de Oliveira Baracho162

como as que completam e

permitem a efetivação das declarações de direitos, também se enquadram no conceito de

garantia, por uma perspectiva ferrajoliana, as técnicas de índole não processual ou

jurisdicional, que estariam, igualmente, destinadas à complementação e à efetivação de

direitos, sejam eles fundamentais ou não, e cuja violação impõe-se como indispensável à

atuação das garantias aludidas pelo autor mineiro, que são classificadas, pela teoria garantista,

como garantias secundárias.

Pelo garantismo, logo, ao lado das garantias processuais e jurisdicionais, essas,

habitualmente, apontadas como as autênticas garantias,163

também se apresentam as chamadas

161 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 138. 162 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 140;

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do constitucionalismo. Revista de Informação

Legislativa, Brasília, v. 23, n. 91, p. 5-62, jul./set. 1986. p. 45. 163 É o que se lê, principalmente, na análise de Héctor Fix-Zamudio que, ao se pronunciar sobre o escorço

conceitual de garantia no ano de 1988, aduziu, com base em autores diversos, que, ultimamente, “[...] a

doutrina moderna começou a perceber que a simples elevação de certos direitos da pessoa humana à

categoria de preceitos constitucionais não era suficiente para ‘garantir’ sua eficácia, como a dolorosa e

atormentada história de nossos povos latino-americanos tem demonstrado repetidamente. [...] Com efeito,

atualmente, são numerosos os constitucionalistas que consideram que a verdadeira garantia dos direitos da pessoa humana consiste precisamente em sua proteção processual e devemos reconhecer que os juristas

italianos vêm desenvolvendo, admiravelmente, a teoria das garantias constitucionais em sentido estrito, isto

é, entendidas como instrumentos processuais para lograr a efetividade das normas da Constituição, até o

extremo de incorporá-las ao próprio texto da carta fundamental de dezembro de 1947, cujo título VI intitula-

se, precisamente, ‘Das garantias constitucionais”, dentre as quais compreende, corretamente, as atribuições

da Corte Constitucional (artigos 134-137). [...] Mas, também, a doutrina latino-americana, e particularmente

a argentina e a panamenha, adotaram uma postura similar, em certo sentido, à italiana [...]”. FIX-ZAMUDIO.

Héctor. Lationoamerica: constitucion, proceso y derechos humanos. México: Grupo Editorial Miguel Angel

Porrua, 1988. p. 58. No original: “[...] la doctrina moderna empezó a percatarse de que la simple elevación de

ciertos derechos de la persona humana al rango de preceptos constitucionales no era suficiente para

‘garantizar’ su eficacia, com la dolorosa y atormentada historia de nuestros pueblos latino-americanos lo ha demonstrado repetidamente. [...] En efecto, ya en la actualidad son numerosos los constitucionalistas que

consideran que la verdadeira garantía de los derechos de la persona humana consiste precisamente en su

protección procesal, y debemos reconocer que los juristas italianos han desarrollado admirablemente la teoría

de las garantías constitucionales en sentido estricto, es decir, entendidas como instrumentos procesales para

lograr la efectividad de las normas de la Constitución, hasta el extremo de incorporarlas al mismo texto de la

carta fundamental de diciembre de 1947, cuyo título VI se intitula precisamente ‘De las garantías

constitucionales’, entre las cuales comprende, correctamente, las atribuciones de la Corte Constitucional

(artículos 134-137). [...] Pero también la doctrina latino-americana, y particularmente la argentina e

panameña han adoptado una postura en cierto sentido similar a la italiana [...]”. Dentre os constitucionalistas

Page 71: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

78

garantias substanciais, que gozam de igual prestígio na proposição ferrajoliana. As lições de

Luigi Ferrajoli acerca da garantia não discrepam do magistério de José Alfredo de Oliveira

Baracho,164

quando este assevera que a “necessidade de defender a sociedade e o indivíduo

quanto ao excesso ou abuso de poder dá origem à idéia institucional de garantia, que tem o

objetivo de resolver os dilemas entre a autoridade e a liberdade”, mas, em face das

peculiaridades da proposta garantista, há de se acolher com ressalvas uma possível

identificação das teorizações de garantia formalizadas pelos dois autores, extensiva às demais

abordagens que deixam de dispor sobre a existência de garantias de direitos não

fundamentais, acerca do possível caráter não processual ou jurisdicional da garantia e, ainda,

a respeito da diferenciação entre garantias primárias e secundárias.

É, a partir desses três aspectos, que a teorização ferrajoliana de garantia parece mesmo

assumir originalidade, conforme se vê da seguinte síntese:

Proponho chamar garantia a toda obrigação correspondente a um direito subjetivo, entendendo por “direito subjetivo” toda expectativa jurídica positiva (de prestações)

ou negativa (de não lesões). Distinguirei, portanto, entre garantias positivas e

garantias negativas, conforme seja positiva ou negativa a expectativa garantida. As

garantias positivas consistem na obrigação da comissão; as garantias negativas na

obrigação da omissão – quer dizer, na proibição – do comportamento que é conteúdo

da expectativa.

São, portanto, garantias, respectivamente positivas e negativas, as obrigações de

prestação e as proibições de lesão correspondentes a essas particulares expectativas

que são os direitos subjetivos, sejam patrimoniais ou fundamentais. Mas, também,

são garantias as obrigações correspondentes às particulares expectativas de

reparação, mediante sanção (para os atos ilícitos) ou anulação (para os atos não válidos), que são geradas com a violação dos direitos subjetivos. Desta forma, entra

em jogo uma segunda e muito importante distinção. Chamarei garantias primárias

ou substanciais as garantias consistentes nas obrigações ou proibições que

correspondem aos direitos subjetivos garantidos. Chamarei garantias secundárias

ou jurisdicionais as obrigações, por parte dos órgãos judiciais, de aplicar a sanção ou

de declarar a nulidade, quando constatem, no primeiro caso, atos ilícitos e, no

segundo, atos não válidos, que violem direitos subjetivos e, com eles, suas

correspondentes garantias.

Correlativamente, pode-se chamar normas primárias as que disponham obrigações e

proibições, incluídas, portanto, as garantias primárias, e normas secundárias as que

predisponham as garantias secundárias da anulação ou da sanção, no caso de que

tenham sido violadas as normas primárias e garantias primárias. Por exemplo, a garantia primária do direito de propriedade é a proibição do furto estabelecida pela

norma primária que cria o delito de furto; a garantia secundária é a obrigação de

aplicar a sanção prevista pelas normas secundárias que castigam o furto e que

disciplinam as formas de sua persecução.165

brasileiros, o caráter atribuído às garantias processuais e jurisdicionais por Héctor Fix-Zamudio é sublinhado,

sobretudo, por FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo:

Saraiva, 1995. p. 248; e MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. Belo Horizonte:

Mandamentos, 2000. p. 151. t. I. 164 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 130. 165 FERRAJOLI, Luigi. Garantías. Revista Jueces para la Democracia: información y debate, Madrid, v. 38, p.

39-46, jul. 2000b. p. 40. No original: “Propogno llamar garantía a toda obligación correspondiente a un

derecho subjetivo, entendendo por ‘derecho subjetivo’ toda expectativa jurídica positiva (de prestaciones) o

Page 72: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

79

E conclui:

É evidente que, enquanto que a observância das garantias (e das normas) primárias

equivale à satisfação de maneira primária e substancial dos direitos garantidos por

elas, a das garantias (e das normas) secundárias opera, só eventualmente, como

remédio previsto para a reparação da inobservância das primeiras representada por

atos ilícitos ou atos inválidos. Por isso, falarei, ademais, de efetividade e inefetividade primária, de primeiro grau ou substancial a propósito da observância

ou inobservância das normas (e garantias) primárias, e de efetividade ou

inefetividade secundária ou de segundo grau ou jurisdicional a propósito da

observância ou inobservância das secundárias.166

Para Luigi Ferrajoli,167

com efeito, a jurisdição é apontada como uma garantia e não

como um direito. Além disso, para o garantista, a “mais clássica e importante das funções de

negativa (de no lesiones). Distinguiré, por tanto, entre garantías positivas y garantías negativas, según que

resulte positiva o negativa la expectativa garantizada. Las garantías positivas consistirán en la obligación de

la omisión – es decir, en la prohibición – del comportamento que es contenido de la expectativa. Son, por

tanto, garantías, respectivamente, positivas e negativas, las obligaciones de prestación y las prohibiciones de

lesión correspondientes a esas particulares expectativas que son los derechos subjetivos, sean patrimoniales o

fundamentales. Pero tambíén son garantías las obligaciones correspondientes a las particulares expectativas

de reparación, mediante sanción (para los actos ilícitos) o anulación (para os actos no válidos), que se

generan con la violación de los derechos subjetivos. De esta forma, entra en juego una segunda y muy

importante distinción. Llamaré garantías primarias o sustanciales a las garantías consistentes en las obligaciones o prohibiciones que corresponden a los derechos subjetivos garantizados. Llamaré garantías

secundarias o jurisdiccionales a las obligaciones, por parte de los órganos judiciales, de aplicar la sanción o

de declarar la nulidad cuando se constaten, en el primer caso, actos ilícitos y, en el segundo, actos no válidos

que violen los derechos subjetivos y, con ellos, sus correspondientes garantías primarias. Correlativamente,

se puede llamar normas primarias a las que disponen obligaciones y prohibiciones, incluídas por tanto a las

garantías primarias, y normas secundarias a las que predisponen las garantías secundarias de la anulación o

de la sanción, en el caso de que hayan resultado violados las normas y garantías primarias. Por ejemplo, la

garantía primaria del derecho de propriedad es la prohibición del hurto establecida por la norma primaria que

crea el delito de hurto; la garantía secundaria es la obligación de aplicar la sanción prevista por las normas

secundarias que castigan el hurto y que disciplinan las formas de su persecución. 166 FERRAJOLI, Luigi. Garantías. Revista Jueces para la Democracia: información y debate, Madrid, v. 38, p.

39-46, jul. 2000b. p. 40. No original: “Es evidente que mientras que la observancia de las garantías (y de las normas) primarias equivale a la satisfacción de manera primaria y substancial de los derechos garantizados

por ellas, la de las garantías (y de las normas) secundarias opera, sólo eventualmente, como remedio previsto

para la reparación de la inobservância de las primeras representada por los actos ilícitos o los actos inválidos.

Por ello, hablaré, además, de efectividad o inefectividad primaria, de primer grado o sustancial a propósito

de la observancia o inobservancia de las normas (y garantías) primarias, y de efectividad o inefectividad

secundaria, de segundo grado o jurisdiccional a propósito de la observancia o inobservancia de las normas

secundárias.” 167 Segundo Paulo Bonavides, “o erro de confundir direitos e garantias, de fazer um sinônimo de outro, tem sido

reprovado pela boa doutrina, que separa com nitidez os dois institutos, não incidindo em lapsos dessa

ordem”. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 528.

Dentre os autores brasileiros, a ausência de distinção entre direitos e garantias é também objeto de destacada reprovação por BARACHO, José Alfredo de Oliveira. As perspectivas de uma teoria geral do processo

constitucional no direito comparado. Particularidades do processo constitucional. In: BARACHO, José

Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum,

2008a. p. 23-24; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional: conceito, natureza e objeto.

Ação e legitimação. In: BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: aspectos

contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008b. p. 47; BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A proteção

judicial dos direitos fundamentais. In: BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual

constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008c. p. 53-54; BARACHO, José

Alfredo de Oliveira. Cidadania e dignidade humana. A plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e

Page 73: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

80

garantia é certamente a jurisdicional, que desenvolve um papel central na vida do direito

como função de garantia secundária”,168

cabendo-lhe atuar em prol da anulação ou da

responsabilização diante das eventuais violações das garantias primárias provocadas por atos

inválidos ou ilícitos.

É, por sua destinação, portanto, que a teoria ferrajoliana adjetiva as garantias

secundárias, dentre as quais se destaca a jurisdição, como garantias reparadoras em sentido

amplo,169

uma vez que, ao contrário do que ocorre com as garantias primárias, que são

dirigidas à imediata tutela ou satisfação de direitos mediante acatamento das proibições ou

prestações que lhe são correspondentes, as garantias secundárias atuam sempre após a

violação das garantias primárias, com o objetivo de possibilitar o incremento de um ato de

anulação ou de sanção, que atuaria no enfrentamento da inobservância dos limites e vínculos

positivados ao exercício do poder.

É, também por isso, que, por uma proposta garantista, apresenta-se viável o

estabelecimento de uma importante correlação prático-teórica entre o advento do Estado

Constitucional de Direito e a ampliação dos espaços de atuação da jurisdição.170

Isso porque,

se focados os limites e os vínculos impostos ao exercício do poder, é de se considerar que, de

acordo com o garantismo, na medida em que esses aumentam é, igualmente, majorada a

possibilidade de sua não observância. Quanto mais limites e vínculos são estabelecidos ao

exercício do poder, maior é a incidência de sua violação e, de conseguinte, mais necessária é a

intervenção da jurisdição como garantia secundária.

processuais. Proteção constitucional e proteção internacional dos direitos do homem: concorrente ou

complementar. Constituição e direito internacional. In: BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito

processual constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008d. p. 213-216;

BARBOSA, Ruy. A constituição e os actos inconstitucionais do congresso e do executivo ante a justiça

federal. 2. ed. Rio de Janeiro: Atlantida, 1893. p. 189-190; BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo

constitucional e estado democrático de direito. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p.

91-93. Na literatura especializada estrangeira, a identificação de direitos e garantias é especialmente refutada

por FIX-ZAMUDIO. Héctor. Lationoamerica: constitucion, proceso y derechos humanos. México: Grupo

Editorial Miguel Angel Porrua, 1988. p. 59; e MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed.

rev. e atual. Coimbra: Coimbra, 1993. p. 88-89. t. 4. Note-se, por oportuno, que, conforme os estudos

referenciados, por uma distinção entre direitos e garantias, a jurisdição jamais é caracterizada como uma

garantia, mas, em sentido contrário, como um direito fundamental. 168 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 831. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “La mais clásica e importante de las funciones de garantía es certamente la jurisdicional, que desarrolla un papel

central en la vida del derecho como función de garantía secundária.” 169 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 637. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 170 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 87-105. (Serie Estado de Derecho y Función

Judicial).

Page 74: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

81

Assim, por uma perspectiva garantista, se considerado o Estado Legislativo de Direito,

é de se identificar nele um reduzido espaço destinado à atuação judiciária. A ausência de

rigidez constitucional somada à onipotência da maioria implicava em uma sobrevalorização

da atuação política, a qual, com base no princípio da mera legalidade, estava autorizada a

reduzir ou a suprimir direitos já atribuídos às pessoas. Foi o que ocorreu, em um primeiro

momento, com a consagração da vontade majoritária burguesa e, em um segundo momento,

com o louvor expendido à vontade do jefe. Acrescendo-se a isso o caráter abstencionista do

Estado Legislativo de Direito, em sua perspectiva liberal, ou o caráter totalizante desse

modelo normativo de direito, na versão autoritária, extrai-se o motivo pelo qual a jurisdição

atuava de modo restrito, se comparada com a sua atuação nos Estados Constitucionais de

Direito, de acordo com os perfis traçados pela teoria garantista.

Como esclarece Luigi Ferrajoli,171

ao se pronunciar sobre o que denomina correlação

biunívoca entre Estado de Direito e jurisdição:

No Estado paleoliberal de oitocentos, estes vínculos eram mínimos. Primeiro,

porque o papel do Estado era mínimo: tutor e garante da ordem pública interna,

através do direito e da jurisdição penal, e da certeza dos tratos comerciais através do

direito e da jurisdição civil. Em segundo lugar, porque, durante muito tempo, o Estado e as outras entidades públicas, incluída a administração pública, não haviam

sido concebidos como possíveis partes processuais e os atos legislativos e

administrativos não se consideravam sujeitos à jurisdição. A jurisdição civil e penal

– uma referida à tutela dos direitos nas relações privadas e à verificação e reparação

de ilícitos civis, e a outra referida à verificação e ao castigo dos atos ilícitos penais –

estava destinada unicamente aos cidadãos, isto é, à sociedade. Foi com muita

lentidão que se desenvolveu, no século XIX, um contencioso administrativo entre

instituições públicas e cidadãos. E não foi até a segunda metade do século passado

[século XX], quando se desenvolveu, na Europa, um contencioso legislativo, com a

introdução do controle da constitucionalidade sobre a legislação ordinária.

Para o garantismo,172

o aumento do âmbito de regulação do direito e, por

consequência, de atuação da jurisdição, deve-se a duas razões, que são apontadas como

171 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 87-88. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).

No original: “En el Estado paleoliberal del ochocentos, estos vínculos eran mínimos. Primeiro, porque el

papel del Estado era mínimo: tutor y garante da orden público interno, a través del derecho y la jurisdicción

civil. En segundo lugar, porque durante mucho tempo, el Estado y las otras entidades públicas, incluída la administración pública, no habían sido concebidos como posibles partes procesales y los atos legislativos y

administrativos no se considerabam justiciables. La jurisdicción civil y penal – una referida a la tutela de los

derechos en las relaciones privadas y a la verificación y reparación de ilícitos civiles, y la otra referida a la

verificación y al castigo de los ilícitos penales – estaba destinada únicamente a los ciudadanos, es decir, a la

sociedade. Fue con mucha lentitud que se desarrolló, en el siglo XIX, un contencioso administrativo entre

instituciones públicas e ciudadanos. Y no fue sino hasta la segunda mitad del siglo pasado cuando se

desarrolló, en Europa, un contencioso legislativo, con la introducción del control de la constitucionalidad

sobre la legislación ordinaria.” 172 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

Page 75: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

82

estruturais e irreversíveis. A primeira delas diz respeito ao advento dos Estados

Constitucionais de Direito e a segunda é relacionada às novas tarefas fixadas ao Estado que,

em uma concepção não apenas liberal, mas também social, assume o status de interventor na

economia e na sociedade.

Conforme a proposição garantista, o advento do Estado Constitucional de Direito foi

coetâneo à instituição de Constituições rígidas na Europa, as quais se notabilizaram pela

incorporação de limites e vínculos ao denominado poder legislativo que, até então, impunha-

se imune ao controle judiciário. Se, no Estado Legislativo de Direito, apenas os chamados

poderes executivo e judiciário eram submetidos a controle, com a instalação do novo modelo

normativo de direito e, logo, com a crise que inaugurou em relação às diretrizes da primazia

da legalidade formal e da onipotência da maioria, altera-se o locus ocupado pela política e

modifica-se a atuação da jurisdição, já que, no Estado Legislativo de Direito, a política

prevalecia sobre o direito e o “papel do juiz como órgão sujeito somente à lei se configurava,

por conseguinte, como uma mera função técnica de aplicação da lei, qualquer que fosse seu

conteúdo.”173

Com a refundação do Estado Legislativo de Direito proporcionada pela implantação

das Constituições rígidas no período do pós Segunda Guerra Mundial, o princípio da

legalidade deixa de ser abordado exclusivamente no seu aspecto formal e passa a exigir, à

aferição da validade normativa, não apenas a positivação regular das normas, mas que os seus

conteúdos estejam em consonância com os significados dispostos em norma hierarquicamente

superior. A compatibilidade conteudística é imposta sempre que o ato formal apresente-se

como decisório, motivo pelo qual a validade das leis infraconstitucionais somente é

identificada se essas leis estiverem em consonância com as normas constitucionais sob os

enfoques formal e de conteúdo.

Nos Estados Constitucionais de Direito, portanto, também o legislador submete-se à

lei, especialmente à lei constitucional, não podendo mais produzir normas gerais e abstratas,

ainda que fundadas em uma afirmada vontade majoritária dos cidadãos, que violem as

exigências de forma e de conteúdo ditadas por norma que lhe seja supraordenada. Trata-se do

que a proposição garantista intitula segunda revolução na história da modernidade jurídica,

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 89-95. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial). 173 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 89. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial). No

original: “[...] papel del juez como órgano sujeto sólo a la ley se configuraba, por conseguinte, como mera

función técnica de aplicación de la ley, cualquiera que fuese su contenido.”

Page 76: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

83

que é afamada por alterar, por completo, a metodologia de análise do direito, da política e da

democracia que foi inaugurada com a chamada primeira revolução, a qual, por sua vez, foi

responsável pela interrogação das concepções de direito natural até então dominantes em prol

da defesa da tese de que o direito válido é o direito positivado, mediante inversão da máxima

veritas non auctoritas facit legem para auctoritas non veritas facit legem.174

Pela sujeição dos denominados poderes privados e públicos à lei, não mais somente ao

aspecto de forma normativa como, igualmente, ao de conteúdo, distinguem-se vigência e

validade normativas, bem como validade formal e validade material. Inaugura-se o que a

teoria garantista rotula de dimensão substancial da democracia que, em conjunto com a

nomeada dimensão formal, constitui a designada dimensão constitucional de democracia.

Ampliam-se os espaços de atuação da jurisdição, assim descritos por Luigi Ferrajoli,175

ao se

reportar ao novo papel dos juízes italianos em face da lei:

Podemos entender a alteração de posição do juiz frente à lei que produz este novo paradigma: não só, como é óbvio, dos tribunais constitucionais encarregados do

controle da constitucionalidade das leis, mas, também, dos juízes ordinários que têm

o dever e o poder de ativar dito controle. A sujeição à lei e, em primeiro lugar, à

Constituição, de fato, transforma o juiz em garante dos direitos fundamentais,

inclusive contra o legislador, através da censura da invalidez das leis que violam

esses direitos. Esta censura é promovida por juízes ordinários e declarada pelas

cortes constitucionais. De fato, esta já não é, como no velho paradigma

paleopositivista, sujeição à letra da lei, qualquer que seja o seu significado, mas

sujeição à lei só se é válida, quer dizer, se é coerente com a Constituição. No modelo

constitucional garantista, a validez já não é um dogma ligado à mera existência

formal da lei, mas uma qualidade contingente ligada à coerência – remetida à avaliação do juiz – de seus significados com a Constituição. Disso se deriva que a

interpretação judicial da lei é também um juízo sobre a própria lei, de onde o juiz

tem a tarefa de escolher somente os significados válidos, ou seja, aqueles

compatíveis com as normas constitucionais substanciais e com os direitos

fundamentais que estas estabelecem.

174 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 90-92. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial). 175 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 93-94. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).

No original: “Podemos entender el cambio de ubicación del juez frente a la ley que produce este nuevo

paradigma: no sólo, como es obvio, de los tribunales constitucionales encargados del control de la

constitucionalidad de las leyes, sino también de los jueces ordinarios que tienen el deber y el poder de activar

dicho control. La sujeción a la ley y, ante todo, a la Constitución, de hecho, transforma al juez en garante de los derechos fundamentales, incluso contra el legislador, a través de la censura de invalidez de las leyes que

violan esos derechos. Esta censura es promovida por jueces ordinarios y es declarada por las cortes

constitucionales. De hecho, ésta ya no es, como en el viejo paradigma paleoiuspositivista, sujeción a la letra

de la ley sólo si es válida, es decir, si es coerente con la Constitución. En el modelo constitucional garantista,

la validez ya no es un dogma ligado a la mera existencia formal de la ley, sino una cualidad contingente

ligada a la coherencia – remetida a la evaluación del juez – de sus significados con la Constitución. De ello se

deriva que la interpretación judicial de la ley es también un juicio sobre la ley misma, donde el juez tiene la

tarea de escoger sólo los significados válidos, o sea aquelles compatibles con las normas constitucionales

sustanciales y con los derechos fundamentales que éstas establecen.”

Page 77: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

84

Para a proposição garantista, ademais, cabe à jurisdição atuar em favor do

enfrentamento de um direito lacunoso que se verifica em decorrência da ausência de produção

de normas impostas pela esfera do “indecidível que não”. A admissão garantista da falta de

plenitude do ordenamento jurídico é determinativa de que os juízes também se diligenciem

pelo combate de uma inadimplência continuada do Estado na implementação de direitos

fundamentais sociais, ora mediante instigação da autoridade estatal competente para a

produção de garantias primárias e secundárias à colmatação das lacunas que não podem ser

diretamente preenchidas pelos julgadores, ora pela necessária defesa da legalidade no

exercício das funções governativas responsáveis pela efetivação desses direitos e garantias.

É que, por sua nova configuração, cabe ao Estado não piorar as condições de vida das

pessoas – pela tutela de suas imunidades e liberdades –, assim como melhorar essas condições

de vida pela satisfação de direitos sociais, dentre os quais se realçam o direito à educação, à

saúde e à previdência social.176

Com isso, é imposto ao Estado Constitucional de Direito uma

ampliação de suas funções, que não foi acompanhada pela institucionalização de “garantias

eficazes para os novos direitos e de mecanismos adequados de controle político e

administrativo.”177

Conforme afirma Luigi Ferrajoli,178

diante dessa situação:

O resultado foi uma crise da legalidade na esfera pública. Por uma parte, um

aumento descontrolado da discricionariedade dos poderes públicos; por outra, uma

crescente ilegalidade dos mesmos, que se manifesta, em todas as democracias avançadas – na Itália, Espanha, França e Japão, assim como nos Estados Unidos da

176

FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 732. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). 177 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 94-95. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).

No original: “[...] garantías eficaces para los nuevos derechos y de mecanismos adecuados de control político

y administrativo.” 178 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 94-95. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).

No original: “El resultado fue una crisis de la legalidad en la esfera pública. Por una parte, un aumento

descontrolado de la discricionalidad de los poderes públicos; por la otra, una creciente ilegalidad de los

mismos que se manifesta, en todas las democracias avanzadas – en Italia, España, Francia y Japón, así como en los Estados Unidos de América y en los países de América Latina – en el desarrollo de la corrupción, así

como de procesos de dislocación de poder político a sedes invisibles que escapan a lo control político e

jurisdicional. Queda claro que también este segundo fenómeno contribuyó a la expansión de la jurisdicción, a

la que dio un nuevo papel: el de la defensa de la legalidad contra la criminalidad del poder. Éste es un papel

central, dado que la defensa de la legalidad equivale a la defensa del principio del Estado de derecho, que es

la sujeción a la ley por parte de todos los poderes públicos y que constituye a su vez una premissa esencial de

la democracia. Esto significa también transparencia, controlabilidad y responsabilidad en el ejercicio de las

funciones públicas, igualdad de todos ante la ley, ausencia de poderes invisibles, de dobles Estados, de dobles

niveles de acción política y administrativa.”

Page 78: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

85

América e nos países da América Latina – no desenvolvimento da corrupção, assim

como de processos de deslocamento do poder político a sedes invisíveis que

escapam ao controle político e jurisdicional.

Resta claro que também este segundo fenômeno contribuiu para a expansão da

jurisdição, à qual deu um novo papel: o da defesa da legalidade contra a

criminalidade do poder. Este é um papel central, dado que a defesa da legalidade

equivale à defesa do princípio do Estado de direito, que é a sujeição à lei por parte

de todos os poderes públicos e que constitui, a sua vez, uma premissa essencial da

democracia. Isto significa, também, transparência, controlabilidade e

responsabilidade no exercício das funções públicas, igualdade de todos perante à lei,

ausência de poderes invisíveis, de Estados especiosos, de aparentes níveis de ação política e administrativa.

Com efeito, de acordo com a proposição ferrajoliana, com a expansão dos espaços de

atuação do Estado Constitucional de Direito, que é, simultaneamente, um Estado Liberal

mínimo e um Estado Social máximo,179

também os espaços de atuação da jurisdição foram

ampliados. Nesse novo modelo normativo de direito, os juízes assumem a condição de

garantes, cabendo-lhes não apenas garantir direitos – sejam esses fundamentais ou não –,

como garantir o exercício legal dos denominados poderes público e privado.

De conseguinte, como poder estatal e, também, como contrapoder, a jurisdição recebe

grande destaque nas cogitações garantistas. O risco de que seja exercida de modo logicamente

incontrolado, contudo, não se faz ignorado pelos escritos ferrajolianos, que apontam, como

segundo fundamento de legitimação da jurisdição, o seu caráter tendencialmente cognitivo. A

jurisdição garantista deve ser compreendida como uma atividade dos juízes destinada à

verificação das violações de direito, que são representadas pela produção de atos ilícitos ou

inválidos.180

Por essa característica, a jurisdição distingue-se das funções de governo

exercidas pelo chamados poderes legislativo e executivo, uma vez que:

As leis, os regulamentos, os negócios particulares e grande parte dos provimentos

administrativos são atos apenas preceptivos, nem verdadeiros nem falsos, cuja

validade jurídica depende somente do respeito das normas sobre sua formação e cuja

legitimação política depende: na esfera privada, da autonomia de seus autores; na esfera pública, de sua oportunidade e aderência aos interesses gerais. As sentenças,

ao contrário, são sempre aferições de uma violação e, exigem, portanto, uma

motivação fundada em argumentos cognitivos em fato, e recognitivos em direito, de

cuja verdade, embora aproximada como qualquer verdade empírica, depende tanto

sua validade ou legitimação jurídica, quanto sua justiça ou legitimação política: se

nós criticamos uma condenação ou uma absolvição como injustas, é porque

consideramos falsas suas motivações.

179 FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,

2013a. p. 64. (Collana Contemporanea). 180 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 101. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial);

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo

Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b.

Page 79: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

86

Por um lado, a natureza cognitiva da jurisdição vale então para configurá-la,

diversamente da legislação e da administração, como aplicação substancial em vez

que como simples respeito da lei: em suma, como afirmação da lei. Por outro lado,

vale para garantir aquele direito fundamental específico tutelado pela jurisdição que

é a imunidade da pessoa em relação a pronunciamentos arbitrários. Sob ambos os

aspectos, por outro lado, também a jurisdição se liga, assim como a legislação, à

vontade popular: porque é aplicação daquela vontade política que se manifestou

tanto nas leis como nas normas constitucionais sobre direitos fundamentais,

estipuladas umas e outras sob o véu da ignorância, que por isso se manifesta por

meio de regras gerais e abstratas.181

Por uma perspectiva garantista, logo, é pelo acatamento do caráter tendencialmente

cognitivo da jurisdição que se apresenta viável o controle da decisão proferida no recinto de

aplicação da normatividade jurídica, vez que, se não motivada em argumentos cognitivos em

fato e recognitivos em direito, a aferição da verdade da motivação decisória não seria

logicamente possível. Daí, não obstante a proposição garantista reconheça a impossibilidade

de se afirmar que uma tese decisória seja absolutamente verdadeira, tal qual ocorre em relação

à pretensão de verdade objetiva a respeito de qualquer outro âmbito de investigação prática ou

teórica, sustenta que a verdade deve ser perseguida no momento da afirmação da lei, desde

que seja acolhido o termo verdadeiro em uma perspectiva diversa daquela que foi adotada

pelos iluministas.

Para Luigi Ferrajoli,182

a ideia de verdade como correspondência sustentada pelos

iluministas é uma ingenuidade epistemológica, porque crer em um perfeito enquadramento

fático-jurídico e em uma decisão como ato de aplicação mecânica da lei pelo juiz é entregar-

se ao realismo metafísico. Segundo o garantista, entretanto, é recomendada a adoção da teoria

da verdade como correspondência como um modelo limite que, embora nunca completamente

realizável, pode se mostrar bastante contributivo, se for a proposta da verdade como

correspondência reformulada e esclarecida.

Sendo a teoria da verdade como correspondência admitida como um princípio

regulador, bem como compreendida em uma concepção revisitada – como a que foi proposta

por Alfred Tarski –, mostra-se acolhível o emprego do vocábulo verdade no âmbito da

aplicação jurídico-normativa porque, com as pesquisas formalizadas por Alfred Tarski,

tornou-se viável a identificação das condições de uso do predicado verdadeiro, as quais, se

181 FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo

Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b. No mesmo sentido, confira a publicação de FERRAJOLI, Luigi.

Epistemología jurídica y garantismo. Traducción de José Juan Moreso, Jordi Ferrer, Ángeles Ródenas,

Juan Ruiz Manero, Pedro Salazar, Marina Gascón, Mary Bellof, Christian Courtis, Lorenzo Córdova y José

María Lujambio. México: Fontamara, 2004a. p. 232-234. 182 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

49-52.

Page 80: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

87

forem transferidas para a área jurídica, permitirão identificar se a verdade pode ou não ser

associada aos motivos de um pronunciamento judicial decisório. É o que se estampa, de modo

detalhado, nos escritos garantistas produzidos acerca da definição tarskiana da verdade e da

sua aplicação à área penal:

Segundo esta definição, “uma proposição P é verdadeira se, e somente se, p”, onde

“P” está para o nome metalinguístico da proposição e “p” para a própria proposição: por exemplo, “a oração ‘a neve é branca’ é verdadeira se, e somente se, a neve é

branca”. Se aplicarmos esta equivalência ao termo “verdadeiro”, tal como é

predicável da proposição fática e da jurídica, nas quais pode ser decomposta a

proposição “Tício cometeu culpavelmente tal fato definido na como delito”,

obteremos, por substituição, as duas seguintes equivalências: a) “a proposição

TÍCIO cometeu culpavelmente tal fato é verdadeira se, e somente se, Tício cometeu

culpavelmente tal fato”; e b) “a proposição tal fato está definido na lei como delito é

verdadeira se, e somente se, tal está definido na lei como delito”. Estas duas

equivalências definem, respectivamente, a verdade fática e a verdade jurídica, a

respeito das quais servem para esclarecer as diversas referências semânticas, que no

primeiro caso são os fatos ocorridos na realidade e no segundo as normas que a eles se referem. E definem, conjuntamente, a verdade processual (ou formal). Portanto,

uma proposição jurisdicional será (processual ou formalmente) verdadeira se, e

somente se, é verdadeira tanto fática quanto juridicamente, no sentido assim

definido.

Esta definição de verdade processual, aparentemente trivial, constituiu uma

redefinição parcial – em referência à jurisdição penal – da noção intuitiva da verdade

como “correspondência”, que como se vê está também na base das doutrinas

ilustradas da jurisdição como “verificação do fato” e “boca da lei”. Diferentemente

de tais doutrinas – e igualmente àquelas das epistemologias realistas vulgares –, a

redefinição tarskiana não se compromete, ademais, com o propósito metafísico da

existência de uma correspondência ontológica entre as teses das quais se predica a verdade e a realidade às quais elas se referem, mas limita-se a elucidar de maneira

unívoca e precisa o significado do termo “verdadeiro”, como predicado

metalinguístico de um enunciado. Não é, em suma, uma definição real, mas uma

definição nominal.183

E concluem:

Esta teoria, com efeito, não subministra um critério objetivo ou realista de aceitação

da verdade – que, como tem esclarecido o próprio TARSKI, não existe –, mas se

limita a indicar as condições de uso do termo “verdadeiro”, qualquer que seja a

epistemologia adotada ou rechaçada. Tal indicação representa, não obstante, uma

contribuição decisiva também para a recolocação de nosso problema. Uma vez estabelecido que o termo “verdadeiro” pode ser empregado sem implicações

metafísicas no sentido de “correspondência”, é na realidade possível falar da

investigação judicial como busca da verdade em torno dos fatos e das normas

mencionados no processo, e usar os termos “verdadeiro” e “falso” para designar a

conformidade ou a desconformidade das proposições jurisdicionais a respeito

deles.184

183 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

51-52. 184 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

52.

Page 81: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

88

Por consectário, embora não seja possível formular um critério seguro de aceitação da

verdade das teses judiciais,185

é possível o aproveitamento dos sentidos político e teórico da

proposta da verdade como correspondência e, com esses, levar a efeito uma decisão que, não

obstante esteja condicionada quanto à verdade por alguns limites tidos como insuperáveis

relativos à jurisdição, deverá se aproximar o máximo possível do que é apresentado como

verdadeiro nos aspectos fático e jurídico. O que deve ser descartado, pela teoria garantista, é o

abandono da ideia de verdade no âmbito da aplicação do direito, já que, se isso ocorrer, a

atuação dos juízes consistirá em mero decisionismo.186

De acordo com Luigi Ferrajoli,187

a verdade processual deve ser compreendida como

uma verdade relacionada ao “estado dos conhecimentos e experiências levados a cabo na

ordem das coisas de que se fala, de modo que, sempre, quando se afirma a ‘verdade’ de uma

ou de várias proposições, a única coisa que se diz é que estas são (plausivelmente) verdadeiras

pelo que sabemos sobre elas.” Trata-se de uma verdade apenas aproximada, que não se

equipara à verdade perfeita sustentada pelos iluministas e que deve ser admitida apenas como

um ideal que se assemelha, de acordo com a proposição garantista, com a verdade de uma

teoria científica popperianamente conjecturada, isto é, que se apresenta como “um princípio

regulador que nos permita asseverar que uma tese ou uma teoria é mais plausível ou mais

aproximativamente verdadeira e, portanto, preferível a outras por causa de seu maior ‘poder

de explicação’ e dos controles mais numerosos a que foi submetida com sucesso”.

A verdade como perfeita correspondência deve ser compreendida apenas como um

modelo limite, do qual a verdade processual pode se aproximar, mas jamais alcançar,

notadamente porque submetida aos limites relacionados ao caráter irredutivelmente

probabilístico da verdade fática e inafastavelmente opinativo da verdade jurídica, à

subjetividade do juiz e das fontes de prova e, ainda, ao método legalmente estabelecido à

obtenção dessa verdade,188

aos quais, não raras vezes, soma-se um forte déficit de garantias

185 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

48-49. 186 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p. 51-53.

187 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

51-53. 188 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

54-63. Para Luigi Ferrajoli, no exercício da jurisdição, entrelaçam-se poder e saber e, segundo o garantismo,

o raciocínio judicial compõe-se de três inferências em que o poder e o saber necessariamente atuam: a

inferência indutiva relativa à verdade fática, a inferência dedutiva relacionada à verdade jurídica e o

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89

primárias e secundárias instalado nos sistemas jurídicos, que, proporcionando o advento de

amplos espaços de discricionariedade judiciária no recinto da aplicação do direito, chega até

mesmo a impedir, por completo, a própria obtenção jurisdicional da verdade, ainda que na

medida aproximada.

São esses amplos espaços de discricionariedade judiciária, aliás, que causam

preocupação a Luigi Ferrajoli,189

tendo em vista que, uma vez instalados, eliminariam o

caráter cognitivo do juízo e defeririam aos juízes um poder de decisão que se erige

logicamente incontrolável. Se, por um lado, no âmbito da aplicação jurídico-normativa,

existem limites específicos à obtenção da verdade, que são admitidos pelo garantista como

irredutíveis e inafastáveis, há, igualmente, espaços de discricionariedade judicial que devem

ser enfrentados por via das garantias, que fixam a “frágil fronteira entre poderes judiciais

próprios e poderes judiciais impróprios, além da qual o poder dos juízes ameaça a se

converter no que Cordorcet denominava ‘o poder mais odioso’, em vez de ser instrumento de

defesa da legalidade e de tutela dos direitos”.190

Em outros termos, o garantismo anuncia que, no recinto de aplicação da normatividade

jurídica, existem margens, de certa forma, fisiológicas de discricionariedade judicial, e,

exatamente por considerá-las inarredáveis, teoriza a necessidade de acatá-las como poderes

judiciais próprios e, por isso, aceitáveis. Verificam-se, ainda, no âmbito da aplicação do

direito, margens de discricionariedade judiciária que são passíveis de enfrentamento pelas

garantias e que, por consequência, devem ser tematizadas para que não se instale o

cognominado poder judicial impróprio.

De conseguinte, para a proposição ferrajoliana, a aplicação da normatividade jurídica

pelos juízes será sempre, em alguma medida, discricionária. A despeito disso, somente traz

preocupação ao autor garantista a discricionariedade judiciária instalada a partir do que

denomina poder judicial impróprio, conforme se lê nos escritos que produziu ao analisar as

interfaces existentes entre o garantismo e as denominadas quatro dimensões do poder judicial:

silogismo prático. Por isso, na aplicação do direito, nunca será possível precisar a verdade, já que o poder

judicial estará sempre presente. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2010a. p. 65-70. 189 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 102-105. (Serie Estado de Derecho y Función

Judicial). 190 FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México:

Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 104. (Serie Estado de Derecho y Función Judicial).

Page 83: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

90

O juiz não é uma máquina automática na qual por cima se introduzem os fatos e por

baixo se retiram as sentenças, ainda que com a ajuda de um empurrão, quando os

fatos não se adaptem perfeitamente a ela. A ideia de um silogismo judicial perfeito

[...] corresponde, como veremos a partir deste capítulo, a uma ilusão metafísica: com

efeito, tanto as condições de uso do termo “verdadeiro” quanto os critérios de

aceitação da “verdade” no processo exigem inevitavelmente decisões dotadas de

margens mais ou menos amplas de discricionariedade. Em consequência, na

atividade judicial existem espaços de poder específicos e em parte insuprimíveis,

que é tarefa da análise filosófica distinguir e explicar para permitir sua redução e

controle. Distinguirei estes espaços – que em seu conjunto formam o poder judicial

[...] – em quatro tipos: o poder de indicação, de interpretação ou de verificação jurídica; o poder de comprovação probatória ou de verificação fática; o poder de

conotação ou de compreensão equitativa; o poder de disposição ou de valoração

ético-política.191

E, após ratificar, pela existência dos quatro espaços de poder judicial, o caráter utópico

de um modelo integralmente garantista de aplicação da normatividade jurídica, Luigi

Ferrajoli192

afirma que:

Isto não impede que o modelo, conveniente redefinido, possa ser satisfeito em maior

ou menor medida segundo as técnicas legislativas e judiciais adotadas. Na realidade,

deve-se distinguir até que ponto sua inaplicação depende de limites intrínsecos,

como são as margens insuprimíveis de opinabilidade na interpretação da lei, na

argumentação das provas e na valoração da especificidade dos fatos, e até que ponto,

ao revés, se relaciona a espaços normativos de arbítrio, evitáveis ou redutíveis, e a

lesões de fato no terreno judicial. E isto requer uma reconstrução analítica da

fenomenologia do juízo e, a partir dela, uma nova fundamentação da epistemologia

garantista e das técnicas legislativas e judiciais, idôneas para satisfazê-las.

Podemos chamar de poder de cognição à (sic) soma dos três primeiros poderes acima enumerados: do poder indicação jurídica, do poder de verificação fática e do

poder de conotação equitativa. A hipótese de trabalho que aqui será desenvolvida é

que, enquanto esses três espaços que constituem o poder de cognição são de certa

forma irredutíveis e fisiológicos, o espaço deixado em aberto ao poder de disposição

é o produto patológico de desvios e disfunções politicamente injustificadas dos três

primeiros tipos de poder; e que as garantias [...] representam precisamente aquele

conjunto de técnicas [...] orientadas a reduzir do maior modo possível o poder

judicial arbitrário e a satisfazer o modelo, mesmo que de maneira parcial e

tendenciosa.

Oferta-se, assim, para que se apresente possível a concretização da proposta garantista,

a estranha tese ferrajoliana de que, no âmbito da aplicação jurídico-normativa, a jurisdição

possa ser exercida de modo discricionário. Uma proposição que será problematizada pelos

fundamentos da processualidade democrática.

191 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

42. 192 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

43-44.

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91

3.2 Espaços de poder judicial e a discricionariedade judiciário-garantista na aplicação

da lei

Ao se pronunciar sobre os espaços de poder judicial, Luigi Ferrajoli esforça-se em

analisar, de modo pormenorizado, os intitulados poderes de indicação, de interpretação ou de

verificação jurídica; de comprovação probatória ou de verificação fática; de conotação ou de

compreensão equitativa; e, ainda, de disposição ou de valoração ético-política. Interessam,

especialmente, à pesquisa instrutiva da tese formalizada, no entanto, os poderes judiciais de

interpretação e de disposição.

A ausência de um aprofundamento na análise dos poderes de comprovação probatória

e de conotação, contudo, não sinaliza qualquer descaso com a abordagem garantista

empreendida sobre essas duas denominadas dimensões do poder judicial. Muito antes pelo

contrário, uma vez que os escritos ferrajolianos deixam entrever que as teorizações realizadas

a seu respeito apresentam-se, em vários aspectos, até mesmo mais consistentes do que as que

são oferecidas às temáticas interpretativa e dispositiva.

A acuidade da teorização apresentada por Luigi Ferrajoli acerca do poder de

comprovação probatória ou de verificação fática, com efeito, não é deslembrada pelos escritos

formalizados. A relevância das teses garantistas instituídas em prol da redução do espaço

aberto ao exame judiciário do resultado probatório deve ser salientada, porque as propostas

que apresentam não apenas reconhecem as debilidades dos sistemas da prova legal e da livre

convicção, como expõem a necessidade de que a análise do resultado a que se faz referência

seja concretizada com a observância das garantias do ônus da prova, do contraditório, da não

autoincriminação, da publicidade, da oralidade, da ampla defesa e da motivação das decisões

judiciais.193

Essas teses, embora sejam formuladas de modo ainda rudimentar sob a perspectiva dos

estudos de direito processual democrático,194

designam-se, pela proposta ferrajoliana, ao

enfrentamento de um importante problema que se abriga no âmbito da verificação fática:

como pode ser garantida uma decisão motivada sobre a verdade fática?195

A elaboração de

193

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

124-148. 194 LEAL, Rosemiro Pereira. A prova na teoria do processo contemporâneo. In: FIUZA, César Augusto de

Castro; SÁ, Maria de Fátima Freire de; BRÊTAS, Ronaldo C. Dias (Coord.). Temas atuais de direito

processual civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001a. p. 347-357. 195 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

141.

Page 85: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

92

uma teoria da prova pelo garantismo, a qual se aproveita, em parte, dos escritos de Karl

Raimund Popper, Carl Hempel e Paul Oppeheim para “identificar os critérios de decisão que

nos permitirão considerar uma inferência indutiva mais razoável ou plausível que outras,

rechaçáveis, por sua vez, como irrazoáveis ou implausíveis, porque injustificadas ou menos

justificadas”,196

representa um esforço teórico que, apesar de insuficiente para o direito não

dogmático, não pode ser desconsiderado.

É o que também ocorre quanto à teorização traçada por Luigi Ferrajoli acerca do poder

judicial de conotação ou de compreensão equitativa que, de acordo com o garantismo,

consiste em um poder exercitável pelo juiz que não se identifica com a equidade aristotélica.

Ao contrário desta, o poder de equidade garantista não atua em contraposição à lei. O poder

de compreensão equitativa, para Luigi Ferrajoli,197

“prescreve que o juízo conote da maneira

mais precisa e penetrante os fatos denotados pela lei, compreendendo neles todas as

características acidentais, específicas ou particulares”.

O poder de conotação é exercido porque, no âmbito da aplicação jurídico-normativa, o

juiz não decide sobre fatos considerados em abstrato, mas a respeito daqueles que já estariam

verificados no procedimento. Assim, pela proposição garantista, se, no exercício do poder de

comprovação probatória, o juiz vale-se de um raciocínio indutivo para alcançar a verdade

apenas provável de um fato, pelo emprego do poder de conotação, o julgador deve considerar

que cada fato verificado é diverso em relação a outros e que, por isso mesmo, a análise que

realiza sobre esses fatos deve sopesar as características que tornam cada situação sub judice

distinta das demais.

O que há de comum nas intituladas dimensões do poder judicial de verificação fática e

de conotação equitativa, portanto, é que ambas envolvem, para o garantismo, a necessidade da

adoção de decisões discricionárias pelo juiz, de modo inafastável. Quanto à primeira, porque,

mesmo com a adoção de uma teoria da prova, sempre existirão “escolhas na decisão da

conclusão de fato, inevitavelmente probabilistas”,198

a partir das quais estarão afastadas as

incertezas fáticas. No que concerne à segunda, porque a análise das características da situação

196

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

135. 197 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

153. 198 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

66.

Page 86: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

93

em julgamento sempre implicará em “escolhas e valorações amplamente discricionárias”199

sobre os fatos tidos como verificados que, a seu turno, são sempre irrepetíveis.

Daí, e apesar da importância dos estudos desenvolvidos a respeito dos poderes de

verificação fática e de compreensão equitativa, aos quais o garantismo vincula, por inerência,

uma discricionariedade judicial que merece ulterior tematização, a necessidade de uma

incursão imediata e aprofundada a respeito dos poderes judiciais de interpretação jurídica e de

disposição deve-se aos limites da tese apresentada, a qual enuncia que a vinculação teórica

estabelecida por Luigi Ferrajoli entre garantismo, jurisdição e discricionariedade na fixação

da norma válida aplicável à situação sub judice é determinativa da incompatibilidade da

proposta garantista com a processualidade democrática.

Um estudo detido dos poderes judiciais de verificação jurídica e de valoração ético-

política apresenta-se indispensável, tendo em vista que esses são abordados, por Luigi

Ferrajoli,200

a partir de duas conjecturas que impactam diretamente na hipótese testada: a de

que “qualquer margem de discricionariedade judicial é inevitável e insuprimível, porque

ligada [...] aos limites da interpretação na racionalidade jurídica”; e a de que, apenas além dos

espaços integrantes do poder de cognição, que são abordados como legítimos, instala-se uma

indevida discricionariedade judicial, que é relacionada a um “poder juridicamente ilegítimo –

aquele que chamei ‘poder de disposição’” –, o qual, não raras vezes, também atua no recinto

de aplicação do direito.

As duas conjecturas apresentadas pela teoria garantista erigem-se extremamente

infaustas, já que, de um lado, recepcionam a possibilidade de que a discricionariedade

judiciária inaugurada no âmbito da aplicação jurídico-normativa não se apresente ilegítima e,

de outro, explicitam que, sempre que, no espaço de aplicação do direito, for necessário o

exercício da discricionariedade judicial indevida, à esta estará entregue a jurisdição.

3.2.1 Interpretação jurídico-garantista e o poder judicial de denotação

O poder judicial de interpretação jurídica, também denominado poder de verificação

jurídica, qualificação jurídica ou poder de denotação, é abordado por Luigi Ferrajoli201

como

199 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

153. 200 FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,

Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um

debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 248-249. 201

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

Page 87: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

94

um poder do juiz relativo à inferência dedutiva. Para o autor garantista, o poder judicial de

interpretação do direito encontra-se relacionado às decisões atinentes ao que rotula verdade

jurídica das premissas, estando diretamente atrelado ao rigor semântico da linguagem.

Segundo a proposição garantista, a interpretação jurídica deve ser guiada por uma

teoria do significado que, sendo compreendida como a explicitação das condições de uso do

termo verdadeiro no âmbito da aplicação jurídico-normativa, permitirá, a partir da semântica

da linguagem legal, a identificação exata do que é reportado quando se emprega uma

determinada palavra. É que, conforme anuncia a proposta ferrajoliana, valendo-se das lições

de Thomas Hobbes e, ainda, de Gottlob Frege:

“Se recordarmos o que se chama furto e o que é injúria”, escrevia HOBBES há mais

de três séculos, “entenderemos pelas mesmas palavras se é verdade ou não que o

roubo é uma injúria. Verdade é a mesma coisa que proposição verdadeira. Pois bem,

uma proposição é verdadeira quando o nome consequente, que os lógicos chamam de predicado, abarcar em sua amplitude o nome antecedente, que se chama sujeito.

Saber uma verdade é o mesmo que recordar que foi criada por nós mesmos,

mediante o emprego das palavras”.

Em termos mais rigorosos, esta lúcida intuição de HOBBES foi desenvolvida pela

teoria referencial do significado utilizada pela lógica moderna. Segundo esta teoria,

formulada por GOTTLOB FREGE, devem-se distinguir duas acepções distintas de

“significado” de um signo: a extensão ou denotação, que consiste no conjunto dos

objetos aos quais o signo se aplica ou se refere; e a intensão ou conotação, que

consiste no conjunto das propriedades evocadas pelo signo e possuídas pelos objetos

concretos que entram na sua extensão.202

E prossegue:

A locução “denota”, referida a um sujeito ou a um predicado, é fungível, na

realidade, como “verdadeiro para”, no sentido de que todo termo é verdadeiro para

(ou denota) vários objetos, um só objeto ou nenhum objeto: assim, o termo “mesa” é

verdadeiro para todo objeto que seja uma mesa; o termo “satélite natural da terra” é

verdadeiro para um só objeto, que é a lua; o termo “centauro” não é verdadeiro para

nenhum objeto, já não existe qualquer centauro. Por outra parte, a extensão ou

denotação de um termo esta determinada por sua intensão ou conotação. Vários

signos igualmente extensos, com efeito, podem ter intensões diferentes, enquanto

vários signos igualmente intensivos devem ter a mesma extensão. A extensão de um

termo será tanto maior (ou menor) quanto menor (ou maior) for sua intensão: por exemplo, “homem” é mais extenso que “homem de mais de vinte anos”, a respeito

do qual tem uma intenção (sic) menor, e menos extenso que “animal”, a respeito do

qual tem uma intensão maior.203

114.

202 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

114-115. 203 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

115-116.

Page 88: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

95

A adoção de uma teoria do significado a reger a interpretação jurídico-normativa é

apontada como relevante para o garantismo porque, segundo os escritos ferrajolianos, a

existência de termos vagos ou valorativos na linguagem legal e jurisdicional, assim como a

ocorrência de antinomias semânticas, compromete a aferição de verdade relativa às

proposições a que estejam relacionados.204

Conforme a teoria garantista,205

para que uma tese

judicial possa ser qualificada como verificável é indispensável que os termos semânticos

dispostos na legislação e, também, nas narrativas de fato constantes do procedimento judicial,

sejam empregados de modo semanticamente rigoroso. Se, na legislação e, ainda, nas

narrativas referidas, a extensão dos vocábulos utilizados não estiver determinada, ou seja, se a

intensão não estiver apontada de modo inequívoco, será inviável a apuração da verdade da

tese judicial, a qual será produzida, necessariamente, a partir de outros valores.

Não é por outro motivo que, ao se pronunciar sobre a interpretação jurídica na área do

direito penal, Luigi Ferrajoli206

tanto festeja o princípio da taxatividade, que também é

chamado pelo garantista de princípio da legalidade estrita ou de estrita legalidade, embora,

inusitadamente, não se identifique com o princípio da estrita legalidade que foi abordado no

segundo capítulo dos escritos formalizados. Para o garantista, o princípio da taxatividade é

apontado como uma regra semântica metalegal de formação da linguagem legal, que exige, na

previsão normativa de delitos:

[...] a) que os termos usados na lei para designar as figuras de delito sejam dotados

de extensão determinada, por onde seja possível seu uso como predicados

“verdadeiros dos” fatos empíricos por eles denotados; b) que com tal fim seja

conotada sua intensão com palavras que não sejam vagas nem valorativas, mas o

mais claras e precisas possível; c) que enfim sejam excluídas da linguagem legal as

antinomias semânticas ou, pelo menos, que sejam predispostas normas para sua solução. Disso resulta, conforme esta regra, que as figuras abstratas de delito devam

ser conotadas na lei mediante propriedades ou características essenciais, idôneas a

determinarem seu campo de denotação (ou de aplicação) de maneira exaustiva, de

204 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

116 e 118. Para Luigi Ferrajoli, o termo é vago “se a sua intensão não permitir determinar sua extensão com

relativa certeza, quer dizer, se existirem objetos que não estão excluídos nem incluídos claramente em sua

extensão”. O termo é valorativo, por sua vez, se a sua “extensão é, além de indeterminada, igualmente

indeterminável, dado que não conotam propriedades ou características objetivas, senão que exprimem,

melhor, as atitudes ou valorações subjetivas de quem as pronuncia”. Instala-se uma antinomia semântica, por fim, “sempre que de um mínimo fato se possam dar várias qualificações ou denotações jurídicas concorrentes

e não exista critério algum, nem sequer o de especialidade, que permita decidir qual delas é aplicável e,

ainda, se são aplicáveis alternativamente”. 205 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

116-117. 206 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

117.

Page 89: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

96

forma que os fatos concretos que ali se incluam sejam por elas denotados em

proposições verdadeiras e de maneira exclusiva, de modo que tais fatos não sejam

denotados também em proposições contraditórias em relação a outras figuras de

delito conotadas por normas concorrentes.207

O rigor semântico exigido pelo garantismo, contudo, não fica restrito ao âmbito penal.

Em pesquisas formalizadas posteriormente a Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal,

identifica-se uma gradual reivindicação garantista para que o rigor semântico seja estendido

às normas constitucionais.208

De conseguinte, e apesar de nenhuma menção, nos escritos

ferrajolianos, tenha até então sido notada quanto à exigência de rigor semântico da linguagem

legal nas áreas civil e administrativa, as quais, para o garantismo, não exigem a denotação

exata das situações específicas de que tratam, “mas podem ainda incorporar cláusulas gerais

ou critérios valorativos; a motivação das correspondentes sentenças não deve necessariamente

compor-se de meras proposições assertivas, mas pode ainda incluir juízos de valor”,209

em sua

trajetória teórica, Luigi Ferrajoli já ampliou o âmbito de controle das teses decisórias, não

obstante negando acolhimento a uma verdade jurídica absoluta.

Pela proposição garantista, dentre outros limites impostos à obtenção da verdade

jurídica, na interpretação da lei sempre existirá uma margem irredutível de discricionariedade

judiciária, que é imposta pela própria natureza linguística da normatividade jurídica, a qual é

uma linguagem comum e não uma linguagem formalizada.210

De acordo com o garantismo,

por isso, a dedução jurídica que é levada a efeito pela interpretação jurídico-normativa sempre

“inclui escolhas na decisão das premissas de direito, inevitavelmente opinativas e igualmente

subjetivas”,211

de modo que o princípio da taxatividade, como importante garantia substancial,

207 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

117. 208 FIGUEROA, Alfonso García. Entrevista a Luigi Ferrajoli. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro

(Coord.) Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta,

2005. p. 524. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho); FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo

principialista e constitucionalismo garantista. Tradução de André Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi;

STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)

constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012d. p. 54-55. 209 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

846. 210

FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,

Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um

debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 247-248. É o que também se lê

nos escritos de Rosa Maria Cardoso da Cunha que, focada na análise da linguagem da lei penal, afirma tratar-

se de “uma linguagem natural, em oposição à linguagem formalizada das lógicas e da matemática. Por isso,

as palavras da lei penal são sempre potencialmente vagas e ambígüas.” CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. O

caráter retórico do princípio da legalidade. Porto Alegre: Síntese, 1979. p. 18. 211

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

Page 90: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

97

é apto apenas à redução dos espaços de incerteza decisória, que nunca serão afastados por

completo.

Assevera Luigi Ferrajoli212

que, com a imperiosa exclusão de um utópico silogismo

perfeito, é de se considerar que a interpretação jurídica não deve ser compreendida como uma

atividade tão somente “recognitiva, mas é sempre fruto de uma escolha prática a respeito de

hipóteses interpretativas alternativas.” Para o autor garantista, essa opção, que é “mais ou

menos opinativa segundo o grau de indeterminação da previsão legal, se esgota

inevitavelmente no exercício de um poder na indicação ou qualificação dos fatos julgados”,

que é exercido pelo juiz e que, também, é inaugurado sempre que a semântica da denominada

linguagem jurisdicional não for, igualmente, precisa.

É que, segundo a proposição ferrajoliana,213

ainda que fosse plenamente observado o

princípio da taxatividade das leis, se, no momento da exposição dos fatos e dos instrumentos

de prova em juízo, a semântica da linguagem jurisdicional apresentar-se vaga ou valorativa, a

impossibilidade da verificabilidade da verdade processual estaria mantida. Para o garantismo,

somente pelo rigor semântico da linguagem jurisdicional, e não da linguagem legal, é que será

viável aferir a determinação das denotações fáticas que, ao lado das denotações jurídicas,

devem ser consideradas no momento da realização da subsunção.

Com efeito, quando se pronuncia sobre a interpretação jurídica, Luigi Ferrajoli

também discorre a respeito do que intitula princípio metaprocessual de estrita

jurisdicionalidade, que é apontado como uma fecunda regra semântica de formação da

linguagem judicial. Se o princípio da taxatividade legal é enunciado como uma garantia

relativa à precisão e determinabilidade do predicado de um enunciado, o princípio da estrita

jurisdicionalidade é, de outra face, uma garantia relacionada à verificabilidade do sujeito deste

mesmo enunciado. É o que se lê no seguinte magistério garantista, mais uma vez aplicado à

área do direito penal:

Tomemos a descrição dos fatos de um auto de prisão ou de uma sentença, que

costuma reproduzir o esquema de subsunção ou dedução jurídica, isto é, da segunda

das duas inferências das quais fiz decomposição da motivação judicial [...]: Tício é acusado ou reconhecido como “culpado do fato G” (conclusão jurídica CG), por

“haver cometido o fato F’ (premissa fática PF), “que é denotado na lei como delito

67.

212 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

42. 213 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

119-121.

Page 91: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

98

G” (premissa jurídica PG). Deixemos de lado o problema da verificação das

premissas [...] e permaneçamos no problema de sua verificabilidade. Com a

taxatividade das figuras legais de delito, o princípio da legalidade estrita garante

somente a precisão da intensão e a determinabilidade da extensão do predicado G,

mas não também do sujeito F, que também figura na premissa “F é (denotado por ou

entra na extensão de) G”. Para estabelecer, segundo as eficazes palavras de

HOBBES, que o “nome consequente, que os lógicos chamam de predicado, abrace

em sua extensão também o nome antecedente, que se chama sujeito”, é necessário,

ademais, que esteja exatamente determinada também a extensão do sujeito. G, com

efeito, é predicável como “verdadeiro de” F e F é qualificável como G, sob a

condição não apenas de que seja taxativo o significado de G, mas também de F seja individualizável, graças às precisões de suas conotações essenciais, como membro

da classe de objetos denotados por G. Esta segunda condição diz respeito, antes que

à verificabilidade e a refutabilidade jurídica de PG, à verificabilidade e a

refutabilidade fática de PF. Não é, pois, como a predicabilidade de G, uma questão

de técnica legislativa, mas uma questão de técnica judicial. Não depende da

semântica da linguagem legal, mas da linguagem jurisdicional.214

Os princípios da taxatividade das leis e da estrita jurisdicionalidade, logo, são

indicados por Luigi Ferrajoli como regras semânticas complementares. Se fosse possível a sua

observância, de modo pleno, não seria sequer cogitada a atuação do poder judicial de decisão

no âmbito jurídico-interpretativo, o qual, para o garantismo, é exercido exatamente porque o

acatamento desses princípios ocorre apenas em medida aproximada.215

Por uma pespectiva

garantista, sempre que falhas semânticas na linguagem legal e jurisdicional forem

identificadas, será necessária a tomada de decisões discricionárias pelo julgador, que ora estão

relacionadas ao poder judicial de denotação, que consiste na “potestade do juiz, em todo caso

necessária para integrar os espaços irredutíveis de discricionariedade deixados em aberto

pelos defeitos inevitáveis de denotação da linguagem legal e da linguagem comum”,216

ora

estão vinculadas ao denominado poder de disposição, que encampa a “potestade do juiz,

quando a falta de legalidade estrita [...] seja tal que nem sequer se permita falar de denotação,

ainda que seja potestativa (sic) e exija, por isso, decisões discricionárias não sobre a verdade,

mas sobre valores diversos, do tipo ético-político.”217

Dois poderes que, não obstante viabilizem o exercício da discricionariedade judiciária

no âmbito da aplicação do direito, são abordados de modo diverso por Luigi Ferrajoli, uma

214 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

119-120. 215

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

121-122. 216 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

124. 217 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

124.

Page 92: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

99

vez que, enquanto o poder judicial de denotação é acolhido pelo garantismo, o poder judicial

de disposição é questionado por romper com a legitimação da jurisdição garantista. No âmbito

do poder judicial de valoração ético-política é que está situada a indevida discricionariedade

judiciária a que faz alusão a proposta ferrajoliana.

3.2.2 Poder judicial de disposição e o dever judiciário de decidir na teoria garantista

A análise garantista do denominado poder judicial de disposição, igualmente chamado

de poder de valoração ético-política, explicita, de modo ainda mais claro, a fragilidade da

proposta ofertada por Luigi Ferrajoli a respeito da aplicação jurídico-normativa. Como se já

não bastasse a admissão de uma discricionariedade insuprimível e inevitável adstrita ao poder

judicial de cognição, o garantismo também anuncia que, na operacionalização do direito, pode

ser necessário o exercício de uma indevida discricionariedade judiciária destinada a preencher

os amplos espaços deixados em aberto, no ordenamento jurídico, pela carência de garantias.

Por uma concepção garantista,218

o poder judicial de disposição é implementado por

meio de decisões que se referem a valores que, total ou parcialmente, são diversos da verdade.

Não se trata de uma atuação discricionário-judiciária que se imponha pelos limites que o

garantismo compreende como intrínsecos à jurisdição. Diversamente do poder judicial de

cognição, em especial do poder judicial de interpretação jurídica, o poder judicial de

valoração ético-política deve ser exercido porque os sistemas jurídicos não plenamente

garantistas são acometidos por falhas normativas de grande intensidade e, ainda assim, não

autorizam que os magistrados deixem de decidir pela existência dessas imperfeições.

Conforme afirma Luigi Ferrajoli,219

o poder judicial de cognição estará presente

mesmo no sistema garantista mais aperfeiçoado. O poder judicial de disposição, por outro

lado:

[...] é sempre o produto de carências ou imperfeições do sistema e como tal é

patológico e está em contradição com a natureza da jurisdição. Seu exercício não

pressupõe motivação cognitiva, mas apenas opções e/ou juízos de valor dos quais não é possível qualquer caracterização semântica, mas apenas caracterizações

pragmáticas, ligadas à obrigação de decisão. Propriamente, aqui não há sequer juris-

dictio, isto é, denotação do que é conotado pela lei, mas simplesmente dictum, não

218 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

158-160 e 161-162. 219 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

159-160.

Page 93: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

100

baseado nos três silogismos nos quais anteriormente havia decomposto o raciocínio

judicial, mas unicamente no poder que, por isso, tenho chamado de “disposição”.

Este poder cresce – a expensas do poder de verificação jurídica e fática dos

elementos denotados legalmente e do poder de valoração das circunstâncias

conotadas equitativamente – quanto mais se estendem os espaços de insegurança dos

pressupostos cognitivos da decisão judicial [...]. A insegurança, no sentido elucidado

mais acima, é seguida, na realidade, da indeterminabilidade ou das dificuldades de

decisão sobre a verdade processual; e volta a aparecer quando não existe uma

solução (ainda que seja apenas aproximativamente) verdadeira do caso que se tem

que julgar, mas várias soluções (todas igualmente) válidas. Nestes casos, decai a

correlação biunívoca entre verdade da motivação e validez da decisão, ao teor da qual se fixa o modelo garantista veritas, non auctoritas facit judicium. Com efeito,

[...] a verdade das motivações condiciona cada vez menos a validez das decisões, até

não condicioná-la em absoluto, por causa de sua impredicabilidade, nos sistemas

mais marcantemente substancialistas e decisionistas, onde auctoritas, non veritas

facit judicium.

De conseguinte, embora a teoria garantista acolha a possibilidade de que, no exercício

do poder de cognição, a magistratura valha-se de “juízos de valor e de critérios pragmáticos

de solução de incertezas”,220

para o garantismo, isso não deve ser reconhecido como

problemático, já que os poderes de verificação fática e de verificação jurídica, além do poder

de conotação, permaneceriam vinculados às atividades cognitivas desenvolvidas pelo

julgador. Tormentoso, para a proposta ferrajoliana, é o poder judicial de disposição, cujo

exercício pressupõe a inexistência de eliminação, pelas garantias, dos espaços redutíveis de

discricionariedade judiciária.

De acordo com Luigi Ferrajoli,221

o caráter tendencialmente cognitivo da jurisdição

exige a possibilidade de refutação das hipóteses apresentadas no âmbito da aplicação do

direito. Se essa é inviabilizada, isso quer significar que a convicção judicial não é formada

pela verdade, ainda que aproximada, senão por juízos potestativos. É o que ocorre, quanto à

afirmação da lei, sempre que a linguagem legal ou jurisdicional não estiver integrada por

proposições que designam fatos, mas, apenas, por expressões vagas ou valorativas. Ao lado

das antinomias semânticas, falhas deste tipo comprometem o controle da motivação da

decisão, porque, ao exigirem o exercício do poder judicial de disposição, automaticamente

proporcionam o afastamento da sujeição do juiz somente à lei.

Consoante esclarece Luigi Ferrajoli,222

no exercício do poder de valoração ético-

política, “o juiz é autônomo no sentido de que, em contraste com o princípio da estrita

220 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

159. 221 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

160-163. 222 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Page 94: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

101

legalidade, integra post factum a previsão legal do fato, mediante opções discricionárias não

suscetíveis de controles de verdade nem, portanto, de legalidade.” É, exatamente, por isso,

que, segundo o garantismo, o poder judicial de disposição deve ser reconhecido como

estruturalmente ilegítimo, assim como ilegítimas devem ser consideradas as decisões

discricionárias que expressam o seu exercício, uma vez que, nos ordenamentos jurídicos

garantistas, o poder de valoração ético-política está reservado à lei.223

Em um sistema jurídico-positivo ideal, portanto, jamais atuará o poder judicial de

valoração ético-política.224

Em todos os demais sistemas jurídico-positivos, sejam esses mais

ou menos garantistas, a falibilidade normativa que instaura o exercício do poder judicial de

disposição estará presente e, por consequência, também, a discricionariedade judicial

indevida. Nesse caso, diante do dever judicial de decidir que é estabelecido pelos

ordenamentos jurídicos, o magistrado estará obrigado a se valer de juízos ético-políticos para

cumprir a sua atividade de julgar, já que não poderá proferir a decisão tão somente com base

no valor da verdade.

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

163. 223 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

162. 224 No livro Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, Luigi Ferrajoli aponta o garantismo como o sistema

jurídico ideal. Referindo-se ao sistema penal garantista, assim se pronuncia: “Trata-se de um modelo-limite,

apenas tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatível. Sua axiomatização resulta da adoção de dez

axiomas ou princípios axiológicos fundamentais, não deriváveis entre si, que expressarei, seguindo uma

tradição escolástica, com outras tantas máximas latinas: A1 Nulla poena sine crimine. A2 Nullum crimen sine

lege. A3 Nulla lex (poenalis) sine necessitate. A4 Nulla necessitas sine injuria. A5 Nulla injuria sine actione.

A6 Nulla actio sine culpa. A7 Nulla culpa sine judicio. A8 Nullum judicium sine accusatione. A9 Nulla

accusatio sine probatione. A10 Nulla probatio sine defensione.” FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria

do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p. 91. Como se vê, o sistema penal

garantista não sustenta o abolicionismo ou mesmo a impunidade penal. Apenas explicita um modelo de

direito penal mínimo, que limita a atividade punitiva do Estado por garantias estabelecidas à tutela dos

direitos de liberdade das pessoas. No âmbito penal, aliás, esse é o objetivo traçado pela teorização

ferrajoliana das garantias, motivo pelo qual parecem equivocadas as doutrinas que defendem a necessidade

de implementação de um denominado garantismo penal integral no Brasil, em contraposição a um chamado

garantismo hiperbólico monocular, a partir da leitura dos escritos de Luigi Ferrajoli. Sobre a temática,

confira, especialmente, a publicação de CALABRICH, Bruno; FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo.

Garantismo penal integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e aplicação do modelo

garantista no Brasil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Quanto à axiomatização do direito realizada por Luigi

Ferrajoli, é de registrar que, segundo Ana Cláudia Bastos de Pinho, é nitidamente influenciada pela teoria semântica de Gottlob Frege, à qual, aliás, o garantista faz referência expressa ao examinar o poder judicial de

verificação jurídica. A aproximação teórica foi assim anunciada pela autora: “Considerando que há um

número infinito de verdades aritméticas e que seria uma tarefa impossível demonstrar todas, Frege utiliza-se

de um sistema de axiomas. Ele axiomatiza a aritmética (tal como Euclides axiomatizou a geometria e

Ferrajoli axiomatizou o Direito). Ou seja, ao invés de demonstrar todas as verdades aritméticas, Frege, dentro

de um sistema formal de lógica, demonstra os axiomas, identificando, assim, as leis básicas da aritmética,

isto é, ‘as hipóteses fundamentais sobre as quais o raciocínio aritmético se apoia’.” PINHO, Ana Cláudia

Bastos de. Para além do garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da decisão penal. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 111.

Page 95: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

102

Pelo que anuncia a proposição ferrajoliana, com efeito, não é correto afirmar que os

espaços de discricionariedade judicial atinentes ao poder de disposição foram instituídos pelo

garantismo. Não é, também, apropriado asseverar que, por uma proposta garantista, o

exercício da discricionariedade judicial indevida seja originária da vontade do próprio juiz

que atua no recinto de aplicação da normatividade jurídica. Conforme aduz Luigi Ferrajoli, os

espaços de discricionariedade indevida abertos à subjetividade do julgador são decorrentes da

larga insuficiência das garantias da taxatividade e da estrita jurisdicionalidade que, nos

sistemas jurídicos positivos não plenamente garantistas, não se apresenta como justificativa

acolhível para o pronunciamento do non liquet.

Daí, e embora a teoria garantista preconize a ilegitimidade estrutural do poder judicial

de disposição, bem como das decisões que expressam o seu exercício, não sustenta – como

seria esperado – a impossibilidade do seu emprego no recinto de aplicação do direito.

Cedendo à compulsoriedade decisória, a proposta ferrajoliana teoriza apenas que, sempre que

for exercido o poder de valoração ético-política no âmbito da aplicação do direito, deva a

decisão judicial proferida ser argumentada e controlada com base em “critérios pragmáticos

de aceitação”. Não obstante reconhecidamente frágil, a motivação decisória fundada nesses

critérios permitiria, ao menos, uma redução do espaço de arbítrio do julgador, segundo

explicita o magistério ferrajoliano:

O que importa agora sublinhar é que uma ilegitimidade semelhante – como

estabeleceu o art. 4 do Código de Napoleão por meio da proibição do juízo non liquet pela obscuridade ou insuficiência do texto legislativo – não exonera o juiz do

dever e da responsabilidade das decisões. Esta é uma aporia intrínseca à estrutura

dos sistemas [...] positivos sobre a qual voltarei mais vezes: o dever jurídico de

decidir, seja ilegitimamente ou com legitimidade reduzida, como fundamento

efetivo da legitimidade relativa (à lei, ainda que não aos princípios constitucionais)

do poder de disposição. Esta aporia pode ser atenuada, ainda que não eliminada. O

fato de que as decisões [...], mediante as quais se exerce o poder de disposição, não

versem sobre a verdade processual, não quer dizer que não devam ou não possam

ser justificadas. Quer dizer somente que são motiváveis não já mediante afirmações

cognitivas, suscetíveis de verificação ou refutação, mas só ou predominantemente

com juízos de valor, não vinculados, enquanto tais, a previsões legais taxativas. Mas também os juízos de valor são suscetíveis de argumentação e controle conforme

critérios pragmáticos de aceitação. Estes critérios não são mais do que os princípios

gerais do ordenamento, isto é, princípios políticos expressamente enunciados nas

constituições e nas leis ou implícitos e extraíveis mediante elaboração doutrinal.225

E, ainda:

225 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

164.

Page 96: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

103

Naturalmente, ainda que dotados de valor normativo, os princípios gerais utilizados

como critérios para argumentar o exercício do poder de disposição não têm mais do

que uma capacidade extremamente debilitada de vinculação das decisões. Na

realidade, operam não (como critérios de decisão) sobre a verdade ou sobre a

equidade, isto é, sobre a correspondência empírica, ainda que só aproximativa, entre

as motivações aceitas e os fatos e as leis, senão diretamente como (critérios de

decisão sobre) valores de justiça substancial, não definíveis em abstrato e, em certas

ocasiões, incompatíveis entre si. Exigem, portanto, escolhas e valorações

irredutivelmente discricionárias, que remetem à responsabilidade política e moral

dos juízes. Precisamente, esta responsabilidade, ligada imediatamente aos valores de

justiça substancial, expressos pelos princípios gerais, representa, contudo, um fator de racionalização do poder de disposição e de limitação do arbítrio em outro caso a

ele associado. A função específica dos princípios gerais é precisamente, com efeito,

orientar politicamente as decisões e permitir sua valoração e seu controle cada vez

que a verdade processual seja em todo ou em parte indeterminada. [...] Uma vez que

os princípios gerais são construções doutrinárias, elaboradas sobre normas ou

sistemas de normas, a riqueza de princípios de um ordenamento está determinada

não apenas pelos valores de justiça substancial por ele incorporados no plano legal,

mas também pelo trabalho científico e jurisprudencial realizados sobre ele pelos

juristas. 226

Assim, com base nas lições garantistas, estabelece-se a inusitada conclusão de que a

indevida discricionariedade judiciária deva ser argumentada e controlada por escolhas e

valorações igualmente discricionárias. As decisões discricionárias relativas ao poder judicial

de disposição, o qual, pelo garantismo, provoca a eliminação do caráter cognitivo do juízo,

devem ser argumentadas e controladas pelos princípios gerais do direito, legislados ou não,

que, no momento de sua aplicação, igualmente exigem do juiz a tomada de decisões

discricionárias, desta vez confiadas à sua responsabilidade política e moral.

Como Luigi Ferrajoli caracteriza a proibição do non liquet como uma aporia intrísenca

aos sistemas jurídicos não plenamente garantistas, não tematiza a recusa judicial de decidir de

modo consistente e, muito menos, a discricionariedade judiciária relativa ao poder de

valoração ético-política. Ao contrário disso, enuncia que, como não há um ordenamento

jurídico integralmente garantista na atualidade, um sistema jurídico positivo “jamais será de

fato um sistema fechado e exigirá sempre, para seu funcionamento prático, heterointegrações

remetidas à autonomia e à discricionariedade do intérprete”.227

O garantismo, desta forma,

entrega-se, também, à discricionariedade judicial indevida que, apesar de não ser apontada

como insuprimível e inafastável, é acolhida como necessária à operacionalização do direito.

226 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

165. 227 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

165.

Page 97: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

104

3.3 Jurisdição garantista e o enfrentamento, por via discricionária, das antinomias e

lacunas normativas

O estudo realizado a respeito dos poderes judiciais de verificação jurídica e de

disposição permite afirmar que, pelo garantismo, o julgador é o responsável pela escolha da

norma aplicável à situação judicialmente examinada, que é precedida pela fixação judiciária

do seu significado. Essa atividade, por sua vez, é sempre vinculada a decisões discricionárias,

que ora são apontadas pela teoria garantista como necessárias, ora são elencadas como

indispensáveis.

Isso porque, segundo aduz Luigi Ferrajoli,228

valendo-se das lições de Herbert Hart,

“em todas as leis existe, junto a um núcleo ‘luminoso’, uma zona de ‘penumbra’, que cobre os

‘casos discutíveis’, nos quais as palavras da lei ‘não são obviamente aplicáveis..., mas

tampouco claramente excluíveis’.” Demais disso, e diante da extensão das imperfeições da

semântica da linguagem legal, as normas jurídicas muitas vezes deixam de explicitar o seu

significado de maneira minimamente precisa, exigindo, assim, o exercício de uma autonomia

judiciária destinada a integrar – depois da ocorrência do fato analisado – o pressuposto legal

com valorações ético-políticas, tendo em vista a rendição garantista à vedação do non liquet.

Na fixação garantista do significado normativo, portanto, o que irá variar será apenas o

grau de discricionariedade judicial, que sempre estará presente. Conforme reconhece Luigi

Ferrajoli,229

no entanto, a partir de um determinado limite de imperfeição normativa, a

jurisdição deixa de ser uma atividade dos juízes destinada à afirmação da lei para se

transformar em uma nítida atividade criadora do direito:

228 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

118. 229 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 174-176. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “Una legalità strettissima, assolutamente

precisa ed unívoca, consentirebbe una motivazione giuridica assolutamente elementare: poco più che

l’indicazione della legge sulla cui base la decisione viene presa. Al contrario, uma legalità imprecisa e

scarsamente determinata affida necessariamente alla motivazione in diritto e alla sua argomentazione

razionale la massima rilevanza. Giacché le premesse dell’inferenza dedutiva, quanto più sono

normativamente indeterminate e perciò opinabili, tanto più richiedono di essere giustificate. [...] Ma è chiaro che in molti casi l’argomentazione no basta: oltre un certo limite di indeterminatezza semantica e perciò di

crisi della legalità, il giudizio diventa davvero un puro atto di volontà logicamente incontrollabile,

transformandosi da giudizio cognitivo in arbitrário giudizio potestativo. [...] Se infatti l’indeterminatezza

semantica del linguaggio legale giunge al punto da rendere arbitraria, e non semplicemente opinable ma

argomentata, la premessa maggiore dell’inferenza deduttiva che dovrebbe sorreggere l’applicazione della

legge, allora viene meno la struttura logica dell’intero ragionamento giudiziario. La giurisdizione, in tal caso,

cambia natura: non è più applicazione, bensì, inevabilmente, creazione del diritto. È quanto rischia di

avvenire nei nostri ordenamenti, perfino in materia penale, con il crollo della streta legalità e del ruolo di

governo della politica e della legislazione.”

Page 98: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

105

Uma legalidade muito estrita, absolutamente precisa e unívoca, tornaria possível

uma motivação jurídica absolutamente elementar: pouco mais do que a indicação da

lei sobre cuja base se adota a decisão. Ao contrário, uma legalidade imprecisa e

escassamente determinada confere, necessariamente, à motivação em direito e a sua

argumentação racional a máxima relevância. Com efeito, as premissas da inferência

dedutiva, quanto mais são indeterminadas normativamente e, portanto, opináveis,

tanto mais precisam ser justificadas. [...] Mas, é claro que, em muitos casos, a

argumentação não basta: além de um certo limite de indeterminação semântica e, por

isso, de crise da legalidade, o juízo se converte em um puro ato de vontade

logicamente incontrolável, deixando de ser um juízo cognitivo para converter-se em

um arbitrário juízo potestativo. [...] Com efeito, se a indeterminação semântica da linguagem legal chega ao ponto de tornar arbitrária, e não simplesmente opinável,

mas argumentada, a premissa maior da inferência dedutiva, que deveria sustentar a

aplicação da lei, então se desvanece a estrutura lógica do raciocínio judicial em seu

conjunto. A jurisdição, em tal caso, troca de natureza: não é mais aplicação, mas,

inevitavelmente, criação do direito. É o que pode suceder em nossos ordenamentos,

inclusive em matéria penal, com a quebra da estrita legalidade e do papel de governo

da política e da legislação.

Em outros termos, é possível aduzir que, seja mediante o exercício do poder de

denotação, seja por intervenção do poder de disposição, caberá ao juiz garantista estabelecer o

sentido da normatividade a ser aplicada para o acertamento de direitos afirmados e negados

no âmbito procedimental. De acordo com o garantismo, a identificação da norma que será

utilizada como premissa maior da inferência dedutiva está atrelada ao exercício do poder

judicial que, exercendo-se por juízos discricionários do julgador, tidos como indevidos ou

não, viabilizará o cumprimento do dever de decidir pelo magistrado.

Por uma perspectiva garantista, logo, basta que exista uma norma que possa ser

aplicada à situação analisada judicialmente – ainda que essa esteja implícita no ordenamento

jurídico, concorra com outras normas ou seja acometida por imperfeições da semântica da

linguagem legal que impossibilitem a aferição da verdade jurídica da motivação decisória –

para que o juiz tenha que decidir. A despeito de ser o poder judicial de disposição questionado

pelo garantismo, já que elimina o caráter cognitivo da jurisdição, a proposta ferrajoliana

entrega-se à discricionariedade judicial atinente ao poder judicial de valoração ético-política

em diversas situações e, com isso, torna ainda mais embaraçosa a já intricada atividade de

aplicação jurídico-normativa que teoriza.

É que, além do que já se disse acerca das imperfeições semânticas relativas à

linguagem legal e da antinomia semântica, há de se considerar que, pela proposição

ferrajoliana, é possível que, na atividade de aplicação do direito, depare-se o magistrado com

uma norma que, apesar de reconhecida como vigente e válida sob o aspecto formal, tenha a

sua invalidade substancial cogitada, ou mesmo que, no exercício da jurisdição, afira o juiz a

inexistência de positivação, por via legislativa, de norma específica destinada ao cumprimento

de outra que lhe seja superior e cabível para reger a hipótese fática debatida em juízo.

Page 99: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

106

Nesses casos, a discricionariedade judiciária instala-se novamente, desta feita para

viabilizar, no âmbito da aplicação do direito, a implementação das exigências garantistas da

coerência e da plenitude do ordenamento jurídico. Se, conforme enuncia o garantismo, nos

Estados Constitucionais de Direito, o ordenamento jurídico é sempre imperfeito, então, é

faticamente inevitável que os sistemas jurídicos produzidos com a refundação do Estado

Legislativo de Direito sejam, em alguma medida, alcançados pelos vícios da antinomia e da

lacuna que, igualmente, exigem o exercício do poder judicial, seja apenas para a sua

identificação, seja para, ademais, possibilitar o seu afastamento.

Mais uma vez, aqui, destaca-se o julgador garantista que, além de enfrentar as

redutíveis e irredutíveis imperfeições semânticas relativas à norma supraordenada, nesse

momento, posta-se perante o enorme desafio de, na aplicação do direito, em um primeiro

momento, verificar se há norma que dê cumprimento à determinação disposta em norma

superior que seja aplicável à regência da hipótese fática e, em um segundo momento,

examinar se há coerência entre o significado que discricionariamente fixou para aquela norma

que escolheu aplicar e o sentido da norma supraordenada, que, também, estabelece, sempre de

modo solitário.

A abordagem garantista da antinomia e da lacuna, como se deixa entrever, apresenta-

se singular. Se comparada com as análises ordinariamente realizadas sobre a temática por

autores dedicados ao estudo da teoria geral do direito,230

identifica-se que Luigi Ferrajoli

redefine os conceitos de antinomia e lacuna para identificá-las com a indevida presença ou

com a indevida ausência de uma norma, de acordo com o que determina uma norma

hierarquicamente superior. O autor garantista conceitua a antinomia apenas como “o vício

substancial produzido pela indevida adoção de uma norma em contraste com uma norma

substantiva sobre a produção, cuja aplicação supõe a anulação da norma em contraste”, e a

lacuna tão só como “o vício produzido pela indevida comissão da adoção de uma norma

requerida por uma norma sobre a produção, cuja aplicação supõe a introdução da norma

ausente.”231

230 Por amostragem, confira os escritos de BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de

Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: UnB, 1999. p. 71-160; LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 4. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005. p.

372-379 e 519-574; DÍEZ-PICAZO, Luis. Experiencias jurídicas y teoría del derecho. 3. ed. Barcelona:

Ariel, 1999. p. 277-283; e de CARNELUTTI, Francesco. Teoría general del derecho. Traducción de

Francisco Javier Osset. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1955. p. 108-126. 231 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 646. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:

“[...] es el vicio sustancial producido por la indebida adopción de una norma en contraste con una norma

sustantiva sobre la producción, cuya aplicación supone la anulación de la norma en contraste.” [...] es el vicio

Page 100: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

107

É o que se explicita pelas lições seguintes, que, ao se referirem aos escritos

formalizados sobre a antinomia e a lacuna na literatura especializada tradicional, afirmam

que:

Habitualmente, entende-se por antinomia qualquer “incompatibilidade entre

normas” que não permite a observância ou aplicação de ambas. Por lacuna, entende-

se, por outro lado, a ausência de “uma regra a que o juiz possa acudir para resolver

uma determinada controvérsia”. Se trata, em outras palavras, de imperfeições que

geram para o intérprete um problema de aplicação.

As redefinições que proponho respondem a uma específica finalidade explicativa: a

necessidade de identificar e de isolar as antinomias e as lacunas que geram não

qualquer problema de aplicação, mas somente problemas irresolúveis sem uma

modificação do ordenamento. Restringem, portanto, o campo de denotação dos

termos: para que se possa falar de “antinomia” ou de “lacuna”, o problema de aplicação gerado deve resultar impossível de resolver para o intérprete no marco do

direito vigente. Deve tratar-se, dito com precisão, da presença ou ausência indevidas

de uma norma que, se não são remediadas por uma específica intervenção

normativa, não permitem a aplicação das normas a respeito das quais a antinomia ou

a lacuna são predicáveis. Antinomias e lacunas se caracterizam, em suma, porque

integram a inobservância – por incoerência ou por incumprimento – da proibição ou

da obrigação imposta por uma norma sobre a produção, fazendo-la inaplicável e

reclamando, para sua solução, uma alteração do direito vigente.232

De conseguinte, por uma redefinição ferrajoliana,233

antinomia e lacuna dizem respeito

à existência de uma decisão proibida ou à ausência de uma decisão obrigatória. Nos dois

casos, apresentam-se como vícios que, por não poderem ser afastados diretamente pelo

intérprete – a quem não cabe modificar o direito vigente – exigem a intervenção de atos

decisórios específicos que devem atuar na anulação da norma em contraste com outra que lhe

seja supraordenada ou na introdução de uma norma, até então inexistente, para dar

producido por la indebida omisión de la adopción de una norma requerida por una norma sobre la produción,

cuya supone la introdución de la norma ausente.” 232 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 645. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:

“Habitualmente se entiende por antinomia cualquier ‘incompatibilidad entre normas’ que no permite la

observancia o la aplicación de ambas. Por laguna se entiende en cambio la ausencia de ‘una regla a la que el

juez pueda acudir para resolver una determinada controversia’. Se trata, en otras palabras, de imperfecciones

que generan para el intérprete un problema de aplicación. Las redefiniciones que propogno responden a una

específica finalidade explicativa: la necesidad de identificar y de aislar las antinomias y las lagunas que

generan no cualquier problema de aplicación sino sólo problemas irresolubles sin una modificación del

ordenamento. Restringem por tanto el campo de denotación de los dos términos: para que se pueda hablar de

‘antinomia’ o de ‘laguna’, el problema de aplicación generado debe resultar imposible de resolver para el intérprete en el marco del derecho vigente. Debe tratarse, dicho con precisión, de la presencia o de la

ausencia indebidas de una norma que, si no son remediadas por una específica intervención normativa, no

permitem la aplicación de las normas respecto a las que la antinomia o la laguna son predicables. Antinomias

y lagunas se caracterizan em suma porque integran la inobservancia – por incoherencia o por incumplimiento

– de la prohibición o de la obligación impuesta por una norma sobre la producción, haciéndola inaplicable y

reclamando, para su solución, una alteración del derecho vigente.” 233 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 645-648. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho).

Page 101: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

108

cumprimento a outra hierarquicamente superior. Vinculadas aos desníveis normativos do

ordenamento jurídico, principalmente os níveis infraconstitucional e constitucional,234

as

antinomias e lacunas a que faz referência a teoria garantista distinguem-se das usualmente

examinadas pela teoria geral do direito, as quais, segundo a proposta ferrajoliana, além de não

consistirem em vícios insuscetíveis de eliminação pelo próprio intérprete no recinto de

aplicação jurídico-normativa, não estão implicadas, de modo necessário, com graus

normativos distintos.

Com efeito, por uma redefinição garantista, estabelecem-se elementos permissivos da

oferta de uma nova taxionomia relativa às antinomias e lacunas, a partir da qual apresenta-se

exequível a distinção entre antinomia e lacuna em sentido forte, estrito ou estrutural e

antinomia e lacuna em sentido fraco.235

A teorização de uma sistematização inovadora no

âmbito desse tema, contudo, é recebida com ressalvas pelo garantismo, uma vez que:

234 De acordo com José Juan Moreso, nos escritos de Luigi Ferrajoli, as antinomias e as lacunas têm a sua

existência restrita aos ordenamentos jurídicos que apresentam mais de um nível normativo. Por isso, conclui

que as antinomias e as lacunas a que faz referência Luigi Ferrajoli jamais existiriam no Estado Legislativo de

Direito que, para o autor garantista, seria um ordenamento de um só nível normativo. José Juan Moreso

discorda dessa afirmação e aduz que a proposição ferrajoliana incorre em equívoco ao deixar de considerar

que, no Estado Legislativo de Direito, há mais de um grau normativo – o que pode ser identificado, por amostragem, a partir da distinção existente entre lei e regulamento. MORESO, José Juan. Ferrajoli o el

constitucionalismo optimista. In: Derecho y democracia constitucional. Una discusión sobre principia iuris,

de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31, p. 279-287, 2008. p. 281-282.

Segundo Luigi Ferrajoli, contudo, jamais foi por ele negada a existência de desníveis normativos no Estado

Legislativo de Direito. O que acentua, no entanto, é que apenas com o advento do Estado Constitucional de

Direito instalou-se a possibilidade de que as antinomias e as lacunas em sentido forte fossem identificadas

por incoerência entre leis ou pela ausência de uma lei que dê cumprimento à outra que lhe seja

supraordenada. É o que se lê, em especial, na publicação de FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Una

discusión teórica. In: Derecho y democracia constitucional. Una discusión sobre principia iuris, de Luigi

Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31, p. 393-433, 2008d. p. 411-413. No

mesmo sentido, confira o magistério de BULYGIN, Eugenio. Algunas reflexiones sobre lagunas y

antinomias en principia iuris. In: Derecho y democracia constitucional. Una discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31, p. 227-232, 2008. p. 229-230.

235 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 648. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). Registre-se, por

oportuno, que, ao abordar uma possível classificação das antinomias, Luigi Ferrajoli faz referência, ainda, à

antinomia que poderia ser denominada sentido fraco-forte. Esse tipo de antinomia, contudo, não recebe

atenção do autor garantista, embora também se apresente problemática para os estudos de direito processual

democrático. É que, assim como as antinomias fracas e fortes, está diretamente vinculada ao poder judicial de

disposição e às decisões discricionárias a ele relativas. Para a teoria garantista, “Certamente, podemos,

também, encontrar antinomias, por assim dizer, de tipo fraco-forte – como solucionáveis pelo intérprete, mas

entre normas de nível distinto: um tertium genus intermediário a respeito das antinomias em sentido forte e das antinomias em sentido fraco, porque, nelas, como nas primeiras, existe um vício que, no entanto, como

nas segundas, é diretamente superável mediante a aplicação da norma superior e a não aplicação da inferior,

deixada em vigor mesmo quando seja reconhecida inválida.” FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del

derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón,

Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 649-650.

(Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “Ciertamente podemos también encontrar

antinomias – por así decir, de tipo débil-fuerte – solucionables por el intérprete pero entre normas de distinto

nivel: un tertium genus, intermédio respecto a las antinomias en sentido fuerte y las antinomias en sentido

débil porque en ellas, al igual que en las primeras, existe un vicio que sin embargo, como en las segundas, es

Page 102: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

109

A tal fim seria necessário formular definições bastante complexas de “antinomia” e

de “lacuna”, compreensivas de ambas as classes, e mais tarde formalizar as duas

distinções dentro de sua esfera com um procedimento tão laborioso como

escassamente fecundo. O importante é que reste clara a profunda diferença

estrutural, geralmente ignorada, das antinomias e lacunas em sentido forte e em

sentido fraco: uma diferença que quis sublinhar reservando os termos “antinomias” e

“lacunas” só para as primeiras, incomparavelmente mais relevantes que as segundas

aos fins de análise dos ordenamentos articulados em vários níveis normativos. As

denominadas antinomias entre normas do mesmo nível – as que se resolvem pelo

intérprete mediante a aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori)

ou do critério da especialidade (lex specialis derogat generali) – não representam de modo algum vícios. A norma anterior sobre a qual prevalece a norma posterior não

é, com efeito, uma norma ilegítima produzida por um ato inválido, como não o é

tampouco a norma geral sobre a qual prevalece a norma especial. O mesmo deve ser

dito das lacunas, que podem ser resolvidas com o recurso à analogia ou aos

princípios gerais. Nelas, não aparece nenhum vício, nenhuma indevida omissão,

nenhuma observância das normas superiores. Em todos estes casos não estamos ante

uma inobservância, por ação ou por omissão, de uma norma sobre a produção que

resulte inaplicável se a inobservância não se remedia mediante uma específica

decisão.236

E, ainda:

Ao contrário, os critérios de solução destas antinomias e lacunas fracas [...] são

imediatamente resolutivos e aplicáveis pelo próprio intérprete. Concretamente, o

critério cronológico é um corolário do caráter nomodinâmico do direito positivo,

sem o qual a norma sucessiva seria inútil e não resultaria possível a produção

autorizada e dinâmica do direito. O critério da especialidade é um critério de

individualização da norma aplicável vinculado à semântica da linguagem normativa:

a norma especial é simplesmente outra norma, absolutamente incompatível com a

norma geral (não mais que o quanto seja “ser humano” com respeito a “mamífero”),

que, com efeito, não vem eliminada e que prevalece, porque o suposto de fato por

ela previsto tem um significado mais restrito. E, por fim, os princípios que admitem o recurso à analogia ou aos princípios gerais não são senão normas sobre a

interpretação do significado dos atos preceptivos.237

directamente superable mediante la aplicación de la norma superior y la desaplicación de la inferior, dejada

en vigor aun cuando sea reconocida inválida.” 236 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 648-649. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No

original: “A tal fin sería necesario formular definiciones bastante complejas de ‘antinomia’ y de ‘laguna’,

comprensivas de ambas clases, y más tarde formalizar las dos distinciones dentro de su esfera con un

procedimiento tan laborioso como escasamente fecundo. Lo importante es que quede clara la profunda

diferencia estructural, generalmente ignorada, de las antinomias y de las lagunas en sentido fuerte y en

sentido débil: una diferencia que he querido subrayar reservando los terminos ‘antinomias’ y ‘lagunas’ sólo

para las primeras, incomparablemente más relevantes que las segundas a los fines del análisis de los

ordenamentos articulados en vários niveles normativos. Las denominadas antinomias entre normas del

mismo nivel – las que se resuelven por él intérprete mediante aplicación del critério cronológico (lex posterior derogat priori) o del criterio del especialidad (lex specialis derogat generali) – no representan en

modo alguno vicios. La norma anterior sobre la cual prevalece la norma posterior no es en efecto una norma

ilegítima producida por un acto inválido, como no lo es tampoco la norma general sobre la que prevalece la

norma especial. Lo mismo debe decirse de las lagunas que pueden ser resueltas con el recurso a la analogía o

a los principios generales. En ellas no aparece ningún vicio, ninguna indebida omisión, ninguna

inobservancia de normas superiores. En todos estos casos no estamos ante una inobservancia, por acción u

omisión, de una norma sobre la producción que resulte inaplicable si la inobservancia no se remedia

mediante una específica decisión.” 237 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

Page 103: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

110

Extrai-se dos escritos garantistas, portanto, que, com a redefinição de lacuna e de

antinomia, também as relações existentes entre o julgador e essas modificam-se.238

Assim é

que, no âmbito da aplicação do direito, sendo identificada a antinomia em sentido forte, o juiz

deverá denunciar a sua existência à autoridade judiciária competente para proceder a anulação

da norma que é apontada como inválida. Caso o magistrado identifique a antinomia em

sentido fraco, contudo, deverá ele mesmo, como intérprete privilegiado, empregar o critério

da cronologia ou da especialidade para fixar a norma aplicável ao suposto de fato. Se o

decisor garantista se deparar com a lacuna em sentido forte, outra conduta não poderá adotar

senão a decretação do non liquet, enquanto que, defrontando-se com a lacuna em sentido

fraco, deverá valer-se da analogia – sempre que essa for legalmente permitida – e dos

princípios gerais do direito à colmatação do vazio normativo.

Trata-se, como se vê, de expedientes bastante diversos, mas que pressupõem um

fundamento comum e não adequadamente problematizado por Luigi Ferrajoli: a identificação

e o afastamento das antinomias e das lacunas, tanto as que são classificadas como fortes

quanto as que são tidas como fracas, dá-se por via de juízos discricionários adotados por

autoridades estatais, com destaque para os integrantes da magistratura e do legislativo.

Nesse sentido, ao se pronunciar sobre as lacunas e antinomias em sentido forte, o

garantismo teoriza que, uma vez cogitada a invalidade de uma norma infraconstitucional, o

juiz garantista terá o “poder/dever de aplicar a lei por uma interpretação conforme à

Constituição ou, se não considera possível uma interpretação conforme, de levantar a questão

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 649. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “Al contrario, los critérios de solución de estas antinomias y lagunas débiles [...] son imediatamente resolutivos y

aplicables por el proprio intérprete. Concretamente, el criterio cronológico es un corolario del carácter

nomodinámico del derecho positivo, sin el que la norma sucesiva sería inútil y no resultaría posible la

producción autoritativa y dinámica del derecho. El criterio de especialidad es un criterio de individualización

de la norma aplicable vinculado a la semántica del lenguage normativo: la norma especial es simplemente

otra norma, en absoluto incompatible com la general (no más de cuanto lo sea ‘ser humano’ con respecto a

‘mamífero’), que en efecto no viene eliminada y sobre la que prevalece, porque el supuesto de hecho por ella

previsto tiene un significado más restringido. Y, en fin, los principios que admiten el recurso a la analogía o a

los principios generales no son sino normas sobre la interpretación del significado de los actos preceptivos.” 238 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel. Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 647-651. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão – teoria do garantismo penal. 3. ed. rev. Tradução de Ana Paula Zomer

Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: 2010a. p. 846; FERRAJOLI,

Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como

projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, André

Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015b. p. 71-

72; FERRAJOLI, Luigi. La democrazia costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2016a. p. 60. (Collana

Introduzioni); FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis.

Bologna: Il Mulino, 2013a. p. 54 e 72. (Collana Contemporanea).

Page 104: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

111

da inconstitucionalidade perante a Corte constitucional.”239

Por outro lado, encontrando-se

diante da ausência de uma norma que dê cumprimento a outra que lhe seja superior e

aplicável à situação sub judice, o magistrado garantista deverá pronunciar o non liquet, desde

que não considere possível preencher o vazio jurídico por meio da criatividade judicial que,

adotando um apoio legal como ponto de partida, permita ao julgador apontar uma norma

cabível à regência da hipótese examinada mediante a implementação de uma

“discricionariedade e até mesmo uma engenharia judiciária que lhe consinta, de qualquer

modo, a adjudicação, mesmo para além da letra e das lacunas da lei ordinária”.240

É o que, de há muito, incomodou Marina Gascón Abellán,241

quando abordou as

tomentosas relações existentes entre o juiz garantista e a lei, a partir de Direito e Razão –

Teoria do Garantismo Penal. Conforme registram os escritos que produziu, por uma

perspectiva garantista, a identificação da antinomia e da lacuna em sentido forte é

inevitavelmente permeada por uma liberdade de escolha entre alternativas interpretativas

possíveis deferida ao julgador. Ao magistrado garantista que não integre a Corte

Constitucional cabe, na condição de intérprete qualificado, valer-se do poder de disposição

para, ao perquirir a ocorrência de vícios estruturais do ordenamento jurídico, escolher se irá

denunciar a invalidade da norma ao órgão jurisdicional competente à anulação normativa ou

realizar uma interpretação restritiva da norma que permita a sua aplicação na situação sub

judice, assim como decidir, discricionariamente, pronunciar ou não o non liquet.

Nessas situações, caberá ao julgador ditar, de modo solitário, o destino jurídico das

partes, as quais, por sua vez, deverão se contentar com uma questionável imprevisibilidade

decisória, que também estará presente quando for imperiosa a apreciação da invalidade

normativa pelo órgão jurisdicional legalmente estabelecido para a anulação da norma

antinômica e, ainda, na hipótese em for apurada a necessidade de produção da norma ausente

pelo órgão competente para a sua edição. Se comparado com o enfrentamento da antinomia e

da lacuna em sentido fraco, portanto, é possível afirmar que, pela proposição ferrajoliana, a

remoção e a colmatação da antinomia e da lacuna estruturais dá-se por via da atuação de

239 FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie: conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino,

2013a. p. 54. (Collana Contemporanea). No original: “[...] potere/dovere di aplicar la legge

nell’interpretazione conforme alla Costituzione oppure, qualora non ritenga possibile un’interpretazione

conforme, di sollevare la questione di costituzionalità dinanzi alla Corte constituzionale.” 240 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

846. 241 ABELLÁN, Marina Gascón. La teoría general del garantismo: rasgos principales. In: CARBONELL, Miguel;

SALAZAR, Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid:

Editorial Trotta, 2005. p. 21. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho).

Page 105: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

112

autoridades estatais diversas do juiz que não integra a Corte Constitucional e que as

identificou no âmbito de aplicação da normatividade jurídica. Assim como ocorre em relação

à antinomia e à lacuna não estruturais, contudo, o afastamento da antinomia e da lacuna em

sentido forte é implementado a partir da tomada de decisões discricionárias por uma

autoridade estatal.

Daí, embora a identificação discricionária das antinomias e das lacunas esteja sempre

a cargo do julgador atuante no recinto de aplicação do direito, apenas o afastamento da

antinomia e da lacuna em sentido fraco é que deferido a um magistrado não integrante da

Corte Constitucional. Como Luigi Ferrajoli compreende que o enfrentamento da antinomia e

da lacuna não estruturais pode ser realizado sem a necessidade de modificação do

ordenamento jurídico – ao contrário do que sustenta em relação à antinomia e à lacuna em

sentido forte –, após a identificação da antinomia ou da lacuna fracas, deverá o julgador

garantista que as percebeu valer-se do critério da cronologia ou da especialidade para remover

a antinomia, bem como da analogia – se essa for legalmente autorizada – e dos princípios

gerais do direito para colmatar a lacuna.

Desta forma, sempre que apurada pelo decisor garantista a ocorrência de uma

antinomia ou de uma lacuna não estruturais, esse deverá, diretamente, diligenciar-se em favor

de seu afastamento, ainda que lhe seja necessário, para tanto, enfrentar, discricionariamente,

as inúmeras dificuldades impostas pela legalidade, que tornam a solução que der

inevitavelmente tormentosa e opinável.242

Para o garantismo, existindo a possibilidade de, per

se, o juiz escolher a norma aplicável ao suposto de fato, é obrigatório que, desde já, o

magistrado decida, dando a solução que entender pertinente ao conflito que foi direcionado ao

âmbito de aplicação do direito.

Quando aborda a temática da remoção judiciária da antinomia em sentido fraco,

portanto, a teoria garantista não problematiza a ausência de explicitação, pelo ordenamento

jurídico, das hipóteses em deverá o julgador garantista empregar o critério cronológico ou da

especialidade para realizar a escolha da norma aplicável à situação sub judice, assim como a

sua omissão quanto à regulamentação de qual conduta deverá adotar o intérprete quando, no

enfrentamento da antinomia analisada, nenhum desses critérios seja apto para removê-la. Não

se preocupa, ainda, em investigar, detidamente, as correlações teóricas existentes entre as

antinomias não estruturais e os institutos da vigência, da validade e da eficácia das leis.

242 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Una discusión teórica. In: Derecho y democracia constitucional. Una

discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31,

p. 393-433, 2008d. p. 412.

Page 106: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

113

Não tematiza a proposição ferrajoliana, igualmente, que, em face da ausência de uma

lei específica positivada à regência de um determinado suposto de fato, o juiz garantista terá

que se utilizar da analogia e dos princípios gerais do direito à colmatação do vazio normativo,

os quais exigem do magistrado a adoção de juízos que ora se incrementam a partir de um

legalmente indemarcado parâmetro de ampliação ou de simplificação normativa, ora mediante

valorações dependentes de uma já apontada responsabilidade moral e política do julgador.

Para a teoria garantista, o que importa é apenas conhecer se as antinomias e lacunas

podem ser removidas ou colmatadas diretamente pelo julgador que as identificou ou, se para

que tal se dê, é necessária a intervenção de uma outra autoridade estatal. Se o afastamento da

lacuna e da antinomia não implicar problemas de aplicação do direito que sejam irresolúveis

sem a modificação do ordenamento jurídico, mas tão somente, e ao extremo, dificuldades para

o juiz-intérprete relativos à perquirição de “se a lei sucessiva regula exatamente o mesmo fato

ou se a lei que aplicar resulta verdadeiramente especial ou se existe realmente uma

analogia”,243

deverá o magistrado garantista atuar, discricionariamente, e logo decidir o

conflito que lhe é submetido, dispensando-se a intervenção de outra autoridade estatal.

Não é por outro motivo, aliás, que a proposição garantista caracteriza a antinomia e a

lacuna em sentido fraco como uma antinomia e uma lacuna apenas aparente.244

Pelo

garantismo, diversamente da antinomia e da lacuna em sentido forte, que são adjetivadas

como reais, a antinomia e a lacuna fracas não exigem, para a sua superação, a remoção ou a

inclusão de uma norma como condição imposta à observância da norma supraordenada. Para

remover a antinomia em sentido fraco, basta que o julgador se utilize dos critérios da

cronologia e da especialidade e, para colmatar a lacuna em sentido fraco, deve tão somente o

magistrado garantista empregar a analogia – quando for legalmente cabível o seu emprego – e

os princípios gerais do direito, que lhe propiciarão encontrar a norma aplicável ao suposto de

fato, mesmo que esta norma não esteja explícita no ordenamento jurídico.

243 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 650. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original:

“[...] (si la ley sucesiva regula exatamente el mismo hecho, o si la ley que aplicar resulta verdadeiramente especial, o si existe realmente una analogía)”.

244 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoría del derecho. Traducción

de Perfecto Andrés Ibáñez, Carlos Bayón, Marina Gascón, Luis Prieto Sanchís y Alfonso Ruiz Miguel.

Madrid: Editorial Trotta, 2011c. p. 648-649. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);

FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo

teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araujo de Souza, Alexandre Salim, Alfredo Copetti

Neto, André Karam Trindade, Hermes Zaneti Júnior e Leonardo Menin. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015b. p. 70-72; FERRAJOLI, Luigi. La democrazia costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2016a. p. 59-61.

(Collana Introduzioni).

Page 107: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

114

É o que registra Luigi Ferrajoli, ao se manifestar sobre as críticas tecidas por Michele

Taruffo ao seu conceito de jurisdição. Para este, a conceituação garantista de jurisdição gera

certa perplexidade porque, ao ser caracterizada como uma atividade destinada à aplicação de

normas jurídicas aos fatos provados, deixa de considerar que, não raras vezes, pela

constatação de lacunas no ordenamento jurídico, está o julgador obrigado a “também criar

direitos previamente inexistentes e que surgem, precisamente, com a decisão do juiz que os

reconhece”.245

De acordo com a resposta ferrajoliana, entretanto, nas hipóteses em que são

verificadas as lacunas, sejam essas classificadas como aparentes ou como reais, o julgador não

está autorizado a criar o direito, como defende Michele Taruffo. O que deve fazer o juiz

garantista, nesses casos, é tão somente decidir com fulcro em normas implícitas, ou seja,

apoiado nas normas “que pode extrair o intérprete sobre a base do significados das normas

vigentes”.246

Conforme afirma, ao se referir às lições de Eugenio Bulygin:

[...] devemos, com efeito, admitir que o juiz sempre está chamado, sobretudo quando

deve resolver casos difíceis, a extrair do Direito existente as normas implícitas sobre

cuja base qualifica o caso submetido a ele e formular sua decisão. TARUFFO fala, a

este respeito, de um papel “criativo” da jurisdição: um papel, diz, pacificamente aceito nos sistemas de common law, nos quais o Direito é, frequentemente, criado

pelo juiz, segundo a regra remedies precede rights, mas, também, inegável nos

sistemas da civil law, apesar de que, nestes, se assuma, “todavia, cada vez menos”, a

regra inversa rigths precede remedies (p. 9-13). E ressalta o papel de garantia dos

direitos fundamentais, do qual o juiz não pode se furtar e que, no Brasil, por

exemplo, está explicitamente imposto na constituição (p. 10). Creio, no entanto, que

o mesmo fenômeno pode ser interpretado melhor de outro modo: como papel de

integração consistente em estabelecer as normas precisamente “implícitas” na

semântica da linguagem constitucional. Trata-se, cada vez mais, em suma, de “juris-

dicção”, isto é, de aplicação de normas substanciais preexistentes, pertencentes ao

ordenamento mesmo como normas implícitas. “Implícitas”, ademais, são também as normas extraíveis por analogia ou mediante o recurso aos princípios gerais do

Direito para resolver as que chamei “lacunas em sentido fraco”. Em todos estes

casos, como no caso de solução das “antinomias em sentido fraco” com o critério da

lex posterior ou da lex specialis, o juiz faz um trabalho de interpretação e de

integração. Em caso contrário, se de verdade “criasse” novas normas não implícitas

no ordenamento, provocaria, como escreve justamente BULYGIN (p. 5), “uma

modificação do sistema jurídico”, invadindo a “competência legislativa” e violando

o princípio da separação de poderes.247

245 TARUFFO, Michele. Leyendo a Ferrajoli: consideraciones sobre la jurisdicción. In: Derecho y democracia

constitucional. Una discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31, p. 383-391, 2008. p. 389. No original: “[...] también crear derechos previamente

inexistentes y que surgen precisamente con la decisión del juez que los reconoce.” 246 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Una discusión teórica. In: Derecho y democracia constitucional. Una

discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31,

p. 393-433, 2008d. p. 415. No original: “[...] que puede extraer el intérprete sobre la base del significado de

las normas vigentes.” 247 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Una discusión teórica. In: Derecho y democracia constitucional. Una

discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31,

p. 393-433, 2008d. p. 415. No original: “[...] debemos en efecto admitir que el juez siempre está llamado,

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115

De conseguinte, por uma perspectiva garantista, sempre que for, discricionariamente,

identificada uma antinomia ou uma lacuna, caberá ao próprio julgador que a percebeu

incrementar o seu afastamento por novos juízos discricionários, ou, se assim não entender

possível, providenciar que o seu afastamento ocorra por via da intervenção de outra

autoridade estatal, a qual, igualmente, atuará de modo discricionário. No afastamento das

antinomias e, ainda, da lacuna em sentido fraco, o juiz ferrajoliano responsabiliza-se por

garantir que o destino jurídico das partes seja decidido por meio de uma atuação discricionária

levada a efeito, privativamente, pela magistratura. Para propiciar a colmatação da lacuna

estrutural que discricionariamente identificou, ocupa-se o julgador garantista em pronunciar o

non liquet e, assim, em entregar à outra autoridade, sob condição, o poder de decidir

discricionariamente sobre a temática examinada.

É que, sendo instaurado um procedimento ao acertamento de direitos com fundamento

na norma disposta no ato decisório formal produzido para dar cumprimento à normatividade

que lhe é supraordenada, o juiz garantista reivindicará a discricionariedade que,

temporariamente, deixou de exercer, para empregá-la, novamente, em sua problemática

atividade de aplicação do direito. Com isso, o magistrado garantista conservará a sua posição

central no recinto de aplicação do direito, mantendo-se como titular exclusivo da escolha da

norma regente da situação fática, opção a qual sempre estará atrelada à tomada de decisões

discricionárias na fixação do significado da norma que elegeu aplicar e no estabelecimento

discricionário da validade desse significado.

Afirma-se, desta forma, o solipsismo decisório-garantista que se aloja no âmbito da

aplicação da normatividade jurídica. Ao se entregar à discricionariedade judiciária na fixação

do sentido da norma explícita ou implícita que o magistrado opta aplicar, bem como na

sobre todo cuando debe resolver casos difíciles, a extraer del Derecho existente las normas implícitas sobre

cuya base cualifica el caso sometido a él, y formular su decisión. TARUFFO habla, a este respecto, de un

papel «creativo» de la jurisdicción: un papel, dice, pacíficamente aceptado en los sistemas de common law,

en los que el Derecho a menudo es creado por el juez según la regla remedies precede rights, pero innegable

también en los sistemas del civil law, a pesar de que en éstos se asuma «todavía, pero cada vez menos», la

regla inversa rights precede remedies (pp. 9-13). Y resalta el papel de garantía de los derechos

fundamentales, al cual el juez no puede sustraerse y que, en Brasil, por ejemplo, está explícitamente impuesto

en la constitución (p. 10). Creo, sin embargo, que el mismo fenómeno puede interpretarse mejor de otro

modo: como papel de integración consistente en establecer las normas precisamente «implícitas» en la semántica del lenguaje constitucional. Se trata, incluso cada vez más, en suma, de «juris-dicción», es decir,

de aplicación de normas sustanciales preexistentes, pertenecientes al ordenamiento incluso como normas

implícitas. «Implícitas», por lo demás, son también las normas extraíbles por analogía o mediante el recurso a

los principios generales del Derecho para resolver las que he llamado «lagunas en sentido débil». En todos

estos casos, como en el caso de solución de las «antinomias en sentido débil», con el criterio de la lex

posterior o de la lex specialis, el juez hace un trabajo de interpretación y de integración. En caso contrario, si

de verdad «crease» nuevas normas no implícitas en el ordenamiento, provocaría, como escribe justamente

BULYGIN (p. 5), «un cambio del sistema jurídico» invadiendo la «competencia legislativa» y violando el

principio de la separación de poderes.

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116

afirmação da coerência desse significado com o sentido que igualmente atribui às normas que

lhe são supraordenadas, o garantismo acaba por teorizar a decisão como o resultado de uma

atuação dos juízes que é sempre, em alguma medida, imune à fiscalidade processual.

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117

4 GARANTISMO JURISDICIONALISTA E A PROCESSUALIDADE

DEMOCRÁTICA

As interfaces teóricas existentes entre o garantismo, a centralidade da jurisdição no

âmbito da aplicação jurídico-normativa e a discricionariedade judiciária permitem afirmar

que, na operacionalização do direito, a proposição garantista encontra-se vinculada a um

dogmatismo que se desponta tormentoso para os estudos de processo democrático.

Ao situar o garantismo como sinônimo de Estado Constitucional de Direito e este

como um Estado Liberal mínimo e um Estado Social máximo, Luigi Ferrajoli teoriza esse

modelo normativo de direito como a representação ideal de um paradigma que é qualificado

por Rosemiro Pereira Leal como dogmático e não democrático. É que, para este autor, o

Estado Democrático de Direito “é democrático, porque gestado (emerso) e atuado por um

direito que não se entrega ao paradigma, em sua operacionalização, da alíbica ciência

dogmática do direito”.248

Com base na caracterização de Estado Democrático de Direito ofertada pela teoria

neoinstitucionalista do processo, não é democrático o direito cuja aplicação esteja entregue à

autoridade estatal para, de modo desprocessualizado, viabilizar a geração de uma decisão que

é apontada como necessária à solução de conflitos oriundos ou a se originarem de uma

sociedade pressuposta.249

Pelo marco teórico neoinstitucionalista do processo, não se mostra

acolhível a operacionalização da normatividade jurídica pelos pressupostos da ciência

dogmática que, vislumbrando o direito “como regras dadas (pelo Estado, protetor e repressor),

tende a assumir o papel de conservadora daquelas regras, que, então, são por ela

sistematizadas e interpretadas”,250

com o escopo de apontar condições para a decisão de

conflitos e, ao mesmo tempo, de provocar o mínimo transtorno às relações indicadas como

sociais.

248 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo

Horizonte: Arraes, 2013. p. 3. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). 249 Sobre a denominada sociedade pressuposta, confira, especialmente, as conjecturas de LEAL, Rosemiro

Pereira. O paradigma processual ante as seqüelas míticas do poder constituinte originário. Revista da

Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 53, p. 295-316, jul./dez. 2008. p. 296-297, 299-300 e

303; LEAL, Rosemiro Pereira. Modelos processuais e constituição democrática. In: CATTONI DE

OLIVEIRA, Marcelo Andrade; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Constituição e processo: a

contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p.

284-285; LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed. rev., atual. e aum.

Belo Horizonte: Fórum, 2016a. p. 110-111; LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão

jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b. p. 169. (Coleção Direito e Justiça). 250

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.

São Paulo: Atlas, 2001. p. 82.

Page 111: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

118

É possível conjecturar que, de acordo com os conteúdos informativos da teoria

neoinstitucionalista do processo, a lógica adotada pela ciência dogmática do direito apresenta-

se contrária à pretensão de democraticidade porque, à implementação de seus objetivos, é

indispensável a observância de “toda uma técnica especializada, que exige, do jurista, uma

longa formação e uma experiência mais longa ainda”.251

Pela ciência dogmática, no âmbito da

aplicação do direito, a lei nunca é suficiente à explicitação de seu significado, de modo que,

independentemente dos expedientes acatados na sua produção, no recinto de sua aplicação,

“as normas só não bastam. [...] exigem também regras de interpretação. É preciso saber dizer

não só qual é a norma, mas também o que ela significa.”252

É, nesse sentido, que, ao se pronunciar sobre as correlações teóricas existentes entre o

dogma e a atuação do jurista, Tercio Sampaio Ferraz Junior253

assevera que:

[...] quando se diz que o princípio básico da dogmática é o da inegabilidade dos

pontos de partida, isto não significa que a função dela consista nesse postulado, ou

seja, que ela se limite a afirmar, repetir dogmas pura e simplesmente. A dogmática

apenas depende desse princípio, mas não se reduz a ele. [...] Isso porque, se com a

imposição de dogmas e regras de interpretação, a sociedade espera uma vinculação

dos comportamentos, o trabalho do teórico cria condições de distanciamento

daquelas vinculações. O jurista, assim, ao se obrigar aos dogmas, parte deles, mas

dando-lhes um sentido, o que lhe permite certa manipulação. Ou seja, a dogmática

jurídica não se exaure na afirmação do dogma estabelecido, mas interpreta sua

própria vinculação, ao mostrar que o vinculante sempre exige interpretação, o que é a função da dogmática. De um modo paradoxal, podemos dizer, pois, que esta deriva

da vinculação a sua própria liberdade. Por exemplo, a Constituição prescreve:

ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

O jurista conhece essa norma como o princípio da legalidade. Prende-se a ele. No

entanto, que significa aí lei? Como é ele quem vai esclarecer isso, cria-se para o

jurista um âmbito de disponibilidade significativa: lei pode ser tomado num sentido

restrito, alargado, ilimitado etc.

Visto desse ângulo, percebemos que o conhecimento dogmático dos juristas, embora

dependa de pontos de partida inegáveis, os dogmas, não trabalha com certezas, mas

com incertezas. Essas incertezas são justamente aquelas que, na sociedade, foram

aparentemente eliminadas (ou inicialmente delimitadas) pelos dogmas.

Com efeito, por uma perspectiva dogmática, é de se registrar duas exigências impostas

ao jurista no âmbito da aplicação do direito: “a vinculação a normas, que não podem ser

ignoradas, e a pressão para decidir os conflitos, pois para eles tem-se que achar uma saída.”254

Há de se destacar, ainda, que, ao longo do percurso dogmático de aplicação do direito, instala-

251 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.

São Paulo: Atlas, 2001. p. 50. 252 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.

São Paulo: Atlas, 2001. p. 49. 253 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.

São Paulo: Atlas, 2001. p. 49-50. 254

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.

São Paulo: Atlas, 2001. p. 50.

Page 112: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

119

se a autoridade estatal judiciária, a quem é deferida a escolha da norma aplicável aos fatos

provados, que, a seu turno, é vinculada à atividade de fixação do significado normativo.

É, por isso, que, com Rosemiro Pereira Leal, afirma-se que a ciência dogmática do

direito acolhe a proibição do non liquet como marco de suas reflexões e, a partir daí, entrega a

atuação da normatividade jurídica ao Estado não Democrático. Por uma perspectiva

dogmática incidente no âmbito da aplicação do direito, cabe aos julgadores – na condição de

juristas qualificados – valerem-se da sua especialização e experiência para que a ordem

jurídica seja compreendida apenas como “uma espécie de limitação, dentro da qual eles

podem explorar as diferentes combinações para a determinação operacional de

comportamentos juridicamente possíveis.”255

Desta forma, conforme enuncia a teoria neoinstitucionalista do processo, no âmbito de

aplicação do direito, torna-se passível de incremento o enfoque dogmático segundo o qual “a

crença na clarividência do decisor prevalece sobre a lei parlamentarizada a pretexto de que a

lei é dotada de uma incompletude fatal.”256

Como observa Rosemiro Pereira Leal,257

entretanto:

Quando é crido que a lei contém uma incompletude fatal e que as leis não regulam a

sua própria aplicação, ainda não se cogitou de uma teoria da lei [...]. Preconizar a

completude ou incompletude da lei é fenômeno acessível ao senso comum do

conhecimento, mas dizê-las fatais como justificação de lhes sobrepor a tirania da

vontade da autoridade judicante é desistir de pensar, conjecturar, teorizar. É render-se à tirania da jurisdição positivista que já se julga altaneira e intocável sob rótulos

de tribunais excelsos que acintosamente jurisprudencializam a priori o direito em

flagrante substituição ao processo jurídico-legiferativo.

De conseguinte, a mera associação garantista de um Estado Liberal mínimo e de um

Estado Social máximo pode até ser suficiente para o advento de um rotulado Estado

Constitucional de Direito. Não se mostra apta, no entanto, para configurar esta estatalidade

como democrática (não dogmática) de direito, porque, como aduz Leonardo Augusto Marinho

Marques, “o Estado Democrático de Direito resulta da superação dos paradigmas

antecedentes do Estado Liberal e do Estado Social”.258

255 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.

São Paulo: Atlas, 2001. p. 48. 256 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo

Horizonte: Arraes, 2013. p. 3. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). 257 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo

Horizonte: Arraes, 2013. p. 3. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). Nesse sentido,

confira, ainda, a publicação de LEAL, Rosemiro Pereira. Da técnica procedimental à ciência processual

contemporânea. In: BRÊTAS, Ronaldo C. Dias; SOARES, Carlos Henrique (Org.). Técnica processual.

Belo Horizonte: Del Rey, 2015b. p. 12. 258 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. A exclusividade da função acusatória e a limitação da atividade do

Page 113: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

120

Se compreendido o Estado Democrático de Direito como um Estado não Dogmático,

como propõe Rosemiro Pereira Leal, será possível dissociá-lo do Estado Constitucional de

Direito a que faz referência a teoria ferrajoliana, o qual, embora não se identifique com o

Estado Legislativo de Direito, acolhe a incompletude fatal da lei como espaço de atuação dos

juízes que, ocupando um locus especial na atividade de aplicação jurídico-normativa,

encarregam-se de realizar um permanente e solitário controle da normatividade jurídica, em

consonância com os postulados da ciência dogmática do direito.

A caracterização do Estado Constitucional de Direito como a explicitação de um

Estado Liberal mínimo e de um Estado Social máximo, com efeito, não é suficiente ao

afastamento de uma operacionalização do direito que se apresenta incompatível com a

democraticidade jurídica. Ao recepcionar pressupostos dogmáticos no recinto de aplicação da

normatividade jurídica, a teoria garantista deixa de sopesar que:

No Estado Democrático de Direito, a normatividade há de acolher para adquirir eficiência jurídica a teoria processualizante do direito e as decisões decorrentes não

podem buscar fundamentos numa lógica avessa à concretização efetiva (manutenção

do espaço discursivo) do Estado Democrático, porque o sistema jurídico só é

configurativo de direito democrático se suscetível de recriação e fiscalização

permanente pelo DEVIDO PROCESSO aberto a todos os integrantes da

Comunidade Jurídica [...].259

No Estado Democrático de Direito, portanto, é imprestável a operacionalização do

direito por mera reprodução dos fundamentos da ciência dogmática, que tanto serviu aos

paradigmas do Estado Liberal e do Estado Social. Uma vez conceituado o paradigma como

uma “teoria em sentido lato”,260

é de se assinalar que, com a superação do Estado Liberal e do

Estado Social, não é mais admissível que a produção e a aplicação do direito vejam-se regidas

por suas bases normativas. Examinado o Estado Democrático de Direito como uma falível

“proposição jurídico-teórico fundante da normatividade (paradigma) que é o ponto conceitual

da identidade, hermenêutica do sistema e da legitimidade de enunciação, positivação,

recriação e aplicação do direito adotado”,261

mostra-se inacolhível a operacionalização da

juiz: inteligência do princípio da separação de poderes e o princípio acusatório. In: Revista de Informação

Legislativa, Brasília, v. 46, n. 183, p. 141-153, jul./set. 2009. p. 141. 259

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.

p. 103-104. (Coleção Direito e Justiça). 260 DOMINGUES, Ivan. Epistemologia das ciências humanas: positivismo e hermenêutica. Durkheim e

Weber. São Paulo: Loyola, 2004. p. 52. 261 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.

p. 93. (Coleção Direito e Justiça). É, nesse sentido, que Rosemiro Pereira Leal afirma que o paradigma é uma

“proposição processualmente fiscalizável” ou, em outros termos, “uma proposição dada à crítica processual”.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.

p. 58 e 117-118. (Coleção Direito e Justiça).

Page 114: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

121

normatividade jurídica em perfis dogmáticos, uma vez que, por esses, o direito é acessível

apenas aos juristas especialistas e experientes, dentre os quais se destacam as autoridades

estatais.

Desde o advento do Estado Democrático de Direito, logo, apresenta-se arcaico o

magistério de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos Araújo

Cintra,262

no sentido de que “o direito processual é uma ciência autônoma no campo da

dogmática jurídica.” Por esta taxionomia, está mantida a lição segundo a qual o controle da

produção e da aplicação do direito caberá, exclusivamente, aos legisladores, aos membros da

administração governativa e, sobretudo, aos juízes, negando-se acatamento ao devido

processo como um “direito líquido, certo e exigível, pré-julgado no nível instituinte e

constituinte do direito a ser construído (Lei publicada)”263

e aplicado.

A adstrição existente entre o direito processual e a ciência dogmática encaminha a

operacionalização de um direito que desconhece o “Estado Democrático de Direito como

matriz teórica inovadora, que, pela abertura crítica do ordenamento jurídico, submete a teste

os modos de vida e os parâmetros decisionais vigorantes e possui aptidão para transformá-

los.”264

Uma abertura crítica que, consoante os fundamentos da teoria neoinstitucionalista do

processo, deve ser deferida ao povo total e não apenas aos juristas.

Daí, e não obstante o garantismo também se apresente como uma teoria juspositivista

crítica, ao se candidatar à tematização do denominado juspositivismo dogmático a partir da

oferta de novos contornos proposicionais aos institutos da vigência, da validade e da

efetividade normativas,265

permanece preso aos fundamentos da ciência dogmática do direito

quando aborda a temática da aplicação da normatividade jurídica. Em sua segunda acepção, o

garantismo novamente mostra-se dogmático por deixar de refutar a hipótese de que as normas

jurídicas não são hábeis a regular a sua própria aplicação e ao indicar, diante dessa

precariedade, a necessidade da intervenção solipsista de autoridades estatais para a

identificação e o afastamento dos vícios estruturais do ordenamento jurídico.

262 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 47. 263 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo

Horizonte: Arraes, 2013. p. 10. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). 264

GRESTA, Roberta Maia. Introdução aos fundamentos da processualidade democrática. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2014. p. 5. (Coleção Estudos da Escola Mineira de Processo, v. 1). 265 De acordo com Alfonso García Figueroa, no entanto, a tentativa ferrajoliana de conjugar o positivismo e a

crítica para gerar um novo enquadramento teórico do garantismo apresenta-se em si mesma uma contradição,

porque “o positivismo não pode ser crítico e porque a crítica não é uma função da teoria do direito

positivista.” Nesse sentido, confira: FIGUEROA, Alfonso García. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR,

Pedro (Coord.). Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial

Trotta, 2005. p. 283. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). No original: “[...] el positivismo no

puede ser crítico y porque la crítica no es una función de la teoría del derecho positivista”.

Page 115: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

122

O que disso se depreende é que, sempre que for instaurado um procedimento destinado

ao acertamento de direitos, o julgador garantista será conclamado ao exercício de uma

atividade de aplicação da normatividade jurídica que englobará a crítica do direito positivo, a

qual é apontada por Luigi Ferrajoli como a principal tarefa civil do magistrado. Assim, no

recinto de aplicação do direito, o julgador somente está sujeito à lei cujo significado

certifique, discricionariamente, ser válido, e, desta maneira, apto ao estabelecimento do

destino jurídico dos não civis.266

Caso entenda que o significado normativo não é coerente

com o sentido da norma que lhe é supraordenada, deverá o juiz garantista não integrante da

Corte Constitucional opor-lhe a censura da invalidade e, em seguida, denunciar o vício à

autoridade estatal competente para a sua anulação.

De outra face, uma vez discricionariamente constatada uma lacuna em sentido forte no

âmbito da aplicação do direito, o magistrado garantista deverá pronunciar o non liquet e, por

consequência, informar à autoridade competente para a criação da norma ausente a

necessidade de produzi-la. A excepcional decretação do non liquet dá-se exatamente para

possibilitar a produção de uma norma que, em situações futuras, tornará factível o dever

judicial de decidir. Como, contudo, por uma perspectiva garantista, a lei é sempre imperfeita,

também em relação à lei produzida em decorrência do pronunciamento do non liquet vigorará

a incompletude fatal que, em novos procedimentos, exigirá que o magistrado garantista

avoque a discricionariedade que impulsiona o exercício dos poderes judiciais de denotação e

de disposição para proferir a sua decisão.

A recusa judicial de decidir acolhida pelo garantismo, portanto, não é teorizada para

interrogar “a perpetuação da proibição do non-liquet”,267

que é preconizada pela ciência

dogmática do direito. Apresenta-se tão somente como uma rara exceção à decisibilidade

imediata dos conflitos pela jurisdição, a qual é admitida pela dogmática jurídica como forma

de afastamento de incongruências na implementação dos seus esquemas binários.268

Uma

exceção que, como se vê, não rompe com a centralidade da jurisdição garantista no âmbito da

aplicação jurídico-normativa e, muito menos, com os pressupostos da ciência dogmática do

direito, a qual, conforme aduz Tercio Sampaio Ferraz Junior,269

“cumpre as funções típicas de

266 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo civil e sociedade civil. VirtuaJus – Revista Eletrônica, Belo Horizonte,

v. 4, nº 2, dez. 2005a. 267 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo

Horizonte: Arraes, 2013. p. 3. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). 268 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.

São Paulo: Atlas, 2001. p. 81-82. 269

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.

São Paulo: Atlas, 2001. p. 85.

Page 116: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

123

uma tecnologia”, isto é, a de “criar condições para a ação. No caso da ciência dogmática, criar

condições para a decidibilidade de conflitos juridicamente definidos.”

A excepcional decretação do non liquet admitida pelo garantismo não é enunciada

como uma exigência democrática, em consonância com os conteúdos informativos da teoria

neoinstitucionalista do processo. A indispensabilidade do devido processo aberto a todos do

povo – à comunidade jurídica dos legitimados ao processo, por uma conceituação formalizada

por Rosemiro Pereira Leal –270

não é sequer cogitada pela proposição ferrajoliana que, para

sustentar o pronunciamento do non liquet, apenas acata o primeiro dos dogmas existentes no

âmbito da aplicação jurídico-normativa: o de que a decisão judicial refira-se, em alguma

medida, ao ordenamento jurídico.

Por se vincular à ciência dogmática na operacionalização do direito, a tematização

sobre ser ou não ser a perpetuação da vedação do non liquet avessa à processualidade

democrática erige-se irrelevante para o garantismo, quando este se propõe a abordar a

atividade de aplicação da normatividade jurídica pelos juízes. Nos escritos garantistas

relativos à aplicação do direito em sistemas jurídico-positivos não ideais, destaca-se mesmo é

o dogmatismo jurídico, que se exprime pela compreensão de que “um pensamento

tecnológico é, sobretudo, um pensamento fechado à problematização de seus pressupostos –

suas premissas e seus conceitos básicos têm que ser tomados de modo não problemático”.271

Por consequência, e diante das correlações expostas entre o garantismo e a ciência

dogmática do direito, não causa espanto a ausência de uma problematização ferrajoliana

consistente a respeito da proibição do non liquet, mesmo nas situações em que, para decidir,

270 A expressão povo total é adotada como sinônimo de comunidade jurídica de legitimados ao processo pela

teoria neoinstitucionalista do processo. A parte, por sua vez, é indicada por Rosemiro Pereira Leal como o integrante indescartável dessa comunidade jurídica. Nesse sentido, confira, especialmente, as publicações de

LEAL, Rosemiro Pereira. O paradigma processual ante as seqüelas míticas do poder constituinte originário.

Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 53, p. 295-316, jul./dez. 2008. p. 306;

LEAL, Rosemiro Pereira. Modelos processuais e constituição democrática. In: CATTONI DE OLIVEIRA,

Marcelo Andrade; MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Constituição e processo: a contribuição do

processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 285; LEAL,

Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b. p. 166.

(Coleção Direito e Justiça); LEAL, Rosemiro Pereira. Parte como instituto do processo constitucional. In:

CASTRO, João Antônio Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (Coord.). Direito processual. Belo

Horizonte: PUC Minas – Instituto de Educação Continuada, 2011. p. 79; LEAL, Rosemiro Pereira. Direitos

fundamentais do processo na desnaturalização dos direitos humanos. Revista da Faculdade Mineira de

Direito, Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 89-100, 2006. p. 93; LEAL, Rosemiro Pereira. O due process e o

devir processual democrático. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 13, n. 26, p.

99-115, jul./dez. 2010. p. 113; LEAL, Rosemiro Pereira. A questão dos precedentes e o devido processo.

Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 25, n. 98, p. 295-313, abr./jun.

2017b. p. 302-310. Para acessar inúmeras outras adjetivações de povo, confira os escritos de MÜLLER,

Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. 3. ed. rev. e

ampl. São Paulo: Max Limonad, 2003. 271

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed.

São Paulo: Atlas, 2001. p. 85.

Page 117: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

124

tenha o julgador que, discricionariamente, aplicar uma normatividade tida como implícita no

ordenamento jurídico ou uma lei que apresente falhas semânticas em sua linguagem. Não se

estranha, também, que o garantismo se entregue ao dever judicial de decidir, ainda que, no

exercício da jurisdição, sejam discricionariamente identificadas antinomias estruturais que,

para Luigi Ferrajoli, devem ser afastadas mediante adoção de novos juízos discricionários

adotados pela magistratura.

O que causa estranheza, por tudo o que se discorreu na introdução deste capítulo, é

que, apesar do vínculo existente entre a proposição garantista e a operacionalização do direito

pelos pressupostos da ciência dogmática, Luigi Ferrajoli rotula o garantismo, em sua terceira e

última acepção, como uma teoria heteropoiética. Há de se tematizar, nesse sentido, se é

mesmo admissível qualificar como heteropoiética uma proposição que recepciona a

incompletude fatal da lei e, em seguida, entrega a fixação do sentido normativo válido para

uma autoridade estatal que, solitariamente, elege a norma aplicável à regência da hipótese sub

judice.

Uma vez que, segundo o garantismo, por uma perspectiva heteropoiética, deve-se

negar acatamento a qualquer pretensão de se atribuir ao Estado uma atuação que se

desenvolva em prol de si próprio e, ainda, que, à consecução dos seus escopos, busque

subordinar os indivíduos ao seu ilimitado poder, apresenta-se questionável a teorização

garantista de que as imperfeições normativas apuradas no âmbito da aplicação do direito

devam ser enfrentadas e, sempre que possível, afastadas, por via de uma atividade judicial-

discricionária afeta aos poderes judiciais de verificação jurídica e de valoração ético-política e

não pelo devido processo.

Com efeito, como modelo normativo de direito, como teoria crítica do direito e,

também, como filosofia política, o que se extrai do garantismo é um compromisso irrestrito

com a ciência dogmática do direito que, no âmbito da aplicação da normatividade jurídica,

agasalha a incompletude fatal da lei como recinto de infiscalidade processual. É essa

espacialidade que é apropriada pelo intérprete-estatal garantista, o qual, por meio de juízos

discricionários, estabelece o destino jurídico da comunidade jurídica dos legitimados ao

processo mediante decisões antidemocráticas.

Por uma perspectiva garantista, o devido processo não impacta a atividade jurídico-

interpretativa. A escolha da norma aplicável à regência do suposto de fato é monopolizada

pelo julgador que, de modo discricionário e munido de uma boa dose de criatividade judicial,

tem o dever de buscar, no ordenamento jurídico, uma norma explícita ou implícita que

considere válida e adequada para dar solução ao conflito. Se não encontrá-la, deverá – por

Page 118: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

125

medida excepcional – pronunciar o non liquet e entregar à outra autoridade estatal o poder de

decidir discricionariamente sobre a temática analisada, sob condição que estará implementada

assim que um novo procedimento for instaurado ao acertamento de direitos afirmados e

negados.

Em qualquer dessas hipóteses, a interpretação judicial ferrajoliana funde-se à atividade

de aplicação do direito pelo julgador garantista por via de um enfoque dogmático que,

conectando a insuficiência fatal da lei, a centralidade da jurisdição no âmbito de atuação da

normatividade jurídica e a discricionariedade judiciária, torna possível a teorização de uma

decisão judicial como ato solitário da jurisdição destinado a obviar a solução de conflitos e

não de uma decisão jurídica imparcial que se candidate à implementação de um direito

democraticamente produzido e aplicado.

4.1 Interpretação judicial garantista e a vedação continuada do exercício da isocrítica

A interligação proposicional existente entre o garantismo e a discricionariedade

judicial instalada no recinto de aplicação do direito é criticada por autores diversos. Os

apontamentos que realizam, no entanto, não versam sobre as repercussões negativas causadas

pela discricionariedade judiciário-garantista na atividade produtora de uma decisão jurídica

imparcial.

O que se lê nos escritos que produziram é o anúncio de que o garantismo não oferta

uma teorização qualificada acerca da aplicação da normatividade jurídica, porque à essa

vincula uma teoria da interpretação do direito que se apresenta frágil.272

No âmbito jurídico-

272 Nesse sentido, confira, especialmente, os escritos de ATIENZA, Manuel. Tesis sobre Ferrajoli. In: Derecho y

democracia constitucional. Una discusión sobre principia iuris, de Luigi Ferrajoli. Doxa: Cuadernos de

Filosofía del Derecho, Madrid, n. 31, p. 393-433, 2008. p. 215; ABELLÁN, Marina Gascón. La teoría

general del garantismo: rasgos principales. In: CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro (Coord.).

Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 26-

30; STRECK, Lenio Luiz. Neoconstitucionalismo, positivismo e pós-positivismo. In: FERRAJOLI, Luigi;

STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)

constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 75-94;

PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da

decisão penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 95-115; TRINDADE, André Karam. Por uma teoria garantista da decisão judicial. Brasília, Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Belo

Horizonte, ano 12, n. 15, p. 13-33, jan./jun. 2014. p. 15-16; TRINDADE, André Karam. Garantismo versus

neoconstitucionalismo: os desafios do protagonismo judicial em terrae brasilis. In: FERRAJOLI, Luigi;

STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)

constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012b. p. 123-124;

ADEODATO, João Maurício. Para um debate entre a atitude retórica e o positivismo garantista. In:

FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica

e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.

170.

Page 119: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

126

interpretativo, a proposição de Luigi Ferrajoli acolheria o que Lenio Streck denomina

fatalidade discricionária.273

Com isso, a teoria da interpretação jurídica formulada pelo garantismo pouco ou nada

afastar-se-ia da que foi formalizada por Hans Kelsen, para quem, no âmbito da atuação

normativa, sempre existirão várias possibilidades de interpretação relativas ao direito

aplicável, que decorrem de uma inafastável imprecisão semântica da linguagem das normas

positivas, as quais, por seus termos, não são capazes de exprimir um único significado. A

aproximação da teoria garantista da interpretação jurídica à análise kelseniana da

interpretação do direito seria identificada, especialmente, a partir do seguinte magistério do

autor austríaco:

A relação entre um escalão superior e um escalação inferior da ordem jurídica, como

a relação entre a Constituição e lei, ou lei e sentença judicial, é uma relação de

determinação ou vinculação [...].

Esta determinação nunca é, porém, completa. A norma do escalão superior não pode

vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato através do qual é

aplicável. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre

apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou

moldura a preencher por este ato. Mesmo uma ordem o mais pormenorizada

possível tem de deixar àquele que cumpre ou executa uma pluralidade de

determinações a fazer.274

E continua, após referir-se à possibilidade da ocorrência de uma indeterminação

intencional ou não intencional do ato de aplicação do direito, assim como à viabilidade de que

a indeterminação do ato jurídico de aplicação do direito possa ser, também, resultante de uma

contradição parcial ou total de normas postas:

Em todos os casos de indeterminação, intencional ou não, do escalação inferior, oferecem-se várias possibilidades à aplicação jurídica. O ato jurídico que efetiva ou

executa a norma pode ser conformado por maneira a corresponder a uma ou outra

das várias significações verbais da mesma norma, por maneira a corresponder à

vontade do legislador – a determinar por qualquer forma que seja – ou, então, à

expressão por ele escolhida, por forma a corresponder a uma ou a outra das duas

normas que se contradizem ou por forma a decidir como se as duas normas em

contradição se anulassem mutuamente. O Direito a aplicar forma, em todas estas

hipóteses, uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação,

pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou

moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível.

Se por “interpretação” se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a

273 STRECK, Lenio Luiz. Neoconstitucionalismo, positivismo e pós-positivismo. In: FERRAJOLI, Luigi;

STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)

constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 79. 274

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2009. p. 388. (Coleção jurídica WMF).

Page 120: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

127

fixação da moldura que representa o direito a interpretar e, conseqüentemente, o

conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem. Sendo

assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única

solução como sendo a única correta, mas possivelmente a varias soluções que – na

medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar – têm igual valor, se bem que

apenas uma delas se torne direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito – no

ato do tribunal, especialmente. Dizer que uma sentença judicial é fundada na lei, não

significa, na verdade, senão que ela se contém dentro da moldura ou do quadro que a

lei representa – não significa que ela é a norma individual, mas apenas que é uma

das normas individuais que podem ser produzidas dentro da moldura da norma

geral.275

O que se extrai da exposição kelseniana é que a ordem jurídica apresenta-se apenas

como uma demarcação que, em conformidade com os pressupostos da ciência dogmática do

direito, deve ser voluntariamente preenchida pelo juiz no ato de aplicação jurídico-normativa.

O ordenamento jurídico tão somente oferta as possibilidades de escolha ao julgador que, pelo

seu querer, exerce a opção que lhe parecer mais adequada. É, nesse sentido, que, para Hans

Kelsen,276

no âmbito da aplicação do direito, o magistrado não realiza uma interpretação

exclusivamente cognitiva, mas implementa um ato de vontade, isto é, “efetua uma escolha

entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognitiva”, que é

desenvolvida, sobretudo, pela ciência jurídica.

De acordo com a proposição kelseniana, portanto, o que diferencia a interpretação

levada a efeito pela ciência jurídica da que é realizada pelo aplicador do direito é a

concretização de um ato de vontade. Pela prática deste ato, a interpretação judicial erige-se

autêntica, criando direito para a situação sub judice. Como esclarece Marcelo Andrade

Cattoni de Oliveira,277

por uma perspectiva kelseniana da interpretação jurídica que perdurou

até a edição de 1960 da Teoria Pura do Direito, se, por um lado, “ao jurista não cabe mais que

descrever o Direito, traçando-lhe o quadro das interpretações possíveis, ao órgão competente,

em criando uma norma com base na norma aplicanda e no quadro por ela fixado, cabe

determinar qual das interpretações possíveis é a obrigatória.”

É por essa distinção, aliás, que Hans Kelsen afirma que a jurisdição não se diferencia

da legislação sob o aspecto qualitativo e sim quantitativo. Embora o legislador esteja menos

vinculado do que o juiz no ato de produção normativa, ambos criam o direito de modo

275 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2009. p. 390-391. (Biblioteca jurídica WMF). 276 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2009. p. 394. (Coleção jurídica WMF). 277 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Interpretação como ato de conhecimento e interpretação como

ato de vontade: a tese kelseniana da interpretação autêntica. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade

(Coord.). Jurisdição e hermenêutica constitucional no estado democrático de direito. Belo Horizonte:

Mandamentos, 2004. p. 130.

Page 121: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

128

relativamente livre. A atividade interpretativo-judicial, assim, não se distancia daquela que se

correlaciona com a própria lei ou com um tratado internacional, porque, conforme assinala a

teoria kelseniana:

Ela cria Direito. Na verdade, só se fala de interpretação autêntica quando esta

interpretação assume a forma de uma lei ou de um tratado de Direito internacional e

tem caráter geral, quer dizer, cria Direito não apenas para um caso concreto mas

todos os casos iguais, ou seja, quando o ato designado como interpretação autêntica

representa a produção de uma norma geral. Mas autêntica, isto é, criadora do Direito

é-o a interpretação feita através de um órgão aplicador do Direito ainda quando cria

Direito apenas para um caso concreto, quer dizer, quando esse órgão apenas crie

uma norma individual ou execute uma sanção.278

E arremata, traçando, novos contornos teóricos para a interpretação autêntica, a partir

da edição de 1960 da Teoria Pura do Direito:

A propósito importa notar que, pela via da interpretação autêntica, quer dizer, da

interpretação de uma norma pelo órgão jurídico que a tem de aplicar, não somente se

realiza uma das possibilidades reveladas pela interpretação cognoscitiva da mesma

norma, como também se pode produzir uma norma que se situe completamente fora

da moldura que a norma a aplicar representa. Através de uma interpretação autêntica deste tipo pode criar-se Direito, não só no

caso em que a interpretação tem caráter geral, em que, portanto, existe interpretação

autêntica no sentido usual da palavra, mas também no caso em que é produzida uma

norma jurídica individual através de um órgão aplicador do Direito, desde que o ato

deste órgão já não possa ser anulado, desde que ele tenha transitado em julgado. É

fato bem conhecido que, pela via de uma interpretação autêntica deste tipo, é muitas

vezes criado Direito novo – especialmente pelos tribunais de última instância.279

Com a nova teorização kelseniana da interpretação autêntica, o ato de vontade

praticado pelo órgão titular da atividade de aplicação da normatividade jurídica já não mais se

perfaz apenas na problemática eleição do juiz entre alternativas interpretativas possíveis

traçadas pela interpretação cognitiva da norma a se aplicar. Desde 1960, pela interpretação

autêntica, é possível a criação de uma norma que não guarde relação de inclusão com a

moldura que a norma a aplicar apresenta, de maneira que, aos juízes que, até então, era

deferida uma questionável liberdade de escolha no âmbito da aplicação jurídico-normativa,

passa a ser concedida a faculdade de desconsiderar o quadro indicativo de interpretações

possíveis no exercício de sua atividade de criação do direito.

É essa faculdade, contudo, que mais afasta a teoria garantista da interpretação jurídica

da teoria kelseniana da interpretação realizada pelo órgão aplicador do direito. Isso porque, se

278 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2009. p. 394. (Coleção jurídica WMF). 279

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2009. p. 394-395. (Coleção jurídica WMF).

Page 122: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

129

é certo que, pelo garantismo, a identificação da norma aplicável à regência do suposto de fato

é precedida de uma atividade interpretativo-judiciária de escolha prática a respeito de

hipóteses interpretativas alternativas atinentes à norma a aplicar, também o é que, segundo

Luigi Ferrajoli,280

a interpretação jurídica não é apontada como um ato de criação do direito

pelo juiz, a qual é compreendida como uma ilegitimidade política estrutural por violar,

ostensivamente, a intitulada separação de poderes que deve vigorar nos Estados

Constitucionais de Direito.

Por uma crítica antipositivista, logo, é mesmo possível afirmar que a proposição

ferrajoliana segue refém da discricionariedade, conforme aduz Ana Cláudia Bastos de

Pinho.281

É, igualmente, sustentável a tese no sentido de que a interpretação judicial garantista

consista em um ato de vontade, como assevera André Karam Trindade.282

A adstrição entre a

interpretação jurídica e a criação do direito pelo juiz, no entanto, é expressamente negada por

Luigi Ferrajoli, quando se pronuncia sobre as aporias que entende presentes na abordagem de

Hans Kelsen. Para o autor garantista:

[...] é fácil advertir que a inevitável discricionariedade interpretativa que se

manifesta nas escolhas argumentadas do intérprete não autoriza o ceticismo

interpretativo pelo mesmo que o óbvio caráter relativo e aproximativo de qualquer

verdade empírica e a inevitável presença de momentos decisórios em sua aceitação

não autorizam o ceticismo cognitivo. Dito brevemente, o juiz não “constata”, nem

“encontra”, nem “acha”, nem “registra” o significado de um enunciado normativo, mas tampouco o “cria”, o “produz” ou o “inventa”. Simplemente o argumenta como

mais plausível ou fundado que outros também possíveis em abstrato: porque mais

aderente ao significado corrente das palavras do texto normativo, ou porque mais de

acordo com as normas constitucionais, ou porque mais coerente com os significados

de outros enunciados, ou porque mais aderente aos atribuídos em casos precedentes,

ou por outros motivos mais.283

280 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 172. (Collana Sagittari Laterza 197). 281 PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Para além do garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da

decisão penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 97. 282 TRINDADE, André Karam. Garantismo versus neoconstitucionalismo: os desafios do protagonismo judicial

em terrae brasilis. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.).

Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2012b. p. 123-124. 283 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 157. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] è facile rilevare che l’inevitabile discrezionalità interpretativa che si manifesta nelle scelte argomentate dell’interprete non autorizza lo

scetticismo interpretativo più di quanto l’ovvio carattere relativo e aprossimativo di qualunque verità

empirica e l’inevitabile presenza di momenti decisionali nella sua accettazione non autorizzi lo scetticismo

conoscitivo. Il giudice, in breve, non ‘constata’, né ‘trova’, né ‘scopre’, né ‘registra’ il significato di un dato

enunciato normativo, ma neppure lo ‘crea’ o lo ‘produce’ o lo ‘inventa’. Semplicemente lo argomenta como

più plausibile o fondato di altri, sia pure astrattamente possibili: perché più aderente al significato corrente

delle parole del testo normativo, o perché più in accordo con le norme costituzionali, o perché più coerente

con i significati di altri enunciati normativi, o perché più aderente a quelli attribuiti in casi precedenti, o per

altri motivi ancora.”

Page 123: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

130

E esclarece, fazendo referência à interpretação judicial na perspectiva kelseniana:

Já o uso da expressão “autêntica”, com a qual Kelsen a designa, é sintomático. Por

interpretação autêntica entende-se, com efeito, a de um texto legal operada pelo

próprio legislador. Mas a eleição do vocábulo não é casual, mas deliberadamente

provocativa, tendo o objetivo de expressar em termos mais explícitos a concepção

de jurisdição como atividade criativa não diferente da legislativa. [...] Que é uma tese juridicamente insustentável, já que a produção de “uma norma que se encontre

inteiramente fora” de tal esquema [da moldura] não consiste, de modo algum, na

interpretação e, menos ainda, na aplicação da “norma aplicável”, e o

pronunciamento judicial que a exprime é um pronunciamento inválido, embora

existente.284

Para Luigi Ferrajoli,285

ao indicar a interpretação como ato puramente volitivo, Hans

Kelsen incorre no equívoco de transformar “a jurisdição em uma fonte do direito extra legem,

e inclusive, contra legem.” Segundo o autor garantista,286

assim fazendo, a teoria kelseniana

da interpretação jurídica deixa de considerar que o ato de vontade referido à opção

judicialmente exercida entre alternativas interpretativas possíveis está sempre associado às

margens de indeterminação semântica da linguagem legal, nada tendo de semelhante ao ato de

pura vontade com o qual o legislador cria um novo direito. Ao contrário deste, o ato de

vontade praticado pelo julgador pode e deve ser racionalmente motivado, como, também,

devem ser motivadas todas as decisões discricionárias relativas à verdade empírica.

Pelo garantismo, não obstante a escolha realizada no âmbito interpretativo seja

caracterizada como uma decisão relativa à verdade jurídica – que jamais poderá ser apontada

como absoluta –, é passível de motivação pelo critério sintático da “coerência” com outras

teses já adotadas como verdadeiras atinentes ao tema examinado e, ainda, pelo critério

pragmático da “aceitabilidade justificada”. Pelo emprego desses critérios, é viável a indicação

dos argumentos “considerados idôneos pelo intérprete, não para motivar, como pretende

284 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 158-160. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “Già l’uso dell’espressione ‘autentica’ con

cui essa viene chiamata da Kelsen è sintomatico. Per interpretazione autentica si intende infatti quella di un

testo di legge operata dallo stesso legislatore. Ma la scelta del vacobolo non è casuale, bensì volutamente

provocatoria, avendo lo scopo di esprimere nei termini più espliciti la concezione della giurisdizione come attività creativa non diversa da quella legislativa. [...] Che è una tesi giuridicamente insostenibile, giacché la

produzione di ‘una norma totalmente fuori’ da tale schema non consiste affatto nell’interpretazione né tanto

meno nell’applicazione della ‘norma da applicare’, e la pronuncia giudiziaria che la esprime è una pronuncia

invalida, pur se esistente.” 285 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 160. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] giurisdizione in una fonte del diritto extra

legem e perfino contra legem [...]”. 286

FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 161-162. (Collana Sagittari Laterza 197).

Page 124: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

131

Ronald Dworkin, ‘a única resposta correta’, mas a solução considerada pelo intérprete mais

correta”.287

Com efeito, segundo a proposição ferrajoliana,288

embora a interpretação judicial

também exija o exercício de um ato de vontade, o juiz não pode decidir como bem quiser. Ao

contrário do que leciona Hans Kelsen, a diferença existente entre jurisdição e legislação não é

somente quantitativa, mas, igualmente, qualitativa, uma vez que, se, por um lado, a legislação

deve ser exercida pelo simples respeito à lei, por outro, a jurisdição deve promover a

aplicação da lei. Nos Estados Constitucionais de Direito, enquanto a legislação deve observar

a lei constitucional no desenvolvimento de sua atividade puramente volitiva e criativa de

direito novo, a jurisdição deve aplicar a legislação em vigor de modo tendencialmente

cognitivo, motivando os seus atos decisórios. Em sendo a jurisdição legitimada pela

comprovação da verdade dos pressupostos de suas decisões, ainda que essa verdade seja

sempre relativa, não é possível que o seu exercício desenvolva-se por decisões apenas

volitivas e destinadas à criação do direito, porque, ao contrário da atividade legislativa, a

jurisdição não é legitimada pela vontade majoritária.

Identificar jurisdição e legislação, como faz Hans Kelsen, é, para o garantismo,

desconsiderar que, diante da ocorrência de falhas na semântica da linguagem legal e de

antinomias semânticas, a escolha interpretativa realizada pelo magistrado não somente deve

ser motivada, mas deverá ser ainda mais justificada a opção judicialmente adotada pelo ato

formal decisório. Diversamente do que anuncia a teoria kelseniana, por uma perspectiva

garantista da interpretação do direito, a profundidade da argumentação necessária para

motivar a escolha feita pelo juiz é compatível com a medida da indeterminação da linguagem

legal, uma vez que será, por via dessa argumentação, que o caráter prevalentemente cognitivo

da jurisdição estará conservado, a despeito de opináveis as conclusões adotadas pelo julgador.

Conforme afirma o garantismo, no âmbito de aplicação jurídico-normativa, o recinto

da argumentação “cresce com o espaço da discricionariedade judiciária, a sua vez

inversamente proporcional ao grau de taxatividade ou de estrita legalidade das normas

aplicadas.”289

Apenas na hipótese em que a indeterminação da linguagem legal ultrapassa

287

FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 162. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] ritenuti dall’interprete idonei a suffragare

non già, come pretende Ronald Dworkin, ‘l’unica soluzione corretta’, ma la soluzione ritenuta dall’interprete

più correta [...]”. 288 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 177. (Collana Sagittari Laterza 197). 289 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 174. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] cresce con lo spazio della discrezionalità

giudiziaria, a sua volta inversamente proporzionale al grado di tassatività o di stretta legalità delle norme

Page 125: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

132

certo limite é que a argumentação cognitiva, por si só, não será suficiente à motivação da

escolha judiciária, caso em que a decisão “torna-se realmente um puro ato de vontade

logicamente incontrolável, transformando-se de juízo cognitivo em arbitrário juízo

potestativo.”290

Nesse caso, porém, o poder judicial de verificação jurídica converte-se em poder

judicial de disposição, que é apontado, pelo garantismo, como um produto patológico e

injustificado do poder judicial de interpretação jurídica.291

Quando o poder de disposição é

inaugurado, o magistrado já não mais se vale de decisões discricionárias relativas à verdade

jurídica, mas de decisões discricionárias relacionadas a valores ético-políticos, as quais,

apesar de extremamente criticadas por Luigi Ferrajoli, são por ele acolhidas em várias

oportunidades, ao argumento de que, embora o poder judicial de disposição e as decisões

discricionárias pelas quais esse é exercido contrariem o modelo garantista de direito penal e

de direito constitucional, constituem parte integrante dos ordenamentos jurídicos não

plenamente garantistas que, além estarem sempre acometidos, em alguma medida, pela

carência de garantias primárias e secundárias, não prescrevem a possibilidade da decretação

do non liquet.292

O que importa assinalar, no entanto, é que, para o garantismo,293

a crise da

taxatividade legal e, com essa, a crise das fontes de legitimação da jurisdição, não pode ser

applicate.”

290 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 174. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] diventa davvero un puro atto di volontà

logicamente incontrollabile, trasformandosi da giudizio cognitivo in arbitrario giudizio potestativo.” 291

Segundo Luigi Ferrajoli, a necessidade de exercício do poder judicial de disposição pode decorrer dos

seguintes motivos: “a deriva inflacionária sofrida pela legislação, que chegou ao ponto de que, atualmente, na

Itália, as leis já se contem por dezenas de mil; a disfunção da linguagem legal, que adquiriu formas de verdadeira inconsistência, devido à crescente vagueza, obscuridade, tortuosidade e, às vezes, contradição dos

textos legislativos, verdadeiros labirintos nos quais existe o risco de se perderem os intérpretes mais

experientes; a complicação do sistema de fontes, com desenvolvimentos que vão além do direito estatal e

fora de hierarquias unívocas compartidas por todos. Acrescente-se a crescente expansão do papel das

jurisdições, chamadas a dar respostas, sobretudo em matéria de garantia de direitos, a instâncias de justiça a

respeito dos quais são sempre mais impermeáveis os sistemas políticos e os aparatos administrativos”.

FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 175-76. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] alla deriva inflazionistica subita dalla

legislazione, giunta al punto che le leggi si contano ormai, per esempio in Itália, in decine di migliaia; alla

disfunzione del linguaggio legale, che ha raggiunto forme di vera inconsistenza a causa della crescente

vaghezza, oscurità, tortuosità e talora contraddittorietà dei testi legislativi, veri labirinti nei quali rischiano di perdersi anche gli interpreti più esperti; alla complicazione del sistema delle fonti, sviluppatosi ben al di là

del dirritto statale e al di fuori di gerarchie univoche e da tutti condivise. Si aggiunga la crescente espansione

del ruolo delle giurisdizioni, chiamate a dare resposte, soprattutto in tema di garanzia dei diritti, a instanze di

giustizia rispetto alle quali sono sempre più impermeabili à sistemi politici e gli apparati amministrativi.” 292 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

166. 293

FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 177-178. (Collana Sagittari Laterza 197).

Page 126: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

133

compreendida como a aceitação da tese kelseniana de que a interpretação judicial seja uma

atividade puramente volitiva e criativa do direito pelo juiz. Há de se reconhecer que a sujeição

dos juízes somente à lei é uma questão de grau e que, se esta sujeição desaparece em grande

parte ou por completo, tal não ocorre porque, em termos conceituais, a interpretação realizada

pelo órgão aplicador do direito seja uma atividade puramente volitiva e criativa do direito,

mas porque, em face da insuficiência limitativa e vinculativa das garantias, a própria lei deixa

de cumprir o seu escopo regulatório.

De acordo com a teoria garantista, portanto, assim como a discricionariedade

vinculada ao poder judicial de interpretação jurídica deve ser recepcionada como

insuprimível, a discricionariedade adstrita ao poder judicial de valoração ético-política deve

ser acolhida como indispensável. Para Luigi Ferrajoli,294

a crítica do caráter político da

decisão judicial é, por isso, um equívoco, porque confunde “os espaços estruturais de arbítrio,

deixados em aberto no ordenamento pela carência de garantias, com o débil remédio oposto

diante deles.” Para o autor garantista, “o que é ilegítimo, pois altera a jurisdição em sentido

político-administrativo, é o poder de disposição, gerado pela colocação substancialista e

decisionista do sistema e não, sem dúvida, os argumentos políticos ou substancialistas com os

quais é exercido e controlado.”

Afinal, por uma perspectiva garantista, somente pelo exercício do poder judicial de

verificação jurídica ou pelo manejo do poder judicial de valoração ético-política é que será

possível o suprimento da insuficiência regulatória da lei que, por uma concepção ferrajoliana,

sempre estará presente em alguma intensidade. A discricionariedade judiciária que integra a

atividade de fixação do significado da norma válida eleita pelo juiz à regência do suposto de

fato é que se apresenta como apta a viabilizar, no âmbito da aplicação do direito, o

preenchimento da incompletude fatal da lei. É a discricionariedade judicial atinente aos

poderes de cognição e de disposição que garantirá à jurisdição a implementação de uma

atividade “sempre supletiva ou salvadora do vazio horrorizante da lei.”295

É, nesse sentido, aliás, que, a despeito da relevância da testificação garantista da teoria

kelseniana da interpretação jurídica, dessa muito se aproximam as cogitações de Luigi

Ferrajoli. As proposições kelseniana e ferrajoliana relativas à interpretação realizada pelo

órgão aplicador do direito compartilham o fundamento dogmático da incompletude fatal da lei

294 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

166. 295

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.

p. 32. (Coleção Direito e Justiça).

Page 127: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

134

e, com isso, embora divirjam sobre o conceito de interpretação jurídica, bem como sobre os

expedientes que podem ser adotados pelo magistrado para o afastamento dessa incompletude,

perfilham a teorização de que as imperfeições normativas não devem ser sempre enfrentadas

por uma atividade legiferativa procedimentalizada e regida pelo devido processo, conforme

exige o direito democrático na perspectiva adotada pela teoria neoinstitucionalista do

processo.

Com efeito, não obstante a teoria ferrajoliana insurja-se contra a caracterização da

interpretação jurídica como um ato puramente volitivo e criativo do direito pelo juiz, não

tematiza que, ao ceder à discricionariedade judiciária no âmbito da aplicação do direito, está

corroborando com a autocracia decisória. Ao reproduzir os pressupostos da ciência dogmática

no âmbito de atuação do direito, o garantismo preocupa-se com a solução de conflitos pelo

julgador e deixa de investigar, detidamente, os impactos que a discricionariedade judicial

causa à isonomia, a qual, em seu perfil processual-democrático, não mais pode ser

conceituada apenas como a igualdade de todos perante a lei.296

Entregando-se à discricionariedade judicial relativa aos poderes de cognição e de

disposição, Luigi Ferrajoli ignora que, no paradigma do Estado Democrático de Direito, a

falibilidade normativa “é o espaço jurídico de liberdade processual isocrítica e não um defeito

caótico do direito escrito.”297

Não considera que o vazio advindo da normatividade vaga,

valorativa, antinômica ou lacunosa é o “ponto político de liberdade processual criativa e

recreativa de direito formulado”298

pela comunidade jurídica de legitimados ao processo. Não

sopesa que, se a isocrítica consiste na “igualdade de todos de fazer, alterar ou substituir a

296 É o que se lê, contudo, na publicação de FERRAJOLI, Luigi. Derechos fundamentales. In: FERRAJOLI,

Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez y Andrea Greppi.

4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2004. p. 73-96. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho). De

acordo com as conjecturas da teoria neoinstitucionalista do processo, é possível afirmar que a isonomia

encampa os conteúdos processuais da isotopia, da isocrítica e da isomenia. A partir dos escritos de Rosemiro

Pereira Leal, originariamente baseados em ensaio de autoria de Francis Wolff, a igualdade de todos perante a

lei seria o conteúdo lógico-jurídico da isotopia. Confira a esse respeito, as produções de LEAL, Rosemiro

Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b. p. 94. (Coleção

Direito e Justiça); LEAL, Rosemiro Pereira. Processo e hermenêutica constitucional a partir do estado de

direito democrático. In: LEAL, Rosemiro Pereira (Org.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto

Alegre: Síntese, 2001b. p. 23. v. 2; WOLFF, Francis. Nascimento da razão, origem da crise. In: NOVAES,

Adauto (Org.). A crise da razão. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 67-82. Para acessar as correlações teóricas existentes entre a isonomia processual, a igualdade e as ações afirmativas, a partir da

teoria neoinstitucionalista do processo, confira as cogitações de LEAL, Rosemiro Pereira. Isonomia

processual e igualdade fundamental a propósito das retóricas ações afirmativas. In: LEAL, Rosemiro Pereira.

Relativização inconstitucional da coisa julgada: temática processual e reflexões jurídicas. Belo Horizonte:

Del Rey, 2005b. p. 78-86. 297 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.

p. 39. (Coleção Direito e Justiça). 298

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.

p. 39. (Coleção Direito e Justiça).

Page 128: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

135

lei”299

para o constante aprimoramento do ordenamento jurídico, não deve o juiz jamais

ocupar o recinto instalado pela afirmada incompletude fatal da lei, porque, assim fazendo,

estará apropriando-se de um espaço que é reservado ao exercício da fiscalidade processual

permanente da normatividade pelo povo total e não destinado à implementação de ajustes

nessa normatividade por via de decisões judiciais solitárias tomadas por um intérprete

qualificado da estatalidade dogmática.

Ao se entregar à discricionariedade judiciária, no âmbito da aplicação jurídico-

normativa, o garantismo não valora que:

[...] abranda-se, no direito democrático, a dogmática milenar do discurso ideológico da compulsoriedade das decisões pela problematização processual (devido processo

coinstitucional), que, ao perseguir permanentemente a correição da falibilidade do

ordenamento jurídico, abre a todos pelo direito-de-ação preparar decisões não só

implicadoras de acertamento ou cumprimento de direitos, mas, principalmente,

destinadas a provocar modificação, extinção ou inclusões normativas no

ordenamento jurídico como êmulo de atuação do devido processo legislativo a

fundamentar a legitimidade de normas a serem produzidas e recriadas no sistema

jurídico coinstitucional do Estado Democrático de Direito.300

Assim é que, conforme afirma Rosemiro Pereira Leal:301

Não será pelas regras da lógica formal, rigorosamente observadas, por relações de infra ou supra-ordenação ou de mútua exclusão normativa de conceitos ou tipos

jurídicos, que se chegará a uma interpretação adequada para a lei nas democracias,

porque atualmente a dogmática, seja analítica ou sintética, há de servir ao paradigma

teorizado e adotado na construção originária do sistema jurídico e não à sustentação

de uma verdade, verossimilhança ou similitude extraídas pelo julgador da imanência

do texto [sic - discurso] jurídico legislativamente positivado à busca desesperada de

decisões corretas ou de uma única decisão correta.

O que se apresenta relevante para a operacionalização do direito não dogmático,

portanto, é que a interpretação jurídica deixe de ser compreendida como um ato discricionário

de fixação do significado válido das leis pelo julgador e passe a ser conjecturada como uma

atividade acessível à integralidade da comunidade jurídica dos legitimados ao processo. Para

que a interpretação jurídica não seja considerada um ato privativo da jurisdição, contudo, é

299 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo e hermenêutica constitucional a partir do estado de direito democrático.

In: LEAL, Rosemiro Pereira (Org.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese,

2001b. p. 23. v. 2. 300 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.

p. 103. (Coleção Direito e Justiça). 301

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.

p. 103. (Coleção Direito e Justiça).

Page 129: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

136

indispensável que se assimile que a “hermenêutica, nas democracias, é dada na base popular

construtiva da lei”.302

Daí, de acordo com os conteúdos informativos da teoria neoinstitucionalista do

processo, se a normatividade jurídica é lacunosa, antinômica, vaga ou valorativa, não é de se

inaugurar – como faz o garantismo de Luigi Ferrajoli – um momento interpretativo-dogmático

no âmbito da aplicação do direito. Há de se instaurar, em seu lugar, um procedimento

legislativo processualizado como locus operacional da isocrítica e, ao mesmo tempo, como

espaço destinado ao estabelecimento dos parâmetros normativos permissivos do exercício da

isomenia.

4.2 Discricionariedade judiciária e o dogmatismo-garantista impediente de uma

hermenêutica isomênica

Os escritos ferrajolianos formalizados sobre os poderes judiciais de verificação

jurídica e de valoração ético-política demonstram preocupação com a falibilidade normativa.

Diante da exigência garantista de rigor semântico das leis penais e constitucionais, o princípio

da taxatividade é enunciado por Luigi Ferrajoli como uma regra semântica metalegal de

formação da linguagem legal.303

302 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo e hermenêutica constitucional a partir do estado de direito democrático.

In: LEAL, Rosemiro Pereira (Org.). Estudos continuados de teoria do processo. Porto Alegre: Síntese,

2001b. p. 23. v. 2. 303 Embora atribua o status de regra semântica metalegal de formação da linguagem legal ao princípio da

taxatividade, Luigi Ferrajoli não desconhece a distinção hermenêutica existente entre regras e princípios.

Para o autor garantista, no entanto, “não existe uma diferença real de estatuto entre a maior parte dos

princípios e as regras: a violação de um princípio sempre faz deste uma regra que enuncia as proibições ou as obrigações correspondentes.” É o que buscou explicitar quando se referiu à diferença teórica existente entre

os princípios e as regras constitucionais: “A diferença entre a maior parte dos princípios e as regras é,

portanto, a meu ver, uma diferença que não estrutural, mas quase de estilo. [...] Mas, à parte o estilo, qualquer

princípio que enuncia um direito fundamental, pela recíproca implicação que liga as expectativas nas quais os

direitos consistem e as obrigações e proibições correlatas, equivale à regra consistente na obrigação ou na

proibição correspondente. Precisamente, porque os direitos fundamentais são universais (omnium), eles

consistem em normas, ainda que sempre interpretadas como regras, as quais correspondem deveres absolutos

(erga omnes), igualmente consistentes em regras. Por exemplo, o art. 32 da Constituição italiana, a respeito

do direito à saúde, equivale à regra que está nele explicitada, segundo a qual a República ‘garante (ou seja,

deve garantir) tratamentos gratuitos’; o art. 21, a respeito da liberdade de manifestação de pensamento,

equivale à regra segundo a qual é proibido impedir ou turbar ou limitar a livre manifestação de pensamento; [...] O decálogo, por outro lado, está expresso em regras (‘não matar’, ‘não roubar’, entre outras) que têm

exatamente o mesmo significado dos direitos correspondentes (o direito à vida; o direito de propriedade,

entre outros).” Para Luigi Ferrajoli, essa lógica deve ser aplicada a todos os princípios que intitula regulativos

ou imperativos, que são apontados como inderrogáveis. Afastam-se dessa, contudo, os denominados

princípios diretivos ou, simplesmente, diretivas, para os quais não é identificado, de modo exato, o que se

deve observar ou inobservar. Tratam-se, tão somente, de princípios que exprimem condutas que podem ser

adotadas em maior ou menor intensidade, como, por exemplo, o que consta no art. 9., da Constituição

italiana, que prevê caber à República o desenvolvimento da cultura. Sobre o assunto, confira a publicação de

FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. Tradução de André

Page 130: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

137

Por uma análise dos conteúdos informativos da proposição garantista, identifica-se que

o princípio da taxatividade é direcionado ao legislador que, na atividade produtora das leis,

deverá atuar em prol da formalização de uma legislação o mais perfeita possível quanto à

semântica de sua linguagem. Assim, e embora o garantismo reconheça que a legislação

expresse uma linguagem natural, anuncia que “a vacuidade, a valoratividade e a presença de

antinomias na linguagem legal dependem do caráter obscuro e redundante das leis e de seu

vocabulário, e que poderiam ser reduzidas, se não eliminadas, por uma técnica legislativa

mais conforme ao princípio de legalidade estrita.”304

É, por isso, que, para o garantismo, desponta-se a necessidade da imediata instalação

de uma ciência da legislação e da constituição. Em conjunto com a adoção de técnicas

destinadas ao enfrentamento das imperfeições normativas que foram causadas pela expansão

da legislação em vigor,305

propõe-se, pela teoria garantista, que a ciência jurídica promova:

[...] o desenvolvimento de uma linguagem legislativa e constitucional o mais precisa e rigorosa possível. Na verdade, entre os fatores mais graves da discricionariedade

judicial e do crescente papel da argumentação, está a crise da linguagem legal, que

chegou a uma verdadeira disfunção: pela imprecisão e ambiguidade das formulações

normativas; pela obscuridade e, às vezes, contradição; pela inflação legislativa que

comprometeu a própria capacidade reguladora do direito. Mas este não é um

fenômeno natural. Ele depende de uma legislação ruim e do caráter, frequentemente,

Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.).

Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2012d. p. 38-41. 304 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

119. 305

Para Luigi Ferrajoli, a expansão desmedida da legislação é causadora de inúmeras antinomias normativas.

Para combater a crise da legalidade que foi causada pelo aumento indiscriminado de leis, o garantismo

teoriza a introdução, na Constituição, de uma reserva de código aplicada às áreas penal e processual penal, a fim de impedir que qualquer norma relativa às áreas referidas não esteja contida em uma codificação e,

igualmente, para obstar que normas jurídicas penais ou processuais penais sejam produzidas sem a

observância de procedimentos destinados à alteração dos códigos penal e processual penal. Quanto às demais

áreas jurídicas, tais como as que versam sobre matéria urbanística, ambiental, fiscal, trabalhista e

educacional, a teoria garantista propõe o estabelecimento de uma reserva de lei e, além disso, a

obrigatoriedade de uma compilação das leis extravagantes vigentes. Com a adoção dessas técnicas, o

garantismo pretende tornar mais factível a obtenção da coerência e da sistematização normativas. Sobre o

assunto, confira, especialmente, os escritos de FERRAJOLI, Luigi. Dei diritti e delle garanzie:

conversazione con Mauro Barberis. Bologna: Il Mulino, 2013a. p. 18-23. (Collana Contemporanea);

FERRAJOLI, Luigi. El papel de la función judicial en el estado de derecho. In: ATIENZA, Manuel;

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdicción y argumentación en el estado constitucional de derecho. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005b. p. 105-108. (Serie Estado de Derecho y Función

Judicial); FERRAJOLI, Luigi. Legalidad civil y legalidad penal. Sobre la reserva de código en materia penal.

In: FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo. Traducción de Perfecto Andrés Ibáñez, Rodrigo Brito

Melgarejo, Antonio de Cabo y Gerardo Pisarello, Christian Courtis, Marina Gascón Abellán, Nicolás

Gusmán, Benjamín Rivaya García, Pedro Salazar Ugarte y Corina Yturbe. Edición de Miguel Carbonell. 2.

ed. Madrid: Editorial Trotta, 2008e. p. 220-233. (Colección Estructuras y Procesos – Serie Derecho);

FERRAJOLI, Luigi. O garantismo e a esquerda. In: VIANNA, Túlio; MACHADO, Felipe (Coord.).

Garantismo penal no Brasil: estudos em homenagem a Luigi Ferrajoli. Belo Horizonte: Fórum, 2013b. p.

18-19.

Page 131: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

138

vago e valorativo das normas constitucionais [e infraconstitucionais], cuja

responsabilidade é, com certeza da política, embora também recaia sobre a cultura

jurídica. Devemos, por outro lado, dar-nos conta de que a obscuridade, a vagueza e a

indeterminação da linguagem legal, ainda que em alguma medida inelimináveis, não

são defeitos da legislação. Elas são um vício jurídico, porque violam os princípios

da separação dos poderes e da submissão dos juízes à lei, comprometendo, assim, a

preservação de todo o edifício do estado de direito. Por isto, atualmente, a ciência

jurídica deveria retomar o programa iluminista de “uma ciência da legislação”, à

qual se dedicaram Gaetano Filangieri e Jerome Bentham, integrando-a com o

programa de uma ciência da constituição” (sic) como foi chamado por

Giandomenico Romagnosi. Superada a idade das primeiras Constituições, que se caracterizavam, inevitavelmente, por uma linguagem declamatória, nada impede o

desenvolvimento de uma técnica de formulação das normas legislativas e

constitucionais – das regras e dos princípios, além dos seus limites e dos limites aos

seus limites, por sua vez enunciados explicitamente – em uma linguagem o mais

simples, clara e precisa possível.306

A aposta ferrajoliana na ciência da legislação e da constituição dá-se, sobretudo, pela

admissão de que “o único modo que tem o legislador para incrementar a sujeição dos juízes à

lei e, com isso, à vontade do parlamento, é exercer bem o seu ofício, ou seja, produzir leis

claras e inequívocas”.307

Por uma perspectiva garantista, a implementação do rigor semântico

da linguagem legal apresenta-se como uma exigência inafastável para que, no âmbito da

aplicação do direito, a discricionariedade judiciária esteja presente em mínima medida,

proporcionando, dessa forma, pelo menos a conservação do caráter tendencialmente cognitivo

da jurisdição.

É que o status atribuído por Luigi Ferrajoli ao princípio da taxatividade não é

suficiente para impedir que, no recinto interpretativo, o julgador garantista erija-se como um

manipulador do sentido normativo. Para o garantismo, contudo, o grau de discricionariedade

judicial dependerá da medida do acatamento do princípio da taxatividade, uma vez que, pelas

cogitações ferrajolianas, quanto mais imperfeita for a semântica da linguagem legal, maior

será o espaço para o exercício dos poderes de denotação e de disposição pelo magistrado.

O que se extrai de uma teoria garantista da interpretação jurídica, portanto, é que,

observando-se em maior ou menor medida o princípio da taxatividade, a fixação do sentido

normativo sempre estará entregue ao julgador, a quem caberá, por decisões discricionárias

relativas aos poderes de verificação jurídica e de valoração ético-política, atribuir significação

à norma que escolha aplicar para a regência do suposto de fato e, ainda, certificar que esse

306 FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. Tradução de André

Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.).

Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2012d. p. 54-55. 307 FERRAJOLI, Luigi. La logica del diritto: dieci aporie nell’opera di Hans Kelsen. Roma: Editori Lateza,

2016b. p. 173. (Collana Sagittari Laterza 197). No original: “[...] il solo modo che ha il legislatore per

realizzare la soggezione dei giudici alla legge, e perciò alla volontà del Parlamento, è far bene il suo mestiere,

cioè produrre leggi chiare e inequivoche.”

Page 132: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

139

significado é coerente com o sentido da norma que lhe seja supraordenada. O que irá variar,

por uma perspectiva ferrajoliana, é apenas a intensidade do exercício da discricionariedade

judiciária e não a titularidade da atividade atributiva do significado normativo válido, que é

sempre adstrita a uma pessoa que exerça a jurisdição.

Como a proposição ferrajoliana anuncia que a linguagem legal é sempre imperfeita e,

ainda assim, somente recepciona a decretação do non liquet como uma medida excepcional e

de emprego autorizado apenas quando o juiz constatar, por via discricionária, a

impossibilidade absoluta de decidir, o que garantirá o princípio da taxatividade é tão só a

possibilidade da adoção de decisões discricionárias pelo magistrado, que, conforme a

intensidade das imperfeições semânticas da linguagem legal, serão tomadas em maior ou

menor medida no âmbito da aplicação do direito.

Em qualquer hipótese, porém, o julgador garantista conservará para si o monopólio do

sentido,308

uma vez que, apesar das relevantes pesquisas formalizadas por Luigi Ferrajoli

sobre a semântica da linguagem legal, o garantismo não se aproveita, consistentemente, do

maior ganho teórico proporcionado pela linguística nas últimas quatro décadas, que é a

teorização sobre a função metalinguística que, aplicada à atividade interpretativa, “permitiu

compreender o sentido como uma propriedade do código e não de uma pessoa”.309

Com efeito, por um esforço epistemológico, é possível afirmar que, pelo exame do

garantismo a partir dos postulados de uma teoria semântica, a proposição garantista da

interpretação jurídica assenta-se nos postulados que afirmam a sensatez da mensagem, o

caráter oculto do significado e, ainda, a inteligibilidade do sentido. Em relação a este

postulado, entretanto, as cogitações ferrajolianas sobre a interpretação do direito rompem com

a tradição dos antigos, não obstante mantenham o privilégio da significação do discurso pela

autoridade.

É o que se afere pelo magistério de Edward Lopes,310

para quem os postulados nos

quais assentam-se, habitualmente, as teorias semânticas assim anunciam:

O primeiro postulado, o da “sensatez da mensagem”, afirma que o discurso tem um

sentido. Mas é lógico que tal asserção não é para ser entendida ao pé da letra, pois se

o discurso contivesse, realmente, algum sentido imanente, não haveria necessidade

de nenhuma interpretação. O fato de que para captar o seu sentido precisemos

interpretá-lo significa, pelos menos, que o sentido do discurso está fora dele, situando-se, por assim dizer, em um espaço que o transcende e ao qual chamamos de

texto. [...]

308 LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 5. 309 LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 5. 310

LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 3-

5.

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140

O segundo postulado, o do “caráter oculto do significado”, frisa que o sentido é algo

que se procura. Afastada a hipótese de uma falta de sentido no discurso, afirma-se,

agora, em conseqüência, um excesso deles. Assim é que a teoria semântica de todos

os tempos reconheceu como axiomática a multissignificação do discurso, objeto de

conhecimento aberto a uma pluralidade de leituras, continente, pois de n textos.

Tudo passa como se, assim como a floresta esconde a árvore, uma pluralidade de

sentidos ocultasse um sentido único. Objetos alegóricos, a floresta e o discurso

seriam modos da manifestação figurativa de um “não saber” que é eminentemente

perturbador. [...]

Os antigos resolveram expeditamente o problema de saber a quem atribuir o

privilégio da interpretação. Considerando que o discurso é o objeto daquele que o produz, atribuíram-no invariavelmente ao destinador da mensagem. Eles

enunciavam, assim, o axioma do terceiro postulado a que fizemos referência, o da

inteligibilidade do sentido, segundo o qual se reconheceria no “autor” do discurso a

única “autoridade” (o autor é titular da autoridade) para dizer o que é que seu

discurso significa. A locação da autoria do discurso fazia-se acompanhar, então, de

uma espécie de sublocação de “autoria do texto”, pois que só ao produtor da

mensagem era reconhecida a competência necessária para definir, de um lado, o que

seu discurso queria dizer, ou o que ele podia dizer, e, por outro lado, o que ele,

efetivamente, dizia. Diante de interpretações indesejáveis, feitas por um destinatário,

o destinador da mensagem poderia sempre atribuir o subentendido à malevolente

inépcia do ouvinte, operando, desse modo, a desqualificação do subentendido para requalificá-lo de mal-entendido. O dado da multissignificação do discurso estava,

então – e ainda está, para aqueles que nisso acreditam –, a serviço de um privilégio

da significação, que é a camuflagem do privilégio de mando de uma auctoritas

única e indiscutível.

Analisada a teoria garantista da interpretação jurídica por esses postulados semânticos,

bem como compreendidos a lei como o discurso legal e o texto como o espaço onde está

situado o sentido do discurso da lei – como propõe Rosemiro Pereira Leal ao realizar uma

parcial transposição do ensino de Edward Lopes para o direito processual –,311

é de se

registrar que, pelo garantismo, não é o legislador a auctoritas que titulariza o privilégio da

significação normativa, mas o juiz, a quem é entregue a atividade discricionária de fixação do

sentido da norma que elegeu aplicar, bem como a certificação, igualmente discricionária, da

validade desse significado. É o julgador garantista que deve, pela adoção de decisões

discricionárias devidas ou indevidas, escolher a norma que entenda cabível para a regência do

suposto de fato, assim como atribuir sentido à norma que escolheu aplicar, sentido o qual deve

ser compatível com o significado da norma que lhe seja hierarquicamente superior, que,

também, o julgador garantista fixa discricionariamente.

Desta forma, pelos fundamentos da teoria garantista, “o legislador seria o autor

autoritário do discurso legal (seu genuíno locador a inocular a mens legislatoris) e o juiz

(decisor) o sublocador a engendrar um texto (juízos de aplicação como mens legis)”.312

Não

311 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017a. p.

319-327. 312

LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017a. p.

322.

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141

sendo admitida pelo garantismo a possibilidade de que o discurso legal regule a sua própria

atuação, Luigi Ferrajoli elege o julgador garantista como a autoridade competente para dizer o

que quer o discurso legal afirmar, e, também, para dizer se o que disse querer afirmar o

discurso legal é compatível com o significado que, igualmente, atribui à lei que é

supraordenada a que escolheu aplicar.

Nessa complicada atividade judiciária de aplicação do direito, é o juiz garantista que

fixará o sentido do discurso legal, ainda que, para isso, tenha que devassar o sistema jurídico

para dele extrair normas implícitas que motivem a sua decisão. É o julgador garantista que

fixará o sentido do discurso legal, mesmo que, para que tal se dê, tenha que se valer de uma

seleção de opiniões de juristas de longa formação e experiência que possam motivar a sua

decisão, a partir de um exame percuciente das incontáveis e divergentes publicações

constantes em acervos doutrinários e repositórios jurisprudenciais. É o magistrado garantista

que fixará o sentido do discurso legal, não obstante, para tanto, tenha que ativar uma boa dose

de criatividade judicial, que lhe permita decidir mesmo além da redação e das lacunas da lei.

Por uma perspectiva garantista, o julgador é a pessoa autorizada a enfrentar a

multissignificação do discurso legal e a estabelecer, por via da discricionariedade judiciária, o

único sentido desse discurso.

De conseguinte, a teoria garantista da interpretação jurídica não recepciona o

magistério de que “a semântica deve se preocupar com o sentido do discurso tal como ele se

deixa decodificar no interior do código que serviu para a sua codificação.”313

Pelos escritos

ferrajolianos, o sentido do discurso legal tem a sua decodificação atrelada à pessoa do

julgador que, na condição de intérprete qualificado da estatalidade,314

deve escolher, entre as

hipóteses interpretativas alternativas que lhe são descortinadas pela dogmática jurídica e pela

sua criatividade, o significado que deve ser atribuído ao discurso da lei válida que elegeu

aplicar à regência do suposto de fato.

Pelo garantismo, assim, nunca será possível prever o resultado da atividade

interpretativa levada a efeito no âmbito da aplicação jurídico-normativa. Segundo assevera

313

LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 5. 314 Conforme afirma Vinícius Diniz Monteiro de Barros, o “Intérprete é o sujeito que, ao enunciar a interpretação

jurídica, estabiliza-a por sua autoridade [...]. O sujeito-intérprete se situa no mundo 1 de Popper, enquanto

seus estados mentais, erroneamente tomados como balizadores do conhecimento jurídico, são elementos do

mundo 2 de Popper – ambos sem qualquer relevância à construção de um conhecimento jurídico-científico

democrático.” Confira, nesse sentido, MONTEIRO DE BARROS, Vinícius Diniz. O conteúdo lógico-

objetivo do princípio da inocência: uma proposição segundo a teoria neoinstitucionalista do processo e o

racionalismo crítico. 2016. 201 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. p. 162.

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Luigi Ferrajoli,315

na operacionalização do direito, existem “sempre divergências

interpretativas e ‘múltiplas respostas’, plausivelmente discutíveis”. Quando se trata da

interpretação jurídica, cada intérprete “considerará melhor ou mais correta aquela que

entender mais convincente ou melhor motivada, mas isto não torna a solução adotada

‘objetivamente verdadeira’ ou ‘a única correta’. Também se poderia argumentar, talvez

plausivelmente, a tese oposta”,316

já que, pela teoria garantista, além da obtenção da verdade

processual ser limitada pelo caráter irredutivelmente probabilístico da verdade fática e

inevitavelmente opinativo da verdade jurídica, é, igualmente, pelo que designa subjetividade

específica do conhecimento judicial.

Para o garantismo, essa subjetividade é um terceiro e insuperável fator de impacto na

atividade judiciária de escolha prática entre alternativas interpretativas possíveis, uma vez que

exterioriza o caráter eminentemente pessoal desse “investigador particular legalmente

qualificado que é o juiz. Este, por mais que se esforce para ser objetivo, está sempre

condicionado pelas circunstâncias ambientais nas quais atua, pelos seus sentimentos, suas

inclinações, suas emoções, seus valores ético-políticos”,317

os quais, por uma concepção

garantista, apresentam-se atuantes na tomada de decisão sobre a norma aplicável à situação

sub examine e, ainda, na fixação do significado – que deve ser válido – da norma eleita.

Conforme aduz Luigi Ferrajoli,318

“cada interpretação é inevitavelmente orientada [...]

por opções morais e políticas do intérprete.” Logo, pelo garantismo, a fixação do sentido do

discurso legal não “deixou de ser uma variável dependente do intérprete para ser [...] uma

variável dependente do interpretante”,319

como conjectura a teoria neoinstitucionalista do

processo ao recepcionar, parcialmente, as lições de Edward Lopes sobre a função

metalinguística atribuída ao código. Pela teoria garantista, sempre que o rigor semântico da

linguagem legal falhar, é deferida ao juiz a liberdade de escolha até mesmo do código a ser

empregado na atividade de decodificação do significado do discurso legal e, por isso mesmo,

315 FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,

Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um

debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 254. 316 FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,

Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um

debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 253. 317 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

53. 318 FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,

Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um

debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 253. 319 LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 5.

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nada pode garantir que essa escolha não seja implementada com o objetivo de tão somente

confirmar a vontade da auctoritas titular da autoria do texto.

É esse o grande entrave democrático derivado da teorização de uma interpretação

jurídica não isomênica, como a que é proposta pelo garantismo. Consoante explicita Rosemiro

Pereira Leal,320

quando se pronuncia sobre as correlações teóricas existentes entre o discurso

legal, o texto e o devido processo:

O dogma irreversivelmente assumido pelos positivistas e neopositivistas é a

impossibilidade de uma hermenêutica que ofereça simétrico exercício de igual

direito de interpretação da LEI para todos e que ponha os intérpretes em função de

um único interpretante lógico-jurídico discursivo. É que o dogma de que “todos são

iguais perante a lei” que vinca, por séculos, o direito liberal, é entendido no sentido

de que essa igualdade interpretativa é isotópica (espacial), mas cognitivamente

assimétrica, uma vez que o Estado-juiz não está adstrito à existência de normas escritas específicas e tipificadoras para decidir em todas as hipóteses dos conflitos

humanos, o que torna a argumentação das partes inócua, porque, nessa hipótese, as

partes não participam isomenicamente da construção do provimento. Na minha

teoria neoinstitucionalista do processo, como já discorremos por vários artigos, no

Estado Democrático não basta a isonomia perante a lei ou simétrica paridade no

exercício do contraditório para garantir uma interpretação em condições iguais para

os sujeitos do procedimento, é preciso que a LEI ante a qual se ponham os

intérpretes expresse em sua atuação a teoria processual que lhe deu origem, isto é,

esteja contida num sistema normativo em que os níveis instituinte, constituinte e

constituído de direitos fiquem bem delineados quanto ao referente lógico-jurídico-

discursivo (discussivo) de sua incidência (aplicação) e legitimidade a garantir

isomenia.

E continua:

A isomenia, em minha teoria neoinstitucionalista, que é instituto operacional do

princípio da legalidade, define-se pela oportunidade de colocar todos os

destinatários normativos (intérpretes) em simétrica posição ante idêntico referente

lógico-jurídico-construtivo, aplicativo, modificativo ou extintivo do sistema jurídico

(LEIS). É o devido processo, no sentido da teoria neoinstitucionalista, que é o

referente lógico-jurídico (interpretante) a balizar os limites hermenêuticos de um

sistema de “Estado Democrático de Direito” em concepções de sociedade aberta

[...].

Daí, pelos conteúdos informativos da teoria neoinstitucionalista do processo, a

interpretação jurídica deve estar sempre adstrita à legalidade, não podendo o juiz aproveitar-se

de falhas normativas para monopolizar a atividade de fixação do significado válido do

discurso legal. Não pode o julgador apropriar-se do vazio jurídico para a produção de um

texto, a partir de um código solitariamente eleito. Conforme aduz Roberta Maia Gresta,321

320 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017a. p.

319-320. 321 GRESTA, Roberta Maia. Introdução aos fundamentos da processualidade democrática. Rio de Janeiro:

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pela proposição neoinstitucionalista do processo, a isomenia “erige ao julgador vedação a

recursos interpretativos extrassistêmicos. Leal propugna que o texto (teoria) já deve estar

contido no discurso (lei), o que assegura que seja previamente disponibilizado a todos”.

Ao contrário do que preconiza Luigi Ferrajoli, portanto, pela perspectiva da teoria

neoinstitucionalista do processo, se a normatividade jurídica apresenta falhas, não se abre ao

magistrado a possibilidade de contornar essas imperfeições por meio de decisões

discricionárias fixadoras do sentido normativo válido no recinto de aplicação do direito. Pelas

conjecturas de Rosemiro Pereira Leal, a falibilidade normativa impõe a recusa judicial de

decidir para que a comunidade jurídica dos legitimados ao processo possa exercer o seu

direito à isocrítica e, a partir desse exercício, tornar possível a prática da isomenia. Somente,

assim, o devido processo estaria acatado como um código (interpretante) não permutável pela

vontade do intérprete-decisor, viabilizando a definição do sentido do discurso legal pelo povo

total.

É que, assumindo o devido processo os “atributos de um neoparadigma com ‘função

metalinguística’ a demarcar um ‘meta-sentido’ como fundamento do sistema jurídico-

democrático para a criação de uma sociedade aberta”,322

apresenta-se inafastável para o seu

acatamento que tanto no recinto de produção do direito como no espaço de sua aplicação

atuem os princípios do contraditório, da ampla defesa e da isonomia. Se, no âmbito da

aplicação do direito, for constatada a existência de falhas que acometam a normatividade, isso

significa que a comunidade jurídica dos legitimados ao processo não esgotou a sua atividade

processual-legiferativa, logo, ainda não tornou possível o incremento de uma hermenêutica

isomênica.

Com base nos conteúdos informativos da proposição neoinstitucionalista do processo,

com efeito, é possível afirmar que o acolhimento garantista da proibição do non liquet

propicia a implementação de uma interpretação judicial extrassistêmica (extradiscursiva), a

qual é impediente da aferição da veredicção do sentido que é atribuído ao discurso legal pela

decisão discricionariamente tomada no recinto de aplicação do direito. Na linguística, a

temática é assim abordada:

Entre o discurso e o texto que lhe corresponde (co-responde), instala-se um jogo

dialógico de perguntas e respostas. Sendo da ordem da competência, o discurso

propõe perguntas acerca dos sentidos dos nomes que fornece: ele é, mais, um querer

dizer, um poder dizer, um saber dizer, em busca de um dizer, a solução que só lhe

Lumen Juris, 2014. p. 191-192. (Coleção Estudos da Escola Mineira de Processo, v. 1).

322 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017a. p.

323.

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pode ser atribuída por um texto. Este é da ordem da performance, um dizer: o texto

diz aquilo que o discurso quer dizer e, assim fazendo, completa a obra.

Uma obra encerra um ato de comunicação no interior do qual se um texto diz o que

o discurso X quis dizer, esse mesmo discurso X tem, em troca, a possibilidade de

confirmar ou de infirmar, retrospectivamente, a interpretação que dele forneceu o

texto. De um lado, o texto responde às indagações de um discurso, propiciando a

passagem de um não-saber a um saber; de outro lado, esse discurso (co-)responde à

interpretação do texto, reabsorvendo-a como um saber ou rejeitando-a como um

não-saber, um parecer saber, etc.; assim, entre as qualificações que compõem a

competência conatural ao discurso está a de poder dizer (outro sentido).

Os mecanismos pelos quais o discurso controla a veredicção do sentido que lhe foi atribuído por um texto, aceitando-a ou não, demonstra duas coisas:

(a) que o teste da verdade de um sentido deve ser praticado através de um retorno da

interpretação ao discurso que ela pretenda interpretar, ou seja, a veredicção é da

ordem intradiscursiva, não extradiscursiva;

(b) que se o texto se pensa prospectivamente, a partir de um macrodiscurso X, os

microdiscursos X1, X2...Xn contidos em X, se pensam retrospectivamente, a partir dos

textos x1, x2...xn, que os discursos X1, X2...Xn, estão encarregados de referendar.

Assim, a obra surge como o espaço de suporte de uma prática significante em cujo

âmbito algo produzido (o texto) é produtor daquilo mesmo que o produziu (o

discurso).323

Transportadas essas lições para o estudo do direito processual democrático, é de se

afirmar que, se o sentido do discurso legal é atribuído pelo julgador mediante a livre escolha

de um significado entre tantos outros disponibilizados pela doutrina, pela jurisprudência,

pelas normas implícitas do ordenamento jurídico ou pela criatividade judiciária exercida a

partir de um apoio legal, no retorno do texto de autoria do juiz ao discurso legal será

identificado não apenas o deslocamento da atividade de fixação do sentido normativo do

interpretante (devido processo) como, também, a violação do próprio princípio da

legalidade.324

323 LOPES, Edward. Discurso, texto e significação: uma teoria do interpretante. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 7-

8. 324 Como observa Rosemiro Pereira Leal, no Estado Democrático de Direito, lei “é a produzida e vincada pelo

devido processo como instituição constitucionalizante e operadora de direitos fundamentais do processo,

líquidos e certos, entre os quais o da isonomia que põe todos os integrantes da comunidade jurídica

constitucionalizada em isotopia compreensiva (ante uma língua comum a partir da escritura legal) quanto ao

exercício de direito igual de interpretação normativa, não incluídas aqui, por óbvio, normas morais, éticas ou

consuetudinárias, do pragmatismo linguístico da fala coloquial ou tecnológica do decisor dogmático

(mítico).” LEAL, Rosemiro Pereira. O caráter oculto do sentido normativo no novo CPC. In: CASTRO, João

Antônio Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (Coord.). Direito processual: estudo democrático da

processualidade jurídica constitucionalizada. Belo Horizonte: PUC Minas – Instituto de Educação

Continuada, 2012. p. 186-187. No mesmo sentido, confira a lição de Carlos Henrique Soares, para quem o

discurso de aplicação do direito é limitado pelo legislador político e, por isso, não pode estar dissociado das normas legais. SOARES, Carlos Henrique. Reflexiones filosóficas sobre la prueba y verdad en el proceso

democrático. In: BRÊTAS, Ronaldo C. Dias et al (Org.). Direito probatório: temas atuais. Belo Horizonte:

D’Plácido, 2016. p. 58. Veja, ainda, o magistério de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias que, atento ao

princípio da legalidade, afirma que, no Estado Democrático de Direito, não são acolhíveis doutrinas e

precedentes jurisprudenciais que sugiram a possibilidade de que a jurisdição seja exercida sob critérios

“marcados de forma inconstitucional e antidemocrática pela arbitrariedade, pela discricionariedade, pelo

subjetivismo, pelo messianismo, pela sensibilidade, pelas individualidades carismáticas ou pela patologia

judiciária que denominamos complexo de de Magnaud [...]”. BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo

constitucional e estado democrático de direito. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p.

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Para a teoria neoinstitucionalista do processo, a possibilidade de veredicção está

condicionada à proibição da interpretação extrassistêmica (extradiscursiva), porque esta afasta

a possibilidade do exercício de uma metalinguagem, com vinculação ao código, que se

desenvolva entre o texto e o discurso legal.325

A teorização de que o significado normativo

não esteja disponibilizado pelo próprio discurso legal – como sustenta a ciência dogmática do

direito – é ratificadora de que a lei sujeita à interpretação jurídica consiste tão somente:

[...] em peça exclusiva do manipulador do sentido normativo (juiz) pela auctoritas

de que está investido. A mítica da autoridade na dicção do direito submete a

interpretação jurídica à regência de juízos ordálicos e de conveniência e equidade

que escapam à cognitividade probatícia de democratização decisória pelo

contraditório e ampla defesa, excluindo o discurso jurídico (escritura legal) como

eixo polarizador de sentidos para todos os argumentantes processualmente

legitimados. Nesse quadro, a heterossignificatividade do discurso jurídico, em razão da recusa judicial infiscalizável de acatar o paradigma teórico da estatalidade

constitucionalmente adotado, é deslindada pela intuição, sensibilidade e

clarividência do magistrado na esfera de sua solitária consciência.326

É o que se explicita pela proposição garantista da interpretação que, atrelando-se à

lógica da ciência dogmática do direito, acolhe os postulados semânticos da sensatez da

mensagem e do caráter oculto do significado do discurso legal para, daí, enunciar o julgador

como a pessoa que titulariza o privilégio da significação.327

Assentando-se nesses postulados

160. Pesquise, também, o magistério de Sérgio Henriques Zandona Freitas, segundo o qual as decisões

jurídicas devem ser vinculadas à legalidade, a fim de impedir o incremento de espaços de discricionariedade

judicial. FREITAS, Sérgio Henriques Zandona. A impostergável reconstrução principiológico-

constitucional do processo administrativo disciplinar no Brasil. 2014. 210 f. Tese (Doutorado) –

Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo

Horizonte, 2014. p. 87. 325 LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017a.

p. 324; ALMEIDA, Andréa Alves. Espaço jurídico processual na discursividade metalinguística. Curitiba: CRV, 2012. p. 85 e 87; MONTEIRO DE BARROS, Vinícius Diniz. O conteúdo lógico-objetivo

do princípio da inocência: uma proposição segundo a teoria neoinstitucionalista do processo e o

racionalismo crítico. 2016. 201 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. p. 161-163; PENIDO, Flávia Ávila. Processo

e interpretação em Eduardo J. Couture. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 227; GRESTA, Roberta

Maia. Introdução aos fundamentos da processualidade democrática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.

p. 191-192. (Coleção Estudos da Escola Mineira de Processo, v. 1); SANTOS, Luiz Sérgio Arcanjo dos.

Processo e poder constituinte originário: a construção do direito na processualidade jurídico-democrática.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 157-172. 326 LEAL, Rosemiro Pereira. O caráter oculto do sentido normativo no novo CPC. In: CASTRO, João Antônio

Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (Coord.). Direito processual: estudo democrático da processualidade jurídica constitucionalizada. Belo Horizonte: PUC Minas – Instituto de Educação

Continuada, 2012. p. 187. 327 Conforme esclarece Rosemiro Pereira Leal, dessa forma, afasta-se a possibilidade “de uma democratização

jurídico-proposicional autocrítica, fora, pois, das configurações paideicas, instalando-se a intepretação da lei

na arena de múltiplas hermenêuticas a disputarem a preferência das autoridades judicantes. [...] O que é

esquecido, na sólida e irremovível convicção da arbitrariedade do signo que tanto preconizam dogmáticos e

não dogmáticos (realistas), é a possibilidade de uma explicitação expositiva (preambular) e vinculativa da

movimentação dos conteúdos da lei pela indicação da teoria processual que deva ser o eixo de compreensão

da formação dos sentidos do ordenamento jurídico em suas implicações instituinte (produção da lei),

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linguísticos, o garantismo abriga um saber “interpretar que, extrapolando o sujeito da

enunciação da norma (o legislador), só adquire inteligibilidade fora do próprio discurso

normativo (lei) que é o lugar extraceptivo (estado textual de exceção) no qual a auctoritas

interdita o sentido da lei por consentimento da própria lei.”328

Preserva-se, dessa forma, a incompletude fatal da lei e a perpetuação da proibição do

non liquet que, conjuntamente, são acolhidos pelo garantismo para situar o juiz como a pessoa

autorizada a decidir de modo discricionário. Mantém-se, assim, o privilégio interpretativo do

julgador, que, a despeito de seu desalinhamento processual-democrático, não é objeto de

tematização consistente pelas pesquisas garantistas. Afinal, para o garantismo, o que se

mostra indispensável observar, no âmbito da atuação do direito, é a imparcialidade do juiz.

Pelas cogitações de Luigi Ferrajoli, nenhuma importância é dada à conjectura de que se, no

recinto de aplicação jurídico-normativa, a decisão é tomada mediante violação da isocrítica e

da isomenia, essa decisão jamais assumirá o status de decisão jurídica imparcial.

4.3 Garantismo jurisdicionalista e a impossibilidade teórica de uma decisão jurídica

imparcial

No Estado Democrático de Direito, apresenta-se inacolhível a teorização garantista no

sentido de que o espaço procedimental-decisório consista em um recinto privativo da

jurisdição reservado ao enfrentamento da incompletude fatal da lei.329

Com os avanços

teóricos propiciados pela proposição neoinstitucionalista do processo, o momento decisório

não pode ser compreendido como o tempo fixado para a realização de uma escolha prática

constituinte (articulação institucionalizante das estruturas administrativo-governativas) e constituída

(operacionalização processual do direito processualmente posto em vigência). O que temos no direito vigente

no Brasil e em todos os países do mundo é um conglomerado de artigos de lei aplicáveis sem qualquer

vinculação a uma linha hermenêutica explicitada na exposição de motivos ou preâmbulos da lei como trecho

integrante do texto legal.” LEAL, Rosemiro Pereira. Processo como teoria da lei democrática. 2. ed. Belo

Horizonte: Fórum, 2017a. p. 171-172. 328 LEAL, Rosemiro Pereira. O caráter oculto do sentido normativo no novo CPC. In: CASTRO, João Antônio

Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (Coord.). Direito processual: estudo democrático da

processualidade jurídica constitucionalizada. Belo Horizonte: PUC Minas – Instituto de Educação Continuada, 2012. p. 187.

329 Em recente publicação, Rosemiro Pereira Leal ratificou as interfaces existentes entre o Estado Democrático

de Direito e o devido processo, afirmando que o Estado Democrático de Direito “é identificável por uma

autofiscalidade sistêmica sob regência de uma instituição linguístico-jurídico-autocrítica, que lhe é fundante e

interpretante nuclear, denominada devido processo, como metalinguagem certificadora, construtiva e

reconstrutiva, da dinâmica de instituições compatíveis com a concepção de sociedade aberta, não tribalizada

por castas intelectivas jurisprudentes.” Confira, nesse sentido, os escritos de LEAL, Rosemiro Pereira. A

questão dos precedentes e o devido processo. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo

Horizonte, ano 25, n. 98, p. 295-313, abr./jun. 2017b. p. 303.

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148

sobre alternativas interpretativas possíveis que, no âmbito da aplicação do direito, conduz a

uma solução que é considerada pelo magistrado a mais convincente.

Na processualidade democrática, o momento de decidir é “o instante de uma

DECISÃO a ser construída como resultante vinculada à estrutura procedimental regida pelo

PROCESSO coinstitucionalizado”,330

o qual, pelos princípios que lhe são institutivos, nega

acolhimento a um solipsismo hermenêutico assecuratório de uma decisão que,

inafastavelmente orientada por opções morais e políticas do intérprete-julgador-garantista,

oferta-se à solução de um conflito. Por uma perspectiva não dogmática, a decisão já não mais

pode ser enunciada como um ato procedimental de titularidade exclusiva do juiz que explicita

a resposta solitariamente eleita entre as múltiplas alternativas possíveis ao acertamento de

direitos afirmados e negados, porque, assim sendo, será violadora dos conteúdos lógico-

jurídicos da isomenia.

Por uma análise processual-democrática da interpretação jurídica, portanto, não

apresenta grande relevância sequer a exigência ferrajoliana de que, no sistema garantista de

aplicação do direito, as escolhas interpretativas realizadas pelo decisor tenham que ser

argumentadas e motivadas, seja pelo critério sintático da “coerência” com outras teses já

adotadas como verdadeiras atinentes ao tema examinado, seja pelo critério pragmático da

“aceitabilidade justificada.” Ainda que tal ocorra, a decisão permanecerá sendo um ato que

exprime a fixação discricionária do significado válido do discurso legal realizada pela pessoa

do juiz e a motivação decisória consistirá na mera exteriorização do ato de vontade praticado

pelo julgador.

É, nesse sentido, que, de nada adianta a proposição ferrajoliana teorizar a motivação

das decisões como uma garantia processual que se presta a assegurar o caráter cognitivo do

juízo, vinculando o magistrado à lei válida,331

se essa motivação é compreendida como a mera

explicitação dos argumentos que o juiz discricionariamente selecionou para embasar a sua

solitária decisão. Nenhum ganho de democraticidade jurídica é propiciado pela motivação

decisória garantista que, sendo indicada como o “principal parâmetro tanto da legitimação

interna ou jurídica quanto da externa ou democrática da função judiciária”,332

permite tão

somente distinguir o que “CARRARA chamava ‘convicção autocrática’, porque baseada na

330 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016b.

p. 60. (Coleção Direito e Justiça). 331 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

573. 332 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

574.

Page 142: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

149

‘mera inspiração do sentimento’ e aquela que ele chamava ‘convicção arrazoada’, sendo

expostas tanto as ‘razões’ jurídicas como as de fato”.333

O que se extrai das lições de Luigi Ferrajoli é que, sendo apoiada no sentimento do

juiz ou nas razões fático-jurídicas, a decisão sempre será um ato de titularidade exclusiva da

jurisdição. Diante de uma afirmada incompletude fatal da lei, o garantismo enuncia o vazio

jurídico como lugar privilegiado da autoridade judiciária, a quem cabe dar imediata solução

aos conflitos, sempre que essa seja possível. O espaço da falibilidade normativa não é

afirmado como locus de fiscalidade processual, mas como recinto de instalação do poder

judicial que, por via de decisões discricionárias, torna possível o enquadramento teórico da

interpretação jurídica como “um ato de liberdade do intérprete”,334

bem como a manutenção

deste como o autor do texto que define o que o discurso legal válido quer dizer e que deve ser

tornado público pela motivação decisória.

Por uma perspectiva garantista, assim, não é acolhida uma hermenêutica que se instale

na base popular construtiva da lei e que propicie a inclusão de todos os integrantes da

comunidade jurídica de legitimados ao processo no igual direito de interpretação da

legalidade. Ao contrário disso, o garantismo filia-se a uma hermenêutica dogmática que

preconiza a decisão como o resultado da escolha do magistrado por uma das respostas que

entende possíveis para o conflito. Uma escolha que, quanto à verdade jurídica, sempre será

opinativa e, por isso, nunca indicativa de uma resposta objetivamente verdadeira ou mesmo de

uma única resposta correta.

Conforme se lê nos escritos de Luigi Ferrajoli, no âmbito interpretativo, sempre

existem múltiplas respostas plausíveis e, desta forma, igualmente coexistem várias decisões

que podem ser consideradas corretas, conforme o entendimento do intérprete-julgador. De

acordo com os escritos ferrajolianos:

Este, contudo, é o jogo do direito: em cada processo – penal, civil, administrativo,

constitucional – confrontam-se [...] teses opostas, cada uma delas argumentada como

verdadeira. Mas nada pode garantir qual é a única verdadeira, o (sic) absolutamente

correta.

O juiz resolve a demanda dando-lhe – e motivando-lhe – a solução mais plausível e

imparcial; mas sempre deve ter a consciência do caráter provável da verdade factual

333 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

574. 334 FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. Tradução de André

Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.).

Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2012d. p. 54.

Page 143: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

150

e apenas discutível da verdade jurídica das teses por ele assumidas como

fundamento da sua decisão.335

Daí, segundo o garantismo, no âmbito da aplicação jurídico-normativa, cabe ao juiz

acolher como sua decisão a solução que considere a mais plausível das soluções possíveis, a

partir do exercício de um poder de escolha que é implementado por um ato de liberdade do

intérprete imparcial. Assim, a solução imparcial a que faz referência a proposição garantista é

a que torna visível a imparcialidade do juiz, a quem é exclusivamente deferida a atividade de

aplicação da lei, cujo significado válido é decodificado pelo texto de sua autoria.

É o que se lê nos escritos ferrajolianos que, ao examinarem a imparcialidade do

julgador, explicitam que:

[...] a atividade judicial, ao lado de todas as atividades de cognição, não é finalizada

com a satisfação de interesses pré-constituídos. Os outros órgãos do Estado – as instituições legislativas, o governo, os entes públicos, a administração pública –

ainda que operando sob as formas e limites estabelecidos pelas leis, fixam ou

executam, de acordo com sua colocação institucional e com os seus espaços de

autonomia, orientações e finalidades políticas mais ou menos contingentes.

Discricionariedade e/ou dependência, autonomia e/ou subordinação hierárquica,

poder de orientação e/ou obediência às diretrizes dadas, caracterizam, portanto,

todas as suas atividades, por vezes informadas pelo desejo da maioria, ou pelo

interesse da administração pública. Os juízes, ao contrário, não procuram um

interesse pré-judicial, mas só a aproximação do verdadeiro nas únicas causas às

vezes julgadas, após um contraditório entre sujeitos portadores de interesses em

conflito. Não só por razões estruturais, mas também por razões funcionais, enquanto a atividade administrativa é discricionária e subordinada a diretivas superiores, a

atividade jurisdicional é privada substancialmente de orientações políticas porque

substancialmente, mais que formalmente, também vinculada à lei.

A sujeição somente à lei, por ser premissa substancial da dedução judiciária e

juntamente única fonte de legitimação política, exprime por isso a colocação

institucional do juiz. Essa colocação – externa para os sujeitos em causa e para o

sistema político, e estranha aos interesses particulares de um lado e aos gerais de

outro – se exprime no requisito da imparcialidade, e tem sua justificação ético-

política nos dois valores – a perseguição da verdade e a tutela dos direitos

fundamentais – mais acima associados à jurisdição. O juiz não deve ter qualquer

interesse, nem geral nem particular, em uma ou outra solução da controvérsia que é

chamado a resolver, sendo sua função decidir qual delas é verdadeira qual é falsa. Ao mesmo tempo, ele não deve ser um sujeito “representativo”, não devendo

nenhum interesse ou desejo – nem mesmo da maioria ou da totalidade dos cidadãos

– condicionar seu julgamento que está unicamente em tutela dos direitos subjetivos

lesados: [...] contrariamente aos poderes executivo e legislativo que são poderes da

maioria, o juiz julga em nome do povo, mas não da maioria, em tutela das liberdades

das minorias.336

335 FERRAJOLI, Luigi. O constitucionalismo garantista e o estado de direito. In: FERRAJOLI, Luigi; STRECK,

Lenio Luiz; TRINDADE, André Karam (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo) constitucionalismo: um

debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012c. p. 253-254. 336 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

533-534.

Page 144: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

151

E concluem, indicando e esclarecendo o que o garantismo denomina três perfis da

imparcialidade do juiz:

Chamarei equidistância ao afastamento do juiz dos interesses das partes em causa;

independência à sua exterioridade ao sistema político e em geral a todo o sistema de

poderes; naturalidade à determinação de sua designação e à determinação de suas

competências para escolhas sucessivas à comissão do fato submetido ao seu juízo.

Esses três perfis da imparcialidade do juiz requerem garantias orgânicas que

consistem do mesmo modo em separações: a imparcialidade requer a separação

institucional do juiz da acusação pública; a independência requer a sua separação institucional dos outros poderes do Estado e por outro lado a difusão da função

judiciária entre sujeitos não dependentes um do outro; a naturalidade requer

exclusivamente a sua separação de autoridades comissionadas ou delegadas de

qualquer tipo e a predeterminação exclusivamente legal das suas competências. É

supérfluo acrescentar, por fim, que a imparcialidade, além das garantias

institucionais que a suportam, forma um hábito intelectual e moral, não diverso do

que deve presidir qualquer forma de pesquisa e conhecimento.337

337 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

534. Ao examinar a equidistância como integrante da garantia da imparcialidade do juiz, Luigi Ferrajoli

enuncia que o distanciamento do magistrado em relação aos objetivos perseguidos pelas partes é impositivo

da ausência de qualquer interesse privado ou institucional do julgador na solução da causa. Assim, com foco

na área penal, o autor garantista registra que, no âmbito da aplicação do direito, o juiz não deve ter interesse

pessoal quanto ao acolhimento ou ao não acatamento de pretensão deduzida em juízo e, ainda, não deve

cumular as funções de acusador e decisor. De acordo com as cogitações ferrajolianas, para que a equidistância seja implementada no recinto de aplicação da normatividade jurídica, é indispensável que o

processo seja compreendido como “uma relação triangular entre três sujeitos, dos quais duas partes em causa

e um terceiro super partes: o acusador, o defensor e o juiz”, de modo a exprimir o processo como “actus

trium personarum, iudicis, actoris et rei: o juiz como terceiro sujeito separado da acusação”. Quando se

pronuncia sobre o juiz super partes, logo, o garantismo cinge-se a anunciar que, no processo, o magistrado

deve estar situado acima dos interesses em conflito, a fim de que a acusatoriedade não ceda à

inquisitoriedade. Apesar da aproximação dos termos integrantes do conceito de processo ferrajoliano com

aqueles que compõem a conceituação bülowiana de processo, nenhuma menção é feita em relação ao autor

alemão por Luigi Ferrajoli, que não se dedica a analisar os conceitos de processo já formalizados por teorias

diversas. A despeito disso, extrai-se do magistério ferrajoliano que a acusatoriedade processual garantista

exige “a separação e a divisão dos papéis entre os três sujeitos do processo: as duas partes da acusação e da

defesa, às quais competem respectivamente a prova e a refutação, e o juiz, terceiro a quem compete a decisão”. Com isso, nota-se que, pelo garantismo, além do processo exprimir-se por uma relação entre

pessoas, a decisão proferida no âmbito de aplicação do direito é apontada como ato de titularidade exclusiva

do julgador. Ratifica-se que o processo garantista consiste em mero instrumento para o exercício da

jurisdição, mostrando-se incapaz de controlar a atividade judicial, conforme acentuou André Cordeiro Leal,

ao enquadrar a teorização garantista no paradoxo de Bülow que pioneiramente conjecturou. Atesta-se que, de

modo incompatível com o Estado Democrático de Direito, o juiz garantista é supervalorizado no espaço de

aplicação jurídico-normativa, como assinalou Flaviane de Magalhães Barros. Nesse sentido, confira as

publicações de FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula

Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010a. p. 535 e 557-558; BÜLOW, Oskar von. La teoría de las excepciones procesales y los

presupuestos procesales. Traducción de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964. p. 1-17; LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do processo em crise. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.

p. 65; BARROS, Flaviane de Magalhães. O paradigma do estado democrático de direito e as teorias do

processo. VirtuaJus – Revista Eletrônica, Belo Horizonte, ano 3, v. 1, 2004. Para acessar as correlações

teóricas entre a acusatoriedade e o processo como actum trium personarum, veja os escritos de MARQUES,

Leonardo Augusto Marinho. O Juiz moderno diante da fase de produção de provas: as limitações impostas

pela constituição. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, n. 24, p. 159-174, 2007. p. 162 e 173;

e de MARQUES, Leonardo Augusto Marinho; SANTIAGO NETO, José de Assis. A cultura inquisitória

mantida pela atribuição de escopos metajurídicos ao processo penal. Revista Jurídica Cesumar, v. 15, n. 2,

p. 379-398, jul./dez. 2015. p. 384-385.

Page 145: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

152

Em outros termos, pelas cogitações ferrajolianas a respeito da imparcialidade judicial,

estabelece-se a inusitada conclusão no sentido de que a solução imparcial é a decisão do

magistrado que, no exercício da atividade jurisdicional, deve privar-se de orientações políticas

em face de sua sujeição à lei, cujo significado válido a própria jurisdição fixa pelo

desempenho de uma atividade interpretativa que, segundo a teoria garantista, é sempre

orientada por opções políticas e, ainda, morais do julgador. Firma-se o insólito arremate de

que a solução imparcial é a decisão do juiz que, de modo desinteressado, determina a verdade

jurídica com base em uma lei que, por sua incompletude fatal, não é capaz de regular a sua

própria atuação sem o emprego da discricionariedade judiciário-garantista. Assenta-se que a

solução imparcial é a decisão do julgador que não deve estar condicionada à vontade da

maioria, uma vez que o juiz decide em nome do povo, o qual, por sua vez, é excluído da

coautoria decisória pela inobservância garantista da isocrítica e da isomenia.

A solução imparcial garantista, dessa forma, identifica-se com a decisão que é

proferida por um juiz que preenche as condições orgânicas e culturais que permitam aferir a

sua assepsia.338

Trata-se de uma qualificação decisória que leva em conta as virtudes que

dotam a pessoa do julgador solitário e que deixa de sopesar que, no direito não dogmático, “o

juiz, como agente do juízo (que é o órgão estatal judicante), não é mais o sujeito processual

cognoscente que, por enunciados solipsistas, mostra-se como fonte decisional”.339

É que, como observa Rosemiro Pereira Leal, em uma perspectiva processual-

democrática, o âmbito de aplicação do direito é um locus aberto ao decisor para que este atue

em consonância com os juízos jurídicos pertinentes ao marco teórico do Estado Democrático

de Direito.340

Se essa atuação prende-se a opções discricionárias que negam acatamento ao

devido processo, o recinto de aplicação do direito assume a condição de mero espaço

permissivo da atuação de uma normatividade que não se sujeita à fiscalidade pelo povo total.

Nessa hipótese, que é acolhida pelo garantismo, a imparcialidade do julgador encontra-se,

também, “agregada ‘ao estado de exceção’ em que o juiz se coloca in-parte, isto é, numa

338 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi

Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 3. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010a. p.

534. 339 LEAL, Rosemiro Pereira. O estar em juízo democrático. In: AURELLI, Arlete Inês et al (Coord.). O direito

de estar em juízo e a coisa julgada: estudos em homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2014. p. 371. 340 LEAL, Rosemiro Pereira. O estar em juízo democrático. In: AURELLI, Arlete Inês et al (Coord.). O direito

de estar em juízo e a coisa julgada: estudos em homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2014. p. 371-374; LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed.

rev., atual. e aum. Belo Horizonte: Fórum, 2016a. p. 197.

Page 146: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

153

dimensão particular, privativa ao fetiche do seu poder de encarceramento dos sentidos

normativos”.341

Pelos conteúdos informativos da proposição garantista, portanto, enuncia-se uma

teoria da decisão do juiz imparcial, que não se apresenta apta a permitir o afastamento do

privilégio da significação do discurso da lei válida escolhida pelo magistrado para a regência

do suposto de fato. Pelas lições de Luigi Ferrajoli, a decisão é tão somente um ato revelador

da escolha prática entre alternativas interpretativas possíveis realizada pela pessoa do julgador

imparcial que, solitariamente, atribui sentido ao discurso da lei válida que discricionariamente

aplica ao acertamento de direitos afirmados ou negados.

Com efeito, mesmo que tomada por um juiz que preencha os requisitos da

equidistância, da independência e da naturalidade, por uma cogitação processual-democrática,

a decisão garantista nunca será imparcial (in-parcial), isto é, jamais será um ato procedimental

que, adstrito ao sistema jurídico estabilizado pelo devido processo, explicite a atuação jurídica

da integralidade (não parcialidade) dos integrantes da comunidade jurídica dos legitimados ao

processo, desde os níveis instituinte e coinstituinte do direito que é aplicado no nível

constituído.

A recepção ferrajoliana da incompletude fatal da lei e da proibição do non liquet, com

decorrente entrega da fixação do sentido normativo válido ao julgador que deve ser imparcial,

é impediente do exercício da isomenia e, por consequência, impositiva de uma

imprevisibilidade decisória incompatível com o paradigma do Estado Democrático de Direito.

Pelo acolhimento garantista da lógica imposta pela ciência dogmática do direito, é

estabelecido, em prol do magistrado, o monopólio de escolha da norma válida regente do

suposto de fato e, em desfavor dos demais integrantes da comunidade jurídica dos legitimados

ao processo, é ofertada uma integral incognoscibilidade quanto à construção de seu destino

jurídico.

Assim, a decisão garantista erige-se como ato procedimental exclusivo da pessoa do

juiz que, diante de falibilidades normativas, investe-se em uma atividade interpretativa que,

sendo implementada por via de opções discricionárias concretizadoras do poder judicial de

verificação jurídica e do poder judicial de valoração ético-política, apresenta-se supressora do

exercício do igual direito de interpretação para todos, tornando inócuo, para as partes, o

341 LEAL, Rosemiro Pereira. Fundamentos democráticos da imparcialidade judicial no direito brasileiro. Revista

Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 24, n. 93, p. 271-274, jan./mar. 2016c. p.

272.

Page 147: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

154

direito de sua autoinclusão na autoria de uma decisão atrelada aos sentidos normativos já

processualmente fixados no sistema jurídico.

De conseguinte, o que se extrai da teorização ferrajoliana sobre a decisão do juiz

imparcial é que esta não apenas acolhe o caráter discutível da verdade jurídica das teses

explicitadas pelo juiz na motivação decisória. A decisão do juiz imparcial não somente deixa

de se apresentar como a solução objetivamente verdadeira ou como a única resposta correta

por reconhecer a existência de divergências interpretativas condutoras de múltiplas respostas

deferidas à escolha prática do julgador no espaço de atuação da normatividade jurídica. Pelo

garantismo, a decisão do juiz imparcial é a formalização de uma resposta não acertada

processualmente, ou seja, é a decisão que não decorre de um acertamento de direitos que se

implemente mediante acatamento irrestrito do devido processo que, atuando desde o nível

instituinte do direito, apresenta-se como interpretante que situa a integralidade dos integrantes

da comunidade jurídica de legitimados ao processo em simétrica paridade interpretativa.342

De acordo com a proposição garantista, por consectário, a imparcialidade não é

enunciada como um instituto jurídico-democrático determinativo da produção de decisões sob

a regência do devido processo como “eixo sistêmico (construtivo operativo) da

coinstitucionalidade”.343

A imparcialidade é um atributo ligado ao intérprete-decisor, que, se

não for preenchido no âmbito da aplicação jurídico-normativa, causará uma indesejada

ruptura na relação de fidúcia que deve mediar a jurisdição e os cidadãos e que se exprime pela

“confiança [dos cidadãos] na imparcialidade do juízo dos juízes, confiança em sua

honestidade e em sua lisura intelectual e moral, confiança em sua competência técnica e em

sua capacidade de julgamento.”344

Daí, pelos escritos ferrajolianos, é teorizado um garantismo jurisdicionalista que, para

cumprir os seus objetivos no recinto de aplicação do direito, entrega aos juízes exercentes da

jurisdição a atividade de eleição discricionária da norma válida cabível ao acertamento de

direitos afirmados e negados, a qual se encontra atrelada à concretização de uma interpretação

jurídica que é monopolizada por magistrados que devem ser imparciais. No garantismo de

Luigi Ferrajoli, não se cogita o devido processo como uma instituição linguístico-jurídica que

342 LEAL, Rosemiro Pereira. O estar em juízo democrático. In: AURELLI, Arlete Inês et al (Coord.). O direito

de estar em juízo e a coisa julgada: estudos em homenagem a Thereza Alvim. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2014. p. 373. 343 LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucionalista do processo: uma trajetória conjectural. Belo

Horizonte: Arraes, 2013. p. 10. (Coleção Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, v. 7). 344

FERRAJOLI, Luigi. Jurisdição e consenso. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo

Horizonte, ano 4, n. 16, out./dez. 2010b.

Page 148: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

155

rompe com a personalização da fidúcia no espaço de atuação do direito, a partir da atribuição

do status de direito-garantia ao contraditório, à ampla defesa e à isonomia.345

Por uma perspectiva ferrajoliana, aliás, até mesmo os direitos fundamentais são

garantidos por juízes que devem preencher as virtudes relativas à imparcialidade para que

possam gozar da confiança dos cidadãos. A primazia da Constituição a que faz referência a

teoria garantista somente se aperfeiçoa pela atividade jurisdicional que, por meio dos

magistrados que a exercem, também diz o que os direitos fundamentais querem dizer. Se, por

um lado, “a lacuna (hiância significacional) na teoria neoinstitucionalista só pode ser decidida

(resolvida) ad hoc (nos sistemas jurídico-políticos abertos à crítica) na malha discursivo-

principiológico-processual instituinte e constituinte do direito constituído

(constitucionalizado)”,346

na teoria garantista, também o privilégio da significação do discurso

constitucional é atribuído aos julgadores que, para permanecerem auferindo a condição de

depositários da confiança dos cidadãos, devem fixar o sentido da norma que escolheram

aplicar de modo discricionário e imparcial.

Por negar acolhimento a um garantismo democrático-processual,347

a proposição

formalizada por Luigi Ferrajoli não se mostra apta a provocar uma ruptura teórica com a

345 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13. ed. rev., atual. e aum. Belo

Horizonte: Fórum, 2016a. p. 406. 346 LEAL, Rosemiro Pereira. A principiologia jurídica do processo na teoria neo-institucionalista. In:

TAVARES, Fernando Horta (Coord.). Constituição, direito e processo: princípios constitucionais do

processo. Curitiba: Juruá, 2007. p. 287. 347 No ano de 2003, Rosemiro Pereira Leal ofertou à comunidade acadêmica o ensaio denominado O Garantismo

Processual e Direitos Fundamentais Líquidos e Certos. A partir daí, intensificou a apresentação de

conjecturas testificadoras de um garantismo que se implemente por via de uma jurisdição monopolizadora da

atividade aplicativa das leis, em relação às quais o magistrado deve fixar o significado normativo. Esse é o

garantismo que esta tese denomina jurisdicionalista e que em nada se confunde com o garantismo processual-democrático teorizado pela proposição neoinstitucionalista do processo que, por ser pré-cognitivista,

desvincula a fixação do significado do discurso legal da pessoa do juiz-intérprete para ligá-la ao devido

processo como interpretante balizador dos limites hermenêuticos do sistema jurídico. No ensaio referido,

Rosemiro Pereira Leal chega a apontar a imprestabilidade do garantismo ferrajoliano para o direito

democrático, uma vez que, para a teoria neoinstitucionalista do processo, “Nenhuma garantia, na concepção

democrática, é assegurada na significância pragmático-lingüística do decididor solitário e asséptico”. LEAL,

Rosemiro Pereira. O garantismo processual e direitos líquidos e certos. In: MERLE, Jean-Christophe;

MOREIRA, Luiz (Org.). Direito e legitimidade. São Paulo: Landy, 2003. p. 336. É de se afastar, também

por isso, a adesão teórica da proposição neoinstitucionalista do processo ao movimento rotulado de

Garantismo Processual que, por escritos formalizados por autores europeus e americanos, destaca-se por

interrogar os fundamentos do movimento intitulado Ativismo Judicial. Não obstante Rosemiro Pereira Leal já tenha sido indicado por Glauco Gumerato Ramos como um dos adeptos daquele movimento, trata-se de

um grave equívoco. É que, a despeito de encampar estudos que objetivam anunciar a relevância da

principiologia do processo no âmbito da aplicação do direito, o movimento denominado Garantismo

Processual não reflexiona sobre a atuação do devido processo desde o nível instituinte do direito e, de

conseguinte, sobre o pleito democrático de instalação de uma hermenêutica isomênica – como faz a teoria

neoinstitucionalista do processo. É, nesse sentido, que, para Rosemiro Pereira Leal, o próprio debate

instalado entre garantistas e ativistas consiste em “mera falácia, de vez que tanto o garantismo (primazia da

constituição) quanto o ativismo (atuação judicial jurisprudencializada) depositam a interpretação do direito

nos dogmas de certeza do sentido normativo ditado pela auctoritas.” LEAL, Rosemiro Pereira. O caráter

Page 149: GARANTISMO E DECISÃO JURÍDICA IMPARCIAL

156

estrutura de dominação secularmente imposta pela ciência dogmática do direito. Ao

recepcionar a incompletude fatal da lei como espaço privativo do intérprete-juiz imparcial

que, por meio de decisões discricionárias, fixa o sentido do discurso da lei constitucional ou

infraconstitucional, explícita ou implícita, que escolhe aplicar, a teoria ferrajoliana não

garante à comunidade jurídica de legitimados ao processo o direito ao devido processo.

oculto do sentido normativo no novo CPC. In: CASTRO, João Antônio Lima; FREITAS, Sérgio Henriques

Zandona (Coord.). Direito processual: estudo democrático da processualidade jurídica constitucionalizada.

Belo Horizonte: PUC Minas – Instituto de Educação Continuada, 2012. p. 188. Sobre o movimento chamado

de Garantismo Processual, confira, especialmente, as publicações de RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e

garantismo no processo civil: apresentação do debate. Revista MPMG Jurídico, Belo Horizonte, n. 18, p. 8-

15, out./dez. 2009. p. 8; RAMOS, Glauco Gumerato. Aspectos semânticos de uma contradição pragmática. O

garantismo processual sob o enfoque da filosofia da linguagem. In: DIDIER JR., Fredie et al (Coord.).

Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 245-271; CIPRIANI, Franco. Il

processo civile tra vecchie ideologie e nuovi slogan. In: CIPRIANI, Franco. Il processo civile nello stato

democratico. Napoli: Edizione Schientifiche Italiane, 2010. p. 109-121; DEHO, Eugenia Ariano. En los abismos de la “cultura” del proceso autoritario. In: MONTERO AROCA, Juan (Coord.). Proceso civil e

ideologia: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos. Valencia: Tirant lo blanch, 2006. p. 357-

379; MENDONÇA, Luís Correia de. 80 anos de autoritarismo: uma leitura política do processo civil

português. In: MONTERO AROCA, Juan (Coord.). Proceso civil e ideologia: un prefacio, una sentencia,

dos cartas y quince ensayos. Valencia: Tirant lo blanch, 2006. p. 381-438; MONTELEONE, Girolamo. El

actual debate sobre las ‘orientaciones publicísticas’ del proceso civil. In: MONTERO AROCA, Juan

(Coord.). Proceso civil e ideologia: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos. Valencia: Tirant

lo blanch, 2006. p. 173-197; MONTERO AROCA, Juan. Sobre la imparcialidad del juez y la

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157

5 CONCLUSÃO

Após submetidos os fundamentos da teoria ferrajoliana à falseabilidade, sustenta-se a

tese de que o garantismo apresenta-se como uma proposição inapta a oferecer respostas

consistentes ao problema da crise de democraticidade jurídico-decisória. Com base nos

conteúdos informativos da proposição neoinstitucionalista do processo, que foi adotada como

marco teórico da pesquisa instrutiva da tese formalizada, enuncia-se a imprestabilidade de

uma oferta proposicional que acolhe a possibilidade de que a normatividade seja

operacionalizada em consonância com as cogitações da ciência dogmática do direito.

Pelos resultados falíveis advindos dos severos testes de compatibilidade teórico-

democrática que foram realizados, extrai-se que, quando aborda a temática da aplicação

jurídico-normativa, o garantismo recepciona o pressuposto dogmático de que a lei é sempre

acometida por uma incompletude fatal para, a partir desse acolhimento, asseverar o vazio

normativo como recinto de atuação jurisdicional desprocessualizada. É que, de acordo com a

teoria garantista, a atividade aplicativa do direito vale-se de um silogismo e a identificação da

norma cabível para a regência do suposto de fato é necessariamente atrelada ao exercício da

discricionariedade judicial que, embora parcialmente problematizada pela proposição

ferrajoliana, aufere relevância no âmbito da fixação garantista do significado da legalidade

que se oferta à aplicação, bem como da certificação da validade do sentido normativo.

Ao não formular uma tematização adequada da proibição do non liquet, bem como ao

se entregar à discricionariedade exercida pela pessoa do juiz, a qual ora é apontada por Luigi

Ferrajoli como insuprimível, ora é assinalada como indispensável à operacionalização do

direito, o garantismo deixa de teorizar a indispensabilidade do devido processo nos recintos

de produção e de atuação do direito. Por uma pespectiva garantista de aplicação da

normatividade, destaca-se o julgador que, sendo ou não imparcial, por sua decisão, preenche o

vazio jurídico inaugurado pela falibilidade normativa e, de conseguinte, obsta à comunidade

jurídica de legitimados ao processo o exercício da isocrítica e da isomenia.

Daí, é possível conjecturar que, no âmbito da aplicação do direito, a decisão garantista

nunca assumirá o status de uma decisão jurídica imparcial. O magistrado garantista é o titular

do privilégio da significação do discurso da lei válida que, discricionariamente, elege à

regência do suposto de fato e a decisão garantista consiste tão somente em um ato revelador

da escolha prática entre alternativas interpretativas possíveis concretizada pelo julgador, a

qual sempre se encontra orientada por opções morais e políticas deste intérprete qualificado

da estatalidade dogmática.

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158

Ainda que seja prolatada por um juiz imparcial, portanto, por uma cogitação

processual-democrática, a decisão garantista nunca será imparcial (in-parcial), porque jamais

será um ato procedimental que, adstrito ao sistema jurídico estabilizado pelo devido processo,

explicite a atuação jurídica da integralidade (não parcialidade) dos integrantes da comunidade

jurídica de legitimados ao processo, desde os níveis instituinte e coinstituinte do direito que é

aplicado no nível constituído.

No espaço de aplicação do direito, assim, a teorização ferrajoliana garante à

comunidade jurídica de legitimados ao processo a sua exclusão permanente quanto à tomada

de decisões construtivas de seu próprio destino jurídico.

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