Garantismo Penal de Ferrajolli

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    DANIEL BRUNO CAETANO DE OLIVEIRA

    A IMPORTNCIA DA DEFENSORIA PBLICA PARA A EFETIVAO DO

    GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLI NO ORDENAMENTO JURDICOBRASILEIRO

    Vitria/ES

    2008

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    DANIEL BRUNO CAETANO DE OLIVEIRA

    A IMPORTNCIA DA DEFENSORIA PBLICA PARA A EFETIVAO DO

    GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLI NO ORDENAMENTO JURDICOBRASILEIRO

    Monografia apresentada ao Curso de

    Especializao Telepresencial e Virtual em

    Cincias Penais, na modalidade Formao para

    o Magistrio Superior, como requisito parcial

    obteno do grau de especialista em Cincias

    Penais.

    Universidade do Sul de Santa Catarina -

    UNISUL

    Rede de Ensino Luiz Flvio Gomes - REDE LFG

    Orientador: Professor Paulo Calgaro de Carvalho

    Vitria/ES

    2008

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    TERMO DE ISENO DE RESPONSABILIDADE

    Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessrios, que assumo total

    responsabilidade pelo aporte ideolgico e referencial conferido ao presente trabalho,

    isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Rede de Ensino Luiz Flvio

    Gomes, as Coordenaes do Curso de Especializao Telepresencial e Virtual em

    Cincias Penais, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo

    acerca da monografia.

    Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em casode plgio comprovado do trabalho monogrfico.

    Vitria, um de outubro do ano de dois mil e oito.

    DANIEL BRUNO CAETANO DE OLIVEIRA

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    DANIEL BRUNO CAETANO DE OLIVEIRA

    A IMPORTNCIA DA DEFENSORIA PBLICA PARA A EFETIVAO DO

    GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLI NO ORDENAMENTO JURDICO

    BRASILEIRO

    Esta monografia foi julgada adequada para a obteno do ttulo de Especialista em

    Cincias Penais, na modalidade Formao para o Magistrio Superior, e aprovada

    em sua forma final pela Coordenao do Curso de Ps-Graduao em Cincias

    Penais da Universidade do Sul de Santa Catarina, em convnio com a Rede Ensino

    Luiz Flvio Gomes REDE LFG.

    Vitria/ES, um de outubro do ano de dois mil e oito.

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    Dedico esta monografia a todos os assistidos da DefensoriaPblica que buscam nesta nobre instituio um alento parasuas aflies e esperana para seus anseios de justia.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus, aos meus pais por terem me dado aoportunidade de me formar como profissional da rea jurdicae, especialmente, a Cntia Cristieli Borgo pela ajudaincondicional para a concluso deste trabalho cientfico.

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    Para a pessoa suspeita melhor o movimento do que a calma,pois o que est quieto pode, sem que ele o saiba, ser posto emuma balana e pesado com seus pecados.

    Franz Kafka

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    RESUMO

    O presente trabalho monogrfico apresenta um estudo sobre a importncia dainstituio Defensoria Pblica para a implementao do Garantismo Penal de LuigiFerrajoli Com base nos fundamentos de tal teoria, o estudo visa demonstrar aimportncia da valorizao do rgo de execuo da Defensoria Pblica para aefetiva utilizao das normas constitucionais em nvel processual-penal e penal, aimportncia do fortalecimento da instituio Defensoria Pblica para odesenvolvimento de polticas criminais de reduo dos ndices de criminalidade, oreconhecimento do Princpio do Defensor Pblico Natural como garantia dojurisdicionado ao direito ampla defesa e ao contraditrio, bem como o direito dedefesa do acusado exercido por um rgo de defesa que possua patamar deigualdade constitucional e real em relao ao rgo de acusao e ao rgo dejulgamento. Por fim, a pesquisa tem por objetivo demonstrar a relevncia do

    fortalecimento da instituio para o prprio reconhecimento da existncia do EstadoDemocrtico de Direito.

    Palavras-chave: Defensoria Pblica, Garantismo, defesa, acusado

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    ABSTRACT

    This monograph presents a study about the importance of the Public Defense

    Institution for the establishment of the Penal Garantee by Luigi Ferrajoli. From ananalysis of this theory, the research demonstrates that is necessary to understandthe worth of this execution agency to consolidate the utilization of the Constitutionalnorms in their distintes levels and to strengthen this Institution to develop Criminalpolicies able to redurre the crime, the valorization of the Natural Public Altorney basisas a guarantee of the defense rights and the contradictions. Also the accused rightsneed to be execute by a Defense Organ that has a constitution equality. The objectof this research is to show that is really important to strengthen the Public Defensefor the itself recognition existence of the social state and democratic rights.

    Key words: Public Defense, Guarantee, accused, defense

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    SUMRIO

    1 INTRODUO 11

    1.1 O que o Garantismo? 11

    1.2 O Garantismo Penal e os axiomas Garantistas 13

    1.3 Principais questes entre Defensoria Pblica e Garantismo Penal 15

    2. PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PBLICA 18

    2.1 O reconhecimento do Princpio do Defensor Pblico Natural como

    efetivao da Teoria Garantista no Ordenamento Jurdico

    18

    2.2 A posio dos operadores do Direito nos tribunais e a influnciapsicolgica no sistema de garantias

    23

    3 A DEFENSORIA PBLICA E O PROCESSO PENAL NO PRAZO

    RAZOVEL

    28

    3.1 A Defensoria Pblica, a realizao do Processo Penal no prazo

    razovel e o dcimo axioma Garantista

    28

    3.2 Fortalecimento da Defensoria Pblica em relao ao Princpio da

    Humanidade e ao Processo Penal no prazo razovel

    31

    4 GARANTISMO, POLTICA CRIMINAL E DEFENSORIA PBLICA 35

    4.1 Relao entre o Estado Social de Direito, a segurana pblica e a

    Defensoria Pblica

    38

    CONCLUSO 42

    REFERNCIAS 44

    ANEXOS 46

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    1 INTRODUO

    A Defensoria Pblica, instituio cujas atribuies so retratadas no artigo

    134 da Constituio Federal de 1988, apresenta como funo essencial, a

    orientao jurdica e a defesa, em todos os graus de jurisdio, dos mais

    necessitados.

    Em que pese a sua relevncia dentre as funes estatais, posto que a ela

    cabe a assistncia queles que mais precisam da proteo estatal, o que se

    observa, ainda, a existncia de uma instituio carente de recursos humanos,

    fsicos e financeiros. Isso porque, na maioria dos estados, o nmero de defensores

    pblicos ainda insuficiente para atendimento a todas as localidades em que se faznecessria a presena da defesa pblica e, quando esta est presente, seu

    funcionamento precrio em face do pouco investimento que tal instituio recebe,

    seja em recursos materiais, seja em recursos financeiros. Todo este quadro

    influencia no exerccio de sua funo precpua.

    Nesse contexto, o estudo ora elaborado tem o escopo de pesquisar a

    importncia do fortalecimento da instituio Defensoria Pblica como fator que

    possibilite a real insero da Teoria Garantista de Luigi Ferrajoli no ordenamento

    jurdico brasileiro.Ainda, ao longo deste trabalho acadmico ser abordada a produo da

    prova denominada interrogatrio e a importncia da interveno da defesa tcnica

    em sua realizao pelo Poder Judicirio. A ausncia de defesa tcnica, diga-se

    real, resulta na inobservncia do dcimo axioma Garantista de Luigi Ferrajoli, e,

    conseqentemente, reflete em todos os demais axiomas que so retratados na

    Teoria Garantista.

    Portanto, a presente monografia visa explanar sobre a filosofia Garantista

    de Luigi Ferrajoli e sua correlao com o fortalecimento da instituio a qual cabe oexerccio da defesa pblica e tcnica no Brasil, isto , a Defensoria Pblica.

    1.1 O que o Garantismo?

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    O Garantismo tem suas bases conceituais descritas na obra Direito e

    Razo Teoria do Garantismo Penal, do jurista italiano Luigi Ferrajoli. O captulo

    13 da referida obra, inclusive, totalmente destinado proposio de definies do

    que vem a ser o Garantismo.

    Inicialmente, para Ferrajoli (2002, p. 684), o Garantismo um modelo

    normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo

    de estrita legalidade.

    Nesse contexto, o Princpio de Legalidade a base do Estado de Direito,

    caracterizando-se, no plano jurdico, como o conjunto de normas impostas pelo

    Estado, com vistas garantia dos cidados.

    Em um segundo significado (p. 684-685), o jurista define o Garantismo

    como uma teoria jurdica da validade e da efetividade como categorias distintasno s entre si, tambm pela existncia ou vigor das normas.

    A validade e a efetividade so, portanto, categorias diferentes, que

    separam, conseqentemente, o ser e o dever-ser no direito, despontando, a partir

    da, divergncias existentes entre os modelos normativos e as prticas operacionais.

    Trata-se, portanto, conforme expe o filsofo, de uma teoria de divergncia. Nesta

    perspectiva, o Garantismo requer um comportamento constantemente crtico e

    respaldado na dvida quanto validade das leis e sua eficcia.

    Por fim, em um terceiro significado (2002, p. 685), o Garantismo umafilosofia poltica que requer do direito e do Estado o nus da justificao externa

    com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a

    finalidade.. Tal conceito caracterizado pela separao que faz entre direito e

    moral, entre validade e justia, entre ponto de vista externo e interno, destacando-

    se, inclusive, a importncia do ponto de vista externo, representado por valores

    extra-jurdicos que fazem despontar a necessidade de atendimento aos interesses e

    necessidades naturais do indivduo, a serem satisfeitos pelas instituies artificiais,

    jurdicas e polticas.Tais conceitos de Garantismo, apresentados por Luigi Ferrajoli, no se

    excluem, mas sim se complementam, levantando, cada um deles, questes

    relevantes para a definio mais precisa da Teoria Garantista. importante

    ressaltar que, embora apresentem pressupostos aplicveis a quaisquer ramos do

    direito, foram elaborados, pelo autor, com conotao exclusivamente penal e na

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    explorao deste aspecto penal e processual penal, bem como nas conseqncias

    de tal teoria neste ramo do direito que o presente estudo vai aprofundar-se.

    1.2 O Garantismo Penal e os axiomas Garantistas

    O Garantismo Penal surgiu como forma de contemporizar os movimentos

    abolicionistas, caracterizados como movimentos radicais, pois apregoavam a

    supresso de toda forma de pena, e o movimento de lei e ordem, tambm

    caracterizado como movimento radical, de tolerncia zero e de penas elevadas. O

    Garantismo atua, portanto, como um intermedirio entre estes dois movimentos quese viram fracassar em seus objetivos, dadas as suas radicalidades.

    Trata-se de uma filosofia jurdica que tem como alicerce dez axiomas

    bsicos, conforme expe Luigi Ferrajoli no texto abaixo:

    Denomino garantista, cognitivo ou de legalidade estrita o sistema penal SG,que inclui todos os termos de nossa srie. Trata-se de um modelo-limite,apenas tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatvel. Suaaxiomatizao resulta da adoo de dez axiomas ou princpios axiolgicosfundamentais, no derivveis entre si, que expressarei, seguindo umatradio escolstica, com outras tantas mximas latinas:

    A1 Nulla poena sine crimineA2 Nullum crimen sine legeA3 Nulla lex(poenalis) sine necessitateA4 Nulla necessitas sine injuriaA5 Nulla injuria sine actioneA6 Nulla actio sine culpaA7 Nulla culpa sine judicioA8 Nullum judicium sine accusationeA9 Nulla accusatio sine probationeA10 Nulla probatio sine defensione

    Denomino estes princpios, ademais das garantias penais e processuaispor eles expressas, respectivamente: 1) princpio da retributividade ou da

    conseqencialidade da pena em relao ao delito;2) princpio da legalidade,no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princpio da necessidade ou daeconomia do direito penal; 4) princpio da lesividade ou da ofensividade doevento; 5) princpio da materialidade ou da exterioridade da ao; 6)princpio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princpio dajuridicionariedade, tambm no sentido lato ou no sentido estrito; 8) princpioacusatrio ou da separao entre juiz e acusao; 9) princpio do nus daprova ou da verificao; 10) princpio do contraditrio ou da defesa, ou dafalseabilidadeEstes dez princpios, ordenados e aqui conectados sistematicamente,

    definem com certa fora de expresso lingstica o modelo garantista dedireito ou de responsabilidade penal, isto , as regras do jogo fundamental

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    do direito penal. Foram elaborados, sobretudo, pelo pensamentojusnaturalista dos sculos XVII e XVIII, que os concebera como princpiospolticos, morais ou naturais de limitao do poder penal absoluto. Jforam posteriormente incorporados, mais ou menos integra e rigorosamente,s constituies e codificaes dos ordenamentos jurdicos desenvolvidos,convertendo-se, assim, em princpios jurdicos do moderno Estado de

    direito. Sua analise terica se desenvolver na terceira parte deste trabalho,onde discutirei pormenorizadamente as questes da legitimao polticaexpressas pelas perguntas acerca do quando e do como da intervenopenal. Justamente, analisarei no capitulo 78 os princpios A1, A2 e A3, querespondem s perguntas quando e como punir e expressam as garantiasrelativas pena; no capitulo 8, os princpios A4, A5 e A6 que respondem sperguntas quando e como proibir e expressam as garantias relativas aodelito; no capitulo 9,os princpios A7, A8, A9 e A10, que respondem sperguntas quando e como julgar e expressam as garantias relativas aoprocesso. [...]1

    Como se verifica atravs da citao supra, a filosofia Garantista tem o

    escopo de fortalecer e embasar os direitos e garantias fundamentais, no apenas

    como normas, mas como instrumentos efetivos e de combate para assegurar o

    respeito aos direitos humanos.

    A inobservncia de qualquer um dos axiomas Garantistas redunda em

    uma espcie de efeito domin em toda a estrutura processual, ou seja, do exerccio

    do ius punendipelo Estado.

    E, o que vem se observando na prtica , principalmente, a inobservncia

    do dcimo axioma Garantista, qual seja, nulla probatio sine defensione, em razo da

    falta de aparelhamento da Defensoria Pblica, instituio mais importante no

    exerccio do direito de defesa pblica no pas.

    O dcimo axioma Garantista, que significa nula a prova sem defesa, em

    verdade, o axioma que erige a garantia de defesa a um patamar fundamental

    dentro do exerccio da funo jurisdicional. A prova no ter qualquer validade se

    no for oportunizada defesa o direito que, na realidade, se torna um poder-dever

    de analisar sua produo, sua legitimidade, sua constitucionalidade e sua legalidade

    no que diz respeito produo da prova denominada interrogatrio e a importncia

    da interveno da defesa tcnica em sua realizao pelo Poder Judicirio.

    A ausncia de defesa tcnica resulta na inobservncia do dcimo axioma

    Garantista de Luigi Ferrajoli, e, conseqentemente, se desencadeia o efeito

    domin acima mencionado, onde todas as demais peas, diga-se axiomas, sero

    derrubadas.

    1 FARRAJOLI, Luigi. Direito e Razo Teoria do Garastismo Penal. So Paulo: Editora Revistados Tribunais, 2002. p.74-75.

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    1.3 Principais questes entre Defensoria Pblica e Garantismo Penal

    Existem movimentos no sentido de conceder paridade de armas defesa,

    com o escopo de se realizar, na prtica, as garantias constitucionais da ampla

    defesa e do contraditrio. Nesse sentido, Luigi Ferrajoli destaca que:

    [...] A epistemologia da falsificao que est na base desse mtodo nopermite de fato juzos potestativos, mas exige, em tutela da presuno deinocncia, um processo de investigao baseado no conflito, ainda queregulado e ritualizado entre partes contrapostas.Essa concepo do processo como disputa ou controvrsia remete, comose disse no pargrafo 10.4, ao paradigma da disputatio elaborado pelatradio retrica clssica e legado, por meio da experincia inglesa, aoprocesso acusatrio moderno. E exprime os valores democrticos do

    respeito da pessoa do imputado, da igualdade entre as partes contendorase da necessidade prtica alm da fecundidade lgica da refutao dapretenso punitiva e da sua exposio ao controle do acusado. [...]Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, necessria, por outro lado, a perfeita igualdade entre as partes: em primeirolugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmospoderes da acusao; em segundo lugar, que o papel contraditor sejaadmitido em todo o estado e grau do procedimento e em relao a cada atoprobatrio singular, das averiguaes judicirias e das percias aointerrogatrio do imputado dos reconhecimentos aos testemunhos e sacareaes.A primeira dessas duas concepes exige que o imputado seja assistido porum defensor, de modo a competir com o Ministrio Pblico. Em umordenamento cujas leis fossem simples e acessveis a todos, escreveu

    Bentham, os cidados poderiam cuidar de suas causas judicirias comotodos geram seus negcios, e seria, portanto, suficiente a auto-defesa. Masonde a legislao obscura e complicada e o processo empedernido deformalidades e nulidades, necessria a defesa tcnica de um advogadoprofissional para restabelecer a igualdade das partes quanto capacidadee para contrabalanar, por outro lado, as desvantagens ligadas inferioridade da condio de imputado2

    Na linha de pensamento de Luigi Ferrajoli, exposta no trecho acima, a

    Proposta de Emenda Constitucional n 487/2005 (vide ANEXO 2), de autoria de

    Roberto Freire, e em tramitao junto ao Congresso Nacional Brasileiro, vem

    estabelecer prerrogativas de igualdade entre os membros da Defensoria Pblica e

    do Poder Judicirio.

    Como se constatar nas prximas pginas, o rgo de acusao,

    Ministrio Pblico, alcanou efetivamente este desiderato, qual seja: de isonomia

    constitucional com o Poder Judicirio, aps a Constituio da Repblica de 1988.

    2FARRAJOLI, op. cit., p.490.

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    Antes da Carta Magna, a acusao fazia parte do Poder Executivo e

    exercia papel secundrio na persecuo criminal, que poderia iniciar-se at por uma

    Portaria expedida pelo juiz ou pelo delegado de polcia.

    Inclusive, o artigo 26 do Cdigo de Processo Penal (2008, p. 627),

    quando dispe que A ao penal, nas contravenes, ser iniciada com o auto de

    priso em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciria ou

    policial. reflete uma reminiscncia do antigo sistema de 1940, que j na exposio

    de motivos buscava separar rgo de execuo e julgador.

    Vrios dispositivos na proposta supramencionada vm confirmar a

    inteno do legislador em igualar as prerrogativas da defesa com as da acusao e,

    conseqentemente, confirmar a efetiva aplicao do dcimo axioma Garantista no

    ordenamento jurdico ptrio.Tal passo significa a efetiva instaurao da Teoria Garantista de Luigi

    Ferrajoli, em vrios aspectos, que podem ser assim enumerados:

    1) paridade de armas da defesa tcnica com a acusao;

    2) efetiva instaurao do processo penal no prazo razovel com o

    fortalecimento da Defensoria Pblica;

    3) a efetivao de um Direito Penal Mnimo com uma defesa tcnica mais

    fortalecida, vez que vrios processos sero arquivados em seu nascedouro, com

    base no Princpio da Interveno Mnima e demais princpios limitadores ao poder depunir;

    4) fortalecimento do Princpio da Presuno de Inocncia;

    5) fortalecimento do Princpio da Verdade Substancial em detrimento da

    Verdade Processual;

    6) a independncia funcional e autonomia financeira e administrativa, das

    Defensorias Pblicas, como garantias do jurisdicionado de uma defesa tecnicamente

    preparada, em atendimento pleno aos Princpios da Ampla Defesa e da Plenitude de

    Defesa, nos juzos comuns e no Tribunal do Jri, e o conseqente reconhecimentodo Princpio do Defensor Pblico Natural;

    7) Efetiva instaurao de um Estado Social de Direito, com o implemento

    de uma justia social acessvel a todos

    8) O acesso irrestrito ao Poder Judicirio e elevao do prestigio deste

    Poder com o fortalecimento da instituio Defensoria Pblica, em cumprimento ao

    Principio da Inafastabilidade.

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    importante ressaltar que a obra de Luigi Ferrajoli tambm explana sobre

    o direito de defesa quando afirma, em seu dcimo axioma o seguinte: Nulla probatio

    sine defensione.

    Os axiomas, em analogia lei mosaica, possuem entre si correlao,

    sendo que a quebra de qualquer um deles gera a desestruturao de todos os

    demais, ou seja, a inobservncia de um dos dez axiomas gera o j citado efeito

    domin em relao aos demais, que se encontram tenuamente coligados entre si.

    Infelizmente, no Brasil, o dcimo e ltimo axioma Garantista ainda no

    encontrou o seu norte, pois no plenamente exercido devido precariedade do

    principal e nico rgo constitucionalmente legitimado a realizar a defesa de,

    praticamente, a maior parte dos processos criminais em tramitao em todos os

    tribunais do pas.No contexto atual, nula a prova sem defesa. E o que vem a ser defesa?

    Seria unicamente a presena de um advogado no processo? Ou seria a presena de

    um defensor constitucionalmente, legalmente e previamente investido, conforme o

    Princpio do Defensor Pblico Natural, capacitado por concurso pblico (Princpio do

    Concurso Pblico), tecnicamente preparado (Princpio da Eficincia) e munido de

    prerrogativas paritrias s da acusao (Princpio da Igualdade Processual e da

    Ampla Defesa).

    A resposta a estes questionamentos pode ser encontrada nos prpriosTribunais. Atravs de uma singela observao de um operador de direito possvel

    concluir-se que, na maior parte dos processos, a defesa no foi exercida

    satisfatoriamente, seja por falta de um profissional tecnicamente preparado que, via

    de regra, no foi investido no cargo por concurso pblico, seja pela falta de estrutura

    orgnica e material para o exerccio da defesa pelo defensor pblico tecnicamente

    preparado e investido no cargo via concurso pblico.

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    2. PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PBLICA

    2.1 O reconhecimento do Princpio do Defensor Pblico Natural como

    efetivao da Teoria Garantista no Ordenamento Jurdico

    Nestor Eduardo Araruna Santiago (2007), no texto O novo artigo 306 do

    CPP e o Princpio do Defensor Natural, retrata que:

    Partindo do pressuposto que o direito defesa tcnica corolrio doprincpio da ampla defesa, e abraando-se a idia de que se trata de um

    direito inalienvel e irrevogvel, a Constituio Federal (CF) determina,expressamente, que o preso ou acusado seja informado sobre o direito deter acesso a ela (art. 5, LXIII, CF). Esta regra, embora expressa, nunca foiaplicada em termos de acompanhamento por defensor nomeado peloEstado durante a fase persecutria pr-processual. Da, em bom tempo veioa Lei n. 11.449/07, a fim de tornar efetivo o direito de defesa durante oinqurito policial, em especial para aqueles que no tm condiesfinanceiras de constituir um defensor.Implicitamente, o que se consagra o princpio do defensor natural,aplicvel in totum no processo penal brasileiro. Como j mencionadoanteriormente, o direito a advogado (rectius: defensor) durante o inquritopolicial - e sempre foi - imprescindvel, pois neste momento pr-processual, embora no haja acusao, h a possibilidade de restrio daliberdade do acusado, alm de outras medidas que possam ser tomadaspela autoridade policial ou requeridas por esta autoridade judiciria quevenham a prejudicar ou dificultar o exerccio posterior da ampla defesa, sejapor meio da autodefesa, seja por meio da defesa tcnica.Assim, o princpio do defensor natural garantidor do status libertatis docidado e essencial para o equilbrio de foras na persecuo penal:lembre-se que, na acusao feita pelo Estado, vigora o princpio dopromotor natural, como mola-mestra da acusao isenta de carter pessoalou extraordinrio. E equilibrando as foras opostas na relao processual-penal, tem-se o juiz natural, necessrio a toda deciso que se quer justa eimparcial. Tudo em razo dos princpios da isonomia processual, docontraditrio, da ampla defesa e da verdade processual.O princpio do defensor natural significa, em ltima anlise, a garantia dadefesa tcnica em todos os momentos da persecuo penal. E, em setratando de acusado sem recursos financeiros, a nomeao de defensordesde a priso em flagrante corolrio inafastvel deste princpio.Obviamente, o art. 134, caput, CF, estipula que a Defensoria Pblica instituio essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe adefesa em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5 LXXIV,CF.[...] 1

    1 SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna. Princpio do Defensor Pblico Natural. Disponvel emAssociao Nacional dos Defensores Pblicos: www.anadep.org.br. Acesso em 15/03/2008.

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    O texto acima ressalta a importncia do reconhecimento do Princpio do

    Defensor Natural para a defesa tcnica do acusado. Em nosso pas, a doutrina e

    jurisprudncia constitucionalista, penal e processualista penal reconhecem a

    existncia do Princpio do Juiz Natural e, mais recentemente, do Princpio do

    Promotor Natural, como forma de garantia dos cidados de serem processados e

    julgados pelos juzes e promotores previamente investidos e com competncia e

    atribuies definidas pela Constituio da Repblica e pelas normas

    infraconstitucionais, em explcita adeso ao sistema Garantista, notoriamente aos

    axiomas oitavo e nono, quais sejam: nullum judicium sine acusatio e nulla acusatio

    sine probatione.

    Entretanto, na prtica, o que ocorre uma supervalorizao dos rgos

    de execuo acusatrios e julgadores como garantia dos cidados, sem outorgar aestes a mesma garantia no que diz respeito a serem defendidos por um defensor

    previamente investido e com atribuies antecipadamente definidas para tal tarefa,

    ou seja, sem a devida valorizao ao dcimo axioma nulla probatio sine

    defensione.

    O artigo 5 da Carta Magna reconhece uma srie de prerrogativas aos

    cidados no que tange aos limites negativos do Estado Democrtico de Direito, mas

    tais prerrogativas, na prtica forense, encontram-se prejudicadas pela ausncia de

    previso de qual a forma de que tais direitos e garantias, diga-se, direitos ampladefesa e contraditrio, sero efetivamente exercidos, e, principalmente, por quem

    sero definitivamente exercidos.

    Em suma, no h regulamentao infraconstitucional suficiente sobre a

    defesa tcnica. Interessante frisar que a doutrina penalista e processualista penal

    rica em citaes sobre o exerccio do poder jurisdicional e sobre as atribuies do

    Ministrio Pblico, mas ainda muito deficitria no que tange ao exerccio do direito

    de defesa e, principalmente, de defesa tcnica pela instituio pblica

    constitucionalmente designada para o exerccio dessa atribuio, isto , aDefensoria Pblica.

    Preconiza o artigo 134 da Constituio da Repblica (2008, p. 46) que A

    Defensoria Pblica instituio essencial funo jurisdicional do Estado,

    incumbindo-lhe a orientao jurdica e a defesa, em todos os graus, dos

    necessitados, na forma do artigo 5, LXXIV.

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    Tal artigo do texto constitucional reconhece a existncia da Defensoria

    Pblica como instituio garantidora dos direitos ampla defesa e ao contraditrio

    dos hipossuficientes, diga-se, em todos os graus, mas tal reconhecimento no gera

    efeitos prticos, vez que os membros da instituio no gozam de prerrogativas que

    lhes proporcionem paridade de armas com a acusao, que j alcanou em 1988 tal

    desiderato.

    Nesse contexto, o reconhecimento do Princpio do Defensor Pblico

    Natural necessrio para o cumprimento das garantias e direitos fundamentais,

    especialmente os Princpios da Ampla Defesa e do Contraditrio, pois o acusado,

    quando no possui condies financeiras para escolher seu defensor, fica a merc

    do Poder Judicirio que nomear defensor dativo ou, em raras situaes, a

    Defensoria Pblica, nos casos em que esta encontra-se aparelhada adequadamentecom membros suficientes e infra-estrutura necessrios para o exerccio de suas

    funes.

    Na prtica, os magistrados, por terem cincia da precariedade em que se

    encontra a Defensoria Pblica, nomeiam advogados particulares que no so

    previamente investidos para o exerccio de tais atribuies e que sequer tm

    conhecimento do caso concreto tratado no processo, com o seu respectivo

    desenvolvimento, no possuindo, muito menos, real interesse na demanda.

    Assim, nestes casos, no so observados o direito ampla defesa e aocontraditrio, pois a defesa tcnica tem o direito/dever de previamente tomar

    conhecimento do processo, desde o seu nascedouro at o seu deslinde. Frise-se

    que tomar conhecimento no apenas ler o processo, mas adentrar em seu mago,

    com todas as suas nuances, com o objetivo de influenciar o livre convencimento do

    juiz.

    A instruo criminal, momento em que sero coletadas as provas e

    realizada a busca da verdade real, realizada por defensores ad hoc e, verbis

    gratia, se desenrola sem o referido defensor sequer ter uma entrevista com seuconstituinte e saber sobre sua verso dos fatos.

    O interrogatrio mais um instrumento de formalismo processual,

    constituindo-se em um mero cumprimento de texto de lei, do que propriamente um

    meio de prova e, principalmente, de auto-defesa. Isto ocorre porque, simplesmente,

    ao prprio interrogando no explanada, para o exerccio da auto-defesa, a verso

    dos fatos que lhe so mais favorveis, pois a defesa pblica ainda exercida por

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    alguns advogados no integrantes da carreira, que desenvolvem suas atividades de

    forma relapsa e sem qualquer compromisso profissional.

    Via de regra, o juiz decide com base em provas produzidas pela acusao

    e a defesa arrola testemunhas fictcias apenaspro forma ou exerce sua defesa com

    base no depoimento das testemunhas de acusao, que geralmente so compostas

    por pessoas j viciadas em seus depoimentos (policiais). A situao ainda pior

    nos casos em que figura o acusado-carente, pois este condenado muitas vezes

    com base em depoimentos pr-fabricados.

    Sabe-se, entretanto, que, na contramo de toda a situao relatada, o

    interrogatrio o momento de produo de prova, mas principalmente momento de

    autodefesa do acusado. E o exerccio desta denominada autodefesa deve ser

    monitorada pela defesa tcnica, para que o Princpio da Ampla Defesa sejarealmente respeitado.

    Contudo, a produo probatria realizada unicamente com a finalidade

    de dar uma satisfao ao texto de lei infraconstitucional e conscincia dos

    operadores do Direito. No so observados apenas os direitos e garantias

    fundamentais e constitucionais, mas o prprio texto de lei que prescreve o direito de

    entrevista do acusado com seu defensor.

    O Princpio do Livre Convencimento Motivado, que possibilita ao juiz uma

    margem na valorao das provas, , por conseqncia, prejudicado, pois tais provasno so produzidas de forma satisfatria para tal fim. J o Princpio da Verdade

    Real torna-se, na realidade, a verdade do processo a qual, na maioria das vezes,

    no reflete a verdade dos fatos e, muitas vezes, a verdade dos fatos no revela a

    verdade social das partes envolvidas no crime.

    De todo o exposto, o que se verifica que o acusado no realmente

    ouvido nem pelo juiz, nem pelo promotor e muito menos por seu defensor pblico ou

    dativo.

    Instaura-se uma relao de confiana entre Poder Judicirio e MinistrioPblico, mas no se estabelece tal relao fiduciria entre o rgo julgador e a

    defesa, vez que esta no previamente investida e encontra-se presente apenas

    para satisfazer a conscincia dos referidos rgos.

    Neste cenrio, a encenao jurdica torna-se a regra, pois o acusado,

    chega algemado e sem conhecimento de seu direito de permanecer calado no

    momento do interrogatrio. Diante do desconhecimento, tal direito se torna uma

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    ausncia de escolha, pois o acusado, que poderia dar a sua verso dos fatos ou

    permanecer calado, sequer tem cincia do que pode ser dito em seu benefcio,

    mesmo que seja para atenuar a pena de uma sentena condenatria. Assim, a

    ampla defesa, que concede o direito ao acusado de apenas relatar o que lhe seja

    favorvel, fica totalmente prejudicada.

    Por isso, verifica-se a necessidade do reconhecimento do Princpio do

    Defensor Pblico Natural pela doutrina, pela jurisprudncia, e, principalmente, pelo

    prprio texto de lei e pela Carta Constitucional, com o objetivo de dar paridade de

    armas defesa, vinculando esta ao processo como um todo e em todos os graus,

    conforme dispe o artigo 134 da Constituio da Repblica.

    verdade que tal discusso recente, mas a inobservncia de tal direito

    antiga e remonta poca dos julgamentos medievais da Santa Inquisio e daDitadura Militar.

    Em suma, o Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli est intimamente

    correlacionado com o fortalecimento constitucional e legal da instituio Defensoria

    Pblica em nosso pas, tendo em vista que a citada instituio responsvel pela

    grande maioria dos processos em tramitao junto s Varas Criminais e nos

    assuntos concernentes proteo dos direitos humanos.

    Portanto, a importncia do reconhecimento legal, jurisprudencial e

    doutrinrio do Princpio do Defensor Pblico Natural para o efetivo reconhecimento,no ordenamento jurdico, da existncia e aplicao do Garantismo Penal encontra-se

    no estabelecimento de uma relao de confiana entre o Poder Judicirio e o

    Defensor Pblico, mas, principalmente, uma relao de confiana entre o acusado e

    seu defensor, que deve ser previamente investido em suas atribuies legais em um

    juzo prvio e especfico.

    Nesta nova realidade, todos os processos dos hipossuficientes seriam

    obrigatoriamente monitorados pela Defensoria Pblica, pois no poderia o juiz, com

    o reconhecimento do Princpio do Defensor Pblico Natural, nomear advogados adhocou dativos.

    O defensor pblico, por ser um profissional previamente investido para

    defender os direitos dos hipossuficientes, teria um interesse pela causa muito maior

    do que um advogado simplesmente nomeado pelo juiz e, por tal motivo, exerceria

    seu mnus de forma muito mais completa e dedicada do que outro profissional,

    apenas nomeado para os atos processuais de forma intercorrente.

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    Ainda, o defensor pblico, na atual conjuntura do processo penal

    contemporneo, o verdadeiro fiscal da real aplicao dos direitos e garantias

    fundamentais nsitos na Constituio da Repblica, pois no est limitado pela

    imparcialidade e inrcia do julgador e no se encontra na situao de acusador, que

    no deixa de ser, para o rgo de execuo do Ministrio Pblico, um mnus mais

    exigido pela sociedade do que de um simples custus legis.

    O interesse do rgo de execuo da Defensoria Pblica, como fiscal do

    correto cumprimento dos direitos e garantias fundamentais, apenas como uma

    espcie de custus legis da Constituio e da lei, pois remunerado pelos cofres

    pblicos e investido no cargo atravs do Princpio do Concurso Pblico, previsto no

    artigo 37, inciso II da Constituio da Repblica vigente.

    Contudo, importante ressaltar que no basta tal situao constitucionale reconhecimento da existncia do Princpio do Defensor Pblico Natural.

    necessrio que se realize o verdadeiro aparelhamento da instituio Defensoria

    Pblica, o que significa dizer que necessrio, tambm, mais recursos humanos,

    tecnolgicos, oramentrios e estruturais, o que no se verifica na realidade das

    Defensorias.

    A ttulo de ilustrao do exposto acima, bem como da realidade

    vivenciada pela Defensoria Pblica atualmente, o ANEXO 1 do presente trabalho de

    pesquisa traz o posicionamento, atravs do texto Ministro diz que Executivo falha nadefesa do cidado, do Ministro Marco Aurlio, do Supremo Tribunal Federal, acerca

    da situao das Defensorias Pblicas no pas e, em um momento especfico, da

    Defensoria Pblica do Estado do Esprito Santo.

    2.2 A posio dos operadores do Direito nos tribunais e a influncia

    psicolgica no sistema de garantias

    Todos os Tribunais, sejam monocrticos ou colegiados, possuem um

    sistema de posicionamento dos operadores do Direito em seus espaos fsicos.

    No Direito norte-americano, o magistrado fica frente e acima dos demais

    operadores do Direito que se posicionam no mesmo patamar topogrfico. Isso

    acontece porque no sistema norte-americano, o juiz representa a imparcialidade e os

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    demais operadores do Direito representam interesses parciais, mesmo quando uma

    das partes seja o promotor pblico, que defende interesse da coletividade.

    No Brasil, a posio topogrfica dos operadores do Direito ainda reflete

    um sistema inquisitorial, pois a defesa se posiciona em patamar abaixo dos demais

    operadores do Direito.

    No sistema do Tribunal do Jri, tal posio ainda mais patente, vez que

    pelo Princpio da Plenitude de Defesa, a posio em que se encontra o ru e sua

    defesa tcnica, de imediato, gera um impacto na psique dos jurados, que vem no

    juiz e no promotor pblico a representao de rgos superiores, em razo do

    posicionamento topogrfico ocupado no Tribunal pelos mesmos.

    Em princpio, tal influncia poderia ser considerada uma questo

    juridicamente superficial e irrelevante, mas, na realidade, define muito o pensamentodos julgadores e, principalmente, das testemunhas, da sociedade e do prprio

    acusado no momento do interrogatrio, em explcita contrariedade s idias

    Garantistas expostas alhures.

    Neste contexto, o acusado encontra-se irremediavelmente em uma

    posio inferiorizada, vez que comparece ao Tribunal, via de regra, algemado.

    Entretanto, o acusado, quando do exerccio de seu direito de defesa, deveria sentir-

    se to vontade quanto os demais personagens do cenrio jurdico, sob pena de se

    realizar uma meia-defesa e, conseqentemente, uma meia-justia.Mas como sentir-se vontade para relatar a sua verso dos fatos

    observando que o indivduo que o representa judicialmente est, como ele,

    inferiormente posicionado? No so raras as situaes em que o defensor pblico

    confundido socialmente com o acusado, pois est, em tese, defendendo interesses

    de um criminoso. Ocorre uma condenao antecipada, sem o devido processo

    legal, o direito ampla defesa e ao contraditrio e em explcita afronta ao Princpio

    da Presuno de Inocncia.

    A situao se agrava ainda mais quando ao interrogado sequer lhe dado o direito de audincia prvia com seu defensor pblico que, em muitos casos,

    apenas toma conhecimento do processo e da acusao no momento do

    interrogatrio. O texto abaixo confirma tal afirmao:

    no interrogatrio que se manifestam e se aferem as diferenas maisprofundas entre mtodo inquisitrio e mtodo acusatrio. No processoinquisitrio pr-moderno, o interrogatrio do imputado representa o incio

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    da guerra forense, isto , o primeiro ataque do Ministrio Pblico contra oru de modo a obter dele, por qualquer meio, a confisso. Da no s o usoda tortura ad veritatem ereuendam, mas, tambm, a recomendao ao juizpara no contestar nem o ttulo do crime atribudo ao inquirido, nem suaqualidade e suas circunstncias especficas e tampouco os indciosprecedentemente colhidos. Da, em geral, a elaborao de uma sofisticada

    ars interrogandi et examinandi reos e de uma densa srie de regrassdicas de deslealdade processual informadas unicamente pelo princpionon curamus de modo dummodo haeamus effectum. Felicitasinterrogantis est extorquere quod rei nolunt, ensinava ento Chartarius noseu tratado sobre o interrogatrio que atingira em dois sculos cincoedies. E acrescentava: iudex debet reis vultum ostendere terribilem dumeos interrogat; e pode tramar armadilhas, quando a reo vult confessionemextorquere, fingens scire veritatem totius facti; e pode dissimular promessiones impunitatis que no sero mantidas, quia hic dolus bnusest, et ad publicam pertinet utilitatem... Item quia in male promisis fidesservanda non est, e alm disso porque lex permittit adversus delinqentesdolos et fraudes instrui, ut delicta ipsa puniantur. Obviamente, se ointerrogante s tinha poderes, o interrogado s tinha deveres: e portantorus tenetur iudici respondere, et potest pluribus modis cogi et

    compelli ad respondendum: vel mulcta indicta quia factis tribus monitionibus,sub poena ipsum mulctabit; vel captis pignoribus, vel per torturam... At veroin atrocibus sceleribus tormentis rei responder cogendi sunt, e deveresponder apenas affirmative vel negative, nulla arte verborum a reo veritasoffuscetur, ainda que depois o juiz avalie na aliqua ex dictis rei variatio sit,trepidatio et vultus pallor, et omnia haec per notarium annotari faciat.Ao contrrio, no modelo garantista do processo acusatrio, informado pelapresuno de inocncia, o interrogatrio o principal meio de defesa, tendoa nica funo de dar vida materialmente ao contraditrio e de permitir aoimputado contestar a acusao ou apresentar argumentos para se justificar.Nemo tenetur se detegere a primeira mxima do garantismo processualacusatrio, enunciada por Hobbes e recebida desde o sculo XVII no direitoingls. Disso resultaram como corolrios: a proibio daquela torturaespiritual, como a chamou Pagano, que o juramento do imputado; odireito ao silncio, nas palavras de Filangieri, assim como a faculdade doimputado de responder o falso; a proibio no s de arrancar a confissocom a violncia, mas tambm de obt-la mediante manipulao da psique,com drogas ou com prticas hipnticas, pelo respeito pessoa do imputadoe pela inviolabilidade de sua conscincia; a conseqente negao do papeldecisivo da confisso, tanto pela refutao de qualquer prova legal comopelo carter indisponvel associado s situaes penais; o direito doimputado assistncia e do mesmo modo presena de seu defensor nointerrogatrio, de modo a impedir abusos ou ainda violncias das garantiasprocessuais.2

    No romance O Processo, de Franz Kafka (KAFKA, 2007), o personagem

    Joseph K. passa por situao similar ao acordar em um dia qualquer e, no seu

    prprio quarto, encontrar-se detido sob a vigilncia de dois policiais sem tomar

    conhecimento sequer do que est sendo acusado. Depois desse incidente, Joseph

    K. passa por uma espcie de sonho (ou pesadelo) em que busca, de forma

    incompreensvel, um meio de se ver livre do processo, quer seja atravs de um

    advogado, quer seja atravs de pessoas influentes no meio jurdico.

    2 FERRAJOLI, op. cit., p. 485/486.

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    O processo penal similar esdrxula situao narrada no romance O

    Processode Franz Kafka. Tal situao kafkiana!

    Acrescente-se que a concatenao de atos processuais nem sempre

    resulta na realidade psicolgica do acusado, ou seja, o momento do interrogatrio

    nem sempre aquele em que o acusado encontra-se definitivamente preparado a

    produzir sua auto-defesa, atravs do auxlio da defesa tcnica.

    Esta condio se agrava quando se trata de acusados hipossuficientes,

    que no recebem visitas de seus defensores pblicos, simplesmente porque o

    quadro de carreira no est estruturado organicamente para realizar tal atendimento.

    Da a importncia da defesa e do contraditrio.

    O jurisfilsofo Francesco Carnelluti, em dado momento de sua obra As

    misrias do Processo Penal, relata sobre a defesa nos seguintes termos:

    De qualquer modo, a vantagem que o juiz obtm (com a defesa) no apenas de ordem intelectual. O contraditrio o auxilia principalmenteporque um escndalo: o escndalo da parcialidade, o escndalo dadiscrdia, o escndalo da Torre de Babel. A repugnncia pela parcialidadese transforma, para o juiz, na necessidade de super-la, ou seja, desuperar-se. Nessa necessidade, est a salvao do juiz.3

    Assim, sem a defesa tcnica bem aparelhada, o acusado se torna objeto

    de Direito, ao invs de ser um sujeito de direitos. O juiz, por fim, se torna um agente

    poltico parcial, pois enxerga apenas o ngulo explanado pela acusao. Este

    panorama influencia no dcimo axioma Garantista: Nulla probatio sine defensione,

    pois a prova fica inexoravelmente maculada sem a verdadeira e real auto-defesa

    exercida pelo acusado no interrogatrio.

    O drama kafkiano mencionado acima, inclusive, rico em detalhes

    psicolgicos que no se encontram muito distantes da realidade existente em nosso

    pas, principalmente em relao aos acusados hipossuficientes. No citado romance,

    o personagem principal, Josep K. submetido a um processo que ao longo da obra

    no concludo e no possui sequer uma razo lgica de existir. O prprio acusado

    se v compelido a buscar seu direito de ser interrogado sem lograr xito em muitas

    circunstncias.

    Nos Tribunais, a situao no distinta. Ao acusado hipossuficiente no

    dado o direito de entrevista com seu defensor, sendo que este direito deveria ser um

    3 CARNELUTTI, Francesco. As misrias do Processo Penal. So Paulo: Editora Edicamp, 2001.p. 43.

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    pr-requisito para o incio do interrogatrio e sem o qual o mesmo no poderia ser

    realizado, sob pena de nulidade, de acordo com o dcimo axioma Garantista.

    Outrossim, ao defensor no dado o direito de conhecer o processo, pelo

    menos com antecedncia razovel para estudar sua colocao perante as perguntas

    realizadas pelo Poder Judicirio, pelo Ministrio Pblico e pelas partes. E, em casos

    mais absurdos, o acusado condenado com base unicamente em seu depoimento,

    pois as testemunhas de acusao sequer so presenciais, em flagrante

    inobservncia ao dcimo axioma.

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    3 A DEFENSORIA PBLICA E O PROCESSO PENAL NO PRAZO RAZOVEL

    3.1 A Defensoria Pblica, a realizao do Processo Penal no prazo razovel e

    o dcimo axioma Garantista

    Existem vrias espcies de penas legalmente previstas na legislao

    penal brasileira. Algumas vedadas constitucionalmente, outras previstas

    infraconstitucionalmente, e, finalmente, outras implicitamente oriundas de uma

    realidade desconhecida at mesmo pelos operadores do direito.

    Uma destas penas desconhecidas no sentido de sano (preceitosecundrio no declarado e no previsto) a no realizao do processo no prazo

    razovel.

    Os rus que se encontram presos provisoriamente, sem o respeito ao

    processo penal no prazo razovel, sofrem verdadeiras penas antecipadas, sem

    julgamento pr-determinado, pois o excesso de prazo, habitualmente, no

    observado pelos Tribunais, conforme expe o professor Dr. Aury Lopes Jnior a

    seguir.

    O direito de defesa e o prprio contraditrio tambm so afetados, namedida em que a prolongao excessiva do processo gera gravesdificuldades para o exerccio eficaz da resistncia processual, bem comoimplica um sobrecusto financeiro para o acusado, no apenas com osgastos em honorrios advocatcios, mas tambm pelo empobrecimentogerado pela estigmatizao social. No h que olvidar a eventualindisponibilidade patrimonial do ru, que por si s gravssima, mas que sefor conjugada com uma priso cautelar, conduz a inexorvel bancarrota doimputado e de seus familiares. A priso (mesmo cautelar) no apenas gerapobreza, seno que a exporta, a ponto de a "intranscendncia da pena" nopassar de romantismo do direito penal.A lista de direitos fundamentais violados cresce na mesma proporo emque o processo penal se dilata indevidamente.Mas o que deve ficar claro que existe uma pena processual mesmoquando no h priso cautelar, e que ela aumenta progressivamente com adurao do processo. Seu imenso custo ser ainda maior a partir domomento em que se configurar a durao excessiva do processo, poisento essa violncia passa a ser qualificada pela ilegitimidade do Estadoem exerc-la.1

    1JUNIOR, Aury Lopes. Cincias Penais. Revista da Associao Brasileira de Professores de

    Ciencias Penais, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 1, n 1, junho/dezembro 2004.Disponvel emhttp://www.cienciaspenales.net, consulta em 25/11/2007.

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    Tal situao atua sobre o indivduo como uma verdadeira guilhotina

    pendente at o final do processo, arrastando-se por longos meses ou anos nos

    Tribunais.

    A situao do ru, nos casos em que o processo no se desenvolve em

    um prazo razovel, pior do que a pena definitiva, pois pode ser considerada pena

    antecipada e de natureza cruel, conforme prev o artigo 5, inciso XLVII, alnea e

    da Constituio da Repblica, em razo de sua atrocidade e insuportabilidade.

    Isto porque na situao de preso provisrio, este, na grande maioria dos

    casos, tem a esperana de uma sentena absolutria e, em muitos casos, at

    mesmo uma sentena condenatria, mas com contedo no privativo de liberdade e

    com penas a serem cumpridas em regime semi-aberto ou aberto, com possvel

    substituio de pena por restritiva de direitos e multa, ou ainda, pode ser beneficiadopela Suspenso Condicional da Pena Sursis, pela primariedade de grande maioria

    dos presos encarcerados provisoriamente.

    Destaque-se que pena cruel no apenas aquela que exerce um excesso

    de sofrimento sobre o corpo fsico do condenado, mas aquela que tambm exerce

    um excesso de sofrimento moral, psquico e emocional sobre o mesmo. Trata-se,

    portanto, de pena antecipada.

    O estado de presuno de inocncia simplesmente no existe nesses

    casos. E, conseqentemente, por este estado de inocncia estar intimamentecoligado ao Princpio da Dignidade da Pessoa Humana, existe uma verdadeira

    situao de desrespeito, no apenas s leis ordinrias, que exigem a realizao da

    persecutio criminis no prazo razovel, mas tambm ao princpio reitor de todo o

    ordenamento jurdico, verdadeira diretriz do Estado Constitucional e Democrtico de

    Direito, qual seja, o Princpio da Dignidade da Pessoa Humana.

    O professor e Doutor em Cincias Penais pela Universidade Complutense

    de Madri, Dr. Aury Lopes Jnior, em sua aula sobre Processo Penal no Prazo

    Razovel, ministrada no curso de ps-graduao em Cincias Penais do ano de2007/2008, Turma 4, fez expressa referncia situao catica que se encontra a

    Defensoria Pblica em comparao com o aparelhamento dos rgos executores do

    Ministrio Pblico e do Poder Judicirio.

    Afinal, o Ministrio Pblico tem dupla funo no processo penal, funo

    de parte acusatria e funo de custus legis. Essa segunda funo tem sido

    esquecida pelo rgo de execuo acusatrio que, no obstante ser parte

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    acusatria no processo, como custus legis na persecuo criminal, vela pela correta

    aplicao da lei e deveria exigir, apesar de sua condio de acusador, a presena

    de defensor pblico que realize defesa efetiva, sob pena de se invocar, por analogia,

    a situao de indefesa no rito do Tribunal do Jri a todos os processos criminais de

    crimes que tramitam em Vara Comum.

    Diante desse panorama, o preso provisrio vtima da morosidade do

    processo e do desrespeito ao mais novo e moderno direito do cidado, qual seja, de

    ser julgado no prazo razovel, conforme preceitua o artigo 5, inciso LXXVIII da

    Constituio da Repblica de 1988.

    Ressalte-se que no direito e garantia fundamental de um julgamento em

    prazo razovel subentende-se que este ser realizado com a mxima qualidade e

    dignidade, o que ressalta a necessidade de valorizao da defesa pblica comoforma de se respeitar tal direito e garantia fundamental, nsito no texto constitucional

    pela Emenda Constitucional n 45, de 08 de dezembro de 2007.

    Novamente, reporte-se s prerrogativas da Defensoria Pblica na soluo

    deste problema. Via de regra, as Defensorias Pblicas no so aparelhadas para

    atender ao nmero de demandas, em razo da falta de recursos humanos, materiais

    e financeiros destinados ao monitoramento dos processos em tramitao que se

    desenvolvem com a decretao de priso em flagrante e preventiva.

    A liberdade provisria que pode ser concedida de ofcio, no concedidae, nestes casos, o acusado fica encarcerado por longos meses sem qualquer

    amparo legal e profissional, em razo da mencionada falta de estruturao da

    Defensoria Pblica.

    Novamente, estas situaes distanciam a realidade forense da ideologia

    Garantista de Luigi Ferrajoli em reconhecer a defesa como uma mxima no sistema

    jurdico de um Estado Democrtico, Garantista e Constitucional de Direito (no ideal,

    mas como Luigi Ferrajoli exps alhures, pelo menos satisfatvel).

    Infelizmente, este o panorama atual em todos os Estados Federados, exceo de alguns poucos, como o Estado do Rio de Janeiro que vem aparelhando

    extraordinariamente a Defensoria Pblica, aps o reconhecimento de sua autonomia

    funcional, administrativa e financeira em relao ao Poder Executivo Estadual.

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    3.2 Fortalecimento da Defensoria Pblica em relao ao Princpio da

    Humanidade e ao Processo Penal no prazo razovel

    O Princpio da Humanidade o princpio norteador de toda a interveno

    estatal na liberdade individual dos cidados em um sistema democrtico. Consiste

    esse princpio em uma diretriz tanto ao legislador, quanto ao intrprete do Direito.

    Ao legislador, limita a edio de leis que afrontam o artigo 5, inciso XLVII da

    Constituio da Repblica. Ao intrprete do Direito, a observncia desse princpio

    mais ampla, englobando, inclusive, a limitao na decretao de prises cautelares,

    como ser exposto nos prximos pargrafos.

    Sobre o Princpio da Humanidade, dispe o texto abaixo:

    A humanidade como princpio do Direito Penal probe a tortura assim comoo tratamento cruel, desumano ou degradante (CF, art. 5, III) e, ao mesmotempo, impe respeito integridade fsica do detento (CF, art. 5, XLIX), aseparao dos presos, etc. A Regra 6.2 (das Regras de Tquio, que serodevidamente estudadas na Trigsima Quinta Seo v. 2) refere-seexpressamente humanidade com que deve ser administrada a prisopreventiva. Despiciendo salientar que, na verdade o princpio daHumanidade vlido e informador de todo e qualquer tipo de intervenopenal no mbito dos direitos fundamentais da pessoa.2

    O legislador avanou quando determinou a distribuio de autos de prisoem flagrante previamente Defensoria Pblica, para que esta tome conhecimento,

    juntamente com o juiz prevento sobre a priso cautelar de indiciados.

    Entretanto, qual a conseqncia prtica de tal avano sem a necessria

    estruturao da instituio Defensoria Pblica no sistema constitucional de garantias

    que, conseqentemente, tem como norte o Princpio da Humanidade e da Dignidade

    da Pessoa Humana?

    A falta de aparelhamento da Defensoria Pblica impossibilita esta

    instituio de dar suporte a presos nos prprios presdios e a dar assistncia jurdica,psicolgica e social aos detentos e seus familiares por falta de recursos humanos,

    materiais e estruturais, dentre vrias outras mazelas j conhecidas pela populao

    em geral, bem como pelos operadores do Direito. Assim, construiu-se um barco

    2 GOMES, Luiz Flvio; de MOLINA, Antonio Garca Pablos; BIANCHINI, Alice. Direito Penal -Introduo e princpios fundamentais. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2007, v 1. p.550.

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    sem velas ou um avio sem turbinas, pois de nada adianta a fixao de

    atribuies sem a devida estruturao da instituio de forma a possibilitar o

    exerccio das mesmas.

    O Princpio da Humanidade em sentido amplo, que tambm pode se

    referir ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, fundamento

    este reitor de toda Constituio da Repblica, como j reconhecido pelo Excelso

    Supremo Tribunal Federal, nunca ser devidamente observado sem uma defesa

    tcnica forte, autnoma e organicamente estruturada com condies materiais e

    humanas para sua realizao.

    Infelizmente, no Brasil, os presos ainda vivem em masmorras medievais.

    Esto esquecidos pela sociedade, pelo Estado e, muitas vezes, pelos prprios

    familiares, alm da defesa tcnica que, lamentavelmente, como j exposto, no aparelhada para dar o suporte necessrio para que vivam condignamente e de

    acordo com a Lei de Execues Penais.

    Nesse ponto, faz-se necessria referncia lei acima mencionada, de n

    7.210/1984 (2008, f. 1330). Vrios dispositivos da citada lei, que lamentavelmente

    no aplicada em nosso pas, vm fortalecer o ideal Garantista no Brasil, como se

    observa abaixo:

    Art. 41. Constituem direitos do preso:I alimentao suficiente e vesturio;II atribuio de trabalho e sua remunerao;III- previdncia social;IV constituio de peclio;V proporcionalidade na distribuio do tempo para o trabalho descanso ea recreao;VI exerccio das atividades profissionais, intelectuais, artsticas edesportivas anteriores, desde que compatveis com a execuo da pena;VII assistncia material, sade, jurdica, educacional, social e religiosa;VIII proteo contra qualquer forma de sensacionalismo;IX entrevista pessoal e reservada com o advogado;X visita do cnjuge, da companheira, de parentes e amigos em dia

    determinado;XI chamamento nominal;XII - igualdade de tratamento, salvo quanto s exigncias daindividualizao da pena;XIII - audincia especial com o diretor do estabelecimento;XIV- representao e petio a qualquer autoridade, em defesa de direito;XV- contato com o mundo exterior por meio de correspondncia escrita, daleitura e outros meios de informao que no comprometam a moral e osbons costumes;XVI atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena daresponsabilidade da autoridade judiciria competente.

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    Art. 42. Aplica-se ao preso provisrio e ao submetido medida desegurana, no que couber, o disposto nesta Seo.

    Todos os dispositivos supramencionados visam correta observncia do

    Princpio da Humanidade e da Dignidade da Pessoa Humana e, conseqentemente,a direitos e garantias constitucionalmente previstos, notoriamente: direito de

    assistncia jurdica, garantia de individualizao da pena, direito de ampla defesa e

    contraditrio, direito ao devido processo constitucional penal, direito a tratamento

    humano e condigno, dentre outros.

    Aos presos provisrios, em observncia ao princpio e garantia

    constitucional da Presuno de Inocncia, garantido o direito de ser encarcerado

    em estabelecimento distinto dos condenados definitivamente e determina as

    exigncias de cada unidade carcerria, de acordo com artigo 84 e 88 da Lei deExecues Penais (2008, p.1334):

    Art. 84. O preso provisrio ficar separado do condenado por sentenatransitada em julgado.

    Pargrafo 1. O preso primrio cumprir pena em seo distinta daquelareservada para os reincidentes.

    Art. 88. O condenado ser alojado em cela individual que conter dormitrio,aparelho sanitrio e lavatrio.

    Pargrafo nico. So requisitos bsicos da unidade celular:

    a) salubridade do ambiente pela concorrncia dos fatores de aerao,insolao e condicionamento trmico adequado existncia humana;b) rea mnima de 6 m (seis metros quadrados)

    Infelizmente, tais dispositivos foram esquecidos. Infraconstitucionalmente,

    so dispositivos que vm dar aplicabilidade s normas programticas previstas no

    artigo 5 da Constituio da Repblica, no que diz respeito ao contedo penal e

    processual-penal.

    Nesse contexto, o Garantismo, como ideologia humanitria e, comoideologia que visa a realizao do exerccio de normas constitucionais de combate,

    uma realidade distante.

    Novamente, faz-se referncia ao fortalecimento da Defensoria Pblica.

    Todas as penitencirias deveriam possuir um espao para a instalao de rgos da

    Defensoria Pblica, com o escopo de se chegar o mais prximo possvel da

    realidade dos dispositivos da Lei de Execues Penais.

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    Entretanto, no existe tal previso na Lei de Execues Penais, qual seja,

    instalao de Defensorias Pblicas nas unidades penitencirias, exatamente porque

    o legislador laborou sobre um ideal dificilmente factvel sem a interferncia da

    Defensoria Pblica, rgo de defesa por excelncia.

    Na realidade, as unidades penitencirias deveriam possuir no apenas

    espao fsico para a instalao da defesa, mas tambm do Ministrio Pblico, como

    custus legis, e do rgo do Poder Judicirio como diretor do processo de execuo.

    O drama ainda se torna ainda mais drstico quando analisamos a

    situao das prises cautelares ou provisrias. Nesses casos, no h separao de

    presos provisrios e condenados definitivos. Na realidade, presos provisrios

    cumprem penas definitivas em hedionda afronta ao Princpio da Presuno de

    Inocncia, pois no s os crimes previstos na Lei 8.072/90 so hediondos, mas aforma de cumprir suas prises cautelares e penas definitivas tambm os so.

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    4 GARANTISMO, POLTICA CRIMINAL E DEFENSORIA PBLICA

    No texto abaixo, o professor de Direito Penal e doutrinador, Dr. Fernando

    da Rocha Galvo, expe de forma muito clara a importncia do reconhecimento dos

    direitos e garantias fundamentais, de forma a se criar mecanismos para seus

    efetivos exerccios, para reconhecer, inclusive, a existncia real de uma Constituio

    em um pas democrtico.

    A efetiva proteo aos direitos humanos o ideal que se pretende alcanar,pois no basta declarar que o homem possui direitos, necessrioestabelecer mecanismos eficientes de proteo aos direitos reconhecidos.Assim, pode-se dizer que a fase das declaraes de direitos e liberdades

    fundamentais do homem foi ultrapassada e, hoje, a humanidade preocupa-se com o estabelecimento de um sistema jurdico que assegure a concretaobservncia dos direitos humanos. J a Declarao dos Direitos do Homeme do Cidado, em seu art.16, afirmou que toda sociedade na qual agarantia dos direitos no est assegurada carece de constituio. Nessesentido, Paulo Bonavides esclarece que o evoluir do processo protetivo dosdireitos humanos busca esclarecer uma universalidade material e concreta,em substituio universalidade abstrata produzida, pelo jusnaturalismo dosculo XVIII.Contudo, se o tema dos direitos fundamentais fez evoluir a discusso para aidentificao dos mecanismos mais eficazes para sua proteo e nessecontexto se insere a idia de garantias institucionais -, a prpria noo dedireitos fundamentais do homem tambm se tornou mais enriquecida.1

    No texto acima, em certo momento, o citado professor expe que a idia

    de garantias institucionais inserida no prprio contexto de direitos fundamentais.

    Uma garantia institucional dos cidados a existncia, em perfeito funcionamento,

    de uma defesa pblica queles que no possuem condies para promover sua

    defesa particular.

    O Estado detm o interesse econmico, social, jurdico e poltico de

    fortalecimento da Defensoria Pblica. No resta dvida que uma boa poltica

    criminal resultaria em menores gastos ao prprio Estado, em decorrncia da no

    incluso, no sistema carcerrio, de quem realmente no deve estar inserido nele,

    isto , presos que j cumpriram pena; prises em flagrante em que so cabveis o

    relaxamento, dentre outras situaes.

    1GALVO, Fernando da Rocha. Poltica Criminal. 2.ed. Belo Horizonte: Editora Mandamentos.

    2002. p.63

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    A noo de direitos fundamentais enriquecida, conforme expe o texto

    acima referenciado, redunda na efetiva proteo por mecanismos eficientes e de

    combate na produo de defesa tcnica.

    O dcimo axioma Nulla probatio sine defensione est inserido nesse

    contexto. Esse axioma no se resume apenas em sua traduo literal, qual seja:

    nula a prova sem defesa. Na realidade, o dcimo axioma surge para indicar a

    diretriz ao legislador e, principalmente, ao intrprete do Direito, que deve se pautar

    na aplicao do direito ao caso concreto, observando a conjuntura poltico-social em

    que se encontra o pas, posto que a letra fria da lei no possui o condo de

    solucionar questes s quais a poltica criminal capaz de resolver.

    Para Fernando da Rocha Galvo

    Os membros do Poder Judicirio, geralmente, mantm posturaconservadora, excessivamente dogmtica e formalista, que fundamenta aaplicao do Direito na neutralidade do rgo julgador. Essa visotradicional-liberal trabalha sob o pressuposto da igualdade formal de todosos indivduos perante a lei, bem como aceita as colocaes do discursoinstitucional, no sentido de que o legislador neutro e coerente na produolegal, o direito penal justo e no possui contradies, pois a ordem finalista e protege indistintamente a todos os indivduos.Acreditar ingenuamente nessas formulaes olvidar que as condiespessoais do individuo, detentor do poder de eleio do que seja socialmenteadequado, influenciam-lhe a escolha e que as leis refletem sempre osinteresses de quem as faz. Na realidade, o discurso institucional espelha aracionalizao do poder atuante em trabalho de justificao/legitimao e o

    juiz, no cotidiano de sua atividade jurisdicional, enfrenta a concretadesigualdade dos indivduos. A excessiva abstrao dos mtodos deaplicao do Direito produz o afastamento de seus operadores da realidadesocial, estabelece ligao da jurisprudncia ao mundo dos conceitosabstratos e, assim, os reduz a meros instrumentos do sistema dominante.Vale notar que a dinmica da realizao do justo no pode ser determinadaunicamente pela ateno lgica formal, que apresenta indiferente slies da experincia e do bom senso. O sistema jurdico no lgico-formal no podendo ser comparado aos sistemas matemticos - mas simaxiolgico, pois apenas um sistema valorativo pode equacionar soluescapazes de restaurar as desigualdades naturais aos homens.2

    Nesse sentido, o sistema infra-constitucional penal no se encontra

    elaborado satisfatoriamente para solucionar os problemas jurdico-sociais de nosso

    pas. O juiz deve analisar cada caso concreto para proferir um julgamento e deve

    igualar os desiguais medida de suas desigualdades.

    Entretanto, igualar os desiguais medida de suas desigualdades no

    cabe unicamente ao Poder Judicirio. Como exposto alhures, a garantia institucional

    2Ibidem, p. 111-112.

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    encontra-se inserida nos direitos fundamentais. E, uma forma definitiva de igualar os

    desiguais fortalecendo a defesa pblica em todos os sentidos.

    No Brasil, o Estado do Rio de Janeiro j realizou este fortalecimento. Em

    verdade, o governo fluminense realmente se preocupou com o Estado Social de

    Direito ao fortalecer a defesa pblica. O hipossuficiente bem representado um

    indivduo que possui menos chances de reincidir no crime, porque sentir a justia

    ser cumprida em sua melhor expresso. A excluso social e a violncia existentes

    nas favelas no teriam a chance de serem contidas sem o fortalecimento da defesa

    pblica, pois a cada um dado a justia que se merece.

    Deve-se realizar uma separao entre trabalhador favelado e marginal

    favelado. O Poder Judicirio sozinho no detinha condies de realizar tal

    separao entre o joio e o trigo. No caso do Rio de Janeiro, a violncia no Estadochegou a tal ponto que o prprio governo reconheceu a importncia de uma defesa

    pblica forte.

    Fernando da Rocha Galvo, inclusive, faz referncia ao assunto quando

    apregoa que Em uma verso moderada, ou reformadora, o abolicionismo pugna

    pela construo de um direito penal de mnima interferncia na liberdade individual e

    mxima garantia, o que moldado para um Estado Democrtico de direito social.3

    O doutrinador, nesta passagem, se reporta exatamente filosofia do

    Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli.Mas o que vem a ser um Estado Democrtico de Direito Social? um

    Estado pautado na participao de todos, por isso democrtico, e com o objetivo de

    realizar um direito que atenda aos reclames e realidade existente no seio da

    sociedade (direito social).

    Em um Estado Democrtico de Direito Social, a soluo dos problemas da

    violncia no pode se concentrar unicamente na boa ou m aplicao da lei. A

    questo de ordem macroestrutural e pluridisciplinar.

    Entretanto, quando se observa o exerccio do poder jurisdicional no sepode, sob pena de se reportar a um Estado Medieval de Direito, deixar de valorizar a

    defesa pblica.

    Obviamente, existe a necessidade de investimentos em melhores

    condies de cumprimento das penas nos sistemas carcerrios e, principalmente, a

    3 Ibidem, p. 116.

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    separao, em condies humanas de cumprimento, entre presos definitivos e

    presos provisrios, e, entre os presos definitivos, a separao por gravidade de

    conduta delitiva.

    Mas, tal ao poltica no seria realizada sem a defesa. A defesa ,

    nesses casos, o fiscal da lei por excelncia. Em um pas onde muito se condena,

    como o caso do Brasil que ainda no se adequou ao axioma nulla lex sine

    necessitate - Direito Penal Mnimo, muito se deve investir na defesa pblica, pois

    muitas atribuies sero exercidas por ela.

    4.1 Relao entre o Estado Social de Direito, a segurana pblica e a

    Defensoria Pblica

    pblico e notrio o investimento que os Estados Federados tm

    realizado em prol da segurana pblica preventiva e repressiva. Este fator

    positivo, pois o Estado Democrtico e Constitucional de Direito prev, no artigo 144

    da Constituio da Repblica vigente, o dever de o Estado promover a segurana

    pblica.

    Mas o que vem a ser segurana pblica em sentido amplo? Seguranapblica um direito e garantia fundamental, previsto implicitamente no artigo 5 da

    Constituio da Repblica. A ttulo de exemplo, quando a polcia judiciria ou

    preventiva respeita a inviolabilidade do domiclio ou o direito intimidade dos

    cidados, est exercendo a segurana pblica em sentido lato.

    Da decorre o papel da Defensoria Pblica: resguardar o cidado contra o

    desrespeito aos referidos direitos fundamentais, e, conseqentemente, o exerccio

    em nome de seus constituintes, da prpria segurana pblica.

    Mas e quando tal desrespeito praticado no seio de uma famlia humilde,como costumeiramente acontece? Nesses casos, o papel de doutrinador e jurista

    transferido para a defesa tcnica que, verbis gratia, promovida pela Defensoria

    Pblica.

    Obviamente, devem ser respeitados os princpios constitucionais

    implcitos da Razoabilidade e Proporcionalidade, pois cada caso guarda sua

    particularidade. Entretanto, o que se verifica nos casos concretos que, de forma

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    desarrazoada e desproporcional, so realizadas diligncias em favelas e

    condomnios populares por trs dos bastidores policiais. Confisses ainda so

    retiradas atravs de torturas psicolgicas e fsicas, em flagrante desrespeito ao

    previsto no artigo 5, incisos XLI, XLII e XLIII da Constituio da Repblica.

    Portanto, pode-se concluir que a Defensoria Pblica uma instituio que

    compe a segurana pblica em sentido amplo, pois sem a existncia desta

    instituio, o exerccio do poder de polcia judiciria se tornaria um instrumento de

    barbrie e de afronta aos direitos e garantias fundamentais dos cidados brasileiros.

    No que diz respeito valorizao do indivduo, Lenio Luiz Streck, autor do

    texto abaixo, esclarece sobre tal questo quando da aplicao do direito. Traa,

    ainda, um paralelo entre o Estado Social de Direito e o Garantismo, proporcionando

    a este a misso de modernizar as relaes sociais existentes atravs do Direito.

    A perspectiva garantista de Ferrajoli tem como base um projeto deDemocracia Social, que forma um todo nico com o Estado Social deDireito: consiste na expanso dos direitos dos cidados e dos deveres doEstado na maximizao das liberdades e na minimizao dos poderes, oque pode ser representado pela seguinte frmula: Estado e Direito mnimona esfera penal, graas minimizao das restries de liberdade docidado e correlativa extenso dos limites impostos atividade repressiva;Estado e Direito mximo na esfera social, graas maximizao dasexpectativas materiais dos cidados e correlativa expanso dasobrigaes pblicas de satisfaz-las. evidncia, Ferrajoli trabalha com a idia de que a legitimao do Direito e

    do Estado provm de fora ou desde abajo, entendida como a somaheterognea de pessoas, de foras e de classes sociais. Ou seja, comocontraponto s teorias autopoiticas do Direito, que visam, mediante umdireito do tipo reflexivo, no adaptar o Direito aos anseios da sociedade,mas, sim, aos limites do establishment, reduzindo, com isto, a complexidadesocial, Ferrajoli parte de uma perspectiva heteropoitica, dizer, desde umponto de vista externo, que significa sobretudo dar primazia axiolgica pessoa, e, portanto, de todas as suas especficas e diversas identidades,assim como da variedade e pluralidade de pontos de vista externosexpressos por ela.Dito de outro modo, o garantismo no significa um retorno a um Estadobom que j houve. Nos pases avanados da Europa, beneficirios dowelfare state, isso at seria possvel.No Brasil, ao contrrio, onde o Estado Social foi um simulacro, o garantismo

    pode servir de importante mecanismo na construo das condies depossibilidades para o resgate das promessas da modernidade.4

    Na esfera penal, a modernizao exige uma modificao de fatores

    extrajurdicos. Luigi Ferrajoli, em vrios momentos, alerta para o carter

    4STRECK, Lenio Luiz. Da Utilidade de uma Anlise Garantista para o Direito Brasileiro.

    Disponvel em:www.femargs.com.br/revista02_streck, consulta em 06/12/2007.

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    heteropoitico do Direito, ou seja, do ponto de vista externo do Direito, como o

    prprio filsofo esclarece.

    Portanto, a soluo das mazelas criminais no estaria no Direito Penal,

    mas em fatores externos. Em um Estado Social de Direito, a soluo encontra-se na

    valorizao do prprio ser humano.

    Assim, fatores como educao, psicologia e assistncia social so

    cruciais nessa luta contra a criminalidade. Alm disso, a existncia de uma

    instituio que, alm de assistncia jurdica aos necessitados, possa tambm dar um

    direcionamento multidisciplinar aos rus hipossuficientes, resultaria em uma

    conseqente queda dos ndices de reincidncia e criminalidade.

    Nesse contexto, a Defensoria Pblica deve seguir tal objetivo de

    modernidade. A estruturao da instituio com as demais cincias afins ao Direito,proporcionando o estudo social e familiar do preso, a assistncia social a seus

    familiares, a anlise psicossocial dos infratores e de seu meio, fundamental na luta

    contra o crime e a violncia.

    Recentemente, o Brasil se deparou com um fenmeno social e jurdico,

    que vale citar neste estudo a ttulo de exemplo: a evoluo do crime organizado no

    Estado de So Paulo, denominado PCC- Primeiro Comando da Capital.

    A evoluo desse fenmeno apresenta direta correlao com o que foi

    citado alhures em relao segurana pblica, pois surgiu em decorrncia dadesorganizao do Estado, em razo da ausncia de monitoramento de entrada e

    sada de presos, bem como seu cumprimento de pena redundou na ecloso de uma

    srie de eventos sociais, com uma conseqente srie de atos atentatrios

    segurana pblica e aos cidados.

    Longe de ser um fenmeno oriundo da impunidade, tal ocorreu em

    decorrncia da falncia do Estado em aplicar eficazmente a Lei de Execues

    Penais. Assim, criminosos mais influentes e com um nvel cultural mais privilegiado

    aproveitaram da falncia estatal para controlar a entrada e sada de presos e suaatuao na sociedade.

    O informativo constante do ANEXO 3 desta pesquisa esclarece muito bem

    a origem e o progresso da faco criminosa denominada PCC.

    As falhas de um Estado Social de Direito geram a evoluo de tais

    faces que buscam, inicialmente, reivindicar simples direitos dos presos, previstos

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    na Lei de Execuoes Penais e na Constituio da Repblica, ou seja, via de regra as

    reivindicaes so legais e legtimas.

    Em um Estado onde os cidados (os presos tambm so cidados, na

    concepo ampla da palavra) no tm seus direitos bsicos e constitucionais

    observados, a revoluo velada inevitavel. O PCC no seno o resultado da falta

    de assistncia jurdica, social, familiar e educacional aos presos.

    O Estado do Rio de Janeiro tambm observou a origem de tais

    movimentos e fortaleceu a Defensoria Pblica. O resultado dessas medidas sero

    observados ao longo do tempo, pois medida que o preso percebe que seus

    direitos e garantias constitucionais esto assegurados, torna-se menos suscetvel

    influncia de movimentos e organizaes criminosos.

    Pode-se concluir que a instituio Defensoria Pblica imprescindivelpara a instalao de um Estado Social de Direito e do Sistema Garantista no pas.

    Como o prprio filsofo Luigi Ferrajoli esclarece no incio do presente trabalho,

    quando define o Garantismo: Trata-se de um modelo-limite, apenas

    tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatvel.5

    Isso porque a soluo no se encontra em fatores jurdicos, mas

    metajurdicos como: emprego, habitao, sade, educao e assistncia familiar.

    No plano jurdico, o fortalecimento da Defensoria Pblica um fator

    extremamente importante a ser considerado, pois a defesa pblica realiza o objetivode dar a cada um a justia devida.

    5FERRAJOLI. Op. cit. p.74.

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    CONCLUSO

    A sociedade brasileira vem passando por uma profunda transformao

    social, econmica e jurdica. A classe mdia, a cada dia, empobrece mais e, com

    isso, os servios da instituio Defensoria Pblica, antes requisitados

    prioritariamente somente por aqueles membros da classe mais pobre e carente,

    esto sendo mais procurados por cidados com nvel de escolaridade mdio ou, at

    mesmo, superior.

    O empobrecimento da classe mdia tem alertado para a relao entre

    criminalidade e pobreza, sendo que se pode afirmar, atravs do estudo apresentado,

    que no h como resolver um problema conjuntural apenas atravs de soluespontuais e isoladas.

    Diante de tal realidade, o fortalecimento da instituio ora em estudo e

    que tem como funo essencial a representao dos menos favorecidos,

    inevitavelmente, significaria a reduo no ndice de criminalidade em decorrncia,

    inclusive, do maior respaldo que passaria a ter o ordenamento jurdico aos olhos do

    prprio delinqente.

    Neste jogo onde no se sabe mais quem a caa e quem o caador,

    com o fortalecimento da defesa pblica, o criminoso no poderia mais justificarseus atos pela falta de amparo social e jurdico.

    O antigo binmio preveno geral e preveno especial, misso do

    Direito Penal de acordo com os prevencionistas, com o fortalecimento da Defensoria

    Pblica, adquiriria uma nova roupagem, qual seja: de preveno pela educao e

    pela representao digna daqueles a quem a lei se dirige.

    O Direito Penal um ramo do Direito que possui motivao e razo de

    existir extremamente elitista. Tal afirmao justifica-se porque, atravs de uma

    simples consulta ao ordenamento jurdico penal, possvel verificar que um crime defurto possui preceito secundrio eqitativo a um crime de violncia domstica ou de

    leso corporal de natureza grave, o que afronta, explicitamente, o Princpio da

    Proporcionalidade, posto que supervaloriza-se mais o bem jurdico propriedade em

    nosso Direito ptrio, em detrimento do bem jurdico vida/integridade fsica.

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    Nesse sentido, com o fortalecimento da instituio responsvel pela

    representao dos mais carentes, a justia transforma-se em instrumento menos

    repressor e mais garantidor.

    Em suma, a plena consolidao da filosofia Garantista de Luigi Ferrajoli,

    no ordenamento jurdico brasileiro, deve passar necessariamente pela dignificao

    da defesa pblica, tendo em vista que o direito de defesa uma garantia

    intimamente relacionada com o fundamento republicano da dignidade da pessoa

    humana.

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    REFERNCIAS

    BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1998.Dirio Oficial da Unio. Braslia. 05 out. 1998.

    BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Dispe sobre o ProcessoPenal e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio. Braslia, 13 out. 1941.

    BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Dispe sobre a Lei de ExecuesPenais e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio. Braslia, 13 jul. 1984.

    CARNELUTTI, Francesco. As misrias do Processo Penal. So Paulo: EditoraEdicamp, 2001.

    FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razo Teoria do Garantismo Penal. So Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2002.

    GALVO, Fernando da Rocha. Poltica Criminal. Belo Horizonte: EditoraMandamentus, 2002.

    GOMES, Luiz Flvio; DE MOLINA, Antonio Garca-Pablos; BIANCHINI, Alice -DIREITO PENAL. Introduo e princpios fundamentais. So Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2007. 1 volume.

    JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua ConformidadeConstitucional. So Paulo: Ed. Lmen Jris, 2007.

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    SANTIAGO. , Nestor Eduardo Araruna Princpio do Defensor Pblico Natural.Disponvel em Associao Nacional dos Defensores Pblicos: www.anadep.org.br,2008.

    STRECK, Lnio Luiz. Da Utilidade de uma Anlise Garantista para o DireitoBrasileiro. Disponvel em: www.femargs.com.br/revista02_streck.

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    ANEXO 1

    Ministro diz que Executivo falha na defesa do cidado

    No o Judicirio, mas o Executivo quem falha no sentido de garantir adefesa e a Justia para a populao mais pobre. Para o ministro Marco Aurlio, doSupremo Tribunal Federal, haver equilbrio quando as defensorias pblicas (federale estadual) forem equipadas e valorizadas como prev a Constituio.

    Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, Marco Aurlio defendeu aampliao dos quadros da Defensoria Pblica e salrios mais altos para osprofissionais que atuam em nome do cidado comum, sem condies de contrataradvogados.

    De acordo com ele, as defensorias estaduais esto sobrecarregadas eno conseguem dar conta da demanda. "Quem pode contratar um advogado temuma situao muito mais confortvel. Est pagando e pode cobrar", disse.

    Segundo a Associao Nacional dos Defensores Pblicos (Anadep), hcerca de 5 mil profissionais em todo o pas. O ideal, na avaliao da entidade, seriaum total de cerca de 12 mil profissionais. O salrio mdio inicial de R$ 7 mil a R$ 8mil. Mas em Estados como o Esprito Santo a situao vexatria, sendo aremunerao dos Defensores nfima, quase que simblica, levando muitosprofissionais ao desespero ou ao abandono da carreira. E quem sofre o pobre.

    Marco Aurlio lembra que papel constitucional do Estado dar assistnciajurdica ao cidado. "No favor, o Estado tem a obrigao de proporcionar, queles

    que no podem contratar um advogado, assistncia jurdica e judiciria. Isso est norol das garantias constitucionais, no rol das garantias do artigo quinto daConstituio, afirmou.

    Na avaliao do ministro, h uma falsa percepo das funes do PoderJudicirio. Para ele, se a Justia para os ricos porque existem fragilidades nosistema que levam a essa situao e precisam ser sanadas. O ministro garantiu:quando um processo chega ao STF no tem capa e julgado de forma imparcialpelos integrantes da Corte, independentemente de quanto o envolvido tem no bolso.Abaixo, os principais trechos da entrevista.

    Fortalecimento da defesa dos pobresAcessoNo campo penal, temos o Habeas Corpus. Se a Defensoria Pblica no

    atua, no h como chegar ao Supremo. Isso depende, quanto aos menosafortunados, da estrutura da Defensoria Pblica. Est na hora de o Estado perceberque a assistncia jurdica e judiciria para aquele que no pode contratar umadvogado uma garantia constitucional que tem que ser proporcionada pelo Estado.O Estado precisa estruturar devidamente as defensorias pblicas, remunerandocondignamente os integrantes, no mesmo nvel da advocacia acusadora que exercida pelo Ministrio Pblico para ter-se um equilbrio de armas.

    AmpliaoOs quadros da Defensoria Pblica so deficientes, considerada a

    demanda e considerada a busca do exerccio da cidadania pelo cidado. Acaba que

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    as defensorias esto sobrecarregadas, no esto dando conta da demanda. E quempode contratar um advogado tem uma situao muito mais confortvel. Estpagando e pode cobrar.

    DistoroO leigo no percebe que a Justia s funciona mediante provocao.

    um rgo inerte e depende da provocao do interessado. Evidentemente, notemos iniciativa. A iniciativa do prprio cidado, via advogado ou defensor pblico.O leigo acha que simplesmente a Justia apenas para os ricos. para os ricosporque o sistema fragilizado. Se as defensorias pblicas estivessem realmentebem estruturadas, como o Ministrio Pblico, a a coisa seria diferente.

    DistinoRepito o que sempre disse na minha vida de juiz: o processo no tem

    capa,