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GÁS NATURAL por CLÁUDIA SCHÜFFNER Consumo aumenta 14% em 2004; governo e Petrobras analisam alternativas para evitar que demanda supere oferta em 2008 O mercado de gás natural vive um “boom” de crescimento no Brasil. Por causa disso, a Petrobras, a principal fornecedora do insumo, e o próprio governo analisam as possibilidades de ampliação da oferta, não apenas por meio da expansão da rede de gasodutos, como também pelo aumento das importações da Bolívia, a antecipação da produção do gás descoberto na bacia de Santos e até a possibilidade de importar gás boliviano por meio da Argentina, via gasoduto TSB, no Sul do país. Sem reajuste desde janeiro de 2003, preço do gás natural se tornou mais competitivo em relação a insumos como óleo combustível e diesel Atualmente, o Brasil consome cerca de 35 milhões de m3 de gás por dia, excluído daí o consumo da Petrobras em suas instalações em terra e no alto mar, o que é visto com apetite pelas empresas detentoras de reservas de gás na Bolívia. Essas empresas identificam o Brasil como o maior mercado potencial para “monetizar” o gás, ou seja, transformá-lo em receitas. O atual consumo do país representa um aumento de 14% em relação aos 30,7 milhões de m3 comercializados ao longo dos 12 meses de 2003. A Petrobras registra aumento de 13% nas vendas de gás natural entre janeiro e julho deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, o que aponta para a consolidação das previsões do plano estratégico da companhia, que projeta crescimento anual do mercado em 14,4% até 2010. Estudos de mercado feitos pelo setor privado mostram que em 2008 o Brasil poderá se deparar com uma demanda de gás 20 milhões de m3 acima da oferta, o que já está sendo analisado pelo próprio Ministério de Minas e Energia (MME). Há quem considere que esse volume é até conservador por levar em conta apenas a necessidade de fornecer 50% da capacidade de geração das termelétricas instaladas no país. Juntas, elas terão capacidade de consumir entre 32 milhões e 45 milhões de m3 de gás natural, dependendo do cálculo que se faça e da fonte consultada. Na Petrobras, a previsão é que se todas as térmicas fossem ligadas ao mesmo tempo, considerando a capacidade total de produção das usinas TermoRio, Piratininga e a térmica de Cubatão, da Petrobras, ainda em fase de projeto, o consumo térmico do Brasil seria de 32 milhões de m3/dia. Mas como essas usinas só entrariam em operação em caso de colapso do nível de armazenamento dos reservatórios de água das hidrelétricas, ninguém acredita que será necessário usar um volume desse porte para consumo das termelétricas. A própria ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, ressalta que, hoje, com os mecanismos criados no novo modelo do setor elétrico, a necessidade de entradas dessas usinas para suprir a deficiência de geração hídrica é mais fácil de ser monitorada e antecipada, o que a seu ver permite maior flexibilidade para uso do gás por outros consumidores que não as térmicas. De concreto sobre a demanda brasileira até o final da década existe a previsão da Petrobras em seu plano estratégico, onde projeta um consumo de 77,6 milhões de m3 no Brasil em 2010, dos quais 27,1 milhões de m3 utilizados por termelétricas e 36,7 milhões de m3 utilizados pela indústria.

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GÁS NATURAL por CLÁUDIA SCHÜFFNER

Consumo aumenta 14% em 2004; governo e Petrobras analisam alternativas para evitar que demanda supere oferta em 2008

O mercado de gás natural vive um “boom” de crescimento no Brasil. Por causa disso, a Petrobras, a principal fornecedora do insumo, e o próprio governo analisam as possibilidades de ampliação da oferta, não apenas por meio da expansão da rede de gasodutos, como também pelo aumento das importações da Bolívia, a antecipação da produção do gás descoberto na bacia de Santos e até a possibilidade de importar gás boliviano por meio da Argentina, via gasoduto TSB, no Sul do país.

Sem reajuste desde janeiro de 2003, preço do gás natural se tornou mais competitivo em relação a insumos como óleo combustível e diesel

Atualmente, o Brasil consome cerca de 35 milhões de m3 de gás por dia, excluído daí o consumo da Petrobras em suas instalações em terra e no alto mar, o que é visto com apetite pelas empresas detentoras de reservas de gás na Bolívia. Essas empresas identificam o Brasil como o maior mercado potencial para “monetizar” o gás, ou seja, transformá-lo em receitas. O atual consumo do país representa um aumento de 14% em relação aos 30,7 milhões de m3 comercializados ao longo dos 12 meses de 2003. A Petrobras registra aumento de 13% nas vendas de gás natural entre janeiro e julho deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, o que aponta para a consolidação das previsões do plano estratégico da companhia, que projeta crescimento anual do mercado em 14,4% até 2010.

Estudos de mercado feitos pelo setor privado mostram que em 2008 o Brasil poderá se deparar com uma demanda de gás 20 milhões de m3 acima da oferta, o que já está sendo analisado pelo próprio Ministério de Minas e Energia (MME). Há quem considere que esse volume é até conservador por levar em conta apenas a necessidade de fornecer 50% da capacidade de geração das termelétricas instaladas no país. Juntas, elas terão capacidade de consumir entre 32 milhões e 45 milhões de m3 de gás natural, dependendo do cálculo que se faça e da fonte consultada.

Na Petrobras, a previsão é que se todas as térmicas fossem ligadas ao mesmo tempo, considerando a capacidade total de produção das usinas TermoRio, Piratininga e a térmica de Cubatão, da Petrobras, ainda em fase de projeto, o consumo térmico do Brasil seria de 32 milhões de m3/dia. Mas como essas usinas só entrariam em operação em caso de colapso do nível de armazenamento dos reservatórios de água das hidrelétricas, ninguém acredita que será necessário usar um volume desse porte para consumo das termelétricas. A própria ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, ressalta que, hoje, com os mecanismos criados no novo modelo do setor elétrico, a necessidade de entradas dessas usinas para suprir a deficiência de geração hídrica é mais fácil de ser monitorada e antecipada, o que a seu ver permite maior flexibilidade para uso do gás por outros consumidores que não as térmicas.

De concreto sobre a demanda brasileira até o final da década existe a previsão da Petrobras em seu plano estratégico, onde projeta um consumo de 77,6 milhões de m3 no Brasil em 2010, dos quais 27,1 milhões de m3 utilizados por termelétricas e 36,7 milhões de m3 utilizados pela indústria.

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Para atender esse crescimento gigantesco a Petrobras reservou US$ 6,1 bilhões para investimentos na área de gás e energia, dos quais US$ 3 bilhões estão destinados à expansão da malha de gasodutos, ao desenvolvimento de projetos de gás natural comprimido (GNC) e gás natural liquefeito (GNL). Os outros US$ 3,1 bilhões estão reservados para investimentos na conclusão de projetos em andamento.

Entre as razões que levaram ao aumento do consumo de gás está a manutenção dos preços do gás importado, sem reajuste desde janeiro de 2003 mesmo com a alta do petróleo, o que tornou o gás mais competitivo do que outros insumos, como o óleo combustível e o óleo diesel, fazendo também saltar as vendas de gás natural veicular (GNV). Some-se a esses fatores uma política de descontos para o consumo adicional de gás boliviano pelas distribuidoras e o aumento da geração de energia por parte das usinas termelétricas da Petrobras e fica fácil entender por que o Ministério de Minas e Energia não descarta a antecipação de projetos de produção e transporte de gás enquanto mapeia toda a cadeia de consumidores atuais e potenciais do gás natural para começar a desenhar o novo marco regulatório do setor.

Para o diretor de Gás Natural da Petrobras, Ildo Sauer, o que está acontecendo é um problema que todos sonham ter que debelar. “Estamos vendo uma das melhores crises que qualquer gestor gostaria de administrar, que é o espetáculo do crescimento da demanda de gás no Brasil, afirma Sauer. Segundo ele, a Petrobras está fazendo a gestão da oferta e demanda para atender ao mercado, e não haverá falta de gás.

Presidente do conselho de administração da Petrobras, Dilma Rousseff não descarta a necessidade de expansão do gasoduto Bolívia Brasil (Gasbol), que é controlado pela TBG/Gaspetro, e nem a antecipação do início da produção de gás no bloco BS-400 da Petrobras. Para desenvolver essa descoberta e começar a produzir gás em Santos, serão necessários investimentos calculados em US$ 1 bilhão, que não estão previstos no planejamento estratégico da companhia, já que as reservas ali não foram sequer delimitadas. Essa antecipação da produção não está sendo discutida apenas em Brasília. A Petrobras já recebeu ofertas de parceria de pelo menos três empresas para dividir os investimentos em Santos: Repsol, BG e a noruguesa Statoil.

Enquanto a própria TBG já registra aumento do consumo de gás da Bolívia, o governo não descarta a possibilidade de ampliar em 4 milhões de m3 a capacidade de transporte do Gasbol. O assunto está sendo acompanhado com interesse pelo mercado, já que existem dúvidas quanto à forma como se dará essa ampliação. Para o economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), que trabalhou na Agência Nacional de Petróleo (ANP) e é um dos responsáveis pela atual regulação para o setor de gás, qualquer expansão de dutos já existentes no Brasil deve ser feita por meio de um concurso aberto, o que permitiria que qualquer empresa se candidatasse a investir na ampliação. A dúvida atual é se esse investimento poderá ser feito exclusivamente pela Petrobras, que além de ter 51% do Gasbol é responsável pelas garantias para os empréstimos obtidos para financiar a construção do gasoduto, que custou US$ 1,8 bilhão. Pires acha que a nova lei do gás deve dar garantias de uso exclusivo apenas para quem investir na construção de gasodutos em locais que hoje não têm acesso a esse combustível.

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Já o presidente da Repsol YPF no Brasil, João Carlos de Luca, também presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP), vê a crescente demanda por gás, notadamente pelo mercado industrial e o térmico, como irreversível. Mas explica que ainda faltam definições que ajudem a tomada de decisão quanto a investimentos, notadamente em questões relacionadas à liberdade para formação dos preços do gás.

O importante é que a definição do marco regulatório da área de gás natural traga claramente o papel reservado às empresas privadas e os demais agentes, incluindo as distribuidoras, tanto as privadas quanto as estaduais, assim como a Petrobras, afirma de Luca.

Romero Silva,da Abegás: “Desordem de regulação e planejamento”

Hoje, o setor de gás é regulamentado na esfera federal pela Lei 9.478 (do Petróleo) e por seis portarias da ANP. Outras definições que são aguardadas pelo mercado dizem respeito à regra para acesso a novos gasodutos, os prazos de exclusividade no caso de novos empreendimentos e o tipo de modelo que será adotado, que pode ser o de concessão ou de autorização. O assunto está sendo observado de perto no Senado, onde o ex-ministro Rodolpho Tourinho (PFL-BA), criador do Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT), e o ex-diretor de gás e energia da Petrobras, Delcídio Amaral (PT-MS), discutem com agentes as expectativas em relação ao novo marco regulatório.

Entre os que já se reuniram com os senadores estão empresas como a Shell, El Paso e BG, além da Associação Brasileira das Distribuidoras de Gás (Abegás) e distribuidoras estaduais, como a Bahiagás e a Comgás. Tourinho explica que sua maior preocupação é com o transporte de gás, que a seu ver sempre foi tratado pela Petrobras como secundário.

Minha intenção é a de colaborar para solucionar problemas como os de fornecimento de gás para o Nordeste, que não tem uma fonte de energia alternativa. O Brasil precisa ter um marco regulatório, sobretudo no transporte, porque sem ele dificilmente o setor se desenvolverá. Também é preciso levar gás até onde ele não existe e resolver os problemas que estão impedindo a construção dos gasodutos como os de Manaus, diz o senador.

O presidente da Abegás, Romero de Oliveira e Silva, para quem hoje “há uma desordem de regulação e planejamento no setor de gás, o governo precisa centralizar as decisões levando em conta os diferentes desafios regionais. “O governo não tem dinheiro e o investimento fica com a Petrobras, mas existe uma dificuldade de harmonização, já que é ela que tem o controle e o planejamento, sem deixar espaço para os outros agentes, afirma Silva.

Segundo a Abegás, uma das principais preocupações é com a regra de preço do gás, sem a qual as distribuidoras não poderão definir investimentos, e a falta de definição quanto às regras de transporte. Outro ponto ressaltado por Silva diz respeito à atual indisponibilidade de empréstimos do BNDES, hoje limitados à forte presença estatal nas empresas, que ou têm controle estadual compartilhado com a Petrobras, ou funcionam em um modelo tripartite, com a presença ainda de um investidor privado.

Outra preocupação é com a cobrança de taxas por prefeituras onde passam os tubos dos gasodutos e pelo uso do solo em faixas junto às rodovias federais, cobradas pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura e Transportes (DNIT), sucessor do DNER. Silva, que também é presidente da pernambucana Copergás, diz que entrou com ação na Justiça para determinar se cabe o pagamento dessa licença. Segundo ele, é difícil para empresas estatais justificar esse tipo de pagamento aos Tribunais de Contas.

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João Carlos de Luca, da Repsol YPF e do IBP: lei precisa definir papel das empresas privadas

Com a participação relevante da Petrobras em qualquer direção que se olhe o mercado de gás, a questão é saber se o novo modelo do gás permitirá que a estatal continue a ter presença dominante no mercado nacional. Dilma Rousseff avalia que isso vai depender do interesse dos demais agentes. Até que todas essas dúvidas sejam esclarecidas, a única empresa que está programando investimentos no país é a Petrobras.

Antes de definir um aumento das compras de gás da Bolívia ou de tentar estimular alternativas de suprimento, a ministra explica que será preciso aguardar o resultado da votação da Lei de Hidrocarburos apresentada pelo governo daquele país. A lei, apresentada ao Congresso da Bolívia, propõe entre outras coisas a criação de uma empresa estatal, revertendo a privatização da YPFB, processo que naquele país ficou conhecido como “capitalização. Companhias como Repsol, Enron, Shell e BG compraram 50% das reservas de gás e a rede de gasodutos, e os 50% restantes ficaram com fundos de pensão.

Hoje, a Repsol YPF é a maior produtora de gás na Bolívia, onde outra companhia gigante com reservas imensas é a inglesa BG. No Brasil, ambas são acionistas das distribuidoras de gás alojadas nos principais mercados: São Paulo, onde a BG divide com a Shell o controle da Comgás; e no Rio de Janeiro, onde a Ceg e a Ceg Rio são controladas pela espanhola Gas Natural, da qual a Repsol tem 33% das ações. Os espanhóis, que compraram a estatal argentina YPF, hoje medem forças com a Petrobras também naquele país, onde a brasileira fincou o pé comprando ativos de três companhias: Eg3 (antes controlada pela Repsol), Companhia Petrolera Santa Fé e Perez Companc, hoje Petrobras Energia.

Já a Petrobras, que em associação com a Repsol e a francesa Total descobriu gás na Bolívia sem ter adquirido qualquer ativo estatal, é grande produtora nos dois países. Além disso, ela tem como trunfo o controle sobre a TBG, que por sua vez controla o Gasbol, ainda o único ponto de entrada de gás importado no país até que seja construído o TSB, que levará gás da Argentina para a região Sul. Outro ponto que pesa a favor da Petrobras nesse jogo de forças é o fato de ela ser dona de toda a rede interna de gasodutos, através de sua subsidiária Transpetro, e de ser ainda a única produtora de gás no Brasil.

Esse emaranhado de interesses comerciais não é desconhecido do governo brasileiro. Dilma Rousseff explica que seu objetivo é construir um novo marco regulatório para o gás que contemple a presença de todos os agentes, mas ela admite que hoje vê apenas a Repsol YPF e a BG como os grandes “players” desse segmento, além da Petrobras. Evitando fazer comentários sobre a expectativa do governo brasileiro em relação a um acordo com o governo boliviano para reduzir o preço do gás boliviano, ela adianta apenas que uma das questões que pretende regular diz respeito ao preço das tarifas de transporte. Para isso o MME estuda toda a estrutura de preços da malha de gasodutos do país

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