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    DEBATE

    DE

    BATE

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    1Departamento de MedicinaPreventiva e Social, FCM/UNI CAMP. Rua Amrico deCampos 93, CidadeUniversitria. 13083-040Campi nas [email protected]

    Reforma poltica e sanitria:a sustentabilidade do SUS em questo?

    Health and political reform: is the Brazilian National

    Health Care System sustainability in question?

    ResumoEste artigo apresenta sete estratgias con-sideradas relevantes para assegurar o prossegui-

    mento da reforma sani tri a brasi leir a e facil i tar

    a consolidao do SUS.

    Palavras-chave Poltica de sade, Reforma sani-tria, Modelo de ateno

    AbstractThis paper presents seven strategies con-sidered to be relevant to ensure the conti nuity of

    the Brazili an National Health Care System con-

    solidation and health care reform.

    Key words Health poli cies, Health care reformand Health care model

    Gasto Wagner de Sousa Campos 1

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    Haveria uma interrupo no desenvolvimento doSUS? Talvez no. H sintomas tanto de cresci-mento quanto de degradao, portanto, ele ain-da se move. No entanto, o devir do SUS nemsempre aponta para seu fortalecimento; h evi-

    dncias da existncia de impasses na sua implan-tao: financiamento insuficiente; ateno prim-ria crescendo, mas em velocidade e com qualida-de abaixo da necessria; regionalizao e integra-o entre municpios e servios quase virtual; e,ainda, eficcia e eficincia de hospitais e serviosespecializados abaixo do esperado1,2,3.

    Mais grave do que tudo isso, contudo, aimpresso de que h um desencantamento como SUS ou, talvez, um descrdito quanto a nossa(movimento sanitrio, polticos, gestores, pro-fissionais, entre outros) capacidade para trans-formar em realidade uma polti ca to generosa e

    racional. Estes sinais de crise, segundo minhamodesta opinio e meu imenso desejo, no de-pem necessariamente contra as diretrizes cen-trais do sistema. Isto porque o SUS ainda umareforma social incompleta4, alm do que sua im-plantao heterognea, desigual, conforme ca-ractersticas geopolticas ou geo-culturais de cadaregio5; neste sentido, com certeza, a irregulari-dade com que vem interferindo de modo positi -vo sobre a vida cotidiana da maioria do povotem contribudo para esse desinteresse.

    A recuperao de prestgio para o projeto doSUS se que algum dia de fato ele o teve depende de uma trade complexa: primeiro, decriar-se um movimento de peso em defesa depolticas de proteo social e distribuio de ren-da; segundo, de que algum consiga apresent-lo para a sociedade como uma reforma socialsignificativa e que teria grande impacto sobre obem-estar e proteo social, indicando, com ob-jetividade, os passos e programas necessrios; eterceiro, paradoxalmente, sua legitimidade de-pende muito de seu desempenho concreto, de suaefetiva capacidade para melhorar as condiessani trias e a sade das pessoas; nesse caso, a

    baixa capacidade de gesto, a politicagem, tudodepe contra o SUS, independente do potencialsanitrio contido em suas promessas.

    As foras interessadas no avano do SUS es-to, pois, obrigadas a enfrentar estes obstculospolticos, de gesto e de reorganizao do mode-lo de ateno, cuidando, ao mesmo tempo, dedemonstrar a viabilidade da universalidade e daintegralidade da ateno sade.

    Listo algumas alternativas que me parecemmeios para garantir esse movimento de mudana:

    1- Estimular a constituio de um poderoso

    e multifacetado movimento social e de opinioem defesa do bem-estar e da instituio de polti -cas de proteo social no Brasil. A luta pelo siste-ma de sade deveria juntar-se peleja pela distr i-buio de renda, por polti cas de recuperao de

    moradias e de espaos urbanos degradados, pelaeducao e segurana pblicas. Trazer ao debatea cifra que poderia migrar do setor de servio dadvida e pagamento de juros para o campo soci-al6: 50 bilhes, por exemplo. Dez bilhes, a mais,investidos no SUS somente pelo governo federal,10 para a educao pblica, 10 para programashabitacionais, de saneamento e de recuperaodo ambiente, 4 bilhes em programas compen-satrios, outros 4 para programas de gerao derenda e combate ao desemprego e outras possi-bil idades, muitas.

    Tampouco considerar como um dado estru-

    tural imutvel a misria, a violncia urbana; re-jeitar e criticar com veemncia o mau funciona-mento das organizaes pblicas: recusar a con-tinuidade indefinida da escola que no ensina,do hospital que no cura, da polcia que no au-menta a segurana. Enfim, uma estratgia im-portante seria articular a defesa do SUS s refor-mas da ordem social e poltica brasileira.

    Distribuio de renda j e sade para todos.2- Se h insuficincia de recursos para o SUS,

    h tambm problemas na sua utilizao e ge-renciamento. Alm de buscar-se alternativa paraampliar o financiamento a principal fonte, semdvida, seria diminuir o supervit primrio ealterar a polti ca de juros que interfere no clcu-lo de parte substancial da dvida , haveria tam-bm que se reformular com rapidez o modelode repasse de recursos aos estados, municpiose servios7.

    Talvez adotar-se um modelo misto: transfe-rncia de uma parte dos recursos com base nacapacidade instalada, populao e encargos sa-nitrios; e outra com base em contratos de ges-to elaborados entre os entes federados e queespecifiquem metas e compromissos de cada ges-

    tor. Esta mesma modalidade de financiamentopoderia ser utilizada entre gestor local e presta-dores de servios8.

    O contrato de gesto uma modalidade derelao interinsti tucional com grande potenciali-dade. Primeiro, porque explicita os programasconcretos de cada gestor; segundo, introduz emalguma medida uma modalidade real de co-ges-to sem diminuir a autonomia e a responsabili-dade do encarregado pela execuo da ateno sade; terceiro, define com clareza a responsabi-lidade sanitria de cada ente federado; e, ainda,

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    institui um sistema regular de avaliao de resul-tados bastante vinculado dinmica da prpriagesto.

    3- A sustentabilidade poltica e econmica e alegitimidade sanitria do SUS dependem tambm

    de um processo de mudana do modelo de aten-o realizado de maneira progressiva, mas quetivesse um grau importante de concomitncia emtodo o pas. J existem diretrizes para essa reor-ganizao; em geral, so aquelas originrias datradio dos sistemas pblicos de sade: funcio-namento em rede de servios com co-responsa-bili dade e carter complementar da ateno; im-portncia estratgica da ateno primria, rede-finio do papel do hospital e das especialidades(desospitalizao); trabalho interdisciplinar e re-definio dos paradigmas tradicionais da medi-cina e da sade pblica; planejamento segundo

    necessidades de sade, eficcia e eficincia e ges-to com avaliao de resultados e do desempe-nho; regionalizao e hierarquizao da ateno;integralidade sanitria com atuao clnica e pre-ventiva do sistema; universalidade e sade comodireito. O Brasil acrescentou ainda o conceito desistema descentralizado que combinasse autono-mia com o funcionamento em uma rede integra-da; e tambm o de gesto participativa.

    Esta tradio iniciou-se na Europa, aindadurante a primeira metade do sculo XX, e temse mantido em vigncia apesar da onda neolibe-ral tendente a descontruir pol ticas pblicas.

    O modelo de ateno brasileiro passa por umperodo de transio, em que ainda predomi-nam restos do antigo modo de organizar a aten-o, muito semelhante ao nor te-americano, cen-trado em hospitais, especialistas, com pequenograu de coordenao e de planejamento da assis-tncia e com uma sade pblica restrita vigi-lncia epidemiolgica e sanitria. Esta caracters-tica um obstculo ao desenvolvimento do SUS,uma vez que impe um padro de gastos inade-quado s necessidades de sade e ao movimentode reforma do sistema.

    4- Dentro dessa linha de mudana de mode-los, h uma diretr iz que, se adotada, teria grandepossibilidade de ampliar a eficincia, eficcia ehumanizao do Sistema. Trata-se da criao demecanismos organizacionais, que torne clara ebem estabelecida a responsabilidade sanitriados entes federados, dos servios e das equipesde sade.

    Instituir arranjos, que garantam clareza naresponsabili zao, implicar uma verdadeira re-voluo cultural e uma real alterao dos padresde gesto contempornea, balizando com dados

    concretos o planejamento, os contratos de ges-to e o acompanhamento permanente de siste-mas locais e de servios de sade.

    Poder-se-ia, para fins analticos e de gesto,classificar a responsabili dade em macro e micro-

    sanitria.A responsabilidade macro-sanitria volta-se

    para a regionalizao do Sistema, buscando adefinio precisa do qucompete a quem. Paraisto, seria fundamental a criao de um organis-mo em cada regio de sade ( semelhana dasCmaras Bipartites), com poder para estabele-cer planos regionais, acompanhando e avalian-do a gesto regional. Significa definir que moda-lidade e que volume de ateno caberia a cadamunicpio. Dentro de cada cidade, estabelecer doque se encarregarcada servio hospitalar, de es-pecialidades ou de urgncias. Criar responsabili-

    dade macro-sanitria tornar efetivo e transpa-rente o encargo sanitrio de cada cidade e de cadaorganizao do Sistema. E, com base neste en-cargo, estabelecer compromissos de co-financi-amento entre os entes federados, bem como pos-sibilitar a gesto do acesso,,,,, de maneira que to-dos os necessitados de cada regio tenham aco-lhimento equnime.

    No caso de excesso de demanda, a adoo decritrios de risco para assegurar acesso a examescomplementares ou a outros procedimentos medida importante e complementar progra-mao de novos investimentos para correodestas distores.

    H ainda a responsabilidade micro-sanitriaque depende da reorganizao do trabalho emsade, quer na ateno primria, enfermarias,ambulatrios ou centros de especialidades. Estateria como alvo a inscri o de clientela com umadeterminada equipe interdiscipl inar. E tambm aconsti tuio de slidos vnculos teraputicos en-tre essa equipe de referncia e pacientes com seusfamiliares.

    Este tipo de organizao precisa atingir todosos servios do SUS, guardando-se as especifici-

    dades de cada organizao e de cada local. Cabe-ria a todas estas Equipes de Referncia a respon-sabilidade pela abordagem integral de cada casoem seu nvel de competncia. Durante o perodode tempo em que esteja encarregada do projetoteraputico de determinada pessoa, dever mo-bilizar recursos e rede de apoios necessrios paraa recuperao e aumento da capacidade de auto-cuidado (efeito Paidia) das pessoas e famliasenvolvidas.

    A alta somente ocorreria quando da transfe-rncia da pessoa sob cuidado a outra Equipe, lo-

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    calizada na rede bsica ou em outra rea especi-alizada. O tempo de espera no poderia consti-tuir-se em um l imbo assistencial. A equipe de re-ferncia prosseguiria com o projeto teraputicodurante a espera, inclusive interferindo nos crit-

    rios de acesso. Esta perspectiva reformula o fluxoburocrtico e impessoal decorrente dos sistemastradicionais de referncia e contra-referncia.

    No difcil compreender esta diretriz a daresponsabilidade sanitria -, tampouco com-plicado organizar-se arranjos que a faam funci-onar no cotidiano (pactos de gesto, contratoscom definio de encargos, programas clnicosou preventivos com carter vinculatrio). O dif -cil sustent-la ao longo do tempo, pois estesarranjos alteram as relaes de poder entre usu-rios, profissionais de sade e gestores.

    Em minha opinio, novos recursos financei-

    ros, que visem construir eqidade, no poderi-am ser acordados sem novos contratos que im-plicassem em redefinio de padres de respon-sabilidade macro e micro-sanitria.

    A reforma do sistema hospitalar e do atendi-mento especializado depende centralmente de suareorganizao segundo regras de vnculo e emacordo com um slido processo de contrato deresponsabilidades em cada uma das regies desade do Brasil.

    O planejamento e a gesto dos sistemas regi-onais devem ser coordenados pelas Secretarias deEstado da Sade com o concurso de municpios,organizados em Conselhos Regionais Bipartites,ou, at mesmo, em conselhos mais amplos queincluam tambm representao de usurios e dealguns prestadores considerados estratgicos. Dequalquer modo, a gesto e o planejamento doSUS regional devem ser realizados em co-gesto,em gesto compartilhada, ainda que a funo exe-cutiva fique a cargo das secretarias estaduais desade. No se justifica a criao de fundos regio-nais de sade sob responsabilidade dos estados,uma vez que o repasse direto ao municpio comresponsabilidade de referncia regional adequa-

    do e racional. Tampouco produtiva a organiza-o regional autnoma dos municpios em con-srcios, sem o concurso e coordenao dos esta-dos. Os consrcios devem se submeter aos dita-mes do rgo colegiado regional.

    5- Outro projeto de reforma em andamento,mas com ritmo e resultados ainda insuficientes, o da estratgia de Sade da Famlia. Pelo menos80% dos brasileiros necessitariam estar matricu-lados em equipes de ateno primria. Pela teoriados sistemas de sade, uma ateno pr imria quese responsabil ize por 80% dos problemas de sa-

    de de uma populao e que resolva 95% deles uma condio fundamental para a viabilidade,inclusive financeira, dos sistemas pbl icos de sa-de. Com essa finalidade, a equipes de atenoprimria necessitam operar com trs funes

    complementares: a clnica, a de sade pblica euma de acolhimento (atendimento ao imprevis-to e ateno demanda).

    No Brasil, temos valorizado a dimenso desade coletiva e subestimado as duas outras.Na Europa, observa-se tradio distinta, compredomnio da funo clnica, o que se refletena prpria composio das equipes, em geralreduzidas a um mdico generalista e a algunstcnicos de enfermagem. No Brasil, em funode algumas especificidades de nossa histria,influncia norte-americana (ateno primriafocal e voltada para programas preventivos ou

    de promoo) quando da definio do conceitode Centro de Sade e de ateno primria, e emdecorrncia da importncia da doutrina docampo da Sade Coletiva na constituio doSUS, tendemos a valorizar a funo de sadepblica na ateno primria em detrimento daao clnica. No seria por outro motivo quenosso programa ofi cial de ateno primria oPrograma de Sade da Famlia9 estipula amaior e mais complexa equipe entre todos ossistemas pblicos atualmente existentes.

    Toda esta confuso epistemolgica e doutri-nria, mais uma srie de inconsistncias na pol -tica e gesto desse programa, produziram umalentido na constituio do Programa de Sadeda Famlia ou similares no Brasil e isto tem com-prometido o SUS como um todo. O financia-mento aos municpios insuficiente sustentaressa equipe mnima, alm de medicamentos eoutras despesas, custa bem mais do que os re-passes. Os municpios no tm conseguido re-solver complexos entraves na gesto de pessoaltendo em vista o apoio tmido de estados e doMinistrio da Sade.

    A rede de sade da famlia vem sendo criada

    de maneira desarticulada com o restante do sis-tema, havendo pouca relao entre ateno pri -mria e especialidades ou hospitais.

    Restam ainda outros obstculos complica-dos tendo em vista a prpria legislao do SUS.Os municpios e estados brasileiros tm autono-mia at mesmo para no se comprometem como SUS, o que gera um contra-senso: a constitui-o no assegura direito sade?Um dos meiospara efetiv-lo, segundo a prpria lei magna, nopassaria pela criao de um sistema com tais equais caractersticas? Como poderia um munic-

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    pio ou um estado quinze anos aps a criaodo SUS recusar-se a no cumprir suas diretri-zes? Como poderia um municpio no apresen-tar um plano e realizar um contrato de gesto secomprometendo a criar tal ou qual rede de aten-

    o sade? Isto deveria mudar ou no? Comopoderiam os estados e a unio no destinaremrecursos para os contratos de gesto necessriosao projeto de efetiva constituio do SUS?

    No concebo autonomia sem responsabili-dade correspondente; assim, nenhum municpio,mediante contratos de mtuas obrigaes comEstado e Unio, estaria autorizado a no ter umapoltica, com metas e prazos bem definidos, deateno primria e de vigilncia em sade. Omunicpio que abrigar servios de referncia deabrangncia regional, em DST/AIDS, urgncia,cncer, entre outros, teria ainda - quinze anos

    depois da criao do SUS! - autonomia para serecusar a realizar contratos de gesto que asse-gurassem recursos e atendimento a populaoda regio? Minha resposta negativa, ainda quena prtica a postura de lavar as mos ainda sejapredominante entre os gestores envolvidos comessas questes. Quando as coisas no ocorremconforme as diretrizes ou os planos, sempre aexplicao seria algum fator externo ao ente fe-deral ou estadual em questo.

    Este seria outro aspecto da reforma dentroda reforma, um reordenamento necessrio, emminha opinio. O tempo para adiar a efetiva cri -ao da rede do SUS a cargo de cada municpio ede cada estado acabou. Quando faltassem recur-sos, este fato deveria ficar explcito, elaborando-se programas para futura execuo desses novosprojetos segundo sua prioridade.

    Outro entrave dentro desse tema estratgico extenso de uma rede de ateno primria parapelo menos 80% da populao a rigidez doprograma federal. A lgica do mdico e enfer-meira generalistas universal entre sistemas desade; no entanto, aqui o Programa de Sade daFamlia autoriza somente uma composio de

    equipe.Haveria que se trabalhar com vrias alterna-tivas de composio para as equipes, conformeas caractersticas de cada populao ou de cadaespao geo-cultural10desde que fossem assegu-radas as funes essenciais da rede bsica (capa-cidade de resolver problemas com aes clnicas,de sade coletiva e mediante o acolhimento).

    6 - Outro ponto essencial na reforma da re-forma a reviso do modelo de gesto aindaempregado no SUS, tanto aquele utilizado paraadministrar os servios prprios, quanto o vi-

    gente na relao com prestadores privados ou fi-lantrpicos. H que se considerar os limites dequalquer reforma gerencial ou do modelo de ges-to; em geral, o desempenho das organizaesdepende de um complexo de fatores, entre eles, o

    contexto poltico, econmico e cultural e no so-mente de alteraes tecno-gerenciais, ainda queestas interfiram no desempenho dos servios.Mesmo assim, importante complementar-se aLei Orgnica da Sade, criando novas modalida-des de organizao para os servios prprios doEstado e nova forma de relao entre entes fede-rados e prestadores privados ou filantrpicos.

    Acumulam-se evidncias sobre a inadequa-o do modelo atualmente vigente na adminis-trao direta para a gesto de hospitais e servi-os especiali zados. A rigidez exigida na execuooramentria, o emperramento na administra-

    o de pessoal, a excessiva interferncia polti-co-partidria, tudo isto tem levado grande n-mero de servios pblicos burocratizao emesmo degradao organizacional. Ao longodos anos, gestores inventaram remendos paracontornar parte destas dificuldades - ressalta-se a criao de autarquias, agncias e fundaesde apoio com a funo de facilitar a gesto fi-nanceira e de pessoal. Recentemente, apareceu aalternativa de delegar a gesto destes servios aentidades civis privadas, criando-se leis e nor-mas que permitiram a existncia de Organiza-es Sociais11ou OSCIP(s) integradas rede doSUS. Esta lt ima linha de mudana indica umadesistncia da administrao direta, j que in-veste em modalidades de gesto com base emcontratos entre o gestor restrito ao papel deregulador e entes privados sem fim lucrati-vos. Esta alternativa tem antecedentes no pas,uma vez que h anos existem convnios entre oSUS e Santas Casas, com problemas que se acu-mulam tanto em decorrncia da insuficincia definanciamento, mas tambm de problemas ge-renciais, ocorrendo tambm inmeros casos dedegradao organizacional.

    Esta discusso sobre o modelo de gesto parao SUS tem sido marcada por posies polares dedefesa do status quoda administrao pblica(estatistas) ou de privatizaes em diferentesmodalidades (privatistas), com fundamentaobastante ideolgica e principista. H necessidadede se construir proposta com amplo consenso,forte o suficiente para romper com a inrcia daltima dcada. Seria conveniente inverter-se estalgica, construindo-se um modelo indutivo; isto, compor um desenho organizacional a partirde um conjunto de caractersticas consideradas

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    importantes para o bom desempenho de hospi-tais e dos centros especializados do SUS. Isto,bvio, composto com as diretrizes e leis fundan-tes do sistema: respeitar o fato de que estes servi-os fazem parte de um sistema pblico, hierar-

    quizado e que devem funcionar em rede comoutros servios.

    Deste trabalho poderia surgir um desenhodo que seriam os Hospitais do SUS. Criar asOrganizaes do SUS; organizaes do SUS sobgesto municipal, estadual ou federal. Este novodesenho para a administrao direta deveria re-solver alguns dos entraves j identificados decor-rentes da atual legislao, que simplesmente es-tendeu para o SUS o modelo de gesto do Estadobrasileiro, sem considerar as especificidades docampo da sade e do SUS em particular.

    Assim, estes hospitais e organizaes do SUS

    poderiam incorporar, entre outras, as seguintescaractersti cas: maior autonomia e integrao aosistema mediante contratos de gesto; f inancia-mento misto (parte fixa e outra varivel) ; conse-lho gestor; direo executiva composta mediantecritrios tcnicos e seleo pblica, com mandatoe no como cargos de confiana; nova polti ca depessoal com a possibilidade de alguma modali-dade de contratao do tipo emprego pblico,com carreiras e avaliao de desempenho (re-munerao mista); polticas de recrutamento ede educao continuada estaduais e nacional.

    Resumindo, esta reforma do modelo de ges-to deveria diminuir o peso do governo (poderexecutivo) na gesto do SUS, com valorizao eampliao dos espaos de gesto compartilhada.

    7 - Desenvolvimento cientfico e incorpora-o de tecnologia em sade: Esta uma rea sen-svel, em que o SUS se relaciona diretamente como mercado; no caso, produtores de frmacos einsumos mdico-hospitalares, bem como com

    corporaes profissionais. O tema dos custoscrescentes em sade, em parte, depende de umagesto adequada desse fator. O Ministrio e se-cretarias de estado da sade devem consolidarpolti cas de parceria com universidades e institu-tos de pesquisa para desenvolver linhas de pes-quisa de interesse pblico, mas no necessaria-mente priorizados pela dinmica de mercado.Alm disto, fundamental que o SUS crie orga-nismos que cumpram com uma funo de fi lt ro,criando-se, por exemplo, um Centro de Anlisesobre incorporao tecnolgica que defina pro-cedimentos a serem ou no protocolados pelo

    sistema. Os critrios devem ser o de eficcia, efi-cincia e o de dano provocado, procurando cons-truir uma confiana nacional em seus veredictos,de modo que sirvam de orientao e apoio nosomente gesto do sistema, mas tambm aoMinistrio Pblico e Poder Judicirio. Setoresnecessariamente autnomos, mas que poderoapoiar-se em um organismo que demonstre isen-o e competncia no exerccio dessa funo defi lt ro em cincia e tecnologia.

    Em sntese: a defesa do SUS e o sucesso doSUS dependem da fora com que a sociedade bra-sileira coloque a vida das pessoas acima de todasas outras racionalidades, e ainda compreenda queas polticas pblicas podem se constituir em ummeio poderoso para a efetiva defesa da vida.

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