GAY_Legisladores Reconhecidos_in Guerras Do Prazer

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    PETER GAY

    A EXPERJENCIA BURGUESADA RAINHA vrrORIA A FREUD

    VOLUME5

    GUERRAS DO PRAZERTradUl;ao:

    ROSAURA EICHEMBERG

    CAr 3

  • 3LEGISLADORES RECONHECIDOS

    Emais faeil observar que explicar os g05tO,') da classe media vitoriana. En-tre as burgueses que iam a concertos au compravam obras de arte, havia asque desenvolviam predile~6es pr6prias, educando-se nos museus e salas deconcerto. Mas Qurros carregavam 0 estigma do que se poderia chamar indivi-dualismo conformista: urna rendi~ao ansiosa as modas dominantes sob aforma enganadora de. um julgamento privada. Em certos lares exclusivos daalta bUfguesia, 0 gosto seguia 0 status. Perto do final do seculo, 0 rornancis-ta americana Henry B. Fuller inventou uma Sfa. Bares - au, melhar, deli-neOU-J muira injustamente pelo modelo de uma magnifica parrona deChicago, a sra. Potter Palmer. Mostrando a sua casa a uma jovem, ela chamaa aten\ao para urn Corot, "pelo menos achamos que e urn Corot". Embora seumarido 0 tivesse eomprado "por sua pr6prio responsabilidade", ela conta aconvidada, "Eu deixei que Tosse acti,mre, pois, afinal, e natural esperar quepessoas da nossa posi\ao tenham urn Corot".J

    Dlal1te da variedade estonteante de tentac;6es, os nornens e mulheresricos de bam gusto nao viam nada de vergonhoso em se entr~gar aos cuida-dos:.\.dcautodesignados pedagogos: um marcband aSlL!tu, urn cspeciaHstaerudito, urn arbitrc social. A infllJencia de urn entusiasta pcrsuasivo sobrecolecionadores endinheirados podi;) sec consequente; Mary Cassatt, uma dasexiladas mais ricas estabelecidas em Paris e uma pintora consideraveJ porseus pr6prios meritos, dava conselhos aos amantes da arte que visitavam addade sobre as pinturas.que deviam comprar, tendo sido responsavel parenriquecer as cole\oes americanas - a que, nos dltimos anos, significava osmuseus americanos - com belos quadros impressioni.stas. '"Nao sem razao,a grande colecionadora americana Louisine Havemeyer, que muito a admira-va, chamava Cassatt de "madrinha".2 As decis6es esteticas tambem podiam

    e)E nao apenas impressionisms: Mary CaSS'lttdescobrit: na Espanha a magnlfica Assunraode El Greco, um dos q~adros expostos no Instituto de Arte de Chicago desde ]906, e persuadiuo magnata local Martin Ryerson, 0 patrono mais generoso do institiJto, de que essa obra-primareab7.ada por urn pintar entao muito negligenciado valia a enormc soma de 40 mil d6lares.

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    resultar de encontros ao acaso. lima deliciosa revivesee-ncia de lembran\asqueridas havia muito perdidas, numa 6pera, num teatro ou num leiHio, des-pertava paix6es adormecidas. Algumas dessas deliciosas fantasias para gas-tar tempo e dinheiro com a alta cultura faziam parte da hist6ria de vida de mui-tos amantes da arte. Mas uma institui\ao formadora de opiniao alcan\=ou umaproeminenC'ia sem preC'ec1entes no seCl.l1ovitori?no: 0 C'rltico.

    1. GUlASAOPRAZER

    o significado da ascensao do cfitit'o e ambigllo. Pode pareeer urn apoioa aIega~ao de que 0 individualisIno vitoriano era n"averdade conformista oude que, pelo contrario, DaO0 era. De urn lado, os criti(:os passaram a soar co-mo se seguidores d6ceis, ansiosos pqr conseguir especialistas dignos de con-fian~a, os instigassem a se comp0riar como legisladores. J5.em 1814, WilliamHazlin, ele pr6prio urn critico fcrmidavd, observava que "a reputa

  • fel; esse outrora famoso romance hist6rico "esta entre os melhores Bvros queja li".2Construir essas pontes entre 0 crttico e 0 leitor facilitava 0 comercioentre eles.

    o mesmo acontecia com 0 mercado imensamente aumentado de opi-nices sobre as obras de arte em reprodu~oes. Mas nao sem custos: a demo-.cratizac;;ao parcial da alta cultura produziu algo semelhante a uma crise deautoridade. Pode-se compreender por que os respeitaveis resistiam a criticosque apregoavam novas cores, novos sons, novos t6picos, como se os antigosmarcos ja nae fossem interessantes ou mesmo validos. Como sempre aconte-ce com a mudanc;:a, a ansjedade a 3companhava. Ao mesmo tempo, a caco-fonia das vozes dos criticos gerava dividendos inesperados para as publicosde dasse media: pronunciamentos conflitantes contribuiam para a liberac;:aoestetica da burguesia vitoriana. Mesmo que os leigos se sentissem obrigadosa acatar as opinioes de um especialista renomado, os julgamentos eonflitan-tes dos cnticos podiam inspirar os seus leitores a pensar pela propria cabec;a.No seculo vitoriano, nada deixou de ser comestado - nem a religii'io, nem apolitica, e certamente nem a entica.

    AHer6ica de Beethoven provocou llma resposta mista; urn primeiro cri-tico qividiu os ouvintes da intensa Terceira Sinfonia em tres grupos: os entu-siastas que culpavam a analfabetismo musical da audiencia pela sua recep-c;:aoesquisita, os detratores que achavam a musica uma simples exibic;:ao deexeentricidade c uma pequena minoria de am3ntes judiciosos da musica quedesfrutavam as rnuitas belezas da Her6ica, mas nao conseguiam absolVerfacilmente 0 seu tamanho e dificuldade. Assim tambem A catedral de Salis-bury vista deMeadows, de John Constable, agora uma de suas telas mais alta-mente consideradas, provocou reac;6es contradit6rias, que iarn de uma apro-vac;ao emcdonada a condenaC;ao mais dura: alguns espectadores a saudaramcerno ohra-primJ., cnquanto 0 IIJorninf; Cbrorziclp denunclou "a imita,;aogrosseira e vulgar das esql1isitices e lou

  • yam ter uma confiabilidade limitada. Emhora cerros estilos nan fnssem honsprodutos de exportapio, muitos temas e atitudes nao conheciam fronteiras:milhares incontaveis de burgueses em diversos paises nao queriam muitomais da alta cultura que aperfeh;oamento moral, acesso a ideias elevadas ouurn pouco de diversao. Por isso, as gravuras de camponeses cansados do tra-balho rezando. amantes i1egitimos atligidos por dore" de cnnsC'ienci?. akno-larras e adulteros adequadamente punidos continuavam as favoritas entre osconsumidores do seculo xrx por toda a Europa e as Estados Unidos como cen-Sliras J. complacencia e como barreiras contra a tentar;ao. Em geral, ftpesardonadonalismo cada vez mais intenso, a passagem dos anos e a maior facilidad~~de viajar contribulram muito pad homogeneizar 0 gosto culto pela Europa epelos Estados Unidos, de modo que as distinr;oes nacionais se torn;::lvamcadavez mais sutis.

    Em geral, as guerras do seculo XIX sobre as questoes do gosto nao [oramapemts travadas entre escolas e colecionadores rivais, mas entre burguesesindividuais. Urn sofisticado amantc da musica vitoriano podia reagir conCCI1-tradamente a urn dos quartetos de Beethoven da ultima rase, mas dissolver-se em lagrimas ao eSCutar a balada barata de alguma opereta. Urn coleciona-dor de arte podia apreciar, sem se sentir absolutamente dividido, as belezassedutoras de William Etty e os castos estudos de nuvem de Constable. Urnardente frequentador do teatro podia se deliciar com urn dos dramas de DionBoucicault, em que improvaveis her6is nao complicados se confrontavamcom improvaveis viJ6es nao complicados, e ainda assim saudar as severasper;as-problema de Henrik Ibsen como uma dadiva a civiliza~ao. Em suma,os prazeres pwvem de nlveis distintos da mente, que VaGdo allvio ercticomais grosseiro a mais refinada apreciar;ao de sutilezas de forma e execu\=J.o.

    As aparentes incoeren(:ias do gosto vitoriano, que ilenhum crItico coo-.seguiu re.sulvcr e que as gt:f3(;c")eS posteriores meno-"prezavam como incol1l-pre-enslvds eu como sintomas ttpices da superficiatidade burguesa, come-r;am a [azer sentido quando percebemos 0 vato decisivo das emo\=oes na hOUlde fazer as escolhas esteticas. as teoricos vitorianos que se debrur;aram sobrea ane, a iiteratura, a musica ou 0 teatro parecem ter presumido que 0 prazertern varias Fontes e pode passar POf vicissitudes marcantes 30 longo da vida.Antoine Quatremere de Quincy, urn arqueologo frances, escultor e autormuito lido de livros sobre ane, falou par grande parte do seculo num tratadoimportante publicado ja em 1823. Ele alegava que 0 objetivo da imitl\=ao nasartes e dar prazer, ml0 apenas uma satisfaplo fisica para as olhas, ouvidos outato, mas uma satisfar;ao moral. Uos oitenta anos mais tarde, Freud emendouessa posir;ao sem abandona-Ia: 0 prazer esterico atinge as fundar;oes dodesenvolvimcnto humano, as pu!s6es, especialmente as pulsoes sexuais, cujasdemandas cmas 0 artista sublima em objetos de beleza par meio de uma felizjunr;ao de imagjna~ao carte.

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    No fiflal da era vitoriana, essas intui\'oes escorriam dos sabios para 0publico educado, freqiientemente de forma banal, ainda que as vezes a divi-da que a alta cultura tern com a sexualidade aparecesse em tons vagos.Mesmo antes, entretanto, os vitorianos instruidos nao foram inocentes inge-nuos: alguns artistas e cnticos identificavam 0 apetite sexual como urn teere-no ~tlhterr8neo: POtlC';l."ve7e~ puh1iC':lmente reC'onhecido, p:ll.t 0 pr.lzcre~te-tico. Oficialmente, os nus eram pintados e esculpidos com a mais pura dasinten\=oes. Urn artisia tao carnal quanto tty, que se especializou em nusrechonchudos corn peilos firmes e arredondados e nadegas sed\ltoras, rejei-tava todas as alcga~6cs de que tinha 00\=0:'=:5lascivas. TIleestava apenas sau-dando a beleza ao celebrar a Mulher, "a obra mai~ gloriosa de Deus". Todoinocenda, ele protestou no final da decada de 1840: "As pessoas podem meachar lascivo, mas nunca pintei com urn motivo lascivo". as seus espectado-res nao se deixavam enganar pel os. seus protestos e davam a sua opiniao;quando em 1~44Thackeray se queixou de que as telas expostas por Etty eram"uma orgiaclassica e pictorica", ele estava ecoando as censuras de outros.'

    Na escultura e na pintura, portanto, os vitorianos detectavam urn subtex-to erotico, por mais sinceramente que os arristas dec1arassem que a sensuaIi-dade nunca lhes passara pela cabe~a . Mas pelo menDs urn pintor, \X'illiamMulready, abriu 0 bieo, ernbora nao tenha ido muito lange nas suas afirma-~oes. Ele judiciosamente escolheu a privacidade de seu livro de esbo\os paraa observa~ao de que "muito se falaea sob.re a beleza e inocencia feminina, eesse tema v~i vender bern. Que ele seja veladamente excitante". Vrna pintu-ra que aborda "uma existencia mais sensual", acrescentava, sera "objeto demuitos comentarios e vendera muito mais". Entretanto, llffia cefta astuciadefensiva se [azia necessaria; quando "a excita

  • escritor reconhecia, na sua forma simples de se expressar, que 0 prazer este-tico come~a e sob aspectos importantes continua em casa.

    E por isso que a gosto maduro provem quase certamente de suas primei-ras manifestapJes. Ate na puberdade urn jovem homem au mulher ja e urnsoftsticado, pois a aprecia~ao mais aguda ciacor e composi

  • mitologia e outras Fontes de temas dignos, enquanto Constable era apenas urnpaisagista. Que as telas de Constable eram nitidamente mais importantes queas de Etty, especialista em nus exuberantes, importava menos que a hierar-quia tradicional que regia a arte cia pintura.

    Quaisquer que fossem as defini~6es de si mesmos, os principais criticosvitorianos eram burgueses ocupados em reflnar 0 paladar de Dutros burgue-ses. A sua prolifera~ao era a conseqtiencia natural de mudan~as dramaticasnos p(lhlkos cQnsl.lmidores. Os concertos freqtientados principalmeme porQuvintes da classe media estavaht'superandc as soirees aristocraticas a quese tinha acesso apenas por meio de .eonvite; os museus recem-fundados,com seus constantes pedidos de doa~6es para melhoraras suas cole~6es per-manentes e abrir 0 acervo ao publico em geral em horas determinadas, esta-vam invadindo a dominio outrora privilegiado de tesouros exibidos quandoo seu proprietario, em geral urn amador ari:Slocratico, se .sentisse dispOSlO amostra-Ios; 0 romance, que se tornara urn fenomeno burgues quintessencial,estava recnItando leitores e ocasionando escrutlnios difkeis de imaginar urnseculo atras.

    Esses criados do lazer moderno produziam novas profiss6es, de inspira-c;ao, adminislra~ao e c1ientela burguesas: empresarios de virtuoses, vendedo-res de livros, editores com list2S consideraveis, fabricantes de instmmentosmusicais a pres;:os razoaveis. Peri6dicos especializados em domini os berndefinidos das artes transforrnavam-se ern presen~as familia res na cena cultu".al. E lembramcs a prolifera~ao em toda a civilizar;ao ocidental de organiza-~5es voluntarias decididas a cultivar os seus membros; eram composras deadvogados, medicos, prcfessores, arquitetos, banqueiros, negociantes e ren-tiers, sendo por des dominadas. '" Esses eram os leitore,:;, espcc~at.lGres eouvintes para cs quais os guardiaes vitorianos da cultura esc::reviam as SUdScriticas.

    Ao se proporem a desenvolver a cultura da classe media, 0 carater dida-tko dos crfticos era perfeitamente descarado. Em 1862, numa reuniao deensaios sobre pintores franceses modernos, Ernest Chesneau, urn crttiCo ehistoriador da arte inteligente e bern relacionado, declarou seu desejo de queo seu livro fosse uma obra de "ensinamentos livres e sinceros" que desdc-nhasse "0 pedantismo e a chatice". II Tres decadas mais tarde, George BernardShaw, muito menos polido, declarou 0 mesmo no mais superior dos tons."Esse grande pateta, 0 publico", para 0 qual ele fora escolhido como precep-tor, fkava desamparado sem uma orienta~ao - a sua orienta~ao - e 0 pate-ta representativo era, claro, .'a burguesia britanica".12

    Assim, os criticos mais autoconfiantes arrogavam-se 0 papel de mentorpara uma classe media muito necessitada de ser repreendida para adquirir 0

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    born gosto, de ser afastada de seu carater filisteu. 0 tom combativo de Shawera bastante tipieo desses pedagogos de ares superiores. Do que as bons bur-gueses pareciam carecer mais, as enticos Ihes diziam, era da vontade de COffi-preender a dificilj eles deviam aprender que a resposta a grande arte ou musi-ea e apenas em parte diversao e em grande parte trabalho arduo. "0 que mata:t :trtc nJ Fr:tnp", cscrC\"CuClmillc PissJrro J SClI filho Lucicn crr: 1886, "c qucas pessaas apreciam apenas as obras vendidas com facilidade." No anaseguinte, ao vcr uma exposi~ao que naa the agradou, de se queix?.va de queela "eheira muito a burgues". Ali estava 0 inimigol Para pessimistas como Pis-S2.ITO,0desejo de reduzir os bens mais elevados da civiliza~aa a uma simples di-versao parecia de vida longa, talvez imarta!.:3

    o simples poder de permanencia da vulgaridade l~vava as criticos aduvidar se a classe media realmente desejava os seus servi~os. Shaw, porexempla, hesitava. "0 !andrino media", ;=screveu no inicio de outubro de1893, "e, sem duvida, tao desprovido de sensibilidade para as belas-artesquanta urn homem pode ser sem sucumbir fisicamente; mas ele nao sentenenhuma vergonha de sua condir;;:ao. Pelo contrario, tern ate urn eeIto orgu-lho disso, e nunca se sente obrigado a fingir que e urn arti&raate a ponta dosdedos." Em termos claros: "0 filisteu nao e indiferente as belas-artes: ele asodeid'.14 Tentando ensinar leitores tao obstinados di;] ap6s dia, semana ap6ssemana, Shaw mobilizava toda a sua paciencia, toda a sua espirituosidadesarca.s!ica .

    Assim, nao era surpreendente que os criticos do seculo XIX, apesar deposarem como atores importantes no drama da alta cultura, as vezes chafar-dassem em ataques de melancoHa, convencidos de que a seu impacto edu-cative era insigr.ificmte. No inkio da decada de 1890, Eduard Hanslick, quedepois de triota anos ainda era a czar da C"litka de musica em Viena, lamen-tava a "epidemia de conceno,';" que fora obfigado a critic.lf para a Neue FreiePresse, 0 diario favorito da burguesia liberal rb C'idade. Seu trabalho de cscra-vo, receava, nao adiantara muito, pois os empresarios e intcrpretes insisten-tes que pediam uma opiniao - nem e preciso dizer, uma opiniao favoravel- haviam produzido um efeito desastrQso sobre audiencias apaticas, solistasdesernpregados e eriticos exaustos. Aparentemente, na melhor das hip6teses;

    (*) Quando Shaw [oi indicado para ser critico musical do World, ele se de~crevell no PallMall Gazeftede 17 de janeiro de 1891, como "urn homem solteiro, irlandes, vegetariano, ateu,abstemio fanatica humorista mentiroso fluenre, social-democrat3. conferencista e debatedor,amante d~ miisica: feroz Opo;itor ao presente status das mulheres e insistente qm,nto ~ serie-dade da arte". Alguem que escreveu ao editor do Musical Times de 1D de junho de 1891, dizen-do chamar-se "PH!LOMEL",admitia sJrcasticamente que Shaw havia listado pe]o menos lima desuas qualidades sem exagcros - presumivclmentc as suas memiras. Ver "Amenities of MusicalCriticism" (p. 366). E claro que Shaw enumerou essas qualidades para estabelcccra sua inocen-cia e incorruptibilidade.

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  • a critica seria 56 muda as mentes de leitores constantes e civiliz:ldos. Para 0resto, a popularidade entusiastica e deselegante que as composi~6es de ter-ceira categoria gozavam entre" os freqiientadores de 6peras e concertos trans-forrnava essas obras em produtos principais, ainda que os criticos as tivessemunanimemente condenado. A crenc;;:ade que os enticos deixam a sua mareaem compositores. maestros 011solistas. qU:1nto m:11Sno Pllhlico, nfio p:1SS:1depoueo mais que uma ilusao aealentada.15

    Adotando a mesma atitude num momento de desanimo, Theophile Gau ..tier, que laburou durante decadas produzindo eritica de artes, drama e danc;;:apam alimentar a sua familia, tinha uma consciencia doloros::! de que:l sua cn-tica nao deixava nenhuma marca pennaneme em ninguem. "0 artigo de jor-nal e urn arbusw que perde as suas folhas toda noite e nunca da nenhum[ruto." Theodor Fontane, que como autor e como critico sabia do que estavafalando, era quase tao sombrio. "Os livros devem conquistar os leitores emsilencio, de casa em casa", escreveu a seu editor em 1870. "0 que os jornaisfazem e efemero. "]6

    Esse desespero nao era menos excessivo que seu complementa, a afir-mac;;:aootimista de que os criticos estavam estabelecendo as diretrizes para acultura do seculo XIX. Essas flutuac;;:6esnas avaliat;6es que os crHicos faziamde si mesmos eram sintomas de uma era de movimento vertiginoso e sinaisincoerentes. Mas nenhum de seus fracassos, reais ou imaginados, validava asconfissoes de impotencia dos criticos. Afinal, e urn testemunho notavel da an-siedade dos espiritos cnativos na present;a dos crhicos que, no inkio da aeca-da de 1880, Monet tenha assinado dois servic;;:osde recortes de jornais.I7 Duasdecadas antes, no vedo de 1865,uma litografia de Daumier, 0 passeio do cn--tico influente, ilustrava a cren~a entao em yoga na autoridade do crItico: urncritico imponente e absorto, eatilogo nJ mao, caminha a passos largos porum ,Salon, enquanto as artistas, desesperadus para chamar a sua 3.tent;ao,fazem-Ihe f~stas. E 0 tel'for muitas vezes reiteraco de Brucknef diantc dasaten(:bes hostis de Hanslit:k e notorio, fomecendo ainda ffi::iisevidencias deque os enticos vitorianos afina! tinham alguma importancia.

    Sem duvida, as vitorianos sabiam que nao eram os primeiros a produzirjuizes e teoricos da literatura e da arte. Eles podiam se valer do exemplo deGrecia e Roma: de Arist6teles, Horacia au Longino. Ainda mais perto de seutempo, podiam reeorrer a era do Iluminismo, a criticos pcitkos cOmo DenisDiderot e a teoricos como Edmund Burke, ou aos talentos m

  • AJphonse Daudet disse a Henry James; "Estamos morrendo com tantas li-vras, eles se avalumam sabre as margens, eles nos sufacam, eles estao nosmatando".19

    Angustiado, Henry James concordou. Ele pr6prio um critico de impor-tancia,James respeitava a ocupa~ao e detestava seus praticantes estupidos au("nmlptns. Ravia muita evidenci3 cnnvincentf" no sell bdo. !\1llitos ccHtorcsmandavam que os concertos, as expasi~oes ou as romances fassem alva dereportagens realizadas por sumidades iilecirias superficiais que raIn geniaise baratas, ou que tinham patronos bern re!aciollados. Ha muito tempo erauma queixa comum que esses editares, na sua m~ioriJ filisteus antiquados,nao tinham meios de reconhecbr, nem interesse em empregar, criticos quepossuissem conhecimento.

    Isso valia tanto para a pintura como para a fiq:ao, acreditava James. A"profissao do criaco de arte", escreveu, podia cortar veredas pela selva de esti-los contemporaneos, mas ele tristemente concluia que a suprimento de criti-cos era escasso. Em 1888, numa longa novela, The Reuerberator, ele ja intro-duzira urn jornalista insensivel e sensacionalista para exemplificar esse viciomoderno- "a mania de reportagens". Tres anos mais tarde, num ensaio curtointitulado "Criticism", ele se voltou aos criticos de fiq;:ao, a sua propria espe-cialidade, para tirar conclusoes ainda mais desanimadoras sobre 0 jornalismode seu tempo. "Criticism" resume brilhantemente os ressentimemos da van-guarda contra os filisteus da classe media. A critica literaria, escreveu James,cstava florescendo com muita amplidao, f1uindo "pela imprensa peri6dicacomo urn rio que rebentou as suas represas". Procurando definir esse trans-bordamento"; JImes adC?toua retorka do merc

  • lhe proporcionarn algt1ma~ experiencia~ amargas. A falta de escnlpulos ~ cinismo, porenormes que fossem, nao eram assim tao irrestritos na vida real.

    Mas nem toda a Paris literaria de Balzac era fiq:ao. Os criticos de musicafranceses em particular eram mal informados e irremediaveImente parciais,abertos ao subomo de interpretes e a pressao dos editores. Escreviam comoadoradore.~ au C"arrasC"os.distrihuindo elogios extravagantes ou C"ensurasextravagantes. Nao s6 eram pOlleos os editores dispostos a gastar algumdinheiro com urn eritieo de musica bern informado; a maioria deles esperavaque a sua ideologia politica se infilL--asseate nas resenhas de concertos. EmlR62, perto do final de sua i1u.streC"

  • apoiada pelos sellS acolitos. Era essencial expor\'7agner-a atmosfera incen-sadora nos festivais anuais de Bayreuth, a viola~ao da musica pela palavra, 0programa wagneriano pseudo-religioso. E que dizer do blasfemo Museu deWagner em Viena, cheio de reliquias? Das efusoes nauseantes de interpreteSque desmaiavam diante do privilegio de servi-Io? Das interpretac;6es pedan-tes e adoradoras dos leitmotiv? E nao se podia desconsiderar 0 anti-semitis-rno de Wagner, urn dos "dez mandamentos de sens adeptos". 27

    Claro, Hanslick tinha consciencia de que Wagner 0 satirizara cruelmen-te na figuf2. de Beckmesser em Die Meisten:irzger; Wagner realmente chega-ra a pensar em chamar esse pedantc absurdo de "Hans Lick". E a sua veemen-cia contra Wagner tinha uma ctimepsao ate mais intima - a sua mae era judia.Mas, essencialmente, ela refletia 0 sectarismo de Hanslick nas guerras musi-cais da era. Brahms, seu born amigo, era tambem 0 compositor vivo favoritode Hanslick, e esse compromisso acarretava 0 repudio dos sonhos fantisti-cos musicais de Wagner. E assim Hanslick se juntava aos incontiveis comen-tadores sobre Wagner, uma Figura desmedida que atraia e recebia respostasfortes, nem todas sendo as que desejava. Acalentando, jamais questionando,urn senso inflado de sua importancia historica, sem uma gota de humor quan-do pedia ao muncio que se inclinasse diante da sua cruzada, Wagner nao erauma figura calculada para evocar criticas moderadas.

    Em 1876, 0 ana da inaugura~ao de Bayreuth, 0 wagneriano devoto Wil-helm Tappert, professor de musica, historiador e editor, reuniu num dicionariosubstancial a prirneira colheita dos comentarios hostis dirigidos ao Mestre. E,como a enchente de ataques nunca diminui'..l,Tappert pode publicar uma edi-~ao aumentada em 1Y03. E uma obra de referencia cheia de exemplos de ani-mosidad-.::,vulgaridade, ignoriincia cega, bem como de varios apam:lmemosbastante oportunos. A musica de Wagner, dizia urn cntico, e "0 arremedo sagazda realidade" Di~ 111eisterstnger, dizia Outro, ~ "uma mpntanha de tolkes eban

  • durante tada a vida. Estimulada por seu apctitc pc1a litcratura, seguiu meiodesanhnadamente a curso de medicina, mais au menos como Flaubert estu-daria direito: ansioso par fraeassar nos estudos. Ele queria ser poeta. Desde1824, a ana de sua cria~ao, contribuiu com resenhas para 0 Globe, urn jachalliberal bern editado que reunia os romantieos franceses com quem Sainte-Reuve m
  • nal talento para leituras sutis, dissecou a modo como Chatcaubriand cstraga-ra a sua autobiografia com revisoes inescrupulosas que transformaram Me-motres d 'outre tombe numa exibi~ao embara~osa de vaidade e afirma\;oes deonisciencia.9

    Essas leituras sagazes e suas pesquisas inea.l1saveis nao apaziguavam asdetratores de Sainte-Beuye. que 0 E fascinante observ2r Thore ientando imegrar as suas dua,'}grandes pai-xoes, a politica e a arte, nao sem tens6es. No final de mar~o de 1848, urn mesdepois que a Revolu\;io de Fevereiro expulsara a dinastia orleanista do tronofrances, ele publicou urn artigo reduzido sobre 0 Salon em contraste gritantecom sua reportagem substancial dos anos anteriores. Nesses dias vertigino-50S, nao manteria os seus leitores concentrados em pintura. "A politica tern

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  • espctaculos mais interessantes reservados para nos. Hojc estamos fazendoalgo melhor que arte e poesia: estamos fazendo a hist6ria viva." Como demo-crata, pleiteava uma arte que nao excluisse as assim ehamados mortaiscomuns. "Outrora eles faziam arte para as deuses e para as principes", esere-veu no final da decada de 1850. "Talvez tenha chegado 0 tempo de fazer 'ARmP..\R \ 0 HO'fnl' " Como cosmopolitJ, qucriJ que :l :lrte :lliment:lsse tod:l :lhumanidade: "Nao ha mais estrangeiros". A verdadeira liga~ao entre as pes-soas e a compatibilidade de seus'ideais. "Voce ama 0 que e verdadeiro, 0 quee bela? E0 bastante. Somos colegas ddadaos na grande cidade do futuro."15

    a estilo arttstico supremo para Thore era, como quase teria de ser, a rea-lismo; a arte cleve repl'oouzir natureza animada e inanimada e concentrar-seem temas contempocineos, em vez de tamar emprcstados assuntos da Anti~guidade e dOlmitologia. Em 1867, Thore atacou 0 pintar austriaco Hans Ma-kart, entao muito em vogfi.entre as chiques, par tef "inventado uma Paisagemideal". Por que nao pintar uma paisagem real?, pefguntava retoricamente..'F~l1sificara natureza e falsificar a hurnanidade! 0 falso par tada parte, quan-do a verdade e tao atraente. "16Esse gosto, apoiado pelas suas vis6es esquer-distas, alimentava a hastilidade de Thore para com a arte ganhadora de meda-lhas dos Salons de Paris. Ele admitia que as estrelas academicas - Gerome ea resto- possuiam algum talento. Mas eles mID mereciam nem premios, nemos seus pre\=os. Com suprema arrogancia, Thore predisse que viria 0 dia emque as telas deies custariam sessenta francos cada uma, e prometeu que naoestaric:.entre os compradores dessas pechinchas. Pelo menos uma vez, a suaprofecia passou longe do alvo.- A perspectiva dernocr

  • dos csparsos de que crtticos bern conceituados nao olhavam, nem ouviamemvao.

    A pr9du~ao prodigiosa de Sainte-Beuve, por exemplo, atingia cireuloscultos em peri6dicos influep.tes como a Revue des Deux Mondes e em jornaisnao menos influentes como 0 semi-oficial Moniteur Universele, mais tarde, 0C017stftuti0l111C'!, ~mhos lidos em rodJ J FrJn\J pel os bl1rgucscs pr6spcros. asleitores de seus ensaios, que chegavam a centenas, eram numerosos e fieis, eos ::trtigoscumpriam papel duplo reunidos em volumes de ampla circula\=3.o:quinze Cause-Tiesdu Lundi, treze Nouveaux Lundis, tres Portraits contempo-rains e 0 resto, Com a idade de quarenta anos, ele estava bern estabelecidono sistema cultural dominante para ser eleito membra da Academie Fran-

  • de livros e incontaveis criticas, compilou 0 ~tlas mais meticuloso c dctalhado- a metifora e sua - da literatura inglesa e francesa. Nenhl.'lm escritor erademasiado insignificante para ele; ele lia tudo e todos. Essa erudit;;ao 0 tornouurn colaborador vaHoso para a c1assica undecima edit;;ao da EncyclopaediaBritannica de 1910-1, para a qual escreveu mais de trinta artigos, todos sabre::lutores frnnceses desde J RJiX:l Td:1de!\1'db :1te B:lIZ:1C (' G:1tlticr. :\150 h5duvida: num laga cam vez mais largo de mediocridade alimentado par fan ..tes poh..l1dasde ganancia e parcialidade, havia pequenas ilhas de talentos cn-ticos que nao deixavam de ser percebidcs e apredados. as burgueses quedesejavam aperfeis:oar os seus gcstos podiam encontrar os instrutorcs de queprecisavam. I

    3.DEZOLAA lVIIDE

    As conlroversias envenenadas sobre a5 celebridades academicas da pin-tura francesa dramatizam 0 tumulto na cr1tica e as possibilidades para 0 gosto.Os criticos de aIte alertas para 0 impressionisffio acusavam Cabanel e Bou-guereau de trabalhar segundo certas f6rmulas. Abastecendo cinicamente osricos e os poderosos, dizia a critica, eles realizavam demons[:ra\=oes tecnica-mente impeca.veis de virtuosismo - numa palavra, arte marta. as modern is-tas antes do modernismo chamavam esses pintores de obscenos. Saudaram aobra-prima provocadora de Manet, Olympia, pintada em 1863 e exposta noSalon dais anos mais tarde, como urn antidoro aos nus academicos ampla-mente admirados. especialmente a Venus leitosa indolenternente recostadana espuma, e sua ninfa tam bern leitosa sendo raptada par um fauno loucopara estupra-Ia. A recepc;ao desses piteus luxuriantes, poderlamos acresce!1-tar,'nao era u~n retlexo do gosto burgues, mas uo gosto imperial: 0 imperadcrNap-oleao III ccrr..prou 05 dois quadros.

    Contemplando 0 Nascimento de Venus de Cabane1, os cr:tticos antiaca-demicos ficavam particularmente incomodados peia sua.pura falta de natUf2-lidade. "Essa deusa, banhada num jarro de leite', julgou Emile Zola, "tern 0 arde uma deliciosa mulher de vmude faciI, nao de carne e osso- isso teria sidoindecente -, mas feita de uma especie de massa de amendoa branca e rosa."Em 1879, Joris K. Huysmans voltou a essa Venuse captou a mesma qualida-de: "Uma mulher !lua numa concha", era tudo, "sem rnusculos, sem nervos,sem sangue", em suma urn quadro de "qualidade indes::ritivelmente pobre".as amigos de Cabanel ~ram igualmente mins. Gerome trabalhava, dizia Zolacom esca,rnio em 1867, "para todos osgostos", especialmente para os homensao explorar as seus temas "picantes". "Para ocu(tar a sua total falta de imagi-nac;ao, ele se lanc;ou nesse Iixo antigo sem valor."l Scm duvida, os impressio-nistas tinham 0 ~ento do futuro em suas velas, e foram os criticos que ajuda-

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    ram a preparara rnudanc;a de gosto-mas eles trabalhavam contra uma resis-tencia dura.

    a catalogo da controversia podia ser estendido interminavelmente.Exposto a luz ofuscante do julgamento publico, os concertos de piano e asestat;;6es ferroviarias, as paisagens e as estatuas, os poemas e os romanceseram C'oroados com Iouros 01.1cohertos de bma. A incoerenci:l er.l compost:lpelo fato de que alguns dos formadores de opiniao que permanecem comogigantes entre os vitorianos faziam escolhas que agora parecem decepcio-nantes., quase perversas. Nao que os historiadores devam julgar 0 gosto doseculo XIX pelo seu, mas continua 5urpreendente que Baudelaire, esse leHorastuto das tendencias c,ontempoci~eas, tenha considerado 0 ilustrador rela-tivamente menor Constantin Guys 0 pintor arc),'uet1pico da vida her6icarnoderna - urn papel, poderiamos pensar, que 0 amigo de Baudelaire,Manet, teria preenchido de forma rt:luito mais satisfat6ria. E 0 que devemosdizer de Shaw descartando Schubert como encantador, mas desmiolado, eBrahms COll10"urn voluptuoso sentimental com um ouvido maravilhoso",born em bagatelas, mas impossIye! de ser levado a serio como compositor?2

    a gosto de Henry James, esse mestre de finas discrimina~6es, parece qua-se tao remoto. Ele vibrava com a arte como uma experiencia cardinal para oshornens e mulheres civilizados, escolhia pintores como prot~gonistas de con-tos importantes, tornava os encontros em museus momentos cr1ticos nos seusromances. E viveu meio seculo de mudant;;as drasticas nas modas art1sticas-o desaparecimento gradual do Salon frances, 0 surgimento de estilos interna-cionais como 0 impressionismo, 0 p6s-impressionismo, os nabis, os fauvis-tas, os expressionistas e os cubistas. Mas a sua escolha de guadros mostra quenao era dado a aventuras; a copiosa correspondencia de James e seus relatosde via gem silenciam virtualmente sabre Manet, Renoirc Monet, Cezanne, vanGogh e Gauguin~ para nao mencionar Bonnaru, Picasso e Mondrian. a tieupinter contemporaneo favorito eraJohn Singer Sargent, "esse grande homem",qu~ faria urn famoso ret.rato do escritor pouco antes da mOlte de James - ee1e tinlla algumas reseIVas ate sobre 0 "impressionismo" de Sargent.3 Parti-lhava as dLividas de seu apreciado Sainte-Beuve sobre 0 vermelho e 0 negrode Stendha1, urn romance que julgava "absolutamente ilegive1".~As vezes oscr1ticos vitorianos ~~ediscordavam de si proprios. Com vinte e ppucos anos,ao ler 0 vermelbo e 0 negro, Flaubert elogiou Stendhal como estilista; seteanos mais tarde, declarou que 0 romance era mal esctito, os seus personagensenigmaticos e 0 gosta de Balzac por Stendha1 incompreensiveP

    A .olympia de Manet nao escapou 00 tipo de disputas instrutivas que,como tantas OUtld.S,estimulavam os espectadores reflexivos a formular urnjulgamento independente. Que nesse nu desinibidoManet estava cHando, ta1-vez maliciosamente satirizando, Venus dassicas pintadas por Giorgione eTiciano ---:-ele copiara a Venus de Urbina de Ticiano como artista aprendiz-,

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    III

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  • s6 tomava tudo ainda mais chocame. Manet havia'abertamcntc afrontado adoutrina aceita da distancia que nos dias vitorianos permitia que os burgue-ses respeit
  • Esse veredicto era tanto satisfatorio como insatisfat6rio. Como Ravenel,Zola reconhecia que Manet era urn burguesl ainda que rebeldel decidido apetturbar os seus colegas burgueses, nao com a imoralidade, mas com a cara-ter subversivo do artista. Par isso, a tentativa de resgate de 201a, embora gene-rosa, era irrelevante. Nao explicava par que Olympia chocava tantos espec-laJures e Jdiciava um punhaJu Jdes. Mas na sua maneira alrcviJa ecortante, Zola sublinhava mais uma vez a dificuldade de tra~ar urn mapa dogosto da classe media vitoriana'e de seus cnticos. Se esse gosto conseguiaocupar tantos lugares distintos no mapa da cultura, os cnticos que fizeram doseu tempo a seculo tia critica tipham muito a ver com essa incoerencia fertiL

    As atitudes burguesas para com os cnticos e a critiea eram muita mais be-nevolentes do que admitiam os burgues6fobos, mas a experiencia de OscarWilde demonstra que alguns gestos agressivos eram demasiado ofensivospara encontrar muitos defensores ate entre drculos avan~ados. Na carreiradeslumbrante e no final tragico de Wilde como cntico da literatura e da socie-dade - 0 her6i humilhado peia sua [alha fatal-, as dois dominios, em geraldistintos, mesclaram-se numa mistura f

  • urn alto pre\=o por isso. Henry James, que nilo era amigo de \'\lilde, mas esta-va fascinado pelo processo, falava desdenhosamente do "publico horripilan-te" que "se inclina e tripudia" sobre urn "abismo de obscenidade". Admira-dores mundiais haviam alertado Wilde para 0 fato de que os fanaticos que sedesignavarn guardiaes da rnoralidade estavam apenas esperando 0mom en-to t:>x~tor8.!.l de~tmr-In. l\J5ncr8.mtndo~ hirncrit8.~ \"ing:lti\"o~8.tc 0 minlo do~ossos, causando as seus estragos como jornalistas ou censores? Enfurecidocom 0 farisaismo gerai, 0 jovern cntico de musica Ernest Newman desco:T.-pbs a "raiva bovina do FiHsteu".l3Essa interpre!a~ao tem muito a recomcr.da-12,mas subestima as variedades qe rea~oes a urn mome-nto feio nJ historiamoral do fmal do periodo vitoriarlo.

    A vida de Wilde na prisao foi obscurecida par condi~6es flsicas degra-dames e pela saude debilitada; e, 0 que era talve2 ainda mais diffcil de supor-tar, mergulhou-o em profunda solidao. Ele tinha pcrmissao para rec:eber visi-tas a intervalos distantes e cuidadosamente regulados e para ler urn tinieolivro, ThePilgrim:s Progress de John Bunyan, uma (bera intelecrua! que nadatinha de copiosa. Varios de seus melhores amigos, sujeitos a serem processa-dos pelos mesmos motivos que 0 levaram J prisJo, decidiram esperar no exte-rior que 0 ataque maniaco de perseguir;:ao moralista passasse na Inglaterra.Robert ("Robbie") Ross, que seduzira Wilde nove anos antes, regressou bre-vemente do exHio que se impusera, ma~ nao permaneceu no pals. Conhcci-dos Iiterarios como Shaw, embora solidarios com a situa~ao de \Vilde, naoassinavam peti~6~s para que ele Fosse liberado mais cedo da prisao, porqucreceavam, provavelmente com razao, que suas repiJt~t

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    certeza de que e!e era culpado do que the acusavam. Havia espectadores noprimeiro julgamento que 0 aplaudiam. Havia Ernest Leverson, urn negocian-te liberal, e sua esposa, Ada, uma escritora inteligente cuja conversac;aoimpressionara Wilde, urn conhecedor da arte de conversar. Os Leverson, urncasal culto, rico e, ao que pareee, destemido, tinham se tornado amigos deWilde havia prmco tempo. mas ficaram a seu lado. Quando. no periodo emque ele estava esperando fora da prisao 0 intervalo entre os julgamentos,nenhum hotel 0 admitia e ele estava miseravelmeme acampado na casa doirmao, des 0 aeolheram -' na verdade, urn grande gesto --, visitara.m-no naprisao e ajudaram a lne garantir algum eonfono depois da sua libeltac;ao. Ehavia Adela Schuster, esposa de urn banqueiro de Frankfurt estabelecido emWimbledon, que pas Inillibras a disposi\=ao de Wilde; "uma ffiu!her'muitonobre e culta", segundo Frank Harris, "uma amiga de nos dais, a srta. S -' -,uma judia pela ra~a, mas nao pela religiao" .19

    E impressionante que fiuitos dos defensores mais leais de Wilde fossemjudeus, como se outsiders pudessem cornpreender as necessidades de outrooutsidel'. Mas nem todos pertenciam a esse grupo. 0 parlamentar liberal,Richard B. (mais tarde visconde) Haldane, que se encontrara com Wildesocialmente algumas vezes e que, tendo interesse na reforma das prisoes,preocupava-se com a possibilidade de que uma alma tao sensivel como e!etalvez nao sobrcvivesse ao ambiente barbara do carcere, visitou Wilde e cui~dou para Ihe anumar mais livros. Roben Sherard, urn poeta desajeitado ebem~intencionado, urn admirador pueril de Wilde que mais tarde escreveusabre a vida do poeta, ate desafiou Queensberry par,aurn duelo.

    E houve urn hurnanitario anonimo que, rapida mas inesquecivelmente,juntou-se ao elenco de personagens.20 Quando Frank Harris, decidido a levar\'V'ildepara fora do pais, perguntou a urn conhecido rico se de podia alugaro seu i;He,e indiscretamente the contnu para 'tue fim preris?v('l cb,emharca-c;;:ao,0 homerrl ofereceu 0 seu barco de lazer sem nacta cobraI. 0 iate estavabern fomido com lados i)S artigos necessarios e ate com certos luxos, obser-vou Haf.Lis,e pronto para deixar 0 pais a qualqw'_Tmomenta. Qualquer quetenha ')ido a seu nome, esse iatista tambem fez d~ simesmo urn cr:iticodo con-sensa burgues. Harris 0 descreve como "urn homem de ampla cultura, semnenhuma simpatia pelo vicio atribuido a Oscar". Esse Born Samaritano, quenunea havia se encontrado com Wilde, era urn negocianre judeu.

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    Ientre os atos de vanguarda. No entanto, alguns de seus admiradores. mesmoquando nao invocavam Socrates, viam a sua recusa a fugir como her6ica -isto e, numa aura nitidarnente antiburguesa. Wilde fizera de si mesmo urn ini-Inigo exemplar dos valores da classe media, ernpregando as melhores armasa seu comando. Durante as ansiosas diseussoes em seu drcula, sua mae lhepediu que deixasse 0 pais, eo mesmo fez Frank Hams, 0 editor ernpreende-dar e, mais tarde na vida, urn autobiografo poueo confiavel. Que Alfred Dou-glas, que odiava seu pai, quisesse q~e Wilde comparecesse ao julgamento eassim embarac;asse 0 marques de Queensbeny, nao era nenhuma surpresa,embora tivesse influenciado a decisao de Wilde de nao fugir para 0 exterior.Mas era mais significativo que 0 SU' amigo William Butler Yeats fortementeesperasse que Wilde permanecesse no pais e desafiasse a cultura impreglla-da de hipocrisia.

    Yeats chegou rnais peno de compreender 0 estado mental de Wilde doque LadyWilde ou Frank Harris. Impulsos autodestrutivos foram sem duvidaurn ingrediente oa decisao de \'(:'ilde,como era tambem a sua paixao pateticae muitas vezes severamente testada por Alfred Douglas. Mas, na aparencia eno efeito praduzido, enfrentar 0 Estado e a opindo publica pareda 0 cami-nho de Wilde para a forc;amoral. A sua temeridade havia quebrada 0 c6digeaceito de siIe:ncio;tornar publico 0 que poderia ser tolerado privadamcnte erajogar a luva para as vitorianos, que talvez deixassem urn nao-conforrnistaviver relativamente em paz, se ele -au, quanta a isso, ela - disso nao fjzes~se propaganda. Mas no seu testemunho, Wilde:ousou elogiar a paixao queArthur Douglas chamara de 0 amor que nao ousa dizer 0 seu nome.

    Piar, Wilde afastou muite apoio bem-intencionado com alguns comen~tarios que a maioria dos ouvintcs e leitores s6 podia inlerpretar como esno-bismo, arrogancia, ate impudencia. "Nao conhe\o as vis6es dos individuoscomuns", disse ele durante seli primciro interrogat6dv. QlIanJo () acusaJoIleu no tribunal a observavao de Wilde, tirada de 0 retrato de Don.an Gray, deque nao ha !ivrosmonis ou imorais, apenas livros bern ou mJ.I escritos, Wildenao recuou oem um centlmerra no seu estericismo. Era uma ideb que pou-cos burgueses, pOl'menos convencionais que fossem as Sl!asopinioes, po-diam aceitar com equanimidade. E ao ten tar comparar a sua ligac;ac casualcom profissionais adolescentes ao elevado modelo de Davi e jcmatas, ou aosamorE'Sde Michelangelo e Shakespeare, ele podia conseguir aplausos no [ri-hunal e 0 atributo de magnifico concedido por Max Beerbohm, mas era umaapologia demasiado transparente para enganar 0 jtlri quanto aos fatos envol-vidos no caso.18

    E, no entanto, Wilde encontrau quem 0 defendesse, e oem todos erampoetas ou pintores da vanguarda; ate, como vimos, alguns jomalistas falaramem seu favor. "ALondres culta", que zombara de seu modo afetado, escreveuYeats, "estava agora cheia de defensores sells", mesmo que todos tivessem

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