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COMUNICAÇÃO ORAL CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS APLICADAS, LINGUÍSTICAS, LETRAS E ARTES 3.1 FILOSOFIA, SOCIOLOGIA GENERO E LOUCURA: CONSIDERAÇÕES SOBRE SABER MÉDICO E PADRONIZAÇAO SOCIAL Fernando José Ciello....................................................................................................................01 MENINOS NEGROS NA FASE: DISCURSOS SOBRE MASCULINIDADE E SOCIABILIDADE VIOLENTA Fátima Sabrina da Rosa; Jaqueline Costa da Rosa.......................................................................05 NOVAS TEORIAS E NOVAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES Ana Paula de Oliveira; Amarildo Luiz Trevisan..........................................................................09 O PAPEL DA DIALOGICIDADE E DA TOLERÂNCIA NA AÇÃO POLÍTICA Maricélia Pereira Gehlen; Gabriela D’Ávila Schüttz...................................................................13 3.2 ANTROPOLOGIA, ARQUEOLOGIA, MUSEOLOGIA NARRATIVAS ORAIS E EVENTOS REMEMORADOS DE LÍDERES E LIDERANÇAS KAINGANG E GUARANI Nádia Philippsen Fürbringer.........................................................................................................16 3.3 - HISTÓRIA, GEOGRAFIA A FESTA DE NOSSA SENHORA DAS ÁGUAS (IVATUBA- PARANÁ). João Paulo P. Rodrigues;Sandra C. A. Pelegrini .........................................................................20 A PRÁXIS EDUCACIONAL INTERATIVA EM SALA DE AULA:A IMIGRAÇÃO POLONESA EM GUARANI DAS MISSÕES/RS COMO PROPOSTA DE ENSINO Aline Carlise Slodkowski; Meri Lourdes Bezzi...........................................................................23 ANÁLISE DA MANIFESTAÇÃO CULTURAL DA FARRA DO BOI NA REGIÃO DE GOVERNADOR CELSO RAMOS A PARTIR DO RELATO DOS NATIVOS, DESCENDENTES DE AÇORIANOS. Erica de Oliveira Gonçalves……………………………………………………………….....…27 ARQUIVOS DA MEMÓRIA: ORDENAÇÃO, HIGIENIZAÇÃO E TRATAMENTO DOS AUTOS DA VARA CIVIL DA COMORCA DE CAMPO MOURÃO (1974 -1976) Karoelen Ramos Santos ...............................................................................................................30 AS REPERCUSSÕES DA UTILIZAÇÃO DO TESTE DE DNA PELO PODER JUDICIÁRIO EM PROCESSOS DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE (FLORIANÓPOLIS 1980 2008) Giovanna Maria Poeta Grazziotin................................................................................................33 “BATIZEI SOLENEMENTE A FULANO, FILHO DE TAL”: O USO DE HOMÔNIMOS NOS BATISMOS EM PORTO ALEGRE (1772-1801) Nathan Camilo..............................................................................................................................37

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COMUNICAÇÃO ORAL – CIÊNCIAS HUMANAS, SOCIAIS APLICADAS,

LINGUÍSTICAS, LETRAS E ARTES

3.1 – FILOSOFIA, SOCIOLOGIA

GENERO E LOUCURA: CONSIDERAÇÕES SOBRE SABER MÉDICO E

PADRONIZAÇAO SOCIAL

Fernando José Ciello....................................................................................................................01

MENINOS NEGROS NA FASE: DISCURSOS SOBRE MASCULINIDADE E

SOCIABILIDADE VIOLENTA

Fátima Sabrina da Rosa; Jaqueline Costa da Rosa.......................................................................05

NOVAS TEORIAS E NOVAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Ana Paula de Oliveira; Amarildo Luiz Trevisan..........................................................................09

O PAPEL DA DIALOGICIDADE E DA TOLERÂNCIA NA AÇÃO POLÍTICA

Maricélia Pereira Gehlen; Gabriela D’Ávila Schüttz...................................................................13

3.2 – ANTROPOLOGIA, ARQUEOLOGIA, MUSEOLOGIA

NARRATIVAS ORAIS E EVENTOS REMEMORADOS DE LÍDERES E LIDERANÇAS

KAINGANG E GUARANI

Nádia Philippsen Fürbringer.........................................................................................................16

3.3 - HISTÓRIA, GEOGRAFIA

A FESTA DE NOSSA SENHORA DAS ÁGUAS (IVATUBA- PARANÁ).

João Paulo P. Rodrigues;Sandra C. A. Pelegrini .........................................................................20

A PRÁXIS EDUCACIONAL INTERATIVA EM SALA DE AULA:A IMIGRAÇÃO

POLONESA EM GUARANI DAS MISSÕES/RS COMO PROPOSTA DE ENSINO

Aline Carlise Slodkowski; Meri Lourdes Bezzi...........................................................................23

ANÁLISE DA MANIFESTAÇÃO CULTURAL DA FARRA DO BOI NA REGIÃO DE

GOVERNADOR CELSO RAMOS A PARTIR DO RELATO DOS NATIVOS,

DESCENDENTES DE AÇORIANOS.

Erica de Oliveira Gonçalves……………………………………………………………….....…27

ARQUIVOS DA MEMÓRIA: ORDENAÇÃO, HIGIENIZAÇÃO E TRATAMENTO DOS

AUTOS DA VARA CIVIL DA COMORCA DE CAMPO MOURÃO (1974 -1976)

Karoelen Ramos Santos ...............................................................................................................30

AS REPERCUSSÕES DA UTILIZAÇÃO DO TESTE DE DNA PELO PODER

JUDICIÁRIO EM PROCESSOS DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

(FLORIANÓPOLIS 1980 – 2008)

Giovanna Maria Poeta Grazziotin................................................................................................33

“BATIZEI SOLENEMENTE A FULANO, FILHO DE TAL”: O USO DE HOMÔNIMOS

NOS BATISMOS EM PORTO ALEGRE (1772-1801)

Nathan Camilo..............................................................................................................................37

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CONFLITOS INTERÉTNICOS E CRIMINALIDADE EM PORTO ALEGRE (1890-

1909)

Carlos Eduardo Millen Grosso……………………………………………………………..…40

DISCURSOS BURGUESES DE CONFORMAÇÃO DA MORAL TRABALHISTA: 1970-

2000, O CASO DE DANIEL GODRI.

Vanessa Caroline da Cruz; Hernán Ramiro Ramírez.....…………………….…………………43

ENTRE O LUGAR E O MUDAR: COTIDIANO E RENEGOCIAÇÕES RELIGIOSAS

EM UMA COMUNIDADE ORTODOXA UCRANIANA

Paulo Augusto Tamanini………………………………………………………………….........46

HISTÓRIA, TEATRO E PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA. ALCIONE ARAÚJO E

“AS MOÇAS DE FINO TRATO” (1974 e 1993)

Ester Cristiane Da Silva................................................................................................................49

NEGROS INVISÍVEIS: UM ESTUDO SOBRE A COMUNIDADE QUILOMBOLA

MORRO DO BOI, BALNEÁRIO CAMBORIÚ, SC

Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso; Mariana Schlickmann........................................53

3.4 – PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

A MEMÓRIA COMO FORMAÇÃO: PENSAMENTOS ACERCA DO PROCESSO

FORMATIVO/REFLEXIVO DE ALFABETIZADORAS RURAIS

Julia Bolssoni Dolwitsch; Mariane Bolzan; Thaís Virginea Borges Marchi; Helenise Sangoi

Antunes………………………………………………………………….………………………56

COISAS DE MENINOS E MENINAS: DISCUTINDO GÊNERO NOS GRUPOS

ESCOLARES DE FLORIANÓPOLIS (1911 – 1935)

Ivan Vicente de Souza; Gladys Mary Ghizoni Teive...................................................................60

DESAFIOS E ESPECIFICIDADES DA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS

DEDICADOS À EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS ENTRE O 0 E OS 3 ANOS.

Ramona Correia Rosado Freitas; Elieuza Aparecida de Lima.................................................62

ENTRE IMPRESSÕES DE ESTUDANTES E PROFESSORES: UM ESTUDO SOBRE O

USO DAS TIC NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES NAS UNIVERSIDADES

PÚBLICAS EM SANTA CATARINA

Rafael da Cunha Lara; Elisa Maria Quartiero..............................................................................65

ESCOLA E JOVENS PRIVADOS DE LIBERDADE: DESVENDANDO SENTIDOS

Morgana Bozza; Nilda Stecanela...........................................................................................69

FERRAMENTAS COGNITIVAS E PLANEJAMENTO CURRICULAR INTEGRADO

NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS.

Juliane Nacari Magalhães; Elisa Maria Quartiero........................................................................71

LABORATÓRIO DE AUDIOVISUAL NA ESCOLA

Raquel Guerra; Laédio Martins…………………………………………...……………………75

NECESSIDADES DE PESQUISA EM ENSINO DE SOCIOLOGIA: A QUESTÃO

DIDÁTICA

Ariane Wollenhoupt da Luz Rodrigues; Estela Maris Giordani..................................................78

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PESQUISAS DESENVOLVIDAS À LUZ DE TEORIA DE REPRESENTAÇÃO

SEMIÓTICA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM RELAÇÃO AOS

OBJETOS E ELEMENTOS DOS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA

MATEMÁTICA.

Rosana Antunes Dorada; Célia Finck Brandt ..............................................................................82

TEMAS DAS PESQUISAS DESENVOLVIDAS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA À LUZ DE UMA TEORIA DE REPRESENTAÇÕES SEMIÓTICAS

Glaucia Rochinski; Célia Finck Brandt .......................................................................................86

TEORIA DA INTERAÇÃO A DISTÂNCIA E OS DESAFIOS PEDAGÓGICOS NESTA

MODALIDADE

Alexandre Motta; José André Peres Angotti................................................................................89

3.5 – CIÊNCIA POLITICA, TEOLOGIA, DIREITO

A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A

ECONOMIA DE COMUNHÃO: UMA APROXIMAÇÃO POSSÍVEL.

Maria Helena Ferreira Fonseca Faller; Luan Kirchhoff ..............................................................91

AS IMPLICAÇÕES DA LÓGICA E DA RETÓRICA NO DISCURSO JURÍDICO

Brunno Silva dos Santos ..............................................................................................................95

CIDADANIA, DIREITO COSMOPOLITA E IMIGRAÇÃO: REFLEXÕES A PARTIR

DE H. ARENDT E S. BENHABIB

Raissa Wihby Ventura; Raquel Kritsch .......................................................................................98

O DIREITO FUNDAMENTAL A UMA TUTELA TEMPESTIVA: A ANTECIPAÇÃO

DE TUTELA COMO CONCRETIZAÇÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Débora Bós e Silva; Paola Leonetti ...........................................................................................102

UMA DISCUSSÃO SOBRE O CONCEITO DE DEMOCRACIA DELIBERATIVA.

Bárbara Cristina Mota Johas…………………………………………….....……………….....106

3.6 – LINGUISTICA, LETRA E ARTES

A PRODUÇÃO DO ROMANCE DE AUTORIA FEMININA NO PARANÁ

Adriana Lopes de Araujo............................................................................................................110

ANÁLISE DE DICIONÁRIOS DESTINADOS ÀS TURMAS DE ALFABETIZAÇÃO

Janina Antonioli; Félix Valentín Bugueño Miranda .................................................................114

CONTEMPLAÇÃO E PARTICIPAÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A RECEPÇÃO

NA ARTE CONTEMPORÂNEA

Paula Cristina Luersen ………………………………………………………………………..116

FRANKLIN JOAQUIM CASCAES E A CIDADE DE FLORIANÓPOLIS:IMAGENS

ALÉM DO MITO E MAGIA

Aline Carmes Krüger .................................................................................................................120

HISTÓRIA, NARRAÇÃO E LITERATURA: UM DIÁLOGO PRESENTE EM OBRAS

DA COLEÇÃO BIBLIOTECA DA ESCOLA

Eloisa da Rosa Oliveira; Gladir da Silva Cabral .......................................................................122

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IMAGEM E PALAVRA: UM ESTUDO DO DESENHO INFANTIL EM UM CASO DE

SURDEZ PROFUNDA

Liane Carvalho Oleques ............................................................................................................126

NARRATIVA E ENSINO DE INGLÊS NA ESCOLA PÚBLICA

Rachel Mattos Bevilacqua .........................................................................................................130

O ESTADO DA ARTE DAS TESES ACADÊMICAS QUE ABORDAM ARTE E

INCLUSÃO. UM RECORTE DE 1998 A 2008 NO BRASIL

Cristiane Higueras Simó; Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva .........................................132

O PAPEL DO DIRETOR NO TEATRO DE BONECOS

Elisza Peressoni Ribeiro; Prof. Dr. Valmor “Nini” Beltrame; Alex de Souza...........................135

O TEATRO EM COMUNIDADES PERIFÉRICAS DE DIADEMA NOS VIOLENTOS

ANOS 1990: A EXPERIÊNCIA DO GRUPO JOVENS ATORES

Cléber Pereira Borge; Márcia Pompeo Nogueira.......................................................................139

OS GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA ESPANHOLA

Ângela Cristina Di Palma Back; Katiana Possamai Costa ........................................................143

POLÍTICAS LINGUÍSTICAS: INTERFACES ENTRE O ACORDO ORTOGRÁFICO E

A INFLUENCIA DA MÍDIA NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

Lisiane De Cesaro ......................................................................................................................147

PRODUÇÃO DE VÍDEO EM AVA: UMA PORTA ABERTA PARA A

APRENDIZAGEM DO ESPANHOL EM CURSO SUPERIOR

Angélica Ilha Gonçalves; Vanessa Ribas Fialho .......................................................................151

RELATOS E PRÁTICAS REGIONAIS: O LISO DO SUSSUARÃO

André Tessaro Pelinser; João Claudio Arendt............................................................................154

REPRESENTAÇÕES CULTURAIS NO GIRAMUNDO TEATRO DE BONECOS: UM

OLHAR DE BRINCANTE SOBRE OS TEXTOS, PERSONAGENS E TRILHAS

SONORAS DE UM BAÚ DE FUNDO FUNDO, COBRA NORATO E OS ORIXÁS.

Luciano Oliveira ………………………………………………………………...……………158

TEATRALIDADE E DANÇA. PROCEDIMENTOS DE PRODUÇÃO E PERCEPÇÃO

Jussara Xavier ............................................................................................................................162

TRADUÇÃO DA OBRA UN DRAMA NUEVO DE MANUEL TAMAYO Y BAUS: A

IMPORTÂNCIA E AS DIFICULDADES DE TRADUZIR TEATRO

Ana Celina Quevedo Salles; Luciana Ferrari Montemezzo ......................................................165

TRÂNSITO À MARGEM DO LAGO SOBRE EXTENSÃO DA AÇÃO ARTíSTICA EM

ESPAÇOS/TEMPO DIVERSOS

Claudia Teresinha Washington ..................................................................................................169

UM IDÉIA DE MUSEU DE ARTE

Ana Lucia Moraes de Oliveira; Sandra Makowiecky ...............................................................173

UMA INVESTIGAÇÃO FUNCIONALISTA DOS MEIOS DE EXPRESSÃO DA

RELAÇÃO RETÓRICA DE CIRCUNSTÂNCIA EM ELOCUÇÕES FORMAIS

Solane Montenegro de Souza Rezende Pedroso .......................................................................176

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3.7 – ADMINISTRAÇÃO, ECONOMIA

ABORDAGENS SOBRE A GESTÃO DE REDES PÚBLICAS DE COOPERAÇÃO

Karina Martins da Cruz .............................................................................................................180

ANÁLISE DAS HABILIDADES COGNITIVAS REQUERIDAS DOS ACADÊMICOS

DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO DA UNESC, UTILIZANDO-SE

DOS INDICADORES FUNDAMENTADOS NA TAXIONOMIA DE BLOOM

Beatriz Casagrande de Assis; Edi Réus Junior ..........................................................................184

COMPETÊNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA ANÁLISE

A PARTIR DAS PREMISSAS DA ECOEFICIÊNCIA.

Luciano Munck; Bárbara Galleli Dias; Rafael Borim de Souza ...............................................186

INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS: O CASO DE UMA EMPRESA

CATARINENSE DE TECNOLOGIA

William Ramos; Thiago Caon ...................................................................................................190

O CONTEXTO AMBIENTAL E AS MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS NO SETOR

DE C&T AGRÍCOLA NO PARANÁ

Gustavo Matarazzo Rezende; Elisa Yoshie Ichikawa ...........................................................194

3.8 – TURISMO, ARQUITETURA, PLAN, URBANISMO, DEMOG

ARQUITETURA MODERNA NA SERRA GAÚCHA: TIPOLOGIA RESIDENCIAL

UNIFAMILIAR

Bruna Rafaela Fiorio; Ana Elísia da Costa; Monika Maria Stumpp .........................................197

3.9 – CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, COMUNICAÇÃO

ANÁLISE DA PESENÇA DE FUNGOS NO ACERVO DO DEPARTAMENTO DE

ARQUIVO GERAL: UM PROGRAMA DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DA

UFSM.

Débora Flores; Carlos Blaya Perez ............................................................................................200

ATUAÇÃO DA ALA (AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION) NO SECOND LIFE

Richele Grenge Vignoli ………………………………………...……………………………203

DIVULGAÇÃO DA MARCA INSTITUCIONAL EM MEIOS DIGITAIS:

COMUNICAÇÃO E SUSTENTABILIDADE.

Amanda Pires Machado; Richard Perassi Luiz de Sousa ..........................................................206

TERCEIRA IDADE E INTERNET: A CONTRIBUIÇÃO DO WEBJORNALISMO

PARTICIPATIVO PARA A CIDADANIA

Weslley Dalcol Leite; Maria Lúcia Becker ...............................................................................210

3.10 – SERVIÇO SOCIAL, ECONOMIA DOMESTICA

ASSESSORIA E FORUM PERMENENTE DA PESSOA IDOSA – REGIÃO DOS

CAMPOS GERAIS-PR

Cecimara Anair Mariano; Débora Puchalski Bronoski; Thaize Carolina Rodrigues de Oliveira;

Márcia Sgarbieiro; Maria Iolanda de Oliveira ...........................................................................213

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SOCIEDADE CIVIL E PARTICIPAÇÃO NO MERCOSUL: UM DEBATE

CONTEMPORANEO.

Luciane Kulek; Danuta Estrufica Cantoia Luiz .........................................................................217

3.11 – OUTRAS

A PESSOA IDOSA E SEU CONTEXTO: UM ESTUDO SOBRE A SITUAÇÃO DO

IDOSO NA CIDADE DE CRICIÚMA-SC

Diego Destro; Silvana de Souza Policarpi; Teresinha Maria Gonçalves ..................................220

A PRODUÇÃO DE UM MODELO DE DOCÊNCIA: UM ESTUDO SOBRE

LITERATURA DE FORMAÇÃO REFERENCIADA EM CURSOS DE MAGISTÉRIO,

NÍVEL MÉDIO, DO RIO GRANDE DO SUL

Maria Renata Azevedo; Luís Henrique Sommer .......................................................................224

A RELAÇÃO MULHER-CORPO-PUBLICIDADE LEITURA DA PUBLICIDADE NOS

ANOS 1920 E 1950 NA REVISTA “O CRUZEIRO”

Lais Hermann Mendes; Liliane Edira Ferreira Carvalho ..........................................................227

A TEMÁTICA INDÍGENA NA ATUAÇÃO DO DOCENTE COM BASES

ETNOGRÁFICAS E BIBLIOGRÁFICAS A PARTIR DA VISITA À ALDEIA GUARANI

NO MORRO DOS CAVALOS.

Erica de Oliveira Gonçalves ……………………………………………………………….231

DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO EDUCATIVO SOBRE POLUIÇÃO SONORA

PARA CRIANÇAS DE ATÉ 10 ANOS

Jonas Pinheiro Viana; Stephan Paulo.........................................................................................234

ENTRE FORMAS E SENTIDOS UMA LEITURA DA DÉCADA DE 1980 A PARTIR DE

FRASCOS DE PERFUME

Larissa Lehmkuhl; Liliane Edira Ferreira Carvalho ..................................................................238

TROCANDO DE PESCOÇO: AS GRAVATAS E A LEGITIMIDADE SOCIAL EM FINS

DO SÉCULO XX

Virginia Therezinha Kestering; Liliane Edira Ferreira Carvalho ..............................................243

VESTIDA DE SONHOS: O UNIVERSO SIMBÓLICO DAS NOIVAS GESONI

PAWLICK NO SÉCULO XXI

Ana Carolina de Souza; Liliane Edira Ferreira Carvalho ..........................................................247

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GENERO E LOUCURA: CONSIDERAÇÕES SOBRE SABER MÉDICO E PADRONIZAÇAO SOCIAL

Fernando José Ciello1

Universidade Estadual do Oeste do Paraná 1. Introdução O trabalho aqui relatado está centrado na discussão sobre padrões de gênero e saber psiquiátrico. O objetivo principal é o de expor algumas das discussões e resultados obtidos em projeto de iniciação científica em desenvolvimento nos últimos anos com o mesmo tema. A questão dos padrões de gênero tem implicações diversas no ordenamento social e na vida dos indivíduos, bem como na formulação de discursos, sejam eles para justificar ou fomentar um determinado estado de coisas. Em nossa sociedade, especificamente, os padrões de comportamento e sociabilidade construídos para os sujeitos assumem um aspecto de classificação bastante evidente quando se analisa o discurso psiquiátrico do fim do século XIX e início do século XX. A psiquiatria deste período, e a medicina como um todo, estiveram ligadas às discussões que pudessem repercutir positivamente nos ideais de progresso manifestados na sociedade da época: reorganizar e higienizar o espaço vivido, modernizar a sociedade e as instituições, fortalecer o conhecimento científico, etc. Nessa perspectiva observou-se que o discurso médico-pedagógico dos alienistas acabou por contribuir num processo de psiquiatrização da diferença que evidentemente acompanha nossa sociedade até os dias de hoje. Através de leitura e análise da bibliografia sobre a temática buscamos revisitar o conhecimento produzido sobre padrões de gênero e as experiências dos indivíduos no campo psiquiátrico no marco temporal considerado. 2. Método Como os objetivos traçados inicialmente no projeto eram de aproximação do objeto de estudo e revisão bibliográfica, a necessidade de formar uma base sólida para estudos futuros sobre as relações entre constituição do Saber psiquiátrico e padrões sociais de Gênero foi uma preocupação constante. Dessa forma, a metodologia para execução dos objetivos da pesquisa foi constituída basicamente na procura do material disponível sobre a temática – em sítios eletrônicos, revistas especializadas – bem como na análise de algumas obras especificas sobre o tema proposto. Na medida em que foi possível perceber o objeto de estudo nas obras lidas foram construídos fichamentos, resenhas e alguns artigos científicos para passar em revista o conhecimento adquirido. 3. Resultados e Discussão

Segundo Scott a utilização da palavra gênero propõe perceber o caráter fundamentalmente social da organização das relações entre os sexos, para além das definições biopsicológicas de homens e mulheres [6]. Em texto clássico sobre a temática a autora aponta alguns fatores essenciais com os quais lidamos no presente trabalho. Assim como a autora, pretende-se problematizar a questão de gênero a partir do entendimento da natureza social das relações entre homens e mulheres – rejeitando, por assim dizer, determinismos do campo biológico. Por ser dessa forma, ainda entendemos – amparados na revisão bibliográfica empreendida e conforme a própria Joan Scott – que relações de gênero e Poder constroem-se reciprocamente. Assim, embora Scott não discuta precisamente a problemática do Saber psiquiátrico na construção de padrões sociais de gênero – ou inversamente, o efeito do gênero na construção do Saber psiquiátrico – é possível ressaltar a partir dela que a natureza não pode ser responsabilizada pelos preconceitos feitos em nome dela no campo psiquiátrico, onde atributos de gênero foram utilizados para dar significado às designações da loucura e onde normal e natural, em oposição ao insano, são formulações que determinam destinos e estabelecem padrões sociais.

Quando observamos a questão dos padrões de gênero em sua perspectiva histórica – porém sem dissociá-la de outras análises – é importante observar que em cada momento considerado, não somente as concepções de homem e mulher, mas todo um complexo sistema de papéis sociais é único em sua essência. Nas décadas recentes assistimos a um grande empreendimento social – Estado, organizações não governamentais, sociedade civil – em criar condições para que as questões de gênero sejam melhor percebidas em nosso meio, como faz exemplo os desdobramentos recentes do grande processo de luta em

1 Graduando do Curso de Bacharelado em Ciências Sociais na UNIOESTE – Campus Toledo, Paraná. Endereço eletrônico: [email protected].

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I Congresso de Iniciação Científica e Pós-Graduação - Florianópolis (SC) - setembro 2010

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favor dos direitos da mulher. Em tempos não tão distantes, contudo, as percepções de padrões sociais de gênero eram diferenciadas. O presente trabalho inicia suas discussões ao perceber – desde seu projeto – que padrões de gênero vinham sendo pensados na sociedade do fin de siécle a partir de designações nosográfias emitidas pela Medicina psiquiátrica. Dessa forma, procuramos entender que não era precisamente um problema de doença mental que fazia com que mulheres que abandonavam seus lares fossem internadas em Hospícios, mas necessariamente uma característica cultural de uma sociedade que não concebia a participação das mulheres nos ambientes dominados pelos homens, afastando-se de suas funções de mães e esposas. O saber psiquiátrico – ao qual se ligou inicialmente a tarefa de cuidar daqueles excluídos do meio social – recebeu também a tarefa de explicar pelos meios médicos porque determinados indivíduos não estavam totalmente inseridos no modo de operar que a sociedade moderna pensou.

O projeto de sociedade moderna contou com a participação de diversos saberes – alguns gestados na e para a nova situação. O desenvolvimento rápido de saberes técnicos como o urbanismo e a engenharia sanitária, bem como sua aliança com a medicina, ilustram o momento vivenciado. [2]. Aliado ao processo de modernização está o processo de aburguesamento da sociedade. Conforme Foucault [4], a volta da medicina para as questões do quotidiano e da vida particular dos sujeitos é representativa de um momento em que o saber médico necessitou responder à burguesia quanto às questões que a própria industrialização colocava. É assim que a medicina psiquiátrica encontrou terreno fértil em diversos países – sobretudo na França, onde teve seus pais fundadores – para operar suas classificações. O trabalho explora, assim, pensando no contexto em tela, a relação entre a medicina psiquiátrica e os padrões sociais de gênero que vigoravam para homens e mulheres.

O surgimento da clínica psiquiátrica e a própria atuação dos alienistas está marcado fundamentalmente pela necessidade de inserir os indivíduos numa economia de coisas bem administradas na sociedade. A loucura, ligada necessariamente a atuação de médicos psiquiatras e aos hospícios, foi claramente objeto de esquadrinhamento social; e o louco, foi constituído como individuo em cuja vida se evidenciaria a necessidade de tutela e enclausuramento. Ser louco, experienciar a loucura, significou essencialmente, no marco temporal considerado, experimentar a diferença; a anormalidade. Conforme comentado por diversas autoras [1;3;7] homens e mulheres foram alvos de violências diferenciadas com o avanço do processo de psiquiatrização da diferença que foi empreendido pela medicina psiquiátrica da época. Tal processo fica mais claro quando pensamos nas pesquisas empreendidas pelas autoras pesquisadas. Cunha [2], por exemplo, ao pesquisar no Hospital do Juquery em São Paulo, se depara com casos onde a loucura fora diagnosticada pela clara transgressão do padrão pensado para o sujeito. Às mulheres, assim, cabia um papel de mãe devota aos filhos, esposa fiel ao marido e administradora do lar; num esquema totalmente voltado à vida privada. Comportamentos como o de mulheres trabalhadoras; que se negassem a casar ou constituir família; ou que optassem por uma vida independente de pais ou marido seria facilmente enredado nas teias do saber médico e psiquiátrico. Para a mulher – alvo principal das instituições psiquiátricas da época – ainda se somava o fato de a medicina da época acreditar que possuiam uma propensão natural para a loucura, como prova um caso estudado por Engel [3], no qual as crises epiléticas apresentadas por uma paciente foram identificadas como decorrência de seu período catamenial, onde naturalmente as mulheres se encontrariam propensas à loucura, pelos próprios fluxos e refluxos de seu corpo. Aos homens, aos quais “naturalmente” se ligava a tarefa e o papel de bons trabalhadores, provedores familiares e ícones de uma masculinidade dominadora, a loucura se configurava no campo dos vícios sociais (bebida, vagabundagem,...) e igualmente no campo da sexualidade, como faz exemplo principalmente a questão da homossexualidade – que denunciava naturalmente a degeneração, o anti-natural:

“O doente teve fortuna e esbanjou-a. Desde então teve uma vida de boêmio, sem destino, ora com um irmão, ora com um cunhado, esquecido da mulher e filhos; às vezes tornava-se valente contra os parentes que o queriam corrigir (...). É de se crer que já vai estabelecendo gradualmente um estado análogo à demência, sem delírio algum bem caracterizado. Diagnóstico: Degenerado. Fraco de espírito”. [2]

Ainda sobre a relação Homossexualidade – Degeneração, Cunha comenta caso de um menino com dezessete anos, internado no Hospital do Juquery em 1908. Vejamos:

“Archangelo, aos dezessete anos de idade, é um exemplar desta espécie: internado pelo pai após ‘reincidência’ em práticas homossexuais, nenhuma observação apresenta em seu prontuário além daquelas referentes à sua condição sexual. ‘Desenvolvimento excessivo do membro viril. Desde os dezesseis anos é pederasta

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I Congresso de Iniciação Científica e Pós-Graduação - Florianópolis (SC) - setembro 2010

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passivo. Nunca praticou o coito normal com mulher’, assinala o alienista. Segundo suas indicações, o jovem (...) ‘masturbava-se em excesso’ e estava acometido de doença venérea. Tinha (...) ‘orelhas mal conformadas’, (...) ‘uma certa assimetria na cabeça’. [2]

A necessidade de progresso imposta no próprio desenrolar histórico, demandou da sociedade

moderna que no seu processo de adesão ao sistema capitalista, também ela aderisse a estratégias que implicitamente garantissem o sucesso do projeto de sociedade burguesa. Assim, não é somente a larga utilização do manicômio no período estudado que espanta, mas a utilização dele para “criminalizar” os sujeitos que não estivessem dentro do esquema de funcionamento social. Na transgressão das tarefas domésticas, no caso das mulheres; ou na não vivência das tarefas de provedor, no caso dos homens, as questões colocadas pela psiquiatria questionavam o natural em tais padrões. Em texto clássico sobre Gênero, Joan Scott postula que padrões de gênero são historicamente construídos para significar as relações de poder na sociedade [6]. O natural questionado pela psiquiatria, assim, torna-se social ou como diz Scott: inteiramente social, na construção de padrões de gênero, visto que os padrões de comportamento de homens e mulheres conferem evidente significado ao esquema social pensado no período.

De acordo com Engel, ainda, é na categoria doença mental que se vão evidenciar as dimensões da intervenção médica na sociedade: na sexualidade, nas relações de trabalho, nas condutas individuais ou coletivas que dissessem respeito a questões religiosas políticas ou sociais [3]. Os médicos tornaram-se assim, profetas do progresso, presenças necessárias numa sociedade que pretendia ser moderna; detentores dos segredos sobre a anormalidade, indivíduos a quem se poderia dar o direito do voto de Minerva. Os atributos de gênero coincidiram com a tendência médica e a psiquiatria não se furtou do poder que tinha ao entender que transgressões do mundo normal das relações de gênero naturalmente precisariam ser entendidas como problemas de sanidade mental.

4. Conclusão

Ao olharmos para as práticas culturais de determinada época é essencial observar que os sujeitos e instituições, bem como suas ações e ideologias encontram-se de certa forma consoantes com a forma de pensar que é própria ao período considerado. Cada cultura lida com os recursos que desenvolve, sendo impossível, por exemplo, esperar que alienistas do início do século XX – quando mulheres são implacavelmente alijadas do mundo do trabalho e homens são invariavelmente tratados como loucos por não quererem assumir a dignidade de ser trabalhadores – concebessem como possível uma mulher querer efetivamente trabalhar e um homem negar-se ao seu suposto dever de fazê-lo.

Assim, penso ser importante não responsabilizar inteiramente os médicos pelas violências diversas que sofreram os sujeitos quando em poder da estrutura asilar e psiquiátrica. Penso, contudo, que ao olharmos para os processos gestados no século XIX e XX, é essencial observar que os preconceitos vividos por diversos sujeitos na atualidade, jargões sobre a própria psiquiatria, bem como, inegavelmente o processo de naturalização de padrões sociais de gênero para homens e mulheres, devem seu nascimento ao desenvolvimento do saber psiquiátrico e de suas articulações com os projetos de sociedade ideal moderna. Referências [1] CUNHA, Maria C. P. Loucura, Gênero Feminino: As mulheres do Juquery na São Paulo do Início do Século XX. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 9, n. 18, pp. 121-144, ago./set. 1989. [2] CUNHA, Maria C. P. O Espelho do Mundo: Juquery, a História de um Asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. [3] ENGEL, Magali. Psiquiatria e Feminilidade. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997, pp. 322-361. [4] FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A vontade de Saber. 16ª Edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988. [5] HARRIS, Ruth. Assassinato e Loucura: Medicina, Leis e Sociedade no fin de siècle. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

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[6] SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 16, n. 09, PP. 05-22, jul./dez.1990. [7] WADI, Yonissa Marmitt. Experiências de Vida, experiências de loucura: algumas histórias sobre mulheres internas no Hospício São Pedro (Porto Alegre, RS, 1884-1923). História Unisinos. São Leopoldo, v. 10, n, 01, pp. 65-79, jan./abr. 2006.

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MENINOS NEGROS NA FASE: DISCURSOS SOBRE MASCULINIDADE E

SOCIABILIDADE VIOLENTA 1

Fátima Sabrina da Rosa2 Jaqueline Costa da Rosa

Unisinos

1. Introdução Esta apresentação visa analisar o processo de construção da identidade de jovens envolvidos em atos

infracionais através dos conceitos de masculinidade violenta (Zaluar,2004) e sociabilidade violenta (Machado da Silva, 2000). A discussão comporta temas relacionados à construção da identidade e ao conceito de violência e seus desdobramentos, bem como a possível inserção deste último como fator constitutivo das experiências coletivas de conflito. A análise privilegia o envolvimento desses jovens na criminalidade como parte de um processo de individualização e de busca por reconhecimento intersubjetivo e visibilidade social. Nesse sentido, em meio a um contexto de desigualdade, característico das denominadas periferias urbanas em que estes atores estão inseridos, o ato violento é aqui pensado como um recurso de reivindicação por um espaço social e os conceitos de masculinidade e sociabilidade violenta aparecem como marcadores desse processo constituindo significativa influência sobre a conduta da população em questão.

2. Método A partir desse marco analítico foram realizadas leituras para um aprofundamento da perspectiva

teórica. Em seguida foram realizadas entrevistas com os jovens internos da FASE-RS (Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul) no intuito de problematizar as possíveis relações entre a prática do ato violento e a busca por reconhecimento por parte desses indivíduos, priorizando-se a análise na forma com que esse processo se desenvolve. Simultaneamente, foram coletados, junto à FASE, dados referentes aos jovens internos. A finalização do trabalho consiste em uma análise conjunta do perfil desses jovens e dos discursos proferidos nas entrevistas, com o amparo do referencial teórico.

3. Resultados e discussão

Os dados coletados junto à FASE resultaram em um perfil preliminar desses sujeitos: são em sua

maioria negros, com idade entre 17 e 18 anos, com educação básica incompleta e representados, quase que em sua totalidade, pelo gênero masculino, o que suscita a possibilidade da violência servir de recurso à construção da identidade masculina juvenil. A partir do material coletado, alguns aspectos da análise já são identificáveis, como a invisibilidade a que esses sujeitos sentem-se expostos, a percepção de que é no momento do conflito que aflora sua identidade masculina e a forma pela qual se relacionam com a comunidade onde estão inseridos, denotando, em alguns casos, fracos laços de comprometimento coletivo. Esses aspectos sugerem reflexões a cerca da condição de vulnerabilidade social vivenciada por esses sujeitos e as estratégias que utilizam na busca por reconhecimento.

Partindo-se da ideia de que processo de construção da identidade se consolida através da constante afirmação de uma “identidade viril”, o conceito de masculinidade é fundamental para compreender como se definem identidades calcadas em modelos de exaltação da virilidade. A tipificação do ideal genérico de masculinidade, normalmente, está associada a símbolos de poder e de força como carros, esportes, guerras, o que pressupõe uma constante afirmação da identidade viril (Bourdieu, 2002). No entanto, essa exaltação dos símbolos masculinizantes ligados à dominação e à força pode levar a um descontrole das emoções violentas, ou ainda, a uma exaltação de modelos de masculinidade brutalizados. Para Zaluar (1984), com o tráfico de drogas e o aumento da criminalidade, uma nova maneira de ampliar e adquirir virilidade emergiu através do 1 Este trabalho vincula-se à pesquisa Violência urbana e situações de conflito: uma análise sobre jovens negros na Região Metropolitana de Porto Alegre, sob a orientação do professor Carlos A. Gadea (Bolsista de Produtividade - CNPq²). 2 sabrinna.rosa@ hotmail.com (Bolsista PIBIC/CNPq – Programa de pós-graduação em Ciências Sociais, Unisinos- RS)

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porte de armas e da abordagem violenta nos crimes. É o que autora chama de “masculinidade violenta”. Além disso, esse conceito não diz respeito a um modelo único e concreto. A “masculinidade hegemônica” significa um tipo ideal adotado por um determinado contexto sociocultural e que se estabelece em oposição a outro modelo socialmente desvalorizado (Cornwall e Lindisfarne apud Cecchetto, 2004). Desse modo, o modelo de homem aceito e valorizado pode mudar de acordo com a sociedade.

Nesse sentido, um contexto de desorganização urbana e social, insegurança e exclusão, típico das regiões metropolitanas, pode sugerir um modelo de masculinidade particular. A valorização de um comportamento violento ganha sentido, à medida que hipoteticamente serve de vetor à construção de uma identidade concretizada através da força e da coragem para alcançar reconhecimento intersubjetivo, principalmente, no nível local.

Tais processos de adesão a comportamentos criminosos também são marcadores de uma descrença no papel do Estado como provedor social e mantenedor da ordem pública. A crise do Estado, enquanto entidade de proteção, e das instituições socializadoras como a família e a escola, preconizam um processo de desfiliação. As práticas violentas apresentam-se como reação a um processo civilizatório e a uma norma social instituída, mas que não garante direitos e, menos ainda, benefícios.

A sociabilidade violenta (Machado da Silva, 2000), o segundo conceito norteador da presente análise, constitui-se como uma nova micro-ordem dentro da ordem estabelecida.Uma norma alternativa se configura em oposição à norma internalizada no nível macro.

A sociabilidade violenta caracteriza um sistema em que a própria violência normatiza o ambiente e as relações sociais. Nesse sentido, a força, mais do que um meio de obter de poder, age como um princípio ordenador da própria sociabilidade, regulamentador da ordem coletiva.

Ao falar de comportamento violento, é importante ressaltar sobre a concepção de violência aqui apreciada. A análise se fundamenta na ótica da violência por Durkeim e Foucault, além de lançar vistas à noção de violência como quebra da ordem de Maffesoli.

Tendo em conta a concepção durkheimiana de crime, pode-se dizer que “um ato é criminoso quando ofende os estados fortes e definidos da consciência coletiva” (1967, p.46 apud TAVARES DOS SANTOS, 2009, p.36). De certo modo, a concepção de Durkeim concorda com a visão de Foucault sobre o fato de a violência representar, mesmo em situações que não se configuram como crimes concretos, o excesso de força empregado numa relação de poder. A noção de violência, nesse caso, se liga à concepção de coerção por força, a qual supõe um dano ao “outro”, seja ele indivíduo ou grupo social.

Já em Maffesoli (1987), a análise do comportamento violento se apresenta mais no “nível estético”, pelo fato de visualizar práticas de violência coletiva. Nesse sentido, a violência em Maffesoli se mostra como parte do equilíbrio social. Ambiguamente integrada à noção de norma, a violência acontece como quebra da ordem vigente para que outra ordem se estabeleça. A própria norma está ligada “à ambivalência orgânica da violência que, pela sua dupla função e com os meios adequados (eles mesmos ambivalentes) permite a manutenção social”.(MAFFESOLI, 1987, p. 97)

Nesse sentido, a violência social, principalmente quando entendida no nível coletivo, apresenta-se como um fator pretensamente constitutivo do surgimento de um movimento social reconfigurado. O ato violento, principalmente, quando é precedido de uma violência simbólica e sua eclosão denota visibilidade posterior, configura-se como contestação social. São práticas cometidas contra o poder formal e, portanto, aplicação de força não institucionalizada em oposição à representação da ordem e do controle social. Assim,

se a socialização se define como a internalização de códigos sociais concretos, pode-se dizer que a violência foi o produto de situações de conflito e relações de poder que traduzem a emergência de uma forte exteriorização do subjetivo (mundo da vida) em resposta a uma debilitada interiorização do objetivo (sistema). (GADEA, 2007, p. 148)

De acordo com Tavares dos Santos (2009), os últimos trinta anos vêm sendo marcados por um processo

composto pela ambivalência entre a massificação e a emergência de comportamentos exacerbadamente individualistas. Nessa interação, a fragmentação social, produto de ações excludentes, principalmente, nos níveis econômico e social, gera práticas de contestação calcadas em modelos violentos. Estilos violentos de sociabilidade passam a marcar a interação social contemporânea indo de encontro à perspectiva de uma construção contínua do processo civilizatório e minando as bases da sociedade dita democrática e igualitária:

Assistimos a uma mundialização das conflitualidades sociais. Como efeitos dos processos de exclusão social e econômica inserem-se as práticas de violência como norma social particular de ambos grupos da sociedade, presentes em

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múltiplas dimensões da violência social e política contemporânea. Trata-se de uma ruptura do contrato social e dos laços sociais, provocando fenômenos de desfiliação e de ruptura nas relações de alteridade, dilacerando o vínculo entre o eu e o outro. (CASTEL, 1995, apud TAVARES DOS SANTOS, 2009, p.117)

Os recursos dos atores individuais ou coletivos às práticas e estilos violentos são marcadores de uma

insatisfação social. O Estado institucionalizou na forma de leis, as reivindicações coletivas, mas não atendeu às demandas subjetivas. Como conseqüência, “as instituições viram obstáculos ou instrumentos de exclusão social meta-políticos, reduzindo-se a confiança que se possa ter sobre elas” (GADEA, 2007, p. 149). Dessa forma, não foi possível que se desfizessem por completo divisões e discriminações na sociedade, as quais são sentidas pelas populações e sublimadas, por vezes, na forma violenta, com vistas à exigência de visibilidade e reconhecimento social.

Além disso, tendo em conta a noção de territorialidade, as comunidades denominadas periféricas urbanas funcionam como símbolos da exclusão social para seus moradores. Tanto pelo fato do distanciamento do centro comercial da cidade, como pelo estigma que confere às pessoas que saem em busca de trabalho ou diversão, tal comunidade pode se tornar um elemento pejorativo. Esse processo que pode ser chamado de hiperguetificação (Wacquant, 2000) e se faz percebido a partir dos anos 1970, vem descompondo os laços de solidariedade antes existentes, fazendo com que a luta coletiva por interesses locais perca força, já que os indivíduos estão empenhados em não integrar um grupo que confere uma identidade socialmente inferiorizada.

O enfraquecimento dos laços sociais, tanto os laços vicinais como os familiares e a consequente perda do comprometimento com o grupo local também constituem um agravante importante para a não-internalização das normas sociais pelos indivíduos e, consequentemente, pelo não reconhecimento do outro. A perda da noção de alteridade configura uma facilitação ao uso da violência como recurso.

Num contexto de inferiorização sociogreográfico, a construção de uma identidade calcada num comportamento que prima pela exaltação da virilidade, da coragem e da força, pode se constituir num elemento interessante de análise sobre a forma como parte da população jovem vem redefinindo a sua identidade em busca de reconhecimento e visibilidade na esfera individual. A falta de laços sociais, as más condições de vida e a ânsia por fazer parte da sociedade de consumo a que estes sujeitos estão submetidos são fatores fundamentais para compreender porque a violência tem barganhado tantos jovens das periferias.

Desse modo, a partir da análise das primeiras entrevistas é notável que os comportamentos aceitáveis e não aceitáveis interiorizados pelos entrevistados variam de acordo com o círculo de relações que estabelecem. A masculinidade ligada à ética do trabalho e da proteção da família aparece em discursos remetidos pelo indivíduo da ótica da própria família. No círculo de amigos, a masculinidade aceitável e valorizada sempre remete aos valores da força e da coragem. As vivências da ordem violenta, considerada por eles como normal, também aparecem fortemente nos discursos:

Perguntamos a um dos jovens se os amigos ficaram sabendo dos crimes e o que acharam: agora eles tão me olhando até melhor, agora com arma era comigo o bagulho!. (M)

Sobre a opinião da família e o que vivenciam no bairro:

Minha mãe me ensinou tudo que era certo, mas de dia ali, eu vi que era tudo errado. Quando eu era criança eu via os loco com arma na mão, roubando, fugindo da polícia e gostei... (F) Eu já tinha roubado já. Só que minha mãe não sabia (...)(M)

Em outros momentos, o constrangimento por não representar o homem que a família e as pessoas mais

velhas do bairro esperavam também mostra outro modelo de identidade masculina alternativo ao modelo violento: Bah lá no meu bairro ficaram sabendo. Eu fiquei com vergonha (...) Ah eu conversava com todo mundo eles gostavam de mim. (F)

4. Conclusão É possível observar que a afirmação da virilidade não se apresenta em todos os níveis da convivência

social pelo fato de que se dá num jogo cênico (o qual representa o ‘enquadre’), ou seja, na abordagem repentina à vítima. O porte de arma e a intensidade da abordagem violenta são categorias que atribuem adjetivos (como poder e coragem) reforçadores da representação de caráter enérgico do sexo masculino, o que sugere um modo particular desses jovens configurarem o modelo de masculinidade eleito por eles de acordo com a ordem que orienta o lugar onde interagem. Essa exaltação da tipificação dos bandidos como

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fortes e dominantes, inclusive na interface com a sexualidade, se mostra muito clara nas referências dos meninos aos traficantes que comandam a sua comunidade e possuem poder, dinheiro e (o que parece mais interessante para os meninos) mulheres.

O comportamento violento, simbolicamente relacionado a atributos de virilidade, se mostra muito significativo como aporte à afirmação do jovem masculinizado e dono de um espaço social, ainda que este espaço signifique o reconhecimento desse sujeito apenas no nível local, já que, na maioria das vezes, o que interessa para esses indivíduos é ser respeitado e socialmente visível na sua própria comunidade.

5. Referências BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2003.

BOURDIEU. Pierre. A Dominação masculina. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

CASTELLS, Manuel. A Questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

CECCHETTO, Fátima Regina. Violência e estilos e masculinidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

GADEA, Carlos. Violência e invisibilidade dos movimentos sociais. Anais eletrônicos do II Seminário Nacional Movimentos sociais, Participação e Democracia. Florianópolis, UFSC, 2007, p. 145-155.

HONNETH. Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: 34 Editora, 2003.

MACHADO DA SILVA, Luís Antônio. Sociabilidade Violenta: uma dificuldade a mais para a ação coletiva nas favelas. Revista Democracia Viva nº 8, 2000.

MAFFESOLI, Michel. Dinâmica da violência. 1. ed. São Paulo: Vértice, 1987.

TANGERINO, Davi C. Crime e Cidade: Violência Urbana e a Escola de Chicago. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2007.

TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. Violências e conflitualidades. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2009.

ZALUAR, Alba. Integração Perversa: Pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004.

WACQUANT, Löic. Os condenados da cidade: estudo sobre marginalidade avançada. Rio de Janeiro, Revan, 2001.

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NOVAS TEORIAS E NOVAS PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Ana Paula de Oliveira*; Amarildo Luiz Trevisan. Universidade Federal de Santa Maria

1. Introdução

O presente artigo é um estudo de um projeto mais amplo, intitulado “Teoria e Prática da Formação no Reconhecimento do Outro”, vinculado ao Grupo de Pesquisa Formação Cultural e Hermenêutica (GPFORMA), coordenado pelo Profº. Drº. Amarildo Luiz Trevisan (UFSM/PPGE). O projeto em questão procura aproximar o seu foco de interesse do campo da formação de professores no Brasil, repensando o deslocamento da linha de discussão do pólo da teoria para o pólo da prática, ou seja, do “dever ser” ao “fazer” do professor, procurando acompanhar a mudança de paradigma que norteou o surgimento da compreensão moderna do conhecimento.

Nos últimos anos têm surgido importantes iniciativas no campo filosófico-pedagógico interessadas em contribuir mais concretamente com o equacionamento dos problemas da Educação. Além de tematizar a relação entre Filosofia e Educação, potencializando reflexões importantes para os diversos contextos pedagógicos, a partir do referencial de grandes pensadores da Filosofia, estes estudos chamam a atenção para a importância do conceito de formação em sentido amplo. Inspiradas nas grandes experiências realizadas no Ocidente – a Paidéia grega, a Humanitas latina e a Bildung alemã – estas pesquisas procuram discutir os problemas educativos sob a perspectiva de valorização da cultura e suas repercussões no contexto contemporâneo. Porém, observa-se um considerável crescimento da produção nestes mesmos grupos de pesquisa direcionado cada vez mais para o problema da formação docente, considerada o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” da educação.

Por um lado, é notório que o debate tem se acentuado nos últimos tempos porque a crise das soluções propostas por outros modelos - como a do colapso da imagem do docente como demiurgo criador da cidadania (ROCHA, 2004, p. 155) [7] - tem aberto espaços para a reflexão filosófica. Esta discussão ficou bem evidente ultimamente em vários artigos e livros, bem como diversos trabalhos apresentados no GT Filosofia da Educação, da ANPEd Nacional. Nesse contexto, dos 18 trabalhos selecionados em 2007 e dos 11 trabalhos apresentados em 2008, 6 em cada edição abordavam explicitamente esta questão; já em 2009, dos 11 trabalhos selecionados, 4 trataram do tema. Esses dados constituem uma pequena amostra da produção de alguns grupos de pesquisa que trabalham com Filosofia da Educação, no Brasil, relacionando o problema da formação com a realidade dos professores.

Mas, por outro lado, cabe observar que estas pesquisas no campo teórico-filosófico têm sido alimentadas, em grande medida, pelo debate que se estabeleceu sobre a relação entre teoria e prática na formação de professores; questão esta que atravessa a relação entre Filosofia e Educação durante toda a história do ocidente. O velho dilema entre teoria e prática volta ao centro do debate, tornando-se atualmente um dos principais eixos articuladores da formação de professores nos cursos de licenciatura do Brasil. Como não poderia deixar de ser, o foco maior do debate no campo da Filosofia da Educação é voltado para a compreensão subjacente à discussão entre teoria e prática, que serve de base à legislação educacional (BRASIL, 2001) [1], a qual segue as ideias de autores como César Coll e Perrenoud. Se os PCNs seguiram o modelo proposto por Coll, o desenvolvimento das competências torna-se o centro da atual reforma curricular dos cursos de licenciatura, sendo os conteúdos vistos não mais como um fim, ou eixo norteador da formação profissional do professor, para se tornar, na verdade, um meio para alcançá-las. Em contraposição ao longo predomínio da teoria nos processos formativos, o modelo de Coll defende as dimensões conceitual, procedimental e atitudinal, enquanto o de Perrenoud segue o modelo da pedagogia das competências. Porém, cabe frisar que este modelo não apenas se limitou a influenciar a formação de professores em cursos universitários.

É inegável que historicamente a formação de professores tem justaposto e, inclusive, confrontado a teoria e a prática, na medida em que os estágios supervisionados, por exemplo, (embora não devam ser considerados apenas enquanto exercício prático, mas também como um campo privilegiado de aprendizagem teórica), eram desenvolvidos até pouco tempo atrás apenas ao final do curso. Por isso, a legislação recente tomou a si a responsabilidade de eliminar este distanciamento. A solução dada a cada curso varia de acordo com o projeto político pedagógico específico, porém em geral as licenciaturas têm procurado se adequar em maior ou menor grau ao encurtamento entre o normativo e o vivido. Esta proposta procura substituir a centralidade dos conteúdos, que deixa de ser o eixo principal da formação, para dar espaço à articulação

                                                            * Ana Paula de Oliveira: [email protected]

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entre a formação teórica e a formação prática, estreitando a relação da formação do professor com seu exercício profissional.

Mas será que o problema da dicotomia entre “a dimensão teórica e a dimensão prática da formação”, bem como a necessidade de sua ‘unificação’, conforme é recomendado pela legislação se dilui ou se dissolve no momento em que se adere ao paradigma preconizado por estas pedagogias? Até que ponto esta transição proposta na legislação educacional brasileira está causando o efeito desejado? O que é possível reconhecer no ideário pedagógico das competências enquanto aplicado à formação dos professores? Em que sentido pode ser avaliado a relação entre teoria e prática na formação do professor a partir da idéia de reconhecimento do outro?

Apesar de estarmos inseridos na complexidade de uma sociedade que escolheu viver, a partir da modernidade, sob o primado da prática, a formação do professor não pode ficar refém de uma pretensa teoria e menos ainda do lado da simples prática, o que seria apenas uma forma de tencionar o problema sem oferecer-lhe uma solução. Afinal, como refere Pimenta [6], “o professor pode produzir conhecimento a partir da prática, desde que na investigação reflita intencionalmente sobre ela, problematizando os resultados obtidos com o suporte da teoria. E, portanto, como pesquisador de sua própria prática” (2006, p. 43).

Por isso, neste projeto de pesquisa pretendemos, primeiramente, debater o porquê da dificuldade das políticas de formação de professores em aliar teoria e prática, privilegiando a prática, problematizando a virada na compreensão moderna do conhecimento. E, segundo, propor uma reformulação da compreensão desta dicotomia baseado nos preceitos de uma Filosofia da Educação inspirada na teoria do reconhecimento social do outro, procurando evitar as armadilhas do compromisso com as instâncias teológico-metafísicas do contexto que ela foi gestada. O intuito é despertar a formação em seu compromisso histórico-hermenêutico com a sabedoria, com vistas a denunciar os estreitamentos reflexivos a que a formação de professores ficou submetida nesta proposta.

2. Metodologia

Este artigo propõe discutir a ideia da reformulação do dilema teoria e prática, desenvolvido pela educação brasileira, enquanto cristalizado nas normativas sobre a formação de professores, a partir da reflexão sobre uma Filosofia da Educação inspirada na teoria do reconhecimento social do outro. Para tanto, a hermenêutica reconstrutiva é uma abordagem emergente no campo da educação que serve aos propósitos desta pesquisa.

Conforme Devechi e Trevisan (2010) [2], a hermenêutica reconstrutiva surge como uma espécie de síntese de elementos positivos das precedentes, aproveitando os aspectos “críticos” e “evolutivos” das dialéticas e a preocupação com as categorias “contexto”, “mundo da vida” e “compreensão” das fenomenológico-hermenêuticas.

Nesta abordagem o sujeito é comunicativo e objetiva o consenso. Os significados resultam dos acordos construídos pragmaticamente por uma comunidade de argumentação, estando o caráter crítico na aceitação ou não das pretensões de validade do declarante. As pesquisas dessas abordagens se desenvolvem pelo descentramento do sujeito, o outro passa a ser, assim, a categoria central das pesquisas, e por isso essas investigações surgem como reação à hermenêutica tradicional. De maneira diferente, ela é fiel nesse ponto aos pressupostos da crítica por meios comunicativos, como consciência aguda de negação da alteridade, sejam minorias exploradas, movimentos sociais, povos que lutam pela sua independência e os diferentes.

Assim, o giro da linguagem é entendido nessas pesquisas como uma virada da discussão em direção ao outro, como saída da centralidade do “si mesmo” ou da “autoconsciência de si” absolutizada no paradigma moderno. A tese do reconhecimento do outro (Honneth, 2003) [3] passa a ser o vetor em todas as instâncias pesquisadas e isso ocorre porque o pesquisador deve ter como pressuposto a análise das crenças pela aceitação pública, como voz a ser levada em consideração em todas as decisões da vida pública. Tais abordagens apanham não só o contexto, mas uma ideia de universalidade, ou seja, o conhecimento é acordado diante dos interesses gerais, porém sempre suscetível de falibilidade.

Em linhas gerais, como a Teoria Crítica se renova constantemente, fazendo jus à tese hegeliana de que a formação é um devir constante, primeiro Habermas e Apel, e depois Honneth, retomam a partir de Hegel a discussão da formação de identidades sob o signo do reconhecimento ou do acolhimento existencial do outro. Surge assim um segundo momento da Teoria Crítica, caracterizado pela busca de saídas às aporias da razão, procurando, no terreno da intersubjetividade, a necessária superação do estranhamento pelo processo de reconhecimento social do outro.

Nesse sentido Hegel traz contribuições importantes, pois é fiel ao paradigma moderno de compreensão do conhecimento, na medida em que tornara claro, com seus apontamentos, que a teoria na modernidade é prática, é ação. Se ela não tiver este caráter de utilidade ou de transformação, não pode ser considerada uma teoria afinada aos princípios da modernidade, que surge em oposição ao modelo contemplativo próprio dos

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mundos antigo e medieval. A virada da prática no campo do conhecimento moderno não significa, entretanto, um esquecimento da teoria, esvaziada dos seus fundamentos em benefício de metodologias e técnicas. Antes disso, significa que há uma nova interdependência entre o teórico e o prático, e não a simples diluição de um dos pólos contrastantes no outro. Em síntese, de certo ponto de vista, se a teoria não for prática, isto é, se ela não impelir à ação, torna-se inócua, vazia e sem sentido para o mundo em que vivemos. E, de outro, a prática nesse contexto não pode mais ser concebida como um agir empírico e sem princípios, uma vez que ela surge impulsionada justamente por uma teoria.

Ora, a articulação entre teoria e prática proposta nos cursos de licenciaturas pela legislação procura equacionar diversos aspectos envolvidos nesta implicação, tanto relativo aos projetos pedagógicos, quanto curriculares e o problema dos estágios. Entretanto, conforme dito anteriormente, ao instituir como questão central nas discussões do âmbito educacional a noção de competências, estes aspectos compartilham de uma mesma preocupação: privilegiar a prática em detrimento da teoria. Não reconhecem assim que a virada da prática não abole a instância teórica e, principalmente, “a íntima cumplicidade e reciprocidade entre teoria e prática no processo cognitivo” (MORAES, 2009, p. 590) [5].

3. Resultados e discussão

Como é presente projeto é um desdobramento dos projetos de pesquisa intitulado, atualmente, como “Formação no Contemporâneo: Racionalidade Discursiva e Estetização do Mundo da Vida” - financiado pelo CNPq desde 2001, com Bolsa Produtividade em Pesquisa (PQ), com vigência de 01.03.2008 a 28.02.2011 e o projeto de pesquisa denominado “Formação no Contemporâneo e Imagens de Docência” - financiado com auxílio do Edital Universal CNPq/2008 – Faixa A (Processo nº 476776/2008-2), com tempo de validade de 01.12.2008 a 30.11.2010. Em ambos os projetos está presente uma preocupação com os rumos da formação no contexto contemporâneo, dominado por uma inflação de informações de todos os tipos, formas e cores, e as imagens que são produzidos sobre a docência. Ou seja, já existe aí uma preocupação em pensar a docência na correlação entre teoria e prática compreendidas de modo mais amplo. Entre as conclusões apresentadas a partir destes estudos, está a ideia de que a racionalidade de nosso sistema de crenças e valores, ou seja, a racionalidade ocidental, que dividiu o mundo em aparência e essência, corpo e alma, normativo e vivido, teoria e prática, e demais binômios aparentemente irreconciliáveis, é baseada na suposição de um mundo mais permanente por detrás de um mundo mutável e aparente. Surgida a partir do platonismo, ela recebeu reforço na filosofia moderna (epistemologia) e mais tarde no positivismo. Por isso, não é capaz de dar conta analiticamente da formação do professor no ambiente de complexidade dos novos fenômenos culturais. Esses novos fenômenos criaram uma realidade artificial (a virtualidade, o ciberespaço) que produz como afirma Matos [4], “objetos sem imagens e imagens sem objetos” (1999, p. 73). Ou seja, o próprio avanço das tecnologias da informação e comunicação na veiculação do conhecimento já aboliu estes dualismos e binômios aparentemente irreconciliáveis e por isso este se torna um dos motivos pelos quais não se sustenta mais no ambiente pedagógico a idéia de “essencializar” conhecimentos. 4. Conclusão

Por ser um projeto em iniciação não obtemos conclusões, apenas obtemos algumas considerações importantes. Podemos evidencia que o alcance da pedagogia das competências, enquanto uso da liberdade, ficou no meio do caminho, se tornando escrava da prática. Como Hegel mesmo diz, se pode reconhecê-la como “apenas uma habilidade que domina uma certa coisa”, ou seja, como uma certa técnica. Por isso ela não serve como uma “forma universal”, mas é algo sempre limitado ou escravo de um contexto específico. O que lhe falta é “dominar a potência universal”, ou seja, fazer a leitura crítica do todo e perceber “a essência objetiva em sua totalidade”, isto é, desenvolver uma auto-compreesão crítica dos fins para o qual ela serve, que tipo de homem/mulher estaria formando e ainda para que tipo de sociedade ou de mundo opera. No máximo poderá auxiliar na observação do que carece eventualmente ao educando desenvolver, ou seja, como um simples dispositivo ou “habilidade”.

É preciso assinalar que este equívoco resulta na tecnificação da formação, na medida em que prescreve o desenvolvimento de competências e habilidades, porém em detrimento da formação mais ampla. As competências específicas a serem mobilizadas independem do contexto em que elas ocorrem, suas variáveis e identidades. Há aqui um reconhecimento voltado ao universo do micro sem dúvida, mas como falta uma perspectiva em relação ao sentido do todo, ou seja, de uma visão histórica, política e social da humanidade, o indivíduo abre mão da dimensão crítica do processo em que está inserido e se transforma num mero executor de ordens sem importância. A perda de referenciais mais amplos de análise pode levar tanto à formação de consciências operativas e padronizadas quanto visionárias e proféticas, igualmente voluntariosas, porém ingênuas, porque sem embasamento no real.

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Enfim, cremos ter deixado claro que no contexto do paradigma moderno do primado da prática é possível promover uma nova articulação com a teorização sobre a formação do professor, porém sem submissão ao praticismo e menos ainda cultivando uma aversão à dimensão teórica. E que a tentativa de ultrapassar a dicotomia entre teoria e prática, reforçando esta em detrimento daquela, amparada numa Filosofia da Educação de corte construtivista e da pedagogia das competências, fez a legislação sobre a formação de professores recair mais uma vez na instância explicativa do conhecimento. Decididamente temos aí a “volta por cima” do velho dilema entre teoria e prática, ou seja, temos um reforço à dicotomia que atravessa a preocupação da Filosofia e da Educação durante toda a história ocidental. Referências [1]BRASIL, Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação: (2001a). Parecer CNE/CP 09, 08 de maio de 2001 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/009.pdf Encontrado em 17/02/2010. [2] DEVECHI, C. P.; TREVISAN, A. L. Sobre a proximidade do senso comum das pesquisas qualitativas em educação: decadência ou déficit teórico? Revista Brasileira de Educação (Impresso), v. 15, n. 43, p. 148-161, 2010.

[3]HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento. A gramática moral dos conflitos sociais. Tradução Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. [4]MATTOS, P. A sociologia política do reconhecimento: as contribuições de Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser. São Paulo: Annablume, 2006. [5]MORAES, M. C. M. A teoria tem consequências: indagações sobre o conhecimento no campo da educação. Revista Educação e Sociedade, Ago 2009, vol.30, no.107, p.585-607. [6]PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In.: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Orgs.) – Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2006. [7]ROCHA, M. Paradoxo da formação: servidão voluntária e liberação. Revista Brasileira de Educação. Set/Out/Nov/Dez., 2004, nº 27, p. 154-171.

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O PAPEL DA DIALOGICIDADE E DA TOLERÂNCIA NA AÇÃO POLÍTICA

Maricélia Pereira Gehlen1; Gabriela D’Ávila Schüttz2* 1Universidade de Caxias do Sul – UCS, Programa de Pós-graduação em Educação

2Universidade do Vale do Rio dos Sinos –UNISNOS; Programa de Pós-graduação em Filosofia RESUMO 1. Introdução

Este texto busca refletir sobre a prática política como prática de liberdade e promotora de paz entre os povos. Trata-se, portanto, de resgatar o sentido positivo da política, compreendendo que a dialogicidade e a tolerância são valores fundamentais para orientar a ação. Este texto possui caráter eminentemente teórico e se fundamenta no estudo e análise de dois textos: ‘A paz perpétua’ de Immanuel Kant e ‘Pedagogia do Oprimido’ de Paulo Freire. São utilizados alguns conceitos presentes nessas obras, tais como: a autonomia kantiana e a dialogicidade freiriana. Acredita-se que este tipo de reflexão contribua para análise das relações político-contemporâneas, tendo em vista os processos de degeneração das soberanias nacionais, a partir da expansão e consolidação da globalização, a instrumentalização da política e do direito, e, por conseguinte, o rompimento dos vínculos de solidariedade entre os sujeitos/países. 2. Método Este trabalho possui caráter eminentemente teórico e utiliza os procedimentos ordinários nesse tipo de estudo. Em relação à fundamentação teórica, faz uso de dois textos em especial: ‘A paz perpétua’ de Immanuel Kant e ‘ Pedagogia do Oprimido’ de Paulo Freire. Constituem-se como elementos centrais deste trabalho os conceitos de autonomia (Kant), dialogicidade (Freire) e tolerância recíproca (Hoyos-Vázquez). Sobre a ideia de tolerância, optamos pela releitura do conceito kantiano realizada por Hoyos- Vázquez, pois coincidimos com o autor que “Kant é vitima de um conceito monolítico de soberania, oriunda da ‘soberania popular’, constituída como nação na forma do Estado soberano (tradição republicana) e que se estabelece de um contrato na forma do Estado de direito (tradição liberal)” (1997, pág,17). Em ambos os casos, questões vinculadas à pluralidade, a interculturalidade e multiculturalidade que se constituem diferenças insuperáveis entre os povos e nações são negligenciadas. 3. Discussão

A paz entre os povos é uma aspiração antiga da Humanidade. O grande filósofo da moral Immanuel Kant se dedicou a este problema em sua obra ‘A paz perpétua’, em 1795. Nesta obra, Kant argumenta que conviver pacificamente depende de um esforço coletivo, organizado e contínuo, cujas premissas devem ser acordadas e respeitadas pelo conjunto da sociedade e sugere a formação de uma ‘liga da paz’ (foedus pacificum). Isto é, uma sociedade das nações. Não obstante, o filósofo prussiano não se refere a uma espécie de Estado Mundial, como sugerem algumas leituras precipitadas, seu projeto alude a uma forma de organização territorial e política que não comprometa a autonomia dos países, ao mesmo tempo, permita solucionar pacificamente os problemas e divergências, respeitando as diferenças de cada povo e facilitando as formas de cooperação entre eles. Para Kant, as pessoas precisam aprender a conviver, cultivando a tolerância.

Para Maldonado (1997), tolerância significa desenvolver a capacidade de vivenciar um conflito de modo positivo, buscando soluções justas para todos os envolvidos. Hoyos Vázquez (2007), nos fala das diferenças insuperáveis. Segundo o autor, a tolerância está na base da democracia, a partir da qual se funda a confiança, a compreensão e o reconhecimento da contingência, manifesta nos próprios limites de cada um e do outro como diferente. Desta forma, a tolerância recíproca permite pensar outros modos de estabelecer as relações, capazes de fomentar a compreensão mútua, de encontrar lugares de possíveis encontros entre as diferentes perspectivas e/ou utopias, permitindo um diálogo acerca das formas mesmas de esta adaptação recíproca, de simpatia e aproximação, e, principalmente, que deixem espaço para o desacordo, sem com isso impossibilitar o consenso ou o avanço no diálogo.

O diálogo como prática política de liberdade, de respeito à pluralidade e de procura por espaços de encontro, de um mundo comum, onde se possa construir democraticamente significados e estratégicas compartilhadas, inclui o exercício da tolerância. Neste é o sentido, a prática política deve ser mediada pela

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dialogicidade e pela tolerância. Se não for assim, a prática política se desvirtua e se sobressaem as relações políticas que aspiram majoritariamente o benefício pessoal e não a favor do bem-comum. A política se torna, portanto, a gestão, a administração ou a negociação pública dos interesses privados, em uma perspectiva liberal, ou formas de governos ditatoriais - o autoritarismo, o totalitarismo, o fascismo -, assim como as ditaduras constitucionais, além das demais formas de coerção e violências simbólicas e matérias existentes. O bem-comum na construção kantiana levaria os povos à paz-perpétua. Isto é, o bem-comum deve sobrepor-se aos interesses e conflitos.

Paulo Freire, entre muitos outros aportes, nos fala do ser humano como sujeito dialógico. Segundo o autor, os homens não se fazem no silêncio, mas na palavra, no trabalho, na ação, na reflexão e na práxis. Isto é, o diálogo é uma característica essencial da nossa humanização e, o contrário, sua ausência ou deformação nos desumaniza.

Freire, ao trazer algumas considerações sobre a essência do diálogo, compreende a palavra, não somente como o meio que possibilita o diálogo, mas o diálogo mesmo. A palavra possui duas dimensões: a ação e a reflexão, ou seja, a práxis, sem a qual não poderá se reproduzir verdadeiramente, posto que há uma interação radical entre ambas. A palavra não autêntica priva a mesma de uma dessas dimensões, e se torna verbalismo, quando sacrifica a ação, o ativismo por ser negligente com a dimensão da reflexão.

Para Freire, qualquer destas dicotomias, ao gerar formas inautênticas de existir, cria formas inautênticas de pensar que reforçam a matriz que a constituem. A antidialogicidade é o pronunciamento do mundo de modo unilateral, arrogante e auto-suficiente. O diálogo, como prática de liberdade, não pode estabelecer abaixo hierarquia, violência e coerção. Deste modo, mesmo que seja um direito de todos os homens, a palavra verdadeira não pode dizê-la ninguém sozinho. O diálogo implica necessariamente um encontro de homens, mediatizados pelo mundo, em um pronunciamento que lhes vincule de modo integral, entre si, e ao mundo que devemos transformar. A dialogicidade como elemento para pensar a ação política e a paz entre os homens/povos nos ensina que o diálogo é uma exigência existencial, também uma prática de liberdade. Portanto, de transformação e humanização do e freireano mundo, e, não se pode confundir com disputa pelo poder. Não se trata de se pronunciar sobre o outro, depositar-lhe ideias ou simplesmente ir negociando-as como mercadorias. É algo mais profundo, se trata de um compromisso ético dos sujeitos para uma sociedade mais igualitária, em que todos possam atuar como sujeitos de seu próprio destino histórico, e não como expectadores de suas próprias vidas.

Defendemos que o pensamento kantiano e freireano confluem em muitos aspectos: “Tanto para Freire quanto para Kant, o homem é construtor de si. A diferença é que para Kant o homem retira de si, da própria razão, os meios para se fazer homem, já em Freire é a ação dialógica feita no mundo com os outros que possibilita a própria construção”(Zatti, 2007). Se aceitarmos o argumento de Kant, a paz não é um estado natural, nasce também à esperança de alcançá-la, buscando-a através do exercício do diálogo e tolerância no seio da ação política. 4. Considerações Finais

Atualmente, vivemos em um mundo que se mostra instável, incerto e repleto de desigualdades que ferem a dignidade humana. Cremos que se a tolerância com as diferenças fosse cultivada, fosse um valor almejado pelos sujeitos/povos e praticada nas ações políticas, não haveria tanta violência e tampouco necessitaríamos estabelecer tantas leis e códigos que, muitas vezes, acabam não sendo instituídos ou assegurados pela falta de um acordo, um contrato das pessoas e dos povos entre si. A importância do poder econômico em nossas sociedades, não deixa espaço para os princípios e preocupações éticos e morais na ação política. Por isso, acreditamos que a obra de Kant, é ainda de grande valia para repensarmos nossas ações. Além disso, pensamos ser profícua a reflexão proposta, ou seja, relacionar Immanuel Kant e Paulo Freire. Referências Bibliográficas FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 18. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 184 p. HOYO VÁSQUEZ, Guillermo. “Filosofía Política como Política Deliberativa”, In. VÁZQUEZ (Organizador) Filosofía y teorías políticas entre la crítica y la utopia, Buenos Aires. CLASCO Libros. 1997. KANT, Immanuel. À paz perpetua. São Paulo: L&PM, 1989. MALDONADO, Maria Tereza. Os construtores da paz: caminhos da prevenção da violência. São Paulo: Moderna, 1997.

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ZATTI, Vicente. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007. Publicação Eletrônica ISBN 978-85-7430-656-8 Disponível em: http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia/autonomia/capa.html Acesso em: 05 de jun. 2010.

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NARRATIVAS ORAIS E EVENTOS REMEMORADOS DE LÍDERES E LIDERANÇAS KAINGANG E GUARANI

Nádia Philippsen Fürbringer1

Universidade Federal do Paraná 1. Introdução

Esta pesquisa tem por objeto um conjunto de narrativas orais Kaingang e Guarani que compõe o Acervo Memória Indígena do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE). As narrativas indígenas e suas diferentes formas de expressão constituem um objeto relevante para a compreensão das formas de socialidade ameríndia e, no caso especial deste acervo, das relações de contato entre essas populações indígenas e o Estado nação.

Em janeiro de 1986 foi lançado o projeto Memória Indígena no Paraná, com a orientação geral de Lúcia Helena de Oliveira Cunha e Maria Lygia de Moura Pires na Universidade Federal do Paraná. Este projeto teve por objetivo fazer um levantamento da memória oral dos grupos indígenas no Paraná, em especial Kaingang e Guarani e também Xetá.

De acordo com o relatório do Projeto Memória Indígena de janeiro de 1986, a pesquisa seria dividida em duas partes: uma pesquisa documental em registro de cronistas e viajantes, bibliografias, jornais e artigos em geral; a uma pesquisa de campo com entrevistas abertas e histórias de vida. Deste projeto constam 148 fitas cassetes com gravações dessas pesquisas de campo (acervo de áudio) e 11 pastas poliondas contendo o material da pesquisa documental (acervo documental). Todo este material foi doado ao Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade Federal do Paraná, em 11 de julho de 1995, pela Professora Maria Lygia de Moura Pires, todos os arquivos e documentos foram inseridos no acervo do MAE como Coleção Memória Indígena.

Levando-se em conta o tamanho do Acervo Memória Indígena foi necessário realizar um recorte teórico para a análise das entrevistas. A fim de se aprofundar no que propriamente foi o Projeto Memória Indígena, o período escolhido foi o primeiro campo realizado na pesquisa – julho de 1986 – com 28 fitas. Outra característica deste recorte é que as entrevistas deste primeiro campo são feitas em grande parte com índios Kaingang, sendo assim focaremos nossa análise nas características deste grupo entrevistado. 2. Método

A única listagem com todos os documentos e matérias do acervo Coleção Memória Indígena se encontra no Termo de Doação assinada por Maria Ligia Pires e, desde que foi feita a doação, esse material não foi mais trabalhado, com exceção da digitalização de uma pequena parcela das fitas cassete que não foi concluída.

As fitas cassete estão divididas em seis grupos referentes ao período de pesquisa de campo e aos grupos entrevistados. O primeiro campo feito no projeto ocorreu em Julho de 1986, no município Guarapuava, contam 26 fitas. O segundo campo foi feito em Rio das Cobras em Setembro do mesmo ano, com 22 fitas. O terceiro campo já em Janeiro de 1987, também em Rio das Cobras, com 27 fitas, e por último, em Janeiro de 1987 em Guarapuava, o quarto campo ocorreu tendo como resultado mais 37 fitas. No mesmo período e local em que foi realizado o terceiro campo constam mais 10 fitas referentes à indígenas pertencentes ao grupo Xetá. E o último grupo de fitas do acervo, 19, Memória Indígena são referentes aos meses de outubro e novembro de 1986 em Florianópolis, porém estas fitas têm como conteúdo palestras proferidas por Miguel Bartolomé e Alícia Barabás sobre “A concepção de Estado” e “o Estado e os Indígenas em AL (América Latina)”, que foram incorporadas ao acervo posteriormente, além de 5 fitas de entrevistas com datas aleatórias.

Ao todo o Acervo Memória Indígena é composto então por 148 fitas cassete que englobam entrevistas gravadas com lideranças indígenas, demais relatos orais feitos nas comunidades e também palestras. Compõem as entrevistas questões que dizem respeito a relatos sobre a história dos grupos locais e registros da tradição oral. Em grande parte das entrevistas as perguntas são direcionadas para as primeiras situações de contato dos próprios entrevistados com brancos ou lembranças dos seus familiares sobre esses momentos. Dentro das pastas poliondas também doadas ao MAE, encontram-se algumas folhas com transcrições de alguns grupos de fitas, mas em geral são manuscritas e feitas por diferentes pessoas, sem que se tenha um documento único que reúna fita por fita uma transcrição mais fidedigna.

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Para poder dar início a esta pesquisa, dadas as especificidades de um trabalho em acervo museológico, foi necessário realizar a higienização e re-catalogação dos documentos. Dessas 11 pastas doadas, encontram-se diversos tipos de documentos, como relatórios, ofícios, referências bibliográficas, jornais, revistas, dossiês, transcrição de entrevistas, resumos e versões do projeto Memória Indígena. Sobre o acervo de áudio, boa parte das fitas já foi ouvida e seus assuntos principais descritos e resumidos em arquivo Excel, a digitalização de todas as fitas em arquivo MP3 também está em andamento, assim como as transcrições. 3. Resultados e Discussão

A transcrição do acervo de áudio ainda se encontra em andamento, contudo seu ritmo é mais lento devido ao estado das fitas que estão bastante prejudicadas pelas mudanças climáticas e pelo tempo transcorrido desde a gravação. Até o momento foram transcritas integralmente 11 fitas dos depoimentos coletados na Área Indígena de Marrecas, gerando cerca de 120 páginas de transcrições. Como recorte proposto para este projeto, a análise a seguir será feita a partir do material de áudio coletado pelos pesquisadores do Projeto Memória Indígena no primeiro campo. As entrevistas foram feitas em 1986, quando um grupo de pesquisadores se dirigiu até o município de Guarapuava e Turvo, no interior do Paraná, especificamente até a Área Indígena de Marrecas. A saber, esta área indígena foi homologada em 1984, atualmente tem 16.838,57 hectares e conta com uma população de 390 indígenas, tanto Kaingang como Guarani. A pesquisa foi realizada pouco tempo depois da concretização de um dos passos mais importantes para a demarcação desta área como oficialmente indígena.

Durante o mês de julho, os pesquisadores gravaram quase 30 horas de entrevistas, com cerca de vinte pessoas diferentes. Através da análise do material percebemos que os que foram entrevistados são pessoas de mais idade dentro do grupo, além de lideranças. É importante caracterizar um pouco mais o grupo que estamos nos referindo. Na época da pesquisa esta área era habitada por Kaingang, Guarani e Xetá. Estes três grupos chegaram até Marrecas vindos de áreas diferentes: de Palmas, de um território próximo ao Toldo de Boa Vista (área ainda em processo de demarcação), e de um outro local que muitos se referiram como “Embira Branca”, provavelmente próximo à Área Indígena Palmital em União da Vitória - Paraná. As perguntas nas entrevistas foram orientadas para descobrir as opiniões de cada um sobre como era a vida antes e depois do contato com a sociedade nacional (colocada como “brancos”), as lembranças de infância e de histórias contadas por familiares mais velhos e etc.. Ao se analisar as transcrições, é possível dividir as falas em alguns núcleos temáticos. O primeiro refere-se às histórias/relatos sobre as experiências que foram vividas pelos entrevistados quando muito jovens, mas ainda mais, às experiências dos seus pais e parentes mais velhos, são falas que retratam o tempo dos antigos, das pessoas mais velhas. Um dos relatos diz respeito à festa do Kiki. A festa do Kiki é descrita por Baldus [1] e tem este nome porque durante este acontecimento uma espécie de garapa – o Kiki – é bebida, todos os membros da aldeia participam. Este ritual é um tipo de culto aos mortos, no qual os participantes rezam sem parar. Assim participam da festa principalmente famílias cujos parentes tenham falecido recentemente. As rezas entoadas durante toda a cerimônia são direcionadas para que os espíritos possam ir embora em paz, sem mais incomodar aqueles que ainda vivem. Esta festa por poucos foi lembrada e todos os comentários se referiam a realização da festa em Chapecó em Santa Catarina, local o qual teve as últimas realizações há anos. Talvez, a mesma festa registrada na revista Atualidade Indígena [2]. O segundo trata das lembranças relacionadas às movimentações que os grupos tiveram durante o passar do tempo. São relatos que falam dos processos de dispersão e posterior reunião das famílias em novos locais. Em geral, os pesquisadores buscavam saber se o entrevistado era nascido em Marrecas ou não, se havia morado em outros Postos Indígenas, se havia morado em cidades ou porque estava naquele local. Há casos de adoção e apadrinhamento, que parecem ser freqüentes com indígenas que tem sua aldeia próxima as cidades. Outros casos que apareceram foram os de jovens que teriam saído da aldeia para trabalhar nas cidades. Porém, nos casos relatados, ainda que estes indígenas permanecessem algum tempo nas cidades ou fazendas, eles sempre voltavam a morar nas aldeias, mas não necessariamente nas aldeias de origem. Neste grupo de relatos também se inserem as lembranças sobre a chegada de índios Xetá e das dificuldades uma vez que se inseriam três populações indígenas diferentes (Kaingang, Guarani e Xetá) confinados em um mesmo território, sem levar em consideração suas especificidades culturais. Semelhante caso foi estudado por Maria Ligia de Moura Pires em Mangueirinha, Paraná [3]. O terceiro grupo de relatos refere-se ao processo de assentamento na Área Indígena de Marrecas. Como comentado anteriormente, os grupos que residem em Marrecas eram de outros locais e foram, forçosamente ou não, encaminhados para morar nesta outra área. As formas pelas quais muitos vieram já foram descritas, mas ainda é bom acrescentar outro fator que também teria influenciado na mudança de local.

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A questão da bebida alcoólica aparece em muitos relatos que demonstram como a inserção desta bebida piorou a situação pela qual estes indígenas passavam. Um dos relatos demonstrou que alguns chefes de Posto, preocupados com o alcoolismo, tentaram intervir, proibindo o consumo de álcool entre os indígenas, fato considerado positivo por alguns entrevistados.

É importante ressaltar o aspecto da negociação entre os grupos que chegavam, cada qual em seu momento, e os que lá já residiam. Como visto muitas das famílias que vieram para Marrecas chegaram num contexto de desconhecimento da sua própria situação e futuro. Haviam sido forçados a abandonar a terra e muitos deixaram seus animais de criação, roça, entre outras coisas. Em Marrecas juntaram-se grupos vindos de Palmas, Terra indígena Boa Vista, e aquele local que denominavam de Embira Branca, provavelmente próxima à também Área Indígena Palmital, em União da Vitória. Locais distintos e também etnias distintas. Em Marrecas, foram agrupados Kaingang, Guarani e Xetá em um mesmo território. Os dois primeiros grupos, estabeleceram aldeias separadas. Os Xetá, em menor número, se misturaram entre os indígenas das duas outras etnias. Como já foi descrito, este processo de reassentamento foi conflituoso no início, mas, com o tempo, Kaingang, Guarani e Xetá conseguiram estabelecer relações pacíficas e conviverem num mesmo território. 4. Conclusão

Um dos objetivos principais do Projeto Memória Indígena era conseguir levantar uma série de dados que seriam usados como embasamento de um livro didático sobre populações indígenas no Paraná. É por esta razão que muitos das questões que foram levantadas nas entrevistadas dizem respeito às lembranças mais remotas de cada índio sobre sua vida ou histórias que seus parentes mais velhos contavam. O que estes questionamentos buscam é, também, desconstruir a idéia do “vazio demográfico” que perpassa a história do Paraná.

De acordo com o recorte feito para este projeto, buscaram-se informações a respeito da ocupação da região de Guarapuava pelos Kaingang e posteriormente pelos não-índios. Os dados confirmaram as informações de Lucio Tadeu Mota [4], demonstrando que a expansão da atividade pastoril levou a criação de aldeamentos que alteraram o modo de vida dos povos indígenas no estado do Paraná com sérias conseqüências para a reprodução cultural e social destes povos.

Os aldeamentos agrupavam várias etnias em um mesmo território. Desta forma, a despeito das diferenças culturais e lingüísticas dos Kaingang e Guarani e destas etnias terem sido inimigas tradicionais no passado, estes indígenas foram compelidos a viver juntos, como é o caso da Terra Indígena de Marrecas, no Paraná. Os grupos começaram a dividir o mesmo espaço devido a vários fatores, como os citados anteriormente. Os resultados da pesquisa de Pires corroboram com os meus: “o processo inexorável de ocupação dos territórios mais meridionais do Brasil pelas forças ‘civilizadoras’ da colônia inicialmente, e mais tarde do Império e mesmo da República. As populações tribais, envolvidas pelo avanço civilizador, durante algum tempo se deslocam de uma região para outra procurando fugir do contato com a civilização” [3]. Aos poucos, contudo, nem fugir mais era possível e encurralados vários grupos foram obrigados a se estabelecerem nos aldeamentos indígenas existentes no Paraná – as reservas indígenas.

Da mesma forma que no caso analisado por Amoroso [5] os Guarani e Kaingang, sujeitos desta pesquisa, também foram grupos aldeados e suas diferenças culturais não foram consideradas. O fato de terem sido compelidos a viver/sobreviver desta forma teve várias conseqüências. Através da análise das transcrições, foi possível perceber, por exemplo, que a festa do Kiki, que era um evento tradicional entre os Kaingang, foi quase esquecida e que, na época em que foram realizadas as entrevistas, restavam poucas lembranças. As separações de famílias foram bastante citadas, as mudanças de local e a necessidade de saírem das aldeias para trabalhar em fazendas ou até mesmo na cidade provocaram a dispersão de núcleos familiares e, quando não muito, de todo um grupo. Os entrevistados, ao falarem do contato com os brancos, sempre falam do alcoolismo, o que sugere que eles consideram que o alcoolismo é conseqüência de toda a política estatal de aldeamento e ignorância das especificidades das etnias e do contato violento com a sociedade nacional.

Estes fatos vividos e relatados pelos Kaingang de Marrecas são importantes para refletirmos sobre o peso que a história de contato com a sociedade nacional tem na memória dos integrantes deste grupo. O material analisado para a presente abordagem diz respeito apenas ao primeiro campo realizado pelos pesquisadores do Projeto Memória Indígena em 1986. O restante do acervo documental e de áudio continuará a ser trabalhado e analisado, proporcionando futuramente uma análise ainda mais completa dos relatos contidos neste acervo e a comparação entre os relatos coletados em Marrecas e os coletados em outras regiões do Paraná.

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Referências [1] BALDUS, Herbert. O culto aos mortos entre os Kaingang de Palmas. In: BALDUS, H. Ensaios de etnologia brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979 [1937]. p. 8-33. [2] OLIVEIRA, Ismarth de Araújo (Dir.). FUNAI. Kiki, ritual sem hora para acabar. In: Revista de Atualidade Indígena. Brasília, 1977. [3] PIRES, Maria Ligia Moura. Guarani e Kaingang no Paraná: um estudo de relações intertribais. Brasília, 1975. 167 p. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade de Brasília. [4]MOTA, Lúcio Tadeu. As guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná, 1769-1924. Maringá: Ed. da Univ. Est. de Maringá, 1994. [5]AMOROSO, Marta Rosa. Mudança de Hábito. Catequese e educação para índios nos aldeamentos capuchinhos. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo: Vol.13, n.37, junho de 1998. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269091998000200006&lng=en&nrm=iso&tlng=pt > Acesso em 31 jul. 2009. Agradecimentos Meu profundo agradecimento à professora e orientadora Doutora Maria Inês Smiljanic, por toda a atenção. À Maria Ligia de Moura Pires, pelos esclarecimentos dados e à Universidade Federal do Paraná por me oportunizar esta pesquisa de Iniciação Científica. À equipe do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR, ao Departamento de Documentação da FUNAI - Arquivo Histórico Clara Galvão e Biblioteca Curt Nimuendaju.

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A FESTA DE NOSSA SENHORA DAS ÁGUAS (IVATUBA- PARANÁ).

João Paulo P. Rodrigues ¹ ;Sandra C. A. Pelegrini ²

1 Universidade Estadual de Maringá ([email protected]) 2 Universidade Estadual de Maringá ([email protected])

1. Introdução Esta comunicação visa apresentar os primeiros resultados da pesquisa sobre a Festa de Nossa Senhora das Águas, realizada na cidade de Ivatuba, Paraná (região Norte Central Paranaense, a 468 km da capital Curitiba), desenvolvida no programa de Mestrado em História da Universidade Estadual de Maringá.

O estudo se concentra no período de 1997 a 2008. Optamos por esse recorte temporal, pois o ano de 1997 constitui o marco do primeiro milagre que a Santa teria realizado e 2008 sinaliza mudanças substanciais nessa celebração, decorrentes dos conflitos entre o pároco local e os organizadores da festa. Entre os objetivos desta pesquisa destacamos a importância da apreensão do significado da celebração em louvor a Nossa Senhora das Águas para a comunidade ivatubense, bem como a análise iconográfica desta imagem de Maria “recriada” na cidade, observando a sua representatividade como “Rainha das Águas” do Rio Ivaí. Além disso, notamos que as autoridades municipais têm aventado a possibilidade de reconhecer tal festa como patrimônio cultural imaterial. 2. Método

Para atingirmos nossos objetivos tomamos como fonte os relatos e as entrevistas realizadas com alguns dos protagonistas envolvidos na criação da Nossa Senhora das Águas e também depoimentos da população de Ivatuba que esteve presente nas festas. Optamos pela metodologia da História Oral, pois ela possibilita uma forma alternativa de compreender determinados fatos históricos.

As fotos das Celebrações em louvor a referida Santa também estão sendo utilizadas como fonte. Ao analisar uma imagem, é crucial considerarmos que existe um inevitável laço entre o fotógrafo, a câmera e o assunto tratado que, em última instância, resultam de representações diferenciadas do objeto e traduz a visão do mundo de quem capta as imagens.

O uso da micro-história também está sendo recorrente nesta investigação, uma vez que nossa abordagem se propõe a enriquecer a análise social, a partir de suas variáveis. O importante nessa perspectiva é que o historiador não se contente em apenas retomar a linguagem dos atores que estuda, mas faça dela um indício para poder compreender o surgimento das identidades sociais. Esta abordagem procura trazer a um primeiro plano os indivíduos, que antes eram excluídos da história oficial, dando-lhes a relevância que lhes é devida.

3. Resultados e Discussão

No Brasil os debates sobre o papel das expressões populares na formação da identidade cultural são bastante complexos. Alguns autores chamam a atenção para o fato de que esta preocupação é preponderante no anteprojeto de lei elaborado por Mário de Andrade, em 1936. Este formulou oito categorias referentes ao que ele entendia como “obra de arte patrimonial”, entre elas destacou manifestações populares como os cruzeiros, os jardins, as músicas, os contos, as superstições e as danças. Num primeiro

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momento, o anteprojeto de Andrade não foi absorvido como deveria, no entanto, na década de 1970, acabou sendo retomado pela “Fundação Nacional Pró-Memória”.

Em 1997, em decorrência da comemoração dos sessenta anos de criação do

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), foi realizado na cidade de Fortaleza um seminário internacional com a finalidade de debater idéias e maneiras de se garantir a proteção ao patrimônio imaterial. Deste evento foi criado a “Carta de Fortaleza” que aconselhava o aprofundamento da discussão sobre o conceito de patrimônio intangível e o desenvolvimento de estudos para a criação de ferramentas legais como, por exemplo, o registro como um dos recursos para a preservação dos bens imateriais.

Ao observarmos os elementos que compõem e envolvem a festa de Nossa Senhora das Águas de Ivatuba, devemos ressaltar que o movimento que norteia a celebração da padroeira do Rio Ivaí adquiriu contornos de agregação social, nunca vistos antes naquela região. Além disso, a celebração da Virgem das Águas vem se tornando uma “referência” peculiar do município.

O estudo minucioso desta forma de manifestação das religiosidades e das crenças populares poderá contribuir para a percepção das redes de relações sociais que se solidificaram em torno destas festividades. Para tanto, consideramos necessário desenvolver o diálogo com diversos campos das ciências humanas, buscando um trabalho interdisciplinar e enriquecedor. 4. Conclusão

Assim podemos constatar que entre os vários elementos que compõem a festa em louvor a Nossa Senhora das Águas está o reconhecimento cultural que a celebração vem adquirindo. Preservar a sua história significa resguardar as memórias dos indivíduos que participaram de tais comemorações que poderão constituir um “patrimônio imaterial local” ao qual a cultura popular e a história de Ivatuba estão intrinsecamente ligadas. Referências [1] AUMONT, Jacques. A Imagem. Tradução Estela dos Santos Abreu e Claudio C. Santoro. 2 ° Ed, Campinas, SP, Papiros, 1955. Coleção Ofício de Arte e Forma. [2] BOM MEILY, José Carlos Sebe. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola, 2000. [3] BURKE, Peter. Abertura: A nova história, seu passado e seu futuro. In: (org.). A escrita da história. Novas perspectivas. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Edunesp, 1992. [4] CARDOSO. C. F.; MAUAD, A. M. História e Imagem: os exemplos da fotografia e do cinema. In: CARDOSO, C. F e VAINFAS, R. (orgs). Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997. [5] CHOAY, Françoise. A alegoria do Patrimônio. São Paulo: Editora UNESP, 2001. [6] CUNHA, Manuela Carneiro da (org) Patrimônio Imaterial e biodiversidade. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, Brasília, n°32, 2005 [7] DIAS, Reginaldo Benedito e GONÇALVES, José Henrique Rollo. Maringá e o norte do Paraná. Estudos de história regional. Maringá. EDUEM, 1999. [8] FUNARI, Pedro Paulo e PINSKY, Jaime. Turismo e Patrimônio Cultural. São Paulo: Contexto, 2001. [9]GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro. Ed UFRJ, IPHAN, 1996

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[10] JOLY, Martine. Introdução à Analise da Imagem , Lisboa, Ed 70, 1994.

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A PRÁXIS EDUCACIONAL INTERATIVA EM SALA DE AULA: A IMIGRAÇÃO POLONESA EM GUARANI DAS MISSÕES/RS COMO PROPOSTA DE

ENSINO

Aline Carlise Slodkowski1*; Meri Lourdes Bezzi2 1 Universidade Federal de Santa Maria 2 Universidade Federal de Santa Maria

1. Introdução

Fazer com que a disciplina de Geografia seja atrativa, para os educandos, é um dos desafios das atuais propostas voltadas ao processo de ensino-aprendizagem dessa disciplina. Com esse propósito, busca-se estimular, os educandos, através de questionamentos fazendo com que eles sejam motivados a compreender os conteúdos geográficos de maneira integral, consciente e crítica e que entendam que esses ensinamentos fazem parte de seu cotidiano. Nesse sentido, a pesquisa teve como finalidade aproximar o conhecimento construído, no meio acadêmico geográfico, à comunidade escolar, atrelando as temáticas culturais e ensino. Para essa finalidade considerou-se os conteúdos desenvolvidos na disciplina de Geografia para a 5ª série do Ensino Fundamental, enfocando o processo migratório de povoamento e colonização do Rio Grande do Sul pelos imigrantes poloneses. A escolha dessa etnia se justifica pela sua relevância quanto à organização espacial de determinadas unidades territoriais do espaço gaúcho, localizadas, principalmente, no noroeste do Estado, mediante o processo de colonização ocorrido no século XIX e início do século XX.

Mediante a importância da questão cultural polonesa, teve-se como meta realizar um resgate a respeito dessa corrente migratória para o Brasil e sobre o processo de formação do município de Guarani das Missões/RS, cuja expressividade de descendentes poloneses o faz ser reconhecido como a “Capital Polonesa dos Gaúchos”. Paralelamente, investigaram-se também os valores e crenças que interferem no “modo de vida” da população local através dos costumes, culinária típica, vestuário, festas, profissões entre outros códigos culturais da etnia polonesa. Nesse contexto, propôs-se a elaboração de um cd ROM interativo com base no processo migratório polonês, formação do município e os códigos identitários da cultura polonesa, atrelando assim, o saber acadêmico e o saber obtido pelos alunos através da vivência, do cotidiano, da cultura local, ou seja, do seu espaço vivido.

2. Método

A evolução da colônia Guarani, atual município de Guarani das Missões, foi abordada através de uma análise multidimensional do espaço, considerando os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos, responsáveis pela sua atual organização espacial.

O trabalho de pesquisa foi estruturado através das seguintes etapas: a) levantamento bibliográfico e resgate da matriz teórica da pesquisa através de conceitos como: cultura, códigos culturais, organização espacial, identidade cultural entre outros; b) coleta de dados relativos às fontes primárias e secundárias buscando compreender o processo imigratório polonês para o estado gaúcho, especificamente para a colônia Guarani, evidenciando as diferenças culturais e dificuldades encontradas pelos migrantes ao se reterritorializar no Rio Grande do Sul; c) identificar os valores e crenças que interferem no “modo de vida” da população local através dos costumes, culinária típica, vestuário, festas, religião, língua, profissões entre outros códigos culturais; d) elaboração do cd ROM interativo com base em arquivo fotográfico organizado durante a realização do trabalho de campo no município e, e) as práticas educativas, desenvolvidas na Escola Municipal de Ensino Fundamental Nossa Senhora Auxiliadora- Bom Jardim, localizada em Guarani das Missões, com o intuito de valorizar o espaço vivido do educando, ressaltando suas potencialidades aliada a presença da cultura polonesa como fator de diferenciação do espaço geográfico e também de desenvolvimento local/regional.

3. Resultados e Discussão

Uma das peculiaridades expressivas do território gaúcho é a diversidade de sua organização sócioespacial alicerçada em distintas etnias formadora, constituída, principalmente, por imigrantes europeus, entre eles, os poloneses. Esses durante o processo de colonização do Rio Grande do Sul dedicaram-se a agricultura desenvolvida em pequenas propriedades familiares, sobretudo, na metade norte do Estado.

Os movimentos migratórios poloneses, para o Brasil, foram mais expressivos em dois períodos. O primeiro, de 1890 a 1897, quando o governo brasileiro proporcionava o deslocamento gratuito dos * Autor: [email protected]

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imigrantes, através dos contratos com as companhias de navegação e, o segundo, tem início em 1906. Salienta-se que em períodos anteriores as décadas de 1890 já existiam, no Brasil, algumas famílias de poloneses (WENCZENOVICZ¹, 2002).

No decorrer do tempo, surgiram vários núcleos poloneses no estado gaúcho, como São Marcos de Cima da Serra (atual município de São Francisco de Paula); Nova Roma e Castro Alves (atual município de Antônio Prado); Linhas Quinta, Sexta, Sétima, Oitava e Nona (atuais municípios de Veranópolis e Nova Prata). Atualmente, as linhas Quinta, Sexta e Sétima pertencem ao município de Nova Prata. Em Nova Trento (atual município de Flores da Cunha), residiram, colonos poloneses juntamente com os italianos. Enfrentadas as dificuldades iniciais de instalação dessas famílias, novos problemas surgiram para os imigrantes poloneses, ou seja, a falta de terra para seus descendentes, pois a propriedade recebida não era suficiente para suprir as necessidades das famílias que aumentavam. Inicia-se, então, uma procura por novas áreas a serem ocupadas. Nesse sentido, foram priorizados os lotes de terras próximos ao rio do Peixe e Paiol Grande (atual município de Erechim). Essas áreas constituíram as chamadas “novas colônias” de imigração polonesa (WENCZENOVICZ², 2007).

A busca por novas áreas, a serem ocupadas, continuou. Assim, na primeira década do século XX, iniciou-se uma nova corrente migratória polonesa em direção ao norte e noroeste do Rio Grande do Sul, com destaque para a colônia Guarani, objeto dessa pesquisa. Implantada em 1891 ela é um dos locais em que os imigrantes poloneses, constituídos na sua maioria por camponeses (95%) e os 5% restantes compostos de profissionais, entre eles; carpinteiros, pedreiros e ferreiros, se estabeleceram e construíram as bases do atual município de Guarani das Missões (MARMILICZ³, 1996). Atualmente, o município completou 119 anos de colonização polonesa e se caracteriza por apresentar uma diversidade de elementos culturais representativos para a vida em comunidade, que conferem também, à paisagem do município, singularidade e especificidade da etnia polonesa.

De acordo Iarochinski (2000, p.48) “Um povo é reconhecido como tal, através de suas manifestações culturais, do seu modo de ser, dos costumes, do idioma, da música, da comida e de outras atividades que o identificam”. Nessa perspectiva, um dos principais códigos culturais mantidos pelos poloneses é a religiosidade. Católicos praticantes por devoção e fiéis a Nossa Senhora de Czestochowa (Nossa Senhora do Monte Claro), o povo polonês realiza inúmeras celebrações e procissões, entre elas, a Celebração de Corpus Christi, a romaria ao Santuário da Nossa Senhora de Czestochowa. Como demonstração de fé, foi construída, na Praça central, uma estátua, homenageando a santidade Papa João Paulo II, Papa Polonês. A partir do ano de 2006, a mesma passou a denominar-se “Praça Papa João Paulo II” (Figura 1). Outra contribuição dos poloneses é a comemoração da Páscoa. Antes a tradição português-brasileira realizava somente as Festas dos Reis. O ovo de páscoa pintado, decorado é patrimônio cultural genuinamente polonês incorporado às tradições brasileiras (Figura 2).

Fig. 1 Estátua em homenagem ao Papa João Paulo II/ Fig. 2 Ovos de Páscoa Artesanais. Guarani das Missões/RS

O folclore polonês é outro código cultural significativo. Esse é representado pelas músicas regionais e canções populares. As danças mais apreciadas são: poska, mazurka, oberek, kujawiak, trojak, krakowiak. Os trajes das danças tipicamente polonesas destacam o colorido da etnia e são resgatados nas festividades. No município realiza-se a POLFEST internacional. Essa é uma festa tradicional da etnia polonesa, que reverencia os costumes e tradições herdadas pelos descendentes dos imigrantes poloneses (Figura 3, 4 e 5).

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Fig. 3 Trajes típicos poloneses femininos. Fig. 4 Trajes típicos poloneses masculinos.

Fig. 5 Soberanas da 9ª Polfest realizada em maio de 2010, com trajes típicos poloneses/ Guarani das

Missões/RS A gastronomia polonesa é um código cultural resgatado nas festas e comemorações. Ela possui uma

grande variedade de pratos típicos, destacando-se as sopas, as saladas e o grande consumo de carnes defumadas. Dentre os principais pratos típicos podemos mencionar: o Barszcz Zabielany (sopa a base de farinha de centeio); Pierogui (semelhante ao pastel, recheado com requeijão doce e canela, que pode ser assado ou cozido); Bigos (prato feito basicamente de repolho); a Crazy (bolinho de carne) e a Czarnina (sopa de carne de pato engrossada com o sangue do mesmo animal) entre outros (Figura 6 e 7).

Fig. 6 Czarnina prato típico polonês Fig. 7 Pierogui prato típico polonês

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Outro código cultural importante é a língua. Essa integra a grade curricular da rede Fundamental de ensino do município. Nessa perspectiva, enfatiza-se que o estudo do município está inter-relacionado aos conceitos culturais vivenciados pela criança, no seu espaço vivido. Essa interação é relevante, pois é uma forma de preservar a língua polonesa e torna-se fundamental no processo de construção dos conhecimentos no ambiente escolar.

Buscando-se atrelar a cultura polonesa com as tecnologias da informação para subsidiar a práxis pedagógica geográfica é que essa pesquisa teve como meta a elaboração de um CD interativo, uma vez que os recursos multimídia tornam a construção dos saberes mais atrativa e instigante para o educando.

Desse modo, a construção do cd ROM interativo, apresenta-se como uma estratégia de ensino auxiliar em sala de aula. O trabalho com imagens, desperta a curiosidade do educando e amplia as possibilidades de desenvolvimento dos conteúdos por parte dos docentes. Nesse sentido, professores e educandos tornam-se constantes aprendizes no processo de ensino-aprendizagem. Ressalta-se, que as tecnologias na educação, não substituem o papel do professor e devem ser vistas como um instrumental auxiliar na prática pedagógica. Espera-se com a elaboração do cd ROM interativo, com imagens da identidade cultural polonesa, despertar, no educando, a interatividade em sala de aula e a valorização e construção de uma cidadania crítica.

Consideramos que o espaço vivido pode ser o ponto de partida para estudos que permitam, ao educando, compreender como o local, o regional e o global estão inter-relacionados, analisando as diversas variáveis que podem explicar os fenômenos espaciais.

Nesse contexto, destaca-se a contribuição da etnia polonesa na formação do município de Guarani das Missões. Pode-se, dizer, que a cultura polonesa está simbolizada no município, ou seja, materializada na sua paisagem e vivenciada pelas crenças e ideologia de seus habitantes. Essa identidade cultural originou um ambiente característico, de importância histórica e cultural no estado gaúcho. Acredita-se que a compreensão e valorização, pelos educandos, acerca de seu espaço vivido seja uma das formas de incluir o estudo do “lugar”, importante categoria geográfica, no ambiente escolar, promovendo a problematização das questões espaciais e um ensino que desperte a construção do conhecimento de forma interativa e dinâmica.

4. Conclusão

O processo de ensino-aprendizagem atualmente enfatiza a valorização do educando, considerando a sua percepção e seus conhecimentos empíricos, ou seja, o seu espaço vivido. Nesse sentido, a Geografia trabalhada, no Ensino Fundamental, tem como intuito despertar, no educando, a curiosidade desafiando-o a construir as relações que o cercam no seu espaço de vivência. Nesse sentido, as tecnologias na educação têm um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem

Nessa perspectiva, a prática de ensino de Geografia deve considerar a condição de sujeito social do educando, por meio de uma metodologia diferenciada e adequada, enfatizando o conhecimento prévio e real dos alunos, realizando conexões entre o conteúdo geográfico ensinado no ambiente escolar e o saber adquirido pelas suas experiências de vida, ou seja, de vivência do educando, o que facilita o mesmo compreender as inter-relações e as dinâmicas espaciais.

Referências WENCZENOVICZ, Thaís Janaina. Luto e silêncio: doença e morte nas áreas de colonização polonesa no Rio Grande do Sul (1910-1945). 2007. 85f. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007 [1]. ______. Montanhas que furam as nuvens! Imigração Polonesa em Áurea-RS-(1910-1945). Passo Fundo: Ed. da UPF, 2002 [2]. MARMILICZ, Paulo Tomaz. A antiga colônia polonesa de Guarani das Missões e suas relações atuais. Ijuí:Policromia, 1996 [3]. IAROCHINSKI, Ulisses. A saga dos Polacos: A Polônia e seus Imigrantes no Brasil. Curitiba, 2000 [4].

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ANÁLISE DA MANIFESTAÇÃO CULTURAL DA FARRA DO BOI NA REGIÃO DE GOVERNADOR CELSO RAMOS A PARTIR DO RELATO DOS NATIVOS,

DESCENDENTES DE AÇORIANOS.

Erica de Oliveira Gonçalves1*

1 Introdução A farra do boi é um evento que acontece geralmente na Semana Santa em algumas regiões de Santa

Catarina. Defendida como herança cultural açoriana por uns e acusada de violenta por outros, a brincadeira do boi é motivo de polêmica no Brasil e nos Açores. Existem semelhanças entre a do Brasil e a do arquipélago dos Açores. Desta forma acredita-se que este evento é uma herança cultural açoriana.

Em relação à farra do boi, há uma forte campanha, divulgada nos jornais, contra a tradição, com argumento de utilizar os animais para uma prática violenta. A campanha de oposição à tradição a partir de argumentos ambientalistas impõe uma única opinião, cria estereótipos e tornam a informação incompleta.

Para dar equilíbrio às diferentes histórias, este trabalho tem o objetivo de apresentar a versão dos descendentes de açorianos, moradores de Ganchos, relatada a partir de observação etnográfica. Da mesma forma, a pesquisa da história da região desde a chegada dos colonizadores no século XVIII é importante para compreender as prováveis origens da farra do boi.

2 Método

O grupo escolhido para o trabalho de observação etnográfica foi o dos descendentes de açorianos, moradores dos Ganchos, município de Governador Celso Ramos localizado no litoral de Santa Catarina.

O diálogo com a população nativa nos comércios, durante o almoço e nas caminhadas pela região foi o método utilizado para aproximar e conhecer um pouco da cultura local. O registro de cada atividade foi elaborado posteriormente, ao retornar a Florianópolis.

Num primeiro momento foi feita uma breve pesquisa bibliográfica para conhecer a história e a geografia do local. Nos livros utilizados para a consulta foi percebido também a grande polêmica da manifestação cultural chamada Farra do Boi. Já a segunda parte do trabalho traz o depoimento da população nativa e seus costumes, registrados durante a observação etnográfica.

O próximo item irá tratar primeiro da revisão bibliográfica e depois haverá uma síntese dos depoimentos recolhidos durante as visitas na região dos Ganchos.

3 Resultados e Discussão

Segundo historiador catarinense Vilson Francisco de Farias (2000) [1], no livro “Dos Açores ao Brasil Meridional”, antes da chegada dos primeiros colonizadores, o litoral de Santa Catarina era habitado por povos tupi guarani. Por volta de 1740 foi instalado um núcleo de captura e industrialização de baleias na praia da Armação da Piedade.

A Revista de História da Biblioteca Nacional – “Especial Baleias”- (2009) [2], publicou um artigo do professor João Rafael Morais de Oliveira em que este afirma que os indivíduos escravizados trazidos do Continente Africano trabalharam na construção das armações baleeiras, casa grande, senzalas e moinhos. Os trabalhadores escravizados foram também os responsáveis pela remoção, limpeza e corte das baleias capturadas. Em torno dessas armações articularam-se áreas de agricultura de subsistência e pequenos comércios.

Um projeto político da Coroa Portuguesa em 1745 incentivou a vinda dos primeiros açorianos para garantir a colonização do litoral catarinense a fim de escoar o excedente populacional que habitavam a Ilha dos Açores. Segundo Maria Bernadete Ramos Flores (2000), além do incentivo aos casais açorianos para a ocupação do litoral de Santa Catarina, a Coroa Portuguesa enviou presidiários e indivíduos considerados vadios [3].

Desde então, instalaram-se novos povoados entre Palmas, Ganchos e Armação [1]. A atividade baleeira entrou em decadência no século XIX [2], mas em Ganchos a pesca artesanal prosperou e manteve seus imigrantes.

O município de Ganchos foi criado em 1963 (antigo distrito de Ganchos). De acordo com o site da Prefeitura de Governador Celso ramos [4], em 1967 seu nome foi alterado para Governador Celso Ramos. A região é especializada no cultivo de moluscos e importante centro de pesca artesanal e industrial.

                                                            1 Acadêmica de 3ª fase do curso de Pedagogia da Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC: [email protected] 

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Segundo o antropólogo Eugênio Lacerda (2003) [5], as raízes da tradição que hoje dividem a população estão no Arquipélago dos Açores. A imigração açoriana no litoral catarinense, por ter sido numericamente superior às que aqui estavam fez com que muitas práticas culturais trazidas dos Açores se mantivessem. Entre elas está a brincadeira do boi, uma variante das touradas que até hoje acontecem nos Açores. Em meio às polêmicas e protestos, a festa do boi acontece há pelo menos 250 anos, tanto no litoral catarinense quanto nos Açores [5].

Já a historiadora Maria Bernadete Ramos Flores [6], em seu livro: “A Farra do Boi: Palavras, Sentidos e Ficções”, afirma que a “[...] ‘açorianidade’ foi inventada [...] num momento de luta pela hegemonia cultural em Santa Catarina, que o tema ‘açoriano’ ganhou importância [...]” (FLORES, 1997, p.133). A descoberta de um local paradisíaco para passar as férias e do contato com a natureza não condizia, para os visitantes, com o atraso e selvageria da população nativa [6].

Apesar das divergências quanto ao aspecto de tradição açoriana, Maria Bernadete Ramos Flores (1997) e Eugênio Lacerda (1990) [7], apontam que a polêmica da Farra do Boi teve seu surgimento a partir da década de oitenta, com a urbanização do litoral catarinense. Esta ideia também é defendida pelos nativos, moradores dos Ganchos, que será apresentada a seguir.

Segundo relato dos moradores de Ganchos a brincadeira do boi acontece às vésperas da Semana Santa. Um grupo de pessoas se organiza para comprar o boi. Após a arrecadação do dinheiro os farristas partem para escolher o boi mais bravo, arisco e corredor. Essa procura pode demorar bastante tempo e envolve vários participantes.

Existem estratégias para driblar a polícia. Alguns bois são encomendados meses antes e presos no mangueirão para despistar as barreiras policiais feitas na entrada do município.

Centenas de pessoas aguardam na praça a chegada do animal anunciada por fogos e buzinas durante o trajeto. O boi é solto e acontece a correria. Quando um boi vai pro morro se espera que um corajoso desentoque o bicho para continuar a brincadeira.

Há uma multidão nas ruas: jovens, idosos, crianças e mulheres. Não se exclui ninguém, exceto aqueles que querem judiar do boi. Todos disseram que não há “judiaria” com o boi e, quando alguém mal intencionado quer maltratar o boi logo é reprimido pelos próprios farristas.

Os que participam ativamente da festa, exibem suas cicatrizes de chifradas com muito orgulho pela valentia com que enfrentou o animal feroz. Um morador mostrou uma cicatriz da perna de muitos anos atrás quando foi surpreendido pelo boi. Há ainda algumas pessoas que, embora não participem da festa, valorizam as tradições.

Um morador contou que, quando criança, ajudava a escolher o boi bravo e também corria atrás dele. No dia de repartir a carne ele sempre levava um pedaço para casa mas a mãe não aceitava e o mandava devolver. A mãe não impedia que o filho brincasse com o boi, mas era religiosa e o padre da paróquia aconselhou aos fiéis não comerem a carne do boi da farra.

Outra situação peculiar foi quando o boi caiu no telhado de uma casa. Enquanto o animal tentava se levantar do piso escorregadio da cozinha, quebrava toda a mobília da moradia. A dona da casa, ao contrário do que eu pensava, continuou a participar da brincadeira do boi nos anos posteriores.

No final da década de oitenta a farra do boi foi proibida e para conter a festividade foram enviados helicópteros da polícia para matar o boi a tiros. Os “gancheiros” pegaram um “bugge”, amarraram fogos de artifício atrás do veículo e seguiram os helicópteros. Quando estes diminuíam de altitude e paravam para atirar no boi, os farristas lançavam os fogos em direção ao helicóptero. Não houve relato de acidente. Verdade ou não, foi uma ideia bastante criativa.

Várias pessoas contaram a história de dois policiais que quase foram linchados por invadirem a farra e dispararem tiros contra o boi. A multidão enfurecida com o fato depredou a viatura e os policiais envolvidos tiveram que pedir resgate para sair com vida do tumulto.

A descoberta do litoral pelo turismo tem provocado inúmeras transformações. A população barulhenta incomoda os novos habitantes, donos de hotéis, pousadas e praias particulares que não se identificam com esse modo de se divertir dos nativos e temem eventuais danos materiais ou acidentes mais sérios que um boi enfurecido possa causar num ambiente urbano. Foi o que constatei ao conversar com pessoas de outros Estados que compraram casas de veraneio na região.

Além das histórias da farra do boi, pude observar outras histórias que emocionam. Os nativos da região têm espírito de união e solidariedade que surpreendem. Quando algum pescador não consegue o suficiente para a sua sobrevivência, os outros pescadores dividem a mercadoria sem nenhuma exigência ou garantia de empréstimo. Simplesmente o lucro é dividido entre eles.

Em paralelo com o sistema capitalista, há ainda uma economia baseada na troca em que o preço da mercadoria não oscila com o mercado de oferta e procura. O peixe é trocado por pão, frutas, toalha de mesa e

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até serviços prestados. Os trabalhos são igualmente valorizados na comunidade. São relações sociais de solidariedade que diferem muito das relações convencionais do capitalismo.

Os mais velhos disseram que as festas mais antigas eram muito melhores dos que as que acontecem hoje em dia. Embora eu não tenha participado da Farra do Boi, assisti aos diversos vídeos produzidos e editados pelos próprios nativos dos Ganchos, onde pude constatar a importância da festa para os descendentes de açorianos e moradores da região, conforme minha avaliação pessoal descrita a seguir.

4 Conclusão

Durante os meses de abril e maio conversei com alguns descendentes dos açorianos, moradores dos Ganchos, localizada no município de Governador Celso Ramos, litoral de Santa Catarina. A família Samborski foi a primeira que me recebeu, contou suas histórias e me levou aos locais de encontro dos pescadores e da população nativa. Dentre eles, tive contato com pessoas de idade, sexo e situação econômica diferentes.

O diálogo foi descontraído e não teve caráter de entrevista. Evitei o uso do diário de campo enquanto conversava e ouvia as histórias dos nativos para não ser influenciada pela arbitrariedade de uma atividade acadêmica. Preferi a ideia de conhecer melhor os costumes dos descendentes de açorianos, residentes dos Ganchos, nas longas conversas durante o almoço e nas caminhadas pela região.

Antes de iniciar a observação etnográfica pensei que iria encontrar um povo bravo, desconfiado, rude e até violento. Mas ao chegar em Ganchos me deparei com indivíduos acolhedores, muito ligados à família, além de características de solidariedade e de união admiráveis. Como pode uma comunidade ser acusada de barbárie e violência tendo tão nobres costumes?

A mídia insiste em solidificar uma imagem que a farra do boi é organizada para a prática de crueldade e tortura dos animais. Descrevem os farristas como um povo atrasado e insipiente. As campanhas negativas podem ter como pano de fundo a transformação histórica de uma comunidade tradicional de pescadores em um local turístico de especulação imobiliária.

Tive (e ainda tenho) dúvidas se a Farra do Boi é uma tradição açoriana ou um folclore inventado. De uma forma ou de outra, trata-se de uma festividade que se tornou símbolo da identidade local. Já os farristas, são os descendentes de sujeitos diaspóricos, que compõem o mosaico de catarinenses, portadores de múltiplas identidades e que tem em comum o gosto pela festividade denominada: Farra do Boi.

Referências [1] FARIAS, Vilson Francisco de. Dos Açores ao Brasil Meridional: Uma Viagem no Tempo – 500 Anos de Litoral Catarinense. Florianópolis: Editora do autor, 2000. [6]FLORES, Maria Bernadete Ramos. A Farra do Boi: Palavras, Sentidos e Ficções. Florianópolis: Editora UFSC, 1997. [3] FLORES, Maria Bernadete Ramos . Povoadores da Fronteira: Os casais açorianos rumo ao Sul. Florianópolis: Editora UFSC, 2000. [5] LACERDA, Eugênio Pascele. Bom para brincar, bom para comer: a polêmica da farra do boi no Brasil. Florianópolis: Editora da UFSC, 2003. [7] LACERDA, Eugênio Pascele. Farra do boi: introdução ao debate. Florianópolis: Editora IOESC, 1990. [2]OLIVEIRA, João Rafael Morais de. Na mira do arpão. Revista de História. set 2009. p.61-63. [4] PREFEITURA DE GOVERNADOR CELSO RAMOS/SC. Disponível em: <http://govenadorcelsoramos.sc.gov.br > Acesso em: 24 abr 2010.

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ARQUIVOS DA MEMÓRIA: ORDENAÇÃO, HIGIENIZAÇÃO E TRATAMENTO DOS AUTOS DA VARA CIVIL DA COMORCA DE CAMPO MOURÃO (1974 -1976)

Karoelen Ramos Santos 1*

1 Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão 1. Introdução O presente resumo tem como principal objetivo ressaltar a importância da pesquisa destacando os resultados positivos, ao qual a mesma tem apresentado no que se diz respeito à importância e a preocupação de preservar a memória de um povo por meio da ordenação, higienização e tratamento de documentos. Preocupação está que motivou a formação do Grupo de pesquisa intitulado Cultura e Relações de Poder, pertencente à Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (FECILCAM) a promover e desenvolver a pesquisa por meio do Programa de Iniciação Cientifica (PIC) vinculado ao Núcleo de Pesquisa Multidisciplinar da faculdade, com o intuito de garantir que estes processos/documentos sejam organizados e higienizados a fim de preservar a memória. Para tanto é importante ressaltar que esses documentos no caso referentes aos anos de 1974-1976 foram doados a FECILCAM no ano de 2004 através de um convênio entre a comarca da cidade e a instituição·. Atualmente os processos encontram-se sob responsabilidade do grupo de pesquisa mencionado acima, cabe aqui também expor que a criação deste grupo está diretamente ligada à preocupação de seus membros em realizar discussões e debates a cerca da importância de se preservar o patrimônio publico representado no caso, em forma de documentos, cuja pesquisa que vem sendo desenvolvida tem um período ilimitado, pois a linha teórica metodológica que abordamos é “Estudos e organização de acervos documentais”. Ou seja, os resultados são garantidos a médio e longo prazo de duração tendo sempre uma continuidade da pesquisa. Compreender a importância e os processos que permeiam a higienização e tratamento desses documentos é o principal foco das discussões realizadas, ou seja, entender que o homem inserido em uma sociedade que é permeada de fatos históricos tem o direito de saber o que aconteceu no passado, sendo assim é importante ressaltar que é do direito do cidadão conhecer suas origens e conhecer também a região onde vive, pois os documentos tratados pelo grupo de pesquisa não trata somente dos documentos da cidade de Campo Mourão, mais sim de toda a região. Tratar esses documentos higienizando eles, os catalogando e os arquivando de maneira que todos futuramente possam ter acesso a eles, significa proteger e preservar os patrimônios públicos. Pois esses documentos são patrimônios de todos, pois fazem parte de uma memória coletiva e nacional, produzido pelo próprio homem. Neste sentido deve-se dar uma ênfase no que diz respeito a todo processo de higienização a qual todos estes documentos são submetidos e não perdendo de vista a relação entre a teoria e a pratica, pois é necessário compreender além daquilo que está representado no documento, ou seja, compreender todo o contexto histórico que permeia a criação deste documento, para isso deve-se ater as discussões a cerca do tema, promovendo um entendimento sobre a pesquisa que está sendo realizada não se desvinculando da prática de higienização que também é embasada por uma teoria. 2. Método A higienização destes documentos requer por parte do pesquisador uma serie de cuidados a fim de preservar os documentos, já que o mesmo encontra-se muitas vezes em mal estado de conservação, características próprias de um documento histórico. Sendo assim o primeiro passo realizado pelo grupo foi à ordenação desses documentos para que assim pudesse ser seguida as próximas etapas, que consistem em, higienizar, catalogar e arquivar esses documentos, para tanto é necessário seguir alguns padrões de preservação, isso é feito a partir dos métodos ensinados pelas autoras Marina Mayumi Yamashia, Fátima Aparecida Colombo Paletta, estas tratam em sua obra Preservação do Patrimônio Documental e Bibliográfico com Ênfase na Higienização de Livros e Documentos Textuais (2006) [7]de procedimentos básicos que ensinem todas as etapas de higienização , utilizando a técnica de higienização mecânica a seco com pincel, trincha ou brocha requerendo de quem for executar este procedimento um cuidado muito grande, pelo fato de que muitos documentos estão expostos por serem papeis a determinadas deteriorações que são causadas na maiorias das vezes por poeira, fuligem, mofo, umidade e outras impurezas, que se tornam inimigas no processo de tratamento desses documentos por isso esse processo requer bastante atenção e cabe também a quem estiver executando este processo utilizar-se de matérias que garantam a própria segurança como é o caso das mascaras, luvas, óculos e jalecos.A higienização consiste na retirada de grampos, prendedores metálicos, adesivos, etiquetas e clipes, para na seqüência retirar a poeira e outros resíduos estranhos, seguindo técnicas

* Karoelen Ramos Santos: [email protected]

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adequadas para cada documento. Ou seja, é necessário uma serie de técnicas que tem como objetivo preservar este documento não se esquecendo, que o que se tem em mãos faz parte de um determinado período histórico vivido pelo homem e é o que promove toda a mobilização para discutir este tema. 3. Resultados e Discussão A importância da idéia de compreender a preocupação que existe mundialmente em preservar aquilo que é produto da humanidade tem tomado um amplo campo de discussão nas pesquisas atuais, principalmente a partir de 1970que é quando começa a surgir em maior quantidade os centros de preservação. Isto se dá pelo fato de que o homem enquanto individuo que está continuamente inserido num contexto histórico, sente a necessidade de conhecer aquilo que faz parte da sua história, e é neste contexto que está à importância da pesquisa realizada e apresentada aqui, onde se destaca todo o processo desde a contextualização teórica a cerca do tema assim como o próprio método que é utilizado para realizar tal pesquisa. Para compreender a importância da memória é preciso subordinar a discussão para a dinâmica social, isto porque ela funciona como um registro de conhecimentos acumulados de forma histórica pelas pessoas juntamente com suas experiências vividas, ou seja, isto significa que a partir do momento em que a pessoa adquire determinado conhecimento ou passa por alguma situação, automaticamente a memória desse sujeito tornar-se-á um objeto mais concreto, pelo fato de que esta mesma memória poderá ser transportada para o presente. Isso tudo quer dizer que a memória funciona como um registro de tudo aquilo que é vivido ou adquirido com o passar do tempo, deixando suas marcas tanto na cultura de um povo quanto na formação individual de cada sujeito da própria história. Nesse sentido, cabe a nós dar vida a essa memória e preservá-la. A memória ela é um registro histórico da sociedade, porém ela pode ser tanto coletiva quanto individual, isso porque a memória coletiva é um direito de todos os indivíduos da sociedade, porém ela também é individual porque cada indivíduo tem suas próprias experiências. Com isso posto o que nos cabe enquanto cidadãos que tem direitos e deveres dentro da sociedade é preservar as memórias coletivas, pois são elas que nos fazem compreender os processos pelos quais os sujeitos foram submetidos. Compreender esta memória coletiva exige também estabelecer uma relação entre o que vem a ser a preservação dos documentos. Pois, de acordo com Jacques Le Goff os documentos são como provas, ou seja, garantia de que algo realmente aconteceu em um passado ou até mesmo num presente, tudo isso representado em um papel que tem como intuito apresentar-se como uma prova histórica, por isso ressalta-se a idéia de que para um historiador que trata da historiografia é indispensável o recurso do documento. Sendo o documento uma prova indispensável para o estudo do historiador. O documento passou por uma revolução triunfal a partir do início do século XX, em virtude das concepções positivistas, tendo sido alteradas principalmente a partir da década de 1970, momento em que se permitiu ampliar a noção de fonte histórica. O documento é a prova indispensável, mas não plena de veracidade, permitindo a refutação do fato declarado. Portanto, é importante ressaltar que todo documento antes de ser tratado como uma verdade total deve ser considerada a idéia de que nem todos os documentos consistem da absoluta verdade. Eles podem ser falsos ou verdadeiros, por isso a importância da pesquisa historiográfica a cerca da problemática levantada pelo documento. Entretanto é importante relatar que os documentos muitas vezes fazem parte de uma ideologia imposta pela minoria que detém o poder, ou seja, eles podem manipular a visão do historiador quando restrito apenas a uma informação documental sobre o tema. O documento é um testemunho escrito e um discurso construído ao qual devemos estar atentos. 4. Conclusão A relevância em desenvolver uma pesquisa que preconiza a preservação de um patrimônio público está ligada diretamente as diversas formas de entender o homem enquanto individuo da sociedade. Esta pesquisa por sua vez também possibilita o entendimento sobre o que vem a ser a preservação destacando aqui o processo de organização, higienização e tratamento. Além do mais, permite entender o indivíduo na pesquisa investigativa, já que esta é de fundamental importância para o desenvolvimento de um sujeito crítico na sociedade, estendendo-se ao entendimento das técnicas de tratamentos dos processos descritos no decorrer do texto, fazendo com que fosse possível compreender e analisar obras que discutem o tema promovendo assim debates a cerca da memória e da preservação documental. Por todos esses elementos que foram abordados durante o texto, é que se pode ressaltar a importância em se preocupar em continuar o trabalho de preservar e garantir a história do homem Referências

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BELLOTTO, Heloisa Liberali. “A Ordenação Interna dos Fundos”. In: Arquivos permanentes: tratamento documental. São Paulo: T. A. Queiroz, 1991. BRASIL. Constituição Federal do Brasil. Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. LE GOFF, J. “Documento/ Monumento”. In: História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1996. NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de Tecnologia Jurídica. Do vol. I/II. 8º ed. Rio de Janeiro Freitas Bastos, 1974. PAOLI, Maria Célia. Memória, História e Cidadania: O Direito ao Passado. In: O Direito a Memória: Patrimônio Histórico e Cidadania. Secretaria Municipal de Cultura – Departamento do Patrimônio Histórico. São Paulo/DPH, 1992. SILVA, Fernando Teixeira. Nem crematório de fontes nem museu de curiosidades: Por que preservar os documentos da justiça do trabalho. In: A história e seus territórios: Conferências do XXIV Simpósio Nacional de História da ANPUH. São Leopoldo: Oikos, 2008. YAMASHIA, Marina Mayumi & PALETTA, Fátima Aparecida Colombo. Preservação do patrimônio documental e bibliográfico com ênfase na higienização de livros e documentos textuais. www.arquivística.net, Rio de Janeiro, v.2, n.2, p. 177, ago.dez. 2006.

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As repercussões da utilização do teste de DNA pelo Poder Judiciário em processos de investigação de paternidade (Florianópolis 1980 – 2008)

Giovanna Maria Poeta Grazziotin* UDESC

1. Introdução Esta pesquisa tem como intuito investigar como vem sendo tratado pelo Poder Judiciário brasileiro nas últimas três décadas (1980, 1990 a 2008) o reconhecimento da paternidade pela via judicial, ou seja, aquela que a principio é contestada. Para esta análise, o recorte temporal proposto se justifica, pois somente a partir da década de 1980 – com a Constituição Federal de 1988 – ocorreram significativas mudanças no âmbito do jurídico na direção de abolir leis proibitivas em torno da paternidade extraconjugal e extinguir as diferentes espécies de filiação. O objetivo deste trabalho é também investigar a formação de um novo cenário que se desenha no universo familiar, agora pautado pelo discurso da Biologia, reflexo que a incorporação do teste de DNA pelo Poder Judiciário de Florianópolis apresentou nas demandas processuais em torno da investigação de paternidade. Através da análise dos processos de investigação de paternidade presentes no Arquivo Central do Tribunal de Justiça de Santa Catarina pretendemos vislumbrar possíveis permanências e as rupturas que a utilização do teste de DNA, juntamente com a igualdade de responsabilidade reprodutiva preconizada pelas leis brasileiras no século XXI, produziram nas práticas discursivas em relação a paternidade, a maternidade e de gênero através da análise de possíveis discursos presentes nos processos de investigação de paternidade.

Podemos afirmar que o universo familiar é um dos temas na atualidade que mais tocam a subjetividade humana e gera debates dentro e fora dos círculos acadêmicos. Expressões como a “crise da família”, “crise de valores” e “novas configurações familiares” permeiam o vocabulário das discussões sobre a família, que para alguns saudosistas permanece como a célula mater da sociedade brasileira. Recasamentos, famílias recompostas; “mães solteiras”, mulheres chefes de família; novas leis sobre a adoção e o direito de casais homoafetivos a acessar este mecanismo; tecnologias reprodutivas que a cada dia ampliam o cabedal de opções para a geração de novos seres humanos. Crise, ruptura, saudosismo... Pensar em crise é pensar em declínio de um “modelo” que alcançou seu ideal e que se fragmentou se desagregou. Mas que família é esta afinal alvo de tanto debate com matizes das mais variadas (éticas, jurídicas, religiosas e morais)? Foi ao problematizar e historicizar este ideal de família no Brasil que surgiram as questões que deram origem a esta proposta de dissertação. Neste sentido, direcionaremos nosso olhar para a seara jurídica da filiação, para a construção e instrumentalização de leis que visaram traduzir outros valores e práticas em torno da família que não aquela hegemônica, garantido o acesso pleno a filiação.

Levantar questões como a comprovação da paternidade através processos judiciais e com o auxilio de suportes tecnológicos e elaborados como o exame de DNA inserem esta pesquisa no que chamamos de História do Tempo Presente. O “fenômeno do DNA” nos remete a um passado recente, mas não a questões necessariamente contemporâneas. A produção de novas leis em torno da filiação não se ancoram apenas na necessidade de “modernização” e “atualização” do ordenamento jurídico brasileiro, estes dispositivos legais surgiram para corrigir exclusões, distorções e abarcar arranjos familiares que sempre existiram, mas que estiveram à margem da norma hegemônica. O historiador do tempo presente tem o privilégio de vislumbrar as pistas inscritas em um passado que se ressignificam no presente, são dotadas de novos sentidos, são problematizadas sob novos olhares. Esta modalidade permite ao pesquisador debruçar-se num passado próximo

[...] Na qual o historiador investiga um tempo que é o seu próprio tempo com testemunhas vivas e com uma memória que pode ser sua. A partir de uma compreensão sobre uma época que não é simplesmente a compreensão de um passado distante, mas uma compreensão que vem de uma experiência da qual ele participa como todos os outros indivíduos. (ROUSSO, 2009, p. 202)

2. Método

A largada para a execução da pesquisa deu-se no levantamento da quantidade de processos de investigação de paternidade, dentro do recorte proposto, que se encontram no Arquivo do Tribunal de * Autor Correspondente: [email protected]

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Justiça. Somando os processos de investigação de paternidade até o ano 2008 chegamos ao número de 1.140 autos, 79 da década de 1980, 421 da década de 1990 e 640 até o ano 2008. Pela quantidade expressiva de processos catalogados e pela escassez de tempo que dispomos para conclusão da pesquisa, optamos por utilizar como amostra trinta processos de cada um das décadas. Confeccionamos uma ficha descritiva para cada processo constando a data do início de cada ação; anotações referentes aos dados das partes (menor autor, mãe e suposto pai) com os nomes; data de nascimento do menor; profissão da mãe e do suposto pai e estado civil de ambos; as alegações trazidas pelas partes sobre os acontecimentos em torno da paternidade alegada; constando nos autos, serão recolhidas informações sobre os advogados das partes; as manifestações dos Juízes e do Ministério Público; as provas produzidas (exames, testemunhas, provas documentais); a sentença; valor da pensão alimentícia e possíveis recursos propostos pelas partes. Através da análise dos dados colhidos que pretendemos investigar a proporção das repercussões que utilização do teste de DNA produziu nas demandas processuais em torno da investigação de paternidade no Poder Judiciário de Florianópolis no período de 1980 a 2008. 3. Resultados e Discussão A partir da pesquisa nos processos de investigação de paternidade nossa primeira constatação foi diferença significativa do número de processos de investigação de paternidade entre a década de 1980 e 1990, podendo esta realidade ser associada a algumas questões. As vedações contidas nas leis anteriores a Constituição de 1988 em relação ao reconhecimento de filiação tida fora do casamento legal poderiam ser reflexo da pouca demanda daquela primeira década.1 Filhos havidos de relacionamento extraconjugal permaneciam com pais ignorados na sua certidão de nascimento e para aqueles ditos “naturais” restava à disputa longa, desgastante e, muitas vezes, humilhante de uma ação de investigação de paternidade. Diante desta realidade, a dificuldade que possivelmente barrava estas ações era a de se estabelecer um meio probatório determinante da paternidade. Cabia ao autor da ação2 comprovar a coincidência das relações sexuais de sua mãe com o suposto pai ao tempo de sua concepção, bem como a exclusividade dessas relações, enfatizando a fidelidade de sua mãe. Por isso que se constata nestes autos anteriores à utilização do exame de DNA, uma riqueza de possíveis elementos probatórios como fotografias, cartas, bilhetes, cartões, contas de telefone, contratos de aluguel, dentre outros, além da prova testemunhal e as perícias hematológicas.3 Tudo isso para que se recolhesse o maior número possível de indicativos do relacionamento que ocasionou a concepção do menor autor, oferecendo ao Juiz as provas contundentes para o seu convencimento da filiação e que assim este decida pelo reconhecimento da paternidade.

Ao analisar este tipo de atividade processual na década de 1980, percebeu-se que estas disputas por uma filiação paterna seguiam caminhos tortuosos. Para tentar se comprovar a existência de relações sexuais muito se expunha da “vida privada” das partes envolvidas. Ao atribuir paternidade a determinado indivíduo, a mãe do menor, na grande maioria das vezes, tinha a sua conduta social posta à prova. Podendo-se contar com frágeis indícios da paternidade, os Juízes, em muitas situações, não se convenciam do alegado e davam por não reconhecida a paternidade.

A pesquisa em torno da investigação da paternidade no período delimitado nos indicou a influência hegemônica das práticas patriarcais nos discursos eleitos pelos homens como “defesa” e também “ataque” contra as mulheres que lhe atribuíam paternidade. Eram para as mulheres que cabia a produção das provas de suas alegações, eram estas que deveriam comprovar sua “conduta honrosa”. O que observamos nestes discursos é uma supervalorização da conduta feminina, isto é, o que seria permitido ou não a uma mulher quando esta decide ser mãe nas condições de mulher solteira. Nos autos de investigação de paternidade anteriores a utilização do teste de DNA pelo poder Judiciário encontrou-se constantemente a utilização do discurso da culpabilização da mulher. Mães solteiras, mulheres que demonstravam conduta repreensível, sendo a culpa estritamente de suas escolhas, que teriam gerado tal situação. Situação esta considerada constrangedora não somente para a mãe e seu filho, mas todos os envolvidos na questão. O discurso focava-

1 Ver BRASIL. Lei n° 3.071, de 1° de janeiro de 1916. Institui o Código Civil brasileiro que regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações. 2 Tratando-se de ação personalíssima (artigo 27 da Lei 8.560/92), cabe somente ao filho demanda-la, sendo menor de idade tal procedimento deve ser ajuizado por um representante legal, normalmente a mãe, mas que promove a ação em nome do filho. O autor propõe a ação através de petição inicial, devendo ser representado em juízo por advogado legalmente habilitado. A ação é interposta ao suposto pai ou, em caso do seu falecimento, aos seus possíveis herdeiros. 3 Constatou-se através da pesquisas naqueles autos que nas perícias hematológicas o método largamente utilizado até fins da década de 1980 para este tipo de prova consistia na análise dos grupos e fatores sanguíneos (ABO, MN e Rh), que possibilitava a exclusão da paternidade quando não havia características hereditárias necessárias no sangue do filho e do suposto pai. Nos processos investigados, estes exames, por ainda consistirem em técnicas rudimentares e de baixo custo, eram patrocinados pelo Estado.

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se no fato de que se a mãe não valorizou aquilo que seria seu “bem maior”, a virgindade, não seria o suposto pai que arcaria com as conseqüências de seus atos percebidos como equivocados. A mãe não se preocupou em resguardar a sua dignidade, assim, imoral é a sua maternidade e indigno é o seu filho. Também as mulheres, em larga medida, assimilavam em suas “defesas” o discurso da “mulher honesta”. Afirmavam em Juízo a sua boa conduta, trazendo testemunhas que a comprovassem, e reiteravam, assim a importância da moral.

Com a pesquisa adentrando os primeiros anos da década de 1990, foi possível observar que os avanços tecnológicos em torno dos estudos da identificação genética vislumbravam mudanças na comprovação da paternidade. Eis que surge um exame capaz de determinar com maior precisão o vínculo paterno. Denominado teste de DNA, esta técnica incide sobre as moléculas do DNA (ácido desoxirribonucléico) presentes nos genes humanos. “O seu estudo revela a identidade genética do indivíduo, permitindo a definição de qualquer paternidade duvidosa, já que o filho herda de cada um de seus ascendentes metade da composição de seu DNA.” (SOUZA, 2005, p. 69) O ácido desoxirribonucléico, conhecido popularmente como DNA, é uma substância que transmite características genéticas hereditárias dos pais para os filhos e está presente em todas as células do corpo. O teste normalmente é feito por amostras de sangue por conterem maior quantidade e melhor qualidade de DNA, mas amostras do material podem ser colhidas através de fios de cabelo e pela saliva. O teste de paternidade, também chamado de teste de DNA, permite comparar as informações genéticas do DNA da filha ou filho com aquelas encontradas no DNA do suposto pai. Com a comparação do material genético dos envolvidos (suposto pai, mãe e filho) pode-se obter até 99,99% de confirmação ou exclusão da paternidade.

Com a difusão da técnica nos meios acadêmicos e na mídia não tardou que os operadores do Direito se reportassem a esta nova tecnologia que, atualmente, é a grande protagonista nas ações de investigação de paternidade. Nos processos de investigação de paternidade investigados, a técnica passou a ser mencionada por Juízes de Direito e Promotores Públicos no início da década de 1990. As autoridades judiciárias apregoavam a técnica como suporte de “confiabilidade absoluta” frente às antigas perícias hematológicas para averiguação da paternidade. A partir deste período, a recomendação para o exame de DNA passou a ser constante, tanto da partes litigantes quanto dos operadores do Direito. As demais provas colhidas a priori, passaram a ser paulatinamente desvalorizadas e não mais requeridas. 4. Conclusão A partir da análise dos processos pesquisados é possível concluir que com a incorporação do exame de DNA pelo Poder Judiciário de Santa Catarina para se elucidar questões em torno de negativas de paternidade, o discurso da moral feminina, pelo menos nos autos, parece ter perdido a sua “força”. As dúvidas sobre a conduta das mulheres podem até ser suscitadas, mas diante da prova “inconteste” do DNA já não produz influência significativa no andamento processual dessas lides como outrora. Aqueles processos da década de 1980 longos e de difícil solução tornaram-se céleres – quando existe boa vontade do suposto pai em realizar o exame de DNA. Como exemplo, constatamos a diminuição do número de páginas dos processos, uma vez que alguns processos chegavam a ter mais do que 100 páginas (ocupadas com todo tipo de provas, com depoimentos de testemunhas e das partes, grande número de movimentação processual) do início da ação até a sentença do Juiz. Os relativos ao teste de DNA, na maioria das vezes, não ultrapassam das 15 páginas, isto porque nos últimos autos já analisados do final da década de 1990, os Juízes começaram a dispensar peças deste “jogo” a priori importantes, como o depoimento das partes, das testemunhas, e indicando diretamente a realização do exame de DNA antes de qualquer providência processual a ser tomada.

Mas que efeitos concretos o DNA traz para o cotidiano daqueles que se utilizam desta técnica? Percebemos que, na atualidade, a paternidade “duvidosa” pode ser facilmente comprovada. Porém, parece que este vínculo consangüíneo tem garantido direitos e deveres apenas no âmbito jurídico. Exemplo disto é a quantidade significativa de notícias que se ouve na mídia de pais presos pelo não pagamento de pensão alimentícia, além de exemplos conhecidos de jogadores de futebol, tais como Pelé, Edmundo e Romário, como também de artistas como Roberto Carlos, cujas mulheres e filhos foram à televisão reclamar a ausência de comprimento do amparo financeiro. Alguns destes homens foram detidos pelo não pagamento de pensão alimentícia. Em grande parte dos casos estabelece-se um vínculo de parentesco entre duas pessoas que tiveram pouco ou nenhum contato anterior a instauração do processo. Muitas vezes alguns destes menores vêm a conhecer o pai no dia do exame ou nas audiências. E se um nome na certidão de nascimento não é garantia de suporte financeiro, também a Lei pouco garante o estabelecimento de vínculos afetivos. Mudaram-se as leis e avançou-se na tecnologia. As “duas” esferas se alinharam para a pretensa promoção da “democratização” do acesso à filiação. Porém, para além dessas vinculações, a paternidade passa por fatores

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da ordem da Cultura. A lei, por enquanto, não tem obtido sucesso em aliar estes fatores com o direito de filhas e de filhos a proteção material e afetiva. Referências AREND, Silvia. Sobre a História do Tempo Presente: Entrevista com o historiador Henry Rousso. Tempo e Argumento, v. 1, n. 1, p. 201 – 216, jan./jun. 2009. SOUZA, Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio. Reconstruindo a paternidade: a recusa do filho ao exame de DNA. Campos dos Goytacazes, RJ: Faculdade de Direito de Campos 2005.

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“BATIZEI SOLENEMENTE A FULANO, FILHO DE TAL”: O USO DE HOMÔNIMOS NOS BATISMOS EM PORTO ALEGRE (1772-1801)

Nathan Camilo1*

1 Universidade do Vale do Rio dos Sinos 1. Introdução A presente comunicação é parte integrante do projeto “População e Família no Brasil meridional dos meados do século XVIII às primeiras décadas do século XIX”, financiado pelo CNPq e coordenado pela Profa. Dra. Ana Silvia Volpi Scott. Em estudos de demografia histórica, o nome é o principal elemento identificador dos indivíduos. Entretanto, as populações luso-brasileiras têm por característica o costume de escolher prenomes a partir de um reduzido conjunto apesar de terem um grande estoque à disposição. Além disso, outro fator a ser considerado é a falta de regras para a transmissão do sobrenome, sendo comuns também a troca ou a ausência do mesmo. Isso acaba gerando um alto índice de homônimos, o que torna o cruzamento nominativo uma tarefa mais complexa [1], ao mesmo tempo em que abre espaço para ingressar na área da onomástica. Nesse sentido, tenho por objetivo com este trabalho apresentar os resultados parciais de uma análise das práticas de atribuição de prenomes de batismo da população livre e forra da Freguesia da Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre, desde sua fundação, em 1772, até o ano de 1801 (por questões de natureza técnica). Tal análise tem por foco problematizar o uso de homônimos para o batismo de filhos e afilhados, relacionando isto às variáveis sexo e legitimidade. 2. Método Utilizo como referenciais teóricos e metodológicos os da Demografia Histórica, História da População, História da Família e História Social. A pesquisa tem o auxílio de um banco de dados informatizado chamado Nacaob, no qual são inseridas as informações provenientes dos registros paroquiais, permitindo uma análise sistemática dos dados. Para conseguir identificar as tendências relacionadas às práticas de prenominação na freguesia em estudo, dou preferência à utilização da metodologia do cruzamento nominativo, que tenta, segundo Antero Ferreira [2], “reconstituir as relações existentes entre referências nominativas, respeitantes a indivíduos ou famílias, encontradas em diferentes documentos”. Método este que é o princípio da ação da Demografia Histórica [2]. É importante também uma revisão bibliográfica para tentar entender as motivações que levavam à escolha de um determinado nome em vez de outro. A historiografia referente ao tema considera que o nome é uma questão social. A escolha de um prenome está ligada às normas sociais do grupo ao qual os indivíduos pertencem. Sendo elemento constituinte da identidade social, o prenome identifica e individualiza o portador ao mesmo tempo em que revela o contexto social ao qual o indivíduo pertencia, o que faz com que a escolha exprima pertencimento, se escolhido um prenome usual, ou afastamento do grupo, se escolhido um prenome exótico [3]. Desse modo, o nome de batismo podia ter relação com os nomes dos pais e/ou padrinhos, com santos e com as modas de um determinado tempo [4]. 3. Resultados e Discussão Foram utilizados os dados dos assentos de batismo da referida paróquia contidos no primeiro e em parte do segundo livro de batismos dedicados à população livre e forra. Considerando o recorte temporal 1772-1801, analisou-se um total de 2584 registros (1242 do sexo feminino e 1342 do sexo masculino), nos quais foi encontrado um estoque de 181 prenomes femininos e 190 masculinos. Apesar de tal variedade, verificou-se que um pequeno número deles dominava as escolhas: 41,8% do total de meninas eram batizadas a partir de uma listagem de cinco nomes (por ordem: Maria, Ana, Joaquina, Francisca e Inácia); quanto aos meninos, cinco opções eram usadas em 50,6% do total de batizados (por ordem: José, Manuel, Antônio, João e Francisco). Com esse contexto, a exemplo do que fora constatado em outros estudos sobre populações lusitanas, o índice de homônimos em Porto Alegre no período analisado era alto. Para essa comunicação, são consideradas apenas as crianças cujo nome era oriundo do pai e/ou padrinho, no caso dos meninos, e da mãe e/ou madrinha, no caso das meninas. Esse recorte tem um índice geral de 37,1% de homônimos, percentual que aumenta se for separado conforme as variáveis. Era mais comum o pai e/ou o padrinho transmitir o nome ao filho/afilhado do que a mãe e/ou a madrinha transmitir o nome à filha/afilhada. A homonímia era mais

* Contato: [email protected]

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frequente entre padrinhos e afilhados do que entre pais e filhos. Tal prática era mais difundida nos batizados de crianças legítimas. A respeito de tal conjuntura, a historiografia referente ao assunto diz que essas populações, na hora da escolha dos nomes de seus descendentes, tinham preferências bem marcadas [5] e transmitiam os nomes que já estavam presentes em seu repertório familiar e social [6]. Quanto às motivações para o uso de homônimos, Hameister [6,7] defende que as relacionadas a pais e filhos eram diferentes das referentes a padrinhos e afilhados. No primeiro caso, era maior a possibilidade de o pai/mãe transmitir não apenas o prenome, mas o nome completo para o filho/filha, o que traria para o descendente homônimo a função de continuidade da vida e obra de seu genitor [6]. No segundo caso, a transmissão do nome completo era menos comum, assim, o nome igual seria uma forma de estreitar tanto a ligação espiritual entre ambos quanto as relações de compadrio e alianças entre as famílias, nas quais o repasse de nomes contribuía para a manutenção da ordem social vigente [7]. Para a autora, em ambos os casos, o nome se constituía em um patrimônio familiar (“de sangue” ou espiritual) a ser transmitido e engrandecido. 4. Conclusão A partir de um problema, a complexidade de se realizar um cruzamento nominativo em estudos de Demografia Histórica devido às particularidades na atribuição de nomes, abre-se a possibilidade de entrada em outro campo de estudos, no caso, a onomástica. Com base nessa primeira análise das práticas de atribuição de prenomes de batismo da Freguesia de Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre, constatou-se que, do mesmo modo que em outras localidades luso-brasileiras, a predominância da escolha de determinados nomes já pertencentes ao cotidiano familiar e social, aliada à falta de regras definidas para transmissão de sobrenomes, gerava um alto índice de homônimos, que, no caso em estudo, ocorriam com mais frequência de padrinho/madrinha para afilhado/a. Uma conjuntura na qual o nome era tanto um patrimônio passível de ser legado quanto um elemento de identidade que significava pertencimento a um grupo. Referências [1] SCOTT, A. S. V.; SCOTT, D. Cruzamento nominativo de fontes: desafios, problemas e algumas reflexões para a utilização dos registros paroquiais. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS DA POPULAÇÃO, 15, 2006, Caxambu. Anais eletrônicos... Campinas: ABEP, 2006. Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_480.pdf. Acesso em: 15 maio 2010.

[2] FERREIRA, A. Sistemas Informáticos para análise de dados demográficos: uma abordagem histórica. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO DE DEMOGRAFIA HISTÓRICA, 7, 2004, Granada. Anais eletrônicos... Barcelona: ADEH, 2004. Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/894/1/Granada.pdf. Acesso em: 21 maio 2010.

[3] MERCER, J. L. V.; NADALIN, S. O. Um patrimônio étnico: os prenomes de batismo. Topoi, v. 9, n. 17, jul.-dez. 2008, p. 12-21.

[4] AMORIM, N. B. Identificação de pessoas em duas paróquias do Norte de Portugal (1580-1820). Separata de: Boletim de Trabalhos Históricos, Guimarães, v. XXXIV, 1983. 70 p.

[5] NADALIN, S. O. História e demografia: elementos para um diálogo. Campinas: ABEP, 2004. 241 p.

[6] HAMEISTER, M. D. Para dar calor à nova povoação: estudo sobre estratégias sociais e familiares a partir dos registros batismais da vila do Rio Grande (1738-1763). 474 f. Tese (Doutorado). -- Programa de Pós-Graduação em História Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

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[7] HAMEISTER, M. D. Na pia batismal: estratégias de interação, inserção e exclusão social entre os migrantes açorianos e a população estabelecida na vila de Rio Grande, através do estudo das relações de compadrio e parentescos fictícios (1738-1763). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA ECONÔMICA, 5, 2003, Caxambu. Anais eletrônicos... Campinas, ABPHE, 2003. Disponível em: http://www.abphe.org.br/congresso2003/Textos/Abphe_2003_91.pdf. Acesso em: 15 maio 2010.

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CONFLITOS INTERÉTNICOS E CRIMINALIDADE EM PORTO ALEGRE (1890-1909)

Carlos Eduardo Millen Grosso* Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGH-

UFSC)

Introdução

Os estudos das relações interétnicas nas camadas menos privilegiadas economicamente, entre os anos finais do Império e as primeiras décadas da República, mereceram pouca atenção dos historiadores. Embora exista uma expressiva produção historiográfica voltada para assuntos relacionados aos grupos de populares1, é pequeno o número de trabalhos que abordam de forma mais específica a questão interétnica, especialmente no que se refere ao período em tela, e em especial, sobre o Rio Grande do Sul.2

Método

Utilizando o paradigma indiciário do método proposto por Ginzburg, busca-se na análise dos processos criminais aspectos da relação de brasileiros e imigrantes com o sistema penal, verificando além do contexto e dos conflitos ocorridos, fragmentos, detalhes e palavras soltas, que poderiam simbolizar costumes e práticas culturais do cotidiano, especialmente nos contatos interétnicos. Para tanto, fichou-se 120 processos criminais limitados à cidade de Porto Alegre que comprovadamente envolvessem imigrantes – fossem réus ou ofendidos, recolhendo nome, idade, sexo naturalidade, nacionalidade, profissão, estado civil e instrução dos réus e dos ofendidos, bem como denúncia do promotor público, ocorrência policial, relatório de polícia, oitiva de testemunha em juízo e finalmente decisão judicial.

Resultados e discussão

A presença de estrangeiros que freqüentaram o sistema penal na condição de réus e de ofendidos não pode ser ignorado, sobretudo num período de forte imigração no país (FAUSTO, 2004; CHALHOUB, 1986). Essa informação torna-se significativa se pensar que normalmente estes estrangeiros (em geral imigrantes europeus) tendiam a serem vistos e representados como ordeiros e trabalhadores pelo governo e pelas elites. Muitos vieram do continente europeu para ocupar e colonizar regiões hostis no sul do Brasil.

A população de Porto Alegre destaca-se pela heterogeneidade étnica resultante da imigração (CONSTANTINO, 1998, p.149-164); o mesmo pode ser afirmado com relação aos processos criminais analisados (alemães, italianos, espanhóis, árabes, paraguaios). Este pluralismo étnico remete à coexistência de tradições culturais diversas no mesmo espaço urbano. Portanto, a maneira como Fredrik Barth (1998, p.187-227) pensa a etnicidade parece a mais apropriada para as relações entre populares de etnias

* e-mail: [email protected] 1 CHALHOUB, 1986; PESAVENTO, 2001; FAUSTO, 2001; MAUCH, 2004; MOREIRA, 1993; SIMÕES, 1999. 2 Um dos poucos trabalhos que tratam sobre estas relações interétnicas no período estudado no Rio Grande do Sul é CARVALHO, 2005, CONSTANTINO, 1996 e GROSSO, 2008. Outro trabalho que merece destaque, embora não seja para a realidade do Rio Grande do Sul, é o excelente artigo do MONSMA; TRUZZI; CONCEIÇÃO, 2003 que, por sinal, invoca com grande originalidade os aspectos culturais nas relações interétnicas.

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diferentes, em um contexto de urbanização, como foi a cidade de Porto Alegre da virada do século XIX.

Os grupos étnicos são categorias adscritivas nativas, que regulam e organizam a interação social dentro e fora do grupo, sobre a base de uma série de contrastes entre o "próximo" e o "distante". "[...] os grupos étnicos são categorias de atribuição e identificação realizadas pelos próprios atores e, assim, têm a característica de organizar a interação entre as pessoas"(BARTH, 1998, p.189). Tais contrastes se "ativam" ou não, segundo os requisitos do contexto. A manutenção das fronteiras da etnicidade não resulta do isolamento, mas da própria inter-relação social: quanto maior a interação, mais potente ou marcado será o limite étnico; situação que reflete bem a realidade dos imigrantes de diferentes origens em Porto Alegre.

Enfim, a presença de estrangeiros na condição de réu e de ofendido sinaliza para uma diversidade de tipos étnicos na composição das camadas populares. Nesse sentido, aponta-se para uma quebra nas representações veiculadas pelo discurso elitista da época, que fazia, claramente, um contraponto dicotômico e preconceituoso entre trabalhador nacional e imigrante, representado respectivamente como vagabundo e trabalhador. Além disso, ainda que pudesse existir uma relação discriminatória entre criminalidade e população estrangeira, não foi possível verificar nos processos judiciais a referência à nacionalidade acompanhada de signos discriminatórios, por parte dos operadores do sistema penal. O mesmo não se pode ser dito dos populares envolvidos nas contendas. Pois, conflitos aparentemente banais eram muitas vezes revestidos de manifestações de cunho étnico. Referências BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe;

STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade; seguido de Grupos Étnicos e suas Fronteiras de Fredrik Barth. 2 ed. São Paulo: UNESP, 1998.

CARVALHO, Daniela Vallandro de. Entre a solidariedade e a animosidade: os

conflitos e as relações interétnicas populares (Santa Maria – 1885 a 1915). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2005.

CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio

de Janeiro da "belle époque". São Paulo: Brasiliense, 1986. CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Espaço urbano e imigrantes: Porto Alegre na

virada do século. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS, v.23, n.1, p.149-164, jun. 1998.

CONSTANTINO, Núncia Santoro de; SIMÕES, Rodrigo Lemos. Diversidade e

tensões: Porto Alegre no final do século XIX. Estudos Ibero-americanos. Porto Alegre: PUCRS, v.22, n.1, p.95-101, jun., 1996.

FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924). 2 ed.

São Paulo: EDUSP, 2004. GROSSO, Carlos Eduardo Millen. Iguais e diferentes: estudo das relações interétnicas

em grupos populares na cidade de Porto Alegre da virada do século XIX (1890-1909). Percursos (UDESC), v.9, p..14-30, 2008.

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MAUCH, Claudia. Ordem pública e moralidade: imprensa e policiamento urbano em Porto Alegre na década de 1890. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004.

MONSMA, Karl; TRUZZI, Oswaldo; CONCEIÇÃO, Silvano da. Solidariedade étnica,

poder local e banditismo: uma quadrilha calabresa no Oeste Paulista, 1895-1898. Revista Brasileira de Ciência Social, vol.18, n.53, São Paulo, set., 2003. Disponível em: <http:/www.scielo.br. Acesso em: 14/05/2006.

MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Entre o deboche e a rapina: os cenários sociais da

criminalidade popular em Porto Alegre (1868-1888). 1993. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre 1993.

PESAVENTO, Sandra J. Uma outra cidade: o mundo dos excluídos no final do século

XIX. São Paulo: Companhia Nacional, 2001.

SIMÕES, Rodrigo Lemos. Porto Alegre 1890-1920: resistência popular e controle social. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.

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DISCURSOS BURGUESES DE CONFORMAÇÃO DA MORAL TRABALHISTA: 1970-

2000, O CASO DE DANIEL GODRI.

Vanessa Caroline da Cruz1 Hernán Ramiro Ramírez (orientador) Universidade Estadual de Londrina

1. Introdução

Este projeto de pesquisa, desenvolvido para ser apresentado como trabalho de conclusão de curso tem como objetivo analisar discursos de auto-ajuda profissional, que se apresentam como receitas de sucesso e manual de sobrevivência, destinados aos trabalhadores que almejam alcançar êxito em sua carreira ou apenas manter-se empregados diante da competitividade existente no mercado de trabalho capitalista, propondo que para tanto, os mesmos devem “vestir a camisa da empresa”, adequando-se a expectativa deste mercado com relação a eles, no contexto político e econômico do Brasil nos anos 1970-2000.

As crises do petróleo e do fordismo que eclodiram na década de 1970, em uma economia globalizada, acarretaram modificações nas relações de trabalho até então estabelecidas. A escassez da oferta e conseqüente alta dos preços provocada pela guerra entre Israel e os países árabes, responsáveis por grande parte da oferta de petróleo, causaram uma forte tensão no mercado mundial, para o qual este era um componente de primeira necessidade, afetando todos os países dependentes do mesmo.

O capital industrial entrava num ciclo de retração e desacelerava seu ritmo. Era preciso enxugar a máquina produtiva, conter gastos, dinamizar a produção e procurar meios de se promover a retomada do crescimento dos lucros. As demissões em massa de trabalhadores devido a essas condições causaram embates entre organizações sindicais e corporações, intensos protestos, manifestações, operações-tartaruga, etc.

O modelo de produção fundamentado na linha de montagem, com uma extensa organização industrial sustentada pela figura do operário-massa, com produtos feitos inteiramente dentro da estrutura fabril, baseado num controle rígido do tempo e da rotina e na expropriação do saber fazer dos trabalhadores, começava a esvaziar-se enquanto tática para a acumulação do capital, pois favorecia o fomento de greves e proporcionava o poder de apenas um pequeno número de operários paralisados estagnarem toda a produção e permitia o nascimento de solidariedades entre os mesmos.

Como resposta a esses fatores empresários procuraram desenvolver meios de recuperação do ciclo de expansão da indústria, adaptando estratégias para driblar a crise econômica e a combatividade das organizações operárias. Assim, gestou-se na montadora de veículos Toyota, bastante afetada pela ação das mesmas, um novo modo de produção, denominado toyotismo ou modelo japonês, baseado numa estrutura formada por pequenas equipes responsáveis por etapas completas da fabricação, na chamada polivalência do trabalhador, exigência de que os indivíduos saibam manusear diversas máquinas. (ANTUNES, 2007)

Este padrão preconizava ainda o controle da produção pela demanda, a diminuição do tempo de produção, a implantação do regime do CCQ (controle de qualidade total) e a terceirização da fabricação, onde partes de um mesmo produto são feitas, muitas vezes, em diferentes países, sendo apenas montado no local de origem da empresa. Elementos deste modelo foram incorporados por industriais de vários países, permitindo ao capital retomar o seu processo de crescimento.

Para dar sustentação a essas novas práticas materiais no mundo do trabalho, novas ideologias sobre as relações trabalhistas forma criadas, a fim de justificar estas práticas no plano das representações e da linguagem. As ideologias não são estáticas, elas se modificam para recuperar sua validade quando se tornam ineficazes, inclusive, tomando elementos usados por aqueles que a contestam.

A fala de valorização da figura do operário aproximava os mesmos da luta anti-capital, conferindo um enorme poder às organizações sindicais, assim, os discursos de auto-ajuda corporativa configuram-se como desdobramentos das estratégias discursivas ideológicas desenvolvidas para, atreladas às práticas materiais usadas para conformar a ação dos trabalhadores aos interesses do projeto burguês da acumulação do capital, promover nestes uma conformação à mentalidade burguesa a respeito do trabalho, sendo que para os mesmos este designa a realização da liberdade. (CHAUÍ, 2006).

2. Método

Tendo em vista a relevância dos apontamentos de Marx e Engels para pensarmos o mundo do trabalho, adotamos como referencial teórico o conceito marxiano de ideologia e, como metodologia uma 1 [email protected]

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abordagem interdisciplinar entre história e lingüística ao tomar a análise do discurso na esfera de um dos campos desta ciência que se ocupa da dimensão socialmente determinada da linguagem como instrumental no trato das fontes, isto é, os livros deste gênero escritos por Daniel Godri.

3. Resultados e Discussão

Com a ascensão do toyotismo, o controle das fábricas sobre o trabalhador e o ritmo imposto pelas máquinas perdem espaço para outras formas de organização, onde o trabalhador é quem dita o ritmo de sua produção e, na procura de uma melhoria de renda, aumentam a carga horária trabalhada. Nesse sistema torna-se de fundamental importância a idéia de compromisso para com a empresa, a idéia de que se pertence a um mesmo time e que, sendo assim, se a empresa perder, o trabalhador também perde, cooptando a colaboração deste para manutenção e desenvolvimento da mesma.

O trabalhador é incentivado a sentir-se parte da corporação, como se fosse um de seus donos, como se fizesse parte de uma grande família profissional, mesmo que em muitas situações ele nem ao menos trabalhe nas imediações do prédio da companhia, apagando fronteiras, o que impossibilita, por vezes, a delimitação do real papel desempenhado pelos trabalhadores nessa relação, caracterizando o que Marx e Engels denominam ideologia, falsas representações do mundo elaboradas pela classe dominante, com o intuito de mascarar a dominação, de modo que os explorados, dela não se dêem conta. (MARX; ENGELS, 2009)

Essa suposta autonomia e a idéia da possibilidade de um maior rendimento propiciado por esse contexto, aliados às práticas de docilização dos sindicatos através da adoção de medidas ofensivas, que tolhem os direitos trabalhistas e ignoram suas reivindicações que questionem a ordem capitalista vigente, dão margem à emergência dos discursos de auto-ajuda profissional, que supostamente tencionam auxiliar os trabalhadores a vencerem os desafios do mercado, apresentando relatos de experiências de pessoas que desenvolveram táticas para se manter competitivas e chegaram mesmo a conseguir montar seus próprios negócios. (GODRI, 1994).

O liberalismo constitui, nessa ordem, um dos pilares da representação de mundo que pretende moldar a formação da moral dos assalariados. O discurso do merecimento, do alcance de objetivos mediante esforço extremo, dedicação total, vontade de “vencer na vida”, “chegar lá”, caracteriza parte fundamental do pensamento considerado ideal no mundo do trabalho contemporâneo.

O empregado é livre para trabalhar o quanto quiser por dia, pressupondo uma flexibilização do trabalho e do tempo, ultrapassando, por vezes, o turno que este faria dentro de uma empresa. Esta nova organização termina, segundo Ricardo Antunes, por afetar gravemente não apenas a materialidade da classe-que-vive-do-trabalho, mas também sua subjetividade, e “no inter-relacionamento destes níveis, [afeta] sua forma de ser”. (ANTUNES, 2007, p. 178).

A linguagem não constitui apenas um “instrumento de comunicação”, mas um “princípio de organização do mundo”. Este princípio é um dado cultural que se constrói ao longo de toda nossa vida, notadamente na fase da infância, onde passamos por um intenso processo de conhecimento da conjuntura social na qual estamos inseridos, e provavelmente encararemos o mundo da forma como aprendemos a organizá-lo por toda a nossa vida. (MERCER, p. 76)

Segundo Fiorin, a mesma é dotada de duas esferas, a sintaxe, dimensão determinada pelo indivíduo falante, onde o mesmo organiza os signos lingüísticos de forma a conferir um dado sentido à sua fala, auxiliado pelo tom de voz, a expressão facial e corporal, a proximidade entre os interlocutores, entre outros; e a semântica, estrutura linguística imbricada a fatores históricos, culturais, geográficos, etc., próprios de uma dada formação social. O autor aponta ainda, que a cada formação social corresponde uma formação discursiva, isto é, que a formação cultural a qual pertence um indivíduo, delimita, de certa forma, os temas sobre os quais o discurso do mesmo versará. (FIORIN, 1990).

4. Conclusão

Quando dizemos algo, procuramos agir sobre o mundo, provocar um determinado efeito, e tendo em vista a ligação da linguagem com a conjuntura histórica na qual ela é produzida, podemos concluir que a investigação deste tipo discurso pode revelar características de uma complexa batalha discursiva entre atores sociais que procuram alterar, convencer, conformar a realidade do mundo do trabalho aos seus ideais.

Falamos imbuídos de uma semântica própria da formação social a qual pertencemos, e diante destas condições, podemos inferir que a fala pode transmitir ideologias. Assim, a análise dos discursos de auto-ajuda profissional, efetuada nestes termos pode nos auxiliar a compreender a conjuntura histórica e social a qual está ligada a produção, difusão e adoção dos mesmos por trabalhadores, ainda que estes estejam colocados em condições de desigualdade diante da relação de produção baseada na propriedade privada e no lucro, que os põe à margem deste processo.

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Palavras chave: análise do discurso; Daniel Godri; auto-ajuda; vestir a camisa.

Referências

Fontes: GODRI, Daniel. Conquistar e manter clientes. Práticas diárias que todos conhecem, mas só os bem-sucedidos utilizam. 59º ed. Blumenau: Editora EKO, 1994. GODRI, Daniel. Sou alguém muito especial. 39º Blumenau: Editora EKO, [199-?]. Bibliografia: ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do trabalho. São Paulo: Cortez: Campinas: Editora da Unicamp, 2007. CARR, Edward Hallet. O historiador e seus fatos. In: Que é história? Trad. Lúcia Maurício de Alverga. São Paulo. Paz e Terra, [19-?]. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2006. EAGLETON, Terry. Introdução. In: Ideologia: uma introdução. Tradução Silvana Vieira, Luís Carlos Borges. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista: Editora Boitempo, 1997. p. 11-40. FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 1990. MARCUSCHI, Luiz Antonio. Preliminares: Breve excurso sobre a lingüística no século XX. In: Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p. 26-46. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. Tradução: Álvaro Pina. São Paulo, Expressão Popular, 2009. MERCER, José Luiz da Veiga; HELM, Cecília Vieira. Linguagem e cultura. SILVA, Giselda Brito. História e Lingüística: Algumas reflexões em torno das propostas que aproximam a História da Análise do Discurso. SAECULUM – Revista de História [11]; João Pessoa, ago./ dez. 2004. p. 28-38.

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ENTRE O LUGAR E O MUDAR: COTIDIANO E RENEGOCIAÇÕES RELIGIOSAS EM UMA COMUNIDADE ORTODOXA

UCRANIANA

Paulo Augusto Tamanini* Universidade Federal de Santa Catarina

1. Introdução A noção de religião nos dias atuais está ligada a busca de novas formas de se viver a religiosidade e não mais diretamente vinculadas às tradicionais denominações, uma vez que se observa as pessoas atribuírem valores transcendentes às realidades que não a da religião e que, ao contrário do que acontecia, hoje, o coletivo não mais suplanta o individual; cada pessoa individualmente defende e reivindica seus direitos de escolha e de se reger por si. Falar sobre os ortodoxos, mais do que falar das práticas e crenças religiosas, do simbólico, da alteridade, da transcendência, é compreender a fé como agente que intervém na visão de mundo, que muda hábitos, que inculca valores e que se configura como marcador social e divisor de fronteiras, a partir dos quais modos e composição cultural eram instituídos e legitimados. O estudo sobre as práticas religiosas de vertente ortodoxa é encarado como fenômeno observado na realidade sócio-cultural, como um empreendimento humano, um produto histórico e que por certo incidia na manutenção de sua identidade. Assim, torna-se objetivo deste artigo averiguar e analisar o quanto, no cotidiano dos descendentes de ucranianos ortodoxos, na cidade de Papanduva-SC, na década de 1970, as renegociações dos códigos de pertencimento religioso, eram recorrentes, ante as novas propostas de se viver a religião e a cultura. Michel de Certeau denomina cotidiano o que nos é dado no dia a dia e, habitualmente, ele é encenado dentro de cada casa, território onde se desdobram e se repetem os gestos elementares do espaço doméstico.1 Observo que nas franjas do cotidiano acontecem as resistências, os dribles, as formas de fazer diferente, as ousadias, as quebras sutis do imposto. E é no cotidiano que os ucranianos mostram-se receptivos e aderem às novidades que o local de acolhida lhes proporciona: a modernidade atravessa suas cozinhas que se exterioriza no manejo de novos utensílios e eletrodomésticos, ao mesmo tempo em que traços de uma cultura herdada dividem espaços e os afazeres do lar. Vidas de homens e mulheres tecidas na trama do cotidiano, com suas especificidades, com suas crenças, com suas delicadezas e exigências, retirando a certeza de uma pretensa similitude dos papéis sociais. Valendo-me de análises que compulsam fontes diversas com o rigor e métodos que compõem a História do Tempo Presente, procuro narrar acontecidos e interpretá-los partindo das contribuições teóricas da categoria dos estudos de gênero ligadas à experiência das práticas religiosas, de análises sobre identificações e representações. Esta artigo revisita a história de uma comunidade imigrante ucraniana, com intuito de refletir sobre as relações estabelecidas entre o cotidiano e a cultura. História de homens e de mulheres do nosso tempo que, na forma distinta de se conceber e de viver sua fé e cultura, mostram a exuberância de sentidos e de significados, capazes de motivar sua existência, sua maneira de se estar no mundo. 2. Método O construto teórico, mais que uma operação mental lógica e plausível na sua argumentação, revela, muitas vezes, a inquietação daquele que investiga e que busca, essencialmente, uma resposta. Este artigo procura abordar o cotidiano e as práticas religiosas dentro da cultura etnico-religiosa ucraniana em constantes mudanças e procura compreender o universo e a experiência dos ucranianos que ora procuravam manter seus códigos culturais e de pertencimento religioso como marcas de identificação étnica, ora abriam-se para renegociação com o lugar e o tempo onde estavam inseridos. Essas temáticas atravessam o trabalho e demonstram as contribuições teóricas que a História do Tempo Presente, no diálogo com a Sociologia e a Antropologia, traz para os estudos de migrações em nosso estado de Santa Catarina. Tendo como pressuposto que o ingresso de novos membros em um grupo étnico pode favorecer a reformulação das redes de significados, tento observar a medida e o ritmo dessas reformulações sinalizadas no cotidiano familiar e religioso. Se as práticas sociais são a tradução concreta de uma cultura, abordá-las pela ótica do religioso é uma maneira de averiguar possíveis alterações ou permanências no modo como as * Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História. UFSC. E-mail: [email protected] 1 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 2. morar e cozinhar. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994., p.31; p.203.

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relações de gênero e as religiosidades se manifestavam por meio do grupo. Essas relações, segundo Bassanezi, são definidas por um conjunto de normas sociais vistas como culturais e válidas para todas as classes e crenças. Assim, o casamento religioso e a obrigação do uso de véu nas celebrações, por exemplo, definiam direitos e atribuições com relação aos papéis de gênero, traduzidos frequentemente por desigualdades e dominação do feminino pelo masculino.2 Disso, pode-se observar como práticas religiosas e manutenção de costumes se articulavam. Se o local de estabelecimento determina em muito o ritmo da adaptação do grupo à nova realidade,3 esta pesquisa investiga uma comunidade ucraniana estabelecida em meio rural que é tomado como um locus privilegiado à manutenção da cultura e de costumes étnicos, mas que não escapou aos avanços do progresso. Para construir a narrativa onde se aborda a história dos deslocamentos e permanência culturais dos ucranianos ortodoxos em Papanduva foram empregados alguns procedimentos metodológicos tendo como vetor principal as “religiosidades” encenadas na família e na comunidade étnica. Por Papanduva ser um município em crescimento, facilitou concentrar as observações em um só espaço da cidade, qual seja, o bairro de Iracema, onde os ortodoxos ucranianos estão estabelecidos desde 1914. Dados extraídos dos livros paroquiais entre 1960 e 1975 foram utilizados para verificar o quanto a endogamia ainda era vista como fator de preservação e manutenção da cultura. Mais do que dados quantitativos, tornou-se importante neles buscar seus significados. Desta forma, metodologicamente, ao levantamento de dados, foram agregadas outras fontes que pudessem auxiliar no entendimento da dinâmica de se viver sob normas religiosas e étnicas vistas como tradicionais. Assim, quatro sermões do pároco da época, deixados por escrito, as orações aos santos de devoção tornaram-se fontes importantes para apreensão da lógica religiosa perceptível no cotidiano. Do universo religioso para o campo secular, procurei observar nas receitas da culinária e nas letras de canções mais do que resquício de costumes, a cultura material prenhe de sentidos. As 28 entrevistas constituíram fonte especial para o estudo e análise das práticas cotidianas, nas quais se imbricam valores étnicos e religiosos 3. Resultados e Discussão Entendo que o imigrante não é pura e simplesmente um indivíduo que se deslocou fisicamente de um lugar para outro; ele é alguém em deslocamento, uma pessoa a procura de um pouso, um sujeito que tenciona ancorar-se num porto seguro. É por isso também, um descobridor e um conquistador do espaço alheio, buscando recomeçar sua história em outros territórios. O imigrante é um indivíduo composto pelo plural: é ele e sua cultura, e é neste composto que residem elementos que ele pode julgar passíveis de modificações ou não e, pode até mesmo, reorganizá-los para que abra espaços para o aparecimento de outros. Pode-se inferir que há uma luta travada entre aquilo que ele quer reafirmar como característico com o que é negociável funcionando como moeda de troca. Procurei observar que a imigração ucraniana teve um papel importante no processo de urbanização de Papanduva, não só no que representou em termos do aumento demográfico da pequena cidade, mas também por haver alterado a composição étnica do lugar. Juntou-se às famílias de tropeiros, caboclos e indígenas, famílias eslavas com sua forma peculiar de expressar sua religiosidade, sua língua, seus costumes e valores. Embora, no Sul do Brasil as imigrações alemãs e italianas ganhassem mais notoriedade, talvez pelo fluxo maior de seus integrantes, a imigração ucraniana, nem por isso deixou de ser expressiva também em Santa O núcleo colonial estabelecido em no bairro de Iracema, município de Papanduva-SC teve e tem sua importância cultural, a ponto de aquele local de estabelecimento hoje ser conhecido como o lugar dos ucranianos. As marcas de pertencimento estão em muitos lugares: na forma e disposição das casas, no cemitério, na cruz eslava, na maneira do imigrante e descendentes se expressar, na indumentária, nas receitas e cantos. Neste ethos específico, conforme os depoimentos colhidos, tentavam os imigrantes não esquecer sua cultura e costumes, desenvolvendo redes de solidariedade e impingindo as marcas de seu pertencimento. A Igreja Ortodoxa teve seu lugar neste processo, contribuindo para que seus fiéis não se esquecessem de sua fé e cultura, tão misturadas, tão imbricadas. Esquecer talvez fosse considerado um sacrilégio.

2 BASSANEZI, C. Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal. Caderno Pagu, Campinas, n.1, p.112, 1993. 3 ANDREAZZA, M. L. Uma herança camponesa: moradia e transmissão patrimonial entre imigrantes ucranianos (Brasil, 1895-1995), Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En línea], Colóquios, 2008, Puesto en línea el 27 janvier 2008. p.4 URL: http://nuevomundo.revues.org/index20822.html.

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4. Conclusão Tratar a temática da imigração ucraniana é discorrer sobre algo recorrente a quase todos os povos e tempos, pois seja qual for o período histórico que estivermos focando, sempre constataremos habitantes de um lugar movendo-se para outro, em levas ou por meio de redes de parentesco , e os ucranianos não foram a exceção. Como cada grupo migra motivado por razões distintas, trazendo na bagagem suas especificidades, independentemente das vicissitudes e trama cotidianos, as famílias que chegaram a Papanduva vieram impulsionadas também por redes sociais e, lá procuraram manter alguns elementos culturais que imprimiram no grupo certa identificação. Instigado pelo desejo de conhecimento, este artigo trouxe à baila alguns saberes dos quais emergem experiências, detalhes que para alguns podem não alterar o status de miudezas a que são relegados, diante do estupor do fenômeno migratório, mas que mostram o imigrante como indivíduo histórico portador de sonhos e esperanças, medos e incertezas, o que exige critério hermenêutico novo para melhor compreendê-lo. Assim, as práticas e os fazeres desenhados nos desdobramentos do cotidiano, evidenciam a capacidade que mulheres e homens têm de refazer-se constantemente, não obliterando códigos herdados. Pesquisar sobre os ortodoxos ucranianos significa compreender a cultura enquanto processo que interage com elementos novos e costumeiros, num mesmo espaço, alinhavando tempos diferentes. A troca, o intercâmbio, as combinações quanto os retesamentos e as inflexibilidades que deste processo possam resultar, indicou de que maneira pensavam sua identidade étnica e religiosa. Se por parte dos descendentes ucranianos houve disposição em abrir-se ao novo não significou, porém, o apagamento por completo daquilo que eles mesmos julgavam importante. O intercâmbio de elementos culturais por certo reatualizou a maneira de se identificar quem era e é o ucraniano ortodoxa em Papanduva . Se os estudos de gênero remetem para questões da vida cotidiana e rotineira, pesquisar sobre as miudezas das quais se revestem o dia a dia das famílias ortodoxas ucranianas de Papanduva, exercitou-me a pensar a relação existente entre o pretérito e o momento presente, observando em que pressupostos se justificam as permanências de práticas culturais. Assim, os deslocamentos dão oportunidades de se redescobrir em espaços diferentes daquele herdado; também é a ocasião para conquistas, nas quais descobertas motivam traçar o cotidiano de maneira nova, mesmo que haja resistência a princípio. A mobilidade de pessoas ou de grupos traz consigo a circulação e o compartilhamento dos saberes onde é possível avizinhar-se dos novos códigos culturais e ir ao encontro do diferente. Se o novo é algo que nos assusta, por outro lado é instigante, por dar oportunidades de enfrentar os desafios trazidos pelo recomeço. Aliás, a cada dia que nos é oportunizado viver, um recomeço se ergue, como desafio e ocasiões novas para todos. Referências CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 2. morar e cozinhar. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 199. BASSANEZI, C. Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal. Caderno Pagu, Campinas, n.1, p.112, 1993. ANDREAZZA, M. L. Uma herança camponesa: moradia e transmissão patrimonial entre imigrantes ucranianos (Brasil, 1895-1995), Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En línea], Colóquios, 2008, Puesto en línea el 27 janvier 2008. p.4 URL: http://nuevomundo.revues.org/index20822.html. Agradecimentos Agradeço a todos os professores do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina, onde obtive a titulaçáo de Mestre em História.Um agradecimento todo especial à Profª Dra. Marlene de Fáveri, a orientadora desta pesquisa. A Dom Jeremias Ferens, Arcebispo Ortodoxo Ucraniano e as muitas famílias de Papanduva que me acolheram em suas casas, confiando-me suas lembranças, fotografias, documentos e modos de viver.

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HISTÓRIA, TEATRO E PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA.

ALCIONE ARAÚJO E “AS MOÇAS DE FINO TRATO” (1974 e 1993)

ESTER CRISTIANE DA SILVA*1 UEM – UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

1. Introdução Reflexões acerca da relação história, teatro e cinema têm despertado interesse não só em

historiadores, mas em diversos estudiosos. Principalmente com as propostas da Escola dos Analles, de que “todo e qualquer documento se pode prestar a uma pesquisa de mentalidades” e assim difundir importantes aspectos dos modos de sentir e pensar da sociedade estudada.[2]. Desta forma, o presente projeto tem a intenção de observar um determinado período histórico em que a obra teatral de Alcione Araújo foi escrita, 1974, e através da mesma abordar situações que ocorriam no contexto histórico, e que refletiram no script da peça que será trabalhada.

Outro recorte temporal que será estabelecido é 1993, período em que o filme “Vagas para moças de fino trato” foi realizado. O documento fílmico teve o roteiro do próprio dramaturgo, Alcione Araújo, e foi gravado durante um período que o Brasil passava por dificuldades no setor da cultura. Em 1990, Fernando Collor de Mello extinguiu todos os organismos de leis de produção de incentivo ao cinema, fechando a Embrafilmeooooooooo e criando uma série de medidas contra a cultura brasileira. Até mesmo o Ministério da Cultura foi extinto e transformado em Secretária Especial, ligada diretamente à Presidência da República . A produção brasileira que assistia uma média de 60,70, filmes por ano, viu suas opções serem reduzidas significantemente.

“Há vagas para mulheres de fino trato” estabelece relações com as personagens de forma alegórica e reproduzem, embora ficcionalmente, as relações da época, o autoritarismo e a exclusão social como valor estabelecido. A personagem que manda e a que obedece e as três mulheres que por motivos divergentes são excluídas, e vivem seus conflitos em um mundo entre quatro paredes. Essas três personagens são tratadas como mulheres objetos de cama, de mesa e de ilusões, com funções previamente convenientes ao meio em que vivem. Neste mundo entre paredes de concreto, às margens da sociedade, há uma relação entre realidade e fantasia que permeiam as três personagens. Lynn Hunt aborda que tanto na história da arte quanto na crítica literária a representação já é, há muito tempo reconhecida como o problema central da disciplina, e coloca a pergunta: Qual é a relação entre o quadro ou o romance e o mundo que ele pretende representar? [3].Diante disto, coloco meu parecer na importância da obra teatral e do documento fílmico como objeto de estudo e de um meio articulador que incita os indivíduos a pensarem através de um meio fictício as condições de existência em que vivem, dos grupos sociais que os rodeiam num determinado tempo e espaço. A saída para a produção de alguns filmes foi a internacionalização, co-produzindo com os Estados Unidos, e outros com financiamento italiano. Festivais foram adiados por falta de filmes concorrentes. A situação só começou a melhorar em 1993 com a retomada da produção através do Programa Banespa de inventivo à Indústria Cinematográfica e do Prêmio Resgate Cinema Brasileiro, instituído pelo Ministério da Cultura. Este projeto tem a intenção de responder questões quanto a realização do filme, por quem foi financiado e outras interrogações que permeavam a cultura brasileira na década de 1990. Pretendo através da obra teatral de Alcione Araújo refletir que para adaptar um texto de teatro numa linguagem imagética, mesmo com roteiro do próprio dramaturgo, mudanças de linguagem se fazem necessárias para se tornar inteligível às pessoas as quais se destina. Essa arte embasada na obra teatral e no documento fílmico abrange temas que estão inseridos nas representações culturais, políticas, ideológicas e psicológicas, mas que não podem serem vistas como uma representação absoluta de uma realidade que acontecia na década de 70, porém pode-se perceber muitos traços da sociedade daquela década.

Faz se necessário que cada veículo faça uma interpretação do original adaptando-o para o seu contexto, Geir Campos pontua que a linguagem varia sempre que passa de um veículo a outro, e que outros elementos passam a atuar como signos lingüísticos e adquirem valores relativamente novos, obrigando a uma espécie de remanejamento funcional ou operacional.[4]. Para fazer essas transformações faz-se necessário a * Ester Cristiane da Silva: [email protected] 2 CARDOSO,1997, p.138. 3 HUNT,1992, p.22 4 CAMPOS, 1977, p.131

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interpretação do original e cabe ao roteirista, no caso do cinema, usar do bom senso e da criatividade para fazer as melhores adaptações.

Ter em mente que o projeto de pesquisa com temática na obra “Há vagas para mulheres de fino trato”, tenta mostrar a dramaturgia de Alcione Araújo e suas facetas na esfera do teatro, e do cinema na época em que a obra foi concebida, 1974, e no período em que foi filmada, 1992, e lançado,1993. Lembrando que conflitos permeavam todos os meios de comunicação e de expressões na década de 1970, durante o governo de Ernesto Geisel, com censuras e repressões, embora esse tenha sido o período mais expressivo quando se diz respeito às produções culturais. E que na década de 1990, no governo de Fernando Collor de Mello, a lei instalada por José Sarney, de incentivos fiscais foi revogada, assim como a da Embrafilme e todas as outras leis de incentivo fiscal federal em vigência no país, contribuíram para inviabilizar ou dificultar a produção fílmica no Brasil.

Partindo dos temas adotados tanto na obra dramática como no roteiro para o filme, será focado as características das três personagens principais. A solitária, a sonhadora e a sensual, que dividem o apartamento e seus conflitos mais particulares. Três mulheres de personalidade forte, mas cada qual com seu temperamento, comportamento e ambição, mas todas com uma característica em comum, solitárias. Refletir como a exclusão social faz parte da vida dessas personagens, tentando perceber o contexto social, os signos, as técnicas adotadas e recorrendo a leitura isotópica, em três níveis semânticos: o figurativo, o temático e o axiológico. O figurativo relacionando-se com a ilusão referencial do texto para a linguagem imagética. O temático, tratando do abstrato, a solidão das três mulheres e o axiológico referenciando aos sistemas de valores, éticos, políticos e estéticos, por exemplo a valorização das tonalidades, o tratamento da imagem.[5].

2. Método

As fontes principais propostas para o embasamento deste projeto de pesquisa são, a obra teatral de Alcione Araújo “Há vagas para moças de fino trato” (1974) e o documento fílmico com roteiro também de Alcione Araújo e direção de Paulo Thiago “Vagas para moças de fino trato” ( 1993). Os extras e a produção crítica publicada em jornais e revistas das épocas em questão também constituem fontes basilares para o desenvolvimento desta pesquisa. Na atualidade o cinema e o teatro, tomados como fontes para pesquisa, parecem ser plenamente reconhecidos como registros que de alguma forma permitem uma outra leitura da história. Fontes conhecidas dos historiadores, o cinema e o teatro podem realçar traços e costumes de um período histórico, embora estes não possam supor uma verdade absoluta, por esse motivo ao recorrer a bibliografias dos autores que compõe o contexto do projeto, utilizarei também as entrevistas do extra do filme para melhor entender o transitar do dramaturgo/roteirista nas adaptações. 3. Resultados e Discussão

Para discussão do projeto pretendo observar como o dramaturgo/roteirista Alcione Araújo procura transitar entre as singularidades da linguagem teatral e da cinematográfica e como busca adaptar o script da peça para o roteiro cinematográfico sem que suas personagens percam força. Refletir como a problemática da exclusão social e do autoritarismo presentes na obra “ Há vagas para moças de fino trato” se mostram pertinentes em dois momentos distintos da produção cultural brasileira (1974 e 1993) . E visualizar quais os recursos estéticos utilizados pelo dramaturgo tentem a explicitar questões íntimas do universo feminino e sua relação com a sociedade brasileira.

Ao tratar da ficção teatral e da linguagem cinematográfica , Sandra Pelegrini afirma que duas tendências de análise tem se destacado ao tratar a relação história – cinema. Uma busca por traços estilísticos podendo focar no tecnológico ou no contexto econômico-social evidenciando determinada época e região e a outra tendência, de acordo com Pelegrini, é identificar as conexões entre o cinema e as lutas políticas e sociais enquanto outros buscam identificar traços estilísticos de filmes produzidos para atingir um público alvo comum em outros veículos de comunicação.[6].

Com embasamento na autora acima citada, o presente projeto de pesquisa focará em dois períodos históricos, relacionando a peça teatral “Há vagas para moças de fino trato” com a década de 1974, ano em que foi escrita e relacioná-la com o que ocorria no período, fazendo então uso “da variabilidade e da pluralidade de compreensões ou incompreensões das representações do mundo social e natural propostas nas imagens e nos textos antigos”[7]. Mas sempre levando em consideração que estas não podem serem vistas como verdades absolutas, recorrendo ainda a Pelegrini, que diz que um estudo embasado no documento

5 VAINFAS,1997, p.398. 6 PELEGRINI, 2005, p.124. 7 CHARTIER, 1988, p.21.

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fílmico deve ser interpretado como mais uma forma de manifestação das percepções humanas, inserida no âmbito de práticas e representações culturais, políticas e ideológicas de seu tempo.[8].

Dentro deste contexto trabalharei com as “Representações” propostas por Roger Chartier, recorrendo a suas obras para melhor contextualizar o trabalho. Tentando perceber os signos e simbologias presentes no objeto de pesquisa e notar de acordo a distinção fundamental entre representação e representado , entre signo e significado. “No primeiro sentido, a representação é instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente através da sua substituição por uma imagem, capaz de o reconstituir em memória e de o figurar tal como ele é”.[9 ].

É perceptível na obra de Alcione Araújo a referência à exclusão social no contexto em que vivem as três personagens, para tornar essas referências mais claras, procurarei buscar em Michele Perrot, as respostas para melhor entender a exclusão social, gênero e história das mulheres dentro do contexto que o projeto de pesquisa estabelece. Mas recorrerei também a Margareth Rago.

Em entrevista com Sheila Schavarzmam (1994) Michelle Perrot, diz que passou a fazer estudo da história das mulheres com o movimento feminista, pois já havia participado bastante do movimento de 1968 na França mesmo com professora ( luta pelos direitos sindicais, pelos benefícios sociais, lutas feministas). Em 1973 decidiu com colegas propor cursos sobre a história das mulheres. “Senti com as mulheres a dificuldade do invisível da invisibilidade da história. Porque é certo os operários desde o século XIX, fazem greves, estão nas fábricas, criam sindicatos, enquanto as mulheres tem muito pouco disso”.[10].

Margareth Rago[11] , faz considerações sobre os mecanismos sutis de desqualificação e de humilhação social que operam em nossa cultura, em relação às mulheres e à cultura feminina. No entender de Rago, os médicos influenciaram quando definiram os limites físicos, intelectuais e morais da integração da mulher na esfera pública. E que nesse sentido informou uma série de práticas autoritárias e misógenas, que permitiram justificar objetivamente a exclusão das mulheres de inúmeras atividades políticas, econômicas e sócias e ainda enfatiza “para não dizer sexuais”. Segundo a autora, esse discurso médico mostrou como se opera a exclusão social das mulheres do mundo público, assim como o silenciamento e a desqualificação de seus temas e questões.

Para pesquisar questões técnicas, como financiamento do filme, as dificuldades devido ao período que não favorecia, buscarei em Renato Ortiz e também em José Mário Ortiz Ramos, observar os mecanismos e condições da produção cinematográfica e a dinâmica e inter-relacionamentos entre autor e suas obras e refletir juntamente com os autores aonde estava o problema cultural brasileiro na década de 1990.

Uma abordagem que se justifica como problemática estabelecida tanto no texto teatral como no documento fílmico, é a questão realidade e fantasia que se faz presente nas fontes de pesquisa. A fantasia tanto no texto como no filme, aparece como uma forma de fuga da realidade em que vivem, com excluídas de uma sociedade fogem para o mundo imaginário, cada personagem com um tipo de fantasia.

Quanto aos resultados, ainda estão em andamento, pois pretendo com a apresentação deste em congresso, obter de outros profissionais sugestões e trocas de conhecimento para a realização final deste projeto. 4. Conclusão

Tendo como objetivo observar o dramaturgo/roteirista Alcione Araújo em sua transição entre as linguagens de teatro e de cinema e sua adaptação para os respectivos meios, script da peça e roteiro cinematográfico, acredito que este resumo se torne oportuno ao I CIPPG, ao tratar não de inovação como a temática principal aponta , mas com adaptação de um meio a outro, no caso, teatro e cinema. Levando em consideração que teatro e cinema são meios de cultura que se propagam mais a cada dia e que ocupam cada vez mais espaço nos estudos relacionados à cultura, sendo um bem cultural a toda sociedade. Assim sendo, acredito que o presente resumo poderá ser realizado dentro dos propósitos do I CICPG - I Congresso de Iniciação Científica e Pós-Graduação do Sul do Brasil.

8 PELEGRINI, 2002, p.125) 9 CHARTIER,1988, p.20 10 Entrevista com Michelle Perrot realizada por Sheila Schavarzmam em 1994. 11 RAGO, Femilizar é Preciso ou Por uma cultura filógena. Artigo.Revista scielo

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5. BIBLIOGRAFIA BÁSICA PERTINENTE AO OBJETO DE ESTUDO PROPOSTO CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro:Campus, 1997. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Difel, 1988. (Coleção Entrevista com Michelle Perret . Sheila Schavarzmam. História da vida privada no Brasil v.4. São Paulo: companhia das letras, 1998. “Capitalismo tardio e sociabilidade moderna” - João Manuel Cardoso de Mello e Fernando A. Novais. HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo: Matins Fontes, 1992. PELEGRINI, Sandra, C.A. Dimensões da Imagem: Interfaces Teóricas e Metodológicas, 2005. PELEGRINI, Sandra C.A. A teledramaturgia de Oduvaldo Vianna Filho: da tragédia ao humor. Autopia da politização do cotidiano. São Paulo: Tese de Doutorado, FFLCH, USP, 2000. Monografias 1977, coleção prêmios. O problema da tradução no teatro brasileiro. CAMPOS, Geir. Rio de Janeiro, 1979. Monografias 1977, coleção prêmios. Monografia Martins Pena e a questão do teatro Nacional. NEVES, Tânia Brandão Pereira. Rio de Janeiro, 1979. MORIN, Edgar. Cultura de massas no séculoXX. Neurose, 1984. LE GOFF, Jacques.Memória e Sociedade. História e Memória. Campinas: Ed. da Unicamp, 1996 ORTIZ, Renato.Cultura brasileira e identidade Nacional. São Paulo. 1984. ORTIZ, Renato. Mundialização da Cultura. São Paulo. 1998. RAGO, Margareth. Femilizar é Preciso ou Por uma cultura filógena. Artigo.Revista scielo. Ramos, José Mário Ortiz. Televisão, Publicidade e cultura de massa. Petrópolis, 1995.

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NEGROS INVISÍVEIS: UM ESTUDO SOBRE A COMUNIDADE QUILOMBOLA

MORRO DO BOI, BALNEÁRIO CAMBORIÚ, SC

Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso1 Mariana Schlickmann2

1. Introdução

Neste trabalho pretendemos apresentar algumas observações iniciais da pesquisa sobre a Comunidade Quilombola do Morro do Boi, localizada no município de Balneário Camboriú, Santa Catarina. Aprovado recentemente no Departamento de História do Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina, o projeto integra os esforços para ampliar em Santa Catarina os estudos das experiências africanas no pós-Abolição. Com ele, pretendemos colaborar com os esforços da Comunidade de ver reconhecido Remanescentes de Quilombos e neste sentido, ter acesso a direitos legais previstos para estes casos. Por outro lado, como pesquisadores da área de história, nos interessa sobremaneira compreender os usos da história e da memória por parte dos atores envolvidos neste esforço de busca pela cidadania.

2. Método

No Brasil há uma vasta bibliografia sobre a temática dos remanescentes de quilombo. No entanto, grande parte dos estudos históricos contidos nestes trabalhos são desdobramentos das necessidades de antropólogos e antropólogas de determinar as origens das comunidades, preferencialmente, em busca de algum vínculo com o passado escravista.

Em nossa pesquisa, o foco é o mapeamento das experiências históricas dos moradores da Comunidade, seus modos de vida e suas sociabilidades. Através de indícios, documentos, informações, avançar por uma bibliografia sobre a memória, pois “a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva”[1]. Também procurar documentar o diálogo entre moradores, lideranças comunitárias e os diferentes “estrangeiros” que compõem a trajetória da Comunidade Quilombola Morro do Boi, sua dinâmica e sua organização social.

Como neste trabalho pretendemos apresentar apenas algumas observações iniciais da pesquisa, nossa metodologia consistirá basicamente em revisão bibliográfica sobre o tema e entrevistas com os habitantes da Comunidade.

3. Resultados e Discussão

Originalmente, o termo quilombo, ou mocambo, era utilizado para denominar, de acordo com as Ordenações Filipinas [2], um lugar de refúgio principalmente para africanos e seus descendentes, mas também dava abrigo a indígenas, e fugitivos em geral. A palavra quilombo é resultado de um aportuguesamento do termo africano kilombo, que segundo Kabengele Munanga tem em si uma longa história. Originalmente trata-se de um vocábulo Ovimbundu que designava uma bebida feita com o prepúcio dos jovens iniciados. Mais tarde, na primeira metade do séc.XVII, constituiu a forma de organização social do Ibangalas ou Jagas, povo guerreiro do leste da Angola atual, e um dos principais instrumentos de combate dos exércitos de Nzinga M’bandi Ngola Kiluanji, a Rainha Jinga, contra a ocupação portuguesa [3].

Através de diferentes documentos da época colonial podemos perceber um olhar marcado por estas experiências. O filólogo, historiador e poeta Gaspar van Barleu, escolhido por Maurício de Nassau para escrever sobre os seus feitos, a respeito dos quilombolas de Palmares, os classificou como “salteadores” e pertencentes a uma “sociedade de latrocínios e rapinas”[4]. Em 1722, no Regimento dos capitães-do-mato, Dom Lourenço de Almeida determinava que “pelos negros que forem presos em quilombos formados distantes de povoação onde esteja acima de 4 negros, com rancho, pilões e modo de aí se conservarem, haverão para cada negro destes 20 oitavas de ouro”[5].

De todo modo, as noções de quilombo mudaram de acordo com o tempo e o local. Nas décadas de 1960 e 1970, estas receberam uma nova significação com a emergência do movimento anti-racista, em 1Professor do Departamento de História e Pró-Reitor de Extensão da Universidade do Estado de Santa Catarina: [email protected]

2Acadêmica de História da Universidade do Estado de Santa Catarina: [email protected]

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especial, sua crítica a visão paternalista e branda que o Brasil possuía sobre a escravidão. O quilombo torna-se símbolo da resistência negra contra a escravidão, especialmente com a obra de Abdias do Nascimento, O quilombismo.[6] Para este autor, o conceito de quilombo se refere a toda forma de resistência do afro-brasileiro, seja ela física ou cultural. Tendo essa resistência se manifestado em fugas coletivas ou individuais [7].

A Constituição Brasileira de 1988 contribui para mudar o conceito de quilombo mais uma vez, já que o art.68 do Ato das Disposições Transitórias prevê que "aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecido a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos".[8]

Fruto da mobilização do Movimento Negro, majoritariamente composto por letrados urbanos de classe média, e conseqüentemente, das suas percepções acerca da história das populações negras do Brasil, o artigo acima citado refere-se diretamente aos remanescentes de quilombos, sem fazer menção às comunidades negras rurais e urbanas em geral, o que levou a uma nova reinterpretação o conceito de quilombo.

O quilombo então passava a ser compreendido como, nas palavras da iminente antropóloga Ilka Baventura Leite: “[...] direito a terra, enquanto suporte de residência e sustentabilidade, há muito almejadas, nas diversas unidades de agregação das famílias e núcleos populacionais compostos majoritariamente, mas não exclusivamente de afro-descendentes” [9].

Atualmente há em Santa Catarina nove territórios reconhecidos pela Fundação Palmares como remanescentes quilombolas, dentre elas a Comunidade Quilombola Morro do Boi, certificada em 2009. Trata-se apenas de primeiro de reconhecimento e não implica em concessão de título de propriedade da terra.

A comunidade está localizada na Rodovia BR101, Km 140, na Rua Almiro Leodoro, no bairro Nova Esperança, Balneário Camboriú. Vivem ali 16 famílias, totalizando 82 pessoas que habitam a região há varias gerações. Existem indícios de que o local possivelmente surgiu como um quilombo de passagem. Até recentemente descendentes de africanos vinham de Tijucas para dançar a marca e o sapateado, também conhecido como rufo, ou outros compromissos menos agradáveis em Camboriú e ali paravam para descansar ou mesmo pernoitar. Quanto a terra, os pioneiros eram agricultores. Plantavam café e lavoura de subsistência. Trabalhavam e possuíam engenhos de farinha e de açúcar. Além do trabalho na roça, cuidavam de animais domésticos e para o trabalho [10].

Os antigos moradores contam que inicialmente, o nome do Morro onde habitam era denominado Morro de Curitiba. Eles acreditam que este nome originou-se de um dos primeiros moradores oficias, que era chamado de “Zé Curitiba”. Eles contam a história que ouviram de seus pais e avós, e a narrativa diz que o local era muito utilizado por tropeiros, que traziam o gado de Itajaí até Itapema e outras regiões. Contudo, a trilha utilizada não era a mesma por onde hoje passa a rodovia BR 101. Era um tráfego intenso o deste comércio, que fazia um caminho sinuoso, perpassando por uma cachoeira, e devido a um boi que caiu nesta cachoeira, e nunca mais foi encontrado, é que o local recebe novo nome, e passou a se chamar Morro do Boi.

Dona Guida, matriarca da Comunidade Quilombola Morro do Boi, conta que era nesta cachoeira que ela e outras mulheres lavavam roupa cantando suas cantigas, onde se pescava peixe de água doce, tomava banho, as crianças brincavam, e se buscava a água necessária para beber, cozinhar e atividades domésticas.

Com a abertura de uma estrada pelo governo na década de 1960, e transformação desta em BR 101 em 1971, a cachoeira perdeu força e utilidade, deixando de ser usufruída pelos moradores.

Os habitantes da Comunidade vêem com pesar a criação da rodovia, pois ela não só cortou suas terras ao meio, como também isolou a comunidade ainda mais ao bloquear o antigo caminho usado pelos moradores para chegar até a “Camboriú Velha” [11].

Seu Acácio [12] nos conta que levavam quase um dia todo para ir e voltar a pé da “Camboriú Velha”, pois eles não possuíam carro-de-boi, e iam até a cidade para vender o que produziam na lavoura, e para comprar tecido ou algum utensílio doméstico que faltava em casa. Raramente compravam algum alimento, pois sua alimentação advinha do que plantavam.

Outro motivo que os levava até a cidade era para chamar uma parteira quando alguma mulher da Comunidade estava para dar a luz. As doenças eram tratadas em casa, com ervas, chás, plantas e com a prática de benzer. Alguns residentes da Comunidade só foram a uma consulta médica somente quando idosos.

De religião católica, os moradores contam que devido ao isolamento do Morro do Boi, e o reduzido número de habitantes, os homens procuravam mulheres de outras localidades para contrair matrimônio. Seu Acácio nos conta que os homens combinavam com as futuras esposas uma hora e local e as “roubavam”. Esta prática era comum em várias localidades, e era realizada devido aos custos elevados de se realizar um casamento oficial.

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Um costume que é praticado até hoje é relação aos mortos. A pessoa quando a pessoa morre é velada em casa por vinte e quatro horas. Todos saem para o cortejo, mas uma mulher que seja parenta próxima do morto permanece para varrer a casa, pois assim espírito acompanha o corpo. A porta por onde o falecido saiu fica fechada por sete dias, e então é rezado um terço ou uma missa e se abre a casa no sétimo dia.

Os moradores contam que antes da abertura da rodovia, histórias sobre tesouros enterrados pelos jesuítas eram corriqueiras. Era comum as pessoas sonharem o local exato onde tesouros eram enterrados, mas poucos que tinham coragem de desenterrá-lo, pois fenômenos sobrenaturais ocorriam no momento em que estavam cavando, e algumas vezes o tesouro era amaldiçoado. Histórias sobre assombrações e almas penadas também estão na memória dos moradores da Comunidade.

4. Conclusão

Estas narrativas começaram a ser resgatadas a partir de 2007, quando a comunidade foi “descoberta” por extensionistas da Universidade do Vale do Itajaí, que deram início a um trabalho de resgate da memória da comunidade. No mesmo ano foi fundada a Associação Quilombola Comunidade Morro do Boi, e logo após foi dada a entrada no pedido de reconhecimento por parte da Fundação Cultural Palmares.

Os trabalhos sobre a Comunidade Quilombola Morro do Boi são extremamente recentes, assim como a pesquisa que está se iniciando no segundo semestre de 2010, e que resultou neste trabalho. Nossa intenção é contribuir para o resgate da memória da Comunidade, e dar visibilidade a estes negros invisíveis.

Referências

[1] LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, São Paulo: Ed. Unicamp, 1996, p 471. [2] LARA, Silvia Humbolt. (org). Ordenações Filipinas.V.I. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. [3] MUNANGA, Kabengele. A origem e histórico do quilombo na África. Revista USP. São Paulo,

Dezembro-Fevereiro de 1995/96. p. 95-96. [4] Barleu, Gaspar. História dos feitos recentes praticados durante oito anos no Brasil. São Paulo:

EdiUsp, 1974. [5] FIABANI, Adelmir. Mato, Palhoça e Pilão: o quilombo, da escravidão às comunidades

remanescentes. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2005. [6] SILVA, Djalma Antônio da Silva. O Passeio dos quilombolas e a formação do quilombo

urbano. Tese de doutorado em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: Março de 2005.

[7] Idem, p. 162. [8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília, DF, 1988. [9] LEITE, Ilka Boaventura. O Projeto Político Quilombola: desafios, conquistas e impasses atuais.

Revista Estudos Feministas, v. 16, 2009 p. 985-977. [10] Depoimento de Dona Margarida Geogia Leodoro a Ana Elisa Schlickmann, 2008. [11] Em 1964, Balneário Camboriú se emancipou de Camboriú. Os moradores usam o termo

“Camboriú Velho” para distinguir a cidade de antes, e após a perda do seu balneário. [12] Depoimento de Acácio Siqueira a Ana Elisa Schlickmann, 2008.

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A MEMÓRIA COMO FORMAÇÃO: PENSAMENTOS ACERCA DO PROCESSO FORMATIVO/REFLEXIVO DE ALFABETIZADORAS RURAIS

Julia Bolssoni Dolwitschi; Mariane Bolzan; Thaís Virginea Borges Marchi; Helenise Sangoi Antunes² Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Palavras-chave: Memória; Processo Formativo; Alfabetizadoras Rurais.

1. Introdução

O presente artigo é um estudo dos resultados parciais de um projeto mais amplo, intitulado “Memórias e relatos autobiográficos de alfabetizadoras: um estudo sobre as cartilhas de alfabetização nas escolas municipais rurais do Rio Grande do Sul/RS³”, vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação Inicial, Continuada e Alfabetização (GEPFICA), coordenado pela Profª. Drª. Helenise Sangoi Antunes (UFSM/PPGE). O projeto em questão busca conhecer e aproximar os participantesii da pesquisa às histórias de vida das professoras alfabetizadoras, bem como ao contexto das escolas rurais. Além disso, o referido projeto tenta mapear as cartilhas de alfabetização que foram/ são utilizadas pelas professoras alfabetizadoras, principalmente no século XX.

O propósito inicial da pesquisa mencionada é o de rememorar, a partir dos relatos autobiográficos orais e escritos das professoras alfabetizadoras, quais os processos formativos vivenciados por elas e quais métodos são utilizados para o processo de alfabetização. Justificamos a relevância desse estudo e de sua publicação no sentido de oportunizar uma reflexão sobre os processos de leitura e escrita, e as concepções de alfabetizar e letrar dos sujeitos envolvidos relacionando com uso ou não das cartilhas de alfabetização.

Pensamos que a elaboração deste artigo é de suma importância para registrar a relevância que se tem ao falarmos da memória como processo formativo/reflexivo de alfabetizadoras rurais. Dentro da perspectiva teórica de Pinto (2008, p. 18) [5] podemos analisar que “a memória está longe de ser vista como algo pronto, estático, acabado.” Dessa forma, esse processo de rememorar e refletir através das lembranças de alfabetizanda e alfabetizadora pode contribuir para uma formação constante e sucessora de conhecimentos.

Riccoeur (2007, p. 45) [8] dedicou-se a estudar a fenomenologia da memória, e atualmente, contribui significativamente junto a este estudo de maneira que podemos distinguir “memória” de “lembranças”. Memória vem com um sentido singular, como capacidade e como efetuação; já lembranças, sob a ótica do autor, vêm com um sentido plural. Dessa forma, em síntese, a memória trabalha a lembrança e a lembrança aguça a memória. Entender a memória não somente como um “reservatório de lembranças” pode trazer um entendimento de experiência do sujeito que (re) significa as coisas, (re) apresenta a realidade para si e para os outros. (Riccoeur, 2007) [8.1]. A memória também pode ser explorada como forma de aprendizagem, analisando e (re) construindo o passado, para que assim possamos ou não fazer uso no presente.

Ainda, percebemos que a memória funciona para que as pessoas não esqueçam que possuem uma história, uma responsabilidade de usarem a imaginação e a criatividade, a fim de pensar novas metodologias de ensino (Antunes, 2007) [2]. Nesse sentido, as alfabetizadoras entrevistadas nesse processo de pesquisa puderam recordar fatos ocorridos tornando essa prática reflexiva em um ato de formação continuada.

2. Metodologia A metodologia da pesquisa baseia-se nos estudos realizados por Bogdan; Biklen (1994) [3],

caracterizando-se como uma abordagem qualitativa. A metodologia é desenvolvida por meio dos relatos autobiográficos orais e escritos, entrevistas semi-estruturadas, registros em diário de campo e dos processos formativos pelos quais estas professoras alfabetizadoras rurais vivenciaram ao longo da sua trajetória pessoal e profissional, no estado do Rio Grande do Sul/RS. Dessa forma, destacamos que a metodologia vai além de                                                             i Julia Bolssoni Dolwitsch: [email protected] ² Orientadora do trabalho, Adjunta do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Maria, RS e Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação Inicial, Continuada e Alfabetização (GEPFICA), Profª Drª Helenise Sangoi Antunes. ³Projeto aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob o número do CAAE: 0192.0.243.000-09.     ii Consideramos como “participantes” tanto as professoras alfabetizadoras colaboradoras da pesquisa, quanto os sujeitos que realizaram as intervenções de pesquisa junto ao contexto do estudo.

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definir os métodos a serem utilizados pelo pesquisador, propõe um processo reflexivo, a fim de guiar e estruturar o trabalho de investigação científica do pesquisador.

Através desta esquematização das idéias propostas nesse trabalho estamos tendo a possibilidade de interagir com as memórias, as lembranças e as histórias de vida das professoras alfabetizadoras do ensino rural por meio dos relatos autobiográficos que elas nos relataram. Da mesma forma, buscamos orientação para construção desse trabalho nas informações reveladas sobre as suas histórias de vida a partir da realização da entrevista semi-estruturada. Conforme Bosi (1994, p. 81) [4],

Uma lembrança é diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da localização, seria uma imagem fugida. O sentimento também precisa acompanhá-la para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas uma reaparição.

Dessa forma, queremos destacar a importância de levantar discussões sobre a memória como

formação de professores, pois a memória não somente se liga à imaginação enquanto fantasia, mas enquanto representação, formação e auto-reflexão. No momento da rememoração, do relato autobiográfico, a alfabetizadora tem a oportunidade de rever seus passos, repensar e trilhar por caminhos mais oportunos para o processo de alfabetização do seu aluno.

Nesse trabalho de procurar ouvir as professoras alfabetizadoras, através dos relatos autobiográficos e entrevistas semi-estruturadas, percebemos a presença constante das lembranças relacionadas à escola e as primeiras professoras, bem como algumas cartilhas que marcaram o processo de alfabetização das educadoras rurais entrevistadas e seus processos formativos para a prática profissional.

Fui alfabetizada com cartilha. Lembro bem, “Élida e Olavo”. Tínhamos que decorar tudo. Era assim: letras, sílabas, palavras, frases curtas e repetidas observando sempre as letras já estudadas. Tive dificuldades em decorar. Todos os dias tínhamos uma “lição” para ler na frente da classe e isso me traumatizou muito, tanto que trago um complexo até hoje em ler oralmente na frente das pessoas. (relato da alfabetizadora rural, 2010).

As lembranças, sejam elas boas ou más, participam da “arquitetura da memória, ativando ou inibindo certas informações, quando o sujeito se encontra em uma situação que ele já experimentou na sua vida escolar”. (MALLET, 2006, p. 7) [6]. Nesse sentido, percebemos o quanto a lembrança aciona informações e emoções, que envolvem tanto os sujeitos da pesquisa, quanto os pesquisadores envolvidos no estudo.

Para Antunes (2007, p. 162) [2.1] “a memória docente constitui-se numa forma de conhecer e auxiliar no processo de formação inicial e continuada dos professores”. Nesse sentido, entendemos que a memória da escola, dos nossos professores, e colegas é de fundamental influência no processo contínuo de ser ou tornar-se professor. Sendo assim, a memória atua como fator determinante no processo de reflexão-ação da professora alfabetizadora.

Entendemos que o método utilizado para alfabetizar a professora que relatou acima, não representou uma experiência boa, nesse sentido percebemos que ela se utilizou desse saber para não repetir atitudes, como aquelas tomadas com ela no tempo de escola, com os seus alunos hoje. Conforme menciona Guedes Pinto (2008, p. 18)[5.1].

A memória pode ser apreendida como possibilidade, como outra possível interpretação e que, dessa maneira, altera o passado e também o presente, pois permite novos significados para o momento atual vivido.

Durante o processo de pesquisa percebemos que a memória não se restringiu apenas ao fato

vivenciado pelas alfabetizadoras, mas também àquilo que poderia ter acontecido. A rememoração, ao longo da interação pesquisador/sujeito pesquisado, serviu como forma de resistência a um passado que não se desenrolou como desejado. A memória atribuiu um sentido de superação entre as vivências de alfabetizanda e alfabetizadora dos sujeitos pesquisados.

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Dentro da perspectiva teórica de Abrahão (2006, p. 153) [1], “a narrativa quebra o modo linear espaço-temporal de significar trajetórias e vivências”. O trabalho com a memória entrelaça passado, presente e futuro, significando e ressignificando as lembranças trazidas à tona no momento da rememoração.

3. Resultados/discussões

Durante a nossa pesquisa, que ainda está em andamento, percebemos o quanto é instigante deixar-nos surpreender pelas verbalizações e escritos das professoras alfabetizadoras e observar se suas autopercepções atuais “enraízam-se” em suas percepções do passado. Através das lembranças, dessas alfabetizadoras, que aguçam a memória, estamos constantemente aprendendo e rememorando nossos próprios caminhos. Essa investigação-formação, através da rememoração da história de vida de cada sujeito, contribui significativamente, para que esse tome consciência de si e de suas aprendizagens. Sendo assim, conforme nos coloca Souza (2006) [9], é pertinente que os sujeitos vivam, simultaneamente, os papéis de ator e investigador da sua própria história.

Eu sempre adorava ir para a aula. Minha mãe sempre quis ser professora e não pôde. Perdi o meu pai muito cedo. Tenho uma irmã que também é professora. Eu sempre ia com ela para a escola dela, mesmo sem ter idade. Quando chovia era um tormento: não podia ir, chorava muito. Fui alfabetizada no método tradicional, a professora botava a letra no quadro e nós pintávamos pela ordem alfabética (primeiro as vogais e depois as consoantes). Os bichinhos também: por exemplo, a arara. A minha professora costumava premiar aqueles que se aplicavam mais. Ela dava cadernos, brinquedos, estojos, jogos. Eu vivi nessa competição infantil, eu e um outro colega. Eu sempre o encontro hoje, ele trabalha num banco. A gente lembra e ri. Eu não sei se isso foi positivo – depois a professora parou de fazer isso. Nós brigávamos. Hoje, penso que esse tipo de “prêmio” não é bom. Eu ficava com pena dos colegas que tinham dificuldades de aprender, eles sempre ficavam de fora, mas costumava dar os brinquedos àqueles que nunca ganhavam nada. (relato da alfabetizadora, 2010).

Ao analisarmos essa fala de uma professora alfabetizadora do meio rural, percebemos o quanto é importante repensar essas novas formas de ensinar/alfabetizar, a partir da própria história de vida de cada sujeito, pois relembrando o seu processo de alfabetização, os métodos e/ou metodologias que perpetuaram durante a sua escolarização, o educador pode rever algumas práticas favoráveis ou não para o ensino. As nossas lembranças são necessárias para construirmos nossa identidade narrativa, nossos esquecimentos nos ajudam a dar coerência ao relato autobiográfico. A narrativa surge com o intuito de dar vida, de privilegiar o sujeito que conta a sua história.

Sendo assim, o texto ao qual nos propusemos escrever dá visibilidade à possibilidade de revelarmos cada vez mais a narrativa de si como elemento de formação continuada. A reflexão que as alfabetizadoras rurais fizeram ao longo do processo de desenvolvimento da pesquisa identificou-se como uma alternativa de utilização da memória. Sendo que a memória, conforme aponta Soares (1998, et al, MORTATTI, 2004) [7], existe para que as pessoas não esqueçam que possuem uma história, um compromisso e uma responsabilidade de usarem a imaginação e a capacidade de criação, a fim de pensar novas formas de alfabetizar, letrando seus alunos.

4. Considerações Finais

Os resultados apresentados nesse artigo referem-se às informações coletadas e esquematizadas nos municípios que compõem o Rio Grande do Sul e que firmaram parceria com o GEPFICA através das Secretarias Municipais de Educação, em especial Santa Maria. Com o financiamento obtido junto a FAPERGS (BIC), CNpq/UFSM (BIC) e o Edital Universal do CNpq, conseguimos, no primeiro ano da investigação, sistematizar os dados alcançados através do Banco de Dados que está disponível no seguinte endereço eletrônico: http://w3.ufsm.br/gepfica/index.php.

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Pensamos que o estudo que vimos desenvolvendo dentro do Grupo de Pesquisa em parceria com as escolas rurais municipais, tem se tornado referência na abordagem de educação do campo, pois estamos percebendo que o trabalho de pesquisa junto aos professores acabou contribuindo para a formação permanente/continuada dos mesmos.

Sem exercermos muitos esforços acabamos reafirmando a hipótese e estudos teóricos levantados por outros autores que vem desenvolvendo pesquisa nessa mesma temática. A memória, as lembranças, a auto-reflexão, o narrar sobre si e sobre o sujeito profissional, acabou tomando uma dimensão superior a qual imaginávamos. Falar sobre a história de vida das alfabetizadoras rurais causou-lhes emoção e junto com essa emoção a alegria de perceber o quanto são capazes de pensar e agir diferente no mundo em que vivemos, ainda mais no âmbito da educação no qual os professores assumem uma responsabilidade social maior do que qualquer outro cidadão desse meio.

O trabalho com a memória faz emergir no sujeito um agente comprometido com o processo investigativo e reconstrutivo.

Referências

[1] ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. As narrativas de si ressignificadas pelo emprego do método autobiográfico. In:___. (Auto) biografia e Formação: práticas de escrita de si. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. [2] ANTUNES, Helenise Sangoi. Relatos autobiográficos: uma possibilidade para refletir sobre as lembranças escolares das alfabetizadoras. In: ___. Revista do Centro de Educação. V. 32, n. 01, pp. 02/10, Santa Maria, 2007. [3] BOGDAN, Robert C; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. 4. ed. Porto: Porto, 1994. [4] BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças dos velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. [5] PINTO, Ana Lúcia Guedes. Memórias de leitura e formação de professores/ Ana Lúcia Guedes Pinto, Leila Cristina Borges da Silva, Geisa Genaro Gomes. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2008. – (Coleção Gêneros e Formação). [6] MALLET, Marie-Anne. Essas lembranças que constroem o eu escolar...In:___. Revista Educação em Questão. V. 25, n. 11, jan./avrr., pp. 22/39, Natal, RN: EDUFRN, 2006. [7] MORTATTI, Maria do Rosário. Educação e Letramento. São Paulo: Editora UNESP, 2004. [8] RICOUER, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: UNICAMP, 2007. [9] SOUZA, Elizeu Clementino de. A arte de contar e trocar experiências: reflexões teórico-metodológicas sobre história de vida em formação. In:___. Revista Educação em Questão. V. 25, n. 11, jan./avrr., pp. 22/39, Natal, RN: EDUFRN, 2006.

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COISAS DE MENINOS E MENINAS: DISCUTINDO GÊNERO NOS GRUPOS ESCOLARES DE FLORIANÓPOLIS (1911 – 1935)

Ivan Vicente de Souza1*; Gladys Mary Ghizoni Teive2

1 Universidade do Estado de Santa Catarina 2 Universidade do Estado de Santa Catarina

1. Introdução Esta investigação, iniciada em fevereiro de 2010, é parte integrante da pesquisa “Grupo Escolar e Produção do Sujeito Moderno: um estudo sobre o currículo e a cultura escolar dos primeiros grupos escolares catarinenses (1911-1935)”, coordenada pela Professora Dra. Gladys Mary Ghizoni Teive. Esta pesquisa tem como objetivo investigar o currículo dos primeiros grupos escolares implantados em Santa Catarina na primeira metade do século XX, de maneira a desvelar os códigos que regularam a cultura escolar produzida nesta que foi considerada a “Escola da República”. Considerada a forma escolar moderna por excelência, o grupo escolar é analisado neste estudo como locus da materialização da governamentalidade liberal, entendida na perspectiva foucaultiana como um refinamento da arte de governar. Passando a integrar o grupo a partir deste ano, me interessei particularmente pela questão de gênero, especificamente sobre como esta questão é representada nos currículos dos primeiros grupos escolares e na cultura escolar daí engendrada. 2. Método A metodologia utilizada consiste em pesquisa de cunho documental. Serão analisados os programas de ensino, regimentos e regulamentos dos grupos escolares no período escolhido (1911-1935); os livros de leitura adotados, muito especialmente as Séries Graduadas de Leitura adotadas: Série Graduada de Francisco Vianna (1º, 2º, 3º e 4º livros), utilizada de 1911 a 1918 e a Série Graduada Fontes (1º, 2º, 3º e 4º livros), adotada de 1919 a 1935. Lançarei mão, também, das entrevistas já realizadas pelo grupo de pesquisa com ex-alunos/as, ex-diretores e ex-professores dos grupos escolares. 3. Resultados e Discussão

Antes de discutir a questão de gênero nos Grupos Escolares, vale ressaltar uma nota, publicada no jornal O Dia de 1913, a qual é intitulada “Feminismo...”, que relata a primeira eleição de uma mulher ao senado nos Estados Unidos. O que podemos perceber no corpo do texto é a posição que o jornal demonstra ter em relação à mulher que assumiu um cargo até então designado a homens, na medida em que atribui à nova senadora uma série de características masculinas, igualando-a de forma negativa ao gênero masculino, e criticando o sistema educacional americano por ofertar uma educação praticamente igual entre seus alunos e alunas, principalmente no que tange aos esportes, o que teria “masculinizado” suas estudantes, levando ao interesse por assuntos dos homens. Levando em consideração os jornais como formadores de opinião pública e um reflexo da sociedade, podemos perceber que o contexto da época compreendia determinadas posições públicas e características específicas para cada gênero, na medida em que explicita a virilidade masculina e a docilidade feminina, bem como a importância da oferta de uma educação que forme e produza esses aspectos em suas alunas e alunos. Os primeiros grupos escolares catarinenses foram implantados entre 1911 a 1913 e em sintonia com os postulados da pedagogia moderna, seus currículos, no que se refere a questão de gênero, prescreviam que meninos e meninas deveriam ser separados no ambiente escolar de modo a “evitar a promiscuidade dos sexos”. Assim, os prédios dos Grupos Escolares foram construídos de modo que meninos e meninas não pudessem se encontrar: as seções feminina e masculina não tinham comunicação entre si, as entradas eram separadas, bem como as salas de aula, os pátios e recreios. As matérias escolares e seus programas eram os mesmos, com exceção dos conteúdos de trabalhos manuais e ginástica, os quais eram diversificados de acordo com o gênero. O único momento em que meninos e meninas conviviam na escola era na época das sabatinas mensais, orais ou escritas, entre os

* Ivan Vicente de Souza: [email protected]

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alunos das duas seções (feminina e masculina) das classes mais adiantadas, 3ª e 4ª ano (Regimento Interno, 1914, p.17 ). Tratava-se, segundo os ex-alunos e alunas entrevistados de momento bastante tenso, de competição, onde geralmente as meninas “se saiam mal, por conta do nervosismo”. Esta era, de acordo com Teive (2009, p. 71) “uma prática que deveria contribuir para construir e mediar a relação do sujeito consigo mesmo e com o outro, relação na qual se estabelece, se regula e se modifica a experiência que a pessoa tem de si mesma, a experiência de si.

Quanto aos livros adotados, entendidos nesta pesquisa como expressão operativa do currículo, uma primeira análise aponta para o incitamento em suas páginas para que os meninos controlassem suas emoções e afetividade e que estivessem prontos para servir e amar a pátria. Em contraposição, as meninas eram estimuladas à docilidade, obediência, à maternagem e ao trabalho doméstico. 4. Conclusão

É notável que, em sua busca de formar sujeitos patrióticos e que promovessem a ordem e o progresso da nação, os Grupos Escolares fizeram de seus currículos uma ferramenta fundamental para produzir em seus alunos e alunas características consideradas essenciais para esse novo homem e mulher modernos de modo que pudessem servir as necessidades da pátria, incitando características distintas para cada gênero, estipulando posições diferentes para cada sexo na sua tarefa de servir a República. Nessa perspectiva, através dos currículos implantados nos primeiros grupos escolares catarinenses, pretendeu-se contribuir para produzir subjetivações e identificações bastante particulares.

O que não podemos negar é a crescente discussão nos dias atuais sobre as questões de gênero e da pluralidade de indivíduos que lutam cada vez mais para a promoção da igualdade entre os sexos. Contudo, podemos perceber que, muito embora não ocorra da mesma maneira que no tempo dos grupos escolares, ainda é muito forte a separação de gênero nas instituições escolares nos dias de hoje, na medida em que as distinções entre meninas e meninos continuam presentes no cotidiano escolar, como na diferenciação de brinquedos, das cores e dos papéis esperados para cada sexo. Referências SANTA CATARINA. Regimento Interno dos Grupos Escolares do Estado de Santa Catarina. Approvado e mandado observar pelo Decreto n.795, de 2 de maio de 1914. Joinville: Typ. Bohem, 1914. TEIVE, Gladys Mary Ghizoni Teive. Grupo Escolar e produção do sujeito moderno: um estudo sobre o currículo e a cultura escolar dos primeiros grupos escolares catarinenses (1911-1935). In: História da Educação. FaE/UFPEL. n.29, v.13 (Set/Dez2009). Pelotas. ASPHE. p. 57-78. Periódicos O Dia n. 7116, de 22/01/1913.

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Desafios e especificidades da formação de profissionais dedicados à educação de crianças entre o 0 e os 3 anos.

Ramona Correia Rosado Freitas1

Elieuza Aparecida de Lima (Orientadora)2 Universidade Estadual “Júlio Mesquita Filho”, Campus de Marília.

1. Introdução Nos últimos 20 anos, o Brasil tem sido palco de vários debates relacionados à educação infantil. Ao longo de sua história, a Educação Infantil apresenta uma trajetória marcada por diferentes tipos de atendimento em relação à criança de zero a três anos, concepções de infância muitas vezes equivocadas, e políticas desarticuladas. Nesta história ocorreram constantes extinções e criações de órgãos públicos. Saúde, assistência social e educação não se articulam nesta trajetória, assim o atendimento à criança se separa em vários setores. Segundo Kramer, “há, no entanto, diferenças significativas no que diz respeito aos setores que se devem responsabilizar pelo atendimento: ora a ênfase recai sobre a iniciativa do oficial, ora sobre a particular, ora sobre ambas, ora sobre a própria população.” [1].

Atualmente, a Educação Infantil está vivenciando avanços significativos em relação aos planos legais. Da década de 1980 para cá, com a promulgação da Constituição de 1998, outras ordenações legais foram estruturadas com base na letra dessa Lei maior. Infelizmente, no entanto, a realidade social não se transforma apenas pela publicação de normas jurídicas, havendo muitos esforços políticos, sociais e pedagógicos a serem realizados para a concretização da realidade de milhares de crianças brasileiras, relativa à garantia de uma educação de qualidade que possa se constituir como humanizadora. [2-5].

Nesse contexto, o reconhecimento da Educação Infantil como primeira etapa da educação básica, direito da criança e dever do Estado, intensifica as discussões sobre a profissionalização dos educadores de creche [6]. Conforme Campos [7], essas mudanças legislativas resgataram antigos conflitos e incoerências, fazendo-os surgir novamente sob novos discursos. Um dos aspectos relevantes no debate atual, diz respeito aos educadores das crianças com zero a três anos. Esse educador da criança pequenina possui atualmente novas atribuições, exigindo profissionalidade na educação e cuidado na infância, de forma integrada. Cerisara [8] afirma,

A defesa da profissionalização das professoras de educação infantil é tão urgente quanto a redefinição da função das instituições de educação infantil e está relacionada à concepção de que todas as crianças de zero a seis anos, sejam elas pobres e ricas, brancas, negras e indígenas, estrangeiras e brasileiras, entre outras, têm direito a uma educação infantil que garanta o direito à infância e a melhores condições de vida.

No entanto, antigas idéias ainda parecem persistir quando a questão se refere ao perfil do educador de creche. Para Cruz, “a associação das idéias, tão difundidas, de que basta gostar de crianças para cuidar (no sentido mais restrito) delas, e que essa tarefa é incumbência do sexo feminino, tem levado à aceitação de pessoas com pouca ou nenhuma formação e, portanto, à sua baixa remuneração.” [9].

Idéias como essas contribuem para a desvalorização de uma profissionalização desse educador de crianças pequenas. Por exemplo, a figura do auxiliar de creche sem a devida formação profissional inicial e em serviço aparece como forma de burlar uma exigência, uma vez que os profissionais “ainda não têm formação adequada, recebem remuneração baixa e trabalham sob condições bastante precárias” [10]. Essa idéia se expressa no interior da creche. Lá é possível verificar a separação entre as atividades relacionadas à saúde e higiene da criança, como banho, alimentação, trocar fraldas; e aquelas consideradas como educativas, tais como atividades com tinta, pintura com giz de cera, brincadeiras com objetos com formas geométricas ou sonoridades diferentes, contação de histórias.

Com base nessas idéias iniciais, este trabalho tem como tema Desafios e especificidades da formação de profissionais dedicados à educação de crianças entre o 0 e os 3 anos. Com esta temática, esta pesquisa tem como principal objetivo identificar se existe, no processo de formação dos profissionais dedicados à educação sistematizada da criança entre o zero e os três anos, uma preparação específica para essa atuação, a partir de análises acerca do nível de escolaridade e de formação de profissionais de duas creches municipais de uma cidade do interior paulista. Especificamente pretendemos identificar se as concepções de infância e de criança de zero a três anos, concretizadas no interior das creches investigadas, tem relação com a formação dos profissionais parceiros da pesquisa. 1 Ramona Correia Rosado Freitas: [email protected] 2 Elieuza Aparecida de Lima: [email protected]

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Partimos do pressuposto de que o educador de creche - independentemente de sua denominação em diferentes regiões brasileiras - precisa ter uma formação específica para lidar com as crianças pequenas, caso contrário, terá dificuldades de articulação de educação e cuidado essenciais para a garantia dos direitos, necessidades e desenvolvimento integral dos/as pequenos/as. Este trabalho tem, assim, como problemática: "A partir de um quadro de formação profissional entre os profissionais de uma creche municipal, é possível destacar quais as implicações e os impactos dessa formação para a educação humanizadora das crianças pequenininhas?”.

A falta de profissionais para atuar nesse campo da educação e a grande quantidade de diagnósticos apontando a desqualificação dos profissionais são fatores que nos preocupam e nos chamam a atenção. Por isto, consideramos relevante saber qual o tipo de formação dos profissionais que lidam com crianças de zero a três anos, porquanto trabalhar com crianças pequenas exige profissionalidade docente por parte dos educadores de creche. Esta profissionalidade só surge por meio de uma preparação teórica e prática consistente, para que assim estes profissionais venham corresponder com suas funções dentro da Instituição de Educação Infantil, funções estas como educar e cuidar dos pequeninos, de maneira que possibilite o desenvolvimento dos processos psicológicos e emocionais dos/as pequenos/as.

É preciso consideração e reflexões contínuas sobre a formação de educadores de creches como “[...] uma tarefa nova na história da escola brasileira e, para muitos, desconhecida e até mesmo menos nobre; ter crianças com menos de sete anos na escola parece surpreender ou impactar gestores e pesquisadores” [1]. Trata-se, assim, de eliminação/superação de preconceitos arraigados na tradição brasileira de que a atuação profissional com crianças de zero a três anos não requer preparo e formação equivalente ao de seus pares de outros níveis escolares, o que demonstra o desconhecimento da natureza humana e de sua complexidade, especialmente do potencial de desenvolvimento desta faixa etária. 2. Método

A pesquisa ora proposta pauta-se em uma abordagem qualitativa, envolvendo “[...] a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, [enfatizando, assim] mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes” [11]. Com essa perspectiva de trabalho investigativo, a opção escolhida é a realização de pesquisa de campo, com ênfase em observações e aplicação de questionário aos sujeitos parceiros deste estudo. Esse contato será direto e estreito com a situação pesquisada, devido à influência entre os fenômenos e o seu contexto. Pretendemos realizar essa pesquisa qualitativa, por meio de estudo de caso.

O estudo de caso é a análise de um caso específico, onde o interesse do pesquisador incide sobre o que ele tem de único, de particular, mesmo que depois se evidenciem características semelhantes à de outras situações. Dessa forma, essa escolha justifica-se pelas seguintes características: trata-se de duas instituições com suas peculiaridades; será um grupo específico de profissionais de creche e consiste em analisar aspectos conceituais e de formação inicial e continuada dos integrantes do grupo. A escolha do estudo de caso como metodologia se deve à investigação de questões atuais da prática pedagógica e à possibilidade de mergulho no contexto e dinamicidade dessa prática.

A fim de realizarmos esta pesquisa e nos determos no estudo desta problemática, faremos uso de observação sistemática com anotações em diários de pesquisa, aplicação de questionário com questões abertas e fechadas, bem como revisão de literatura pertinente ao tema.

Nesse primeiro momento das investigações, a busca é o levantamento de dissertações, teses, livros e artigos produzidos ou traduzidos e publicados no Brasil, com base nas expressões-chave “formação de professores de educação infantil”; “formação de professores de crianças entre zero e três anos”; “especificidades do trabalho docente com crianças entre zero e três anos”; “particularidades da infância e da criança entre zero e três anos”. Com este trabalho, haverá a constituição de um quadro teórico dos estudos encontrados sobre a temática, atualizando os sentidos atribuídos à formação docente, aos conceitos de criança pequenininha e de infância, a partir destes estudos científicos preocupados com essa temática. 3. Resultados e Discussão

Os resultados parciais obtidos é conseqüência do financiamento da pesquisa Desafios e especificidades da formação de profissionais dedicados à educação de crianças entre o 0 e os 3 anos, pela FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo.

Através das leituras preliminares, vem se confirmando a hipótese levantada inicialmente nesta pesquisa, porquanto partimos do pressuposto de que o profissional de creche necessita de uma formação específica para lidar com as crianças de zero a três anos, embora, concretamente, a maior parte dos educadores de creche não possui este tipo de formação.

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Durante a revisão bibliográfica inicial, um dos fatos que nos chamaram a atenção foi a ausência de trabalhos que focalizassem a história da formação de profissionais da educação de crianças de zero a três anos no Brasil. Essa constatação nos indica, por um lado, a necessidade de novas pesquisas, estudos e produção de conhecimentos sobre a temática estudada e, por outro, fortalece a relevância dessa primeira etapa da pesquisa proposta. 4. Conclusão Chegamos a uma conclusão preliminar que a formação dos profissionais vive um momento marcante, de muitos debates, onde os municípios e os profissionais estão se adaptando lentamente às formas legais. Existe também a necessidade de reconstrução da identidade dos profissionais de creche, pois muitas vezes pela própria condição de trabalho, estes não se percebem como profissionais. Relevam-se, assim, os processos de formação inicial e em serviço desses trabalhadores de creche para o fortalecimento de sua atividade docente na educação de crianças pequenas, constituindo-se como seres históricos, criadores de cultura e sujeitos de direito. Referências [1] KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2006. [2] CERISARA, A. B. A produção acadêmica na área da educação infantil a partir da analise de pareceres sobre o Referencial Curricular Nacional da educação infantil: primeiras aproximações. In: FARIA, A. L.G. ; PALHARES, M. S. (Org.). Educação Infantil pós - LDB: rumos e desafios. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2000. p. 19-40. [3] LEITE FILHO, A. Proposições para uma educação infantil cidadã. In: GARCIA, R.L; LEITE FILHO, A.(Org.). Em defesa da educação infantil. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.p. 29-58. [4] BARRETO, A.M.R.F. A educação infantil no contexto das políticas públicas. Revista Brasileira de Educação, n.24, p.53-65, set./dez. 2003. [5] LIMA, E. A. de. Re-conceitualizando o papel do educador: o ponto de vista da Escola de Vigotski. 2001. Dissertação (Mestrado em Ensino na Educação Brasileira)-Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP, Marília, 2001. [6] KISHIMOTO, T.M. O sentido da profissionalidade para o educador da infância. In: BARBOSA. R. L. L (Org.). Trajetórias e perspectivas da formação de educadores. São Paulo: Editora UNESP, 2004. p. 329-355. [7] CAMPOS, M.M. A formação de profissionais de educação infantil no contexto das reformas educacionais brasileiras. In: FORMOZINHO, J. O. ; KISHIMOTO, T. M. Formação em contexto: uma estratégia de integração. São Paulo: Pioneira Thomsom Learning, 2002. p. 11-23. [8] CERISARA, A. B. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil no contexto das Reformas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 326-345, set. /2002. [9] CRUZ, S.H.V. Reflexões acerca da formação do educador infantil. Cadernos de Pesquisa, n.97, p.79-89, maio 1996. [10] BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília, 1998. 1 v. [11] LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Abordagens qualitativas de pesquisa: a pesquisa etnográfica e o estudo de caso. In: ______ A Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 2004. p. 11-24.

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ENTRE IMPRESSÕES DE ESTUDANTES E PROFESSORES: UM ESTUDO SOBRE O USO DAS TIC NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES NAS UNIVERSIDADES

PÚBLICAS EM SANTA CATARINA

Rafael da Cunha Lara*; Elisa Maria Quartiero Universidade do Estado de Santa Catarina – PPGE/FAED/UDESC

1. Introdução O presente trabalho é decorrente de resultados parciais de uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina. A pesquisa – que está sendo realizada no âmbito das universidades públicas em Santa Catarina, mais especificamente em cursos de licenciatura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) em funcionamento em Florianópolis – tem por objetivo analisar os usos sociais e formativos das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) entre estudantes e professores destes cursos e a importância atribuída para a futura atuação docente. A discussão sobre o emprego ou não de tecnologias digitais na educação é parte de uma discussão maior, que desde a última década do século passado, tem procurado analisar sob diferentes enfoques a questão da presença das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) em vários contextos da vida social, econômica e cultural [1,2,11]. No âmbito da educação, as discussões mais profícuas são como empregar estas tecnologias nos processos educativos, quais os usos postos em prática, ou seja: quais as mudanças e competências que a inserção das TIC está provocando e consolidando entre estudantes e professores dos diferentes níveis de ensino. Os movimentos da sociedade da informação em favor das “inovações tecnológicas” apontam para a necessidade das instituições educacionais acompanharem movimentos de mudança que estão conformando esta sociedade, sob pena de se tornarem obsoletas [3,4,7]. No atual contexto, assumimos a posição de que o desenvolvimento das TIC e sua aplicação nos processos educativos trazem possibilidades de inovação na prática pedagógica e podem contribuir com a qualidade da educação. Entretanto, entendemos que apenas a incorporação das TIC não é suficiente para promover a melhoria desta qualidade. Não se trata apenas de uma questão de promoção de acesso aos recursos tecnológicos disponíveis, mas sim, uma questão de avaliar e saber como empregar tais recursos nas práticas educativas: é necessário avançar pela questão da qualidade de acesso, que envolve as possibilidades da rede social; indagar como os estudantes podem aprender mais e melhor com os usos das TIC. A partir daí, pensar propostas de uso destas ferramentas que permitam instaurar outros processos de aprendizagem, mais coetâneos com o tempo presente e suas necessidades. Nesta perspectiva, esta pesquisa tem a preocupação em trazer à reflexão as seguintes indagações: quais os usos sociais que estudantes e professores de cursos de licenciatura fazem das TIC? Os professores dos cursos de formação inicial utilizam as potencialidades das TIC para a formação de seus alunos? Em caso positivo, como usam? Como o estudante (professor em formação) percebe esse uso das TIC? Este estudante atribui importância ao uso das TIC no seu processo de formação? Existe algum distanciamento entre os discursos presentes em docentes e estudantes sobre o uso das TIC na formação inicial de professores? Como os docentes dos cursos de licenciatura percebem a importância das TIC no processo de formação de professores? De que forma docentes e estudantes estabelecem relações entre o uso social e o uso acadêmico das TIC? Entendendo a importância do professor neste processo e o papel da formação inicial de professores para a vivência de experiências sobre o uso das TIC, trazemos a preocupação de compreender e investigar quais os usos que estudantes e professores dos cursos de licenciatura das universidades públicas de Santa Catarina fazem das TIC, tanto no contexto social quanto no de formação. 2. Método A partir do conceito de investigação postulado por Perrenoud [6] e das quatro hipóteses que caracterizam o paradigma emergente de ciências, segundo Santos [10], desenvolvemos a presente pesquisa de cunho quanti-qualitativo, e que se constitui como um mapeamento dos usos sociais e formativos das TIC, entre estudantes e professores dos cursos de licenciatura presenciais em funcionamento em Florianópolis, nas duas universidades públicas existentes em Santa Catarina: UFSC e UDESC. Dentre os dados passíveis de mensuração que constituem uma investigação [6], encontramos as impressões que, na presente investigação,

* Rafael da Cunha Lara: [email protected]

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se constituem como o posicionamento de estudantes e professores em dados obtidos através de aplicação de questionários específicos para cada grupo, sobre a temática TIC. Em um mapeamento inicial, foram identificados 29 cursos de licenciatura em funcionamento em Florianópolis, que entre as duas universidades, estão segmentados em nove diferentes Centros, de acordo com a área de conhecimento da formação. Na delimitação dos sujeitos de pesquisa utilizou-se como critério:

• a seleção de uma licenciatura por centro, de cada universidade; • a seleção de cursos distintos, no caso da mesma licenciatura ser oferecida por ambas as universidades,

para evitar a incidência de cursos repetidos e ter uma maior representatividade de diferentes áreas de formação de professores;

• a definição de que os estudantes participantes da pesquisa seriam aqueles das fases finais de cada curso e que, portanto, teriam melhores condições de avaliar todas as fases de cada curso. Aplicados os critérios de delimitação, oito cursos foram selecionados para integrar a pesquisa, o que representa aproximadamente 30% do total de estudantes matriculados na última fase de cursos presenciais de licenciatura oferecidos em Florianópolis, pela UFSC e pela UDESC.

Para a obtenção dos dados, serão observados os seguintes procedimentos: 1) questionário com perguntas abertas e fechadas, dirigido aos estudantes da turma do último semestre dos cursos de licenciatura selecionados: Itens orientadores para a construção do questionário dirigido ao estudante: identificação dos usos sociais que fazem das TIC; identificação dos usos acadêmicos das TIC; identificação da importância que atribuem às TIC para seu processo de formação acadêmica; identificação da importância que atribuem ao uso das TIC nos processos educativos e perspectivas de seu uso em sua futura atuação docente. 2) Questionário com perguntas fechadas e abertas, aplicado individualmente a 30% dos professores dos cursos selecionados: Itens orientadores para a construção do questionário: identificação dos usos sociais e acadêmicos que fazem das TIC; identificação da importância que atribuem às TIC para o processo de formação de seus alunos; identificação da importância que atribuem ao uso das TIC feito por seus alunos para sua futura atuação docente. 3) Tratamento dos dados: análise quantitativa (software SPSS) e qualitativa (software QSR N VIVO). 3. Resultados e Discussão Até o momento, o mapeamento dos usos formativos e sociais das TIC entre os estudantes dos cursos de Licenciatura revelam que ainda há um distanciamento da temática “tecnologia” em relação à formação acadêmica. Apesar de a grande maioria dos estudantes que participaram da pesquisa disporem de acesso à internet e se considerarem usuários avançados ou especialistas em computador e internet, é possível constatar indicadores que demonstram uma certa limitação quanto a aprendizagens e usos na formação inicial de professores, diferentes dos usos sociais que estes estudantes fazem dessas tecnologias. A questão do acesso às TIC não parece ser problema entre estes estudantes, uma vez que 92% deles possuem computadores em casa e 88% possuem acesso residencial à internet. Além disso, 92% dos estudantes também afirmam ter acesso à internet e computadores na universidade – dados semelhantes aos obtidos entre os professores dos cursos de licenciatura, cujo acesso residencial à internet chega à casa dos 100%. Quanto aos conhecimentos sobre as TIC, 80% dos estudantes considera-se um usuário “especialista” em computador e internet. Já 16% consideram-se usuários iniciantes. Entre os professores, não há registros de usuários iniciantes. É interessante notar que 68% dos estudantes consideram que aprenderam sozinhos a utilizar a internet e o computador e 40% também consideram que amigos foram responsáveis pela sua aprendizagem. Em contrapartida, a universidade, de um modo geral, em nada ou quase nada contribui para a aprendizagem sobre usos das TIC na opinião dos estudantes, sobretudo entre aqueles que se consideram usuários iniciantes de computadores e internet. Mas, mesmo entre os usuários que se consideram especialistas ou usuários avançados, a universidade tem contribuído pouco para a aprendizagem sobre o uso das TIC: cerca de 83% destes alunos afirmam que aprenderam pouco ou nada com seus professores e 94% afirmam que aprenderam pouco ou nada sobre TIC em disciplinas sobre tecnologia. Estes dados estão de acordo com outra informação, a de que 76% dos estudantes não tiveram em sua formação acadêmica na licenciatura disciplinas relacionadas à temática Tecnologia e Educação. Consideramos este dado preocupante, sobretudo se analisarmos que as políticas públicas postas em ação e expressas no discurso governamental nos últimos 15 anos, tem procurado dotar as escolas públicas com artefatos tecnológicos e promover formações de professores – inicial e continuada – que oportunizem a inserção das tecnologias no trabalho docente. Esta questão nos interessa, pois a revisão bibliográfica aponta

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que as tecnologias digitais estão presentes e vêm sendo utilizadas nas escolas, mas em menor intensidade do que em outros espaços da vida social, principalmente dos estudantes [3,5,8,9]. Os autores, em geral associam este fato ao distanciamento entre o estudante “nativo digital” e os professores “imigrantes digitais”; e em parte porque a instituição escolar não consegue visualizar as potencialidades do uso das TIC para o processo pedagógico. Consideram que a formação de professores, tanto inicial como continuada, necessita contemplar experiências de uso destas ferramentas para haver sua incorporação nos processos de ensino e de aprendizagem. Concordamos com estas premissas, que vai ao encontro da opinião dos estudantes, pois a pesquisa revela que 66% dos estudantes consideram muito importante para sua formação acadêmica uma disciplina com a temática educação e tecnologia. E, ainda, 68% dos estudantes consideram que vivenciar o uso das TIC durante a formação inicial será útil para suas futuras atuações como professores. Ainda que não possamos atribuir às universidades a responsabilidade integral para ensinar aos seus estudantes os usos das TIC, devemos pensar na formação inicial de professores como em consonância com as políticas governamentais de inserção das tecnologias nas escolas, onde por exemplo, o MEC determina a utilização da plataforma Linux (o Linux Educacional é a plataforma “oficial” que o MEC está implantando nas escolas públicas através dos seus maiores projetos educacionais, como o PROINFO e o UCA), que 68% dos estudantes afirmam nunca terem utilizado em seu curso de formação inicial de professores, e que de outro modo revela uma dicotomia entre as políticas educacionais para formação de professores e para inserção das tecnologias nas escolas. Esse dado também está de acordo com as respostas obtidas entre os professores dos cursos de licenciatura, onde quase que a totalidade afirma ter um conhecimento muito baixo sobre a plataforma Linux e afirmam nunca utilizar essa plataforma em suas aulas. Finalmente, postulamos que as possibilidades de uso das TIC permitem uma maior incorporação destes usos em outras práticas cotidianas dos indivíduos. Este dado é confirmado através do repertório de usos das TIC, tanto entre estudantes quanto entre professores dos cursos de licenciatura pesquisados: quanto maior o acesso, maior é o conhecimento sobre as aplicações técnicas das TIC, e conseqüentemente, maior é o número de fins para que as TIC são utilizadas. Entretanto, percebemos que este repertório é mais variado em contextos sociais. No âmbito acadêmico ele ainda é bastante limitado, pois apesar das várias opções tecnológicas existentes com possibilidade de aplicação nos processos educativos (ferramentas multimidiáticas, de aprendizagem colaborativa e ambientes virtuais de aprendizagem, por exemplo), no âmbito da formação inicial de professores a maior incidência de usos das TIC recaem quase que exclusivamente para a digitação de trabalhos, criação de apresentações e pesquisas de trabalhos na internet. 4. Conclusão Até aqui, temos constatado, através dos dados obtidos entre estudantes e professores dos cursos de licenciatura, que a formação inicial de professores mantém um certo distanciamento dos programas governamentais postos em funcionamento das escolas. É necessário repensar até que ponto as políticas educacionais do MEC para inserção de artefatos tecnológicos demandam as universidades para a formação inicial de professores que atuarão nestas escolas, pois temos assistido uma forte política para inserção das tecnologias nas escolas, mas não com a mesma intensidade para os programas de formação inicial de professores. A falta de diretrizes do MEC para a formação inicial de professores tem deixado a cargo das universidades esta formação, nem sempre em sintonia com outras políticas governamentais concebidas e implantadas nas escolas. Prova disso é a ausência, na formação inicial dos cursos que fazem parte da pesquisa, de vivência dos usos das tecnologias no contexto acadêmico que possam reverter em usos pelos futuros-professores nas escolas. Desde o uso instrumental de softwares livres, como a plataforma Linux Educacional, até a exploração das potencialidades das TIC, como o uso dos recursos colaborativos da Web 2.0 e das redes sociais, já utilizados por estudantes e professores em contextos sociais, mas não com a mesma intensidade no âmbito formativo da profissão. Faz-se necessário, ainda, contemplar a própria questão dos conhecimentos e usos das TIC dos professores que atuam nos cursos de licenciatura e, portanto, formadores de professores. Isto porque há indicadores evidenciados na pesquisa de que o conhecimento sobre as TIC está relacionado à faixa etária dos usuários: usuários mais jovens incorporam em suas práticas cotidianas um repertório e uma freqüência maior de usos das tecnologias do que usuários mais velhos. Sabidamente, os professores que atuam nos cursos de licenciatura fazem parte de uma geração denominada “imigrantes digitais”, que incorporam as TIC em suas vidas de uma outra forma, diferente das gerações posteriores que atualmente estão na universidade, inclusive nos cursos de licenciatura. Suas práticas e seus usos no âmbito educativo dependem dos conhecimentos e usos que fazem em outros contextos da vida e, conseqüentemente, podem influenciar de que modo e com que freqüência as TIC podem se fazer presentes nos cursos de formação de professores.

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Além disso, entendemos ser importante a continuidade de pesquisas sobre os usos das TIC na formação inicial de professores, sobretudo em virtude do constante desenvolvimento tecnológico das sociedades e da chegada, aos cursos de formação de professores, de novas gerações de estudantes “nativos digitais”, que lidam de outra forma com as tecnologias digitais e que, uma vez incorporada de modo significativo nas práticas educativas, podem trazer avanços na qualidade da educação. Referências [1] BRUNNER, J. J. Formación Docente y las Tecnologías de Información e Comunicación. Disponível em http://mt.educarchile.cl/mt/jjbrunner/archives/orealc_prof%26tic.pdf. Acessado em 25/03/2010. [2] CASTELLS, M. A Sociedade em rede – A era da informação: economia, sociedade e cultura. Vol I. São Paulo: Paz e Terra, 1999. [3] FRANCO, M. A., SAMPAIO, C. S. Linguagens, Comunicação e Cibercultura: novas formas de produção do saber. Disponível em http://www.ccuec.unicamp.br/revista/infotec/educacao/educacao5-1.html. Acessado em 22/02/2010. [4] LÉVY, P. Inteligencia colectiva: por una antropología del ciberespacio. Disponível em http://inteligenciacolectiva.bvsalud.org. Acessado em 27/10/2009. [5] MARTINS, C. A., GIRAFFA, L. M. M (2008). Formação do docente imigrante digital para atuar com nativos digitais do Ensino Fundamental. Disponível em http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/132_220.pdf. Acessado em 08/03/2010. [6] PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa, Portugal: Publicações Dom Quixote, 1999. [7] PINTO, M. R. D. Escola e Linguagens Contemporâneas: um desafio. Rio de Janeiro. mimeo. 1996. [8] SANCHO, J. M. (org.). Para uma Tecnologia Educacional. Porto Alegre, Artes Médicas, 1998. [9] SANCHO, J. M.; Hernández, F. (Org.). Tecnologias para Transformar a Educação. Porto Alegre: Artmed, 2006. [10] SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. Porto, Portugal: Afrontamento, 1999. [11] TAPSCOTT, D.; WILLIAMS, A. D. Wikinomics: a nova economia das multidões inteligentes. Lisboa: Quidnovi, 2008.

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ESCOLA E JOVENS PRIVADOS DE LIBERDADE: DESVENDANDO SENTIDOS

Morgana Bozza1*; Orientadora Nilda Stecanela2

1 Universidade de Caxias do Sul 2 Universidade de Caxias do Sul

1. Introdução O projeto de pesquisa “Escola e jovens privados de liberdade: desvendando sentidos”, é um desdobramento do projeto “Escola de Borracha: um estudo sobre processos educativos e identitários de jovens em privação de liberdade”. Tendo a pesquisa de opinião como metodologia, foram entrevistados 50 jovens privados de liberdade. O trabalho de campo foi realizado numa instituição socioeducativa, através de entrevistas com questionários estruturados, contendo questões abertas e fechadas, aplicados pelo pesquisador, buscando levantar as representações dos entrevistados sobre uma escola inserida. Assim, o objetivo da pesquisa procurou investigar quais os sentidos que esses jovens atribuem à escola que participam quando estão no espaço do confinamento, relacionando-os às significâncias atribuídas a mesma. A pesquisa acontece num contexto de exercício de direitos, considerando que, segundo a Constituição Federal de 1988, todos possuem o direito à educação. Com os jovens em conflito com a lei não é diferente, antes pelo contrário, torna-se uma exigência e uma recomendação. Durante o espaço e tempo que permanecem assistidos pelo Estado, a participação das atividades da escola inserida é uma obrigatoriedade, fazendo emergir a pergunta: a presença na escola é devida ao interesse próprio ou é uma imposição? Embora a pesquisa encontre-se em andamento, é possível antecipar que a grande maioria tem predisposição positiva para estar na escola. A análise dos dados busca apoio nas produções dos seguintes pesquisadores: Stecanela, Dayrell, Abrantes, Agliardi, Onofre e outros. 2. Método A metodologia utilizada nesse estudo é uma aproximação da metodologia utilizada no curso de extensão “Escola e pesquisa um encontro possível”, organizado pelo Instituto Paulo Montenegro. Os dados foram construídos com base na pesquisa de opinião, através de questionários aplicados pelo próprio pesquisador, contendo perguntas abertas e fechadas. A população-alvo da pesquisa é constituída por 50 jovens privados de liberdade e dispostos a colaborar com a pesquisa a partir de um convite informal, totalizando cem por cento dos jovens internos nos meses de junho e julho de 2010, portanto, uma amostra representativa. As entrevistas aconteceram no primeiro semestre de 2010 e produziram muitos relatos escritos e orais sobre representações dos jovens em relação à escola inserida numa instituição de caráter socioeducativo. O objetivo da pesquisa é: investigar quais os sentidos que esses jovens atribuem à escola que participam quando estão no espaço do confinamento, relacionando-os às significâncias atribuídas a mesma. A pesquisa situa-se no campo dos estudos sobre o sistema prisional e depara-se com algumas dificuldades, pois a mobilidade interna da instituição é muito frequente (entradas, saídas, isolamentos, externas, fugas, etc.). Além desse obstáculo, a pesquisa está exposta também ao fato dos jovens em conflito com a lei nem sempre responderem às perguntas propostas, pois podem vestir uma “roupagem” na entrevista, como forma de se protegerem, com receio do controle e dos efeitos que suas palavras poderão assumir na relação com o delito. Em muitos casos, “assumem posturas e discursos que dele se esperam, driblando valores e normas, usando máscaras, resistindo silenciosamente”. (ONOFRE [2.], p. 18) Pesquisar sobre esse tema, além de precisar ultrapassar e superar barreiras, como o medo do espaço institucional, necessita um olhar atento do pesquisador para perceber que o espaço influencia na maneira de ser e agir de cada um, pois cada jovem atribui sentido(s) próprios à escola e à experiência na privação da liberdade. 3. Resultados e Discussão Na visão histórica a educação sempre esteve presente, seja de maneiras e formas diferentes, ou até mesmo com objetivos específicos, buscando suprir as necessidades requeridas nas diferentes épocas e pelas diferentes sociedades. A educação de jovens privados de liberdade também possui um objetivo: a ressocialização e a humanização, buscando re(inserir) os jovens na sociedade. No momento que se encontram assistidos pelo Estado, os jovens permanecem privados de liberdade em um centro de atendimento socioeducativo. Durante seu dia, poucas são as atividades desenvolvidas por eles, sendo que a escola é a principal atividade que permite a saída do espaço do “brete” (quarto). * [email protected]

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Durante os tempos e espaços que permanecem assistidos pelo Estado, os jovens têm o dever de frequentar à escola, logo, a escola torna-se uma exigência e uma recomendação. Diante desses apontamentos, alguns questionamentos surgem: Em que medida os jovens participam das atividades da escola inserida no Centro de Atendimento Socioeducativo CASE por interesse ou imposição? Frequentar a escola é uma escolha ou uma alternativa para não ficar no “brete”? Para estes jovens a escola assume diferentes papéis e sentidos, pois a privação de liberdade torna-se um meio de vigilância e punição, implicando de modo direto na representação da escola para esses jovens. A educação permite que o jovem reflita sobre seu passado, percebendo-se como um participante da mudança, e atribua à liberdade um outro valor. Pode-se afirmar que os jovens privados de liberdade acreditam na escola, pois se não houvesse interessados na mesma, essas instituições não existiriam. A escola inserida é um espaço diferente dos demais espaços da instituição, pois a ela são atribuídos diferentes sentidos. Segundo Onofre [2.], vários são os sentidos atribuído à escola, sendo algo próprio de cada entrevistado: para alguns a escola se limita a apenas uma forma de ocupar o tempo e a mente com “coisas boas”, para outras é uma forma de melhorarem suas vidas quanto estiverem em liberdade, para outros pode se resumir a uma possibilidade de sair de seus “bretes” e, também, há aqueles que não acreditam e/ou não percebem o valor da escola em suas vidas. Outros sentem esse momento de suas vidas como um tempo perdido, destruído ou tirado, gerando assim um motivo para sua frequência à escola. Outros sentidos e/ou motivos podem ser atribuídos à escola inserida como: o desejo de aprender; forma de criar uma imagem positiva que será incluída em seu parecer criminológico; maneira de atender as regras da instituição; desejo por adquirir alguns benefícios extras dentro da instituição; forma de manter-se atualizado, pois os professores da escola trazem notícias do “mundo” externo; no espaço da sala de aula tem a possibilidade de conversar com os colegas, pois nos demais períodos do dia permanecem isolados dos demais jovens; forma de aprender a ler e escrever para acompanhar seu processo ou ainda auxiliar na procura de emprego quando em liberdade. Muitos jovens percebem a escola como um forte aliado ao futuro profissional, acreditam que a educação é um degrau positivo na busca de um trabalho futuro. Segundo Dayrell [1.], o trabalho está em seus planos de futuro, sendo a escolarização uma forma de garantir um lugar no mercado de trabalho. Assim, “quaisquer que sejam os papéis possíveis apontados para a escola – preencher o tempo, distrair a mente, sair das celas, conquistar benefícios jurídicos, aprender a ler, escrever e fazer contas, ser aprovado nas provas -, ela é percebida pelos alunos como algo positivo dentro da penitenciária”. (ONOFRE, [2.], p. 25) Os sujeitos entrevistados neste estudo vão além do que os olhos podem ver. As narrativas que criam de si, giram em torno de quem foram, quem são e quem querem ser, misturando passado, presente e futuro, onde diversas afirmações, negações e projeções podem se misturar. As narrativas apontam planos, sonhos, reflexões, porém, em diversos momentos a questão de assumirem seus atos também se faz presente, demonstrando assim um grande espaço entre o querer fazer algo e o que fazem no momento, não passando de desejo. Os jovens admitem e percebem que poderiam ter escolhido caminhos diferentes para suas vidas. A pergunta que não cala é: eles têm escolha? 4. Conclusão Embora a pesquisa encontre-se em andamento, é possível antecipar que a grande maioria dos jovens têm predisposição positiva para estar na escola, e mesmo sendo obrigatório frequentar a mesma, muitos deles admitem que não participam das atividades apenas por este motivo, mas sim por um sentido maior e de acordo com a forma de ver e pensar sua vida. Referências 1.DAYRELL, Juarez. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização. Acessado em 10-04-2010 http://www.espm.br/ConhecaAESPM/CAEPM/nucleodeestudosdajuventude/Documents/Banco %20de%20Dados%20Jovens/10.%20SOCIOLOGIA%20DA %20JUVENTUDE/10.17.%20juventude%20socializa%C3%A7%C3%A3o.pdf 2.ONOFRE, Elenice Maria Cammarosano (org). Educação Escolar entre as grade. 1. ed. São Carlos: Edufsc, 2007. Agradecimentos CNPq e UCS

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FERRAMENTAS COGNITIVAS E PLANEJAMENTO CURRICULAR INTEGRADO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS.

Juliane Nacari Magalhães*; Elisa Maria Quartiero

Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina 1. Introdução Neste trabalho discutimos resultados parciais da pesquisa que investiga os limites e as possibilidades teórico-metodológicas da ferramenta cognitiva “mapa conceitual” como apoio à construção de currículos integrados para cursos de licenciatura em ensino das ciências. Nos últimos anos houve, especialmente no Brasil, uma crescente popularização do uso de mapas conceituais em diferentes atividades educacionais, sobretudo, na estruturação de currículos de cursos em diferentes níveis educacionais. Seu uso está relacionado, em muitos casos, à aposta que esta ferramenta cognitiva pode auxiliar no rompimento de fronteiras disciplinares, na superação da fragmentação do conhecimento presente em muitas propostas curriculares ditas lineares e disciplinares e na construção de currículos integrados, com uma maior interconexão entre os saberes. Apesar de uma crescente popularização do uso de mapas conceituais para trabalhar currículos, as discussões quanto às implicações curriculares, no Brasil e, mais especificamente, na área de educação, ainda são escassas. O que parece confirmar a hipótese que o uso da ferramenta cognitiva “mapa conceitual” na organização de currículos vem sendo empregada muito mais pelas suas características técnicas do que pelas suas possibilidades de discussão de princípios e teorias curriculares, isto é, o uso abrange mais os seus aspectos instrumentais. Nesta pesquisa analisamos o planejamento e o desenvolvimento da proposta curricular do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza oferecido pelo Instituto Federal de Santa Catarina/IF-SC, Habilitação em Química (Campi São José) e em Física (Campi Araranguá), desde 2008, que utilizou a ferramenta cognitiva “mapa conceitual” no processo de construção do seu planejamento curricular. 2. Método A pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso múltiplo de tipo descritivo. A definição prendeu-se ao fato de a investigação envolver dois cursos, geograficamente separados, com habilitações diferentes, mas dentro da mesma instituição, construídos conjuntamente e que aqui são pesquisados a partir da mesma matriz de análise. Os instrumentos de pesquisa são a entrevista (professores dos Cursos) e o questionário (dirigido aos alunos dos Cursos). Realizamos, também, análise documental (projeto pedagógico dos Cursos) e a observação participante (formações dos professores e avaliação dos Cursos). Os instrumentos foram utilizados para: a) identificar a percepção dos professores sobre o processo de construção do planejamento curricular para a aprendizagem das ciências com o apoio da ferramenta cognitiva “mapa conceitual”; b) identificar a percepção dos estudantes sobre a organização curricular e a importância que atribuem para a sua aprendizagem e formação; c) analisar os limites e as possibilidades da utilização dos mapas conceituais para os processos de aprendizagem dos futuros professores. 3. Resultados e Discussão A necessidade de integrar disciplinas e de contextualizar conteúdos é importante e possivelmente um consenso entre professores e pesquisadores da área de currículo. O termo currículo integrado está cada vez mais presente nos documentos oficiais e no discurso emitido pelos que atuam e pesquisam no campo educacional. Santomé [1] explica que a denominação “currículo integrado” tem sido utilizada na tentativa de contemplar uma compreensão global do conhecimento e de promover maiores parcelas de interdisciplinaridade na sua construção. A integração ressaltaria a unidade entre as diferentes disciplinas. Na busca por uma maior integração entre os saberes, estudos e experiências apontam que o uso da ferramenta cognitiva “mapa conceitual” pode contribuir no processo de elaboração de currículos integrados, principalmente porque a ferramenta permite a visualização dos quadros de conceitos e conhecimentos que as pessoas possuem e estão desenvolvendo ao longo do processo, permitindo ao utilizador visualizar a imbricação e a relação entre os conceitos, a sua apropriação e consequentemente, a construção de conhecimentos. A sua utilização coletiva na elaboração de currículos tende a possibilitar a

* Juliane Nacari Magalhães: [email protected]

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multidisciplinariedade, um nível inferior de integração, mas a primeira fase de constituição de equipes de trabalho interdisciplinar. A ferramenta cognitiva “mapa conceitual” foi desenvolvida em 1972 dentro de um programa de investigação que desenvolvia um estudo longitudinal de 12 anos sobre a aprendizagem das ciências, coordenado por Joseph D. Novak na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Durante a década de 70, este programa debateu-se com o problema de como realizar os registros daquilo que as crianças sabiam acerca de um campo de conhecimento, antes e depois da instrução. Depois de várias tentativas (entrevistas estruturadas, transcrições de entrevistas) de organizar as palavras e proposições conceituais, o grupo de investigadores desenvolveu o conceito de mapa conceitual. Segundo eles, os mapas conceituais eram uma boa maneira de organizar o conhecimento para a instrução e para encontrar conceitos e princípios-chave nas conferências, leituras ou outros materiais instrutivos. Além disso, constataram que à medida que os alunos adquiriam capacidades e experiência com a construção de mapas conceituais começavam a tornar-se melhores na aprendizagem significativa e descobriam que podiam reduzir ou eliminar a necessidade de aprendizagem por memorização. Elaborados por meio de aplicações informáticas os mapas conceituais apresentam-se como “ferramentas cognitivas”. Jonassen [2] define ferramentas cognitivas como “ferramentas de representação do conhecimento que utilizam programas de aplicação informática, tais como redes semânticas (mapas conceituais em computador)”. Embora sua definição esteja centrada nos computadores, estes não são implicitamente ferramentas cognitivas. O autor destaca que “ferramenta cognitiva” é um conceito, representa uma abordagem construtivista da utilização dos computadores, ou de qualquer outra tecnologia, ambiente ou atividade que estimule os alunos na reflexão, manipulação e representação sobre o que sabem, ao invés de reproduzirem o que alguém lhes diz. A construção de “mapas conceituais” independe do uso de computadores, pois podem ser construídos em papel, à mão, usando artefatos simples como papel e lápis. Contudo, na atualidade, há uma variedade de softwares que permitem uma boa produção de mapas conceituais, agregando as facilidades da multimídia e da exploração hipertextual e em rede. Os dados da pesquisa apresentados e discutidos a seguir foram recolhidos em dois momentos: participação e observação dos trabalhos desenvolvidos durante dois seminários de formação oferecidos aos professores dos Cursos em análise; questionário aplicado aos alunos da primeira e segunda turma do Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza do campi de São José – Habilitação em Química (Caso A). Do total de 21 alunos, 17 responderam o questionário. Entre estes, 10 são do sexo feminino e sete do sexo masculino; o maior número de alunos incide na faixa de idade entre os 18 e os 30 anos. Quanto à formação na Educação Básica, 14 alunos, realizaram cursos não-profissionalizantes, dois realizaram curso profissionalizante e apenas um cursou a habilitação de magistério. Entre o grupo, nove realizaram seu percurso escolar em escolas públicas e oito deles realizaram seus estudos parte em escola pública e parte em escola particular. Em relação à área de atuação profissional, quatro alunos afirmam atuar no magistério e 13 que não atuam. Entre estes, nove trabalham em área distinta da educação e quatro declararam que não trabalham. Para sete estudantes este não é o primeiro curso de nível superior que cursam. Quando perguntamos como tinham obtido a informação sobre a realização do Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza, oito estudantes responderam que foi por informações colocadas no site do IF/SC, ou seja, pela internet. Outros nove estudantes declararam que foi por intermédio de amigos. Quanto aos motivos que os levaram a ingressar no Curso, seis afirmam que optaram pelo Curso por gostarem da área de formação, a Química. O desejo de ser professor está presente na resposta de cinco estudantes e os outros seis dividem-se entre a busca por formação profissional e a necessidade de um diploma de nível superior. As respostas evidenciam que a maior parte dos estudantes já teve experiência/contato com a ferramenta cognitiva “mapa conceitual”: 11 estudantes responderam afirmativamente e apenas seis que nunca tinham realizado qualquer atividade com mapas conceituais. Constatamos que entre os estudantes que realizaram atividades com a ferramenta, a maioria considerou a construção de mapas conceituais muito útil para sua aprendizagem. A tabela abaixo trás as respostas dos estudantes sobre os indicadores de aprendizagem potencializados pelo uso/construção de mapas conceituais.

Tab. 1 Resultado das percepções dos estudantes sobre a/as experiência/as que tiveram ao utilizar a

ferramenta cognitiva “mapa conceitual”.

Muito Pouco Às vezes Quase sempre Sempre Ajudou a entender melhor o conteúdo da disciplina 1 5 5 0

Aprendi a realizar sínteses de conteúdo 3 2 6 0 Aprendi a organizar conceitos e ideias 1 3 6 1

Constatei vínculos entre os conteúdos das disciplinas 2 6 3 0 Melhorou o processo de avaliação 1 3 6 1

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De uma maneira geral, os mapas conceituais costumam ajudar na estruturação/organização de novas informações e conceitos, na realização de sínteses e no processo de avaliação. Novak e Gowin apud Ontoria [3] defendem que para motivar os estudantes no sentido que utilizem uma maior parte do seu potencial humano, há de se diversificar a gama de técnicas de avaliação, com o objetivo de que percebam a verdadeira capacidade que possuem para dar sentido aos fatos e objetos que constituem a sua experiência do mundo. Como vimos nas respostas dos sujeitos da pesquisa, os mapas conceituais contribuem para o processo de avaliação dos estudantes, configurando-se como uma técnica de avaliação de caráter processual e contínuo. Com relação à dificuldade enfrentada ao utilizar a ferramenta “mapa conceitual”, as respostas foram distintas: falta de tempo para aprimorar as ideias e melhorar a apresentação; dificuldade no início do uso e pouco treinamento; aprender a lidar com a ferramenta e com o programa (Cmap Tools), usar palavras-chave para cada expressão e como organizar as ideias. Quando perguntamos se era possível e desejável aplicar a experiência – uso dos mapas conceituais – com seus futuros alunos na escola de Educação Básica, 11 estudantes demonstraram-se favoráveis a este uso e apresentaram as razões da sua escolha: pela possibilidade do uso da tecnologia, a organização dos pensamentos que a construção do mapa conceitual possibilita, por acreditarem que faria com que seus alunos se sentissem mais atraídos pela disciplina; demonstrar como interpretar informações. No contexto do ensino de Ciências há uma crítica aquele currículo considerado linear que se caracteriza por estar centrado em conteúdos considerados imutáveis, selecionados de forma acrítica, muitas vezes com base em livros didáticos de baixa qualidade. Esse modelo linear de currículo originou-se do modelo epistemológico positivista que se consolidou no pensamento ocidental, desde o século XVIII. A disciplina, a norma, a hierarquia e sequência são noções deste modelo de currículo. Entretanto, nos tempos atuais, com vistas a superar tal visão e modelo de currículo há experiências de planejamentos curriculares integrados realizadas com o intuito de promover a (re) integração entre os saberes. Como foi apresentado, os professores do Curso em análise tentaram avançar e romper com a excessiva disciplinaridade organizando uma proposta curricular que consideram “integrada”, por meio de um desenho curricular diferenciado, possibilitado pelo uso da ferramenta cognitiva “mapa conceitual” na organização dos conceitos centrais das disciplinas do Curso e a definição de duas grandes áreas do conhecimento que articulou as disciplinas entre as fases do Curso. No intuito de investigar a proposta em ação, perguntamos aos 17 estudantes o seu grau de concordância sobre afirmações que nomeavam a proposta e questionavam e reafirmavam sua integração.

Com relação à primeira afirmação: O currículo do curso é integrado, 10 estudantes não concordaram, sendo que seis discordaram veementemente. Na segunda afirmação: os professores procuram trabalhar suas disciplinas de maneira integrada, novamente tivemos 10 estudantes que não concordaram. Quatro estudantes não quiseram se pronunciar sobre a afirmação assinalando o item “indiferente”. Para esta afirmação apenas três estudantes consideraram que os professores trabalham de forma integrada no Curso. Quanto à terceira afirmação: a integração do currículo é por meio de temáticas comuns às disciplinas do semestre, sete estudantes não opinaram sobre a afirmação, seis estudantes concordaram e apenas quatro não concordaram. Conforme o Projeto Pedagógico do Curso do campi de São José (Caso A) o eixo condutor do curso concebe o professor como “sujeito de reflexão e pesquisa e o eixo de formação tem a pesquisa como princípio educativo. O “eixo condutor” da formação (Professor: sujeito de reflexão e pesquisa) é dividido em três “momentos temáticos”: problematizar o existente, possibilidade de transformação e intervenção da realidade. Diante dos dados apontados é possível verificar que na percepção dos quatro alunos que não concordam com a afirmação e com os outros sete que assinalaram indiferente os momentos temáticos propostos tendem a passar despercebidos pelos estudantes.

Com relação à quarta afirmação: o currículo integrado faz com que os estudantes Curso aprendam melhor, nove estudantes concordaram com a afirmação, sendo que um concordou veementemente. Sete estudantes abstiveram-se de dar informações assinalando “indiferente” e apenas um estudante não concordou com a afirmação. Ou seja, para um número expressivo de estudantes a proposta de currículo integrado facilita a aprendizagem no curso. Quanto à quinta afirmação: A experiência de trabalho integrado neste curso vai fazer com que os futuros professores trabalhem de forma integrada nas suas escolas, três estudantes não concordaram com a afirmação, sendo que um não concordou veementemente, cinco não opinaram assinalando “indiferente” e nove estudantes concordaram. Segundo as Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores, espera-se que ao final do curso os alunos tenham constituído o seguinte perfil: capacidade de inserção a e atuação crítica na realidade social, domínio de abordagens científicas sobre o conhecimento produzido na área e capacidade de atuar interdisciplinarmente. Foi em conformidade com as Diretrizes Nacionais que o currículo do curso foi pensado e construído, por isso se busca fazer com que os estudantes

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alcancem ao final do curso a capacidade de atuar interdisciplinarmente. O fato de cinco estudantes assinalarem “indiferente”, dois não concordarem e um não concordar veementemente pode ter se dado pelo curto período de vivência no Curso, cerca de um ano e um ano e meio. Acreditamos que ao final do Curso essas percepções podem ser modificadas. Na sexta afirmação: a aprendizagem no curso é totalmente disciplinar, seis alunos concordaram com a afirmação, sendo que um concorda veementemente, sete estudantes abstiveram-se de dar informações, assinalando “indiferente” e apenas quatro estudantes não concordaram com a afirmação. O peso da lógica disciplinar ainda é predominante e faz com que os conhecimentos se centrem na maneira de ensinar os conteúdos tal como são selecionados na própria matéria, percebemos que organiza-los de forma integrada ainda é um desafio. Em relação à sétima afirmação: os professores do Curso não conseguem trabalhar o currículo do curso de forma integrada, três estudantes não concordaram, sendo que um não concordou veementemente, nove alunos afirmaram que os professores não trabalham de forma integrada e apenas quatro não opinaram, assinalando a opção “indiferente”, Com estes resultados percebemos que no currículo em ação, a integração ocorre com dificuldades. Quanto à oitava afirmação: os professores do Curso trabalham suas disciplinas isoladamente, cinco estudantes abstiveram-se, assinalando a opção “indiferente” e oito estudantes concordaram com a afirmação. O que comprova os dados obtidos anteriormente, que por haver dificuldade de integração os professores acabam trabalhando suas disciplinas isoladamente. Com relação à última afirmação: para atuar no ensino de ciências a integração dos conhecimentos é essencial, 15 estudantes concordaram com a afirmação, sendo que cinco concordaram veementemente e apenas dois alunos não opinaram. Ou seja, mesmo percebendo as limitações de uma proposta integrada, os estudantes afirmam ser este um dos melhores caminhos na prática pedagógica. 4. Conclusão O que se pode constatar até o momento deste estudo, com base nas participações nos seminários de formação organizados pelo Curso e as respostas do questionário aplicado aos estudantes, é que no “currículo em ação”, na percepção de professores e alunos, é muito mais difícil operacionalizar esta “integração” prevista na proposta inicial ou mesmo poder visualizá-la. A ferramenta cognitiva “mapa conceitual” vem sendo empregada muito mais pelas suas características técnicas do que pela sua possibilidade organizadora de conteúdos e de auxiliar no processo de avaliação dos alunos. No entanto, constatamos entre os professores a preocupação em tornar viável a proposta curricular organizada e pensada como “integrada”, o que se evidencia no processo de formação continua em que a avaliação e o (re) planejamento do Curso é uma constante. As respostas dos questionários confirmam que a organização curricular pensada por temáticas integradoras nem sempre é suficiente para mudar práticas consolidadas entre os professores, formados muitas vezes em cursos com currículos lineares, com pouca ou nenhuma integração entre os saberes. Com relação ao uso de mapas conceituais, um número expressivo de estudantes realizou atividade/experiência com esta ferramenta cognitiva. Destes, a maioria assinalou benefícios no uso de mapas conceituais, principalmente porque a experiência ajudou a organizar as ideias e melhorou o processo de avaliação. Foi interessante constatar que para um número significativo de estudantes é possível e desejável aplicar a experiência – uso da ferramenta mapas conceituais – junto aos seus futuros alunos na escola de educação básica, o que demonstra a aposta que os mapas conceituais possam ajudar os futuros professores, quer para organizar um trabalho diário de planejamento, quer para trabalhar de forma diversificada com seus alunos. 5. Referências [1]SANTOME, J. T Globalização e Interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre. ArtMed, 1998. [2]JONASSEN, H. Computadores, Ferramentas cognitivas. Desenvolver o pensamento crítico na escola. Porto, Portugal; Porto Editora, 2000. [3]ONTORIA. A et al. Mapas Conceituais: uma técnica para aprender. 3 ed., Porto: ASA, 2003.

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LABORATÓRIO DE AUDIOVISUAL NA ESCOLA

Raquel Guerra* Laédio Martins

UDESC

1. INTRODUÇÃO Este artigo discorre sobre a importância do desenvolvimento de laboratórios de audiovisual na escola. O objetivo é a construção de conhecimentos e habilidades técnicas que cotejam/tangenciam a linguagem do audiovisual através do uso e manuseio de produtos eletrônicos e midiáticos de uso comum, tais como câmeras de fotografia, vídeo e celulares. Os produtos criados podem ser inseridos em ferramentas de mídia, disponíveis na internet, como o Youtube, por exemplo. Contudo, princípios e valores éticos devem ser considerados nesse procedimento, uma vez que a intenção educacional não é a mera instrução, mas a reflexão e crítica sobre a linguagem. É inegável que os equipamentos eletrônicos atuais são ferramentas pedagógicas poderosas, os alunos em geral conhecem e dominam o manuseio do instrumental. A questão – problema reside no fato de que a mídia articula, cada vez mais, mecanismos de educação cultural, que nem sempre estão aliados a ética e crítica social. Portanto, os laboratórios de audiovisual no contexto escolar oportunizam um trabalho de orientação e reflexão na criação e utilização destes recursos de mídia e linguagem. 2. A ESCOLA E A CULTURA AUDIOVISUAL Nossa cultura está ancorada sobre a comunicação audiovisual e, segundo Vânia Carneiro, pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, “aprender a ler e a criticar o que se consome é fundamento para saber como lidar autonomamente com a cultura audiovisual.” (CARNEIRO, 2002, p.1) [2]. Ou seja, algumas das competências que devem estar implícitas à aprendizagem do audiovisual são justamente o discernimento e o olhar crítico sobre as produções ofertadas e consumidas diariamente pela sociedade. Tais colocações também estão pautadas nos documentos do Ministério da Educação (1998), ao salientar que “a sociedade contemporânea está imersa numa enorme quantidade de imagens, nos mais diversos formatos” e entre eles, cita-se a televisão, o cinema e a internet, dispositivos que oferecem novas formas de linguagem e comunicação pela manipulação da imagem, de modo que “a construção dessa ‘nova gramática’ requer necessariamente uma compreensão da imagem como forma de representação e do movimento como narrativa.” (MEC, 1998, p.12 ) [1]. Esta ‘nova gramática’ da qual no falam os documentos do Ministério da Educação está presente no vídeo, não o equipamento/suporte, mas a mídia, o encontro de linguagens, ou a intersecção de linguagem’, conforme texto abaixo:

Vídeo é mídia eletrônica que opera na interseção de linguagens de cinema, teatro, literatura, rádio, computação gráfica e acrescenta recursos expressivos específicos. É discurso impuro que reprocessa formas de expressão colocadas em circulação por outros meios, atribuindo-lhes novos valores. Sua especificidade está na síntese dessas contribuições. A linguagem

* [email protected]

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audiovisual é fenômeno cultural decorrente do desenvolvimento de técnicas e meios de expressão, pressões socioeconômicas e demandas estéticas de uma época ou um lugar. (CARNEIRO, 2002, p.3) [3]

A produção de imagens, seja pela televisão ou cinema, sempre revela valores e ideais subjacentes aqueles que detêm os recursos sobre os meios de comunicação. Todavia, o conhecimento sobre as etapas de criação e os novos recursos de mídia, como a internet, vem permitindo, cada vez mais, que o domínio sobre os meios de comunicação seja difundido, uma vez que produções em vídeo são lançadas independentes na internet, sem a mediação ou dependência de um mercado ou produtor; mas como é que se destaca/define o que é artístico nisso tudo? No cinema, em novelas, telejornais ou vídeos publicitários, cada vez mais é indispensável identificar os elementos que estão implícitos nos meios de comunicação, pois, muitas vezes, a passividade frente aos aparelhos midiáticos revela o quanto manipuláveis podem ser os indivíduos da sociedade. Ademais, consoante o pesquisador Nelson Pretto, “parece-me de fundamental importância compreender essa contradição entre a ampliação das possibilidades de comunicação e a excessiva concentração da propriedade sobre os meios.” (PRETTO, 1996, p.45) [7]. Com freqüência vemos os educandos manipulando aparelhos na escola, cuja finalidade, na maioria das vezes é meramente instrumental, passa tempo e acaba se tornando um problema no universo escolar. No entanto, como sugerem os documentos do Ministério da Educação, o conhecimento e acesso à linguagem audiovisual no contexto escolar devem ultrapassar estes limites.

O sistema educativo não pode limitar-se a usar a linguagem audiovisual como repassadora de informações (...). Além dos exercícios de leitura crítica de imagens, do cinema e da televisão, é importante que professores e alunos tenham acesso aos elementos constitutivos dessa linguagem, porque representará, cada vez mais, um instrumento fundamental de inserção na sociedade contemporânea. (MEC, 1998, p.15) [1]

Neste contexto surge a questão que motiva este estudo: por que não aliar-se a essa ferramenta tão produtiva e desenvolver laboratórios de audiovisual na escola com esses equipamentos eletrônicos que despertam tamanho interesse nos jovens? Será possível proibir? Além disso, como informa Moran (2000, p.19), “a construção do conhecimento, a partir do processamento multimídico é mais ‘livre’, menos rígida, com conexões mais abertas, que passam pelo sensorial, pelo emocional e pela organização do racional.” [4]. Portanto, a criação em vídeo permite que o educando não apenas se expresse, mas construa sua visão de mundo no processo de conhecimento sobre as diversas formas da linguagem audiovisual e a escola, passa a ter um aliado no equipamento e não mais um problema. 3. PARA ALÉM DO INSTRUMENTAL Ao elaborar e produzir a partir de habilidades que muitos já dominam – como, por exemplo, as funções dos aparelhos eletrônicos e a divulgação de vídeos pessoais em sites como Youtube e blogs pessoais - a vivência e análise das etapas do processo criativo são indicadores da aprendizagem, todavia não garantem a conscientização sobre a produção da linguagem audiovisual, como bem salienta Vânia Carneiro (2002, p. 2):

A produção de vídeo por crianças é básica para a escola prepará-las na era tecnológica.

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Saber operar uma câmera, em si, não garante integração do vídeo no ensino-aprendizagem. (...) Compreender o vídeo requer conhecer processos de produção de significados. Vale manipular, operar, experimentar a expressão da idéia, da emoção, gerar histórias com imagens, sons, vivenciar o processo. A compreensão crítica cresce a partir do conhecimento e da experimentação. Conviver com audiovisuais sem apreender sua dinâmica e os mecanismos de produção de significados induz a equívocos. Obter mais conhecimentos sobre dimensões técnicas e expressivas faculta sua incorporação pedagógica ao cotidiano escolar. [2]

Maria Isabel Orofino (2005), em sua pesquisa sobre as mídias na mediação escolar, sugere três etapas importantes que justificam e devem ser consideradas na preparação de oficinas e cursos sobre o tema no contexto escolar. O primeiro ponto exposto pela autora refere-se ao debate sobre a própria cultura de mídia pela escola, ou seja, um tema tão presente e constante na sociedade contemporânea não pode ser ignorado no processo de educação, mas fazer parte dele; o segundo ponto é o estudo da recepção, ou seja, como os jovens estão lendo visualmente e se esta leitura é capaz de discernir as mensagens e contextos implícitos nas imagens e no áudio recebidos; o terceiro item pontuado pela autora é a própria realização em vídeo, como forma de conhecimento, experiência e aprendizado sobre a mídia do audiovisual. Próximo a estas colocações, a proposta de Marcos Napolitano sobre o uso do cinema em sala de aula, vem a reforçar o caráter estético da fruição dos vídeos no ambiente escolar, o autor afirma ainda que, tratar de cinema e vídeo da escola é uma das maneiras da escola ser uma participante ativa na construção da cultura e não apenas um espaço de transmissão da mesma (ALMEIDA apud NAPOLITANO, 2009, p.12) [6]. Em termos pedagógicos, há a preocupação com a formação do educando para encaminhá-lo a construção de um ambiente de comunicação que a cada dia se faz mais presente. Nesse sentido, não basta apenas dominar o acesso às mídias e recursos audiovisuais, é necessário que sua criação, uso e visualização estejam pautados pela ética e respeito. Portanto, é importante reconhecer que a educação em audiovisual deve fornecer suporte técnico e instrumental, assim como o acesso a criação de linguagem e reflexão deste processo, pois ambas as funções são indispensáveis para não permanecer na zona da alienação. Saber operar o melhor equipamento não garante a qualidade do produto final. Mas um cuidado estético pode fazer de um vídeo, produzido com recursos técnicos simples, um fenômeno de acessos, que encanta pela articulação da linguagem. Referências Bibliográficas 1. BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Um Salto para o Futuro: Tv e informática na educação. Brasília, 1998 2. CARNEIRO, V. L. Q. Analisando e produzindo audiovisual: oficina de vídeo na escola. In: TV na Escola e os Desafios de Hoje. Brasília: UniRede e Seed/MEC - Editora Universidade de Brasília, 2002. 3. _____________ Função pedagógica e formato audiovisual de vídeo para professores: a proposta do curso “tv na escola e os desafios de hoje” Artigo in 25° Reunião Anual Anped: 2002. 4. MORAN, José Manuel, et al. Novas Tecnologias e mediação pedagógica. Papirus, Campinas, 2000. 5. OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar. Cortez, Instituto Paulo Freire, São Paulo, 2005. 6. NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. Contexto, São Paulo, 2009. 7. PRETTO, Nelson. Uma escola sem/com futuro: Educação e multimídia. Papirus, Campinas, 1996.

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NECESSIDADES DE PESQUISA EM ENSINO DE SOCIOLOGIA: A QUESTÃO DIDÁTICA

Ariane Wollenhoupt da Luz Rodrigues1*; Estela Maris Giordani2.

1 Universidade Federal de Santa Maria 2 Universidade Federal de Santa Maria/ Antonio Meneghetti Faculdade

1. Introdução

Após mais de 10 anos da Lei de Diretrizes e Bases [1], em 2008, houve a promulgação da Lei n.11684 de 2 de junho de 2008 [2] que tornou a filosofia e sociologia disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. A necessidade da aprendizagem da sociologia já era de certo consenso na comunidade intelectual, cuja implantação da disciplina foi uma grande conquista histórica. Esta ciência, então restrita às universidades, transformou-se em matéria de suma importância para o jovem, pois seu conhecimento implica na compreensão da possibilidade de transformação social, porque

[...] Uma infra-estrutura epistemológica proporcionada pelos conhecimentos sociológicos pode, certamente, sensibilizar o olhar para a compreensão e atuação sobre os fenômenos sociais. Pensar sobre e compreender o mundo social é importante para dar-se conta de situações de opressão, preconceito, injustiça, bem como visualizar outras possíveis; não significa, no entanto, mudança imediata e linear da realidade e da própria pessoa que a estuda e interpreta [10, p. 106].

O Relatório da UNESCO [7] ressalta que uma das quatro aprendizagens pilares necessárias hoje para a educação do futuro é o aprender a viver juntos, conviver. Nesta direção, cumprindo os objetivos mais amplos da educação, a sociologia estaria contribuindo para desenvolver a dimensão fundamental do ser humano que é sua função social, não apenas local, mas nacional e para uma sociedade global. Percebe-se que o exercício da cidadania pode ser atuado apenas quando o indivíduo-pessoa se torna consciente de sua função no contexto onde vive e interage. Deste modo, busca-se perceber quais as necessidades em pesquisa sobre o ensino de sociologia atuais no estado do Rio Grande do Sul, levando em consideração os dois anos da obrigatoriedade da disciplina e os referenciais curriculares estaduais para o ensino médio [13], lançados no final de 2009, pela Secretaria de Estadual de Educação. 2. Método

Pesquisar consiste em buscar respostas para uma questão, valendo-se de um método científico. Neste caso, a questão suscitada pela pesquisa redundou na necessidade inicial de uma pesquisa bibliográfica e documental, a qual, a partir do levantamento de textos e artigos produzidos sobre o ensino de sociologia pudesse evidenciar os aspectos pouco pesquisados sobre a temática. Não obstante este levantamento, as pesquisadoras optaram por também, coletar documentos elaborados pelo Ministério da Educação e pela Secretária Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, a fim de verificar o tratamento dado ao ensino de sociologia. Dentre os documentos analisados, selecionamos para este trabalho: Parâmetros Curriculares Nacionais [4], Parâmetros Curriculares Nacionais + Ensino Médio [5], Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio [3] e Lições do Rio Grande: Referencial Curricular para o Estado do Rio Grande do Sul [13]. 3. Resultados e Discussão

Os modos de pensar, as visões predominantes sobre a sociologia e sua necessidade no ensino médio indicam como a disciplina será trabalhada nos contextos escolares e disso decorre uma postura pedagógica e também metodológica, o que interfere diretamente sobre a visão de organização didática da aula e utilização de materiais pedagógicos. Levando em consideração a obrigatoriedade do ensino de sociologia a partir de 2008, é relevante considerar que, quanto à sociologia como disciplina escolar,

[...] existe menos reflexão, estudos e experiências sobre o ensino de sociologia. Estamos numa fase em que temos que estruturar essa dimensão de nossa ciência, a dimensão didática, pedagógica e de reprodução de conhecimentos científicos nos níveis mais básicos da formação humana nas escolas [14, p. 3].

Conforme a autora percebe, é preciso, além do desenvolvimento específico do conhecimento sociológico, a pesquisa, a reflexão e o estudo acerca da dimensão pedagógica, do como ensinar a sociologia. Neste caso, não mais a sociologia apenas como ciência social, mas agora como componente formativa, presente na educação dos jovens nos currículos escolares.

* Ariane Rodrigues, endereço eletrônico: [email protected]

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Meneghetti [9] indica que os alunos, desde tenra idade, devem aprender que existe a sociedade. Esta sociedade que tem suas leis, sua organização, sua cultura, suas instituições, seu modo de ser, que é materializada e presente em toda e qualquer particular atividade humana, e que determina concretamente a existência da pessoa. O conhecer e considerar a sociedade não significa eliminar a possibilidade da existência singular e criativa do indivíduo no interior do sistema social. Contudo, elimina o solipsismo e a incapacidade de viver e se realizar no interior do sistema social. Para Meneghetti [9], o jovem a fim de crescer precisa apreender a se colocar de modo capaz frente a existência desta realidade, a sociedade. Precisa aprender que, além de si mesmo, existem os outros e estes outros já fizeram história e pertencem ao mesmo tempo em que ele a algo que é comum, é de todos, todos são sócios, são partes de um mesmo inteiro [8]. Para o autor trata-se de desenvolver uma educação à responsabilidade integral da pessoa no sistema social. Assim, o desenrolar desta consciência não será possível, sem que o professor pense em que conteúdos que responsabilize-os sobre suas responsabilidades e deveres frente a sociedade que pertence.

Sabe-se que o professor da educação básica, tem acesso aos documentos oficiais, distribuídos gratuitamente as escolas, deste modo, assim a fim de entender o material sobre sociologia ao que o docente tem acesso, optou-se pela análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais [4], Parâmetros Curriculares Nacionais + Ensino Médio [5], Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio [3] e Lições do Rio Grande: Referencial Curricular para o Estado do Rio Grande do Sul [13] no que se refere a questões didático-pedagógicas da disciplina.

Há dois parâmetros curriculares nacionais, Parâmetros Curriculares Nacionais [4] e, b) os Parâmetros Curriculares Nacionais + Ensino Médio [5], ambos surgem visando orientar o professor no seu trabalho em sala de aula. Quanto à sociologia, eles citam e analisam as competências específicas da disciplina, ressaltando a importância dos conceitos estruturantes e sua articulação com as competências. Também, trazem sugestões acerca da organização de eixos temáticos em sociologia, são eles: indivíduo e sociedade, cultura e sociedade, trabalho e sociedade, política e sociedade [5].

Casão e Quinteiro [6] criticam os PCNs por serem amplos e não contribuírem com uma definição mais concreta e coerente com os sistemas de ensino sobre a disciplina de sociologia. Contudo é importante relembrar o contexto legal em que surgiram, no qual, segundo a legislação, eram necessários apenas conhecimentos de sociologia no ensino médio. Deste modo, não se caracterizava a sociologia, nem como área do saber, componente curricular ou disciplina presente na escola. Ou seja, neste contexto

[...] ter conhecimento de sociologia não significa introduzir a disciplina nos currículos dos cursos. bastaria, digamos um professor de matemática discutir com seus alunos um artigo de jornal que trate do desemprego em São Paulo, por exemplo, quando entrar na matéria dos percentuais. Ele já estaria “lecionando sociologia” aos seus alunos ao tecer comentários sobre a situação do desemprego, concentração de renda, queda de rendimento, etc. [6, p. 229-230].

Já em 2006, surgiram as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCNEM) [3]. Nestas há a indicação dos trabalhos efetivados pelo professor em sala de aula, as orientações apontam que há três dimensões, no mínimo, que vem sendo enfocadas pelos professores durante a docência de sociologia. A primeira delas enfatizaria em detrimento das outras dimensões, uma dimensão explicativa/compreensiva da sociologia, suas aulas corresponderiam ao estudo de teorias sociológicas (como exemplo, as teorias clássicas de Durkheim, Weber e Marx). A segunda dimensão corresponderia ao estudo dos temas do cotidiano, com foco na dimensão empírico/concreta da sociologia. A última dimensão dar-se-ia através de um trabalho pedagógico a partir de conceitos, valorizando a dimensão lingüístico-discursiva da sociologia. O documento defende que é preciso um planejamento centrado na articulação dessas três dimensões ou recortes a fim de aproveitarem-se as vantagens, minimizando as desvantagens de se focar apenas uma das dimensões.

Ainda, as OCNEM [3], sobre a dimensão didática da disciplina, ressaltam a importância da pesquisa como elemento do ensino de sociologia, estando presente junto aos três recortes. Porém esclarece que o professor, fazer uso desse elemento, precisa oferecer condições mínimas aos educandos para a atividade, como o conhecimento de metodologias de pesquisa a fim de que os alunos avancem além do senso comum, buscando um estudo analítico sobre os fatos pesquisados. E aponta práticas e recursos que podem ser acionados pelo professor no desenvolver de suas aulas, são eles: aula expositiva, seminários, excursões, visitas a museus e parques ecológicos, leitura e análise de textos, uso de cinema, vídeo ou DVD e TV, fotografia, charges, cartuns e tiras. Porém, no documento, não existem indicações para ajudar o professor no que se refere a escolha destes materiais, modos de selecioná-los e os critérios com os quais devem ser tratados. Convém considerar também que os materiais didáticos dessa disciplina são escassos, pois somente com a obrigatoriedade, é que começou a pensar nesses recursos. E, as condições de trabalho dos professores também precisam ser consideradas pois para preparar e selecionar recursos para suas aulas ele precisa de tempo. Por isso, importa discutir sobre os critérios que envolvem os recursos didáticos, a fim de selecionar materiais que se coadunem com a postura pedagógica do docente.

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A partir destes documentos, o Lições do Rio Grande – Referencial Curricular para o estado do Rio Grande do Sul [13, p. 92] sugere para a sociologia um trabalho organizado em temas geradores1, cuja escolha implicaria em tomar por base o conceito de “desenvolvimento humano sustentável e equitativo”, proposto pela UNESCO. Tal desenvolvimento somente seria possível se existir de forma concomitante a democracia, a “cultura da paz” e a equidade quanto às questões de gênero e idade. O referencial ainda busca a UNESCO para trazer à tona a discussão sobre os desafios da educação ancorada nos quatro pilares do conhecimento (aprender a ser, a fazer, a conviver e conhecer) que culminariam no aprender a aprender. Proposta coerente com a sociedade do conhecimento atual.

O texto esclarece as competências a serem desenvolvidas pelo ensino da disciplina, partindo das três competências básicas: ler, escrever e resolver problemas2. Acrescenta a necessidade de se trabalhar também conceitos fundamentais da sociologia sistemática, bem como conceitos trabalhados por sociólogos contemporâneos (como Habermas e Foucault) e sociólogos brasileiros (Gilberto Freyre, Roberto Damata, Florestan Fernandes) por isso propõe um quadro relacionando os temas mínimos para o trabalho com competências e habilidades. Suas unidades desmembram em subtemas as unidades propostas pelo PCN+EM3, inclusive trazendo temas como o protagonismo juvenil. O exemplo citado se ancora na perspectiva de possibilitar ao aluno a atuação cidadã, o que seria realizado a partir da mobilização dos jovens em relação aos estudos da disciplina, que podem, inclusive, tomar a instituição escolar como objeto de pesquisa, buscando a transformação da mesma.

O documento sugere estratégias didático-pedagógicas coerentes com a proposta de competências para o professor, e traz exemplos de subtemas e estratégias, relacionando-as com as habilidades a serem desenvolvidas e modos de operacionalização das mesmas.

Do Projeto Lições do Rio Grande fazem parte outros documentos: o Caderno do Estudante [11] e o Caderno do Professor [12], que foram distribuídos diretamente às escolas no início do ano letivo de 2010. Como os referenciais apenas apontam competências, habilidades e temas para o trabalho com sociologia no ensino médio, acreditava-se que o material se aproximava de um manual didático e que a divisão deste conhecimento em anos do ensino médio ficasse clara apenas nestes materiais. Porém, no Caderno do Aluno são encontradas 6 aulas-atividades, divididas em 18 páginas para os três anos do ensino médio. É preciso mencionar que o material tem sido severamente criticado pelos professores por trazer “material insuficiente” frente a complexidade e quantidade de conteúdos da disciplina. São indicadas apenas seis aulas para os três anos do ensino médio, abarcando uma pequena quantidade dos conteúdos da disciplina. Assim, o documento serve apenas como indicador de como podem ser dinamizadas as aulas de sociologia a partir destes seis exemplos. Já, o Caderno do Professor [12] traz indicações sobre estas aulas, seus objetivos, problematizações, sua articulação com as competências e habilidades, enfim, apresenta e explica o que está proposto no Caderno do Aluno. 4. Conclusão

Durante a pesquisa, buscou-se entender o contexto em que a disciplina de sociologia vem sendo tratada, seja nos documentos legais (obrigatórios ou não), nas referências acadêmicas e junto dos professores. Constatou-se que, apesar da implantação legal, a pesquisa científica em torno da dimensão didático-pedagógica da disciplina não acompanhou o processo da obrigatoriedade da mesma. Fica assim demonstrada a demanda existente por pesquisas que contemplem essa dimensão de ensino, sob pena de não se efetivarem ou mesmo de se perder a própria vitória da implantação.

Este estudo ao questionar os materiais pedagógicos para a disciplina de sociologia, embora possa parecer precoce, observou a carência no desenvolvimento de saberes didáticos próprios da área. Segundo Silva [14], há muitos estudos sobre o histórico da disciplina, da luta sobre sua implantação. Contudo, é necessária a dimensão didático-pedagógica, pois objetiva-se a formação humana, e até o momento, ela está pouco desenvolvida e incorporada nos processos de implantação da sociologia. Percebe-se que esta dimensão não está clara para os professores que estão operacionalizando esta proposta. Até mesmo, porque nesse quesito há sérias carências: faltam profissionais com formação para específica em sociologia, faltam recursos para a formação contínua destes, faltam linhas de pesquisa nas universidades que pensem sobre a questão. De modo geral, até mesmo a própria instituição escolar parece não ter incorporado o próprio sentido da pedagogia, buscando desenvolver o potencial do indivíduo em todas as suas dimensões.

1 Termo cunhado pelo educador Paulo Freire. Para ele “os temas geradores, qualquer que seja a natureza de sua compreensão, como a ação por eles provocadas, [eles] contêm em si a possibilidade de desdobrar-se em tantos outros temas que, por sua vez, provocam novas tarefas que devem ser cumpridas”. [13, p. 92]. 2 Tais competências se originam do Referencial Curricular da Educação Básica do Rio Grande do Sul de 2009. 3 Indivíduo e sociedade, cultura e sociedade, trabalho e sociedade, política e sociedade. [5].

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Também é preciso considerar que os professores que lecionam sociologia, estão fazendo algum tipo de pedagogia, de didática. Contudo, se esta prática for desprovida de uma reflexão pedagógica, ela estará repleta de intencionalidade e ideologia, porém quais intencionalidades e ideologias estariam norteando esse processo? Nesse sentido, novamente o discurso da implantação pode vir a perder o sentido radical e inovador que as pessoas que reivindicaram e lutaram pela implantação sempre pretenderam ou buscaram e a força da crítica que poderia exercer.

Inclusive, poderia perder a lógica da interdisciplinaridade, porque é disciplinar. Aqui importa discutir como os professores podem pensar em incorporar a pedagogia interdisciplinar na sociologia. De que modo desenvolver a prática educativa em sociologia sem perder aquilo que é a especificidade do conhecimento sociológico no ensino médio Enfim, essas são questões que ainda merecem ser levantadas e estudadas em sua necessária complexidade e na operacionalização desta disciplina nos contextos escolares.

Entende-se que é preciso considerar a relevância da urgente discussão do que seja o aspecto didático-pedagógico quando se fala em ensino de sociologia, e do quão precários estão estudos neste quesito, pois questões e dificuldades não faltam tanto ao pesquisador quanto ao professor. Referências [1] BRASIL. Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 20 dez, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9394.htm>. Aceso em: 10 jun. 2006. [2] BRASIL. Lei n. 11684, de 2 de junho de 2008. Altera o art. 36 da Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a filosofia e a sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 03 jun, 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Aceso em: 17 dez. 2009. [3] BRASIL, MEC, SEEB. Orientações Curriculares Nacionais para o ensino médio. Brasília: MEC, 2006. Disponível em <www.mec.gov.br>. Acesso em: 17 dez. 2009. [4]BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais (ensino médio): Parte IV - Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: MEC, 1999. Disponível em: <www.mec.gov.br>. Acesso em: 17 dez. 2009. [5] BRASIL, MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais + ensino médio. Brasília, MEC, 2002. Disponível em: <www.mec.gov.br>. Acesso em: 17 dez. 2009. [6]CASÃO, C. D. .C. QUINTEIRO, C.T. Pensando a sociologia no ensino médio através dos PCNEM e da OCNEM. Mediações. v. 12, n. 1 p. 143-148, jan/jun 2007. Disponível em <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes>. Acesso em 17 dez. 2009. [7] DELORS, J. et. Al. Educação, um tesouro a descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional Sobre a Educação Para o Século XXI. 5. ed. São Paulo/ Brasília, DF: Cortez/ MEC: UNESCO, 2001. [8] MENEGHETTI, A. Sistema e Personalitá. Roma: Psicologica Editrice, 2007. [9] MENEGHETTI, Antonio. Pedagogia Ontopsicologia. Roma: Psicologica Editrice, 2006. [10] MOTA, Kelly Cristina Corrêa da Silva. Os lugares de sociologia na formação de estudantes de ensino médio. In. Revista Brasileira de Educação. n. 29. Mai/ago 2005. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n29/n29a08.pdf>. Acesso em: 17 de dez. 2009. [11] RS. SEDUC. Lições do Rio Grande: Livro do aluno. Porto Alegre: SEDUC/RS, 2009a. [12] RS. SEDUC. Lições do Rio Grande: Livro do professor. Porto Alegre: SEDUC/RS, 2009b. [13] RS. SEDUC. Lições do Rio Grande: Referencial curricular. Porto Alegre: SEDUC/RS, 2009c. Disponível em: < http://www.educacao.rs.gov.br/dados/refer_curric_vol5.pdf>. Acesso em: 17 dez. 2009. [14] SILVA, Ileizi Fiorelli. A imaginação sociológica: desenvolvendo o raciocínio sociológico nas aulas com jovens e adolescentes. Simpósio Estadual de sociologia. Curitiba: 2005. Disponível em: <http://www2.uel.br/grupo-estudo/gaes/pages/arquivos/Ileizi%20MINI%20CURSO%20A%20Imaginacao%20Sociologica.doc>. Acesso em: 23 dez. 2009.

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PESQUISAS DESENVOLVIDAS À LUZ DE TEORIA DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM RELAÇÃO AOS

OBJETOS E ELEMENTOS DOS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA.

Rosana Antunes Dorada *; Célia Finck Brandt;

Universidade Estadual de Ponta Grossa Resumo

De acordo com Duval (1995) a distinção entre um objeto matemático e a representação que se faz dele, é de extrema relevância no funcionamento cognitivo sendo necessário, no ambiente de ensino e aprendizagem, estar atento para esta diferenciação, investigando de que forma está havendo compreensão dos objetos matemáticos ou das possíveis representações desses objetos a que se pode lançar mão para aplicá-las na resolução de problemas. O seguinte trabalho vem refletir sobre as pesquisas existentes, no campo da Educação Matemática, que se valem da Teoria de Registros de Representação Semiótica (RSS) de Raymond Duval para responder suas problemáticas. Tais pesquisas corresponderam a teses de doutorado, dissertações de mestrado, trabalhos apresentados em eventos na categoria comunicação científica e resultados de pesquisas publicados em periódicos. Com isso queremos evidenciar a utilização da Teoria dos Registros de Representação Semiótica no campo da Educação Matemática revelando a(s) temática(s) na(s) qual (is) ela é mais enfatizada e identificar quais elementos estão sendo beneficiados. Por meio de uma metodologia meta-analítica qualitativa procedemos com a coleta dos trabalhos que estavam disponíveis na internet, bem como em CD de anais de eventos deste campo de investigação. Organizamos os dados em uma tabela síntese que nos permitiu levantar categorias relacionadas às temáticas as quais procuramos investigar, como também, analisá-las a luz dos RRS. Os resultados parciais encontrados nos revelam um número ainda muito tímido, porém crescente, de pesquisas que buscam essa teoria como fonte de interpretação e análise dos mais diversos problemas relacionados ao processo de ensino e aprendizagem de matemática.

Palavras chave: Educação Matemática; Registros de Representação Semióticas; Aprendizagem em Matemática.

1. Introdução

A Educação Matemática é um campo de conhecimento cujos objetos de estudo são os processos de ensino e aprendizagem em matemática. Estudar esses processos é de suma importância uma vez que se pode refletir sobre os diversos modos pelos quais eles ocorrem em sala de aula de modo a contribuir para a construção de conhecimento novo.

O presente trabalho vem refletir sobre as pesquisas existentes no campo da Educação Matemática que se valem da teoria de Registros de Representação Semiótica (DUVAL, 1999, 2008, 2009) para responder suas problemáticas - uma vez que ela vem ao encontro das dificuldades que são apresentadas tanto no ensino como na aprendizagem da matemática. Segundo Duval (1995) a questão mais difícil a ser enfrentada é verificar se os sujeitos, em fase de aprendizagem, confundem os objetos matemáticos com suas representações, visto que eles só podem lidar com as representações semióticas para realizar uma atividade sobre os objetos matemáticos. Para contemplar as relações existentes entre significantes, significado e significação (atribuídas pelo sujeito aprendente) será necessário, segundo Duval (1995), considerar as operações cognitivas de formação, de tratamento e conversão. De acordo com o autor a formação de uma representação é uma operação cognitiva realizada com utilização da língua materna, desenhos, figuras ou fórmulas, com signos próprios de uma ciência. Há que se considerar, no entanto, que esta não acontece independente do conteúdo a representar e nem deve deixar de respeitar regras. Podemos citar como exemplo a formação de diferentes registros de representação do número, palavra e numeral arábico, que deverão contemplar a estrutura do SND, organizado em torno de base e valor posicional. O tratamento é uma operação cognitiva que vai compreender uma transformação da representação, no interior do mesmo sistema semiótico, mobilizando apenas um só registro de representação. Por exemplo: 8 ou 5 + 3; 23 ou 2x10 + 3. A conversão é uma operação cognitiva, porém de outra natureza, e também compreende a transformação de uma dada representação em outra, só que agora, pertencente a outro sistema semiótico, de modo a conservar a totalidade ou parte da representação inicial, sendo necessária ser efetuada pelo sujeito aprendente, sem caracterizar uma tradução ou decodificação. Essa operação não é uma operação trivial e nem cognitivamente

* Autor Correspondente: [email protected]

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neutra, segundo nos alerta Duval (1995). Exemplo: “um número positivo” (língua materna) e “x > 0” (linguagem algébrica).

De acordo com Duval (1995) é na conversão das representações de um sistema semiótico a outro, que haverá uma operação cognitiva que pode ser descrita como uma mudança de forma, que possibilitará a conceitualização dos objetos matemáticos pelos sujeitos aprendentes.

Muitas pesquisas vêem sendo desenvolvidas à luz dessa teoria para entender os diferentes elementos e processos envolvidos no ensino e aprendizagem. Com a importância de avaliar esses processos perguntamos: Quais são os objetos contemplados? Quais são os elementos destes processos privilegiados? Quais graus de ensino são contemplados? Quais são os resultados disseminados?

2. Método A metodologia da pesquisa é de natureza meta-analítica qualitativa, e adotou a análise de trabalhos que

estão disponíveis na internet, bem como em CD de anais de eventos deste campo de investigação como instrumentos de coleta de dados. A primeira etapa da pesquisa constituiu no estudo das pesquisas de Raymond Duval referentes à contribuição dos registros de representação semióticos para a conceitualização de objetos matemáticos, bem como para a promoção de orientações, discussões e reflexões sobre as pesquisas que foram desenvolvidas no campo de educação matemática, à luz dessa teoria. Na segunda etapa foram investigados trabalhos apresentados em eventos na categoria comunicação científica, resultados de pesquisas publicados em periódicos, dissertações de mestrado e teses de doutorados para compreender e interpretar as diversas problemáticas que envolvem os RRS. A partir do referencial teórico construído nessas etapas foi elaborada uma tabela baseada no trabalho de Colombo, Flores e Moretti (2008), com algumas alterações, adaptada segundo os objetivos de pesquisa, que foi preenchida após leitura dos trabalhos encontrados. Ver Fig.1 em anexo.

Foram analisados 56 trabalhos de pesquisa no campo da Educação Matemática que utilizaram a teoria dos Registros de Representação Semiótica (RRS) para responder e explicar os fenômenos relacionados à educação matemática, no período de 2006 a 2009. Tal período foi escolhido propositadamente, pois já havia uma pesquisa semelhante (COLOMBO, FLORES e MORETI, 2008) que tratou dos trabalhos até o ano de 2005. Após preenchimento agrupamos os trabalhos em categorias.

Essas categorias são: ensino, aprendizagem, livro didático, formação de professores, avaliação, currículo, resolução de problemas, modelagem e estado da arte.

Na categoria de ensino foram consideradas as práticas dos professores em sala de aula, no que diz respeito à linguagem utilizada pelo mesmo para conduzir a aula, o encaminhamento do trabalho com a matemática, entre outras características do trabalho docente. Na categoria aprendizagem foram consideradas as pesquisas que se voltaram para os conhecimentos matemáticos revelados pelos alunos ou para a evolução do processo de desenvolvimento desses conhecimentos também pelos alunos, bem como a reflexão sobre o processo de aprendizagem. Os estudos que tinham como foco a análise das diversas representações de um objeto matemático, que se encontravam presentes em livros de matemática, utilizados ou não em sala de aula, e que consideravam um conteúdo matemático foram agrupados na categoria livro didático. Na categoria formação de professores foram considerados trabalhos que evidenciaram a utilização da teoria dos registros de representação semiótica no processo de formação docente, tanto continuada como inicial. Os estudos que compreendiam a análise dos tratamentos e das conversões realizados em situações de resolução de problemas contemplaram a categoria resolução de problemas. Para a categoria Modelagem Matemática foram identificadas pesquisas que apresentaram atividades de modelagem matemática em que se faziam presentes o uso de diferentes registros de representação de um mesmo objeto matemático e aquelas que apontavam a complementaridade entre esses registros, o que é considerado essencial para que ocorra a apreensão do objeto matemático estudado e, por fim, a categoria estado da arte que diz respeito aos trabalhos de pesquisas meta-analítica que envolveu análises de trabalhos que contemplavam a Teoria dos Registros de Representação Semiótica.

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Nível de abrangência Aspectos

abordados da noção de RRS

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Fig. 1 Quadro 1 - Síntese das Pesquisas Analisadas 3. Resultados e Discussão

Na figura 2, é possível verificar o número de trabalhos encontrados em cada uma das categorias temáticas, de acordo com a natureza da pesquisa analisada.

Cada um dos trabalhos analisados referia-se a diferentes conteúdos matemáticos. Dos trabalhos analisados, os que apresentavam os estudos de análise dos tratamentos e das conversões

contemplaram algumas categorias, como resolução de problemas e outros objetos. Alguns não apresentavam nenhuma teoria, mas sim o conhecimento da teoria. E alguns não explicitados.

Os níveis de abrangência de cada trabalho estudado destacam-se aqueles que eram voltados para a formação de professores, ensino médio, e ensino fundamental séries iniciais. Poucos trabalhos abrangeram ensino fundamental – séries finais.

Tais resultados são importantes por apontar caminhos alternativos para a condução da prática educativa pelos professores que ensinam matemática. E, o mais importante é que essas pesquisas mostram as possibilidades para todos os graus de ensino e para a aprendizagem de todos os objetos da área matemática.Essas pesquisas realizadas a essa teoria RRS focam a necessidade de atribuição de significados aos objetos matemáticos.

Podemos ver a importância da divulgação desses trabalhos com a teoria RRS para a organização da prática educativa pelo professor que ensina matemática e para que ele possa compreender as dificuldades dos alunos. E também para a formação do professor. E como conseqüência, a melhoria da aprendizagem dos alunos em matemática.

Temáticas/Categorias Eventos Mestrado Doutorado Periódicos Total Ensino (prática) 3 10 - - 13 Aprendizagem 7 3 2 3 15 Livro Didático 4 7 1 - 12

Formação de Professores 3 1 - 1 5 Avaliação - 1 - - 1

Resolução de Problemas - 2 - 1 3 Modelagem 1 1 - 1 3 Currículo 1 - 1 - 2

Estado da Arte - - - 1 1 Currículo de Matemática 1 1

Total 20 25 4 7 56 Fig. 2 - Quadro 2 - Categorização Temática 4. Conclusão

A presente pesquisa se voltou para a importância da divulgação desses trabalhos no sentido de apontar a relevância dos construtos teóricos da teoria de Duval para a organização da prática educativa pelo professor que ensina matemática e para que ele possa compreender as dificuldades apresentadas pelos alunos em situações de aprendizagem. Essa contribuição volta-se, igualmente, para o processo da própria formação do

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professor que, ao estudar e refletir sobre questões relacionadas aos processos de ensino e aprendizagem, depara-se com resultados de pesquisas que podem sustentar e subsidiar essas análises.

Nosso interesse foi apontar o cenário de abrangência das pesquisas em relação aos graus de ensino e às dimensões da prática educativa situada no campo da educação matemática. Assim procedendo é possível revelar aos futuros pesquisadores as temáticas e seus objetos, assim como as problematizações levantadas tanto para investigação das contribuições da teoria de representações semióticas em processos de ensino e aprendizagem da matemática, de formação de professores, de avaliação e organização de currículos, programas, livros didáticos, entre outras, como os estudos relativos aos diversos campos da matemática e de outros temas dessa área de conhecimento para a sua representação.

Referências

[1.] COLOMBO, Janecler Ap. Amorim. FLORES, Claudia R. MORETTI, Mericles, T. Registros de representação semiótica nas pesquisas brasileiras em Educação Matemática: pontuando tendências. In.: Zetetiké, Cempem/FE/UNICAMP, v. 16, nº 29, jan./jun. 2008. [2.] DUVAL, R. Registros de representação semiótica e funcionamento cognitivo da compreensão em matemática. In.: MACHADO, S.D.A. Aprendizagem Matemática: registros de representação semiótica. 4ª edição. Campinas: Papirus, 2008, 160p.

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TEMAS DAS PESQUISAS DESENVOLVIDAS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA À LUZ DE UMA TEORIA DE REPRESENTAÇÕES SEMIÓTICAS

Glaucia Rochinski *; Célia Finck Brandt; Universidade Estadual de Ponta Grossa

1. Introdução A aprendizagem da matemática tem se revelado frágil e deficitária, conforme dados de avaliações nacionais e internacionais (SAEB, PISA). Importante será, em virtude deste contexto, não só realizar pesquisas voltadas para a superação do quadro de fracasso que se apresenta como também apontar quadros teóricos que se volta para o processo de ensino e aprendizagem da matemática, provido de significações. Por esta razão elencamos os estudos desenvolvidos por Raymond Duval voltados para a aprendizagem da matemática. Duval (2003) procura descrever o funcionamento cognitivo que possibilite ao aluno compreender, efetuar e controlar a diversidade dos processos matemáticos que a ele são propostos em situação de ensino. Duval (2003) se reporta à especificidade da complexidade do funcionamento cognitivo subjacente à atividade matemática e em relação às exigências metodológicas quando se trata de pesquisa sobre a aprendizagem da matemática. Em se tratando da atividade cognitiva requerida pela matemática, deve-se considerar a importância das representações semióticas pelos seguintes motivos: em relação às possibilidades de tratamento (não é qualquer tipo de registro de representação que permite um determinado tipo de tratamento) pelo fato de que os objetos matemáticos não são diretamente observáveis, visto que eles não têm existência física e sua apreensão só é possível por meio de registros de representação; igualmente pelo fato de que existe uma grande variedade de representações semióticas possíveis para serem utilizadas em matemática (língua natural, gráficos, linguagem algébrica, figuras geométricas, entre outras). Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas à luz deste quadro teórico e por esta razão, buscamos explicitar o estado da arte, identificando os temas contemplados nas pesquisas desenvolvidas no campo da educação matemática à luz de uma teoria de representações semióticas. Buscamos responder à questão: Quais temas são privilegiados nas pesquisas desenvolvidas no campo da educação matemática à luz de uma teoria de representações semióticas? Compreendendo a importância de uma teoria de Registros de Representação Semiótica para a Educação Matemática, queremos com esta pesquisa fazer um inventário descritivo e analítico da produção acadêmica nessa área que lança mão dessa teoria. 2. Método

A metodologia usada é de natureza meta-analítica qualitativa que, segundo Rodrigues (2002, p.26) “procura identificar, por meio de determinadas categorias, semelhanças e controvérsias numa quantidade de estudos da mesma área de pesquisa”. Sendo assim, as informações quantitativas foram interpretadas qualitativamente a fim de se produzir um diagnóstico das produções acadêmicas, no campo da Educação Matemática, no que diz respeito à utilização da teoria dos Registros de Representação Semiótica nas diversas temática do campo pesquisado. Coletamos trabalhos que estavam disponíveis na internet, tais como teses, dissertações, comunicações científicas apresentadas em eventos e artigos publicados em periódicos. Os dados foram organizados, após a leitura dos trabalhos, em uma tabela síntese, baseada no trabalho de Colombo, Flores e Moretti (2008), adaptada segundo o objetivo, (ver Tabela 1, em anexo). Foram analisados 56 trabalhos de pesquisa no campo da Educação Matemática que utilizaram a teoria dos Registros de Representação Semiótica (RRS) para responder e explicar os fenômenos relacionados à educação matemática, no período de 2006 a 2009. Tal período foi escolhido propositadamente, pois já havia uma pesquisa semelhante (COLOMBO, FLORES e MORETI, 2008) que tratou dos trabalhos até o ano de 2005. Após preenchimento da tabela síntese agrupamos os trabalhos em categorias que os agregaram e os excluíram mutuamente, significando que não era possível um mesmo trabalho incorporar duas ou mais categorias(ver Tabela 2, em anexo). Essas categorias são: ensino, aprendizagem, livro didático, formação de professores, avaliação, currículo, resolução de problemas, modelagem, estado da arte e currículo de matemática. Resultados e Discussão

Os dados coletados permitem dizer que as pesquisas estão voltadas, em sua maioria, para os processos de ensino e de aprendizagem, bem como, para análise de livro didático. Foram identificados treze trabalhos

* Autor Correspondente: [email protected]

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relativos à prática educativa, quinze à aprendizagem e doze ao livro didático. Podemos inferir que as pesquisas que buscam subsídios teóricos na Teoria de Registros de Representações Semióticas de Raymond Duval articulam-se em torno das dificuldades apresentadas pelos alunos para aprender matemática nos diferentes graus de ensino: educação básica e superior. Isso porque as práticas dos professores em sala de aula, no que diz respeito à linguagem utilizada pelo mesmo, para conduzir a aula e o encaminhamento do trabalho com a matemática, entre outras características do trabalho docente, deixam a desejar quando refletidas à luz da Teoria de Registros de Representações Semióticas, pois a falta da coordenação de diferentes registros de representação semióticos pertencentes a sistemas semióticos diferentes e o fenômeno da congruência semântica são responsáveis por grande parte das dificuldades dos alunos. Esses aspectos e o fato das operações de tratamento e conversão serem consideradas operações cognitivas precisam estar na base das reflexões da atividade docente.

E, de igual forma, os livros didáticos passam a ser alvo de reflexões à luz desse quadro teórico por estarem diretamente ligados às práticas de sala de aula e por envolverem registros específicos para os diferentes conteúdos: linguagem gráfica, figuras geométricas, linguagem algébrica, língua materna, linguagem formal, entre outras.

Tais resultados são importantes por apontar caminhos alternativos para a condução da prática educativa pelos professores que ensinam matemática, visto que as pesquisas ora propõem sequências didáticas, ora interpretam as dificuldades dos alunos elucidando, à luz desse aporte teórico, forma de superar obstáculos tanto epistemológicos como didáticos. E, o mais importante é que essas pesquisas mostram as possibilidades para todos os graus de ensino e para a aprendizagem de todos os objetos da área matemática.

ANEXOS:

Tabela1 - Síntese das Pesquisas Analisadas Nível de abrangência Aspectos abordados

da noção de RRS

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Fonte: Adaptada de Colombo, Flores e Moretti (2008)

Tabela 3 – Categorização Temática

Temáticas/Categorias Eventos Mestrado Doutorado Periódicos Total Ensino (prática) 3 10 - - 13

Aprendizagem 7 3 2 3 15 Livro Didático 4 7 1 - 12

Formação de Professores 3 1 - 1 5 Avaliação - 1 - - 1

Resolução de Problemas - 2 - 1 3 Modelagem 1 1 - 1 3

Currículo 1 - 1 - 2 Estado da Arte - - - 1 1

Currículo de Matemática 1 1 Total 20 25 4 7 56

4. Conclusão

Os resultados encontrados revelam que a Teoria dos Registros de Representação Semiótica vem ganhando espaço no campo da Educação Matemática em diferentes temáticas, principalmente os quais analisam os conteúdos matemáticos em livros didáticos e que um número crescente de pesquisas busca essa teoria como fonte de interpretação e análise dos mais diversos problemas relacionados ao processo de ensino-aprendizagem de matemática.

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Referências [1] COLOMBO, Janecler Ap. Amorim. FLORES, Claudia R. MORETTI, Mericles, T. Registros de representação semiótica nas pesquisas brasileiras em Educação Matemática: pontuando tendências. In.: Zetetiké, Cempem/FE/UNICAMP, v. 16, nº 29, jan./jun. 2008. [2] DUVAL, R. Sémiósis et pensée humaine :registres sémiotiques et apprentissages intellectuels. Suisse: Peter Lang, 1995. [3] DUVAL, R. Semiósis e Pensamento Humano: registros semióticos e aprendizagens intelectuais (Fascículo I). Tradução: Lênio Fernandes Levy e Marisa Roâni Abreu da Silveira. 1ª Edição. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2009. (Coleção Contextos da Ciência). [4] DUVAL, R. Registros de representação semiótica e funcionamento cognitivo da compreensão em matemática. In.: MACHADO, S.D.A. Aprendizagem Matemática: registros de representação semiótica. 4ª edição. Campinas: Papirus, 2008, 160p. [5] DUVAL, R. L’analyse cognitive du fonctionnement de la pensée et de l’acitivité mathématique. Cours sur les apprentissages intellectuels PUC. São Paulo: Février, 1999. Documento datilografado.

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TEORIA DA INTERAÇÃO A DISTÂNCIA E OS DESAFIOS PEDAGÓGICOS NESTA MODALIDADE

Alexandre Motta1*; José André Peres Angotti2

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina 2 Universidade Federal de Santa Catarina

1. Introdução

Este artigo trata especificamente da Educação a Distância (EaD) e das ações que deverá o professor adotar para promover a interação dos alunos nesta modalidade de ensino, onde a partir dos avanços das tecnologias digitais e das redes de comunicação interativas, está provocando uma grande mudança na relação das pessoas com o saber. São inúmeras as possibilidades para a construção coletiva do conhecimento e colaboração em rede, tornando possível a criação de ambientes que podem não somente complementar os espaços de aprendizagem já conhecidos, mas apontar cenários desafiantes para a educação presencial. 2. Teorias da Educação a Distância Muitas perspectivas teóricas sobre educação a distância têm sido apresentadas durante os últimos trinta anos Uma das primeiras idéias para construção de uma teoria específica para a EaD que fosse abrangente e descritiva ou que apresentasse uma generalidade suficiente para incluir muitas formas de educação, capaz de posicionar um programa nesta modalidade em relação a qualquer outro, desenvolveu-se nos trabalhos de Michael Moore e que desde 1986 vem sendo conhecida como teoria da Interação a Distância (apresentada no próximo item). 3. Teoria da Interação a Distância A teoria da Interação a Distância combina um sistema “industrial” estruturado, que inclui planejamento sistemático, especialização da equipe de trabalho, produção em massa de materiais, automação, padronização e controle de qualidade, bem como utiliza um conjunto completo de TIC’s na estruturação de cursos, com uma relação mais centrada no aluno e interativa do aluno com o professor, sendo que a distância passa a ser um fenômeno pedagógico e não apenas uma questão geográfica, procurando investigar o efeito que esta distância exerce no ensino e no aprendizado, na elaboração do currículo e do curso e na organização e gerenciamento do programa educacional. (Moore e Kearsley, 2007)

Na elaboração de Moore a separação entre professores e alunos na EaD determina que os docentes planejem, apresentem, interajam e articulem outros processos de ensino, de modo diferente do ambiente presencial, ou seja, existe uma natureza especial no comportamento organizacional e de ensino que depende do grau de Interação a Distância; tais comportamentos recaem em dois conjuntos de variáveis denominados de diálogo e estrutura.

O diálogo é um termo usado para descrever interações de professor e aluno com uma determinada finalidade, sendo construtivo e valorizado por cada participante. Sua extensão e natureza são determinadas pela filosofia educacional dos responsáveis pela elaboração de um curso, pela matéria envolvida e por fatores ambientais (linguagem, meios de comunicação). (Moore e Kearsley, 2007)

A estrutura, por sua vez, trata do conjunto de elementos usados na elaboração do curso, tais como: objetivos de aprendizado, temas do conteúdo, apresentações de informações, estudos de caso, ilustrações, exercícios e testes. Também é determinada pela filosofia da organização de ensino, dos professores e do nível acadêmico dos alunos, além dos aspectos ambientais já mencionados. (Moore e Kearsley, 2007)

A extensão do diálogo e o grau de estrutura variam em função do curso, onde os alunos recebem mais ou menos orientação por meio de um diálogo constante ou insuficiente com seus professores existe pouca ou muita Interação a Distância; não havendo diálogo nem estrutura deverão decidir sobre suas estratégias de estudo com mais independência e responsabilidade, onde então se apresenta uma segunda dimensão do estudo – a autonomia do aluno. 4. Estratégias do Professor na Interação

No contexto das teorias de EaD e das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, a atividade do professor se transforma, gerando ferramentas que nos permitem trabalhar com os alunos nos ambientes virtuais de aprendizagem, disponibilizando textos interativos e de configuração hipertextual, apresentando os

* Alexandre Motta: [email protected]

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temas a serem estudados; tornando possível também a realização de diversas atividades para debates, interações e cooperação.

Para o aluno, cria-se um início para o diálogo (variável fundamental na teoria da Interação a Distância de Moore) que vai se desenvolvendo ao longo da semana entre os participantes da aula e onde o aproveitamento depende do quanto se quer acompanhar esse processo.

É papel do professor de educação a distância perceber que em uma mesma tarefa ele deverá conversar com seu aluno e dirigir o estudo, facilitar o aprendizado, esclarecendo dúvidas e dificuldades que forem aparecendo. Palloff e Pratt (2004) afirmam que existe uma modificação no equilíbrio de forças altamente necessária na aula on-line, isto é, uma divisão do poder do professor com seus alunos.

A participação do aluno e as atividades avaliativas também dependem da estratégia do professor, elas precisam ser despertadas, cabendo ao professor modificar sua metodologia de trabalho, visando a construção da comunidade na sala de aula virtual, tentando reduzir o hiato de comunicação na EaD e apontado por Moore em sua teoria.

Os princípios envolvidos na modalidade são aqueles atribuídos a uma forma mais ativa de aprendizagem, com uma diferença: na educação a distância, deve-se prestar atenção ao desenvolvimento da sensação de comunidade entre os participantes do grupo a fim de que o processo seja bem-sucedido. A comunidade é o veículo através do qual ocorre a aprendizagem. Os alunos passam a depender uns dos outros para alcançar os resultados esperados e definidos pelo curso (Pallof e Pratt, 2002). 5. Conclusão

A necessidade de equiparar relações de força na EaD para que o aluno persiga a autonomia, antes evidenciada, remete ao professor a urgência em buscar formação para que isto possa, de fato, acontecer; assim, o professor passa a ser um pesquisador destas situações e novas interações que surgem no contexto.

Cabe ressaltar a liberdade e criatividade de cada professor na busca de alternativas para estas questões em seu trabalho e no âmbito de sua disciplina, tornando-se um desafio a criação de diferentes atividades que inovem no tipo de tarefa que os alunos farão para trabalhar determinados conteúdos; o professor na EaD deve intervir como facilitador da comunicação entre os alunos, o que implica a criação de diferentes metodologias de trabalho para a promoção dessa integração do grupo de sala de aula.

Abreu (2008) ressalta que conhecer significa entender a fragmentação da sociedade atual pós-moderna como um valor que não é necessariamente negativo, mas uma fragmentação que evoca para a importância da criação de mais espaços de interlocução social – presencial e online, enfatizando a construção coletiva e cooperativa do conhecimento.

Continuamos a utilizar uma plataforma técnica específica para a EaD que supere as limitações dos contextos educacionais convencionais, oferecendo novas situações, oportunidades de exploração e cooperação, onde a participação do aluno deve ser despertada e constantemente alimentada pelas ações do professor. Referências [1] ABREU, Ana Silvia Couto de. Evaluación en EaD - Valorando el discurso de los alumnos. III Congresso On Line – Observatorio para La Cibersociedad (2006). Disponível em: http://www.cibersociedad.net/congres2006/gts/comunicacio.php?id=857&llengua=es. Acesso em: 12 nov 2008. [2] MOORE, Michael e KEARSLEY, Greg. Educação a distância: uma visão integrada. Tradução: Roberto Galman. São Paulo: Thomson Learning, 2007. [3] PALLOF, Rena e PRATT, Keith. Construindo comunidades de aprendizagem no ciberespaço: estratégias eficientes para salas de aula on-line. Porto Alegre: ARTMED, 2002. [4] ____________. O aluno virtual: uma guia para trabalhar com estudantes on-line. Porto Alegre: ARTEMED, 2004.

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A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A ECONOMIA DE COMUNHÃO: UMA APROXIMAÇÃO POSSÍVEL.

Maria Helena Ferreira Fonseca Faller1*; Luan Kirchhoff2

1 Mestre em Direito pela UFSC e docente das Faculdades Integradas do Brasil 2 Acadêmico de Relações Internacionais da Faculdades Integradas do Brasil - UNIBRASIL

1. Introdução Este artigo pretende analisar o enquadramento conferido ao princípio da função social da empresa na Constituição Federal de 1988 e as discussões desenvolvidas no âmbito jurídico acerca necessidade de se conferir concretização a esta norma constitucional, considerando a centralidade que a instituição empresa ocupa na sociedade contemporânea. A partir dessa análise, buscou-se identificar as aproximações teóricas existentes entre a teoria da função social da empresa e o projeto Economia de Comunhão (EdC), uma proposta original de atuação na esfera econômica oriunda do Movimento dos Focolares (MF), associação de caráter civil e eclesial, fundado por Chiara Lubich em 1943, na Itália. Os atores deste projeto predispõem-se a não mais separar o momento da produção da riqueza do momento da distribuição. Predispõe-se a transformar os espaços de produção em ambientes onde imperam as práticas de valores como a reciprocidade, a comunhão, o respeito e o reconhecimento do outro. Não obstante, procuram realizar a redistribuição de riqueza, dentro dos limites dimensionais do projeto, destinando parte de seus lucros a projetos de desenvolvimento de pessoas em estado de necessidade. O direito de propriedade adquiriu supremacia no ordenamento jurídico brasileiro, expressando a mentalidade da sociedade em que ele emergiu, uma mentalidade excessivamente individualista, centrada na necessidade de acúmulo de bens. O aspecto distributivo ocupava caráter secundário nas reflexões jurídicas e políticas. O debate sobre a função social no âmbito jurídico veio à tona, quando foi percebida as consequências dessa forma de pensar e produzir o direito. Iniciaram-se as reflexões acerca da necessidade do resgate da intersubjetividade no exercício dos direitos subjetivos, centralmente, do direito de propriedade. O exercício do direito de propriedade deveria ser direcionado também para o bem estar coletivo. A função social da propriedade tornou-se um princípio constitucional, sendo que a função social da empresa recebeu reconhecimento constitucional. Tal reconhecimento manifesta uma necessidade de se direcionar o exercício do direito de propriedade dos bens de produção ao bem estar coletivo, produzindo também a redistribuição de bens. A teoria da função social da empresa se constrói ao redor do entendimento de que uma empresa com função social realiza redistribuição de renda. Tal conclusão pode ser realizada a partir de uma leitura rápida do artigo 170, III da Constituição Federal. Se o parâmetro para a observância do princípio da função social da empresa é a justiça social e a dignidade humana, a redistribuição de renda se faz necessária. Sendo assim, a empresa deve estar voltada a produção de bem estar social gerada em seu interior, primeiramente, para depois irradiar esses efeitos na sociedade na qual se insere. A finalidade da Economia de Comunhão, por sua vez, está encerrada no seu próprio nome, pois é uma proposta econômica que tem a ver com a comunhão entre homens e bens. A Economia de Comunhão representa uma peculiar proposta de comunhão dos frutos decorrentes da fruição da propriedade privada. Propõe-se a introduzir a sociabilidade no cotidiano da vida empresarial mediante uma política de valorização de trabalho e pagamento de salários adequados a cada função, a partir da concepção de que a empresa é um espaço de construção da vida civil, no qual as pessoas devem encontrar um ambiente propício para realizações: realizações de trabalho e realização pessoal. Observa-se nas pesquisas de campo que o ambiente empresarial criado pela vivência dos princípios da EdC desencadeia a criação de uma rede de bem estar social que se forma inicialmente entre os funcionários, para depois atingir clientes e concorrentes e, ao final – e não menos importante – os necessitados, que recebem parte dos lucros produzidos dentro deste ambiente. Não obstante, verifica-se que a destinação de parte dos lucros destas empresas para pessoas em estado de necessidade introduz na economia a redistribuição de renda, com vistas à realização da justiça social. A empresa de EdC busca voltar-se para a sociedade que a abriga e devolvendo os frutos que dela extrai para sua sobrevivência. Sendo assim, verifica-se a existência de grandes aproximações teóricas entre a Teoria da Função Social da Empresa e a Economia de Comunhão, as quais justificam a realização de uma investigação, considerando a necessidade de se discutir alternativas econômicas baseadas na vivência de valores éticos e que procurem contribuir para uma melhor circulação de riquezas na sociedade.

* Autor Correspondente: [email protected]

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2. Método O método de abordagem utilizado foi o dedutivo; método de procedimento, monográfico; com técnica de pesquisa bibliográfica. 3. Resultados e Discussão Verificou-se que o princípio da função social da empresa tem por objetivo central promover uma melhor circulação dos frutos conferidos pelo direito de propriedade dos bens de produção, bem como direcionar a empresa a constituir-se como um espaço de geração de bem estar social. Nesse sentido, tal princípio ganhou primazia no ordenamento jurídico, considerando a centralidade que a instituição empresa ocupa na economia contemporânea.

Identificou-se que o objetivo da ordem econômica constitucional é inserir valores extra-econômicos na economia, sendo necessário pensar as medidas que o princípio da função social da empresa impõe a sociedade e aos proprietários de bens de produção.

Constatou-se que o princípio da função social da empresa não tem inspiração socialista, antes é um conceito próprio do regime capitalista, que legitima o lucro e a propriedade privada dos bens de produção, ao configurar a execução da atividade do produtor de riquezas, dentro de certos parâmetros constitucionais, como exercida dentro do interesse geral. Isto decorre da necessidade de abandono da concepção romana de dominium para compatibilizá-la com as finalidades sociais, principalmente no tocante à redistribuição de rendas.

A partir das discussões teóricas considerando a realidade brasileira apreendeu-se que é preciso transformar o exercício da atividade econômica em uma forma de realização humana, em um espaço de sociabilidade, de reconhecimento humano, gerador de bem estar social, com correta consideração do valor social do trabalho. Não só isso. A redistribuição de renda também se faz necessária. Os empresários de Economia de Comunhão, por sua vez, se propõem a sustentar práticas empresariais fundamentadas nos valores da dignidade humana e no reconhecimento do outro. A vivência da proposta da Economia de Comunhão resulta na disseminação de bem estar coletivo, que é experimentado pelos integrantes do projeto e por eles difundido a partir da interiorização desses comportamentos, que se tornam uma cultura. Nos sujeitos que compõem a EdC é identificável uma orientação a um compromisso que vai além dos limites da empresa. Na sua atividade em favor dos pobres e da disseminação de uma nova cultura aplica-se o princípio da subsidiariedade, realizando uma função de interesse geral. Sua proposta central baseia-se no fato de que as empresas não baseiam seu crescimento no acúmulo de riquezas produzidas, mas na sua distribuição desinteressada, utilizando os bens disponíveis para produzir trabalho e riqueza a serem distribuídos.

4. Conclusão

O encontro entre o principio da função social da empresa e a Economia de Comunhão está resumido no fato de que nesta ocorre a comunhão dos frutos decorrentes da fruição da propriedade privada, não só os frutos materiais, mas sobretudo os imateriais, gerados pela rede de bem estar social que desencadeia.

A aproximação teórica entre as duas teorias se demonstrou possível, vez que a Economia de Comunhão demonstra contribuir para a concretização de direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, de forma pontual, do princípio da função social da empresa.

Os empresários da Economia de Comunhão conferem função social à sua propriedade ao constituírem suas empresas em espaços com práticas cotidianas pautadas nos princípios da comunhão, da reciprocidade, da gratuidade - fundamentados em uma cultura do dar, da partilha. Com isso, geram a possibilidade de realização de um bem estar social, o qual ultrapassa a busca por objetivos meramente individuais e monetários, vez que a empresa passa a tornar-se um espaço de extensão da vida civil. Derruba-se a convicção de que em lugares econômicos não há presença de outros princípios, senão os baseados na máxima eficiência e utilitarismo, sejam qual forem as consequências. Ainda, destinam parte de seus lucros a projetos de desenvolvimento para pessoas em estado de necessidade, objetivando a superação do estado de pobreza. Referências ANDRADE FILHO, Francisco Antonio de, et al. In: Anais do Bureau Internacional da Economia e Trabalho – 1999. Economia de Comunhão e movimento econômico: desenvolvimento e perspectivas. Coordenação Márcia Baraúna. Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação da Economia de Comunhão. Vargem Grande Paulista, SP: Cidade Nova, 1999.

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AS IMPLICAÇÕES DA LÓGICA E DA RETÓRICA NO DISCURSO JURÍDICO

Brunno Silva dos Santos UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí

1. Introdução A demonstração de uma premissa não é ao todo fácil, pois, na maioria dos casos, para se obter êxito em questões onde é necessário discutir ou debater idéias diversas, é essencial o domínio de uma boa oratória e uma boa técnica de argumentação. Uma boa capacidade de argumentação é essencial para o convencimento de outrem, mas esta deve estar repleta de fatores lógicos. A lógica se destaca como uma das principais armas do discurso jurídico, juntamente com a retórica, pois auxilia na demonstração da verdade e na evidenciação dos fatos. Os argumentos lógicos são essenciais à prática jurídica, pois não basta somente uma boa oratória, mas também um grande conhecimento dos assuntos a serem tratados, podendo assim, alcançar o resultado esperado. A lógica tem um papel importante, não só nas atividades jurídicas, mas também em outras atividades profissionais e pessoais. Mas, no âmbito das normas jurídicas, a lógica deve estar vinculada ao direito e às normas jurídicas, tendo como base a ciência jurídica. Por fim, é de grande necessidade ressaltar a importância dessa pesquisa como uma ferramenta para a análise das implicações da lógica como fundamento da retórica no discurso jurídico. 2. Método A pesquisa pautar-se-á no método indutivo, configurada pela pesquisa bibliográfica. 3. Resultados e Discussão Não tem como falar de defesa de idéias sem usar métodos argumentativos com a capacidade de persuadir o interlocutor e levá-lo a outro posicionamento e, se possível, ao convencimento, mas para isso, deve-se fazer uso da lógica. A lógica é composta de premissas e conclusões, sendo a premissa, a idéia fundamentadora, e a conclusão, a idéia fundamentada decorrente daquela premissa. As premissas e as conclusões podem ser verdadeiras ou falsas. Porém, a lógica não guarda absoluta correspondência com a realidade, pois um argumento pode ser lógico, mas isso não quer dizer que a sua conclusão seja necessariamente verdadeira. Já, o argumento, não é verdadeiro ou falso, este pode ser caracterizado apenas como válido ou inválido. De acordo com Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 1997. p. 19-20):

Para aclarar a importante distinção entre veracidade das proposições e validade dos argumentos, tomemos por exemplo, o mais clássico de todos os argumentos, o da mortalidade de Sócrates. Por ele, parte-se da constatação geral de que “todos os homens são mortais” (primeira premissa) e da específica “Sócrates é homem” (segunda premissa), para se chegar à idéia de que “Sócrates é mortal”. Casa uma dessas preposições podem ou não corresponder à realidade. Se efetivamente todos os homens morrem, então a premissa é verdadeira; caso contrário, é falsa

A argumentação é a ferramenta de trabalho da atividade principal do operador do Direito. A argumentação na área jurídica consiste em desenvolver determinada solução a um caso, tendo que estar fundamentada em normas jurídicas. A técnica da argumentação pode ser utilizada por qualquer pessoa, porém, possui maior ênfase na Ciência Jurídica. Os argumentos do jurista formam sua base de sustentação para qualquer decisão, sendo ela favorável ou não. De acordo com Chaïm Perelman (CHAÏM, 1996. p. 505).

A formação de jovens juristas exige que o curso de Lógica seja completado por um curso de Retórica, que não é a arte de falar bem, num estilo florido e empolado: é a arte de persuadir e de convencer, que pode manifestar-se por um discurso ou por um texto escrito e que, para os juristas, consiste essencialmente no uso da argumentação.

No Direito, alguns traços são essenciais para a argumentação, como por exemplo, a fundamentação dos fatos anunciados. De acordo com Robert Alexy (ALEXY, 2005. p. 226)

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Existem dois tipos de fundamentação, sendo elas interna e externa. A fundamentação interna é aquela em que a conclusão já é incluída nas premissas, pois a passagem destas àquela é necessária, ou seja, não é possível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão não. Já a fundamentação externa, é aquela que busca a fundamentação das premissas utilizadas na fundamentação interna.

É necessário que o argumento utilizado seja compreendido e com ele possa chegar a concordância, pois, segundo Jürgen Habermas (HABERMAS, 1996. p. 12-13), “a concordância baseia-se no reconhecimento das quatro pretensões de validade correspondentes: compreensibilidade, verdade, sinceridade e acerto”. O argumento da defesa de uma premissa pode ser dedutivo, é aquele em que, a partir de premissas gerais e verdadeiras, chega-se a uma conclusão específica e, ao mesmo tempo, verdadeira, tendo também por característica a necessidade, pois, uma vez que admitimos as premissas como verdadeiras, teremos que admitir a conclusão como tal, porque esta decorre necessariamente das premissas, por exemplo: Só há movimento no carro, se houver combustível. O carro está em movimento. Logo, há combustível no carro; ou indutivo, que parte de um aspecto ou premissa particular para um aspecto geral, fazendo deste modo, generalizações de casos particulares, por exemplo: O ouro conduz eletricidade e é um metal. O ferro, o zinco, o bronze, a prata, também são metais e conduzem eletricidade. Logo, todo metal conduz eletricidade. É possível notar que, a estruturação ou organização das premissas é baseada em uma lógica, onde uma premissa está ligada a outra, proporcionando assim, ao argumento, um caráter lógico. Conforme Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 1997. p. 17):

O argumento pode ser lógico, mas isso não que dizer que a sua conclusão seja necessariamente verdadeira, isto é, corresponda a realidade. Muito pelo contrário, a única garantia que o raciocínio lógico oferece é a de que, sendo verdadeiras as suas premissas e válida a inferência, a conclusão será verdadeira.

Assim como a lógica, a retórica (faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuasão) é muito importante no argumento jurídico. Esta é capaz de, no decorrer de uma discussão, descobrir o que é próprio para persuadir. Para argumentar na retórica podemos simplesmente raciocinar e deduzir, partindo de proposições já demonstradas ou de outras que ainda não são demonstradas, mas precisam de demonstração. O discurso abrange três elementos: A pessoa que fala, o assunto de que se fala e a pessoa a quem se fala (ouvinte); e também abrange três gêneros de discurso oratório: o gênero deliberativo (aconselhar ou desaconselhar), o gênero judiciário (acusar e defender), e o gênero demonstrativo (elogio e censura). Segundo Aristóteles (ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. 17 ed. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Ediouro, 2005. p. 39):

Cada um destes gêneros tem por objeto uma parte do tempo que lhe é próprio: para o gênero deliberativo, é o futuro, pois que delibera-se sobre o futuro, para aconselhar ou desaconselhar; para gênero judiciário, é o passado, visto que a acusação ou a defesa incide sempre sobre fatos pretéritos; para o gênero demonstrativo, o essencial é o presente, porque para louvar ou para censurar apoiamo-nos sempre no estado presente das coisas; contudo sucede que frequentemente utilizamos a lembrança do passado ou presumimos o futuro.

Ainda dentro do discurso jurídico, conceituam-se duas teorias como fundamentais. A da justificação interna, onde se verifica se a decisão é seguida logicamente das premissas expostas como fundamentação; e a da justificação externa, que tem como função, a correção destas premissas. 4. Conclusão Pode-se concluir então, que a lógica e a retórica são fatores essenciais em uma boa argumentação, e podem ser usados tanto na prática jurídica quanto na vida profissional e pessoal de cada um. Sendo a argumentação essencial na defesa de idéias e valores, tendo a capacidade de persuadir e por fim, convencer o ouvinte.

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Referências COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de Lógica Jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1997. CHAÏM, Perelman. Ética e Direito. Tradução de Mátria Ermantinna Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução de Claudia Toledo. 2 ed. São Paulo: Landy editora, 2005. HABERMAS, Jürgen. Racionalidade e Comunicação. Tradução de Paulo Rodrigues. Lisboa: Edições 70, 1996. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. 17 ed. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Ediouro, 2005.

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CIDADANIA, DIREITO COSMOPOLITA E IMIGRAÇÃO: REFLEXÕES A PARTIR DE H. ARENDT E S. BENHABIB

Raissa Wihby Ventura1*

Raquel Kritsch² ¹ ² Universidade Estadual de Londrina

1. Introdução Ninguém pode ser cidadão do mundo quando é cidadão do seu país (ARENDT, 2008:90) [2].

O diagnóstico de Hannah Arendt, segundo o qual os refugiados, apátridas e os destituídos de direitos

marcariam a face do século XX, confirmou-se de modo assustador, afirma Habermas [6]. Arendt chega a esta afirmação visionária a partir da compreensão da necessidade de questionar a inalienabilidade dos direitos do homem frente à realidade posta a partir da Primeira Guerra Mundial, marcada pelo aumento do número de apátridas e de minorias que haviam sido expulsas de suas comunidades de pertença que se (re)organizavam sob a égide da Trindade Povo-Estado-Território, vulgo Estado-nação. Estes refugiados, sem encontrar lugar algum em um mundo politicamente organizado e ocupado, sem serem considerados cidadãos em qualquer parte e, com isso, sem se valer dos direitos humanos, tornam-se efetivamente desnecessários e indesejáveis. Essa situação deteriorou-se até o campo de internamento – que, até a Segunda Guerra Mundial, era exceção e não regra para os grupos de apátridas – e tornou-se uma solução de rotina para problemas relacionados aos “deslocados de guerra”.

Nenhum paradoxo da política contemporânea, segundo Arendt, é tão dolorosamente irônico quanto a discrepância entre os esforços de idealistas bem-intencionados, que persistiram em considerar “inalienáveis” os direitos desfrutados pelos cidadãos, e a situação de seres humanos sem direito algum. Nesse sentido, o grande paradoxo da perda dos direitos humanos, que ocorria concomitantemente à perda dos direitos nacionais, é que esta coincide com o instante em que pessoas se tornam um ser humano em geral e diferente em geral, representando somente a sua individualidade absoluta e singular, privada de exercer suas faculdades humanas, de modo que a ação sobre o mundo perde todo o seu significado [1]. Esta experiência levou a autora a concluir que a cidadania é o direito a ter direitos (e isso significa viver em uma estrutura onde se é julgado pelas ações e opiniões).

Analisando de maneira mais detida e específica a frase “direito a ter direitos”, Seyla Benhabib [3] chega à conclusão de que o primeiro uso da palavra “direito” se refere à humanidade como tal, evocando um imperativo moral, pois enuncia a necessidade de tratar todos os seres humanos como pessoas pertencentes a algum tipo de grupo humano cuja responsabilidade é protegê-lo. O segundo uso do termo “direito” tem como premissa o direito à filiação a algum grupo. O uso é fundamentalmente jurídico-civil por sugerir uma relação triangular entre a pessoa a quem corresponde o direito, o outro para quem a obrigação cria um dever e a proteção destes direitos, sendo esta realizada por algum órgão legal estabelecido, ou seja, o Estado e seu aparato. 2. Método

Numa primeira etapa, a pesquisa consistiu numa revisão bibliográfica, a partir da produção acadêmica tanto de H. Arendt e S. Benhabib quanto de seus comentadores mais importantes, por meio da qual se pretendeu levantar uma bibliografia básica sobre os temas da pesquisa, com o intuito de definir e delimitar os três conceitos principais que se pretendeu estudar: direitos humanos, direito cosmopolita e cidadania. Em seguida, foram feitas leituras preliminares e fichamentos da bibliografia selecionada na primeira etapa. 3. Resultados e Discussões

O questionamento em relação à delimitação das fronteiras dos Estados e sobre a filiação política indicariam que mudanças significativas estariam ocorrendo em relação à constituição do Estado-nação moderno. Afirma Benhabib [3] que, desde o século XVI até o século XIX, o Estado lutou no Ocidente por

1 Raissa Wihby Ventura: [email protected]

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domínio territorial, controle administrativo, consolidação de uma identidade cultural coletiva e pela legitimidade política mediante a crescente participação popular. Este sistema do Estado-nação, caracterizado pelo “mundo interior” da política territorialmente delimitada e pelo “mundo exterior” das relações diplomáticas e militares, estaria sendo profundamente reconfigurado.

O curso das mudanças, recorda a autora, é explicado por David Held como a “desterritorialização da política, do governo e da lei” [5]. Em um contexto cada vez mais volátil, o Estado-nação teria se tornado demasiadamente pequeno para lidar com os vários problemas que surgem num mundo cada vez mais interdependente ao mesmo tempo em que sua configuração é vasta demais para conter as aspirações identitárias de movimentos sociais e regionalistas. Nestas condições, a territorialidade teria se convertido em uma delimitação anacrônica de funções materiais e identidades culturais, provocando mudanças na concepção de cidadania unitária, que une a residência em um único território sob o domínio de uma só administração de um povo que se percebe como um ente mais ou menos coeso. O fim deste modelo explicativo não significa, contudo, que esteja obsoleto seu domínio no imaginário político e sua força normativa como guia das instituições. Significa, isto sim, que é necessário pensar outras formas de ação e subjetividade política que antecipariam novas modalidades de cidadania política; e é justamente esta a tarefa que Benhabib se propõe a realizar.

Frente a tais questões impostas pelo que acredita ser a nova configuração do mundo moderno, Benhabib busca desenvolver uma concepção de direito cosmopolita capaz de abarcar os dois pólos da legitimidade dos entes políticos democráticos: princípios de direitos universalistas e as reivindicações da autodeterminação soberana. Na construção desta análise, ela parte essencialmente das categorias arendtianas apresentadas até aqui. Além deste esforço de reconstrução do pensamento da autora, Benhabib busca mostrar a importância de compreender as formulações de Kant, autor que exerceu grande influência nos escritos de Arendt, para a análise daquelas pessoas que por diversos motivos cruzam as fronteiras dos Estados nacionais.

Benhabib [3], ao discutir a herança kantiana na formulação arendtiana sobre o direito cosmopolita, procura mostrar as tensões que emergem entre a obrigação moral de outorgar a residência a cada ser humano e a prerrogativa do soberano republicano de não estender o direito temporário de estadia para o de permanecer como membro. Outorgar este direito seria uma prerrogativa do soberano republicano e envolveria um ato de beneficência. De acordo com Arendt, a implantação do direito a ter direitos necessita do estabelecimento de instituições republicanas que garantiriam a igualdade de cada um por meio do reconhecimento de todos. Sendo assim, a constituição republicana traria a possibilidade de transformar as desigualdades e exclusões entre os seres humanos em um regime de reivindicações de direitos humanos.

Em Kant [7], não existe direito moral à residência permanente e, para Arendt, não existe maneira de escapar da arbitrariedade histórica da fundação republicana, que sempre incluirá alguns e excluirá outros tantos. Assim, a igualdade republicana seria diferente da igualdade moral universal; e o direito a ter direitos não poderia tornar-se uma realidade com a formação de um Estado mundial, ou outra organização global, que só se constituiria pela vontade coletiva de entes políticos circunscritos, que, por sua vez, perpetram o próprio regime de exclusão. Discordando de Arendt, Benhabib [3] reivindica que o direito a ter direitos deve ser entendido como o reconhecimento da condição universal de cada um e todos os seres humanos, independente de sua cidadania nacional. Contra Kant, afirma que a naturalização não deve ser um privilégio soberano, mas sim um direito humano universal.

Contudo, não obstante as possíveis limitações destas formulações em Kant, a autora conclui que é possível que se capture as contradições estruturais entre os ideais republicanos e os ideais universalistas do período revolucionário moderno, o que Arendt, à sua maneira, também mostrou em relação à proclamação dos direitos humanos e da soberania popular. Na esteira destas propostas de análise, Benhabib [3-5] busca evidenciar a tensão entre o particular e o universal nas democracias liberais contemporâneas, a partir da análise daquilo que denomina “o paradoxo da legitimidade democrática”, constitutivo das democracias modernas: as afirmações da autodeterminação soberana e dos princípios dos direitos humanos.

A partir de um ponto de vista filosófico, afirma a autora, as migrações transnacionais destacam justamente este dilema, denominado por ela de “o paradoxo da legitimidade democrática”. Frente a tais problematizações, Benhabib argumenta que, mesmo que este paradoxo nunca possa ser resolvido completamente nas democracias modernas, seus impactos podem ser minimizados através de uma renegociação e reiteração dos compromissos duais dos direitos humanos e da autodeterminação soberana. Defende, seguindo a tradição kantiana do federalismo cosmopolita, uma “adesão democrática” dos grupos ou indivíduos que pode não estar dirigida à estrutura dos Estados nação existentes. Ao contrário, ao desagregar-se a instituição da cidadania territorialmente delimitada e ao surgir, concomitantemente, uma tensão na soberania estatal, emergem espaços subnacionais assim como supranacionais para adesão e para ações democráticas, nos quais os indivíduos devem promover-se como entes políticos existentes. Ressalta ainda a

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relevância de se respeitar as reivindicações das diversas comunidades democráticas, incluindo suas compreensões distintas referentes à cultura e à lei, fortalecendo, com isso, as normas da justiça cosmopolita.

Partindo desta idéia, Benhabib [5] defende que uma teoria cosmopolita da justiça deve incorporar uma concepção de filiação política justa; em contraposição às teorias neokantinas da justiça internacional, que estariam voltadas para as questões de distribuição de recursos e direitos, antes de levarem em consideração o problema da filiação política, Benhabib reivindica que “the new politics of cosmopolitan membership is about negotiating this complex relationship between rights of full membership, democratic voice and territorial residence”. Para a formulação da proposta de se construir um outro cosmopolitismo (Another Cosmopolitanism), Benhabib afirma que se deve: reconhecer o direito moral dos refugiados e asilados a uma primeira adesão; um regime de fronteiras porosas para os imigrantes; uma lei contra as desnacionalizações e contra a perda dos direitos de cidadania; a reivindicação de todo o ser humano ao direito a ter direitos, de ser reconhecido como uma pessoa legal, possuidora de certos direitos inalienáveis, independente da sua filiação política. 4. Conclusão

A partir do que foi dito até aqui, é possível afirmar que Benhabib pretende mostrar que o processo de globalização geraria mudanças também no conceito de cidadania democrática, por meio do surgimento de um discurso mundial de direitos humanos e do crescimento das redes de solidariedade transnacional entre culturas e regiões em torno de questões comuns, como é a dos imigrantes. Estes movimentos indicam, para Benhabib [5], o surgimento de novas modalidades de ações e coordenações políticas e éticas em um novo mundo. Mostram que a cidadania democrática pode exercer suas funções tanto em fronteiras nacionais quanto em contextos transnacionais, o que indica a existência de comunidades políticas fraturadas que seguem negociando os termos de suas próprias identidades coletivas no marco dos debates migratórios. Mas, como ela fundamenta uma concepção de pertencimento político baseada nesta suposta cidadania democrática que transcenderia os contextos nacionais?

Segundo Benhabib o pertencimento político deve ser entendido a partir do ponto de vista da ética discursiva e de uma teoria normativa de democracia. A ética discursiva é entendida, no modelo explicativo proposto pela autora, enquanto uma metanorma, ou seja, normas específicas para serem consideradas válidas devem ser colocas à prova através do procedimento que responde aos critérios da ética do discurso. De acordo com a interpretação de Benhabib, esta metanorma pressupõe dois princípios: o respeito moral universal e a reciprocidade igualitária. O respeito moral universal significa o reconhecimento dos direitos de todos os seres capazes de falar e agir como participantes em uma conversação moral; o princípio da reciprocidade igualitária, interpretado a partir dos limites da ética discursiva, estipula que, nos discursos, cada um deveria possuir os mesmos direitos a vários atos de fala, a iniciar novos temas e a reclamar a justificação dos pressupostos da conversação.

O problema do alcance de quem deve ser incluído ou não no discurso sempre representou uma dificuldade para se pensar a ética discursiva. No caso da condição de membro político, o problema do alcance discursivo impõe um conjunto de dificuldades diferentes, explica Benhabib. Dado que a teoria discursiva articula uma postura moral universalista, não se pode limitar o alcance da conversação moral somente aos residentes dentro das fronteiras reconhecidas nacionalmente: deve-se entender a conversação moral como potencialmente estendível a toda a humanidade. Isso quer dizer que cada pessoa e todo o agente moral que possui algum interesse e a quem minhas ações e as conseqüências de minhas ações podem afetar de alguma maneira é potencialmente um participante da conversação moral: todos têm a obrigação moral de justificar suas ações por meio de razões frente aos outros indivíduos. Todos são participantes em potencial de uma conversação de justificação. Assim, as estipulações da ética discursiva não podem ser estendidas ao domínio do pertencimento político sem a ajuda de uma elaboração normativa mais refinada.

É justamente esta a tarefa que Benhabib articula: pensar a ética discursiva a partir das questões colocadas pelas políticas de admissão dos Estados, relacionada a uma concepção de cosmomopolitismo não como um projeto ético global, menos ainda como um conjunto de atitudes e escolhas isoladas, mas como a emergência de normas que deveriam reger relações entre indivíduos em uma sociedade civil global. Estas normas não seriam somente morais ou legais, e sim deveriam ser caracterizadas em um contexto global como “morality of the Law”; assinalariam a eventual legalização e juridificação das reivindicações dos seres humanos por direitos, não obstante a filiação a esta ou àquela comunidade política. Nesse sentido, o pertencimento a uma comunidade política circunscrita territorialmente, definida como Estado-nação, não é menos importante para a formulação que Benhabib pretende construir. Referências

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O DIREITO FUNDAMENTAL A UMA TUTELA TEMPESTIVA: A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA COMO CONCRETIZAÇÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Débora Bós e Silva*; Paola Leonetti

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – São Leopoldo RS

1. Introdução A presente pesquisa está vinculada ao projeto denominado “Processo e Constituição: a construção das

funções democráticas de acesso à justiça”, tendo como orientador o profº Dr. Darci Guimarães Ribeiro, e visa demonstrar a concretização da democracia participativa através do acesso à justiça por meio do instrumento da tutela antecipada.

Nessa perspectiva incumbe ao cidadão, sujeito realizador da democracia, através do exercício da cidadania, pressionar as instituições para concretizar seus interesses.

Isso exige do Poder Judiciário um juiz atuante e criativo na efetivação do direito e na solução das legítimas pretensões sociais, devendo o mesmo ter uma postura socialmente responsável, possibilitando assim a justiça social, requisito essencial da democracia participativa.

Os Direitos Fundamentais foram sendo construídos com o decorrer do tempo e surgiram como forma de controlar os abusos do poder oriundos do próprio Estado, e, felizmente, consagraram princípios básicos como o direito à vida e à liberdade.

O respeito aos direitos fundamentais só pode ser efetivado concretamente quando da plena existência de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, que respeite os valores inerentes à democracia.

Com a finalidade de concretizar os valores constitucionais prometidos, o processo se mostra um grande aliado, pois, já no início da lide, o ordenamento prevê regras voltadas a uma decisão tempestiva, ou seja, destinadas a amparar o direito ameaçado ou lesionado pela demora da prestação jurisdicional, visto que a morosidade acarreta em uma meia-justiça, isto é, uma injustiça.

A democracia participativa se constitui em uma das expressões mais vivas da união de um povo, porquanto, os une, instigando a sua participação frente às decisões de cunho político de sua sociedade, e constituindo-se, como a única saída à crise do ordenamento jurídico.

Como vivemos atualmente em uma sociedade de risco, a decisão judicial urgente se torna o dispositivo mais adequado para evitar o risco da não-decisão, se refletindo em uma frustração das expectativas sociais referentes às supostas garantias que outorgaria o direito.

Dessa forma, um dos objetivos do trabalho é dar um novo viés, centrado na concretização tempestiva dos direitos, mais especificamente, através do instrumento da tutela antecipada. Ou seja, o presente trabalho não busca falar especificamente sobre o instrumento da tutela antecipada, mas sim a utilização deste instrumento para proteger os direitos fundamentais na concretização da democracia participativa, tendo o Poder Judiciário inegável posição de protagonista na realização dos direitos fundamentais, cuja efetivação só poderá ocorrer com o comprometimento coletivo pelo bem-estar, possibilitando assim, o acesso pleno a verdadeira justiça.

Assim, o objetivo da pesquisa é, a concretização da democracia participativa, atentando os cidadãos de sua vital importância para tal crescimento social, por meio do instrumento da tutela antecipada, de forma que, incumbe ao juiz uma maior participação social, tendo o mesmo uma maior consciência da força vinculante do seu papel para alcançar a justiça social, por meio dos instrumentos postos à sua disposição 2. Método

Investigaremos se o processo jurisdicional é capaz de realizar, através da efetiva participação democrática o direito fundamental a uma tutela tempestiva consubstanciado em nossa Carta Magna.

Para alcançar este desiderato utilizamos o método histórico e o método investigativo da hermenêutica filosófica, que permite compreender de forma eficaz o fenômeno jurídico em sua verdadeira essência. 3. Resultados e Discussão

Como resultado parcial concluímos que a tutela antecipada vem sendo buscada como forma de concretização da garantia constitucional de uma decisão tempestiva e efetiva, que encontra previsão no art. 5º, inc. LXXVIII da CF/88.

Muitas vezes não basta assegurar a tutela jurisdicional, é preciso que essa tutela seja efetiva, pois do contrário, ocorrerá o perecimento do direito.

*: [email protected]

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Decisões dadas de forma intempestivas rompem com o objetivo constitucional consubstanciado em nossa Constituição Federal de 1988.

Concluímos também que no momento em que o próprio sistema jurídico gera “injustiças” quando fornece uma prestação jurisdicional intempestiva e, portanto, inadequada, acaba por acarretar no início de um processo de desintegração das bases jurídicas da sociedade, visto que uma decisão intempestiva jamais será efetiva.

Casos práticos Medicamentos A antecipação de tutela visando medicamentos tem sido buscada de forma freqüente na Justiça

Brasileira nos últimos anos. No dia 17.03.2010, o STF concluiu que os cidadãos brasileiros têm amplos direitos à saúde, independentemente de terem condições de financiar medicamentos, tratamentos, exames de

diagnósticos e até períodos em Unidades de Terapia Intensiva. De acordo com a decisão unânime, quando o acesso aos remédios e ao tratamento é negado, é legítimo que pacientes entrem com ações na Justiça pedindo que o poder público arque com os custos, inclusive os caros, como de câncer e doenças neurodegenerativas. As ações analisadas pelo tribunal foram protocoladas na Justiça por pacientes portadores de doenças neurodegenerativas, leucemia, Alzheimer, diabetes tipo 1 e problemas cardíacos. Em todos os casos, foi determinado que o poder público arcasse com os custos dos tratamentos.

Fig. 1 Medicamento sendo entregue pelo Estado

Fornecimento de materiais para alunos carentes de recursos O fornecimento de materiais para alunos carentes de recursos é cabível

como antecipação de tutela, como no caso, por exemplo, de ação ajuizada pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, requerendo que o Estado do Rio Grande do Sul forneça aos alunos carentes de recursos “kits” de material didático-escolar sob pena de bloqueio dos referidos valores nos cofres públicos, bem como de multa diária.

Para a efetividade da ordem judicial, é possível o bloqueio de verbas públicas, medida que se mostra menos gravosa à sociedade e que visa a tornar efetiva a ordem judicial, garantindo aos alunos o material didático-escolar de que necessitam. Fig. 2 Material escolar

Redução de alimentos em sede de antecipação de tutela Quando presente prova cabal da incapacidade financeira do requerido ou da desnecessidade do

alimentado, é cabível redução de alimentos em sede de antecipação de tutela, cabendo ao alimentante comprovar a alegada alteração do binômio necessidade e possibilidade. Se trata de um caso excepcional, porém, pode ocorrer.

Fig. 3 Incapacidade financeira

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Regulamentação de visitas avoengas A regulamentação de visitas avoengas (avô, avó ou qualquer outro ancestral

remoto) é possível em sede de antecipação de tutela, ainda que, de caráter excepcional.

É o caso, por exemplo, de uma avó que possuindo vínculos afetivos muito próximos com a neta, ajuíza ação em sede de antecipação de tutela, requerendo a regulamentação de visitas, que permita que ela continue mantendo os vínculos com a neta, a qual passou a residir no domicílio do genitor.

Comprovando-se o vínculo existente entre a avó e a neta, o estreito e afetuoso relacionamento entre as duas deve ser preservado tanto quanto possível. Fig. 4 Vínculo afetivo entre neta e avó

Antecipação dos valores referentes à cirurgia e tratamento posterior A antecipação dos valores referentes à cirurgia e tratamento posterior, é cabível em nosso

ordenamento processual, como é o caso, por exemplo, de autor que ajuíza ação de antecipação de valores referentes a cirurgia e tratamento posterior, - fisioterapia -, em face de amputação dos dedos, por ato violento de um dos réus, após uma briga de trânsito. É cabível, pois, o art. 273 do CPC afirma que o juiz poderá a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Neste caso, a verossimilhança se caracteriza pela existência de testemunha e pelo fato do réu não

contestar a afirmação do autor. A urgência, pelo perigo de demora na prestação jurisdicional é presumida em relação à necessidade de tratamento de fisioterapia para recuperação dos movimentos das mãos. Fig. 5 Antecipação de valores

Antecipação de tutela quanto ao acesso à educação O direito à educação é considerado direito social, incluído na Constituição Federal de 1988, e, assim

sendo, seu atendimento pelo Poder Público firma o interesse público da ação. Não se trata de direito individual, ainda que o beneficiário seja o indivíduo, mas de direito público e social. Assim, é cabível, por exemplo, ação de antecipação de tutela, movida por um menor, contra o Município requerendo que o mesmo o matricule na educação infantil de escola pública próxima de sua residência ou que seja adquirida vaga na rede privada. Cabe a sua efetivação, consoante ao art. 208, IV que afirma que: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.”, bem como, do art. 227, que lança prioridade à criança e ao adolescente.

Fig. 6 Acesso à educação 4. Conclusão

O papel do Poder Judiciário é de proclamador dos direitos e garantias constitucionais como forma de efetivação da democracia participativa, cujo controle é traduzido na extensão do ciclo de transformação da sociedade democrática, observando que o acesso à justiça não se restringe ao acesso ao Judiciário como instituição, mas sim como forma de concretização da justiça, tornando o processo um instrumento mais célere, e conseqüentemente, mais justo, contribuindo para a concretização do verdadeiro ideário constitucional.

A participação popular não é dispensável, pelo contrário, é necessária, como fonte das ações

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governamentais, mesmo porque discutir essas questões significa promover a dignidade do homem a partir de seu bairro, da instituição de ensino dos seus filhos, do hospital que lhe presta atendimento médico e de outros interesses essenciais. E, como realização da democracia participativa deve ser efetivada pelo Poder Judiciário, entendido como legítima instituição capaz de solucionar os diversos conflitos de interesses, cabendo ao juiz fazer o direito.

Em um sistema provedor, o Estado sendo poderoso pode preencher, corrigir e suprir as necessidades de seu povo. Por isso, diante de suas falhas, a confiança e esperança se voltam para a justiça.

A cooperação entre os diferentes atores da democracia não é mais assegurada pelo Estado, mas pelo Direito, que se colocada como uma nova linguagem política, criando um novo espaço de exigibilidade da democracia participativa.

Esse espaço de exigibilidade oferece aos cidadãos a possibilidade de interpelarem seus governantes intimando-os a respeitar as promessas contidas na lei, oferecendo assim, uma ação mais próxima e permanente que a representação política clássica. Referências CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes. 2000. CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. Belo Horizonte: Líder. 2002. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. 1988. TROCKER, Nicolò. Processo Civile e Costituzione. Itália: Dott. A. Giuffré. 1974. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo. Julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense. 1999. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris. 1991. SILVA, Jaqueline Mielke. Tutela de Urgência: De Piero Calamandrei a Ovídio Araújo Baptista da Silva. Porto Alegre: Verbo Jurídico. 2009. HERKENHOFF, João Batista. O direito processual e o resgate do humanismo. Rio de Janeiro: Thex Editora. 1997. ROCHA, Cesar Asfor. Cartas a um jovem juiz: cada processo hospeda uma vida. Rio de Janeiro: Elsevier. 2009. NUNES, Luiz Antonio. Cognição judicial nas tutelas de urgência. São Paulo: Saraiva. 2000. MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006. Agradecimentos

Agradecemos ao professor Dr. Darci Guimarães Ribeiro, - exemplo de jurista e professor dedicado -, pelas orientações prestadas no decorrer do nosso trabalho, de quem temos o privilégio e honra de fazermos parte de sua equipe de pesquisa.

À nossa família, onde se encontram as maiores alegrias da vida, nosso porto seguro que nos estimula a desenvolver as nossas potencialidades, superando nossos próprios limites, alçando novos vôos e poderosa âncora que nos segura nos momentos de tormenta.

Aos amigos, que nos impulsionam para os nossos sonhos, participam de nossas vitórias e, principalmente, pelo carinho e amizade, que contribuem para promover a nossa felicidade.

Às funcionárias do Programa de Pós-Graduação em Direito pela sua cortesia, disponibilidade e dedicação no andamento das tarefas atinentes à pesquisa.

À Unisinos, representada pelo reitor Marcelo Fernandes de Aquino, pelo incentivo à pesquisa em nossa universidade, visto que a investigação científica constitui a base da inovação e do desenvolvimento de uma universidade moderna, contribuindo para a construção de um ensino diferenciado com reflexos positivos em nossa sociedade.

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UMA DISCUSSÃO SOBRE O CONCEITO DE DEMOCRACIA DELIBERATIVA. Bárbara Cristina Mota Johas1.

Universidade Estadual de Londrina. 1. Introdução.

A democracia deliberativa constitui-se como uma alternativa teórica que busca articular participação política substantiva e forma institucional, procurando novas alternativas ao modelo de democracia liberal. Os deliberativistas propõem ampliar o espectro de participação dos cidadãos para além do ato de votar, incorporando os processos de deliberação da sociedade civil na regulação da vida pública. Portanto, o modelo deliberativo funda-se nas noções de comunicação e de deliberação pública. Daí decorre que a estrutura deste modelo de legitimação democrática tem como umas de suas questões centrais, e também mais problemáticas, a definição da estrutura institucional que viabiliza (ou não) uma participação pública e plural. O objetivo desta comunicação é discutir as possibilidades e limites dessa teoria.

Um dos elementos de maior importância para as teorias democráticas, como é sabido, é o modelo de sociedade que a ela corresponde; em contrapartida, não existe um consenso quanto ao tipo de sociedade civil mais adequado para uma política democrática moderna. Dito de outra maneira, a relação entre modelos normativos de democracia, projetos de democratização, estruturas, instituições e dinamismo da sociedade civil constitui-se enquanto elemento de difícil definição dentro das várias teorias democráticas. No interior do debate sobre a democracia, J. Habermas desponta como um autor que busca uma “via alternativa” frente aos modelos Republicano e Liberal.

2. Método

Neste texto será apresentada a articulação habermasiana dos conceitos de soberania popular e direitos humanos, a partir de uma perspectiva dialógica do processo de legitimação do Estado Democrático, com o intuito de demonstrar como Habermas traça um caminho que vai da desconstrução das interpretações correntes sobre estes conceitos até um processo de reconstrução destes mesmo conceitos em novas roupagens, permitindo uma “terceira via de interpretação” acerca das bases que fundamentam o Estado Democrático de Direito. O modelo discursivo defendido por Habermas integra duas tradições teóricas tidas como antagônicas na história do pensamento político, o Republicanismo e o Liberalismo. Em consonância com o republicanismo, reserva uma posição central para o processo político de formação da vontade, sem contudo ver na constituição jurídico-estatal um elemento de segundo plano: para além disso, a teoria do discurso concebe os direitos fundamentais e princípios do Estado de direito como uma resposta conseqüente à pergunta sobre como institucionalizar as exigentes condições de comunicação do procedimento democrático. A teoria discursiva não torna a efetivação de uma política deliberativa dependente de um conjunto de cidadãos coletivamente capazes de agir, mas sim da institucionalização dos procedimentos que lhe digam respeito. Ela não opera por muito tempo com o conceito de um todo social centrado no Estado e que se imagina, em linhas gerais, como um sujeito que age orientado por um objetivo. Tampouco situa o todo em um sistema de normas constitucionais que inconscientemente regram o equilíbrio do poder e de interesses diversos de acordo com o modelo de funcionamento do mercado. Ela se desvincula de todas as figuras de pensamento que sugeriram atribuir à práxis de auto-determinação dos cidadãos a um sujeito social totalizante, bem como daqueles que sugeriram identificar o domínio anônimo da lei a sujeitos individuais concorrentes entre si.

Em face destas discussões, é importante ressaltar a mudança de paradigma defendida por 1 [email protected]

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Habermas: ele recusa a filosofia do sujeito e sustenta uma compreensão intersubjetiva das relações sociais, presentes em processos de entendimento mútuo que se constituem, por um lado, na forma institucionalizada de aconselhamentos em corporações parlamentares; e, por outro lado, na rede de comunicação formada pela opinião pública de cunho político. A formação da opinião e da vontade, que se dá de maneira informal, desemboca em decisões eletivas institucionalizadas e em resoluções legislativas pelas quais o poder criado por via comunicativa é transformado em poder administrativamente aplicável. Como no modelo liberal, respeita-se o limite entre Estado e sociedade; aqui, porém, a sociedade civil, como fundamento social das opiniões públicas autônomas, distingue-se tanto dos sistemas econômicos de ação quanto da administração pública.

3. Resultados e discussões.

Dessa compreensão democrática resulta a exigência de um deslocamento dos pesos que se aplicam a cada um dos elementos na relação entre os três recursos a partir dos quais as sociedades modernas satisfazem sua carência de integração e direcionamento, a saber: o dinheiro, o poder administrativo e a solidariedade. Disto decorre que as implicações normativas tornam-se claras: o poder integrador da solidariedade, que não se pode mais tirar apenas das fontes da ação comunicativa, precisa desdobrar-se sobre opiniões públicas autônomas e amplamente disseminadas, e sobre procedimentos institucionalizados por via jurídico-estatal para a formação democrática da opinião e da vontade. Além disso, ele precisa também ser capaz de afirmar-se e contrapor-se aos dois outros poderes, ou seja, ao dinheiro e ao poder administrativo.Assim, a partir desta perspectiva discursiva, tem-se uma compreensão diferente acerca da legitimidade e da soberania popular. Na concepção liberal, a formação democrática da vontade tem exclusivamente a tarefa de legitimar o exercício do poder político: o resultado eleitoral equivale a uma ‘licença’ para o exercício do poder político e seus ocupantes devem prestar contas à opinião pública e ao parlamento. No republicanismo, a formação democrática da vontade tem a função de constituir a sociedade como uma coletividade política e de manter viva a cada período eleitoral a lembrança deste ato fundador. O governo é parte de uma comunidade política que se administra a si própria, e não o topo de um poder estatal separado. Com a teoria do discurso, uma nova perspectiva entra em cena: nesta, procedimentos e pressupostos comunicacionais da formação democrática da opinião e da vontade funcionam como importantes escoadouros da racionalização discursiva das decisões de um governo e uma administração vinculados ao direito e à lei. Racionalização aqui ultrapassa o significado de uma mera legitimação, transformando-se na própria ação de constituir o poder. O poder administrativamente existente modifica seu estado de simples agregado, desde que seja retroalimentado por uma formação democrática da opinião e da vontade, que não apenas exerce posteriormente o controle do exercício do poder político, mas que também o “programa”, de uma maneira ou de outra.

Para além disso, o poder político constitui-se somente como um ente de ação, ou seja, um sistema parcial especializado em decisões coletivas vinculativas, ao passo que as estruturas comunicativas da opinião pública compõem uma rede amplamente disseminada de sensores que reagem à pressão das situações problemáticas do todo social e que simulam opiniões influentes. A opinião pública transformada em poder comunicativo, segundo procedimentos democráticos, não pode “dominar”, mas apenas direcionar o uso do poder administrativo para determinados canais. Ao conceito de democracia discursiva corresponde a imagem de uma sociedade descentralizada, que diferencia e autonomiza, com o auxílio da opinião pública, um cenário propício à constatação, identificação e debate de problemas pertinentes à sociedade como um todo.

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Ora, quando se abandona a formação de conceito ligada à filosofia do sujeito, a soberania não precisa mais se concentrar no povo de forma concretista, nem se refugiar na indefinição de competências atribuídas pelo direito constitucional. O elemento próprio da comunicação jurídica que assim se organiza desaparece em formas de comunicação isentas de sujeitos, as quais regulam o fluxo da formação discursiva das opiniões e vontades de modo que seus resultados, falíveis, guardem para si a suposição de racionalidade. Com isso, as noções vinculadas à idéia de soberania popular não são desmentidas, mas re-interpretadas de maneira intersubjetiva. Uma soberania popular, mesmo que tenha se tornado anônima, só se abriga no processo democrático e na implementação jurídica de seus pressupostos comunicacionais, bastante exigentes por sinal, caso tenha por finalidade conferir validação a si mesma como poder gerado por via comunicativa. Mais exatamente, essa validação provém das interações entre a formação da vontade institucionalizada de maneira jurídico-estatal e as opiniões públicas culturalmente mobilizadas, que de sua parte encontram uma base nas associações de uma sociedade civil igualmente distante do Estado e da Economia.

A autocompreensão normativa da democracia exige para a comunidade jurídica um modo de coletivização social; esse, porém, não se estabelece ao todo da sociedade em que se encontra o sistema político constituído de maneira jurídico-estatal. Também em sua autocompreensão, a política deliberativa continua sendo o elemento constitutivo de uma sociedade complexa que, no todo, se exime de assumir um ponto de vista normativo como o da teoria do direito. Nesse sentido, a leitura da democracia a partir da teoria do discurso vincula-se a uma abordagem distanciada, para a qual o sistema político não é nem o topo nem o centro da sociedade, nem muito menos o modelo que determina sua marca estrutural, mas sim um sistema de ação ao lado de outros.

Como a política consiste em uma espécie de uma lastro reserva na solução de problemas que ameacem a integração, ela certamente tem de poder se comunicar pelo medium do direito com todos os demais campos de ação legitimamente ordenados, seja qual for a maneira como eles se estruturem ou direcionem. Se o sistema político, no entanto, depende de outros desempenhos do sistema, isso não se dá em um sentido meramente trivial; ao contrário, a política deliberativa, em conformidade com os procedimentos convencionais da formação institucionalizada da opinião e da vontade e/ou das redes da opinião pública, mantém uma relação interna com os contextos de um universo de vida cooperativo e racionalizado. Discutir as possibilidades bem como os limites de tal teoria constituiu o objetivo primeiro deste trabalho. 4.Conclusão.

Pode-se perceber, portanto, que Habermas busca uma articulação entre autonomia privada e pública, a fim de fornecer um modelo teórico de democracia que contemple ao mesmo tempo um grau suficiente de participação nas questões públicas, o que garante a moral autônoma, e um espaço para a realização da autonomia privada por meio do direito positivo. Desse modo, as autonomias privada e pública pressupõem-se reciprocamente. O nexo interno da democracia com o Estado de direito consiste no fato de que, por um lado, os cidadãos só poderão utilizar condizentemente a sua autonomia pública se forem suficientemente independentes graças a sua autonomia privada assegurada de modo igualitário. Por outro lado, só poderão usufruir de modo igualitário da autonomia privada se eles, como cidadãos, fizerem um uso adequado de sua autonomia política. Por isso os direitos fundamentais liberais e políticos são indivisíveis. A imagem do núcleo e da casca é enganadora – como se existisse um âmbito nuclear de direitos elementares à liberdade que devesse reivindicar precedência com relação aos direitos à comunicação e à participação. De acordo com Habermas, para o tipo de legitimidade ocidental e essencial a mesma origem dos direitos à liberdade e civil. Tão logo a prática de autodeterminação cidadã for entendida como um processo longo e

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ininterrupto de realização e de configuração do sistema de direitos fundamentais, o principio de soberania popular emergira por si mesmo na idéia do Estado de direito. Esse cenário da gênese conceitual dos direitos fundamentais, distribuído em dois níveis, revela plasticamente que os passos conceituais preparatório explicitam exigências que necessariamente são colocadas a uma autolegislação democrática que se estrutura pelo caminho do direito. Longe de constituírem barreiras á pratica estas exigências não fazem mais do que explicitá-las. Neste contexto, o principio democrático somente pode ser concretizado com a idéia do Estado de direito, pois ambos os princípios encontram-se numa relação de implicação material recíproca.

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__________Teoria de la acción comunicativa: complementos y estúdios prévios. Madrid: Cátedra, 1989.

__________Pensamento Pós-Metafísico. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1990.

__________ “Três modelos normativos de democracia”, Lua Nova, Revista de Cultura e Política, nº 36, 1995, pp. 39-53.

__________ Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

_________A constelação Pós-Nacional: Ensaios políticos, São Paulo, Littera Mundi, 2001.

__________Era das Transições, Rios de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2003a.

___________ Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2003b.

___________A Inclusão do Outro: estudos em Teoria Política, Loyola, 2002,

HELD, D. Models of Democracy, Third Edition, Junho/2006.

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A PRODUÇÃO DO ROMANCE DE AUTORIA FEMININA NO PARANÁ

Adriana Lopes de Araujo1* 1 Universidade Estadual de Maringá

1. Introdução

Historicamente, o cânone literário ocidental formado por homens, brancos e de classe média/alta correspondeu a uma das extensões do discurso dominante. Todavia, não se restringia apenas às questões estéticas do texto literário, mas também a fatores sociais e morais do universo da crítica. Para tanto, eram regulados por uma ideologia de exclusão aos escritos das mulheres, das etnias não-brancas. Enfim, todos aqueles que eram considerados minorias não pertenciam à “lista”.

Desse modo, a crítica feminista, além de promover em seu bojo o desmantelamento das amarras do patriarcalismo que manteve a mulher, durante um longo período da história à margem, como um ser submisso e sem direito à voz, impulsiona a emancipação da mulher na literatura quando, a partir de 1960, pesquisadoras (es) voltadas (os) para as discussões do movimento feminista começaram a (re) elaborar uma crítica literária que buscasse interpretar as obras de autoria feminina analisando-as de modo diferenciado da escrita masculina e sendo ela, muitas vezes, influenciada pelas vivências dessas escritoras.

Embora os estudos a respeito da mulher e sua representação na literatura constem a partir de 1970 nos Estados Unidos e Europa, no Brasil essa discussão figura-se recente. Contudo, é imperativo destacar que cada vez mais o tema tem sido objeto de inúmeras pesquisas. O desenvolvimento desses estudos, assim, nos permite falar, como considera Zolin [1], “na crítica literária feminista no Brasil como algo consolidado”.

Importa salientar, todavia, que os textos de autoria feminina permaneceram, durante um longo período, “perdidos” ou “esquecidos”. A esse respeito, Pratt [2] considera que tais textos “não eram nem perdidos nem esquecidos, mas simplesmente suprimidos porque (...) eram altamente críticos para sobreviver à crítica masculina”.

No que tange ao cenário paranaense, poucas escritoras conseguiram se inserir no campo literário até meados do século XX. A partir daí, portanto, inúmeras obras de autoria feminina foram publicadas no Paraná, porém com pouco reconhecimento na esfera nacional. Com vistas a promover a visibilidade dessas escritoras e averiguar em que medida sua produção tem recebido atenção por parte da crítica consagrada é que o projeto de pesquisa “A literatura de autoria feminina no Paraná”, já em fase de conclusão, coordenado pela Profª Drª Lúcia Osana Zolin e com o apoio do CNPq, propõe o levantamento da produção literária de autoria feminina paranaense. Inscrito no âmbito dos estudos de gênero, o projeto visa à organização de uma publicação de referência e, em uma segunda etapa, já em andamento, a realização de análises literárias de parte dessa produção. Visa-se, nesse momento posterior um estudo acerca da personagem que compõe a prosa de ficção contemporânea (publicada a partir dos anos 1970), de autoria feminina no Paraná para, posteriormente, organizar um banco de dados a ser disponibilizado com vistas a pesquisas futuras mais específicas.

Pretende-se, assim, apresentar os resultados finais dessa primeira empreitada da pesquisa. Especificamente, proporcionar a interpretação dos resultados obtidos no levantamento das obras literárias pertencentes ao gênero romance publicadas por escritoras paranaenses, no qual se liga o meu trabalho no projeto, assim como minha proposta de dissertação de mestrado, que envolve a análise da personagem feminina no romance contemporâneo de autoria feminina no Paraná. 2. Método A princípio, para realização dessa pesquisa foram consultadas algumas obras que apresentam levantamentos obtidos também por meio de pesquisas acadêmicas. Como, por exemplo, a antologia Escritoras brasileiras do século XIX [3] , de Zahidé Lupinacci Muzart, que recuperou parte de produções literárias de 52 figuras femininas do século passado, assim como o Dicionário crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001, de Nelly Novaes Coelho [4] , no qual podemos verificar, inclusive, os nomes de algumas escritoras paranaenses. Vale destacar, ainda, que encontramos um número de escritoras relativamente pequeno como sendo paranaenses.

Após essas primeiras fontes bibliográficas, tornou-se fundamental o levantamento bibliográfico em acervos de bibliotecas, sebos, Academias de Letras e Centros literários, com o intuito de obter materiais com referências bibliográficas para a ampliação do corpus já levantado com o auxílio da Internet na área dos Estudos literários e outras relacionadas.

1*Adriana Lopes de Araujo: [email protected]

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Nesse momento da pesquisa, além da determinação desses lugares específicos, delimitou-se também os grandes centros urbanos em que estariam acervos mais amplos e completos. Em vista disso é que as cidades de Cascavel, Curitiba, Foz do Iguaçu, Londrina e Maringá foram escolhidas para a consulta de bibliotecas, academias, sebos e outros.

Ademais, para a elaboração de uma tabela para implantar os dados de cada obra de autoria feminina no Paraná, utilizou-se como parâmetro o modelo desenvolvido pelo Prof. Dr. Arnaldo Franco Junior por ocasião de sua pesquisa “A literatura produzida em Maringá”, como segue:

AUTORA REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: SOBRENOME, Nome. Título. Cidade: Editora, ano. SÍNTESE

DESCRIÇÃO DO LIVRO: GERAL Autor

Título Gênero Editora Gráfica

N° de páginas

Edição/ Volume

DADOS DA CAPA Autor Imagem Gênero/Técnica Orelha Contracapa

INFORMAÇÕES ADICIONAIS Introdução Epígrafe Sumário Pg. Inicial Pg. Final

Outras obras do autor Filiação a grupos culturais Outras informações

BIOGRAFIA DO AUTOR

FORTUNA CRÍTICA

Tab. 1 Modelo de tabela para implantação dos dados de cada obra de autoria feminina no Paraná.

3. Resultados e Discussão

Ao longo de um ano de pesquisa, foi possível levantar o número total de 234 escritoras paranaenses ou, como ainda não ressaltado, escritoras radicadas no Paraná, assim como 558 obras publicadas. Foram considerados os livros que possuíam publicação oficializada, quer por gráfica, incentivos de órgãos públicos, ou editoras comercias. Ao todo, portanto, somam-se 364 obras do gênero poesia, 49 de contos, 51 romances, 22 de crônicas, 29 miscelâneas (obras que apresentam mais de um gênero) e 1 do gênero drama. Sendo

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assim, é possível perceber que o número de obras do gênero poesia é muito mais significativo do que os outros gêneros citados. Importa salientar ainda que, a fim de estabelecer um parâmetro para a pesquisa, as antologias que reuniam autoras (es) paranaenses e não-paranaenses, assim como obras de literatura infantil não foram contabilizadas. Entretanto, poderão ser utilizadas em uma futura proposta de análise.

Da totalização de 51 obras do gênero romance, objetivo desta pesquisa, vale destacar que 20 foram publicadas por meio de editoras comerciais sendo que 13 obtiveram publicação nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro enquanto que no Paraná consta apenas 7 obras. Por meio de premiações ou por iniciativa de órgãos públicos tais como GERPA (Grupo Editor Renascimento do Paraná), SEEC (Secretaria de estado da Cultura), Editora da UFPR e Centro de Letras, foram publicados 10 títulos no Paraná, sendo somente um publicado no estado de São Paulo pela Revista dos Tribunais e, por fim, verifica-se o número de 20 obras do gênero romance com publicações por recursos próprios. Nesse sentido, evidencia-se um número maior de obras publicadas por editoras comerciais e recursos próprios. Ademais, enquanto as publicações do gênero romance por editoras comerciais apresentam-se maiores nos grandes centros urbanos (São Paulo e Rio de Janeiro), o mesmo não acontece quanto as publicações por órgãos públicos, que apresentam um maior número no Paraná.

O gênero romance encontra-se em processo de consolidação no Paraná. É possível apontar nomes de reconhecimento como Bárbara Lia, Bebeto do Amaral Gurgel e Silvia Pellegrino Freitas da Rocha. É importante considerar, desse modo, a crescente trajetória do gênero no Estado, como as publicações aumentaram nas últimas décadas com 11 obras publicadas, como podemos observar na tabela a seguir:

ANO DE PUBLICAÇÃO DAS OBRAS DO GÊNERO ROMANCE DÉCADA

30 DÉCADA

40 DÉCADA

50 DÉCADA

60 DÉCADA

70 DÉCADA

80 DÉCADA

90 DÉCADA2000-2010

2

2

6

3

3

6

11

11

TOTAL= 51 OBRAS

Tab. 2 Trajetória do gênero romance. Sendo assim, a partir dos resultados obtidos, verifica-se um número considerável de escritoras no

cenário literário do Paraná, porém este ainda permanece reduzido. Importa salientar que tal afirmação não se refere somente ao âmbito paranaense, uma vez que tanto no cenário brasileiro, quanto no internacional, a mulher ainda possui pequena visibilidade no meio literário quando comparada às figuras masculinas. No Paraná, todavia, tem-se como uma justificativa dessa “ausência” pelo fato do estado apresentar uma tradição provinciana, além da colonização agrária, a qual é ainda recente, e que põe a educação feminina em segundo plano. O que remete a outro obstáculo encontrado pelas escritoras que é a questão editorial. Como visto, as edições das obras literárias acabam por ser, em sua maioria, edições independentes, pois a região paranaense possui apenas três editoras de certa expressão, são elas: Travessa dos editores, O Formigueiro e Lítero-Técnica.

Verifica-se, ademais, que há um número pequeno de romances publicados por escritoras paranaenses em vista do gênero lírico. Isso pode ser atribuído pelo fato dos outros gêneros possuírem uma maior e mais acessível possibilidade de manifestação, se comparada com o gênero romance, tradicionalmente, de domínio masculino. 4. Conclusão

A partir dos dados apresentados, bem como a interpretação realizada, é possível afirmar que a produção literária de autoria feminina no Paraná ainda se encontra em processo de afirmação, e isso torna-se evidente pelo número de obras publicadas. Os dados indicam que mesmo com o reduzido número total de obras catalogadas é possível averiguar que o espaço de circulação das obras encontra-se ligado aos centros econômico e político, o que evidencia o elevado número de obras com edição independente, demonstrando, assim, a dificuldade de publicação.

Assim, tal dificuldade está atrelada tanto aos embates de gênero quanto da distância com relação ao centro curitibano em face dos grandes centros que possuem número expressivo de editoras. . Mesmo com as dificuldades de publicação, a tradição literária feminina paranaense demonstra–se crescente o que implica um impulso para as próximas gerações de escritoras. E no que se refere aos romances é fato esperado dado o aumento de publicações nas últimas duas décadas.

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A visibilidade dada a essas escritoras e suas respectivas produções contribui para a consolidação e ampliação de uma tradição feminina, assim como a possibilidade de acesso a outras obras e outros escritores que permaneceram à margem do seleto grupo apontado como expressão literária. Referências [1] ZOLIN, L. O. Crítica Feminista. In: BONNICI, T; ZOLIN, L. O. (org.). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: EDUEM, 2005. p. 240. [2] BONNICI, T. Teoria e crítica literária feminista: conceitos e tendências. Maringá: Eduem, 2007. p.28. [3] MUZART, Z. L. (Org.). Escritoras brasileiras do século XIX. 1. Florianópolis: Editora Mulheres, 1999. [4] COELHO, N. N. Dicionário crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001. São Paulo, Escrituras, 2002. Agradecimentos

À Profª Drª Lúcia Osana Zolin, coordenadora dos projetos e orientadora, pela iniciativa e dedicação. Aos órgãos de fomento CNPq e Fundação Araucária (PR), pelos auxílios financeiros. Às escritoras paranaenses, Academias de Letras e Centros literários, pela colaboração e incentivo. Ao valoroso trabalho da equipe constituída por estudantes de graduação (PIC e PIBIC) e de pós-

graduação (Mestrado) que participaram ou participam dos projetos de pesquisa relatados: A literatura de autoria feminina no Paraná e A personagem na literatura de autoria feminina paranaense contemporânea, a quem, profundamente, agradecemos nessa oportunidade.

À todos que colaboraram, mesmo que de forma indireta, para a realização da pesquisa.

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ANÁLISE DE DICIONÁRIOS DESTINADOS ÀS TURMAS DE ALFABETIZAÇÃO

Janina Antonioli1*, Félix Valentín Bugueño Miranda2 1 - Mestranda em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

2 - Professor do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul 1. Introdução

Nos últimos anos, o Governo Federal tem dado especial atenção às dificuldades pedagógicas que surgem no período de alfabetização [1,2]. Em função disso, há uma série de políticas públicas que objetivam qualificar o processo de alfabetização. Uma dessas políticas é a distribuição de dicionários que deveriam formar um acervo de sala de aula e são destinados a públicos específicos. Esse trabalho se propõe a apresentar uma análise de dicionários licitados pelo Governo Federal que têm finalidade de atender alunos em fase de alfabetização, averiguando sua adequação e propondo meios de qualificar essas obras lexicográficas.

De acordo com o MEC, as obras lexicográficas destinadas aos alfabetizandos deveriam possuir “mínimo de 1000, máximo de 3000 verbetes” e, também, uma “proposta lexicográfica adequada à introdução do alfabetizando ao gênero dicionário” [3]. Há dúvidas sobre se essas características que serviram de base à licitação são, de fato, condizentes com a realidade das crianças que estão se alfabetizando [4]. Torna-se, então, necessário depreender dos documentos oficiais disponíveis – Parâmetros Curriculares Nacionais [5] e Prova Brasil [6] – as metas educacionais que podem ser satisfeitas com o auxílio do uso do dicionário e, com isso, depreender como o dicionário destinado às turmas de alfabetização deveria ser conformado.

Os dicionários possuem três componentes canônicos que conformam a obra, a saber, a macro, a micro e a medioestrutura [7]. Esses componenetes canônicos da estrutura de um dicionário devem atender a três axiomas, de acordo com a proposta que consta em Bugueño, Farias [7]: 1. um dicionário escolar deve ser definido em termos taxonômicos; 2. um dicionário escolar deve estar atrelado a um potencial usuário; 3. um dicionário escolar deve estar atrelado a um conjunto de funções que deve satisfazer. Nesse sentido, a pesquisa objetiva avaliar em que medida esses dicionários podem contribuir para o desenvolvimento linguístico de alfabetizandos e apontar possíveis defasagens nas características licitadas, de modo que seja possível vislumbrar um estudo que contribua na qualificação de obras lexicográficas destinadas à turmas de alfabetização.

2. Método

Para tal estudo, foi necessário observar qual é o perfil do usuário e como a obra deveria estar taxonomicamente conformada. Os conceitos de alfabetização e letramento foram triangulados com os objetivos governamentais para crianças em fase de alfabetização e com a forma com que o dicionário foi estruturado. Nesse sentido, procurou-se depreender quais são as realizações das crianças que estão no processo de alfabetização e em que medida o dicionário poderia ser útil para as fases do desenvolvimento da leitura e da escrita.

Entende-se, então, que o dicionário poderia contribuir para aquisição e sistematização da ordem alfabética e para a melhora da escrita ortográfica. Esses dois objetivos estão de acordo com metas educacionais previstas nos documentos oficiais do MEC [5] – ainda que não sejam objetivos taxativos e/ou explícitos; porém, nos requisitos da licitação e na comparação de obras lexicográficas licitadas, esses objetivos não foram observados.

Fez-se, ainda uma observação das fases do desenvolvimento da escrita da criança para que fosse possível analisar em qual das fases poderia ocorrer a introdução ao uso do dicionário, já que existe uma heterogeneidade imensa entre as produções das crianças nas fases do período de alfabetização [8,9]. Ao observar produções de alunos, foi possível notar quais tipos de hipóteses de escrita são realizadas e pode-se inferir em que medida o dicionário pode ou não auxiliar o desenvolvimento da aprendizagem da língua escrita.

3. Resultados e discussão

Esse estudo possibilitou averiguar que os requisitos da licitação que selecionou dicionários parecem vagos em relação às necessidades dos alunos em fase de alfabetização. São obras que não apresentam uma taxonomia clara e condizente com as necessidades dos usuários, de modo que não há uma coerência no trato da ordem alfabética, além de não haver preocupação da construção da consciência ortográfica da criança.

                                                            * Janina Antonioli: [email protected]

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Uma possível explicação para isso, segundo Bugueño [10], é o fato de que os dicionários escolares “são reduções mal feitas de obras de extensão maior (...) e na maior parte dos casos, não são obras funcionais para o usuário escolar”, em função disso, um estudo taxonômico dessas obras favoreceria a qualificação dos dicionários escolares disponíveis e, nesse caso, de dicionários para crianças que estão se alfabetizando.

Além disso, parece que o dicionário poderia servir como apoio ao desenvolvimento da leitura e da escrita da criança somente depois de que desenvolveu a consciência fonológica na língua; ou seja, de acordo com as fases do desenvolvimento de Ferreiro [8], somente depois de estar no estágio chamado silábico-alfabético. Essa informação é preciosa para o professor que se depara com o material didático disponível na sala de aula, mas precisa estar atento para sua funcionalidade no período de desenvolvimento da língua escrita.

4. Conclusão

É necessário qualificar esse tipo de dicionário taxonomicamente, de modo que se possam criar características objetivas para que a obra seja capaz de contribuir para o desenvolvimento linguístico de crianças que estão se alfabetizando. É preciso definir taxonomicamente, portanto, como a macro, a micro e a medioestruturta devem ser conformadas para atender as questões de aquisição e sistematização da ordem alfabética e de construção da consciência ortográfica pela criança. Delimitando o perfil do usuário e suas necessidades, é possível qualificar a obra lexicográfica, sobretudo no que diz respeito a melhora das difinições taxonômicas, de modo que possa ser objetivado o ganho real do usuário ao longo do período de alfabetização. Referências [1] INEP. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Disponível em <http://ideb.inep.gov.br/Site> Acesso em: 20 de maio de 2010. [2] MEC. Ideb. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=180&Itemid=336> Acesso em 8 de junho de 2010. [3] MEC. Avaliação dos dicionários. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=817&Itemid=863> Acesso em 10 de junho de 2010. [4] ANTONIOLI, Janina. Avaliação dos dicionários escolares para as Séries Iniciais. Orientador: Prof. Dr. Félix Valentín Bugueño Miranda. Monografia de conclusão de curso. Porto Alegre, UFRGS, 2008. [5] BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria da Educação Fundamental, 1997. [6] INEP. Saeb. Disponível em <http://www.inep.gov.br/basica/ saeb/default.asp> Acesso em 26 de junho de 2010. [7] BUGUEÑO MIRANDA, F. V. ; FARIAS, V. S. . Desenho da macroestrutura de um dicionário escolar de língua portuguesa. In: Cláudia Xatara; Cleci Bevilacqua; Philippe Humblé. (Org.). Lexicografia Pedagógica: Pesquisas e Perspectivas. 1 ed. Florianópolis: UFSC/NUT, 2008, v. 1, p. 129-167. [8] FERREIRO, Emilia. Alfabetización: teoría y práctica. Ciudad del México: Siglo XXI, 2002. [9] FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY; Ana. Los sistemas de escritura en el desarrollo del niño. Buenos Aires: Siglo XXI, 1995. [10] BUGUEÑO, Félix Valentín. Panorama da lexicografia alemã. Revista Contingentia. Porto Alegre, 2008, v. 3/2, p. 89-110..

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CONTEMPLAÇÃO E PARTICIPAÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A RECEPÇÃO NA ARTE CONTEMPORÂNEA

Paula Cristina Luersen1

Universidade Federal de Santa Maria

1. Introdução Atualmente assiste-se no campo da recepção à coexistência de uma série de conceitos que tentam

conferir ao sujeito um nome e uma função frente à arte contemporânea. Até os anos 60, esse sujeito era invariavelmente representado pela figura do espectador, que estabelecia com as obras uma relação contemplativa, guiada pelo aspecto visual e pela reflexão, de cunho mental. Esse caráter é modificado a partir da arte contemporânea, com seus antecedentes no dadaísmo, e passa a configurar a atitude receptiva também como participativa, incluindo o corpo e os sentidos do sujeito como um todo na interlocução com a obra. Desse modo, o espectador – por muito tempo denominação única para o receptor frente à obra – hoje se transfigura em espectador/participante, participante, interator, interagente, agente transformador.

Esses dois modos de recepção – contemplativo e participativo – serão tomados como eixo para demonstrar como questões teóricas levantadas em um contexto parecem retornar e contribuir para as discussões referentes ao outro. Em um tempo de liberdade poética e estética, em que o diálogo entre obra e público prevê níveis de envolvimento que se estendem do puramente visual ao sinestésico, retomaremos as considerações de Walter Benjamin, expondo como são repensadas hoje a fim de que as definições do sujeito frente à arte sejam problematizadas. Ao tratar do caráter passivo e ativo do sujeito na atividade receptiva, bem como da arte como entretenimento ou reflexão, Benjamin põe em jogo questões que parecem centrais, ainda não esgotadas, no campo da recepção.

2. Método Tomar como referência o posicionamento assumido pelo público, levando em conta seu papel na

interlocução com a obra, permite analisar mais detidamente as relações receptivas que povoam o espaço expositivo atualmente. A partir disso, o levantamento bibliográfico e o método investigativo serão as ferramentas a tornar possível a construção de uma ponte entre o pensamento atual e as questões levantadas em outros contextos dentro da teoria da arte.

3. Resultados e discussões A contemplação é na história da arte o modo mais antigo e consolidado de experiência receptiva. Esse

conceito, usado na maioria das vezes como referencial para demarcar a relação público/obra, está intimamente ligado à arte em seus moldes tradicionais: pintura, escultura e gravura, sendo que hoje passa a definir também a relação com outras formas de arte, como por exemplo, a fotografia. Em geral, a contemplação associa-se ao aspecto visual da obra, em detrimento dos outros sentidos. Essa característica pode refletir concepções que remontam a uma época longínqua, sendo que

na Idade Média, as pinturas religiosas [...] obedeciam a uma regra geral que se baseava em toda uma longa história de debates. Por trás dessas imagens havia a crença de que a visão é o mais poderoso e exato de nossos cinco sentidos, mais preciso e vívido até que a audição que nos comunica o Verbo. [...] A visão retém mais as mensagens que a audição: quando vistas as coisas se conservam por mais tempo no espírito que se forem ouvidas. [1]

O sujeito da contemplação denomina-se espectador – conforme a etimologia: aquele que assiste, observa – e por intermédio da visão este será conduzido a postar-se diante e distante da obra de arte, dedicando tempo e atenção para apreendê-la em sua totalidade. O distanciamento do corpo atribuiu ao espectador e, desde logo, à contemplação, uma característica passiva. Entretanto, a perenidade desse conceito, assim definido, transpassando diferentes épocas e contextos é enganosa, e revela-se superficial diante dos escritos de Walter Benjamin. Suas idéias ajudam a entender transformações imprescindíveis na figura do espectador para que se possa perceber o desenrolar que faz da contemplação, ainda presente hoje, uma definição complexa.

Walter Benjamin discute o processo histórico da recepção das obras do ponto de vista social, apontando as transformações em marcha no século XX, quando se modificam profundamente as concepções de arte em vista das inovações técnicas. Em seu célebre texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1936) ele expõe que a capacidade de reprodução das obras, representada pela fotografia e pelo cinema, 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, UFSM. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].

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fazem com que o valor da obra como realidade exibível sobreponha-se ao seu valor de culto. Assim, anteriormente à era da reprodutibilidade técnica, a contemplação se daria no encontro com o aspecto aurático da obra de arte, traduzido pela sua capacidade em “levantar os olhos” do espectador. Para ele, “a pintura convida à contemplação; em sua presença, as pessoas se entregam à associação de idéias.”[2] Essa suspensão a um estado de meditação, realizada pela aura, traz em si uma idéia de envolvimento do espectador, que em atitude solitária, precisa freqüentar corporalmente o lugar da obra experimentando “a unidade de sua presença no próprio local onde se encontra”.[3] Está intrínseca na idéia de aura, portanto, uma relação que embora distanciada corporalmente, solicitaria um tipo de atividade intelectual e concentrada do espectador, desenrolando-se no tempo. Para Benjamin o surgimento da fotografia e do cinema ocasiona o divórcio entre o espírito crítico e sentimento de fruição, atribuindo outro caráter à contemplação: a passividade. Isso está expresso na sua afirmação:

A sucessão de imagens impede qualquer associação no espírito do espectador. Essa forma de acolhida pela seara da diversão, cada vez mais sensível nos dias de hoje, em todos os campos da arte, e que é também sintoma de modificações importantes quanto à maneira de percepção encontrou, no cinema, o seu melhor terreno de experiência. [...] O público das salas obscuras é bem um examinador, porém um examinador que se distrai. [4]

Partindo dessa proposição ficam evidenciadas, em 1939, atitudes contrárias referentes à atividade contemplativa: diversão e concentração. Ainda que o olhar seja passivo nas obras que envolvem a reprodutibilidade técnica, Benjamin afirma um olhar ativo frente à obra aurática, destacando diferentes nuances em relação ao envolvimento do espectador: “Aquele que se concentra, diante de uma obra de arte, mergulha dentro dela, penetra-a como aquele pintor chinês cuja lenda narra haver-se perdido dentro da paisagem que acabara de pintar. Pelo contrário, no caso da diversão, é a obra de arte que penetra na massa.”[5] Tal colocação comprova que não se pode repousar em uma idéia de passividade da contemplação, isto é, no sentido mais comum de seu emprego. O próprio conceito de espectador – empregado por Benjamin tanto no sentido do receptor da obra de arte tradicional, quanto no sentido do receptor da obra fotográfica e cinematográfica – embaralha-se por delimitar ambas as atitudes receptivas. Essas questões precisam ser retomadas para esclarecer que, assim como no caso da contemplação, o conceito de espectador possui acepções que são relativas a diferentes contextos, embora a noção de passividade seja, comumente, a inferida quando nos referimos ainda hoje ao espectador.

Certamente, a nossa percepção das obras de arte, como do mundo, é bem diferenciada da que marcou a época de Benjamin. A sucessão rápida de imagens não representa mais um desafio para a concentração como antes, e a questão da contemplação reside muito mais no interesse – ou na falta dele – consciente frente à multiplicidade de obras e experiências oferecidas nas grandes exposições. É interessante atentar, por isso, ao contexto imagético resultante das mudanças frisadas por Benjamin, que representa atualmente a base da cultura visual e acaba implicado na ralação contemplativa que algumas obras ainda estabelecem. Hoje, o espectador vê-se acostumado a estabelecer uma relação óptica fugidia e imediata com o mundo. Assim,

na vida cotidiana [...] nosso campo visual se estrutura de tal modo a relegar a um segundo plano tudo o que não se enquadra nos nossos esquemas mentais. Esses hábitos do olhar são transferidos para o espaço do museu da mesma maneira como o hábito da vista-d’olhos, tão essencial à leitura do dia-a-dia, vai conosco para o escritório, onde é preciso um ato de vontade para deter o costume de passar os olhos rapidamente em um texto que devemos estudar”. [6]

Apesar de ser essa uma relação imediata totalmente diversa da suspensão aurática, o protagonista é por vezes nomeado na teoria da arte, hoje como em 1939, espectador. Porém, ainda que a contemplação mantenha-se na contemporaneidade, de forma diversa da do contexto explicitado por Benjamin, hoje existem outros modos de dialogar com a obra que não se restringem ao aspecto mental e ao distanciamento entre obra e público. Como destaca Danto: “o que quer que seja a arte, ela já não é basicamente algo para ser visto.”[7] Desse modo, em grande parte da produção atual, o conceito de espectador sai de cena, conferindo lugar e protagonismo ao participante, interator, agente transformador, interagente. Todos essas definições parecem considerar, em vista da produção contemporânea, a implicação direta na experiência receptiva, não só da mente, mas do corpo e dos sentidos do sujeito, que podem se fazer atuantes. Se antes o espectador postava-se diante da obra, hoje, em alguns casos ele se acha cercado por ela, ou mais, modificando-a literalmente. As propostas participativas dão início a essas questões: “No cenário internacional das artes dos anos 1960, a voga dos environments e dos ambientes (com destaque na produção brasileira, para Lygia Clark, Hélio Oiticica e Wesley Duke Lee) ambicionava uma participação do espectador que fosse totalizante e polissensual.” [8]

Os anos 60 e 70 contaram com um paroxismo de propostas e uma sucessão vertiginosa de estilos, entre os quais, vertentes que problematizavam a posição do espectador, as instituições, o espaço expositivo. Em outro sentido, o desenvolvimento das novas tecnologias contribui para motivar e facilitar as mais diversas

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possibilidades de envolvimento físico do público. A participação inaugura uma nova ordem que atravessa a atitude contemplativa e a elucubração mental para estabelecer o envolvimento do sujeito, visando atitudes receptivas que incluem o corpo:

O engajamento físico adquiriu uma série de formas corriqueiras da vida cotidiana, porém inéditas em um museu: tocar, deitar-se, vestir e tirar roupas, dançar, caminhar descalço, etc. A contradição entre tocar e não tocar presente no contexto de um museu é uma daquelas coisas que, ao mesmo tempo que é imediatamente óbvia para todos, desce as profundezas de um sistema de valores culturais. [9]

Na arte contemporânea se estabelecem, às vezes obra por obra, novas leis e sistemas lingüísticos, logo, só é possível uma definição precisa da participação em vista da obra que a propõe e do processo que se desenvolve a partir dela. Exemplo disso é que definir que um sujeito contempla uma obra oferece uma perspectiva mais definida de sua atitude do que dizer que ele participa de uma obra – o que se dá numa dinamicidade física que pode ser imprevisível.

Por essa razão é que surgem outras nominações para o participante, principalmente no campo da arte e tecnologia – interator, interagente, agente transformador – buscando traduzir essas relações que embaralham as noções de autor, obra e recepção nesse campo específico onde os meios tecnológicos também estão em jogo. Surgem nesse contexto os conceitos que associam diferentes definições: espectador-participante, espectador/participante/interator, espectador/interator. É difícil buscar uma acepção geral dessas definições estabelecendo-as na teoria da arte, tanto por serem recentes historicamente – falta-lhes solidez quando justapostos à contemplação – como por serem citadas ainda em contextos específicos e definidas em cada texto de forma diversa.

Apesar dessa multiplicidade nos conceitos, é possível apontar algumas questões, já há muito tempo discutidas em uma dimensão contemplativa, que vem sendo retomadas e suplantadas pelos teóricos no plano participativo, o que demonstra o avançar das questões teóricas da recepção. Uma delas transparece na tentativa de divisar dois tipos de participação: ativa e passiva. No texto A instalação em situação (2005), Stéphane Huchet incita essa discussão, colocada pelo artista Alan Kaprow, que distinguiria os environments dos anos 60 das instalações atuais. Enquanto o primeiro visava a ativação do sujeito em nível físico, o segundo voltaria a estabelecer um tipo de recepção voltada ao intelectual, deixando de estimular a participação sensorial e sensível. Parece um tanto paradoxal considerar a participação como algo passivo, no entanto, do ponto de vista de Kaprow:

para uma instalação, o sentido de um espaço ambiental ativo que cerca e engaja o espectador é inapropriado ou minimal. O visitante é simplesmente o observador standard que olha e pensa. [...] Não pode ser uma visão experimental. Acredito que a experiência é física e não intelectual. Uma experiência é um pensamento que tem sido ‘incorporado’, num nível muscular, neurológico e até celular, dentro do corpo. É isso que os environments tentavam fazer. [10]

Esse trecho funciona como um exemplo de como o desdobramento dos conceitos segue caminhos já trilhados. Ao mencionar a diferenciação entre um sujeito ativo e passivo, Kaprow remonta as mesmas questões levantadas por Benjamin ao problematizar a contemplação, agora num outro nível. Atualmente, alguns teóricos buscam superar esse tipo de divisão como o filósofo francês Jacques Rancière, retomado por Caroline Bishop no livro Participation: Documents os Contemporary Art (2006). O seu pensamento considera que todos somos igualmente capazes de reagir a arte e por isso não faria sentido dividir o público em ativo ou passivo, capaz ou incapaz. Para ele, todos podem apropriar-se dos trabalhos, e partindo de uma leitura particular, fazer uso deles de modos que nem os próprios autores poderiam prever. É interessante atentar aqui para o desenvolvimento do campo teórico, que ao mesmo tempo que inunda-se de novas conceituações, recupera e nesse caso até tenta encerrar questões de longa data.

Outro exemplo bastante elucidativo deflagrando questões retomadas continuamente vem das discussões em torno da recepção das instalações interativas que usam da tecnologia. Assim como Benjamin julgava que a rapidez do cinema não permitiria uma atitude concentrada, atribuindo a recepção uma característica de pura diversão, hoje se discute o caráter das instalações interativas, vistas por vezes como entretenimento por sua forma lúdica de incluir o público. No texto O corpo do observador nas artes visuais (2007), Milton Sogabe comenta a experiência proporcionada pelas instalações interativas e oferece um exemplo claro de que essa questão está em voga:

o corpo do interator é explorado e requisitado como um todo num contexto lúdico, e incorpora sua voz, seu gesto, sua dança e as mais variadas sensações físicas acontecem, ultrapassando o visual e sonoro, comparando-se muitas vezes às sensações num parque de diversões, fato que não anula as reflexões complexas que podem surgir na vivência dessas instalações, pois o contexto da arte é diferente do contexto do parque de diversões. [11]

Esse é mais um exemplo para demonstrar que questões levantadas pelos teóricos que vivenciaram outro contexto, são revisadas e apropriadas para discutir a arte contemporânea, fazendo avançar o campo teórico.

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A arte e tecnologia, assim como o cinema na época de Benjamin, certamente enfrentará resistências por desafiar concepções já consolidadas nas artes visuais. Recorrer ao contexto, assim como faz Sogabe, para diferenciar a atitude do sujeito frente a uma situação tende a mostrar que não é mais possível recorrer a conceitos teóricos estabelecidos historicamente na busca de entender e explicar as relações cada vez mais particularizadas, entre arte e público.

4. Conclusão É possível afirmar, diante do exposto, que a notável busca por conceitos outros – que tragam em si a

distinção dos tradicionalmente empregados – dá conta de demonstrar a diversidade de relações que hoje figuram na recepção da arte contemporânea. Contudo para a problematização e aprofundamento dessas relações retornam questões já colocadas em outros contextos na teoria da arte: o sujeito como ativo ou passivo frente à obra; o caráter de distração ou reflexão implicado na interlocução entre obra e público.

Deslocando as considerações de Walter Benjamin para a contemporaneidade, os teóricos demonstram que elas continuam a produzir sentido. Isso demonstra como na multiplicidade que marca a arte de nosso tempo repousam velhas inquietações, à procura de novas respostas. Referências

[1] BAXANDALL, Michel. Padrões de intenção: a explicação histórica dos quadros. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

[2-5] BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: LIMA, L. C. Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

[6,7] DANTO, Arthur C. A transfiguração do lugar comum. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

[8] HUCHET, Stéphane. A instalação em situação. In: NAZARIO, Luiz.(org) Concepções contemporâneas da arte. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

[9] BRETT, Guy. Brasil Experimental: Arte/vida, proposições e paradoxos. Rio de Janeiro: Contracapa, 2005.

[10] KAPROW, Alan (1992) apud HUCHET, Stéphane. A instalação em situação. In: NAZARIO, Luiz. (org) Concepções contemporâneas da arte. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

[11] SOGABE, Milton. O corpo do observador nas artes visuais. In: Anais Encontro Nacional da ANPAP. Florianópolis: UDESC, 2007.

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FRANKLIN JOAQUIM CASCAES E A CIDADE DE FLORIANÓPOLIS: IMAGENS ALÉM DO MITO E MAGIA

Aline Carmes Krüger*

Universidade do Estado de Santa Catarina 1. Introdução

Este trabalho é o projeto de pesquisa elaborado para o Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, PPGAV - Mestrado, da Universidade do Estado de Santa Catarina, que tem como objetivo analisar a obra do artista Franklin Joaquim Cascaes composta por desenhos a bico de pena e grafite sobre papel. A pesquisa está centrada em possibilidades de leituras que levam ao hibridismo, representações do cotidiano e a cidade em seu aspecto de desaparição. Pretende-se compreender o que esta coleção nos informa acerca do contexto histórico cultural e do crescimento urbano da cidade de Florianópolis e a crítica que o artista fez à modernidade em curso na Ilha de Santa Catarina. A construção do conhecimento a partir da sua obra contribui para o melhor entendimento do processo de criação do artista, suas pesquisas e conclusões acerca do universo por ele trabalhado. Utilizar-se-á a imagem e os manuscritos do artista como suporte de informação, fazendo uma abordagem histórica destes registros, além de entrevistas concedidas ao artista e publicações em jornal. As fontes principais desta pesquisa se encontram no Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral / UFSC.

2. Método

Ao ampliar a sua atenção para os mais variados aspectos da experiência humana, a produção histórica passou a buscar informações em diferentes tipos de documentos, como por exemplo: jornais, depoimentos orais, fotografias, folders, filmes, pinturas, desenhos, obras literárias, correspondências pessoais, patrimônios arquitetônicos. Para a realização desse trabalho, serão levantadas informações de uma série de fontes oficiais, visuais e manuscritas do artista Franklin Joaquim Cascaes. De início, será necessário fazer um estudo aprofundado sobre os elementos fundamentais dessa pesquisa: história da arte, imagens, mitos e crescimento urbano.

Em A Historia da Arte, Gombrich considera que “olhar um quadro com olhos de novidade e aventurar-se numa viagem de descoberta é uma tarefa muito mais difícil, mas também muito mais compensadora”[1]. Esta observação é extremamente importante no que concerne a luta pela preservação histórica, cultural e artística contida na obras de Franklin Joaquim Cascaes. 3. Resultados e Discussão

Como resultado desta pesquisa, pretende-se apresentar a Coleção Professora Elizabeth Pavan Cascaes no Museu Universitário Professor Oswaldo Rodrigues Cabral - UFSC, historicizando, quantificando, dando a conhecer este acervo, sob uma ótica que não seja apenas a do mito mágico e folclórica, mas portadora de informações sobre as paisagens vividas no dia a dia da população que habitava a Ilha de Santa Catarina. Objetiva-se analisar nas obras de Cascaes o processo de modernização da Ilha e identificar outras possibilidades de leitura das imagens, pouco conhecidas do público. A obra de Franklin Cascaes costuma ser vista sob o prisma reduzido do mito magia e de uma visão folclórica, mas pode ser ampliada para uma visão mais universalista que trata de questões fundamentais do ser humano.

4. Conclusão

Apesar do acervo de Franklin Joaquim Cascaes sugerir cenicamente espetáculos bruxólicos [2] e ter criado a imagem da Ilha de Santa Catarina como Ilha da Magia, sua obra exige demorada *[email protected]

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reflexão crítica por retratar também o processo de modernização que ocorreu nas comunidades, por retratar o papel da mulher e o antagonismo existente nela (mãe, santa, bruxa) [3], as atividades de produção, a presença do negro na Ilha de Santa Catarina, os açorianos, mitologia, a política, aspectos de sua vida, enfim, sua arte traduz a diversidade da herança oral e cultural de uma cidade. Quem estuda sua obra, sejam os manuscritos, as esculturas ou os desenhos sabe que a amplitude de seu legado oferecerá sempre algo novo para pesquisas e discussões. Franklin Joaquim Cascaes acompanhou o processo de modernização que ocorria nas comunidades, e isto está apontado e registrado em sua obra. O tempo, o espaço e as circunstancias são transformadas, modificando o cotidiano da população local. Cascaes desenvolveu uma ampla capacidade para absorver, captar e interpretar o que lhe passava diante dos olhos e o que lhe chegava aos ouvidos. É admirável a insistência com que Cascaes lutou para conscientizar, conservar e divulgar o patrimônio histórico e cultural da população local.

Sua obra é um universo, que permite um vasto campo de pesquisa. Testemunhando a história, com a imaginação produtiva e criadora, Franklin Cascaes buscou retratar os sentimentos que um povo tem pela vida. Em entrevista a Raimundo Caruso, ao ser perguntado sobre a importância da sua obra, Cascaes nos diz: “A importância do meu trabalho para os catarinenses hoje? Acho esse trabalho muito importante porque é preciso conhecer para amar. E uma nação que não conhece a raiz da sua história, está muito aquém daquilo que ela devia ter como sua cultura” [4]. Referências 1 GOMBRICH, E. H. A Historia da Arte. 4ºed. Editora Guanabara: Rio de Janeiro, 1988. p18. 2 Pode-se mencionar a peça de teatro de Gelci José Coelho (Peninha) o “Ataque Bruxólico”, escrito na década de setenta, mas que não chegou a ser encenada. Em 1984 um grupo teatral, apoiado pela Fundação Catarinense de Cultura, estréia a peça “Cascaes”, dirigida por Olga Romero. E “Hobarcú” de Sandra Alves, que traz algumas histórias da tradição oral da Ilha de Santa Catarina, repletas de mágicas, encantamentos e bruxas, cantadas, tocadas e iluminadas por três artistas mulheres que homenageiam o imaginário do folclore catarinense. Tem-se a minissérie apresentada na TV Manchete “Ilha das Bruxas”, projeto da jornalista Bebel Orofino, é inspirada na obra de Cascaes. Também de Bebel Orofino podemos citar o vídeo “Santo de Casa”, um vídeo documento sobre a vida e obra de Franklin Cascaes, e os audiovisuais “Balanço Bruxólico” e “Franklin Cascaes uma cultura em transe”.

3 Ver: 17º Reunião da Associação Brasileira de Antropologia. GT Relações de Gênero. Mulher e Sexualidade na obra de Franklin Cascaes. BARBOSA, Rita de Cássia; BECK, Anamaria. Florianópolis, 8-11 de abril de 1990. 4 CASCAES, Franklin. Vida e arte e a colonização açoriana. Entrevistas concedidas e textos organizados por Raimundo C. Caruso. Florianópolis: Editora da UFSC, 1988. p.28 e 29.

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HISTÓRIA, NARRAÇÃO E LITERATURA: UM DIÁLOGO PRESENTE EM OBRAS DA COLEÇÃO BIBLIOTECA DA ESCOLA

Eloisa da Rosa Oliveira1*; Gladir da Silva Cabral2

1 Bolsista PIBIC/UNESC (Universidade do Extremo Sul de Santa Catarina) 2 Professor do curso de Letras, pesquisador e orientador (UNESC)

1. Introdução

Políticas públicas de incentivo à leitura têm-se multiplicado nos últimos tempos à medida que a

preocupação em suprir os baixos índices de letramento no Brasil vem aumentando. É evidente o interesse pela melhoria dos números nas estatísticas representativas do quadro educativo no país. Todavia, enquanto as atenções permanecem voltadas para pesquisas quantitativas, poucos documentos governamentais discutem ou avaliam a qualidade das práticas de leitura que se desenvolvem dentro das escolas. Menos ainda existe uma avaliação quanto às próprias obras distribuídas como instrumento dessa prática de modo a auxiliar o trabalho daqueles profissionais empenhados em formar leitores literários.

Partindo de reflexões e questionamentos dessa natureza, surgiu a ideia de analisar algumas obras do Programa Nacional Biblioteca da Escola a fim de avaliá-las não somente em seu caráter qualitativo enquanto formadoras de leitores, mas também enquanto mediadoras de conhecimentos básicos para a formação do indivíduo leitor. A partir de dois textos fundamentais do pensamento de Walter Benjamin, “O Narrador” e “Sobre o Conceito de História”, propôs-se uma leitura das obras Kafka e a Boneca Viajante, de Jordi Sierra e Fabra; A mala de Hana: uma história real, de Karen Levine e Histórias que eu vivi e gosto de contar, de Daniel Munduruku. Essas obras fazem parte do Programa Biblioteca da Escola, proposto pelo Ministério da Educação desde 1997.

O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) foi instituído pelo Ministério da Educação em 1997. Essa intervenção na realidade das escolas se dá por meio de distribuição de livros às escolas e aos alunos. Dentre os objetivos do programa está a valorização da biblioteca ou espaços de leitura dentro das escolas, enfatizando a proposta de que esses ambientes sejam espaços de convivência, debate, reflexão e fomento à leitura. Para isso, são distribuídos acervos bibliográficos, considerando ser esse o primeiro passo que precisa ser dado na construção da nova realidade que se quer alcançar.

A análise do corpus perpassa por discussões sobre narração e história, com base nos apontamentos teóricos de Walter Benjamin [1]. O estudo inclui, ainda, reflexões sobre a formação da identidade coletiva de acordo com teorias de Start Hall [2], bem como a forma com que a infância é representada nas obras selecionadas à luz dos conceitos de Walter Benjamin e Manuel J. Sarmento [3].

O objetivo principal foi perceber de que forma esses livros dialogam com essas quatro categorias traçadas e que influência trazem para a formação do indivíduo. Como objetivo específico esperou-se notar o quanto essas obras trabalham a serviço da troca de experiência, bem como a serviço da narrativa e de uma perspectiva histórica mais recente, que não a da história monumental referida por Walter Benjamin. Objetivou-se também perceber como esses livros representam a infância por meio de seus enredos e constroem, por conseguinte, a identidade coletiva de um determinado povo. 2. Método

Em 2009, a coleção do PNBE contemplou todas as escolas de ensino fundamental em território

nacional. Foram 308 títulos distribuídos em cada acervo. Esse foi o ponto de partida na escolha do corpus. Entre esses 308, foram selecionados aqueles livros cujo título já anunciasse uma abordagem sobre algum fato histórico. Outro critério de seleção foi encontrar obras do gênero biográfico ou autobiográfico, por considerar que esse gênero pudesse contemplar as quatro categorias dessa análise. Após estabelecer esses critérios, seguiu-se uma pré-seleção de 10 livros que chamaram atenção. Em outro momento, fez-se a leitura integral dessas obras e escolheu-se, por fim, três obras para que se fizesse uma análise mais apurada que fosse ao encontro dos questionamentos e objetivos principais.

Esta pesquisa foi, portanto, de cunho bibliográfico com uma abordagem qualitativa. A partir da seleção e delimitação do corpus, foram estipuladas quatro categorias-chaves a serem analisadas e discutidas: narração; história; identidade e infância. Primeiramente, examinaram-se as obras selecionadas, avaliando a importante função do narrador dentro delas. Depois, focou-se a concepção de história que está inserida em cada enredo travando diálogo com a literatura. Em outra face de nossa análise, contemplamos questões

* Autor Correspondente: [email protected]

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referentes à identidade coletiva formada a partir do registro dessas histórias. E, por fim, analisamos a representação da infância também presente nas narrativas. Por ora, segue uma breve síntese do enredo de cada obra selecionada.

Karen Levine [4] é uma escritora canadense que decide retratar uma história tecida em três continentes. Em A mala de Hana: uma história real, uma mala que chega a um pequeno museu para crianças no Japão no ano 2000 desencadeia uma investigação em torno dos vestígios sobre a vida de uma menina que esteve em Auschwitz em 1944. À medida que o texto biográfico vai se juntando a objetos, fotos, desenhos e depoimentos, a identidade de Hana Brady vai sendo tecida com as linhas da memória e da imaginação. A autora registra em sua obra a experiência de uma pedagoga e um grupo de crianças em Tóquio, no Japão, na organização de um museu em memória ao Holocausto. A obra perpassa também pela história de George Brady, em Toronto, no Canadá, que foi um dos sobreviventes do Holocausto e irmão de Hana Brady, a dona da mala que está exposta no museu das crianças de Tóquio. Desse modo, a história que Karen Levine registra tece fatos do passado, presente e esperanças de um futuro. Todos os envolvidos na construção dessa obra têm uma preocupação em comum: que os horrores vividos por Hana e milhares de crianças não se repita nem caia no esquecimento da humanidade.

Jordi Sierra i Fabra [5], na obra Kafka e a boneca viajante, também fez um trabalho de investigação e imaginação. A partir da informação de que o escritor Franz Kafka, antes de sua morte, escreveu cartas endereçadas a uma menina no parque de Steglitz, em Berlim, Sierra i Fabra decide recontar essa possível história real. Ao imaginar que conteúdos teriam essas cartas, o autor remete um olhar sobre a infância e sobre a perspectiva da morte que fazem do enredo uma leitura interessante. Todos os dias, durante algum tempo, a menina que perdeu sua boneca recebe uma carta entregue pelo carteiro de bonecas, Franz Kafka, cujo remetente é a sua própria boneca que explica todos os dias os motivos que a fizeram fugir, amenizando e libertando a menina do sentimento de perda.

Daniel Munduruku [6] é de origem indígena e compartilha, em sua obra Histórias que eu vivi e gosto de contar, as experiências que teve quando criança em meio ao seu povo. Mesclando memórias da infância e lendas, o escritor registra os costumes de sua tribo, suas tradições e seus ensinamentos. Numa tentativa de construir e preservar a identidade de seu povo, Munduruku conta suas aventuras inocentes de criança, que são tomadas por sutis ensinamentos de sabedoria. Uma das preocupações do autor, além de registrar o passado do povo munduruku, é também o de ensinar aos leitores a importância da valorização dos primeiros povos a habitarem as terras brasileiras.

3. Resultados e Discussão Avaliou-se, no decorrer desta pesquisa, o modo como as três obras contemplaram discussões acerca de

fatos históricos, identidade e infância. O estudo levou a percepção de que o exercício da narrativa ainda pode ser encontrado nos tempos atuais, seja como forma de resistência às pressões e violências sociais, seja como recurso de reconstrução da memória e da subjetividade. Os três livros também parecem confirmar a noção de que a infância produz cultura e, portanto, têm uma importante contribuição a dar à sociedade e à história.

Walter Benjamin [7] defende, numa perspectiva filosófica, que o narrador deve conservar fatos do passado por meio de suas narrativas, exercendo assim um diálogo entre passado, presente e futuro, pois quando o narrador conta uma história é como se estivesse deixando um legado para o presente, que para Benjamin poderá modificar o futuro. A função do narrador seria, portanto, não só a de contar, mas principalmente a de conservar, transmitir e até salvar o significado de uma experiência como quem aconselha alguém que está disposto a ser aconselhado [8]. Os livros selecionados como corpus desta pesquisa evidenciam que o exercício da narração continua presente em nossos dias, ainda que de modo diferente e circunscrito a certas práticas e instituições sociais, como a escola e a família, onde ainda se pode perceber a valorização da narrativa por meio da literatura infantil e juvenil. Kahmann [9] também faz constatações desse tipo em seus estudos quando afirma que:

O boom do resgate memorialístico levado a cabo, especialmente após a década de 60, trouxe em si a necessidade de se produzir algum tipo de ‘verdade eterna’ na qual ancorar a identidade do sujeito. Então, assistiu-se ao ressurgimento do narrador, com toda carga de tradição oral, artesanato e aconselhamento, que queria Benjamin.

Dentre os três livros aqui avaliados, há uma linha que traça um ponto em comum entre as três histórias: todas elas nasceram de uma experiência real. A ligação entre o real e o imaginário por meio de enredos adaptados para o público infantil e juvenil já demonstra o interesse dos narradores em transmitir uma experiência de alguém, seja ela vivida pela personagem em questão ou pelo próprio autor. Flávio René Kothe [10] diz que “a literatura é uma historiografia inconsciente”. Embora não se possa concordar totalmente com

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tal afirmação, visto que a literatura não se trata de mero exercício historiográfico e tem seus rigores e recursos técnicos que operam acima e além da linha do inconsciente, acreditamos que a literatura de fato goza de certa liberdade ao contar a história, seja ela pela perspectiva dos vencidos ou dos vencedores, pois ela trabalha com as ferramentas da ficção, da imaginação e da arte, recursos diferentes dos convencionais rigores acadêmicos, didáticos ou historiográficos, por exemplo.

Na literatura, pode-se mesclar a narrativa com dois ingredientes: o real e o imaginário, sem que haja compromisso com a explicação técnica mais específica da disciplina de História ou mesmo outras ciências. Realidade e imaginação estão em constante diálogo tanto na narrativa tradicional quanto na literatura, embora essa relação não seja mecânica, causal, e a literatura não seja mero espelho da realidade, mas transite entre o reflexo e a refração, como a linguagem [11]. Entretanto, na narrativa, de acordo com Benjamin, a explicação deve ser dispensada e o comentário deve ser mínimo a fim de gerar, instigar, proporcionar ao leitor um momento único e íntimo, que é o da interpretação. O romance muitas vezes não consegue essa síntese radical, essa contenção proposital.

4. Conclusão No tocante aos questionamentos principais feitos inicialmente, percebeu-se nos livros o papel

relevante do narrador nas construções da história e concomitantemente na produção do passado. Passado esse, muitas vezes, desconhecido pela maioria, ou ignorado por se tratar da história vista pelo olhar do oprimido. Foi possível perceber que os livros trazem indícios de que o exercício da narração ainda se faz presente em nossos tempos, ainda que de forma modificada, limitada ao contexto escolar e familiar.

Por meio desses livros ainda é possível ouvir a voz do narrador advertindo e chamando para a busca da sabedoria, da sapiência. Pôde-se observar também que esses livros trazem uma concepção crítica de história ao enfatizarem a perspectiva dos esquecidos, dos silenciados, dos oprimidos. Por meio deles é possível ouvir as vozes das crianças, dos povos indígenas, dos escritores marcados pela ameaça da morte, dos vencidos, a voz do outro.

Concomitantemente, ficou evidente o modo como essas narrativas atuam como instrumentos de construção de subjetividade e identidade cultural. Elas testificam que é pela linguagem, no diálogo, em sociedade, que o eu se constrói. Por fim, ficou evidente também que a criança é digna de respeito e merece ser tratada como sujeito autônomo que não apenas consome, mas produz cultura, atribui significado à realidade, lê, interpreta, entende o mundo.

Ao longo desta pesquisa, outras dúvidas e problemáticas foram surgindo, dando sentido também ao ato da pesquisa científica, que não só soluciona problemas como também incita o pensar em outros novos. Assim, o trabalho se deu não só em procurar respostas, mas principalmente em formular novas perguntas e instigar novas reflexões e possibilidades de pesquisa, a partir das discussões que surgiram aqui.

Referências

[1] BENJAMIN, Walter. O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 197-221. [2] HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 5. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. [3] SARMENTO, Manuel Jacinto. As culturas da Infância nas encruzilhadas da Segunda Modernidade. In: SARMENTO, Menuel Jacinto; CERISARA, Ana Beatriz. Crianças e miúdos: perspectivas sociopedagógicas da Infância e Educação. Lisboa: Asa Editores, 2004. [4] LEVINE, Karen. A mala de Hana: uma história real. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2007. 112 p. [5] SIERRA I FABRA, Jordi. Kafka e a boneca viajante. São Paulo: Martins, 2008. 127 p. [6] MUNDURUKU, Daniel. Histórias que eu vivi e gosto de contar. São Paulo: Callis, 2006, 47 p.

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[7] BENJAMIN, Idem. [8] Idem, Ibidem.

[9] KAHMANN, Andrea Cristiane. Fronteira, Identidade, Narrativa: Tradição e Tradução em Sergio Faraco. 2006. 193 f. Dissertação (Mestrado em Literatura Comparada) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. p. 77

[10] KOTHE, Flávio René. Benjamin & Adorno confrontos. São Paulo: Ed. Ática, 1978. 1978 p. (Ensaios 46) [11] BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara F. Vieira São Paulo: Hucitec, 1981.

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IMAGEM E PALAVRA: UM ESTUDO DO DESENHO INFANTIL EM UM CASO DE SURDEZ PROFUNDA

Liane Carvalho Oleques*

Universidade do Estado de Santa Catarina 1. Introdução

Procurou-se, neste trabalho, observar como se dá a produção gráfica de uma criança com surdez profunda desde o nascimento. Para tanto, foi analisado o desenho de dois meninos: um menino surdo e um menino ouvinte, ambos com nove anos de idade moradores da cidade de Florianópolis - SC e estudantes da mesma escola pública. Partindo do princípio de que o desenho infantil envolve cognição e, consequentemente, significação, observaram-se estas relações, considerando uma criança que nunca ouviu.

Considerando a importância dos estudos já realizados sobre o desenho da criança contemplando seus distintos aspectos, salientou-se nesta pesquisa a análise do desenho de uma criança surda profunda congênita, objetivando uma maior compreensão de sua atividade gráfica, tendo em vista, relações de significado, sentido, visualidade, cognição e comunicação. Notou-se que a criança surda, possivelmente em função de sua acentuada visualidade, traça especificidades em seus desenhos inclinando-os a representações detalhadas e especificas. Considerou-se, portanto, a seguinte questão: Como se compõem o repertorio gráfico de uma criança surda com relação ao de uma criança ouvinte?

A base teórica deste trabalho caracterizou-se por uma abordagem cognitiva do desenho infantil, pautada em autores como Vigotski e Wallon, acerca do desenvolvimento cognitivo da criança, além de pesquisadores do desenho infantil como Duarte, Darras, Brent e Marjorie Wilson e Cox. No tocante à surdez e suas especificidades como dificuldade no desenvolvimento da linguagem e comunicação e, consequentemente, o desenvolvimento cognitivo, optou-se por teóricos como Oliver Sacks (1998) [11], Celeste Azulay Kelmam (1996) [7], Marcia Goldfeld (2002) [5] e Marlene Danesi (2003) [1].

A pesquisa dividiu-se em cinco capítulos que trazem apontamentos teóricos que nortearam a investigação. O primeiro capítulo traz alguns apontamentos acerca da inclusão e das necessidades especiais na atualidade, considerando os estudos de Reily (2007) [10], González (2007) [6] e Vigotski (1997) [12]. Estes autores apontam para uma visão social da deficiência em detrimento à patologia, ressaltando que o meio social deveria agir de modo que possibilitasse situações e reações que compensassem a condição de deficiente. Este mesmo capítulo apresenta, ainda, como enfoque principal, considerações a respeito da surdez, da patologia à Cultura Surda, bem como, as consequências do atraso no desenvolvimento da linguagem. Expondo, para tanto, as observações de autores como Sacks (1998) [11], neurologista que, entre inúmeros trabalhos em outras áreas, dedica-se, também, à surdez e compreende o termo Surdez (com letra maiúscula), como um grupo linguístico e cultural diferenciado, e surdez (com letra minúscula), compreendendo uma condição física e uma visão médica. Nesta visão, a condição patológica não se sobressai, mas projeta a surdez dentro de um grupo que percebe o mundo de forma diferente. Outros autores, também, subsidiam no tocante as consequências do atraso da linguagem que podem sofrer pessoas surdas. Marcia Goldfeld (2002) [5] que pesquisou o desenvolvimento e as relações de uma criança surda com atraso na linguagem, também destaca a importância da linguagem que vai além da comunicação, estabelecendo funções organizadoras e planejadoras do pensamento. Salienta, ainda, a necessidade premente da estimulação e aquisição da linguagem em pessoas surdas desde os primeiros anos de vida, nos quais estes processos começam a se desenvolver e se internalizar. Do contrário, segundo Goldfeld (2002) [5], crianças surdas que sofrem atraso na aquisição da linguagem podem padecer de danos irreversíveis no desenvolvimento de suas funções cognitivas. Ronice Muller de Quadros (1997) [9] trás as principais propostas para a educação de surdos no Brasil, destacando o Bilinguismo e o Oralismo.

Reservou-se, o segundo momento desta pesquisa, aos estudos sobre o desenho infantil, contemplando as investigações de Luquet (1967) [8], acerca do Realismo Intelectual e Visual. Duarte (1995 – 2008) [3,4] explica as concepções inerentes aos esquemas gráficos e resumos cognitivos elaboradas pelas crianças ao desenhar. O resumo cognitivo caracteriza-se pela sintaxe visual dos elementos mais relevantes da imagem a ser grafada, assim como coloca Duarte (DUARTE, 2008-b, p. 1290) [4]: “Os esquemas gráficos são representações simplificadas e generalizantes dos objetos do mundo”. Assim, as primeiras representações de figura humana são, geralmente, caracterizadas por um círculo e duas hastes, representando as pernas e intrinsecamente o tronco, do mesmo modo, casas são desenhadas por um quadrado e um triângulo. Darras (1998) [2] auxiliou a pesquisa no tocante aos níveis cognitivos, sobretudo, o Nível de Base e o Nível Sub-ordenado, os quais foram altamente relevantes para análise dos dados. Darras trabalha o desenho infantil

* Autor Correspondente: [email protected]

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numa perspectiva cognitiva e comunicacional e classifica essas imagens gráficas em Nível Sub-ordenado onde há pouca abstração, ou seja, o objeto representado segue os padrões da visualidade; Nível de Base que funciona como um resumo cognitivo do objeto representado. Assim, o Nível de Base remete as propriedades gerais desenhadas, relacionando-se a simplificação e esquematização das formas dos objetos, ele é o nível mais solicitado quando se desenha esquemas gráficos usuais, destinado a comunicação e repetição. Darras (1998, p. 08) [2] esclarece que: “O Nível de Base é o nível de abstração cujos elementos têm ainda em comum um grande número de propriedades.” De acordo com este autor, no Nível de Base, há menos propriedades figurativas comparado ao Nível Sub-ordenado, porém, elas são mais gerais e mais adequadas ao resumo cognitivo. No Nível Sub-ordenado existem mais elementos ou características figurativas, pois, destina-se a aprimorar o objeto desenho a fim de especificá-lo.

No terceiro capítulo buscou-se compreender como se dá o desenvolvimento da linguagem. Essas discussões foram realizadas, a partir dos estudos de Vigotski (2005) [4] acerca do pensamento e da linguagem e Wallon (1979) [14], o qual apresenta a tese de como “nasce a idéia” na mente humana, traçando de forma linear e orgânica o desenvolvimento das faculdades cognitivas. Optou-se por estes dois autores centrais, pelo fato de ambos acreditarem nas intermediações sociais como ponto fundamental para o desenvolvimento do aparato cognitivo. Outros autores como Sacks (1998) [11], Goldfeld (2002) [5] e Celeste Azulay Kelman [7] subsidiaram essas investigações no âmbito da surdez e suas especificidades. Ainda neste capítulo, tratou-se sobre representação, segundo os princípios de Wallon [14], a representação assume um papel relevante no desenvolvimento cognitivo por dar margem à função simbólica e consequentemente à linguagem. Por dar margem ao ato de significar a representação assume um papel de substituição. Considera-se, desta forma, o desenho como uma possibilidade de representar as coisas, isto é, ele também assume um papel de substituição.

O quarto capítulo enfocou a metodologia utilizada, assim como o encaminhamento da pesquisa de campo como procedimentos, local e participantes.

O quinto capítulo reservou-se a análise sistematizada dos desenhos coletado, observando questões como visualidade, significado e sentido. Características gráficas, como esquemas e resumos cognitivos, e os níveis cognitivos apontados por Darras, também foram bastante apontados na análise que traz ainda um paralelo da produção gráfica dos dois participantes.

A última parte da pesquisa diz respeito às considerações finais, relativas aos casos pesquisados, destacando as implicações da surdez no desenho infantil relacionadas aos níveis cognitivos de Base e Sub-ordenado. 2. Método

Quanto ao enfoque metodológico, foi utilizada a pesquisa qualitativa, visando sua flexibilidade na investigação, utilizando o estudo de caso múltiplo, delineado por Yin [16], pois, a coleta de dados contempla contextos distintos: uma criança surda e uma criança ouvinte. Observação participante foi o instrumento empregado para a coleta de dados que se concentrou em encontros semanais, de Março a Julho de 2009 na escola onde os meninos, participantes da pesquisa, estudavam. As atividades aplicadas foram atividades de desenhos livres e atividades direcionadas como desenhar um objeto específico. Nos momentos iniciais da pesquisa foi realizado contato com as professoras responsáveis pelas crianças. Todos os encontros foram filmados com o propósito de registrar o processo de desenvolvimento dos desenhos. Os desenhos recolhidos na coleta de dados constam, aqui, como um documento a ser analisado para a pesquisa. 3. Resultados e Discussão

São apresentados aqui o recorte de alguns resultados e discussões acerca da atividade de desenho livre que constituíram mais de 50% dos desenhos coletados e um riquíssimo material para análise. Nas atividades livres, as quais a pesquisadora deixava a criança à vontade para desenhar o que quisesse, percebeu-se que W, o menino ouvinte, geralmente, ficava em dúvida quanto ao que desenhar, suas produções, geralmente, resultavam em automatismos gráficos isolados com pouca conexão entre si, repetindo-os por diversas vezes. Acredita-se que esta situação pode ser comum em crianças desta idade já que elas se consideram incapazes de desenhar nos padrões da visualidade, surgindo desenhos automatizados por demandarem menor esforço cognitivo, assim a criança não precisaria “criar” um novo desenho.

K, o menino surdo, geralmente, se baseava em referenciais reais para desenhar. K ilustrou, por diversas ocasiões, a máquina fotográfica e até mesmo o computador portátil usados na coleta de dados, bem como, o ventilador da sala de aula ou embalagens de produtos que encontra na escola. K se preocupava com os detalhes, fossem pequenos ou grandes, observando, com bastante atenção, os modelos (fig.01). Porém, ele não era muito rígido quanto às cores dos objetos que copiava. Luquet (1969) [8] já salientava que as crianças

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colorem seus desenhos, com a intenção de se aproximarem ao máximo dos padrões da visualidade, mas K ficava mais atento às formas e linhas.

Fig. 1 desenhos da máquina fotográfica, usada na coleta de dados. Nota-se que nas duas imagens a

maquina é desenhada frente e verso. Desenhos realizados por K. De acordo com Wilson e Wilson (1997) [15], as crianças dificilmente aprendem a desenhar, utilizando

modelos tridimensionais; elas preferem aqueles modelos gráficos já prontos, ou seja, bidimensionais para serem seguidos. Desta forma, há um esforço menor da criança que evoca ao desenhar um esquema de desenho já pronto. Estes autores ainda afirmam que sem modelos para serem seguidos, haveria pouca ou nenhuma atividade gráfica que partisse da criança. Entretanto, o que se notou nos desenhos de K é um tipo de comportamento contrário, já que as presenças dos objetos reais motivaram e impulsionaram grande parte de sua produção gráfica.

K, também, se interessa bastante, em desenhar ônibus e caminhões. Em um destes exemplares, realizado no quadro negro da sala de aula, escreve a palavra BIG (fig.02). Assim, o menino não está se referindo a qualquer caminhão, mas àquele caminhão avistado na rua ou num passeio ao mercado dias antes. É interessante notar que K, segundo sua professora, sabia escrever pouquíssimas palavras como o próprio nome; fora isso as palavras que escrevia eram cópias das formas das letras sem qualquer significado, ou seja, é possível que K não compreenda o que escreveu, para ele, apenas, são detalhes inerentes ao caminhão.

Fig. 2 desenho de caminhão realizado por K.

De observação ou de memória, os desenhos de K denotam grande detalhismo, abrindo questões acerca

da hipervisualidade no sujeito surdo, sugerindo uma forma de pensamento e memória especificamente visual. Desta maneira, as coisas observadas que fazem sentido ao menino, são gravadas, de forma que, ao representá-las o faz com riqueza de detalhes, ou seja, não é uma generalização de uma categoria de objetos, mas, de fato, os objetos específicos, observados pelo menino no cotidiano. Assim, pode-se vincular sua produção gráfica ao Nível Sub-ordenado apontado por Darras. 4. Conclusão

Dados teóricos, obtidos nesta pesquisa, permitem dizer que crianças com pleno desenvolvimento da linguagem, usam com maior facilidade o desenho de esquemas gráficos e resumos cognitivos, atribuindo-lhes o mesmo sentido generalizante das palavras, isto é, ela chega a um esquema gráfico que reúne o conceito de tal objeto, representando-o. K tem dificuldade de comunicação em função da surdez, mas demonstra uma acuidade visual, responsável, talvez, pelos desenhos com riqueza de detalhes e realismo. Assim como Sacks relatou sobre a hipervisualidade do sujeito surdo que inclina estas pessoas a formas de pensamento predominantemente visual, K parecia compensar a perda auditiva acentuando a visualidade. Consequentemente ele parece ter um vantagem em relação a W no momento em que realiza um desenho de observação ou quando uma imagem mental de um objeto específico é lembrada para desenhar, já que W na

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maior parte destas atividades demonstrou evocar esquemas gráficos correspondentes aos objetos de modo generalizante.

O repertório visual da criança surda condiciona seu conhecimento sobre o mundo, assim, quase tudo o que K desenhou refere-se ao real e sua própria experiência, ou seja, a capacidade de produzir imagens é subsidiada pela experiência concreta com os objetos. O fato de o menino ser surdo, possivelmente, dificultou a representação gráfica de modo generalizante. K demonstrou apreciar desenhar se apropriando dos objetos através dos desenhos de forte apelo visual e, até mesmo, se comunicar por meio deles. Referências

[1]DANESI, Marlene Canarim. Estudo exploratório do desenho de crianças surdas, relacionando a representação gráfica da imagem corporal com o uso da língua de sinais. Porto Alegre e Bueno Aires.Tese de mestrado, 2003. [2] DARRAS, Bernard. A imagem, uma visão da mente. Estudo comparado do Pensamento Figurativo e do Pensamento visual. In: Recherches en communication. Paris, França, n.9, 1998. Tradução de Maria Lúcia B. Duarte. [3] DUARTE, Maria Lúcia B. O Desenho do Pré Adolescente: Características e Tipificação. Dos Aspectos Gráficos à Significação nos Desenhos de Narrativa. Tese de Doutoramento. São Paulo: ECA/USP, 1995. [4]_________________________ . Sobre o desenho infantil e o nível cognitivo de base. Anais do 17º Encontro Nacional da ANPAP “Panorama da Pesquisa em Artes Visuais”. Florianópolis, 2008-b. p. 1283-1294. http://www.anpap.org.br/2008/artigos/117.pdf [5] GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sóciointeracionista. 2º edição. São Paulo: Plexus Editora, 2002. [6] GONZÁLEZ, Eugênio. Necessidades educacionais específicas. Porto Alegre: Artmed, 2007. [7] KELMAM, Celeste Azulay. (1996). Sons e Gestos do pensamento; um estudo sobre a linguagem egocêntrica na criança surda. Brasília: CORDE 1996. [8] LUQUET, Georges-Henri (1927). O desenho infantil. Porto: Ed. Do Minho,1969. [9] QUADROS, Ronice Müller. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. [10] REILY, Helena Lúcia. Retratos urbanos de deficiência. In: Inclusão, Práticas pedagógicas e trajetórias da pesquisa. Org. Denise M. de Jesus, Claudio Roberto Baptista, Maria Aparecida Santos C. Barreto e Sonia Lopes Victor. Porto Alegre: Ed. Mediação, 2007. P. 220 – 232. [11] SACKS, Oliver. Vendo vozes. Uma viagem ao mundo dos surdos. Ed. Companhia das letras, São Paulo, 1998. Tradução: Laura Teixeira Motta. [12] VIGOTSKI, Lev Semenovich. Obras escogidas V: fundamentos de defectologia. Madri: 1997. [13] ____________________. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005. [14] WALLON, Henri. Do acto ao pensamento. Ensaio de psicologia comparada. Lisboa: Moraes Editores, 1979. [15] WILSON, Brent; WILSON, Marjorie. Uma visão iconoclasta das fontes de imagem nos desenhos de criança. In: BARBOSA, A. M. Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Editora Cortez, 1997. [16] YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e método. 2.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

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NARRATIVA E ENSINO DE INGLÊS NA ESCOLA PÚBLICA Rachel Mattos Bevilacqua ∗

Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS 1. Introdução

O presente trabalho visa a apresentar resultados parciais de um estudo em que se procura qualificar a prática de ensino de inglês no Ensino Fundamental, em uma escola pública estadual de Porto Alegre. O pouco interesse dos alunos de quinta e sexta séries pela disciplina motivou a busca de alternativas às práticas tradicionais de ensino (leitura de textos e exercícios de compreensão e gramática). Introduzimos a narrativa oral de histórias infantis nessas salas de aula com o propósito de conjugar uso e aprendizagem da língua. Queríamos também chamar a atenção dos estudantes para a importância e beleza dessas histórias e desse idioma.

A questão principal a ser analisada é a atuação da narrativa como elemento básico na realização de ações sociais, como a de contar histórias na sala de aula, empregando a língua inglesa como signo mediador dessa experiência. Investigamos, então, o papel central do emprego de narrativas para o aprendizado e desenvolvimento da comunicação em língua inglesa, nas séries finais do Ensino Fundamental. Para tanto, consideramos que não é possível separar língua e cultura, e que a primeira traz consigo os elementos constituintes da segunda, funcionando como mediadora nas vivências humanas. Contar histórias é uma ação que possui uma função social para o aluno, trazendo em si a vivência da língua, que contextualiza seu ensino. Além disso, a importância do emprego da narrativa nas aulas de inglês está baseada no ponto de vista de que o homem se constitui e constitui o próprio mundo, dominando-o e transformando-o, assim como ao próprio comportamento através do uso da linguagem e particularmente da narrativa. Tais idéias estão presentes nos escritos de Vygotsky, Bruner, Labov, entre outros, que fazem parte das referências bibliográficas deste trabalho. 2. Método A pesquisa-ação, ou pesquisa participativa foi o método escolhido para coleta e análise dos dados deste trabalho. A Pesquisa-ação consiste em uma metodologia qualitativa que evidencia dados psicológicos ou de sentido e geralmente é aplicada com o intuito de analisar e/ou solucionar situações onde há um problema de ordem social. Neste caso o pesquisador se torna concomitantemente sujeito e objeto da pesquisa, desfazendo-se, então, a idéia de que o pesquisador é o detentor único do conhecimento, já que este tipo de pesquisa foca ações coletivas e socialização do conhecimento. Assim, anotações subsequentes aos eventos de contação de histórias foram feitas em diário de campo, além da aplicação de questionários aos alunos. Esses questionários foram respondidos logo após a contação das histórias, apresentado respostas de senso comum, relacionando aprendizagem e diversão. Além desses dados, também foi levado em conta o entusiasmo dos alunos quanto às aulas de inglês, mesmo quando não há contação de histórias. São cinco as histórias que fazem parte deste trabalho e em geral transmitem valores universais, como amor pela família, amizade, astúcia, gentileza, entre outros: Purple Hair? I don’t care!; The very hungry caterpillar; The Gingerbread man; Once together, forever together; The family book (dados complementares).

O material adotado para a narração das histórias é elaborado por nós, a partir de histórias infantis em inglês, que em geral transmitam valores universais, como amor, amizade, astúcia, gentileza, entre outros.. A adaptação dos textos que fazemos pretende facilitar o entendimento da história apresentada. Para tanto escolhemos sequências de figuras e frases elaboradas com o emprego de uma linguagem mais básica. A adaptação desses textos pretende facilitar o entendimento da história apresentada, o que não corresponde ao “baby-talk” ou “motherese”, pois visa apenas a auxiliar na compreensão de expressões mais complexas.

3. Resultados e Discussão Resultados parciais desta pesquisa mostram que há compreensão conceitual da narrativa em língua

inglesa por parte dos alunos, além de despertar seu interesse pela aprendizagem deste idioma mesmo nas aulas em que não ocorre contação de histórias. Além das respostas de senso comum, presentes nos questionários, foi possível notar a ocorrência de outro tipo de resposta implícito nas manifestações espontâneas dos alunos, tanto em inglês como em português e independentemente do contexto onde elas ocorram, ou seja, antes, durante ou após a narrativa de uma história. Na maior parte das vezes essas

∗ Rachel Mattos Bevilacqua – e-mail: [email protected]

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“respostas” são manifestadas na forma de expressões orais - conversando com colegas ou alunos de outras séries ou mesmo em casa, com os familiares. Um exemplo disso é que ao reconhecer expressões, frases ou mesmo palavras que fazem parte do vocabulário de alguma história ouvida em inglês, a manifestação dos alunos é imediata: - Olha aqui, sora! Very hungry! The very hungry Caterpillar! É da história, né? O desenvolvimento da comunicação em inglês, então, passou a ter lugar nas demais dependências da escola, onde encontramos alunos recontando as histórias ouvidas nas aulas de inglês para alunos de outras séries, principalmente das séries iniciais do Ensino Fundamental. Ao reproduzir as histórias, notamos que em grande parte as expressões utilizadas pelos alunos são em inglês, o que demonstra a validade de vivenciar a língua através da ação social experienciada por eles na sala de aula.

4. Conclusão A questão principal comentada neste trabalho é a atuação da narrativa na realização de ações sociais, como a de contar histórias na sala de aula, empregando a língua inglesa como signo mediador dessa experiência. Sabemos que não é possível separar língua e cultura, e que a primeira traz consigo os elementos constituintes da segunda, funcionando como mediadora nas vivências humanas. Logo, para interpretar realidade em determinada cultura é preciso não apenas ser capaz de entender e interagir com histórias particulares dos indivíduos componentes dessa cultura, mas é necessário, principalmente, haver interação entre tais componentes, onde realmente reside a riqueza dessas formas de vida. Assim, as marcas de pensamentos, sentimentos, e valores construídos pelas sociedades são deixadas no discurso através da linguagem e, particularmente da narrativa. Logo, é possível entender a visão interpretativa deste trabalho e a afirmação de que o evento de contar histórias ultrapassa as paredes da sala de aula. É isso que valida tal prática, já que tudo se constitui na e através da narrativa. Referências BRUNER, Jerome; trad. Marcos A. G. Domingues. A Cultura da Educação. Porto Alegre: Artmed, 2000. _________. Life as narrative. Social Research, v. 71, n. 3, p. 691-710, 2004 CARLE, Eric. The very hungry caterpillar. England: Penguin Books, 1970. LABOV, William. Uncovering the event structure of narrative. In: TANNEN, D; ALATIS, J. E. (Org.). Round table on Languages and Linguistics – Linguistics, Languages and the real world: discouse and Beyond. Georgetown: Georgetown University Press, p. 63-83, 2003. MIYAKAWA, Kenji. Once together, forever together. Japan: Shinseken Ltd, 2000. PARR, Tood. The Family Book. New York: Little, Brown and Company, 2003. VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ZILLES, Ana Maria; HÉGLAN, Hires; LIMBERGER, Bernardo K. A avaliação na co-construção de narrativas a partir de um livro de gravuras por mães e suas filhas de três anos. In: Revista Desenredo: Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo, V. 3, n.2, p. 151-181, julho/dezembro de 2007.

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O ESTADO DA ARTE DAS TESES ACADÊMICAS QUE ABORDAM ARTE E INCLUSÃO. UM RECORTE DE 1998 A 2008 NO BRASIL

Cristiane Higueras Simó*; Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva

1 Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC 2 Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

1. Introdução Atualmente o tema da inclusão social de pessoas com necessidades educacionais especiais vem sendo explorado por diversas áreas ligadas à educação, entre elas a área de arte-educação. São visíveis os esforços crescentes dos profissionais ligados ao ensino de fazer com que as escolas se tornem efetivamente inclusivas reformulando materiais, práticas pedagógicas e espaços físicos para incluir nas salas de aula todos os educandos sejam eles com necessidades educacionais ou não. No campo da pesquisa, autores vêm elaborando trabalhos acadêmicos sobre esta temática explorando as exigências da atual política educacional, apontando percursos e carências desse âmbito. E na área da arte-educação? Como as práticas de ensino têm sido socializadas? Será que as pesquisas científicas, que trabalham a inclusão por meio da arte, têm reconhecido uma efetiva inclusão? Será que elas têm trabalhado com a educação inclusiva ou a educação especial? Os trabalhos acadêmicos estão obtendo resultados favoráveis, isto é, as pesquisas estão verificando boas intervenções pedagógicas inclusivas nas aulas de Arte? Que caminhos elas têm apontado? É a partir dessas indagações que definimos como objeto de estudo a questão: Como se caracteriza o estado da arte das teses de doutorado entre os anos de 1998 e 2008 que abordam a arte-educação para pessoas com necessidades educacionais especiais resultando em uma interface entre as áreas de Arte-Educação, Educação Inclusiva e/ou Educação Especial? O presente resumo refere-se à dissertação em andamento de mestrado que tem como foco realizar um mapeamento das teses de doutorado, que articulam os temas da arte-educação e da inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais no âmbito da educação especial e/ou educação inclusiva. A pesquisa visa investigar o estado da arte dos trabalhos acadêmicos sobre a temática e revelar o que as teses de doutorado dizem sobre o tema em questão. Os assuntos abordados na dissertação de mestrado emergiram com a leitura das teses de doutorado e estão organizados em forma de capítulos. Nos capítulos apresentam-se: a arte no campo educacional e sua relação com a educação inclusiva; o levantamento das teses de doutorado explanando um breve resumo de cada produção; o conceito de inclusão construído mundialmente e sua influência na política educacional brasileira; o contexto relacionado à formação de professores da área de arte e de educação especial, aspectos que envolvem o desenvolvimento do conhecimento humano e a arte como linguagem. O último capítulo estabelece considerações finais sobre cada categoria levantada, isto é, sobre cada capítulo com o intuito de oferecer ao leitor uma reflexão sobre os assuntos abordados nas teses de doutorado, apontando também novas perspectivas de pesquisa. A partir do objeto de estudo proposto, percebemos a necessidade e a relevância de se realizar uma pesquisa que aborde as teses de doutorado sobre a temática. Acreditamos que o estudo poderá servir de ponto de partida para diversos trabalhos acadêmicos que busquem investigar o tema do ensino de arte e da inclusão. 2. Método

A realização da dissertação teve como metodologia, como caminho de orientação a ser seguido, o modelo de estudo Qualitativo. Como principal característica deste tipo de investigação, a metodologia é descritiva, os dados são recolhidos em forma de palavras e não de números. Foram estabelecidas estratégias e procedimentos que permitiram levar em consideração as experiências do ponto de vista do autor das teses de doutorado.

A coleta de dados foi pelo procedimento de análise documental. Esse procedimento tem como finalidade, segundo Moreira [1], a identificação, a verificação e a apreciação de documentos1 para determinado fim. Na maioria das vezes ele é qualitativo, pois verifica o teor e o conteúdo do material selecionado para análise.

* Autor Correspondente: [email protected] 1 No caso dessa dissertação são as teses de doutorado.

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Para facilitar a busca inicial pelas informações dos documentos existentes nos resumos, um dos métodos desenvolvidos foi a demarcação e fichamento. Este método utiliza cores para classificar as categorias encontradas. Ele foi apresentado por Moreira [1], facilitando assim a visualização das categorias nos diferentes documentos. A partir das temáticas encontradas nos documentos analisados, foram criadas categorias e além de serem descritas e analisadas nos capítulos, algumas delas estão dispostas em tabelas a fim de se obter uma melhor visualização dos dados encontrados.

Os instrumentos utilizados para o acesso às teses de doutorado foram os Bancos de Dados da CAPES e de bibliotecas virtuais como Domínio Público, SibiNet – Rede de Serviço Sibi/USP, o IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, o banco de dados da Biblioteca Virtual da USP e o INEP– Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 3. Resultados e Discussão A pesquisa de mestrado encontra-se em fase final, no entanto alguns resultados e discussões podem ser apontados desde o início do levantamento. Ao realizar a busca de teses foi necessário estipular algumas diretrizes delimitando Banco de Teses e palavras-chave. Percebemos que nem todos os pesquisadores depositam suas pesquisas no Banco de Teses da CAPES, ou mesmo que as palavras-chave não abordam o tema central da pesquisa e sim repetem o título do trabalho. O fato dificultou o mapeamento das produções sendo necessário realizar a busca em diversas bibliotecas virtuais. Os resumos das produções acadêmicas deve ser uma etapa que exige atenção dos pesquisadores. Muitos deles são formulados de maneira sucinta não abordando aspectos importantes do trabalho como o objeto de estudo, objetivos, metodologia utilizada, público alvo e resultados. Este é um outro aspecto que dificulta uma análise inicial das produções, principalmente quando são objetos de estudo de pesquisas que têm como metodologia uma análise documental. A escolha por abordar na dissertação, não apenas a educação inclusiva, sendo esta a política educacional em vigor, se dá pelo fato de que nem todas as teses tratam a inclusão de pessoas com necessidades educacionais nesse contexto. A maioria dos autores aborda a arte e a inclusão na educação especial, ou se referem às duas modalidades. Com o mapeamento das teses de doutorado foi constatado que as sete produções foram realizadas em áreas do conhecimento distintas, portanto apesar do todas tratarem a arte-educação em uma interface com a educação inclusiva e/ou educação especial, utilizam referenciais teóricos distintos. Outra distinção, é que abordam a arte com focos diferenciados, isto é, algumas teses valorizam a arte como linguagem e como uma área do conhecimento com conteúdos próprios expondo suas especificidades, já outras valorizam a arte como um campo facilitador da inclusão social, a arte como mediação. No capítulo final da dissertação de mestrado, são apresentadas apenas as quatro teses de doutorado que abordam a arte como linguagem, expondo o que as autoras revelam sobre os aspectos que envolvem a arte-educação, seu contexto histórico e sua relação com a educação inclusiva e/ou educação especial. Após o término da dissertação outros resultados poderão ser diagnosticados.

4. Conclusão No presente momento, ainda não é possível tecer considerações finais, no entanto constatamos que realizar uma produção que tem como foco verificar o estado da arte de determinada área do conhecimento contribui para uma melhor compreensão do desenvolvimento científico, como cita Sacardo e Sousa [2]; avaliar a produção científica em qualquer área do conhecimento possibilita identificar seu desenvolvimento, evolução e impacto perante a comunidade científica (SACARDO E SOUSA, 2008, p.24)

Foi observado até o momento que ainda não houve nenhum estudo que tivesse como foco principal traçar um perfil do que foi produzido nos últimos dez anos, que relacionasse a arte-educação e a educação inclusiva e/ou especial. Realizar uma pesquisa bibliográfica que reúna o que se tem pesquisado na área pode ser um primeiro passo para que se possam perceber os caminhos que a educação inclusiva juntamente com a arte-educação tem tomado. Esta pesquisa tem a possibilidade, também, de expor a população e os temas mais estudados, os autores que têm produzido pesquisas nesta área, levantar os métodos de pesquisa, levantar lacunas no conhecimento. Fazendo referência a Barbosa [3], este é o processo para se determinar o estado da arte da área em estudo.

Para que os objetivos da educação inclusiva sejam alcançados é importante que todos os profissionais do campo educacional estejam atualizados, tenham fácil acesso às produções científicas e assim adquiram uma formação adequada para atender de maneira efetiva o seu público. É importante salientar que as políticas públicas educacionais devem estar em sintonia com todos os setores que envolvem a sociedade para que assim os sujeitos possam cumprir seu papel e seu direito, como cidadãos ativos.

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Referências [1] MOREIRA, Sonia Virgínia. Análise documental como método e como técnica. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. [2] SACARDO, Michele Silva; SOUSA, Sônia Bertoni. A Integração e a Inclusão na Revista Brasileira de Educação Especial: 1994 a 2004. In: ALMEIDA, Maria Amélia, MENDES, Enicéia Gonçalves, HAYASHI, Maria Cristina P.Innocentini. Temas em Educação Especial: Múltiplos Olhares. Araraquara, SP: Junqueira & Marin; Brasília, DF: CAPES – PROESP, 2008. p. 24 – 34. [3] BARBOSA, Altemir José Gonçalves; SETANI, Camila Serrani; OLIVEIRA, Wesley Heleno; SILVA, Danielle Lucílio; SANTANA, Thays Correia. Produção Científica sobre Inclusão Escolar em Periódicos Nacionais de Educação e Psicologia. In: ALMEIDA, Maria Amélia; MENDES, Enicéia Gonçalves; HAYASHI, Maria Cristina P.Innocentini. Temas em Educação Especial: Múltiplos Olhares. Araraquara, SP: Junqueira & Marin; Brasília, DF: CAPES – PROESP, 2008. p. 35 – 43.

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O PAPEL DO DIRETOR NO TEATRO DE BONECOS

Elisza Peressoni Ribeiro1*; Prof. Dr. Valmor “Nini” Beltrame2; Alex de Souza3 1 CEART/UDESC

2 CEART/UDESC (Orientador) 3 CEART/UDESC (Coorientador)

1. Introdução

Esta pesquisa foi desenvolvida como monografia para a conclusão do curso de Licenciatura em Educação Artística – Habilitação em Artes Cênicas, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) no ano de 2009. Neste trabalho estudou-se o papel que exerce o diretor no Teatro de Bonecos com foco na técnica da manipulação direta.

Ao refletir e discutir sobre as funções que o diretor realiza no Teatro de Bonecos a intenção foi ressaltar algumas tarefas inerentes a prática deste profissional. Para isso, ao longo de todo o trabalho foram selecionadas especificidades da linguagem do Teatro de Bonecos, como a dramaturgia e a composição de cena, para serem relacionadas com o trabalho do diretor. Desta forma, o objetivo principal foi pensar a relação do diretor com a linguagem do Teatro de Bonecos contemporâneo.

2. Método

Para iniciar a pesquisa foram revisados estudos de pesquisadores que se dedicam a essa arte, garimpando ideias que pudessem colaborar para o presente trabalho. A partir desta revisão bibliográfica foram encontrados alguns pequenos trechos de estudos de autores como o sueco Michael Meschke e o polonês Henry Jurkowski que se referem diretamente ao trabalho do diretor de Teatro de Bonecos. Pela falta de material escrito sobre o tema optou-se por trabalhar com alguns princípios técnicos desta linguagem já discutidas em textos de Paulo Balardim, Valmor Beltrame, Caroline M. H. Cavalcante, Felisberto Sabino da Costa e Rafael Curci e relacioná-los com a função que o diretor pode realizar dentro das especificidades selecionadas.

Para complementar a pesquisa foram realizadas entrevistas com dois diretores de Teatro de Bonecos contemporâneos em exercício: Dario Uzam e Miguel Vellinho. Estes diretores foram escolhidos por sua experiência na área e constância de produção. As falas destes dois diretores permeam todo o texto e estão relacionadas com os temas tratados em cada capítulo. Ao final do trabalho estão anexadas as transcrições completas das entrevistas.

Ainda para a coleta de dados assitiu-se ao vivo e em vídeo espetáculos dos diretores entrevistados. Os espetáculos vistos ao vivo foram O Velho da Horta, dirigido por Miguel Vellinho, e Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Marrom dirigido por Dario Uzam. Trabalhou-se com imagens gravadas em DVD dos seguintes espetáculos: A Cuca Fofa de Tarsila e Portinari Pé de Mulato, ambos dirigidos por Uzam; Filme Noir e Peer Gynt, ambos dirigidos por Vellinho.

A monografia está dividida em três capítulos. No primeiro são apresentados termos importantes com os quais dialoga-se durante todo o trabalho. Em seguida discute-se sobre o surgimento do papel do diretor no Teatro de Bonecos e faz-se uma breve explanação sobre as mudanças ocorridas nesta linguagem no séc. XX, destacando acontecimentos que favoreceram a fixação do papel do diretor.

O segundo capítulo dedica-se ao estudo da dramaturgia e algumas de suas particularidades, bem como a materialidade do boneco e suas possibilidades expressivas, evidenciando a importância do conhecimento destas especificidades para o trabalho do diretor.

No terceiro e último capítulo aborda-se a relação do diretor com o trabalho do ator-animador. Nesta etapa do estudo dialoga mais intensamente com os dois diretores, Miguel Vellinho e Dario Uzam, e para isso utiliza-se as entrevistas com eles realizadas como forma de apontar procedimentos recorrentes nas atividades do diretor. 3. Resultados e Discussão

Ao buscar as origens da direção no Teatro de Bonecos percebeu-se que ela surge mais tardiamente do que no Teatro de Persona. Neste o diretor aparece a partir da primeira metade do século XIX, e atinge seu auge no século XX. No Teatro de Bonecos, entretanto, o papel do diretor surge (no Brasil) com mais recorrência apenas na segunda metade do século XX, como consequência de transformações filosóficas, poéticas e estéticas pelas quais passou essa linguagem.

* Autor Correspondente: [email protected]

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Atualmente os diretores de Teatro de Bonecos, em diversos grupos em atividade, são os responsáveis pela definição da estética e da poética do espetáculo. O público mais familiarizado consegue notar linhas de escolhas que são recorrentes em vários trabalhos de um mesmo diretor. Esta relação já ocorre no Teatro de Persona no qual muitas vezes o nome do diretor é mobilizador de público independentemente do texto que está em cartaz. O diretor de Teatro de Persona configurou-se, ao longo do tempo, como uma grande figura no cenário teatral, não raro superando a importância de atores e autores. Já no Teatro de Bonecos esta presença do diretor assumindo a responsabilidade pela configuração do espetáculo é muito mais recente.

A partir destas constatações surgiu a discussão a respeito do papel que exerce o diretor no Teatro de Bonecos. Questionou-se quando surgiu, como surgiu, por que surgiu e qual é sua importância e função dentro do espetáculo. Pouco se tem estudado sobre este profissional e este trabalho tentou compilar material já existente e criar relações entre a prática de diretores atuantes com esse material. 4. Conclusão Ao final da pesquisa concluiu-se em primeiro lugar que a carência de material escrito sobre o tema dificulta a pesquisa na área. Essa carência é consequência da função do diretor no Teatro de Bonecos ser relativamente recente e por isso há uma produção teórica reduzida sobre o assunto. Porém, é evidente a relevância do tema, dada a importância que o Teatro de Bonecos adquiriu no tempo recente e a quantidade de diretores que se especializam nesta área. A urgência de realização de estudos sobre essa direção é inegável.

Após identificar os primeiros registros que deram início à atividade desse profissional no Brasil, percebeu-se que uma das mais importantes características do trabalho do diretor de Teatro de Bonecos é o conhecimento que ele deve ter sobre essa linguagem. A função do diretor não se realiza apenas pela intuição e pelo espontaneísmo. Dirigir espetáculos exige o domínio de saberes da arte do teatro, bem como sobre o papel do diretor teatral, além dos códigos, normas e técnicas próprias da arte do Teatro de Animação

No presente estudo conclui-se que a característica mais importante do trabalho do diretor de Teatro de Bonecos na contemporaneidade é o fato de ele estar posicionado fora de cena. Desta maneira, ele coordena o processo com um olhar amplo, diferenciado, tendo a visão completa da encenação. Assim, ele eventualmente pode se colocar no lugar do público e avaliar o trabalho na perspectiva de agregar seus espectadores, criando condições para o encontro, impedindo que a encenação seja impenetrável ao público. No entanto, apesar desta coincidência espacial com o espectador, o diretor está temporalmente “adiantado” (e este é seu maior privilégio!), uma vez que ele foi e continua sendo o responsável pela criação e organização da obra. Já o espectador, de fora, aprecia, contempla e “participa” do acontecimento.

Essa posição de responsável pela organização e criação do espetáculo distingue o diretor do bonequeiro polivalente incumbido de organizar as etapas do processo e também de executá-lo. O diretor, ao contrário do bonequeiro, não está em cena e não necessariamente é ator-animador. A partir desta conclusão, o estudo destacou funções que o diretor exerce na montagem do espetáculo evidenciando que o domínio e amplo conhecimento de tais funções é fundamental em sua atividade profissional. Referências AMARAL, Ana Maria; MADZIK, Leszek. O Teatro de Leszek Madzik. In: MÓIN-MÓIN 5 - Revista de Estudos Sobre Teatro de Formas Animadas. Teatro de formas animadas e suas relações com outras artes. Jaraguá do Sul: SCAR/UDESC, ano 4, v. 5, p.209-218, 2008. ISSN 1809 – 1385 APOCALYPSE, Álvaro. Dramaturgia para a nova forma da marionete. Belo Horizonte: Escola das Artes da Marionete. 2000. BALARDIM, Paulo. Relações de Vida e Morte no Teatro de Animação. Porto Alegre: Edição do Autor, 2004. BALARDIM BORGES, Paulo César. A estética metaficcional do teatro de animação gaúcho contemporâneo. 129p. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. BELTRAME, Valmor. Principais técnicas do trabalho do ator-animador. In: ______ (org.) Teatro de bonecos: distintos olhares sobre teoria e prática. Florianópolis: UDESC, p.25-40, 2008.

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O TEATRO EM COMUNIDADES PERIFÉRICAS DE DIADEMA NOS VIOLENTOS ANOS 1990: A EXPERIÊNCIA DO GRUPO JOVENS ATORES

Cléber Pereira Borge*; Márcia Pompeo Nogueira.

1 Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) 2 Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

1. Introdução

Esta pesquisa analisa a prática da oficina teatral “Jovens Atores”, promovida pela Prefeitura de Diadema, Estado de São Paulo, entre os anos de 1995 e 1999. Nos anos 1990, Diadema ostentava uma das maiores taxas de homicídios do Brasil, sobretudo contra jovens. Nessa perspectiva, várias políticas públicas municipais foram adotadas na época, tanto no que se refere às questões de infra-estrutura quanto às de ordem cultural, no intuito de se criar melhorias sociais às comunidades. Assim, em 1995, o Departamento de Cultura criou uma oficina teatral de nível intermediário chamada “Jovens Atores” como uma das muitas medidas de disseminar práticas culturais pela cidade em contraponto à escalada de violência que assolava a cidade. Depois de algum tempo, essa oficina passou a ser de nível avançado, passando a se chamar, então, Grupo Jovens Atores. Em 1999, encerraram-se as suas atividades por decisão do poder público municipal. Nesse sentido, busca-se compreender em que medida se pode avaliar a importância do Grupo Jovens Atores no contexto teatral diademense; quais as metodologias adotadas em suas práticas teatrais e, dentre essas metodologias, quais foram as mais significativas aos seus participantes; como se avaliam os impactos dessa experiência sobre os jovens envolvidos. Este artigo se justifica na medida em que pretende contribuir para o estudo sobre o teatro praticado em comunidades. Também porque é parte da trajetória pessoal do autor, que iniciou sua carreira artística no Grupo Jovens Atores como oficinando no período em questão. Levou-se em consideração sua distância temporal do fenômeno a ser analisado, o acúmulo de práticas artísticas e vivências acadêmicas para a realização deste intento. 2. Método

Metodologicamente, estabeleceu-se um referencial teórico organizado em três quadros: o primeiro trata de práticas de teatro no âmbitos de comunidades; o segundo, de políticas públicas culturais para a juventude de Diadema e, o terceiro, de assuntos sobre Diadema e região. Inicialmente, foi delimitado o referencial teórico com base em fontes secundárias por meio da pesquisa bibliográfica. Na seqüência, o levantamento das fontes primárias por meio da pesquisa de campo, a coleta de dados e a realização de entrevistas com pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o tema. Houve uma categorização/seleção das informações coletadas, procedendo-se à interpretação dos dados. 3. O contexto de Diadema

Diadema é uma cidade localizada entre os municípios de São Paulo e São Bernardo do Campo, de quem foi distrito até 1958. Em 1970, a população de Diadema era de 79 mil habitantes sendo que, em apenas uma década, esse número pulou para 229 mil pessoas. No final dos anos 1990 este número bateria na casa dos 357 mil habitantes, devido ao intenso fluxo migratório de pessoas que se deslocavam de seus estados para São Paulo à procura de trabalho. Tal crescimento desordenado levou à ocupação precária e irregular das áreas antes ocupadas apenas por chácaras, criando inúmeras favelas as quais, por cerca de três décadas, não dispunham de ruas pavimentadas, água encanada ou esgoto. Isso deve-se ao fato de que

Sem a supervisão da Prefeitura, as imobiliárias comandaram o processo de ocupação. [...] adensando os bairros do dia para a noite, independentemente das leis ambientais ou urbanas. Muitas famílias ocuparam áreas de proteção aos mananciais da Represa Billings. O bairro Eldorado, onde moram 40 mil pessoas, foi construído em áreas de proteção ambiental. (MANSO, 2005, p. 7).

Tal ocupação abrupta, ocorrida ao longo de três décadas, criou um ambiente propício ao

desenvolvimento de conflitos, tanto os de ordem política quanto aqueles que ocorriam entre os próprios moradores da cidade, carente de administrações comprometidas em estabelecer um mínimo de ordem local. O Estado preferiu assistir de longe ao favelamento desordenado de grande parte da cidade no lugar de se

* Cléber Pereira Borges: [email protected]

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fazer aplicar as leis, derrubar barracos e preservar o ambiente. Evidentemente, evitaram ganhar a fama de “inimigo dos pobres”, preferindo a omissão. Nessa cidade sem lei, os moradores se estabeleceram às suas próprias custas e praticamente relegados pelo poder público. Nessa perspectiva pouco promissora, Diadema afundou-se numa realidade de violência, medo e aterrorizada pelo caudilho que teve, na desordem, o seu espaço de ação: os justiceiros. Esse ambiente de aparente liberdade de ação “permitiu também que o uso individual da força se transformasse em uma ferramenta para impor a própria vontade aos outros moradores” (MANSO, 2005, p. 6). Os justiceiros agiram por quase duas décadas, trabalhando como poder “paralelo” e pago pelos comerciantes, como uma espécie de “segurança particular”. No início, os moradores eram simpáticos à idéia de terem “protetores”, haja vista a constante ausência da polícia. Com o tempo, esses justiceiros se tornaram tão poderosos e autônomos, que passaram a ditar as regras conforme seu próprio interesse.

Mas essa situação viria a mudar. Nos anos 1990, o tráfico de drogas se estabeleceu, eliminando a figura do justiceiro e passando a abrir bocas1 por toda a cidade. As brigas pelo comando dessas bocas e entre os próprios traficantes fizeram com que, nesse período, Diadema ostentasse uma das maiores taxas de homicídios do Brasil, sobretudo contra jovens. Era um ambiente de poucas oportunidades, escolas precárias e emprego difícil, somando-se a tudo isso, a brutal repressão policial na região.

A partir de meados da década 1983 a cidade passou a ser governada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), trazendo uma mudança fundamental de paradigma no modo governar, rompendo com o velho padrão adotado pelas consecutivas administrações municipais. Sobretudo a partir dos anos 1990, várias políticas públicas foram adotadas tanto no que se refere às questões de infra-estrutura quanto às de ordem cultural, no intuito de se criar melhorias sociais às comunidades: passou-se a combater as invasões irregulares de lotes de terra; deu-se início ao processo de urbanização de favelas, pavimentação de ruas, melhorias no transporte público, abertura de unidades básicas de saúde. Foi também a década da retomada cultural, na qual se construíram centros culturais em quase todos os bairros da cidade, com ampla programação e muitas oficinas de arte. Diadema começava um processo de organização interna jamais visto até aquele momento de sua história. Nesse período também houve a criação e solidificação da maior parte das instituições que até hoje existem na cidade. Pode-se dizer mesmo que esse é o grande dilema de Diadema nos anos 1990: como promover avanços e conquistas sócio-culturais concomitantemente à escalada dos índices de violências?

São escassos os estudos e pesquisas dedicados a estudar a dinâmica sócio-cultural de Diadema no período abarcado por essa pesquisa. De qualquer modo, um estudo efetuado pelo Prof. Dr. Maurício Cardoso (USP) sobre as manifestações culturais de Diadema, vem somar esforços nesse intento. Cardoso (2001) concluiu que essas experiências artísticas se originaram da política cultural empreendida na cidade a partir do final dos anos 1980, com um destaque para a gestão de 1993/96 de José Fillipi Jr (PT), ocasião em se priorizou as áreas de Educação, Cultura, Lazer e Esporte. Era um momento de novas ações visando a uma elevação do nível de inclusão social dos habitantes do município, indicando mesmo uma mudança paradigmática no modo de se administrar a cidade:

O relato das experiências de ação cultural definem suas origens em datas demasiado recentes ou descrevem práticas fragmentadas, à deriva da política municipal. No entanto, é possível identificar alguns momentos e expressões dos diversos grupos étnicos, das diversas origens e setores das classes sociais da população de Diadema, em busca de constituir novos espaços e práticas que refazem vínculos de sociabilidade e reincorporam a cidade na experiência cotidiana. (CARDOSO, 2001, p. 201).

4. A retomada do teatro amador dos anos 1990: a experiência do Grupo Jovens Atores

Nessa esteira da retomada cultural e fortalecimento da cidadania é que entra nossa pesquisa. Além das inúmeras oficinas artísticas de formação básica criadas em Diadema a partir dos anos 1990, nosso estudo busca evidenciar as práticas teatrais. Em 1995, o Departamento de Cultura criou a primeira oficina teatral de nível intermediário para “Jovens Atores” dos anos 19902. Esta era uma das muitas medidas de disseminar práticas culturais pela cidade3. Esta oficina era destinada para atores com alguma experiência anterior em

1 As bocas são os locais onde se comercializam drogas, de modo geral, localizadas em becos e vielas de favelas. 2 Nos anos 1970 existiu, em Diadema, o Teatro-Escola, escola de teatro financiada pelo poder público municipal na tentativa de estimular a formação de artistas locais assim como uma conexão cultural com a capital. Para maiores detalhes, ver nas referências CARDOSO, Maurício. Manifestações Culturais em Diadema. 3 Nesse mesmo período, a cidade criou a “Cia de Danças de Diadema”, com bailarinos renomados da dança contemporânea de São Paulo. Também surgiu o “Grupo Mulheres de Eldorado”, de uma oficina de dança que chegou a

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teatro ou que já tivessem participado das oficinas de iniciação nos bairros. Era a primeira vez que a Prefeitura assumia a manutenção financeira, ainda que parcial, de um grupo de teatro.

Essa prática teatral teve sua origem nas políticas públicas culturais implementadas pelo poder municipal assim como todas as outras práticas artísticas em Diadema, o que revela um alto grau de institucionalização dos movimentos culturais da década de 1990, pois eles

[...]surgiram ou cresceram em virtude dos espaços conquistados e da infra-estrutura constituída pelas administrações municipais. Neste sentido, uma análise da política cultural da gestão do Prefeito Fillipi Jr. nos permite compreender os desafios que se estabelecem para a maioria dos grupos que, lançados por decreto, passariam à conquista de autonomia frente às políticas municipais. (CARDOSO, 2001, p. 200).

Aconteciam de 3 a 4 encontros semanais que consistiam em aulas de de dramaturgia, voz, corpo,

história do teatro e improvisação. O primeiro resultado dessa oficina foi o espetáculo “Algumas Estórias”, baseado em três contos de Guimarães Rosa. Premiado nos festivais de Penápolis, Ourinhos e Bragança Paulista, Estado de São Paulo. “Algumas Estórias” circulou, ainda, pelos 10 centros culturais da cidade até 1996. O grupo passou a ser reconhecido por diferir das oficinas de iniciação, que aliavam teatro com inclusão social, mas sem muita ambição artística. Nesse sentido, há que se considerar a interface entre o poder público que agia por meio de um Departamento de Cultura e as ações dos artistas envolvidos, nem sempre amadores ou iniciantes. Na fala de Cardoso há uma clara intenção, por parte do poder público, que tais oficinas ganhassem, com o tempo, a necessária autonomia e viessem a se tornar grupos independentes. Porém, não fica claro quais etapas seriam adotadas para esse fim ou, ainda, se tal previsão realmente havia sido considerada pelo executivo municipal, como por exemplo, a criação de cursos técnicos profissionalizantes4.

Mônica Rodrigues, ex-integrante da oficina para “Jovens Atores”, descreve, em entrevista a Manso (2005), os aspectos mais marcantes da prática teatral vivenciada por ela no Grupo:

Em 1998, o Jovens Atores passou a ser considerada uma oficina de teatro avançada. Com novo diretor, encenamos a tragédia grega As Troianas5. Foi o meu primeiro personagem protagonista, como Hécuba, rainha de Tróia, que me exigiu muita dedicação e estudo para conseguir dar o mínimo de realismo ao sofrimento profundo daquelas mulheres. Esta montagem me levou a ter uma visão mais séria com todo produto artístico e impulsionou minha capacidade crítica e de observação estética. Passei a ver ética e disciplina como coisas indissociáveis da arte. (apud MANSO, 2005, p.4)

Rodrigues sugere, por meio desse relato, um aprofundamento do estudo teatral praticado pelo grupo. Demonstra, ainda, o quão transformador pode ser uma prática teatral realizada em comunidades periféricas para os jovens que ali habitam e que encontram poucas oportunidades de lazer e cultura. As sucessivas montagens, as viagens e prêmios recebidos, os estudos teatrais, as apresentações em todos os bairros da cidade fazem parte desta metodologia de construção de cidadania através de práticas artísticas.

Em 1997, o Grupo Jovens Atores encenou a primeira peça de própria autoria, Histórias que o povo conta, criada a partir das histórias pessoais dos atores e também sobre a emancipação de Diadema e seu contexto histórico-social. Essa montagem foi concebida e dirigida por Isa Kopelman, a qual levou para o grupo uma metodologia que considerava cada membro da oficina como sujeito de sua própria história. Em entrevista efetuadas pelo autor a ex-integrantes, percebe-se o quão transformador foi a construção de um espetáculo elaborado a partir dos próprios integrantes. Era uma espetáculo que trazia como linguagem estética o teatro popular: havia contação de história, danças como o maculelê e o hip hop, contos nordestinos, textos de própria autoria dos atores e atrizes que narravam situações de abuso sexual, abandono paterno. “Era um espetáculo feliz”, conta Elaine Alves, ex-integrante. Havia dança e canto e todo figurino e maquiagem foi elaborado pelo próprio grupo. Circulou também por todos os Centros Culturais da cidade, em municípios vizinhos e no Mapa Cultural Paulista, importante festival de Teatro promovido pelo governo do Estado.

O último espetáculo do grupo foi “O genro de muitas sogras”, texto de Arthur de Azevedo. Uma comédia de costumes brasileira de fins do século XIX, levou o grupo de “Jovens Atores” a emplacar uma

se apresentar em Cuba. A fundação da “Casa do Hip Hop”, da “Casa da Música”, apenas para citar algumas das medidas mais representativas. 4 Infelizmente, o Departamento de Cultura de Diadema não criou nenhuma escola profissionalizante para a formação de atores, atrizes, diretores de teatro ou técnicos. Os cursos sempre mantiveram um caráter de oficina.

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temporada no importante teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo e viajar para cidades do interior e da Grande São Paulo. 1999 foi um ano de enorme prestígio para o grupo, que passava a ter matérias veiculadas em jornais da cidade e da região do Grande ABCD. Porém, no final desse mesmo ano, o Departamento de Cultura suspendeu o patrocínio oferecido, o que acabou por levar ao fim do mais importante e representativo grupo já nascido em Diadema. Apesar da medida abrupta, a semente já estava lançada, conforme podemos observar nas palavras de Mônica Rodrigues:

Em novembro de 1999, a prefeitura decidiu dar um fim ao nosso grupo – justamente no seu ano de maior brilho. Apesar do choque, eu e outros integrantes do grupo não queríamos parar. Fazer teatro já era uma forma de sobrevivência, de luta, de protesto, e também nossa tentativa de encantar o mundo à nossa volta, exteriorizando nossos sonhos e poesia. Convidando amigos, alguns ex-integrantes dos Jovens Atores, e outros atores da cidade, montamos o grupo Tufo, cuja última montagem a partir de textos de Sartre, Fernando Pessoa e Henry David Thoreau foi levada aos centros culturais e escolas de Diadema.

5. Resultados e Discussão

Levando-se em consideração este exemplo de nossa análise, percebe-se que as experiências fomentadas pelas oficinas de arte, sobretudo o teatro, contribuíram para a disseminação de bens culturais na medida em que possibilitou aos vários bairros e comunidades locais a vivência artística por um período de tempo relativamente longo. É pena que o teatro feito em comunidades ainda seja tema de poucas pesquisas acadêmicas no Brasil. Supõe-se que tal constatação se deve ao fato de ainda haver certa resistência por parte dos pesquisadores em se debruçar sobre práticas que não visam ao aprimoramento estético da linguagem teatral de modo prioritário. De qualquer modo, tais práticas de teatro nas mais diversas comunidades desse país continuam a acontecer, tendo por principais objetivos o fortalecimento das próprias comunidades ao criar uma comunicação entre os diferentes setores e contribuindo na identificação e solução de problemas (NOGUEIRA, 2003, p. 19). Nogueira (2003) em seus estudos sobre práticas de teatro em âmbito comunitário identifica seis modalidades básicas de teatro em comunidade, a saber: teatro comunitário religioso, prática teatral em ONGs, teatro em comunidades de movimentos sociais, teatro de grupo, práticas teatrais de comunidade de local e, por fim, práticas comunitárias enquanto políticas públicas. Esta última modalidade foi o modelo adotado em Diadema para a retomada do teatro comunitário. Importante ressaltar que muitos outros grupos de teatro se formaram na cidade a partir do grupo Jovens Atores. 6. Conclusão Resta claro que a tentativa de democratização de bens culturais em Diadema resultou da ação do poder público municipal apoiada pela adesão popular das comunidade de Diadema, num esforço conjunto de resistir à árida realidade de “faroeste” que prevalecia na cidade. A cidade estabeleceu uma meta cultural em contraponto à escalada da violência; as prioridades em torno de uma Cidadania Cultural resultaram, de um lado, no aumento do quadro institucional referente à produção artística e cultural do município e, de outro, na tentativa de constituir uma nova imagem, uma nova identidade para a cidade: "Criou-se na cidade uma identidade cultural, com a apropriação dos espaços pela comunidade. Hoje, cultura é artigo de primeira necessidade em Diadema", afirmava uma publicação da Prefeitura. (CARDOSO, 2001, p. 202). Referências CARDOSO, M. Manifestações culturais em Diadema. In: IOKOI, Z.Márcia Gricoli (org.). Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha.São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP: Fapesp, 2001. MANSO, B. P.; FARIA, M. A.; GALL, N. Diadema: do “faroeste” para a vida civilizada na periferia de São Paulo. INSTITUTO FERNAND BRAUDEL DE ECONOMIA MUNDIAL. São Paulo, n. 37, 2005 (Braudel Papers). Disponível em: <http://www.braudel.org.br/publicacoes/bp/bp37_pt.pdf> Acesso em 06 jun 2009. NOGUEIRA, M.P. A opção pelo teatro em comunidades: alternativas de pesquisa. In: Urdimento. Revista de estudo de Artes Cênicas. Programa de Pós-Graduação em Teatro – UDESC. 2008, n. 10, p. 131-140. _________________. Buscando uma interação teatral poética e dialógica com comunidades. In: Urdimento. Revista de estudo sobre teatro na América Latina. Programa de Pós Graduação em Teatro – UDESC. Núcleo de Comunicação CEART/UDESC. 2003. n. 5. p. 19.

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OS GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA ESPANHOLA

Ângela Cristina Di Palma Back1; Katiana Possamai Costa2* 1 Universidade do Extremo Sul Catarinense - Unesc 2 Universidade do Extremo Sul Catarinense - Unesc

1. Introdução Este trabalho tem como objetivo central identificar o tratamento dos gêneros textuais nos livros didáticos de língua espanhola, de modo que visa a quantificar, classificar e conhecer o propósito desses nos materiais didáticos de língua espanhola para o ensino fundamental e médio, do Colégio de Aplicação, situado em Criciúma (SC). Diante do propósito de pesquisa, pressupõe se que a maior quantidade de gêneros textuais estará no material destinado ao ensino médio, já que visa à preparação para o vestibular, exigindo textos de caráter informativo retirados de jornais, revista ou de cadernos de provas de concursos anteriores. Como também, o maior índice será de textos utilizados como suporte ao ensino gramatical, caindo novamente sobre o fator preparação para o vestibular. Enquanto que para o ensino fundamental as quatro habilidades (leitura/escritura, fala/escuta) se sobressairão de modo mais uniforme. Para atingirmos o exposto e com base em Brandão (2000), no livro intitulado Gêneros do Discurso na Escola, a qual se ocupa em focalizar o texto escrito como fonte essencial para o trabalho com a linguagem, tarefa muito importante e que tem ganhado maiores proporções, a autora lista o que se tem feito em torno de tal tema, como o aperfeiçoamento de professores e obras que relatam e discutem o assunto. Não obstante, a mesma preocupação reside nesta produção acadêmica de forma que discorreremos nos próximos parágrafos sobre o Livro Didático, Gêneros Textuais e Ensino de Língua Espanhola. Para que nas próximas seções possamos relatar e discutir os dados coletos por meio da pesquisa.

Primeiramente, sabemos que no ambiente escolar podemos fazer uso de muitos gêneros para as práticas pedagógicas como manual de instrução de aparelhos, filmes, notícias vinculadas em jornais e revistas, entre outras plataformas. E assim, contribuir para o processo de ensino aprendizagem. Porém, o recurso mais utilizado em sala de aula é o livro didático (doravante LD), presente desde 1929. (Freitas; Rodrigues apud GATTI JÚNIOR, 2004, p. 36).

Entende-se por LD, conforme Oliveira (et al 1984, p. 21), aquele material “que se destina ao ensino, apresenta características bastante diferentes de mercado, consumo, tiragens, preço, comercialização, etc.” Tanto que, em 1996, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) instituiu algumas exigências, passando a avaliar, adquirir e distribuir os livros nas instituições públicas de ensino.

Atualmente, as publicações partem de editoras nacionais, estrangeiras e em parcerias. Enquanto que a oferta é diversificada, pois procuram atender demandas diferenciadas de ensino. Embora passe por um processo de escolha cabe ao professor saber utilizá-lo em sala de aula. Portanto, não é um fim, mas um meio para alcançar os objetivos que venham a ser traçados.

Contudo, quanto ao estudo dos gêneros, como aponta Brandão (2000), se tem atravessado longos anos. Num primeiro momento, pertenceu à poética e a retórica. Mais tarde, a linguística se apropriou do texto não somente como unidade mínima, passando a identificá-los e organizá-los.

Para melhor compreender tal fenômeno, recorremos a Marcuschi (2003, p. 19) que define gêneros textuais como

[...] fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa.

No entanto, vale salientar que não são estanques, pois surgem e podem se modificar de acordo com a necessidade social, cultural e tecnológica. Enfim, entende-se como gênero textual aquele material que compõe uma determinada função, conteúdo e estilo, diferente de tipo textual em que predomina a estrutura linguística.

Por último, é necessário compreender como está o Ensino de Língua Espanhola, visto que este ano entrou em vigor a Lei n. 11.161/2005, dispondo sobre ensino de Língua Espanhola, conforme o Art. 1º, parágrafos um e dois

* [email protected]

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Art. 1o O ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, será implantado, gradativamente, nos currículos plenos do ensino médio. § 1o O processo de implantação deverá estar concluído no prazo de cinco anos, a partir da implantação desta Lei. § 2o É facultada a inclusão da língua espanhola nos currículos plenos do ensino fundamental de 5a a 8a séries. Art. 2o A oferta da língua espanhola pelas redes públicas de ensino deverá ser feita no horário regular de aula dos alunos. (BRASILIA, 2005).

Ao passo que, o que há de mais concreto, encontra-se nos documentos educacionais como a Proposta

Curricular de Santa Catarina (1998) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2008). Ambas versam sobre a mesma ideia, de língua não homogenia, composta sobre variedades socioculturais e a importância da aprendizagem diante de textos diversos como interação comunicativa.

Neste momento, após breve relato sobre as temáticas: Livro Didático, Gêneros Textuais e Ensino de Língua espanhola; cabe-nos corroborar ou não com as hipóteses acima levantadas a partir dos dados obtidos pela pesquisa. 2. Método

Como o intuito principal do trabalho são os Gêneros Textuais, buscou-se conhecer o material didático adotado para as aulas de Língua Espanhola do Colégio de Aplicação da Universidade do Extremo Sul Catarinense, localizado em Criciúma (SC). A pesquisa restringiu-se as turmas de nono ano do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio, pois são coleções distintas e destinadas a faixa etária diferente, delimitando às últimas séries.

O primeiro livro, para o ensino fundamental, faz parte da coleção Curso de Lengua Española “Saludos” – de Ivan Martín – Editora Ática – Nível 3, dividido em oito unidades, sendo elas compostas por 15 páginas cada uma. Já o material utilizado pelo terceiro ano do ensino médio é a Apostila Positivo, semi-extensivo, dividido em 26 unidades e estas contendo em média seis páginas.

Cabe ressaltar que a preocupação dada ao tratamento dos gêneros enquanto suporte para o ensino de língua estrangeira está em consonância com a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998, p. 102) a qual trata o texto

[...] sendo entendido como toda produção lingüística significativa falada ou escrita, ou seja, amostras vivas das mais diversas situações de comunicação (anúncios, cartões, cartas, pequenas reportagens, receitas, bulas de medicamentos importados, manual de uso de cosméticos, folhetos de instrução, manuais técnicos, charges, histórias em quadrinhos, tiras, panfletos, anedotas, poemas, textos literários, músicas, videoclipes, cinema, [...].

De tal modo que, por meio dos dados coletados nesta pesquisa, possamos visualizar um pouco como é

o trabalho com os gêneros textuais no contexto escolar e se está entendido como produção linguística de interação social.

3. Resultados e Discussão

O primeiro dado analisado diz respeito à comparação entre os dois livros pesquisados, junto aos quais verificamos, conforme Tabela 1 que a quantidade de páginas não apresenta um número tão diferenciado e a quantidade de unidades também não é significativa diante do que foi exposto na seção anterior, já que o livro para o ensino fundamental comporta por unidade 15 páginas, enquanto para o ensino médio a média é de seis páginas.

O valor aqui expressivo está na totalidade de gêneros textuais, maior para o ensino médio, confirmando a primeira hipótese levantada, já que visa à preparação para o vestibular.

Saludos Apostila Positivo Quantidade de páginas 160 170 Quantidade de unidades 08 26 Total de Gêneros textuais 88 147

Tab.: 1 Quantificador Comparativo

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Quanto à classificação dos gêneros, para o livro Saludos o índice maior é de poemas (13), seguido de relatos (9) e tiras (9). A segunda hipótese também se confirma ao tratar de textos de cunho informativo, pois na Apostila Positivo das 147 ocorrências, 64 foram para Artigos, neles compreendidos de opinião, científico.

Saludos

Poema Relato Tira Diálogo Biografia Charge Curiosidades Conto Música Notícia Romance Entrevista Piada Mapa Dados pessoais Sinopse de filme Historia em quadrinhos Bilhete Bate-papo Carta Diário E-mail Anúncio Imagens Crônica Lenda

13 9 9 7 7 6 6 5 5 3 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

Total 88 Tab.: 2 Classificação dos Gêneros Textuais: Saludos

Positivo

Artigos Texto expositivo Notícia / reportagem Tira Relato Diálogo Biografia Propaganda Conto Romance Texto prescritivo Poema Charge Resenha Bilhete História em quadrinhos Entrevista Música Discurso em congresso Mensagem Manual de instrução poético Fragmento livro

63191110

975433211111111111

Total 147 Tab.: 3 Classificação dos Gêneros Textuais – Positivo

A última tabela busca apresentar qual o tratamento dado aos gêneros textuais nos livros didáticos analisados, ou seja, quais as atividades são propostas a partir desses textos. Como previsto, vê-se na Tabela 4, que para o ensino médio predomina os exercícios gramaticais e de leitura. Entendem-se, nesse caso, por leitura as práticas de interpretação textual. Todavia, recaem para o ensino fundamental trabalhos mais diversos, englobando as quatro habilidades, gramática e tradução.

Habilidades

Escrita Leitura Escuta Fala Gramática Tradução Saludos 45 6 11 3 38 6 Positivo - 103 - - 78 8

Tab.: 4 Atividades a partir dos gêneros textuais

4. Conclusão Como mencionamos no início, buscamos apresentar os gêneros textuais e sua aplicação nos livros didáticos de Língua Espanhola, investigando suas ocorrências e modo de articulação para o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes da Educação Básica. Algumas hipóteses, nesse trabalho em andamento, já foram testadas, de modo que nos possibilitará não só a descrição dos dados que se apresentam, mas sua

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análise correlacionada às abordagens determinadas pelas propostas de Ensino da área. Por fim, poderemos chegar às considerações finais, com vistas a contribuir para o ensino de língua. Em antecipação, já podemos dizer que foi possível identificar que, embora os gêneros textuais sejam diversificados, para o ensino médio não se é trabalhado com todas as habilidades pertencentes à aquisição de uma segunda língua e, também, necessário no processo de interação social. Sugere-se, ainda para este trabalho, analisar a prática efetiva em sala de aula, visto que o livro didático é um material de apoio e o professor o sujeito mediador em sala de aula. Referências BRANDÃO, Helena Nagamine. Gêneros do discurso na escola: mito, conto, cordel, discurso político, divulgação científica. São Paulo: Cortez, 2000. BRASÍLIA (Distrito Federal). Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005. Dispõe sobre o ensino da língua espanhola. FREITAS, Neli Klix; RODRIGUES, Melissa Haag. O livro didático ao longo do tempo: a forma do conteúdo. Disponível em: http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume3/numero1/plasticas/melissa-neli.pdf Linguagens, Códigos e suas Tecnologias / Secretaria de Educação Básica, - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. 239 p. (Orientações para o ensino médio) MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva. Gêneros textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucena, 2002. MARTIN, Ivan. Saludos: Curso de Lengua Española. São Paulo: Ática, 2008. OLIVEIRA, João Batista de Araújo et al. A política do livro didático. São Paulo: Summus, Unicamp, 1984. POSITIVO. Apostila Semi-extensivo. Editora: Positivo SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio: Disciplinas curriculares. Florianópolis: COGEN, 1998. 244 p. VAL, Maria da Graça Costa; MARCUSCHI, Beth (orgs.) Livros Didáticos de Língua Portuguesa: letramento e cidadania. Belo horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, 272 p.

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POLÍTICAS LINGUÍSTICAS: INTERFACES ENTRE O ACORDO ORTOGRÁFICO E A INFLUENCIA DA MÍDIA NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

Lisiane De Cesaro*

1 Universidade de Passo Fundo

1. Introdução

Esse trabalho é mais uma das atividades realizadas dentro do projeto de pesquisa Língua, Sujeito e Ideologia: O Imaginário sobre Língua Construído pela/na Mídia. Os pressupostos teóricos encontram-se alicerçados na AD de linha francesa. As análises, discussões e reflexões são desenvolvidas a partir dos estudos discursivos sobre a língua, bem como sobre as questões lingüísticas relacionadas com os conceitos de ideologia e inconsciente, assim como a concepção de sujeito e de formação discursiva. Para tanto, Este trabalho busca examinar os fatos ocorridos em relação à língua portuguesa, no Brasil, desde o momento em que seu ensino tornou-se obrigatório em 1795 pelo Marques de Pombal. Nesse sentido, será realizada uma breve retomada histórica sobre as mudanças na ortografia da LP em nosso país e de Portugal mais especificamente voltando-se para o último acordo ortográfico, o qual propõe a unificação da escrita e ainda visa incrementar o valor de mercado do português. Pretende-se ainda verificar a influencia que a mídia exerce no ensino da língua portuguesa com suas publicações (manuais, dicionários, guias ortográficos...). Saliente-se os efeitos que esse acordo produzirá nos usuários da LP no Brasil. A reflexão é relevante na medida em que a aprovação desse acordo, que promove alterações na ortografia do português, é recente e Portugal, até o momento, resiste em obedecer ao acordo.

2. Método

A pesquisa, inicialmente, é desenvolvida por meio de bibliografia especializada nas áreas elegidas para este estudo com vistas ao aprofundamento de conceitos das teorias de ambas as áreas. Ainda, mediante aos pressupostos teóricos referidos, tem-se o intuito de fazer com que o leitor comece a ter um “olhar” crítico ao se deparar com a publicidade apresentada na/pela mídia. A seleção das publicidades acontece a partir da temática da língua portuguesa e do último Acordo Ortográfico que constituem o arquivo da pesquisa. Desse modo, a organização do arquivo de textos (publicações na mídia impressa, digital, leis e manuais sobre a língua portuguesa e o novo acordo ortográfico), formamos a parte do corpus considerada empírica, por isso trata-se de um corpus híbrido, pois é composto de tanto de teorias quanto de materiais coletados. A pesquisa não é essencialmente bibliográfica, uma vez que, para os estudos discursivos a metodologia não está pronta, não há um modelo de aplicação já estabelecido, embora se leve em conta categorias de análise, como formação discursiva, posição-sujeito, por exemplo. Recortes de artigos publicados na mídia mais especificamente na Revista Veja, na revista Língua Portuguesa e do catálogo da Revista AVON em que gramáticos como Pasquale Cipro Netto e Evanildo Bechara posicionam-se a respeito das mudanças na ortografia da LP e também temos a posição do lingüista José Luiz Fiorin acerca do acordo novo acordo ortográfico como podemos observar nos recortes que apresentamos: “Sou contra o acordo. Sei que isso é um tiro no próprio pé, pois , se o acordo passar , vou ser

chamado para fazer muitas palestras.mas não quero esse dinheiro,não.Com outro espírito, uma outra proposta, uma unificação talvez fosse possível.Mas esta é uma reforma meia sola, que não unifica a escrita de fato e mexe mal em pontos como o acento diferencial.Vamos enterrar dinheiro em uma mudança que não trará efeitos positivos” Pasquale Cipro Neto, professor de Português (Veja,2007,p. 90)

O lingüista FIORIN, em artigo publicado na revista Língua Portuguesa (2008) apresenta quatro

equívocos nesse acordo. FIORIN aponta:

(1) O primeiro é que se está fazendo uma unificação da língua portuguesa. Isso não é verdade.

* Lisiane De Cesaro: [email protected]. Acadêmica do curso de Letras da Universidade de Passo Fundo- Habilitação em Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Respectivas LiteraturasVIII . Pesquisadora PIBIC do projeto Língua, Sujeito e Ideologia: O Imaginário sobre Língua Construído pela/na Mídia, coordenado pela professora Carme Regina Schons.

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(2) O segundo equívoco é que a reforma é tímida, dever-se-ia fazer uma mudança radical para simplificar a ortografia e aproximá-la da maneira como falamos. (3) Enganam-se os que pensam que se pode escrever como se fala. (4) o quarto porque não é mais possível realizar uma reforma ortográfica drástica visto que mudar completamente a ortografia implica em condenar a obsolescência todo o material impresso. (FIORIN, 2008, p.47 a 48) Se considerarmos a posição do linguísta podemos inferir que o acordo ou a tentativa desse acordo

não solucionará os problemas de ortografia, principalmente dos brasileiros e gerará a necessidade de se reeditar todo o material gráfico impresso até o momento, ou seja os clássicos, os livros científicos, enfim tudo que foi produzido até o momento e isso implicará em altos custos para o governo e para a população em geral. Já a posição do gramático não considera os custos de reimpressão de todo o material gráfico existente na antiga ortografia, mas salienta que essa mudança fará com que enterremos dinheiro em uma mudança que não trará efeitos positivos.O que nos permite inferir que segundo Neto o acordo ortográfico não é benéfico.No entanto, ele lançou na revista Avon a coletânea de quatro volumes “Português Passo a Passo com Pasquale Cipro Neto”, um guia para falar e escrever bem já atualizado na nova ortografia.Percebe-se com isso a tentativa de difundir a norma culta do idioma e de modelar a fala e a escrita dos falantes. 3. Resultados e Discussão

Observa-se que ação do Estado se faz sentir pela imposição do ensino da língua portuguesa na escola e que, em um momento anterior às políticas implementadas por esse Estado, tem início ainda no Império. Marquês de Pombal é a figura do Estado que proíbe o ensino das línguas indígenas nas escolas dos Jesuítas e, ainda, torna obrigatório o ensino do português. Assim, a língua portuguesa, com esse ato, tornou-se de uma só vez a língua do Estado e passou a ser um mecanismo de poder e de controle, uma vez que passa a ser a língua dominante.

No Brasil, estudos lingüísticos, como a História das Idéias Linguísticas, tem vários trabalhos consagrados no que se refere às relações que se estabelecem entre língua, sujeito e ideologia, relações essas que determinam as políticas lingüísticas nacionais. Na obra Língua e conhecimento lingüístico: para uma História das Idéias no Brasil, Eni Orlandi aborda questões sobre a cidadania, a língua e a escola a partir de uma visão discursiva, para a qual as relações que se estabelecem entre o cidadão, a língua e a escola. A formação do cidadão e ao ensino da língua em dois contextos aparentemente distintos – o indígena e o urbano – a autora trata das possíveis mudanças tanto nas concepções sobre a língua quanto nas práticas a este termo relacionadas. Tais mudanças envolvem questões ligadas ao institucional e ao uso da língua como um mecanismo de poder e de controle do cidadão e à falta de políticas lingüísticas.

Ainda, no que se refere a uma língua, Orlandi (2002) afirma que este não é apenas um trabalho de resgate cultural, mas um trabalho que assume a relação transformadora e cria condições para que se desenvolvam práticas em que os sentidos e os sujeitos podem ser re-significados.

A mesma autora, em outra produção, postula que novas concepções e conceitos sobre a língua, geralmente, estão ancorados em dois conceitos: a língua fluída e a língua imaginária. De acordo com Orlandi, a língua fluída é a que pode ser observada e reconhecida quando observamos os processos discursivos, através da história da constituição de formas e sentidos, tomando os textos como unidades (significativas) de análise, no contexto de sua produção. (ORLANDI, 2001). Já, a língua imaginária é a língua que os analistas fixam na sua sistematização. São as línguas-sistemas, normas, coerções. (ORLANDI, 2001), entre outras concepções. É, pois, pautado em concepções de língua imaginária que encontramos publicações na mídia, como as de gramático Pasquale Cipro Neto, que afirma ser o novo acordo ortográfico “um tiro nos pés”, conforme entrevista concedida à revista Veja em 2007, reconhecendo que, com a sua aprovação, passaria a ser chamado para fazer muitas palestras. E prosseguiu dizendo que “com outro espírito, outra proposta, uma unificação talvez fosse possível. 4. Conclusão O que nos foi possível constatar até o momento é que os conflitos lingüísticos não são novidade no contexto social e no meio acadêmico, sejam eles quais forem já trazem a inscrição de um sujeito na língua e na história enquanto processos de produção de sentidos que circulam em diferentes espaços de comunicação e com distintas funções. No que se refere às relações de contradição que atravessam a política de sentidos

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das línguas e as políticas lingüísticas, sob o ponto de vista teórico da Análise do Discurso, é fundamental que se debruce sobre as produções acadêmicas para estabelecer e difundir estudos sistemáticos que tocam a questão da história do conhecimento lingüístico e da história da língua articulada às novas tecnologias. O problema é como se coloca em pauta essas produções e como essas incidem sobre a legitimidade do ensino e se tais saberes encontram-se sob a interdição do Estado e aos processos de padronização de uma língua advinda de uma postura gramatical, normativa e prescritiva difundida pela mídia. Nesta perspectiva, levar em conta a língua em uma visão discursiva, na qual pode-se ter o cuidado acadêmico, para que, ao ensinar a língua, que essa continue sendo o objeto de estudo, mas como reflexão em relação a história e não reduzida ao estudo gramatical. Isso é trabalhar o político no linguístico e é estudar políticas de língua. Referências ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. In: Um mapa da ideologia. Traduzido por Vera Ribeiro. (orgs) Slavoj Zizek. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 1996. BETHANIA, Mariani . A Institucionalização da Língua, História e Cidadania no Brasil do Século XVIII: O Papel Das Academias Literárias E Da Política Do Marquês De Pombal. In: Orlandi, Eni P.. (Org.). História Das Idéias Lingüísitcas: Construção Do Saber Metalingüísitco E Constituição Da Língua Nacional. Pontes; Cáceres: Pontes; Unemat Editora, 2001, v. , p. 99-124.

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PRODUÇÃO DE VÍDEO EM AVA: UMA PORTA ABERTA PARA A APRENDIZAGEM DO ESPANHOL EM CURSO SUPERIOR

Angélica Ilha Gonçalves1*; Vanessa Ribas Fialho2

1 Universidade Federal de Santa Maria 2 Universidade Federal de Santa Maria

1. Introdução A evolução tecnológica vem influenciando constantemente a vida humana. Ao entrar na era da informação, a sociedade passou a dedicar especial atenção ao seu consumo e formas de utilização. No âmbito educacional isso não é diferente. Podemos afirmar que a educação representa um grande mercado consumidor da tecnologia, uma vez que pode se beneficiar dela seja para pesquisas individuais ou para aprender de forma colaborativa. Nessa perspectiva, novos espaços para a construção do conhecimento surgem através da internet e um exemplo disso é o investimento que se tem feito para a criação de cursos de graduação e pós-graduação à distância em diferentes áreas, possibilitando que pessoas, mesmo em lugares distantes dos grandes centros urbanos, consigam realizar um curso superior ou seguir aprimorando-se. Através dos já criados e difundidos Ambientes Virtuais de Aprendizagem, hoje em dia é possível aprender inclusive outros idiomas, como é o caso do espanhol no curso de licenciatura em Letras/Língua Espanhola, oferecido pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em parceria com a Universidade Aberta do Brasil, RS. O ensino de espanhol obteve, no Brasil, um crescimento considerável devido ao Mercado Comum do Sul (Mercosul) e também através da lei 11.161 de agosto de 2005, em que torna obrigatória a oferta do idioma em escolas de ensino médio. Nesse sentido, considerando a importância do espanhol e o desenvolvimento dos cursos a distância é necessário que haja também uma preocupação com as ferramentas utilizadas pelos professores em formação na perspectiva apontada por Veen e Vrakking [5] de que é necessário que as escolas entrem, na era do Homo Zappiens, onde seus alunos já estão. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) proporcionam uma gama de opções para trabalhar questões de língua estrangeira e, entre elas está o vídeo, considerado por Moran [4], como algo que envolve o ser humano, pois é através dele que o indivíduo sente e experimenta o outro, o mundo e também a si mesmo. Para Carnin et al [1], o uso de ferramentas tecnológicas pode desenvolver competências e habilidades em língua estrangeira. Quanto ao vídeo, os autores acreditam que essa é uma possibilidade de trabalhar aspectos relacionados ao uso de materiais autênticos, sendo possível a realização de um diálogo sincero e real. Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo verificar de que forma o vídeo pode auxiliar aprendizes a distância da língua espanhola como língua estrangeira através de ambientes virtuais de aprendizagem em um curso de formação de professores. Para tal, analisaremos o uso de vídeos em uma disciplina de língua estrangeira do já referido curso, ministrada no primeiro semestre letivo de 2010, pontuando os uso que professores e alunos fazem dessa ferramenta, ressaltando a importância dos mesmos para o ensino e para a aprendizagem da língua e da formação de professores. 2. Método Este estudo surgiu em decorrência das observações quanto à utilização do vídeo em ambientes virtuais de aprendizagem, tanto por parte dos professores quanto por parte dos alunos, com o objetivo de facilitar a aprendizagem do espanhol como língua estrangeira. As observações foram realizadas no curso superior em Letras/Língua Espanhola/EAD, oferecido pela Universidade Federal de Santa Maria em parceria com a Universidade Aberta do Brasil. Para a realização do presente estudo foi utilizada a pesquisa bibliográfica sobre o uso do vídeo em educação a distância; o vídeo como facilitador da aprendizagem de idiomas, em especial, o espanhol e a produção de vídeo em ambiente escolar. Segundo Marconi e Lakatos [3], este tipo de pesquisa objetiva o contato direto do pesquisador com tudo que já foi publicado, para que assim, consiga reforçar sua análise. Para este trabalho, foi analisada uma disciplina desenvolvida no primeiro semestre de dois mil e dez, com a turma que ingressou no Curso de Letras/Língua Espanhola/EAD observando o uso que professores e alunos fazem da ferramenta e o papel designado a essa ferramenta. Este estudo não se baseia em dados estatísticos, mas, como esclarece Gil [2], em uma interpretação dos dados coletados através das atividades

* Autor Correspondente: [email protected]

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postadas pelos alunos, através das atividades propostas pela professora e através da interação feita nos fóruns da disciplina. 3. Resultados e Discussão Através de observações realizadas no Curso Superior em Letras/Língua Espanhola/EAD, oferecido pela UFSM, detectamos que o professor fez um uso moderado de vídeos encontrados no YouTube. Alguns vídeos são de músicas, outros de explicações referentes à língua e/ou cultura de língua espanhola. Já o uso do vídeo por parte dos alunos, detectamos de forma muito sutil a presença deles em atividades em que os alunos poderiam produzir arquivos de áudio ou de vídeo para realizar atividades relacionadas a sua família e a sua rotina diária. Podemos observar que os alunos preferiram fazer atividades de gravação de voz em vez de atividades de montagem ou gravação de vídeos. Além desses vídeos produzidos pelos alunos, também foram detectados sugestões de vídeos de músicas em um fórum de conversas geral, onde uma das tutoras abriu o tópico para a apresentação de sugestões de vídeos musicais do YouTube em língua espanhola. Também ressaltamos um tópico no fórum apresentado por um aluno e discutido por muitos outros sobre a falta que eles sentiam de vídeo-aulas em aspectos pontuais da língua estrangeira.

Assim, esses resultados nos atentam que os alunos acreditam que o uso de vídeos pode potencializar a aprendizagem da língua estrangeira, já que fazem o pedido de que professores e tutores passem a usar mais essa ferramenta para se comunicar com os alunos.

No entanto, a proposta de MORAN em entrevista publicada no Portal do Professor do MEC em 06.03.2009 sobre o uso de vídeo em sala de aula ainda está sendo pouco utilizado: “Os alunos podem criar facilmente vídeos a partir do celular, do computador, das câmaras digitais e divulgá-los imediatamente em blogs, páginas web, portais de vídeos como o YouTube”.

Dessa forma, entendemos que é preciso fazer com que o aluno participe no seu processo de aprendizagem de forma muito ativa, tornando-o autor e/ou co-autor no processo de criação. 4. Conclusão

O objetivo deste trabalho foi o de verificar de que forma o vídeo pode auxiliar aprendizes a distância da língua espanhola como língua estrangeira através de ambientes virtuais de aprendizagem em um curso de formação de professores. Para tal, foi analisado o uso de vídeos em uma disciplina de língua estrangeira do já mencionado curso de formação de professores no primeiro semestre letivo de 2010, pontuando os usos que professores e alunos fazem dessa ferramenta, ressaltando a importância dos mesmos para o ensino e para a aprendizagem da língua e da formação de professores.

Através dessa pesquisa, foi possível detectar que ainda se faz um uso muito discreto do vídeo no ambiente pesquisado, tanto por parte dos professores quanto por parte dos alunos, embora os alunos tenham registrado que sentiram falta de vídeo-aulas, sugerindo que os professores adotassem essa ferramenta em próximos semestres.

Para finalizar, gostaríamos de destacar que em vista de que assistir vídeos pode ser algo instigador e proporcionar uma série de questões norteadoras para aprendizagem de outro idioma, este trabalho procurou mostrar que ele também pode ser produzido pelos alunos. A produção de vídeo é outra forma de possibilitar o contato com o idioma, de ver e ouvir a si mesmo durante uma produção e assim, aprender com erros e acertos. É necessário compreender que na atualidade não basta apenas ser detentor da tecnologia, mas saber como utilizá-la para alcançar os objetivos propostos. Referências

[1] CARNIL, Anderson. et al. Internet e ensino de línguas: uma proposta de atividade utilizando vídeo disponibilizado pelo YouTube. In: Linguagem e Ensino, n 2, JUL-NOV-2008. Disponível em: <http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v11n2/09Anderson.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2010. [2] GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008. [3] MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

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[4] MORAN, José Manuel. O vídeo na sala de aula. In: Comunicação e Educação, n 2, JAN-ABR-1995. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/prof/moran/vidsal.htm>. Acesso em: 28 jun. 2010.

[5] VEEN, W.; Vrakking, B. Homo Zapiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009.

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RELATOS E PRÁTICAS REGIONAIS: O LISO DO SUSSUARÃO

André Tessaro Pelinser1*; João Claudio Arendt2 1 Universidade de Caxias do Sul, UCS – Bolsista CAPES

2 Universidade de Caxias do Sul, UCS 1. Introdução Neste trabalho objetiva-se analisar dois momentos específicos de uma das maiores obras da literatura brasileira, Grande Sertão: Veredas, a saber: a tentativa frustrada de travessia do Liso do Sussuarão perpetrada pelo bando de Medeiro Vaz e, no final da narrativa, o êxito alcançado na mesma empreitada por Riobaldo e seus comandados. Busca-se evidenciar de que maneira as passagens representam a transformação do lugar em espaço, através da ação humana, e propiciam um diálogo entre elementos de regionalidade e certos aspectos de universalidade. Se num primeiro momento o grupo liderado por Medeiro Vaz sucumbe à hostilidade daquele “estralal do sol” [1], retrocedendo com o saldo de alguns homens e muitos cavalos mortos, além dos burros todos extraviados, com a carga de mantimentos, numa segunda oportunidade Riobaldo levará a cabo a tarefa, mais de quatro centenas e meia de páginas adiante. A diferença entre os dois trechos da narrativa consiste no fato de que todo o pessimismo e teor de tragédia observados durante o primeiro dão lugar ao sentimento de êxito e conquista no segundo, fazendo crer que são dois lugares completamente diferentes entre si. Isso nos leva à reflexão de que, aqui, talvez o termo espaço seja mais propício: dois espaços diferentes, fundados num mesmo lugar. 2. Método Para essa investigação, valeremo-nos do método interpretativo, aliando-o à revisão bibliográfica de parte da obra de pensadores como Michel de Certeau e Rafael José dos Santos. Esta última, por sua vez, busca subsídios no pensamento de Pierre Bourdieu, Terry Eagleton, Clifford Geertz, José C. Pozenato, entre outros. Outrossim, no campo da literatura, daremos atenção a uma possível relação dos trechos analisados de Grande Sertão: Veredas com A Divina Comédia, de Dante Alighieri. 3. Resultados e Discussão A relação do homem com o espaço circundante tem sido tema de discussões há bastante tempo, recebendo nas últimas décadas uma nova cor para o caleidoscópio já existente; o matiz regional passou a integrar as visões de espaço enquanto prática simbólica, fruto da criação humana de significado, com características particulares capazes de diferenciá-lo perante os outros. Nesse sentido, cabe uma distinção entre lugar e espaço, a qual nos parece bem exposta por Certeau [2] quando explica que “um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições”, ou seja, é físico e não simbólico. O mesmo autor refere o espaço dizendo: “o espaço é um lugar praticado” [3], supondo uma práxis humana, através da qual se atribui sentido cultural ao ambiente físico. Pressupõe-se, para que o processo ocorra, uma interação entre o ser humano e o ambiente que o cerca, de modo que da apreensão dos elementos constituintes de cada realidade particular postos em confronto com as experiências individuais brote uma interpretação do mundo que lhe atribua significado. Conforme Santos [4], pensando de maneira análoga ao que Certeau chama de “práticas de espaço”, podemos compreender o conceito de práticas de regionalidade como espécie de ato interpretativo para com um mundo particularizado por teias de ações, relações e sentidos capazes de configurar uma região em suas especificidades. Assim, somos levados ao entendimento do que sejam relatos de regionalidade, não como simples expressão da região na linguagem, mas sim como seus co-produtores “na medida em que se constituem de sentidos partilhados e, lembrando Weber, reciprocamente referidos” [5]. Para além de efetivamente relatar a região, tarefa da qual não parecem poder se furtar, os relatos de regionalidade contribuem para sua instituição, à medida que reforçam práticas cotidianas integrantes da memória coletiva do lugar, que por sua vez acaba se tornando espaço regional, enquanto realidade investida de significados sociais e simbólicos particulares. Ainda que tenhamos referido acima o fato de não termos nos relatos uma simples transposição da região para a linguagem, no caso que pretendemos analisar ela é fundamental para a formulação ficcional do elemento regional. Enquanto, na realidade social considerada por Santos em seu ensaio, os relatos de regionalidade parecem responsabilizar-se pela consolidação das particularidades da região, no nosso objeto

* André Tessaro Pelinser: [email protected]

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de estudo eles configuram um universo imaginário no qual inscrevem características regionais só possíveis por meio da linguagem (literária), mas sem deixar de atuar enquanto mimese do real. Nessa óptica, a ênfase dada por Riobaldo à condição do grupo antes de iniciar seu relato da empreitada frustrada, quando ainda era apenas um integrante do bando de Medeiro Vaz, é significativa: “A gente era os medeiro-vazes” [6]. Tendo a si próprios em alta conta, os homens parecem ou talvez desejam ignorar a fama sustentada pelo trecho desértico – “o que ninguém ainda não tinha feito, a gente se sentia no poder fazer” [7] –, ao mesmo tempo em que se evidencia qualquer ponta de premonição nas palavras presunçosas. Mesmo a movimentação festiva que brota no momento do anúncio da tarefa do grupo é precedida por um “até, o tanto” [8], pontuando um projeto de dúvida quanto ao êxito final. Ninguém havia podido atravessar o Liso, infere-se, e o sentir-se no poder de fazê-lo encerra algo de tragédia, da luta do homem contra aquilo que derrotou a todos, como se servindo de aperitivo para o descortinar do Bambual do Boi, o fim do grameal: o entrar em cena daquelas paragens pardas. Entrando juntamente com as personagens no Liso do Sussuarão, já começamos a visualizar o local por meio daquilo que Riobaldo nos conta com o simples artifício da descrição direta. Sem interagir fisicamente com o ambiente circundante, vemos que o terreno modifica-se gradualmente, enquanto as árvores diminuem até ficarem tão baixas que seus galhos permitam uma analogia com a imagem de uma saia, encostados no chão. Não como uma efetiva prática de regionalidade, mas como um relato de regionalidade, a linguagem toma para si a tarefa de significar o local que se desdobra à frente dos homens. A experiência humana metaforiza a imagem das plantas da região árida e desolada para aproximar-lhes o corpo todo da terra, remetendo à secura e falta de vida que subjugam até mesmo os seres mais adaptados. O lugar não é como o esperado, como a região deveria ser: “era uma terra diferente, louca, e lagoa de areia” [9], tendo sua definição baseada nas experiências e ações humanas, categorizada a partir do conhecimento humano. Além de ser diferente, como todo local que possa ser classificado como regional de fato é para o observador externo, justamente devido aos símbolos diversos que permitem seu enquadramento, o Liso do Sussuarão é louco, é lagoa de areia – ou seja, tem as coisas fora de lugar, diferentes do padrão daquilo que pode ser considerado normal. A particularidade da região ganha, portanto, novo status pela mediação do homem, que lhe eleva o significado através da interpretação de suas características, de modo que o relato de regionalidade transforma-o em espaço. Assim como esse espaço todo “errado”, onde o sol verte no chão e põe-se a faiscar, nada mais propício do que a astúcia rosiana de desviar o foco narrativo e, despretensiosamente, colocar os holofotes sobre João Bugre, observado por um Riobaldo atento, a falar sobre o obscuro pacto de Hermógenes com o diabo. O jagunço mergulha em reflexões após ouvir a conversa do outro e imagina um inferno em que “até respirar custa dôr; e nenhum sossego não se tem” [10], tal como o Liso onde o “fogo começou a entrar, com o ar, nos pobres peitos da gente” [11]. Nesse pedaço de terra, “as chuvas já estavam esquecidas, e o miôlo mal do sertão residia ali, era um sol em vazios” [12, grifo nosso], fazendo do lugar a ser atravessado um espaço infernal. O Liso do Sussuarão deixa de ser mais um trecho entre-sertões para se tornar o próprio Inferno, com cabeleiras sem cabeças no chão, um sol que faz o ar queimar os pulmões, um terreno arenoso e movediço à maneira de Dante. De simples lugar no sertão, a interpretação humana em interação com o ambiente leva-o a espaço universal, mítico, infernal. Por mencionarmos Dante, retomamos um trecho do canto XIV do Inferno, d’A Divina Comédia: “O lugar era um árido areão / semelhante à planura percorrida / pelos pés, noutros tempos, de Catão” [13]. O árido areão mencionado pelo poeta faz parte do sétimo círculo infernal (um dos mais profundos, registre-se; quase o miôlo rosiano), responsável por conter os blasfemos, os usurários e os sodomitas. No terceiro giro daquele círculo, os pecadores são colocados numa vasta planura de areia escaldante, sobre a qual chovem chispas de fogo lentamente e onde os sodomitas são obrigados a andar sem cessar. Ora, a areia incandescente é a mesma da imensidão parda à frente do bando de Medeiro Vaz; “o sol [que] vertia no chão, com sal, esfaiscava” [14], desce sobre as cabeças do grupo como as chispas de fogo, queimando até mesmo por dentro; e tal qual o caminhar sem fim dos sodomitas, os sertanejos progridem a poucas braças, sobre uma “areia que escapulia, sem firmeza, puxando os cascos dos cavalos para trás” [15]. O final dessa primeira tentativa frustrada de atravessar o Liso do Sussuarão decreta-se pela quase loucura dos homens de Medeiro Vaz. Afetados física e psicologicamente pela hostilidade do local, começam a tombar um a um:

“Estou cego!...” Mais aquele, o do pior – caíu total, virado tôrto; embaraçando os passos das montadas. De repente, um rosnou, reclamou baixo. Outro também. Os cavalos bobejavam. Vi uma roda de caras de homens. Suas as caras. Credo como algum – até as orêlhas dele estavam cinzentas. E outro: todo empretecido, e sangrava das capelas e papos-dos-olhos. [16]

Culminando na decisão de Riobaldo de retornar, a passagem encerra o ciclo de angústias enfrentadas pelos jagunços ao tentar transpor um lugar que, a princípio, parece vazio tanto física quanto

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significativamente. A priori, percebe-se apenas uma aura de negatividade em torno do local, investindo-o de uma simbologia geral; entretanto, conforme o ser humano progride através da aridez e produz significados para todas as suas partes, comparando-as – não raro alegoricamente – a outros elementos da cultura integrantes de seu conjunto de experiências individuais e coletivas, faz brotar um espaço relatado tanto nas suas particularidades regionais, quanto na temática atemporal. Mais de quatrocentas páginas adiante, deparamo-nos com um Riobaldo já transformado no chefe Urutú-Branco e buscando consolidar sua fama e dominação sobre o bando. Como uma de suas primeiras medidas, a personagem narradora empreende uma marcha tortuosa, de objetivos secretos para todos os demais companheiros, inclusive para o leitor, que só virá a saber os intentos ocultos do sertanejo quando ele assim o desejar e declarar: “agora, o senhor saiba qual era esse o meu projeto: eu ia traspassar o Liso do Sussuarão!” [17]. Portanto, negando de imediato algumas das regras tácitas do jaguncismo, o grupo chega à entrada do areão e vê “o chão mudar, com a cor de velho, e as lagartixas que percorriam de leve, por debaixo das môitas de caculucage”, além de uma coruja, que surpreendentemente “só agoura mesmo é em centro de noite, quando dá para risã” [18, grifo nosso]. Unindo essas reflexões de Riobaldo à sua recusa em transportar mantimentos, podemos ver a mudança que se desdobra na maneira como o Liso do Sussuarão é visto nesta segunda empreitada. Em meio a qualquer espécie de indiferença quanto à representatividade do local – já que a coruja não agoura, a lagartixa anda leve, os preparativos tampouco são necessários –, a única ideia que remete à ruindade do Liso é a cor de velho encarnada pelo chão. Ou seja, neste momento, a interação de Riobaldo (ao menos) com o lugar possui outros balizadores, levando-o a apreender o espaço diversamente. O pessimismo, a negatividade e a derrota antecipada sentidos em cada linha de texto na época de Medeiro Vaz agora dão lugar à coragem, firmeza de propósitos, que semelham ser mais fortes que a hostilidade parda. Uma práxis muito melhor formulada, que no passado também contribuiu para o êxito da jornada. Sem saber exatamente de quem foi a ideia, o ex-chefe recorda que o grupo se dividiu para formar uma grande linha, de modo a poder cobrir uma extensa faixa do território e descobrir locais interessantes, caça ou água. O resultado da prática fica evidente em cada linha que relata a travessia, e propicia a positivação do espaço vista a partir do ponto em que a personagem narradora explica que “se passou como se passou, nem refiro que fosse difícil-ah; essa vez não podia ser! Sobrelégios? Tudo ajudou a gente, o caminho mesmo se economizava. As estrelas pareciam muito quentes. Nos nove dias, atravessamos” [19]. No entanto, Riobaldo lança a dúvida: sobrelégios? Teria o demônio interferido como parte do pacto feito cem páginas antes? Nunca saberemos, porque é essa a dúvida insolúvel que assola a personagem ao longo de toda a obra. Mas não podemos ignorar os constantes questionamentos dirigidos ao interlocutor culto quanto ao próprio sucesso, tentando responder a si mesmo se havia ou não vendido a alma. Desse modo, Urutú-Branco lança-nos um caminho: o pacto demoníaco alterou o lugar ou mudou a visão do mundo do jagunço, possibilitando-lhe outra apreensão de sentido, outra visão de espaço? 4. Conclusão Considerando os relatos de regionalidade produzidos pelo fluxo de consciência de Riobaldo, que interpreta e interage com o mundo a sua volta, vemos que a diferença entre os dois momentos se dá no nível mental, quando a personagem significa o Liso de outro modo, utilizando estratégias diversas, não se intimidando ao mergulhar no raso e aproveitando os recursos encontrados. Desse modo, tanto na tentativa mal fadada de travessia, quanto naquela que obtém sucesso, aquele “estralal do sol” [20] só é lugar enquanto Liso do Sussuarão, trecho de cinquenta por quase trinta léguas, não penetrado, interpretado e significado pelo homem. Semelhante a um Inferno dantesco e palco de uma tragédia humana primeiramente, torna-se menos ameaçador – vivo até – ao final, recobrindo-se, em ambos os casos, de sentidos produzidos pelos homens que ali se movimentam (em acordo com o defendido por Certeau [21] no que se refere ao fato de o espaço ser um cruzamento de móveis, “de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram”), a ponto de transmutar-se em dois espaços diferentes entre si. A menção do trecho de cinquenta por quase trinta léguas recorda-nos, ainda, de outra questão relevante. O Liso não é os Gerais verdejantes e tampouco o território dos hermógenes, nos sertões baianos; é, sobretudo, fronteira entre dois lugares, entre duas realidades. Enquanto lugar que tem seus sentidos produzidos pelo olhar itinerante dos viajantes, segundo destaca Santos [22], o Liso do Sussuarão configura tanto uma fronteira entre os domínios dos riobaldos e dos hermógenes, no nível textual, quanto o limiar entre esses dois espaços e o Inferno – dantesco; areão movediço, de fogo. “A travessia [enquanto] prática de espaço, investimento e produção de sentidos” [23], encarrega-se de possibilitar às personagens o olhar externo necessário para visualizar e apreender as idiossincrasias daquele entre-lugar. O Liso do Sussuarão não sofre com o dilema de pertencimento a um ou outro lado, porque é investido de significados pela ação humana e se torna um espaço de fronteira; não pertencendo a nenhum dos lados, o areão pardo faz a

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mediação característica do espaço fronteiriço sem submeter-se aos Gerais ou aos sertões baianos. Ao mesmo tempo em que age como fronteira para as duas extremidades, pelo olhar itinerante dos sertanejos da tropa riobaldiana o Liso torna-se um espaço autônomo – uma fronteira autônoma. Nesse sentido, as duas travessias vistas ao longo do Grande Sertão: Veredas configuram atos de criação, à medida que produzem dois espaços a partir de um lugar. A travessia do espaço fronteiriço proporciona uma prática de espaço capaz tanto de unir quanto de separar as personagens de seu destino, ensejando reflexões acerca da dimensão simbólica das situações representadas por Rosa. Num primeiro momento, os relatos de regionalidade dessa prática de espaço efetuam uma separação entre o grupo de Medeiro Vaz e seu objetivo, aproximando-os, não obstante, de um alegórico inferno dantesco; na segunda empreitada, porém, os relatos de Riobaldo culminam na união do grupo a um destino já projetado desde o início do romance – a efetiva caça ao bando do Hermógenes –, ao mesmo tempo em que os distanciam do sofrimento infernal anterior. Portanto, além de fazer brotar um espaço pleno de significação, a travessia criadora relata a separação e a união do homem e seu destino, mitificando e potencializando certos traços de atemporalidade do espaço regional. Por fim, constituindo-se de sentidos partilhados culturalmente, conforme referido por Santos [24], os relatos de regionalidade de Riobaldo encarregam-se da tarefa de co-produtores da região, à medida que consolidam maneiras de pensar, interagir e significar o ambiente para todos seus integrantes. Contudo, em se tratando da linguagem literária de Guimarães Rosa, as possibilidades semânticas explodem e permitem a expressão da relativa universalidade do espaço ficcional – nesse caso, a região. Referências [1, 6 – 12, 14 – 20] ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. [2 – 3, 21] CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Vol. I. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. [4 – 5, 22 – 24] SANTOS, Rafael José dos. Relatos de regionalidade: tessituras da cultura. In: Revista Antares – Letras e Humanidades. Caxias do Sul, n. 2, jul-dez/2009. Disponível em: http://www.ucs.br/ucs/tplRevistaLetras/posgraduacao/strictosensu/letras/revista/2/sumario/relatos_regionalidade.pdf Acesso em: 15/11/09. [13] ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Trad.: Italo Eugenio Mauro. São Paulo: Editora 34, 1998.

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REPRESENTAÇÕES CULTURAIS NO GIRAMUNDO TEATRO DE BONECOS: UM OLHAR DE BRINCANTE SOBRE OS TEXTOS, PERSONAGENS E TRILHAS

SONORAS DE UM BAÚ DE FUNDO FUNDO, COBRA NORATO E OS ORIXÁS.

Luciano Oliveira1 UDESC/CEART/PPGT

1. Apresentação/problematização

O presente resumo trata da dissertação Representações culturais no Giramundo Teatro de Bonecos: um olhar de brincante sobre os textos, personagens e trilhas sonoras de Um Baú de Fundo Fundo, Cobra Norato e Os Orixás, que se desenvolve no Mestrado em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, sob a orientação do professor Dr. José Ronaldo Faleiro e co-orientação da professora Dra. Vera Collaço. A dissertação, que será defendida até dezembro deste ano, está dividida em três capítulos: 1- Esculpindo Um Baú de Fundo Fundo: e esse baú nunca acaba?; 2- O Cobra Norato e o Brasil representados sob a ótica do Giramundo; 3- Os Orixás: dos panteões da África aos formões de Belo Horizonte (título provisório). Os objetos de estudo da pesquisa são os espetáculos teatrais Um Baú de Fundo Fundo (1975), Cobra Norato (1979) e Os Orixás (2001), do renomado grupo de Teatro de Animação2 belo-horizontino Giramundo Teatro de Bonecos. Por suas vezes, esses espetáculos são repletos de representações culturais de diversos Estados do Brasil, principalmente de Minas Gerais e do Amazonas. Assim, neste trabalho, observo de que forma os artistas do Giramundo, principalmente o diretor Álvaro Apocalypse (1937-2003), se apropriaram de representações culturais — tais como “causos” e estórias (textos), canções, danças, falares e linguagens, lendas, mitos, personagens, crenças, práticas, costumes e fazeres — para a montagem desses três espetáculos.

2. Justificativa

O Giramundo é um dos grupos de maior atuação no cenário nacional e internacional. O grupo foi criado em Lagoa Santa/MG, em 1969, pelos artistas plásticos mineiros Álvaro Apocalypse, Teresinha Veloso e Maria Martins. Valendo-se das mais diversas técnicas e linguagens do Teatro de Animação, esta companhia — em 40 anos de existência — montou 33 espetáculos. Dentre eles, os três mencionados. O grupo, que atualmente tem sede no bairro Floresta, em Belo Horizonte, é formado pelo eixo teatro-museu-escola: Giramundo Teatro de Bonecos, Museu Giramundo e Escola Giramundo. Ele é reconhecido, pelo seu valor cultural significativo e simbólico, como Patrimônio Cultural Mineiro com relação aos modos de fazer e pelas formas de expressão cênica. É declarado também como Patrimônio Cultural Imaterial em nível nacional, pelo Ofício ou Modo de Fazer Bonecos. Já o museu, que tem mais de 850 bonecos, foi dado como Lugar de Memória. E os bonecos, bens móveis de valor cultural, foram reconhecidos como Patrimônio Cultural Municipal e Estadual de Minas Gerais.

Quanto aos três espetáculos citados, também possuem significativos valores culturais, simbólicos e materiais. Em Um Baú de Fundo Fundo, por exemplo, notamos em seu texto e em sua trilha sonora a figuração escrita e oral do modo de falar (como a utilização de diminutivos e de metonímias), de pensar e de viver típicos das populações rurais do interior de Minas Gerais. Ademais, ainda percebemos neste espetáculo figurações de músicas do cancioneiro que se encontram entranhadas no imaginário de muitos mineiros: cantigas de roda (Ciranda Cirandinha e Fui à fonte do Tororó), canção de trabalho (tema do Barranqueiro, pescador do rio São Francisco), canções de diversões, cantigas satíricas e brejeira (Pereré como é que fica), e também uma Congada. Enfim, dentre os bonecos dessa peça notamos uma figura lendária (Mãe d’água), um fantasma (Pano-de-prato), uma contadora de “causos” e de estórias (Vovó), vários capiais (Pescador, Sanfoneiro, Moça-de-fitas e casal de namorados da pracinha), personagens representantes da ordem militar e do progresso nacional (Delegado e Soldado) e um palhaço que sugeriria a liberdade de pensamento e a desordem nacional (Libório).

Já no Cobra Norato, espetáculo premiadíssimo que pode ser considerado o principal trabalho do Giramundo, o diretor Álvaro Apocalypse exaltou o Brasil, aprofundou seu interesse em relação às culturas

1 [email protected] 2 Teatro de Animação ou Teatro de Formas Animadas é um gênero teatral que inclui bonecos, máscaras, objetos, formas e sombras.

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nacionais (principalmente as indígenas) e provocou a mistura de formas de construção de bonecos originárias da Europa e Ásia com formas do artesanato brasileiro: Cerâmicas do Vale do Jequitinhonha mineiro, licocós Carajás e cerâmica marajoara do norte e do nordeste do Brasil. Essas misturas, ou hibridações, são analisadas a partir da iconografia dos seguintes bonecos: Cobra Norato índio, Cobra Norato híbrido (meio homem, meio cobra), Cobra Norato cobra, Tatu gente e Casal de bailarinos de cerâmica. Além do mais, o espetáculo também traz figurações de personagens e criaturas que povoam a imaginação dos nortistas, como os mitos da Cobra Norato e do Saci-Pererê e as lendas da Cobra Grande e da Boiúna. Ainda em relação aos bonecos, importa mencionar a Filha da Rainha Luzia (representante da “ordem” e da “civilização” européia) que se casa com o Cobra Norato mestiço (que figura a “desordem” e a “barbárie” nacional). Esse casamento sugeriria, no contexto modernista, o desejo do embranquecimento cultural do Brasil. No texto de Cobra Norato, apontamos vários regionalismos lingüísticos e modos de falar típicos dos habitantes do Amazonas. Por outro lado, na trilha sonora desse espetáculo, também ouvimos cantigas importantes do nosso cancioneiro, como um acalanto (Boi da cara preta) e um chorado na viola (Angelim Folha Miúda); uma canção religiosa (Ave Maria, mãe de Jesus); vários sons que sugerem o imaginário fabuloso da floresta amazônica (como os cantos do Mapinguari, monstro antropófago); e diversos gritos de socorro de árvores, aves e mamíferos da floresta amazônica; etc.

E, finalmente, em Os Orixás, espetáculo que celebra a riqueza das culturas afro-brasileiras — suas músicas, danças, culinárias, religiões e linguagens — encontramos a representação de um verdadeiro panteão de deuses africanos: Oxóssi, Oxalá, Katendê, Iemanjá, Xangô, Oxumarê, Ossaim, Iansã, Nanã, e assim por diante. A dramaturgia fetichista de Álvaro Apocalypse nos conta sobre as origens, lendas e ritos de alguns desses orixás. Já na trilha sonora do espetáculo — que foi gravada ao vivo num terreiro de candomblé da capital mineira —, notamos a simbolização de cantigas, choros e murmúrios de negros que foram escravizados no Brasil.

Como vimos, o Giramundo é uma fonte de inestimável valor histórico, artístico e cultural para o teatro e a arte de Minas Gerais e do Brasil. Contudo, são poucas as publicações sobre esse grupo.

Por outro lado, muitas publicações sobre o campo da cultura, segundo Roger Chartier, importante historiador cultural francês, por ora persistem na tentativa de estabelecer correspondências estritas entre dicotomias culturais e hierarquias sociais. Assim, o conceito de cultura, ainda no século XXI, continua sendo dividido em camadas e relacionado fortemente às classes sociais: cultura erudita (da elite, principalmente financeira e intelectual), cultura popular (do povo “letrado”), folclore (do povo “iletrado”) e cultura tradicional (dos indígenas, dos ciganos, dos agricultores e pescadores, etc.). Pelo contrário, segundo ele, precisamos reconhecer a circulação fluida e as práticas comuns que extrapolam as fronteiras sociais. Logo, “os materiais que transmitem as práticas e os pensamentos das pessoas comuns são sempre formas e temas mistos e combinatórios, invenção e tradição, cultura erudita e folclore. [...] A oposição macroscópica entre cultura “popular” e cultura “de elite” deixou de ser pertinente” [1].

Já para Néstor Canclini, pesquisador cultural argentino, não funciona a oposição abrupta entre o tradicional e o moderno, o culto, o popular e o massivo. Para ele, “é necessário demolir essa divisão em três pavimentos, essa concepção em camadas do mundo da cultura [...]”[2].

Por isso, utilizarei o termo cultura no plural, ou seja, culturas. Dessa forma, compartilho do conceito de culturas trazido por Burity (2002): “são conjuntos de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são expressos ou encarnados, que são construídos socialmente, variando, portanto, de grupo para grupo e de uma época a outra” [3].

Assim, com a dissertação, pretendo apontar novas questões que vem sendo discutidas na academia para as áreas culturais e teatrais do Brasil, contribuindo, de certo modo, para a divulgação de teorias, principalmente brasileiras, que estão se consolidando, nas últimas décadas, nos campos de conhecimento da História Cultural, História Social da Cultura e do Teatro de Animação. Além disso, divulgarei e discutirei sobre os diversos movimentos culturais e manifestações artísticas presentes nos três espetáculos de formas animadas mencionados.

3. Objetivos 3.1- Geral - Pesquisar as representações culturais presentes nos textos, personagens e trilhas sonoras dos espetáculos Um Baú de Fundo Fundo (1975), Cobra Norato (1979) e Os Orixás (2001), do grupo belo-horizontino de teatro de formas animadas Giramundo Teatro de Bonecos.

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3.2- Específicos - Conceituar e exemplificar a categoria representações culturais e trazer o conceito de cultura no plural, ou seja, o conceito de culturas; - Mostrar as mineirices e mineiridades (como os falares e regionalismos lingüísticos) presentes em Um Baú de Fundo Fundo, ou Baú; - Analisar o texto do Baú e a adaptação do poema Cobra Norato (1931), de Raul Bopp (1898-1984), feita pelo “antropófago” Álvaro Apocalypse, em 1978, à luz das censuras e cisuras impostas pela Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) do Estado de Minas Gerais; - Apontar e analisar as músicas do cancioneiro e as festas e danças religiosas brasileiras (como a Congada e o Candomblé) presentes em Um Baú de Fundo Fundo e em Cobra Norato; - Descrever a iconografia de alguns capiais, lendas, mitos e fantasmas que constituem personagens do Baú; - Verificar o contexto cultural do Modernismo brasileiro, que foi constantemente utilizado pelo Giramundo para a montagem de Cobra Norato, e elencar as brasilidades e as representações das culturas brasileiras presentes nesse espetáculo; - Realçar os causos, as superstições e as histórias amazônicas (dentre elas as de mitos e lendas indígenas) situadas no Cobra Norato; e citar alguns ruídos, como os de instrumentos musicais indígenas, ouvidos em sua trilha sonora; - Examinar as matrizes culturais e artísticas utilizadas pelo grupo para a confecção de certos bonecos de Cobra Norato; - Refletir sobre os conceitos de mestiçagem, identidades e hibridismos culturais, civilização, barbárie e sincretismo religioso a partir da iconografia de alguns bonecos de Cobra Norato; - Falar da relação de Álvaro Apocalypse com o candomblé, em Belo Horizonte, e da dramaturgia fetichista criada por ele para o espetáculo Os Orixás, em 2001; - Observar o sincretismo religioso existente entre os santos católicos brasileiros e as divindades africanas representadas pelos personagens de Os Orixás; - Descrever algumas canções, lamentos, vozes e sussurros “afro-brasileiros” existentes na trilha sonora de Os Orixás. 4. Metodologia

A pesquisa exposta é de caráter qualitativo e de natureza exploratória e historiográfica. Para tanto, utilizo processos metodológicos como análises bibliográficas, documentais e pesquisas de campo. Além disso, descrevo cenas de vídeos e analiso imagens dos espetáculos Um Baú de Fundo Fundo, Cobra Norato e Os Orixás, assim como examino depoimentos, desenhos e entrevistas do diretor Álvaro Apocalypse. Ademais realizei entrevistas com uma das fundadoras do Giramundo, Maria do Carmo Vivacqua Martins (Madu), com o iluminador e cenotécnico Felício Alves (que trabalhou nos espetáculos Baú e Cobra Norato), e com os atuais diretores do grupo, Marcos Malafaia e Beatriz Apocalypse. As mesmas serão disponibilizadas num CD a ser anexado à dissertação, que conterá também as fichas técnicas, as listas de bonecos/personagens e outras informações sobre esses espetáculos.

Ainda no que tange aos procedimentos metodológicos, a fim de coletar fontes primárias e secundárias de pesquisa, fiz várias visitas técnicas ao Museu Giramundo e à sede do grupo Giramundo — ambos localizados no Bairro Floresta, em Belo Horizonte —, ao Memorial Álvaro Apocalypse — situado na biblioteca da Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) — e à Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa — com sede na capital mineira. Estas fontes serviram de material complementar às quatro grandes angulares teóricas recorrentes para a escrita da dissertação: a primeira constitui as obras cujos autores contribuem para o entendimento das culturas mineiras, brasileiras e afro-brasileiras. Já a segunda angular refere-se à História Cultural (no Brasil e na América Latina) e à História do Brasil. A terceira relaciona-se ao Teatro de Formas Animadas. Por fim, a quarta angular diz respeito ao teatro de atores, em que foram enfatizadas as correntes que se debruçam sobre a história do teatro, processos criativos teatrais, encenação e técnica cênica (elementos visuais e sonoros do espetáculo). Algumas dessas fontes de pesquisa são citadas nas referências deste resumo expandido. 4. Resultados e Discussão

Os dois primeiros capítulos já foram escritos e serão apresentados, para exame de qualificação, junto a uma banca avaliadora da UDESC, em agosto de 2010. Logo, o terceiro capítulo será prontamente iniciado para que se possa defender a dissertação até dezembro deste ano.

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Como exemplo dos resultados do trabalho desenvolvido até aqui, trago a análise iconográfica do boneco/personagem Mãe d’água, do espetáculo Um Baú de Fundo Fundo (1975):

Figs. 1, 2 e 3: Mãe d’Água (técnica de manipulação: fios), Mãe d’Água no fundo do Rio São Francisco e Barranqueiro/Pescador (técnica: fios) transformado em peixe e encantado pela lenda no fundo do rio. Fontes: Fig. 1: Foto minha. Belo Horizonte: Museu Giramundo, 13 de abr. de 2010. Figs. 2 e 3: Fotogramas meus do DVD Um Baú de Fundo Fundo. Belo Horizonte, maio de 2010 [4].

A lenda da Mãe d’Água seria resultante da fusão da Iara indígena, da Iemanjá africana e da Sereia européia. Segundo Câmara Cascudo, “em todo o Brasil conhece-se por mãe-d’água [sic] a sereia européia, alva, loura, meia peixe, cantando para atrair o enamorado que morre afogado querendo acompanhá-la para bodas no fundo das águas” [5]. Ao contrário, como notamos nas imagens anteriores, em Um Baú de Fundo Fundo, o Giramundo representa essa lenda com os cabelos verdes, talvez na tentativa de aproximar a sua iconografia de uma monstruosa serpente aquática esverdeada, que seria uma espécie de mãe d’água amazônica.

Também de maneira diversa da Sereia européia, a Mãe d’água do Baú não afoga o Barranqueiro. Observemos uma passagem do texto do Baú que ilustra isso, na qual o pescador, à espera de seu pescado, tira um cochilo e sonha com a rainha das águas doces:

PESCADOR: (...) Por que que gente não pode morar no fundo do rio? VOZ: O fundo do rio tem dono, é o reino da mãe d’água. Cuidado, pescador, lá vem ela. Mãe d’água e seu canto de encantar. (...) Cuidado, barranqueiro, mãe d’água te encanta e te prende pra sempre no fundo do rio. Te fecha no seu castelo de pedra até você criar escamas e virar peixe. Aí, canoeiro, pescador vai te pescar. (...) Acorda, canoeiro! Acorda! Santo Antônio te ouviu e te deu um peixe. Acorda! [6].

5. Referências [1] CHARTIER, Roger. Textos, Impressão e Leituras. In: HUNT, Linn. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 230-231. [2] CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. p. 19. [3] BURITY, Joanildo A. (org.). Cultura e identidade: perspectivas interdisciplinares. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.15. [4] UM BAÚ de Fundo Fundo. Dvd, 1 unidade física. Imagens capturadas de VHS, editadas e salvas em Dvd por Rogério Sarmento. Museu Giramundo, setor de audiovisual. Belo Horizonte: junho de 2009. [5] CAMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. p. 532. [6] APOCALYPSE, A; MARTINS, M.C.Vivacqua. Um Baú de Fundo Fundo: peça para teatro de bonecos (texto datilografado). Giramundo Teatro de Bonecos: Lagoa Santa, 1974, p. 19. 5.1 Algumas referências utilizadas na pesquisa AMARAL, Ana Maria. Teatro de Animação. São Caetano do Sul: FAPESP (Ateliê Editorial), 1997. APOCALYPSE, Álvaro. Cobra Norato: roteiro de luz (197?). Belo Horizonte: Museu Giramundo, 2009. GIRAMUNDO. Áudios: Baú (2009), Cobra (1979), Giz (2008) e Orixás (2001). Coletânea organizada por Rogério Sarmento. Belo Horizonte: Museu Giramundo, 2009. Cd-rom, 1 unidade física. PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. Coleção História &... Reflexões. BH: Autêntica, 2002. 6. Agradecimentos: À professora Dra. Vera Collaço, pelas constantes contribuições à minha pesquisa.

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TEATRALIDADE E DANÇA. PROCEDIMENTOS DE PRODUÇÃO E PERCEPÇÃO

Jussara Xavier* Universidade do Estado de Santa Catarina

1. Introdução A proposta de investigação pretende articular a teatralidade ao campo da dança contemporânea para apontar alguns de seus códigos e fluxos: que elementos são focalizados quando designamos dança com o termo teatralidade? O que significa reconhecer a teatralidade na dança como processo e produto? Michel Bernard (1995) propõe uma questão instigante: se o teatro é associado comumente ao termo teatralidade ou ao termo teatral, a música à musicalidade ou ao fato do artista ser musical, qual seria a especificidade da dança? Poderíamos aplicar o termo “dançalidade”?

O professor Edélcio Mostaço (2007, p. 1) alerta que “A noção de teatralidade é complexa, a despeito de sua aparente simplicidade em constituir-se como um substantivo urdido a partir do adjetivo teatral”. Na ótica de Josette Féral (2003), a expressão teatralidade aplica-se a um processo de transformação do real, do corpo, do espaço e do tempo. Trata-se de uma semiotização dos signos presentes numa cena, ou seja, algo que provoca um jogo entre realidade e ficção, o espaço cotidiano e o espaço potencial. Sendo assim, a possibilidade de aplicação do termo transpassa o universo do teatro.

Um olhar para a produção da dança contemporânea na atualidade permite constatar grande intensificação e diversificação no uso de técnicas e modos de apresentação. Este caráter de pluralidade vai de encontro a uma singularidade no pensamento e na ação dos criadores. Acredito que esta multiplicidade de processos e textos cênicos evoca diferentes estratégias e métodos de análise crítica, ou seja, há uma necessidade latente de construir e atualizar outras possibilidades de leitura por parte do espectador e de discursos verbais sobre a cena contemporânea da dança.

A intenção da pesquisa é contribuir para a construção do saber num campo de estudo pouco explorado e sistematizado. Concretizá-la representa a possibilidade de colaborar para o reconhecimento e a consolidação da dança enquanto área de conhecimento, na medida em que procura enriquecer o instrumental para análise desta arte. Os avanços relativos à compreensão das propriedades artísticas da dança contemporânea atual fortalecerão a relação entre teoria e prática, criação e fruição, dança e teatro. A pesquisa também coopera para avivar o diálogo entre a produção artística e a acadêmica. 2. Método

Para desvendar a teatralidade presente na dança contemporânea, objetivo realizar uma exaustiva busca conceitual acerca do conjunto variado de signos textuais, corporais e audiovisuais que se apresentam ao público na cena atual. Procedimentos de criação e formalização serão analisados a partir de entrevistas e da observação de trabalhos de artistas, companhias e coletivos representativos no Brasil. Além da facilidade de aproximação física e contato com estes atores, tenho interesse em valorizar a produção nacional.

Neste momento, realizo um levantamento para determinar a escolha dos espetáculos e profissionais que serão tomados para estudo e exemplificação conceitual. Neste universo estão sendo considerados: Grupo Cena 11 Cia. de Dança (SC), Thembi Rosa (MG), Claudia Muller (RJ), Vanilton Lakka (MG), Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira (SP), Couve-flor mini comunidade artística mundial (PR). 3. Discussão

[...] dançar é, não “significar”, “simbolizar”, ou “indicar” significações ou coisas, mas traçar o movimento graças ao qual todos estes sentidos nascem. No movimento dançado o sentido torna-se ação. [...] o sentido da dança está na própria ação de dançar e não noutro lado, não nas teorias e nas idéias ou nos sentimentos. É que a imanência realiza o sentido no movimento dos corpos. (GIL, 2001, 95).

A dança possui uma lógica própria que não pode ser inteiramente traduzida no plano da linguagem e

do pensamento verbal. Assim, para apreender seu sentido e descobrir o nexo de uma coreografia seria vão descrever todos os movimentos dançados. (GIL, 2001). Trata-se de um sistema comunicativo marcado pela heterogeneidade, pois além de utilizar o corpo como mídia, trabalha com a combinação de vários sistemas semióticos - música, cenografia, figurino, cinema, literatura, circo, poesia, iluminação, vestuário, vídeo, teatro, entre outros; e não de forma isolada. Esta mistura entre diferentes formas de arte nos desafia a compreender as interações apresentadas, ao mesmo tempo em que anuncia as muitas abordagens que uma * [email protected]

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obra pode assumir e questiona nosso uso confortável de enquadrar a dança como uma categoria artística fechada, universal e imutável.

Dança e teatro são duas artes distintas e mesmo quando afirmam suas especificidades não deixam de atrair-se e absorver-se uma à outra. Exploram o corpo humano em seu desejo de expressão e significação, jogam com a imagem e o sentido e se oferecem ao olhar e a consciência de outro, ou seja, carregam teatralidade. Ambos trabalham a finalidade do espetáculo e vivem intensamente o jogo da identidade na e para a diferença. (BERNARD, 1995, p. 251).

É possível dizer que uma dança é contemporânea por apresentar aspectos históricos atuais, deslocá-los e relacioná-los de um modo diverso ao concebido anteriormente. Mas nem toda dança que ocorre no momento presente é contemporânea1. Esta parece carregar a urgência de compreender e transformar o que existe no mundo hoje, propondo mais questões do que respostas. Como descobrir a teatralidade presente em iniciativas de dança contemporânea? Féral (2004, p. 91) aponta a teatralidade como a criação de um “outro espaço” do cotidiano, um processo de transformação ligado em grande parte ao espectador, que participa da criação e da mudança nela implicada. A autora fala da teatralidade como resultado de uma dinâmica perceptiva: do olhar que une o observado (sujeito ou objeto) e um observador. Uma relação que pode ser tanto a iniciativa de um intérprete que manifesta a intenção de jogo, como a de um espectador que transforma o outro em objeto espetacular. (FÉRAL, 2003).

Contrariamente ao ator de teatro cujos gestos e palavras reconstroem o espaço e o mundo, o bailarino esburaca o espaço comum abrindo-o até o infinito. Esta hipótese é lançada por Gil (2001, p.15), que explica: “Um infinito não significado, mas real, porque pertence ao movimento dançado”. O corpo que dança na atualidade é híbrido, ou seja, provém de formações variadas, acolhe elementos díspares e até contraditórios, não possui as ferramentas essenciais à leitura de sua própria diversidade. (LOUPPE, 2000, p. 32). Este corpo se constrói para cada montagem espetacular e nele se inscrevem as particularidades do próprio momento, da sua cultura, das suas inúmeras possibilidades. (SILVA, 2005, p. 139). Assim, não há como categorizar ou definir um corpo padrão. Tal heterogeneidade indica uma característica marcante da dança contemporânea: a valorização das singularidades dos dançarinos. Ao pensar no conjunto destas morfologias singulares, pergunto: como a teatralidade se inscreve na corporeidade dos bailarinos hoje? As especificidades técnicas e estéticas presentes na dança contemporânea reforçam seu teor investigativo. Há um caráter de experimentação no tratamento dado à matéria coreográfica, aos padrões de corporalidade, aos procedimentos de composição cênica e ao campo temático. De fato, tal modo de dançar não trabalha para construir a fantasia como no balé clássico nem visa à expressão exagerada do drama humano como na dança moderna, mas prefere motivações ligadas ao cotidiano, não se importando com a crueza que isso possa significar. (SILVA, 2005, p. 142). A dança contemporânea trata, afinal, de uma realização cênica da liberdade: “liberdade de submissão a hierarquias, liberdade de obrigação de perfeição, liberdade de exigência de coerência”. (LEHMANN, 2007, p. 139).

Neste terreno, prevalece a percepção simultânea e multifocal (a qual substitui a linear-sucessiva), o pluralismo dos fenômenos, o caráter imprevisível, a coexistência de concepções divergentes, o abrigo a manifestações extremamente heterogêneas, a fragmentação da narrativa. Uma paisagem cênica múltipla, nova e experimental é apresentada, para a qual as regras gerais não foram encontradas. Seus criadores persistem na busca de combinações inéditas entre instituições, lugares, estruturas e pessoas. (LEHMANN, 2007).

Essencialmente versátil, mas não menos rigoroso em seus processos de pesquisa e realização, o contemporâneo explora o corpo e a cena para a construção de uma fala singular. Ainda que possamos perseguir pistas para conhecer este modo de dança, não será possível encaixá-lo em um conceito único, já que a diversidade de pensamento e expressão é exatamente sua principal qualidade. São possibilidades artísticas abertas que preservam o anúncio da indeterminação e diferença, encontram-se ligadas ao experimento e ao risco. Ciente destes pressupostos, acredito que o viés teórico da teatralidade poderá fornecer pistas facilitadoras para a apreensão da dança contemporânea na atualidade.

4. Conclusão A teatralidade resulta de uma dinâmica perceptiva (do olhar que une um observado, seja sujeito ou objeto, a um observador) e a ficção emerge neste espaço de alteridade, quer dizer, onde se experimenta o espetacular e vivencia uma relação incomum com o real. Deste modo, o exercício de percepção e reconhecimento da teatralidade se instaura num jogo entre obra e espectador. A noção de jogo implica a

1 Os dicionários da língua portuguesa definem contemporâneo com aquilo que é do nosso tempo, atual. É comum escutarmos esta mesma definição aplicada à dança contemporânea. Trata-se de uma visão limitada e até perigosa, na medida em que a apresenta como uma prática aonde “vale-tudo”.

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participação do público na criação, que por sua vez se modifica ao reconhecer e entrar em contato com algo outro. Neste contexto, o jogo da dança contemporânea ocorre num campo com leis e regras diferentes daquelas do cotidiano. Ao articular teatralidade e dança, pretendo realçar os procedimentos que tornam possíveis as produções cênicas contemporâneas e a interlocução com o conceito de experiência estética.

A polifonia enunciativa como princípio da teatralidade (FÉRAL, 2003, p.28) ajuda a compreender a presença de intertextualidade na cena da dança. De maneira intencional os criadores contemporâneos desestruturam os moldes da recepção, levantando a necessidade de problematizar e mudar a perspectiva do observador, de modo a torná-la apropriada aos fenômenos cênicos. Em um campo onde não há um único centro, um olhar totalizador em busca da compreensão torna-se falível. “A compreensão se torna parcial, se contradiz e se interrompe, ela falha e retorna, vibra – e dessa maneira, torna-se experiência”. (LEHMANN, 2008, p.145).

Dança contemporânea como rede de manifestações ou realização cênica não hierárquica. Situações, eventos, ambigüidades, contradições, instabilidades, imprevistos. Um processo artístico que implica em intercâmbio e transformação, por isso sempre um devir. A experiência da dança atrelada ao princípio da teatralidade não reside no objeto observado (corpo, cenário, luz, vídeo, etc.) e nem em quem o observa (espectador). Ela nasce na relação entre ambos. É o próprio jogo o provocador de reações e percepções. Um encontro e um diálogo que, num ir e vir de sensações, imagens e memórias realizam a experiência da vida - mapa implícito de descobertas. Entender a dança contemporânea como um modo particular de conhecimento da realidade e de relação com o mundo, não é propriamente um achado teórico ou o desvendamento de uma estética particular. Mas pode ser uma porta de entrada para possíveis aproximações. Referências BERNARD, Michel. Danse et Théâtre, p. 251-52, In: CORVIN, Michel (org). Dictionnaire Encyclopédique du Théâtre (trad. de José Ronaldo Faleiro). Paris: Bordas, 1995. FERAL, Josette. Teatro, teoría y práctica: más allá de las fronteras. Buenos Aires: Galerna, 2004. _____________. Cuadernos de teatro XXI: acerca de la teatralidad. Buenos Aires: Nueva Generación, 2003. GIL, José. Movimento total: o corpo e a dança. Lisboa: Relógio D´Água, 2001. LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007. LOUPPE, Laurence. Corpos híbridos. In: Lições de dança 2. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2000. MOSTAÇO, Edelcio. Considerações sobre o conceito de teatralidade. Revista DaPesquisa Revista de investigação em artes. Florianópolis, SC, vol. 2, n.2, 6 p., Ago./2006-Jul./2007. SILVA, Eliana Rodrigues. Dança e Pós-Modernidade. Salvador: EDUFBA, 2005.

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TRADUÇÃO DA OBRA UN DRAMA NUEVO DE MANUEL TAMAYO Y BAUS: A IMPORTÂNCIA E AS DIFICULDADES DE TRADUZIR TEATRO

Ana Celina Quevedo Salles1*; Luciana Ferrari Montemezzo2;

1 Universidade Federal de Santa Maria 2 Universidade Federal de Santa Maria

1. Introdução Traduzir uma obra implica trabalhar com uma cultura distinta, com uma identidade diferente, com

uma tradição distante e se relacionar com um outro indivíduo, o autor, uma outra língua. O resultado disto é o destino dado ao texto: um novo leitor e uma nova sociedade.

Traduzir é um processo que tem geralmente uma finalidade que quase sempre se refere a fatores externos como comércio, desejo, estética. Traduzir literatura como afirma Carvalhal [1] é um “ato criativo”, pois estamos trabalhando com uma obra criativa e não podemos fugir disso.

Manuel Tamayo y Baus fazia parte do gênero Romântico Espanhol (cronologicamente falando) era filho de atores e tornou-se dramaturgo de muito sucesso em sua época na Espanha. Un Drama Nuevo [2], escrito em 1867, foi sua obra prima, pois esta conecta com extrema originalidade cênica o metateatro1 com um tema bem polêmico, para a sociedade espanhola da época, o adultério

A peça Un Drama Nuevo, enquanto o autor esteve vivo, foi reeditada sete vezes e obteve muito sucesso de público e de crítica. Leopoldo Alas (1881) em seu livro Solos de Clarín [4] comenta a estréia da peça na Espanha: “Bien puede asegurarse que pasarán siglos y, como no suceda a nuestros días alguna época de barbarie, Un Drama Nuevo seguirá siendo como joya inapreciable del teatro español”.

A peça tem como contexto a Inglaterra do começo do século XVII e tem como protagonistas Willian Shakespeare (1829-1898), sua companhia teatral e Yorick um dos atores desta companhia. Um dos pontos mais importantes e interessantes é a intertextualidade com o escritor William Shakespeare que atua como uma das personagens fictícias do enredo, e também com as peças do dramaturgo inglês. Outro ponto relevante da peça é o metateatro que neste texto dramático segundo Angulo [5] demonstra os limites entre as esferas do teatro e da realidade.

Entretanto, Tamayo y Baus não é suficientemente reconhecido na Espanha e praticamente é desconhecido no Brasil. Durante toda sua vida este foi reconhecido e teve êxito nas montagens e exibições de suas peças, porém atualmente é pouco ou nem citado em manuais de Literatura Espanhola2. Apesar de o autor ter um vasto plantel de peças escritas, atualmente, nos manuais de literatura espanhola são lembradas poucas peças e entre elas Un Drama Nuevo. No manual de Literatura Espanhola Curso de Literatura Español Lengua Extranjera [6] – escrito na Espanha - Tamayo y Baus aparece como escritor realista e seu arsenal de obras são divididas em duas etapas: os dramas românticos e o teatro realista onde se encontra a peça Un Drama Nuevo. Já em Historia de La Literatura Española [7] – escrito na Argentina – o dramaturgo espanhol é retratado como autor pertencente ao período do Romanticismo espanhol, e ainda o manual comenta o enredo da peça Un Drama Nuevo.

En Un Drama Nuevo presentan a un actor cómico, Yorick, que desea representar un papel trágico (el de marido ultrajado) en la obra que acaba de escribir su amigo Shakespeare. [7]

Apesar de serem pouco lembradas, as peças e o próprio Manuel Tamayo y Baus, em manuais de Literatura Espanhola, atualmente há sinais de manifestações de resgate de peças do autor em países latinos e na própria Espanha. Têm-se notícias de traduções para o inglês, e até de filmes baseados em suas peças (ressalte-se o filme Un Drama Nuevo de 1946 do diretor Juan de Orduña baseado na peça de Tamayo y Baús).

Um dos motivos da obra Un Drama Nuevo não ser conhecida e reconhecida no Brasil é a falta de traduções dela, pois não existe nenhuma tradução da peça para o português. Para que o texto passe a existir para os leitores brasileiros é necessário traduzi-lo.

2. Metodologia A proposta desta dissertação é traduzir essa peça de teatro para o português, analisando as questões

anteriormente mencionadas. Além disso, propõe-se, também, um estudo sobre as dificuldades de traduzir Ana Celina Quevedo Salles: [email protected] 1 “Teatro cuja problemática é centrada no teatro que “fala”, portanto de si mesmo, se auto-representa” [3]. 2 Foram pesquisados cinco manuais de Literatura Espanhola (Historia de la Literatura Española, Literator IV, La Literatura Española en los textos, Literatura Española e Curso de Literatura Español Lengua Extranjera) e apenas dois destes continham alguma menção às obras de Manuel Tamayo y Baus [6-10].

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obras do gênero dramático. Como anexo ao estudo, será acrescentada a tradução anotada e comentada de Un drama nuevo.

O trabalho de dissertação respeitará as seguintes etapas de elaboração: Em um primeiro capítulo constará a vida e obra de Manuel Tamayo y Baus, além do contexto sócio-histórico da Espanha na época. No segundo capítulo será feita uma análise de pontos importantes da peça de Manuel Tamayo y Baus – o papel de Shakespeare e do metateatro no texto. No terceiro capítulo será feito um estudo sobre a área de tradução e tradução teatral, e também ficarão explicitados as escolhas e critérios utilizados durante a prática tradutória. Em um anexo será apresentada a tradução da obra Un Drama Nuevo. Nesse sentido, o trabalho se concretizará como processo – explicitado nos três capítulos – e resultado – explicitado no anexo – de acordo com o postulado por García Yebra [11].

O estudo será fundamentado com conceitos aprofundados de tradução, tradução literária e tradução de peças teatrais. E para esta fundamentação serão utilizados trabalhos de autores como García Yebra [11] que trabalha com a idéia da tradução como processo e resultado3, Arrojo [12] que estuda o papel co-autoral desempenhado pelos tradutores e a produção de sentidos estabelecida na cadeia comunicacional que se efetiva via tradução, Delille [13] estuda os problemas que podem causar uma tradução literária, Venuti [14] este pondera alguns problemas éticos sobre o exercício de traduzir e Montemezzo [15,16], que analisa traduções teatrais e consequentemente estuda essa área especifica da tradução .

3. Resultados e Discussão

A tradução e seus estudos ainda são muito controversos no que se refere à classificação destes em uma linha de trabalho. Normalmente, as traduções eram vinculadas aos estudos linguísticos, porém as particularidades de alguns textos e ainda a ampliação dos estudos sobre tradução desarticularam o vínculo exclusivo com a Linguística. Notou-se que somente a Lingüística não era o suficiente para tratar dos estudos tradutórios, pois a tradução compreende não só a produção do texto, mas também a recepção deste. A partir dessa expectativa a tradução de textos literários, principalmente, passou a fazer parte dos estudos literários e a cargo da Literatura Comparada, pois como afirma Carvalhal [17] os comparatistas estudam o “outro” relacionado-o com o “Eu mesmo”.

Adentrar o terreno da Literatura Comparada é preparar-se para caminhar por trilhas diversas do pensamento humano. É desprezar fronteiras e penetrar em territórios diferentes e descobrir que o ‘’Outro’’ pode ser o ‘’Mesmo’’ ou que o ‘’Outro’’ pode ser ‘’Eu mesmo’’, ou simplesmente o ‘’Outro’’; é valer-se da oportunidade de olhar longe para ver de perto como o Outro fala, do que o Outro fala, o que o Outro pensa, onde o Outro vive, como vive; é, enfim, estabelecer comparações – atitude normal do ser humano. O exercício do comparativismo ‘’colabora para o entendimento do Outro’’ [17].

A tradução, juntamente com sua análise, baseada na metodologia da Literatura Comparada tem obtido

resultados frutíferos, pois consegue encontrar elementos exclusivos dos processos de criação e tradução literária e isto facilita a adequação da obra traduzida no contexto atual e, consequentemente, a uma melhor recepção. E esta metodologia tem a solução muitas vezes das problemáticas da tradução como garante Steiner [18]:

Todas las facetas de la traducción – su historia, sus medios léxicos y gramaticales, las diferencias de enfoque, que van desde la traducción interlineal, palabra por palabra, hasta la más libre imitación o adaptación metamórfica – tienen un valor crucial para el comparatista. El comercio que se da entre las lenguas, entre los textos de distintos períodos históricos o formas literarias, las complejas interacciones que se producen entre una traducción nueva y las que la han precedido, la antigua pero siempre viva batalla entre ideales, entre ‘’la letra’’ y ‘’el espíritu’’, es el de la literatura comparada misma. [18].

O campo de estudo em que será inserida essa fundamentação será a obra Un Drama Nuevo de

Manuel de Tamayo y Baus, pois somente a Literatura Comparada dará subsídios adequados para a realização desta investigação e a prática da tradução, pois como afirma Carvalhal [19] a literatura comparada “é a

33 “La traducción puede considerarse como acción o proceso, o bien como el resultado de esa acción, de ese proceso. Cuando alguien dice: ‘La traducción del alemán es más difícil que la del francés’, se refiere al proceso; ‘traducción’, entonces, equivale a ‘traducir’. (…) Pero, cuando decimos: he comprado una traducción de la Ilíada (…), nos referimos, evidentemente, al resultado de la acción o proceso de traducir. [11].”

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comparação de uma literatura com outra ou outras, e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana”.

Então, a Literatura Comparada se relaciona totalmente com a Tradução, pois a primeira tem na segunda sua inspiração para pesquisas e a segunda ainda pode ampliar seu campo de trabalho por meio da primeira. “Essa transposição, que é em si mesma contextual, é também uma prática de produção textual, paralela à própria criação literária” [20],

A partir dessa hipótese a tradução pode ser vista como uma “recriação do texto”, e podemos concluir que a literatura e a tradução são práticas que se explicam uma a outra.

A tradução tem como função a transmissão das influências literárias, muitas vezes o que chega ao leitor são somente as obras traduzidas, poucos conseguem ler a obra na língua de origem, consequentemente, a tradução traz consigo, normalmente, alguma coisa de novo para o sistema literário que pode, ou não fazer o efeito que fez na literatura de origem.

Carvalhal [20] relaciona a tradução com a literatura: “o texto traduzido pode ser visto como material literário na medida em que se constitui num esforço criativo”. A autora afirma ainda que uma das funções do tradutor é de possibilitar o acesso a uma obra literária elaborada em uma outra língua, além de fazer um intercâmbio com costumes e princípios do “outro”.

4. Conclusão O trabalho ainda está no começo, mas se espera chegar a um reconhecimento da obra Un Drama

Nuevo, pois ela é tão pouco conhecida no Brasil, embora seja tão importante e, além disso, possuir detalhes tão significantes, e ainda assim ser esquecida dentre a literatura espanhola.

Uma das finalidades desse trabalho é o estudo das particularidades - intertextualidade com a obra shakespeariana, o metateatro e o adultério familiar como tema central - utilizados por Manuel de Tamayo y Baus desta obra, pois estas significam inovação e criatividade. Portanto, se tentará estudar detalhadamente a obra Un Drama Nuevo de Manuel Tamayo y Baus, em especial suas relações com a obra shakespeariana; trabalhar com a prática e a teoria da tradução literária sob o ponto de vista da Literatura Comparada; estudar aprofundadamente a prática da tradução de obras do gênero dramático; e traduzir a já referida peça teatral espanhola para o português, para que esta obra tão criativa e inovadora, não se perca no esquecimento e seja conhecida no Brasil, é importante que se traduza para o português. Visto que, a língua é a maior ferramenta de comunicação e a partir da tradução se oferece a esta, e qualquer obra, um status importante para que saia do esquecimento na Espanha e do desconhecimento no Brasil e países sul americanos.

Referências

[1] CARVALHAL, T. A tradução Literária. In: Organon. Porto Alegre: UFRGS, v.7, n.20, p.47, 1993. [2] TAMAYO, M. Un Drama Nuevo. Drama en tres actos. 4. ed. Madrid: Imprenta de Jose Rodriguez, Calvario, 1867. [3] PAVIS, P. Dicionário de teatro. P. 240. 2. ed. São Paulo : Perspectiva, 2005. [4] ALAS, L. Solos de Clarín. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2001. (Edición digital basada en la de Madrid, Alfredo de Carlos Hierro, 1881). Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?portal=0&Ref=5088. Acesso em: 09/03/2010. [5] ANGULO, M. S. Ficción y realidad en Un drama nuevo de Manuel Tamayo y Bauss: hacia una nueva concepción del ser humano. Tejuelo: Didáctica de la Lengua y la Literatura. Nº 3, 2008. Disponível em: http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2718091. Acesso em: 06/10/2009 [6] LORENZO, R. B., PINO, A. M. G. & HERMINDA, M. F. Curso de Literatura Español Lengua Extranjera. Madrid: Edelsa, 2006. [7] DÍAZ-PLAYA, G. Historia de la Literatura Española. Buenos Aires: Ciordia, 1960. p. 365. [8] LINK, D. Literator IV. El Regreso: Antología y actividades sobre literatura para cuarto año de la escuela secundaria. Buenos Aires: Ediciones del Eclipse, 1993. [9] GUTIÉRREZ, E. Literatura Española. 12ª ed. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 1965.

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[10] JIMÉNEZ, F. B. P. & CÁCERES, M. R. La Literatura Española en los textos: de la edad media al siglo XIX. São Paulo: Nerman; Brasília, DF: Consejería de Educación, Embajada de España, 1991. [11] GARCÍA YEBRA V. Ideas generales sobre la traducción. P.145. In: Tradução e Comunicação São Paulo: EDUSP, 1983. nº 2, p. 145-158. [12] ARROJO, R. Tradução, Desconstrução e Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1993. [13] DELILLE, K. H. Problemas da tradução literária. Coimbra : Almedina, 1986. [14] VENUTI, L. Escândalos da Tradução: por uma ética da diferença. Tradução de Laureano Pelegrin et al. Bauru: EDUSC, 2002. [15] MONTEMEZZO, L. F. Literatura Comparada e Tradução: áreas limítrofes. Revista da ANPOLL, v. 1, p. 1-5, 1999 [16] MONTEMEZZO, L. F.“Trilogia dramática da terra espanhola”, de Federico García Lorca: a tradução como processo e como resultado. 2008 [17] CARVALHAL, T. F. A Literatura Comparada no mundo: Questões e Métodos. P. 09 In: CARVALHAL, T. (org.) Literatura Comparada no mundo: Questões e Métodos. Porto Alegre: L&PM/VITAE/AILC, 1997. [18] STEINER, G. “Qué es literatura comparada?” in: Pasión intacta. Barcelona: Siruela/Norma, 1997. In:ALLEGRO, A. L.V. DAS RELAÇÕES ENTRE LITERATURA COMPARADA E TRADUÇÃO LITERÁRIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES. Revista Eletrônica UNIBERO de Produção Científica. Março de 2004. Disponível em: http://www.unibero.edu.br/nucleosuni_cadpcindice.asp. Acesso em: 10/10/2009. [19] CARVALHAL, T.F. Literatura comparada. P.74. São Paulo: Ática, 1998. [20] CARVALHAL, T. F. O próprio e o alheio: ensaios de Literatura Comparada. P. 219 e 229. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003.

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TRÂNSITO À MARGEM DO LAGO SOBRE EXTENSÃO DA AÇÃO ARTíSTICA EM ESPAÇOS/TEMPO DIVERSOS

Claudia Teresinha Washington1

2Universidade do Estado de Santa Catarina 1. Trânsito à Margem do Lago - Introdução

Trânsito à Margem do Lago3 foi um deslocamento à deriva ao redor do lago artificial de Itaipu na fronteira entre Brasil e Paraguai que ocorreu durante 30 dias do mês de janeiro de 2010. O impulso inicial para essa ação surgiu por percebermos – apesar da proximidade geográfica e da política de integração dos mercados – uma considerável lacuna entre as culturas brasileira e paraguaia. Assumimos que pouco conhecíamos sobre esses universos, e à medida que buscávamos informações compreendíamos que muitas eram obscuras, superficiais ou deturpadas. Surgia para nós um abismo chamado “fronteira” e, com ele, a vontade de adentrarmos nessa realidade.

Na década de 1970, a construção da Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu deflagrou um elevado crescimento populacional, decorrente do corpo de trabalhadores que lá se estabeleceu. A criação da represa resultou na expropriação de diversos grupos – como colonos, ribeirinhos e indígenas – das margens do complexo de rios afetados, caracterizando o lugar por intensos fluxos migratórios. Em meados da década de 80, modelos tradicionais de cultivo foram perdendo espaço para a monocultura, devido à mecanização e aos incentivos ao agronegócio. Como consequência, um processo de desestruturação do modo de vida camponês culminou novamente em êxodo. Atualmente, nos dois lados da fronteira prevalece uma paisagem homogeneizada, controlada sobretudo por multinacionais. Entretanto, se no Paraguai o esvaziamento de vilarejos é uma constante, no Brasil a política de desenvolvimento incentiva uma identidade regional balizada pelo turismo[1].

Nesse ambiente, tomamos a atitude nômade como princípio deflagrador das relações e situações criativas de contato. Nossa ação é, portanto, uma prática efêmera ativada pelo encontro. A rota de viagem foi definida tanto por experiências em cada lugar como por indicações de pessoas que conhecemos pelo caminho, tendo como ponto de partida Foz do Iguaçu. O transporte local serviu como meio para nossa inserção nos fluxos cotidianos. Estar de passagem foi nossa escolha por ser um modo de operar comum àquele lugar, uma estratégia de tomada de espaço que desconsidera o pertencimento enquanto fixação, uma vez que redefine o território a cada momento e necessita do movimento para existir. Essa atitude frente ao lugar é um caminho para a reflexão artística dos trânsitos e migrações contemporâneos como modos de existência.

Na transitoriedade buscamos o elemento humano, a experiência colaborativa e o alargamento da concepção de relação. Consideramos que os encontros são causadores de transformações nos agentes envolvidos e que as proposições artísticas inclinadas às questões de memória e códigos de poder ativam percepções sobre o lugar. Compreendemos que o ato criativo reverbera através de várias possibilidades extensivas, como imagem mental, arquivo e circulação.

Nesta reflexão a ênfase será no modo como o ato criativo de caráter efêmero pode ter continuidade em espaços/tempo diversos e como as escolhas midiáticas de registro e distribuição tornam-se estratégia poético/política em Trânsito à Margem do Lago.

2. Mídia e extensão da ação da ação artística - Método

Apresentação e análise dos materiais e eventos gerados durante e após a deriva do ponto de vista midiático e como extensão da própria ação artística. São eles: o blog[2], utilizado durante o perído de deriva; o site[3], que reune imagens e áudio; a versão impressa do Caderno de Viagem[4]; e o encontro Relações de Fronteira, realizado em Curitiba com a participação de colaboradores do Brasil e do Paraguai. Em relação ao escopo teórico esta proposta se fundamenta em pesquisa anterior intitulada Gráfico e não-fotografia: o registro como extensão corporal da ação artística e estratégia poético/política[5] , nas noções de território subjetivo de Félix Guatarri e nas reflexões sobre memória de Andreas Huissen.

3. Multilocalização da informação e aproximação da situação geradora - Resultados e Discussão As relações entre a natureza efêmera de Trânsito à Margem do Lago e o seu procedimento de registro e distribuição passou a ser importante processo de discussão poético/política do trabalho. Na fase inicial

1 E-mail: [email protected] 2 Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Processos Artísticos. 3 Este projeto está sendo realizado em colaboração com Lúcio de Araújo.

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construímos um Caderno de Viagem – uma publicação trilingue (português, guarani e castelhano) que trata de questões como fronteira, terra, água, energia, arte e colaborativismo – que serviu como objeto relacional durante a viagem. Durante a deriva postamos diariamente um relato dos acontecimentos e uma imagem fotográfica em um blog. No percurso buscamos narrativas sobre os lugares tendo em vista aspectos do cotidiano, reunimos fotografias, áudios, vídeos, desenhos, mapas, letras de música e outros textos. Isso gerou informações sobre modos de organização, comunicação e deslocamento das comunidades da região. Esses materiais são publicados de acordo com suas especificidades em um site ou na versão impressa mais recente do Caderno de Viagem, que também está disponibilizado na web. A estratégia de multilocalizar as informações, os registros e documentos da deriva é uma forma de dar corpo ao processo que gerou tais referencias de acordo com seu próprio modo de operar. Por se tratar de uma prática efêmera – dá-se no encontro e leva em consideração a atitude nômade como princípio deflagrador das relações e desencadeador de situações criativas de contato – quanto mais versões midiáticas (considerando sua parcialidade) produzirmos, maior será a possibilidade de aproximação da situação que as gerou. 4. Vias de acesso e ampliação do território subjetivo - Conclusão Para abordar o registro da ação artística como estratégia poético/política tomo como ponto de partida a natureza da mídia, ou seja, o paradigma onde foi gerada, e a natureza da ação, no caso artística e efêmera.

Mídias de registro e distribuição são utilizadas na arte e tem papel importante na geração de memória ou extensão de ações efêmeras. Pode-se pensar nos meios como extensões humanas, seu caráter ampliador das relações com o mundo, ou enquanto elemento opressor. Considera-se aqui essas duas possibilidades, tendo em vista que nossa condição vitimada frente aos objetos de consumo nos leva a perceber as coisas a nossa volta mais como limitações do que extensões, porém, é produtivo considerarmos que apesar do cerceamento do corpo, muito daquilo que nos cerca pode, pelo uso consciente, ser possibilidade de apropriação do mundo.

Em Trânsito à Margem do Lago optamos por pluralizar os meios de extender a ação original, apresentamos entradas diversas ao trabalho, contamos com a linearidade do livro, o dinamismo temporal do blog, a objetividade do mapa, a aderência ao real da fotografia, a volatilidade do relato oral (áudio), o atravessamento cultural da tradução. Cada uma dessas vias de acesso se caracteriza por uma configuração que prioriza mais um ou outro sentido ou percepção. Assim, o conjunto de parcialidades que se entrecruzam em ordenações diversas podem compor uma experiência mais próxima da ação original, já que esta também foi uma imbricada experimentação de relações humanas e lugares, muitas vezes díspares, muitas vezes homogêneos. Desse modo a ação original se apresenta para cada um de acordo com suas escolhas de acesso. Sugere-se a dilatação temporal por meio dos registros/extensões, constituindo o presente (atualidade das ações) pela geração de imagens mentais.

Esta reflexão traz a tona algo verificável não apenas no campo da arte, tendo em vista que o capitalismo em seus desdobramentos contemporâneos cada vez mais intensifica seu controle sobre a produção de "signos, de sintaxe e de subjetividade" através da mídia, Félix Guattari[5] aponta para quatro regimes semióticos nos quais esse capitalismo está baseado, são eles: as semióticas econômicas, as semióticas jurídicas, as semióticas técnico-científicas e as semióticas de subjetivação, todas enredadas e amplamente instrumentalizadas. Nesse processo as atividades de circulação, distribuição, comunicação e enquadramento ainda estão por serem reconhecidos como vetores econômico-ecológicos, o que desfavorece os movimentos de emancipação anticapitalistas.

Nesse sentido a arte como um dos lugares privilegiados para o exercício e ampliação dos territórios subjetivos e campo de questionamento de modelos de produção de imagem tem responsabilidade no uso das tecnologias de registro que vão além das atribuições estéticas. Toda e qualquer mídia se apresenta parcial enquanto dado do real. Ao admitirmos que esta parcialidade é produtora de idéias específicas de realidade e que podem influenciar as atitudes “reais”, temos na escolha do meio de registro elementos essenciais para a disseminação de idéias e modos de fazer e existir.

Andreas Huissen diz que quaisquer que tenham sido as causas sociais e políticas do crescimento explosivo da memória nas suas varias subtramas, geografias e setorializações, uma coisa é certa: não podemos discutir memória pessoal, geracional ou publica sem considerar a enorme influência das novas tecnologias de mídia como veiculo para todas as formas de memória[6]. Acrescento que não podemos desconsiderar também as tecnologias que continuam a servir a

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este propósito e que tem suas origens em contextos diferentes do atual como formas contemporâneas de criação e distribuição de memórias, ou idéias de mundo.

Trânsito à Margem do Lago em seu procedimento midiático leva em consideração que tais vias servem essencialmente para gerar campos de comunicação entre pessoas e realidades, buscando ampliar as possibilidades existenciais.

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Fig. 1 Trânsito à Margem do Lago: rotas estabelecidas a partir de encontros, Brasil e Paraguai, 2010. Referências [1] Souza, Edson Belo Clemente de. A (re)produção da região do Lago de Itaipu. Cascavel : Edunioeste, 2009. [2] http://margemdolago.nosdarede.org.br/. Acesso em 10-07-10. [3] http://margemdolago.transitos.org/ . Acesso em 10-07-10. [4] Washington, Claudia; Araújo, Lúcio de. Trânsito à Margem do Lago: Caderno de Viagem. Curitiba : edição do autor, 2010. [5] Washington, Claudia. Gráfico e não-fotografia: o registro como extensão corporal da ação artística e estratégia poético/política. 2007. 64. Monografia de Especialização Latu senso em História da Arte Moderna e Contemporânea – Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Curitiba. [6] Guatarri, Felix. As três ecologias. Madrid: Pretextos, 1996. [7] Andreas Huissen. Seduzidos pela memória : arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro : Aeroplano, 2000, p.20.

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UM IDÉIA DE MUSEU DE ARTE

Ana Lucia Moraes de Oliveira1*; Sandra Makowiecky2 1 PPGAV/CEART/UDESC 2 PPGAV/CEART/UDESC

1. Introdução O Museu de Arte de São Paulo (Masp), criado em 1947 por Assis Chateaubriand e Pietro M. Bardi, conseguiu reunir a mais importante coleção de pintura de grandes mestres europeus na América Latina e revolucionou o conceito de museu até então existente entre nós. Lina Bo Bardi, ao elaborar o projeto para as instalações do Masp, colocou em prática um projeto de “museu vivo”, organizando exposições didáticas, além de criar cursos de design. Abriu espaço para a fotografia e publicidade, e também para o cinema, a música e a dança. Tornou mais abrangente o conceito de arte e transformou o museu em local de criação, discussão e modernização das idéias e produção artística. Estabeleceu a integração das artes num único campo cultural, ultrapassando os limites de seus contemporâneos arquitetos, que pela extrema personalidade de sua linguagem, é considerada por alguns historiadores e críticos como “mestra de si mesma”, que qualificam sua obra como impossível de se moldar a correntes estéticas estabelecidas [1]. Ao abordar a intenção de legitimar o Masp que foi constituído em 1947 na capital paulista e subjacente a ele, o de justificar a idéia de arte de Lina Bo Bardi, suscita a reflexão de como ambos se articulam. A busca de formas eminentemente modernas (oposição ao arcaico) de fazer arquitetura e arte, concomitante à preocupação de construir um museu culto e civilizado nos trópicos, são alguns dos aspectos considerados para esta investigação. Nesse sentido, o museu constitui o ponto de vista privilegiado da arquiteta sobre a arte e cultura. Desta forma, a proposta deste texto sobre a idéia de museu na obra de Lina Bo Bardi busca ressaltar as representações culturais do museu; partindo do entendimento que estas representações se organizam historicamente e se articulam com as experiências e saberes sócio-culturais no momento em que foram produzidas. 2. Método O pensamento histórico tem chamado a atenção para a intencionalidade do que se organiza, preserva, conserva e exibe. Apropriados à idéia de criação de elementos organizadores da própria memória, elegem e geram valores culturais desde a seleção dos documentos até a forma de escrita. A conseqüência mais imediata de tal postura, pelo menos na ótica que os historiadores têm da prática documentária, refere-se ao gesto fundador que resulta no arquivo (ou acervo), ao qual Michel de Certeau [2], fala ao examinar os indícios que testemunham o passado, admitindo sua natureza “construída” e procurando a arbitrariedade das operações que controlam a validade do discurso. Uma vez que o ofício do historiador depende de um trabalho de investigação, que envolvendo um domínio das técnicas e dos conceitos, a “operação historiográfica”, como demonstra Certeau [3] não pode prescindir das relações entre os produtos (discursos) e os lugares de produção (sociedade). Determinar a coexistência das estruturas sociais-culturais por meio da qual se manifestam, num grupo ou numa classe, uma mesma prática e uma mesma representação é o que queremos nos ocupar. 3. Resultados e Discussão Este trabalho debruça-se sobre uma ação humana: a concepção dos museus de arte como campo cultural. Isso se deve não apenas ao fato de recuperar uma prática localizada em um período da nossa história – remetendo-se a obra da arquiteta Lina Bo Bardi, realizada entre os anos 40 e 50 – mas por arriscar em aceitar a sugestão, de transitar por um caminho que não é único. buscando resgatar as concepções dessa mesma prática, como demonstra Roger Chartier [4], é investir na tentativa de reconstrução de uma representação, em que os indivíduos dão sentido ao mundo que é deles. Diante do objeto que se propõe investigar, o museu, a princípio, parece distante e carregado de mitos. Mas, seja nas especificidades e nos valores que ele condensa, o que se revela é a ação humana. E por detrás, ou através, o discurso. Nessa interação, ao reabilitar a teoria e a práxis, numa mesma sucessão de fatos, a possibilidade de uma abordagem.

Avaliar o Museu de Arte de São Paulo, do modo particular que certas formações, idéias, representações cristalizaram-se em uma instituição, assim como também uma personagem - a arquiteta italiana Lina Bo Bardi – envolve o entendimento de como os desdobramentos sócio-culturais operaram esta relação. Pensar um museu de arte num país periférico, no final dos anos quarenta do século XX implica, então, discorrer acerca de diversos problemas que escapam ao museu e à delimitação temporal inicial. Umas

* Aluna regular do Programa de Pós-Graduação / Mestrado em Artes Visuais: [email protected]

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poucas definições abrem um leque de questões que colocam o museu de arte – a história do museu – como parte da cultura e como elemento na construção de representações. Nascido da sociedade ocidental, o museu afirmou-se como uma criação cultural urbana, cuja função e importância é desde sempre interrogada, paralelamente à sua progressiva afirmação de lugar de cultura, de conhecimento, de ilusão e metáfora do mundo, de ressonância de poder. As suas inserções, por um lado, as formas e suportes físicos e arquitetônicos, de outro, que permitiram a espacialização das suas materializações foram, tanto quanto as razões da sua existência; objeto de progressiva descoberta, empiricamente detectada nas primeiras escolhas dos espaços para guardar e expor, evoluídas pela formulação dos desejos programáticos enumerando as características e qualidades dos novos espaços a criar.

O entendimento de sua natureza, das mutações que se operaram nas concepções e práticas que o foram definindo, afigura-se imprescindível para a interpretação das espacialidades que lhe foram dando forma, para a leitura dos seus programas, para a descodificação dos processos que lhe conferiram o papel de monumento de adjetivação cultural e símbolo do progresso e desenvolvimento material. O museus se oferece como um campo de representação onde é possível constatar, analisar e refletir sobre questões que atravessam verticalmente a sociedade contemporânea. Em tempo de pluralismo e hibridismo no campo artístico e cultural, coincide com a escassez de símbolos reconhecíveis como tal pela sociedade, o museu – logo neste caso o Masp – oferece-se como programa aberto à realização de experiências de forte expressividade e ensaio expositivo.

A passagem por tais temas constitui um esforço de enquadramento da experiência e realidade brasileira no domínio da museografia. Periférica face os centros onde se realizam as condições de grandes saltos qualitativos na história, a sociedade brasileira foi absorvendo em segunda linha os choques e inovações e retrocessos vindos de fora das suas fronteiras, com as limitações que a sua dimensão e localização geraram. Para o bem e para o mal, as condições brasileiras se adaptaram, moldaram e assim muitas vezes criaram as particularidades que as distinguiram das que, na origem e no modelo, lhes serviram de inspiração. Importa-nos averiguar, os traços marcantes que clarificam as formas e a importância que o tema museu assumiu, traduzidas nas políticas, agentes promotores, coleções, programas e, sobretudo, nos seus suportes expositivos.

Uma base de partida como a que enunciamos propicia leituras de nível e âmbito diferente, como tantas vezes se torna inevitável pela própria dispersão das medidas e afirmações da sociedade para um mesmo tema. No entanto, serão matéria de análise e interpretação as relações entre os níveis institucional e programático e a sua tradução nas práticas concretas, nomeadamente no que se converteu as realizações delineadas e instaladas. Para compreendermos melhor o que está implícito na relação da apresentação de objetos artísticos e museus, é necessário colocarmos o que se guarda na função interna do museu. A investigação de como a prática de formar coleções, ao longo do tempo, se inserem como eventos no processo de transformações em algumas práticas culturais e o seu diálogo com os museus, – revestida de toda a sua carga simbólica de objetos expostos ao olhar, conforme Poiman [5] – e os museus que passaram a redefinir os rumos desta prática. Também Andre Malraux [6] fala em termos semelhantes no seu “Museu Imaginário”, pois para o autor a coleção privada é antecâmara do museu, porque a razão de ser deste é colocar ordem no caos da descoberta pessoal. O principal é o espaço das ações, da reprodução das imagens e não simplesmente a criação de um acervo.

No curso da elaboração de um quadro, como um pano de fundo, das questões teóricas que envolvem a formação dos museus se pode ter outras reflexões sobre o caráter do museu, fruto de um culto a imagem que domina nossa civilização moderna, ao tomar emprestado alguns pontos considerados oportunos nessa concepção. Assim segundo Malraux [7], os museus impuseram ao espectador uma relação totalmente nova com a obra de arte. Esse ponto de vista, segundo Roland Schaer [8], abre a possibilidade de interrogação a respeito da própria disposição e para a percepção dos objetos artísticos.

Os museus reelaboram a teia discursiva da obra de arte ao estabelecer modos de seleção e formas de apropriação visíveis na constituição de suas coleções na maneira pela qual são apresentadas e expostas; pois “o museu é a forma de organizar a experiência” [9]. Por esta razão se tornam canais de expressão e elaboração da concepção da arte e de seus espaços, um estabelecimento que consagra a experiência sensível como maneira essencial de conhecimento e instrução. Neste sentido, o museu reconstitui a história da arte e faz uma reflexão sobre o significado desta instituição no processo de formação do público e da definição de um espaço expositivo, procurando elucidar os percursos da percepção e do sentido das obras de arte.

Esse percurso adotado revela a tentativa de resgate da trajetória e movimento de algumas proposições e idéias sobre a formação dos museus e coleções que se achou conveniente tratar aqui. Estas idéias fazem parte de propostas sobre o modo de pensar e elaborar os museus de arte, e que desencadearam toda uma história do culto aos museus presente no século XX e da qual Lina participou ao longo de sua

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formação e atuação profissional. As questões colocadas neste momento não sejam o tema central desta pesquisa, considera-se válido assinalá-las no intuito de apreender sobre essa prática e a permeabilidade de suas idéias. Os resultados desta investigação farão parte de uma dissertação de mestrado em curso em que se pretende elucidar o pensamento de Lina Bo Bardi sobre arte e cultura e de que forma os desdobramentos sócio-culturais do campo artístico do qual participou, influenciaram e formaram suas práticas e representações. 4. Conclusão O trabalho de Lina Bo Bardi é fruto da arquitetura do que se convencionou chamar Movimento Moderno que se colocava na primeira metade do século XX no Brasil. A análise de suas idéias para museus que pretendemos fazer poderá indicar como a crença na mutua expansão dos limites entre a vida cotidiana e a arquitetura, a impulsiona a desenvolver um trabalho que ultrapassa os limites pré-estabelecidos pela cultura legítima. Observa-se que ela vem incorporar os elementos do cotidiano, no fazer da sua obra, colocando a cultura como tema privilegiado de suas reflexões. Entretanto, delinear suas influências abre um caminho de muitas possibilidades; algumas mais diretas, outras não tão próximas, mas com a semelhança de se agregarem num único arquiteto. Utilizar seus registros, escritos e desenhados para museus, ou seja, a partir da leitura desta concepção idealizada por Lina Bo Bardi e nelas identificar essas ressonâncias, é partir de imagens dialéticas, na captura de elementos dispersos que constituem a unidade histórica. Portanto, falar da formação de museus, a partir da obra de Lina, é aceitar também as mais diversas variações de representações e práticas culturais, que aqui se difundia sob o signo da modernidade. Referências 1. CAMPELLO, Maria de Fátima. Lina Bo Bardi: as moradas da alma. São Carlos. Dissertação (Mestrado). SAP-EESC-USP, 1998. 2. CERTEAU, Michel de. A Operação Historiográfica. In: A escrita da história. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1982. 3. CERTEAU, Michel de. A Operação Historiográfica. In: A escrita da história. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1982. 4. CHARTIER, Roger. Introdução: Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In: A história cultural. Entre práticas e representações. São Paulo, Difel, 1990. 5. POIMAN, Krystof. Colecção, in: Enciclopédia Einaudi: Memória-História, vol.1. Portugal, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984. 6. MALRAUX, André. O Museu Imaginário. Lisboa: Edições 70, 2000. 7. MALRAUX, André. O Museu Imaginário. Lisboa: Edições 70, 2000. 8. SCHAER, Roland. L’invention dês musées. Paris: Gallimard, 1993. 9. SCHAER, Roland. L’invention dês musées. Paris: Gallimard, 1993.

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UMA INVESTIGAÇÃO FUNCIONALISTA DOS MEIOS DE EXPRESSÃO DA RELAÇÃO RETÓRICA DE CIRCUNSTÂNCIA EM ELOCUÇÕES FORMAIS

Solane Montenegro de Souza Rezende Pedroso1*

Universidade Estadual de Maringá

1. Introdução

A busca dos fatores que conferem coerência ao texto, atribuindo unidade e permitindo que o produtor atinja seus propósitos com o texto que produziu, tem sido alvo de estudo das grandes correntes que compõem a chamada “Linguística do Texto”. Um desses modelos é a Teoria da Estrutura Retórica do Texto (Rhetorical Structure Theory, de agora em diante, RST), que apresenta uma proposta interessante para a análise da coerência textual.

A RST tem por objeto o estudo da organização dos textos, caracterizando as relações que se estabelecem entre as partes do texto (Mann & Thompson [2]; Matthiessen & Thompson [4]; Mann, Matthiessen & Thompson [3]). De acordo com a RST, além do conteúdo proposicional explícito veiculado pelas orações de um texto, há proposições implícitas, chamadas proposições relacionais, que surgem das relações que se estabelecem entre porções do texto. Essas, segundo Mann & Thompson [2], permeiam todo e texto e são responsáveis pela coerência do texto.

A RST é uma vertente do funcionalismo e, segundo Man &Thompson [2], é uma teoria descritiva que tem o objetivo de analisar as relações existentes nos textos para verificar como se dá a coerência desses e também verificar como é possível formar uma unidade sem lacunas. Além disso, preocupa-se em saber como o autor estabelece essas relações e se ele consegue atingir os próprios objetivos. Essa análise da coerência possibilita a descrição dos meios pelos quais ela foi obtida.

Uma das propriedades que atribui coerência a um texto diz respeito às relações estabelecidas entre as partes desse texto. Essas relações podem ser manifestadas por meio das relações explícitas que são veiculadas pelas orações, ou também podem estar “nas entrelinhas”. Essas, segundo a RST, são as proposições relacionais que surgem da combinação entre as porções do texto e não precisam de marcas formais para ser reconhecidas, pois resultam do processo de interpretação do texto. Esse tipo de relação é fundamental para conferir unidade ao texto e permitir que o enunciador consiga atingir seus objetivos. O modo como esse enunciador irá estabelecer essas relações depende da sua intenção e da avaliação que ele faz do enunciatário. Mann & Thompson [2] estudaram esse processo, com base na RST, em muitos textos, e concluíram que as proposições relacionais permeiam todo o texto.

O presente trabalho estuda como o falante expressa as proposições relacionais de circunstância. Essas expressam um ideia de tempo e podem ou não vir expressa por um conectivo. A função primordial das temporais, segundo Braga [1], é o de servir como moldura para a oração principal.

2. Análise e Resultados

Segundo Neves [5], a construção temporal é constituída por um período composto por uma oração nuclear e uma temporal. Essa pode ser iniciada por diferentes conectivos que concedem à oração noções distintas de temporalidade.

N % Quando 43 60,6 Na hora que 6 8,5 Na hora de 4 5,6 Oração participial 4 5,6 Oração de infinitivo 3 4,2 Sempre que 3 4,2 O dia que 2 2,8 Depois que 2 2,8 Toda vez que 1 1,4 Após 1 1,4 Antes de 1 1,4 Oração gerundiva 1 1,4 Total 71 100

Tab. 1 Frequência de ocorrência dos conectivos

* Autor Correspondente: [email protected]

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Como se pode observar na tabela 1, o conectivo mais usado pelos informantes foi o quando, isso se dá porque esse é o juntivo mais clássico para a representação temporal. Logo, pode-se levantar a hipótese de que ele está mais acessível na memória do falante e também por que ocorre o reconhecimento imediato da ideia de tempo pelo interlocutor.

Os conectivos sempre que e toda vez que, com as respectivas frequências de ocorrências: 4,2 % e 1,4% estabelecem, segundo Neves [5], uma relação iterativa, ou seja, de estado de coisas que se repete.

Os conectivos na hora que e na hora de funcionam como locuções conjuntivas e, por isso, são vistos como um todo pelos falantes. Pode-se considerar que esses dois conectivos são do mesmo campo semântico, por isso afirma-se que, somando as ocorrências desses juntivos, tem-se a segunda maior frequência de ocorrência depois do quando, sendo 8,5% para o na hora que e 5,6% para o na hora de.

O contexto do qual foi retirado esse corpus permite entender o quanto o uso desses conectivos é importante para o encaminhamento didático da aula pelo professor. Esse quando usa esse tipo de conectivo, em detrimento do mais clássico que é o quando, está delimitando melhor a referência temporal, como se pode perceber na figura1.

Fig. 1

Os conectivos depois que, antes de e após ocorrem respectivamente com frequência de 2,8% , 1,4% e 1,4%. Esse tipo de conectivo, de acordo com Braga [1], é utilizado quando o falante sente a necessidade de circunscrever mais precisamente o tempo do estado de coisas (EsCo) expresso pela oração núcleo, assim como ocorreu com o conectivo apresentado na figura 1.

A ocorrência da expressão o dia que para a marcação temporal é um recurso não previsto pela gramática tradicional para a introdução de orações temporais. Entretanto, com a frequências de ocorrências de 2,8 %, nesse corpus, comprova-se que um recurso linguístico não tradicional pode ser mais recorrente do que um conectivo que pode ser encontrado nas gramáticas normativas.

No corpus, foram encontradas orações com ideia de tempo, mas sem um conectivo prototípico para indicar a temporalidade, como se observa na figura 2, no qual o falante usa o gerúndio para marcar a ideia de tempo. Por isso, é importante observar que muitas vezes não é necessária a presença de um conectivo temporal prototípico para que essa ideia seja expressa.

Fig. 2

Além do sentido que os conectivos podem atribuir às orações, também existe aquele que pode ser percebido nas entrelinhas. Segundo a teoria da RST, essas proposições que surgem da combinação das orações, implícitas ou explicitas, expressam relações lógico-semânticas. Para Neves [5], as relações lógico-semânticas de causa, condição e concessão se associam à relação temporal que há entre as orações, tal é a complexidade dessas. Essas ocorrências estão descritas na tabela 2.

Apenas temporal 54 76,1 Temporal com noção de causa 13 18,3 Temporal com noção condicional 4 5,6 Temporal com noção concessiva 0 0 Total 71 100

Tab. 2 Relações lógico-semânticas estabelecidas pelas orações temporais

Naturalmente, a relação temporal por si só foi a maior ocorrência com 76,1 % de frequência, em segundo lugar tem-se a temporal com noção de causa com 18,3%. Isso se dá porque é comum que o estado

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de coisas da oração temporal seja a causa do EsCo da oração principal. De acordo com Neves [5], isso ocorre independente de qual das orações está representada primeiro, como se pode observar na figura 3.

Fig. 3

Há ainda as orações adverbiais temporais que expressam ideia de condição, no corpus deste trabalho esse tipo de oração teve a frequência de ocorrência de 5,6%. A figura 4 expressa a ideia de tempo e de condição, mas ambas surgem da interpretação, já que essas ideias não são marcadas explicitamente por conectivos.

Fig. 4

É importante ressaltar a importância das proposições relacionais para que um texto possa ter coerência, como afirmam Mann & Thompsom [2]. Isso se comprova com a figura 4, na qual a oração mesmo não tendo um conectivo explícito pra indicar a noção de tempo, essa é facilmente reconhecida.

Nas orações adverbiais concessivas propriamente ditas, a oração subordinada expressa uma ideia de contraste em relação à oração principal. Os informantes desse corpus não estabeleceram essa relação concessiva utilizando as temporais.

Para Matthiessen e Thompson [4], as orações adverbiais podem se combinar ou com uma única oração ou com uma sequência delas. Sendo assim, há várias possibilidades de combinações.

N % O satélite é composto por uma unidade de ideia e o núcleo também é composto por uma unidade de ideia 31

43,7

O satélite é composto por mais de uma unidade de ideia e o núcleo também é composto por mais de uma unidade de ideia

2 2,8

O satélite é composto por mais de uma unidade de ideia e o núcleo é composto por apenas uma unidade de ideia

3 4,2

O satélite é composto por apenas uma unidade de ideia e o núcleo é composto por mais de uma unidade de ideia

35 49,3

Total 71 100 Tab. 3 Frequência das ocorrências quanto à organização

Com base na tabela 3, percebe-se que a maior ocorrência, com frequência de 49,3%, é de um satélite

se relacionando com um núcleo maior, ou seja, composto por mais de uma unidade de ideia. Isso ocorre, segundo Braga [1], porque o satélite funciona como uma moldura, delimitando determinada circunstância. Sendo assim, é comum que em uma “mesma moldura” possa englobar vários acontecimentos e é isso que acontece no corpus apresentado neste trabalho.

A segunda maior frequência de ocorrência (43,7 %) é a de uma oração nuclear que se relaciona com uma oração satélite. Isso ocorre porque é comum que uma oração adverbial se relacione com uma principal de maneira direta sem que outras partes do texto também interajam, já que esse tipo de relação adverbial se torna melhor marcada quando está na microestrutura do texto. Consequentemente, as relações que estão na macroestrutura do texto (com exceção da em que um satélite faz moldura para mais de uma ação como citado acima), como a que há o satélite e o núcleo são maiores e a que o satélite é composto por mais de uma unidade de ideia e o núcleo é composto por apenas uma unidade de idéia, têm menor frequência, com, respectivamente, 2,8% e 4,2%.

As orações adverbiais de tempo podem ocupar três posições em relação ao núcleo. Podem ser antepostas, pospostas ou intercaladas. De acordo com Braga [1], ao decidir em qual dessas posições o falante vai colocar o satélite, ele sinaliza determinados significados, percebe-se, então, que a escolha da posição não é aleatória.

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N % Posição anteposta 51 71,8 Posição posposta 11 15,5 Posição intercalada 9 12,7 Total 71 100

Tab. 4 Frequência das ocorrências quanto à ordem

Percebe-se, com base na tabela 4, que a maior frequência de ocorrência (71,8 %) é para as orações temporais que se localizam antes do núcleo. Nessa posição as orações têm a função de criar um pano de fundo pra a oração nuclear. Isso explica por que as antepostas representam a maioria das ocorrências, pois, como afirma Braga [1], a função essencial das adverbiais temporais é circunscrever o desenvolvimento do discurso seguinte. Por essa mesma razão, as pospostas e as intercaladas têm menor frequência, respectivamente com 15,5% e 12,7% de ocorrência.

Cada uma das posições em relação ao núcleo representa diferentes funções. Assim, as pospostas delimitam, restringem a asserção codificada pela oração principal. Braga [1] complementa essa postulação afirmando que, além disso, as pospostas podem também servir para acrescentar alguma informação à oração núcleo.

3. Conclusões

O presente trabalho teve como objetivo investigar como se realiza a ocorrência das relações adverbiais de tempo para contribuir pra a coerência de um texto e também quais são as proposições relacionais explícitas ou implícitas que estão relacionadas à relação de tempo. A base teórica pra essa investigação foi a RST que estuda a organização do texto analisando como as relações se estabelecem entre as partes desse texto.

Após a análise do corpus, verificou-se que quanto à escolha do conectivo o falante prefere usar o conectivo quando. Os outros conectivos só são acionados, segundo Braga [1], quando o falante precisa delimitar melhor o EsCo da oração principal.

Em se tratando das relações lógico-semânticas que podem surgir entre as partes do texto, houve a predominância da relação semântica de tempo que expressa apenas a ideia temporal. Entretanto, notou-se também uma ocorrência considerável das relações de tempo que expressam também a ideia causal. Isso ocorreu, pois é comum que o EsCo temporal expresse algo que quando ocorre é o fator que causa o EsCo da oração principal.

Quanto à organização, a maior ocorrência de frequência foi do satélite composto por apenas uma unidade de ideia e o núcleo composto por mais de uma unidade de ideia. Essa é uma característica da oração adverbial temporal, já que ela forma uma moldura e essa pode circunscrever mais de um acontecimento.

Em relação à ordem da oração adverbial de tempo, a anteposição dessa teve maior ocorrência com uma diferença grande entre essa e a segunda ocorrência. Os falantes preferem a anteposição, já que a função primordial das temporais é a delimitação do tempo em que o EsCo da oração nuclear ocorre.Sendo assim, é natural que a delimitação esteja antes do que é delimitado.

4. Referências bibliográficas

[1] BRAGA, Maria Luiza. Os enunciados de tempo no português falado no Brasil. In _____ (org) . do português falado . Campinas: Editora UNICAMP, 1999. p. 443-459. [2] MANN, W.C. & THOMPSON, S. A. Rhetorical Structure Theory: a theory of text organization. ISI/RS-87-190, 1987. [3] MANN, W. C.; MATTHIESSEN, C. M. I. M.; THOMPSON, S. A. Rhetorical Structure Theory and text analysis. In: MANN, W. C.; THOMPSON, S. A. (eds.) Discourse description: diverse linguistic analyses of a fund-raising text. Amsterdam/Philadelphia: J. Benjamins, 1992. p. 39-77. [4] MATTHIESSEN, C.; THOMPSON, S. The structure of discourse and ‘subordination’. In: HAIMAN, J.; THOMPSON, S. (eds.) Clause Combining in Grammar and Discourse. Amsterdam/Philadelphia: J. Benjamins, 1988. p. 275-329. [5] NEVES, Maria Helena. Gramática de usos de português. São Paulo: Editora da UNESP, 2000.

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ABORDAGENS SOBRE A GESTÃO DE REDES PÚBLICAS DE COOPERAÇÃO

Karina Martins da Cruz1∗ 1Professora-pesquisadora da Universidade Aberta do Brasil (UAB/IFSC); Mestre em Geografia (UFSC).

1. Introdução Em face à concepção e fomento de redes públicas de cooperação no País, é inicialmente importante entender que as instituições públicas, privadas e terceiro setor, articulados entre si, não fogem de suas imbricações com os fatores ambientais, econômicos e sociais de uma determinada área geográfica.

O conceito de “redes” abrange reflexões sobre atuações coletivas e individuais, tocante as que dizem respeito à busca ou garantia de demandas políticas e socioeconômicas. Significa falar em circulação, comunicação e fluxo de informações que integram uma determinada porção territorial, seja ela um estado da federação, uma mesorregião, uma microrregião, uma região metropolitana, ou um conjunto de municípios com características semelhantes, desejando alcançarem metas de produtividade com um trabalho compartilhado, através de papéis e obrigações pré-definidas.

As redes de cooperação tornam-se um instrumento da gestão pública, buscando a solução de problemas comuns e a ampliação da capacidade produtiva que, isoladas, as instituições públicas, privadas e terceiro setor não teriam condições de gerir.

O envolvimento do setor público com o privado e o terceiro setor ocorre através de sistemáticas, dentre elas, as parcerias público-privadas (PPP), as concessões, o desenvolvimento regional, os consórcios intermunicipais e as redes estaduais ou municipais. Trata-se de mecanismos de governança, inovação e formas de avaliação da sustentabilidade das ações por parte da gestão pública, o que torna oportuno o estudo da matéria no curso de especialização à distância em Gestão Pública (UAB), já que é preciso disseminar a aplicabilidade de tais abordagens aos alunos dos diferentes municípios-pólo envolvidos.

Assim, o objetivo deste resumo consiste num levantamento teórico-prático e na análise de um mapa conceitual, detectando os possíveis gargalos que poderão aparecer na relação de ensino-aprendizagem com os alunos, durante a unidade curricular “Gestão de Redes Públicas de Cooperação”. 2. Método

A lógica para a realização da pesquisa é a de buscar uma interação entre os conceitos de PPP, concessões, desenvolvimento regional, consórcios intermunicipais, redes estaduais ou municipais. Dessa forma, este resumo pretende contribuir com um avanço no conhecimento, sabendo-se que inexiste um modelo de gestão administrativa voltado às redes [1].

Como as abordagens estarão sendo tratadas em um curso de ensino à distância, necessitam de simplificação de ideias e de exemplificações práticas, que pretendem ser alcançadas com a análise de um mapa conceitual. Mapas conceituais são ferramentas gráficas que visam organizar e representar um assunto, estruturados a partir de conceitos fundamentais e suas relações. 3. Resultados e Discussão As políticas industriais e tecnológicas envolvem o estabelecimento de áreas prioritárias de desenvolvimento com a adoção de medidas legais, administrativas e institucionais [2], constituindo a integração entre os envolvidos.

A gestão pública torna-se o Agente Indutor ou Organização de Suporte que mantém a sinergia, sendo instituições públicas, parapúblicas ou mesmo multilaterais que se comprometem com a formação de redes de micro, pequenas, médias empresas e terceiro setor, tomando-as como estratégia de desenvolvimento econômico regional. A localização e a gestão dos pontos de convergência levam à ampliação de escala nas ações empreendidas e na competitividade das empresas [3]. Mas, não se trata somente disso. A gestão de redes de cooperação é uma busca de meios para facilitar e descentralizar as ações da administração pública.

Este processo de novas relações entre o setor público e os entes da economia possui uma origem bastante recente, a partir da década de 1990, com as tentativas de integração competitiva e a expansão de grupos empresariais unidos ao governo para viabilizarem políticas para alguns setores industriais. Na década seguinte, a prioridade é aumentar a exportação e o fortalecimento do mercado interno buscando entendimentos dentro das regiões, o que desencadeou o surgimento de novas abordagens sobre a gestão de redes públicas de cooperação.

Segue uma tabela ilustrativa com a trajetória evolutiva das mudanças industriais e tecnológicas brasileiras:

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Década Política 1950/60 Modelo de substituição de importações 1970 (“Milagre Econômico”) Planos de Desenvolvimento Econômico 1980 (“Década Perdida”) Crise Inflacionária e esgotamento da política

industrial anterior 1990 Tentativa de Integração Competitiva, liberalização

da economia e privatizações Primeira década do século XXI O Estado como Indutor do Desenvolvimento

através das estatais, ativando setores da economia, e das parcerias com a iniciativa privada

Tab. 1 Evolução geral das políticas industriais brasileiras Fonte: Alterações da tabela contida na referência [2]

O papel do Estado como indutor do desenvolvimento é concebido através das suas instâncias

(nacional, estadual e municipal), porém, numa estrutura verticalizada na qual o governo federal responde pelas ações mais amplas e prioritárias da economia. A maior parte das PPP e Concessões de Serviços e Obras, por exemplo, acontecem através de licitações e contratações dos ministérios e autarquias federais com grandes empresas ou grupos. As PPP servem para suplantar o déficit de projetos estruturadores em áreas essenciais como transporte, energia, saneamento e saúde. As concessões possuem prazo indeterminado quanto à duração do contrato, sendo a exploração do serviço a única remuneração da empresa particular [4].

É questão ainda pouco explorada nos estudos, a relação entre os benefícios da criação de redes com os custos sociais de manutenção do Agente Indutor [3]. Afinal, a receita da gestão pública é convertida num suporte grupal e menos exclusivista (ou paternalista) ao setor privado em vistas de ampliar a inovação e sustentabilidade dos empreendimentos, empresas e entidades, proporcionando a capacidade de melhorar os níveis de emprego dos seus trabalhadores.

Buscado pelas três instâncias, o Desenvolvimento Regional é um paradigma da nossa sociedade. Na prática, é fruto da concentração geográfica das empresas, entidades e sua articulação com a gestão pública, ou seja, a competitividade regional advém da localização geográfica e logística como dinamizadores do entrelaçamento de empresas e instituições trabalhando em cooperação. Além das dificuldades enfrentadas pelas empresas, entidades participantes e pelos gestores das políticas públicas, as ações de promoção à cooperação têm sido refreadas pelas limitações gerenciais das redes apoiadas. Portanto, há necessidade de novas pesquisas em direção a um modelo para gestão de redes públicas de cooperação [1-2].

Existem abordagens e conceitos sobre o tema ainda pouco difundidos tanto no meio acadêmico quanto na governança de municípios. Nesse sentido, cabe entender os Consórcios Intermunicipais:

...são entidades que reúnem diversos municípios para a realização de ações conjuntas que se fossem produzidas pelos municípios, individualmente, não atingiriam os mesmos resultados ou utilizariam um volume maior de recursos. Os consórcios intermunicipais possuem personalidade jurídica (normalmente assumem a figura de sociedade civil), estrutura de gestão autônoma e orçamento próprio. Também podem dispor de patrimônio próprio para a realização de suas atividades. Seus recursos podem vir de receitas próprias que venham a ser obtidas com suas atividades ou a partir das contribuições dos municípios integrantes, conforme disposto nos estatutos do consórcio. Todos os municípios podem dar a mesma contribuição financeira, ou esta pode variar em função da receita municipal, da população, do uso dos serviços e bens do consórcio ou por outro critério julgado conveniente. (...) Normalmente, o principal agente de gestão dos consórcios é um Conselho de Administração, composto pelos prefeitos dos municípios integrantes. É interessante, também, incorporar representantes dos legislativos municipais e entidades da sociedade civil [5].

A sistemática de Redes Estaduais ou Municipais já é largamente utilizada, ligadas à estrutura de

atendimento dos serviços básicos da população, como saúde e educação. Por exemplo, há a rede pública estadual de ensino de Santa Catarina, atuando através de trinta e seis gerências de educação que monitoram a malha das unidades de ensino estaduais nas respectivas microrregiões. Cada uma das escolas possui direção

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geral e associação de pais e professores, este último como órgão consultivo da comunidade. A gestão pública do ensino é exercida pela Secretaria de Estado da Educação em conjunto com o Conselho Estadual de Educação. Entende-se que a definição de redes estaduais ou municipais necessita de análises e aprofundamento.

Propõe-se um mapa conceitual para contribuir com os estudos de pós-graduação dos alunos do curso de Gestão Pública:

GESTÃO DE REDES PÚBLICAS DE COOPERAÇÃORelação em rede da gestão pública com a iniciativa privada

NACIONAL ESTADUAL MUNICIPAL

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS (PPP)

Maior parte é de âmbito nacional ou estadual. É um contrato administrativo de concessão, excluindo de serviços ou obras públicas. Contrato entre 05-35 anos. (Lei Federal 11.079/04)

CONCESSÕES DE OBRAS E SERVIÇOS PÚBLICOS

Executada por uma única empresa ou consórcio de empresas, devendo atender as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na

prestação e modicidade das tarifas. Pode haver outorga de subconcessão por concorrência. Contratos de longo prazo são superiores a 05 anos. (Lei Federal 8.987/95)

DESENVOLVIMENTO REGIONAL

Paradigma amplo pelo qual se busca o desenvolvimento sustentável através das vocações regionais, tomadas como molas propulsoras da economia.

Sua origem é a formação de associações de

municípios no Brasil. Trata-se da gestão

compartilhada entre municípios e sociedade

civil. (Lei Federal 11.107/05)

CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS

REDES ESTADUAIS OU MUNICIPAIS

É o conjunto da organização física e administrativa das unidades de atendimento público e conveniadas.

Fig. 1 Mapa conceitual relacionando as cinco abordagens para o tema

Fonte: Elaboração da autora

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Com base no mapa conceitual, percebe-se que há uma distribuição homogênea das sistemáticas PPP e Concessões, ao menos previstas na lei federal, pois, no âmbito municipal ainda são reduzidas ou apenas direcionadas ao transporte público e coleta de lixo, por exemplo. A lei de consórcios públicos, dispositivo que regulamenta os consórcios intermunicipais, reitera a importância da participação municipal nas ações em cooperação. O desenvolvimento regional e as redes estaduais ou municipais podem advir de métodos próprios de trabalho, o que requer da investigação prática a formulação de estudos de caso. 4. Conclusão Contidas na ementa da unidade curricular a ser trabalhada no referido curso de especialização, as cinco abordagens sobre a gestão de redes públicas de cooperação possibilitam revelar a sua complexidade para a prática das aulas a nível teórico e metodológico. O mapa conceitual procura delinear as possibilidades de ação e as instâncias que compreendem tais sistemáticas. Os conceitos podem ser rediscutidos, sendo apenas um ponto de partida.

Conforme dito inicialmente, os alunos estarão divididos em municípios-pólo, tornando-se um dos objetivos da construção do ensino e pesquisa aliar a observação dos mesmos sobre cada realidade local com os conhecimentos adquiridos. É muito provável que os gestores públicos municipais tenham necessidade de inovação e sustentabilidade socioeconômica quanto a projetos e obras através das sistemáticas em apreço. Este fomento à gestão em cooperação pode diminuir a verticalidade da administração pública no que se refere às maiores ações ainda serem atribuídas ao plano nacional.

A gestão de redes públicas de cooperação enquanto um tema de análise e de finalidade prática, emergente e necessário para a atualidade, apresenta o desafio nobre de transformar o individualismo das empresas e entidades, colocando-as em parceria com a concorrência e otimizando junto à gestão pública o encontro de novas oportunidades de emprego e renda.

Os meios de cooperação firmados entre o público, o privado e o terceiro setor satisfazem à realização de ações mais abrangentes e de longo prazo. Pensar no coletivo significa pensar para o futuro. Esta nova postura sendo adotada pelas empresas em cooperação corrobora com um aumento na longevidade dos negócios e na responsabilidade social das mesmas. Referências [1] VERSCHOORE FILHO, J. R. de S. Redes de cooperação interorganizacionais: A identificação de atributos e benefícios para um modelo de gestão. Tese de Doutorado em Administração. Porto Alegre/RS, UFRGS, 2006. [2] RODRIGUES, A. M.; RODRIGUES, I. C. O desenvolvimento econômico regional no contexto do desenvolvimento sustentável. In: ENEGEP – Encontro Nacional de Engenharia de Produção, XXIII, 2003. Anais... Ouro Preto/MG, Associação Nacional de Engenharia de Produção, 2003. [3] CAVALCANTE, L. R. Resenha. TEIXEIRA, F. (org.). Gestão de Redes de Cooperação Interempresariais: em busca de novos espaços para o aprendizado e a inovação. Salvador/BA: Casa da Qualidade, 2005. In: Revista O & S. v.12, n.34, UFBA, Salvador/BA, julho/setembro 2005, p.163-165. [4] SCHAPPO, M. A Retomada do Crescimento no Setor Energético através da Concessão de Serviços e das Parcerias Público-Privadas (PPP). Dissertação de Mestrado em Geografia. Florianópolis/SC, UFSC, 2008. [5] VAZ, J. C.; CACCIA-BAVA, E. Consórcios Intermunicipais. In: Boletim DICAS – Ideias para a Ação Municipal. n.97. Disponível em:< http://www.polis.org.br/publicacoes/dicas/dicas_interna.asp?codigo=100> Acesso em: 30 jun 2010. Agradecimentos À Direção Geral e à Coordenação do Curso de Especialização à Distância em Gestão Pública, da Universidade Aberta do Brasil (UAB), sediada no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) - Campus Florianópolis.

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ANÁLISE DAS HABILIDADES COGNITIVAS REQUERIDAS DOS ACADÊMICOS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO DA UNESC, UTILIZANDO-SE DOS

INDICADORES FUNDAMENTADOS NA TAXIONOMIA DE BLOOM

Beatriz Casagrande de Assis1*; Edi Réus Junior1 1 Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC

1. Introdução As habilidades cognitivas estão relacionadas à memória e ao reconhecimento, envolvendo aspectos da percepção, processamento de informação e expressão[1]. Para Bloom et al[2], o conhecimento dessas habilidades intelectuais do domínio cognitivo é de extrema importância para o desenvolvimento curricular e, para os autores, é nesse domínio que se encontram as definições mais claras de objetivos educacionais. Por meio da Taxionomia de objetivos educacionais do domínio cognitivo desenvolvida por Bloom et al[2] é possível classificar estas habilidades cognitivas, expressas como objetivos educacionais, nos seis níveis cognitivos da Taxionomia de Bloom: Conhecimento, Compreensão, Aplicação, Análise, Síntese e Avaliação. Segundo Santana Junior, Pereira e Lopes[3], os níveis seguem uma linha hierárquica na qual os processos cognitivos são cumulativos, isto é, um nível cognitivo inferior dá o suporte a uma próxima categoria de nível superior. Baseado nos conhecimentos acerca da utilidade e relevância da Taxionomia de objetivos educacionais do domínio cognitivo, o objetivo central da pesquisa pode ser definido pela seguinte questão: Existe correspondência entre os objetivos educacionais selecionados e os demais componentes do plano de curso? 2. Método Optou-se por uma pesquisa bibliográfica e uma análise documental dos programas de ensino do curso de graduação em Administração da UNESC, para que os objetivos educacionais pudessem ser identificados e, então, categorizados por meio da Taxionomia de Bloom. As informações obtidas nesta fase da pesquisa serviram como base para a comparação com os resultados da análise dos objetivos educacionais do PPP. Para categorizar os objetivos educacionais nos níveis da Taxionomia de Bloom, utilizou-se uma lista de verbos com a qual se pode identificar os níveis cognitivos dos objetivos educacionais por meio de uma comparação entre os verbos presentes nesses objetivos e aqueles correspondentes a cada nível da Taxionomia de Bloom. 3. Resultados e Discussão Após a análise e a categorização dos objetivos educacionais dos planos de ensino e do PPP do curso de Administração, pôde-se compará-los para identificar a correspondência entre a complexidade cognitiva dos objetivos. Os resultados mostram diferenças na abstração das habilidades cognitivas dos objetivos registrados nos dois documentos. O nível Conhecimento, por exemplo, compreende a maior parte dos objetivos educacionais da análise dos programas de ensino (43,1%) e vai de encontro ao Projeto Político Pedagógico, no qual o nível Conhecimento abrange a menor parte dos objetivos educacionais (5,9%). Além disso, a presença de objetivos educacionais no PPP categorizados no nível Avaliação (11,8%) difere da ausência de objetivos educacionais pertencentes a este nível nos planos de ensino. Os níveis cognitivos que apresentam os resultados mais semelhantes são os seguintes: Aplicação, em 29,4% dos objetivos do PPP e 33,3% dos objetivos dos programas de ensino; e Análise, em 11,8% dos objetivos do PPP e 13,7% dos objetivos dos programas de ensino.

A categorização dos objetivos nos níveis Compreensão e Síntese também apresentou diferenças entre a análise do PPP e a dos planos de ensino. Ao nível Compreensão pertencem 23,5% dos objetivos educacionais apresentados pelo PPP e 7,8% dos objetivos dos programas de ensino. Por sua vez, o nível cognitivo Síntese compreende 17,6% dos objetivos educacionais do Projeto Político Pedagógico e 2,0 % dos objetivos apresentados nos programas de ensino analisados.

Segundo Whittington[4], os professores enfatizam cada vez mais a habilidade do pensamento crítico por parte dos alunos, o qual está relacionado ao desenvolvimento de processos cognitivos de níveis superiores da Taxonomia de Bloom. A autora ainda afirma que a divisão da hierarquia da Taxonomia ocorre entre os níveis de processamento cognitivo superiores - níveis de Aplicação, Análise, Síntese e Avaliação - e os níveis de processamento cognitivo inferiores – níveis do Conhecimento e Compreensão. Utilizando-se dessa divisão dos níveis cognitivos, observou-se que o Projeto Político Pedagógico enfatiza objetivos educacionais classificados nos níveis de processamento cognitivo superiores, uma vez que 70,6% dos objetivos se enquadram nesses níveis. Os programas de ensino, no entanto, mostram que a maioria (51%) dos

* Beatriz Casagrande de Assis: [email protected]

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objetivos educacionais é classificada nos níveis de processamento cognitivo inferiores, sendo que 43,1% desses objetivos pertencem unicamente ao nível Conhecimento. 4. Conclusão Os resultados da análise dos programas de ensino mostraram que a maioria dos objetivos educacionais está escrita nos níveis cognitivos Conhecimento e Aplicação. Muitos estudos já conduzidos demonstram que a instrução na sala de aula é frequentemente realizada nos níveis inferiores da Taxionomia de Bloom, principalmente nos níveis Conhecimento e Compreensão[5,6]. No entanto, a ocorrência de 33,3% dos objetivos no nível Aplicação, o qual pertence à categoria de processamento cognitivo superior, não é uma tendência que pôde ser observada nesses estudos prévios. Os resultados desta análise foram então comparados com aqueles obtidos em uma análise similar dos objetivos educacionais observados no Projeto Político Pedagógico. O estudo mostrou que a maior parte dos objetivos de aprendizagem do PPP se encontra categorizada nos níveis de processamento cognitivo superiores. Observou-se também uma tendência inversa na complexidade cognitiva dos objetivos do PPP quando estes foram comparados com os objetivos dos planos de ensino. Ao nível Conhecimento, por exemplo, pertencem 5,9% dos objetivos educacionais do PPP, contra 43,1% dos planos de ensino. Nota-se, portanto, que não há uma correspondência significativa entre os objetivos educacionais dos documentos analisados. Para que o alinhamento da complexidade cognitiva dos objetivos ocorra, a Taxionomia de Bloom pode ser utilizada para elevar a carga cognitiva desses objetivos de aprendizagem[7]. Faz-se necessário também a utilização de recursos didático-pedagógicos e metodologias diferenciadas de ensino que ofereçam suporte para o ensino em níveis de processamento cognitivo superiores. Para Tom[8], o ensino superior deve desenvolver habilidades de pensamento de níveis cognitivos superiores nos estudantes, para que estes deixem a universidade com o conhecimento, as habilidades e a disposição necessária para o sucesso profissional. A Taxionomia de Bloom é apontada por Nordvall e Braxton[9] como uma ferramenta para avaliar o nível de compreensão do conteúdo do curso pelos acadêmicos, a fim de identificar a qualidade institucional. Deste modo, a Taxionomia de objetivos educacionais do domínio cognitivo[2] pode ser usada como um instrumento de auxílio no desenvolvimento de programas de ensino e do Projeto Político Pedagógico, além de servir no acompanhamento da qualidade do ensino em sala de aula. Referências [1] FONSECA, V. Cognição e aprendizagem. Lisboa: Âncora, 2001. [2] BLOOM, Benjamin S et al. Taxionomia de objetivos educacionais. 6 ed. Porto Alegre: Editora Globo, 1977-1983. 3v [3] SANTANA JUNIOR, J.J.B.; PEREIRA, D.M.V.G.; LOPES, J.E.G. Análise das habilidades cognitivas requeridas dos candidatos ao cargo de contador na administração pública federal, utilizando-se indicadores fundamentados na visão da Taxonomia de Bloom. Revista de Contabilidade e finanças, São Paulo, v. 19, n. 46, p. 108 – 121, jan./abr. 2008. [4] WHITTINGTON, M.S. Improving the cognitive level of college teaching: a successful faculty intervention. Journal of Agricultural Education, v.39, n.3, 1998. [5] EWING, John C. Teaching techniques, and cognitive level of discourse, questions, and course objectives, and their relationship to student cognition in college of agriculture class sessions. 2006. 189 f. Dissertação (Doutorado em Filosofia) - The Ohio State University, Columbus, Ohio. [6] WHITTINGTON, M.S. Higher order thinking opportunities provided by professors in college of agriculture classrooms. Journal of Agricultural Education, v.36, n.4, p.32 -38, 1995. Disponível em: http://202.198.141.77/upload/soft/001/36-04-32.pdf. Acesso em 24 de junho de 2010. [7] RATHS, James. Improving Instruction. Theory into practice, Athens, v.4, n.4, p. 233-237, 2002. [8] TOM, A. R. Redesigning teacher education. Albany, NY: State University of New York, 1997. [9] NORDVALL, R. C.; BRAXTON, J. M. An alternative definition of quality of undergraduate college education. Journal of Higher Education, v.67, n.5, p.483-497, 1996.

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COMPETÊNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS PREMISSAS DA ECOEFICIÊNCIA.

Luciano Munck; Bárbara Galleli Dias*; Rafael Borim de Souza

Universidade Estadual de Londrina

1. Introdução Quando as diversas variáveis que compõem os modelos de gestão organizacional são estudadas, é

possível perceber que a maioria delas não está conscientemente articulada e voltada para a sustentabilidade das redes ou processos a que pertencem ou formam. Observa-se também que poucos estudos discutem a relação do modelo de gestão com a sustentabilidade e que, até então, os modelos de gestão evoluem com foco exclusivo no aumento da competitividade. A descrição das competências essenciais de uma organização, e sua estruturação por meio de um modelo pode ser um ponto inicial para o desenvolvimento do planejamento estratégico organizacional alinhado às necessidades organizacionais que envolvem os aspectos econômicos e socioambientais. Nesse sentido, a gestão por competências, pode ser opção para compreender e integrar a rede que permitirá respostas aos anseios sociais por ações organizacionais voltadas para a sustentabilidade. Ao exigir a interligação entre indivíduos e organizações, a gestão por competências propicia uma ambiência facilitadora de discussões sobre as problemáticas da organização, tanto as relacionadas às responsabilidades econômicas, quanto às socioambientais. Por este contexto, tomando-se como princípio, justificado a seguir, que a capacidade de desenvolver-se de forma sustentável é uma competência organizacional, e a ecoeficiência destaca-se como uma competência foco, chega-se a pergunta que originou o presente estudo: “como desenvolver a competência capacidade de desenvolver-se sustentavelmente a partir das premissas da ecoeficiência”? Por meio dos elementos da ecoeficiência, propostos pelo World Business Council for Sustainable Development – WBCSD1 – tratados aqui como competências organizacionais, este trabalho irá buscar investigar em uma empresa do setor energético do Paraná se seu programa de ecoeficiência realmente envolve todas as competências estipuladas. 2. Método

A abordagem do problema deu-se de maneira qualitativa, por ser esta uma forma adequada de entender a natureza de um fenômeno social. O objetivo do estudo foi analisado do ponto de vista exploratório, uma vez que se busca conhecer as características de um fenômeno, para procurar, em um momento posterior, explicações de suas causas e conseqüências. Em relação às estratégias de pesquisas abordadas, este estudo classifica-se como bibliográfico, uma vez que pretende conhecer, analisar e explicar contribuições ao tema abordado. Foi realizado um levantamento teórico-metodológico de temas que suportam a problemática apresentada pelo presente artigo (MARTINS; THEÓPHILO, 2007).

Para uma segunda etapa, uma vez que o projeto objetiva explorar e descrever as inter-relações entre a gestão por competências e a ecoeficiência, optou-se pelo estudo de caso. A população da pesquisa a ser desenvolvida é formada pelas empresas brasileiras que reportaram publicamente seus relatórios de sustentabilidade no ano de 2009 em conformidade ao documento ‘Diretrizes para Relatórios Sustentáveis’ elaborado e publicado pela Global Reporting Initative (GRI2). Em pesquisa ao site da GRI, foi possível constatar que 41 empresas brasileiras publicaram e disponibilizaram relatórios sustentáveis nos padrões estabelecidos, neste ano. A partir da análise dos 41 relatórios, foram selecionados os enquadraram no nível de aplicação A+ (sete deles), pois são obrigados a discorrer sobre o indicador LA11 elaborado pela GRI. Este indicador trata sobre programas para gestão de competências e aprendizagem contínua que apóiam a continuidade da empregabilidade dos funcionários e para gerenciar o fim de carreira.

A amostra foi definida de maneira não-probabilística e por conveniência, e assim, foi selecionada pelo critério de localização a Companhia Paranaense de Energia – Copel –, a maior empresa do Paraná a qual atua com tecnologia de ponta nas áreas de geração, transmissão e distribuição de energia, além de

* Bárbara Galleli Dias: [email protected] 1 WBCSD. O WBCSD é uma associação mundial a qual envolve mais de 200 companhias de 30 diferentes países e 20 setores industriais distintos, com o objetivo de lidar exclusivamente com negócios e desenvolvimento sustentável. Ademais, promove o compartilhamento de conhecimentos, experiências e melhores práticas na defesa de posições empresariais favoráveis à sustentabilidade. Trabalha com organizações governamentais, não-governamentais e intergovernamentais (WBCSD, 2000). 2 GRI. A GRI busca satisfazer a necessidade de uma comunicação clara e transparente, em um âmbito global de compartilhamento de estruturas de conceitos apresentados, através de uma estrutura confiável para a elaboração de relatórios de sustentabilidade, possível de ser utilizada por organizações de todos os tamanhos, setores e localidades. (GRI, 2009).

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telecomunicações Os processos de pesquisa ocorrerão em momentos seqüenciais, por vezes simultâneos e recorrentes, objetivando aperfeiçoamento, descritos a seguir:

PROCEDIMENTO DESCRIÇÃO

Pesquisa bibliográfica Levantamento teórico-metodológico sobre sustentabilidade e competências e suas inter-relações.

Seleção da amostra Optou-se, através do critério da adequabilidade, pelas empresas que compõem o GRI que tenham modelos de gestão por competências implantados.

Entrevista em profundidade Serão entrevistados os gestores dos modelos de competências e dos programas ou projetos de sustentabilidade.

Pesquisa documental A partir do relatório, pretende-se mapear e organizar os indicadores, tratados como um parâmetro que apresenta informações significativas sobre ações voltadas para inserção social e justiça socioambiental.

Análise e discussão A partir da triangulação das informações advindas das entrevistas, das proposições teóricas e análise do fluxo causal hipotético, espera-se melhor expor as respostas desta pesquisa.

Tab. 1 – Processos de pesquisa. Fonte: elaborado pelos autores.

Para análise e tratamento dos dados, serão utilizadas as análises documental e de conteúdo, a qual tem

como pressuposto tornar objetivo o conteúdo das entrevistas realizadas. A referida análise utiliza um conjunto de técnicas de análise de comunicação, com vistas, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, a obter indicadores, quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens (BARDIN, 1977). 3. Resultados e Discussão

Ao integrar os aspectos do capital natural ao seu ambiente, as organizações necessitam de ações estratégicas efetivas, as quais irão proporcionar melhorias ao desempenho ambiental das empresas, se elaboradas e desenvolvidas apoiadas em padrões tradicionais de comportamento, e principalmente, em competências existentes (BLEISCHWITZ, 2003). Em um ambiente envolvido por ações estratégicas, as competências representam os conceitos mais recentes que explicam o teor competitivo das empresas. A ecoeficiência será tratada aqui como competência foco (MILLS et. al, 2002), estas agregam um valor diferenciado aos clientes das empresas e são articuladas por evoluções exigidas pelas ações estratégicas das empresas em conformidade ao produto e mercado em que atuam. A busca pela identificação de sua vantagem competitiva leva a organização a posicionar-se comparativamente frente aos concorrentes. Assim, a descrição das competências foco de uma organização, e a estruturação das mesmas através de um modelo pode ser um ponto inicial para o desenvolvimento dos planejamentos estratégicos.

Fleury e Fleury (2008, p.30) articulam um conceito de competência que o aproxima dos preceitos da sustentabilidade: “um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”. Destarte, indivíduos, equipes e organizações competentes são potencialmente capazes de gerar alto valor para a sociedade. A gestão por competências, portanto, frente à sua estrutura e pilares, pode ser compreendida como uma resposta aos anseios sociais por ações organizacionais voltadas para a sustentabilidade. Ao interligar e aproximar indivíduos e empresas, a gestão por competências propicia uma ambiência facilitadora de discussões sobre as problemáticas da organização, tanto as relacionadas às responsabilidades econômicas, quanto às socioambientais.

Asadi et. al (2008) explicam que as pessoas compõem um fator crítico para o desenvolvimento sustentável econômico e humano das organizações. Ademais, ganham importância ao participar do desenvolvimento sustentável organizacional, no sentido de orientar o coletivo para o seu alcance, pois, para tornarem-se sustentáveis, os desenvolvimentos econômico e social devem manter ou até aperfeiçoar os recursos ecológicos com vista a amparar as futuras gerações e evitar efeitos no presente. Por esta razão, através das contribuições de John Elkington (1999) com a estrutura do o TBL, e de Mills et al. (2002) com as categorias de competência, foi considerado que a competência organizacional ‘capacidade de desenvolver-se sustentavelmente’ é composta de três competências foco também organizacionais, a saber: inserção social, justiça socioambiental e ecoeficiência.. Tais competências resultam de integrações aleatórias realizadas entre: desenvolvimento social, desenvolvimento econômico e preservação e conservação ambiental, como ilustra a figura 2.

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Fig. 2 Fluxo causal hipotético, a ser testado, relacionando competências à sustentabilidade FONTE: elaborado a partir das discussões teóricas.

Tais fatores foram classificados como competências foco uma vez que referem-se às atividades mais

importantes para a empresa, são essenciais para sua sobrevivência e centrais para sua estratégia. Constata-se que estes três fatores são críticos e devem ser discutidos, haja vista a união entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento social promove inserção social; através da interação entre preservação e conservação ambiental e desenvolvimento social alcança-se a justiça socioambiental; e, a integração entre desenvolvimento econômico e preservação e conservação ambiental produz a ecoeficiência. Como já mencionado, para a presente pesquisa a sustentabilidade organizacional é admitida como uma competência organizacional, em que esta é entendida como a expressão de “competências coletivas associadas as atividades-meio e às atividades-fins” das organizações (FLEURY; FLEURY, 2008, p.34). Desse modo, é primordial compreender que para atingir tal competência é preciso antes percorrer os trajetos da inserção social, da justiça ambiental, e da ecoeficiência.

O enfoque do presente trabalho na competência foco ecoeficiência deve-se ao fato de que a necessidade desta surge para simultaneamente atender ao consumo em ascensão de uma população cada vez mais global e para alcançar uma qualidade ecológica justa. É primordial compreender como a sociedade pode sustentar um alto padrão de vida com alta qualidade ambiental, em meio a inúmeras externalidades, dos quais grande parte refere-se à ecoeficiência (HUPPES; ISHIKAWA, 2005). Além disso, Lorenzetti, Cruz e Riciolli (2008) argumentam que dada a importância reconhecida nos temas ambientais por governos e organizações em todo o mundo, são as medidas ecoeficientes as que gozam de maior consenso e aplicação.

Com base nas diretrizes do WBCSD (2000), ao considerar a estreita relação entre sustentabilidade e economia, é possível destacar sete dimensões da ecoeficiência aplicáveis para toda empresa que forneça produtos e serviços, modifique processos ou qualquer outra ação que tenha correlação com o meio ambiente. São as seguintes: reduzir a intensidade do consumo de materiais em produtos e serviços; reduzir a intensidade do consumo de água e energia em produtos e serviços; reduzir a dispersão de compostos tóxicos; promover a reciclagem; maximizar o uso de recursos renováveis; estender a durabilidade dos produtos; e aumentar a intensidade do uso de produtos e serviços. Em referência ainda à figura 2, e às definições de Mills et al. (2002) acerca das competências organizacionais, entende-se que estas sete dimensões são competências a serem desenvolvidas necessariamente pela organização, a fim de que seja alcançada a ecoeficiência. O autor defende a classificação das competências organizacionais em competências distintivas, competências da unidade de negócio, competências de apoio e capacidade dinâmica.

Competência Classificação Objetivo Otimização do consumo de materiais em produtos e serviços Competências de apoio Reduzir a intensidade do consumo de materiais em

produtos e serviços; Otimização do uso de água e de energia em produtos e serviços Competências de apoio Reduzir a intensidade do consumo de água e

energia em produtos e serviços Minimização da dispersão de compostos tóxicos

Competência de unidade de negócio Reduzir a dispersão de compostos tóxicos

Promoção da reciclagem

Reciclagem externa: competência distintiva Reciclagem interna: competência de apoio

Promover a reciclagem no ambiente interno e externo da empresa

Maximização do uso de recursos renováveis

Competência de unidade de negócio Maximizar o uso de recursos renováveis

Extensão da durabilidade dos produtos Distintiva Estender a durabilidade dos produtos

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Aumento da intensidade do uso de produtos e serviços Distintiva Aumentar a intensidade do uso de produtos e

serviços Tab. 2 Competências para a ecoeficiência FONTE: elaborado a partir das finalidades do trabalho

4. Contribuições Esperadas

A partir dos dados coletados em entrevistas e em documentos sobre a empresa em estudo, almeja-se averiguar se seu programa de ecoeficiência realmente envolve todas as competências estipuladas, a partir da tabela 2. De fato, a operacionalização deste estudo irá abrir oportunidades para novos questionamentos relacionados ao tema. Espera-se integrar conceitos capazes de responder e jogar luz em questões em aberto e obscuras, tais como: qual o melhor caminho para orientar a formação de competências ecoeficientes para desenvolver-se sustentavelmente? Quais dessas, as competências mais requeridas para atender aos anseios do desenvolvimento sustentável? Não só se justificam como mostra o quanto estes estudos são necessários.

Assim, construir respostas que melhor expliquem as relações propostas, até então consideravelmente ausentes em estudos científicos, permitirá, no mínimo, estabelecer um debate que crie novos rumos objetivos para tratar as questões em análise. A descrição das competências essenciais de uma organização, e sua estruturação por meio de um modelo pode ser um ponto inicial para o desenvolvimento do planejamento estratégico organizacional alinhado às necessidades organizacionais que envolvem os aspectos econômicos e socioambientais. Nesse sentido, a gestão por competências, fundamentando-se em sua estrutura e pilares, pode ser opção para compreender e integrar a rede que permitirá respostas aos anseios sociais por ações organizacionais voltadas para a sustentabilidade, por meio da ecoeficiência.

Se comprovada e explicada a relevância da complementaridade e integração dos fenômenos envoltos neste estudo, almeja-se que as organizações tenham à sua disposição um quadro de análise que orientará os gestores no alcance de melhor efetividade na busca por melhores indicadores principalmente da ecoeficiência, mas também da justiça socioambiental e da inserção social. Fato que provocará a exigência da formação de indivíduos capazes não só de atuarem conscientemente frente às propostas organizacionais, mas também capazes de observarem a robustez das ações de sustentabilidade praticadas. Referências ASADI, A.; AKBARI, M.; FAMI, H.S.; IRAVANI, H.; ROSTAMI, F.; SADATI, A. Poverty alleviation and sustainable development: the role of social capital. Journal of Social Sciences, v.4, n.3, p.202-215, 2008. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70, 1977. BITENCOURT, C.C. Gestão de competências e aprendizagem nas organizações. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2005. DYLLICK, T.; HOCKERTS, K. Beyound the business case for corporate sustentability. Business Strategy and the environment. v.11, 2002, p.130-141. FLEURY, A.; FLEURY, M.T.L. Estratégias empresariais e formação de competências: um quebra-cabeça caleidoscópico da indústria brasileira. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2008. HUPPES, G.; ISHIKAWA, M. A framework for quantifies eco-efficiency analysis. Journal of Industrial Ecology, v.9, n.4, 2005, p.25-41. MARTINS, G.A.; THEÓPHILO, C.R. Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas. São Paulo: Atlas, 2007. McCLELLAND, D. Testing competence rather than for inteligence. American psycologist. v.28, 1973, p.1-14. MONTIBELLER F., G. Empresas, desenvolvimento e ambiente: diagnóstico e diretrizes de sustentabilidade. Barueri: Manole, 2007 MUNCK, L. Estratégia empresarial, aprendizagem e competências: análise de suas inter-relações em uma empresa de telecomunicações do Norte do Paraná. Tese (Doutorado em Administração) – FEA - Universidade de São Paulo, 2005. PIOTTO, Z.C. Eco-eficiência na Indústria de Celulose e Papel - Estudo de Caso. Tese (Doutorado em Engenharia) – Escola Politécnica – Engenha Sanitária e Hidráulica - USP. Universidade de São Paulo, 2003 SAVITZ, A. W.; WEBER, K. A empresa sustentável: o verdadeiro sucesso é lucro com responsabilidade social e ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. SOUZA, C.R, SALGADO, J.M. O Repasse de Modismos: Considerações Teóricas Sobre a Questão Ambiental na Formação de Administradores. In: ENANGRAD - Encontro Nacional dos Cursos de Graduação em Administração, 13. 2002, Rio de Janeiro. Anais..., ANGRAD, 2002. WBCSD - World Business Council for Sustainable Development. A eco-eficiência: criar mais valor com menos impacto. Lisboa, 2000.

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INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS: O CASO DE UMA EMPRESA CATARINENSE DE TECNOLOGIA

William Ramos*, Thiago Caon

Graduandos do Curso de Administração Empresarial pela Universidade do Estado de Santa Catarina 1. Introdução As oportunidades de negócio encontradas no comércio exterior são inúmeras. Dados publicados pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) apontam que o montante do comércio exterior mundial alcançou a marca dos 16,415 trilhões de dólares em 2008 (período anterior à crise financeira mundial). Deste valor, destaca-se a proporção pertinente ao setor de serviços, como afirma o MDIC [1]:

A atividade terciária, em todo o mundo, representa 50% dos custos de produção e mais de 50% dos empregos globais. Apesar de 75% do comércio mundial de serviços concentrar-se em nações desenvolvidas, sua importância para as economias em desenvolvimento vem se mostrando cada vez mais significativa. Os serviços representam aproximadamente 80% do PIB nos países desenvolvidos e quase 60% do PIB brasileiro. O conteúdo de serviços na indústria manufatureira e a dependência dessa indústria em relação às atividades terciárias são crescentes.

Verificado o potencial de crescimento para a atividade, o presente estudo focaliza o processo de internacionalização de uma empresa catarinense de tecnologia. Apesar de a pesquisa ter o comportamento da firma como ponto central, é indispensável citar a importância do comércio exterior para o desenvolvimento e sustentabilidade da economia como um todo, sob um ângulo macro. Keedi (2007, p. 20) [2] reforça a idéia, salientando que “a importação de mercadorias de vários países poderá eliminar ou minimizar os problemas nacionais, assim como a exportação também ampliará os mercados para escoamento de uma produção que poderá ter seu consumo diminuído em seu mercado interno”. Para usufruir tais oportunidades, é necessário que a empresa esteja preparada para encarar o que a espera além fronteiras. Certamente não há apenas benesses, mas também muitas ameaças, algumas das quais inimagináveis aos empreendedores que desconhecem os novos mercados, tais como: atitudes do consumidor, cultura de consumo, riscos políticos e econômicos, tributação, logística, tecnologia, legislação, dificuldades linguísticas e concorrência multinacional. A fim de fazer frente aos desafios supracitados, é cada vez mais frequente no cotidiano das empresas brasileiras que passam por processo de internacionalização, a definição de uma estratégia de negócios voltada ao mercado externo. Seja motivada pela busca de novos consumidores, de conhecimento especializado, redução de risco ou como manobra competitiva frente à concorrência, a operação de atividades em outros Estados requer estudo e planejamento. O presente estudo procura mostrar alguns flancos e fases do processo de internacionalização do ponto de vista de uma empresa de tecnologia, desenvolvedora de softwares para a automação da indústria de moda e confecção, durante o período compreendido entre 1996 e 2009. Sediada em Florianópolis, a organização encontra-se, hoje, presente em mais de trinta países na África, América, Ásia e Europa. Além disso, é traçado um paralelo entre os dados observados e a teoria publicada sobre o tema. 2. Método A presente pesquisa classifica-se como estudo de caso qualitativo, exploratório e descritivo. Segundo Malhotra (2001) [3], o objetivo da pesquisa exploratória é justamente explorar um problema ou uma situação para prover critérios e compreensão do objeto de análise, o que vai ao encontro da pretensão desta investigação. Traça-se como descritivo, dado que inclui a descrição do processo de internacionalização e as alterações ocorridas na estrutura e estratégia da empresa no período averiguado. É, ainda, qualitativo porque proporciona melhor visão global do problema e compreensão do contexto do processo analisado. Não sendo necessária, todavia, uma análise estatística aprofundada, nem mesmo obter dados primários quantificados, pois a descrição do problema de pesquisa não requer caráter matemático. Fontes de informação e dados foram coletados a partir de instrumentos adequados à estratégia desta pesquisa, sendo utilizadas, portanto, fontes primárias e secundárias. Sobre estas, Marconi e Lakatos (1992) [4] salientam que sua finalidade básica é colocar o pesquisador em contato direto com aquilo que foi escrito sobre determinado assunto. Pode-se então analisar e manipular as afirmações com base em dados e estudos

* Autor Correspondente: [email protected]

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anteriores e traçar um paralelo. Já as fontes primárias referem-se àquilo que é gerado pelo pesquisador com a finalidade de responder as suas perguntas de pesquisa e solucionar o problema em pauta. As fontes de coleta de dados incluíram: pesquisa documental nos arquivos da organização, anuários, guias e índices de sociedades de classe, pesquisa bibliográfica em publicações acadêmicas, livros e revistas especializadas, assim como entrevistas semi-estruturadas com colaboradores que participaram do processo de internacionalização da empresa e observação. 3. Resultados e Discussão A pesquisa bibliográfica realizada neste estudo revelou diversos vieses sobre a internacionalização, sendo a “Teoria das Vantagens Comparativas”, também conhecida como Ricardiana, uma das pioneiras. Apóia a troca de mercadorias/serviços entre países ao defender a idéia de que cada nação se especialize nas atividades que é mais eficiente e exporte uma parcela desta produção a Estados cuja eficiência manufatureira deste tipo de produto seja menor. Do mesmo modo, deve importar de países mais eficientes os produtos que não tenha conhecimento suficiente para produzir a um custo mais baixo. O fato de cada país deixar de utilizar recursos em processos cujo know-how produtivo seja menor que outro, permite que tais recursos sejam utilizados naquelas atividades que apresentam resultados mais eficazes. Quando os Estados conseguem realizar a troca de suas produções, isto é, executam o comércio internacional, ambos são beneficiados, pois consomem bens ou serviços de melhor qualidade, a um custo produtivo mais baixo. Teriam ambos os países um efeito positivo sobre o bem-estar nacional, fomentando sustentabilidade econômica e inovação tecnológica acelerada na produção de suas especialidades. O Modelo de Heckscher-Ohlin (HO), desenvolvido no século XX, também conhecido como Teoria das Proporções dos Fatores, constitui uma adaptação moderna à teoria Ricardiana. Além do fator de produção trabalho, o Modelo de HO leva em consideração outros fatores, como capital e terra na aquisição de vantagem competitiva pelos Estados. Ultrapassando a linha de pensamento econômico para atingir o viés da Teoria do Comportamento Organizacional, a partir da década de 1970, pesquisadores da Universidade de Uppsala, na Suécia, desenvolveram um estudo pioneiro do processo de internacionalização, que passa a abranger aprendizagem, cultura e network na aquisição de conhecimento pela firma. Buscava-se saber como as empresas escolhiam os mercados de atuação e suas formas de entrada, quando decidiam se internacionalizar. A hipótese defendida pela Escola Nórdica é baseada na teoria de diversificação da firma, de Penrose (1959) [5], que argumenta que o limite de crescimento da empresa é limitado pela organização dos seus recursos humanos e não pela demanda existente. Logo, o crescimento estaria relacionado a um processo evolutivo de aquisição de conhecimento através da experiência coletiva, de realização de tarefas organizacionais, acumulada ao longo dos anos. Seguindo este raciocínio, pesquisadores nórdicos defenderam que o crescimento da firma tem laços estreitos com a tomada de decisão, cujo processo inclui a busca de informação, e que esta não é fornecida, mas deve ser obtida pela companhia. A Escola Nórdica (Uppsala) salienta também a importância de analisar a organização como uma rede de relacionamento que aprende através da experiência. Cyert e March (1963) [6], influenciadores desta linha, apontam que isto dependeria, contudo, da capacidade de absorver o aprendizado e da estrutura dos relacionamentos entre as firmas. Entretando, estudos em firmas americanas que passaram por internacionalização, realizados por Aharoni (apud Rocha, 2002) [7], concluíram que as empresas não utilizam processos decisórios sofisticados. Situações como momento propício, oportunismo e coincidência, caracterizam os fatores responsáveis pelo início de operação em mercados estrangeiros. Estes conceitos dão suporte à visão dos estudiosos de Uppsala que examinam as organizações como unidades heterogêneas. Pautada nos estudos fornecidos pelos teóricos supracitados, a Escola Nórdica pesquisou o processo de internacionalização de empresas manufatureiras suecas. Pressupôs-se que o nível de incerteza relativo ao novo mercado seria o ponto chave na decisão de internacionalizar. Sendo que a incerteza é tão maior quanto mais distante psiquicamente estiver o mercado alvo e que a partir do aprendizado organizacional, sucessivamente, a empresa alcançaria maiores níveis de envolvimento. Segundo Amatucci (2009, p.35) [8], a distância psíquica comentada pelos teóricos de Uppsala é definida como “a soma dos fatores que impedem o fluxo de informações de e para o mercado estrangeiro (diferenças de linguagem, de cultura, de desenvolvimento industrial, etc.)”. Outro ponto defendido é que o aprendizado do processo de internacionalização ocorreria passo a passo, a partir do acúmulo de conhecimento adquirido através do processo experiencial. Carlson (1966, p. 15) [9] aborda o tema com a seguinte afirmação “once the firm has passed the cultural barriers and had its first experience of foreign operations, it is generally willing to conquer one market after another”.

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A vantagem mais relevante do modelo de Uppsala é o seu êxito ao conseguir descrever o processo de internacionalização de boa parte das empresas, utilizando um número não muito grande de variáveis. Obras posteriores concluíram que o modelo possui restrições quando aplicado a introdução em mercados ou firmas altamente internacionalizados. Para Johanson e Mattson (1988) [10], outros fatores, como forças competitivas, superariam a distância psíquica, incluindo-se, para tanto, a compreensão das redes de relacionamento – networks. Observa-se, ainda, que existem grandes diferenças nos processos de internacionalização nos diversos países, conforme Toyne e Nigh (1997) [11], uma vez que cada região sofreu e sofre influências particularizadas, seja na preparação empresarial, apoio estatal e, mesmo, em sua história econômica. Os modelos apresentados até o momento, como exposto, são baseados em experiências e pesquisas realizados nas suas respectivas regiões, cujas características econômicas e organizacionais diferem das encontradas no Brasil e dificultam sua adaptação a realidade nacional. Visão defendida por Kraus (2006) [12], em seus estudos sobre o processo de internacionalização de cinco empresas produtoras-exportadoras catarinenses. Este modelo leva em consideração o fato de que as empresas podem retroceder no processo de internacionalização, sob uma ótica dinâmica e não-mecanicista, e que seus níveis de comprometimento não necessariamente precisam ser seqüenciais. Seu modelo é composto por quatro grandes etapas chamadas de: pré-envolvimento; envolvimento experimental; envolvimento ativo e envolvimento comprometido. Dados coletados nas entrevistas realizadas junto a colaboradores da empresa apontam situações em conformidade tanto com a teoria Nórdica, quanto com o Modelo de Kraus. Por exemplo, seu primeiro mercado exportador foi a Argentina, país cuja distância psíquica do Brasil é bastante pequena, tanto por fatores legais de exportação (como facilidades propostas pelo MERCOSUL), de comunicação (idioma de fácil compreensão) e ainda, mais aparente, proximidade geográfica. Outra evidência apontada por Uppsala que pôde ser observada no comportamento da organização pesquisada diz respeito ao aprendizado adquirido através do processo experiencial. Aspecto notado pela entrada passo a passo em novos países, ao longo do tempo em que a firma foi agregando conhecimentos práticos de internacionalização, e do aprofundamento dos níveis de envolvimento nestes mercados, culminando no mais alto envolvimento: o investimento direto no estrangeiro, com a abertura da primeira subsidiária de vendas da empresa, na Colômbia, em 2009. Todavia, o pressuposto da Teoria Nórdica de que as empresas apresentam tendência de penetrar em mercados de menor distância psíquica, é contrariado pelo comportamento da empresa. A Turquia, entre 2007 e 2009, por exemplo, tornou-se um dos maiores mercados em nível de vendas e faturamento líquido da companhia, após uma estratégia bem sucedida de penetração. Este país foi selecionado para receber esforços de vendas de maneira proativa, em detrimento de outros cuja distância psíquica é bem menor, tais como Chile, Uruguai e Portugal, mais próximos linguística, cultural e geograficamente. Levando em consideração o Modelo de Kraus, percebe-se que o primeiro estágio (pré-envolvimento) é traçado pela empresa nos seus primeiros quatro anos de vida, no qual há foco na demanda doméstica, mas também se busca informações sobre mercado externo. De acordo com este mesmo modelo, o próximo passo seria tornar-se exportador irregular e, por conseguinte, exportador passivo, fato que não se observa no comportamento da organização. Não foi exportador irregular, pois logo após a primeira remessa internacional seguiu-se um fluxo perene de exportações. Também não se classifica como exportador passivo, pois desde o princípio de suas atividades internacionais a companhia empreendeu ações práticas no âmbito comercial, não utilizando de empresa trading ou comercial exportadora. A terceira fase proposta por Kraus denomina-se desenvolvimento ativo e compreende outros dois estágios: o de empresa exportadora pré-ativa e o de empresa exportadora ativa. Onde, supostamente, a empresa tomaria ciência de sua passividade e procuraria atuar de maneira menos apática, a partir de uma mudança de foco, da produção para o mercado. Na empresa pesquisada, este comportamento esteve presente desde o início das operações. De fato, por menos de dois anos, entre 1996 e 1998, pode-se considerar que a empresa cursou o estágio pré-ativo – ao procurar novos mercados para atuar com um mínimo de agentes atravessadores – passando logo para exportadora ativa, minimizando a autoridade dos agentes de compra. Na última etapa proposta pelo Modelo de Kraus, definida como envolvimento comprometido, a empresa atua em vários países, procura uma adequação a cada mercado e público-alvo, a partir de produtos/serviços específicos e serviços complementares, como pós-venda, que se ajustam ao nível demandado por cada nicho consumidor. Geralmente se descobre novas oportunidades de negócio como implantação de escritório de vendas ou subsidiária de produção. Ocorre uma aproximação natural com cada mercado e são desenvolvidas estratégias que satisfaçam os desejos demandados pelos clientes. Este estágio é observado na empresa, já a partir do ano 2000, quando estava presente em mais de dez países, apresentava uma rede formada de distribuidores, cujas regras comerciais eram bem definidas e proporcionavam vantagens substanciais à companhia. Uma ressalva é exposta neste ponto, ao se falar de um mercado

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específico, Portugal. O representante comercial deste país, que iniciou operações em 2005, mantém regras mais duras à firma brasileira, como por exemplo, o não compartilhamento de informações relativas à carteira de clientes lusitana. Em 2009, treze anos após a primeira exportação, a empresa atinge o clímax proposto por Kraus, a abertura da primeira subsidiária de vendas no exterior, na Colômbia. Tal fato caracteriza o estágio de envolvimento comprometido. Esta etapa é reforçada ainda, pelo fato de a organização, em 2009, já possuir estudos adiantados para a abertura de outras filiais na Argentina e no México. 4. Conclusão O levantamento bibliográfico e a pesquisa realizada na empresa catarinense de tecnologia corroboram para a compreensão do processo de internacionalização e suas especificidades no tipo de negócio abordado. O paralelo traçado entre a observação do comportamento da firma e as teorias e pesquisas realizadas, mostra, contudo, que as últimas são capazes de explicar, apenas, uma parcela do comportamento da organização ao longo dos anos, fato que fomenta um interesse acadêmico investigativo sobre o assunto. A atitude de ampliar este estudo representa grande possibilidade de gerar frutos capazes de influenciar a internacionalização de outras empresas, principalmente daquelas que possuem características semelhantes e/ou que fazem parte de um cluster tecnológico em fase adiantada de formação em Florianópolis. O estudo do comportamento internacional de empresas que compartilham ambientes interno/externo semelhantes possui condições de fundamentar um modelo específico de conquista de mercados estrangeiros nesse setor. Conhecimento prático que traduziria inovação na internacionalização destas empresas, culminando em desenvolvimento economicamente sustentável para tal cluster e sua cadeia produtiva. Referências [1] MDIC. SERVIÇOS: Panorama do Comércio Internacional 2009. Disponível em:<http://www.mdic. gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=1486&refr=608> Acesso em: 25 mar. 2010. [2] KEEDI, S. ABC do Comércio Exterior: Abrindo as Primeiras Páginas. 3. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2007. [3] MALHOTRA, N. K. Pesquisa de Marketing: uma orientação aplicada. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. [4] LAKATOS, E.M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. 3. ed. Rev. Amp. São Paulo: Atlas, 1991. [5] PENROSE, E. The Theory of the Growth of the Firm. Oxford: Basil Blackwell, 1959. [6] CYERT, R.; MARCH, J. A Behavioral theory of the firm. New York: Prentice Hall, 1963. [7] ROCHA, A. (Org.). A internacionalização das empresas brasileiras: estudos de gestão internacional. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. [8] AMATUCCI, M. Internacionalização de empresas: teorias, problemas e casos. São Paulo: Atlas, 2009. [9] CARLSON, S. How foreign is foreign trade: a problem in international business research. Uppsala: Uppsala University Press, 1975. [10] JOHANSON, J.; MATTSSON, L. Internationalization in industrial systems: a network approach. In: HOOD, H.; VAHLNE, J. (Eds.). Strategies in foreign competition. London: Croom Helm, 1988. [11] TOYNE, Brian e NIGH, Douglas. International business: an emerging vision. Columbia: University of South Carolina, 1997. [12] KRAUS, P.G. O processo de internacionalização das empresas: o caso brasileiro. Revista de Negócios, v.11, n.2, p. 25-47, abr./jun. 2006. Agradecimentos À professora Dra. Graziela Dias Alperstedt pelo direcionamento da linha de pesquisa e a Valdecir Babinski Junior pelo apoio a produção deste artigo. Ainda, aos funcionários da empresa pesquisada que dispuseram seu tempo e compartilharam experiências indispensáveis a realização deste estudo.

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O CONTEXTO AMBIENTAL E AS MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS NO SETOR DE C&T AGRÍCOLA NO PARANÁ

Primeiro Gustavo Matarazzo Rezende1*; Segundo Elisa Yoshie Ichikawa2

1Universidade Estadual de Maringá 2Universidade Estadual de Maringá

1. Introdução

Este trabalho faz parte do projeto institucional intitulado “Mudanças organizacionais no setor de C&T agrícola do Paraná: institucionalizando novos padrões de atuação”. Nesse projeto maior, cujo objeto empírico especificamente se refere às organizações de pesquisa agropecuária, a intenção é compreender como se deu o início e as transformações pelas quais passaram as atividades de pesquisa, sua natureza e a participação dos atores nela envolvidos.

Essas mudanças foram mais fortes a partir da década de oitenta, quando foram traçados novos rumos de atuação das agências de fomento à pesquisa e à inovação, e explicitadas as obrigações dos cientistas e pesquisadores das instituições públicas de pesquisa, que deviam orientar as atividades de pesquisa em direção à maior aplicabilidade econômica. Foram introduzidas e generalizadas as práticas da competição entre grupos de pesquisadores para obtenção de financiamento, demonstrando a necessidade de agendas de pesquisa.

Novas configurações estruturais foram necessárias para que as organizações públicas de pesquisa pudessem cumprir essas agendas e alcançassem resultados úteis à comunidade. Dentre as saídas encontradas, destaca-se a formação de redes cooperativas de pesquisa, que possibilitaram a produção mais rápida de conhecimento e captação de recursos nos órgãos oficiais no setor de C&T no Brasil.

Tendo como pano de fundo o cenário descrito, esta pesquisa teve o objetivo de compreender o contexto em que isso ocorreu, analisando o ambiente de C&T e as mudanças ocorridas em diversas organizações de C&T agrícola. Diante disso, o projeto teve por intenção responder à seguinte pergunta: Quais foram as transformações ambientais que propiciaram as condições de institucionalização dos novos padrões de atuação das organizações de C&T agrícola, no período compreendido entre 1980 e 2007? 2. Método Esta é uma pesquisa exploratória, pois num primeiro momento teve como objetivo o levantamento de informações e a delimitação de um campo: as organizações de C&T agrícola no Brasil e no Paraná, entre 1980 e 2007.

A coleta de dados ocorreu através de fontes secundárias, ou seja, pesquisa documental, com a leitura e descrição do conteúdo de textos, livros, teses, dissertações, páginas da internet, legislação, documentos oficiais das organizações, entre outras fontes. Tornou-se possível então buscar indícios dos fatores que propiciaram a reestruturação dos órgãos de C&T no período estudado.

Após o entendimento dos fatores que influenciaram a reestruturação das organizações de C&T agrícola no Brasil e no Paraná, foram feitas as considerações finais acerca do tema pesquisado.

3. Resultados e Discussão

Esta pesquisa tem como suporte a Teoria Neoinstitucional. Nessa teoria, o ambiente organizacional é central, e se verifica a importância e a forma com que influencia as estruturas organizacionais inseridas no mesmo. O ambiente é também definido como campo organizacional por DiMaggio e Powell (1983, p. 148): “por campo organizacional entendemos aquelas organizações que, em conjunto, constituem uma área reconhecida da vida institucional: fornecedores-chave, consumidores de recursos e produtos, agências regulatórias e outras organizações que produzam serviços e produtos similares”.

À definição desse ambiente, soma-se um conjunto de elementos culturais, como crenças, mitos e símbolos. Conclui-se, então, que ao considerar o ambiente, não se deve reduzir ao que é composto somente por recursos. Perante tais considerações, o ambiente é demarcado através de dois pressupostos: 1) ambiente técnico, que é “o domínio no qual um produto ou serviço é trocado no mercado e as organizações são premiadas pelo controle eficiente e eficaz do processo do trabalho”; ambiente institucional, que se distingue “pela elaboração de normas e exigências a que as organizações se devem conformar se querem obter apoio e legitimidade do ambiente” (SCOTT, 1992, p. 158 apud VIEIRA, 2005, p. 18).

* Gustavo Matarazzo Rezende: [email protected]

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A partir do momento em que se entendem os aspectos ambientais, consegue-se então entender o isomorfismo como o processo que as organizações tendem a tornarem-se similares.

Os autores neoinstitucionalistas apresentam então três tipos de isomorfismo: coercitivo, mimético e normativo. DiMaggio e Powell (1983) esclarecem que o isomorfismo coercitivo é causado por pressões formais e informais desempenhadas por diversos atores. Para exemplificar este tipo de isomorfismo, os autores falam das normas governamentais, que devem ser seguidas pelas organizações para se evitar sansões.

DiMaggio e Powell (1983) afirmam ainda que o isomorfismo mimético é caracterizado por um ambiente incerto, fazendo com que certas organizações tomem outras como exemplo. Aquelas organizações que pareçam ser mais legítimas no campo organizacional são admitidas como modelo.

As pressões normativas são caracterizadas como o terceiro fator de similitude nas organizações. DiMaggio e Powell (1983) explanam a estreita relação deste fator com a profissionalização dos membros: a partir do momento em que se definem processos semelhantes para manejar a produção, determinadas categorias de profissionais disseminam esses processos por diversas organizações.

Os textos lidos para a consecução do objetivo deste projeto mostraram que a pesquisa científica, de uma forma geral, assumiu diferentes padrões em distintos momentos em sua história. Observou-se tal fato mais claramente nos Estados Unidos, e o Brasil, de maneira similar, seguiu tais padrões. Ruivo (1994, apud ZOUAIN, 2001, p.22) afirma que houve uma internacionalização não apenas da ciência, mas do processo de produção do conhecimento, através das políticas científicas. Houve um grande aumento da disseminação de idéias, proporcionado principalmente por organizações internacionais e organismos multilaterais.

Dentre as principais mudanças encontradas no âmbito de C&T no Brasil estão os Planos Básicos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT), que ocorreram em três versões (SALLES-FILHO, 2003), e cada versão enfatizando mais a rápida aplicabilidade dos resultados dos investimentos em C&T pelas empresas.

Assim, com a ascensão dessas políticas, os programas de financiamento oferecidos pelas agências de fomento à pesquisa e à inovação sofreram mudanças e incentivaram cada vez mais a competitividade dos institutos de pesquisa para que estas pudessem angariar fundos, e também formassem redes cooperativas de pesquisa entre diversas instituições, inclusive de âmbito privado.

A pesquisa mostrou que para aumentar as receitas destinadas ao financiamento das pesquisas, as organizações de C&T agrícola buscaram por maior competitividade, utilizando-se até mesmo de modelos de gestão empresarial. Como mostram autores com Salles-Filho (2000) e Borgonhoni (2005), isso ocorreu tanto em âmbito nacional, com a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), como estadual, com o IAPAR (Instituto Agronômico do Paraná), além de outras organizações de C&T agrícola em outros estados. 4. Conclusão

Analisando os processos de mudanças nas organizações de C&T agrícola no Brasil, observou-se uma tendência à similaridade organizacional. Essas organizações sofreram diversas pressões peculiares ao campo organizacional em que estão inseridas, tornando assim suas estruturas similares.

Conforme as mudanças ambientais foram ocorrendo, as organizações sofreram modificações estruturais, a fim de se tornarem mais competitivas na execução de seus projetos. Esse isomorfismo, num primeiro momento, foi coercitivo, por conta do incentivo dado pela política científica em vigência. Num segundo momento, há alguns indícios de um isomorfismo mimético, em que organizações legitimadas pelo ambiente foram tomadas por outras como exemplo a ser seguido. Referências ALBUQUERQUE, Rui; SALLES-FILHO, Sergio. Determinantes das reformas institucionais, novos modelos organizacionais e as responsabilidades do SNPA. Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa, GEOP/ UNICAMP, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997. BORGONHONI, Priscilla. Redes em C&T na perspectiva da Teoria Neoinstitucional: análise do Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR (1972-2004). Dissertação (Mestrado em Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração, PPA/UEM-UEL, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2005. CHAGAS, Priscilla Borgonhoni; ICHIKAWA, Elisa Yoshie. Redes de C&T em institutos públicos de pesquisa brasileiros: o caso do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR). Revista de Administração Pública, FGV, Rio de Janeiro, v. 43, n. 1, p. 93-121, jan./fev. 2009.

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DIMAGGIO, Paul J.; POWELL, Walter W. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, p. 147-160, abril 1983. DIMAGGIO, Paul J.; POWELL, Walter. A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, Revista de Administração de Empresas, v. 45, n. 2, abr./jun. 2005, p. 74-89. FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA. Fundação Araucária para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná. Institucional. Disponível em: http://fundacaoaraucaria.org.br/institucional/institucional.htm. Acesso em 23 de agosto de 2009. ICHIKAWA, Elisa Yoshie; SANTOS, Lucy Woellner dos. Ciência, tecnologia e sociedade: visões sobre as transformações da pesquisa agrícola no Brasil. Revista de Administração da UFLA, Lavras, v. 5, n. 2, p. 66-79, jul./dez. 2003. SALLES-FILHO, Sergio. Política de Ciência e Tecnologia no III PBDCT. Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 407-432, julho/dezembro. 2003. SALLES-FILHO, Sergio. Ciência, tecnologia e inovação. Campinas: Editora Komedi, 2000. SETI. Secretaria do Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. A institucionalização da ciência e tecnologia no Paraná. Disponível em: http://www.seti.pr.gov.br/arquivos/File/(Microsoft%20Word%20-%20A_INSTITUCIONALIZA.pdf. Acesso em 23 de agosto de 2009a. SETI. Secretaria do Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Política de Estado. Disponível em: http://www.seti.gov.br/UGF/politica/index.htm. Acesso em 23 de agosto de 2009b. TOLBERT, Pamela S.; ZUCKER, Lynne G. A institucionalização da Teoria Institucional. In: CLEGG, Stewart R.; HARDY, Cynthia; NORD, Walter R. Handbook de Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas, 1999. VIEIRA, Saulo Fabiano Amâncio. O parque tecnológico de Londrina: uma análise à luz da Teoria Neo-Institucional. Dissertação (Mestrado em Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração, PPA/UEM-UEL, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2005. ZOUAIN, Deborah Moraes. Gestão de instituições de pesquisa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. Agradecimentos Agradecemos ao CNPq e à Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná, pelo suporte dado à realização da presente investigação.

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ARQUITETURA MODERNA NA SERRA GAÚCHA: TIPOLOGIA RESIDENCIAL UNIFAMILIAR

Bruna Rafaela Fiorio1*; Ana Elísia da Costa; Monika Maria Stumpp

Universidade de Caxias do Sul 1. Introdução O presente trabalho disserta acerca da arquitetura residencial unifamiliar moderna produzida na região da Serra Gaúcha, entre as décadas de 1930 e 1970. Tem como objetivo analisar as transformações compositivas das edificações constantes no acervo da pesquisa “Arquitetura Moderna na Serra Gaúcha: Acervo e Novas Tecnologias na Educação Patrimonial”. Essa análise visa compor um portal na internet e uma multimídia interativa construídos pelo grupo de pesquisa, a fim de disponibilizar os dados do seu acervo e desenvolver uma cultura patrimonial na região. 2. Método Como forma de estabelecer diretrizes para o tratamento dos dados do acervo, foi feita uma pesquisa bibliográfica sobre as principais vertentes da arquitetura moderna nacional e internacional que tiveram influência na produção local. O método envolveu também uma pesquisa documental, que consistiu na revisão e organização dos dados do acervo. Do universo pesquisado, foram selecionadas duzentas e quinze obras, sendo estas organizadas a partir de três critérios: cronológico, mimético e tipológico. A partir do critério cronológico, as obras foram organizadas por décadas. Os critérios mimético e tipológico permitiram organizar as obras a partir de suas características organizativas e ordenativas. As características organizativas se referem ao arranjo volumétrico das obras, ou seja, sua natureza aditiva ou subtrativa. As características ordenativas se referem ao tratamento dado à volumetria, como configuração de aberturas, revestimentos, cores e ornamentação, alcançando relações de hierarquia, ritmo e simetria. Neste contexto, as obras foram organizadas em grupos tipológicos, subdivididos em modelos, tendo como referencia as características compositivas da base, do corpo e do coroamento. A análise de cada um dos grupos foi desenvolvida com dois enfoques - qualitativa e quantitativa. A análise qualitativa envolveu a abordagem tipológica dos objetos de estudo, reexaminando os aspectos organizativos, ordenativos e tecnológicos das obras. A análise quantitativa buscou registrar a recorrência ou não dos aspectos analisados em cada uma das décadas. A partir da análise, as características identificadas foram sintetizadas, a fim de serem inseridas na multimídia e no portal da internet da pesquisa. 3. Resultados e Discussão

Pode-se afirmar que a década de 30 apresentou maior recorrência de edificações de influências vernaculares. Ao mesmo tempo, a introdução da arquitetura moderna se deu através do estilo Neocolonial, de matriz luso-brasileira e hispano-americana; e, de forma menos recorrente, do estilo Art Déco. (Tab. 1)

Tab. 1 Recorrência de exemplares na década de 30

* Autor Correspondente: [email protected]

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Assim como no período anterior, a década de 40 apresentou maior parte da produção arquitetônica vinculada às influências vernaculares. O período demonstrou a ocorrência da arquitetura de influência moderna, através dos estilos Neocolonial e Art Déco. (Tab. 2)

Tab. 2 Recorrência de exemplares na década de 40

A década de 50 foi marcada pelo equilíbrio entre as influências vernaculares e modernas. Junto às edificações de influência Neocolonial e Art Déco, o período apresentou a introdução da linguagem modernista nas edificações. (Tab. 3)

Tab. 3 Recorrência de exemplares na década de 50

A década de 60 indicou o abandono da produção de repertório Neocolonial e Art Déco e a consolidação das influêncas modernas, através da adoção dos postulados do Movimento Moderno. Registra se a ocorrência de edificações que recorrem à matriz organicista do Movimento Moderno e a elementos típicos da arquitetura moderna nacional. (Tab. 4)

Tab. 4 Recorrência de exemplares na década de 60

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Por fim, a década de 70 apresentou a permanência das influências do Movimento Moderno, com o gradual abandono das matrizes organicista e nacional e a consolidação da matriz racionalista. (Tab. 5)

Tab. 5 Recorrência de exemplares na década de 70

4. Conclusão

De modo conclusivo, pode-se afirmar que as décadas de 30 e 40, apesar de demonstrarem indícios de modernidade, não podem ser caracterizadas como de produção moderna, uma vez que a grande recorrência é de edificações de influência vernacular. A década de 50 pode ser considerada como uma década de transição, onde ocorreu certo equilíbrio entre produções modernas e não modernas. As décadas de 60 e 70 evidenciam a consolidação e difusão da arquitetura moderna na Serra Gaúcha.

Referências

• CONDE, Luiz Paulo Fernandez; ALMADA, Mauro. “Introdução”. In CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Guia da Arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Urbanismo. Rio de Janeiro: Inex, 1997.

• DORFLES, Gillo. A arquitetura moderna. Lisboa: Edições 70, 2000. • GÖSSEL, Peter; LEUTHÄUSER, Gabriele. Arquitectura no Século XX. Benedikt Taschen.

Alemanha, 1996 • MAHFUZ, Edson da Cunha. Ensaio sobre a Razão Compositiva; uma investigação sobre a

natureza das relações entre as partes e o todo na composição arquitetônica / Edson da Cunha Mahfuz. Viçosa: UFV, Impr. Univ.; Belo Horizonte: AP Cultural, 1995.

• PESQUISA ARQUITETURA MODERNA NA SERRA GAÚCHA. Acervo e Tratamento dos Dados. Caxias do Sul: UCS, 2008 (Material instrucional do grupo de pesquisa)

• SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997.

• SEGRE, Roberto. “Introdução”. In Rio de Janeiro. Guia da Arquitetura Moderna no Rio de Janeiro. Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Casa da Palavra: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, 2000.

• UNES, Wolney. Identidade art déco de Goiânia. São Paulo: Ateliê Editorial; Goiânia: Ed. Da UFG, 2001.

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ANÁLISE DA PESENÇA DE FUNGOS NO ACERVO DO DEPARTAMENTO DE ARQUIVO GERAL: UM PROGRAMA DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DA UFSM.

Débora Flores1; Carlos Blaya Perez2

Universidade Federal de Santa Maria 1. Introdução

A Universidade Federal de Santa Maria foi criada pela Lei N. 3.834-C de 14 de dezembro de 1960, mas instalada solenemente em 18 de março de 1961. A UFSM é uma Instituição Federal de Ensino Superior, constituída como Autarquia Especial vinculada ao Ministério da Educação, e tem como missão “Promover ensino, pesquisa e extensão, formando lideranças capazes de desenvolver a sociedade”.

Historicamente a Universidade Federal de Santa Maria é responsável pela formação de grande parte dos profissionais do interior do estado do Rio Grande do Sul, visto que foi a primeira Universidade Federal instalada fora de uma capital. Essa característica faz com que seu alcance atinja todos os estados do país.

Dentro da estrutura funcional da instituição está o Departamento de Arquivo Geral - DAG, órgão suplementar central da UFSM, subordinado diretamente ao Reitor, sob a supervisão administrativa da Pró-Reitoria de Administração. O DAG tem por finalidade gerenciar o Sistema de Arquivos na Instituição, constituindo e preservando o Fundo Documental da UFSM, servindo como referência, informação, prova ou fonte de pesquisa científica, além de manter a custódia, a conservação e a preservação do acervo documental da UFSM.

O objetivo deste trabalho é analisar o nível de contaminação fúngica do acervo do Departamento de Arquivo Geral da UFSM, e avaliar as causas da proliferação e os danos causados no suporte papel. Através dessa análise, elaborar um programa de preservação para a salvaguarda permanente das informações que compõem o patrimônio documental da Universidade Federal de Santa Maria.

Essa proposta vai ao encontro de alguns dos Objetivos e Metas do Plano de Desenvolvimento Institucional da UFSM 2006-2010[1]:

- Promover a adequação e a modernização da infra-estrutura da Instituição. - Implementar uma política de gestão documental. (Criar a rede de arquivos setoriais em cada unidade universitária / Consolidar o processo de avaliação documental). - Garantir a preservação do patrimônio documental. (Implementar ações preventivas para a preservação e tratamento da documentação).

Espera-se com a realização desse projeto contribuir de forma efetiva com o desenvolvimento

institucional da Universidade Federal de Santa Maria, além de garantir a preservação e acesso às informações de caráter permanente. O patrimônio documental da UFSM servirá como fonte probatória e histórica para as futuras gerações. 2. Método

A pesquisa ora apresentada é, quanto à natureza, aplicada, pois pretende gerar conhecimentos para aplicação prática, com vistas a solucionar um problema específico. É uma pesquisa descritiva e bibliográfica, de abordagem qualitativa, que visa à elaboração de conhecimento que possibilite a compreensão e transformação da realidade em relação ao tema apresentado.

O projeto está dividido em três etapas: 1. Procura por indícios da presença de fungos no acervo do DAG; 2. Análise dos tipos de fungos, e estudo sobre suas causas de proliferação e danos ao suporte papel e saúde humana; 3. Elaboração do programa de preservação do acervo.

A primeira etapa já foi cumprida, através de uma observação direta no acervo foram identificadas e fotografadas unidades documentais com probabilidade de contaminação, e concomitantemente registradas as características do material, bem como os tipos de documentos e sua localização física no acervo. Após essa identificação, o material foi separado e seguiu para a segunda etapa, com análise laboratorial.

A segunda etapa está em andamento, de acordo com o cronograma prévio do projeto. Nessa etapa está sendo realizado um monitoramento das variações de temperatura e umidade relativas do ar das salas do

1 [email protected] 2 [email protected]

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acervo. Também nessa fase estão sendo observados os riscos iminentes à saúde dos arquivistas que trabalham com esse acervo, através de um relatório de inspeção do ambiente de trabalho.

A fase seguinte será elaborar e implementar o programa de preservação para o acervo do DAG através de um manual de preservação. Nesse manual deverão estar previstos fatores de deterioração dos suportes, segurança para os profissionais que trabalham com a documentação, ferramentas de acesso às informações, além de previsão de acondicionamento e administração do acervo ao transcorrer dos próximos anos. 3. Resultados e Discussão

A atual Constituição datada de 1988[2] adota uma definição ampla e detalhada sobre patrimônio

cultural:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I -as formas de expressão; II -os modos de criar, fazer e viver; III -as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticoculturais; V -os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

A conservação de um patrimônio documental é um assunto tanto ambiental quanto de transmissão

cultural das gerações. De acordo com SANTOS (1998) [3] com “o cuidado adequado, este suporte pode durar séculos, mas pode desintegrar-se em poucos anos quando exposto a condições físicas precárias ou de armazenamento inadequado” (p. 02). A autora afirma ainda que “condições ambientais desfavoráveis produzem modificações da textura e fibras dos papéis que mancham, descolam, colam, aderem ou se desintegram, tornam-se quebradiços (acidez) e favorecem o desenvolvimento de espécies entomológicas” (p. 02)[4].

Geralmente de natureza orgânica, os materiais usados na composição de livros e documentos se constituem em fontes de nutrientes para vários organismos, como bactérias, fungos, insetos e roedores. Conforme o documento Noções sobre biodeterioração em acervos bibliográficos e documentais, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça (2003) [5] a ação direta de enzimas digestivas sobre a matéria orgânica presente nos livros e documentos resulta na degradação das fibras de celulose, principal constituinte do papel. De início, a região infectada por fungos apresenta-se com aspecto algodoado, frágil e levemente umedecido. As manchas são típicas e a sua coloração e textura varia conforme o tipo de organismo.

O ataque fúngico pode ser distinguido do bacteriano pelas bordas irregulares das manchas e pelo aspecto filamentoso das colônias. Com a rede estrutural de fibras desintegrada, o papel se torna frágil e quebradiço, convertendo-se, com o tempo, em uma massa escurecida e disforme. (Noções sobre biodeterioração em acervos bibliográficos e documentais, 2003)[6].

Esses agentes são capazes de provocar ainda dano à saúde humana, podendo causar infecções, efeitos tóxicos, efeitos alergênicos, doenças auto-imunes e a formação de neoplasias e malformações. Para efeito da NR 32 [7] “consideram-se riscos ambientais os agentes físicos, químicos e biológicos existentes nos ambientes de trabalho que, em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à saúde do trabalhador”.

O reconhecimento dos riscos ambientais é uma etapa fundamental do processo que servirá de base para decisões quanto às ações de prevenção, eliminação ou controle desses riscos. Reconhecer o risco significa identificar, no ambiente de trabalho, fatores ou situações com potencial de dano à saúde do trabalhador ou, em outras palavras, se existe a possibilidade deste dano (Riscos Biológicos Guia Técnico, 2008)[8].

Neste sentido, apresenta-se como resultados obtidos até o momento de execução do presente projeto cerca de dez unidades documentais com indícios de contaminação fúngica, com as seguintes características:

Caixas arquivo com manchas na parte externa; processos no interior das caixas com manchas escuras, papel amarelado e pontos salientes. livros com manchas muito escuras nas laterais; encadernações com praticamente a totalidade manchada, aparentando bolor; encadernações com pontos salientes nas laterais e interior.

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Tipos documentais com indícios de contaminação:

Portarias do reitor; folhas de pagamento; prestação de contas de convênios; processos de defesa de pós-graduação; processos administrativos.

4. Conclusão O conhecimento técnico das causas que diminuem a vida do documento vai permitir que os responsáveis por sua guarda tomem decisões no sentido de criar condições favoráveis de armazenagem e uso para reduzir ao máximo os fatores causadores de sua degradação. A identificação dos tipos de fungos presentes no acervo irá propiciar que se evitem possíveis doenças dos servidores que tem contato com o acervo, bem como as medidas necessárias para evitar a sua proliferação. A preservação atua diretamente com o patrimônio cultural, consistindo na conservação desse patrimônio em seu estado atual. Por isso, devem ser impedidos quaisquer danos e destruição causados pela umidade, por agentes químicos e por todos os tipos de pragas e de microorganismos. Referências [1] UFSM. Plano de Desenvolvimento Institucional da UFSM 2006-2010. Santa Maria: 2006. Disponível em : <www.ufsm.br> Acesso em 15/06/2010. [2] BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal (1988) Disponível em: <www.presidencia.gov.br/ccivil> Acesso em: 10/10/2009. [3,4] SANTOS, Marília de Oliveira. Conservação dos Suportes Informacionais: do papel ao meio magnético. Documentos ABEBD 10, Porto Alegre: 1998. [5,6] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Noções sobre biodeterioração em acervos bibliográficos e documentais. Brasília : Superior Tribunal de Justiça, 2003. 22 p.; il. v.2. [7,8] Comissão Nacional Permanente da NR 32. Riscos Biológicos Guia Técnico. Brasília: 2008. Disponível em: <www.mte.gov.br/seg_sau/guia_tecnico_cs3.pdf > Acesso em: 11/12/2009.

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ATUAÇÃO DA ALA (AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION) NO SECOND LIFE

Richele Grenge Vignoli1

Universidade Estadual de Londrina

1. Introdução A Realidade Virtual (RV) apresenta novos conceitos e possibilidades de interação e imersão

interligadas a tecnologias aplicadas em sistemas de computadores. Para Tori e Kirner (2006) a RV é antes de tudo, uma interface avançada do usuário, que ocorre em ambientes tridimensionais, em tempo real, disponibilizando interatividade e estímulo aos sentidos humanos. Os autores qualificam a “interface” do sistema, como sendo a principal característica da RV, embora as sensações de imersão, imaginação e interação com o ambiente 3D sejam o ponto marcante para os usuários.

A RV está representada em Mundos Digitais Virtuais em 3D (MDV3D), que são as representações gráficas efetuadas em computadores utilizadas para representar ambientes tridimensionais ou em 3D (SCHELMMER; TREIN, 2008). Os ambientes representados nos MDV3D, são denominados de Ambiente (s) Virtual (is) ou AV (s). Em um AV, o usuário torna-se parte do mundo virtual, sendo que seus sentidos e capacidades são ampliados com intensidade no tempo e no espaço (TORI; KIRNER, 2006). Sendo assim, para que a RV seja experimentada, é necessário que esteja representada em um MDV3D ou simplesmente em um AV.

Nesta pesquisa, os preceitos de RV e AV foram analisados por meio do Second Life2 e da atuação da ALA (American Library Association) em seu ambiente. Profissionais das mais diversas áreas do conhecimento estão descobrindo no Second Life inúmeras oportunidades de exercer e inovar em suas profissões. O Second Life (SL) ou “Segunda Vida” em português, é um ambiente de RV com jogabilidade online em 3D. O SL segue os preceitos da Web 2.0, que são de colaboração, interação, compartilhamento e principalmente de liberdade ao usuário. Para Zagalo (2009) o SL é a imagem da Web 2,0, já que é um ambiente que vive aberto para as construções e criações dos usuários no ambiente virtual. No SL, é possível encontrar muitas iniciativas de comércio, de contatos sociais e também muitas iniciativas aliadas ao ensino, aprendizagem e as profissões em geral.

Em relação à área da Ciência da Informação e da Biblioteconomia, foi investigada a atuação da ALA no ambiente virtual do SL. A ALA está sediada em uma ilha de sua propriedade no SL e é considerada como o órgão de maior representatividade entre os bibliotecários. Portanto, avaliar a atuação da ALA no SL, foi o objetivo principal desta pesquisa. A ALA foi fundada em 1876 e representa para os bibliotecários: alianças entre bibliotecas e bibliotecários, estudos, pesquisas e avanços para a área, além de inovações como a inserção de uma sede de atendimento no SL. A ALA desenvolve campanhas, como de incentivo a leitura, cursos, produções entre outros produtos e serviços para as bibliotecas e bibliotecários do mundo todo.

No SL a ALA apresenta às bibliotecas e às unidades de informação associadas a iniciativa de representação dessas instituições e de produtos e serviços disponibilizados em Realidade Virtual e acessados por meio de interação entre os ambientes virtuais e os personagens (avatares) de cada bibliotecário, usuário ou instituição. Outros pontos foram investigados na ilha da ALA no SL, como: o atendimento realizado as instituições, aos bibliotecários e aos usuários em geral; a investigação dos produtos e serviços oferecidos pela ALA; a inserção de bibliotecas e unidades de informação no ambiente virtual da ALA no SL, além da infra-estrutura física, financeira e de pessoal para a atuação da ALA no SL.

Portanto, esta pesquisa se fez necessária, principalmente para os bibliotecários e profissionais da informação que procuram inovação em seu trabalho. Para Kirner, Toti e Costa (2006), novos ambientes virtuais em bibliotecas precisam ser criados, como o conceito e a realização de Realidade Virtual nas bibliotecas. Outro fato importante são as inovações que a ALA traz ao inserir a Ciencia da Informação e a Biblioteconomia no conceito de RV nos ambientes virtuais do SL.

2. Método

Com o propósito de atingir os objetivos desta pesquisa, optou-se por uma abordagem qualitativa, que prevê o estudo e a análise do objeto de modo investigativo, buscando interpretar os significados do objeto. Uma pesquisa que se preocupa com os significados e valores atribuídos ao objeto, e não com a quantificação ou mensuração dos dados é considerada como pesquisa de abordagem qualitativa (MINAYO, 1994).

                                                            1 [email protected] 2 http://www.secondlife.com 

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Nesta pesquisa foi empregada a técnica da pesquisa documental, sua natureza está quantificada nas fontes estudadas. Este tipo de técnica, a documental, prioriza documentos que ainda não receberam tratamento (GIL, 1991). Neste tipo de pesquisa, os documentos não estão prontos para análise, como acontece com textos e artigos impressos por exemplo. Na pesquisa documental, o documento precisa receber tratamento, precisa ser analisado, como é o caso dos sites, Ambientes virtuais e de Realidade Virtual que são objetos de estudo desta pesquisa e que ocorreram no Second Life.

A técnica da pesquisa documental foi utilizada também como instrumento para a coleta de dados. Os dados foram coletados sob análise minuciosa nos ambientes virtuais e de Realidade Virtual apresentados no Second Life.

Foram considerados documentos e analisados para esta pesquisa: os ambientes virtuais do SL, a ilha da ALA, as instituições e bibliotecas de RV inseridas na ALA.

Na análise de dados, as informações obtidas por meio do método da pesquisa documental, foram analisadas e categorizadas por temas e categorias.

3. Resultados e Discussões

A ALA está atuando no SL desde o ano de 2007, alcançando assim a marca de três anos no SL e atendendo a mais de 65.000 membros em todo o mundo (ALA, 2010). Desde então, a ALA vem proporcionando aos bibliotecários e aos profissionais da informação, diversas maneiras virtuais de comunicação entre as bibliotecas e unidades de informação de todo o mundo.

O atendimento na ilha é realizado por uma bibliotecária de Referência, que está representada também por meio de um cartaz com a foto do seu avatar. Esta bibliotecária faz uma espécie de recepção aos novos membros da ilha.

A ALA oferece aos visitantes, diversos produtos e serviços. Para os iniciantes no SL, por exemplo, a ALA disponibiliza um Notecard com informações elaboradas pela bibliotecária de Referência, sobre os primeiros passos no SL. Existe em todo o espaço da ilha da ALA, uma opção de teletransporte para todas as seções e setores da ALA no SL, o que possibilita a mobilidade dos avatares dos bibliotecários pela ilha.

É possível localizar na ilha um espaço específico para a apresentação de eventos, que é uma espécie de palanque ou palco e também um espaço expositivo com pilares com os nomes dos eventos recentes e seus hiperlinks, assim como um notecard com as informações sobre os eventos organizados por dia, semana ou mês de realização. Alguns destaques em relação aos eventos da ALA, são:

− “ALA Annual Conference & Exhibition” – que acontece todos os anos; − “National Library Legislative Day” – que também é realizado anualmente; − Cursos de e-learning; e outros eventos promovidos pela ALA tanto dentro como fora do

espaço virtual da ALA no SL. É possível a visualização de iniciativas de incentivo a leitura, como o marketing realizado por meio de

banners, posters e slides incentivando a leitura. Também é possível encontrar, por exemplo, atores do cinema americano pousando nos slides com a palavra READ! Ao avatar também é permitido se auto-fotografar e inserir a fotografia no painel de slides, também com a palavra READ em destaque!

A ALA possui um local intitulado de Roundtables (Mesas-redondas), em que são realizadas discussões de formas democráticas sobre pesquisa, usuários, acesso, leitura, entre outros assuntos sobre bibliotecas e unidades de informações. Neste espaço, estão disponibilizados vídeos, informações sobre a história das Roundtables entre outras informações. É nesse espaço, que ocorrem as discussões de avanços e melhorias para as bibliotecas e unidades de informação. Segundo a própria ALA (2010), esse é um espaço democrático de discussões para a melhoria contínua das bibliotecas. No espaço das RoundTables, estão presentes várias inicitiavas referentes as bibliotecas e a Biblioteconomia como um todo, além de instituições associadas, que apóiam a discussão de novas idéias para as bibliotecas do mundo. Acredita-se que as Roundtables sejam um dos serviços de maior repercussão e aproveitamento para as bibliotecas dentro da ilha da ALA no SL.

Estão presentes, na ilha da ALA, diversas bibliotecas existentes pelo mundo. A maioria disponibiliza acesso aos catálogos, a e-books, acesso a sites, a periódicos online, a história das instituições, atendimento aos usuários, entre outros recursos.

Na ilha da ALA é possível passear pelo quiosque da ALAStore3, que é um site de vendas mantido pela ALA. No quiosque o avatar tem a opção de acessar vários hiperlinks, como do site da ALAStore, do BookLinks, um site de revisão e auxílio para livros que atende tanto aos bibliotecários quanto aos usuários em geral. A ALAStore possui em sua lista de produtos livros diversos, tanto para a gestão de bibliotecas quanto para a leitura de literatura em geral. É possível também, a aquisição de selos comemorativos, presentes como canecas, camisetas, marca-textos, entre outros.

                                                            3 http://www.alastore.ala.org

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Além do SL, a ALA possui profile em várias outras redes sociais, como no Facebook, Twitter, Flickr, listas de discussões, Linkedin, blog e uma plataforma wiki para discussões entre os profissionais da área dispersos pelo mundo.

Nas análises efetuadas no território da ilha da ALA no SL, foi possível observar uma interface gráfica rica, tanto em relação a arquitetura dos prédios e locais de acesso e visitas, quanto em relação a espaços para eventos, atendimento e na multiplicidade de cores e de paisagens. A arquitetura da ALA apresenta também um espaço todo repeleto de árvores, plantas e muito verde. Outro espaço diferente encontrado na ilha da ALA é uma pista de dança que lembra uma rave, uma vez que o avatar pisa na pista, inicia-se uma música eletrônica e o chão se enche de luzes coloridas formando um corpo dançante.

O logotipo da ALA está representado massivamente ao redor de toda a ilha, seja por meio de bandeiras, placas, no piso, no ar, entre outros.

Assim sendo, a ALA apresenta múltiplos recursos, informações, produtos e serviços para as bibliotecas, unidades de informação, bibliotecários, profissionais da informação e usuários em geral.

4. Conclusão

É notório que iniciativas como da ALA no SL trazem avanços e inovações para a Ciência da Informação e para a Biblioteconomia em todo o mundo. Porém, é necessário ressaltar que não existe a participação de bibliotecas brasileiras na ilha da ALA no SL. Mesmo assim, é importante que bibliotecários de todo o mundo, inclusive os brasileiros, atentem-se para as ações desenvolvidas pela ALA, tanto como organização que é, como pela sua trajetória e atuação no SL. A ALA tem por intuito unir as bibliotecas e seus profissionais, utilizando os espaços e ambientes virtuais do SL.

Os meios virtuais utilizados pela ALA facilitam a comunicação entre seu público, rompendo barreiras de tempo, espaço e também financeiras, já que qualquer bibliotecário ou biblioteca do mundo pode acessar a ilha da ALA no SL. Com a ALA atuando no SL, o acesso as informações e as atualizações, de toda a área, foi facilitado. Muitos recursos disponibilizam as informações da ALA, que podem ser consultadas por meio do SL, pelo site da ALA, pelas listas de discussões e por meio das diversas Redes Sociais em que a ALA está inserida. Várias são as opções para o bibliotecário se comunicar com ALA.

Enfim, a ALA demonstra almejar um contato mais próximo com os bibliotecários e com as bibliotecas do mundo. Suas iniciativas, como a inserção no SL e em Redes Sociais diversas, demonstram a importância da comunicação entre a organização e seus pares, fatos que comprovam as intenções e avanços inovadores e tecnológicos da ALA como maior órgão de representação da Ciência da Informação e da Biblioteconomia no mundo. Referências ALA – AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION. Disponível em: <http://www.ala.org>. Acesso em: 12 maio 2010. GIL, Antônio C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991. KIRNER, Claudio (Org.). Fundamentos e tecnologia de realidade virtual e aumentada. Disponível em:> http://www.ckirner.com/download/capitulos/Fundamentos_e_Tecnologia_de_Realidade_Virtual_e_Aumentada-v22-11-06.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2010. ______Realidade Virtual aumentada: Disponível em::> http://www.realidadevirtual.com.br/cmsimple-

rv/?%26nbsp%3B_LIVROS_E_CAP%CDTULOS:Livros_de_RV_2007. Acesso em: 13 jan. 2010. MINAYO, Maria Cecília de Souza. A pesquisa social: teoria, método, e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994. SCHLEMMER, Eliane.; TREIN, Daiana. Criação de identidades digitais virtuais para interação em mundos digitais virtuais em 3D. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2008/tc/515200815252PM.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2010. ZAGALO, Nelson.; PEREIRA, Luís. Ambientes virtuais e Second Life. In: CARVALHO, A. A. (Org.). Manual de ferramentas da web 2.0 para professores. Lisboa (Portugal): Ministério da Educação, 2008. p. 147-164. Disponível em: < http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/8286 >. Acesso em: 21 set. 2009.

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1Autor correspondente: [email protected] 2Autor correspondente: [email protected]

DIVULGAÇÃO DA MARCA INSTITUCIONAL EM MEIOS DIGITAIS: COMUNICAÇÃO E SUSTENTABILIDADE.

Amanda Pires Machado1; Richard Perassi Luiz de Sousa2.

1Mestranda em Design e Expressão Gráfica - UFSC. 2Doutor em Comunicação e Semiótica PUC/SP –

Professor do Mestrado em Design e Expressão Gráfica – UFSC. 1. Introdução   As organizações sociais, como instituições ou empresas, necessitam comunicar sua marca para todos que fazem parte da sua rede de relacionamento, que é composta por funcionários ou colaboradores; fornecedores; prestadores de serviços; públicos específicos, como consumidores ou clientes e a comunidade em geral.

Em administração, chama-se ”organização” a toda unidade social conscientemente coordenada, composta de duas ou mais pessoas que funciona de maneira relativamente contínua, com o intuito de atingir um objetivo comum (ROBBINS, 2002). Essas organizações sociais, institucionais ou empresariais, são percebidas como “sistemas” socialmente constituídos. Uma “empresa” é um sistema que demonstra finalidade empreendedora, cujo objetivo econômico ou comercial visa o lucro. Por sua vez, uma “instituição” social é também um sistema ou organização social, cujo objetivo não lucrativo é socialmente reconhecido como utilidade pública.

O Instituto Festival de Dança de Joinville/SC, promotor do evento anual “Festival de Dança de Joinville” (que em 2010 irá para sua 28º Edição) e cuja marca é objeto deste estudo, apresenta-se como sistema ou instituição social, sem fins lucrativos. É um núcleo de atividade artístico-cultural, juridicamente constituído, cujos objetivos são: “Promover a dança como expressão artística e contribuir para a difusão cultural e o desenvolvimento regional” (IFDJ, 2010). A marca, institucional ou comercial, consiste em um conjunto de ideias, as quais caracterizam sua identidade corporativa ou organizacional. Essas ideias são expressas e divulgadas por meio de um outro conjunto de sinais expressivos que as representa ou simboliza, visando compor para o público uma imagem positiva da marca (PERASSI, 2010). A comunicação da marca se estabelece como um amplo processo de informação e comunicação. Portanto, gerenciar uma marca é gerenciar os fluxos de comunicação das organizações em geral, para que estes estejam coerentes com a identidade desta e reforcem a identidade corporativa, que “compreende as formas adotadas por uma empresa (ou instituição) para identificar-se ou posicionar seu produto (ou serviço). Deve ser mostrada repetidamente e fazer parte de todas as comunicações da empresa (ou instituição).” (MARTINS, 2008, p.135) Bueno (2004) assinala que no Brasil o conceito de comunicação empresarial surgiu formalmente há cerca de vinte e cinco (25) anos. Para Rabaça e Barbosa (2001, p.75), a comunicação empresarial ou organizacional é determinada como “o conjunto de métodos e técnicas de comunicação dentro de uma empresa, dirigidos ao público interno ou público externo”. Isso configura a forma como as organizações planejam e elaboram suas ações de comunicação, buscando criar e fortalecer sua imagem corporativa ou sua imagem de marca, que é o produto das impressões do público diante das expressões da marca. Rabaça e Barbosa (2001) descrevem o modelo de comunicação proposto por Shannon e Weaver (1949), no qual a comunicação se estabelece a partir de uma fonte emissora da informação, que seleciona e transmite uma mensagem por um canal, para uma instância de destino. O aparelho emissor transforma a mensagem em sinais para serem adequadamente transmitidos através de um canal. O receptor decodifica os sinais recebidos para recuperar a mensagem original. No caso da comunicação organizacional, para que os processos de comunicação aconteçam, as organizações utilizam diferentes meios de comunicação, sejam impressos, audiovisuais, entre outros, em diferentes instâncias de comunicação, sejam essas jornalísticas ou publicitárias (entre outras), e cada um desses processos implica também em funções, objetivos e métodos específicos (RABAÇA e BARBOSA, 2001). A origem dos projetos de informação e comunicação, que caracterizam a área de Design Gráfico, é baseada na mídia impressa, desenvolvida a partir de práticas muito antigas, como as primeiras impressões em xilogravura, até a definição da imprensa moderna, com os tipos móveis de metal produzidos por Gutenberg. O advento da computação gráfico-digital ampliou a área de Design Gráfico em geral e, também, sua parte dedicada à comunicação organizacional.

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1Autor correspondente: [email protected] 2Autor correspondente: [email protected]

Assim, a informação gráfica foi estendida para todos os suportes eletrônicos, contando também com as facilidades, a agilidade e a amplitude da comunicação pela internet e por outras redes de transmissão da informação digital, que podem ser internas ou externas às organizações. Atualmente, a comunicação organizacional se estabelece por meio de diferentes produtos gráficos, sejam impressos, como folders e cartazes (etc.) ou eletrônico-digitais, como websites e outras mensagens gráfico-digitais divulgadas em rede. Como toda expressão ou comunicação organizacional, consciente ou inconsciente, oficial ou informal, a expressão e a comunicação dos produtos e dos elementos gráficos atuam na composição da imagem da marca organizacional na mente dos diversos públicos atingidos por essas mensagens. Por isso, a gestão da marca se concentra de maneira especial na tentativa de gestão abrangente e eficiente das expressões da marca, nos diversos canais formais ou oficiais e, também, nos canais informais de comunicação. O domínio do processo de gestão é composto por meios e mensagens formais e oficiais, que atuam de maneira controlada na publicidade da identidade de marca, visando compor uma imagem de marca positiva e coerente na mente do público e, também, servindo de contra-propaganda com relação às mensagens pouco positivas que circulam em canais informais de comunicação. Na comunicação gráfica, impressa ou eletrônico-digital, os elementos peculiares, gráficos figurativos e lingüísticos, contribuem para a diferenciação da marca, fortalecendo sua identidade e a comunicação institucional da organização, que se preocupa em gerenciar as informações para o público, no que diz respeito a políticas, práticas e objetivos da marca. (RABAÇA e BARBOSA, 2001). Nesse processo de diferenciação da marca, destacam-se os elementos da identidade visual corporativa, como formas e cores institucionais e alfabetos próprios, cujos principais elementos de identidade são o logotipo e o símbolo visual, que são apresentados em conjunto para compor a marca gráfica ou a assinatura visual da marca. Tradicionalmente, a imagem da marca é, em boa parte, determinada por seu posicionamento no mercado e, recentemente, cada vez mais por seu posicionamento político-social. Uma marca comercial é percebida positivamente pelo público quando investe em eventos esportivos, culturais ou outras ações de conservação ou aprimoramento do patrimônio humano, social ou natural. Além disso, a questão da conservação natural e da sustentabilidade, com adoção de processos renováveis de produção, é um aspecto relevante nos contextos ecológico, econômico e sócio-político. A transferência da produção e da comunicação gráfica da mídia impressa, cuja base é o consumo de tinta e papel, para a comunicação em mídia eletrônico-digital, indica processos de comunicação mais renováveis e sustentáveis. A sustentabilidade diz respeito ao “desenvolvimento que satisfaz necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades" (RELATÓRIO BRUNDTLAND, 1987). Portanto, muitas organizações se mostram preocupadas com a sustentabilidade e propõem reflexões e discussões sobre o tema. Por exemplo, o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, de Portugal (BSCD) é uma instituição sem fins lucrativos que através de eventos busca promover nas organizações a eco-eficiência, a inovação e a responsabilidade social. Dentre os eventos, há o Wokshop de Comunicação Responsável, cujo objetivo é gerar reflexões e debates sobre comunicação e sustentabilidade, na relação entre as organizações e o meio ambiente. A pesquisa sobre a comunicação da marca institucional Festival de Dança de Joinville trata de diversos aspectos gráfico-comunicativos relacionados à marca. Contudo, o recorte proposto neste texto considera especificamente a inserção e a transferência do processo de comunicação da marca em estudo na mídia eletrônico-digital interligada à internet. Isso é percebido como solução inovadora, sustentável e altamente renovável em comparação ao processo tradicional de comunicação da marca, cuja base é a mídia gráfica impressa. 2. Método

O método proposto é descritivo-documental. Mas, primeiramente, partiu de uma pesquisa exploratória, visando coletar mensagens de divulgação do Festival de Dança de Joinville. Em princípio, a coleta considerou igualmente mensagens impressas e mensagens eletrônico-digitais, publicadas para a divulgação da 27ª edição do Festival, do ano 2009. As mensagens coletadas foram os documentos de pesquisa que, depois de devidamente organizados, foram descritos e comparados, com relação a sua posição na hierarquia do processo de comunicação da marca em estudo.

3. Resultados e discussão De modo geral, tendo em vista o caráter tradicional da marca Festival de Dança de Joinville, e considerando-se que as propagandas de televisão ainda estão fora da mídia gráfico-digital (porque não foi

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1Autor correspondente: [email protected] 2Autor correspondente: [email protected]

popularizada a televisão digital) observou-se que, diante do público em geral, é ainda limitada à abrangência da comunicação publicitária oficial do Festival, por meio da mídia gráfico-digital.

Há, contudo, o portal do evento, caracterizando uma forte iniciativa oficial de comunicação da marca Festival de Dança de Joinville na internet. O portal é muito completo, oferecendo diversos links para diferentes páginas do sítio e também para páginas externas. Encontram-se relacionadas no portal as informações sobre programação, processo de participação e histórico do evento. Há notícias desde o ano de 1993 e também, um retrospecto de edições digitais do próprio portal, desde o ano de 2000. Há ainda uma chamada para que o visitante se cadastre para receber informativos sobre o Festival, news letters on-line. Ao se cadastrar, o usuário pode escolher os temas sobre os quais deseja receber informações.

Com relação a marcas gráficas referentes ao Festival, a edição 28ª de 2010 e a 27ª de 2009, por exemplo, repetem a mesma assinatura visual. Há um símbolo em forma espiral como uma voluta, predominando as cores vermelha e laranja, com um detalhe na cor branca e outro na cor verde. Sobre o símbolo aparece escrito em tons de verde o nome Festival de Dança de Joinville. A apresentação da mesma marca gráfica nas duas últimas edições sugere a intenção de fixar uma assinatura visual para o Festival, porque a 26ª edição, de 2008, apresentou outra marca gráfica, com a estilização de uma figura humana, em pose de dança, representada nas cores azul e vermelha, também, sugerindo visualmente as letras “F” e “D”. Essa figura aparece no centro de uma composição que sugere um triângulo invertido composto pelas palavras: “Festival” à esquerda da figura; “de Dança” à direita da figura, e “Joinville” abaixo da figura, sob esse conjunto aparece ainda o slogan “toda a arte da dança”.

Fig.1 Marcas Gráficas da 26ª e 27º Edição do Festival (respectivamente 2007 e 2008) Por outro lado, os sítios noticiosos da internet publicaram muitas matérias sobre o Festival,

promovendo ampla publicidade espontânea sobre o evento. Em uma busca simples, com a ferramenta de busca Google, são listadas mais de quarenta mil (40.000) menções ao Festival na internet. Portanto, para o público com interesse específico no Festival, que se sinta motivado a fazer uma busca por informações na internet, há muita informação sobre a edição deste ano de 2010 e, também, sobre diversas edições anteriores, além de inúmeras imagens e vídeos disponíveis. 4. Conclusão

Grande parte dos produtos da cultura impressa está sendo transferida ou reproduzida em mídia gráfico-digital e disponibilizada na internet. Acrescenta-se a isso outra grande parcela de informação que é originalmente produzida na própria cultura digital. A ampla maioria dos veículos de comunicação disponibiliza, pelo menos, parte de suas informações na internet. Do mesmo modo, as organizações também estão presentes na internet, através de notícias e em sítios próprios, os quais servem para disponibilizar ao visitante - usuário informações e serviços. A internet é o grande ambiente contemporâneo das marcas. A marca Festival de Dança de Joinville aparece de maneira ostensiva na internet, através do portal oficial do evento e, mais amplamente, em milhares de notícias, imagens e vídeos disponíveis na internet, que são oriundos de diversas fontes. O público diretamente interessado no Festival, que se dispõe a buscar informações na internet, entra em contato com milhares de referências a sua marca. A grande amplitude de publicidade espontânea, com milhares de informações, demonstra a força da marca Festival de Dança de Joinville no cenário cultural. Tudo isso evidencia a transferência da comunicação das marcas em geral e em particular da marca em estudo para os processos eletrônico-digitais, que são considerados mais renováveis e de maior sustentabilidade. Todavia, os impressos gráficos ainda não foram totalmente substituídos pela mídia eletrônico-digital, indicando que a comunicação da marca ao público em geral ainda depende dos meios tradicionais de comunicação.

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1Autor correspondente: [email protected] 2Autor correspondente: [email protected]

Referências BUENO, W. Comunicação Empresarial: Teoria e Pesquisa. Barueri: Manole, 2003. BCSD. Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: http://www.bcsdportugal.org. Acessado em 31 de maio de 2010. IFDJ. Sítio oficial do Instituto Festival de Dança de Joinville. Disponível em: http://www.ifdj.com.br/2010/texto/index.php?idTexto=155. Acessado em 31 de maio de 2010. PERASSI, R. Identidade e Marca nas Organizações. Florianópolis, SC: UFSC, 2010. RABAÇA, C. e BARBOSA, G. Dicionário de Comunicação. São Paulo: Ática, 2001. REGO, F. Comunicação Empresarial, Comunicação Institucional: Conceitos, estratégias, sistemas, estrutura, planejamento e técnicas. São Paulo: Summus, 1986. RELATÓRIO BRUNDTLAND. O que é Sustentabilidade. Disponível em: http://sustentabilidades.com.br/publicacoes_23.html. Acessado em 31 de maio de 2010. ROBBINS, S. Comportamento Organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2002.

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TERCEIRA IDADE E INTERNET: A CONTRIBUIÇÃO DO WEBJORNALISMO PARTICIPATIVO PARA A CIDADANIA

Weslley Dalcol Leite*; Maria Lúcia Becker

Universidade Estadual de Ponta Grossa 1. Introdução

O Brasil é um país que passa pelo acelerado processo de envelhecimento populacional. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), em 2000 o número de idosos correspondia a 14 milhões de pessoas. Atualmente esse número ultrapassa 20 milhões. O IBGE estima que em 2025 o país tenha 35 milhões de pessoas acima de 60 anos. Para 2050, a previsão que os idosos sejam o maior segmento da população brasileira, representando um terço dos brasileiros.

Embora o crescimento no número de idosos indique aumento na expectativa de vida dos brasileiros, o envelhecimento traz diversas conseqüências em diversas áreas. Na área da comunicação, crescem os anseios e a necessidade de informações para assuntos relacionados a esse segmento. Entre as principais emergências na comunicação, está a divulgação de serviços que contribuam para a cidadania e para a qualidade de vida [1].

Por cidadania, no contexto da comunicação, entende-se que é praticada quando se é ampliado o número de participantes ativos, ou seja, emissores, democratizando a comunicação [2].

Por qualidade de vida, adota-se a definição de que é o conjunto de fatores que contribuem para a o bem-estar, tendo os meios de comunicação a função em ofertar serviços de informações que contribuam para a melhoria na saúde de forma geral e também a preocupação com as características específicas da terceira idade afim de “facilitar ou promover o enriquecimento ou a compensação de capacidades cognitivas e motivacionais das pessoas mais velhas” [3].

As pessoas acima de 60 anos apresentam o maior crescimento de usuários em relação aos outros segmentos. Segundo o Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br), em 2008 apenas 2% das pessoas acima de 60 anos navegavam na internet. Em 2009 o número chegou a 5%, o que revela um crescimento de 150% em relação ao ano anterior.

O objetivo desse trabalho é identificar as potencialidades do webjornalismo e do jornalismo de portal e os desafios para que a internet contribua para a cidadania na terceira idade.

2. Webjornalismo Participativo

Um dos diferenciais da internet é permitir aos usuários a participação ativa, através da produção de conteúdos seja em um blog, ou em um comentário de um site. Para Cláudia Quadros [4],a internet oferece uma forma plural no processo de comunicação que pode ser de “um para um, muitos para muitos, muitos para um e também de um para muitos – possibilita a participação efetiva de um público outrora passivo”.

Passados dez anos do webjornalismo no Brasil , Alex Primo e Marcelo Träsel [5] investigam a produção aberta de notícias e definem o webjornalismo participativo: “práticas desenvolvidas em seções ou na totalidade de um periódico noticioso na Web, onde a fronteira entre produção e leitura de notícias não pode ser claramente demarcada ou não existe.”

Cristiane Lindemann [6] cita a troca do modelo tradicional (emissor – meio – mensagem – receptor) pelo receptor como produtor, a principal característica do webjornalismo participativo. As pesquisadoras apontam a interatividade como a característica que deve ser mais explorada para ser considerado nessa subcategoria. No entanto, não é suficiente o processo de interatividade de qualquer forma Por exemplo, o simples fato de enviar um e-mail não pode ser considerado webjornalismo participativo se essa mensagem não se tornar conteúdo a ser agregado no portal.

Para delinear a prática do webjornalismo participativo é necessário compreender a diferença entre interação mútua e interação reativa. A interação reativa é limitada ao processo de troca de informações pré-determinadas, fechado, automatizado. Como exemplo, as enquetes fechadas – com respostas pré-estabelecidas – que condicionam a interação a um limite prévio. Já na interação mútua a troca comunicativa é um processo de negociação [7]. O webjornalismo participativo só acontece na interação mútua, quando ocorre a troca negociada, em que os integrantes exercem e recebem o impacto do grupo [8].

Ao oportunizar a interação mútua o webjornalismo participativo contribuiu para a discussão e reflexão de temáticas que não foram pré-estabelecidas. Parte-se dos interesses dos usuários que, muitas vezes, não são possíveis de serem identificados em sua totalidade, excluindo algumas demandas.

* Apresentador do trabalho: [email protected]

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3. Acessibilidade na web Apesar das características apontadas da web de permitir participação através da interatividade ou a

convergência de conteúdos pela multimidialidade, sem potencializar esse acesso, essas características podem não ser expressas nesse meio. Por isso é necessário se pensar em acessibilidade.

Acessibilidade se apresenta atualmente em diversas áreas e atividades, principalmente na área da saúde. Preocupada com a acessibilidade na área de comunicação, a organização Acessibilidade Brasil define o conceito como: “Representa (...) o direito de eliminação de barreiras arquitetônicas, de disponibilidade de comunicação, de acesso físico, de equipamentos e programas adequados, de conteúdo e apresentação da informação em formatos alternativos” [9].

Devido a diversas preocupações que se deve ter para transpor as dificuldades no acesso, sobretudo devido às doenças características da terceira idade, a organização Acessibilidade Brasil [10] apresenta estudos da W3C (Consórcio para a WEB) e WAI (Iniciativa para a Acessibilidade na Rede), que lista das possíveis barreiras que os usuários podem enfrentar. Na análise nos sites brasileiros, o verificador identifica apenas 773 adequados à acessibilidade. Desses nenhum é um portal jornalístico. 2. Método

Foram definidas quatro estratégias metodológicas: a pesquisa bibliográfica, a observação não participante com entrevistas em profundidade; a construção do portal; e a produção dos conteúdos.

A pesquisa bibliográfica consiste inicialmente na análise de produções acadêmicas do curso de jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa que trabalhem a temática terceira idade e comunicação. Foram escolhidos dois trabalhos: a pesquisa do projeto de extensão Jornal UATI [11] e o Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo Revista para a Terceira Idade [12]. O objetivo foi sistematizar as principais características, interesses e preferências das pessoas idosas no jornalismo.

Para a observação não participante foi realizado acompanhamento semanal durante os meses de maio e junho das aulas de informática de uma turma de 20 idosos da Universidade Aberta para a Terceira Idade para identificar as principais dificuldades em relação aos recursos da informática, com atenção especial ao uso das ferramentas da internet e a acessibilidade. A entrevista em profundidade foi realizada com os alunos com a finalidade de investigar quais as melhores ferramentas da internet para serem trabalhadas e também quais os serviços e seções que podem ser oferecidos.

Para a análise do jornalismo de portal, pretende-se fazer uma lista dos gerenciadores de conteúdo disponíveis para avaliar qual se enquadra melhor na proposta (webjornalismo participativo e acessibilidade). Na produção dos conteúdos estão a alimentação dos serviços e produção de reportagens jornalísticas.

3. Resultados e Discussão

As seções temáticas jornalísticas selecionadas de acordo com a análise pela preferência e pela demanda e que atendem os eixos de qualidade de vida e cidadania foram: direitos e deveres, economia, saúde, cultura, história de vida, história da cidade, esportes. Entre as temáticas listadas, destacam-se a de história da cidade e história de vida, pois tiveram maior preferência, segundo as entrevistas feitas com os alunos de informática da Universidade Aberta para a Terceira Idade.

Os serviços listados através da análise das entrevistas, além dos eixos citados, a preocupação também com webjornalismo participativo, foram: enviar notícia, direitos e deveres, espaço cultural, chat, mural de recados, guia útil de serviços para a terceira idade e guia de saúde. As temáticas “direitos e deveres” e “saúde” foram repetidas pois podem ser trabalhadas tanto nas reportagens como nos serviços de forma diferenciada. É importante ressaltar a necessidade que algumas reportagens tenham vídeos e áudios, formando um canal multimídia e possibilitando acessibilidade para as pessoas que possuam dificuldades na leitura. 4. Conclusão

Atualmente a informação, como meio de criação de conhecimento, desempenha um papel fundamental na participação social e na contribuição para o bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos. Para Guerreiro [13], no entanto, a inclusão na sociedade da informação vai além da simples disposição de acesso ao computador ou internet, ela requer a garantia do acesso às oportunidades produzidas no mundo tecnológico e disponibilizadas para a melhora de vida do cidadão.

Para ter essa garantia é necessária a utilização de recursos adequados ao público a que se destina. O envelhecimento traz para algumas pessoas problemas degenerativos como dificuldades na coordenação

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motora, principalmente naqueles portadores de artrite ou endurecimento das junções e dificuldades da audição e na visão, o que exige ferramentas específicas, um tratamento diferenciado [14].

Em Ponta Grossa não há portais jornalísticos segmentados para a terceira idade. Também não há seções específicas para esse segmento. Nos portais jornalísticos não há cuidados específicos para esse segmento, por exemplo, não é oferecido conteúdo multimídia, fundamental para que o idoso opte pela melhor modalidade de acordo com suas necessidades. Pessoas da terceira idade com dificuldades na visão, podem preferir o áudio, é necessário ofertar possibilidades [15]

Existe também a dificuldade em encontrar serviços, como telefones úteis de atendimento específico, ausência da divulgação da legislação de forma simplificada [16].

Nesses aspectos, utilizar as potencialidades da internet para que a participação da pessoa idosa não seja limitada ou restrita. É ofertar a possibilidade de não apenas novas temáticas, mas também abordagens diferenciadas. Referências [1;12] MACHADO, Ana C; PORTES, Marlene V. Revista para a terceira idade: uma proposta de jornalismo especializado. Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social – Jornalismo UEPG. Ponta Grossa: 2005. [2] PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Direito à Comunicação Comunitária, Participação Popular e Cidadania. 2004. Disponível em: https://encipecom.metodista.br/mediawiki/images/5/57/GT2Texto011.pdf. Acesso em 10 mai 2010. [3] NERI, A .L. Qualidade de vida e idade madura. Papirus. Campinas: 1993. [4] QUADROS, C. I. A Participação do público no webjornalismo. Revista E-compós, v. 4, 2005. [5; 7] PRIMO, Alex ; TRÄSEL, Marcelo Ruschel . Webjornalismo participativo e a produção aberta de notícias. Contracampo (UFF), v. 14, p. 37-56, 2006. [6; 8] LINDEMANN, Cristiane. A potencialização da interação no webjornalismo participativo: um modelo comunicacional democrático? In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, XXX, 2007, Santos. Anais. São Paulo: Intercom, 2007 [9; 10; 15] ACESSIBILIDADE BRASIL. O que é acessibilidade. 200-. Disponível em: http://www.acessobrasil.org.br/index.php?itemid=45. Acesso em 9 jun 2010. [11; 16] ZAPPIA, Vanessa. Por um jornalismo especializado para a Terceira Idade. In: 6º Conex – Conversando sobre extensão. Anais... UEPG, Ponta Grossa: 2008. [13] GUERREIRO, Evandro Prestes. Cidade digital: infoinclusão social e tecnologia em rede. São Paulo: Editora Senac São Paulo: 2006. [14] GARCIA, H. D., A terceira idade e a internet: uma questão para o novo milênio, 171f, Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação), Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília.

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ASSESSORIA E FORUM PERMENENTE DA PESSOA IDOSA – REGIÃO DOS CAMPOS GERAIS-PR

Cecimara Anair Mariano1; Débora Puchalski Bronoski2; Thaize Carolina Rodrigues de Oliveira3;

Márcia Sgarbieiro4; Maria Iolanda de Oliveira5

1;2;3;4;5Universidade Estadual de Ponta Grossa

1. Introdução Este trabalho tem por objetivo refletir sobre a questão da pessoa idosa e sobre a assessoria

desenvolvida no Projeto de Extensão “Assessoria ao Fórum Permanente da Pessoa Idosa – Região dos Campos Gerais” pelas acadêmicas e professoras do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa, com ênfase sobre o que é, para que serve e como é usada a assessoria.

Tendo em vista o princípio da democratização e a diretriz da descentralização presentes na Constituição Federal de 1988, cabe à sociedade civil o papel do controle social. Portanto, com o objetivo de ampliar a defesa dos direitos, o exercício da cidadania, a participação social e a autonomia das pessoas idosas os Fóruns se constituem em espaços reais de discussão e de definição de ações para o aperfeiçoamento da política de proteção e defesa da pessoa idosa.

2. Método

Desta forma para o encaminhamento das questões relacionadas à política de atendimento a pessoa idosa na região dos Campos Gerais foi organizado e criado o Fórum Permanente da Pessoa Idosa - Região dos Campos Gerais – FOPI, com a finalidade de realizar o debate, articular e ampliar as alianças no espaço público em torno de uma agenda de prioridades a serem enfrentadas com a implantação e implementação de ações para efetivação dos direitos da pessoa idosa em consonância com a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso respeitando as necessidades e peculiaridades dos municípios que compõem a região.

A organização e criação deste Fórum se deu por meio do Projeto de Extensão “Assessoria ao Fórum Permanente da Pessoa Idosa – Região dos Campos Gerais” proposto pelo Departamento de Serviço Social, tendo como parceiro a Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social – SETP- Escritório Regional/ER de Ponta Grossa, o qual foi iniciado no ano de 2008 e encontra-se em execução.

O referido projeto tem por objetivo, assessorar teórica e tecnicamente o processo de mobilização, criação, organização e ação do referido Fórum, para articulação de instrumentos, mecanismos, órgãos e ações na promoção, proteção e defesa dos direitos da pessoa idosa conforme os princípios da RENADI – Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa.

Desta forma duas professoras e três acadêmicas do Curso de Serviço Social da UEPG vêm assessorando o FOPI no sentido de: . orientar o planejamento de ações e definição de atividades que contribuam para o desenvolvimento dos objetivos do Fórum; . oferecer aporte teórico para o aperfeiçoamento da organização e articulação das entidades/instituições/órgãos/grupos envolvidos com a proteção, promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa e membros do Fórum; . assessorar tecnicamente as atividades de planejamento e execução das atividades da Secretaria Executiva; . propiciar aos estagiários a atualização e sistematização de conhecimentos relativos à área do idoso promovendo a vivência profissional e a articulação do ensino teórico-prático. Isto posto, ressaltamos que a prática extensionista no Projeto de Extensão Assessoria ao Fórum Permanente da Pessoa Idosa, tem propiciado as estagiárias a atualização e sistematização de conhecimentos relativos à área do idoso promovendo a vivência profissional e a articulação do ensino teórico-prático. 3. Resultados e Discussão

Com isso torna-se relevante refletir, à luz de alguns autores, sobre a atividade de assessoria como uma prática profissional que pode ser desenvolvida pelos assistentes sociais, pois segundo Matos (2009), mesmo que a assessoria encontre, na universidade, seu espaço privilegiado de trabalho, esta pode ser desenvolvida pelos assistentes sociais no conjunto das atribuições que desenvolvem nos seus espaços sócio-ocupacionais.

Matos (2009) escreve que a recorrência do tema assessoria e consultoria no Serviço Social não é recente. Já em meados dos anos 70 havia uma restrita circulação do tema. A distante produção dos anos 70 apresenta a assessoria como uma estratégia de atuação que visa a superação da atuação tradicional do Serviço Social, bem como aponta para a riqueza da atuação profissional na assessoria. Para Matos (2009) nos

1 Autor Correspondente: [email protected]

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anos 80 aparecem duas importantes questões sobre o estudo do tema, a primeira é um artigo escrito por Balbina Ottoni Vieira, tratando da importância da assessoria para assistentes sociais e segunda é a experiência, vivenciada por vários cursos do Serviço Social no Brasil, da criação de campos próprios de estágio junto aos movimentos sociais.

Os anos 90 apresentam um crescimento da temática, que liga as duas questões, pela conjuntura de reestruturação produtiva e reforma do aparelho do Estado que exigiu a reorganização das instituições. E em 2000 a temática assessoria/consultoria continua presente em iniciativas profissionais, mas ainda pouco problematizada sobre o que sejam estes processos. Identificam-se experiências de assessoria com diferentes perspectivas políticas.

Matos (2009) continua escrevendo que a bibliografia do Serviço Social brasileiro sobre assessoria/consultoria é escassa e marcada, muitas vezes por reflexões sobre experiências que, geralmente são permeadas por uma imprecisão sobre o tema e pela ausência de referencia teórica sobre o assunto. A importância de uma reflexão sobre assessoria/consultoria se dá pelo fato de que a maioria da produção teórica sobre o tema tem sido em geral produzida em outras áreas de conhecimento.

Vasconcellos (1998) escreve que a assessoria esta voltada para a busca de totalização no processo de prática, apontando, resgatando e trabalhando as deficiências, os limites, recursos e possibilidades, socializando conteúdos e instrumentos de indagação e análise.

Segundo Goerck e Viccari (2004) a assessoria pode ser vista como forma de acompanhamento e monitoramento de uma determinada demanda, junto a um grupo ou vários grupos que a executam. Para a execução da assessoria é necessária conhecimento e clareza dos objetivos pretendidos pelos demandatários que a solicita. Já no Serviço Social a assessoria pode ser considerada como uma forma de trabalho elementar.

Segundo Fonseca (2005) a assessoria pode ser uma forma de rompimento com práticas conservadoras do Serviço Social. Destacando que o processo de assessoria é como uma estratégia de enfrentamento da distancia entre o fazer profissional e a teoria. “Pensar a assessoria como atribuição do assistente social leva-nos a refletir sobre uma área de atuação do profissional que requer preparo técnico embasamento teórico e comprometimento ético-político.” (FONSECA, 2005, p.11)

Fonseca (2005) mostra que a assessoria presta uma boa contribuição para a categoria profissional, afinal durante o processo ocorre um enfrentamento das questões de maior complexidade no universo assessorado, aprimorando o trabalho no sentido teórico e prático e elevando a qualidade da atividade desenvolvida por um determinado profissional e, por conseguinte, por toda a categoria.

A atividade de assessoria não esta reduzidas a um momento em que é ditado as estratégias e o assessorado as executa, sendo que a mesma deve ser desenvolvida segundo a ação profissional de ambas as partes, mostrando a competência profissional de cada um. Sendo que a critica, a busca de alternativas, a proposição de estratégias, a avaliação, a formulação de políticas ou qualquer atividade inerente ao profissional de Serviço Social sendo um processo de construção da reflexão a ser elaborado por ambos.

Para Fonseca (2005) o processo de trabalho do assistente social na assessoria deve ser pensado como possível campo de trabalho, pois esta atividade tem gerado campo de trabalho para a categoria e possibilitando a otimização do enfrentamento das requisições que surgem nos espaços de trabalho.

Almeida (2006), na sua experiência de assessor a equipes de Serviço Social, ao encontrar com a demanda de pesquisa, tem provocado uma reflexão sobre o trabalho profissional, para tanto lança mão da construção de um fluxograma da trajetória do usuário nos serviços.

Almeida (2006) trata das experiências de assessoria aos profissionais de Serviço Social por meio da disciplina estágio supervisionado articulada ao projeto de extensão que coordena, sendo que assim os acadêmicos de Serviço Social integram junto com o autor a equipe de assessoria.

Para Matos (2006) a assessoria também é uma importante possibilidade que temos de aprofundar o transito entre o conhecimento teórico e acumulado pela profissão e a renovação de critica de suas estratégias técnico-operativas, desafio urgente do atual projeto de profissão.

A assessoria é processo contínuo e sistemático de estudo da realidade organizacional, planejamento cooperativo, operacionalização de ações e avaliação, que no seu conjunto contribuem para o fortalecimento e execução dos objetivos das instituições acompanhadas.

Vasconcellos (2008) escreve que a assessoria é um recurso utilizado pelos Assistentes Sociais junto a diferentes grupos de trabalho, sendo que na assessoria o profissional utiliza como prática pensada e projetada. Ao solicitar um processo de assessoria o Assistente Social reconhece os elementos de seu processo de trabalho o qual estão além da busca, descomplexificando este elemento.

Segundo Matos (2009) a maioria da produção teórica sobre assessoria tem sido em geral produzida em outra área do conhecimento como, por exemplo, o campo de administração de empresas, com vistas à maximização.

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Para Matos (2009) a assessoria no Serviço Social não é o abandono do trabalho assistencial devido ao status que ainda hoje se tem sobre o cargo de assessor. É importante que os profissionais de Serviço Social se atentem para importância de se garantir o atendimento direto do Assistente Social à população usuária nas instituições em que assessora.

Uma vez atingido o objetivo principal ou não, da assessoria esta geralmente não se acaba, afinal este processo pode ter continuidade, pois na concepção de Matos (2009) não esta em cena uma adaptação de um modelo ideal de atuação. Sendo que a realidade é dinâmica e apresenta permanentemente desafios, que podem ser mais bem encarados por meio de troca de conhecimentos que a assessoria propicia, importantes espaços para isso são as avaliações que devem ser periodicamente realizadas.

O assessor poderá apresentar proposições, que não serão aceitas por quem esse profissional assessora, isso é previsível, pois o assessor não possui a prerrogativa de ser executor de ações.

Acredita-se que todo o processo da assessoria – planejamento, desenvolvimento, seus impasses e avanços – deve ser avaliado e registrado. Havendo um conjunto de conhecimentos que a prática da assessoria gera que merece ser socializado, assim se o assessor estiver atendendo, pode também construir documentos com diferentes perfis e profundidades.

Enfim consideramos importante o adensamento de reflexões sobre a assessoria e a sistematização dos desafios que essas experiências apontam. Afinal a reflexão que aqui empreendemos visou clarificar o que seja assessoria e em especial apontar as possibilidades dessas estratégias para o nosso exercício profissional. Esse caminho merece ser sempre alimentado com estudos, análise critica da realidade e a capacidade de proposições, exatamente no caminho de que Iamamoto (1998) aponta: um profissional informado, culto, crítico e competente.

4. Conclusão

A partir desta afirmação vimos que com o assessoramento a comissão pro fórum, aprendemos a criar estratégias seguras para o desenvolvimento de ações no atendimento a pessoa idosa em diferentes áreas de intervenção, assegurar o efetivo cumprimento dos dispositivos legais e defesa dos direitos e da prestação de serviços de melhor qualidade para o indivíduo. E que a prática desenvolvida permitiu também, ampliar nossos horizontes e visualizar as dificuldades enfrentadas no desenvolvimento do processo; pouca participação social, falta de visibilidade, falta de apoio das autoridades, e escassez de recursos financeiros, físicos e humanos.

Para a consolidação do projeto de assessoria ao FOPI foi fundamental a articulação entre as instituições e demais órgãos comprometidos a realizar mudanças na participação efetiva, divulgação de assuntos referentes aos direitos da pessoa idosa.

A prática desenvolvida ampliou horizontes e permitiu visualizar as dificuldades do desenvolvimento do processo como a falta de participação social, falta de visibilidade entre outros. Mas também á vontade e a mobilização dos representantes da comissão pro fórum nos fazem acreditar nas possibilidades de uma intervenção eficaz na questão da pessoa idosa.

Com a prática extensionista apreendemos que as ações desenvolvidas estão de acordo com a prática do Assistente Social, uma vez que a lei 8.662/93, que regulamenta a profissão, nos artigos 4° e 5° da lei, trata das competências e atribuições que visam à elaboração, coordenação, implementação, execução e avaliação de planos e políticas sociais, junto aos órgãos de administração pública; supervisão, planejamento, assessoria e consultoria e defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade.

Referências FONSECA, T. M. A. da. Reflexões acerca da assessoria como atribuição e competência do assistente social. Revista Ágora Políticas Públicas e Serviço Social. Ano 2, nº3, dezembro de 2005. GOERCK, C.; VICCARI, E. M. Assessoria: processo de trabalho do Serviço Social. Revista Virtual Textos & Contextos. n. 3, ano III, dez. 2004. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/990/770. Acesso em: 07/05/2010. IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1998. MATOS, M. C. de Assessoria, Consultoria, Auditoria e Supervisão técnica. Revista virtual Abra sua Mente. Fev. 2009 . Disponível em http://freeormind.blogspot.com/2010/02/assessoria-consultoria-auditoria-e.html. Acesso em: 10/05/2010.

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VASCONCELLOS, A. M. de. Relação teoria/ pratica: o processo de assessoria/consultoria e o Serviço Social. Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, ano XVII, n. 51, jul. 1996. ALMEIDA, N. L T. Retomando a temática da sistematização da prática em Serviço Social. Serviço Social e Saúde, Formação e trabalho profissional. São Paulo. Cortez, 2006

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SOCIEDADE CIVIL E PARTICIPAÇÃO NO MERCOSUL: UM DEBATE CONTEMPORANEO.

Luciane Kulek1*; Danuta Estrufica Cantoia Luiz2;

1 Universidade Estadual de Ponta Grossa 2 Universidade Estadual de Ponta Grossa

1. Introdução Este texto apresenta elementos que foram tema de discussão e pesquisa na Iniciação Cientifica

durante um ano 01/08/2009 a 31/07/2010, sendo o tema: Sociedade Civil, participação e Mercosul no debate contemporâneo. A necessidade de sistematizar as concepções do tema Sociedade Civil e suas diversas expressões no contexto do Mercosul, surgiu do acompanhamento a esse debate no curso de Serviço Social da UEPG, juntamente com o Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas, na linha de pesquisa Estado, Políticas Públicas e Práticas Sociais também da UEPG.

A sociedade civil enquanto palco de diferentes interesses, dimensões/expressões presentes no Mercosul, busca introduzir um objetivo coletivo, a contribuição das organizações dos países membros participem enquanto interlocutores legítimos e fundamentais neste processo de integração regional. A necessidade de sistematizar as concepções do tema Sociedade Civil e suas diversa expressões no contexto do Mercosul, surgiu do acompanhamento a esse debate no curso de Serviço Social da UEPG, juntamente com o Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas, na linha de pesquisa Estado, Políticas Públicas e Práticas Sociais também da UEPG. Partimos do pressuposto que a participação da sociedade civil pode ser um exercício democrático para debater questões políticas neste âmbito regional, o qual deve primar não apenas em aspectos econômicos, mas também sociais. A pesquisa tem como objetivo contribuir na sistematização e divulgação sobre a participação da sociedade civil em debater questões políticas no âmbito do cone sul. Também identificar e analisar a produção de textos/artigos publicados na internet sobre a Sociedade Civil no MERCOSUL, expondo como a temática tem sido abordada, quais suas expressões e protagonistas no contexto contemporâneo. Partimos do pressuposto que a participação da sociedade civil pode ser um exercício democrático para debater questões políticas neste âmbito regional, o qual deve primar não apenas em aspectos econômicos, mas também sociais. 2. Método

O procedimento metodológico foi realizado em diferentes etapas, sendo estas: estudo e sistematização de fundamentos teóricos sobre participação da Sociedade Civil no Mercosul, através de pesquisa bibliográfica; seleção dos artigos e textos em fontes confiáveis da internet;, coleta de dados nas publicações selecionadas na internet; elaboração de quadro quantitativo extraindo as concepções de Sociedade Civil no Mercosul; sistematização e análise dos dados. A fundamentação teórica ocorreu entre Agosto a Outubro de (2009) e o levantamento nas publicações da internet, sobre a Sociedade Civil no Mercosul, entre Setembro a Dezembro, o que resultou na coleta de 62 artigos; de novembro a janeiro (2010) foi analisado e elaborado um quadro quantitativo contendo as concepções de participação da sociedade civil, resultando na seleção de 24 artigos. E, destes, resultaram como amostra de pesquisa 12 artigos mais significativos em termos de conteúdo [1-12]3. Para tanto, organizamos um quadro demonstrativo sobre a categoria sociedade civil no Mercosul, agrupada conforme similaridades de conteúdos. Estes foram analisados a partir do método Analise de Conteúdo. Ainda na pesquisa bibliográfica, identificamos as expressões ou formas da sociedade civil organizar-se no Mercosul. Também investigamos na Legislação referente ao Mercosul, elementos presentes na mesma que fazem referência a presença da sociedade civil neste contexto. 3. Resultados e Discussão

Elaboramos um perfil basilar de seis (6) legislação afetas ao Mercosul [13] sendo elas: Tratado de Assunção (1991); Protocolo de Ouro Preto (1994); Protocolo de Montevidéu sobre Comércio de Serviços no Mercosul Decreto Nº 13/97 e 12/98; Protocolo de Ushuia sobre compromisso democrático no Mercosul:

1 [email protected] 2 [email protected] 3 As referencias utilizadas serão indicadas no texto entre colchetes [ ]

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Bolivia e Chile (1998); Regimento Interno Do Fórum Consultivo Econômico e Social do Mercosul –FCES 20/06/1996; Protocolo Constitutivo do Parlamento Mercosul (2006). Identificamos que elas têm englobado mais a regulamentação jurídica no processo de integração regional, mas, em algum momento de forma direta e indireta trazem a presença da sociedade civil nas decisões condizentes ao Mercosul.

A partir da pesquisa bibliográfica (nos artigos [1-12] mais significativos sobre o tema sociedade civil e Mercosul), os dados foram organizados em categorias analíticas, aproximadas conforme o conteúdo dos mesmos.

Categoria 1 - Participação da Sociedade Civil no Mercosul Encontramos com maior destaque os dados bibliográficos que apontam para o fato da participação da sociedade civil ser restrita quanto ao seu envolvimento na estrutura política e jurídica do Mercosul. São limites à uma efetiva participação e integração no sentido de não contemplar a presença da sociedade civil nas decisões que dizem respeito ao Mercosul. Os autores pesquisados argumentam que esta é uma questão de decisão política, há uma priorização às questões relativas à economia entre os países. Não há um favorecimento de um verdadeiro mercado comum no que se refere aos espaços ampliados de participação civil-popular. Para a qual, torna-se necessária uma gestão pública permeável aos setores organizados com instrumentos de representação e de protagonismo.

Categoria 2 - Sociedade Civil enquanto correlação de forças políticas, hegemonia e democratização;. Localizamos nos dados, através dos autores que discorrem sobre este tema, com maior tendência no sentido da luta e construção da gestão publica democrática no contexto do Mercosul. Colocam que no âmbito da sociedade civil surgem forças multiformes que agem no sentido do fortalecimento da face do Estado, face o Mercado, ou a ambos. São forças que criam espaços de publicização na busca de hegemonia e contra hegemonia, em seus campos específicos de atuação e opinião pública, por meio de grupos de pressão para atingirem seus interesses. A sociedade civil é posta pelos autores, nesse arranjo macro institucional na tentativa de construir uma esfera publica democrática englobando a relação econômica e política, o estatal e o privado, e o público não estatal, para o desenvolvimento econômico, consolidação da democracia e distribuição equitativa do crescimento. Apontaram a necessidade das organizações da sociedade civil, redefinir os termos do debate sobre o futuro da governança regional, e avançar em termos de direitos de cidadania dos habitantes que também são parte deste processo de integração regional e global.

Categoria 3 - Sociedade Civil – a participação como dimensão da esfera publica democrática, espaços de publicização; controle social; exercício da ampliação do espaço de participação ativa; busca de novos formas de organização e fortalecimento dos atores sociais no Mercosul; através dos dados bibliográficos, pode –se identificar que para os autores a sociedade civil é capaz de ampliar o campo da construção democrática em instâncias da esfera publica do bloco regional. Isso remete a espaços de cidadania em diversas instâncias organizativas entre outras de classes subalternas, com possibilidades de construir cidadania e aprofundando os processos democráticos na região, a qual também requer uma mudança cultural do processo de participação. Apresentam a necessidade desta sociedade civil, potencializar a participação de seus sujeitos sociais na construção democrática de uma agenda social mediante o contexto dos blocos regionais. Existem novos espaços de democratização no Mercosul, fruto da nova realidade política e da reconfiguração dos mecanismos de pressão social, que abrem possibilidade, como os instrumentos plebiscitários, fóruns e diálogos permanentes como novos espaços de participação, como extensão da democracia à fortalecer e mobilizar os novos espaços de representação que, em âmbito da globalização, acabem mostrando a necessidade de fomentar uma sociedade global. 4. Conclusão

A realização da pesquisa demonstrou que há fragilidade de participação efetiva de segmentos organizados da sociedade civil no debate público de questões afetas ao Mercosul (conforme vimos na categoria 1). Por outro lado, os artigos selecionados apontam para a existência de mobilização de grupos heterogêneos, tanto locais como nacionais e regionais, os quais incidem sobre ações sociais, políticas e históricos culturais ( conforme a categoria 2). Os autores pesquisados mostram que as diversas expressões da sociedade civil estão em constante movimento na discussão do Mercosul, apesar das dificuldades para efetivar a sua participação. Fato que demonstra que a presença da sociedade civil não é nula, mas esta se manifestando continuamente através de movimentos sociais e populares, ONGs, universidades, instituições acadêmicas, cooperativas, associações, conselhos profissionais e sindicatos. Todas as considerações feitas neste trabalho foram possíveis, a partir dos autores/pesquisadores que buscaram e publicizaram o tema da participação da sociedade civil no Mercosul, através de textos/artigos publicados na internet, como fonte de pesquisa atual sobre temas atuais e emergentes na contemporaneidade.

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Referências da Amostra de Pesquisa [1] WANDERLEY. Luiz Eduardo; RAICHELIS.Raquel, Gestão Pública democrática no contesto do Mercosul. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/sierra/wanderley.pdf [2] JUNIOR. Lier Pires Ferreira. Mercosul: desafio da Democracia. Disponivel em: http://www.urutagua.uem.br/008/08polint_ferreira.pdf

[3] GALLO. Edmundo; COSTA. Lais. (Organizadores) SIS MERCOSUL, Uma agenda para a integração. Disponível em http://bvssp.icict.fiocruz.br/lildbi/docsonline/4/2/1124Sis_mercosul.pdf#page=23

[4] WANDERLEY. L. E. Mercosul e Sociedade Civil.São Paulo Revista São Paulo em Perspectiva, 16(1); 63-73,2002, disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392002000100008&lng=en&nrm=iso; [5] _________________ A construção de um Mercosul Social. Disponivel em. http://www.pucsp.br/pontoevirgula/n1/artigos/pdf/07LuisEduardo.pdf

[6] ROSINHA. Dr. O Parlamento do MERCOSUL e a cidadania. Disponível em: http://ptcuritiba.org.br/artigos/o-parlamento-do-mercosul-e-a-cidadania/ [7] SEMINÁRIO INTERNACIONAL – INSTITUO ROSA LUXEMBURGO STIFTUNG(IRLS) E O INSTITUTO SOLIDARIEDADE BRASIL (ISB). Parlamento Mercosul e democratização: que integração regional queremos?. Realizado nos dias 1 a 3 setembro,2009, Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.rls.org.br/detalhe2.asp?codigo=306&categoria=5 [8] DOCUMENTOS DO MERCOSUL. Declaração Sindical Mercosul. Comunidade Andina Integração com Desenvolvimento Social, Soberania e Democracia. Disponível em: http://www.sindicatomercosul.com.br/documento_texto.asp?noticia=18 [9] Cadernos FÓRUM CIVIL; ANO 1 N. 1; Rio de Janeiro, junho de 1999; Políticas sociais Compensatórias no Mercosul. Disponível em: http://www.cepia.org.br/doc/livro1forum.pdf [10] PAIVA, Beatriz Augusto de. e OURIQUES, Nildo Domingos, Uma perspectiva latino-americana para as políticas sociais: quão distante está o horizonte? Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141449802006000200004&lng=es&nrm=iso&tlng=es [11] PITANGUY. Jacqueline; HENRINGER. Rosana, (Organizadores do Caderno:Fórum social). Direitos Humanos no MERCOSUL.Disponível em: http://www.cepia.org.br/doc/livro4forum.pdf [12] VIGNA.Edélcio. Parlamento do Mercosul: O desafio da participação social. Disponível em: http://www.cebela.org.br/imagens/Materia/06DOC02%20Edelcio.pdf Referencia Legislações [13] Legislações, Disponível em: http://www.mre.gov.py/dependencias/tratados/mercosur/registro%20mercosur/mercosurprincipal.htm Agradecimentos

A minha orientadora Profª Drª Danuta, que me conduziu gentilmente durante o processo de pesquisa, com muita paciência e profissionalismo. A você, muito obrigada.

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A PESSOA IDOSA E SEU CONTEXTO: UM ESTUDO SOBRE A SITUAÇÃO DO IDOSO NA CIDADE DE CRICIÚMA-SC

Diego Destro1; Silvana de Souza Policarpi; Teresinha Maria Gonçalves

Universidade do Extremo Sul Catarinense

1-INTRODUÇÃO

No mundo, em 2050, segundo IBGE (2000), 1/5 da população será de idosos. O crescimento dessa população, em números absolutos e relativos, é um fenômeno mundial está ocorrendo a nível sem precedentes. As projeções indicam que, em 2050 a população idosa será de 1.900 milhões de pessoas, montante equivalente à população infantil de 0 á 14 anos de idade. Uma das explicações para esse fenômeno é o aumento, verificado desde de 1950, de 19 anos na esperança de vida ao nascer em todo mundo. E, segundo as projeções o número de pessoas com 100 anos ou mais aumentará quinze vezes, passando de 145 mil pessoas em 1999 passando para 2,2 milhões em 2050. Os centenários, no Brasil somavam 13.865 em 1981 e, já em 2000 chegam a 24.576 pessoas, ou seja, um aumento de 77%. São Paulo, segundo IBGE 2000, tem o maior numero de pessoas com 100 anos ou mais (4.457), seguido pela Bahia (2.808), Minas Gerais (2.765) e Rio de Janeiro (2.029).

No Brasil, 62,4% dos idosos são responsáveis pelos domicílios. É importante destacar que no conjunto de domicílios brasileiros (44.795,101), 8.964,850 tinham idosos como responsáveis do contingente total. No Brasil, uma pessoa é considerada idosa com 60 anos ou mais. Destaca-se ainda que a idade média do idoso responsável pelo domicilio, em 2000, estava em torno de 69,4 anos, segundo IBGE (2000).

Em nosso estado, segundo a I Conferência Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa do Estado de Santa Catarina (2006) existem atualmente 500 mil idosos. Esse dado traz ao estado o desafio de enfrentar não apenas o aumento da população idosa, nos próximos anos, como também o aumento da longevidade desta população, sendo necessário e urgente que as políticas públicas se estruturem para garantir os seus direitos de cidadania. O Brasil tem o desafio de garantir políticas públicas para idosos, segundo CAMACHO (s/d) essa é a grande questão que se coloca para o nosso país uma vez que, segundo essa autora, a população idosa no ano de 2020 aumentará de 15%.

Na região Carbonífera de Santa Catarina, segundo IBGE (2000), a população de idosos é de 24.662. Essa mesma população em Criciúma, segundo essa fonte, é de 11.351. Sabemos que hoje (2010) essa população é muito maior, trabalhamos com os dados de 2000 porque é o ano que está disponível no IBGE.

O projeto de lei de número 57 de 2003 e de nº 3.581 de 1997 da Câmara Federal e o parecer nº 1301 de 2003 do Senado Federal criam e promulgam o Estatuto do Idoso. Com 114 artigos estabelece os direitos da pessoa idosa com 60 anos ou mais e a filosofia das políticas públicas para essa população. O artigo 3º diz:” É obrigação da família,da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Reconhecemos que é um grande avanço. No entanto é um instrumento. Para implementá-lo são necessárias política públicas articuladas com todas as áreas da sociedade. Cabe as universidades um papel fundamental na produção de pesquisas, programas publicações e formação de profissionais qualificados.

A questão do idoso em nosso país traz subjacente uma preocupação com políticas públicas realmente efetivas. As direcionadas a outras faixas etárias como crianças, adolescentes e adultos, nas várias esferas: saúde, educação, transporte, lazer, trabalho, habitação deixam muito a desejar. Hoje quando se fala em idoso normalmente se pensa no idoso doente. Nos últimos anos desta década tem-se falado em um profissional chamado cuidador de idoso. Percebemos que esse profissional é visto como um cuidador de um doente.

Este Projeto de Pesquisa se propôs a discutir a questão da pessoa idosa, numa perspectiva interdisciplinar vendo o idoso não só com limitações mas, também, com possibilidades. Acreditamos que muitas pessoas, hoje, se aposentam com potencial de trabalho e experiência para levar uma vida digna e saudável aos 80, 90 ou 100 anos. É neste foco que contextualizamos nossa discussão. A sociedade brasileira de maneira geral, segundo OLIVEIRA E PANTAROLO (2009), desestimula a participação da pessoa idosa nos processos socioeconômicos e culturais de produção, decisão e integração social. O processo desordenado 1 [email protected]

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de desenvolvimento da sociedade de consumo gera problemas sociais graves e afeta sensivelmente a velhice. Damergian (2001) traz essa preocupação ao destacar a grande a desigualdade social no Brasil e a ineficiência das políticas publica de modo geral.

Como interromper um projeto de vida só porque a pessoa fez 60 anos ou se aposentou? A autonomia de uma pessoa refere-se à capacidade de tomar decisões por si, e a independência

representa a capacidade da pessoa executar tarefas ou atividades sem o auxílio de outras pessoas. A pessoa idosa tem possibilidades, mas também tem limitações e carece de cuidados para prevenir danos e promover uma boa qualidade de vida. Barros (2000) apresenta uma tese de uma arquitetura para a terceira idade falando de casa segura para promover a autonomia de locomoção.

Gonçalves (2002) ao pesquisar o espaço urbano pergunta se as cidades estão preparadas para receber e proporcionar uma vida saudável para a população idosa. E vai mais além, propõe que a Psicologia Ambiental e a Arquitetura façam uma parceria no sentido de criar espaços de moradia, convivência, lazer e trabalho. Não basta pensar que a residência destinada ao idoso deve atender somente as normas exigidas pela ABNT, que diz que banheiros devem conter barras de segurança e piso ante derrapante de modo que tal usuário possa ter segurança física e autonomia. Mas é este o único local onde deverá ter autonomia? Sabendo que a casa é o elo de ligação com a rua. Em que rua andará nosso idoso? São espaços de segurança e prazer como afirma Jacobs? Por onde caminhará para manter uma vida saudável? Com quem conversará enquanto sua família estiver ocupada com seus afazeres. E os que estão sozinhos conviverão com quem? Arquitetura está ligada com o projeto de vida da pessoa na medida que sua função é criar espacialidades.

Quando falamos em espacialidades estamos nos referindo ao espaço das habitações e seu entorno, ao espaço da cidade, aos espaços públicos. Quando falamos de idosos não nos remetemos somente à população pobre, mas a todos dos diversos segmentos sociais. O projeto de vida de uma senhora agricultora ou dona de casa certamente será diferente de um projeto de vida de uma professora ou de uma executiva aposentada, por exemplo. Mas todos precisam de espaços de convívios, espaços democráticos onde as pessoas dos diversos segmentos sociais possam conviver. Elali (1997) fala de suas experiências como arquiteta integrada com a Psicologia Ambiental na promoção de políticas públicas de produção do espaço urbano com a preocupação de que as espacialidades sejam fatores de qualidade de vida. Gonçalves, Destro e Souza,(2009) no estudo das calçadas como espaços públicos também trabalham essa perspectiva.

Também é um fato que muitas pessoas deixam para fazer o que realmente gostam depois da aposentadoria. Mas de que o elas gostam? Como vive o idoso pobre e o idoso de classe média? No Brasil? E em Criciúma? Pergunta de difícil resposta porque não temos pesquisas sobre estes assuntos. Algumas coisas importantes estão sendo feitas, como por exemplo, no estatuto do idoso.

2-MÉTODO

Esta pesquisa se caracteriza na modalidade qualitativa e o método utilizado foi a história de vida. Como o próprio nome diz, é o estudo da vida de determinado sujeito ou grupo. É um método apropriado

e muito utilizado nas Ciências Sociais. Segundo Queiroz (1988), a história de vida encerra um conjunto de depoimentos e, embora tenha sido o pesquisador a formular o tema, é o narrador que decide o que narrar. A autora vê, na história de vida, uma ferramenta valiosa justamente porque se coloca no ponto no qual cruzam vida individual e contexto social

Quem são estas pessoas? Como vivem? Qual seu projeto de vida? Por outro lado perguntamos às áreas envolvidas nesse projeto: Arquitetura e Psicologia: quais contribuições que poderão dar para a formulação e implementação de políticas publicam que considerem a pessoa idosa como produtiva e aptas para dar sua contribuição social? Também perguntamos que contribuições darão essas pessoas com limitações físicas, emocionais e sociais? Que poderá fazer por elas a Arquitetura e Psicologia?

2.1-Definição da amostra de pesquisa:A amostra da pesquisa foi composta por 10 sujeitos E três categorias:

-05 sujeitos residentes em casas asilares

-03 sujeitos que freqüentam habitualmente praças e outros espaços públicos

-02 sujeitos que residem sozinhos em suas casas

Os critérios utilizados para a escolha dos sujeitos foi aleatório.

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O tamanho da amostra seguiu o critério da pesquisa qualitativa cuja representatividade não se dá somente por critérios estatísticos mas pelo rigor metodológico e o aprofundamento da análise.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas,visitas domiciliares, observação sistemática e levantamento fotográfico para verificação do contexto espacial do idoso.

3. RESULTADO E DISCUSSÃO

Todos os idosos asilares relataram que possuíam casas e apartamentos onde moravam mas, como precisam de cuidados os filhos, contra a vontade deles, os internaram no asilo. Experimentam sentimentos de abandono e solidão e desejam voltar para casa. Verbalizaram que a vida no asilo é como se estivessem num presídio. Ficam trancados o tempo todo. Só saem quando algum familiar os vem buscar, o que é muito raro.

Quanto aos idosos que moram sozinhos foi percebido uma situação de autonomia no sentido de administrarem suas vidas:cuidam da casa, vão ao mercado, recebem amigos, familiares, deslocam-se pela cidade usufruindo dos benefícios sociais que é concedido ao idoso como não pagamento de passagem de ônibus, não enfrentar filas e outros...

Quanto aos idosos freqüentadores de espaços públicos foi observado que vão a esses espaços, na maioria das vezes, para levar os netos à praça. Não foi percebido uma intenção de usufruírem daquele espaço para benefício próprio. Na cidade de Criciúma há, na Praça Congresso e no Paço Municipal, academias ao ar livre para os idosos fazerem exercícios e conviverem entre si. Estes não aceitaram dar entrevistas. Observa-se algumas distorções como: pequeno número de idosos as freqüentam, somente os que moram no entorno. Também foi observado a ausência de profissionais para orientá-los no uso dos aparelhos. Dessa forma se conclui que as políticas sociais para a pessoa idosa devem prever ações para viabilizar a participação facilitando o acesso.

4. CONCLUSÃO

O Estatuto do Idoso é uma grande conquista. No entanto é preciso garantir os direitos nele assinalados. As políticas públicas devem caminhar no sentido de buscar soluções para que os idosos tenham uma vida digna, condição esta, que em nossos levantamentos a campo não foi observada. Nos asilos, o total abandono por parte de familiares e a falta de infra-estrutura desses abrigos. Os que moram sozinhos, a solidão na maioria do tempo. O Estatuto do Idoso diz que é direito da pessoa idosa ter acesso a atividades culturais, sociais, físicas, mentais e emocionais entendendo que uma liga a outra pois, o ser humano é único em sua essência e não um ser fragmentado. Deve ser visto em todo seu contexto, contemplando o social, físico e o mental. A condição apresentada das casas asilares é muito similar a um hospital, cercado de paredes frias e sem vida, tornando-os sem identidade e dificultando uma relação afetiva entre o asilado e o espaço externo em que está inserido. Essa constatação já havia sido feita por Jerônimo (2005) em sua pesquisas sobre asilos.

Quando aos espaços públicos da cidade, nos deparamos com situações de desprezo com o idoso, desde questões de acessibilidade e caminhabilidade e lugares de convívio nesses espaços. Concluímos que a cidade não está preparada para receber esse contingente de pessoas idosas que as estimativas apontam. As espacialidades para essa população desde a casa e seu entorno, as possibilidades de convívio social que os deixassem menos dependentes de suas famílias até espaços públicos como calçadas, praças, parques e locais de encontro devem ser pensadas, programadas e viabilizadas. 5. REFERÊNCIAS: BARROS, Cybele Ferreira Monteiro de. Casa Segura: Uma Arquitetura Para a Maturidade. Rio de Janeiro. Ed. Papel & Virtual. 2000. CAMACHO A.C.L.F.A Gerontologia e a Interdisciplinaridade:aspectos relevantes para a Enfermagem. Revista Latinoamericana de Enfermagem, 2002 março-abril; 10 (2):229-33

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-DAMERGIAN, Sueli.A construção da subjetividade na Metrópole Paulistana: Desafios da contemporaneidade. São Paulo.Educ, 2001.

ELALI, G. A Psicologia e Arquitetura: em busca do lócus interdisciplinar, Natal-RN,Estudos de Psicologia,Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 1997, 2 (2), 349-362

Estatuto do Idoso. Projeto de Lei da Câmara nº 57. 2003

GONÇALVES, DESTRO, ROCHA. Ambiente Urbano-um estudo sobre o uso das calçadas como espaços públicos na cidade de Criciúma-SC,Criciúma,UNESC,2007

GONÇALVES, T.M. O processo de apropriação do espaço através dos modos de morar e habitar o lugar Uma abordagem Psico-Sócio-Ambiental do Bairro Renascer/Mina Quatro – Criciúma-SC. Curitiba, UFPR. Tese de doutorado. 2002.

I Conferência Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa do Estado de Santa Catarina. Florianópolis. 2006.

IBGE. Dados da População Idosa. 2000

JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo. Ed. Martins Fontes, 2003.

JERÔNIMO, R.N.T. Estudo Sobre População Asilar em Criciúma-SC. UNESC. 2005.

OLIVEIRA, R.C. e PANTAROLO,R.S. Políticas Públicas e o Gestor da Educação na Universidade para a Terceira Idade,Curitiba, IX Congresso Nacional de Educação- EDUCARE, 2009.

QUEIROZ, M.I. (1988) Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”. In: VON SIMSON (org.) Experimentos com Histórias de Vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice.

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A PRODUÇÃO DE UM MODELO DE DOCÊNCIA: UM ESTUDO SOBRE LITERATURA DE FORMAÇÃO REFERENCIADA EM CURSOS

DE MAGISTÉRIO, NÍVEL MÉDIO, DO RIO GRANDE DO SUL

Maria Renata Azevedo1*; Luís Henrique Sommer2 1 Bolsista UNIBIC/UNISINOS

2 Orientador/UNISINOS

1. Introdução

O trabalho tem como tema a formação de professores e vincula-se à pesquisa A produção de um modelo de docência: um estudo sobre literatura de formação de professores, que toma como hipótese central a existência de um modelo hegemônico de formação docente sendo produzido, desde os anos 1990, por uma parcela da literatura recorrentemente referenciada em curso de formação de professores do Rio Grande do Sul. A pesquisa pergunta pela forma como os textos se organizam discursivamente de modo a poder-se afirmar que há um, e somente um, modelo de docência sendo tramado, além de demonstrar e analisar como eles operariam sobre a dimensão ética dos professores em formação, sobre as relações que cada um estabelece consigo mesmo. Os objetivos principais da pesquisa são: a) descrever e analisar esse modelo de docência produzido nos cursos de formação de professores gaúchos; b) fazer avançar o conhecimento do campo de pesquisa sobre formação de professores. 2. Método O corpus de análise é composto pela bibliografia mais recorrentemente referenciada nas disciplinas de didática (ou equivalentes) nos dez mais antigos cursos de normal de nível médio da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Para este trabalho estão sendo considerados apenas setes curso de normal de nível médio, todos da rede estadual de ensino. Em termos teórico-metodológicos, baseamo-nos em uma análise de discurso inspirada nas formulações de Michel Foucault acerca da centralidade dos discursos na produção de subjetividades e identidades sociais, o que envolve considerar os discursos em sua dimensão ordenadora de outras práticas (discursivas e não discursivas), implicadas na regulação dos espaços e tempo escolares e na produção de formas de subjetividade.

Um exame atento da literatura referenciada nos cursos de normal de nível médio examinados permite que as obras sejam categorizadas, preliminarmente, em três grandes grupos: 1) textos didáticos; 2) textos metadidáticos e 3) textos ideológicos.

Textos didáticos referem-se a obras reconhecidamente didáticas. São vetores de discursos que se propõem a ofertar conhecimentos acerca da organização da sala de aula, do planejamento, dos procedimentos metodológicos, enfim, dos processos de ensinar. Podemos vê-los como a expressão de discursos didáticos, como ensinando, por exemplo, a organizar o processo de ensino através do planejamento, enfim, textos que tem por objeto instrumentalizar à “sistematização do ensino de conteúdos escolares” (SFORNI, 2008, p. 382). De fato, são produções que objetivam ensinar a ensinar. Neste sentindo, trata-se de discursos didáticos.

Textos metadidáticos são textos que falam sobre didática. Não são a expressão de discursos didáticos, mas a eles se referem. Não são stricto sensu textos que se propõem a ensinar didática, não se estruturam como discursos didáticos, mas falam sobre didática. Podemos vê-los, então, como metadiscursos porque, diferentemente do discurso didático, não têm por propósito ensinar a ensinar, mas analisar, geralmente de modo assumidamente crítico, o que se diz (nos textos didáticos) acerca do processo de ensinar. Trata-se portanto de discursos sobre a didática, ainda que muitos sejam vistos como expressão de conhecimentos do campo da didática. Geralmente são produções acadêmicas, tipo produtos de pesquisa que se estruturam como discursos críticos sobre os modelos do ensinar a ensinar.

Finalmente há o terceiro grupo, que são por nós nomeados como textos ideológicos. Tais textos funcionam como vetores de ideários pedagógicos. Nem a didática e menos ainda a sala de aula são objetos diretos de análise desse tipo de texto, mas processos mais amplos: a educação como fenômeno sociológico, filosófico, antropológico, os saberes do professor, etc. Alguns desses textos se manifestam como doutrinas, se aproximam do discurso religioso, enquanto outros utilizam uma linguagem bastante aproximada de manuais de autoajuda. O fato é que são textos plenos de certezas e a linguagem que utilizam é em certa medida imperativa, categórica, prescritiva. Mas, diferentemente dos textos metadidáticos, eles são menos analíticos e muito mais prescritivos. Um olhar mais atento permite visibilizar enunciados que posicionam os

* Maria Renata Azevedo: [email protected]

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docentes em formação inicial em processos mais próximos da conversão religiosa do que da formação docente propriamente dita.

3. Resultados e Discussão

Operando sobre a massa documental extraída das referências da disciplina de didática, percebemos uma relativa pulverização de autores. De fato, há autores e obras bastante recorrentes, mas há, também, autores e obras citados por apenas uma escola. No que se refere aos autores mais citados, encontramos, em ordem decrescente, Paulo Freire, Claudino Pilletti, Jussara Hoffmann, José Carlos Libâneo, Celso Antunes, Lev Vygotsky, Philippe Perrenoud, Miguel Zabalza, Edgar Morin, e Celso Vasconcellos.

Uma análise um pouco mais detalhada revela que os livros mais citados foram: Pedagogia da autonomia, de Paulo Freire, que é referenciado em oito das dez escolas; Didática Geral, de Claudino Piletti, também referenciado por oito escolas; seguidos por Didática, de José Carlos Libâneo, A formação social da mente, de Vygotsky e Avaliação: mito e desafio, de Jussara Hoffmann, todos referenciados por quatro escolas. Finalmente, os livros referenciados por três escolas foram: Construir competências desde a escola e Dez Novas Competências Para Ensinar, ambos de Philippe Perrenoud; Avaliar para promover, da já citada Jussara Hoffmann, e finalmente Curso de didática geral, de Célia Regina Haidt. Na tabela 1 é possível visualizar mais claramente esses dados:

Autor Livro (ano da 1º edição no Brasil) nº de

citações Paulo Freire Pedagogia da autonomia (1996) 8

Claudino Piletti Didática Geral (1984) 8

José C. Libâneo Didática (1990) 4

Lev Vygotsky A formação social da mente (1984) 4

Jussara Hoffmann Avaliação: mito e desafio (1991) 4

Philippe Perrenoud Construir competências desde a escola (1999) 3

Philippe Perrenoud Dez Novas Competências Para Ensinar (2000) 3

Jussara Hoffmann Avaliar para promover (2001) 3

Célia Regina Haidt Curso de didática geral (1994) 3

Tab.: 1

Na definição que construímos para a categoria textos ideológico, afirmávamos que tais textos são

vetores de ideários pedagógicos. Uma característica comum desses textos é que eles são plenos de certezas, há claramente um horizonte cristalino que devemos atingir. Eles têm um modelo de professor que devemos aspirar a ser, modelo que não estaria em discussão.

Mais do que desenvolver uma análise dos enunciados, ou fazer juízos de valor sobre os conteúdos das obras destacadas, devemos destacar o nosso estranhamento pela presença de tais textos como bibliografia de referência da disciplina de didática dos cursos de normal de nível médio. A discussão subjacente colocada pelos textos tem mais a ver com uma suposta verdadeira função social da escola e, talvez se possa dizer, os textos materializam-se sob a forma de conselhos. Nesta direção enxergamos tais textos como materiais capazes de funcionarem como operadores da relação consigo dos professores em formação. Isto é, materiais que, sendo utilizados, mediariam a relação que cada professor deve estabelecer consigo mesmo. Em outras palavras, e recorrendo explicitamente ao conceito de tecnologias do eu desenvolvido por Michel Foucault (FOUCAULT, 1990) trata-se de textos cuja manipulação incitaria os docentes a assumirem certas formas, a olharem com lentes particulares para os fins da escolarização, a se apropriarem de certas máximas, a se familiarizarem com certo vocabulário. Enfim, são textos que procurariam, por meio da enunciação de certas máximas, fixar certos sentidos para a educação escolar e a docência, sentido que devem ser compartilhados pelos docentes em formação como parte de seus processos formativos. 4. Conclusão Se considerarmos a massa documental coletada até este momento, poderíamos colocar sob suspeita a idéia de que há um modelo hegemônico de professor sendo produzido pelos livros referenciados

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nas disciplinas que, em tese, seriam aquelas cujo objeto é a ação de ensinar, a característica última de nosso ofício. Entretanto, se mergulharmos um pouco mais fundo, na direção das bases epistemológicas dos discursos, entendemos que encontraremos uma mesma discursividade – as chamadas pedagogias críticas – estabelecendo as regras de produção de grande parte dos textos trabalhados nas escolas de cursos normal de nível médio do Rio Grande do Sul. Referências FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: Campinas: Loyola, 1998. FOUCAULT, Michel. Tecnologías del yo y otros textos afines. Barcelona: Paidós, 1990. GARCIA, Maria M. A. Pedagogias críticas e subjetivação: uma perspectiva foucaultiana. Petrópolis: Vozes, 2002. SFORNI, Marta Sueli de F. Escolarização, didática e inserção social: algumas reflexões. In QUARTIERO, Elisa M.; SOMMER, Luís H. Pesquisa, educação e inserção social: olhares da região sul. Canoas: Ed. ULBRA, 2008. p. 381-390 SOMMER, Luís Henrique. A ordem do discurso escolar. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, p. 57-67, jan-abr 2007.

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A RELAÇÃO MULHER-CORPO-PUBLICIDADE LEITURA DA PUBLICIDADE NOS ANOS 1920 E 1950 NA REVISTA “O CRUZEIRO”

Lais Hermann Mendes*; Liliane Edira Ferreira Carvalho

Universidade do Estado de Santa Catarina

1.Introdução Duas décadas distintas... concepções, ideologias, comportamentos, sociedades. Qual a relação que

podemos estabelecer entre a situação feminina em um dado período histórico, a maneira como ele irá se relacionar com o seu corpo e uma publicidade que tanto dirige como é dirigida pela vida de seus consumidores? Esse artigo, desenvolvido como projeto de pesquisa na disciplina de História e Moda, do curso de Design em Moda, tem como proposta estabelecer essa relação nos anos 1920 e 1950, levando em conta a situação feminina em ambos os períodos e os anúncios publicitários presentes na revista O Cruzeiro.

Os anos 20 são marcados por uma crescente independência feminina, uma mulher que luta por seus direitos, reivindica sua liberdade e busca aproveitar a sua vida. Já os anos 50 nos trazem um período de pós-guerra dominado pelas grandes esperanças do “american way of life”, onde “mulheres perfeitas” aguardavam belas e sorridentes a volta de seus maridos do trabalho, com o jantar pronto e a casa limpa.

Dentro desse contexto, temos no Brasil a revista O Cruzeiro, direcionada para ambos os gêneros e atingindo várias faixas etárias ela traz em suas páginas textos e imagens publicitárias que refletem tanto o espírito da época quanto todo um imaginário do que se considerava ideal: discursos que buscavam criar

2. Método

Para o desenvolvimento desse artigo foram utilizadas como fonte de pesquisa as revistas semanais, O Cruzeiro, dos anos 1928, 1929 e de toda a década de 1950, disponíveis no acervo de periódicos raros da Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina. Devido ao grande número de publicações disponíveis da década de 50, foram selecionadas entre duas e cinco revistas por ano. Ao final, contou-se com 43 revistas em que focou-se as imagens publicitárias de produtos de beleza e higiene voltados ao público feminino.

A revista teve seu primeiro número publicado em 1928 e presenciou boa parte da história do Brasil, tendo um amplo campo de influência (desde política a assuntos domésticos). Podemos inclusive observar que o número de páginas cresce, a medida que a revista conquista um maior espaço, em 1928 as primeiras publicações contavam com aproximadamente 70 páginas e uma edição de 1958 chegava a 125 páginas.

A parte destinada ao público feminino também sofreu alterações: na década de 1920 a revista trazia uma sessão específica chamada “Dona na Sociedade”, e a publicidade voltada ao esse público se encontrava dentro dessas páginas. Já nos anos 1950, as páginas vêm cheias de artigos, contos, conselhos, dicas e publicidade voltada a mulher. Os anúncios de página inteira crescem em número, e os relacionados a beleza e higiene chegam a se tornar repetitivos. Porém, ao contrário de muitas revistas que se mostrariam mais atrevidas, O Cruzeiro mantinha boa parte de seus artigos e publicidades voltadas para as senhoras e moças de família. Enfatiza-se que essa era uma visão predominante dos anúncios, já que, por exemplo as garotas de Alceu Penna, alegres e “atrevidas”, se tornaram muito famosas entre 1945 e 1964.

“Os anúncios de publicidade feminina são construídos sobre uma base comum: a representação do que deve ser o universo feminino. Mas essa não é uma base constante; ela muda conforme a época, pois é resultado de um discurso histórico” (ANDRIGHETO, 2006: 14). A publicidade em si mudou muito entre os períodos tratados e os dias atuais, mas seu objetivo principal continua o mesmo, vender um sonho, um estilo de vida.

A publicidade dos anos 1920 e 1950 está ancorada em textos, coisa que dificilmente vemos hoje em dia. Foram poucas as propagandas que, principalmente na década de 1920, tiveram uma imagem como base de sua campanha, o comum é que se encontre anúncios sem imagem, semelhantes aos anúncios de classificados atuais. A intenção aqui não é estabelecer relações com o presente, mas deixar claro que o formato publicitário que se trata nesta pesquisa não é o mesmo que ao qual se está acostumado.

Baudrillard (2004) comenta que não compramos o produto que está sendo anunciado, consumimos o próprio anúncio, consumimos, na realidade, todo aquele mundo ideal por trás da campanha. Os anos 1920 e 1950 são predominante trabalhados por concepções de vida ideal, ou seja, é possível que se estabeleça o discurso de estilo de vida de toda uma classe, tendo como ponto de partida o que é vendido nas páginas de O Cruzeiro. Um estilo de vida que, certamente, afetará todas as esferas da mulher do período, seu papel na sociedade, nas suas relações com a família: pais, maridos e filhos e, principalmente, sua relação com ela * Lais Hermann Mendes: [email protected]

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mesma. Um dos maiores reflexos desse estilo será a maneira como a mulher vê e cuida do seu corpo. “O corpo apresenta-se como uma superfície onde inscreve-se o social” (SOUZA, 2004: 18). Não

são poucas as vezes que análises de padrões de beleza se deparam e discorrem sobre corporeidade, mas chega-se a considerá-los um tanto quanto superficiais. Geralmente, ficam presas a silhuetas e formas, quando o discurso de corporeidade é algo muito mais amplo. A forma como a mulher irá se relacionar com o seu âmbito biológico: absorventes, remédios, produtos de beleza, tônicos revigorantes, cuidados pessoais, cosméticos em geral, tem muito a acrescentar na relação existente entre todo um contexto histórico e a silhueta dominante.

“As práticas corporais de embelezamento voltadas para o corpo feminino constituem-se, pois, um locus privilegiado para a observação da produção e reprodução de papéis sociais” (SOUZA, 2004: 20). A leitura das propagandas de higiene e beleza nos leva para os discursos que permearam o cotidiano de uma época, ao comportamento daquelas mulheres do levantar ao deitar-se e como cada cuidado pessoal transparece as visões das concepções existentes, principalmente no que diz respeito à diferença entre os gêneros e o papel social feminino.

3.Resultados e Discussão

“A década de 1920 (...) seria caracterizada pela audácia dos gestos e costumes e pela busca da emancipação das mulheres” (SOUZA, 2004: 114). Como breve contextualização desse período temos a I Guerra Mundial levando um grande contingente de mulheres para o mercado de trabalho. Havia uma grande carência de mão de obra, principalmente na Europa, já que a guerra havia levado os homens ao campo de batalha. Uma vez nesse mundo, tendo que manter o lar enquanto trabalha fora, a mulher teve acesso a novas aspirações que não foram embora após a guerra, muito pelo contrário, persistiram nos movimentos feministas e não somente neles, mas em uma nova busca por independência, liberdade e plenitude.

Mas, e o Brasil? Não tendo participado muito ativamente da I Grande Guerra, o Brasil apresentava um contexto um pouco diferente, o que não significava que nada tenha chegado aqui. Podemos observar nas campanhas publicitárias do final da década de 1920, na revista O Cruzeiro que uma “nova mulher” estava em avançada construção, pois com grandes influências dos novos estilos de vida que surgiam e cresciam na Europa, a mulher dos anos 1920 busca aproveitar ao máximo a sua vida e isto, obviamente, refletiu-se nos anúncios publicitários e nos cuidados que devia ter com o seu corpo.

O ideal de beleza entrava com uma mulher alegre, fresca, com as pernas de fora, cabelos curtos com suaves ondulações, magra, com pouco seio e quadril. Sendo assim, não faltaram nem produtos nem esforços que assegurem uma ou mais dessas qualidades sem, é claro, perder tempo com penteados, depilação, entre outras práticas. As mulheres queriam ganhar seu espaço e serem bem vistas, mas isto envolvia passar um precioso tempo envolvidas em arrumações. Criou-se, portanto, um universo publicitário do “rápido”, “instantâneo”, “hoje mesmo”, “sem perder tempo”... E é aí que encontramos produtos como, “Pasta depilatória Allack” que fará “luzir em poucos minutos uma epiderme sem pellos suave, fresca” [1] ou os ”modernos postiços da moda – para uma saída imprevista, você precisa ter um” [2] Aqui, pode-se estabelecer um paralelo com Baudrillard (2004) e afirmar que a mensagem vendida era que você estaria pronta para sair a qualquer hora e em questão de minutos, por mais que na realidade o produto não fosse tão rápido, consumia-se essa idéia de rapidez e praticidade.

Obviamente, se não se desejava perder tempo com depilação e penteados, jamais se perderia tempo com os “problemas mensais de uma senhora”. A menstruação, as cólicas e os demais sintomas relacionados (fadiga, oscilações de humor, dores, etc.) eram considerados empecilhos na vida e no tempo disponível de uma mulher, como podemos ver no anúncio citado anteriormente: “A saúde da mulher”. Sendo assim, era necessário driblá-los a todo custo, e não era pequena a gama de opções que uma mulher dispunha dentro de uma mesma revista: “Saúde da Mulher”, “Uterosano”, “Agoniol”, “Cafespirina”, “Luteo Ovarino”, todos prometendo uma rápida melhora e a garantia de um vida plena, sem perda de tempo com dores e mal-estares.

Essa é uma idéia que aparece bem característica nessa relação mulher-corpo-publicidade dos anos 1920, todos os cuidados corporais e problemas resolvidos lhe permitiriam ter um tempo livre para aproveitar a própria vida, uma concepção bem diferente da que viemos a encontrar nos anos 1950. Nesta década, finalmente, após duas Grandes Guerras e um período de crise, o mundo parecia caminhar de modo pacífico. Os discursos apontavam a imagem das famílias unidas e os avanços tecnológicos estavam a “todo vapor”. A moda que durante anos prendera as mulheres a trajes militarizados, possuía agora um novo rei, Christian Dior, que ditava a volta da feminilidade e do glamour que as mulheres há tanto desejavam. O cinema esbanjava inocência, com Grace Kelly, e sensualidade, com Marilyn Monroe. Não é difícil imaginar todos esses modos de vida atingindo direta ou indiretamente a publicidade e toda a relação da

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mulher com seu próprio corpo. “As tintas para cabelos passaram a fazer parte da vida de 2 milhões de mulheres – antes eram 500”

(VILLAÇA, 1997: 177). A década de 1950 foi pronunciadamente a década da beleza e do glamour, uma onda de cosméticos invadiu o mercado, tinturas para cabelos, maquiagens, sabonetes. “As regras não terminavam e a dona-de-casa não se apresentava sem maquiagem nem ao carteiro” (VILLAÇA, 1997: 173). Os “rituais de maquiagem” chegavam a durar horas (Marilyn Monroe levava três horas para completar sua maquiagem) e iniciavam logo de manhã cedo, preferencialmente antes que o marido acordasse, para que quando o fizesse encontrasse e esposa transbordando charme e beleza. “A boa aparência da esposa é colocada (...) como um atributo essencial a 'felicidade conjugal', ou seja, para manter a atenção do marido e não correr o risco de perdê-lo”(BASSANEZI, 1993: 119). Portanto, ela deveria exercer todas as tarefas domésticas com perfeição, sem, no entanto, relaxar em sua aparência.

Novamente, temos nas páginas de O Cruzeiro todo o aparato necessário para essa empreitada, além de um arsenal de eletrodomésticos que parecem fazer parte do dia-a-dia de qualquer dona-de-casa, teremos uma grande quantidade de combinações: batons e esmaltes da mesma cor, vendidos juntos, assim com conjuntos de sabonetes, talcos e desodorantes. Os anúncios de batons chegavam a cobrir páginas inteiras e em uma mesma edição pode-se contar 7 anúncios de sabonete. Os cuidados pessoais passam a exercer a função primordial de conseguir e manter matrimônios.

Se o conteúdo principal das mensagens publicitárias dos anos 1920 era a “instantaneidade”, nos anos 1950 a palavra de ordem nas revistas será a “perfeição”: tudo em nome da busca por um bom partido. Não importa o tempo que leve, desde que você consiga aquela “ondulação suave e natural que torna mais belos os modernos penteados”[3], feita por você mesma. Até mesmo os anúncios que não são exclusivamente femininos, como pasta de dente, trazem mensagens que apelam para o casamento como: “Graças a Colgate, consegui um marido!” ou “Colgate salvou meu casamento!”. Segundo Bassanezi, o casamento “porta de entrada para a realização feminina, era tido como o objetivo de vida de todas as jovens solteiras” (BASSANEZI, 1997: 610). Por essa razão, pouquíssimos eram os anúncios e textos que não faziam menção ao casamento e o colocavam como o sonho de toda mulher, e novamente tem-se os produtos sendo vendidos atrelados a idéia de conquista ou equilíbrio no casamento.

“Em contrapartida às santinhas Doris Gray e Grace Kelly, Hollywood exportava uma nova mulher, que fazia uso do erotismo como arma de conquista da linha de Sofia Loren e Jane Russel” (VILLAÇA, 2007: 174). Portanto, caminhava ao lado da delicada dona-de-casa, uma mulher jovem e sensual que arrastaria olhares por onde passasse. Ela está presente de forma controlada nos anúncios que prometiam a conquista de um marido, como os de perfumes e maquiagens marcantes, e até mesmo dentro das casas, novamente de forma controlada, para as mulheres que precisassem reavivar a atenção do marido. Obviamente, os anúncios utilizavam essas referências de maneiras subjetivas e controladas, pois o homem certamente escolheria a moça que julgava decente e que não lhe causaria problemas futuros.

Nos anos 1950, assim como havia sido em 1920, os “problemas uterinos” são visto como empecilhos. A mulher retratada nos anúncios já aparece leve e livre de qualquer incômodo utilizando “tal remédio” ou “tal absorvente”, ela é uma mulher moderna e decidida. Dessa vez, ela não pode perder tempo com dores e mal-estares por que tem muito a fazer, não ganhará esse tempo para si e sim para realizar todas as suas tarefas. Como exemplos, dessa nova concepção de “aproveitar o tempo”, pode-se considerar os tônicos revigorantes que, vendidos nas duas décadas analisadas, trazem significativas transformações em suas campanhas publicitárias. Primeiramente, torna a mulher disposta para aproveitar seu dia e, depois aparece como um salvador de casamentos que a leva de triste e desanimada para alguém leve, disposta e sorridente, pronta para cuidar da família e da casa. “As revistas colocam o peso da manutenção da felicidade do lar – e muitas vezes do próprio comportamento do marido – nos ombros femininos... a mulher faz o marido” (BASSANEZI, 1993 :118). O tempo e a disposição que sobravam eram agora destinados a vida doméstica, aos problemas da casa e ao bem estar do marido: ideal era a mulher que reconhecia, sem nunca reclamar, isso tudo como algo muito precioso que deveria ser mantido na mais bela e perfeita ordem. 4. Conclusão

Enfim, pode-se observar que alguns conceitos permanecerem inalterados no decorrer dos anos: como a venda de ideais imaginários através dos anúncios publicitários e seus produtos, observada na venda de tempo, beleza e liberdade nos anos 1920, e na venda de “casamentos”, beleza e perfeição nos anos 1950, e vista até hoje na venda de produtos que nos garantem um mundo de sonhos e desejos; como uma busca por ideal de felicidade que em cada época é refletido na publicidade e sugado para o cotidiano através de cuidados corporais.

A mudança, no entanto, se encontra dentro desses conceitos, nas relações históricas e sociais que

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fazem uma mulher “preferir” um casamento perfeito a liberdade, que a fazem buscar por produtos que a deixem bem com ela mesma, ou que a deixem bem para os olhares dos outros. Uma mudança que une acontecimentos passados e presentes, concepções, objetivos, que influencia e é influenciada pela publicidade e que cria uma série de relações entre a mulher e o seu corpo, as quais, por mais simples e cotidianas que pareçam, nos permitem acessar todo um mundo feminino real e/ou imaginário, praticável e/ou ideal que reflete uma idéia e varia ao longo dos anos.

A década de 1920 trouxe uma mulher diferente, com novos gestos, novos argumentos, roupas andróginas, cabelos curtos e bocas vermelhas. Já a década de 1950, vem com um retomada de antigos costumes e valores, o glamour, o romantismo, os sonhos, a mulher retorna ao lar para ser a bela esposa. Em ambos os períodos, a revista O Cruzeiro atingia toda a classe média, homens e mulheres, das ruas ao interior das casas. Como todo esse alcance, torna-se óbvio que a publicidade, existente dentro dessa revista, influenciou as mulheres que as liam, mesmo entre dois períodos tão diferentes, criando um imaginário social que se realizava no consumo da felicidade.e realização vendida em frascos. [1] O CRUZEIRO, N° 03. Rio de Janeiro, 17 Novembro de 1928, p.38. [2] O CRUZEIRO, N° 02. Rio de Janeiro, 10 Novembro de 1928, p.54. [3] O CRUZEIRO, N° 39. Rio de Janeiro, 12 Julho de 1958, p.85. 5. Referências BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2004. BASSANEZI, Carla. Mulher dos anos dourados. In: PRIORI, Mary Del (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: UNESP, 1997. P. 607 – 639. BASSANEZI, Carla. Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal – De trajetórias e sentimentos. In: Cadernos Pagu, n°1. Campinas: UNICAMP,1993. MALUF, Marina; MATT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando A; SEVCENKO, Nicolau (orgs.) História da vida privada no Brasil. V.3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. VILLAÇA, Nízia. A edição do corpo – tecnociência, artes e moda. São Paulo: Estação das Letras, 2007. SOUZA, Aureci de Fátima da Costa. O percurso dos sentidos sobre a beleza através dos séculos: uma análise discursiva. Tese de Mestrado. Campinas: UNICAMP, 2004. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000334513 <data de acesso:10/11/09> ANDRIGHETO, Daiana. 50 anos de publicidade voltada à mulher. TCC - Trabalho de Conclusão de Curso. Florianópolis: UDESC, 2006. Disponível em : http://www.pergamum.udesc.br/dados-bu/000000/000000000003/0000038D.pdf <data de acesso:10/11/09>

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A TEMÁTICA INDÍGENA NA ATUAÇÃO DO DOCENTE COM BASES ETNOGRÁFICAS E BIBLIOGRÁFICAS A PARTIR DA VISITA À ALDEIA GUARANI

NO MORRO DOS CAVALOS.

Erica de Oliveira Gonçalves1*

1. Introdução A partir da Lei 11.645 [1], de 10 de março de 2008, fica obrigatório o ensino da cultura e história

indígena e afro-brasileira. Para que esta medida signifique uma mudança na educação de forma adequada, a escola pode elaborar propostas educacionais de consciência étnica e valorização da diversidade. O conhecimento das diferenças culturais é importante para o combate ao etnocentrismo, responsável por transformar diferenças em desigualdades.

No caso do ensino da cultura e história indígena, é preciso romper com os estereótipos do “índio selvagem”, fadado à extinção e da folclorização com a reprodução de imagens distorcidas, distante da realidade vivida nas aldeias. A interação dos docentes com o material didático apropriado, tais como livros, artigos e vídeos auxiliam na compreensão das identidades múltiplas dos grupos indígenas no Brasil.

O documentário “Índios do Brasil”[2] apresenta alguns relatos de nativos da região do Amazonas que não se consideram índios porque, para eles, assim como para grande parte da população brasileira, os índios são aqueles que andam de tanga, cocar e vivem isolados. Tais equívocos podem ser responsáveis por criar lacunas na história do Brasil, tornando-a incompleta.

Para contribuir de forma significativa com o rompimento da ideia de que “índio é tudo igual”, cabe aos professores explicar aos alunos a diversidade linguística e étnica dos diferentes grupos indígenas. Aqui no Sul do Brasil, por exemplo, pode se citar os Guaranis, Kaigang e Xokleng, cuja tradição e cultura diferem entre si. Além do estudo mais aprofundado das culturas indígenas, a fim de evitar os equívocos e o olhar etnocêntrico, a observação etnográfica, mediada por um professor desde a educação básica, pode ser um bom caminho para desconstruir paradigmas. 2. Método

A metodologia escolhida para conhecer melhor as diferentes culturas indígenas, foi: pesquisa bibliográfica e pesquisa empírica, ou seja, visitas a uma aldeia indígena na região de Santa Catarina. Esta foi uma ótima oportunidade de conhecer a Aldeia Mbyá-Guarani do Morro dos Cavalos, durante a Semana Cultural Guarani que aconteceu em abril de 2010. Segundo a professora Rita, que dá aulas de artes na escola da aldeia, o evento foi aberto à comunidade para estreitar os laços sociais entre o grupo Guarani e o público em geral.

Nesta primeira visita à Aldeia fui muito bem recebida pela professora Joana, pelo Sr. Adão (Cacique) e em especial por Pedrinho, criança guarani que fez questão de me acompanhar durante a maior parte do tempo. Subimos a trilha, passamos pela casa de reza, pela fonte (foi nos ensinado a beber água na folha), e chegamos até uma pequena roça de mandioca. O guia guarani nos contou que a trilha foi aberta com a ajuda de universitários, professores e crianças da comunidade guarani.

Na mesma data, à noite, durante a 1º Semana Municipal do Livro Infantil, houve um encontro de escritores na Casa da Memória, no centro de Florianópolis, em que o cacique guarani, Sr. Adão, estava presente. Tive a oportunidade de conversar com ele sobre os mitos e as histórias guarani. Ele contou que, ao escrever o livro das lendas guarani, foi repreendido pelos mais velhos da comunidade indígena. A oralidade deste grupo é bem presente e a escrita faz com que a história fique estática, parada e não avança com o passar do tempo.

A segunda visita à Aldeia foi no dia seguinte. Fui sozinha. Fiquei com algumas dúvidas e queria compreender um pouco mais da cultura Mbyá. Uma mulher guarani, cujo nome não me recordo, fez pinturas com jenipapo, carvão e urucum. Aprendi sobre os desenhos e os significados. Márcio (indígena guarani) contou da experiência de estudar fora da aldeia (Universidade Municipal de Palhoça), do contato com objetos do “mundo dos brancos”, das perguntas que os colegas de classe faziam a ele, dos preconceitos e da diferença cultural em relação à população ocidental.

A terceira visita à aldeia, junto com a turma da Pedagogia, foi bem enriquecedora. Joana, professora guarani, falou sobre algumas particularidades do grupo Mbyá. Segundo ela, abóbora, cará, mandioca e banana pacovã são os alimentos preferidos dos indígenas. Explicou que as crianças guarani não têm costume de usar calçados e isso faz com que não fiquem doentes.

                                                            1 Acadêmica da 2ª fase do curso de Pedagogia da Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC: [email protected]

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Joana teve o primeiro contato com a língua portuguesa aos doze anos de idade e relatou a dificuldade de aprender outro idioma. A língua materna deve ser a primeira a ser aprendida, conforme a tradição. O casamento geralmente acontece com indivíduos da mesma etnia. Ela esclareceu diferenças entre o grupo guarani e kaigang. Os cabelos das meninas que menstruam pela primeira vez, são cortados para livrá-las de espíritos ruins. Joana explicou que os Mbyá são muito espiritualizados, diferente dos kaigang. Este fato curioso me fez lembrar a “Mostra Indígena Naakai” que aconteceu no museu da FAED (Florianópolis, SC) em 2009, em que guarani e kaigang ficaram em ambientes separados para que não houvesse atrito entre eles, tendo em vista suas divergências culturais. Enfim, são características importantes e bem distintas dos grupos indígenas e que, muitas vezes, passam despercebidos pela sociedade ocidental, capitalista e não-índia. 3. Resultados e Discussão

Segundo Sílvio Coelho dos Santos, no livro “Índios e Brancos no Sul do Brasil” [3], “quando se fala da existência de indígenas no sul do Brasil, muitas pessoas ficam surpresas.” Ele ainda aponta que o motivo da invisibilidade dos indígenas no sul do Brasil se dá pela “[...] falta de informação bibliográfica, que em particular nos livros didáticos ainda continua em dias do presente a apresentar o indígena como um personagem histórico e, portanto, desaparecido.” (1987, p.15-16)

Outro ponto significativo no ensino dos costumes e tradição indígena pode ser sobre o valor dado a terra. Santos (2008, p.84) no artigo “Índios, direitos e violência oficial” [4] aborda a ideia de que “[...] o sentido da terra é bem diferente daquele que temos em nossa sociedade [...]”. Em Santa Catarina, segundo o mesmo autor, houve uma forte posição contrária à demarcação dessas terras consideradas indígenas. (SANTOS, 2008).

Darcy Ribeiro, grande estudioso desta temática, no livro “Os índios e a civilização” [5], relatou alguns problemas que ainda permeiam a sociedade brasileira em detrimento dos grupos indígenas: “1 Atitude etnocêntrica, dos que concebem os índios como seres primitivos, dotados de características biológicas, psíquicas e culturais indesejáveis que cumpre mudar, para compeli-los à pronta assimilação aos nossos modos de vida. [...] 2 A atitude romântica dos que concebem os índios como gente bizarra, imiscível na sociedade nacional, que deve ser conservada em suas características originais, quando mais não seja como uma raridade que a nação pode dar-se ao luxo de manter, ao lado de museus e dos jardins zoológicos. [...]” (RIBEIRO, 2004, p.213-214, grifo do autor)

Para desfazer as interpretações errôneas e discriminativas do indígena, é preciso conhecer mais sobre a temática. O exercício etnográfico de observar as condições reais do grupo que vive na aldeia localizada no Morro dos Cavalos que, embora esteja próxima geograficamente, está distante do ponto de vista ocidental, capitalista e etnocêntrico, expande as janelas de conhecimento da cultura e da tradição dos Mbyá, assim como de outros grupos étnicos. 3. Conclusão

Alguns pontos foram abordados neste texto com o objetivo de dar visibilidade à cultura e à história indígena. Por isso faz-se necessário enriquecer as aulas com o diálogo com os alunos, desde a educação básica, para aprofundar as análises das contribuições das populações indígenas na construção da identidade nacional e ainda reparar argumentos de senso comum existentes.

O docente poderá utilizar estratégias como, conhecer as concepções prévias de seus alunos sobre a temática indígena e ajudá-los a ampliar seus conhecimentos da área com pesquisas, troca de ideias e debates. Além disso, é importante incentivar a observação da influência indígena no cotidiano. Exemplo: Pirajubaé, Moçambique, Cacupé e Itacorubi são bairros de Florianópolis com nomes indígenas.

A aproximação com os guarani foi, durante esses encontros, de extrema relevância na construção de conceitos, de comparação e de aprendizado. Ainda escuto que na Aldeia Guarani do Morro dos Cavalos, eles não são mais índios porque têm carro e usam roupas. Isso mostra que é preciso desconstruir estereótipos, além de estimular o contato dos alunos com as mais diferentes culturas.

Foi de fundamental importância evidenciar algumas divergências existentes entre os grupos indígenas, a partir da visita à aldeia guarani do Morro dos Cavalos. Afinal, é comum que as pessoas pensem que os índios são todos iguais, têm os mesmos costumes e tradições.

Desta forma, a lei nº11.645 se insere no contexto escolar e amplia as possibilidades de enriquecimento cultural tanto de professores quanto dos alunos. Um equívoco recorrente que é preciso ser reparado com estudo, pesquisa, aproximação e respeito. O educador deve estender seu olhar para além dos muros da escola e orientar seus alunos, não para a homogeneidade, mas para o respeito e para a manutenção das diferenças étnicas, culturais e históricas.

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Referências [1] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 11.645 de 10 de março de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/lei/L11645.htm> Acesso em: 8 jul 2010. Acesso em: 27 jun 2010. [2] ÍNDIOS do Brasil. Produção de Vídeo Nas Aldeias. Realização TV Escola-2000. Direção Vincent Carelli. Apresentação e entrevistas Ailton Krenak, DVD, son., color. Port. [3] SANTOS, Silvio Coelho dos. Índios e Brancos no Sul do Brasil: a dramática experiência dos Xokleng. Porto Alegre: Editora Movimento, 1987. [4] SANTOS, Sílvio Coelho dos. Índios, direitos e violência oficial. In: RIFIOTIS, Theophilos; RODRIGUES, Tiago Hyra. Educação em Direitos Humanos: discursos críticos e temas contemporâneos. Florianópolis: Ed. UFSC, 2008 [5] RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. 3ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

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DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO EDUCATIVO SOBRE POLUIÇÃO SONORA PARA CRIANÇAS DE ATÉ 10 ANOS

Jonas Pinheiro Viana 1*; Stephan Paul2

1 Universidade Federal de Santa Maria, Bolsista da Graduação em Engenharia Acústica 2Universidade Federal de Santa Maria, Professor do Curso de em Engenharia Acústica

1. Introdução A sociedade moderna é sujeita a várias formas de poluição, dentre destes a poluição sonora. Esta

forma de poluição, que atualmente está sendo pouco abordado no Brasil, tem várias influências negativas na vida das pessoas, desde psicológicos e físicos, como o estresse, insônia, problemas de concentração que desencadeiam depressão, problemas do coração e muitos outros. Acredita-se, baseado nos exemplos da educação ambiental sobre poluição da água e gerenciamento de resíduos, que a educação das crianças é o aspecto mais importante na educação sobre os problemas da sociedade moderna, o que inclui a poluição sonora. Dentre dos diferentes vertentes da educação de crianças a educação que consegue unir aprendizagem ao divertimento é uma das mais bem sucedidas. Segundo Orso [1] apud Grübel [2] “a criança precisa ser alguém que joga para que, mais tarde, saiba ser alguém que age, convivendo sadiamente com as regras do jogo da vida”. Diante deste quadro de aspectos positivos decidiu-se desenvolver um jogo educativo para fazer com que desperte na criança um senso critico e de cidadania em relação à poluição sonora.

2. Aspectos chave para o desenvolvimento do jogo educativo

No desenvolvimento de produtos, e assim também no desenvolvimento de um jogo educativo, devem

ser observados alguns aspectos importantes, como: 1) público alvo e o objetivo educacional, 2) infra-estrutura necessária para uso do produto (jogo), 3) Tempo de utilização, 4) Desafio, recompensa, história e motivação, 5) Criação de personagens e sons para o jogo e 6) Jogabilidade.

2.1 Público alvo e objetivo educacional

O público alvo do jogo em desenvolvimento é composto por alunos do ensino fundamental de até 10

anos de idade, que freqüentam escolas públicas e privadas. A faixa etária a as características psicológicas do público alvo implicam que o jogo terá um nível de dificuldade adequado com muitas dicas, dado que crianças desta faixa etária executam atividades depois de observar modelos concretos [3]. Neste contexto destaca-se a importância de ter motivações interessantes para que o aluno realize seus deveres e alcance seus objetivos. Além disso, é importante ajudá-lo a observar as coisas que o rodeiam no jogo para depois poder observar estes aspectos fora do jogo, isto é na vida real. Isso faz com que a realização gráfica tenha certo grau de semelhança com a realidade, sem precisar ser uma cópia fiel da mesma. O objetivo educacional do jogo é despertar nas crianças de até 10 anos um senso critico e de cidadania em relação à poluição sonora por meio da interação com os problemas de ruído no jogo. Levando o que for aprendido para o seu cotidiano espera-se formar a personalidade de um jovem mais educado e responsável quanto à poluição sonora.

2.2 Ambientes e infra-estrutura de uso do jogo

Considera-se que o jogo deve ser utilizado em um primeiro momento em aula, sob presença de um

professor para que este explique as tarefas e auxilie caso necessário. Julga-se este aspecto fundamental tendo em vista que há tarefas que uma criança não é capaz de realizar sozinha, mas que se torna capaz de realizar se alguém lhe der instruções, fizer uma demonstração, fornecer pistas, ou der assistência durante o processo. Outro fator importante é a questão de disponibilizar o jogo na sua versão online ou offline, considera-se que a versão offline, que pode ser instalada no computador, é vantajosa dado que as escolas e as residências dos alunos nem sempre tem acesso estável e permanente à Internet para viabilizar uma versão online. Desta forma pretende-se disponibilizar o jogo para download no site da SOBRAC (Sociedade Brasileira de Acústica) e no blog do INAD (International Noise Awareness Day1), além disso, é desejável que o jogo seja utilizado também fora da escola, principalmente em casa.

1 Dia Internacional da Conscientização sobre o Ruído * autor correspondente: [email protected]

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2.3 Duração do jogo

Com base em estudos a criança e/ou adolescente não deve permanecer mais de duas horas diárias na frente do computador ou videogame, acima disso, é possível desenvolver problemas clínicos como dores de cabeça, miopia, lesões por esforço repetitivo, problemas de coluna, distúrbios de comportamento (isolamento social, depressão), dificuldades de aprendizagem (queda no rendimento escolar) e obesidade [4]. Em sala de aula um jogo não poderá durar mais de que 20 a 30 minutos, pensando nos aspectos tempo de aula do professor, tempo para explicação e análise do aprendizado, revezamento dos computadores nos laboratórios de informática das escolas, entre outros.

2.4. Desafio, recompensa, história e motivação

2.4.1 Desafio, recompensa e motivação

O desafio da criança é resolver todos os problemas de ruído do jogo com o passar do tempo usando

seu raciocínio, testando todos os meios possíveis. Como recompensa ela ira passar para um novo estágio, novo cenário que vai exigir um pouco mais de raciocínio. A motivação que o jogo traz é a capacidade que a criança vai ter de experimentar soluções acústicas no que esta causando os ruídos podendo acompanhar auditivamente o impacto da sua solução, depois de ter resolvido os problemas a criança ira para um novo estágio com mais interatividade.

2.4.2 História

A trama do jogo conhece três fases, interligadas entre si: a sala de aula, um parque e a casa da criança.

Propondo uma visão perspectiva, ou seja, a criança terá visão de tudo que está acontecendo no seu ambiente podendo interagir com o ambiente, a criança jogará em cada uma das fases de forma seqüencial. No início do jogo propõe-se uma introdução animada apresentando o tema do jogo, usando como cenário o inicio do dia da criança, sua mãe chamando para acordar. A mascote do INAD, a Orelha Reclamona [5], terá o papel de narradora e é responsável para passar informações básicas sobre o ruído e a poluição sonora. Nesta fase inicial a criança ganha uma lancheira de sua mãe, que vai ser necessária para resolver alguns problemas do primeiro nível.

1º Fase: Na primeira fase a criança se encontra na sala de aula fazendo uma prova. A tela mostra, além da vista da sala, 3 barras de níveis: O nível de ruído, o nível de concentração da criança e a pontuação da prova, além de um relógio marcando o tempo da prova. No campo de visão do jogador há os colegas, a professora, o pátio da escola e a rua. O objetivo da primeira fase é chegar até a nota dez na prova mantendo o nível de concentração verde. Para que isso aconteça a criança terá de controlar os ruídos que interferem na sua concentração. O esquema da figura 1 mostra em fonte negrita os desafios, isto é, as diferentes fontes de ruído dentro e fora da sala de aula que interferem no silêncio desejado.

Fig. 1 Atividades ruidosas que ocorrem na primeira fase do jogo (sala de aula) e soluções que a

criança pode adotar para assegurar que ela não seja perturbada na prova que está fazendo

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A tarefa da criança é controlar estas fontes de ruído por meio de algumas soluções. Para cada problema a criança pode escolher entre várias soluções, que aparecem com símbolos em uma barra lateral quando o mouse for colocado encima do problema. Para resolver o problema das crianças que estão brincando ruidosamente no pátio a criança pode optar por encostar, fechar, ou trocar a porta entre sala e pátio por exemplo. Arrastando o símbolo da solução para o problema, o jogador terá o feedback acústico da solução aplicada. O objetivo é procurar a melhor solução, reduzindo ao máximo o ruído dentro da sala e assim a criança consegue a nota dez na prova, sai da escola e vai para o playground com seu avô.

2ª Fase: Na segunda fase a criança se encontra com seu avô em um playground. O avô esta com muito

sono sentado no banco da praça. No parque há ruas, uma loja, uma carrocinha de sorvete, pessoas de diferentes idades circulando, passeando com cachorros etc. O objetivo da segunda fase é evitar que o avô acorde com os ruídos gerados pelas atividades que acontecem no parque, usando-se soluções propostas na barra lateral quando o mouse for colocado em cima do problema. O impacto das soluções pode ser acompanhado pelo áudio. Quanto mais tempo à criança consegue assegurar o sono do avô ela vai ganhando ferramentas para a última fase e fica mais tempo no parquinho.

Fig. 2: Atividades ruidosas que ocorrem na segunda fase do jogo (parque) e soluções (S) que a

criança pode adotar para assegurar que o avô não acorde

3ª Fase: A criança está dentro de casa ao lado do berço de um bebê, tendo uma visão geral do lugar,

com ruas, vizinhos e a construção de uma casa nova ao lado. Haverá um indicador de níveis de sono do bebê e do ruído. A figura 2 mostra alguns problemas que irão ocorrer com possíveis soluções. O objetivo é não deixar o bebê acordar, acabando com os ruídos, assim, podendo ir dormir ou jogar seu vídeo game.

Fig. 3: Atividades ruidosas que ocorrem na terceira fase do jogo (casa) e soluções (S) que a criança pode adotar para assegurar que o bebê não acorde e que termine o jogo

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2.5 Criação do personagem e sons para o jogo A idéia é que a criança poderá customizar seu personagem, selecionando cor do cabelo, olhos e pele,

penteado, roupa e expressão facial para gerar o que é chamado de avatar. Os sons do jogo desempenham um papel fundamental, e serão gravados em campo. Com estes sons, representativos para os problemas que deverão ser resolvidos no jogo e as soluções aplicáveis a criança pode experimentar sensações auditivas e treinar a sua audição, conforme proposto por Schafer [6] no contexto de educação musical e educação de cidadania.

2.6 Jogabilidade

A criança poderá andar e interagir com todas as atividades no cenário. Quando for passado o mouse

em cima do problema acústico automaticamente aparecera uma barra no canto inferior da tela com diferentes soluções para o problema apontado com o mouse. As soluções, com seus símbolos, podem ser arrastados para o problema e mediante feedback acústico e visual (nível de ruído, nível de concentração, nível de sono de avô, ... ) o jogador terá uma avaliação imediata da solução proposta. Assim a criança vai aprendendo qual a melhor maneira de resolver um problema, tendo como informação importante o feedback acústico, que é uma forma de educação auditiva.

3. Conclusões

Baseado na análise de diferentes aspectos importantes para um jogo educativo (público alvo, objetivo

educacional, infra-estrutura necessária para uso do produto, tempo de utilização, desafio, recompensa, história, motivação, criação de personagens, sons para o jogo e jogabilidade), desenvolveu-se uma proposta para um jogo educativo sobre poluição sonora para crianças até 10 anos com o intuito de desenvolver no jogador uma visão crítica e de cidadania em relação ao ruído.

Referências [1] ORSO, D. Brincando, Brincando Se Aprende. Novo Hamburgo: Feevale, 1999.

[2] GRÜBEL, J M. Jogos Educativos. Instituto de Ciências Exatas e Tecnológicas: Feevale

[3] disponível no site http://educacao.aaldeia.net/psicologia-crianca-4-anos/ visto julho de 2010

[4] ROCHA, S S D. Computador e crianças em casa: guia de sobrevivência para pais nas férias. Revista Espírito Livre. [online] Vitória. n.4. ano 1. julho de 2009.

[5] PAUL, S. et. al. O Dia Internacional da Conscientização sobre o Ruído – a campanha em três cidades do sul do Brasil, Acústica & Vibrações, n. 40, páginas 48-55, 2009, disponível em http://www.acustica.org.br/inad2009/index_Page573.htm, último acesso 15 de Julho de 2010 [6] SCHAFER, M.R. A afinação do Mundo, Ed. UNESP, São Paulo, 2001 Agradecimentos Os autores agradecem à Universidade Federal de Santa Maria pela bolsa FIEX que possibilitou o desenvolvimento do presente trabalho.

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ENTRE FORMAS E SENTIDOS UMA LEITURA DA DÉCADA DE 1980 A PARTIR DE FRASCOS DE PERFUME

Larissa Lehmkuhl1; Liliane Edira Ferreira Carvalho

Universidade do Estado de Santa Catarina 1. Introdução

De variados tamanhos e combinações de cores, guardam em seus bojos universos de sentidos, muitas vezes pré-materializados pelas formas que ostentam. Objeto por vezes percebido indiretamente, o frasco de perfume faz-se presente diariamente na vida dos indivíduos, mantendo um constante diálogo com os mesmos. Notar o frasco como um objeto que faz parte da cultura em que está envolvido, sendo influenciado pela sociedade desde a sua criação, faz com que se dê maior relevância às produções materiais humanas. Analisar e compreender como se dá esse diálogo é de essencial importância para a observação de um período temporal através de outros olhares.

Assim, focando a década de 1980, buscou-se analisar, a partir de frascos de perfumes do acervo do Quimidex da Universidade Federal de Santa Catarina, as relações entre discurso estético e seus sentidos sociais. Neste artigo, resultado de pesquisas desenvolvidas para o projeto de História e Moda, do curso de Design de Moda, foi possível analisar que informações estes frascos transmitem e quais as diferentes percepções diante dos mesmos, objetos que sofrem influência de diferentes discursos derivados da sociedade.

2. Método

No interior, resquício do aroma conservado. Externamente, linhas, curvas, cores que apontam para um estilo de ser e pensar. As características dão suporte às asas da imaginação, e estas podem levar as pessoas para um outro momento. Afinal, o que pode revelar um frasco de perfume? A partir da teoria semiótica, a pergunta pode ser melhor respondida. É possível notar que existe, através dos objetos, um diálogo entre o designer criador dos mesmos e o indivíduo consumidor que os observa, e esta comunicação precisa ser mais bem compreendida. Segundo Umberto Eco (2001), a semiótica estuda o fenômeno de significado e comunicação. Em sua concepção, a partir dos processos de cultura têm-se processos dessa comunicação que existe quando se deseja transmitir uma mensagem. Esses códigos são um sistema de símbolos que, previamente definido entre o destinador e o destinatário, pode ser usado para transmitir e representar informações. Eco (2001) afirma ainda que aqueles são embasados na cultura convencional, o que significa que a semiótica também é cultural.

Com relação à mensagem, a mesma necessita estar codificada; para que seja compreendida pelos indivíduos, estes precisam partilhar então da mesma cultura, onde esse código deve estar convencionado. A partir da produção da mensagem, na qual os signos daquele devem ser devidamente escolhidos, têm-se a produção de outros signos. Seguindo esse pensamento, Elisa Strobel (2008), afirma que para criar um objeto é necessário que se conheça os códigos e signos que sejam ligados ao contexto do momento. Se o indivíduo comprador do frasco de perfume, não reconhecer elementos que o caracterizem naquele momento histórico e social, não relacionará esse objeto ao seu contexto, levando a uma não identificação com esse frasco. Dessa forma, este, assim como outros objetos, é produzido com intenção de ser relacionado comunicativamente e de forma interativa com o usuário, o que neste caso, auxiliaria na compra do perfume. Percebe-se então que existe uma intenção de manipular o consumidor a partir do frasco, a fim de chamar a atenção para o mesmo.

A estética dos frascos de perfume analisada em partes, tem muito a demonstrar sobre como se deu a constituição dos mesmos e em que contexto, e qual o estilo de vida na época dessa criação. Por isso, foram analisados os frascos de perfume que estão armazenados no Quimidex, Laboratório de Ensino, Pesquisa e Divulgação da Ciência, presente no Departamento de Química da Universidade Federal de Santa Catarina. Os frascos se encontram em brancas prateleiras, enfileirados horizontalmente de acordo a marca correspondente, que é identificada através de uma etiqueta colada na parte frontal das prateleiras. São dezesseis frascos observados, incluindo os de algumas marcas que trouxeram o mesmo perfume em duas versões ou apresentaram concentrações diferentes em dois frascos com a mesma estética. Isso se chama diferenciação, e relaciona-se ao fato de que se produzem díspares versões e modelos do mesmo produto, para atender às necessidades de classes sociais distintas – assim existem mais alternativas de compra. Logo, vê-se a partir deste momento como era característica na década de 1980 a hierarquia a sociedade.

1 Larissa Lehmkuhl: [email protected]

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A produção dos frascos de perfume é influenciada pela sociedade, pois acabam sendo relacionados à cultura, a partir de um resgate de idéias originais que provém de movimentos da mesma, revelando os caminhos percorridos pelos indivíduos ao longo do tempo e seus desejos. No frasco estão contidos conhecimentos também estéticos e tecnológicos, possibilitando uma visão cronológica das construções materiais a cada novo perfume lançado. O usuário do perfume acaba agindo, recebendo ou trocando informações com o frasco em sua relação com o mesmo, o que pode dar-se a partir da visão e tato principalmente. Essa característica também faz parte da função estética, que “é a relação entre um produto e um usuário, experimentada no processo de percepção. [...] é o aspecto psicológico da percepção sensorial durante o uso” (LÖBACH, 1981: 43). O frasco também pode possuir função simbólica, que está relacionada à sensibilidade do indivíduo “quando este se excita com a percepção de um objeto estabelecendo relações com componentes de experiências e sensações anteriores” (LÖBACH, 1981: 44). Assim, esse frasco contém valores pessoais, sentimentais e emotivos providos deste indivíduo ou de um grupo social, e deve atender às suas necessidades (tanto emocionais como físicas).

A relação entre um produto e um usuário se dá então a partir de processos sensoriais, contribuindo também para captar a atenção do consumidor. Em relação aos frascos, isso se dá quando ocorre a ligação com as experiências e sensações anteriores daquele, o que pode acontecer a partir da associação dessas com as características do frasco. Existe uma comunicação estética na qual o designer industrial é o emissor de uma mensagem, nesse caso em forma de frasco – auxiliado por expressões verbais. O usuário do perfume é o receptor da mensagem estética contida no produto. A partir da preferência desse receptor ou grupo receptor dá-se a produção dos frascos. A informação que este(s) indivíduo(s) recebe(m) é a parte nova da notícia, pois redundância é a parte não essencial da mensagem, sendo que se não houver efemeridade ela não chamará a atenção nem fará sentido. A forma dos mesmos é o conceito principal da estética, e produz efeitos diferentes de acordo com o ângulo pelo qual é vista. Esta, junto ao material, superfície, cor, entre outros, é apreendida conscientemente no processo de percepção, diferente de alguns elementos que fazem parte do frasco e que se tornam detalhes aos olhos do observador. A superfície do frasco influencia juntamente na sensação, porém depende geralmente da escolha dos materiais. Já a cor, atinge diretamente a psique do consumidor, criando sensações de acordo com sua tonalidade, como por exemplo, os tons claros, que dão sensação de leveza. As pessoas costumam analisar o objeto em seu discurso como um todo, e não dessa forma, por elementos separados. No entanto, é dessa maneira que se dá o processo de análise a seguir.

3. Resultados e discussão

Pode-se notar que há antítese na produção dos frascos de perfume – o que era comum a diversos aspectos nos anos 1980 - a partir de frascos como o do perfume Opium, de Yves Sain Laurent, que foi criado em 1977 e outros que serão descritos mais a frente. Este primeiro apresenta características de luxo e ornamentação através de seu vidro transparente texturizado cuja tampa é dourada, bem como uma linha que a separa do perfume e seu borrifador possui uma extensa base revestida também em dourado. Outros também trouxeram referência a essa cor, porém o que mais chama a atenção é o Armani Eau Pour Homme, lançado em 1984, que possui várias sulcos dourados formando linhas em sua tampa, e todo o seu fundo aparentemente banhado em ouro. Vê-se então o barroco ostentado nos frascos, e a ousadia, que aparece de forma mais discreta no perfume de Gabriela Sabatini, por exemplo, criado no final da década; este possui o borrifador com revestimento em dourado, bem como o textual pintado no frasco. A partir dessas características pode-se notar os excessos da década de 1980, exagerando suas próprias produções.

Frascos como o do Eternity e o Eternity for man, da Calvin Klein, são minimalistas. O primeiro, lançado em 1988, possui vidro transparente e mistura a forma retangular com a circular, arredondando as pontas; chama a atenção o formato também simples, mas elegante, de seu borrifador, dominado por ângulos retos acima de uma base redonda. O segundo, já de 1990, mantém características semelhantes, porém é menor e mais arredondado. Esses elementos aparecem igualmente no frasco de Cool Water, de Davidoff, lançado em 1988. A forma simplificada transmite na realidade uma impressão de rigidez.

Deduz-se, a partir da análise, que essa simplicidade perceptível nos frascos devia ser resultado de aspirações dos anos 80, porém de uma classe social específica. Isso porque são perfumes de grandes marcas, que não poderiam ser consumidos frequentemente por todos, e sim pela elite. Percebe-se que o que influencia em grande parte a compra e identificação do consumidor com o frasco é a ordem, que se dá quando há um pequeno número de elementos que caracterizam a estética e uma pequena quantidade de características de ordenação. O fato de não haver exagero e ser minimalista, transmite uma sensação de elegância e sofisticação, que são qualidades simbólicas que recaem sobre a aparência do frasco e levam ao consumo. O reconhecimento dos mesmos é influenciado pelo intelecto e pelo sentimento. Por isso as formas limpas eram preferidas pela chamada “classe intelectual superior”. Em oposição ao intelecto, se

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encontra o sentimento, como citado anteriormente, que deseja uma abundância de informação. Isto explica a preferência das pessoas mais sensíveis pela elevada complexidade de elementos e a inclinação para valores emocionais, sendo característica também da década de 1980. Isto pode ser notado a partir de frascos ornamentados, como o já referenciado Opium, ou o Azzaro 9, de 1984, que possui diversos frisos, sulcos, formando desenhos em alto relevo por todo o frasco transparente, deixando limpo somente ao redor da marca Azzaro, no centro de sua face frontal.

Existe uma necessidade de os indivíduos alcançarem originalidade na aparência visual dos produtos, e isso parece contrapor-se a essa uniformidade e pobreza de informação nos frascos. O original dá-se então a partir desse antagonismo em relação às massas da década de 1980, e torna-se um meio de auto-representação a partir do perfume. O frasco, ao adequar-se a elite social, auxilia na satisfação da necessidade de prestígio que parece característica essencial da personalidade humana. É através da estética do frasco, entre outros elementos, que se vem atender esse tipo de necessidade, unindo valores e interesses do grupo, que podem ser satisfeitos e mais tarde desejados por outro estrato social. No frasco do Azzaro Pour Homme, da Loris Azzaro, também não se vê o predomínio do exagero em sua estética. O Pour Homme, que foi lançado em 1978, diferenciava-se com sua cor âmbar, que faz referência à sua fragrância. Nota-se em seu design a virilidade “estampada”, indicando ser mais um valor para a elite da década. Com relação às cores então, vê-se que transmitem aos indivíduos sensações diferenciadas e que também transmitiam mensagens para os mesmos. No caso do Cool Water, já citado, sua cor não poderia ser outra se não azul marinho intenso, para fazer jus ao nome. A partir de sua forma minimalista em união com sua tonalidade, a sensação imprimida para o usuário é de que o perfume ali contido é super masculino, além de gerar frescor e limpeza. Pensa-se em algo revigorante, apesar do exterior austero.

Outro frasco que se torna ousado a partir das cores e também de formas, é o LouLou, da Cacharel, lançado em 1987. Este é atemporal e seu frasco foi produzido em variados tamanhos e dividido em um par de versões. A cor predominante na base das duas é o azul-turquesa, sendo que o frasco maior também possui tampa desta cor com detalhe em vermelho (quase terra) em oposição ao menor, que possui toda a tampa nesse tom avermelhado. A primeira forma, menor e achatada, foi inspirada na lâmpada de Aladim. É um frasco que induz à curiosidade até mesmo devido a sua simplicidade na segunda versão, que continua sendo extremamente rígida, em cerâmica e com aspecto retilíneo. Seu design foi inspirado na Caixa de Pandora. A impressão transmitida é a de que se o frasco fosse aberto ou esfregado, revelaria todo o espírito de Cacharel. A partir do segundo modelo, o consumidor ainda pode sentir que o perfume é tão perigoso quanto a caixa de Pandora, o que seguramente foi a intenção do designer: transmitir o mistério e evidenciar juntamente a importância da marca – o que tornou-se então extremamente relevante na década. A mistura do tom quente e frio foi minimizada na versão aparentemente mais rígida, para que atraísse também a atenção da classe alta. Também arrojado, criado em 1991, foi o perfume de Salvador Dali, Laguna. Isto porque possui um formato de boca e nariz, referenciando o quadro de Dali, “A aparição da face de Afrodite de Cnide”. Essa referência leva o indivíduo a crer que ficará tão sensual com o perfume quanto a deusa. Seu nome, Laguna, e cor, verde marinho do Caribe, geram a sensação de um mergulho em águas límpidas, fazendo pensar em liberdade, tudo o que o homem moderno precisava. Viu-se então que as cores utilizadas nos produtos muitas vezes eram ousadas e faziam referência à fragrância. Era a ênfase ao visual e ao significado desse objeto ao invés da evidência ao uso prático. Porém eram utilizadas cores muitas vezes até ultrajantes, que chamavam mais a atenção para a aparência e significado do frasco, do que para a sua real utilidade, e o efeito de sucesso causado por elas no início, logo foi desgastado.

Tudo é relacionado com a mensagem que se quer transmitir, inclusive a ampliação ou estreitamento da largura ao longo do frasco. Essa é uma característica interessante, pois diversos frascos estreitam-se para cima, como o modelo menor do LouLou. Sua tampa fica praticamente “espetada”, o que não chega a tanto no caso do Opium ou do Roma (que vai ser melhor descrito a seguir), por exemplo. Era a busca pelo topo, pelo poder e status constantes na década de 1980, aumentando ainda mais a percepção de elevação do tamanho de cada frasco. Dessa forma, este transmitia ao indivíduo uma auto-imagem que era frequentemente buscada a partir de diversos objetos, gerando então a identificação e anseios da identidade a partir da fundamentação nos valores pessoais, sociais e culturais passados pelo frasco. A espessura do material utilizado em sua produção é igualmente relevante. Isso porque o indivíduo quando recebe a informação visual acredita numa maior preciosidade do perfume, o que significava que era um perfume melhor que outro. Essa espessura, quanto mais visualizada mais transformava o perfume em admirável, por captar a atenção e interesse do consumidor, pois o indivíduo tinha a sensação de sobriedade e firmeza através da estética.

O constante objetivo por crescimento econômico e exibição dos objetos para a indicação de um nível elevado não foram perdidos. É nesse contexto que o efeito e a importância do símbolo levam ao consumo, principalmente o de luxo, que na década de 1980 se deu a partir da compra da marca. Esta aparecia

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impecável no vidro, possuía poder de dominação e era a complementação do estilo buscado. Marca “é um conjunto de elementos gráfico-visuais, geralmente padronizados, e pode constituir-se em um nome, um símbolo gráfico, um logotipo ou na combinação desses elementos.” (GOMES FILHO, 2006, p.61). É a partir dela que o público alvo é definido, sendo que pode seduzir tanto quanto o frasco ou a fragrância, dependendo do seu histórico no mercado e da identificação do consumidor com seu capital simbólico de prestígio (BOURDIEU, 2008). A marca diferencia o produto e o indivíduo e foi muito valorizada na década de 1980, principalmente devido à publicidade que aparecera fortemente focada nas grifes. É possível verificar que a marca geralmente aparece na parte frontal do objeto (nesse caso em praticamente todos eles), ou então na parte mais nobre e visível do mesmo. No frasco do Azzaro Pour Home, observa-se esse elemento, bem como no do Azzaro 9, Eternity, Armani, entre outros. Neste caso, o indivíduo tem sensação de que a marca é de grande importância e valor, além de ter realçado sua qualidade. Nos frascos analisados, o nome daquela ou seu símbolo geralmente está pintado (é o caso do Opium, Azzaro 9, Hèrmes, Gabriela Sabatini), o que demonstra a preferência por essa técnica de grafia.

Partindo para os materiais, os que foram observados em praticamente todos os frascos são o plástico, nas tampas, e o vidro para o armazenamento do perfume em si. O plástico pode ser modificado em alguns casos para se parecer com outros materiais (como na tampa do frasco do Laguna, o qual adquire um aspecto de emborrachado); ele deriva de polímeros, que são materiais de origem orgânica sintética. Seu desenvolvimento deve-se também à corrida armamentista, que o facilitou, pois os aviões tinham de ser mais leves, rápidos e manobráveis, altamente resistentes. O boom de desenvolvimento estava então perceptível nos anos 80. 4. Conclusão

Todos os elementos estéticos apresentados revelam intrinsecamente parte dos valores individuais e sociais da década de 1980. Vê-se que o perfume busca interagir e dialogar com o meio social, o que significa então que estão contidas características socioculturais e valores aspirados com os quais estava de acordo. As informações estão intrínsecas nos frascos, pois a superfície dos materiais utilizados, bem como suas combinações, é que levam o usuário a fazer diferentes associações de idéias. A partir disso, o consumidor dos anos 80 tinha percepções de frio, calor, frescor, liberdade entre outros. A sensação de limpeza também foi notável critério, bem como a perfeição e a ordem. Quanto à elite, que estabelecia esses critérios valorizados, sabe-se que o que ela utiliza são os símbolos de status, para assim expressá-los em sociedade. Vê-se que a produção de perfumes era dedicada a essa classe social, que levava consequentemente as novas antíteses, também observadas. O bizarro, o barroco, o exagero, o ousado versus sobriedade, minimalismo, impecabilidade, simplicidade. Isso se dava pois se buscava uma identidade no frasco do perfume em si, buscava-se ser original através da sofisticação e elegância. A década de 1980 foi a época perfeita para fazer-se reflexões, sobre o que seria de bom tom ou não, sendo que os de melhor gosto era o discreto, masculino (inclusive as mulheres) e descontraídos.

Devido à grande diversidade de desejos dos consumidores, como a busca pelo clássico ou pelo moderno, havia disparidade nos desenhos dos frascos, mas o zeitgest dos anos 80 era comum ao consumidor e ao design de um mesmo contexto: bastava que o último conseguisse transmitir o conceito através do perfume para que o primeiro captasse rapidamente a mensagem aparentemente imperceptível e se identificasse com o frasco. A consciência de classe social trazia um olhar conservador aos objetos; pode-se perceber então para que grupo eles foram produzidos através de dados históricos, simbólicos, filosóficos, semióticos, científicos e tecnológicos. O ar de luxo, de caros e únicos que os frascos transmitem, demonstram que isto era característica da década e que despertava o interesse de todas as classes. A partir daqueles percebeu-se então que nos anos 80 a sociedade considerava que a função dos objetos era demonstrar sinais de pertença e representar a distinção entre os indivíduos.

Referências BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Porto Alegre: Zouk, 2008. DORMER, Peter. Os significados do design moderno: a caminho do século XXI. Porto: Bloco Gráfico Lda, 1995. ECO, Humberto. Semiótica e filosofia da linguagem. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. GOMES FILHO, João. Design do objeto: bases conceituais. São Paulo: Escrituras Editora, 2006. LÖBACH, Bernd. Design industrial: bases para a configuração dos produtos industriais. São Paulo: Editora Edgard Blücher LTDA, 2001. NÖTH, Winfried. A Semiótica no Século XX. 3. ed. São Paulo: ANNABLUME, 1996.

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STROBEL, Elisa. Semântica no projeto de produto: entre o “o que” e o “como”. 2008. 123 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Design Industrial) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.

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VESTIDA DE SONHOS: O UNIVERSO SIMBÓLICO DAS NOIVAS GESONI PAWLICK NO SÉCULO XXI

Ana Carolina de Souza*; Liliane Edira Ferreira Carvalho

Universidade do Estado de Santa Catarina 1. Introdução Ao contrário do que se pensava no fim do século XX, casar não só não saiu de moda como se tornou um

espaço de legitimidade desta. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados em novembro de 2009, o número de casamentos legais registrados no país em 2008 aumentou 34,8% em comparação aos contabilizados em 1998 e 4,7% em relação a 2007. A última pesquisa mostrou que, só no ano de 2009, aproximadamente 67 milhões de brasileiros entregaram-se ao matrimônio. Isso sem contar quem decide morar junto, sem nenhum documento legal, e ainda assim realiza algum tipo de comemoração para celebrar a união. Esses indicadores revelam o reencaixe social dessa prática tradicional na sociedade contemporânea.

Entendendo que o casamento participa de uma lógica histórica ainda presente na sociedade moderna, este trabalho busca discutir não o casamento hoje, mas os significados sociais que tornam o vestido de noiva um baluarte da legitimidade social: a consagração da felicidade atrela o vestido, em sua relação de moda e tradição, ao capital de prestígio da grife que assina a criação. Neste caso específico, a grife Gesoni Pawlick configura como o “sonho de consumo” das noivas florianopolitanas, sendo portanto o foco da análise.

Assim neste artigo, resultado de trabalho de conclusão de curso do Bacharelado em Moda, procurou-se analisar de que forma o capital de prestígio coaduna sentidos sociais que se realizam no consumo de vestidos de noivas da grife Gesoni Pawlick na Grande Florianópolis do século XXI. O casamento enquanto rito, é compreendido aqui como espaço em que a sociedade propicia para si mesma o ver e ser visto, o apresentar e ser apresentado. A observação nesses momentos por excelência da relação privilegiada entre o cívico e o religioso, e a percepção de seus impactos, são capazes de fazer compreender a sociedade a partir de seus valores, em sua busca pelo vir a ser, sem abster-se do que costuma ser, em sua legitimidade.

À figura da noiva concedeu-se a pretensão de ser a estrela de uma noite: neste sentido, as atenções e expectativas da comunidade materializam-se no vestido de noiva. Permeado por uma aura de sonhos compartilhada pelo imaginário comum, ele é patrocinado pelo discurso de pertencimento social e distinção pessoal. Protagonizando este cenário no século XXI, os costureiros se sobressaem e se distinguem pelo apelo do discurso de exclusividade, autenticidade e refinamento, aliando tradição e moda para construir a moldura de tecidos que alicerça a figura da noiva: moderna e tradicional ao mesmo tempo. Estas relações entre moda, tradição e discurso social estão na base da criação do capital de prestígio das grifes e legitima seu consumo. Assim, estes pontos permitem analisar as relações entre individualidade e sociedade de consumo, facilitando entender nossas práticas cotidianas.

2. Método Este trabalho apóia-se em dois pontos - pesquisa bibliográfica e entrevistas. A primeira baseou-se em

materiais já publicados como artigos, livros e revistas, tanto para embasar as questões históricas que permeiam os conceitos de casamento e família, como os trajes associados à moda e tradição embutidos nestas práticas sociais ao longo do tempo.As entrevistas foram entendidas como qualitativas, valorizando-se o discurso dos entrevistados. Sabe-se que o discurso é uma construção imbuída de verdades que se deseja legitimar, mas entende-se aqui que mesmo sendo a “verdade” uma convenção que varia no tempo, espaço e cultura, o discurso em si é o que o entrevistado deseja perpetuar e, portanto, interessa porque é o que significa socialmente e participa da construção do imaginário.

Entrevistou-se, então pessoas relacionadas a grife Gesoni Pawlick, o estilista e sua esposa, e seu público: noivas consumidoras de seus vestidos. Ao todo, 11 entrevistados, dos quais 6 eram clientes, permitiram acesso aos discursos que aqui se pretende analisar. Acredita-se que assim seja possível deter no discurso oral de vivências, uma fonte inesgotável de riqueza social. As entrevistas foram executadas com perguntas pré-concebidas, mas que eram empregadas mais para manter e nortear a conversação do que para amarrar o discursos. Assim, deixou-se falar livremente aos entrevistados, pois sendo a abordagem qualitativa, esta não requer métodos de estatística e sim fonte direta para coleta de dados detalhados, sendo o pesquisador o instrumento de observação teórica.

3. Resultados e discussões

* Ana Carolina de Souza: [email protected]

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O momento por excelência da relação privilegiada dentre a celebração do ponto de vista eclesiástico, social e legal constitui o casamento. Em sua particularidade de efeitos e afetos que o circunda, gera, desencadeia e provoca, atribui-se tanto o banquete que sugere a festa, quanto à modesta confraternização familiar ou a mais discreta das comemorações. Existem variações regionais oriundas de práticas culturais, no tocante aos usos e costumes relacionados à união de dois indivíduos. A convenção social dos trajes relacionados ao ritual do casamento deve seu início de uniformização da identidade visual associada à imagem a alterações da ética e da estética, ocorridas com a Revolução Industrial e ascensão da burguesia a líder social total, o que lançou as bases do trajar moderno. O branco pleno e sua aura de classicismo foram o pretexto forjado para aparição e uso em duzentos anos de noivas brancas e o refinamento da conduta do ritual de passagem do estado civil no Ocidente, e permanece fixado à tradição, como objeto específico, submetido a normas de aceitação social de geração em geração.

Segundo Sant’Anna, “o vestir é campo privilegiado da experiência estética, permitindo na apropriação dos objetos da vestimenta o usufruto de uma infinidade de signos que operam a subjetividade de cada sujeito, diariamente” (2005: 01). É nesta compreensão que a moda se auto promove enquanto sistema indissociável á vida humana socialmente ativa nas sociedades modernas do Ocidente, que está a base das análises que se seguem. Lipovetsky (1991) assinala na atualidade o concretismo do individualismo e a importância da moda como paródia lúdica. Esta característica plural das sociedades ocidentais contemporâneas se integra aos inúmeros arranjos que nos casamentos podem e são praticados, as infindáveis possibilidades que a diversidade dos vestidos de noiva apresenta e a busca da própria distinção entre si.

Worsley afirma que “o vestido de noiva é o traje mais caro, glamoroso e especial que uma mulher irá vestir em toda a sua vida. É também uma importante demonstração de estilo tanto da noiva quanto do estilista” (2010: 12). O mercado se adéqua a silhueta de um público interessado em reviver as raízes de suas práticas familiares, referência para sua própria estruturação social e emocional. Pagam bem para tanto. O vestido de noiva repleto de significados pode ser envolvido pelo ritual sagrado do matrimônio ou apenas instrumento de sedução dos convidados em uma grade celebração sem compromisso eclesiástico.

Incluídos nesta classe de dominantes, estão os costureiros que sobressaem e distinguem-se pela recusa ostensiva das estratégias forçadas de distinção. Essa categoria empunha o discurso da exclusividade, autenticidade, distinção e necessariamente refinamento, adeptos a elegância em suas formas, utilizando de vanguarda, sobriedade e fantasia, emprestam o prestígio conquistado de seu nome ao valor agregado do produto que confeccionam, apadrinhando o corpo que veste, transferindo seu próprio brilho como autoridade específica e agregando valor aos bens simbólicos e duração deste status enquanto seu próprio sucesso estiver em evidência e equivalência. Bourdieu (2008) chama esta autoridade de “capital de prestígio”. O poder carismático legitimado através do reconhecimento social e apreciação do produto de moda do costureiro Gesoni Pawlick em Santa Catarina atualmente é objeto de estudo da presente análise, e a tomada de posse simbólica das noivas que optam por vestir a grife que leva o nome do estilista.

Segundo Bourdieu (2008) o poder do criador (estilista) é a capacidade de mobilizar a energia simbólica produzida pelo conjunto dos agentes comprometidos com o funcionamento do campo – jornalistas, intermediários e clientes, antecipadamente convertidos, e também outros criadores que, pela própria natureza de concorrência, legitimam o valor da grife; para o autor, a base do poder não está apenas na riqueza material e cultural do produto, mas na capacidade de transformá-lo em capital social e simbólico.

O valor distintivo da assinatura do estilista no vestido de noiva é, por definição, o prestígio conferido ao criador emprestado à noiva que o veste; o poder de distinção de um bem de moda pode ser exercido a serviço de um grupo que ocupa determinada posição na estrutura social e, ao mesmo tempo, na estrutura da distribuição deste bem – a importância de exibir-se equivale à lógica de felicidade medida na relação da possibilidade de consumo. A comunidade presente na celebração da boda identifica o prestígio da grife, pelo conhecimento de sua importância simbólica identifica não apenas os custos de fabricação do vestido de noiva considerados em sua materialidade, mas no poder de prestígio transferido da grife para a noiva, utilizando o universo simbólico justificado. Assim, no vestido de noiva encerra-se todo um universo de sentidos criados ao longo das gerações, passados pelas tramas familiares e legitimados no altar: Quando assinados por uma grife que constitui, dentro do espaço cultural em que a noiva está inserida, prestígio social, transfere à esta a aura de poder, luxo, sensualidade, ou que outros adjetivos houver no repertório de seus legitimadores, que caracteriza a grife. Na junção entre o vestido perfeito e a grife, sintetiza-se o reconhecimento social almejado.

Sonho. Glamour. Realização. É o que as noivas querem e o que os costureiros oferecem. Em entrevista, Marley Pawlick [1] atribui essa relação de oferta e procura como conseqüência do fenômeno “sonho da noiva” de usar o traje perfeito em momento considerado tão especial. Ressalta que a veemência na importância da escolha do vestido de noiva está atrelado também ao fato de ter entrado em desuso o costume do Baile de Debutantes. Comum durante o século passado, as famílias apresentavam formalmente a prosperidade de sua descendência: a jovem era levada ao reconhecimento público da sociedade ao completar 15 anos, em noite de

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gala de grande pompa e valor social. Uma vez desvinculada a prática de exibição do sucesso familiar contemporâneo, o momento de mostrar-se passou a ser definitivamente a celebração do casamento, onde a maioria das noivas Gesoni Pawlick se ocupa preferencialmente da escolha e preparação de seu próprio traje.

Estilistas, criadores, casas de especialidade e um número infindável de profissionais de moda congregam-se atualmente para fazer do vestido de noiva mais do que um bem material fabricado, mas um objeto de apreciação, desejo e sedução; Bourdieu (2008) instrui em seu discurso sobre a produção além da materialidade do produto que “impor uma marca sobre o produto e, por isso mesmo, constituí-lo como raro – digno de ser procurado, consagrado, sagrado, legítimo -, operação que caracteriza a produção dos bens simbólicos” (2008: 158).

Muitas pessoas tem o sonho de usar um vestido assinado pelo estilista Pawlick, mas ou não tem condições ou não querem fazer um investimento tão grande, então optam pela primeira locação. Aproximadamente o valor do primeiro aluguel é 40% inferior ao valor da compra. Em média, 70% das noivas que procuram o trabalho do Gesoni fazem a compra, enquanto 30% optam pelo primeiro aluguel. As grifes criam elementos de apreciação que beiram a devoção em seus seguidores, permitindo uma aproximação quase afetiva. Nesse universo de associação, geralmente o ideal de possuir para ser reconhecido em franco discurso de realização e promoção pessoal, permite a associação da pessoa que usufrui do objeto com a própria grife. Neste sentido, segundo Bourdieu (2008: 160), “milhões são gastos para demonstrar o prestígio da grife e do criador, sendo o dispêndio um dispositivo diferenciador não só das marcas, mas do consumo de luxo, ou seja, não se economiza na produção, pois ninguém irá economizar na compra.”

O vestido de noiva é parte essencial do casamento, “significa 60% da festa”, afirma Pawlick, que acredita que a noiva é o ápice do evento, “a estrela da festa, com certeza! Todo mundo vai para ver, e todo mundo comenta sobre a noiva. É muito raro alguém comentar ‘ah! O noivo não estava tão bonito’”. Mas, a noiva tem um peso bem mais importante. “Na festa, o noivo representa 40% a 30%, porque ainda divide atenção com os pajens, daminhas e mãe do noivo, que é uma figura que entra ainda antes da noiva, então a mãe do noivo tem considerável consideração, porque entra antes na igreja. Depois vem a noiva. Um vestido que não cai no gosto dos convidados repercute. O vestido dá o tom da cerimônia, porque as pessoas esperam muito da noiva e, se não supera as expectativas, decepciona”, afirma o estilista.

O estilista Gesoni Pawlick, nascido em 1946, em Anitápolis, interior de Santa Catarina, sonhava desde menino em conhecer o mar. O passado humilde é, nos discursos de Gesoni, lição de vida, construção, motivação para ser o que é. Assim, orgulha-se de trazer em seu currículo a experiência dos mais variados tipos de trabalho: empregou-se em padarias, vendeu picolé, pipoca, vendeu guloseimas em circos que chegavam na cidade e trabalhou com cobranças. Mais velho, trabalhou também nas lojas Pernambucanas.

Nos anos 1970, tornou-se funcionário do Bazar São Paulo, na época uma respeitável importadora no centro de Florianópolis, que se destacava no comércio de calças jeans, coqueluche da juventude daquele momento, fornecendo, entre outras, as marcas Levi’s e Lee. Gesoni se considera um autodidata, iniciando na costura, com vestidos para a esposa. Por Marley foi que deu os primeiros pontos da profissão e é seu apoio, segundo ele, que ajuda a manter a estrutura organizativa do atelier na atualidade. Segundo afirma, ele aprendeu sozinho, costurando para a esposa grávida à medida que os vestidos iam deixando de servir. Depois de tomar o gosto pela costura, Pawlick continuou fazendo os vestidos da esposa e, conforme foi aumentando a qualidade da confecção desses vestidos começou a chamar a atenção de outras pessoas de seu círculo social. Foi a experiência que construiu, ao mesmo tempo em que nela se construía, uma identidade de costureiro profissional, e os corpos que vestia traziam para si a aura de poder e prestígio de seus consumidores.

O segmento noivas, começou em 1982 quase por acaso. A primeira noiva foi uma amiga da esposa de Gesoni que estava grávida e não queria que a mãe soubesse da gravidez. Hoje, o atendimento pessoal do costureiro, feito com hora marcada, é um diferencial importantíssimo que acaba criando certo vínculo afetivo com as clientes que pode ultrapassar gerações, sendo passado de mãe para filhas, garantindo clientela “de tradição” no atelier. Pawlick trabalha com uma equipe fixa. Tudo é feito no próprio ambiente. O que inclui desde a parte de criação com o Gesoni à parte de bordados e toda a elaboração da noiva, que sai pronta, incluindo sapatos, véu, grinalda, acessórios, e se não quiser investir em jóias, dispõe semi-jóias tão boas quanto. A maioria dos materiais são importados. Geralmente com cristais swarovski tanto na parte de miçangas quanto na parte de cristais. A loja, Gesoni Pawlick Store, foi inaugurada em 13 de setembro de 2004, em um coquetel para convidados e a imprensa, acompanhado de um desfile da coleção primavera/verão 2005.

Além das elites locais, clientes novas e antigas do atelier, Gesoni contou com a presença das celebridades nacionais Sheila Mello, Maryeva Oliveira, Solange Frazão e Thyrso, este último, na época, no auge do reconhecimento público por ser um ex-Big Brother Brasil. Na escolha de “famosidades” em seu lançamento, faz-se perceber a cuidadosa construção do capital de prestígio, onde, por associação, nomes públicos, emprestam parte de seu prestígio ao balizarem o prestígio do outro, em franco processo de troca, tendo no poder

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de quem já vestiu as criações do estilista o valor da transferência de aura, trazendo poder para quem ainda vestirá. Tudo isso participa da criação do capital simbólico.

Gesoni afirma sua história diariamente, muitos dos que trabalham ao seu lado creditam a ele um legado raramente encontrado, o de emocionar-se com o outro para então causar emoções ao outro. Ou seja, ele consegue captar as necessidades e anseios da cliente que o aborda em franca emoção, para catalisar essas percepções em um produto de moda que supra além das expectativas. O casamento perfeito pressupõe a roupa adequada à sua magnitude. É para a figura da noiva que as atenções e intenções estão voltadas. Afinal, o vestido que ela usa está repleto de significados: é o discurso não verbal, revela aspectos intrínsecos, dá existência visível àquilo que a visão dos desatentos crê invisível. O homem se comunica com o meio quase todo o tempo, e na maior parte das vezes de forma não verbal. O vestuário é sem dúvida o mais imediato dos discursos.

4. Conclusão Sonho e glamour: essa palavras resumem o universo que permeia as noivas da grife Gesoni Pawlick

quando do desejo de consumo de seus vestidos. Mas sonho e glamour não se fazem do dia para a noite. O estilista, sozinho, também não. São necessários anos de investimento e dedicação na criação de um imaginário de prestígio, reconhecido socialmente, para legitimar uma grife como detentora de capital simbólico ao ponto de se tornar, por uma simples etiqueta, sonho e glamour, desejo de consumo e valor agregado para além do produto.

Através de pesquisa bibliográfica e entrevistas, buscou-se mostrar aqui que uma das mais antigas tradições ainda em uso, apesar das óbvias mudanças em seus sentidos sociais, constrói-se hoje como um dos espaços de exibição do poder, ou busca de legitimidade, das famílias no espaço social. As grifes participam destas construções ao mesmo tempo em que são construídas por elas. Via de mão dupla, a transferência de aura permite a troca dos capitais de prestígio, legitimando e participando dos jogos de poder que se estabelecem socialmente através do acesso aos bens de consumo da moda, seus discursos, suas visíveis estruturações sociais.

Observou-se, assim, a distinção do vestido de noiva em sua relação com o capital simbólico legitimado na grife Gesoni Pawlick no século XXI. A noiva se utiliza da grife com a intenção de ressaltar socialmente a escolha do consumo, não só pela qualidade do traje, mas também pela crença no valor social do produto. Assim, transcende a busca pela aparência de uma roupa bem feita, destinada prioritariamente a ocasião da boda de casamento, apontando a grife como catalisadora das exigências contemporâneas da nova consumidora no universo de sentidos e expectativas que se estabelece por ocasião do casamento.

Sonho e glamour! Indústrias milionárias se alimentam deles. Dinamizados pelo individualismo moderno e a sociedade de consumo, discursos pessoais de auto-projeção buscam nas grifes a legitimidade de um ser/ estar no mundo que categoriza a superioridade social pela posse ou acesso a certos distintivos. Vivemos uma época em que um vestido de noiva não é apenas um vestido. É todo um universo que o compõe, o justifica, nele se realiza. [1] Marley Pawlick. Entrevista realizada em 16/03/2010. 5. Referências BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Porto Alegre: Zouk, 2008. CAVALCANTI, Maria Laura de Castro. Os sentidos no espetáculo. São Paulo: USP, 2002. ECO, Umberto. Psicologia do vestir. Lisboa: Assirio e Alvim, 1989. LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. LIPOVETSKY, G.; ROUX, E. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo: Cia das Letras, 2005. LEITE, Miriam Moreira. Retratos de família: leitura da fotografia histórica. São Paulo: USP, 2001. TEIXEIRA, Madalena Brás (Org). Traje de noiva: 1800 a 2000. Lisboa: Ministério da Cultura: Instituto Português de Museus, 1996. SANT´ANNA, Mara Rúbia. Aparência e poder: novas sociabilidades urbanas em Florianópolis, de 1950 a 1970, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Porto Alegre: [Tese], 2005. SANT´ANNA, Mara Rúbia. Teoria de moda: sociedade, imagem e consumo. São Paulo: Estação das Letras, 2007. WORSLEY, Harriet. O vestido de noiva. São Paulo: Publifolha, 2010.

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TROCANDO DE PESCOÇO: AS GRAVATAS E A LEGITIMIDADE SOCIAL EM FINS DO SÉCULO XX

Virginia Therezinha Kestering*; Liliane Edira Ferreira Carvalho

Universidade do Estado de Santa Catarina 1. Introdução

Nos últimos anos o uso da gravata tem diminuído entre os homens. Nos Estados Unidos, a Associação de Fornecedores de Vestuário Masculino, entidade que por décadas representou os fabricantes americanos de gravatas, viu-se obrigada a fechar as portas, pois das 120 fábricas que existiam sobraram apenas 20 em 2008. A valorização da informalidade nos ambientes de trabalho e a associação da gravata com a “velha economia” tem sido os principais fatores apontados da ocorrência do fenômeno, embora o aquecimento global também tenha sido usado como justificativa, uma vez que as empresas são obrigadas a exigir muito mais dos aparelhos de ar-condicionado em virtude do calor que os executivos passam ao usar gravata.

Esse fenômeno, contudo, aos poucos, está passando a ocorrer no Brasil, setores antes tradicionais estão liberando os funcionários, que não entram em contato diretamente com o cliente ou que não representam a empresa, de usarem a gravata. Além disso, está se tornando comum a implantação do “casual Friday” ou sexta-feira casual, em que os empregados são dispensados de usar o traje informal. Todavia, apesar dessa tendência que se apresenta, o Brasil tem registrado índices que comprovam que o uso da gravata tem sido maior a cada ano, apenas em 2008, foram vendidas cerca de 18 milhões de peças (REVISTA EXAME, 2009).

O cenário econômico brasileiro tem sido o maior causador desse aumento. O setor de serviços vem crescendo anualmente no país, repetindo a história dos países desenvolvidos que viram o centro da economia migrarem para esse setor. Atualmente, no Brasil, são cerca de 22 milhões de homens empregados nessa área, geralmente jovens e com formação superior à geração anterior. Além disso, profissionais menos qualificados, que antes não exigiam nenhuma formalidade ao se trajar, também estão aderindo à gravata: a justificativa é que o acessório agrega credibilidade ao trabalho.

2. Método

Muito além do setor de serviços, o crescimento do uso da gravata está associado à ascensão da classe C brasileira. Representando cerca um terço da população, trata-se de um grupo com renda entre 950 e 1400 reais e que gasta cerca de 7% com o vestuário, segundo o Ibope. (REVISTA EXAME, 2009). Essa classe e a relação social que configura com o signo gravata como símbolo de status, é o que se pretende abordar nesse artigo. Resultado de pesquisas desenvolvidas para o projeto de História e Moda, do curso de Design de Moda, este artigo, por meio da análise de um acervo de 14 gravatas da década de 1980 e 17 dos anos 2000, pretende discutir a utilização da gravata pela classe C do Brasil como forma de legitimação de sua ascensão em fins do século XX.

Através das peças dos anos de 1980, se percebe como esse artigo sofreu reforço como símbolo de trabalho e status em função dos Yuppies e do crescimento das cidades brasileiras gerando um aumento de cargos urbanos. O fortalecimento desses valores agregados à gravata é o responsável pela utilização da mesma pelos ascendentes como forma de legitimar a situação que vivem. A análise das gravatas dos anos 2000 mostra como a classe C se utiliza desses significados. Deixando de lado preocupações como tecidos nobre ou um bom nó, ela se valerá dos significados conotativos que durante a história do artigo, foram agregados à peça.

O acervo que serviu de base para a pesquisa é oriundo de duas fontes, sendo que as da década de 1980 são a maioria, excetuando uma, pertencente à Modateca da Universidade do Estado de Santa Catarina, as 14 foram escolhidas dentre 62 gravatas, o critério de escolha foi baseado na década pretendida, na possibilidade de identificação da data, na disponibilidade da composição do material e na não repetição de marcas. Em relação às demais, todas pertencem a um único dono que permitiu a análise das mesmas, as peças representam todo o acervo.

3. Resultados e discussão

Nenhum item do vestuário masculino carrega tanto valor simbólico quanto a gravata. Da casaca aristocrática, passando pela austeridade do traje burguês, até a suntuosidade dos dândis, tem-se a gênese do vestuário masculino que será usado praticamente por todos até a década de 1960, aproximadamente, o terno. * Virginia Therezinha Kestering: [email protected]

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Inspirado também nos trajes de funcionários menores do final do século XIX, ele carrega todas as representações do homem desse século, ou seja, austeridade, respeito, trabalho e status.

Na segunda metade do século XX, a moda sofreu grande influência da cultura jovem e dos movimentos vanguardistas. Novos valores são estabelecidos, o ideal do corpo atlético é o que vigora, com isso as roupas de ginásticas fabricadas, principalmente, com materiais sintéticos estão em alta. Até mesmo a moda masculina se tornou mais livre e despojada, embora ela o tenha feito muito mais nos estilos jovens. O clássico terno e gravata, contudo, ainda tem lugar de destaque nos armários masculinos e sobrevive a tamanhas modificações. Apesar da grande liberdade conquistada, os sujeitos ligados à área empresarial ou política se vêem ainda obrigados a usar o traje formal. Nos anos 1980 o uso do traje é ainda maior em virtude de um novo estilo consagrado na época: os Yuppies.

Muito além das tendências da época, no entanto, as gravatas dessa década, ainda representavam os mesmos valores a ela atribuídos por décadas: o de trabalho, seriedade e elegância. Nesse contexto a grande maioria dos homens ligados a área administrativa, política ou ao funcionalismo público portavam o acessório. Os materiais para a fabricação da peça já era diversificado, embora a seda fosse a preferência, o poliéster era muito utilizado tornando o custo da peça menor. A composição do tecido até hoje é uma distinção: embora os tecidos de poliéster se assemelhem cada vez mais aos de fibras naturais, não oferece tanto conforto. Além disso, a seda, por ser uma fibra natural e considerada mais nobre em relação às demais, agrega maior valor ao produto.

Nota-se, por meio da análise do acervo pesquisado, que os tecidos utilizados na fabricação das gravatas da década de 1980 são mais diversificados do que atualmente, embora também sejam, em suma, compostos por cetins ou jacquards. A diferença está na variedade desses mesmos tecidos, principalmente em relação ao último em que há mais padronagens e cores. Isso, talvez, se deva ao constante consumo na época desse acessório e ele se dar por um público que valoriza a gravata e conhece as variações de qualidade. Como os escritório e outros departamentos ditos conservadores exigirem a peça diariamente, os sujeitos ligados a eles mantinham um maior compromisso em relação à peça.

O uso da gravata na década de 1980, portanto, está diretamente ligado aos ambientes conservadores do mercado de trabalho. Ele é uma forma legitimadora de pertença a esses locais, pois adornar-se pode refletir conexões com o sistema característico da economia específica dentro da qual se vive. Além disso, pode significar uma distinção social dos grupos que não pertencem a essa atmosfera e entre os próprios participantes, afinal, os materiais utilizados distinguem uma gravata de maior valor agregado de uma fabricada de maneira menos custosa.

Esse período é consagrador para a gravata como elemento de distinção social e respeitabilidade. O aumento do número de pessoas associadas à áreas administrativas e de escritórios de um modo geral, nesse caso não apenas masculina, mas também a feminina, tornou mais forte a relação do acessório a uma vida de sucesso. Por meio disso, o uso de gravata no Brasil vai sofrer um fenômeno diferenciado dos países desenvolvidos. Enquanto muitos países vêem o uso da gravata diminuir constantemente em razão da ascensão da casualidade e dos valores joviais, aqui ele aumentará. A reportagem da revista Exame, de 14 de maio de 2009, aponta que o consumo da peça no país teve um aumento de 12% em 2008, em relação a 2007, enquanto que nos Estados Unidos ocorreu uma queda de quatro pontos percentuais, 10% para 6%, entre os executivos que declaram usar gravatas todos os dias, durante os anos de 2002 e 2007. Dentre os fatores que contribuíram para esse fenômeno que ocorre no Brasil, a ascensão da classe C é apontada como principal causador do evento.

Apesar de na maior parte do país prevalecer o clima tropical, é na gravata que o sujeito ascendente vai legitimar a sua posição, ele vai se utilizar de um acessório com grande significado agregado que, além de dar respaldo a sua atual situação, é facilmente visível e identificável. Pensando-se logicamente, o aumento do uso de gravata no Brasil é incoerente, visto que o clima quente em nada combina com o acessório, contudo, por ele ter sido, ao longo da história, associado à status e poder, é por ele que o sujeito vai se valer de sua condição de ascendente social, mesmo que para isso não utilize os de melhor qualidade ou marcas renomadas. O importante é aparentar: para tanto se pode perfeitamente adquirir gravatas simples, compradas muitas vezes em quantidade. Mesmo que o material utilizado na fabricação das gravatas não sejam nobres, sua forma representa o valor adquirido.

4. Conclusão

Durante toda a sua história, a gravata agregou valores e significados associados a idéia de status. Resultado de pesquisas desenvolvidas para o projeto de História e Moda, este artigo aponta, por meio da análise de 31 gravatas das décadas de 1980 e 2000, como esses valores se afirmaram na classe C brasileira, transformando a gravata na legitimadora da ascensão social de diferentes grupos.

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Conotativamente, uma gravata é a representação de seriedade, trabalho, elegância, status, disciplina. Esses são os primeiros pré-conceitos de quem vê uma gravata, prestando a atenção apenas a forma que se mostra, não percebendo materiais ou corte. A evolução das fibras sintéticas dos últimos anos reforça ainda mais esse fenômeno, visto que ela tornou bem menos notória a diferença entre tecidos de fibras artificiais dos de naturais .

Segundo Bergamo (2007), ao portar uma gravata o sujeito se sente inserido no “centro” da sociedade. Nesse contexto “os sentimentos ganham expressão simbólica através de ideais e de instrumentos que permitem assegurar ao indivíduo que ele é parte indissociável de um dado modelo de qualidade, e de que esse é o modelo, por excelência, que a sociedade deve seguir” (BERGAMO, 2007: 219). Com a gravata o sujeito se sente pertencente a uma cultura legitimada popularmente como superior, ditadora do poder e dos costumes.

Em razão da tendência do abandono das gravatas, o crescente uso desse artigo no Brasil talvez esteja fadado à estagnação. A idéia de que o artigo simboliza a “velha economia” moderna capitalista pode suplantar a de poder e credibilidade, fenômeno que está deixando de lado essa peça em outros países desenvolvidos e que talvez também alcance nossa classe C, visto que, para muitos, status hoje é vestir-se como quiser. Referências CHANILLE Francois. La Grande Histoire de La Cravate. Paris: Flamarion,1994. BARBARD, Malcolm. Moda e Comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. BERGANO, Alexandre. A Experiência do Status. São Paulo: Unesp, 2007. ECO, Umberto. O Hábito fala pelo Monge. In: Psicologia do Vestir. 3ª edição. Lisboa: Assirio e Alvim, 1989. REVISTA EXAME ONLINE. http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0943/negocios /economia-gravata-470181.html. Acesso em 01/06/2010 às 09:37. DORFLES, Gillo. Factores Estéticos no Vestuário Masculino. In: Psicologia do Vestir. 3ª edição. Lisboa: Assirio e Alvim, 1989. HARVEY, John. Homens de Preto. São Paulo: Unesp, 2003. HOLLANDER, Anne. O Sexo e as Roupas. Rio de Janeiro. Rocco, 2003. ROSA, Stefania. Alfaiataria – modelagem plana masculina. São Paulo: SENAC, 2008.

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