Genocidio Dos Caiçaras
-
Upload
vanessa-marcondes -
Category
Documents
-
view
247 -
download
6
Transcript of Genocidio Dos Caiçaras
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 1/47
o
problema do genocídio dos calçaras, ampliado, é o da
maioria do povo brasil eiro, espoliado, vilipendiado, vit imado
pela sanha dos oligarcas que impunemente tripudiam sobre oque
resta de esperança nestes brasis. A incompetência administra-
tiva, a venalidade política e a corrupção institucionalizada trans-
formaram o provável futuro celeiro do mundo , em poucos
decênios, no maior e mais insolváve l devedor de toda a história
da humanidade, com todas as indesejávei s conseqüências que
tal fato acarreta: sacrifícios cada vez maiores à população já
combal ida, caren te, miserável, desesperançada, famél ica, e
principalmente indignada com o status quo , que a impede
ainda de definir o seu próprio rumo.
É
neste cenário que a atuação de Prisci la Siquei ra, mais que
denúncia, se faz sentir, resgatando ao oprimido, ao humilde, ao
inocente os elementares direitos a que faz jus: o de viver, o de se
associar, o de se manifestar, o de ir-e-vi r e que ta is. Verdadeira
paladina-guardiã de tais princípios, não arredando pé e fazendo
valer de todos os recursos de que dispõe, põe-se à luta com
tanta e inaba lada convicção que até mult inacionais jáchegaram
a recuar em seus propósitos, dada a contundênc ia de sua atua-
ção.
Mais do que prestigiá-la, urge é colaborar com todas as
nossas forças nessa sua luta que é, em última instância, a luta
de todos os brasileiros.
»
JJ
»
(J)
Os Edi tores
r i s i l o Siaueim
GENOcíOIO
DOS lÇ R S
Prefácio de
D LMO D LL RI
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 2/47
Priscila Siqueira
GENO ÍDIO
DOS C lÇ R S
Prefácio de
DALMO
D LL RI
V
Edição
1984
Massao Ohno - Ismael Guarnelli/Editores
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 3/47
PREFÁ IO
Este livro é a denúnc ia de um genocídio. Ao mesmo tempo,
seguindo a trilha do clássico Parce iros do Rio Boni to , de
Antônio Cândido, é também o registro de uma cultura agoni-
zante. Em termos mui to atuais, pode-se dizer ainda que é um
retrato fiel da face desumana do desenvolvimento econômico.
Além disso tudo, saído da pena de uma jornalista que
sempre manteve fidelidade a seu compromisso humanista, este
livro é
O
testemunho sucinto, preciso e corajoso, de uma
agressão à humanidade. Essa agressão contínua, sem obstácu-
los e sem punições .. favoreci da pela degradação dos costumes
políticos que atingiu o Brasil nas últimas décadas e apoiada no
mito do progresso econômico necessário, que vem sacrificando
grande parte da humanidade em favor do enriquecimento de
alguns indivíduos.
O cenário deste livro é o Litoral Norte do Estado de São
Paulo e um trecho do Litoral Sul fluminense. Vivendo há
muitos anos na região, e tendo olhos para ver, Priscila Siqueira
vem testemunhando e sofrendo a deterioração física e social
daquela área. Através de reportagens publicadas nos jornais O
Estado de São Paulo e Jornal da Tarde tem procurado denun-
ciar os aspectos mais agudos das práticas antisociais, antiecoló-
gicas e até mesmo antibrasileiras que se têm verificado naquela
parte do litoral brasileiro. Este livro é uma continuação de seu
trabalho de jornalista.
A par do caráter de denúncia, este livro de Priscila Siqueira
é um importante registro de características e manifestações da
cultura calçara, em vias de extinção. A terra e o mar são
prolongamentos das comunidades e com ambos o caiçara vive
em verdadeira comunhão espiritual, respeitando-os como fon-
tes de vida. Sem nenhuma preocupação com a acumulação de
riquezas, o caiçara vive a boa pobreza , que, longe de ser um
estado de privações e desânimo, é a opção pela vida simples,
espontânea e alegre. E assim, como fica demonstrado neste
livro,
°
caiçara sempre viveu feliz.
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 4/47
Outro aspecto muito interessante dacultura
calçara,
regis-
trado por Priscila Siqueira, é a religiosidade, que se manifesta
de modo ingênuo e alegre, através de festanças, com muito
colorido e mui ta dança, havendo ainda os últimos sinais da
congada, com seus reis e seus guerreiros.
Curiosamente, conforme o testemunho da Autora, o
rá-
dio de pilha penetrou nesse ambiente e colocou o caiçara em
contacto permanente com o resto do mundo, prat icamente
sem agredir seus valores e tradições. Esse dado é muito interes-
sante, pois revela a possibilidade de divulgação de informações
mesmo onde é elevado o número de ana lfabe tos e sem provo-
car deformações culturais.,
Mas a vida s imples e feliz do caiçara parece destinada a um
breve desaparecimento.
É
o que nos revela este livro-denúncia
de Priscila Siqueira. A gente
calçara,
que por séculos teve o mar
corno via de acesso quase única , encont rando nisso um fator de
proteção, não conseguiu resistir aos piratas vindos da terra.
Favorecidos pe la proteção dos governos mili tares que infe-
licitaram o Brasil nos úl timos anos, chegaram os aventureiros
de várias espécies. A simulação de um milagre econômico ,
que foi uma das muitas imoralidades impostas ao Brasil pelos
governos mil itares, foi pretexto para grandes investimentos
públicos e para que pseudo-revolucionários se valessem de
informações confidenciais e do poder arbitrário para ganhar
dinheiro na esteira desses investimentos. A estrada Rio-
Santos, embora prevista antes desse período, entrou de carnbu-
lhada nesse processo desenvolvimentista.
Políticos sem escrúpulos, especuladores imobiliários, em-
presas multinacionais e pessoas ricas à procura de paraísos
para recreação descobriram o Litoral Norte paulista e Sul f lumi-
nense. Foi o começo do genocídío (morte física), acompanhado
de etnocídio (morte cultural) dos caiçaras e d e a grupamentos de
índios guaranis existentes na região. Com precisão e coragem
Priscila Siqueira relata neste livro o que tem sido esse processo,
contando o milagre e o santo , na antiga expressão brasileira,
descrevendo agressões e identificando agressores. Desapossa-
mento de terras, ações de jagunços, fechamento de praias e
estradas, poluição, prostituição de meninas, tudo isso faz parte
do ritual de chegada da civilização a essa região.
Este é um livro-testemunho, um grito de alerta e também
um repositório de dados para etnólogos, antropólogos e outros
estudiosos das sociedades humanas. Se nada for feito para
deter a voracidade dos invasores, se não houver ouvidos que
ouçam, olhos que vejam e vontade de decidir a favor da pessoa
humana, restará o registro de que um dia, numa região de
praias, florestas e montanhas, existiu
u
povo caiçara, compa-
nheiro da terra e do mar, s imples, ingênuo e feliz.
Da /m o de Abr eu Dalla ri
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 5/47
ÍNDI E
5 Prefácio
3 Milhões de mil-réis
18
Apenas uma mulher
21 Em paz na terra dos pais
26 Terror multinacional
32
Se a pesca fracassar
38
Antigos piratas e nova pirataria
42 Vomitando sangue
45
Um Brasil com mais justiça
51 O caso da pranteada velhinha
55 Subindo o morro do abrigo
59 O rio que está mais escuro
63 De coronel para coronel
69
Histórica vitória
81 Documentação fotográfica
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 6/47
As epígrafes dos capítulos deste livro foram retiradas
da transcrição das congadas de São Francisco, município
de São Sebastião, e Caraguatatuba, publicada em O Fol-
clore do Litoral Norte deSãoPaulo, deRossini Tavares de
Lima e outros (Rio, 1981; MEC-SEAC-FUNARTE, Insti-
tuto Nacional do Folclore, Secretaria de Estado daCultura
de São Paulo e Universidade de Taubaté).
Segundo o apresentador do livro, Bráulio do Nasci-
mento, trata-se de uma pesquisa realizada sob a coordena-
ção do professor Rossini Tavares de Lima em 1959. Em
1968, foi lançado um volume sobre aquelas duas conga-
das, e a carência de recursos vinha impedindo a publica-
ção do restante do trabalho . Então, em
1981
foi possível
a edição completa, num único volume, incluindo-se o
primeiro, jáesgotado . Mas as congadas de São Francisco e
Caraguatatuba já não existem mais, morreram, são coisas
do passado.
Conflitos de terras, jagunços armados, mortes e
mentiras encomendadas por um preço estipulado como
mercadoria no supermercado. Estamos acostumados a
pensar que isso tudo não passa de uma realidade longín-
qua, no Araguaia, em Rondônia, no Acre, talvez. Nunca
na zona rural do município onde moramos, aqui, no Sul.
O que presenciei ao longo de vinte anos de moradia
no litoral norte paulista e, principalmente, nos cinco anos
de trabalho como repórter regional de O Estado de S.
Paulo e Jornal da Tarde, é uma realidade completamente
diferente daquela que
à
primeira vez possamos imaginar.
Jagunços são contratados, como atestam muitos depoi-
mentos colhidos em delegacias de polícia do litoral norte
paulista e sul fluminense e muita gente posta fora de suas
terras
à
força. A marginalização social, há poucos anos
atrás ausente nesta região, é uma espécie de sombra dos
que aqui moram ou vêm veranear. E muitas vezes, sob o
nosso olhar cúmplice.
Priscila S iq ueira
11
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 7/47
M ILH ÕES DE M IL RÉIS
Soberano Rei de Congo,
Eu desejava saber no nome
Desses teus queridos fidalgos
Para trazer na memória
Deste Príncipe exaltado
O secre tário
Os faróis do trator mais pareciam os olhos de Boitatá.
As crianças, que nunca tinham visto coisa igual, se enco-
lheram junto
à
saia das mães, que também olhavam o
monstro assustadas. Sob o impacto da pesada máquina,
troncos de jequitibás, perobas e massarandubas centená-
rias iam tombando um a um. Em poucas horas acontecia o
que pareceu o prenúncio do fim do mundo para os caiça-
rasoA ocupação secular de gerações não destruíra o que o
loteamento ou a estrada conseguiam em poucas horas. Eo
caiçara, que vivera isolado, com sua economia de consu-
mo, e com seus costumes e valores próprios, viu-se de
repente inserido numa outra sociedade, sem saber o que
significava e sem estar preparado para ela.
Descendente de portugueses, índios e negros, mas
também da mestiçagem aolongo dos anos de presença de
holandeses, franceses e espanhóis que surgiam por estas
costas, o caboclo do litoral é (ou era) um homem ajustado à
natureza. A região em que vivefoi uma das primeiras a ser
colonizada, sendo famosa em nossos livros escolares a
saga dos tupi-guarani que aqui viviam. Destroçadas, o que
restou dessas nações serepete emseus descendentes. Para
muitos antropólogos o caiçara é um povo em extinção.
13
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 8/47
I
o
porque, se no passado o capitalismo chegou a
se-
interessar por sua mão de obra farta e barata, hoje o qUi:'
lhe cobiça são as terras valorizadas ao extremo, principal-
mente depois da aber tura da rodovia Rio-Santos.
E sem a terra , que lhe garante acesso aomar, o caiçara
não pode sobreviver. Na terra à beira-mar, o caiçara so-
brevive com o produto da pesca, sua principal fonte de
alimentação. Para ele, o oceano é tão essencia l quanto o ar
que respira. Ao lado do peixe de cada dia , a banana, o
feijão, o milho, a cana e a mandioca, matéria prima de uma
excelente far inha. E com tudo isso, fortes e vivas manifes-
tações culturais, como a congada em honra de São Benedi-
to, o reísado, a Folia do Divino.
A cozinha caiçara é cheia de segredos. O azul mari-
nho - prato típico da região, na base do peixe e da banana
verde, que tem este nome pela intensa cor azulada que
adquire, não dá para ser feito apenas com uma receita
culinária.
É
preciso consertar o peixe de véspera, saber o
ponto exato da banana - nem verde, nem madura - e
perceber a hora de se colocar a água. Quando o azul-
marinho está pronto, o bentrecha - parte do peixe
situada logo após sua cabeça na altura das nadadeiras - (o
ombro do peixe) é a mais disputada na mesa caiçara.
Os causes , as lendas , os pasquins , povoam sua
-cultura: o mundo caiçara é mágico e lá tudo pode acontecer
_ espíritos se confundem com a realidade, a poesia se
infil tra nas histórias de amor mal sucedidas - como na
lenda dos dois namorados do Pontal da Cruz, em São
Sebastião - ou o bom humor e a sátira registrando os
fatos ocorridos no cotidiano deste povo, como os pas-
quins de I lhabela - verdadeiros jornais falados, em ver-
sos - muitos deles recolhidos pela saudosa professora
Gioconda Mussolini.
Até os primeiros anos da década de 50, a terra onde
moravam esses caiçaras tinha pouca valia. Daí eles vive-
. rem em paz, praticamente isolados do resto do mundo. Há
quem compare o litoral entre as cidades do Rio de Janeiro e
14
Santos, até àquela época, com o vazio econômico da
Amazônia de·antes da era Médici. E vazio econômico é o
isolamento frente ao processo capitalista desenrolado no
restante do país.
Mas na verdade, nem sempre os habitantes deste
litoral estiveram isolados da produção da riqueza brasilei-
ra. Região antiga na colonização portuguesa , Paraty, por
exemplo, chegou a ser 'um porto famoso na exportação
oficial do ouro das Geraes para a Europa. Seus casarões
testemunham o fausto que se estende do século 19, atra-
vés da economia do ouro, cana e café. O mesmo sucedia
com outros portos como Paraty-Mírim e Ubatuba, no
li toral paul ista. Mas aqui já era o ouro contrabandeado.
Rareando o ouro das Geraes, o café, o ouro verde , vem
tomar o seu lugar de importância econômica para o País ,
especialmente nesta região litorânea.
Interiorizando-se, a cultura do café fez entrar em
decl ínio a economia do li toral. O município de Ilhabela,
formado pelas ilhas de São Sebastião, Búzios, Vitória e
outras menores, chegou a possuir
33
engenhos de cana no
final do século passado. A inauguração da estrada de ferro
Santos-Iundiai iria ser outro fator a determinar a morte
econômica de grande parte do litoral paulista. A estagna-
ção social chegou a ser tanta que, em 1923, o então presi-
gente do Estado de São Paulo, Wáshington Luiz, visitando
o litoral norte paulista a bordo de um navio do Lloyd
Brasileiro, propõe à população dessa região que se mude
em massa para o Interior do Estado, a exemplo dos ir-
mãos nordestinos que imigravam e eram recebidos de
braços abertos no planalto paulista .
Com o desinteresse do capital, o caiçara pôde sobrevi-
ver em suas posses centenárias. Os seus títulos muitas
vezes datam do tempo das sesmarias e da doação de terra
às ordens religiosas, como é o caso da ilha do Montão de
Trigo, em São Sebastião, cujos títulos pertenciam aos
padres carmelitas.
15
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 9/47
Na década de
60,
vários fatores vêm tirar o caiçara de
seu isolamento. As vias de acesso ao litoral norte paulista
são melhoradas, a Petrobrás se instala na região (atraindo
pessoas de outras localidades em busca de novos campos
de trabalho) e o turismo na Baixada Santista inicia seu
processo de saturação, fazendo com que pessoas de maior
poder aquisitivo busquem outras áreas de lazer. Além
disso, em 1965, um ano após a Revolução de 64, a Rede
Globo de Televisão começa a penetrar no litoral, invadin-
do recantos distantes, difundindo outros padrões de com-
portamento e provocando exigências nunca antes imagi-
nadas.
Mas a gota d'água que determinou o interesse dos
grupos econômicos de fora foi o começoda construção da
BR
101,
a rodovia Rio-Santos. Seu trajeto havia sido um
segredo de Estado , a fim de-quefosse evitada a especula-
ção imobiliária nesta área litorânea. Um segredo de poli-
chinelo, porque quando foi inaugurado o primeiro e único
trecho da estrada, entre Ubatuba e Rio,em
1974,
os títulos
das terras por onde a estrada passava já eram, na sua
grande maioria, de propriedade dosenhor Carlos Lacerda,
ex-governador doRioe revolucionário de primeira hora.
A partir daí o caiçara não tem mais sossego. E na
maioria das vezes é enganado em transações comerciais
que não compreende, acostumado à troca direta, fora do
mercado, sem saber o valor real do dinheiro, vendendo
suas posses por milhões de mil-reis . Mas quase sempre
ele as vende por se sentir enxotado, indefeso diante de um
poder que não tem como enfrentar. Há histórias tragicô-
micas que ilustram o fascínio que a cidade, com seu consu-
mo, exerceu sobre muitos desses caiçaras. Em Ilhabela, se
tornou lenda o caso· de um posseiro que vendeu suas
terras por
80
mil
réis ,
comprou um carro, mascomonão
soubesse dirigir, teve de contratar um chofer. O dinheiro
acabou, o motorista foi embora, o carro vendido por uma
bagatela e o homem, perplexo, no meio da rua sem saber
onde morar.
16
Outros casos são apenas dramáticos. Em 1979, o Juiz
de Direito da comarca de SãoSebastião, que também éjuiz
de Menores, Manoel de Lima[únior, denunciava em pleno
Ano Internacional da Criança, que a idade média das
prostitutas desta cidade variava de
12
a
16
anos. Muitas
dessas damas da noite não tinham tido sua primeira
menstruação e grande parte das adolescentes e criançasvi-
viam antes com seus familiares nas praias da região. Ago-
ra, elas não tinham mais onde morar pois as praias não
mais lhe pertenciam.
Nesses vinte anos, os caiçaras que conseguiram so-
breviver em suas terras descobriram um fenômeno novo
em sua sociedade: os que foram para a cidade receberam
dela somente o pior, a favela, a periferia infecta, a margi-
nalização. E o preconceito que o homem da cidade , o
branco civilizado tem em relaçãoa eles. Aurélio Buarque
de Hollanda, no seu Dicionário da Língua Portuguesa,
registra o consenso capitalista sobre o caiçara. Para quem
só vê olucro e a ganância comoa grande finalidade davida,
o caiçara com sua maneira calma de ser, com sua mística e
sua visão do mundo, é mesmo vadio, preguiçoso e indo-
lente .
Essa experiência amarga e sofrida lhes ensinou uma
lição: a de que é preciso se mobilizar para enfrentar não
somente os grupos econômicos nacionais interessados em
suas terras, mas até mesmo os podesosos holdings inter-
nacionais que vêem neste litoral o paraíso do lucro.
E nessa luta dos caiçaras pela posse da terra e manu-
tenção de sua identidade cultural, o apoio que outros
setores da sociedade ,possa lhes dar é de fundamental
importância. Pois o que aconteceu com os indígenas, os
primeiros posseiros nestas terras brasileiras, se repete
com os caiçaras: genocídio.
17
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 10/47
PEN S UM M ULH ER
Com Eulália foi usado um recurso muito comum
neste l itoral de São Paulo: as pressões indiretas que fazem
com que o caiçara seja obrigado a permutar ou vender sua
posse. Tudo aparentemente muito limpo, fazendo com
que autoridades afirmem não existirem mais problemas
de terra na área. Um pouco diferente do que acontece no
litoral sul fluminense: lá, o uso da violência é uma constan-
te, às vezes acontecendo aberrações jurídicas inexplicá-
veis. O juiz de direito de Paraty, por exemplo, expulsou
famílias de caiçaras da praia de Trindade. Elas já estavam
estabelecidas em terreno com liminar de posse concedida a
um caiçara que acolhera sus parentes e amigos. Mas o
juiz se sentiu autorizado a expulsá-Ias da terra do outro.
Nessas ocasiões não vale o sagrado direito da propriedade
privada.
Em São Paulo, a pressão é mais sutil - não há expul-
sões, nem contingentes policiais que possam atrair a im-
prensa. Isto certamente daria chance à formação de uma
consciência crítica da situação por parte tanto do caiçara
violentado em seus direitos como da sociedade civil. Os
caminhos para livrar Toque- Toque da presença de seus
tradicionais habitantes foram bastante sinuosos, com
coincidências no mínimo curiosas, como o fato de o advo-
'gado na defesa dos interesses da empresa na área ser o
mesmo que devia defender os interesses do município, já
que é também funcionário da prefeitura de São Sebastião.
Ironia: São Sebastião é considerado área de segurança
nacional desde 1967, e o seu prefeito é escolhido e nomea-
do diretamente pelo Presidente da República.
Para que Eulália cedesse à proposta de troca de sua
área em frente ao mar por outra no interior da praia, o
administrador da Albuquerque- Takaoka em Toque-
Toque Pequeno, um sargento reformado da Marinha do
Brasil, conhecido na praia como Capitão, abriu também
outro bar, de propriedade da empresa. Podendo apresen-
tar preços muito mais baixos que os oferecidos por Eulália
- já que esses bares funcionam também como pequenos
19
Vai correndo Secretário
Meu pai rei avisar,
Que a frente de nossa terra
Tão quereno tomar.
a
rí nc i p e
Eulália Lara de Oliveira, caiçara de Toque-To ue
Pequeno, na costa sul de São Sebastião, não gosta e alar
no assunto. Afinal, como ela mesmo diz, como lutar con-
tra gente tão poderosa como eles? Eu sou só uma mu-
lher , ela mesma responde.
Eulália tem hoje um pequeno bar nessa praia, mas
não mais em frente ao mar, onde sua família sempre
morou. Eulália, nos anos de 78 e 79, foi uma das poucas
pessoas moradoras em Toque- Toque Pequeno a enfren-
tar os proprietários da construtora Albuquerque Takaoka,
que transformou a praia num grande empreendimento
imobiliário e conseguiu, junto ao governo Maluf, fazer
chegar até ele o asfalto da estrada São Sebastião-Bertioga.
Eulália tinha então o barzinho em frente ao mar. Mãe
de três meninas, o marido trabalhador do DER com salário
mínimo, o fator fundamental da sobrevivência da família
era mesmo o barzinho. Um bar que estava justamente no
., terreno mais importante para os planos da Albuquerque-
Takaoka. Grande parte dos caiçaras já tinha saído de
Toque- Toque, ou cedido a frente para a praia a turistas
que construíram mansões. Eulália e o velho Silvestre Mar-
celino de Matos seriam os últimos a sair. Para que essa
corajosa mulher desistisse de sua luta, mesmo grávida foi
muitas vezes ameaçada pelos funcionários da empresa.
18
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 11/47
armazéns -, Capitão também proibiu que funcionários
da empresa se abastecessem em qualquer outro estabele-
cimento que não o seu. Sem outra alternativa, Eulália
quase fecha o bar, acabando por aceitar a troca.
Hoje, o bar de Eulália não está mais em frente ao mar,
e ela nem se preocupa em recorrer ao SPU-Serviço do
Patrimônio da União reivindicando a legalização das terras
que foram de seus avós. E Toque- Toque Pequeno mais se
assemelha a uma cidade fortífícada da Idade Média, cerca-
da por altos muros de pedra que protegem valiosíssimas
propriedades numa praia em que o caiçara não tem mais
vez.
•
EM P Z N TERR DOS P IS
Embaixador, eu não queria assim,
Eu não queria que este reino
Fosse todo esbandalhado
O
C a ci qu e d o E m ba ix a do r
';
Eles foram os primeiros moradores deste litoral. Nem
por isso estão em segurança. As terras da comunidade dos
Índios guarani do Rio Silveiras na Barra rio Una, em São
Sebastião, desde
1981
se tornaram um cenário de disputa
, eiitré grandes grupos econômicos e seus moradores. E5-1
tes, cerca de 70, aí cultivam banana e mandioca, além de
retirarem das matas da Serra do Mar o material para a
confecção de seu artesanato, flechas, arcos, machadinhas e
cestos, vendidos em toda a região.
No local onde moram esses indígenas, numa .9 ).i-
nhada de duas horas mata a dentro desde o núcleo da
Barra
d
Una, está prevista a construção de um conjunto
habitacional de cerca de cinco mil casas de veraneio, con-
forme projeto da empresa Sapor Construtora, com sede
na capital de São Paulo. Há cerca de
40
anos o capitão da
Polícia Militar Homero dos Santos luta na Justiça com
Joaquim Feliciano Neto, na disputa pelo título de posse
dessas terras e de sua redondeza, área que nenhum dos
dois chegou jamais a ocupar. Quando a Justiça deu ganho
de causa a Joaquim Feliciano Neto, os guarani foram inti-
mados a abandonar o local sob a alegação de que teriam ido
habitar aquelas terras a convite do capitão Homero dos
21
0
I
Ir
I
I
• •
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 12/47
Santos, ainda na década de
60.
Além disso, o comerciante
Armando Peralta, dono de uma rede de supermercados na
Baixada Santista, também reivindica parte das terras dos
guarani, para estabelecer aí um projeto agroindustrial.
Conforme o advogado Marco A tônio Barbosa, do
Centro de Trabalho Indigenista - CTI, ue assessora a
comunidade do Rio Silveiras, a própria Constituição brasi-
leira é muito clara a respeito da posse de terras pelos
índios, no seu artigo 198: As terras habitadas pelos índios
são inalienáveis, ficando declarada a nulidade de qualquer
ato jurídico que incida sobre território indígena . Mas é
Marco Antônio mesmo quem comenta: o que presencia-
mos nos terr itórios ocupados por indígenas em todo o País
é que normalmente esse artigo da Carta Magna brasileira
se tornou uma brincadeir inha de crianças . Para sustar a
lfa Çãoe expulsão dos guarani, Marco Antônio e sua esposa
Carla Antunha Barbosa, além do jurista Dalmo de Abreu
Dallari , entraram na Justiça com uma ação de embargo de
terceiro possuidor, tentando suspender a ação judicial
anterior.
Os fatos ocorridos com a comunidade indígena do
Rio Silveiras jáse tornaram jurisprudência em nosso país ,
afirma Dalmo de Abreu Dallari. Foi a primeira vez em
nossa história que os próprios índios se fizeram represen-
tar naJustiça, reivindicando seus direitos, sem interrnedia-
ções da Funai, tendo conseguido a liminar de posse de suas
terras. Esse exemplo foi seguido por outras comunidades
indígenas do Rio Grande do Sul e do Amazonas.
A manutenção das terras da comunidade guarani do
Rio Silveiras, eerca de
300
alqueires, é de vital importância
para as nove comunidades guarani do Estado de São Pau-
lo. Isso porque essas comunidades indígenas do litoral e da
Capital mantêm entre si estreitas relações sociais e econô-
micas. A ameaça que paira sobre uma comunidade se
estende sobre todas as outras. Maria Inês Ladeira, educa-
dora do CTI, que desde 1978 trabalha com os índios
22
guarani do aldeamento da barragem Billings, afirma que
os guarani são os únicos índios que voltaram ao li toral, ao
contrário dos outros, que fugiram ao contato com os
branco? ernhrenhando-se para oeste do País. Os guarani
moram sempre perto das comunidades brancas mas em
locais de difícil acesso, maneira com a qual 'pretendem
proteger sua própria comunidade e sua identidade cultu-
ral.
De acordo com Maria Inês, as várias comunidades
guarani interdependem economicamente, pois a lavoura,
a caça, a pesca e a coleta de material para seu artesanato
são atividades feitas em conjunto. as matas da Serra-do
Mar abastecem de material para as cestas e colares não só
os índios do litoral mas também os da Capital . Do ponto
de vista social, essas comunidades são também dependen-
tes umas das outras, já que todas mantêm relações de
parentesco e os casamentos são sempre realizados entre
elementos dessas comunidades.
Os advogados daCTI têm em suas mãos documentos
que historiam migrações guarani para o litoral de São
Paulo já no início do século XIX..Os autores desses tex~os
citam migrações muito anteriores a essa época. Alem
disso, os tupinambás sempre ocuparam o território ime-
morial dos indígenas. Os mais velhos do Rio Silveiras
afirmam que na década de 50, quando chegaram a esta
comunidade, ela já era habitada por outros indígenas. Para
Marco Antônio Barbosa, é só estudarmos um pouco de
história do nosso País para sabermos que esse litoral foi
densamente povoado por indígenas. Agora, só falta pro-
varem que quem descobriu o Brasil foram os índios inva-
sores e que os brancos, estes sim, sempre viveram aqui .
O cacique Samuel Bento dos Santos, líder da comuni-
dade do Rio silveiras, afirma que sua gente só quer viver
em paz nas terras de seus pais.
É
aí, nessa comunidade, que
se encontra um dos únicos cemitérios guarani no Estado
de São Paulo, onde estão enterrados três caciques, um fato
3
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 13/47
.:Iegrande significado para toda a nação guarani. Samuel
lembra os tempos do cacique Gumercindo: Naquela épo-
ca nós tínhamos mais de mil alqueires e levávamos mais de
um dia para percorrer de urna ponta a outra as terras.
Quando esse nosso chefe morreu, roubaram urna parte
do nosso território e hoje só nos restam
300
alqueires de
mata. O que sobrou nós não vamos perder. Se nos obriga-
rem a sair daqui, nós nos matamos, para mostrar ao
mundo todo o que o branco faz com o seu irmão índio .
Os guarani da comunidade do Rio Silveiras também
não querem a intervenção da Funai em seu aldeamento,
porque a transformaria em reserva indígena: Índio da
Funai é corno prisioneiro. Os guarani de Peruíbe passam
fome, comendo banana com café. Eles não têm liberdade
de receberem seus próprios amigos. É pior do que bicho
enjaulado. Aqui somos livres e as crianças são fortes e
bonitas .
Por outro lado, as promessas feitas aos índios pelos
capitalistas interessados na área, no final de
82,
de dar em
troca do pedaço de terra dos guarani três casas de bloquete
mais 500 mil cruzeiros, não resolve o problema , segundo
Maria Inês Ladeira. Isso porque a divisão de terra corno é
.feita para oposseiro não funciona igualmente para o índio.
O indígena vive em contato estreito com a natureza, que
lhe é vital. Daí a configuração de posse por eles realizada
ter de ser entendida de forma diferente daquela feita pelo
branco: o índio mantém com a terra um relacionamento
religioso e sagrado, que demonstra no respeito e conser-
vação da mata onde vive e da natureza que o cerca. O índio
não devasta, preservando a área em que habita e deixando
sinais de ocupação diferentes dos nossos .
Para Maria Inês, se quisermos que a população indí-
gena aumente, é necessário que sua terra seja mantida,
pois o fato de serem urna população flutuante - caracte-
rística guarani - não significa que não seja urna população
estável. O sertão do Rio Silveiras é, sem dúvida, território
guarani .
24
A grande reivindicação dos guarani do Rio Silveiras e
do CTI é a imediata demarcação de suas terras. Este
pedido foi feito ao Governo do Estado através da Secreta-
ria do Interior, que poderia usar os recursos da Sudelpa
nessa demarcação, já que ela conta agora com um grupo
especial de trabalho para a resolução dos problemas de
terras. Problemas que existem em todo o litoral paulista.
Já no dia
19
de abril de
83,
o secretário do Interior,
Chopin Tavares de Lima, recebeu um dossiê com o histó-
rico da comunidade guarani do Rio Silveiras. Nele se
reivindicou a demarcação das terras, seguida de seu regis-
tro no SPU corno terras indígenas. Afinal, afirma Marco
Antônio Barbosa, a Funai alegou, no início de 83, falta de
verbas para poder demarcar todas as terras indígenas
brasileiras. Mas, para qualquer ação do governo estadual é
imprescindível que sejam respeitados os direitos dos gua-
rani decidirem sobre seu futuro. Além disso, a. relação
entre o Estado e a comunidade guarani deve ser interrne-
diada por profissionais com formação indigenista e com
conhecimento da realidade guarani. Sem isso, o Estado
estará agindo corno sempre fizeram os Órgãos oficiais de
proteção ao índio - SPI e a Funai - isto é, de forma
autoritária e sem respeito aos interesses e desejos dos
índios .
Enquanto tal demarcação não ocorrer, os guarani
serão fáceis vítimas de agressões. Pois agressão é a palavra
para qualificar a atividade de Armando Peralta, que de
posse de urna autorização concedida pelo ex-governador
José Maria Marin, fez com que a empresa Palmares Indús-
tria, Comércio' e Exportação Ltda. invadisse a área dos
guarani para retirar todo o palmito existente. Isso em
julho de 83. Apesar do Parque Estadual da Serra do Mar e
da decisão judicial. E depois do cacique Samuel ter dito,
num ato público realizado em março deste ano, na Paró-
quia de São Sebastião, em favor da comunidade do Rio
Silveiras, que quando os guarani acabarem no Estado de
São Paulo, o Brasil todo já terá acabado .
2S
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 14/47
TERROR MULTINACIONAL
Me seja possive, príncipe,
Eu não te vejo falá,
Deixastes um Secretário
Tomar o vosso lugá.
O R ei
As 40 famílias de caiçaras que vivem em São Gon ali-
nho aprenderam a conviver com o medo. Desde há muito
que jagunços armados, montados a cavalo, patrulham esta
praia em nome da empresa S.A. White Martins que, entre
outras coisas; mantém o monopólio de oxigênio no País.
Posseiros há comprovadamente mais de cem anos, os
caiçaras de São Gonçalinho, praia do lito ai sul flu ine~-
se, deveriam estar tranqüilos em suas terras. No cartório
deParaty
existe um inventário datado de
1845
que regis-
tra os bens do capitão-rnor Antonio José Pereira da Cruz e
de sua mulher, Ana Maria Lapa, provando que as terras
do lugar chamado São Gonçalinho foram lançadas à Fa-
zenda Nacional pela quantia de Hum conto quatrocentos
dez mil e quinhentos réis, pelo pagamento dos impostos
atrazados desse capitão. Esse documento demonstra que
a posse dos caiçaras está situada em cima de terrenos da
União.
Apesar disso, na ação de reintegração de posse movi-
da pela White Martins, a empresa se diz legít ima senhora e
possuidora da fazenda São Gonçalinho, inclusive dos
acréscimos da Marinha . Seu gerente, Júlio Cesar Cassa-
no, entrevistado, chegou a afirmar: estamos recuperando
o : ~ . •
26
o que é nosso; queremos apenas que eles (os posseiros)
saiam do local porque temos outros planos para a região .
Os caiçaras acreditam que foi o fato de a White Martins
ter uma sede de fazenda na praia vizinha de São Gonçalo
que a levou a reivindicar as posses da praia de São Gonçali-
nho. Arlindo de Souza Sobrinho,
75
anos de idade, nascido
e criado nesta praia, está desolado: A companhia proibiu
todos os que moram aqui de cuidar desuas roças. Todos os
dias, dois capatazes da fazenda passam a cavalo pela pJ;.aiae
se nos vêem fazer uma roçado ou consertar nossas casas,
ameaçam a gente. Como podemos sobreviver na terra se
não podemos cuidar de nossas plantações?
Nas declarações que Júlio Cesar Cassano faz à im-
prensa, os caiçaras aparecem como pessoas que não. têm
amor à terra, porque a maioria, ao contrário do que
afirmam, não nasceu no local e sabe perfeitamente viver
de outra coisa . Não é o que diz Orivaldino Geraldo da
Silva, de
88
anos, o mais velho morador em São Conçali-
nho. Sua certidão de nascimento prova que ele nasceu
nesta praia, assim como todos osque lutam para aíperma-
necerem.
Para os caiçaras, a desdita começou com a construção
da estrada (BR 101), que valorizou as terras e atiçou a
ganância dos homens . São Gonçalinho fica na margem da
Rio-Santos, à altura do quilômetro 154, a 32 quilômetros
do centro urbano de Paraty.
Jair da Silva, da antiga diretoria do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Paraty e do PDS local- do qual
foi presidente - é natural de São Gonçalinho e aí foi
criado: Meus pais contavam que a White Martins com-
prou uma 'sorte' de terras em São Gonçalo e botou aí um
armazém. Nessa época muito caiçara trocou suas terras
por um pedaço de fumo ou um pouco de querosene. A
empresa tirava madeira deste litoral para fazer alcatrão.
Mais tarde, ela pôs tanto boi nas plantações que a terra
chegou a virar areia . Num período em que a fazenda São
27
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 15/47
Gonçalo foi desativada, os caiçaras que lámoravam conse-
guiram recuperar seus roçados e as condições de vida
começaram a melhorar, apesar da grande distância da
cidade: A gente andava um dia inteiro para chegar a
Paraty e lá trocar a farinha de mandioca ou a banana e o
peixe salgado por alguma coisa que precisássemos .
Para Jair da Silva, com a construção da Rio-Santos o
negócio engrossou: a empresa contratou um policial re-
formado da PM carioca, entre os anos de 1972 e 1973, que
bateu e desrespeitou muita gente, até que acabou matan-
do dois posseiros, Amâncio Bonifácio da Cruz e o filho
dele, Vitório da Cruz . A empresa começou então a chamar
os caiçaras para fazer um acordo com eles, dando o que
bem entendia pelas terras . Jair afirma que a White Mar-
tins já destruiu
50
casas de posseiros para nada de útil
fazer com a terra - só guardá-Ia para especulação imobi-
liária . É ainda este membro doPDS de Paraty que assegu-
ra: A titulação registrada em cartório pela White Martins
é de
2.500
metros quadrados, e no entanto reivindica mais
do dobro do que legalmente possui .
É espantoso o que a White Martins consegue.
Clarice Maria da Conceição é uma velha
caiçara,
mãe
de muitos filhos, nascida e criada em sua posse de São
Gonçalinho. Para sua surpresa, em meados de 83 rece-
beu uma intimação do Juiz de Direito de Paraty pondo-a a
par da ação de despejo - rito sumaríssimo - que a
White Martins movia contra ela. Alegação da empresa:
existe entre ambas um contrato de arrendamento rural. E
na ação judicial foi mesmo anexado um contrato de arren-
damento que se destinava ao exercício de exploração agrí-
cola ou agro-industrial. Acontece que Clarice não sabe
assinar nem mesmo o seu nome - e eu não botei o dedão
em papel nenhum, não .
O advogado que defende Clarice, Jarbas Macedo de
Camargo Penteado, do escritório de Sobral Pinto, desde
1976 vem acompanhando a luta dos caiçaras deste litoral
28
fluminense. O primeiro contato que [arbas ,teve com os
posseiros àe Paraty foi na defesa dos trindadeiros ,contra
as pretensões- do conglomerado multinacional Brascan.
que pretendia fazer de Trindade um paraíso do turismo
internacional. Os caíçaras, evidentemente, estavam atra-
palhando os planos do Brascan. [arbas atua também atra-
vés da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro, e tem
hoje o apoio do Instituto Histórico e Artístico da Prefeitu-
ra de Paraty e d a nova diretoria do Sindicato dos Trabalha-
dores Rurais deste município, eleita em feveretro de 1983.
Examinando o contrato apresentado pelaWhite Mar-
tins, [arbas descobriu que a área arrendada e nele descrita
é de seis metros quadrados, ou seja, medindo dois por três
metros, exatamente onde se localiza o casebre de Clarice.
E mais: o contrato de arrendamento foi assinado a ro~o,
em 1975, por uma professora chamada Leci Cuedes, que
na época trabalhava em São Gonçalinho. Na Justiça, Leci
declarou que não se lembrava da área de arrendamento
no momento em que assinou o contrato, nem o total da
área arrendada, além de não se lembrar se dona Clarice
colocou ou não sobre o contrato suas impressões digitais .
Na defesa da caiçara, Jarbas sustentou que op róprio Siste-
ma Nacional de Trabalho Rural conceitua o imóvel rural,
devendo o mesmo possuir uma área mínima de dois hecta-
res, ou seja, dez mil metros quadrados.
Jarbas afirma que muitas irregularidades dessa ação
judicial exemplificam os meios usados pela White Martins
em São Conçalinho: Como pode ser colhida a pretensão
da empresa se tal contrato fere toda a conscientização do
que se entende por arrendamento? Além disso, acresce o
fato de Dona Clarice não ter assinado nem colocado suas
impressões digitais, muito menos autorizado a professora
a assinar o documento a rogo. Mesmo porque, neste caso,
como entendem renomados tratadistas do Direito ivil,
deve ser efetuado um contrato por instrumento públi
para que o Oficial de Cartório possa verificar se as p rt
estão manifestando sua vontade livremente .
2
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 16/47
I
Como disse o repórter Edilson Martins numa entre-
vista com [arbas, no dia que este país pertencer ao seu
povo, esta historinha haverá de ser narrada nas escolas
públicas como testemunha de um Brasil obscurantista e
feudal . Um obscurantismo e feudalismo que podem tam-
bém ser reproduzidos na história do relacionamento do
advogado Antonio Francisco Maia e os caiçaras de São
Gonçalinho. Esse advogado detém a maiona das ações de
defesa dos caiçaras, levadas até eles por Jair da Silva, que é
filho de São Gonçalinho,
ex-presidente
do sindicato dos
trabalhadores rurais,
ex-presidente
do PDS de Paraty e
membro da igreja evangélica Brasil para Cristo, da qual a
maioria dos moradores desta praia faz parte.
O
advogado
Antonio F. Maia também já foi advogado do sindicato dos
trabalhadores rurais quando Jair era o presidente. Coinci-
dências? Tanto Maia como seu colega Alírio Campos tam-
bém atuaram junto aos caiçaras da praia de Trindade, por
interferência de Jair da Silva, quando as ameaças de expul-
são dos posseiros começaram a ser feitas pela multinacio-
nal Adela.
Segundo os trindadeiros, os advogados prometiam
iniciar o processo de usucapião e para tanto conseguiram
as procurações dos caiçaras. Mais tarde o discurso mudou:
Campos e Maia aconselhavam os trindadeiros a venderem
suas terras, pois contra multinacional nada se pode fa-
zer . Além disso, os advogados afirmavam que se os pos-
seiros recusassem a oferta da Adela, acabariam ficando
sem nada .
Em São Gonçalinho a história se repete. Conforme o
contrato firmado entre Maia e os posseiros (muitos deles
analfabetos e crentes nas palavras do irmão de fé ), o
advogado deverá ficar com
20
do produto da venda de
suas posses, caso vença a ação judicial. O que Maia reco-
menda aos caiçaras de São Gonçalinho é que reivindiquem
um preço maior por suas posses, o que, evidentemente,
lhe trará maior lucro. Mas, com nenhum caiçara Maia
chegou a falar da possibilidade de permanecer em sua
terra, apesar de ter em mãos o documento que prova que o
título desta praia é da União. Atualmente, Maia trabalha
no IBDF, onde conseguiu financiamento a fundo perdido
para a Fazenda São Gonçalo, destinado à plantação de
eucalíptos nesta praia de propriedade da White Martins
S.A.
A ação desenvolvida pela Sociedade de Defesa do
Litoral, do Instituto Histórico da Prefeitura de Paraty -
empenhado na preservação da cultura caiçara - e pela
Pastoral da Terra da diocese de Itaquaí, da qualParaty faz
parte, fez com que os moradores de São Gonçalinho pre-
tendessem mudar de advogado. E àqueles que o procu-
ram, Maia afirma que só entregará os documentos e a
procuração mediante a quantia de dois milhões de cruzei-
ros.
I
I
t
3
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 17/47
•
SE A PESCA FRACASSAR
de Bonete afirmam que nunca nenhum deles pareceu no
oceano. O mar, companheiro de trabalho, elemento fun-
damental na vida de toda a comunidade, é respeitado e
velho conhecido de todos. Com um dia de antecedência o
caiçara sabe dizer se o tempo vai virar ou permanecerá
firme .
Esta vila é uma das poucas comunidades ~scado-
res remanescentes no. itora au ista. A população que
ficou - localizando-se' entre a frente da praia vendida a
turistas e as terras da Serra do Mar, propriedades de
grandes plantadores de coco, como Adhemar de Barros
Filho - tem uma vida dura mas descontraída.
Os que trabalham no coco estão de volta para suas
casas no final da manhã. Ademar Alvez de Souza, 48 anos
de idade, 11filhos, é um exemplo: Além do trabalho na
fazenda, ainda planto minha roça-e pesco para a família. O
que sobra do peixe, vendo para o Malaquias .
A viola, o violão, a música caipira estão sempre pre-
sentes na vida destes caiçaras.
À
noite, sob as estrelas,
costuma sair para ():.terreiro cantando e compondo. O
futebol na praia, no. fim da tarde, também é sagrado. Mas
tanto ele como a pesca são atividades tipicamente masculi-
nas - o s homens se distraem com o futebol, as mulheres
.com a reza na igreja , afirma uma moça casadoura.
Aqui existem três igrejas: a capela católica de Santa
Verônica, a igreja Brasil para Cristo e a Assembléia de
Deus. Por conta de divergências rel igiosas entre marido e
mulher, o primeiro desquite já foi registrado em Bonete.
A festa deSanta Verônica, a 8 de julho, é a maior
comemoração nesta praia. Para a novena da santa acorre
gente de todos os lugares da ilha de São Sebastião e até
mesmo antigos, moradores do lugar vêmde Santos e da
Capital para dela participarem. Benedito Corrêa, cantador
do martírio da santa e responsável pela festa do Divino e
pelo reisado de Bonete, acha que todas as festas não são
mais como antes . Antigamente, conta ele, as bandeiras
33
E se padeço de boa páiz
A terra da cristandade;
Assim mesmo semo em páiz
Benedito seja louvado,
O
Prim eiro Fi dalgo
O céu está ainda cheio de estrelas e Malaquias Souza
Santos, caiçara de 30 anos, já se dirige para o mar. Não deu
ainda três horas no relógio de pulso de um de seus cunha-
dos que o esperam para juntos empurrarem a c anoa para
fora da barra.
Atalaia é a maior canoa de todo o Bonete, orgulho de
Malaquias, seu proprietário. Para comprá-Ia, com todas as
redes com que trabalha, ele precisou mudar-se para San-
tos com a mulher e os dois filhos já nascidos naquela
época . Naquela cidade, Malaquias trabalhou durante qua-
tro anos como empregado ,no barco de outros. Com o
dinheiro que juntou, voltou para o lugar onde nasceu,
mandou construir nesta praia mesmo a sua canoa e se
tornou um dos maiores pescadores de Bonete.
Mas nem sempre Malaquias pode sair para o mar.
Existe no lugar um provérbio que diz que em mês deabril
não se pode sair , que traduz a insegurança da população
de Bonete - ilha situada do lado do.mar aberto da ilha de
São Sebastião, municí ia de Ilhabela -- em relação aos
meses fri~ do ano. Quando o~?fecha nesta praia, a
maré sobe até as primeiras casas da vila e ninguém se
arrisca a sair do lugar. E.é com orgulho que os pescadores
32
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 18/47
iam cantando em outras praias de Ilhabela, como a Enxo-
vas e Castelhanos, recolhendo dinheiro para as solenida-
des.
Mas não foram somente as manifestações religiosas
que mudaram, em Bonete. Os três aparelhos de televisão
instalados, e que funcionam a bateria, tiram muita gente
da viola ponteada no terreiro para acompanhar os capítu-
los das novelas que falam de realidades distantes da vida
desses caiçaras.
Antônio Aguinaldo,
85
anos de idade,
26
netos e
tantos bisnetos que perdeu a conta, a pessoa mais idosa de
todo o Bonete, é de opinião que muita coisa mudou em sua
praia: no meu tempo não havia canoa a motor, e para ir
até São Sebastião levava um dia e meio de viagem; para ir a
Santos, quatro dias remando sem parar - a gente fundea-
va em qualquer lugar e cozinhava a bordo mesmo .
Para Santos eram levados ovos de galinha; laranja,
abacate, e lá faziam compras de sal, milho e pano para a
costura das mulheres. Antônio Aguinaldo acha que agora
os tempos são melhores: temos uma aposentadoriasqnha
e o povo tem mais onde trabalhar, apesar de não termos
mais a terra . Os empregados em Bonete trabalham nas
fazendas de coco, na limpeza das plantações, ganhando
salário mínimo. No tempo de Antônio o fio deconfecção
das redes era comprado na cidade e os mais velhos do lugar
as teciam - e a gente não matava o peixe para vender.
Quando sobrava o pescado, o povo salgava tudo para
alimento do lugar .
Por que tanta gente foi embora de Bonete?
O velho Antônio tem uma explicação mística: Meu
pai sempre me dizia que viria um tempo em que o povo
não ia achar um lugar bom para morar. Ia viver como
formiga de um lado para outro. Calhou que esta era já
chegou .
Mas Malaquias, homem novo, é de outra opiruao
mais realista: O pescador fica na terra quando tem condi-
ções de trabalhar e sustentar a família. Se a pesca evoluir,
34
continuo aqui e quero que meus filhos sigam o meu
caminho, pois tenho uma profissão para dar a eles. Se a
pesca fracassar, eles que sigam a vontade deles e seu
destino . .
Bela praia de 600 metros de comprimento, situada
entre dois rochedos, Bonete já teve uma população de
mais de cem famílias de caiçaras. A maioria vendeu suas
terras, conforme eles mesmos contam, às vezes em troca
de uma viagem ao continente, num dia de muita precisão ,
ou a preços irrisórios, saindo para outros lugares em busca
de novas oportunidades de trabalho. Em Bonete ficaram
cerca de 200 pessoas que compõem as 40 famílias. Estas
dizem que nãos aem daqui por dinheiro algum do mun-
do , deste único
núcleo
mais povoado neste lado da ilha de
São-Sebastião, sendo a pesca sua principal atividade econô-
mica.
O trabalho dos pais de família começa muito cedo, ou
se dirigem ao mar durante a madrugada, voltando à praia
no-começo da tarde. Ou passam a noite em mar aberto,
retornando de manhãzinha prá casa.
Malaquias Souza Santos desempenha um papel im-
portante na comunidade, pois é o maior pescador da co-
munidade, chegando a comprar de alguns companhe.jss o
peixe apanhado que excede às necessidades de suas famí-
lias. O que fez de Malaquias uma pessoa especial em
Bonete foi o fato dele ter trazido para esta praia a geladeira
de isopor que veio mudar a economia da comunidade.
Antigamente, o peixe não consumido era salgado
para ser usado quando o mar engrossasse . Depois da
introdução da geladeira de isopor no Bonete, os pescado-
res
começaram
a guardar o pescado excedente, vendendo-
o em São Sebastião ou Ilhabela. Mesmo assim muitos são
os pescadores artesanais do lugar que desistiram da pesca,
preferindo ser empregados das fazendas situadas nde
eram antes suas terras. Pelo menos, dizem eles, temos a
segurança de um salário no fim do mês .
35
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 19/47
Ao todo existem 14 canoas em Bonete. E é nelas que
os pescadores saem todos os dias para visitar ou correr
as redes. Numa boa pescaria o dono do barco pode reco-
lher até 200 quilos de peixe de uma só vez. A pescaria
considerada normal gira em torno de
80
quilos. Quando
este limite não é alcançado, não compensa nem a despesa
com o combustível . O preço da mercadoria é sempre
indicado pelo comprador - eu nunca sei quanto vão
pagar. A gente até tem medo de pegar muito cação porque
se não o preço dele vai prá quase nada , af irma Malaquias.
Más não é só com a incerteza do preço de sua merca-
doria que o pescador sente insegurança em sua prof issão.
Se o tempo engrossa , não dá para sair, e daí não dá
trabalho nem ganho . Mesmo trabalhando, as condições
em que o fazem são as mais inseguras. Para a pesca do
cação - um tipo de tubarão, dentes bastante afiados -
um pescador fica no remo mantendo a canoa em equilí-
brio, enquanto o outro recolhe a rede. Secair na rede um
cação o terceiro pescador está atento empunhando um
porrete. Se falhar na paulada, os três correm o risco de
perder as pernas.
Além disso, suas redes f icam expostas a todo o tipo de
am2:;'~as,desde os grandes cardumes que podem arreben-
tá-Ias até o roubo praticado por pescadores de fora. Os
pescadores de Bonete acreditam que grande ameaça mes-
mo é a concorrência ilegal praticada pelas grandes parelhas
de pesca de Santos e Rio deJaneiro, que atuam neste li toral
impunemente. Por lei, um barco de arrastão só pode pes-
car em alto mar, cerca de dois mil metros da costa.
Edson Nobun.a Ishi, dono da peixaria que compra
quase toda a produção dos pescadores de Bonete, é quem
empresta dinheiro aos pescadores para a compra de suas
redes. O pescador artesanal não tem condições de obter
empréstimo bancário, pois a tera onde vivem é posse, não
servindo para garantia. O recolhimento de
2,5%
feito
sobre o total da venda do pescado para o Funrural é um
36
absurdo , na.opinião de Edson: O peixeiro desconta dessa
percentagem que não vai ser revertida em benefício do
pescador artesanal, uma vez que ele não tem nota de
produtor , Além do mais, conforme Edson, pelo menos
um dos pescadores de cada embarcação é registrado, por'
força de lei ,no INPS. Assim, alguns pescadores são tribu-
tados duplamente, muitas vezes não usufruindo dos bene-
fícios desses órgãos do governo.
A grande reivindicação dos pescadores da região é a
construção de um entreposto de pesca, onde haja abasteci-
mento de gelo e câmaras frigor íf icas para guardar o peixe,
onde seja possível a inda a venda do pescado diretamente
ao consumidor e atacadis ta e possa ser fei ta a fiscalização
do Dipoa - Departamento de Inspeção de Produtos de
Origem Animal, órgão ligado ao Ministério da Agricultu-
ra. Atualmente, essa fiscalização é feita dentro das depen-
dência da indústria Confrio, que por conta das despesas
ocorridas nessa operação, cobra uma taxa exorbi tante ,
conforme pescadores e peixeiros, pelo aluguel de suas
instalações. .
A gente continua tentando, pois é isto que seifazer e
é no mar que me sinto bem , afirma Malaquias, mas era
preciso que o governo desse mais apoio ao pequeno pesca-
dor: não temos mais terra para plantar, e se ficamos sem o
peixe, o que vamos ficar fazendo no Bonete ? .
7
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 20/47
N TIG OS PIR T S E
NOVA PIRATARIA
Fazei frente, fazei frente
Fazei frente, fortemente
Para que nosso rei diga
Que sois um príncipe valente,
Que eu já vo sem tardá.
O Secretário
Não há diferença nos dias dá semana nesta ilha do
litoral aulista: Búzios município de- abela, uma conti-
OI.iaçãogeológica d~<ie São S astião a 25 milhas do
contmente. Aqui moram 60 famílias num total de 400
habitantes. Montanhosa, seu acesso é difícil e perigoso.
Em Búzios não existem praias: a ilha apresenta, em todo o
seu redor, costões onde o mar arrebenta com muita vio-
lência. Para se chegar, é preciso fazer baldeação da lancha
para uma canoa de caiçara. Esta, com o impulso dasgigan-
tescas ondas e a ajuda depessoas decócoras que esperam
sobre as pedras, aterrisa sobre
5
trapiches improvisados
nos rochedos.
Nossa vida depende do mar: se ele está calmo, nós
saímos; se está 'grosso', ficamos , dizem os moradores. O
pier construído pela ~l~ Superintendência de De-
senvolvimento do Litoral Paulista, ainda no governo de
Paulo EgídioMartins, nunca
é
usado porque, muito acima
do nível do mar, acaba por oferecer mais perigo do que
descer pelas pedras _. é o que dizem
5
caiçaras.
Ép,or esse isolamento que
5
dias se repetem sem
grandes diferenças para
5
moradores desta ilha de sete e
meio quilômetros quadrados. Seus moradores se espa-
lham em quatro núcleos chamados Mãe [oana, Ponta das
38
Pitangueiras, Porto do Meio e Guaxuruna. A vida do
caiçara de Búzios é meio simples. Sua subsistência se
baseia no peixe, na roça de mandioca, cana, feijãoe inúme-
ras árvores frutíferas encontradas por toda a ilha,
A gente costumava mandar canoas e canoas com
frutos para o continente, na época da manga , conta orgu-
lhosa da proeza, Iosefina Mariano deJesus, uma das mais
velhas caiçaras do lugar. Para chegar ao centro urbano de
I1habela, onde vendem seu artesanato de madeira,
5
cai-
çaras de Búzios precisam remar por onze horas ou então
fazer uma viagem de barco a motor decerca detrês' horas.
Mas nem sempre existe dinheiro para a passagem.
Foi (ou
esse acesso difícil e perigoso que permitiu a
Búzios permanecer mais tempo longe da especulação imo-
biliária. Mas ela já está-se acercando da ilha: já andou
gente por aqui dizendo que temos que vender nossas
posses a qualquer preço, por qualquer dinheiro, pois o
governo quer fazer um presídio , afirma a caiçara, filha de
pai japonês, Benedita Higa, que nasceu na ilha da Vitória.
O
governo precisa ajudar o pessoal das ilhas, senão -es
acabam perdendo as terras, como os caiçaras de Ilhabela,
muitos deles que foram expulsos da praia onde viviam ,
diz Benedita. E, dramática: Se tirarem os caiçaras das
ilhas, eles morrem . Em Vitória, ilha adiante de Búzios,
com 16 famílias, os moradores contam que muitos
caiça-
ras já colocaram o dedão num papel, que um senhor de
Ubatuba trouxe para a gente .
O
significado desse papel
nenhum deles sabe explicar.
E eles também não sabem explicar como vieram parar
aqui os primeiros moradores de Búzios. Difícil de respon-
der , diz o Aristides Fernandes Teixeira, marido de[osefi-
na e tido como um dos mais antigos moradores da ilha.
Apesar da incerteza do patriarca Aristides, há muita gente
neste litoral que atribui aos piratas europeus os olhos
verdes e azuis,
5
cabelos loiros ou vermelhos, assim como
39
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 21/47
Outra alegria do buziano é a presença de um barco
pesqueiro na região, sinal de que a onerosa viagem a
Ilhabela poderá ser dispensada, pois a venda dopeixe será
feita na ilha mesmo. Eépor causa das dificuldades da pesca
que todo buziano tem a sua rocinha, apesar do terreno
pedregoso de toda a ilha. .
Aqui não há necessidade de se sentir tristeza , diz
[osefina, e quem enfrenta uma enxada e tem meio de
poder viver, não precisa de mais nada.
O
medo que eu
tenho é que aquele causo do presídio seja verdade mes-
o.
a pele sardenta de muitas crianças de Búzios. Mas a apa-
rência de outras' - cabelos negros e lisos, pele morena,
olhos de jaboticaba - atesta a inçonfundível ascendência
indígena.
É
evidente que tudo issonão conta para os novos
piratas das corporações imobiliárias.
Como não conta, para os novos piratas, a festa e o
baile desta comunidade. A casa de [osefinaestá sempre
montada para uma festa. As paredes de sua casa foram
pintadas por ela mesma, e as decorou com desenhos de
flores, navios, animais e
helicópteros.
Estes se explicam
por ser elemento constante
com
a chegada das multinacio-
nais do petróleo nesta região litorânea. O cotidiano destas
pessoas é alegre e nos casamentos tem dança até o sol
nascer . A viola é seu instrumento mais popular, mas as
radiolas de pilha, sambas, chorinhos e modas caipiras fa-
zem o deleite da maioria.
O radinho de pilha é o maior elo de ligação desta
comunidade com o mundo. Por ele pode-se ficar sabendo
do roteiro dos barcos de pesca, que levam muitos de seus
parentes, geralmente os mais novos, embarcados em
busca de uma nova vida.
É
o rádio de pilha que supre
outros elementos religiosos: Todos os dias faço minhas
orações e ponho uma garrafa de água para ser benta pelo
padre que fala no rádio. confessa [osefina, que tem um
retrato do padre Donizete de Tambaú pendurado na pare-
de. Além da imagem de Nossa Senhora Aparecida, pa-
droeira dessas famílias que têm todas algum tipo de paren-
tesco entre si.
Ascomemorações de São Pedro são esperadas duran-
te o ano todo. A única capela, situada no Guaxuruna,
dedicada ao santo protetor dos pescadores, é conhecida em
Búzios como a Casa de São Pedr~. Para sua festa, no fim
de junho, acorrem famílias de buzianos que moram agora
em Santos ou no bairro de São Francisco, em São Sebas-
tião,
4 4
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 22/47
VOMIT NDO S NGUE
Soberano meu rei Senhor
Eu parte vos venho dá
Que a guerra está muito forte
Eu nela, não posso entrá.
É
preciso dar um grito
Para ansim agrumentá
O Secretár i o f al a ao R ei
Poluição do mar, expulsão da terra, caminhos cente-
nários fechados por cancelas e guaritas. Agora é assim, na
ilha da Madeira, Itaguaí no litoral sul do Rio de Janeiro,
desde quehTI8 anos atrás a Metalúrgica Ingá se instalou
no lugar. A empresa é responsável por 50% da produção
nacional de cádmio -lançando somente por uma de suas
chaminés duas vezes mais zincoe 30vezes mais cádmio do
que o permitido por lei, conforme relatório da Feema.
Com isso, o mangue situado na área estuarina, que
era nascedouro natural de camarões, caranguejos e mexi-
lhões, é agora uma imensa lagoa de águas lamacentas e
mortas. Eos peixes, segundo os pescadores da ilha, sódão
muito longe da praia . Com isto, só os que têm barco
muito grande podem ir buscar os peixes .
Quado a Ingáchegou nailha daMadeira tratou muito
bem os pescadores que aí viviam. Manuel Francisco da
Silva,
74
anos, nascido na ilha, neto de madeirenses, um
dos mais velhos do lugar, lembra-se do médico japonês
que a empresa trouxe pra nós - era uma beleza. Ela
.trouxe até um caminhão de remédio .
Mas foi só o começo. Logo em seguida, a empresa
fechou a passagem de servidão, isolando as mais de mil
42
pessoas que moravam na ilha do resto da comunidade.
Atravessar a cancela da empresa, constantemente guar-
dada por homens armados, somente os funcionários e os
moradores da ilha que têm com que se identificar. Um
verdadeiro gueto, com a direção da Ingá pretendendo até a
adoção de um cartão de identificação.
A prefeitura de Itaguaí, na época da instalação daIngá
na ilha, entrou, junto com moradores do lugar, com uma
ação judicial contra o fechamento da estrada pública onde
circulava inclusive uma linha de ônibus municipal. Em
1982, o então juiz da Comarca de Itaguaí, Franklin de
Oliveira Netto, deu uma sentença afirmando que os
pescadores poderão transitar pela servidão de passagem
inclusive com seus veículos, observando as limitações im-
postas pela segurança da empresa . O último item da
sentença determinou que a estrada continuasse fechada e
que nenhuma condução pudesse transpor os limites da
guarita. Esta ficaa cerca de um e meioquilômetro da aldeia
dos pescadores, que tem agora 350 moradores porque
muitos desistiram de morar na ilha. O trecho da estrada
precisa ser percorrido a pé, mesmo quando alguém está
doente ou uma mulher está para dar à luz.
As compras feitas no centro urbano têm que ser
transportadas em carrinhos de mão, assim comoo pesca-
do, q.ue é levado aos caminhões que esperam do lado de
fora da guarita. E até o acessoda capela de Nosso Senhor
do Iguape, com mais de 100 anos de construção, continua
fechado pela empresa.
Para forçar a saída dos moradores da ilha, a Ingá
cortou a luz que fornecia aos operários que aí residiam. Já
os moradores da ilha que não trabalham na metalúrgica
estavam acostumados com a luz de lampião: a Ingá nunca
permitiu a instalação de postes da Light através de sua
cancela. Conforme Manoel Francisco, já na época da
última Copa do Mundo a empresa cortou a luz de nossas
casas, para o pessoal desanimar e sair da ilha. Mas o que
43
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 23/47
oferecem por nossas _poses não dá yra gente morar em
outro lugar ,
Diante de tantos desmandos, os moradores da ilha
chegaram a fazer um abaixo-assinado enviado ao presi-
dente da República, João Figueiredo, onde expunham os
problemas que enfrentam por conta da instalação da Ingá.
Sobre algum resultado positivo nada se sabe. Do que se
tem certeza é que acabou tudo o que havia dentro do
mangue, os peixes estão fugindo do litoral , por causa da
poluição. Também os mariscos, os mexilhões são coisas do
passado: Morreu tudo que havia de vivo por aqui ...
As maiores denúncias, entretanto, dizem respeito à
saúde dos moradores da ilha da Madeira e aos operários da
Ingá. Os madeirenses sequeixam de que suas crianças são
constantemente atacadas debronquite e que todos sofrem
de ardência nos olhos. E são muitos os operários que
morrem com a idade de 40 anos, vomitando sangue. E a
causa ninguém sabe.
v
44
UM BR SIL COM M IS JUSTIÇ
Quem sois vóis,
Atrevido Embaixador,
Estou a te perguntar ,
Nada tens que me falar?
O Re i
Lentamente, como uma enorme centopéia que se
arrasta pelas ruas, a manifestação dos posseiros invade
Paraty. Estes caiçaras da praia do Sono protestam contra a
expulsão de Manoel Quirino de Araújo e sua família das
terras onde os pais dos seus pais haviam nascido. Manoel
Quirino, homem respeitado por todos os moradores da
praia do Sono, um dos líderes da igreja evangélica Brasil
para Cristo, permitiu que seu filho mais velho, José Quiri-
no de Araújo - casado - construísse uma casinha em seu
terreno. E isto o industrial paulista Cilbrail Nu bileTannus
não poderia admitir. Acompanhado por oito policiais ar-
mados, eles expulsaram as famílias de Manoel e de seu
filho, gue vivem ~gora na sede à espera de uma respos-
ta da Justiça. Mas esta espera se restr inge somente ao
destino do filho, já que o velho Manoel não mais poderá
voltar para sua casa, por decisão judicial.
Os antigos caiçaras das diversas comunidades de pes-
cadores de Paraty são unânimes em afirmar que o Sono
era o lugar mais animado e onde aconteciam as melhores
festas da região: Era a praia com mais vida em toda essa
costa. Vinha gente de todo canto festejar junto com a
gente . No Sono já chegaram a morar mais de 200 famÍ-
45
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 24/47
lias, que plantavam, construíam e criavam, pois esta é
uma terra de muita fartura . Moacir dos Santos, caiçara
nascido e criado nesta bela praia ao sul de Paraty, afirma
estar convencido de que no Sono nunca houve dono, pois
somos uma geração de muito longe, que sempre viveu em
terras do Estado . Os moradores do Sono chegavam a
produzir dois mil cachos de banana por mês, além da
farinha de mandioca, do peixe salgado, dos ovos de gali-
nha, feijãoe milho, que eram transportados numa viagem
de mais de quatro horas a remo até o centro de Paraty.
A paz dos moradores do Sono, todos eles criados
dentro do Evangelho , acabou em
1950,
quando Gilbrail
comprou os títulos das terras da Fazenda Santa Maria,
vizinha a esta praia. Logo no começo, Gilbrail tentou
estender seus domínios-além dos limites da fazenda, mas
foi a partir de 64 que a pressão e intimidação sobre os
caiçaras se intensificou. Segundo o industrial, a praia do
Sono, Ponta Negra, Antigo Grande e Antigo Pequeno
fazem parte de sua propriedade. O homem comprou uma
fazenda pegou quatro praias, afirma Manoel Quirino.
Para que os posseiros do Sono deixassem suas terras,
Gilbrail chegou a oferecer em troca uma área de
400
metros quadrados num lugar chamado Mãe d'Água. Se-
gundo Maria Coralda, esposa de Manoel Quirino, é um
lugar que não dá pra viver, bate pouco sol e existe muito
mosquito .
Atualmente moram no Sono 36 famílias, num total
de mais de 200 pessoas que se comprimem em 23 casas, já
que os capangas de Gilbrail não permitem nenh uma cons-
trução na área. 05 caiçaras estão proibidos inclusive de
fazer melhorias em suas propriedades, proibição que se
estende às duas igrejas evangélicas existentes na praia,
Assembléia de Deus e Brasil para Cristo. As duas igrejas,
construções simples de terra batida que necessitam de
constante recuperação - como de resto todas as casas do
Sono - estão com as vigas quebradas, as paredes racha-
46
das e ameaçando ruir. Numa dessas igrejas vive Manoel
Quirino com as famílias de seus filhos.
O terror praticado por Gilbrail é constante. Ele che-
gou a ter no Sono uma numerosa criação de búfalos, que
comia toda a plantação dos caiçaras, até mesmo osapé que
servia de cobertura para suas moradias: os búfalos entra-
vam na escola, punham medo nas crianças, que não que-
riam mais ir pra aula, e deixavam elas cheínhas de bernes .
Para Fausto Pires de Campos, membro fundador da
Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro - que há anos
vem acompanhando a luta dos posseiros do litoral flumi-
nense pela legalização de suas terras -, de todas as
comunidades existentes no município de Paraty. a do
Sono foi, sem dúvida, a mais oprimida e atemorizada . À
pressão exercida sobre os posseiros chegou aser tanta que
até mesmo o presiden te do PDS locale então secretário do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paraty, Jair Silva
(que tem seu nome ligado, ainda que indiretamente, a
muitas transações de terra na região) reconhece, num
relatório enviado ao presidente João Figueiredo, em outu-
bro de 82, que os moradores do Sono evitam dar qual-
quer afirmação, fugindo do contato com pessoas estra-
nhas, sendo visível a incerteza, o desânimo e a pobreza aí
existen tes ,
Dentro das histórias demedo e opressão conhecidas e
cochichadas nesta região, está a do negro André Miguel
Trindade. Ele era um nordestino que morava há 20 anos
com as famílias aqui no Sono , conta Manoel Quirino.
A n dré
apareceu por aqui com a família em busca de um
lugar para trabalhar e foi ficando. Crente, humilde, muito
manso, era respeitado por todos pois fazia parte do conse-
lho da igreja Assembléia de Deus. A mando de Gilbrail, e
sob a alegação de ter fugido no levante de prisioneiros
ocorrido em 1952 na ilhaAnchieta, no litoral de Ubatuba,
a polícia levou o negro André para a cidade, batendo nele
para que saísse daqui. Quando foi solto, havia perdido a
47
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 25/47
voz
e
estava
completamente louco, indo morar numa
caverna onde acabou morrendo. Até hoje quem sustenta
a mulher e os filhos do negro André somos nós, o povo do
Sono . .
Esperanças? Fausto Pires de Campos afir~a que elas
existem neste povo desde que começou a ser prestada
assistência jurídica pelo advogado Jarbas Macedo. de Ca-
margo Penteado. A possibilidade de
ver
seus direitos res-
peitados trouxe alento ao cotidiano das pessoas. Para [ar-
bas,
houve
fraude por parte de Gilbrail em relação aos
caiçaras do Sono. Desde 1950, quando comprou os títulos
da Fazenda Santa Maria, esse empresário
vem
sistemati-
camente coagindo os posseiros. Há 30 anos atrás, viviam
1500 pessoas no Sono - e a maioria acabou abandonando
as terras, por medo ou cansaço. Em 1969, Gilbrail induziu
vários caiçaras, inclusive Manoel Quirino. a colocarem
suas impressões digitais - já que são analfabetos - num
documento de escritura pública de cornodato, obrigando- .
se a dar a eles outro imóvel. Esta escritura de comodato é
ilegal, pois de legítimos proprietários pelo título de posse,
os caiçaras passam a ser considerados inquilinos da terra.
Por ou tro lado, a troca de terrenos que deveria ser realiza-
da pelo empresário até hoje não se concretizou, o que
reforça a invalidade da documentação .
Conforme testemunho dos caiçaras da praia do Sono,
suas impressões digi tai s só foram colocadas naquele docu-
mento depois que o pastor Agostinho Ignácio, que hoje
trabalha em Guaratinguetá - homem crente, que se
dizia antigo tenente expedicionário - convenceu-os de
que com aquele papel todos eles teriam os títulos das
terras. Desde então, Gilbrail construiu uma guarita na
entrada que dá acesso ao Sono, fechando-a completamen-
te. Somente no primeiro semestre de
1983
o prefeito de
Paraty. Edson Lacerda. do PMDB, conseguiu junto à Justi-
ça que a centenária servidão de passagem fosse aberta a
toda a comunidade. Mas o industrial já tinha colocado
10
nesta única via de acesso ao Sono um mata burro, impedin-
do assim o tráfego de animais, o que obrigava aos morado-
res a carregar nas costas o que quisessem transportar por
terra. Um desses caiçaras, Jorge Lopes Coelho, quanto
teve o braço ferido pelo machado, trabalhando na roça,
teve que andar por duas horas entre os rochedos até
chegar na praia das Laranjeiras. Aí então foi levado de
carro até a Santa Casa de Paraty a fim de ser socorrido. O
carro, estava proibido de trafegar pela estrada do Sono.
E por tudo isso que os moradores do Sono fizeram
passeata, no começo de 83, pelas ruas de Paraty, chaman-
do a atenção da população urbana para os problemas que
vivem. Nos cartazes que levavam liam-se dizeres pedindo
terra para os que nela trabalham . Embalando sua lenta
trajetória, hinos da igreja Brasil para Cristo. Num deles, os
crentes, homens e mulheres tão sofridos da praia do Sono,
pediam um Brasil com mais Justiça que caminha em
direção a Deus .
49
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 26/47
o CASO DA PRANTEADA VELHINHA
Manda subi tua gente,
Se é que tu não me engana.
O R ei a o E mb ai xa do r
Quem trafega pela rodovia Rio-Santos não percebe a (
belez~ da praia que está lá em baixo, na altura do quilôme- .
trat12S) iraQuara de Dentro Pira u r de Ci la. Praígha
das urnas, Praínha ou Praia do Sítio, como é mais conhe-
cida, são nomes' o mesmo lugar, 2S alqueires onde vivem
seis famílias numerosas, algumas com mais de dez fi lhos,
todas descendentes da caiçara Eurídice Matos Cunha. São
quase sessenta pessoas.
Caiçaras nascidos e criados nestas terras de nossos
pais , em pleno litoral cortado pela BR 101, no município
de Angra dos Reis, as famílias da praia do Sítio estão
aturdidas com o mandado de citação que receberam .do
Juiz de Direito da Comarca, Valter Soares. Segundo o
documento que acompanha o mandado, os caiçaras estão
proibidos de construir o que quer que seja dentro da praia,
pois esta não lhes pertence. Os vinte e cinco alqueires
extremamente valorizados desta praia particular seriam
de Iracema Ramalho de Campos, moradora em São Paulo.
No documento assinado por Caio Jordão (OAB 6770 SP),
advogado de Iracema, Eurídice Matos Cunha, mãe e avó
de todas as famílias moradoras naquela praia, transforma-
se numa fielguardiã desta propriedade. Depois da morte
da pranteada velhinha, seus filhos, não se sabe porque,
entraram ilegalmente na área tomando posse de uma
propriedade que não lhes pertencia . Este document ita
5
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 27/47
a existência de um outro, firmado no cartório de Angra
dos Reis e datado de 1918, que provaria ser Iracema a
legí tima dona da praia.
Odete de Oliveira, mãe de 13 filhos, nora da falecida
Euridíce, não sabe explicar quem é Iracema: Aqui, ela
nunca esteve, não senhora. Como é que ela foi chorar a
morte de minha sogra eu não seiexplicar , porque ela nem
conhecia a falecida . O mistér io detoda a dema-nda judicial
que ocorre com estes caiçaras está ligado à figura da
advogada Lúcia Montenegro, que trabalha no Ministério
do Trabalho, na cidade do Rio de Janeiro. Esta advoga da,
depois de defender os posseiros contra um grileiro que
Ihes queria as terras, há nove anos atrás, começou a
freqüentar a praia do Sít io, hospedando-se na casa dos
caiçaras, cat ivando a confiança de todos. Odete conta: A
moça apareceu por aqui depois da estrada ser aberta no
fundo de nossa praia . Antes , nós t ínhamos roça branca de
mandioca, milho e feijão até em cima do morro. Mas os
aterros da estrada acabaram com as nossas plantações,
pois deixaram muita pedra no lugar .
João de Matos Cunha, marido de Odete, antigo pes-
cador que agora trabalha no pát io da Usina de Fumas, não
consegue entender o que a moça Lúcia fez a eles: Nós
somos do tempo que se levava horas remando em canoa
para chegar até Paraty ou Angra dos Reis. A gente vivia
isolado, dependendo da nossa roça e do mar para comer.
Neste tempo, quando fomos criados, o que valia era a
palavra do homem, a palavra do fio de barba. Como a
advogada nos disse que ia legalizar o usucapião de nossas
terras em troca de
30
da praia para ela, nós acreditamos e
aceitamos . Lúcia Montenegro conseguiu a procuração de
todos os caiçaras da praia do Sítio, além do atestado de
óbito de Eurídice , quando esta morreu.
Há cerca de dois anos, Lúcia parou de visitar a praia.
Os caiçaras procuraram por ela nos telefones e endereços
na cidade do Rio de Janeiro. Não conseguiram localizá-Ia.
52
Em julho de 83elavoltou, propondo a compra de uma casa
que aí estava sendo construída por um casal de jovens do
lugar que iase casar. Pela casa, Lúcia daria
350
mil cruzei-
ros. Como a oferta fosse recusada, logo em seguida apare-
ceu um oficial de justiça de Angra dos Reis que a pôs
abaixo, sob a alegação de não possuir o alvará de constru-
ção da Prefeitura Municipal.
É
rotina para as prefeituras
deste litoral não exigirem documentação para as constru-
ções dos caiçaras, pois são muito modestas - em algumas
partes da construção ainda é usado o barro no lugar do
cimento.
Quando a advoga da voltou na semana seguinte, sua
proposta foi outra: ela prometeu um barraco no bairro do
Frade, vizinho da praia do Sítio, para cada um dos morado-
res , já que eles não teriam direi to a nada desta praia . João
não entendeu o que estava acontecendo. Desesperado,
correu até as casas de seus irmãos para comunicar a
terrível novidade.
Os caiçaras da praia do Sít io pediram ajuda
à
Pastoral
da Terra da diocese de I taguaí. Lúcia Helena Soares, assis-
tente social que mora juntamente com duas religiosas
numa favela do Bairro do Frade, e José Marcos Cast ilho,
ambos daquela Pastoral, procuraram assistência jurídica
na capital carioca, já que dificilmente um advogado desta
região pega uma causa em defesa dos caiçaras, posseiros
na terra . Corino Cunha, um dos moradores da praia do
Sítio, é militante no Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Angra dos Reis. Para Corino. o primeiro passo para os
caiçaras se defenderem está na sua organização dentro do
sindicato de classe. Em quase dez anos que estamos lutan-
do pela defesa de nossas ter~as, somente agora encontra-
mos um advogado honesto. E mais difíc il um advogado de
sindicato enganar o lavrador, pois o que ele faz fica sendo
conhecido de todos os trabalhadores rurais.
A Pastoral da Terra também é de opinião que se deva
fortalecer o sindicato, para que, através de seu departa-
53
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 28/47
Os migrantes começaram a chegar em São Sebastião
no início dos anos
60.
Os moradores da região, não acostu-
mados com gente de fora, olhavam paraeles desconfiados,
Eram mineiros, alguns de Teófilo Otoni ou BeloOriente,
muitos de São José do Barreiro, no fundo do Vale do
Paraíba , outros dos sertões de Paraty. Quase todos já
tinham andado por outros lados. Vinham desesperança-
dos do norte do Paraná, numa caminhada em busca de
melhores condições de vida, Sem lugar para morar, aos
poucos se reuniram no morro do Abrigo, nas encostas da
serra do mar, no bairro de São Francisco, Sua permanên-
cianessas terras não lhes causaéa problemas, pois a dire-
çãodo Abrigo Batuíra, entidade espírita beneficente. dona
dos títulos das terras, permitia que os migrantes ali se
abrigassem.
Vindos da roça, estas famílias começaram suas plan-
tações nas encostas da Serra, de onde tiram o sustento de
cada dia. A maioria dos homens trabalha na Prefeitura
Municipal de São Sebastião, ou na construção civil, mas,
conforme testemunho deles mesmos, oque ganham, não
dá prá comer, não . O que mantém essas famílias, todas
numerosas - algumas com uma dúzia de filhos - é a roça
que as mulheres e as crianças tocam durante a semana,
55
mento jurídico, os interesses principalmente dos possei-
ros, que não têm como pagar um advogado, sejam defen-
didos. Mas Lúcia Helena acredita que na base da luta que
estamos travando é necessário que tenhamos assessoria
jurídica própria, para inclusive trabalhar juntamente com
o sindicato. Na realidade, o que acontece é que toda a
batalha travada pelos direitos do cidadão acaba sendo
travada dentro de um fórum. A luta é uma luta jurídica, e
o papel do advogado identificado com a causa do posseiro
marginalizado e oprimido, que não exija metade de sua
terra para defendê-lo, é de capital importância .
SUBINDO O MORRO DO BRIGO
Mas eu já veio sangue
Corrê pela terra,
Que ninguém tem piedade,
Mas eu mesmo vô em batalha,
Que eu inda estô em boa idade,
Já vô já sem tardá.
O R ei
54
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 29/47
com a ajuda dos homens da casa nos sábados e domingos.
Veja, dona, nossos fi lhos não comem carne nem tomam
leite, não, mas são bem Iortinhos , afirma uma posseira
orgulhosa, mostrando seus rebentos. O pão nosso de
cada dia é mandioca ou batata, para tomar com o café que
colhemos aqui .
Feijão, mandioca, milho, mamão, banana, às vezes
café, alguns mais felizardos (com mais terra para plantar),
com arroz e até mesmo alguma verdura. A vida destas
famílias moradoras do lado sul do Morro do Abrigo, trans-
corria normalmente até que em março de 83, doze ho-
mens armados derrubaram as cercas de suas lavouras,
colocaram outras impedindo o acesso à roça; estragaram
plantações e queimaram três barracos que existiam na
área. O motivo de tanta violência era o fato de os posseiros
terem avançado em terras que não lhes pertenciam, pois
eram, do Convento de São Francisco , atualmente com o
nome de Instituto Santo Antônio.
Esta área, limitrofe às posses tranqüilas do Morro do
Abrigo, foram usucapiadas pelos franciscanos do conven-
to Nossa Senhora do Amparo, no bairro de São Francisco,
e entraram numa transação comercial realizada em 1972
entre os frades e o então proprietário das Faculdades de
Bragança Paulista e Itatiba, Miguel Cocicov.
Foi em cima destas terras assim tituladas que as 25
famílias deposseiros do morro do Abrigo formaram suas
roças de consumo. que datam de cinco adoze anos, confor-
me o caso. E foi exatamente contra estas famílias que os
jagunços investiram com violência. As mulheres começa-
ram a temer ir à roça com os filhos pequenos, mas a fome
não Ihes dava alternativa. Os jagunços ~ alguns conheci-
dos dos posseiros e por eles reconhecidos, conforme de-
núncia na Delegacia de Polícia de São Sebastião, fei ta em
julho de 83 - diziam estar na área a mando do prefeito
nomeado de São Sebastião, Décio Moreira
Calvão,
dono
de uma das maiores imobiliárias da região, e seu sócio,
Roberto Santana.
56
Todos os posseir JS ameaçados repetem esta mesma
história. Abel da Silva, um dos mais antigos no lugar,
chega a afirmar que o próprio prefeito o procurou para
que desistisse da luta e passasse para o lado do mais
forte . Abel, com o apoio de um vereador do PDS, Luiz
Carlos Betiatti, foi o primeiro a dar queixa na polícia local
contra as pressões e ameaças que estava sofrendo.
Décio Galvão sempre negou qualquer envolvimento
no episódio: estas terras não são minhas e nem as estou
vendendo , afirmou categórico. Mas, estranhamente,
num processo de desmembramento de outro trecho des-
tas terras do Instituto Santo Antonio, Décio assina como
representante do proprietário e como prefeito de São
Sebastião. Por outro lado, na audiência realizada em se-
tembro de
83,
quando os posseiros não conseguiram a
liminar de posse (pois seu advogado Ulissesde Paula não
provou quem agira com violência e causou turbação na
área) o advogado da Prefeitura, João Batista Fernandes,
representou o prefeito e Roberto Santana. Para Ulisses de
Paula, este é um fato estranho: se ele não tinha interesse
na área, por que veio se defender? .
Os posseiros do Morro do Abrigo também esq-a-
nham o interesse suscitado pela área em litígio, tão perto
do morro e tão longe da praia : até agora nunca apareceu
dono disto aqui, e sempre tivemos paz. Qual o rico que vai
querer morar neste fundão?'~. Acontece que o fundão
está encravado numa das áreas nobres do município de
São Sebastião, ao lado de loteamento de grande valor
imobiliário.
Quando isto aqui era ruim, não tinha estrada, nem
luz, nem escola, deixavam a gente sossegada , se queixa
uma das lavradoras. E agora que está melhor, a gente tem
que sair. Pobre tem até medo de coisa boa, não é para ele,
não .
O escritório regional da Sudelpa, no litoral norte
paulista, convocado por vereadores do PMDB de São
S7
1
. .
~~
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 30/47
58
Luzia Balbina Borges de Jesus: quando esta caiçara
nasceu em 1932, no Rio Escuro, já há quatro anos seu pai
- Delfino Borges - trabalhava a terra deste sertão de
Ubatuba. Sou caíçara. da roxa, fui criada com banana
verde, cresci aqui, casei em
1956
e aqui mesmo tive meus
dez filhos ... Luzia herdou do pai uma faixa de terra, quase
sete alqueires cultivados com ajuda dos filhos e de alguns
camaradas , já que o salário de seu marido - João de Jesus
- funcionário do DER, não era suf iciente para o sustento
da numerosa família. Nesta terra, além do feijão, arroz e
milho - para sua subsistência - Luzia chegou a ter mais
de três mil pés de banana, produto que era vendido para
gente de fora .
Em
1965,
o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária-
IBRA - entregou aos ocupantes das terras do Rio Escuro-
entre eles João e Luzia - os títulos de-.propriedade de
imóvel rural, passando a cobrar-lhes os impostos ter rito-
rial rural. Com isso o próprio IBRA reçonhecia que a área
do Escuro estava sendo efetivamente ocupada por estas
famílias de posseiros. Em
1975,
foi requerido o usucapião
deste território, que incompreensivelmente não foi ainda
julgado.
Até os anos de 75 e 76, a gente viveu sossegado,
plantando e colhendo a terra; depois começou o nosso
calvário ... desabafa Luzia, crente fervorosa de uma seita
59
i
I
{
o RIO QUE ESTÁ MAIS ESCURO
Sebastião, assumiu o caso dos posseiros do Morro do
Abrigo. Euclides Vigneron, responsável por tal escritório,
solicitou a ajuda do grupo especializado em terras, criado
dentro da Superintendência, com pessoas como Fausto .
Pires de Campos e Adriana Mattoso, que trabalharam
com os posseiros caiçaras no litoral sul fluminense. Por
isso, o prefeito nomeado, Décio Galvão, afirmou na im-
prensa da região que o problema era uma intriga política
do PMDB, que estaria querendo vê-lo fora da Prefeitura.
Ele deve ter-se esquecido que a primeira denúncia em
relação ao caso tenha partido de um político do próprio
PDS.
Pedro Vicenttini, Juiz de Direito de São Sebastião,
garante que não permitirá mais nenhuma violência contra
os posseiros do Morro do Abrigo. Continuem trabalhan-
do na terra e defendam sua posse, pois isto compete a
vocês , afirma Vicenttiniaos posseiros. Estes esperam que
a Sudelpa realize o mais rapidamente possível a demarca-
ção de suas terras para continuarem lutando por elas na
Justiça. Pois, como diz Abel. eu sou mineiro mas meus
filhos já são caiçaras nascidos nesta terra .
Príncepe, escuta i,
Sinal de guerra estão dando
O meu peito de valor
Está estranhando.
Cac iqu e ao Em ba ixa do r
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 31/47
pentecostalista. o calvário a que se refere Luzia tem
como protagonista principal a companhia imobiliária de
Ulisses Mesquita Miguez e Outros , responsáveis pelo
loteamento das praias Dura, Domingas Dias e pela priva-
tização da praia do Lázaro, - todas vizinhas ao sertão do
. Rio Escuro. Apesar do usucapião requerido pelos possei-
ros, e sem contestá-lo, em 1976 Ulisses Miguez requereu a
integração de posse do Rio Escuro, baseando-se em acor-
dos que conseguiu fazer com quatro elementos da família
do patriarca Delfino Borges, atualmente com mais de 70
anos e ainda morador no Rio Escuro. Este acordo
constituiu-se num compromisso amigável para futura
doação de área de terra e outras avenças , como atesta o
livro 34, folha 135 do segundo Cartório de Notas de
Ubatuba. Além disto, o pedido de reintegração deposse se
baseava num compromisso firmado com Mabel Hime
Masset, residente no Rio de Janeiro, que arrematou em
alçada pública as terras do Rio Escuro em
1932 -
portanto
em data (no mesmo ano que Luzia nasceu) posterior à
ocupação dos caiçaras - sem que nunca tivesse dado
utilização a elas e sem ter entrado em contato com as
famílias que jáhá quatro anos moravam na região. Julgado
em Ubatuba, este pedido de reintegração de posse foi
negado a Ulisses Miguez.
Como a companhia imobiliária tivesse apelado, o caso
foi levado ao Tribunal de Justiça em São Paulo. Nós
passamos por oito advogados daqui da cidade e no final
nenhum outro, em Ubatuba, quis nos defender: a força do
dinheiro de Miguez é muito forte , diz Luzia. Na capital
paulista, para espanto dos que acompanhavam essa luta
na Justiça, foi dado ganho de causa
à
companhia imobiliá-
ria. O advogado dos caiçaras - Antonio Ivo Fontes -
além da ação, perdeu também o prazo do recurso extraor-
dinário para apelar a Brasília.
Luzia Balbina é sem dúvida a grande líder na luta pela
defesa da terra na comunidade do Rio Escuro. Eu defendo
6
as terras de meus pais, pois se sair daqui muitas outras
famílias serão expulsas do bairro. Aqui está tudo em con-
flito . No Rio Escuro existe uma escola de primeiro grau
municipal em terreno doado
à
Prefeitura por Delfino
Borges. Essa escola funciona desde 1965. Luzia se queixa
das ameaças que ela esua numerosa família vem sofrendo
por parte dos empregados de Miguez que, entre outras
arbitrariedades, quebraram a bomba de água que serve
não só à casa da família mas a toda plantação, além de
terem posto fogo nos morros que cercam a sua posse.
Pela decisão judicial obtida em São Paulo, a família dos
posseiros tem de abandonar imediatamente a terra que
ocupa há mais de meio século, deixando todos osseus bens
imóveis, suas benfeitorias, plantações, levando apenas
seus móveis, suas roupas e sua dívida para com o Banco do
Brasil, na ordem de sete milhões de cruzeiros , como
atenta José Bernardes de Almeida Gil, presidente do Mo-
vimento Ecológico Pela Vida, Pela Paz, em Defesa de
Ubatuba. Desde a metade da década de 70, os posseiros de
Rio Escuro passaram docultivo e extração da banana, para
a produção de hortifrutigranjeiros e já então pleitea-
vam, junto ao Banco do Brasil, empréstimos com esta
finalidade. As terras deJoão e Luzia, assim como de muitos
posseiros do Rio Escuro, estão hipotecadas ao Banco como
garantia do dinheiro emprestado. O próprio Banco do
Brasil reconhece, com isto, que os posseiros tem direi to à
terra. É Almeida Gil mesmo quem afirma - O incrível,
neste caso, é que, para dar o veredito a favor da companhia
imobiliária, os desembargadores do Tribunal de Justiça se
valeram de um artigo de 1916 do Código Civil - (artigo
505) - em detrimento de leis mais atuais como a legisla-
ção do uso do solo, lei de retenção de posse, leis do Incra,
etc...
Os posseiros não se deram por vencidos e entraram
com uma ação recisória - isto é, uma ação que pode
reformar uma decisão já tomada - junto ao Tribunal de
Justiça, a qual os desembargadores Alves Barbosa e o
61
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 32/47
revisor Gonçalves Santana julgaram improcedente. Isto
no dia I? de dezembro de 1983.
Na defesa dos posseiros do Rio Escuro, a população de
Ubatuba se mobilizou através do seu movimento ecológi-
co Pela Vida, Pela Paz em Defesa de Ubatuba , com o
apoio da Frente Nacional do Trabalho, da Pastoral da
Terra, da Associação dos Produtores Rurais de Ubatuba
- APRU -, Câmara dos Vereadores, Associação dos
Amigos do Sertão da Quina, Movimento em Defesa do
Menor e a própria Sudelpa com grupo de trabalho pela
legalização das terras dos posseiros.
Frente à ameaça iminente de expulsão de suas terras,
várias atitudes foram tomadas, como o manifesto público
da APRU que denuciava ser este um dos muitos casos de
posse de terra em Ubatuba em que as grandes compa-
nhias, movidas por interesses financeiros provocam pro-
blemas sociais, ignorando a importância que a agricultura
representa para o Município. para o Estado e para o País.
Conforme José Bernardes de Almeida Gil, com a
atual decisão da Justiça teremos mais uma vez, a aplicação
injusta de uma lei arcaica e antisocial, na repetição do que
vem ocorrendo há décadas em nosso litoral: a expulsão dos
caiçaras de suas terras e seu confinamento em favelas
impedindo que ele continue nas atividades que garantiam
o sustento da família e de toda a comunidade e a entrega
de suas terras às companhias imobiliárias, para que sejam
vendidas aos turistas que aí constroem casas de veraneio.
Estas casas permanecem fechadas a maior parte do ano.
Frente a esta dura realidade, Sétero Borges, filho de
Luzia e, ele mesmo, também pai de família, exclama an-
gustiado, Quem poderá nos ajudar? ..
DE ORONEL P R ORONEL
Não te dou a minha mão,
Porque não és merecedor,
Era bem que te fizesse
Debaixo de ferro martir,
Com sepultura de sangue
De braços martirizado.
O R e i a o E mb ai xa do r
Lágrimas de alegria, r isos descontrolados que mos-
travam o medo da notícia não ser verdadeira - esta a
reação dos posseiros das fazendas Barra Grande e Taqua-
ri, no Município de Paraty, quando o prefeito Edson La-
cerda irrompeu escadas acima anunciando aos berros a
notícia - O Presidente João Figueiredo desapropriou
para fins de reforma agrária a área onde vivem os possei-
ros destas duas fazendas . Isto tudo aconteceu no dia 4 de
outubro de 1983, quando a então juíza da Comarca de
Paraty - Tereza Maria Savine - estava prestes a iniciar
uma audiência com os caiçaras e seu advogado Jarbas
Macedo Penteado, da Sociedade de Defesa do Litoral Bra-
sileiro e do escritório de Sobral Pinto. Sob o tímido olhar
do advogado da parte contrária, a comemoração começou
ali mesmo: afinal, a luta pela posse destas terras já se
arrastava. há mais de cinco anos e cerca de cem famílias que
sempre viveram neste lugar estava seriamente ameaçada
de expulsão de suas casas e roças. São dois os decretos
presidenciais que dispõem sobre áreas prioritárias para
f~ns~e reforma agrária na fazenda Barra Grande e Taqua-
ri (números
88.789 e 88.791). Na fazenda Taquari foram
desapropriados 98~ hectares, num total de quase dez mi-
lhões de metros quadrados, beneficiando
54
famílias; na
63
2
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 33/47
Barra Grande, foram desapropriados
630
hectares num
total de quase 6.300.000 metros quadrados, beneficiando
56 famílias. Conforme Jarbas Penteado o objetivo de [ais
decretos éa reformulação fundiária nesta região litorânea,
condicionando o uso das terras à sua função social, para
que se promova justa e adequada distribuição da proprie-
. dade .
Os proprietários dos títulos dessas fazendas recebe-
rão seu pagamento em títulos da Dívida Agrária, que se
resgatam a partir de dois anos após sua emissão. Essa foi
uma atitude muito corajosa do general Venturini, minis-
tro dos Assuntos Fundiários , afirma Jarbas Venturini
recebeu, em janeiro deste ano, o prefeito e opresidente da
Câmara de Vereadores de Paraty, juntamente com Jarbas
Penteado, quando então foram levadas ao ministro as
provas de que os posseiros dessas duas fazendas não eram
simples parceiros da terra, nem tão pouco invasores na
área, já que as certidões de óbitos de seus antepassados e
suas certidões de nascimento mostravam que eles sempre
viveram ali. Cabe agora ao INCRA requerer judicialmen-
te a emissão de posse das terras desapropriadas.
O ofício que estas famílias enviaram ao coordenador
do INCRA no Rio de Janeiro, em
1981,
relata sua luta: -
Muito tempo atrás, no fim do século passado, tinha na
fazenda Barra Grande um coronel chamado Honório Li-
ma, que dizia ser o dono destas terras. Aí moravam quase
cem famílias de trabalhadores, aproximadamente seis pes-
soas por família. Todos trabalhavam na terra e suas casas
foram construídas por eles próprios. Viveram mais de
trinta anos sem nada cobrarem deles. Depois esta fazenda
t
foi vendida para o senhor Joaquim Flores dos Santos
Callado que a teve por
25
anos, quando todos os traba-
lhaodores viveram livres com toda a liberdade para traba-
lhar. Criaram seus filhos e vieram os netos (...)
As dívidas contraídas por Joaquim Callado fizeram
com que vendesse a fazenda para Albino Gonçalves. Foi
64
I r
então que o filho de Albino, Nestor Gonçalves - conhe-
cido grileiro em Angra dos Reis , segundo o relatório ~
recebeu a fazenda de herança do pai. Na época da Segunda
Grande Guerra, ele soltou gado nas lavouras dos possei-
ros, destruindo toda a plantação e provocando a retirada
de muitos deles sem que recebessem qualquer indeniza-
ção.
Por volta de
1949,
um grupo de italianos, liderado
pelo então novo proprietário dos títulos da fazenda -
Guiseppe Cambarell i - exigiu dos posseiros o pagamento
de um terço de sua produção agrícola, 33%de cada produ-
ção que eles obtinham sem o auxílio de ninguém, a não ser
da terra . Esse tipo de pagamento foi feito, no início, sem
recibo. A partir de
1964,
as fazendas contrataram para
administrá-Ias um indivíduo chamado José Garcia, que se
dizia sargento do Exército. Ele, juntamente com diversos
capangas armados, atemorizaram e coagiram os caiçaras
na cobrança do terço dos senhores feudais. Em troca, a
administração se comprometeu a fornecer condução para
que os trabalhadores se locomovessem até suas roças,
além de oferecer condições de armazenamento e escoa-
mento da produção de banana - ítens que, sem surpreen-
der ninguém, nunca foram cumpridos.
Depois da morte de Guiseppe Cambarel li, as fazen-
das passaram a ser administradas pela viúva Iolle Fabri
Cambarelli. E com novos capatazes ela começou a proibir
os lavradores de trabalhar em novas plantações e de con-
sertarem suas casas, para no futuro poder acusar os pos-
seiros de não trabalharem direito na lavoura . Em 1976, os
moradores foram obrigados a assinar um contrato de
parceria - fomos ameaçados por um delegado de polícia
que acompanhou o administrador que ia entrando de casa
em casa . Muitos dos caiçaras, porém, não ~ssinaram o
contrato apesar da intimidação ostensiva. Aqueles que
aceitaram o contrato foi-lhes prometido que a contribui-
ção voluntária dada
à
fazenda cairia em
20%
e até mesmo
10% da produção que tivessem na terra.
l
:
I
•
65
j
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 34/47
o relatório dos posseiros conta ainda que como a
dona das fazendas não conseguiu seus objetivos, elaentão
ligou-se a grupos financeiros, cujo gerente, coronel Casi-
mir Vieira, passou a perseguir os trabalhadores. Elesvem
forçando os moradores que se acham em dificuldade de
sobrevivência e de produzir, mesmo os moradores na
terra há mais de
70
anos . Somente as
80
famílias da
Fazenda Barra Grande e as 50 famílias que moram na
Fazenda Taquari têm alguma coisa plantada num total de
1300
hectares - é desta área que a administração quer
despejar o pessoal . As fazendas têm o título deproprieda-
de de 20 mil hectares ... Iollecedeu metade dos títulos de
propriedades destas fazendas ao Grupo Morada - que
atua com cadernetas de Poupança e cujoproprietário é Rui
Barreto presidente da Associação Comercial do Rio de
Janeiro. E Rui Barreto quem detém o poder dedecisão nas
Empresas Reunidas Agró-Industrial Mickael S.A. resul-
tantes da sociedade entre ele e Iolle.
A luta dos posseiros de Barra Grande e Taquari foi
assessorada e apoiada pela Sociedade de Defesa do Litoral
Brasileiro do Instituto Histórico e Artístico de Paraty, da
atual direção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da-
quele município e da Pastoral da Terra da Díocese de
Itaguaí, da qual Paraty faz parte. As arquiteturas Marcia
de Souza Carvalho e Maria Ignez Maricondi, integrantes
da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro,' fizeram o
levantamento de toda a área ocupada pelos posseiros, com
os respectivos mapas de sua localização, cuja função é de
instruir qualquer tipo de processo jurídico na defesa dos
caiçaras. Conforme o advogado Jarbas Macedo Soares,
era uma contradição o fato de a empresa dizer existir para
a área um grande projeto agropecuário se, por outro lado,
ela tentou despejar em massa aqueles que produzem no
imóvel. Como acreditar na criação de agrovilas ou de
qualquer tipo de proteção ao homem do campo sede uma
hora para outra a empresa investe contra os caiçaras,
despejando-os sumariamente?
66
Para [arbas, é fato notório, não só em Paraty como
em outras regiões onde houve supervalorização de imó-
veis em decorrencia da abertura da Rio-Santos, que aque-
les que tinham títulos de propriedade começaram a se
valer de diferentes recursos para expulsar o homem do
campo.
Um desses recursos foi denunciado pela diretoria do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paraty, no relatá-
rio ao presidente João Figueiredo: O sindicato tenta de-
fender os posseiros mas encontra muitas dificuldades de
razões econômicas e de influência; isto porque, entre os
advogados que trabalham para as empresas ligadas ao
grupo Cambarelli, há um que épromotor nacidadedoRio
de Janeiro e outro que é procurador do Estado.
Para Miguel Pressburguer, da Pastoral da Terra e
atual advogado desse sindicato, não importa a indeniza-
ção que as empresas queiram dar aos posseiros como meio
e recurso de tirá-los da terra onde nasceram e moram. O
dinheiro perde cada vez mais o seu valor e oque importa é
fixar o homem à sua terra para que ele e sua família não
vão engrossar o contingente de favelados na região . Mas
os meios e recursos utilizados pelas empresas não páram
aí - em reuniões com seus advogados, os posseiros conta-
ram que asempresas pagariam de cinco a oito milcruzei-
ros a qualquer um dos posseiros que quizesse depor a
favor delas, contra os companheiros. Eno dia daaudiência
na cidade, elas se ofereceram até para pagar o almoço do
pessoal . Os posseiros reconhecem que osque aceitaram a
oferta o fizeram na esperança de que, agrandado aos
donos das fazendas, ficassem em suas terras - mal
sabem elesque senós caimos fora, eles também não terão
condições de ficar, pois nossa força é a nossa união .
Essa união se revela concretamente na associaçãoque
os posseiros organizaram, visando a defesa de seus inte-
resses e dodireito à terra. A associação reivindica à prefei-
tura local infra-estrutura sanitária, posto de saúde, esco-
67
I
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 35/47
Ias, transporte e luz elétrica - mas todos esses benefícios
ainda não foram conseguidos, dizem oscaiçaras das fazen-
das Barra Grande e Taquari, por causa das pressões da
administração das fazendas, que faziam tudo para que a
gente desista de continuar na terra dos nossos pais .
O lavrador Assir Soares, presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Paraty, considera esta desapro-
priação uma vitória conjunta dos posseiros e de todos os
setores da sociedade que ficaram ao seu lado. Uma vitória
do povo de Barra Grande e Taquari que entendeu a neces-
sidade de se organizar pela luta de seus direitos ...
68
HISTÓRI VITÓRI
Glorioso Benedito
Glorioso Benedito
Santô que não tem vexame
Santô que não tem vexame
Bençoado que nos livre
Bençoado que nos livre
Dos castigos deste mundo
Dos castigos deste mundo
Do ca nto C hibá
Uma solução considerada única na luta de terras no
país foi alcançada em
5
de novembro de
1981,
quando
71
famílias caiçaras moradoras em Trindade, praia situada a
28
quilômetros ao sul do centro urbano de Paraty, assina-
ram o título definitivo de sua propriedade. A assinatura do
documento foi feita numa das salas da escola isolada de
Trindade, na presença de posseiros, de seu advogado [ar-
bas Macedo Penteado e deJosé Pascowitch Neto, dono da
Cobrasinco, acompanhado de seus advogados.
A Cobrasinco é uma empresa de capital nacional,
especializada em construções, que em junho de
1981
com-
prou por três milhões de dólares os títulos das terras da
praia de Trindade, da ADELA - Atlantic Development
Group for Latin America, holding composto por
227
em-
presas multinacionais, com sede em Luxemburgo. Duran-
te mais de nove anos os caiçaras de Trindade resistiram a
esta poderosa Holding, testemunhando uma das mai
belas histórias de luta dos oprimidos por seus direitos, pela
posse de suas terras ~por sua dignidade de pessoas huma-
nas.
69
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 36/47
Se tenho de morrer, que seja em minha terra , afir-
mava Antônio de Jesus, pai de sete filhos que por três
vezes foi expulso dosbarracos que construía em Trindade.
Durante muito tempo, Antônio, um dos líderes na luta de
resistência dos caiçaras nesta praia, morou à beira de
estradas, na praia e nas matas da Serra do Mar, recusan-
do-se a abandonar as terras em que seus pais sempre
plantavam. A luta de Antônio foi igual a de muitas outras
famílias que, expulsas de suas casas, se embrenharam na
mata, passando a viver em cavernas e cabanas improvi-
sadas.
Nem sempre o cotidiano dos trindadeiros foi de sofri-
mento. Quando a especulação imobiliária não havia che-
gado a este litoral, a vida era' outrapara estes posseiros de
mais de 200 anos, comoatestam osdocumentos doCartó-
rio de Paraty. Os mais velhos testemunham:
A gente
não
carecia de dinheiro, não, com um dia decaminhada agente
chegava a Paraty, onde trocava a farinha e a banana por
querosene ou pelo que precisasse, às vezes um pano pra
mulher fazer vestido .
A população de Trindade, onde existem muitos loiros
?e olhos azuis ou verdes, é toda protestante, pertencentes
as .seitas pentecostais Assembléia de Deus, Brasil para
Cnsto e Adventista, cujas sedes foram construídas em
regime de mutirão por todos os habitantes da praia. Uma
das explicações para a ausência da Igreja católica na
comunidade seria o seu difícil acesso; impedindo um con-
tato mais constante com O padre católico.
A mudança radical na vida destes protestantes come-
ça em 1972 quando os títulos de propriedade da Fazenda
Laranjeiras, com uma área de 1403 hectares, foi adquirida
pela Companhia Paraty Desenvolvimento Turístico S.A.
A companhia, cujo presidente era o general Candau da
~onse~a, que havia sido presidente da Petrobrás, pertencia
a holding Adela. A fazenda Laranjeiras foi vendida por um
milhão de dólares, conforme atesta a escritura lavrada no
17.
Ofício de Notas do Rio de Janeiro, das mãos do
7
ex-governador Carlos Lacerda, do antigo Estado da Gua-
nabara. Esta fazenda englobava as praias deLaranjeiras,
Picinguaba (em Ubatuba, no Estado de São Paulo), Sobra-
do, Vermelha, Galhetas, Brava, De Fora e Cachadaço.
Por que estas terras, antes só ocupadas por caiçaras,
começam a se tornar tão importantes para os poderosos
grupos econômicos? A socióloga Maria Christina de AI-
meida Braga, que conviveu muitos anos com os caiçaras de
Trindade e sobre eles elaborou vários estudos, tem uma
resposta clara - Baseada no projeto Turis e em muitos
outros trabalhos científicos realizados sobre esta praia,
podemos dizer que a estrada Rio-Santos, a BR-10l -
planejada no governo de Castelo Branco, em 1967 - foi
concebida para atender àsnecessidades doescoamento das
áreas metropolitanas doRiode Janeiro e São Paulo. Sendo
uma alternativa de ligação rodoviária entre estes doispalas
econômicos, satisfaria às necessidades docapital já instala-
do na região: o Parque Industrial de Santa Cruz, porto de
Sepetiba, Estaleiros Verolme, Usina Nuclear Angra e os
terminais petrolíferos de Angra dos Reis e São Sebastião .
Como a segunda fase da BR-101, no seu trecho entre
Ubatuba e Santos, nunca foi concluído, a grande realiza-
ção do então Ministro dos Transportes, Mário Ándreazza,
serviu apenas ao segundo propósito dos planejadores da
estrada, a que Maria Christina se refere: A BR-101possi-
bilita, aomesmo tempo, a exploração turística de uma das
regiões mais bonitas do país e abre perspectivas para os
investimentos dos grupos empresariais. Conseqüente-
mente, há uma redefinição do uso da terra, transformada
em mercadoria e extremamente valorizada , Tal é
formulado por Carlos Lacerda, em sua entrevista ao jornal
O Estado de São Paulo , de sde outubro de 1972, em uma
materia intitulada Imobiliários gananciosos e imobilistas
gananciosos : A essa valorização corresponde ovalor que
se faz com ela (terra) ...onde a terra passa a valer mais do
que a banana permite, o desejável não é plantar bananas e
7
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 37/47
/
mais diversos recursos. Em 1977; numa declaração
à
Im-
prensa, John Sillers. então representante da empresa na
praia, afirmava que a vastidão da área propiciava a ação de
grileiros , Devido a isto foram envidados homens arma-
dos a Trindade, armamento convencional, como revólve-
res, fuzis, rifles e metralhadoras . Sillers dizia ter procura-
do acordo com os trindadeiros, mas não admitia a
presença de terceiros nas posses . Um dos terceiros a que
Sillers se referia é o atual senador de São Paulo, Severo
Fagundes Gomes, que em 1973, através de Ivete Maciel,
conhecida neste litoral pela alcunha de Loba do Mar ,
adquire as praias de Baixo, Cepilho, De Fora e Canhadaço,
revendendo-as posteriormente.
Trindade, como outras praias ao longo da Rio-Santos,
foi catalogada como sendode dasse A , pelo projeto Turis
da Embratur Este projeto data dos anos 72 e 73 e foi
inspirado no modelo francês de desenvolvimento turístico
da região costeira. Sob a pretensão de desenvolver turis-
mo de massa - compreendido como a classe média mo-
torizada a procura de lazer - as praias deste litoral foram
classificadas em três categoriais: A, B e C. As praias consi-
deradas classe A, como Trindade, seriam reservadas para
as classes sociais de maior renda. O projeto Turis foi
elaborado na época em que Severo Gomes era Ministro da
Indústria e Comércio, ao qual a Embratur está ligada.
Na via crucis dos caiçaras de Trindade, estavam
envolvidos os advogados do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Paraty-Alírio Campo e José Maia, enviados a
esta praia por Jair Alves, então trindadeiros para iniciarem
um processo de usucapião de 'suas posses que, segundo
Jarbas Macedo Pen teado - advogado que posteriormen te
defende os caiçaras - estava muito bem montado. Para
[arbas, este dado é mais um indício da má intenção destes
dois profissionais que, mais tarde, retornam a Trindade
para propor uma acordo aos caiçaras, pois contra a com-
panhia nada se pode fazer . Alguns trindadeiros se nega-
73
sim instalar algo mais compatível com a valorização ...
Cidades, turismo, são mais valiosos que bananas ...
Para preservar a região da expansão dos interesses
econômicos sobre ela, o Estado toma uma série de medi-
das, como o decreto do IBDF n? 68172 de'~ de fevereiro de
1971, cria ndo o Parque Nacional da Serra da Bocaina, com
a área total de 136 mil hectares. Durante o governo Médi-
ci, os municípios de Paraty e Angra dos Reis são considera-
dos áreas prioritárias para reforma agrária. Entretanto, o
crescente interesse por parte das empresas privadas, nesta
região, quando se inicia a construção da BR-101, faz com
que o Estado disponha destas áreas em benefício docapital
privado ou do poder público. O Parque Nacional da Serra
da Bocaina é desmembrado através do decreto n? 70694,
no mesmo dia que o grupo multinacional Brascan-Adela
torna-se cessionário dos 34 mil hectares desmembrados
da área original, que compreendia justamente a região de
Trindade.
É
Maria Christina quem afirma - Decretos
governamentais referentes
à
desapropriação de terras
com objetivos sociais, como do ex-governador Roberto
Silveira (decreto n? 6897 de 13 dejaneiro de 1960) foram
então revogados. Os fins turísticos transformam-se em
prioridade para estas áreas, fazendo com que elas pudes-
sem ser negociáveis a grupos privados. Esta confluência de
interesses entre o Estado e as empresas particulares per-
mite a aferição de enormes lucros principalmente para
aqueles que tem acesso aos planos 'governamentais. Um
exemplo claro é o do ex-governador táI:l?5.L~cerda, que
adquire a área da Fazenda Laranjejrâs'paj-a depois
revendê-Ia a um preço bastante superior. Assim',Jl1esmo
antes da abertura da BR-I01, a especulação imobiliária
reina no litoral fluminense .
Para se manter na praia, a comparthia - como era
conhecida pelos caiçaras - a Paraty Desenvolvimento
Turístico S.A., que posteriormente muda seu nome para
Trindade Desenvolvimento Territorial S.A. - usa dos
72
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 38/47
. iI •• _ ••• ~~
ram a qualquer entendimento com a companhia. Outros,
intimidados, trocaram suas posses de moradia em frente
ao mar por casas construídas nas periferias de Paraty e Ubatu-
ba. Mas todos os que fizeram a troca, deixaram suas
posses na Serra do Mar, usadas já por seus antepassados
para a roça de consumo.
A maioria dos caiçaras que se mudou para o Parque
Paris, na periferia de Ubatuba, voltou para Trindade. A
companhia não lhes forneceu a escritura definitiva de suas
casas e muitas delas apresentaram péssimas condições,
desde o início da construção. De volta à terra de seus pais,
os trindadeiros se estabeleceram nas posses das roças de
consumo. Uma cláusula, inexplicavelmente inserida à
máquina nos documentos mimeografados de compra de
posse, entre a companhia e os trindadeiros - afirmava
terem eles vendido todas as benfeitorias da área e não só
o terreno em frente ao mar. A rasura não foi levada em
conta pelo então Juiz de Direito da Comarca de Paraty,
José Seltti Rangel, que determinou não mais haver lugar
para o caiçaras em Trindade.
As arbitrariedades cometidas a nível jurídico, na saga
dos trindadeiros, foram tão numerosas e terríveis, que se
chegou ao ponto de proibir Isael Mariano dos Santos -
caiçara que havia ganho uma liminar de posse de três
alqueires, na praia do Cepílho, de acolher outros parentes
e amigos em sua terra. Uma proibição determinada pelo
então juiz de Direito de Paraty, Ulisses Monteiro Ferreira.
Conforme o padre João Bernardo Peters, da Pastoral da
Terra da paróquia de Paraty, que direito tem a Justiça de
proibir quem quer que seja em receber alguém em sua
legít ima propriedade? . A alegação do juiz Monteiro Fer-
reira era a de não conhecer os limites da posse de Isael.
Mas como uma liminar deposse foiassegurada sem serem
conhecidos os direitos da mesma posse? Para o caiçara
não conta o direito sagrado da propriedade privada? ,
questiona padre Peters.
74
Se na disputa jurídica asarbitrariedades foram tantas,
a nível humano as violências foram inolvidáveis. Nos fe-
riados da Páscoa de
1978,
duas jovens professoras do
Estado do Rio, que não se haviam intimidado com as
ameaças dos jagunços da Companhia e insistiram em
permanecer em Trindade lecionando para as
70
crianças
que aí viviam, foram violentadas por esses mesmos jagun-
ços. Somente quatro meses após o incidente - não divul-
gado pela Imprensa, certamente por respeito às duas
jovens, já que em nossa sociedade é a mulher violentada
quem ainda passa vergonha - um rapaz de Paraty, Pedro
Millíet, da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro, mes-
mo não sendo professor formado se dispôs a ensinar
àquelas crianças.
Nessa hora de tanto sofrimento, a ação de uns jo-
vens maconheiros , como afirmavam os representantes
da Companhia, foi fundamental na luta dos caiçaras. Ra-
pazes e moças que costumavam acampar em Trindade,
decidiram tomar posição frente ao problema. Formaram a
Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro sob a liderança
de RicciMartinelli , o Bienga , que passou a conviver com
os caiçaras em Trindade. A SDLB logo obteve apoio de
outras entidades da sociedade civil. Palestras, denúncias,
foram feiras no circuito Rio-São Paulo. A Sociedade pro-
curou o jurista Sobral Pinto, famoso por suas defesas dos
direitos do cidadão numa época de perseguição e sufoco.
Sobral liberou o advogado [arbas Macedó Penteado, de
seu escritório, para acompanhar a causa.
O papel que a Imprensa desempenhou, solidarizan
do-se com os caiçaras e denunciando as arbitrari dad
que eles estavam sofrendo, foi de fundamental imp rtân-
cia neste episódio. Praticamente todos os jornais d ix
Rio-São Paulo passam a noticiar os acontecim nt S ) or-
ridos em Trindade. A repercussão dessas notí ia hogou
ao estrangeiro, a ponto da Igreja Reformada da H landa
pedir um relatório por parte dos posseir dr mpa-
75
,t
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 39/47
nhia, para se inteirar do que se passava nesta praia do
litoral
flumínense.
A Igreja Holandesa queria saber como
eram obtidos os lucros das cadernetas de poupança de seus
adeptos religiosos. Como eram obtidos inocentes lucros
para os cristãos do Primeiro Mundo.
A Trindade Desenvolvimento Territorial S/A nunca
realizou seu relatório. Mas os posseiros fizeram um deta-
lhado histórico de sua luta que foi redigido, por escolha e
votação dire ta, pe lo advogado Miguel Pressburguer, da
Pastoral da Terra e pelo arquiteto Abídio Alapenha, tam-
bém da mesma Pastoral. As pressões contra a Adela foram
se avolumando de tal forma que, em 1981, não tendo
condições de reverter o imenso capital empatado em Trin-
dade, a empresa holding decide vender os títulos de terras
da praia à Empresa Nacional Cobrasinco.
Para os que acompanharam a luta dos caiçaras de
Trindade, os novos fatos ocorridos com a assinatura dos
títulos de terra por parte dos posseiros, devem ser enqua-
drados por diversos ângulos. Segundo Jarbas Penteado, o
título assinado pelos caiçaras é um condomínio pró-
indivísuo , isto é, que apesar de estarem de posse do
documento de suas terras, cada trindadeiro só poderá
vendê-Ia para outro caiçara que more no mesmo condomí-
nio. Esse tipo de titulação, aceita pelos caiçaras, foi, confor-
me [arbas, uma maneira jurídica de defender os posseiros
do assédio dei turismo que chega a Trindade. Pelo acordo
assinado ent re a Cobrasinco e os trindadeiros, estes terão
uma área de 147 mil metros quadrados que será dividida
entre eles em lotes de moradia. Terão também uma outra
área de
620
mil metros quadrados destinada a roças de
consumo. Conforme consta do documento, a empresa se
compromete a dar total liberdade de pesca aos caiçaras,
·e manter reservada área para abrigos de barcos num dos
cantos da pra ia, permitir o livre acesso ao Parque Nacional
da Bocaina, não mexer na praia do Cachadaço - que se
encontra dentro desse Parque - além de preservar rios,
76
1
córregos e cachoeiras do lugar. A Cobrasinco também se
dispôs a construir duas igrejas em Trindade, já que uma
delas, a Assembléia de Deus, havia sido vendida
à
compa-
nhia, que a transformara em escritório de suas operações.
E o pastor fugiu com o produto da venda.
Sem dúvida alguma, no cenário nacional, em que os
que não têm capital não têm chance de vencer, Trindade
foi uma vitória do povo, comemorada com júbilo. A con-
cessões da Cobrasinco não foram frutos de um coração
bondoso. A empresa compreendeu, melhor que a
ho ldi ng
multinacional, que não valia a pena brigar com os calçaras,
pois estes estavam organizados. Marco Antonio Barbosa,
advogado do Centro de Trabalho Indigenista - CTI, com-
para a saga dos trindadeiros à dos guaranis: Em todo o
Estado de São Paulo só existem
400
guaranis. Que é que
isso signif ica em termos de número? Nada. Mas na medi-
da em que se reúnem, eles sobrevivem a toda opressão. E o
índio sobreviveu a
500
anos de opressão porque, por sua
cultura, ele se organiza socialmente. Os caiçaras e todo o
povo oprimido de nosso país tem muito a aprender com
nossos irmãos indígenas - só nos organizando podere-
mos sobreviver. As congadas de Caraguatatuba e do
Bairro de São Francisco não existem mais, mas as rezas
guaranis existem.
Jair da Anunciação e Antônio de Jesus, os dois gran-
des líderes caiçaras de Trindade, nos dão maior esperança
no futuro de nosso sofrido povo quando afirmam, convic-
tos e emocionados: Temos de levar nossa luta aos caiçaras
de outras praias, para mostrar que só permanecendo uni-
dos teremos nossos d irei tos prese rvados.
Antônio de Jesus sintetizou todo o pensament d
povo de Trindade ao dar seu depoimento em outubr d
81,
à Adriana Mattoso realizadora do documentário V n-
to Contra : Acho que minha família é quas Br il
inteiro; então a gente tem que lutar porqu S 11 n L já
esteve perto do fogo e saiu e não s:e queimou, g nt
77
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 40/47
tirar o amigo do fogo também, para que ele não se quei-
me ... O que o caiçara vai fazer na cidade? Favela? Favela já
chega o que está na cidade. Eu acho que aumentar mais
favelas não dá. O cara tem de ter a liberdade dele na terra
em que nasceu.
78
Os congos do Bairro de Francisco se afastavam, com
as espadas levantadas. Depois as colocavam na bainha e
acenavam com um lenço, sempre cantando:
Fica- te em p az,
Q ue eu vo u-m e embora ,
F ica- te em pa z,
Q ue eu vou-m e embora .
Assim terminava. E os últimos versos da Congada de
Caraguatatuba eram:
Que sau dosa des pedida
M eus congo viera m dá ,
Vã o cantan do e vão marchando
Cad a um p ra se u
lu g á
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 41/47
Documentação fotográfica de:
Adriana Mattoso
Agência Estado
Araquém Alcântara
Fausto Pires de Campos
Inês Ladeira
Sidney Corallo
Stella Martinelli
I
j
Despejo da igreja em Trindade fo to A dr iana Mat toso).
Posseiros debatendo a situação em Trindade
foto F au sfo
i
Campos ).
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 42/47
A família de Jair da Anunciação, despejada em Trindade
f o to Adr iana M aftoso).
Família despejada em Trindade fo to A dr iana M aftoso) .
Casa lacrada em Trindade fot o Ad r ia na M a ftoso) .
Casa derrubada em Trindade
fo to Adr iana M aft oso).
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 43/47
A queima de casas em Trindade foto / sdr iana Maiíoso) .
Uma caverna na serra: a nova casa de Antonio de Jesus
f ot o A d ri an a M a ilo so }.
A destruição na praia de Trindade f ot o A d ri an a M a tl os o) .
Ação do trator em Trindade f o to S t e ll a Muninelli}.
\ f
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 44/47
Caravana ecológica em Trindade f ot o A gê ncia E stado, por
Sidney Corall o} .
Os jagunços armados da Casa do Alemão f o to S i dn ey C or all o} .
\ ~,
Praia do Sono: fechada pela porteira
fot o Ad rianaMat toso).
São Gonçalinho: os caiçaras debatendo seus problemas
foto
F au sto Cam pos) .
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 45/47
interior de uma casa caiçara f ot o A ra q ué m A lc ân ta ra ) .
Dona Condica f o t o A r a q ué m A lc ân ta ra ).
velha e o cachorro tranqüilidade ameaçada
fo to .Araquém
Alcântara) .
velha caiçara ea estrada
f ot o A ra q ué m A lc ân ta ra ).
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 46/47
Desolação
foto Araquém Alcâ ntara ).
O velho
e o
pito um gesto habitual
fo to Araquém Alcântara).
Enterro caiçara
foto Araq ué m Alcâ nt a ra ).
ldeia do Silveira o
já
falecido cacique Gumercindo
e
esposa com visitantes
fo to In ês L ad eira) .
7/24/2019 Genocidio Dos Caiçaras
http://slidepdf.com/reader/full/genocidio-dos-caicaras 47/47
Acabou-se de imprimir
aos 2 de maio de
1984
sob orientação de
Oficina Gráfica
Fotocomposição: Studio Artgraph
Edição a cargo de
Massao Ohno - Ismael Guarnelli/Editores
Caixa Postal 62673 - CEP
OllSO
São Paulo - Brasil
ldeia do Silveira família guarani foto Inês L ade ira ).