GEO - COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E OS RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS

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RESUMO: Este artigo analisa como diversos autores dentro das teorias de relações internacionais e da geografia política interpretam a cooperação internacional, em especial, no caso dos recursos hídricos. Este mosaico de teorias permite uma compreensão mais abrangente de como ocorre a cooperação internacional para a gestão dos recursos hídricos transfronteiriços. Para entender o funcionamento da cooperação internacional é necessário também analisar o Estado e sua relação com o território e a soberania estatal, pois os Estados, ao firmarem compromissos, se preocupam em garantir a sua soberania. Finalmente, é analisada a criação de instituições internacionais para a gestão compartilhada dos recursos hídricos transfronteiriços. PALAVRAS-CHAVE: Cooperação internacional, recursos, hídricos, transfronteiriço. ABSTRACT This article analyses how authors inside international relations theory and political geography interpret international cooperation, especially in the case of water resources. This mosaic of theories provides a wider comprehension of international cooperation in the transboundary water resources management. To understand how international cooperation woks is necessary to analyse the State and its relation to the territory and state sovereignty, therefore the State always consider its sovereignty when signing agreements. Finally, it is analysed the creation of international institutions to the transboundary water resources joint management. KEYWORDS: Cooperation international, resources, water, transboundary. Introdução Este artigo tem como objetivo analisar como diversos autores dentro das teorias de relações internacionais e da geografia política interpretam a cooperação internacional, em especial, no caso dos recursos hídricos. Este mosaico de teorias permite uma compreensão mais abrangente de como ocorre a cooperação internacional para a gestão dos recursos hídricos transfronteiriços. Portanto, trata-se de uma revisão da literatura sobre o tema, que se mostra oportuna dada a premência em resolver emergentes conflitos por uso de águas transfronteiriças. Para entender o funcionamento da cooperação internacional é necessário também analisar o Estado e sua relação com o território e a soberania estatal, pois os Estados, ao firmarem compromissos, se preocupam em garantir a sua soberania. Finalmente, é analisada a criação de instituições internacionais para a gestão compartilhada dos recursos hídricos COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E OS RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS: SOBERANIA E INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS Fernanda Mello Sant'Anna* GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Edição Especial, pp. 183 - 210, 2009 *Aluna de doutorado em Geografia Humana pela FFLCH/USP. Orientador: Prof. Dr. Wagner Costa Ribeiro. E-mail:[email protected]

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RESUMO:Este artigo analisa como diversos autores dentro das teorias de relações internacionais e da geografiapolítica interpretam a cooperação internacional, em especial, no caso dos recursos hídricos. Estemosaico de teorias permite uma compreensão mais abrangente de como ocorre a cooperaçãointernacional para a gestão dos recursos hídricos transfronteiriços. Para entender o funcionamento dacooperação internacional é necessário também analisar o Estado e sua relação com o território e asoberania estatal, pois os Estados, ao firmarem compromissos, se preocupam em garantir a suasoberania. Finalmente, é analisada a criação de instituições internacionais para a gestão compartilhadados recursos hídricos transfronteiriços.

PALAVRAS-CHAVE: Cooperação internacional, recursos, hídricos, transfronteiriço.

ABSTRACTThis article analyses how authors inside international relations theory and political geography interpretinternational cooperation, especially in the case of water resources. This mosaic of theories provides awider comprehension of international cooperation in the transboundary water resources management.To understand how international cooperation woks is necessary to analyse the State and its relation tothe territory and state sovereignty, therefore the State always consider its sovereignty when signingagreements. Finally, it is analysed the creation of international institutions to the transboundary waterresources joint management.

KEYWORDS:Cooperation international, resources, water, transboundary.

Introdução

Este artigo tem como objetivo analisarcomo diversos autores dentro das teorias derelações internacionais e da geografia políticainterpretam a cooperação internacional, emespecial, no caso dos recursos hídricos. Estemosaico de teorias permite uma compreensãomais abrangente de como ocorre a cooperaçãointernacional para a gestão dos recursos hídricostransfronteiriços. Portanto, trata-se de umarevisão da literatura sobre o tema, que se mostra

oportuna dada a premência em resolveremergentes confl itos por uso de águastransfronteiriças.

Para entender o funcionamento dacooperação internacional é necessário tambémanalisar o Estado e sua relação com o território ea soberania estatal, pois os Estados, ao firmaremcompromissos, se preocupam em garantir a suasoberania. Finalmente, é analisada a criação deinstituições internacionais para a gestãocompart ilhada dos recursos hídricos

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E OSRECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS:

SOBERANIA E INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

Fernanda Mello Sant'Anna*

GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Edição Especial, pp. 183 - 210, 2009

*Aluna de doutorado em Geografia Humana pela FFLCH/USP. Orientador: Prof. Dr. Wagner Costa Ribeiro. E-mail:[email protected]

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transfronteiriços. Para tal, está dividido em quatropartes: meio ambiente, território e soberania,mostra como a questão ambiental está ligada aoterritório; cooperação internacional, que analisadiferentes visões sobre o tema; soberania estatal,que avalia a dificuldade dos Estados exerceremsua soberania junto a temas ambientais e, porfim, instituições e a gestão dos recursos hídricostransfronteiriços, que discute os limites que elasenfrentam na resolução de conflitos ambientais.

Meio ambiente e território

Cooperação internacional resulta deprocessos sociais e políticos que pode abarcartanto países quanto instituições internacionais.Quando se trata de recursos hídricostransfronteiriços, torna-se um relevanteinstrumento para a gestão compartilhada, o quecolabora para a diminuição de conflitos políticos.Este artigo, por meio de contribuições das teoriasdas relações internacionais e da geografia políticaanalisa a cooperação internacional, em especial,em torno dos recursos hídricos transfronteiriços.

Nas análises sobre as questões ambientaismuitas vezes se esquece de mencionar adimensão territorial. No período atual, são osEstados que exercem o domínio político sobre umadeterminada porção do espaço, o território. OEstado pode ser definido como “aquelacomunidade humana que, dentro de determinadoterritório – este, o ‘território’, faz parte daqualidade característica -, reclama para si (comêxito) o monopólio da coação física legítima”(WEBER, 1999, p. 525). Na geografia políticaencontra-se também a seguinte definição deEstado: “quando uma população instalada numterritório exerce a própria soberania” (MUIR apudRAFFESTIN, 1993, p. 22).

O território é entendido como “uma áreade exercício de um poder estatal” (MORAES, 2006,p. 11). Ainda segundo MORAES (2005), o territórioé o âmbito espacial onde se exerce o poder:

o poder é passível de ser apreendido enquantoação e o âmbito espacial de sua realizaçãocircunscreve o território, o qual se apresenta

assim como área de prática de um poder. Nessaconcepção, o território é, antes de tudo, umespaço de dominação, o âmbito espacial de umdomínio político (mesmo que circunstancial emomentâneo) (MORAES, 2005, p. 117).

RAFFESTIN (1993) diferencia espaço deterritório. Para ele, o espaço existe anteriormenteao território, pois é a partir da apropriação deum espaço que a sociedade produz o seuterritório. Desta forma, a sociedade não podeescapar da dimensão territorial, pois ao seconstituir ela conforma seu espaço (HAESBAERTe PORTO-GONÇALVES, 2006). Para Ratzel oterritório é universal no sentido de que os sereshumanos sempre se apropriam do espaço:

que o território seja necessário à existência doEstado é coisa óbvia. Exatamente porque nãoé possível conceber um Estado sem territórioe sem fronteiras é que vem se desenvolvendorapidamente a geografia política; e emboramesmo a ciência política tenha frequentementeignorado as relações de espaço e a posiçãogeográfica, uma teoria de Estado que fizesseabstração do território não poderia jamais,contudo, ter qualquer fundamento seguro. [...]É fácil convencer-se de que do mesmo modocomo não se pode considerar mesmo o Estadomais simples sem o seu território, assimtambém a sociedade mais simples só pode serconcebida junto com o território que lhepertence (RATZEL apud MORAES, 1990, p. 73).

A organização do espaço geográfico emEstados não é um produto “natural”, os Estadosse formaram ao longo de um processo históricona Europa, com a centralização do poder dos reis.

Este modelo de Estado foi levado paraoutras partes do mundo, que o construíram apartir de outros contextos sociais, históricos,polít icos e econômicos. Isto resultou emdiferentes tipos de Estado. No início do séculoXX, o mundo passa a ser uma contiguidadeininterrupta de Estados, onde é praticamenteimpossível ignorar a existência e as ações dosdemais:

los grandes Estados del mundo se tocan, yadirectamente, ya sirviendo de intermediarios

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los pequeños Estados organizados como ellos;las formas de las sociedades políticas complejasse han extendido o están en camino deextenderse a toda la parte habitable de la tierra.No se registra transformación tan profunda nitan rica en consecuencias, en la historia delglobo, como este advenimiento de lacontigüidad sin interrupción de los Estados. [...]Hoy día ningún gran Estado puede ignorar laexistencia y la acción de otro gran Estado, porlejos que estén uno de otro (VALLAUX, 1914,p. 309-310).

Para COSTA (1992) a condição demoderno do Estado resolve a questão de suaorigem histórica, porém, não se pode falar de umcaráter geral para todos os Estados, pois cadaEstado surgiu em um contexto histórico,geográfico e socioeconômico próprio, o queimplica diferenças entre eles. O Estado-nação, porexemplo, é uma forma muito específica de Estadoque é encontrado em apenas algumas partes domundo. De acordo com SÁNCHEZ (1992), a ideiade nação vem da vinculação social que se criadentro de um mesmo território, conformando umacultura comum, independentemente da origemracial (biológica) ou étnica das pessoas dacomunidade. Quando essa consciênciasociocultural que é a nação coincide com o domíniodo território em que vivem trata-se de um Estado-nação. No entanto, existem Estados que abarcamvárias nações em seu interior e também existemnações divididas em vários territórios. Estemesmo autor adverte que as ideias de nação ede nacionalidade foram formuladas a partir deuma concepção eurocêntrica da história e dageografia política (SÁNCHEZ, 1992).

De acordo com MORAES (2005) éintrinsecamente territorial a universalização daforma estatal de dominação social, já que muitossão os exemplos de construção de Estadosterritoriais que precederam a nação. A construçãoda nação é, muitas vezes, um projeto estatalposterior à criação do Estado, e em alguns casoso Estado é criado sem qualquer legitimidadeinterna (MORAES, 2005). Os Estados periféricos(muitos dos quais já foram colônias ou estiveramsob domínio imperialista) não são em geral

nacionais, mas são “ao mesmo tempo soberanose dependentes, injustos e efetivos; e,conjuntamente com a prática da consolidação deseu poder e da dominação interna, são agentesfundamentais na internacionalização do uso deseus recursos e territórios” (MORAES, 2005, p.117).

No caso do Brasil a formação do Estadomoderno foi muito diferente do que na Europa,em primeiro lugar porque o Brasil foi uma colôniaaté o século XIX. De acordo com MORAES (2006),a dimensão espacial é uma questão central paraos países que foram colonizados, isto se deve aofato de que a própria colonização é o resultadode uma conquista territorial. Nesse sentido, oEstado que se forma no Brasil partiu de umterritório colonial, herdando algumas de suascaracterísticas:

[...] a formação do Estado no Brasil vai estarcontinuamente marcada por uma forteorientação de cunho geopolítico: garantir asoberania e a integridade dos fundos territoriaisserá sempre sua missão básica. Daí umaparelho de Estado construído tendo porreferência o domínio do território e não o bem-estar do povo (MORAES, 1994, p.15).

O território colonial é formado também poráreas onde não existe ainda uma ocupação, oumelhor, que ainda não foram incorporadas aosfluxos colonizadores, e desta foram, sãodenominados de fundos territoriais. Com aindependência das colônias esses fundosterritoriais são incorporados ao território nacional(MORAES, 2006). No Brasil, as ideias de conquistado território e construção do país são vistas comoheranças do período colonial, que tem comoobjetivo ocupar os fundos territoriais. Esta ideiade conquista é evidente no caso da Amazôniabrasileira.

A Amazônia é incorporada ao territóriocolonial através do Tratado de Madrid de1750, pelo qual boa parte do territórioamazônico que pertencia à Espanha passa aser de Portugal. No entanto, sua ocupaçãoatendeu a diversos interesses. Após aindependência e durante o império brasileiro

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a importância dada à região amazônica foidevido à necessidade de consolidação dasfronteiras (ANTIQUERA, 2006).

Os Estados, portanto, foram criados emcontextos diferentes, mas comparti lhandoalguns pressupostos como o de território e ode soberania. Outra característica fundamentaldo Estado é o seu papel de administrador, istoé, a constituição de sua burocracia estatal. Estaburocracia também tem um papel importantenas relações entre os Estados, pois podeinterferir na formulação da política externa.

O Estado não age como um ator unitáriono sistema internacional, ele é centro deconflitos e oposições entre diferentes grupos dasociedade que disputam o poder para imporemos seus interesses através do aparato do Estado(HALLIDAY, 2007; SÁNCHEZ, 1992). Novasteorias da ciência política e da sociologia vêemo Estado como “um conjunto de organizaçõesadministrat ivas, pol í t icas e mil itaresencabeçadas e mais ou menos bemcoordenadas por uma autoridade executiva”(HALLIDAY, 2007, p. 92). Entre estas teoriasdestaca-se a da análise decisória, que surgiucontra a visão do Estado homogêneo, único eabstrato, com uma divisão de tarefa perfeita, esempre racional. Pelo contrário, ela percebeuma dinâmica interna no Estado, que pressupõeuma relação entre os diversos interesses dosatores envolvidos nas estruturas administrativase no poder político (Executivo) do Estado.

Foi Graham Allison quem desenvolveuum modelo teórico do processo decisório, eseus estudos foram complementados pelosde Morton Halpering. No modelo políticoburocrático a decisão governamental é naverdade o resultado de um jogo político denegociações e barganha. Este modelo explicaos desvios da raciona l idade ideal queaparecem no momento da decisão política,demonst rando como as rot inas dasorganizações (burocracias estata is)constrangem as formações de opções, alémde expl icar os desvios no momento dainstrumentalização das decisões, revelandocomo as rotinas afetam a sua implementação.

HALLIDAY (2007) aponta que a distinçãoentre Estado e governo também é necessária paraexplicar, por exemplo, quando certas burocraciasdentro de um Estado se opõem a certas políticasdo governo (Executivo). Neste caso, e Estado podeser identificado com o aparato administrativo,enquanto governo é o pessoal executivo. Aadministração do Estado abarca a gestão do seuinterior e as relações com o exterior. A gestãointerior, de acordo com SÁNCHEZ (1992, p. 110):

abarca todos los ámbitos culturales,económicos, educativos, sanitarios y un largoetcétera. Es decir, todos aquellos ámbitosrelacionados con la sat isfacción de lasnecesidades básicas y de las necesidadessociales. Para ello debe gestionar la actuaciónde las instituciones sociales, así como gestionarel territorio, para lo cual se servirá de políticasespecíficas encaminadas a alcanzar cadaobjetivo particular.

Outra questão importante ao se analisaro Estado, e em particular as relações entre osEstados, são as fronteiras políticas. Os recursoshídricos transfronteiriços são aqueles rios e lagosque atravessam a fronteira entre dois ou maisEstados, e aqueles rios e lagos que coincidemcom os limites da fronteira entre dois ou maispaíses.

O mundo tornou-se dividido politicamenteem Estados separados pelas fronteiras políticas.As fronteiras são limites móveis, que podem sermudados ao longo da História. Neste sentido, afronteira apenas mostra os limites em ummomento dado, mas ela pode ter sido diferenteno passado, e pode mudar no futuro: “la fronterapolítica representa un límite coyuntural histórico,o lo que es lo mismo, un momento del equilibriodinámico del proceso histórico” (SÁNCHEZ, 1992,p. 174).

PRESCOTT (1965) concorda com FAWCET(apud PRESCOTT, 1965), ao fazer distinção entrefronteira (zona) e fronteira (limite). Para Machado(2002) a origem da palavra fronteira demonstraque ela não estava associada a nenhum conceitojurídico e remetia não ao fim da unidade políticae sim, onde ela poderia se expandir. Já a palavra

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limite é usada para “designar o fim daquilo quemantém coesa uma unidade político-territorial”(MACHADO, 2002). Portanto, a noção de fronteiracomo limite polít ico-jurídico separando osterritórios estatais surge com o Estado moderno,juntamente com o princípio da soberania.

As fronteiras políticas são o “elementodefinidor de los límites territoriales de los estados,como barreras políticas territoriales a escalainternacional” (SÁNCHEZ, 1992, p. 174). MichelFOUCHER (apud COSTA, 1992) aponta que cadafronteira é uma singularidade, pois apresentacontextos diversos e, desta forma, não é possívelaplicar as clássicas definições de fronteira paratodas as situações do mundo.

COELHO (1992) aponta que nas últimasdécadas “tem se verificado uma evolução muitointensa do conceito de fronteira, não só em sentidoestrito, mas em função de sua aplicação afenômenos tipicamente contemporâneos”(COELHO, 1992, p. 20). O caso da União Europeiaé um exemplo que se destaca, e que foi analisadopor RAFFESTIN e GUICHONNET (apud COSTA,1992). Estes autores definem as fronteiras entreos países europeus membros da ComunidadeEuropeia como uma zona fronteiriça de integração.As fronteiras internacionais passam a significar nãoapenas um limite divisório, estratégico que acarretapreocupações em relação à defesa e segurança, esim uma área propícia à cooperação.

A geógrafa Lia Osório MACHADO (2002)analisa as áreas situadas na zona (ou faixa) defronteira que são chamadas de regiõestransfronteiriças. Para MACHADO e STEIMAN(2002) “a zona de fronteira seria composta pelasfaixas de cada lado do limite internacional,caracterizando-se por interações que, emborainternacionais, criam um millieu próprio defronteira, só perceptível na escala local/regional”(p. 11-12). No Brasil a faixa de fronteira estende-se 150 km ao longo de toda a fronteira brasileiraonde estão previstos comportamentosdiferenciados ligados à segurança nacional. NoPeru e na Bolívia a faixa de fronteira tem 50 km etambém está previsto em suas constituiçõescomportamentos especiais nestas áreas(STEIMAN, 2002).

As regiões f rontei r iças (outransfronteir iças), em sua maioria, estãoisoladas dos cent ros nacionais de seusrespect ivos Estados e, também, dascomunidades do Estado vizinho. Em geral,apresentam ausência (ou precariedade) deredes de transporte e de comunicação, poispossuem um peso político e econômico menorem relação aos centros nacionais:

por outro lado, as regiões de fronteira estãotambém formalmente isoladas dos Estadosvizinhos pelo papel disjuntor dos limitespolíticos. Sem instituições para instrumentá-la, a cooperação entre países vizinhos emregiões de f ronteira tem s ido fei tainformalmente, e através de acordos tácitosentre as autoridades locais dos paísesfronteiriços (MACHADO e STEIMAN, p.7-8).

Para a geógrafa Lia MACHADO (1998) oprocesso atual, que vem ocorrendo ao longo dasfronte iras voltado para a cooperação ouintegração, indica, mais do que uma perda dafunção dos limites e fronteiras internacionais,uma mudança da perspectiva do Estado emre lação ao próprio papel da fronte ira. Afronteira, anteriormente, era concebida a partirdas estratégias e interesses do Estado central,porém, nas últ imas décadas, passa a seridealizada e transformada, também, pelascomunidades de fronteira, e pelos governossubnacionais. Trata-se da “possibilidade real decomunidades locais estenderem sua influênciae reforçarem sua centralidade além dos limitesinternacionais e sobre a faixa de fronteira”(MACHADO e STEIMAN, 2002, p. 8).

Existem iniciativas locais nas regiões defronteira no mundo e, em especial na Américado Sul, que buscam intensificar as relações dascomunidades fronteiriças. Em geral, essasregiões fronteiriças ou transfronteiriças, nãocontam na prática com uma legislação específicanem com projetos governamentais dedicados aseu desenvolvimento e cooperação. Quandoexistem ações neste sentido estas são iniciativasdos governos nacionais que atuam sobre suasrespectivas regiões fronteiriças (MACHADO eSTEIMAN, 2002).

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Para MACHADO e STEIMAN (2002) existeum potencial nas regiões fronteiriças paradeslanchar a cooperação internacional entre ospaíses fronteiriços, porém também existe umainfluência sobre elas do contexto internacional.Coexistem, portanto, nestas regiões elementosde integração e de desintegração. As iniciativasde integração são, em muitas regiões, fruto dointeresse de suas próprias elites e governos. Estasautoras af irmam ainda que uma questãofundamental para as cidades e regiões fronteiriças“é, portanto, a de como se inserir nas diversasredes transnacionais que as atravessam, semdesempenharem fatalmente o papel de meroponto de passagem” (MACHADO e STEIMAN,2002, p. 10).

As fronteiras políticas separam os Estados,mas não separam muitos de seus recursosnaturais, entre eles a água contida em baciashidrográficas transfronteiriças. Atualmente, emalgumas partes do mundo, as fronteiras políticasque apenas separavam os territórios dos Estadossão agora zonas fronteiriças de integração earticulação devido, em grande parte, àinterdependência entre os Estados, ocasionada,por exemplo, pelos recursos hídricostransfronteiriços. Desta forma, percebe-se que aquestão da fronteira está diretamente ligada àquestão da interdependência e da cooperaçãointernacional . Como afi rmam STEIMAN eMACHADO (2002), no caso das fronteiras entreMéxico e Estados Unidos e entre o Brasil e os paísesdo Cone Sul os recursos hídricos transfronteiriçosatuaram como incentivador da cooperação:

o caso da fronteira do México e os EstadosUnidos é paradigmático. Apesar do problemaimigratório ser muito antigo e fonte deantagonismo de parte a parte, os primeirosprotocolos de cooperação entre os dois paísessurgiram em função da questão hídrica. Essatendência de criar comissões/empresas degestão de recursos hídricos em zonas defronteiras internacionais e administrá-los deforma compartilhada se confirma, aliás, emoutras partes do mundo, inclusive no Brasil (casoda Hidrelétrica de Itaipu no início da década de1970) (MACHADO e STEIMAN, 2002, p. 7).

Os recursos naturais presentes noterritório de um Estado está sob o poder políticodeste. Para RAFFESTIN (1993), os recursos sãofruto de uma relação, que é também política, poisforam apropriados pelos seres humanos e são,portanto, frutos de “uma concepção histórica darelação com a matéria, que cria a natureza sócio-polít ica e sócio-econômica dos recursos”(RAFFESTIN, 1993, p. 225).

A produção dos recursos naturais envolveo uso da técnica dentro de um dado períodohistórico e em uma porção do território, que setraduz no problema do acesso, pois os recursosestão distribuídos de modo desigual no planeta:

a produção dos recursos supõe, pois, umadominação mínima de uma porção do quadroespaço-temporal dentro do qual, e para oqual, a tecnicidade interage com aterritorialidade. A relação com a matéria é,portanto, ipso facto, uma relação com oespaço e com o tempo. É todo o problemado acesso que assim se coloca: acesso noespaço e/ou acesso na duração. Durantedecênios, as potências industriais tiveramacesso espacial e temporal ao petróleo;depois, as coisas mudaram (RAFFESTIN,1993, p. 228).

Entretanto,

a busca e acesso a recursos naturais peloplaneta gerou muitos embates no passado.Também é verdade que estimulou o comércioentre países. Porém, a manter-se o modo deacumulação capitalista, cujas temporalidadesdesconsideram a capacidade natural dereposição de recursos naturais, quando sãorenováveis, ou mesmo a degradação ambientalque geram, as dificuldades em obter recursosserão ampliadas, despertando muitoinquietação (RIBEIRO, 2004a, p. 75).

Os Estados precisam ter acesso a umrecurso natural para usufruírem dele. A água éum recurso renovável e finito que está distribuídode maneira desigual, isto é, “sua distribuiçãonatural não corresponde à sua distribuiçãopolítica” (RIBEIRO, 2008, p. 17). Portanto, a água,como qualquer outro recurso, pode ser motivo

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de poder e conflitos entre os Estados e entreoutros atores sociais, pois o “controle e/ou a posseda água são, sobretudo, de natureza política, poisinteressam ao conjunto de uma coletividade”(RAFFESTIN, 1993, p. 231). A água é um dosrecursos mais indispensáveis à vida. O usoinadequado resulta em sua degradação, o queexige sua gestão e controle.

As relações políticas em torno da águaprecisam ser compreendidas dentro da questãodo território e da soberania, conforme afirmao geógrafo Wagner RIBEIRO (2008). Quandoas relações entre os Estados envolvem osrecursos hídricos transfronteiriços, as ações deum Estado podem ter impacto em outro, o querevela uma situação de interdependência. Nocaso de rios transnacionais isto é bem evidente,pois a poluição gerada no Estado à montantecausará impactos no Estado à jusante. Estasituação pode levar ao conflito entre os Estadosenvolvidos. Porém, estes Estados podem optarpor cooperar para buscarem soluções conjuntaspara os problemas em torno dos recursoshídricos. Além do que, a atual crise da água,resultado de um consumismo crescente, emconjunto com sua distribuição desigual nomundo, faz com que os países que detêmgrande estoque hídrico possam “vir a ser alvode cobiça internacional e precisam preparar-se para enfrentar novos desafios” (RIBEIRO,2008, p. 76).

Os Estados sendo soberanos decidem deque forma podem resolver os problemasenvolvendo os recursos hídricos transfronteiriços,através da cooperação ou do conflito. Acooperação exige a cr iação de normas,instituições e padrões de comportamento paraque seja efetiva. O conflito armado por recursoshídricos não é um fato novo. No caso de baciasinternacionais, é emblemático o confl itoenvolvendo Israel e Jordânia referente à bacia dorio Jordão.

De acordo com ROBBINS (2003), osrecursos hídricos são um excelente tema deestudo para a geografia política. No caso dos riostransfronteiriços, estes desafiam as fronteiraspolíticas, podendo resultar em coalizões entre

Estados ribeirinhos e criar incentivos tanto parao conflito internacional quanto para a negociação(ROBBINS, 2003, p. 642).

Cooperação internacional

Ao analisar as relações internacionais nosúltimos anos, nota-se o aumento da cooperaçãoentre os países, com a assinatura de tratadosinternacionais, a criação de blocos econômicos,áreas de livre comércio e organizaçõesinternacionais. Para compreender este cenárioatual é preciso rever a noção de cooperaçãointernacional, quem são os atores envolvidos,seus meios e seus objetivos. Os países, sendo osprincipais atores das relações internacionais, têmdiferentes definições e percepções dos problemasmundiais, permanecendo em aberto a questãode como fazer com que os diferentes atoresbusquem soluções compartilhadas.

A cooperação é entendida como opostaao conflito e à competição. No entanto, a maioriados autores discorda em relação ao que causa acooperação. Para Keohane, um númeroconsiderável de pesquisadores define cooperaçãocomo “when actors adjust their behavior to theactual or anticipated preferences of others,through a process of policy coordination”(KEOHANE, 1984, p. 51). Desta forma, acooperação internacional é um processo decoordenação política entre os atores, que ajustamos seus comportamentos de acordo com aspreferências estabelecidas em conjunto paraatingirem expectativas comuns. Tal definiçãobuscava responder por que os Estadoscooperariam em um sistema anárquico, epressupõe que o comportamento dos atores édirecionado por um objetivo, o que permite oajustamento das políticas dos atores, e, sendoassim, os Estados ao cooperarem teriam melhoresresultados do que o contrário.

A cooperação entre os Estados se tornoumais ampla e mais frequente nas relaçõesinternacionais das últimas décadas, quandosurgiram novas teorias para explicá-las. Após aPrimeira Guerra Mundial, a cooperaçãointernacional emergiu, de acordo com SOARES

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(2003) “como uma condição necessária para queos Estados viessem a alcançar qualquer objetivointernacional, por mais corriqueiro que fosse” (p.603). A diplomacia multilateral ganha relevânciaapós 1919, no entanto, somente no final dadécada de 1940, se pode assistir realmente àintrodução da cooperação internacional na agendadas relações exteriores dos Estados, contribuindopara tal a constituição do sistema das NaçõesUnidas (SOARES, 2003, p. 604).

Atualmente, as novas teorias dacooperação vêem esta como um processo aberto,descentralizado, não-linear e repetitivo, que podeter um impacto de transformação nos atores eno funcionamento do sistema internacional(BALSIGER, 2004). Como processo não-linearsignifica dizer que ocorrem retrocessos e avanços,o que torna ainda mais complexo o seuentendimento.

A definição de cooperação1 utilizada nestetrabalho é aquela que vai além da concepçãotradicional de cooperação e a vê como umprocesso gradual não-linear e aberto que sofreinfluência de fatores domésticos e internacionais,e que pode causar transformações nos própriosatores e no sistema internacional.

Para SOARES (2003), no DireitoInternacional, a cooperação internacional (latosensu) é definida como:

as ações conjuntas levadas a cabo entre todosos Estados ou por um certo número deEstados, com vistas a um determinado fim,seja aquelas concertadas em nível bilateralou multilateral (dentro dos mecanismosexistentes no interior das organizações ouent idades inst itucional izadas ou emoperações ad hoc), seja aquelas decorrentesde um dever instituído por uma norma nãoescrita (SOARES, 2003, p. 616).

A cooperação internacional podeproduzir e fei tos diversos nos Estadosenvolvidos, tais como: o al inhamento dasrespectivas políticas externas, com vistas a umfim pretendido, deveres previstos em normasde conduta precisa na esfera internacional, emparticular, em tratados internacionais, e a

internalização de normas internacionais nosordenamentos jurídicos domésticos dos Estados(SOARES, 2003).

Para os autores da tradição do realismopolítico a cooperação é vista através do direitointernacional, que busca assegurar a ordem dosistema de Estados, fundados sobre os princípiosda soberania e da igualdade, já que a inexistênciade uma autoridade acima dos Estados faz comque cada um seja responsável pela sua própriasobrevivência. Nesta visão, “os Estados emitiam,paulatinamente, as regras destinadas a assegurarsua auto-preservação na separação” (SMOUTS,2004, p. 131). Entre os autores que compartilhamesta visão estão MORGENTHAU (2004), ARON(2002) e CARR (2001).

Os neorrealistas, como WALTZ (1979),também partilham esta visão de que o Estado éo centro do sistema internacional e que este“resulta da interação de unidades semelhantes,os Estados, incitados pelas mesmas ambições epreenchendo as mesmas funções” (SMOUTS,2004, p. 131). Os Estados são atores racionaisque perseguem os seus próprios interesses. Acooperação serviria para manter a ordeminternacional, em um sistema internacionalanárquico e com suas unidades em competição.A anarquia do sistema internacional e apreocupação dos Estados com os ganhos relativoscontribuem para que a cooperação não ocorra comfrequência nas relações entre os Estados(DONELLY, 2005). A anarquia do sistemainternacional é a grande responsável por estasituação, pois os Estados temem ser dominadosou enganados por outros Estados mais poderosos.A insegurança em relação às ações futuras dosoutros Estados faz com que os Estados optempor não cooperar.

A principal contribuição desta teoria paraa análise da cooperação internacional está naquestão dos interesses dos Estados e tambémna busca destes em garantir a sua soberania.Para que a cooperação ocorra é necessário queexistam objetivos comuns entre os Estados,porém, em determinados momentos outrosinteresses podem interferir no processo decooperação.

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Uma visão contraposta a esta é a da teorialiberal, ou idealista, na qual a cooperação tem opapel de institucionalizar a vida internacional, coma criação de um direito internacional em prol dasnecessidades humanas. O idealismo foi a teoriaque inspirou a criação da Liga das Nações e depoisa Organização das Nações Unidas. A cooperaçãofavoreceria a ação dos Estados em prol darealização de objetivos comuns (SMOUTS, 2004).

Já o neoliberalismo partilha de algumassuposições com os realistas, ambos vêem osEstados como atores racionais em um sistemaanárquico, mas se diferenciam ao argumentar quea cooperação ocorre com mais frequência do queos realistas admitem, e que a paz é possível deser alcançada (BURCHILL, 2005).

Dentro desta tradição liberal podemosdiferenciar uma teoria mais idealista derivada daobra de Kant (A Paz Perpétua) e do pacifismo doséculo XIX, preocupada com a paz internacional,de uma teoria liberal mais voltada para a escolharacional (rational choice). A origem da teoriaidealista remonta ao pacifismo europeu, que noséculo XIX se desligou do apelo religioso parafundamentar seus argumentos no direitointernacional:

A idéia da paz vinculada ao direito será marcanteem todo o movimento pacifista do século XIX;a obra de referência dessa idéia será a PazPerpétua, que será considerada o marco da novaera do pacifismo, o ponto de partida de todosos esforços pacifistas dos séculos XIX e XX, eseu autor, o “fundador da fi losofia da paz”(NOUR, 2004, p. 111, grifo do autor).

Para a teoria liberal da escolha racionalos Estados são racionais e, portanto, escolhemcooperar, pois pensam em ganhos absolutos enão em ganhos relativos. Robert Axelrod em seulivro The evolution of cooperation (1984) utiliza ateoria dos jogos e o dilema do prisioneiro paraexplicar a cooperação. De acordo com este autoré preciso de confiança para haver cooperação,ela ocorre quando as interações entre os atoressão repetidas várias vezes. A memória destasinterações permite que os atores possam preveras ações dos outros e, portanto, se sentem mais

seguros para cooperar. Daí a importância darepetição no processo de cooperação ao diminuira insegurança dos atores em relação aos outros.Outro fator essencial para a cooperação é acomunicação entre os atores. Quando os atoresse comunicam eles têm a possibilidade deredefinir seus interesses e estratégias, podendochegar a acordos mutuamente benéficos:

the ability to communicate and cooperate canprovide opportunities for the redefinition ofinterests and for the pursuit of strategies thatwould not be feasible if the only informationavailable to states were about other state’spreferences and available power resources. Justas allowing players in Prisoner’s Dilemma tocommunicate with one another alters thenature of the game, so also institutions thatincrease the capabil ity of states tocommunicate and to reach mutually beneficialagreements can add to the common grammarof statecraft and thus alter the results(KEOHANE e NYE, 2001, p. 282).

Nos anos setenta, a teoria dainterdependência examina além da cooperação,o fenômeno do transnacionalismo, isto é, osurgimento de novos atores não estatais atuandopara além das fronteiras estatais. Para NYE eKEOHANE (1977, 2001), a interdependência entreos atores no sistema internacional aumentaria acooperação. Todavia, esta interdependência nãoé simétrica, pelo contrário, as diferenças de poderdos atores estão presentes nos acordos decooperação.

Estes autores buscaram unir conceitos dasteorias realista e liberal para criar um tipo-ideal,a interdependência complexa. A interdependênciacomplexa não serve para explicar todos oseventos das relações internacionais, mas seaproximam muito de alguns casos deinterdependência econômica e ecológica. Osautores definem interdependência como umasituação em que os efeitos são recíprocos paratodos os atores envolvidos, ou seja, uma relaçãode mútua dependência. Estes efeitos resultam doscustos associados às transações internacionais.Em uma relação interdependente sempre haveráefeitos dispendiosos, do contrário, será uma

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relação de simples inter ligação(“interconnectedness”). Nas relaçõesinterdependentes, não é possível saber se oscustos vão ou não exceder os benefícios mútuosdecorridos das transações, isto vai depender dotipo de relação que existe entre os atores:

interdependent relationships will always involvecosts, since interdependence restr ictautonomy; but it is impossible to specify a prioriwhether the benefits of a relationship willexceed the costs. This will depend on the valuesof the actors as well as on the nature of therelationship (NYE e KEOHANE, 2001, p. 8).

NYE e KEOHANE (2001) apresentam comocaracterísticas fundamentais da interdependênciacomplexa: a existência de múltiplos canaisconectando as sociedades e a ausência dehierarquia entre os múltiplos temas da agendainternacional. Os múltiplos canais que têmconectado as sociedades podem ser formais ouinformais e entre Estados, agênciasgovernamentais e atores transnacionais. Naausência de hierarquia entre os temas da agendainternacional as metas dos Estados variam deacordo com a área temática, com a distribuiçãode poder em cada área temática e com osprocessos políticos utilizados em cada área.

Na situação de interdependência ostemas da agenda internacional se tornam maisiguais em importância, o que têm levado osEstados e outros atores a competir para colocaros assuntos que consideram importantes paraseus interesses na agenda internacional: “atthe international level, we expect states andactors to shop among forums and struggle toget issues raised in international organizationsthat will maximize their advantage bybroadening or narrowing the agenda”(KEOHANE e NYE, 2001, p. 29).

As organizações internacionais têm umpapel maior nas situações de interdependência.Elas ajudam a estabelecer os temas da agendainternacional e agem como catalisadoras naformação de coalizões. E também são importantesarenas para iniciativas políticas de Estados menospoderosos.

A emergência de novos atores não-estatais, como as organizações não-governamentais (ONGs), empresastransnacionais e movimentos sociais, colocamnovas questões para a cooperação internacional.A cooperação entre atores não-estatais emdiferentes países aponta para um outro tipo decooperação, a transnacional, e sua relação comos Estados e sua soberania. NYE e KEOHANE(1977) caracterizam como uma relaçãotransnacional aquela que atravessa a fronteira dosEstados e envolve atores ou organizações nãogovernamentais, ainda que possa tambémenvolver governos. Estas relações tambémpodem conter assimetrias. Numa situação deinterdependência as relações transnacionaispodem afetar os resultados dos processos debarganha política (KEOHANE e NYE, 2001).

A interdependência também é um conceitotrabalhado por outros autores como SOARES(2003), que define a interdependência como umasituação em que:

as unidades políticas se encontram de talmaneira implicadas umas nas outras, numasituação de um relacionamento de extremarelevância recíproca para todos os componentesdo conjunto (SOARES, 2003, p. 600).

Para este autor, com o surgimento dosEstados e do sistema internacional, ainterdependência passou a ser, e continua sendoa condição deste próprio sistema, em outraspalavras, os Estados não conseguem fugir dasrelações com outros Estados. No entanto, a plenaconsciência desta condição de interdependêncianem sempre existiu, sendo mais evidente a partirda segunda metade do século XX com aintensificação das relações e dos fluxos (demercadorias, capitais, pessoas, ideias) entre osEstados. Deste modo, a interdependência foisempre um fenômeno presente nas relaçõesinternacionais e um postulado do DireitoInternacional (SOARES, 2003).

No âmbito da proteção internacional domeio ambiente, a interdependência está presente,pois existe uma unicidade dos fenômenos físicosexistentes no mundo que não pode ser quebrada

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por fronteiras políticas. Portanto, as tentativasvisando regulamentar as ações sobre o meioambiente precisam levar em consideração ainterdependência entre os Estados e entre osfenômenos físicos do planeta, e que “a únicamaneira de se adotar um sistema normativo eficazé por meio de normas instituidoras de direitoscomuns e de deveres diferenciados, em funçãodo desenvolvimento econômico dos Estados”(SOARES, 2003, p. 623). Soares ainda apontaque:

[. ..] a interdependência é um fenômenoindissociável da cooperação, na medida em queos Estados, ao pretenderem regular o meioambiente que, na sua natureza físico-biológicaé uma unicidade, a qual se encontra acima dequalquer divisão entre as soberanias dosEstados, exige o reconhecimento de que, paraser eficaz, qualquer regulamentação, inclusiveem nível interno, necessita basear-se numareunião e conjugação de esforços com vistas auma finalidade comum (SOARES, 2003, p. 625).

Nos últ imos anos do século XX, oneoinstitucionalismo liberal, principalmente coma teoria dos regimes, passa a ser a teoria maisutilizada pelos pesquisadores para explicar acooperação internacional em questões ambientaise a criação de instituições internacionaisambientais (YOUNG, 1994; VOGLER, 1996). Oneoinstitucionalismo tem sua origem na teoria dasorganizações. De acordo com esta teoria, asorganizações reduzem os custos das trocasl igadas às imperfeições do mercado. Asinstituições sociais facilitariam a cooperaçãodiminuindo os custos necessários para a obtençãode objetivos comuns.

Os estudos neoinst itucionalistas seconcentraram em buscar os critérios para aexistência de um regime, a sua efetividade, a suarobustez e a sua implementação. Um regimeinternacional é definido por Stephen Krasner como“um conjunto de princípios, normas, regras e deprocedimentos de decisão, implícitos ou explícitos,em torno dos quais as expectativas dos atoresconvergem em um domínio específico” (apudSMOUTS, 2004, p. 139). Para ROMAN (1998), aanálise dos regimes se concentra nos aspectos

institucionais dos regimes. Este autor define osregimes internacionais como instituições sociais.

ROMAN (1998), em sua análise daimplementação do Tratado de CooperaçãoAmazônica, caracteriza este como um regimeinternacional. Para este autor um regimeinternacional deve ser entendido como umprocesso gradual que ocasionalmente progride,devido ao que ele chama de momentos formativos(“formative moments”). Estes momentoscorresponderiam às condições necessárias paraque uma mudança no regime ocorra. Este autorconcluiu que os regimes podem passar pormomentos de inatividade até que as condiçõesnecessárias para sua evolução surjam, e que aimplementação dos regimes leva muito tempopara se concretizar devido à interferência dediversos fatores domésticos e externos.

Nos últimos anos, a ideia de governançavem ganhando proeminência dentro da teorianeoinstitucionalista (SMOUTS, 2004). As análisessobre a governança tratam da cooperaçãointernacional, mas não apenas entre Estados, esim envolvendo outros atores que também atuamnas relações internacionais. Na obra organizadapor James Rosenau e Ernest-Otto Czempiel,Governança sem governo (2000), os autoresprocuraram analisar conceitos como ordem,governança, instituições e poliarquia no novocontexto internacional:

compartilhamos um único ponto de vista arespeito dos temas fundamentais confrontadospelos analistas que buscam compreender asestruturas emergentes da política mundial.Notadamente, concordamos em que nummundo onde a autoridade sofre deslocamentocontínuo, tanto exteriormente, no sentido dasentidades supranacionais, como internamente,no sentido dos grupos subnacionais, é cada vezmais necessário verificar como pode existirgovernança na ausência de um governo(ROSENAU, 2000, p. 13).

O problema fundamental desta teoria écomo coordenar a interdependência em umsistema de Estados soberanos na ausência deuma autoridade central supranacional, que

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poderia promover a ordem e a regulação dasações dos Estados e de outros atoresinternacionais, como supostamente ocorre nointerior dos Estados (VOGLER, 1996). Governançase distingue de governo, embora os dois serefiram a sistemas de ordenação. O governo“sugere atividades sustentadas por umaautoridade formal, pelo poder de polícia quegarante a implementação das políticasdevidamente instituídas” (ROSENAU, 2000, p.15). A governança se refere “a atividadesapoiadas em objetivos comuns, que podem ounão derivar de responsabilidades legais eformalmente prescr itas e não dependem,necessariamente, do poder de polícia para quesejam aceitas e vençam resistências” (ROSENAU,2000, p. 15). A governança é, portanto, maisampla que governo, já que abrange além dasinstituições governamentais, normas, regras econdutas fora do âmbito governamental(ROSENAU, 2000). Para YOUNG (1994) umsistema de governança efetivo é aquele queprovoca mudanças de comportamento queacabam por eliminar o problema que levou à suacriação.

Pode-se definir governança como umsistema de gestão que envolve diversos atoressociais estatais, da sociedade civil e empresários.Para RIBEIRO (2009) o objetivo deste sistemaseria evitar conflitos a partir do ajustamento deinteresses permitido pela reunião dos principaisinter locutores em torno de um tema (ouproblema) específico. A governança, portanto,facilita a formação de alianças e a cooperação.Mas ela também evidencia os conflitos frutos dasassimetrias sociais e as diversas formas deresistência, organização e participação dos atoressociais.

RIBEIRO (2009) afirma que se podeanalisar o tema da governança em diversasescalas, como a internacional, a nacional, aregional e a local. Para o autor, estas escalas searticulam e se complementam, porém não háhierarquia entre elas. A governança na escalainternacional deve estar articulada às outrasesferas, especialmente em um tema que éabordado em um tratado multilateral. No entanto,

a governança nas diferentes escalas revela,muitas vezes, interesses e visões divergentes, ea escala internacional pode estar alheia aoscontextos e problemas locais ou nacionais. Aescala internacional da governança implica aanálise das relações internacionais e dofuncionamento do sistema internacional.

Para VOGLER (1996) as questõesambientais internacionais vêm sendo conduzidasdentro do clássico problema das relaçõesinternacionais de como ter certa ordem ougovernança em um sistema anárquico de Estadossoberanos, mas interdependentes. Os estudossobre a cooperação em questões ambientais têmse concentrado principalmente no direitointernacional e na organização, dentro da análisedos regimes. Atualmente, os pesquisadores estãose voltando para o papel das instituições, “thisnew approach assumes institutions to be criticalto the setting of agendas, to the coordination ofpolicy at the international level and mostsignificantly to the environmentally relatedbehaviour of governments and other actors”(VOGLER, 1996, p. 8). De acordo com estaabordagem, no contexto atual do sistemainternacional existe a necessidade de instituiçõesinternacionais para que regulem oscomportamentos responsáveis pela degradaçãoambiental.

Contrários a esta visão são osneorrealistas que, não estando convencidos daeficácia das instituições, continuam dando ênfasena estrutura de poder, chamando a atenção paraa necessidade de um líder hegemônico nosregimes internacionais (VOGLER, 1996). Osneorrealistas afirmam que o exercício do poderhegemônico por um Estado, ou grupo de Estados,é o que permite a cooperação ou o regimeinternacional, em um mundo anárquico. ParaKEOHANE (1984) a liderança hegemônica podeajudar a criar um padrão de ordem, “hegemonydepends on a certain kind of asymmetricalcooperation, which successful hegemons supportand maintain” (KEOHANE, 1984, p. 49). EduardoViola, ao analisar o regime internacional demudanças climáticas, acrescenta que “todoprocesso de construção de um regimeinternacional exige sempre a presença de pelo

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menos um ator que impulsione o processo e queseja capaz de liderar e sustentar o regime” (2003,p. 6).

A outra tradição das teorias das relaçõesinternacionais é a radical, devido à influênciamarxista. A partir dos anos oitenta começa aocorrer um aprofundamento da relação entre omaterialismo histórico e as relaçõesinternacionais, trazendo para o debate autoresmarxistas como Gramsci (GILL, 1993).

Dentre as teorias marxistas das relaçõesinternacionais a teoria da dependência é uma daspoucas teorias de relações internacionais surgidasnos países latino-americanos e outros paísesperiféricos. Entre os autores que contribuírampara esta teoria destaca-se: Raúl Prebish, JuanNoyola, Celso Furtado, Fernando HenriqueCardoso, Enzo Faletto, Theotonio dos Santos,Oswaldo Sunkel e André Gunder Frank. Trata-sede uma teoria com várias correntes que surgiuna década de 1960 para explicar osubdesenvolvimento da América Latina.

A teoria da dependência engloba váriosautores que compartilham a ideia de que adependência é uma condição histórica em quecerta estrutura da economia mundial favorecealguns países em detrimento de outros. De acordocom Santos:

devemos caracterizar a dependência como umasituação condicionante. Um certo grupo depaíses tem a própria economia condicionadapelo desenvolvimento e expansão de outraeconomia. A relação de independência entreduas ou mais economias e entre estas e ocomércio mundial, toma a forma dedependência quando alguns países (osdominantes) podem expandir-se e auto-impulsionar-se, enquanto outros (osdependentes) só podem fazê-lo como reflexodaquela expansão, que atua positiva ounegat ivamente sobre o própriodesenvolvimento imediato. De qualquer formaa situação básica de dependência conduz ospaíses dependentes à condição de atrasados eexplorados em relação aos dominantes. Estesdispõem do domínio tecnológico, comercial,financeiro e sócio-polít ico – segundo os

momentos históricos – que lhes permite imporcondições de exploração e extração deexcedentes produzidos internamente (SANTOS,1976, p. 125).

Para os teóricos da dependência, osistema internacional é constituído por doisconjuntos de Estados, os do centro (oudominantes) e os da periferia (ou dependentes).As relações entre esses dois grupos de Estadossão dinâmicas e reforçam os padrões dedesigualdade internacionais. Os Estadosperiféricos sofrem grande influência de forçasexternas que acabam afetando sua condiçãosocioeconômica. Esta situação é consequência dainternacionalização do capital e sua consequentedivisão internacional do trabalho.

Os países periféricos ao tentar seguir omodelo de desenvolvimento econômico dos paísescentrais não conseguiram reproduzi-lo. Osteóricos da dependência demonstraram que essemodelo dos países centrais é fruto de um processohistórico específico que inclui a exploração decolônias e países periféricos, e que não pode serrepetido (SANTOS, 2000).

O fenômeno da dependência não é apenasexterno, pois ela também está presente naestrutura interna dos países periféricos sobdiversas formas (social, ideológica e política)(SANTOS, 2000).

Na década de setenta teve início umdebate mais amplo sobre as ideias da teoria dadependência em outras partes do mundo. NaÁfrica vários trabalhos estavam em curso sobrea questão do desenvolvimento, como os de SamirAmin. Outros autores como André Gunder Frankbuscaram expandir a teoria da dependência paracompreender a formação e evolução docapitalismo como uma economia mundial, por issoa estreita relação entre a teoria da dependênciae a teoria do sistema-mundo, que acaba sedesenvolvendo com Wallerstein (SANTOS, 2000).

A teoria da dependência gerouimportantes trabalhos no campo das relaçõesinternacionais e da cooperação internacional aoapontar a existência de uma hierarquia de podernas relações internacionais. Para os teóricos da

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dependência, o que caracteriza as relaçõesinternacionais entre os países do Norte e do Sulé a dominação e a exploração. A análise destahierarquia de poder evidencia a cooperaçãoassimétrica e a dependência dos países periféricosem relação aos países centrais. Duas formas decooperação devem ser diferenciadas: acooperação horizontal, também chamada decooperação sul-sul, entre países da periferia dosistema, e a cooperação vertical, ou cooperaçãonorte-sul, entre países centrais e paísesperiféricos. A cooperação horizontal pode ser umaforma dos países periféricos se inserirem de formadiferenciada nas relações internacionais,estabelecendo novas regras. Os estudos sobre adependência serviram de base para propostas deuma nova ordem internacional e para aformulação de estratégias de desenvolvimento:

la teoría de la dependencia constituye unpaso más allá en la teoría del imperialismoen la medida en que enfatizan en el análisisde las formas, medios e instituciones dedominación internacional en su interaccióncon las dinámicas internas de los países delNorte y del Sur. Sus estudios incluyen elpapel de las clases y sujetos sociales en lasrelaciones internacionales y la cooperaciónentre las clases explotadas en los paísescentrales y en los países dependientes(ESPINOZA, 2003, p. 7).

Ao analisar a cooperação assimétricaentre o Brasil e os países europeus e norte-americanos, a geógrafa Bertha BECKER (2006)argumenta que a cooperação internacional podeser uma forma de coerção velada das potênciasmundiais, como meio para que estas possamintervir em certos países. No entanto, ela podese tornar positiva se os países que a recebemsouberem utilizá-la conforme seus interesses:“o diálogo e a diplomacia e, em particular, ofortalecimento dos vasos comunicantes entreEstado e sociedade civil, podem transformaressa coerção em instrumento de mudançapositiva” (BECKER, 2006, p. 19).

A cooperação internacional assimétricaé evidente no caso da ajuda financeirainternacional para o desenvolvimento. Como

afirmam TOKATLIAN e CARVAJAL (1994) aoanalisar a ajuda internacional para a AméricaLatina, a cooperação para o desenvolvimento nopós-Guerra Fria visava “centralmente a confirmary/o profundizar el modelo económico neoliberalque se generaliza en el subcontinente [...]demostrado cuando se observa la assistenciatécnica y financeira de organismos como el BancoMundial” (1994). Estes autores também apontampara a questão das condicionalidades nos acordosde cooperação. As cláusulas de condicionalidadenos acordos de cooperação são uma forma deprescrever certas políticas estatais, que devemser cumpridas para que ocorra uma continuidadeda ajuda internacional (CARVAJAL e TOKATLIAN,1994).

Marc WILLIAMS (1998) faz umacomparação entre a ajuda financeira internacionalpara o desenvolvimento e a nova ajuda focadano desenvolvimento sustentável. Para este autora inclusão da estratégia do desenvolvimentosustentável por parte de agências financiadoras,como o Banco Mundial, não mudou o caráter e asformas de dominação da ajuda f inanceirainternacional:

sustainable development strategies adoptedby international donors extend and reproduceforms of dominance. Sustainabledevelopment strategies do not departradically from conventional aid policies.Situating sustainable development within thediscourse on development reveals acontinuity in the construct ion andmaintenance of knowledge about thedeveloping world. The focus on the poor andtheir relationship to the environment isinformed by a commitment to growth.Sustainable development reproduces certainkey themes of conventionaldevelopmentalism, e.g. population, andexcludes from view critical issues such asmilitarization (WILLIAMS, 1998).

A ajuda internacional para odesenvolvimento (também chamada deassistência internacional ou cooperação técnicainternacional) é um tipo de cooperaçãointernacional que surgiu no pós-descolonização,

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e que já sofreu diversas críticas, entre elas dospróprios países que já foram colônias, para oestabelecimento de relações mais justas(SOARES, 2003, p. 608). Essas críticas tambémforam dir igidas ao próprio conceito desubdesenvolvimento e, por isso, os termos ajudae assistência foram sendo substituídos porcooperação internacional e transferência detecnologia.

A transferência de tecnologia entre países,tanto em sua forma bilateral quanto multilateral,também tem sido denominada de cooperaçãotécnica internacional, embora ainda se encontreas expressões “auxílio”, “ajuda” ou “assistênciatécnica”. Trata-se de uma modalidade cujoobjetivo é a facilitação e aceleração na formaçãode técnicos e de quadros administrativos, ou atransferência de uma tecnologia industrial, empaíses com menor grau de desenvolvimentotecnológico (SOARES, 2003).

O princípio do Direito Internacional maisrevolucionário, em relação aos séculos anteriores,foi o reconhecimento de desigualdades existentesentre os Estados e a aplicação diferenciada dasnormas internacionais em relação aos Estadosmenos desenvolvidos (SOARES, 2003). A oposiçãoentre países periféricos e países centrais já estavapresente na primeira reunião da ONU sobrequestões ambientais realizada em Estocolmo emjulho de 1972. A segunda conferência, realizadano Rio de Janeiro em 1992, apresenta tambémesta situação. No Princípio 7 da Declaração doRio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimentosão definidas as responsabilidades comuns,porém diferenciadas dos Estados da atualidade(SOARES, 2003).

Se a cooperação internacional é usada porum Estado mais forte, impor suas preferênciasaos demais acaba interferindo na soberaniadestes. Por outro lado, muitas vezes os Estadosalegam que a cooperação pode interferir em suasoberania quando não estão interessados emassumir maiores compromissos internacionais. Opapel da soberania na cooperação internacionalvaria quanto ao tipo de cooperação, se é verticalou horizontal, isto é, se existe assimetria de poderentre os Estados envolvidos.

Soberania estatal

No Direito Internacional a soberania podeser definida como “um poder supremo eindependente em relação ao poder dos outrosEstados” (SILVA, 2002, p. 165). E pode serexpressa de três formas: soberania interna(manutenção da ordem interna em umdeterminado território), soberania externa (nãohá subordinação a nenhuma autoridadeinternacional) e soberania nacional (direito dopovo de eleger seus governantes).

O termo soberania surgiu juntamente como Estado moderno em meados do século XVI(MATTEUCCI, 1986). A soberania estatal modernafoi consagrada formalmente pela Paz de Westfália,em 1648, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos.Estes acordos marcaram o fim da noção de ummundo cristão e o início de uma nova ordeminternacional em que todos os Estados sãosoberanos em seus territórios, e que não existenenhuma autoridade acima dos Estados nosistema internacional. A soberania surgejuntamente com o Estado moderno. Nestesentido, a soberania é considerada “a culminaçãode um processo de expropriação das funçõespropriamente políticas, internas e externas, porparte do Estado Moderno” (TILIO, 2003, p. 18).Esta noção de soberania estatal estácompletamente vinculada à noção de território:“o território, tal como se forja, é claramente umaconstrução política, cuja primeira função é servirde suporte à soberania de um Estado que se cria”(BADIE, 1997. p. 45).

A soberania pode ser vista como umconceito político jurídico, pois concentra formasde força e de direito. Esta dualidade em relaçãoà política e ao direito pode ser expressa pelasduas concepções clássicas de Jean Bodin e deThomas Hobbes. Na concepção clássica de JeanBODIN (1992), a soberania é “o poder absoluto eperpétuo de uma República” (BODIN, 1992, p.47), o soberano é visto como a fonte de toda alei, tendo apenas algumas limitações como as leisnaturais, os contratos firmados e as leisconstitutivas da república. Para Bodin “a soberaniareside no poder de fazer e de anular leis”, trata-se, portanto, de uma concepção jurídica,

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enquanto que para HOBBES (1979) a soberaniaé “o poder coativo de se fazer obedecer” (TILIO,2003, p. 20).

Para RIBEIRO (2004b) a soberania surgiude autores clássicos como Bodin, Maquiavel,Hobbes, Locke e Rousseau, e é aplicada nasrelações entre países e em foros multilaterais.Com emergência de novos atores e temas naagenda internacional “é preciso rever a definiçãode soberania, sem precisar abandoná-la comodefendem neoliberais” (RIBEIRO, 2004b, p. 27).

SOARES (2003) aponta que o DireitoInternacional surgiu como uma afirmação dasoberania absoluta. Pois, somente os Estados comum poder absoluto poderiam se autoimpordeveres em compromissos firmados com outrosEstados soberanos, isto é, poderiam criar direitose deveres para eles próprios.

Para MORGENTHAU (2000), a soberania éa autoridade suprema para aprovar e fazercumprir leis em um determinado território, o quepressupõe “a independência em relação àautoridade de qualquer outra nação e a igualdadeem relação às mesmas nos termos do direitointernacional” (2000, p. 578). Para este autor asobrigações legais as quais um Estado aceita sesubmeter não limitam a sua soberania, pois nãoé a quantidade de acordos internacionais o quelimita a soberania de um Estado, e sim a qualidadedos acordos, isto é, se eles afetam a suaautoridade suprema de legislador e aplicador dalei em um determinado território (2000).

De acordo com Morgenthau a hierarquiaexistente nas relações internacionais, adependência de um Estado em relação a outro,não afeta a condição legal da soberania. E para oautor, a soberania é indivisível, pois se ela querdizer autoridade suprema, não poderia haver maisde uma autoridade.

No entanto, outros autores contestamestas afirmações, pois, como afirma Lima:

[...] o próprio princípio da ‘soberania absoluta’é, antes, uma construção doutrinária do queuma realidade prática. Simultaneamente à suainauguração, os Estados foram levados a criar

outras instituições que, de fato, negavamaquele princípio, como é o caso da imunidadediplomática, estabelecendo um espaço fictício,extraterritor ial, no inter ior dos espaçosnacionais (LIMA, 1996 p. 3).

Para Bachelet, a assinatura de acordosinternacionais é uma característica da soberania,já que os Estados o fazem por livre vontade, seminfluências externas, além do que, é o princípiode igualdade jurídica que levou os Estados a secomprometerem uns com os outros eestabelecerem obrigações recíprocas:

portanto, é preciso um livre consentimento paracriar compromissos mútuos entre os Estadossempre livres de os romper ou de modificar oseu conteúdo, em função de sua soberania. Asua faculdade de manobrar no âmbito destatroca de vontades apenas conhece os limitesque eles reconhecem a si próprios enquantoEstados plenamente soberanos. Emconseqüência, nada se opõe a que elesrenunciem reciprocamente, num determinadodomínio, a exercer a sua soberania. Podemosmesmo dizer que essa renúncia seria a maisperfeita expressão de sua soberania(BACHELET, 1995, p. 241).

Outras análises revelam que a soberanianão é um atributo intrínseco do Estado, e simuma instituição criada a partir da interação mútuaentre eles, como tem sido afirmado por teóricosconstrutivistas (LAKE, 2003). A concepção realistade soberania, como a de Morgenthau, tem sidocriticada por outros teóricos (BARKIN e CRONIN,1994; RUGGIE, 1993; LAKE, 2003) por não levarem consideração aspectos considerados por elescomo relevantes. Os autores construtivistasconsideram esta concepção como fixa e a-histórica:

construct ivists have emphasized thatsovereignty, in both its internal and externalfaces, is a socially constructed trait. Althoughsovereignty and specially anarchy were oncetaken as enduring givens of internationalrelations, they are now more usefull understoodas what John Searle (1995) calls ‘social facts’and what Alexander Wendt (1999), following

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Roy Bhaskar (1979), calls ‘social kinds’ (thatis, social constructions that are produced andreproduced through the pratices of states).Thus, sovereignty is not exogenous to thesystem but produced through practice (LAKE,2003, p. 308).

O neorrealista Stephen KRASNER (1999)faz uma análise da soberania na qual apontadesvios no que ele chamou de soberaniaWestphaliana. Sua intenção era mostrar como asoberania varia substancialmente entre asunidades do moderno sistema internacional.Krasner aponta que os problemas contemporâneostransfronteiriços e globais levam a uma soberaniainterdependente, em que os Estados precisamcooperar para tentar solucioná-los.

Para LAKE (2003) as análises de Krasnersão incompletas, pois apesar de enfatizar osdesvios da soberania, não os agrega em padrões,e também não identifica se esta questão dosdesvios é importante para as relaçõesinternacionais. Partindo destes questionamentos,LAKE (2003) apresenta uma análise que incorporaa questão da hierarquia nas relaçõesinternacionais e sua influência para a soberaniados Estados.

Quando se trata de questões ambientaiscomo a gestão dos recursos hídricostransfronteiriços, alguns autores (BECKER, 2006;MIYAMOTO, 1992) argumentam que, em algunscasos, o discurso ambientalista serve comoargumento para a ingerência, ferindo assim oprincípio da soberania. O que se alega para aingerência, especialmente no caso da Amazônia,é que a destruição das florestas tropicais podeter consequências globais e “partindo desteprincípio a soberania deve, pois, ser colocada delado, já que se trata de resolução de problemascomuns a todos os países, e não referidasespecif icamente a este ou aquele outro”(MIYAMOTO, 1992, P. 18). Isto ocorreu, porexemplo, quando o ex-presidente da França,François Mitterand, falou durante a Conferênciado Meio Ambiente, em Haya, em 1989, “sobre acriação de uma Alta Autoridade Mundial paraAssuntos Ambientais com capacidade deingerência, o que significaria limitar as soberanias

nacionais sobre os bens considerados de interessepara a humanidade, como a Amazônia” (AMAYO,2007, p. 15).

Esta situação levou a uma separação claraentre as posições dos países do Norte e dos paísesdo Sul, que tentam defender sua autonomia e odireito soberano de explorar os seus recursosnaturais. MIYAMOTO (1992) afirma que os paísesem desenvolvimento nunca foram plenamentesoberanos em suas decisões no planointernacional. Para este autor, apenas as grandespotência têm autonomia para decidir sobrequestões internacionais, enquanto que aos outrospaíses resta apenas o poder de barganha:

a impossibilidade de influenciar decisõesmundiais tem levado, portanto, à polarizaçãode comportamentos, de um lado os paísesdesenvolvidos que ditam normas que regem ocomportamento do sistema internacional, e deoutro, os que apresentando l imitadacapacidade de barganha, mantêm-se ignoradosmesmo nas decisões que os afetamdiretamente, inserindo-se em um quadro pré-estabelecido francamente desfavorável,restando-lhes pequenas margens de manobra,mas que são insuficientes para alterar os rumosdo vento a seu favor (MIYAMOTO, 1992, p. 16).

A abordagem construtivista entende asoberania como dinâmica e socialmenteconstruída, embora ela ocorra em todo osistema (LAKE, 2003). Para o construtivismoas concepções de Estado e soberania não sãopré-concebidas ou “a-históricas”, como nasteorias neorrealistas e neoliberais, masentendidas em sua historicidade. A grandecontribuição da teoria construtivista é suaabordagem histórica e sociológica da soberania.Biersteker e Weber (1996) ao invés de partirda suposição de que todo Estado é soberano,estão interessados nos diversos modos que osEstados estão constantemente negociando asua soberania externa. Os Estados são definidosa partir de suas reivindicações de soberania, ea soberania é definida a partir das interações epráticas dos Estados, portanto não é imutável.Trata-se de uma relação constitutiva entreEstado e soberania, em que os Estados estão

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sempre negociando o significado da soberaniaatravés de suas próprias práticas.

David STRANG (1996) faz uma análise daconstrução da soberania a partir das mudançasdo significado desta no período do colonialismo edo imperialismo. No período imperialista, ospaíses europeus construíram um discurso paradeslegitimar a soberania dos países sob o poderimperial. O reconhecimento da independência e,portanto, da soberania das ex-colônias latino-americanas também foi demorado e, mesmoquando a soberania foi reconhecida estes paísescontinuaram dependendo fortemente dos paíseseuropeus, em especial, do Reino Unido. Estaanálise apoiada na história permite entenderporque os países sul-americanos estão semprebuscando o reconhecimento externo de suasoberania.

Strang argumenta que quando oseuropeus chegaram às terras da África e da Ásia,eles perceberam que os povos locais estavamorganizados politicamente, e não poderiam serignorados, entretanto, não reconhecem certosdireitos a eles, entre eles a sua soberania. Estespovos não eram “civilizados”, não compartilhavama mesma cultura, ideologia e instituições sociaisdos europeus. Este discurso de não civilizados foicriado para que a opinião pública pudesseentender e apoiar a política imperialista, quepassou a ser vista como uma missão civilizatória.

As ex-colônias americanas, apesar dademora, foram reconhecidas como Estadossoberanos pelos países europeus, pois as elitesdestes países eram descendentes de europeuse, acima de tudo, compartilhavam o mesmouniverso cultural e político. No entanto, no casoda América Latina, a dependência em relação àEuropa continuou, além disso, o Reino Unido aindausou a força armada para interferir na região aomenos quatro vezes de 1820 a 1914 (STRANG,1996). Os países da América Latina buscaram oreconhecimento externo de sua soberaniatentando se adequar aos padrões europeus, aomodelo europeu de Estado.

A relação entre soberania e cooperaçãoenvolve diversos aspectos. A cooperação pode ser

vista como interferindo na soberania dos Estados,podendo ser usada como argumento para aingerência ou, como no caso de uma gestãocompartilhada de rios internacionais, comolimitando a soberania dos Estados sobre osrecursos em seu território. Pode também ser vistacomo um mecanismo de fortalecimento da própriasoberania no sistema internacional, incentivandorelações pacíficas e enfocando interesses comuns.A cooperação internacional para a gestão dosrecursos hídricos tem como objetivo buscarsoluções compartilhadas para problemas comunse propõe a gestão compartilhada das baciasinternacionais. Esta cooperação, na maioria dasvezes, se dá na forma de instituiçõesinternacionais.

Instituições e a gestão dos recursoshídricos transfronteiriços

Para facilitar a cooperação os países criaminstituições internacionais, com o intuito de guiaro comportamento dos atores em direção aobjetivos comuns acordados por meio dacooperação. As instituições sociais são as regrasdo jogo que servem para definir práticas sociais,papéis e, teriam a função de guiar as interaçõesentre os atores, resolver conflitos, facil itar acooperação e aliviar os problemas de ação coletivaem um mundo de atores interdependentes(NORTH, 1996; MARCH, 1989; ROMAN, 1998). Asinstituições contribuem para a comunicação entreos atores, o que aumenta a confiança entre eles.

Oran YOUNG (1994) diferencia instituiçõesde organizações, pois para ele as organizaçõessão entidades materiais que possuem escritórios,equipamentos, equipe, orçamento, epersonalidade jurídica. As organizações sãoinstituições sociais, mas nem todas as instituiçõessão organizações.

As instituições podem ser classificadas,para KRASNER (1999, p. 56), de acordo com suainstitucionalização (definida como quando ocomportamento é guiado por estruturasinstitucionais como princípios, normas e regrasformais ou informais), ou de acordo com suapersistência ou durabilidade (entendida como um

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conjunto de princípios, normas e regras quepersiste ao longo do tempo e da mudança doscontextos em que foram criadas).

Quanto mais os comportamentos dosatores se al inharem com as estruturasinstitucionais, maior é o grau de institucionalização.Os padrões de comportamento maisinstitucionalizados são aqueles que são tidos comonormais (“naturais”), porque os atores nãoconseguem pensar em alternativas ou porquemesmo se conseguem pensar em alternativas, osconstrangimentos são tão absolutos e fixos quenão se consegue mudar o comportamento. Ospadrões menos institucionalizados são aqueles emque as estruturas institucionais apesar de existiremnão têm impacto sobre o padrão decomportamento. Para KRASNER (1999) umambiente desprovido de estruturas institucionaisseria semelhante a um estado de natureza em queo comportamento é guiado por interesses e açõescalculadas a curto prazo e constrangidos apenaspelo poder dos outros atores. A eficácia doargumento dos neoinstitucionalistas estaria emdemonstrar a institucionalização ou a durabilidadede uma instituição internacional (KRASNER, 1999).

As instituições ambientais são as normasque regulam os comportamentos dos Estadospara que não causem danos ao meio ambiente,podendo ser governamentais ou não-governamentais. As instituições ambientaisinternacionais podem ser tanto acordos econvenções assinadas entre os Estados, regrasinformais e condutas, como também organizaçõesinternacionais. As instituições voltadas para agestão compartilhada dos recursos hídricostransfronteiriços visam evitar possíveis conflitosentre os Estados devido ao caráter transnacionaldos efeitos de sua degradação.

A gestão compartilhada dos recursosnaturais é uma forma de lidar com os problemascomuns envolvendo os recursos hídricostransfronteiriços. Essa gestão envolve diversosatores, entre eles, diferentes instituições que, emalguns casos, são criadas para realizar a gestãoespecífica de uma bacia internacional. Desde asegunda metade do século vinte foram criadasdiversas instituições internacionais com o objetivo

de conter o acirramento de tensões internacionaise desenvolver programas de gestão para baciasinternacionais.

O debate sobre a questão da gestãocompart ilhada dos recursos hídricostransfronteiriços começou na década de 1960 naEuropa. Anteriormente, e ao longo da história dahumanidade, os povos compartilharam recursoshídricos, porém, o compartilhamento da gestãodos recursos hídricos (com o seu significado atual)teve início apenas nos anos sessenta:

Os países europeus foram os que maisavançaram nas novas formas de gestão daságuas, em função de problemas de poluiçãointerna e de que a maioria de suas baciashidrográficas são compartilhadas entre mais deum Estado. Devido a características geográficasdas bacias hidrográficas daquele continente,coube ao Conselho da Europa assumir acoordenação dos debates sobre esta questão,de modo a diminuir as tensões existentes entreaquelas nações. Para isso, foram negociadosacordos e estabelecidas diretrizes de ação aserem seguidas pelos países da comunidade(ASSUNÇÃO, 2002, p. 55).

A gestão dos recursos hídricos é realizada,em geral, através de um programa de gestãointegrada de uma bacia hidrográfica. Deste modo,a bacia hidrográfica é a unidade de planejamentoda gestão. O manejo ambiental da baciacorresponde a uma parte da gestão integrada econsiste na preservação, ou conservação dasfontes de captação de água na bacia visando ummelhor aproveitamento e controle da água(BRESSAN, 1996). Na década de 1990, foramsendo elaborados os princípios da gestãointegrada dos recursos hídricos a partir danecessidade de lidar com múltiplas variáveis edesafios que envolvem as bacias hidrográficas.

De acordo com Lorenz et al. (apud FERRO,2007) a gestão integrada de uma baciahidrográfica é um tipo de gestão, visando o longoprazo, que abarca cada aspecto físico-biológico ecada interesse social de forma conjunta. Aindasegundo estes autores, para que ocorra a gestãointegrada de uma bacia transfronteiriça devem

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ser atendidas algumas condições: uma boaatmosfera polít ica entre os Estados que acompartilham; uma organização institucional deacordos e planos internacionais efetiva e modelosinstitucionais para executá-los; suporteoperacional e cooperação técnica na coleta deinformações e troca de conhecimentos, tais comode monitoração, pesquisa conjunta e planos. Asbases da gestão integrada de uma baciatransfronteiriça são, portanto, as políticas, acooperação e as instituições. Estes autoresapontam que as ferramentas e instrumentosusados na gestão devem ser adaptados aosinteresses econômicos, sociais e ambientais emjogo (LORENZ et al., apud FERRO, 2007). Osucesso da gestão de uma bacia vai dependertambém do grau de envolvimento (participação)dos atores sociais afetados, pois são estes quedependem dos recursos hídricos da bacia e querealizam as ações que impactam os mesmos.

A problemática dos recursos hídricos foitratada pela Organização das Nações Unidas(ONU) na década de setenta na Conferência dasNações Unidas sobre Água realizada em Mar delPlata, em 1977. A partir de então esta discussãoganhou mais espaço e várias outras reuniõesinternacionais foram realizadas sobre o tema nasdécadas seguintes. Em 1992 ocorre a Conferênciadas Nações Unidas para o Meio Ambiente eDesenvolvimento (CNUMAD), que tem como umde seus documentos finais a Agenda 21. Estedocumento trata da questão dos recursos hídricosem seu capítulo dezoito sobre a Proteção daQualidade e do Abastecimento dos RecursosHídricos: Aplicação de Critérios Integrados noDesenvolvimento, Manejo e Uso dos RecursosHídricos. No entanto, foi em 1997 que a ONUrealizou uma reunião para tratar especificamentesobre a gestão e o uso dos recursos hídricostransfronteiriços, a Convenção Internacional sobrea Utilização de Rios Internacionais para FinsDiferentes da Navegação2, realizada em NovaYork. Esta convenção ainda necessita da adesãode mais países para entrar em vigor.

A necessidade de cooperação parasolucionar os problemas dos recursos hídricos éexpressa nesta última convenção em seu artigo

sexto, que diz: “Watercourse States shallcooperate on the basis of sovereign equality,territorial integrity, mutual benefit and good faithin order to attain optimal utilization and adequateprotection of an international watercourse”. Estaconvenção apresenta como princípios gerais: autilização racional e equitativa dos recursoshídricos; a participação da sociedade nas decisõessobre a utilização destes; que a utilização racionale equitativa deve levar em conta fatoresrelevantes; a obrigação de não causar danosignificativo a outro país; a obrigação de cooperar;a troca regular de dados e informações sobre ocurso d’água ou bacia transnacional; a relaçãoentre os diferentes tipos de uso da água. Noentanto, não está explicito no texto da convençãoo que seria “danos significativos”, e comomensurá-los.

Ribeiro adverte que estas conferênciassobre a água foram pouco efetivas, o que revela“a ausência de uma regulação internacional parao acesso à água” (2008, p. 19). Esta inexistênciade regulação internacional favorece os interesseseconômicos, permitindo sua comercialização emâmbito global, e os interesses estratégico-militares de alguns países que podem por meiodo uso da força ter acesso à água fora de seuterritório (RIBEIRO, 2008).

Para Ribeiro, estas conferências propõemo compartilhamento da soberania dos países quepossuem bacias internacionais:

O aparato institucional em formação para aregulamentação do uso dos recursos hídricos emescala internacional propõe o compartilhamentodestes, chocando-se com a soberania dos paísese a prevalência de legislação nacional naexploração da água. Esses princípios constamda Declaração de Estocolmo, resultante daConferência sobre Ambiente Humano, realizadaem Estocolmo em 1972, e foram reafirmadosna Declaração do Rio, ratificada em 1992, naCNUMAD (RIBEIRO, 2008, p. 76).

No caso da Convenção de 1997, a questãoda soberania é central já que se trata de rios quecorrem em mais de um território. No entanto, “aobrigatoriedade da boa convivência e da soberania

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compart ilhada levam ao esvaziamento dodocumento” (RIBEIRO, 2008, p. 98).

Reconhecem-se no direito internacionaldois tipos de soberania envolvendo a questão debacias internacionais: a soberania territorialabsoluta e a integridade territorial absoluta(RIBEIRO, 2008). Na soberania territorial absolutao Estado usufrui dos recursos hídricos de um cursode água transfronteiriço, independentemente dasconsequências que isso possa ter para os demaispaíses e não precisa informá-los sobre suasatitudes. Já no modelo da integridade territorialabsoluta, é considerado propriedade comum daspartes o curso de água transfronteiriço. Todas asatividades que os países pretendam realizar nocurso de água teriam que ser informadas, e sóseriam permitidas aquelas que não colocassemem risco seu aproveitamento pelos outros paísesribeirinhos.

Na Convenção de 1997 é utilizada outrateoria, a da “soberania territorial limitada”, emque cada Estado tem sua autonomia reconhecidapara utilizar a água desde que não cause danospara os países vizinhos. Para Ribeiro, “essemodelo é o que melhor se aplica à gestãocompartilhada de uma bacia hidrográfica e seuscursos de água” (2008, p. 95).

Os poucos Estados que assinaram aConvenção de 1997 (16 assinantes e 15ratificações em 2007) nada podem fazer sem aparticipação dos seus vizinhos com os quaiscompartilham cursos de água. Esta convençãoestá, portanto, longe de conseguir solucionar osproblemas em torno dos recursos hídricostransfronteiriços:

a proposição, elaboração, discussão e definiçãode uma Convenção a partir da Assembléia Geralresultou em um corpo normativoextremamente idealista. [...] Uma convençãoidealista que encontre dificuldades em serratificada mantém o problema sem solução.Enquanto isso perdurar, as práticas políticas eambientais de países que comparti lhamrecursos hídricos serão baseadas na suacapacidade de intervenção militar, impondo orealismo político clássico e, o que é pior, o uso

desigual dos recursos hídricos na escalamundial (RIBEIRO, 2008, p. 99).

Em um estudo sobre os recursos hídricosinternacionais chamado “Basin at Risk Project”,do departamento de Geociências da Universidadede Oregon (Estados Unidos), os autores (WOLF,2003; GIORDANO, 2003) analisaram as mais de200 bacias internacionais e procuraram identificarindicadores históricos de conflito ou cooperaçãoem torno destas bacias. Eles criaram uma escalade intensidade que vai do conflito à cooperaçãocom 15 pontos, e analisaram as teorias e osindicadores mais citados sobre os conflitosenvolvendo bacias internacionais. Seus resultadosrevelaram que a cooperação é mais frequente doque os confl itos em torno das baciasinternacionais. Outra conclusão relevante doestudo é a de que a possibilidade de conflitoaumenta em uma bacia onde ocorreu umamudança do sistema físico ou institucional queexceda a capacidade da bacia e suas instituiçõesde absorver esta mudança. Como mudança física,analisou a construção de barragens e comomudança institucional, a internacionalização deuma bacia.

Os autores sugerem que os estudosposteriores sobre bacias internacionais devemdesenvolver os seguintes tópicos: a existência,força e estrutura dos tratados sobre águasinternacionais e outros mecanismos institucionaisrelevantes; o nível de desenvolvimento dasinstituições encarregadas de gerenciar a água emcada Estado ribeirinho; a qualidade da governançana bacia e as condições, tais como densidadepopulacional, PIB per capita, que pode afetar acapacidade do governo de lidar com mudanças;e as incertezas ligadas as regime hídrico da bacia.

Em outro trabalho, Giordano e Wolfanalisam os tratados sobre bacias internacionaise apontam que falta robustez na maioria deles:

water allocations, for example, the mostconflictive issue area between co-riparian states,are seldom clearly delineated in water accords.[...] Enforcement mechanisms are also absentin a large percentage of the treaties. Finally,international basins with agreements remain in

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the minority. Formal management institutionshave been established in only 117 of the 263international basins and even within these, fewinclude all nations riparian to the affected basins,which precludes the integrated basinmanagement advocated by the internationalcommunity (GIORDANO, 2003, p. 168).

Existem três escalas principais em queatuam as instituições internacionais para a gestãodos recursos hídricos. A escala internacional ondeatuam organizações internacionais tais como asNações Unidas através de convenções assinadasem seu âmbito, e também através da atuação deorganismos como o Programa das Nações Unidaspara o Meio Ambiente (PNUMA) e o Fundo Mundialpara o Meio Ambiente (sigla em inglês GEF –Global Environment Facility). Outra escala é aregional, como a assinatura de acordos entre ospaíses de uma região do mundo, como porexemplo, no âmbito da União Europeia. A terceiraé a escala de uma bacia hidrográfica como é ocaso do acordo entre Índia e Paquistão em tornoda bacia do rio Indo, o “Indus Waters Treaty”(BRADNOCK, 2003; ALAM, 2002).

Na escala das bacias hidrográficasGiordano e Wolf em vários trabalhos (2003, 2007,2008) fazem uma revisão dos acordos sobrebacias internacionais no último século e apontamque a escala das bacias hidrográficas é a maisapropriada para a gestão dos recursos hídricospois, geralmente, existem interesses comunsentre os Estados r ibeir inhos relat ivos aoaproveitamento da bacia, além do que buscamum acordo que reflita as necessidades e condiçõesespecíficas da bacia (GIORDANO, 2008).

CONCA (2006) lança a indagação sobre aemergência de um regime global de r iosinternacionais baseado no conjunto de princípiosexistentes nos acordos internacionais sobre baciasinternacionais. Este autor acredita que não sepode falar em regime, primeiro, ele aponta quenem todas as bacias internacionais possuem umacordo, e as que possuem os acordos variam emextensão, profundidade e escopo. No entanto,afirma que “at least some of these accords canbe said to meet the definition of an internationalregime as rules of the game that delimit ‘the range

of legitimate or admissible behavior in a specificcontext of activity’” (CONCA, 2006, p. 103).

Isto leva a uma complexa questão quantoà relação entre um processo global de construçãode normas e princípios para bacias internacionaise o crescente conjunto de acordos na escala dasbacias. No âmbito global existe a Convenção dasNações Unidas de 1997 sobre a utilização dos riostransfronteiriços que busca criar um conjunto deprincípios e normas internacionais, e na escaladas bacias muitos destes pr incípios sãoencontrados nos acordos:

although the Watercourses Convention was notapproved until 1997, its central principlesbecame apparent much earlier, during the ILCdeliberations; many of these principles tracetheir origins to developments in the 1960s.Convergence on these norms across individualbasin-specific treaties, which involve highlyheterogeneous polit ical, economic, andecological situations, could be read as significantevidence of a global normative pull. On the otherhand, the causal relationship could be theopposite, in the sense that the global frameworksimply reflects accumulated practice in thebasin-specific treaties” (CONCA, 2006, p. 103).

Neste aspecto, os analistas têmapresentado diferentes abordagens sobre arelação entre as diferentes escalas. MACCAFFREYand SINJELA (apud CONCA, 2006) afirmam queimportantes princípios da Convenção (de 1997)estão presentes em alguns acordos recentes naescala das bacias, assim como, a Convençãoreflete os princípios acumulados nodesenvolvimento sobre o direito das águas. JáWOLF e HARMNER (apud CONCA, 2006)acreditam que são poucos os acordos de baciasinternacionais que contém os princípios daConvenção que resultaram de mais de trinta anosde negociações. Estes autores apresentamevidências de que existe uma grande distânciaentre o conteúdo dos acordos de bacias e oconteúdo da Convenção.

it appears that a few incorporate all riparianstates within the basin to which they apply.Few make even rudimentary links to others

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issues, much less the comprehensive linkagesrequired for enforcement mechanisms, or eventhe “back-door” binding power that manyregime theorists posit through processes ofmonitoring, information exchange, and activelyshared governance. It is also noteworthy thatthe pace of codification of basin-specific treatieshas slowed in recent decades (CONCA, 2006,p. 105).

Os acordos sobre bacias internacionais ea Convenção representam para Conca (2006) umpadrão esporádico, fragmentado e ás vezesambíguo de cooperação em torno dos riostransfronteiriços, que coloca em dúvida a questãoda emergência de uma regime global seja via aestrutura global da Convenção, seja através dosacordos de bacias. Entretanto, aponta que aescala das bacias internacionais talvez seja a quecontém os maiores avanços, “even if most of theworld’s shared basins remain uncovered byinternational accords, those for which accords arein place could be converging on a set of normsfor shared governance” (CONCA, 2006, p. 106).

Embora seja possível destacar váriosavanços nos acordos sobre bacias internacionais,vulnerabilidades institucionais ainda podem seridentificadas. Das 263 bacias internacionais, 158não possuem nenhum tipo de estrutura decooperação entre os Estados ribeirinhos. Das 105bacias que apresentam alguma instituição, cercade 20% delas possuem acordos multilaterais, amaioria são acordos bilaterais, apesar de doisterços das bacias com inst ituições seremcompartilhadas por três ou mais Estados. Alémdisso, os acordos que levam em conta a gestão,monitoramento e avaliação da qualidade da água,resolução de conflitos e participação pública aindasão minoria. Desta forma, a grande maioria dosacordos continua sem os instrumentos eferramentas necessários para uma gestãoeficiente a longo prazo (GIORDANO, 2008).

GIORDANO e WOLF (2008) apontam que,como resultado das experiências deste últimoséculo, as estruturas para a gestão compartilhadados recursos hídricos devem contar com:estruturas adaptáveis de gestão permitindo queas contribuições do público, as novas informações

e tecnologias possam ser incorporadas; critériosflexíveis e claros de distribuição e qualidade daágua; distribuição equitativa dos benefícios; emecanismos de resolução de conflitos bemdetalhados.

Conca, ao analisar os acordos ao nível debacias, retoma alguns aspectos de Giordano eWolf, que também aponta para a questão dadistribuição dos acordos no tempo e no espaço,revelando que os acordos existentes não abarcamnem a metade das bacias internacionais e têmdiminuído o ritmo de acordos assinados nasúltimas décadas. Este autor também chama aatenção para o número de participantes nosacordos revelando que a maioria deles sãobilaterais enquanto que a maioria das baciasinternacionais estão localizadas nos territórios detrês Estados ou mais. Outro fator relevanteapontado por CONCA (2006) são os princípioscontidos nos acordos, o padrão temporal destesprincípios e a correlação entre eles. Enquantoalguns princípios estão presentes em grande partedos acordos (como o princípio da consulta, trocade informações, e resolução pacífica de disputas),outros não (como o princípio do uso eqüitativo eo principio de não causar dano significativo). Aproteção ambiental é um princípio que têmrecebido grande ênfase a partir de 1992, devidoao aumento da preocupação em relação àsquestões ambientais a partir da conferência dasNações Unidas realizada nesta data. CONCA(2006) também afirma haver um modestocrescimento do princípio de não causar danosignificat ivo e da cr iação de comissõespermanentes de bacias.

Tanto CONCA (2006) quanto WOLF (2003)apontam para a baixa institucionalização daquestão dos recursos hídr icos no âmbitointernacional. Para RIBEIRO (2008), esta baixainstitucionalização é reflexo dos interesseseconômicos e políticos de atores poderosos comoas corporações multinacionais, organizaçõesinternacionais como o Banco Mundial e potênciasmundiais:

a edificação de ordem ambiental da água aindaé frágil. Ela carece de um aparato institucional[...]. A presença marcante, no caso da água,

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de grandes empresas transnacionais destituiuo caráter público das discussões, resultandoem programas de privatização desenvolvidosmundo afora (p. 153).

Considerações finais

Os atores principais da cooperaçãointernacional são os Estados e as instituiçõesinternacionais. Os Estados exercem a soberaniasobre seu território e sobre os recursos hídricospresentes neste território. Estes Estados estãoseparados uns dos outros pelas fronteiras políticasque delimitam os seus territórios. No entanto,alguns recursos naturais são transfronteiriços, istoé, atravessam as fronteiras entre os Estados e,portanto, estão presentes em mais de umterritório. Os recursos hídricos quando sãotransfronteiriços geram uma situação deinterdependência entre os Estados que os

compartilham, pois a poluição e a degradaçãoambiental gerada à montante pode impactar oEstado à jusante.

Esta situação de interdependência leva osEstados a cooperarem uns com os outros paraevitar conflitos em torno dos recursoscompartilhados. Em alguns casos, para facilitar acooperação, os Estados criam instituiçõesinternacionais com o objetivo de regular as açõesdestes em relação aos recursos hídricoscompartilhados. No caso dos recursos hídricostransfronteir iços existe uma convenção, aConvenção Internacional sobre a Utilização deRios Internacionais para Fins Diferentes daNavegação (de 1997), mas que ainda não estáem vigor porque poucos países a assinaram erat if icaram. Também existem acordos eorganizações internacionais no âmbito das baciasinternacionais, nos quais os maiores avanços emtermos de institucionalização vêm ocorrendo.

1 Cooperação não é o mesmo que integração.Na cooperação as soberanias são preservadase o objetivo central é a coordenação depolíticas para atingir objetivos comuns. Já ain tegração envolve um cer to grau de

supranacionalidade, de independência daorganização em relação aos Estados.

2 No decorrer deste trabalho esta convenção seráreferida como Convenção de 1997.

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Notas

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Trabalho enviado em outubro de 2009

Trabalho aceito em dezembro de 2009