Geografia Da Realidade Ou Realidade Geografica

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro IMAGEM: GEOGRAFIA DA REALIDADE OU REALIDADE GEOGRÁFICA? Uma abordagem sobre a importância das imagens obtidas a partir da leitura dos diferentes tipos de texto e sua contribuição na interpretação da realidade. EVELYN MONARI BELO Rio Claro (SP) 2009

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Esta tese compreende uma análise das imagens que elaboramos e/ou evocamosquando observamos a importância da compreensão da realidade, que se constituicom o ato da leitura e, consequentemente, da interpretação de textos de caráterdidático, literário e também científico

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    Instituto de Geocincias e Cincias Exatas

    Campus de Rio Claro

    IMAGEM: GEOGRAFIA DA REALIDADE OU REALIDADE GEOGRFICA?

    Uma abordagem sobre a importncia das imagens obtidas a partir da leitura dos diferentes tipos de texto e sua contribuio

    na interpretao da realidade.

    EVELYN MONARI BELO

    Rio Claro (SP) 2009

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    Instituto de Geocincias e Cincias Exatas

    Campus de Rio Claro

    IMAGEM: GEOGRAFIA DA REALIDADE OU REALIDADE GEOGRFICA?

    Uma abordagem sobre a importncia das imagens obtidas a partir da leitura dos diferentes tipos de texto e sua contribuio

    na interpretao da realidade.

    EVELYN MONARI BELO

    Prof. Dr. Fadel David Antonio Filho

    Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Ps-Graduao em Geografia rea de Organizao do Espao para obteno do ttulo de Doutor em Geografia.

    Rio Claro (SP) 2009

  • 910.07 Belo, Evelyn Monari B452ima Imagem: geografia da realidade ou realidade geogrfica? : uma abordagem sobre a importncia das imagens obtidas a partir da leitura dos diferentes tipos de texto e sua contribuio na interpretao da realidade / Evelyn Monari Belo. Rio Claro : [s.n.], 2009 191 f. : il., figs., quadros

    Tese (doutorado) Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geocincias e Cincias Exatas Orientador: Fadel David Antonio Filho

    1. Geografia Estudo e ensino. 2. Literatura. 3. Vises do mundo. 4. Homem. I. Ttulo.

    Ficha Catalogrfica elaborada pela STATI Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP

  • Comisso Examinadora

    Prof. Dr. Fadel David Antonio Filho - orientador

    Prof. Dr. Andria Coelho Lastria

    Prof. Dr. Valria Cazetta

    Prof. Dr. Maria Augusta Hermengarda Wurthman Ribeiro

    Prof. Dr. Solange Terezinha de Lima Guimares

    ____________________________

    Aluno (a)

    Rio Claro, _____ de _____________________ de ________ .

    Resultado _________________________________________________

  • AGRADECIMENTOS

    No foi fcil! Sonhar e percorrer os caminhos para a realizao de nossos sonhos

    significa correr riscos. E mais uma vez, um caminho foi percorrido:

    correndo riscos, assumindo novas responsabilidades. Quantas barreiras, dificuldades... quantas lutas...

    Finalmente, quantas alegrias at o alcance da vitria. Por este motivo, meus sinceros agradecimentos a todos os que,

    de alguma forma, estiveram presentes nesta trajetria:

    Aos meus pais e familiares.

    Ao meu orientador e aos meus professores.

    Aos amigos e amigas, companheiros e companheiras que marcaram presena nas lutas, derrotas e conquistas.

    Ao apoio dos meus alunos, compreendendo, muitas vezes, meu cansao e um pouco de minha insatisfao com a realidade vivida, to diferente da realidade

    sonhada.

    Aos colegas de trabalho que me apoiaram, auxiliando, sobretudo, na superao das diferenas com o prximo.

    Aos amigos e colegas que se dedicaram junto a mim, permitindo a realizao de um trabalho srio, auxiliando na correo, na formatao e, consequentemente, na

    concretizao desta tese.

    A Deus, que me concedeu o dom da vida e me permitiu compreender a necessidade de realizaes que auxiliem o prximo.

    Que esta no seja a ltima etapa, mas a principal para a conquista de novos horizontes e a realizao de trabalhos voltados vida das pessoas.

  • RESUMO

    Esta tese compreende uma anlise das imagens que elaboramos e/ou evocamos quando observamos a importncia da compreenso da realidade, que se constitui com o ato da leitura e, consequentemente, da interpretao de textos de carter didtico, literrio e tambm cientfico. Buscamos a identificao de possveis imagens que resultam de tal (re)interpretao, associada, por sua vez, ao conhecimento geogrfico. Assim, nossas reflexes se fundamentam na anlise dos textos e da figura do HOMEM, presente nos trs tipos de textos considerados, pois compreendemos sua atuao e interferncia no espao geogrfico e, decorrente desta situao, questionamos quais imagens resultam e como interferem na consolidao do que denominamos Geografia da realidade e realidade geogrfica.

    PALAVRAS-CHAVE Imagem. Geografia. Realidade. Homem. Vises do Mundo.

  • ABSTRACT

    This work is about an analysis of the images that we elaborated and/or we evoke when we observe the importance of the understanding of the reality, that is constituted with the action of the reading and, consequently, of the interpretation of texts of didactic, literary and also scientific character. We looked for the identification of possible images that they can result of such (re)interpretation, associated, for its time, to the geographical knowledge. So, our reflections are based on the analysis of the texts and of the MAN'S figure, present in the three types of the considered texts, therefore we understood its performance and interference in the geographical space and, due to this situation, we questioned which images result and as they interfere in the consolidation of what we denominate as Geography of the reality and geographical reality.

    KEY WORDS

    Image. Geography. Reality. Man. World Visions.

  • SUMRIO

    INTRODUO..................................................................................................................... 10 * Aspectos Gerais da Pesquisa Desenvolvida e Metodologia...................................... 10 * Reviso Bibliogrfica ................................................................................................ 21

    CAPTULO 01 UMA NOVA INTERPRETAO DA REALIDADE: IMAGEM, HOMEM E CINCIA COMO ELEMENTOS QUE CONSTITUEM O MUNDO.................................................................... 36

    1.1. A imagem como objeto de estudo ....................................................................... 36 1.2. Mtodo cientfico e conhecimento geogrfico: a necessidade de compreenso da integrao de elementos distintos na (re)interpretao da realidade........................... 39 1.3. Quem nosso leitor? .......................................................................................... 61

    CAPTULO 02 GEOGRAFIA DA REALIDADE E REALIDADE GEOGRFICA: A (RE)LEITURA DO MUNDO A PARTIR DOS DIFERENTES TIPOS DE TEXTO.............................................................. 76

    2.1. A leitura do mundo e a (re)interpretao do conhecimento geogrfico ................. 77 2.2. Principais aspectos dos textos didtico e literrio: imagens observadas na Geografia da realidade e na realidade geogrfica ....................................................... 81

    2.2.1. A fora do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE) e do Banco Mundial na constituio das imagens do leitor do mundo, produzidas nas escolas........................................................................................................................... 84

    2.3. A relao entre as imagens e as informaes obtidas a partir da (re)leitura e (re)interpretao de textos: identificando a presena da Geografia da realidade e da realidade geogrfica.................................................................................................... 88

    CAPTULO 03 INTERPRETANDO TEXTOS E RECONHECENDO IMAGENS: ASPECTOS DA GEOGRAFIA DA REALIDADE E DA REALIDADE GEOGRFICA COMO ELEMENTOS QUE INTEGRAM O ENTENDIMENTO DO LEITOR DO MUNDO ..................................... 94

    CAPTULO 04 A Constituio das Imagens no Ensino da Geografia: A BUSCA DO CONHECIMENTO NA INTERPRETAO DA REALIDADE.................................................................................. 117

    4.1. Imagens e realidade nas apostilas de Geografia do TC 2000 ............................ 120 4.2. Imagens e realidade presentes na associao dos textos que constituem Os Sertes e as apostilas de Geografia do TC 2000..................................................... 136

    CAPTULO 05 GEOGRAFIA E REALIDADE: IMAGENS DA VIDA PRESENTES NOS TEXTOS.............. 146

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 163

    REFERNCIAS ................................................................................................................. 170

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA (NO CITADA)............................................................... 174

    APNDICE ..........................................................................................................................176

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1....................................................................................................................... 52

    Figura 2....................................................................................................................... 54

    Figura 3....................................................................................................................... 72

    Figura 4..................................................................................................................... 104

    Figura 5..................................................................................................................... 124

  • LISTA DE QUADROS

    QUADRO 01: Comparao entre os tipos sertanejos........................................ 65

    QUADRO 02: Principais caractersticas dos textos literrio, didtico e cientfico........ 80

    QUADRO 03: Estrutura das aulas de Geografia na apostila do TC2000 (1989)......... 95

    QUADRO 04: Exemplos de textos didticos para a elaborao de imagens a partir da realizao de uma leitura interpretativa...................................................................... 123

    QUADRO 05: Caractersticas do vaqueiro do Norte e do gacho do Sul.................. 137

    QUADRO 06: Semelhanas e diferenas entre os "tipos" de leitores ......................................................................................................................................148

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    INTRODUO

    * Aspectos Gerais da Pesquisa Desenvolvida e Metodologia

    A vida humana compreende, indiscutivelmente, as mais diversas formas de relao e integrao estabelecidas entre homens e espao geogrfico e dos homens entre si.

    A tese nos conduz a uma pesquisa que constata e confirma uma realidade que denominamos dinmica, pois se constitui numa espcie de trnsito estabelecido entre os elementos que integram o espao geogrfico. Assim, observamos que , tambm, repleta de situaes que caracterizam o cotidiano dos indivduos. Por este motivo, a cincia geogrfica surge como elemento que fundamenta nosso objeto de estudo e possibilita a pesquisa que pretendemos realizar, originando uma questo central para nossas reflexes:

    IMAGEM: Geografia da realidade ou realidade geogrfica?

    Compreendemos por Geografia da realidade a possibilidade de interpretao da realidade que caracteriza o cotidiano do HOMEM em suas mais

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    diversas expresses de espacialidade, que, por sua vez, culmina no outro conceito que tambm constitui o questionamento desta tese, a realidade geogrfica.

    A proposta de realizao desta tese se constituiu a partir da necessidade de observao de dados sobre as imagens que se concretizam, tomando como referencial a interpretao do indivduo em contato com o conhecimento obtido por meio da (re)leitura e (re)interpretao de diferentes tipos de texto.

    Integrando o ttulo desta tese, as imagens simbolizam o principal elemento de nosso objeto de estudo. No entanto, no cabe ao leitor esperar uma anlise de imagens que considere apenas as imagens prontas, apresentadas em diferentes tipos de texto literrio, didtico e cientfico. Uma observao necessria: em muitos momentos, estes tipos de texto no utilizam, em sua estrutura e abordagem, as imagens como elementos visuais esclarecedores, empregados com a intencionalidade de oferecer ao leitor uma compreenso que ultrapasse a (re)interpretao das palavras ali contidas.

    Esta tese implica em identificar a presena de imagens que instigam um questionamento que, por sua vez, permite ao leitor verificar sua complexidade. Este questionamento possui tambm, como caracterstica, a subjetividade, e assim, complexidade e subjetividade integram as imagens como elementos que configuram a realidade vivida pelos indivduos, expressas tambm na cincia geogrfica.

    A princpio, a presena de aspectos como a complexidade e a subjetividade pode ser compreendida como bvia. No entanto, apesar de serem inerentes s imagens, tambm se constituem como elementos fundamentais na (re)interpretao do mundo e, neste sentido, se encontram presentes tanto nas dinmicas relaes estabelecidas entre homem e espao geogrfico quanto nas dinmicas relaes dos homens entre si.

    Assim, conforme apontamos a necessidade da pesquisa baseada nos diferentes tipos de texto didtico, literrio e cientfico , ressaltamos que os mesmos foram selecionados pelo fato de permitirem a elaborao e/ou evocao de imagens presentes no mundo. Devemos, neste sentido, compreender o mundo como o espao geogrfico abordado no contexto desta pesquisa.

    Toda a origem desta tese remete o leitor a observar a trajetria da autora. Graduada em Pedagogia, inicia seus questionamentos ainda no momento em que buscava caminhos para que suas dvidas no fossem apenas mais algumas indagaes entre tantas, dispersas num relicrio de idias que agua a imaginao.

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    Foi no decorrer do referido curso que foram estabelecidos os primeiros contatos com o elemento que viria a constituir seu objeto de estudo: as imagens.

    Atuando como Orientadora de Aprendizagem do Programa de Educao a Distncia Telecurso 2000 (TC 2000), ministrou aulas em telesalas1 constitudas em empresas e tambm em escola da rede pblica estadual. Ambas correspondiam ao nvel mdio de ensino bem como estavam localizadas no municpio de Rio Claro S.P.

    O trabalho desenvolvido nas telesalas compreendia alunos que retornavam a uma sala de aula aps longo perodo de distanciamento do contexto escolar. A condio de aprendizagem, neste sentido, determinada pela dificuldade encontrada no processo de ensino e aprendizagem que se caracteriza na (re)transmisso e na (re)construo do conhecimento.

    Constitudo, naquele momento, por fitas VHS e apostilas impressas, o material didtico traz, em seu contedo, a presena de imagens. Tal condio se refere s duas edies que consideramos nesta anlise: 1989 e 1996.

    Assumindo funo pedaggica, as imagens representam o conhecimento (re)transmitido, ora informando, ora desinformando o leitor.

    A desinformao que associamos s imagens se refere ao primeiro momento de nossos estudos, cuja questo central era: A imagem educa?. Esta questo suscitou a realizao de nossa primeira questo em nvel de especializao.

    O trabalho desenvolvido foi constitudo tomando como base a identificao dos alunos telealunos, como so denominados nos documentos oficiais diante das imagens que constituem as teleaulas. Em muitos momentos, os alunos solicitavam Orientadora de Aprendizagem que interrompesse a reproduo da fita VHS e prosseguisse com sua explicao sobre o contedo, ou seja, o tema da aula. Tal situao ocorria frequentemente, sobretudo em relao s aulas que compreendiam disciplinas como a Matemtica, por exemplo. Permitindo o questionamento apresentado, surgiu como elemento a identificao dos alunos com as imagens que constituem a disciplina Geografia2. Mesmo apresentando a misria

    1 Denominao atribuda aos espaos destinados realizao das teleaulas, conforme documento oficial que constitui as

    bases bem como a proposta pedaggica e a metodologia do TC 2000. 2 Para maiores esclarecimentos ver: BELO, E. M. A Imagem Educa? 2002, 105 f. Relatrio Final de Especializao em

    Instrumentao para o Ensino da Geografia Instituto de Geocincias e Cincias Exatas. Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2002.

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    ou condies imprprias de moradia, as imagens permitiam ao aluno a identificao de aspectos semelhantes sua condio de vida, promovendo o reconhecimento de sua prpria realidade.

    No prosseguimento dos estudos realizados as imagens prevaleceram, direcionando os questionamentos que, ento, foram expressos no seguinte ttulo:

    Imagem: para qu e para quem? Elemento da realidade presente no conhecimento geogrfico e identificado em

    diferentes tipos de texto.

    Este trabalho concretiza a dissertao de mestrado e, para um melhor entendimento do leitor, encontra-se no apndice desta tese o captulo intitulado Imagem: para qu e para quem? Elemento da realidade presente no conhecimento geogrfico e identificado em diferentes tipos de texto, que integra o livro editado pelo Programa de Ps-Graduao, Geografia: aes e reflexes, ao qual a autora submeteu-se para realizar seus estudos. Tal recurso utilizado nesta tese com o objetivo de levar ao conhecimento do leitor as etapas anteriores que, no conhecidas, podem dificultar o entendimento.

    Durante o processo de escrita da dissertao de mestrado estabelecemos a comparao entre dois tipos de texto: o didtico e o literrio.

    Ao texto didtico, cabem as apostilas de Geografia, vol. 1 e 2, Ensino Mdio, editadas no ano de 1996 e, ao texto literrio, a obra Os Sertes, de Euclides da Cunha, sendo utilizada a edio do ano de 1984.

    A escolha pelo texto literrio deu-se por motivo que caracteriza uma etapa ainda anterior a estas duas aqui apresentadas. Escrevendo o trabalho de concluso de curso de graduao, a autora percebeu que j no praticava o ato da leitura de forma prazerosa, pois o acmulo de atividades preenchia todo o seu tempo, exigindo a realizao do ato como uma atividade a ser realizada com o objetivo de vencer um determinado nmero de pginas em um limite de dias ou horas previamente estabelecido. Seguindo orientaes, iniciou uma retomada ao ato, revisitando autores literrios e, neste sentido, a identificao com a escrita de Euclides da Cunha foi inevitvel.

    Tomando como referncia a escrita de Os Sertes, a finalizao da dissertao de mestrado possibilitou a (re)interpretao da realidade tomando como

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    apoio a (re)leitura de textos de carter didtico e literrio. O produto final pode ser compreendido como a manifestao de imagens que elaboradas e/ou evocadas pois so produtos da atividade cognitiva, especificamente humana expressam o conhecimento geogrfico.

    Sendo a cincia geogrfica uma cincia que se apoia em outras reas do conhecimento, se torna prxima, familiar aos indivduos. fato verificarmos de que maneira, aspectos sociais, econmicos e, portanto, culturais, constituem tanto a Geografia da realidade quanto a realidade geogrfica como conceitos inerentes vida das pessoas.

    Tal proximidade com a realidade nos permite compreender a importncia e a presena do conhecimento geogrfico no cotidiano do HOMEM, cuja figura foi identificada como fundamental anlise proposta para a concretizao da dissertao bem como das questes que integram a concretizao desta tese.

    Assim, os questionamentos que originaram esta tese nos permitiram verificar que h uma proximidade muito grande entre textos de carter didtico, literrio e cientfico. Identificamos que o texto didtico se torna prximo do texto cientfico quando aborda o HOMEM atuante no mundo e seu espao, o espao geogrfico. Devido extrema importncia da presena humana na tese apresentada, durante todo o seu desenvolvimento nos referimos a esta figura grafando a palavra em letras maisculas, pois compreendemos que recursos estilsticos como este auxiliam no destaque que atribumos figura que constitui um dos principais fatores de concretizao de nosso objeto de estudo: as imagens.

    Tomamos como referncia o HOMEM por ser um elemento encontrado, a princpio, tanto na obra literria Os Sertes de Euclides da Cunha, como nas apostilas de Geografia do TC 2000 (1989, 1996). Alm disso, no podemos desconsider-lo quando tomamos como referncia o texto cientfico, pois o mesmo constitui a fora motriz que impulsiona toda forma de desenvolvimento e manifestao do conhecimento, impondo ideias, conduzindo reflexes e, portanto, estabelecendo (re)interpretaes do mundo espao geogrfico que constituem as imagens que observamos nesta tese.

    A experincia vivida pela autora determinou a realizao desta tese, bem como do relatrio final da Especializao e tambm da dissertao de Mestrado. Assim, consideramos a Geografia ensinada nas instituies de ensino tambm

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    como cincia a cincia geogrfica, acadmica submetida aos rigores que constituem e conceituam o conhecimento cientfico como certo e, portanto, confivel.

    O cotidiano dos alunos, em qualquer nvel de ensino considerado, nos remete a observar uma realidade repleta de elementos que constituem o conhecimento geogrfico e, portanto, se manifestam nas imagens que podemos elaborar e/ou evocar a partir do contato, da interpretao e re-interpretao das informaes que constituem tanto o conhecimento quanto o prprio mundo. Se considerarmos as situaes cotidianas, podemos tomar como exemplo simples atividades ou atitudes como o deslocamento realizado pelo aluno quando realiza o trajeto de sua casa at a escola, por exemplo. No a nica condio, mas uma das maneiras que nos possibilitam identificar a presena da Geografia em nossas vidas. Apesar desta comparao, esclarecemos que no realizamos em nossa abordagem qualquer comprovao via coleta de dados ou aplicao de atividades que tenham como objetivo constataes desta ordem. Em todos os momentos, consideramos como leitor que elabora e/ou evoca imagens a partir da leitura e interpretao de diferentes tipos de texto todo e qualquer HOMEM que, movido principalmente pela curiosidade, busca a aquisio do conhecimento via texto.

    Em outras palavras, no constitumos nossa tese a partir de pesquisas de campo ou formas prprias de quantificao de resultados. As condies de realizao desta tese, ento, viabilizaram a elaborao de um dirio de campo, uma tcnica que permite ao pesquisador a valorizao de suas experincias e, portanto, de sua afetividade, considerando os elos estabelecidos entre a autora e seus alunos e reforando a presena da Geografia da realidade e da realidade geogrfica. Em outras palavras, podemos afirmar que a variedade de formas de entendimento sobre um determinado assunto assegura o avano do conhecimento. Sendo empregada a tcnica de dirio de campo, consideramos primordial a presena de sociedades grafocntricas, como a nossa, nas quais os registros escritos so fundamentais fundamentao histrica e identidade de um povo.

    necessrio salientar que tambm estivemos incertos quanto ao mtodo que orientava a pesquisa desenvolvida, chegando a considerar, em alguns momentos, a fundamentao metodolgica apoiada no materialismo histrico e dialtico. Entretanto, tal considerao ocorreu porque, conforme Goldmann (1991, p.5), [...] o pensamento dialtico afirma, em compensao, que nunca h pontos de partida absolutamente certos, nem problemas efetivamente resolvidos.

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    A incerteza expressa como justificativa para o estabelecimento do mtodo nos distanciou do mtodo materialista histrico e dialtico que consideramos a incio, pois o mesmo pode ser considerado necessrio ao entendimento do dinamismo que caracteriza a complexidade e a subjetividade das imagens, que no so absolutas, pois se modificam e se transformam constantemente, tal como o prprio mundo.

    Se voltarmos nossas observaes s dinmicas relaes presentes no mundo, conforme citamos anteriormente, verificaremos que o HOMEM elemento considerado nesta tese nos permite a identificao de condies e elementos responsveis pelos conceitos que constituem nosso questionamento e concretizam nossa pesquisa: Geografia da realidade e realidade geogrfica.

    Enquanto elemento que atua, participa realizando interferncias diretas no espao geogrfico, o HOMEM promove, indiscutivelmente, a concretizao de tais conceitos.

    Retomando o foco desta tese, em relao ao texto didtico, interessante observar que consideramos, neste trabalho, dois momentos distintos de suas edies (1989 e 1996), pois, em estudos realizados anteriormente, havamos considerado apenas a edio de 1996. Transitamos entre as idias de gegrafos e fsicos, bem como filsofos que tambm constituem a fonte do saber legitimado, cuja (re)transmisso ocorre, principalmente, a partir de propostas pedaggicas nas instituies formais de ensino. Assim, esta tese segue o exemplo da cincia geogrfica: sua principal caracterstica a ampla abrangncia que a (re)interpretao das imagens nos proporciona diante do conhecimento que constitui o mundo. E, para esclarecer o que pretendemos a investigao sobre as imagens que se constituem na concretizao dos conceitos Geografia da realidade e realidade geogrfica apontamos um elemento que consideramos fundamental: o mtodo cientfico e sua importncia na compreenso da cincia geogrfica. Temos, assim, imagens que o leitor aluno elabora e/ou evoca quando em contato com textos literrios ou cientficos, bem como os que caracterizam propostas pedaggicas como o TC 2000. Neste ltimo caso, consideramos tambm a importncia do texto impresso veiculado em livros, revistas e outros materiais associados mdia, que se impe, principalmente, por meio da televiso. Tal recurso o audiovisual assegura a presena do conceito de modernidade como parmetro para a realizao de um trabalho pedaggico que deve atender s exigncias expressas por uma nova realidade, expressa por sua vez na

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    configurao de uma nova sociedade, transformada e submetida a uma ordem capitalista histrica.

    importante salientar que nossa pesquisa no considerou uma nova edio do material pedaggico referente ao TC 2000. Entretanto, observamos que h disponibilidade na Internet rede mundial de computadores de DVDs, em substituio s fitas VHS que compem o material considerado. Aqui h uma curiosidade a ser considerada: geralmente o oferecimento venda do material nos sites, refere-se mais disciplina Matemtica. Em estudos anteriores, foi possvel verificar que no TC 2000 as disciplinas caracterizadas como pertencentes rea do conhecimento que prioriza as exatas so mais enfatizadas porque simbolizam a extrema dificuldade dos alunos e, alm disso, so consideradas bem mais importantes que as disciplinas de outras reas do conhecimento. A Geografia, por exemplo, no considerada uma disciplina de difcil entendimento. Conforme avanamos nossa pesquisa, encontramos ideias e reflexes de autores que confirmam tal condio, na medida em que nos apresentam as agruras que a cincia geogrfica encontrou, no decorrer de seu desenvolvimento, para constituir-se como cincia aceita e reconhecida no meio acadmico.

    Salientamos, ainda, que a exemplo das fitas VHS do TC 2000, tambm no consideramos uma anlise de novos textos didticos referentes ao mesmo material, pois a pesquisa, quando realizada, apontou que as reedies encontradas no eram distintas das edies mais recentes (1996) que utilizamos.

    Relacionando nossas consideraes iniciais cincia geogrfica, podemos verificar que temos uma cincia que se constituiu no desenvolvimento de vrios embates ideolgicos, cujo questionamento se refere, sobretudo, possibilidade de seu enquadramento nos mtodos e rigores cientficos. Assim, conforme observamos em Moraes e Costa (1984, p.10):

    [...] A prpria histria da Geografia mostra que uma volta aos estudos empricos no seria uma boa soluo para superar a situao presente. O caminho para a elucidao da teoria , podemos dizer, terico. Sem pressupostos e instrumentos bem precisados, caminharemos s cegas no trato do mundo emprico. [...]

    Neste sentido, compreendemos que a viabilidade de estudos que culminam em uma tese como esta tambm induz o leitor formulao de questes que, na busca por esclarecimentos do conhecimento que identificamos luz da

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    cincia, se tornam indiscutivelmente necessrias compreenso do conhecimento geogrfico.

    Buscando a comparao pretendida com a obra literria de Euclides da Cunha, consideramos tambm como fonte de informaes referenciais bibliogrficos que se constituram a partir da realizao de pesquisas que questionam a importncia das imagens atreladas literatura e, portanto, realidade das pessoas, reafirmando a presena de diferentes vises do mundo.

    Ento, observamos a presena de imagens que, na condio de produtos da (re)interpretao de leitores, ultrapassam a observao da realidade, pois constituem, diretamente, a vida das pessoas. Tais imagens refletem a forma de compreenso que o HOMEM desenvolve sobre sua prpria realidade. Apesar de viv-la e perceb-la, nem sempre se percebe como vtima de uma ideologia, uma falsa conscincia que conduz nossas aes de forma sutil, mas direciona o que realizamos ou pensamos estar realizando.

    Vivendo em um mundo no qual se configura esta realidade dinmica que, mais adiante, apontamos como a realidade geogrfica, o HOMEM no se compreende, em muitos momentos, como ser passivo e submisso a uma ordem imposta, contrariando a falsa conscincia que relatamos acima.

    Se encontramos imagens que retratam passividade e submisso, encontramos tambm imagens que simbolizam o sonho inatingvel, embora sem anular a imagem da esperana. Consequentemente, encontramos como produto do pensamento humano imagens que tambm se contrapem, mas confirmam a supremacia da complexa natureza humana.

    Esta supremacia pode ser compreendida como o elemento que o diferencia dos demais seres, pois simbolizada pela sua capacidade cognitiva, tornando-o especial aos olhos alheios e valorizando a presena de sua viso do mundo.

    Capaz de vencer as mais diversas adversidades, referimo-nos, neste momento, s imagens que simbolizam sucesso e vitria, permitindo ao HOMEM a superao do indivduo e a exposio de sua valentia e coragem como fundamentao da beleza que configura sua realidade, por mais indigna que possa parecer em uma anlise superficial.

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    Por vezes, o leitor desta tese pode questionar por que no esclarecemos ou mesmo questionamos de forma mais aprofundada o conceito chave da Geografia: o espao.

    Compreendendo que no simboliza o foco central de nossa pesquisa, observamos que o referido conceito representa o principal elemento das imagens que surgem das dinmicas relaes observadas na constituio da realidade expressa na vida humana. Ento, confirmamos a importncia da cincia geogrfica como cincia ampla, que abrange os diferentes ramos do conhecimento cientfico, considerado verdadeiro.

    Como j afirmamos, as imagens constituem um objeto de estudo complexo e, constitudas a partir da integrao de diferentes e mltiplos elementos, que vo desde recursos naturais observados nas paisagens at sentimentos e emoes inerentes natureza humana, se tornam representaes de uma Geografia da realidade e de uma realidade geogrfica, que integram o conhecimento do HOMEM como resultado da (re)interpretao do mundo. Tomando como exemplo o mtodo cientfico, tambm no temos nestas consideraes a presena de verdades absolutas. Como j se sabe, o conhecimento verdadeiro at que se prove o contrrio.

    Em linhas gerais, as imagens simbolizam a parcialidade que se manifesta no todo, ou seja, as imagens so partes de uma realidade que se constitui progressivamente, permitindo sua colocao e re-colocao em um mesmo contexto. Como resultado, temos um mosaico de imagens e ideias que se alteram conforme ocorrem transformaes na realidade, simbolizando o pensamento humano.

    Nossa tese culmina como produto de uma anlise que, durante seu desenvolvimento, nos permitiu observar certa escassez de materiais, uma vez que a maior parte de estudos e pesquisas sobre imagens condensam os esforos de seus autores na elaborao de trabalhos que tomam como referncia imagens prontas, que induzem a percepo do observador. Avanamos em sentido oposto: tomamos como base a possibilidade de elaborao e/ou evocao de imagens que se constituem a partir da (re)interpretao que o HOMEM elabora quando se encontra em contato com diferentes tipos de textos.

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    Procuramos, ento, estruturar o texto produzido para a referida tese de acordo com a breve descrio que segue sobre as abordagens realizadas nos captulos, para uma melhor compreenso do leitor.

    O primeiro captulo demonstra de que maneira consideramos a imagem como objeto de estudo e, para tanto, abordamos tambm a necessidade de compreenso da importncia do mtodo cientfico. A cincia geogrfica uma cincia de sntese e procuramos compreender seu objeto de estudo como um elemento submetido aos rigores cientficos e, portanto, aceito na comunidade acadmica. Constituda, principalmente, pela subjetividade que se faz presente na realidade dinmica, que relatamos anteriormente, a cincia geogrfica prope novas formas de interpretao da realidade e reafirma a presena de diferentes vises do mundo.

    Dando prosseguimento ao nosso trabalho, o segundo captulo reservado anlise e interpretao dos conceitos que constituem a questo central desta tese, expressa em seu ttulo. Assim, abordamos a Geografia da realidade e a realidade geogrfica como elementos que fundamentam a compreenso da realidade vivida, experienciada pelo HOMEM. Por este motivo, continuamos neste momento apresentando nossa compreenso sobre quem o leitor identificado e considerado para a realizao desta tese. Afinal, as imagens que constituem os conceitos que pretendemos identificar nesta tese resultam da (re)leitura que o HOMEM faz do mundo.

    A partir desta abordagem, estruturamos o terceiro captulo considerando os elementos que fundamentam nossa anlise: a interpretao e o reconhecimento das imagens como condio essencial constituio da Geografia da realidade e da realidade geogrfica. Neste momento, nossas reflexes consideram tanto fragmentos referentes aos textos didtico e literrio, bem como aos de carter cientfico. Nossa inteno, nesta abordagem, apresentar ao leitor desta tese os argumentos necessrios s nossas reflexes, confirmando o rigor cientfico necessrio sua concretizao.

    O quarto captulo apresenta nossa compreenso sobre quais elementos so necessrios busca do conhecimento na interpretao da realidade, pois, em nosso entendimento, esta interpretao que resulta na constituio das imagens que, alm de constiturem a Geografia da realidade e a realidade geogrfica, fundamentam o conhecimento geogrfico. importante observar que o ensino traz

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    consigo imagens que se constituram a partir da prpria realidade dos alunos e, neste sentido, as imagens simbolizam a cincia geogrfica. No realizamos uma anlise sobre as condies prprias do ensino brasileiro, mas nossa abordagem se constitui a partir de alguns fragmentos que selecionamos dos textos didticos das apostilas selecionadas para a realizao de nossa pesquisa e que so utilizadas para a consolidao de uma proposta pedaggica fundamentada na legislao educacional brasileira.

    Para finalizar, o quinto captulo aborda a cincia geogrfica e a realidade como elementos fundamentais compreenso e interpretao da vida, presentes nos textos. Neste momento, nossa abordagem representa nossa reflexo diante de imagens que elaboramos e/ou evocamos e que traduzem a realidade do HOMEM identificado na figura do sertanejo euclidiano e do sertanejo aluno do TC2000.

    Uma ltima considerao necessria para compreendermos a constituio desta tese, salientamos que toda a anlise proposta enfatiza fragmentos dos tipos de texto selecionados, e no uma anlise minuciosa das teleaulas (texto didtico), do texto literrio ou mesmo dos textos cientficos que viabilizaram a discusso terica realizada.

    Para compreendermos o resultado obtido, convidamos o leitor a trilhar o caminho que percorremos a partir da reviso bibliogrfica que apresentamos a seguir.

    * Reviso Bibliogrfica

    Uma abordagem sobre a importncia das imagens na interpretao do conhecimento geogrfico pressupe nosso olhar sobre a compreenso que alguns autores possuem, considerando sua integrao com a realidade.

    As vrias possibilidades de interpretao dos diferentes tipos de texto nos permitem algumas observaes. Inicialmente, torna-se necessrio considerar que uma primeira observao e leitura dos diferentes tipos de texto mas no a nica nos mostram as imagens como representao da realidade. Ento, compreendemos que o ensino da Geografia pode ser muito significativo quando tomamos como referncia aquilo que est mais prximo do leitor do mundo e, portanto, mais concreto.

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    Tal abordagem implica nosso olhar sobre alguns trabalhos cujo enfoque voltado atuao docente em sala de aula. Geralmente, so consideradas as sries iniciais do Ensino Fundamental Ciclo I pois, neste nvel do ensino, o reflexo da prtica pedaggica observado mais facilmente. As atividades realizadas pelos alunos demonstram sua percepo do lugar em que vivem. Assim, Straforini (2008) nos apresenta os resultados de uma pesquisa em que foram analisados os trabalhos de alunos residentes no municpio de Sorocaba S.P. Nesta abordagem, observamos como a representao da cidade, realizada pelos alunos, reflete uma imagem construda, elaborada e/ou evocada mentalmente. Sendo um texto de carter cientfico, julgamos que constitui a base necessria s nossas reflexes, quando nos propomos a observar elementos presentes nos textos de carter didtico e literrio.

    Ao texto didtico cabe a funo de transmisso de contedo, valorizando o conhecimento que Michel Apple (1997) denomina como conhecimento oficial. o saber legitimado, produzido e aceito academicamente, transmitido nas escolas e, portanto, caracterizado como elemento que constitui a educao formal. No processo de transmisso do conhecimento, as imagens que configuram a compreenso do aluno traduzem sua realidade. Nela se encontram impregnados seus valores e, consequentemente, sua compreenso revela sua viso do mundo.

    Em contrapartida, o texto literrio tambm nos prope uma leitura da realidade. No entanto, sua estrutura e estilo so elementos fundamentais que oferecem possibilidade de interpretao a partir de uma rica descrio. A literatura ultrapassa os limites estabelecidos pelas variveis tempo e espao, no exigindo adaptaes e/ou atualizaes em sua escrita para que permanea e seja aceita, confirmando sua validade. Tal condio implica, sobretudo, uma anlise da realidade que construda na informao. O ato da leitura se impe como fator de anlise, pois representa a compreenso do homem sobre o espao geogrfico e, a exemplo do texto didtico, tambm revela sua viso do mundo.

    Relacionando esta primeira observao com a cincia geogrfica, podemos verificar que diferentes interpretaes tambm podem ser identificadas nas imagens que encontramos como seu produto.

    A Geografia tradicional, caracterizada pela realizao de estudos de carter conservador, nos prope a identificao de imagens que devem, obrigatoriamente, expressar uma realidade j consolidada. A linearidade que se

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    manifesta em suas abordagens coincide com a linearidade que Santos (2004) denominou determinismo social.

    Os textos didticos considerados caracterizam a passividade do leitor e, por este motivo, resultam no seu conformismo. Em outras palavras, temos em mos textos que possuem como principal objetivo direcionar, induzir a compreenso do leitor diante do mundo. Se o leitor no questiona, porque aceita o que a realidade lhe impe. Ento, no se torna o leitor do mundo que identificamos em nossa tese.

    O texto literrio, por sua vez, tambm pode, em alguns momentos, expressar a presena do determinismo apontado por Santos (2004). Se considerarmos que cabe ao determinismo a tarefa de seleo natural dos indivduos, garantindo a sobrevivncia queles que so considerados (mais) aptos nas diferentes situaes vividas e experienciadas pelo HOMEM atuante no mundo, passamos de uma comparao que se fundamenta na Geografia tradicional para uma compreenso que considera as possibilidades de interpretao da realidade. No contexto da Geografia, pode tanto ser considerada como prxima corrente crtica quanto prxima corrente da percepo.

    Se considerada prxima corrente crtica, porque busca compreender a realidade tomando como referncia a possibilidade de questionamento diante das aes que o prprio homem executa: sua interferncia no espao geogrfico promove alteraes que se manifestam em sua compreenso do mundo.

    No entanto, necessria, neste momento, uma observao sobre a concepo crtica da Geografia, pois:

    [...] As propostas emergentes do movimento de renovao crtica ainda padecem de insuficincias de ordem variada: ora por um excessivo teoricismo de tipo esterilizante que enturva ou limita a proposta, ora pela fragilidade de seus pressupostos terico-metodolgicos ou, ainda, devido ao simplismo e ao esprito dogmtico.

    (MORAES, COSTA, 1984, p.9-10, grifos do autor)

    Diante do exposto, podemos observar que a cincia geogrfica, por vezes, ainda vivencia um dilema referente s correntes tericas que se constituem a partir da busca pelo conhecimento. Tal condio pode ser compreendida a partir de dois fatores:

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    1. A ampla abrangncia que a cincia geogrfica possui e sua influncia na constituio do conhecimento, evidenciando diferentes pontos de vista e permitindo o trnsito entre as diferentes reas do conhecimento.

    2. A consequente permisso atuao de profissionais de diferentes reas do conhecimento, contribuindo amplamente com sua fundamentao bem como promovendo a interdisciplinaridade, to necessria a novas vises do mundo e concepes tericas que se estabelecem de tempos em tempos.

    A tese produzida nos permite confirmar tais proposies, pois os referenciais tericos apresentados no compartilham de um mesmo ponto de vista.

    Revelando as diferentes vises do mundo, a Geografia se fundamenta em explicaes que se distanciam, em alguns momentos, do mtodo cientfico, pois fundamentam o conhecimento a partir das observaes que se constituem no cotidiano vivido pelo HOMEM. Consequentemente, sua capacidade de observao demonstra valores que constituem uma compreenso particular, peculiar e prpria sua compreenso e (re)interpretao da realidade. Sua compreenso da realidade, neste sentido, pressupe a observao de imagens elaboradas e/ou evocadas, dotadas de afetividade, confirmando o elo que o HOMEM estabelece com o lugar em que vive, como j afirmou Tuan (1980).

    Observando que a cincia geogrfica , geralmente, associada cartografia, verificamos que as imagens que constituem nosso objeto de estudo so fundamentais na representao do espao geogrfico. Lynch (2006) nos permite observar que sua representao das cidades se constitui a partir de suas prprias imagens mentais. Estas imagens, ento, traduzem sua compreenso do espao, tornando-o peculiar e, portanto, relativo e absoluto. considerado um espao relativo porque expressa uma ou mais formas de compreenso da realidade e, em contrapartida, sua condio de absoluto indica uma compreenso ampla e generalizada da realidade, cuja observao implica a presena de smbolos e elementos. Estes smbolos e elementos podem ser compreendidos como comuns a todos os indivduos, entretanto, seu significado prprio a cada um, confirmando as diferentes vises que os leitores do mundo possuem sobre a realidade. Mais uma vez, nos encontramos diante da Geografia da realidade e da realidade geogrfica.

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    Tomando tais consideraes como apoio para fundamentar nossa reflexo, comparamos compreenso da realidade a presena de smbolos que podem ou no se manifestarem nas imagens que o HOMEM, leitor do mundo, elabora e/ou evoca a partir de suas prprias interpretaes. O mapa mental apontado por Rocha (apud TRINDADE e CHIAPETTI, 2008) nos permite confirmar esta caracterstica, pois, em sua abordagem, afirma que os elementos presentes no mapa mental de uma pessoa no esto obrigatoriamente presentes no mapa mental de outra pessoa. Neste sentido, interpretamos como fundamentais as imagens elaboradas e/ou evocadas pelo sertanejo euclidiano e pelo sertanejo aluno do TC 2000: so peculiares a cada realidade vivida e experienciada, so singulares e dotadas de subjetividade. Por um momento, mesmo sendo to importante na construo das imagens, a cincia questiona a subjetividade das mesmas, pois esta subjetividade no compreendida como elemento que atende s exigncias do rigor cientfico, que constitui o que consideramos, em um determinado momento, como verdade. Esta realidade apontada e discutida por Sagan (2006) quando, tomando o mtodo cientfico como referencial de suas discusses tericas, nos conduz a reflexes sobre o desenvolvimento e o avano da cincia.

    Se relacionarmos a refutabilidade da cincia com o conhecimento oficial, reconhecido por Apple (1997), verificaremos que o TC 2000 apresenta textos didticos adequados a uma proposta que procura atender a necessidade de aquisio de um certificado, o qual, por sua vez, assegura ao telealuno o acesso e talvez a permanncia em um mercado de trabalho que, cada vez mais, exige a atuao de profissionais capacitados. No entanto, este mesmo mercado exclui os que no se adequam s exigncias e, ento, confirma-se a presena do darwinismo social.

    A possibilidade de sobrevivncia um elemento que merece destaque sempre que nos deparamos com a presena do homem no espao geogrfico. Esta afirmao nos permite identificar a importncia do conhecimento geogrfico na identificao das imagens que se constituem a partir da (re)interpretao da realidade. Ao consideramos como referncia de nosso estudo o HOMEM, tanto no texto literrio quanto no texto didtico sua presena confirma o elemento relacionado, quando as imagens elaboradas e/ou evocadas pelo leitor do mundo traduzem um aspecto comum aos dois sertanejos: o indivduo melhor adaptado s

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    condies de sobrevivncia aquele que prevalece, que permanece e, portanto, sobrevive assegurando a perpetuao da espcie.

    Na condio de leitores, assumimos uma funo essencial: tornamo-nos aptos a observar uma realidade j construda, mas que est sujeita a profundas transformaes, resultantes de nossas prprias aes. Podemos, ento, verificar que somos agentes desta realidade que, na concepo positivista, se encontra cercada de certezas, mas no desconsidera os avanos gerados a partir dos questionamentos.

    Os questionamentos nos permitem verificar as agruras, as dificuldades que constituem os processos que caracterizam a incorporao de novas vises do mundo ao conhecimento, tornando-o peculiar. Tomamos como base para nossas reflexes as ideias de Kuhn (2006), pois observamos como a cincia origina a compreenso da realidade, confirmando-a a partir dos processos reflexivos. Esta caracterstica tambm se manifesta na cincia geogrfica quando observamos o movimento de renovao da Geografia, tornando-a crtica, aberta a novas concepes e interpretaes do espao geogrfico. No entanto, encontramos alguns responsveis, filsofos, que refletem de forma a contribuir com esta nova caracterizao: Popper desenvolve o modelo evolucionista, Feyeraband aborda a proposta pluralista e Kuhn apresenta a concepo sociolgica. Em linhas gerais, temos em mos novas formas de compreenso da realidade que, consequentemente, resultam em novas imagens e constituem a Geografia da realidade e a realidade geogrfica. Sendo a cincia geogrfica abrangente, no podemos descartar ideias e/ou reflexes que se fundamentam em outras reas do conhecimento.

    Podemos, ento, apoiar nossas reflexes em Moraes (1982, p.44), afirmando a presena de ideologias geogrficas que:

    [...] So a substncia das representaes coletivas acerca dos lugares, que impulsionam sua transformao ou o acomodamento nele. Exprimem, enfim, localizaes e identidades, matrias-primas da ao poltica.

    A conotao poltica abordada pelo autor pode, ento, simbolizar a ordem expressa nas diferentes concepes de realidade que se manifestam nas imagens que representam a vida cotidiana do HOMEM. Geografia, ento, compete a possibilidade de libertao deste HOMEM a partir da compreenso da realidade na

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    qual se encontra todo o seu conhecimento, sendo a manifestao da Geografia da realidade e da realidade geogrfica.

    No abordamos, neste trabalho, a trajetria da cincia geogrfica, mas no podemos desconsiderar que toda e qualquer alterao nas diferentes possibilidades de (re)interpretao da realidade implica, diretamente, na compreenso da importncia das modificaes expressas na cincia, apontadas por Kuhn (2006) e reafirmadas por Capra (2005). A variabilidade de concepes aqui consideradas fundamental compreenso do leitor enquanto HOMEM que age, diretamente, no espao geogrfico: as situaes s quais se submete no podem ser compreendidas e/ou interpretadas numa nica perspectiva e, assim, as imagens so dotadas de relatividade, estabelecidas a partir de uma trama de informaes, a exemplo dos textos, pois ambos so produtos de movimento dinmico, repleto de dvidas e certezas simultneas, tal como a cincia.

    Neste dinmico movimento, encontramos a semelhana entre a refutabilidade da cincia, conduzindo a novos conhecimentos, e a (re)interpretao deste mesmo conhecimento, expresso nas imagens que elaboramos e/ou evocamos quando observamos a realidade. Em linhas gerais, temos neste dinmico movimento a integrao estabelecida entre homem e espao geogrfico, apontando como o HOMEM compreende, interpreta e, portanto, imagina sua realidade, possuindo um conhecimento prvio que integra o conhecimento considerado verdadeiro. Uma metfora que caracteriza e confirma adequadamente esta condio a Teoria das Ideias, expressa no Mito da Caverna, de Plato.

    Enquanto observador das sombras projetadas na parede da caverna, o HOMEM no questiona o que v. Aceita, passiva e tranquilamente, as diversas manifestaes de conhecimento que as imagens distantes da realidade verdadeira estabelecem como referenciais para a compreenso e/ou (re)interpretao da realidade.

    O ser aprisionado, quando liberto, desprende-se de toda e qualquer possibilidade de manipulao que as situaes s quais submetido lhe impe, determinando suas atitudes e tambm sua apropriao do conhecimento que caracteriza o mundo.

    Retomando a integrao estabelecida entre homem e espao geogrfico, ao HOMEM cabe a possibilidade de (re)interpretao deste espao, baseando suas reflexes em seu prprio conhecimento, que no se distancia da cincia, ao

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    contrrio, complementa-a. medida em que busca esta compreenso, (re)interpreta o conhecimento universal, assumindo a condio de leitor do mundo.

    O texto literrio pode ser considerado o que mais provoca a busca a partir de elementos que, ento, so desconhecidos ao homem. Desconhecer e reconhecer, neste sentido, so atividades caracteristicamente cognitivas, contrrias e complementares, que fomentam a construo do saber.

    Avanando nossas reflexes sobre a importncia das imagens na constituio da Geografia da realidade e da realidade geogrfica, estabelecemos contato com alguns materiais que sinalizam a presena da subjetividade e da complexidade nas relaes que apontamos como integradoras da realidade em que vivemos. Ento, observamos que a cincia geogrfica viabilizada atravs da explicao das inter-relaes existentes entre a sociedade e a natureza (TRINDADE, 2003, p.146).

    Se a cincia geogrfica viabiliza e integra as relaes estabelecidas entre sociedade e natureza, podemos tambm afirmar que nossa imagem ambiental ainda uma parte fundamental de nosso instrumento de vida [...] (LYNCH, 2006, p.140).

    Atribuindo ento, s imagens, a importncia indiscutvel de sua presena na constituio da realidade, compreendemos que so, simplesmente, no parte, mas o todo.

    Sua manifestao nica, peculiar s pessoas. Por isso, no deixa de ser relevante constituio do mundo, lugar em que se encontram os homens, sem exceo. Simbolizam vises do mundo que se diferenciam por serem relativas compreenso que cada indivduo possui de sua realidade, mas se aproximam quando se encontram em diferentes relaes estabelecidas entre homem e mundo. Ento, o leitor do mundo que definimos nesta tese simboliza, adequadamente, o HOMEM que vive e se constitui compreendendo uma Geografia da realidade e uma realidade geogrfica.

    Direcionamos nossas reflexes a referenciais que nos permitem confirmar a importncia da subjetividade das imagens numa realidade que denominamos dinmica e que nos permite retomar as afirmaes anteriormente relacionadas, pois expressam a presena de [...] grandes imagens que reconduzem ao smbolo do absoluto (DURAND, 2004, p.53).

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    Neste contexto, prosseguimos nossa pesquisa bibliogrfica e, cada vez mais, observamos que nosso questionamento no se distancia da atividade cientfica, como fora apontado, em muitos momentos de sua elaborao, por olhares observadores. Partirmos do pressuposto de que as imagens so, inquestionavelmente, elementos subjetivos e presentes em nossa realidade. Ento, o [...] homem no se aproxima do mundo somente atravs de experincias (BUBBER, 2001, p.54).

    Cabe s imagens que elaboramos e/ou evocamos a partir da leitura dos diferentes tipos de texto a funo explicativa de uma realidade que, nem sempre, significativa para o outro.

    A beleza inerente a uma imagem no , obrigatoriamente, um elemento presente na (re)interpretao do outro sobre a realidade. Alis, no consideramos a realidade como um mesmo elemento para indivduos diferentes, mas como elementos distintos que se fundem na medida em que so estabelecidas as vrias relaes entre homem e mundo. Esta fuso simboliza a totalidade-mundo abordada por Straforini (2008) e tambm as imagens abordadas num imaginrio de viajantes, caracterizado, principalmente, por elementos culturais. (BARREIRO, 2002).

    O conhecimento considerado como verdadeiro adquire, diante de tais afirmaes, a condio de elemento submetido a novos questionamentos, pois, buscando a compreenso sobre o que a verdade absoluta, observamos que:

    Podemos consider-la inexistente, pois, sendo absoluta, toda e qualquer pretenso de desenvolvimento no realizar-se- e, conseqentemente, a atividade cientfica encontrar-se- em estado de repouso, em profunda estagnao.

    (BELO; ANTONIO FILHO, 2004, p.112)

    Sendo necessrio o avano do conhecimento, as imagens no se constituem como absolutas porque no podem ser, em todo e qualquer momento, as mesmas. So resultados de (re)interpretaes prprias a cada HOMEM e, portanto, se assemelham verdade: so dotadas de relatividade.

    Uma dificuldade de compreender as imagens como elementos que, nesta realidade dinmica, se constituem tambm dinmicos, se deve ao fato de que a prpria definio atribuda aos cientistas nos permite identific-los como seres

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    especiais. O rigor atribudo ao mtodo cientfico e sua aplicabilidade, fundamentada na lgica e na razo que caracterizam o mundo ocidental, nos permitem observ-lo como um homem que deve ser capaz de:

    [...] preocupar-se em compreender o mundo e ampliar a preciso e o alcance da ordem que lhe foi imposta. Esse compromisso, por sua vez, deve lev-lo a perscrutar com grande mincia emprica (por si mesmo ou atravs de colegas) algum aspecto da natureza.

    (KUHN, 2006, p.65)

    Ao HOMEM leitor do mundo no associada esta reflexo de Kuhn (2006). A imagem de HOMEM que observamos de um HOMEM capaz de agir diante das situaes que lhe so impostas, mesmo que se refiram a situaes que reflitam uma lgica j consolidada. Por este motivo, importante relembrarmos que a prpria estrutura social na qual estamos inseridos determina as condies de sobrevivncia que possumos. No entanto, tais condies so suscetveis a novas condies. Identificamos esta perspectiva tanto nos textos das apostilas de Geografia do TC 2000 quando na obra literria de Euclides da Cunha, e confirmamos nossas reflexes buscando apoio nas ideias de Barreiro (2002).

    Em sua pesquisa, o autor identifica elementos que constituem a realidade de viajantes e as vises que estes possuem de sua realidade em comparao com outras realidades, expressas na condio de trabalho de classes sociais diferentes da sua. O autor citado aponta a realidade j consolidada historicamente e que, ento, determina como a concepo do trabalho retrata, de forma clara, a possibilidade de estabelecermos uma comparao com as imagens da ordem e do caos, abordadas em nossa tese:

    A experincia vivida por esse segmento social, relacionada a situaes produtivas assistemticas, aparecia no plano da sua conscincia em uma forma especfica de conceber a idia de tempo, que era incompatvel com a moderna concepo de trabalho capitalista. [...]

    (BARREIRO, 2002, p. 37)

    A comparao que tal referencial terico nos permite no difcil de ser identificada: a ordem capitalista retrata, facilmente, o darwinismo social que apontamos como elemento de nossa abordagem e que aparece tanto nas ideias de Santos (2004) quanto nas ideias de Cunha (1984), a apontar o determinismo geogrfico. No entanto, no podemos desconsiderar tambm os textos das apostilas

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    do TC 2000, cujo contedo expressa elementos que simbolizam imagens da subordinao do HOMEM trabalhador diante de um mundo em que se constituem as relaes das quais se originam as imagens que pretendemos analisar.

    A idia da modernidade apontada por Barreiro (2002) tambm observada nos textos didtico e literrio. Considerando o primeiro, temos a modernidade expressa na constituio do material pedaggico: o uso das fitas VHS como recurso para a aplicao das teleaulas indica uma nova metodologia, uma nova forma de educao que corresponde s exigncias de uma nova sociedade, fundamentada no trabalho assalariado e em modos de produo que caracterizam um novo momento histrico. Em relao ao texto literrio, a idia de modernidade se faz presente na figura dos militares e suas armas de fogo, bem mais potentes se comparadas s armas dos sertanejos. Alm disso, o aluno do TC 2000 tem o sonho de conquistar uma vida melhor em um grande centro e, assim, identificamos a imagem da modernidade expressa, simplesmente, na presena de grandes arranha-cus. Para este, a concepo de trabalho capitalista pode ser considerada como elemento fundamental na compreenso de uma realidade dinmica, presente na Geografia da realidade e da realidade geogrfica.

    No texto cientfico, a ideia de modernidade pode ser compreendida como condio de realizao de uma atividade inerente s produes acadmicas, geralmente realizadas em instituies que se constituem na imagem da supremacia do saber, em laboratrios, e cercadas por tcnicas e equipamentos.

    A ideia de trabalho e a percepo que o HOMEM possui em relao sua realidade so aspectos inerentes aos textos das apostilas de Geografia do TC 2000, consideradas nesta tese, tanto no que se refere s edies de 1989 quanto s edies de 1996.

    A apropriao do espao um elemento marcante, presente nas diferentes formas de apresentao dos textos que, indiscutivelmente, atribuem figura do HOMEM a responsabilidade pelo uso e conservao do planeta. A esta ideia, podemos associar a busca pela definio do conceito de territrio, pois, em linhas gerais, os textos demonstram, sobretudo, como a ocupao territorial e as limitaes impostas por fronteiras naturais, por exemplo, implicam nesta compreenso.

    Ento, podemos relacionar tal afirmao com as ideias de Haesbaert (2006), quando suas abordagens nos alertam para a necessidade de compreenso

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    de uma nova configurao da realidade, expressa no que o autor denominou fim dos territrios. Realizando uma observao sobre a abordagem do referido autor, possvel estabelecer uma comparao a partir de uma indagao: quais imagens poderiam constituir a (re)interpretao dos territrios definidos e habitados pelo homem?

    Certamente, seriam imagens que revelam em sua subjetividade a peculiaridade das vises do mundo dos indivduos que abordamos nesta tese, confirmando a Geografia da realidade e a realidade geogrfica como conceitos inerentes vida das pessoas e, geralmente, desconsiderados ou mesmo despercebidos.

    Nos trs tipos de texto considerados, temos a oportunidade de observar de que maneira nos submetemos ao processo de aquisio do conhecimento e, alm disso, como cada texto assume a funo de (re)transmitir uma informao.

    Ao texto de carter didtico no se torna difcil associar tal condio. Afinal, produzido com esta intencionalidade e, portanto, traz em seu contedo uma vasta gama de valores que constituem uma ideologia que denominamos favorvel e abordamos ao longo do desenvolvimento dos captulos desta tese.

    J o texto de carter literrio no foi escrito com o propsito de ser um elemento transmissor do conhecimento, a exemplo do livro didtico. Porm, a maestria expressa na descrio realizada por Euclides da Cunha nos permite identificar um texto que fomenta a busca pelo conhecimento, apesar de no ser este o seu propsito. O referido texto assume carter pedaggico quando, em suas descries, seduz o leitor a buscar o conhecimento que o ato da leitura pode nos oferecer. Neste sentido, buscamos apoio nas ideias expressas por Pennac (1993), conforme avanamos nas reflexes que apresentamos no decorrer da anlise proposta e realizada.

    Por fim, observamos que o texto de carter cientfico, como produto que busca pelo conhecimento produzido e aceito academicamente, aproxima-se do texto de carter didtico. Os textos didticos que consideramos as apostilas do TC 2000 foram produzidos por uma equipe de profissionais, cientistas, oriundos das universidades mais conceituadas do pas. Assim, se tais textos se constituem marcados pela presena de uma ideologia favorvel, conforme afirmamos, os textos de carter cientfico tambm carregam consigo uma ideologia subjacente s ideias neles apresentadas. Em suma, so textos que se distanciam em relao ao

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    pblico-alvo, mas se aproximam em relao ao processo de produo: so produtos de uma realidade que se confirma historicamente.

    Esta ideologia pode ser facilmente identificada quando, em determinado momento, abordamos em nossa tese a importncia do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE).

    Correspondendo a uma atuao efetiva de rgos institucionais cujo trabalho que visa assegurar a qualidade do ensino por meio de metas previamente estabelecidas, que devem ser atingidas ao final de um determinado perodo, o PDE sinaliza para a necessidade de melhorias urgentes no ensino brasileiro.

    Assim, conforme desenvolvemos esta tese, nos aproximamos de algumas situaes de ensino que merecem destaque. Por este motivo, nos apoiamos nas ideias expressas por Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007), que abordam a necessidade de um ensino da disciplina Geografia fundamentado na prtica pedaggica de profissionais mais bem preparados, compreendendo a importncia desta cincia na formao do cidado. Questionando a constituio da Geografia no Brasil, indicam a presena dos modos de produo como elementos que constituem uma ideologia favorvel ao prevalecimento de uma classe social que se sobrepe s demais, em um pas caracterizado pela desigualdade social. exatamente o que se manifesta nos textos que abordamos como apoio para a identificao das imagens oriundas da (re)interpretao da realidade:

    O espao geogrfico, mundializado pelo capitalismo, tornou-se complexo e as metodologias propostas pelas vrias tendncias da Geografia tradicional no eram capazes de apreender esta complexidade. Novas metodologias deveriam surgir para empreender tal tarefa.

    (PONTUSCHKA, PAGANELLI E CACETE, 2007, p.51)

    As ideias relacionadas podem ser associadas s ideias j apresentadas de Moraes e Corra (1984), que afirmam a necessidade de um movimento da Geografia numa perspectiva em que sejam consideradas novas possibilidades de compreenso do conhecimento. Alm disso, associam-se tambm s ideias de Barreiro (2002), quando o autor aponta o tempo como elemento incompatvel com a ideia de modernidade, que se constitui na lgica capitalista.

    Em outras palavras, a ideia de modernidade se manifesta nas propostas pedaggicas no uso dos recursos audiovisuais, mas no constitui a prtica pedaggica dos professores. Ento, propomos uma questo a ser estudada

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    futuramente: quais imagens nossos alunos elaboram e/ou evocam na medida em que so submetidos ao processo de escolarizao?

    Poderamos considerar esta imagem a consolidao das imagens da ordem e do caos.

    s imagens da ordem caberiam as possibilidades de identificao de situaes nas quais as diferentes manifestaes do processo de ensino e aprendizagem asseguram a (re)transmisso de um conhecimento pronto sem contestao, contribuindo com a manuteno da ordem social resultante da lgica capitalista.

    O TC 2000 se constitui como uma proposta pedaggica diretiva, que contribui para esta situao e, portanto, para a elaborao e/ou evocao destas imagens.

    Em contrapartida, s imagens do caos compete a interpretao de uma realidade que no corresponde s afirmaes que retratam as imagens da ordem. Apesar da proposta pedaggica do TC 2000 se constituir como uma proposta que corresponde aos ideais da cincia positivista tal como a Geografia tradicional o caos se instaura quando se trata de uma proposta que, na realidade, apresenta imagens da ordem apenas no momento em que vendido como produto de lucro certo s empresas que necessitam possuir funcionrios qualificados mediante certificados para atenderem s exigncias dos padres de qualidade que certificam seus produtos oferecendo credibilidade no mercado.

    Toda a proposta pedaggica do TC 2000 fundamentada na aprovao do telealuno como um produto certo. No entanto, as avaliaes a serem aplicadas e o cronograma de aulas, por exemplo, no so elaborados pelos Orientadores de Aprendizagem. Esta condio determina, em muitos casos, a ocorrncia de telesalas que expressam altos ndices de reprovao.

    Temos nesta questo a possibilidade de observar, na figura do sertanejo aluno do TC 2000, uma imagem prvia do aluno brasileiro: submetido a um processo de escolarizao cujo objetivo a formao que atenda ao mercado de trabalho, conforme previsto na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional), Lei n. 9394/96, e que, por vezes, acaba reduzindo-o a mais um nmero, expresso nos ndices que caracterizam a populao brasileira.

    De acordo com Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007), os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) representam uma poltica educacional

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    centralizadora, adotada pelo Ministrio da Educao e Cultura (MEC). Inovam, porm, quando indicam em sua abordagem os temas transversais como elementos que fundamentam a prtica da democracia e construo da cidadania. Neste sentido, se aplicada, a proposta inovadora assegura o estabelecimento de imagens que configuram uma nova realidade, necessria e urgente. Ainda tomando como referncia tais idias, o documento utiliza vrias correntes do pensamento geogrfico.

    Articulando nossas reflexes com a questo central que integra o ttulo desta tese, observamos que queles que desempenham a funo de verdadeiros (re)transmissores do conhecimento os professores cabe a responsabilidade de fomentar no aluno, que assume a condio de leitor do mundo, a vontade de buscar informaes que expressem sua compreenso do mundo, constituda a partir de suas vises do mundo, e que resultam na constituio da Geografia da realidade e da realidade geogrfica.

    As diferenas observadas na constituio das classes sociais se manifestam em algumas das poucas imagens que selecionamos para ilustrar as reflexes que apresentamos ao longo do texto produzido: ao leitor dos textos que constituem as apostilas de Geografia do TC 2000 so apresentadas imagens que retratam trabalhadores braais, indispensveis manuteno de uma ordem social j estabelecida.

    Neste sentido, o poder simblico abordado por Bourdieu (2007, p. 151) confirma uma lgica existente, que assume as condies necessrias ao prevalecimento da hierarquia apresentada:

    [...] O cientista, se no quer transformar a cincia social numa maneira de prosseguir a poltica por outros meios, deve tomar para objecto a inteno de colocar os outros em classes e de lhes dizer por este meio o que eles so e o que tm que ser ( toda ambigidade da previso); ele deve analisar a ambio da viso do mundo criadora [...]

    Na condio de cincia que, diretamente, associa o conhecimento vida humana, a cincia geogrfica manifesta toda a possibilidade de (re)interpretao do mundo, tomando como apoio as imagens que se constituem como elementos de uma realidade que buscamos identificar nesta tese.

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    CAPTULO 1

    UMA NOVA INTERPRETAO DA REALIDADE: Imagem, homem e cincia como elementos que constituem o mundo

    1.1. A imagem como objeto de estudo

    Vivemos em um mundo complexo, repleto de elementos que abarcam consigo valores, afetos e diferentes formas de compreenso e/ou interpretao humana. Valorizando, ento, a capacidade de abstrao, estamos constantemente submetidos a uma realidade que pode ser considerada, inicialmente, fruto de nossa imaginao.

    Inseridos no espao geogrfico, estamos a todo o momento em contato com uma nova realidade. As diferentes relaes estabelecidas entre homem e meio ambiente determinam a maneira pela qual compreendemos esta realidade. Porm, questionamos: qual essa realidade? Qual a interpretao que possumos sobre a realidade? Teramos apenas uma forma de interpretao desta realidade ou temos a possibilidade de compreender o mundo de diferentes maneiras, de acordo com o momento e, portanto, a realidade de cada situao? So questionamentos como

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    estes que conduzem nossas reflexes e, neste sentido, uma abordagem inicial sobre a imagem nos permite observar que:

    [...] preciso muitas vezes, para se fazer cincia, evitar as aparncias da cientificidade, contradizer mesmo as normas em vigor e desafiar os critrios correntes do rigor cientfico [...]. As aparncias so sempre pela aparncia. A verdadeira cincia, na maior parte das vezes, tem m aparncia e, para fazer avanar a cincia, preciso, freqentemente, correr o risco de no se ter todos os sinais exteriores da cientificidade (esquece-se que fcil simul-los) [...].

    (BOURDIEU, 2007, p.42)

    Em todas as possibilidades de verificao da imagem como objeto de estudo, as crticas em relao fidedignidade do trabalho proposto so sempre presentes, podendo ser consideradas constantes. Neste sentido, a imagem pode ser compreendida como um elemento que ultrapassa a natureza do simblico, pois, contrariamente, constitui e caracteriza a realidade das pessoas de forma peculiar.

    Fundamentando nossa pesquisa em pressupostos que constituem a viso aristotlica, podemos nos ater s consideraes sobre os argumentos que remetem ao princpio e ordem natural, na qual o filsofo se refere aos silogismos e aos elencos sofsticos, permitindo-nos observar que a imagem se enquadra em algumas de suas definies. Ao abordar semelhanas entre elementos contraditrios, que oscilam entre o que verdadeiro e o que falso, h uma considerao sobre a proximidade de tais conceitos, estabelecida entre o que podemos compreender como silogismo e sofisma. Mesmo no sendo nossa inteno um aprofundamento sobre o tema, h algumas reflexes aristotlicas que nos permitem comparar tais conceitos s imagens:

    [...] Por esta causa, [...], h silogismos e elencos aparentes e falsos. Assim como h pessoas que preferem parecer sbios a s-lo, em vez de o serem mesmo sem parecer, [...], para fazer uma comparao enumeradora, a meta de quem sabe, seja em que for, a de lisonjear o tema acerca do qual sabe e a de desmascarar quem assim proceda, e esta dupla meta consiste, uma em poder dar a razo para o que outro diz.

    (ARISTTELES, 1999, p.80)

    As ideias expostas tm sua comparao e associao com as imagens que consideramos, por um nico motivo: pelo fato de se constiturem como objetos que podem tanto representar a realidade quanto a omisso dos verdadeiros reflexos que integram a realidade. Neste sentido, devemos considerar a possibilidade de compreenso do mundo tanto a partir do que denominamos

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    Geografia da realidade quanto a partir do que denominamos realidade geogrfica. Em nosso entendimento, ambos os conceitos refletem as possibilidades de (re)interpretao, oriundas da capacidade cognitiva, especificamente humana, e assim temos nas imagens mais do que um objeto de estudo. Temos nas imagens um elemento que pode ser compreendido como aliado em relao nossa capacidade de (re)interpretao do (re)conhecimento do mundo.

    Complexas e subjetivas, as imagens se constituem como elementos que podem interferir positiva ou negativamente na compreenso da realidade, pois a capacidade de abstrao humana revela as diferentes formas de (re)interpretao do conhecimento e, consequentemente, as diferentes vises do mundo.

    Assim, distante dos rigores do positivismo cientfico, as imagens podem ser interpretadas como a manifestao das diferentes vises do mundo. Tal condio pode ser observada nas ideias de Durand (2004, p. 41, grifos do autor):

    [...] Todo pensamento humano uma re-presentao, isto , passa por articulaes simblicas. Ao contrrio do que afirmou um psiquiatra que esteve durante algum tempo na moda, no homem no h uma soluo de continuidade entre o imaginrio e o simblico. Por conseqncia, o imaginrio constitui o conector obrigatrio pelo qual forma-se qualquer representao humana.

    Se tomarmos como base para nossas reflexes as ideias relacionadas, observaremos que a imaginao atividade essencialmente humana se constitui como elemento que concretiza toda e qualquer forma de ao humana. O aparato imaginrio se torna simblico, pois a representao obtida a partir da abstrao humana pensamento definida a partir desta possibilidade de articulao do pensamento com a realidade.

    Mais uma vez nos encontramos diante das inmeras possibilidades de interpretao da realidade, tomando como fundamentao o sentido que atribumos s imagens. Ento observamos que as imagens, por vezes, no correspondem aos rigores exigidos pela atividade cientfica, conforme observamos nas ideias expressas por Bourdieu (2007, p.31-32, grifos do autor), ao discorrer sobre os limites que constituem os objetos de estudo numa interpretao positivista:

    Na prtica, veremos que se por a questo dos limites do campo, questo com aparncia positivista a que se pode dar uma resposta terica (o limite de um campo o limite dos seus efeitos ou, em outro sentido, um agente

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    ou uma instituio faz parte de um campo na medida em que nele sofre efeitos ou que nele os produz), resposta esta que poder orientar as estratgias de pesquisa que tm em vista estabelecer resposta de facto. Isto ter como conseqncia que quase sempre nos acharemos expostos alternativa da anlise intensiva de uma fraco do objecto praticamente apreensvel e da anlise extensiva do objecto verdadeiro. Mas o proveito cientfico que se retira de se conhecer o espao em cujo interior se isolou o objeto estudado [...] e que se deve tentar apreender, mesmo grosseiramente, ou ainda, falta de melhor, com dados de segunda mo, consiste em que, sabendo-se como a realidade de que se abstraiu um fragmento e o que dela se faz, se podem pelo menos desenhar as grandes linhas de fora do espao cuja presso se exerce sobre o ponto considerado [...]. E, sobretudo, no se corre o risco de procurar (e de encontrar) no fragmento estudado mecanismos ou princpios que, de facto, lhe so exteriores, nas suas relaes com outros objectos. Construir o objecto supe tambm que se tenha, perante os factos, uma postura activa e sistemtica. Para romper com a passividade empirista, que no faz seno ratificar as pr-construes tericas vazias, mas sim de abordar um caso com a inteno de construir um modelo que no tem necessidade de se revestir de uma forma matemtica ou formalizada por ser rigoroso , de ligar os dados pertinentes de tal modo que eles funcionem como um programa de pesquisas que pe questes sistemticas, apropriadas a receber respostas sistemticas; em resumo, trata-se de construir um sistema coerente de relaes, que deve ser posto prova como tal. Trata-se de interrogar sistematicamente, o caso particular [...].

    As diferentes e inmeras possibilidades de (re)interpretao do conhecimento presente no mundo, fundamentadas nas imagens, nos conduzem a identificar nossa incapacidade de desconsiderao sobre as etapas que consolidam a atividade cientfica. Diante de indagaes sobre a veracidade dos fatos, priorizando o que compreendemos em funo da realidade que constitui nossas vidas, nos deparamos com a necessidade de observar a importncia do mtodo cientfico para um melhor entendimento de nossas reflexes.

    1.2. Mtodo cientfico e conhecimento geogrfico: a necessidade de compreenso da integrao de elementos distintos na (re)interpretao da realidade

    As discusses tericas sobre o uso do mtodo para a comprovao do conhecimento verdadeiro tm sido o tema de inmeros debates ocorridos no meio acadmico. Assim, podemos tomar como apoio as ideias expressas por Demo (1985, p. 85), permitindo-nos observar que, entre as diferentes manifestaes, a dialtica possa:

    [...] ser a metodologia mais correta para as cincias sociais, porque aquela que, sem deixar de ser lgica, demonstra sensibilidade pela face

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    social dos problemas [...] propriamente uma metodologia social, no sentido de que no seria adaptvel, de forma adequada, s cincias exatas e naturais. [...]

    Neste sentido, mesmo enfocando nesta tese a cincia geogrfica, no podemos desconsiderar que a histria da cincia tem como base a Fsica. Em sua condio de cincia, a Fsica, apropriando-se do mtodo cientfico, toma como parmetro de anlise a possibilidade de aceitao ou de refutabilidade para a consolidao do conhecimento cientfico, considerado como a forma de interpretar a realidade que nos aproxima mais da verdade.

    Relacionando tal aspecto com as imagens que elaboramos e/ou evocamos ao interpretar a realidade (geogrfica) observada, podemos verificar que tais imagens nos permitem tambm a aceitao ou a refutabilidade.

    Para um melhor entendimento, devemos considerar como elementos de nossa anlise as expresses que constituem nosso principal questionamento:

    IMAGEM: Geografia da realidade ou realidade geogrfica?

    Considerando o que denominamos Geografia da realidade conceito a ser esclarecido junto realidade geogrfica no desenvolvimento desta tese , podemos associar tal expresso s diferentes formas de compreenso das relaes estabelecidas entre homem e espao geogrfico.

    A Geografia da realidade deve ser interpretada como o conceito que traz consigo toda e qualquer possibilidade de interpretao de uma realidade criada e recriada em todo momento. Neste sentido, apostamos no estabelecimento de inmeras e diversas relaes entre homem e meio ambiente, como referenciais para a interpretao das transformaes que constituem o mundo3.

    O dinamismo destas relaes est presente em seus diferentes contextos, impondo um ritmo acelerado atualidade: em questo de segundos estabelecemos contatos com pessoas que se encontram distantes milhares de quilmetros.

    Uma provvel imagem a ser elaborada e/ou evocada a partir de tais condies a de um mundo dominado pela agilidade expressa em resultados, nos quais identificamos o domnio que as aes humanas exercem sobre a natureza.

    3 A interpretao da palavra mundo e seu conceito em contexto geogrfico devem, neste caso, considerar o espao geogrfico

    habitado e modificado pelo homem, mas no abordar a constituio do mundo a partir da distribuio espacial dos pases e continentes, pois isto implicaria na definio de conceitos que desviariam o foco da pesquisa realizada.

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    Por outro lado, podemos tambm observar o surgimento de imagens que nos permitem identificar o homem como elemento escravizado pelas condies criadas por ele mesmo, para satisfazer suas necessidades.

    Atualmente, a lgica capitalista identificada em nossa sociedade nos permite confirmar tal condio, embora sem desconsiderar a importncia da afetividade:

    O espao vivido , por outro lado, marcado ainda por uma afetividade maior que nas sociedades industriais. A afetividade manifesta-se tanto no que diz respeito ao gostar dos lugares como movimentao espacial. Lugares e reas longnquas tornam-se prximos em funo da afetividade por eles, como se exemplifica com os lugares sagrados, objetivamente distantes.

    (CASTRO; GOMES; CORRA, 1995, p.33)

    A compreenso que temos do espao geogrfico confere importncia atuao do mtodo cientfico na interpretao da realidade, a partir da cincia geogrfica.

    Uma cincia to abrangente se torna elemento fundamental na interpretao da Geografia da realidade e da realidade geogrfica. A vida das pessoas engloba situaes cotidianas que conduzem tanto aquisio quanto interpretao do conhecimento. O conhecimento popular, tambm denominado senso comum, caracteriza a realidade observada. Consequentemente, a Geografia da realidade e a realidade geogrfica se constituem a partir desta sabedoria, tambm expressa nas imagens que constituem nosso objeto de estudo.

    Tais imagens podem, ento, representar a possibilidade de aceitao humana diante da realidade vivida, pois compreendemos o HOMEM como elemento que interfere no espao geogrfico, a partir de suas aes.

    Estabelecendo moradia fixa, por exemplo, o homem determina a presena de condies que assegurem sua sobrevivncia. Na medida em que isto ocorre, observamos que os resultados expressos ao final de longos perodos, geralmente no so levados em considerao. Suas consequncias so visveis apenas quando se constituem como fatores agravantes de situaes que, por vezes, se tornam irreversveis. Percebemos, por exemplo, que estamos diante de fenmenos que provocam profundas alteraes no clima do planeta e, portanto, que estamos sujeitos a grandes dificuldades de sobrevivncia, que vo desde a escassez da gua um recurso esgotvel e, portanto, no-renovvel at a incapacidade de

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    adaptao do homem s novas condies climticas, provocadas pelo mau uso da Terra. Sendo esta a morada do homem, encontramos na integrao Homem/Terra a presena da dinmica realidade que apontamos j na introduo.

    Atualmente, sofrendo as consequncias do aquecimento global, vemos que o homem sai em busca de novas formas de adaptao, a fim de garantir sua sobrevivncia. Nesse contexto, observamos tambm, em alguns momentos da obra euclidiana Os Sertes, que as condies fsicas podem determinar as condies de sobrevivncia e adaptao do HOMEM ao espao geogrfico descrito, e que tais condies interferem na vida do sertanejo:

    A enchente uma parada na vida. Preso nas malhas dos igaraps, o homem aguarda, ento, com estoicismo raro ante a fatalidade incoercvel, o termo daquele inverno paradoxal, de temperaturas altas. A vazante o vero. a revivescncia da atividade rudimentar dos que ali se agitam, do nico modo compatvel com uma natureza que se demasia em manifestaes dspares tornando impossvel a continuidade de quaisquer esforos.

    (CUNHA, 1984, p.58, grifos do autor)

    Entendemos a realidade geogrfica a partir da observao de situaes como a descrita. Desta maneira, identificamos o significado e a importncia da realidade geogrfica, pois ela nos permite identificar uma nova configurao do mundo, estabelecida com a ocorrncia das relaes entre homem e natureza. Diante da enchente, so traados os caminhos a serem percorridos, as aes a serem realizadas, as atitudes que nortearo o cotidiano do HOMEM, expresso na obra literria Os Sertes. Enfim, as relaes estabelecidas entre HOMEM e espao geogrfico determinam as condies de sobrevivncia e, portanto, as imagens que caracterizam a vida no serto: dificuldades, adversidades e aceitao.

    Temos nas dificuldades e adversidades a luta pela sobrevivncia diria e, para compreendermos a aceitao, necessrio observarmos que as condies fsicas do lugar e do HOMEM no so compatveis. Enquanto o HOMEM busca incansavelmente sua sobrevivncia, as condies climticas impem e determinam um ritmo que no considera sua realidade, bem como sua verdadeira necessidade diante da vida.

    Quando h uma preocupao em se definir um objeto de estudo, sobretudo no tocante cincia geogrfica, necessrio salientar que a possibilidade de definio deste objeto nos remete a pensar a Geografia como uma cincia que,

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    por considerar as dinmicas relaes estabelecidas entre homem e espao geogrfico, busca o que Moraes e Costa (1984) apontaram como a unidade da Geografia, ao abordarem, em seus estudos, a relao desta cincia com o marxismo.

    De acordo com os autores relacionados:

    [...] Entendemos que o marxismo no apregoa a existncia de um nico objeto de um nico campo de pesquisa, seja no estudo da natureza, seja no estudo da sociedade. Entendemos tambm que esse mtodo de interpretao do real no prope que se aborde todo o existente de uma nica vez, numa catica viso de totalidade. O materialismo histrico e dialtico trabalha, isto sim, com sucessivos e interdependentes procedimentos de abstrao e concreo. Isto , caminha da experincia para o abstrato (identificando e isolando problemas), e deste ascende para o concreto (pela insero dos problemas tratados em processos mais amplos). [...]

    (MORAES; COSTA, 1984, p. 47, grifos do autor)

    A possibilidade de se considerar a sucesso de procedimentos interdependentes de abstrao e concreo nos permite confirmar a presena da realidade geogrfica como uma nova configurao do mundo, conforme apontamos anteriormente.

    Para atender aos seus desejos, o homem se apropria do espao geogrfico e dos recursos nele contidos e, ento, a satisfao a ser atingida pelo homem, a partir de suas aes, interfere diretamente nas condies de sobrevivncia a serem observadas e compreendidas como uma das manifestaes expressas nas imagens que podemos elaborar e/ou evocar, quando nos propomos a conceituar a Geografia da realidade e a realidade geogrfica.

    Quando as imagens citadas so aceitas, o homem deixa de ser elemento que interfere na realidade para ser considerado elemento conduzido e, assim, conformado com situaes que determinam sua sobrevivncia em uma sociedade cuja realidade j se encontra concretizada, mas no estabelecida.

    Afirmamos que esta realidade no se encontra estabelecida porque, conforme relatamos anteriormente, temos o dinamismo como condio fundamental para o estabelecimento de inmeras relaes entre homem e natureza.

    Assim, a necessidade que o homem expressa em buscar o conhecimento resulta no domnio do espao geogrfico e contribui, tambm, com sua sistematizao, expressa em diferentes reas: biolgica, exata e humana. Tal

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    sistematizao deve, ento, ser compreendida como uma forma de organizao que compartimenta o conhecimento sem torn-lo invlido, mas assegurando sua condio reducionista. Subjugando a verdadeira possibilidade do conhecimento, sua classificao em reas diminui ou mesmo anula as possibilidades de compreenso a partir de sua prpria integrao.

    Tomando a cincia geogrfica em nossa tese, observamos a amplitude de seu alcance e, por este motivo, identificamos a presena de uma realidade geogrfica, sob a qual as imagens que surgem configurando nossa interpretao da realidade so determinadas a partir de nossa prpria sistematizao, pois tambm reduzimos e subjugamos o que vemos e vivemos. Em outras palavras, nossa curiosidade conduzida por momentos de (re)leitura e (re)interpretao de um conhecimento elaborado, que constitui o mundo que se encontra visvel nas situaes cotidianas.

    No temos necessidade de buscar a realizao de atividades acadmicas para conhecer algo, mas temos necessidade de dominar o desconhecido. Ento, a sistematizao se torna aspecto de fundamental importncia em nossa interpretao do mundo: se nossa interpretao da realidade se fundamenta na sistematizao do conhecimento, teremos como produto imagens tambm reduzidas, que retrataro o mundo sob perspectivas de anlise limitadas. No entanto, se nossa interpretao da realidade desconsidera tal sistematizao, certamente elaboraremos e/ou evocaremos imagens que nos permitiro novas formas de compreenso do mundo.

    Tais apontamentos nos permitem comparar o mtodo cientfico com as imagens. Enquanto as imagens se constituem como o produto de uma realidade dinmica, o mtodo cientfico tambm se manifesta na possibilidade de descoberta, e envolve processos to dinmicos quanto a prpria realidade.

    s imagens, reservamos a interpretao da transformao como produto de aes humanas, cujas interpretaes representam a realidade vivida e experienciada pelo HOMEM, pois retrata o dinamismo presente no cotidiano das pessoas. Este cotidiano, por sua vez, se torna um elemento fundamental na anlise que realizamos sobre as imagens, pois as aes realizadas e/ou exercidas pelos homens nem sempre so produtos de um processo reflexivo, a exemplo das a