Geologia e relevo: alicerces da paisagem Acreana

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1 - INTRODUÇÃO O conhecimento geológico de uma determinada região é altamente relevante, pois a geologia relaciona- se com os solos, relevo, vegetação, fragilidades ambientais (erodibilidade, erosividade), dentre tantas outras. Nos aspectos geológicos pode-se dizer que: Ao se desvendar o passado, permite-se conhecer melhor o presente e vislumbrar o futuro, principalmente, quanto ao uso dos recursos naturais. No entanto, embora a geologia seja uma base importante ao conhecimento da paisagem, deve-se ressaltar que o SOLO é o melhor estratifícador de ambientes (RESENDE, 1985), por atuar na interface com a biosfera, a hidrosfera e a atmosfera terrestre. Diante disso, reconhece-se que a paisagem Acreana é um exemplo marcante da influência da estrutura geológica, tectônica e a composição físico- química, condicionando a formação e evolução da paisagem, como relevo (geomorfologia), vegetação, so- los, hidrologia e outros aspectos ambientais importantes no melhor uso dos recursos naturais. O Acre é um estado geologicamente “recente” e há ainda uma carência de conhecimentos sobre a sua formação geológica e as relações com os aspectos ambientais. Embora Schobbenhaus & Neves (2003) GEOLOGIA E RELEVO: CAPÍTULO 1 João Luiz Lani Eufran Ferreira do Amaral Edson Alves de Araújo Nilson Gomes Bardales Carlos Ernesto G.R. Schaefer Bruno A. F. de Mendonça ofereçam abrangente visão da geologia, eles mencionam que pouco se conhece sobre a era Cenozóica (cerca de 65 Ma), especialmente na Amazônia Ocidental. Sabe-se, no entanto, que a Amazônia oferece a maior exposição contínua de sedimentos Terciários e Quaternários, exemplificados pelas chamadas Formações Içá e Solimões. Esta última predomina em quase toda a extensão do Acre, com exceção a uma pequena área na Serra do Divisor. As razões para esse desconhecimento são as mais diversas, podendo-se no entanto elencar algumas: Dificuldade de acesso a todas as regiões (falta de estradas); Incidência de doenças como a malária e, Ausência de técnicos especializados (residentes) na região. São poucos os profissionais que atuam efetivamente, na amazônia, apesar do seu grande potencial mineral e de outros recursos naturais. O Estado do Acre possui um dos mais ricos e variados conjuntos de ambientes florestados da Amazônia, além da dominância de solos eutróficos, ricos em nutrientes, especialmente em cálcio e magnésio singular aos trópicos úmidos do Brasil, decorrentes de uma CAPÍTULO 1 08 ALICERCES DA PAISAGEM ACREANA

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Capítulo aborda solos, geologia e geomorfologia do Acre

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1 - INTRODUÇÃO

O conhecimento geológico de uma determinada região é altamente relevante, pois a geologia relaciona-se com os solos, relevo, vegetação, fragilidades ambientais (erodibilidade, erosividade), dentre tantas outras. Nos aspectos geológicos pode-se dizer que: Ao se desvendar o passado, permite-se conhecer melhor o presente e vislumbrar o futuro, principalmente, quanto ao uso dos recursos naturais. No entanto, embora a geologia seja uma base importante ao conhecimento da paisagem, deve-se ressaltar que o SOLO é o melhor estratifícador de ambientes (RESENDE, 1985), por atuar na interface com a biosfera, a hidrosfera e a atmosfera terrestre.

Diante disso, reconhece-se que a paisagem Acreana é um exemplo marcante da influência da estrutura geológica, tectônica e a composição físico-química, condicionando a formação e evolução da paisagem, como relevo (geomorfologia), vegetação, so-los, hidrologia e outros aspectos ambientais importantes no melhor uso dos recursos naturais.

O Acre é um estado geologicamente recente e há ainda uma carência de conhecimentos sobre a sua formação geológica e as relações com os aspectos ambientais. Embora Schobbenhaus & Neves (2003)

GEOLOGIA E RELEVO:

CAPÍTULO 1 João Luiz LaniEufran Ferreira do Amaral

Edson Alves de AraújoNilson Gomes Bardales

Carlos Ernesto G.R. SchaeferBruno A. F. de Mendonça

ofereçam abrangente visão da geologia, eles mencionam que pouco se conhece sobre a era Cenozóica (cerca de 65 Ma), especialmente na Amazônia Ocidental. Sabe-se, no entanto, que a Amazônia oferece a maior exposição contínua de sedimentos Terciários e Quaternários, exemplificados pelas chamadas Formações Içá e Solimões. Esta última predomina em quase toda a extensão do Acre, com exceção a uma pequena área na Serra do Divisor.

As razões para esse desconhecimento são as mais diversas, podendo-se no entanto elencar algumas:

Dificuldade de acesso a todas as regiões (falta de estradas);

Incidência de doenças como a malária e,

Ausência de técnicos especializados (residentes) na região.

São poucos os profissionais que atuam efetivamente, na amazônia, apesar do seu grande potencial mineral e de outros recursos naturais.

O Estado do Acre possui um dos mais ricos e variados conjuntos de ambientes florestados da Amazônia, além da dominância de solos eutróficos, ricos em nutrientes, especialmente em cálcio e magnésio singular aos trópicos úmidos do Brasil, decorrentes de uma

CAPÍTULO 1

08

ALICERCES DA PAISAGEM ACREANA

maria
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LANI, J. L. ; AMARAL, E. F. ; ARAÚJO, E. A. ; BARDALES, N. G. ; SCHAEFER, C. E. G. R. ; MENDONÇA, B.A.F . Geologia e relevo: alicerces da paisagem Acreana. In: Edson Alves de Araújo; João Luiz Lani. (Org.). Uso sustentável de ecossistemas de pastagens cultivadas na Amazônia Ocidental. Uso sustentável de ecossistemas de pastagens cultivadas na Amazônia Ocidental. Rio Branco: Secretaria Estado de Meio Ambiente - SEMA, 2012, v. 1, p. 09-37.
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distribuição da vegetação na paisagem (Figura 1). Os solos estudados apresentam horizontes superficiais com quantidades elevadas de material orgânico pouco de-composto, de cores bruno escuro a muito escuro, indicando as condições ambientais favoráveis ao acúmulo. As características texturais do material de origem condicionam um pedoambiente excessivamente drenado, seja pela elevada porosidade e permeabilidade do material arenoso ou pela acentuada declividade.

Os Solos 1 e 2 são típicos de Floresta Ombrófila Densa Submontana com predomínio de bromélias no sub-bosque (Figura 2). Essa vegetação possui características semelhantes à Floresta de Ceja, de ocorrência na encosta oriental Andina. Nestes ambientes, o acúmulo de material orgânico fibroso com mais de 40 cm de espessura, possui cores bruno muito escuro, associado com os restos das bromélias em decomposição (Tabela 1). Esse acúmulo expressivo de material orgânico nos horizontes superficiais, devido, em grande parte, à pobreza química do material de origem, com teores elevados de Al trocável, ou ainda, associado a uma cobertura vegetal de difícil decomposição; A textura arenosa destes solos, com acentuada macroporosidade, associada à precipitação elevada da região, também favorece a migração dos compostos orgânicos ligados a formas pouco cristalinas de Fe e Al.

Os Solos localizados em pontos mais baixos da Serra constituem Neossolos Litólicos em razão da menor profundidade e ausência de horizonte B (Figura 2, Tabela 1). O Solo 3 apresenta acúmulo de 30 cm de material orgânico fibroso na superfície (horizonte or-gânico), associado à presença conspícua da vegetação rasteira do gênero Lycopodium sob Floresta Ombrófila Densa Submontana, não apresentando contato lítico nos primeiros 40 cm. O Solo 4 está localizado no terço inferior da encosta (290 metros de altitude) próximo à margens do rio Môa, sob Floresta Ombrófila Aberta com grande densidade e diversidade de palmeiras. Possui horizonte orgânico de 10 cm, sobre um horizonte A moderado de 5 cm e contato lítico fragmentário a 35 cm de profundidade (Tabela 1).

As Florestas da Serra do Divisor mostram uma estrutura mais aberta de porte mais baixo, nas cotas altimétricas acima de 200 metros, associados a solos ricos em matéria orgânica e muito pobres em nutrientes; com aumento de altitude, o sub-bosque mostra-se cada vez mais dominado por bromeliáceas e pteridófitas. Nas cotas mais baixas, com solos mais ricos, é muito grande a riqueza de palmeiras, algumas endêmicas à Serra e seu

herança paleoclimática holocênica, quando o clima domi-nante era mais seco e de sedimentos ricos vindo dos Andes. Em seu extremo oeste, ocorre o maior conjunto de relevo montanhoso do Acre, a Serra do Divisor. Esta possui uma flora riquíssima e pouco explorada, com características de transição com as florestas subandinas. Ali tem-se a área mais pluviosa do Acre, que representou um provável refúgio florestal do Quaternário.

Na Serra do Divisor, noroeste do Acre, a zonação altitudinal e pedológica é básica para o entendimento das diferentes formações florestais ocorrentes. Na classificação Köppen, é uma área com clima do tipo A (clima tropical chuvoso), dos subtipos Am (monção com uma estação seca curta, mas com precipitação elevada suficiente para manter as florestas tropicais) e Af (floresta com altas temperaturas, muita chuva e amplitude

térmica dos meses mais quentes e mais frios, menor que 5ºC). Esta região constitui uma primeira barreira geográfica para as massas de vapor d'água vindas do leste amazônico, atingindo cerca de 700 metros de altitude no território brasileiro, em condições favoráveis às formações de florestas nebulares (cloud forest). Tais ambientes, conhecidos na região oriental da Cordilheira Andina Amazônica como bosques de ceja ou ceja andina , ocupam uma faixa altitudinal aproximada entre 600 a 2.000 metros, caracterizadas por uma grande variedade de epífitas (destacando a família das Bromeliaceae), líquens, musgos e espécies arbóreas de menor porte e com dossel aberto.

São comuns cicatrizes de deslizamentos, em razão do mate rial formado por sedimentos inconsolidados arenosos (Cretáceo). Nestes locais, observam-se elevado acúmulo de material orgânico na superfície, favorecidos pela extrema pobreza química dos solos e do material vegetal de decomposição lenta, predominantemente de resíduos das bromélias. Pela grande afinidade entre as formações observadas no topo da serra e as Florestas de Ceja andinas, considerou-se peculiar a ocorrência desta formação, ainda não descrita em território brasileiro.

As características do relevo, em padrão escarpado, associada aos solos de textura arenosa (Tabela 1), provenientes da decomposição das rochas sedimentares, arenitos da Formação Môa, favorecem os deslizamentos em massa das camadas superficiais do solo, sendo comum a presença de afloramentos de rocha. De modo geral, em uma toposseqüência de solos na Serra do Divisor as variações topográficas, associadas ao material de origem, são determinantes na formação destes solos e estão diretamente correlacionadas à

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Tabela 1. Características físicas e químicas dos solos na topossequência na Serra do Divisor, com suas respectivas altitudes em metros

Horizonte

(cm)

Cor Areia

Grossa

Areia

Fina Silte Argila pH

H2O

P K Na Ca Mg Al H + Al SB t T C

Úmida -----------------dag /kg----------------- --------mg/dm3------- ---------------------------cmolc /dm3---------------------------- dag/kg

P1 ESPODOSSOLO FERRIHUMILÚVICO Órtico arênico Floresta Ombrófila Densa submontana com Bromélias

O (40-0) 7,5YR 2/2 - - - - 3,4 16,4 86 8,4 0 0,0 2,4 39,1 0,3 2,7 39,4 29,46

A1 (0-10) 10YR 2/1 57 32 7 4 3,7 5,3 29 0,0 0 0,0 1,1 13,5 0,1 1,2 13,6 2,9

E (10-35) 10YR 4/3 55 38 5 2 4,2 1,5 9 0,0 0 0,0 0,4 3,2 0,0 0,5 3,2 0,4

Bs (35-45) 10YR 5/4 60 33 3 4 4,5 0,9 5 0,0 0 0,0 0,7 8,6 0,1 0,8 8,7 0,8

Bhs (35-70) 10YR 2/1 55 31 5 9 4,7 1,4 4 0,0 0 0,0 1,1 19,7 0,0 1,1 19,7 2,9

CR(70-80+) 10YR 3/3 49 46 1 4 5,2 1,3 4 0,0 0 0,0 0,2 4,1 0,0 0,2 4,1 0,5

P2 ORGANOSSOLO HÁPLICO Fíbrico típico Floresta Ombrófila Densa submontana com Bromélias

O (50-0) 7,5YR 2/2 - - - - 3,7 15 217 3,4 0 0,1 2,1 31,2 0,6 2,7 31,8 25,3

A1 (0-15) 10YR 2/2 61 29 2 8 4,2 4,1 60 0 0 0,1 1,2 13,4 0,2 1,4 13,6 3,2

C1 (15-70) 10YR2,5/2 72 24 3 1 4,6 0,9 7 0 0 0,0 0,4 4,9 0,0 0,4 4,9 0,5

C2 (70-90) 10YR 2/2 81 12 3 4 5,0 2,1 6 0 0 0,0 0,4 8,1 0,0 0,5 8,1 0,7

P3 NEOSSOLO LITÓLICO Hístico típico Floresta Ombrófila Densa submontana com Lycopodium

O (30-0) 7 ,5YR 2 ,5/3 - - - - 3,9 16 189 1,4 0 0,1 1,4 17,0 0,6 1,9 17,6 30,7

A1 (0-10) 10YR 2/2 71 15 4 10 3,8 6 55 0 0 0,1 1,2 13,7 0,2 1,4 13,9 3,5

C (10-40) 10YR 3/4 69 19 2 10 4,3 1,4 23 0 0 0,0 0,9 8,1 0,1 1,0 8,2 1,0

P4 NEOSSOLO LITÓLICO Distrófico fragmentário Floresta Ombrófila Aberta com Palmeiras

O (10-0) 10YR 3/3 66 21 4 9 4,7 16 131 0,4 1 0,2 0,7 8,6 1,6 2,3 10,2 4,8

A (0-5) 10YR 3/4 55 32 6 7 5,0 3,2 27 0 0 0,1 0,4 6,8 0,1 0,6 6,9 1,6

AC (5-15) 10YR 4/4 52 31 11 6 5,6 3,3 21 0 0 0,0 0,3 5,7 0,1 0,4 5,8 1,9

C1 (15-35) 10YR 4/6 62 26 7 5 5,2 1,4 7 0 0 0,0 0,2 3,5 0,0 0,2 3,5 2,1

SB Soma de bases; CTC Capacidade de Troca Catiônica a pH 7. Fonte Schaefer et al,. 2009.

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entorno, como Dictyocaryum ptarianum, Syagrus smithii, Wettinia augusta e Euterpe precatoria var. longevaginata. Ocorrem ainda diversas espécies dos gêneros Astroca-ryum, Aiphanes, Attalea, Bactris, além de outras espécies de gêneros como: Chamaedorea, Cheliocarpus, Desmoncus, Geonoma, Iriartea, Hyosphat, Iriartella, Lepidocaryum, Maximiliana, Scheelea, Socratea, Syagrus, diversos Oenocarpus e Phytelephas macrocarpa.

Portanto, as matas de Palmeiras da Serra do Divisor são uma das mais ricas em diversidade de todo o Brasil e possuem padrões dedistribuição em forte associação com os solos da Serra, que variam desde eutróficos, argilosos, até solos arenosos e podzolizados, com acúmulo de matéria orgânica. Variações fitofisionômicas expressivas acompanham as variações de solos e relevo.

No caso da geologia do Acre, a maioria das referências são resul tados dos trabalhos do RADAMBRASIL (BRASIL, 1976, 1977), do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), e mais recentemente os desenvolvidos pela EMBRAPA (CAVALCANTE, 2005 a, b, 2006).

Diante disso, procurou-se de forma simplificada

Figura 1. Bloco diagrama da Serra do Divisor e parte da várzea do rio Môa, indicando a localização da topossequência dos solos e as respectivas formas do relevo e formações geológicas (1-Espodossolo Ferrihumilúvico; 2- Organossolo Háplico; 3 e 4- Neossolo Litólico; TQs-Formação Solimões; Qai-Aluviões Holocênicos; Qc-Coluviões Holocênicos; Km-Formação Môa; Kra-Formação Rio Azul; Kd-Formação Divisor).

Font

e: S

chae

fer

et a

l., 2

009.

A

E

B

F

D

G

C

Figura 2. Perfil do Espodossolo Ferrihumilúvico (A), Organossolo Háplico (B) e (E), Neossolo Litólico (F) coletados em uma topossequência na Serra do Divisor, oeste do Acre. Vista geral do imenso anfiteatro Amazônico (C) observada no local de coleta do Solo 2, sob a Floresta de Ceja. Sub-bosque com Bromélias, típico das Florestas de Ceja, com perfil de solo com elevado acúmulo de material orgânico fibroso (D). Encosta com Floresta Ombrófila Aberta da Serra do Divisor (G), correlata ao local da topossequência de solos estudados.

Font

e: S

chae

fer e

t al.,

200

9.

apresentar uma reflexão sobre a geologia e a geomorfologia do Acre, sua influência nos diferentes estratos da paisagem e como a mesma pode influenciar o cotidiano dos habitantes, bem como os aspectos ambientais com o intuito de que, para melhor manejar é preciso, primeiro, conhecer.

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(2) Há diferenças na natureza química e mineralógica desses sedimentos?

(3) Há relações definidas entre os sedimentos (material de origem) e os solos que deles se desenvolvem?

(4) São estas relações capazes de influenciar diretamente o comportamento agropastoril, ou podem indicar tipos de manejos dos solos mais adequados?

(5) Quais são os ambientes mais frágeis?

Tentar-se-á nestas reflexões responder estas questões com base no acervo de informações existentes, enquanto muitas lacunas vão ser deixadas em aberto, pois há ainda muito a se conhecer e aprofundar, antes de oferecer um quadro mais definitivo de assunto tão complexo. Os estudos da paisagem nunca se esgotam e há sempre muito conhecimento novo a ser desvendado.

3. TEMPO GEOLÓGICO NO ACRE:

UM ESTADO JOVEM

Como dito, os sedimentos da Bacia do Acre não são

antigos (Figura 5). A maior parte é constituído de

materiais acumulados desde o Mioceno (com início a cerca

de 23 Ma), com predomínio de sedimentos bem mais

modernos, do Pleistoceno (os últimos 1,8 Ma). Isso significa

que houve pouca cimentação (endurecimento) e a maioria

deles é bem estruturado, frouxo e friável. A l ém d i s s o ,

tiveram pouco tempo relativo para formar solos muito

intemperizados. Estes guardam as características de sua

composição sedimentar de origem. São solos que ainda

apresentam muitas características dos sedimentos

originários. Nesta situação, torna-se difícil distinguir o que

é solo e o que é sedimento, fato, aliás, comum a todas as

bacias Cenozóicas Brasileiras.

Os sedimentos mais recentes correspondem à cobertura Detrito-Laterítica Pleistocênica (1,8 Ma); Aluviões e Coluviões Holocênicos (últimos 10.000 anos), Terraços Holocênicos e Pleistocênicos.

Ocorrem sedimentos de texturas as mais variadas, desde argilosos até siltosos, depositados por regimes de águas mais calmas (ambiente flúvio-lacustre) até sedimentos arenosos, com maior energia dos rios (BRASIL, 1976; KRONBERG & BENCHIMOL, 1992).

Os principais eventos geológicos com destaque para o sudeste do Acre encontram-se na Figura 6.

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2. O ACRE: LOCALIZAÇÃO E SÍNTESE GEOLÓGICA

O Estado do Acre localiza-se sobre uma vasta bacia sedimentar contínua, que ocupa grande parte da região amazônica ocidental (Figura 3).

A bacia do Acre, na sua maior parte, é representada por sedimentos Cenozóicos (Terciários e Quaternários). Tem seus limites a oeste com os dobramentos mais antigos da Serra do Divisor (Paleozóicos até Mesozóicos), que formam os primeiros dobramentos associados aos Andes. É denominada de bacia do Acre e tem a Formação Solimões como principal componente, e, sua divisa, ao oeste (W) se dá com a Serra do Divisor (Figura 4).

É possível perceber que a base geológica que sustenta a Serra do Divisor não é sedimentar, ou em outras palavras, é constituída de rochas ígneas e metamórficas muito antigas, do embasamento cristalino. A profundidade da sedimentação Cenozóica da Bacia do Acre varia de 800 a 2.000 metros, assentando-se sobre rochas do embasamento ou sedimentos Paleozóicos sobrepostos. Isto se traduz em enorme dificuldade de se encontrar "pedra" ou rocha dura, para uso em construção ou pavimentação, pois o embasamento encontra-se oculto em grandes profundidades. O pacote sedimentar que o recobre é relativamente pouco cimentado e dá uma idéia da intensa erosão que houve nesta região, ao longo dos últimos milhões de anos. Para que haja sedimentos acumulados numa bacia qualquer é preciso que o solo seja formado e transportado de outro lugar. Um ponto importante é que a Formação Solimões ocupa hoje o topo da paisagem dos interflúvios acrianos, indicando que houve um soerguimento da bacia de acumulação após sua formação e consolidação. Além disso, indica claramente que houve uma (ou mais) áreas fontes mais distante, hoje bastante erodida e rebaixada, que forneceu grande volume de sedimentos.

A Formação Solimões se sobrepõe à outras Formações mais antigas e de composição variada (Figura 4). O Grupo Acre constitui os sedimentos Cretáceos que afloram na Serra do Divisor, assentados sobre rochas Pré-cambrianas ou Paleozóicas mais antigas (Formação Formosa).

Como representa uma bacia sedimentar, importa conhecer a área fonte dos sedimentos em questão. Nesta situação, há algumas perguntas importantes a serem respondidas:

(1) Os sedimentos Cenozóicos possuem uma ou mais de uma fonte?

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Figura 3. Bacia do Acre, incluída de forma muito generalizada no contexto das bacias sedimentares Cenozóicas interiores do Brasil.

Font

e: S

ilva

et a

l. (2

003)

.

Figura 4. A Formação Solimões ocupa grande parte do Estado do Acre com sedimentos que variam de 800 a 2.000 metros de profundidade.

Fonte: Eiras et al.,1994.

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Figura 5. Coluna estratigráfica do Estado do Acre. Fonte: Modificado de Eiras et al., 1994.

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Figura 6. Coluna geológica com destaque para a geologia do sudeste do Estado do Acre.Fonte: Amaral, 2007.

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4. PAISAGEM E GEOLOGIA: UMA INTEGRAÇÃO

No aspecto geológico, há diversas observações úteis para entender a paisagem Acreana e seus usos atuais. Como exemplo, citam-se:

No Estado do Acre verifica-se que há ausência geral de rochas duras aflorantes (a popular pedra ). Diante disto, pode-se inferir que a causa é a grande profundidade da bacia de sedimentação argilo siltosa da Formação Solimões e a incipiente dissecação da paisagem;

Nos perfis de solo, como barrancos de beira das estradas, há camadas de diferentes cores e texturas. Predominam, entretanto, camadas mais argilosas com material mais fino, muito pegajoso, alternando com menor proporção de camadas arenosas, que são também mais delgadas (Figura 7). A explicação plausível para isto é que na Bacia do Acre ocorreram ambientes de sedimentação predominantemente mais calmos (águas calmas), com áreas-fonte ricas em silte e argila. Não há muita areia, como também não são comuns solos arenosos. Normalmente a fração areia predomina na parte superior do solo (primeiros 10 cm) e há uma maior ocor-rência na região entre Cruzeiro do Sul e Mâncio Lima, onde foram identificados Espodossolos e Neossolos Quartzarênicos.

Em algumas regiões, sobretudo na porção central do Estado, as argilas são expansivas, muito plásticas e pegajosas, quando molhadas. Apresentam trincamento quando secas. Elas dificultam a infiltração da água das chuvas. São solos rasos, que se fecham após as primeiras chuvas, impedindo a recarga do lençol freático. Sendo esta, uma das principais razões da grande varia-ção de vazão dos rios e a ocorrência, no curto período de seca, de inúmeros igarapés secos (Figura 8).

A implicação mais notável das características físico-hídricas destes solos é que o pedoclima (clima do solo) não reflete exatamente o clima atmosférico (BARDALES, 2005; AMARAL, 2007). Os efeitos da seca se fazem notar bem mais rapidamente, pois quase a totalidade das águas das chuvas perde-se por es-coamento superficial (o solo não permite uma boa infiltração), o que eleva rapidamente o nível dos rios e igarapés nas chuvas, enquanto a evaporação é intensa. Pela pouca recarga durante os períodos chuvosos, sobra pouca água para abastecer os rios e igarapés durante a estação seca. Assim, o manejo desses solos deve ser voltado à práticas que aumentem a capacidade de infiltração de água no solo (uso de cobertura do solo,

cordões em nível, terraços de base estreita e outras práticas) e o armazenamento da mesma em açudes etc. Desse modo, é possível reduzir a perda de água e efeitos adversos da seca tanto como na falta de água potável como também para as culturas e pastagens nos curtos períodos de estiagem. Sugere-se que o Estado, para minimizar os efeitos da baixa infiltração da água no solo, invista e estimule obras de Engenharia como cordões de infiltração de água, bacias de infiltração, açudes e canais de condução da água de estradas com destino a valetas de infiltração . Estas práticas já são bem conhecidas e apresentam alto grau de eficiência.

Na parte central da Bacia do Acre, os vales são pouco profundos e o talvegue (diferença entre o topo da paisagem e o fundo do vale) é menor. Os rios não possuem cachoeiras, pois não correm sobre rocha dura, e sim sobre sedimentos friáveis. Além disso, os rios são muito recentes e ainda pouco encaixados. A paisagem como um todo é muito recente, como ilustra a sucessão primária de vegetação de bambu espinhento (Guadua weberbaueri), formando gigantescos taquarais quase monodominantes, popularmente conhecidos como taboca. Na direção das bordas da Bacia do Acre, a leste e a oeste, os rios são mais encaixados e o topo da paisagem mostra a ocorrência de paisagens bem mais antigas.

Na borda leste, na região de Capixaba, ocorrem muitos geoglifos, um dos temas mais intrigantes da Arqueologia Amazônica. São possíveis testemunhos de ocupação por sociedades indígenas pré-colombianas, nas áreas mais altas do Estado, local atualmente ocupado pela Floresta Ombrófila Densa, com inúmeras castanheiras do Brasil (Bertholletia excelsa), árvores frondosas que se destacam na paisagem. Aparentemente, os geoglifos sugerem um modelo de ocupação de uma paisagem savânica aberta, pois a maioria situa-se em pontos estratégicos de observação do horizonte, com forte aspecto defensivo (SCHAAN et al., 2007), que não teriam sentido na paisagem florestada. Estudos estão sendo conduzidos na Universidade Federal de Viçosa com o intuito de conhecer melhor sua origem, bem como pelos vestígios das sociedades que ocuparam esta região (CARMO et al., 2009) (Figura 9).

O encaixamento e direções dos rios acreanos obedecem a controles estruturais dos sedimentos e a condicionantes tectônicos bem evidentes pela elevação dos Andes. Isso é demonstrado em razão da assimetria generalizada dos vales, basculados por sutis deslocamentos tectônicos de blocos. As partes mais altas possuem solos mais desenvolvidos.

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Nas áreas mais elevadas dos extremos leste e oeste do Acre, existem condições de melhor drenagem e ocorrem com freqüência os Latossolos (um dos solos mais velhos). Os Latossolos Amarelos só ocorrem em grandes extensões no extremo oeste, em Cruzeiro do Sul. Na borda leste, na região de Capixaba, menos dissecada, predominam Latossolos Vermelho e Vermelho-Amarelo. Devido à elevada pluviosidade atual, esperava-se a predominância de solos mais amarelados. Uma das hipóteses para explicar a cor observada é a influência do sedimento carbonático com maiores teores de cálcio que favoreceu a formação e manutenção da hematita, e o tempo relativamente recente de instalação do clima úmido, insuficientes para a goethizacão. Esta região apresenta o maior potencial para o uso de mecanização, pois o relevo varia de plano a suave ondulado e os solos são, na sua maioria, profundos e bem drenados (Latossolos) (ARAÚJO et al., 2001; ACRE, 2006).

Na região central do Estado, após o rio Caeté e logo depois de Sena Madureira, há predomínio de solos jovens com argilas de atividade alta e altos teores de silte e argila. No extremo oeste do Acre, onde o clima é bem mais úmido, praticamente sem estação seca, ocorrem Espodossolos desenvolvido de sedimentos areno-argilosos profundamente lixiviados sob vegetação denominada de Campinarana (Figura 10).

A coluna geológica (Figura 6) pode ser utilizada para emoldurar a cronologia dos principais eventos e suas consequências na paisagem Acreana. Do Mioceno (23 Ma) ao Plioceno (5,3 Ma), eventos tectônicos deflagraram a formação dos Andes, cujos primeiros dobramentos ocorrem no Acre, constituindo a Serra do Divisor (Figura 11), onde se localiza importante área de conservação da natureza, (Parque Nacional da Serra do Divisor). Nessa mesma época definiu-se o arcabouço tectônico do Acre, já que a parte central mais baixa passou a receber sedimentos provenientes do eixo de canais que erodiam a borda Andina, à medida que esta se elevava.

Antes da elevação Andina, a drenagem amazônica com sua imensa rede de rios e canais, tinha como direção o atual Oceano Pacifico (Figura 12). Os sedimentos Mesozóicos e Paleozóicos foram dobrados e começaram também a ser erodidos contribuindo para o entulhamento da recém-formada Bacia do Acre, agora para leste. Entretanto, a maior parte dos sedimentos provinha dos blocos tectônicos mais elevados dos Andes, que eram mais ricos e mais erodidos. Desta forma, a Bacia do Acre passou a receber sedimentos mais jovens, menos intemperizados e quimicamente mais ricos. Nessa época, os rios do sistema hidrográfico do Amazonas drenavam

Figura 7. Corte de estrada ao longo da BR 364, no trecho entre Sena

Madureira e Manuel Urbano, onde é possível visualizar os estratos

sedimentares da Formação Solimões. Fotografia: Edson Alves de Araújo,

outubro de 2009.

em direção contrária a atual. Em razão desse fenômeno era chamado de SANOZAMA (Amazonas escrito de trás para frente).

A elevação Andina impôs uma acentuada mudança ecológica e ambiental, de grande importância na região Amazônica. Com ela houve a formação de uma grande barreira física de bloqueio à conexão com o Oceano Pacífico, forçando a drenagem a espalhar-se de forma desorganizada no vasto anfiteatro baixo e inundá-vel. Nos períodos mais úmidos, formavam enormes lagos que coalesciam (junção de partes que se encontravam separadas) nos períodos secos. A fauna concentrava-se nos lagos que secavam e a vegetação florestal degradava-se em amplas pastagens.

Durante a última glaciação, predominaram climas bem mais secos na Amazônia, há cerca de 10.000 anos (10 Ka) as chuvas passaram a ser mais intensas e abundantes.

Criou-se então um grande lago, que confinou as águas do Alto Amazonas, Juruá e Purus, por algum tempo, num sistema fechado, sem canais organizados

Concomitantemente, outro fenômeno que ocorreu

foi o rebaixamento do Arco de Iquitos, tornando a Bacia intracontinental com a área de deposição passando para oeste, mais especificamente na região de Cruzeiro do Sul. Isto trouxe uma série de implicações ambientais como a ausência de rochas aflorantes, o que leva ao uso de blocos de argila calcinada (tijolo) no revestimento das ruas (Figura 13) e a uma maior dificuldade na construção das estradas, o que resulta em elevados custos de construção e manutenção (Figura 14).

p a r a d r e n a r a o m a r .para drenar ao mar.

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Page 11: Geologia e relevo: alicerces da paisagem Acreana

Figura 12. Evolução da paisagem da região de inserção do Estado do

Acre. A. Fase I. Sedimentação da borda continental (Sanozama). B.

Fase II. Compressão preliminar (Transgressões marinhas). C. Fase III.

Formação de Ilha em Arco (Inversão do sentido geral da drenagem,

grandes lagos secundários e formação do lago Amazonas). D. Fase IV.

Clímax orogênico (Cordilheira dos Andes e Formação Solimões,

paisagem atual).

Font

e: A

mar

al, 2

007.

Figura 13. Rua calçada com argila calcinada (tijolo) no município de Rio Branco. Fotografia: Nazaré Macedo, setembro de 2006.

Figura 14. BR 364 entre Tarauacá e Cruzeiro do Sul. Devido à ausência de brita ( pedra ) na região, utiliza-se uma camada de cimento para dar suporte ao leito da estrada. Fotografia: João Luiz Lani,

agosto de 2008.

Figura 9. Vista aérea do Geoglifo Bimbarra, na região do município de Capixaba, Acre. Fotografia: Acervo do Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN), em julho de 2008.

Figura 8. Igarapé, com leito quase seco, ao longo da BR 364, trecho entre os municípios de Feijó e Sena Madureira. Fotografia: Edson Alves

de Araújo, agosto de 2009.

Figura 10. Espodossolo com predominância de Campinaranas do Acre, no município de Cruzeiro do Sul, Acre. Fotografias: Edson Alves de

Araújo, agosto de 2009.

Figura 11. Presença de rochas metarenitos na região da Serra do

Divisor, Acre. Fotografia: Carlos Schaefer, 2009.

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Page 12: Geologia e relevo: alicerces da paisagem Acreana

5. PRINCIPAIS FORMAÇÕESGEOLÓGICAS DO ESTADO DO ACRE

As principais formações geológicas identificadas no Acre, encontram-se no Quadro 1. Neste subitem, tentar-se-á descrever desde a beira do rio (Aluviões Holocênicos) até o topo da paisagem onde foram identificadas a Formação Solimões e a Cobertura Detrítica-Laterítica Pleistocênica.

5.1. Aluviões Holocênicos

Este material ocorre às margens dos rios e igarapés (Figura 15). São sedimentos recentes e formam as praias. Grande parte do material terroso tem a sua possível origem no desbarrancamento dos rios (solapamento). A granulometria do material depositado às margens dos rios depende da energia da água dos cursos d'água. Onde são mais enérgicas (maior correnteza) ocorrem sedimentos mais grosseiros (areia), e nas mais calmas depositam-se materiais mais finos (argila e silte).

Apesar da extensa cobertura vegetal, os rios do Acre são muito barrentos e carreiam grande quantidade de sedimentos finos. Supõe-se, pela extensa cobertura vegetal, que a erosão laminar não seja tão intensa. É possível que a argila suspensa seja proveniente do encaixamento atual da drenagem erodindo as bordas dos terraços antigos, ou ainda à erosão dos solos muito intensa durante as primeiras chuvas. Pesquisas para identificar a origem desses sedimentos e da verdadeira causa da elevada turbidez da maioria das águas superficiais (barrentas), devem ser implementadas. Rios que drenam áreas geologicamente mais antigas e arenosas, como o rio Moa, não possuem tal carga sedimentar argilosa. Outra causa possível é o próprio fluxo lateral de argilas (translocação de argilas) devido ao proceso de podzolização dos solos do Acre, além do desbarrancamento dos terraços.

Os Aluviões, sedimentos próximo às margens mais baixas dos rios, estão sujeitos ao encharcamento temporário nos períodos de cheia dos rios. Nestes locais formam-se Gleissolos e Neossolos Flúvicos. A depender da origem do material, podem ser ricos em nutrientes (eutróficos) e formarem excelentes pastagens (Brachiaria sp.) ou mesmo serem utilizados em culturas de ciclo curto (milho, feijão, melancia, etc.). Atualmente o uso agrícola dessas áreas é proibido em razão da legislação que preconiza que deve ser deixada com vegetação nativa

(APP - Área de Preservação Permanente). Contudo, estes solos de várzea são um dos ambientes mais sustentáveis e mais produtivos da Amazônia, e responsável por quase tudo que se venda nas feiras regionais, e sustenta a subsistência das comunidades ribeirinhas. Tais usos aparentemente conflitantes com a lei atual, indicam a necessidade de ajustes da legislação, que levem em conta o conhecimento da geomorfologia e das características dos solos, que podem contribuir para um melhor uso, tendo como unidade de planejamento a bacia hidrográfica. Um caminho mais adequado seria uma regionalização da legislação, que deve ser específica e adequada a cada bacia hidrográfica, devido às peculiaridades do ambiente e dos usos tradicionais.

Guerra (1955) relata que o Acre não possui tantas extensões de várzeas como as que ocorrem no baixo Amazonas. Entretanto, os rios de maior volume, como Juruá, Tarauacá, Chandless e Purus, possuem extensas várzeas que são utilizadas frequentemente com cultivos agrícolas de grande importância à subsistência tais como o milho, a melancia, o feijão, hortaliças, entre outros. Tais ambientes são absolutamente essenciais para os povos ali residentes, e seu cultivo remonta há mais de um século de agricultura dos ribeirinhos tradicionais na região.

5.2. Coluviões Holocênicos

Os Coluviões Holocênicos são originados a partir de sedimentos oriundos da erosão lenta e gradual que incide nas encostas e topos dos morros adjacentes. Este material que se desloca lentamente ao longo das vertentes, e se deposita nos sopés do morro, é denominado de colúvio. Sua idade é do Holoceno, e são portanto recentes (dos últimos 10.000 anos ou 10 Ka). Quanto à classe de solos predominam os Argissolos e Latossolos, além de Plintossolos.

5.3. Terraços Holocênicos

O conceito geológico de Terraço é a de uma superfície plana ou levemente inclinada, em geral com frente escarpada de beira do rio, que já foi inundado (aluvião). Atualmente, em razão do aprofundamento do talvegue (do rio), as cheias afetam esses níveis apenas eventualmente (grandes cheias) (Figura 16), ocasionando graves problemas urbanos, como no caso de Rio Branco e seus bairros centrais (CARMO, 2007).

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Page 13: Geologia e relevo: alicerces da paisagem Acreana

5.4 - Terraços Pleistocênicos

São mais antigos que 10.000 anos, mas em geral não devem ultrapassar 100.000 150.000 anos. Semelhante ao anterior quanto ao relevo e também com relação à localização, diferindo apenas no maior tempo de formaçao. Por serem mais antigos, estão normalmente mais distantes da calha dos rios, acima do Terraço Ho-locênico subatual (Figura 17). São menos suscetíveis às cheias dos rios. Nestas áreas, esta situada a maioria das cidades e comunidades ribeirinhas, principalmente nas regiões de relevo acidentado.

Quanto aos solos, como já houve maior tempo para a pedogênese (intemperismo) e já são mais maduros, podendo ocorrer Cambissolos ou mesmo Argissolos. A textura varia conforme a energia de transporte do rio a época da deposição e a área fonte dos sedimentos.

5.5. Formação Solimões Inferior FSIN

Entre as unidades geológicas acreanas, a Formação Solimões Inferior destaca-se em extensão e importância, com ocorrência de cerca de 85% do território acreano (BRASIL, 1976). Corresponde a parte superior da paisagem onde atualmente encontram-se os solos mais evoluídos pedogeneticamente como os Latossolos (topo da paisagem mais planos, Argissolos (terço médio) e Plintosso los (terço inferior). Geologicamente a FSin é formada de rochas sedimentares, dominantemente pelíticas, altamente fossilíferas, sob a forma de argilitos (argila) com intercalações de siltitos (silte), arenitos finos, calcários e material carbonoso (linhito), micáceos. Ambiente redutor, a época a deposição; predominantemente lacustre, localmente fluvial e flúvio-marinho, com estratificações paralelas e cruzadas tabulares e acanaladas.

Embora esta seja a definição geológica da Formação, em algumas regiões, como Capixaba, devido à intensa pedogênese os solos são intensamente intemperizados e os fósseis, se existentes, já foram destruídos. Isto não impede que haja no horizonte C e no sedimento (rocha) onde são mais preservados. Semelhantemente os calcários já foram muito intemperizados no climatropical úmido atual.

5.6. Coberturas Detrito-lateríticas Neopleistocênicas

Dispõe-se sobre os sedimentos da Formação Solimões e restringem-se a parte sudeste do Estado.

Compõem-se de sedimentos argilo-arenosos de cor amarelada, cauliníticos, parcial a totalmente pedogeneizados. Costa (1991) reconheceu dois principais eventos de laterização durante o Cenozóico (últimos 65 Ma): um primeiro, no Eoceno-Oligoceno, formador das lateritas maduras ricas em caulinita e outro mais bem recente, no Pleistoceno, formador das lateritas imaturas com alto teor de ferro. A cobertura detrito-laterítica neopleistocênica é, portanto, similar. A laterita é também conhecida como canga ou concreções ferruginosas. Elas são utilizadas em construções e em especial em leitos de estradas (Figura 18).

5.6.1. Horizonte ferruginoso (petroplintita): ocorre na porção superior do perfil e exibe nódulos, concreções, esferólitos e fragmentos compostos de oxi-hidróxidos de ferro em matriz argilosa e terrosa (Figuras 20 e 21). Outra feição observada é uma crosta formada de oxi-hidróxido de ferro entrelaçando porções argilosas amareladas. A tonalidade dominante desse horizonte é marrom-avermelhada com matriz/cimento (quando presente), branco-amarelada. As estruturas dominantes desse horizonte são os nódulos, concreções e plasmas (micro a criptocristalino), em seguida há os canais em forma de raízes e colunas centimétricas, aquelas resultantes de lixiviação, como cavernosas são mais res-tritas.

Cavalcante (2006) em levantamento expedito geológico da região de Rio Branco identificou três horizontes característicos detalhados na Figura 19.

5.6.2. Horizonte argiloso: ocorre logo abaixo do ferruginoso. É constituído dominantemente por argilominerais. A feição mais característica desse horizonte é uma zona mosqueado/amarelada (plintita) (Figura 22). Isso se deve ao fato dessas coberturas terem sua origem vinculada a depósitos sedimentares (Formação Solimões). Trata-se de um horizonte muito intemperizado, com manchas irregulares de vermelho e violeta por dispersão de micro partículas de oxi-hidróxidos de ferro que se instalam nos planos de clivagem e fratura. Na parte superior do horizonte argiloso as manchas se transformam em nódulos, ou mesmo desaparecem, originando uma zona nodular marrom-amarelada.

5.6.3. Horizonte transicional: imediatamente abaixo do horizonte argiloso e contato direto com a Formação Solimões, caracteriza-se pela coloração mais clara do que a da Formação Solimões.

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Page 14: Geologia e relevo: alicerces da paisagem Acreana

Observam-se também na região stone lines (linhas de pedras) nos perfis, em corpos argilosos entre a zona de esferólitos e o solos pedobioturbado. Tais estruturas constituem-se de fragmentos de lateritos em matriz argilo-arenosa. Costa (1991) associa essas estruturas à dissecação do relevo regional durante o Terciário e o Quaternário. Tais linhas são de dimensões métricas e de espessura centimétricas. O diâmetro dos grânulos varia de unidades de milímetros a de centímetros e são derivados dos lateritos imaturos (horizonte ferruginoso), sobre os quais se assentam. As coberturas detrito-lateríticas apresentam na cobertura latossólica areno-argilosa (Figura 23).

Alguns depósitos de piçarras equivalem aos stone lines, outros são de fato os próprios horizontes concrecionários dos lateritos imaturos. Na área em questão, a definição da origem dessas estruturas é prejudicada pela falta de continuidade dos perfis.

A parte superior, fortemente microestruturada, depende da atividade pedobiológica para sua formação, e os remanescentes de petroplintita em processo de degradação são feições comuns em todos os perfis de Latossolos. Segundo C. Schaefer, ( informação pessoal) os Latossolos Vermelhos da região seriam basicamente produtos do intemperismo da canga, e a hematita, herdada da petroplintita.

Figura 15. Aluviões Holocênicos, de ocorrência às margens dos

grandes rios e igarapés. Fonte: Carlos Ernesto Schaefer, 2005.

Simb. Classe Descrição Relação ambiental e Solos

Terciário (entre o Eoceno e o Mioceno)

QHa Aluviões Holocênicos

Ocorrem nos canais dos antigos rios e nas margens dos mesmos. A textura varia em razão da energia de deposição. Normalmente são arenosos relativos a barra em pontal e pelíticos relacionados a transbordamentos.

Ocorrem os Neossolos Flúvicos e Gleissolos (a fertilidade depende da fonte do material de origem). São sujeitos constantemente à inundação mesmo nas cheias menos expressivas.

QHc Coluviões Holocênicos

Material erodido da parte superior que se deposita próximo ao rio ou no sopé da encosta.

Ocorrem Argissolos, Cambissolos e Latossolos. Normalmente os sedimentos são mais pobres que os dos Aluviões Holocênicos.

QHt Terraços Holocênicos

Construções sedimentares aluviais, cujos constituintes mostram características típicas de depósitos de planície fluvial de uma fase anterior a atual. São cascalhos lenticulares de fundo de canal, areias quartzosas inconsolidadas de barra em pontal, e siltes e argilas de transbordamento.

Ocorrem os Neossolos Flúvicos e onde encontram-se moradias com o sistema de proteção das enchentes (casas altas do chão).

QPt Terraços Pleistocênicos

Depósitos de terraços fluviais antigos e rampas-terraços, constituídos por argilas, siltes e areias, às vezes maciços, de cores avermelhadas. Localmente mostram intercalações lenticulares de argilitos e conglomerados.

Trata-se de ambientes não mais inundáveis na sua maioria planos (ambiente conservador) onde ocorrem Cambissolos. São solos na sua de boa fertilidade e um dos mais utilizados pela agricultura familiar. Neles estão a maioria das vilas e cidades.

TNsi Formação Solimões Inferior

Rochas sedimentares dominantemente pelíticas, altamente fossilíferas, sob a forma de argilitos com intercalações de siltitos, arenitos finos, calcários e material carbonoso (linhito), micáceos. Ambiente redutor, a época; predominantemente lacustre, localmente fluvial e flúvio-marinho, com estratificações paralelas e cruzadas tabulares e acanaladas.

Corresponde a parte superior da paisagem onde atualmente encontram-se os solos mais evoluídos pedogeneticamente como os Latossolos (topo da paisagem, Argissolos (terço médio) e Plintossolos (terço inferior) nas regiões de Capixaba e Cruzeiro do Sul. Nas demais regiões o Argissolo predomina nos topos.

TNss Formação Solimões Superior

Não há evidência de ocorrência dessa Formação no ambiente acriano.

QPdl Cobertura Detrítica-laterítica Pleistocênica

Dispõe-se sobre os sedimentos da Formação Solimões, restringindo-se a parte sudeste do Estado. Compõem-se de sedimentos argilo-arenosos de cor amarelada, cauliníticos, parcial a totalmente pedogeneizados.

São identificados à superfície e dificultam a mecanização. Quando a ocorrência é intensa são extraídos para servirem de piso nas estradas. Neste caso são denominados de cascalheiras.

Quadro 1. Principais classes geológicas de ocorrência no Estado do Acre, relação ambiental e solos

Figura 16. Terraço Holocênico habitado. Área sujeita a inundação durante o período de cheia do rio Muru Comunidade Novo Porto Município de Jordão, Acre. Fotografia: Edson Alves de Araújo, junho de

2010.

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Fonte: Adaptado de Acre, 2006.

Page 15: Geologia e relevo: alicerces da paisagem Acreana

Figura 17. Terraços Pleistocênicos. Localizam-se nas porções mais

elevadas em relação aos Terraços Holocênicos, tornando-se menos

sujeitos a inundação. Fotografia: Carlos Schaefer, 2005.

Figura 18. Concreções ferruginosas também conhecidas com laterita, canga itapanhoacanga, tapiocanga, tapunhunacanga. Fotografia: João Luiz Lani, agosto de 2008.

Figura 19. Perfil simplificado das coberturas detrito-lateríticas na

região sudeste do Estado do Acre. Fonte: Cavalcante, 2006.

Figura 20. Nódulos concrecionários rolados do horizonte ferruginoso. No terreno, superfície com "piçarra". Fotografia: João Luiz Lani, agosto de

2008.

Figura 21. Detalhe da concreção ferruginosa no perfil de solo. Fotografia: João Luiz Lani, agosto de 2008.

Figura 22. Zona mosqueada no perfil das coberturas detrito-lateríticas. Fotografia: João Luiz Lani, agosto de 2008.

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Figura 23. Stone lines (linhas de pedras) recobertos por material areno-argiloso. Fotografia: Nilson Badales, maio de 2010

Figura 24. Perfil simplificado da sequência de intemperismo das coberturas detrito-lateríticas que ocorrem na região sudeste do Acre.

Fonte: Cavalcante, 2006.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Acre apresenta uma paisagem de exceção à Amazônia: suas vastas Florestas Tropicais abrigam muitas variações fitofisionômicas (Tabocais, Florestas Ombrófilas Densas, Abertas, Buritizais, Palmeirais, Campinaranas Florestadas, etc), assentadas sobre sedimentos e solos muito jovens, em muitos casos quimicamente mais ricos que os solos amazônicos em geral. São condições atípicas à Amazônia, pela maior fertilidade. A paisagem apresenta forte herança sedimentar e de um clima mais seco. Em meio a deposição agrilo-arenosa, acumularam-se carbonatos, sulfatos e alguns fosfatos, precipitados em extensas planícies sazonalmente inundáveis, que secavam de forma pronunciada, na época de sua formação, no Pleistoceno. Tais depósitos tornaram-se importantes na fertilidade e no comportamento físico dos solos acreanos.

O pedoclima no Acre não reflete exatamente o clima atmosférico. As argilas 2:1 herdadas do material de origem mais rico da Formação Solimões presentes na bacia sedimentar do Acre, expandem muito rapidamente e não permitem a água das chuvas infiltrar, o que aumenta as perdas de solos e água pela enxurrada. Ao mesmo tempo, a pouca infiltração retarda o intemperismo químico (lixiviação), por dificultar a entrada de água nos solos. Tal condição pedoclimática singular mantém solos rasos e pouco desenvolvidos mesmo em clima tropical úmido. Na superfície, onde a vegetação acumula matéria orgânica e retém umidade, os solos se mostram ácidos.

Assim, a matéria orgânica comanda os processos de acidificação, enquanto o subsolo permanece rico em carbonatos e minerais primários, formando um contraste evidente entre a atributos de herança geogenética e outros associados à atual tendência pedogenética.

Em razão da natureza sedimentar da região, há no Acre uma grande ausência de rocha consolidada, própria para construção civil e pavimentação. Há rochas consolidadas na Serra do Divisor e também foram identificadas algumas poucas aflorantes na região de Assis Brasil. Esta pobreza ou ausência de rochas ígneas e metamórficas é um dos grandes problemas para a construção civil propriamente dito (casas, edifícios etc), para a construção de estradas e no calçamento de ruas. Na ausência de pedras , utiliza-se o tijolo. Isto eleva em muito o custo de construção e manutenção das obras de engenharia e a conservação de estradas e ruas pelas prefeituras e outros órgãos públicos.

A natureza expansiva das argilas é a principal razão para o decréscimo rápido da vazão dos igarapés e rios acreanos, quando advém a estação seca. Pela mesma razão tem-se aumento rápido da vazão no período das cheias (GUERRA, 1955; RESENDE & MACHADO, 1988).

Os sedimentos argilosos e horizontalizados não permitem uma boa infiltração da água da chuva, que escorrem para os rios rapidamente, ocasionando grandes cheias; depois, com a diminuição das chuvas, como não houve o armazenamento de água nos solos, os rios secam.

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O desmatamento tende a agravar essa tendência. O Planejamento do uso do solo tendo as bacias hidrográfi-cas como unidade de planejamento deveria ser implementado além de procurar criar legislação ambiental específica neste sentido.

As soluções de manejo dos solos acreanos com vista à produção sustentável, seja com pastagens ou agricultura, devem levar em conta as suas peculiaridades físicas e químicas. É improvável que se possa extrapolar experimentação de outras partes da Amazônia, ou de qualquer região do Brasil, para os solos pouco per-

meáveis do Acre, onde a manutenção de boa cobertura vegetal é imprescindível para evitar perdas de solo e manutenção ecossistêmica dos igarapés e rios.

São solos únicos, numa paisagem sui generis, e vão exigir um conhecimento amazônico original e local, bem como a compreensão dos saberes de suas populações tradicionais, para o êxito de ações voltadas ao seu desenvolvimento. Embora já exista um belo acervo de informações, há muito a investigar e desvendar, e o Estado do Acre já demonstrou a capacidade de seus recursos humanos autóctones para este desafio.

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