Georg Lukacs - Historia E Cons Ciencia de Classe

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  • 8/8/2019 Georg Lukacs - Historia E Cons Ciencia de Classe

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    A Conscincia de Classe

    Georg Lukcs

    Extrado de Histria e Conscincia de Classe, Georg Lukcs, Ed. PCUS, 1960

    "No se trata do que tal ou qual proletrio ou mesmo o proletariado

    inteiro se represente em dado momento como alvo. Trata-se do que

    o proletariado e do que, de conformidade com o seu ser,

    historicamente ser compelido a fazer. "

    Marx, A Sagrada Famlia

    Infelizmente, para a teoria e para a praxis do proletariado, a obra

    principal de Marx se interrompe no momento preciso em que aborda

    a determinao das classes. Pois o movimento que a ela se seguiu

    se tem limitado, neste ponto decisivo, a interpretar e a confrontar as

    ocasionais declaraes de Marx e Engels, a elaborar e a aplicar, ele

    prprio, o mtodo. A diviso da sociedade em classes deve ser

    definida, no esprito do marxismo, pelo lugar que elas ocupam no

    processo de produo. Que significa, pois, a conscincia de classe?

    Desde j a questo se subdivide em uma srie' de questes

    parciais, estreitamente ligadas entre si:

    1) Que se pode entender (teoricamente) por conscincia de classe?

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    2)Qual a funo da conscincia de classe assim (praticamente)

    compreendida na luta de classes? Esta questo se relaciona

    seguinte: trata-se, a questo da conscincia de classe, de uma

    questo sociolgica "geral" ou essa questo tem um significadopara o proletariado que as demais classes, at hoje aparecidas na

    histria, ignoraram? E finalmente: formam, a essncia e a funo da

    conscincia de classe, uma unidade ou a se pode distinguir

    gradaes e camadas? Se se pode, qual , ento, sua significao

    prtica na luta de classe do proletariado?

    I

    Em sua clebre exposio do materialismo histrico,[1] Engels

    parte do seguinte ponto: embora consista, a essncia da histria,

    em que "nada se produz sem desgnio consciente, sem fiz

    desejado", a compreenso da histria exige que se v mais longe.

    De um lado, porque "as numerosas vontades individuais em ao na

    histria produzem, na maioria das vezes, resultados inteiramente

    diferentes dos resultados desejados, e freqentemente opostos a

    esses resultados desejados, e que, por conseguinte, os seus

    mveis, igualmente, no tem mais do que uma importncia

    secundaria para o conjunto do resultado. Por outro lado, restaria

    saber que foras motrizes se ocultam, por seu turno, por trs

    desses mveis, quais so as causas histricas que, na cabea dos

    homens atuantes, se transformam em tais mveis". A seqncia da

    exposio de Engels precisa o problema: so essas foras motrizes

    que devem ser definidas, isto , as foras que "pem em movimento

    povos inteiros e por sua vez, em cada povo, classes inteiras; e

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    isso... atravs de uma ao durvel e que resulta em uma grande

    transformao histrica". A essncia do marxismo cientfico

    consiste em reconhecer a independncia das foras motrizes reais

    da histria com relao conscincia (psicolgica) que os homenstm dela.

    No nvel mais primitivo do conhecimento, essa independncia se

    expressa, originariamente, no fato de que os homens vem uma

    espcie de natureza nessas foras, e que nelas, e nas leis que as

    unem, distinguem leis Naturais "eternas". "A reflexo sobre as

    formas da vida humana", diz Marx a propsito do pensamentoburgus, "e, portanto, sua anlise cientfica, toma, em geral, um

    caminho que o oposto ao da evoluo real. Essa reflexo comea

    a sbitas, e, por conseguinte, pelos resultados acabados do

    processo de evoluo. As formas... j possuem a estabilidade das

    formas naturais da vida social, antes que os homens procurem levar

    em conta no o carter histrico dessas formas que de preferncia

    lhes parecem j imutveis - mas do seu contedo" [2] Marx ope a

    esse dogmatismo - cujas expresses foram, de um lado, a teoria do

    Estado da Filosofia clssica alem, e, de outro, a Economia de

    Smith e de Ricardo - um criticismo, uma teoria da teoria, uma

    conscincia de classe. Sob muitos aspectos, esse criticismo uma

    crtica histrica que dissolve, antes de tudo, nas configuraes

    sociais, o car

    ter fixo, natural, subtrado ao devir; que revela a

    origem histrica dessas configuraes, e que, conseqentemente, e

    sob todos os pontos de vista, esto submetidas ao devir histrico e

    tambm predestinadas ao declnio histrico. A histria, por

    conseguinte, no ataca unicamente o interiordo domnio da

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    validade dessas formas (o que implicaria ser a histria apenas a

    mudana dos contedos, dos homens, das situaes, etc., segundo

    princpios sociais eternamente vlidos); e tampouco essas formas

    so o alvo a que toda a histria se prope, cuja realizao aboliriatoda a histria, ao ter esta cumprido sua misso. Ao contrrio, a

    histria , antes de mais nada, a histria dessas formas, de sua

    transformao, enquanto formas da reunio dos homens em

    sociedade, formas que, a partir das relaes econmicas objetivas,

    dominam todas as relaes dos homens entre si (e, por

    conseguinte, tambm as relaes dos homens com eles prprios,

    com a natureza, etc.).

    Aqui, contudo, o pensamento burgus depara com uma barreira

    intransponvel, posto que seu ponto de partida e seu objetivo so

    sempre, mesmo de modo inconsciente, a apologia da ordem de

    coisas existente ou, pelo menos, a demonstrao de sua

    imutabilidade.[3] "Portanto, j houve, mas no h mais, histria", diz

    Marx,[4] reportando-se economia burguesa. E esta afirmao

    vlida para todas as tentativas do pensamento burgus por

    assenhorear-se, pelo pensamento, do processo histrico. (Aqui,

    outrossim, se encontra um dos limites, com freqncia assinalado,

    da filosofia hegeliana da histria.) Desse modo, dado ao

    pensamento burgus ver a histria como tarefa, mas como tarefa

    insol

    vel. Porque ou ela deve suprimir completamente o processohistrico e aprender, nas formas presentes de organizao, as leis

    eternas da natureza, as quais, no passado - e por razes

    misteriosas" e de maneira incompatvel com os princpios da

    cincia racional aplicados pesquisa de leis - s se realizaram

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    imperfeitamente ou de maneira alguma se realizaram (Sociologia

    burguesa); ou ele deve eliminar do processo da histria tudo o que

    tem um sentido, que visa a um fim, e ater-se pura

    "individualidade" das pocas histricas e de seus agentes humanosou sociais. Cabendo, assim, cincia histrica pretender, com

    Ranke, que cada poca histrica "est igualmente prxima a Deus",

    isto , atingiu o mesmo grau de perfeio, e que de novo, e por

    razes opostas; no h evoluo histrica. No primeiro caso,

    desaparece toda possibilidade de compreender a origem das

    configuraes sociais.[5] Os objetos da histria aparecem como

    objetos de leis naturais imutveis, eternas. A histria se fixa em um

    formalismo que carece de condies para explicar as configuraes

    histrico-sociais em sua verdadeira essncia como relaes inter-

    humanas. E essas configuraes so jogadas bem longe desta mais

    autntica fonte de compreenso da histria, que so as relaes

    inter-humanas, e delas esto separadas por uma distncia

    intransponvel. N

    o se compreendeu, diz Marx, "que essas relaes

    sociais so, do mesmo modo que o tecido, o linho, etc., produzidas

    pelos homens".[6] No segundo caso, a histria se torna, em ltima

    instncia, o reino irracional de potncias cegas, que de tal modo se

    encarnam nos "espritos dos povos" ou nos "grandes homens" que

    somente podem ser descritas de feitio pragmtico e no concebidas

    racionalmente. Pode-se apenas submet-las, como se se tratasse de

    uma espcie de obra de arte, a uma organizao esttica. Ou

    melhor, preciso consider-las, como ocorre na filosofia da histria

    dos kantianos, como o material, em si desprovido de sentido, da

    realizao de princpios intemporais, supra-histricos e ticos.

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    Marx resolve esse dilema demonstrando que no h verdadeiro

    dilema. O dilema simplesmente revela que o antagonismo prprio

    ordem de produo capitalista se reflete nessas concepes

    opostas e exclusivas a propsito de um mesmo objeto. Porque exatamente na pesquisa das leis "sociolgicas" da histria, na

    considerao formalista e racional da histria, que se expressa, na

    sociedade burguesa, o abandono dos homens s foras produtivas.

    O movimento da sociedade, que o seu prprio movimento, diz

    Marx, "adquire, para eles, a forma de um movimento das coisas, ao

    controle das quais se submetem ao invs de control-las" [7]. Marx

    ope a essa concepo, que encontrou sua mais clara e mais

    conseqente expresso nas leis puramente naturais e racionais da

    Economia Poltica clssica, a crtica histrica da Economia Poltica,

    a dissoluo, nas relaes inter-humanas, de todas as objetividade

    reificadas da vida econmica e social. O capital (e, como ele, toda a

    forma objetivada da Economia Poltica) "no , para Marx, uma

    coisa, mas uma relao social entre pessoas, mediatizada pelascoisas" . [8] Entretanto, conduzindo essa "coisidade" das

    configuraes sociais, inimiga do homem, as relaes de homem a

    homem, abole-se, ao mesmo tempo, a falsa importncia atribuda ao

    principio de explicao irracional e individualista, isto , o outro

    aspecto do dilema. Porque ao abolir-se essa "coisidade ", inimiga

    do homem, com que as configuraes sociais e o seu movimento

    histrico se dissimulam, no se faz mais do que conduzi-la, como

    ao seu fundamento, s relaes de homem a homem, sem para isso

    em nada abolir sua conformidade s leis e sua objetividade,

    independentes da vontade humana, e, em particular, da vontade e

    do pensamento dos homens individuais. Essa objetividade,

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    simplesmente, a objetivao de si da sociedade humana em uma

    determinada etapa de sua evoluo, e esta conformidade s leis

    somente vlida no quadro do meio histrico que ela produz e que,

    por seu turno, determina.

    Tudo leva a crer que, ao suprimir-se este dilema, se tenha privado a

    conscincia de todo papel decisivo no processo histrico.

    Certamente os reflexos conscientes das diversas etapas do

    desenvolvimento econmico permanecem um fato histrico de

    grande importncia. Certamente, o materialismo dialtico, que assim

    se formou, em nada contesta que os prprios homens cumpram eexecutem conscientemente seus atos histricos. Mas , como

    assinalou Engels numa carta a Mehring,[9] uma falsa conscincia.

    Tambm aqui o mtodo dialtico no nos permite ater a uma

    simples constatao da "falsidade" dessa conscincia, oposio

    fixa do verdadeiro e do falso. De preferncia, exige que essa "falsa

    conscincia' seja estudada concretamente como momento da

    totalidade histrica que pertence, como etapa do processo

    histrico onde desempenha o seu papel.

    verdade que tambm ela, a cincia histrica burguesa, tem em

    mira estudos concretos, e acusa o materialismo histrico de violar a

    unicidade concreta dos acontecimentos histricos. O seu erro

    reside em crer encontrar o concreto em questo no indivduo

    histrico emprico (quer se trate de um homem, de uma classe ou de

    um povo) e na sua conscincia dada empiricamente (isto , dada

    pela psicologia individual ou pela psicologia das massas). Mas ela

    est, exatamente, mais longe desse concreto quando cr haver

    encontrado o que h de mais concreto: a sociedade como totalidade

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    concreta, a organizao da produo em um determinado nvel do

    desenvolvimento social e a diviso em classes que ela opera na

    sociedade. Desviando-se de tudo isso, toma como concreto alguma

    coisa de completamente abstrato. "Essas relaes", diz Marx, "noso mais relaes de indivduo a indivduo, mas de operrio para

    capitalista, de rendeiro para proprietrio fundirio, etc. Apagai essas

    relaes e tereis aniquilado toda a sociedade, e o vosso Prometeu

    nada mais que um fantasma sem braos nem pernas".[10]

    Por estudo concreto, entende-se: um relato da sociedade como,

    totalidade. Porque somente neste relato que a conscincia, que oshomens podem ter em cada momento de sua existncia, aparece em

    suas relaes essenciais. Por um lado, aparece como algo que,

    subjetivamente, se justifica, se compreende e Se deve compreender

    a partir da situao social e histrica, como alguma coisa de

    "justo"; e, ao mesmo tempo, aparece como alguma coisa que,

    objetivamente, passageira com relao essncia do

    desenvolvimento social, que no se conhece nem se expressa

    adequadamente, e pois como "falsa conscincia". Por outro lado,

    essa mesma conscincia aparece sob essa mesma relao como

    carente subjetivamente dos alvos que a si mesma assinalou, ao

    mesmo tempo que aparece visando e atingindo os alvos objetivos

    do desenvolvimento social, desconhecidos dela e que ela no

    desejou. Essa determinao, duplamente dial

    tica, da "falsaconscincia" no mais permite trat-la restringindo-se a descrever o

    que os homens pensaram, sentiram ou desejaram efetivamente sob

    determinadas condies histricas, nas determinadas situaes de

    classe etc. O que ai est apenas o material, e, para dizer a

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    verdade, muito importante, dos estudos histricos propriamente

    ditos. Estabelecendo-se a relao com a totalidade concreta, donde

    saem as determinaes dialticas, supera-se a mera descrio e

    alcana-se a categoria da possibilidade objetiva. E relacionando-sea conscincia totalidade da sociedade, descobrem-se os

    pensamentos e os sentimentos que os homens teriam tido, em uma

    situao vital determinada, se tivessem sido capazes de perceber

    perfeitamente essa situao e os interesses que da decorrem tanto

    no que se refere ao imediata como estrutura, conforme a

    esses interesses, de toda a sociedade. Descobrem-se, pois, os

    pensamentos, etc., que so conformes sua situao objetiva. Em

    nenhuma sociedade o nmero de tais situaes ilimitado. Mesmo

    se a sua tipologia est elaborada graas s pesquisas

    minuciosamente aprofundadas, tem-se por resultado alguns tipos

    fundamentais claramente distintos uns dos outros e cujo carter

    essencial est determinado pela tipologia da posio dos homens

    no processo da produo. Pois a consci

    ncia de classe

    a reaoracional adequada que deve, dessa maneira, ser adjudicada a uma

    determinada situao tpica no processo de produo.[11] Essa

    conscincia no nem a soma nem a mdia do que os indivduos

    que formam a classe, tomados separadamente, pensam, sentem,

    etc. Entretanto, a ao historicamente decisiva da classe como

    totalidade est determinada, em ltima instncia, por essa

    conscincia e no pelo pensamento etc., do indivduo. E essa ao

    no pode ser conhecida a no ser a partir dessa conscincia.

    Essa determinao fixa, desde logo, a distncia que separa a

    conscincia de classe e os pensamentos empricos efetivos, os

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    pensamentos psicologicamente descritveis e explicveis que os

    homens fazem de sua situao vital. Entretanto, no se deve

    permanecer na mera constatao dessa distncia, ou limitar-se a

    fixar, de uma maneira geral e formal, as conexes que da decorrem.E preciso, antes de mais nada, pesquisar: 1) se essa distncia

    diferente segundo as diferentes classes, segundo as diferentes

    relaes que mantm com a totalidade econmica e social, de que

    so membros, e em que medida essa diferenciao bastante

    grande para comportar diferenas qualitativas; 2) o que significam

    praticamente essas diferentes relaes entre totalidade econmica

    objetiva, conscincia de classe adjudicada e pensamentos

    psicolgicos reais dos homens sobre sua situao vital, para o

    desenvolvimento da sociedade; e qual a funo prtica da

    conscincia de classe.

    Somente tais constataes tornam possvel a utilizao metdica da

    categoria da possibilidade objetiva. Porque cabe indagar, antes de

    tudo, em que medida a totalidade da economia de uma sociedade

    pode, nas condies em causa, ser percebida do interior de uma

    sociedade determinada, a partir de uma posio determinada no

    processo de produo. Porque, assim como se pode estar acima

    das limitaes de fato que fazem os indivduos, tomados um a um,

    sofrer as estreitezas e os preconceitos prprios sua situao vital,

    do mesmo modo n

    o se pode ir al

    m do limite que lhes

    impostopela estrutura econmica da sociedade de sua poca e pela posio

    que nela ocupam.[12] Pois a conscincia de classe , considerada

    abstrata e formalmente, ao mesmo tempo uma inconscincia de sua

    prpria situao econmica histrica e social, determinada de

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    conformidade com a classe.[13] Essa situao dada como uma

    relao estrutural determinada, como uma relao de forma

    determinada, que parece dominar todos os objetos da vida. Por

    conseguinte, a "falsidade", a "iluso", contidas em tal situao defato, so a expresso mental da estrutura econmica objetiva, e no

    qualquer coisa de contrria. Assim, por exemplo, "o vapor ou o

    preo da fora de trabalho toma a aparncia do preo ou do valor do

    prprio trabalho" e "cria a iluso de que a totalidade seria a do

    trabalho pago... O inverso ocorre na escravido, onde a parte do

    trabalho que paga aparece como no o sendo" [14] Pois tarefa

    de uma minuciosa anlise histrica mostrar com clareza, graas

    categoria da possibilidade objetiva, em que situao efetiva vem a

    ser possvel desmascarar real mente a iluso, e penetrar at

    conexo real com a totalidade. Porque no caso em que a sociedade

    atual no possa, nas condies em causa, ser percebida em sua

    totalidade a partir de uma determinada situao de classe, no caso

    em que a reflex

    o conseqente, mesmo indo at

    o fim e alcanandoos interesses de classe - reflexo que pode adjudicar a uma classe -

    no se refira totalidade da sociedade, tal classe s poder

    desempenhar um papel subalterno e jamais poder intervir na

    marcha da histria como fator de progresso ou de conservao. Em

    geral, tais classes esto predestinadas passividade, a uma

    oscilao inconseqente entre as. classes dominantes e as classes

    condutoras das revolues, e suas eventuais exploses tomam

    necessariamente um carter elementar, vazio e sem objetivo, e

    esto condenadas ao fracasso final, mesmo no caso de alguma

    vitria acidental.

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    A vocao de uma classe dominao significa que possvel, a

    partir de seus interesses de classe; de sua conscincia de classe,,

    organizar o conjunto da sociedade de conformidade com esses

    interesses. E a seguinte a questo que, em ltima instncia, decidetoda luta de classes: que classe dispe, no momento desejado,

    dessa capacidade e dessa conscincia de classe? Isso no pode

    eliminar o papel da violncia na histria nem garantir uma vitria

    automtica dos interesses chamados a dominar e que so os

    portadores dos interesses do desenvolvimento social. Ao contrrio:

    em primeiro lugar, as prprias condies indispensveis

    afirmao dos interesses de classe so, com freqncia, criadas por

    intermdio da violncia mais brutal (por exemplo, a acumulao

    primitiva de capital); em segundo lugar, exatamente nas questes

    da violncia, nas situaes em que as classes se enfrentam na luta

    pela existncia, que os problemas da conscincia de classe

    constituem os momentos finalmente decisivos. Quando o

    importante marxista h

    ngaro Erwin Szab

    se insurge contra aconcepo de Engels, que considerava a Grande Guerra

    Camponesa como um movimento reacionrio em sua essncia, e

    ope a esta concepo o argumento segundo o qual a revolta

    camponesa somente foi batida pela fora bruta, que o seu fracasso

    no se fundamentava na sua natureza econmica e social, na

    conscincia de classe dos Camponeses, ele no v que a causa

    final da superioridade dos prncipes e da fraqueza dos camponeses,

    e pois a possibilidade de violncia, por parte dos prncipes, deve ser

    buscada nesses problemas de conscincia de classe. De que, alis,

    facilmente se pode algum convencer mediante o estudo

    estratgico, ainda o mais superficial, da guerra dos camponeses.

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    Contudo, mesmo as classes capazes de dominao no devem ser

    postas no mesmo plano no que concerne estrutura interna de sua

    conscincia de classe. O que importa aqui saber em que medida

    esto elas em condies de se tornarem conscientes das aes quedevem executar, e efetivamente executam, para conquistar e para

    organizar sua posio dominante. Pois o que importa a seguinte

    questo: que ponto a classe em questo cumpre

    "conscientemente", at que ponto "inconscientemente , ate que

    ponto com uma conscincia "justa", e at que ponto com uma

    conscincia "falsa", as tarefas que lhe so impostas pela histria?

    Essas no so distines meramente acadmicas. Porque,

    independentemente dos problemas da cultura, onde as

    dissonncias resultantes dessas questes so de uma importncia

    decisiva, o destino de uma classe depende de sua capacidade, em

    todas as suas decises prticas, de ver com clareza. e de resolver

    os problemas que a evoluo histrica lhe impe. V-se de outra

    vez, e de maneira bastante clara, que, no que se refere a'conscincia de classe, no se trata do pensamento dos indivduos,

    ainda os mais evoludos, nem muito menos de conhecimento

    cientfico. Hoje est inteiramente esclarecido que a economia

    fundada na escravido devia, em razo de seus limites, causar a

    runa da sociedade antiga. Mas tambm est claro que na

    antigidade nem a classe dominante nem as que se insurgiam

    contra ela de maneira revolucionria ou reformista podiam, nas

    condies em causa, alcanar a concepo segundo a qual o

    declnio dessa sociedade era inevitvel e sem esperana de

    salvao. Esses problemas surgiram praticamente. E tal situao se

    manifesta com uma evidncia ainda maior na burguesia de hoje,

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    que, de incio, sustentou a luta contra a sociedade absolutista e

    feudal com conhecimento das interdependncias econmicas, mas

    que necessariamente viria a tornar-se totalmente sem condies de

    levar at o fim esta cincia, que originariamente era sua; estacincia que lhe era inteiramente prpria; e que viria

    necessariamente a esgotar-se, inclusive teoricamente, diante da

    teoria das crises. E, neste caso, de nada lhe serve que a soluo

    terica lhe seja cientificamente adequada. Porque, aceitar, ainda

    que teoricamente, essa soluo, eqivaleria a no mais considerar

    os fenmenos da sociedade do ponto de vista da burguesia. E

    nenhuma classe capaz de tal coisa, a no ser que renunciasse

    voluntariamente sua dominao. E, pois, objetiva a barreira que

    faz da conscincia de classe da burguesia uma "falsa" conscincia.

    E a conseqncia objetiva da estrutura econmica da sociedade e

    no algo de arbitrrio, de subjetivo ou de psicolgico. Porque a

    conscincia de classe da burguesia, mesmo no caso de poder

    refletir, com a maior clareza possvel, todos os problemas de

    organizao dessa dominao, da revoluo capitalista e de sua

    penetrao no conjunto da produo, deve obscurecer-se

    necessariamente a partir do instante em que surgem, no interior da

    experincia burguesa, problemas cujas solues se encontram para

    alm do capitalismo. A descoberta, por ela, das "leis naturais" da

    Economia, que representa uma conscincia clara em comparao

    com a Idade Mdia feudal ou com o perodo de transio do

    mercantilismo, se converte, de maneira imanente e dialtica, em

    uma "lei natural que repousa na ausncia de conscincia dos que

    dela fazem parte" [15]

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    A partir dos pontos de vista indicados aqui, no se pode dar uma

    tipologia histrica e sistemtica dos possveis graus da conscincia

    de classe. Da ser necessrio, em primeiro lugar, estudar com

    exatido qual o momento do processo de conjunto da produo queatinge, da maneira mais imediata e mais vital, os interesses de cada

    classe. E, em segundo lugar, em que medida h interesse de cada

    classe de colocar-se acima dessa imediaticidade, de perceber o

    momento imediatamente importante como simples momento da

    totalidade, e assim super-lo, e finalmente de que natureza a

    totalidade assim atingida, em que medida a percepo verdadeira

    da totalidade real da produo, Porque, est claro, a conscincia de

    classe toma uma forma qualitativa e estruturalmente diferente,

    segundo, por exemplo, permanea limitada aos interesses do

    consumo separado da produo (Lumpenproletariat romano) ou

    represente a formao categorial dos interesses da circulao

    (capital mercantil, etc). Sem poder, contudo, entrar aqui na tipologia

    sistem

    tica dessas possveis tomadas de posio, pode-se, a partir

    do que tem sido indicado at agora, constatar que os diferentes

    casos de falsa" conscincia se diferenciam entre si qualitativa e

    estruturalmente de um modo que influencia, decisivamente, o papel

    social das classes.

    II

    Do que precede resulta, para as pocas pr-capitalistas e para o

    comportamento, no capitalismo, de numerosas camadas sociais

    cuja vida tem fundamentos econmicos prcapitalistas, que a

    conscincia de classe de que so portadoras no capaz, em razo

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    de sua prpria natureza, de tomar uma forma plenamente clara e de

    influenciar conscientemente os acontecimentos histricos.

    Antes de tudo, porque da essncia de toda sociedade

    prcapitalista jamais poderfazer aparecer, em plena luz

    (econmica), os interesses de classe. A organizao da sociedade

    dividida em castas, em estamentos,[16] etc., feita de tal maneira

    que, na estrutura econmica objetiva da sociedade, os elementos

    econmicos aparecem unidos inextrincavelmente aos elementos

    polticos, religiosos, etc. Somente com a dominao da burguesia,

    cuja vitria significa a supresso da organizao em estamentos, que se torna possvel uma ordem social em que a estratificao da

    sociedade tende pura e exclusiva estratificao em classes. (No

    muda absolutamente nada da justeza fundamental dessa

    constatao o fato de que, em mais de um pas, os vestgios da

    organizao feudal em estamentos tenham subsistido no seio do

    capitalismo.)

    Essa situao tem, de fato, o seu fundamento na profunda diferena

    existente entre a organizao econmica do capitalismo e a das

    sociedades pr-capitalistas. A diferena mais frisante, e que agora

    mais nos importa, que toda sociedade prcapitalista forma uma

    unidade incomparavelmente menos coerente, do ponto de vista

    econmico, do que a sociedade capitalista, que ali. a autonomia das

    partes muito maior, sendo mais limitadas e menos desenvolvidas,

    do que no capitalismo, as suas interdependncias econmicas.

    Quanto mais fraco o papel da circulao das mercadorias na vida

    da sociedade em seu conjunto, e quanto mais cada uma das partes

    da sociedade vive praticamente em autarcias econmicas (comunas

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    aldes) ou no desempenha nenhum papel na vida propriamente

    econmica da sociedade, no processo de produo em geral (como

    era o caso de fraes importantes de cidados nas cidades gregas e

    em Roma), tanto menor o fundamento real da forma unitria e dacoeso organizacional da sociedade e do Estado,. na vida real da

    sociedade. Uma parte da sociedade leva uma existncia "natural",

    praticamente independente do destino do Estado. "O organismo

    produtivo simples dessas coletividades autrquicas que se

    reproduzem constantemente sob a mesma forma, e se por acaso

    so destrudas, reconstroem-se no mesmo lugar, com o mesmo

    nome, d a chave do mistrio da imutabilidade das sociedades

    asiticas, imutabilidade que contrasta de maneira evidente com a

    dissoluo e a renovao constante dos Estados asiticos e com as

    incessantes mudanas dinsticas. A estrutura dos elementos

    econmicos fundamentais da sociedade no alcanada pelas

    tempestades que agitam o cu da poltica." [17] Outra parte da

    sociedade leva, por seu lado, uma vida econ

    mica inteiramenteparasitria. O Estado, o aparelho do poder estatal, no para elas,

    como para as classes dominantes na sociedade capitalista, um meio

    de impor, se necessrio pela violncia, os princpios de sua

    dominao econmica ou de procurar pela violncia as condies

    de sua dominao econmica (como o para a colonizao

    moderna) No pois uma mediao da dominao econmica da

    sociedade, imediatamente essa prpria dominao. No o caso

    somente de quando se trata pura e simplesmente de apossar-se de

    terras, de escravos, etc., mas tambm das relaes econmicas"

    ditas pacificas. E assim que Marx se refere, ao falar da renda de

    trabalho: "Nessas condies, o excedente do trabalho no pode ser

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    extorquido em proveito dos proprietrios de terra nominais a no

    ser por intermdio de uma coao extra-econmica" [18] Na sia, "a

    renda e os impostos so uma mesma coisa, isto , no existem

    impostos distintos dessa forma de renda fundiria". E mesmo aforma que reveste a circulao das mercadorias nas sociedades

    prcapitalistas no lhe permite exercer unia influncia decisiva

    sobre a estrutura fundamental da sociedade. Permanece

    superfcie, sem poder dominar os prprios processos de produo,

    e, em particular, suas relaes com o trabalho. "O comerciante

    podia comprar todas as mercadorias, menos o trabalho como

    mercadoria. E s era tolerado como fornecedor dos produtos

    artesanais", diz Marx. [19]

    Apesar de tudo, tal sociedade forma tambm uma unidade

    econmica. S resta indagar se essa unidade de tal maneira que a

    relao dos diversos grupos particulares, de que a sociedade se

    compe, com a totalidade da sociedade, pode tomar, na conscincia

    que lhe pode ser adjudicada, unia forma econmica. Marx, por sua

    vez, ressalta que a luta de classes dos antigos se desenrolava

    "principalmente sob a forma de uma luta entre credores e

    devedores" [20] Mas tem plena razo ao acrescentar: "Contudo, a

    forma monetria - e a relao de credor a devedor possui a forma de

    uma relao monetria - no faz mais do que refletir o antagonismo

    de condies econ

    micas de vida muito mais profundas". Essereflexo pde revelar-se como simples reflexo para o materialismo

    histrico. Todavia, tinham as classes dessa sociedade, nas

    condies em causa, possibilidade objetiva de ascender

    conscincia do fundamento econmico de suas lutas, da

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    problemtica econmica da sociedade em que padeciam? Essas

    lutas e esses problemas no se tornariam necessariamente para

    elas - conforme as condies de vida em que viviam - formas ora

    "naturais" e religiosas,[20a] ora estatais e jurdicas? Mas que adiviso da sociedade em estamentos, em castas, etc., significa

    exatamente que a fixao tanto conceptual como organizacional

    dessas posies "naturais" permanece economicamente

    inconsciente, e que o carter puramente tradicional de seu mero

    crescimento deve ser imediatamente vertido nos moldes

    jurdicos.[21] Porque ao carter mais frouxo da coao econmica

    na sociedade corresponde unia funo, tanto objetiva como

    subjetivamente, diferenciada da que lhe dada ser no capitalismo,

    das formas jurdicas e estatais que constituem, aqui, as

    estratificaes em estamentos, os privilgios, etc. Na sociedade

    capitalista essas formas so, simplesmente, uma fixao de

    interconexes cujo funcionamento puramente econmico, se bem

    que, com freqncia, as formas jurdicas - como Karne j

    mostrou

    com. pertinncia [22] - possam referir-se, sem por isso modificar

    sua forma ou o seu contedo, a estruturas econmicas modificadas.

    Em compensao, nas sociedades prcapitalistas devem as formas

    jurdicas necessariamente intervir de maneira constitutiva nas

    conexes econmicas. No h aqui categorias puramente

    econmicas - e as categorias econmicas so, segundo Marx,

    "formas de existncia, determinao de existncia"[23] - que

    aparecem nas formas jurdicas, que so vertidas em outras formas

    jurdicas. Mas as categorias econmicas e jurdicas so,

    efetivamente, em razo do seu contedo, inseparveis e imbricadas

    umas nas outras (que se pense nos exemplos dados acima, da

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    renda da terra e do imposto, da escravido, etc.). A economia no

    atinge, para falar em termos hegelianos, sequer objetivamente, o

    nvel do ser-para-si, e eis por que no interior de tal sociedade no

    possvel uma posio a partir da qual O fundamento econmico detodas as relaes sociais pudesse tornar-se consciente.

    De nenhum modo isso vem suprimir o fundamento econmico

    objetivo de todas as formas de sociedade. Ao contrrio, a histria

    das estratificaes em estamentos demonstra, de maneira bastante

    clara que estas, aps terem originariamente percorrido uma

    existncia econmica "natural" nas formas slidas, decompunham-se pouco a pouco no curso da evoluo econmica que se

    desenrolava subterraneamente, "inconscientemente', isto ,

    deixavam de constituir uma verdadeira unidade. O seu contedo

    econmico dilacerou sua unidade jurdica formal. (A anlise, feita

    por Engels, das relaes de classes no tempo da Reforma, como a

    feita por Cunow das relaes de classes da Revoluo Francesa,

    confirmam suficientemente esse fato.) Contudo, apesar dessa

    rivalidade entre forma jurdica e contedo econmico, a forma

    jurdica (criadora de privilgios) guarda uma importncia muito

    grande, freqentemente decisiva para a conscincia de classe

    desses estamentos em via de decomposio. A forma da diviso em

    estamentos dissimulava. a interdependncia entre a existncia

    econ

    mica de estamento - exist

    ncia real, embora "inconsciente" 7e a totalidade econmica da sociedade. Ela fixa a conscincia ora

    no nvel da pura imediaticidade de seus privilgios (cavalheiros da

    poca da Reforma), ora no nvel da particularidade - tambm

    inteiramente imediata - dessa parte da sociedade, a que se referem

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    os privilgios (corporaes). Mesmo no caso de o estamento j

    estar completamente desagregado economicamente, e seus

    membros passarem a pertencer a classes j economicamente

    diferentes, apesar disso guarda este vnculo ideolgico(objetivamente ideal). Isso porque a relao que a "conscincia

    estamentria" desenvolve com a totalidade se dirige a outra

    totalidade que no a unidade econmica real e viva. Dirige-se, isto

    sim, a fixao passada da sociedade que constituiu, ao seu tempo,

    os privilgios estamentrios. A conscincia estamentria, como

    fator histrico real, mascara a conscincia de classe, impede-a de

    manifestar-se. Um fenmeno anlogo pode-se observar na

    sociedade capitalista, naqueles grupos "privilegiados" cuja situao

    de classe no tem um fundamento econmico imediato. A faculdade

    de adaptao de tal camada a evoluo econmica real cresce com

    sua capacidade de "capitalizar-se", de transformar seus privilgios"

    em relaes econmicas e capitalistas de dominao (por exemplo,

    os grandes propriet

    rios de terra)

    A relao entre a conscincia de classe e a histria , por

    conseguinte, uma nos tempos prcapitalistas e outra na poca

    capitalista. Nos tempos pr-capitalistas, as classes no podiam ser

    destacadas da realidade histrica imediatamente dada a no serpor

    intermdio da interpretao da histria elaborada pelo materialismo

    hist

    rico. Enquanto hoje as classes s

    o essa pr

    pria realidadeimediata, histrica. No , pois, de modo algum um acaso - como j

    ressaltava Engels - que esse conhecimento S se tornou possvel

    na poca do capitalismo. E isso no somente em razo da

    simplicidade maior dessa estrutura em comparao com as

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    "conexes complicadas e ocultas" dos tempos passados, como

    pensa Engels, mas, antes de tudo, porque o interesse econmico de

    classe, como motor da histria, s apareceu em toda a sua pureza

    com o advento do capitalismo. As verdadeiras "foras motrizes"que "esto por trs dos mveis dos homens que atuam na histria"

    jamais poderiam alcanar a conscincia (mesmo como conscincia

    simplesmente adjudicada) nos tempos prcapitalistas.

    Permanecem, na verdade, ocultas por trs ds mveis como foras

    cegas da evoluo histrica. Os momentos ideolgicos no

    "acobertam" somente os interesses econmicos, no so somente

    as bandeiras e as palavras-de-ordem de combate. So parte

    integrante e os prprios elementos da luta real. claro que, quando

    o sentido sociolgico dessas lutas pesquisado por intermdio do

    materialismo histrico, ento esses interesses podem,

    indubitavelmente, ser descobertos como momentos de explorao

    finalmente decisivos. Mas a diferena intransponvel no que se

    refere ao capitalismo est

    em que, na

    poca capitalista, osmomentos econmicos no esto mais ocultos "por trs" da

    conscincia, mas presentes na prpria conscincia (simplesmente

    inconscientes ou recalcados, etc.). Com o capitalismo, com o

    desaparecimento da estrutura estamentria e com a constituio de

    uma sociedade de articulaes puramente econmicas, a

    conscincia de classe alcanou uma fase onde pode tornar-se

    consciente. Agora a luta social se reflete em uma luta ideolgica

    para a conscincia, a revelao ou a dissimulao do carter de

    classe da sociedade. Mas a possibilidade dessa luta j anuncia as

    contradies dialticas, a dissoluo interna da pura sociedade de

    classes. "Quando a Filosofia", diz Hegel, "pinta de cinzento o

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    cinzento, que uma forma de vida envelheceu e no se deixa

    rejuvenescer pelo cinzento sobre o cinzento, no que apenas se faz

    reconhecer. A coruja de Minerva s ala vo ao cair da noite".

    III

    A burguesia e o proletariado so as nicas classes puras da

    sociedade. Isto : somente a existncia e a evoluo dessas classes

    repousam exclusivamente na evoluo do processo moderno de

    produo, e no se pode representarum plano de organizao da

    sociedade em seu conjunto a n

    o ser a partir de suas condies deexistncia. O carter incerto ou estril que a atitude das outras

    classes (pequeno-burgueses, camponeses) tem para a evoluo

    repousa no fato de que sua existncia no est fundada,

    exclusivamente, na sua situao no processo de produo

    capitalista, mas que est vinculada indissoluvelmente aos vestgios

    da sociedade dividida em estamentos. No buscam promover,

    portanto, a evoluo capitalista ou fazer-se superar a si mesmas.

    Mas, em geral, buscam faz-la retrogradar ou, pelo menos, impedi-la

    de chegar a seu pleno florescimento. O interesse de classe de que

    so portadoras s se orienta em funo de sintomas de evoluo, e

    no da prpria evoluo, e pois em funo de manifestaes

    parciais da sociedade e no do conjunto da estrutura da sociedade.

    Essa questo da conscincia pode aparecer nas maneiras de fixar o

    objetivo e de agir, como, por exemplo, entre a pequena-burguesia

    que, vivendo, ao menos, parcialmente, na grande cidade capitalista,

    submetida diretamente s influncias do capitalismo em todas as

    manifestaes exteriores da vida, no pode, em absoluto, desviar-

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    se, inteiramente indiferente, do fato da luta de classes entre a

    burguesia e o proletariado. Mas a pequena-burguesia, como "classe

    de transio onde os interesses das duas classes simultaneamente

    se ocultam", passa a sentir-se "acima da oposio das classes emgeral" [24] Em conseqncia do que procura os meios no de

    suprimir os dois extremos, capital e salrio, mas de atenuar sua

    oposio e de transform-la em harmonia" [25] Desviar-se-, em sua

    ao, de todas as decises cruciais da sociedade e dever,

    necessria e alternativamente, lutar, e sempre inconscientemente,

    por uma ou outra das direes da luta de classes. Seus prprios

    objetivos, que existem exclusivamente na sua conscincia, tomam,

    necessariamente, formas sempre mais vazias, sempre mais

    destacadas da ao social, puramente "ideolgicas". A pequena-

    burguesia s pode desempenhar, durante certo tempo, um papel

    histrico ativo no caso de os objetivos por ela assinalados

    coincidirem com os reais interesses econmicos de classe do

    capitalismo, como ocorreu, durante a Revoluo Francesa, nomomento da abolio dos estamentos. Cumprida essa misso, suas

    manifestaes - que na maior parte permanecem as mesmas -

    adquirem uma existncia cada vez mais margem da evoluo real,

    cada vez mais caricatural (o Jacobinismo da Montanha em 1848-51).

    Mas essa ausncia de vnculos com a sociedade como totalidade

    pode ter uma influncia para trs sobre a estrutura interna, - sobre a

    capacidade de organizao da classe. E isso se manifesta com mais

    clareza na evoluo dos camponeses. "Os pequenos proprietrios

    agrcolas", diz Marx, "formam uma enorme massa cujos membros

    vivem na mesma situao, mas sem entrar em mltiplos contatos

    uns com os outros. O seu modo de produo os isola uns dos

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    outros, ao invs de criar entre eles um comrcio recproco...

    assim que cada famlia de campons... retira seus meios de

    existncia mais da troca com a natureza do que com o comrcio

    com a sociedade... Na medida em que milhes de famlias vivem nascondies econmicas de existncia que separam seu modo de

    vida, seus interesses, sua cultura, dos das outras classes e os

    opem como inimigos dessas classes, que elas formam uma

    classe. E deixam de form-la proporo que S existe entre os

    pequenos proprietrios agrcolas um vnculo local no qual a

    identidade de seus interesses no engendra nenhuma comunidade,

    nenhuma ligao de plano nacional e nenhuma organizao

    poltica".[26] Eis por que as comoes exteriores, como a guerra, a

    revoluo na cidade, etc., so necessrias unificao do

    movimento das massas e mesmo assim elas esto sem condies

    de organizar por si mesmas esse movimento com palavras-de-

    ordem prprias e de dai-lhe uma direo positiva conforme os seus

    pr

    prios interesses. Da

    que depender

    da situao das outrasclasses em luta do nvel de conscincia dos partidos que as

    dirigem, o sentido progressista (Revoluo Francesa de 1789,

    Revoluo Russa de 1917) ou reacionrio (Imprio Napolenico) que

    estes movimentos tomarem. Eis por que a "conscincia de classe"

    dos camponeses se reveste de uma forma ideolgica de contedo

    mais mutvel que a das outras classes. E de fato sempre uma

    forma de emprstimo. Eis por que os partidos que se baseiam

    parcial ou inteiramente nessa "conscincia de classe jamais

    podero ter uma atitude firme e segura (os socialistas-

    revolucionrios russos em 1917-1918). Eis por que possvel

    conduzir as lutas camponesas sob bandeiras ideolgicas opostas.

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    Por exemplo, bem caracterstico, tanto para o anarquismo como

    teoria como para a "conscincia de classe" dos camponeses, que

    alguns dos levantes contra-revolucionrios de camponeses ricos e

    mdios na Rssia tenham encontrado um vnculo ideolgico comessa concepo da sociedade que tomaram como alvo. Assim, com

    relao a essas classes no se pode falar propriamente de

    conscincia de classe (se que se pode cham-las de classes no

    rigoroso sentido marxista): uma plena conscincia de sua situao

    conduzi-las-iam a descobrir a ausncia de perspectiva de suas

    tentativas particularistas, em face da necessidade da evoluo. Por

    conseguinte, conscincia e Interesse se encontram em relao

    recproca de oposio contraditria. E como se tem definido a

    conscincia de classe como um problema de adjudicao

    relacionado aos interesses de classe, torna-se tambm

    filosoficamente compreensvel a impossibilidade de sua evoluo

    na realidade histrica imediatamente dada.

    Tambm no que se refere burguesia, a conscincia de classe e o

    interesse de classe se encontram em uma relao de oposio, de

    contrariedade. Mas essa contrariedade no contraditria,

    dialtica.

    Assim que se pode expressar, com brevidade, a diferena entre

    essas duas aposies: enquanto para as outras classes sua

    situao no processo de produo e os interesses da decorrentes

    impedem necessariamente o nascimento de toda conscincia de

    classe, para a burguesia esses 'momentos levam ao'

    desenvolvimento da conscincia de classe, e unicamente esta v

    pesar sobre si - desde o incio e em razo de sua essncia a

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    maldio trgica que a condena, alcanando o pice da sua

    desevoluo, a entrar em contradio insolvel com ela prpria e,

    por conseguinte,, a suprimir-se a si mesma. Essa situao trgica

    da burguesia se reflete historicamente no fato de que ela ainda nobateu o seu predecessor, o feudalismo, quando j apareceu o novo

    inimigo, o proletariado. A forma poltica desse fenmeno est em

    que a luta contra a diviso estamentria da sociedade foi conduzida

    em nome de uma "liberdade" que, no momento da vitria, se

    converteu numa nova opresso. A contradio se manifesta,

    sociologicamente, no que a burguesia est obrigada a pr em ao,

    terica e praticamente, para fazer desaparecer da conscincia social

    o fato da luta de classes, apesar 4a sua forma social parecer, pela

    primeira vez, a luta de classes em estado puro, e fixado, tambm

    historicamente pela primeira vez, essa luta de classes como um

    fato. Do ponto de vista ideolgico, vemos o mesmo desacordo,

    quando o desenvolvimento da burguesia, por um lado, confere uma

    import

    ncia inteiramente nova

    individualidade, e, por outro lado,suprime, pelas condies econmicas desse individualismo e pela

    reificao criada pela produo mercantil, toda individualidade.

    Todas essas contradies - cuja srie no est de todo esgotada

    por esses exemplos, mas, ao contrrio, poderia ser seguida at o

    infinito - no so mais que um reflexo das profundas contradies

    do prprio capitalismo, tais como se refletem na conscincia da

    classe burguesa, de conformidade com sua situao no conjunto do

    processo da produo. Eis por que essas contradies aparecem na

    conscincia de classe da burguesia como contradies dialticas e

    no meramente como pura e simples incapacidade de compreender

    as contradies de sua prpria ordem social. Porque, de uma parte,

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    o capitalismo a primeira organizao da produo que tende[27]' a

    penetrar economicamente de um lado a outro da sociedade, .de

    modo que a burguesia deveria, por conseguinte, estar habilitada a

    possuir, a partir desse ponto central, uma conscincia (adjudicada)da totalidade do processo da produo. De outro lado, contudo, a

    posio que a classe dos capitalistas ocupa na produo, os

    interesses que determinam sua ao, fazem que seja, apesar de

    tudo, impossvel dominar, mesmo teoricamente, sua prpria

    organizao da produo. H nisso mltiplas razes. Em primeiro

    lugar, a produo no , para o capitalismo, seno em aparncia o

    ponto central da conscincia de classe, o ponto de vista terico da

    compreenso. Marx j ressaltava, a propsito de Ricardo, que este

    economista, a quem se acusa de s ter a vista voltada para ,a

    produo [28], define como objeto da economia exclusivamente a

    distribuio. E a anlise minuciosa do processo concreto da

    realizao do capital revela, para cada questo, que o interesse do

    capitalista deve necessariamente - visto que produz mercadorias eno bens - vincular-se a questes secundrias (do ponto de vista da

    produo); deve necessariamente - quando tomado no processo,

    para ele decisivo, da utilizao - ter, no estudo dos fenmenos

    econmicos, uma perspectiva a partir da qual os fenmenos mais

    importantes podem tornar-se inapreensveis.[29] A essa

    inadaptao acresce ainda o fato de que, nas relaes interiores do

    prprio capital, o princpio individual e o princpio social - isto , a

    funo de capital como propriedade privada e sua funo

    econmica objetiva - esto em insolvel conflito. dialtico. "O

    capital", diz o Manifesto Comunista, "no e uma fora pessoal,

    uma fora social". Mas uma fora social cujos movimentos so

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    dirigidos pelos interesses individuais dos possuidores de capitais,

    que no possuem nenhuma viso de conjunto da funo social e de

    sua atividade, e nem cuidam disso, de sorte que o princpio social, a

    funo social do capital, s se cumpre por cima de suas cabeas,atravs de suas vontades, sem que eles prprios tenham

    conscincia disso. Em razo desse conflito entre o princpio social e

    o princpio individual, que Marx, com razo, j considerava as

    sociedades por aes como uma "supresso do modo de produo

    capitalista no prprio interior do modo de produo capitalista" .

    [30] No obstante, considerado de um ponto de vista meramente

    econmico, o modo econmico da sociedade por aes, a este

    respeito, no se distingue a no ser acessoriamente da dos

    capitalistas individuais, do mesmo modo como a chamada

    supresso da anarquia da produo por parte dos cartis, trustes,

    etc., s faz adiar o conflito sem suprimi-lo. De fato, essa situao

    um dos mais decisivos momentos para a conscincia de classe da

    burguesia: a burguesia, por certo, age como uma classe naevoluo econmica objetiva da sociedade, mas ela no pode

    tornar-se consciente da evoluo desse processo que ela prpria

    realiza, a no ser como um mecanismo que lhe exterior, submetido

    a leis objetivas e suportado por elas. O pensamento burgus

    considera sempre, e necessariamente, a vida econmica do ponto

    de vista do capitalismo individual, e da resulta automaticamente

    [30a] essa oposio aguda entre o indivduo e a todo-poderosa e

    impessoal "lei da natureza", que pe em movimento toda a

    sociedade. Da decorre no s a rivalidade entre interesse de classe

    e interesse individual em caso de conflito (que, para dizer a verdade,

    raramente chega a ser, entre as classes dominantes, to violento

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    como entre a burguesia), mas a incapacidade elementar de

    assenhorear-se terica e praticamente dos problemas que surgem

    necessariamente do desenvolvimento da produo capitalista.

    "Essa transformao repentina do sistema de crdito em sistemamonetrio converte O pavor terico em um pnico prtico, e os

    agentes da circulao tremem diante do mistrio impenetrvel de

    suas prprias relaes", diz Marx.[31] E esse pavor no carece de

    fundamento, mais que um simples desespero do capitalista

    individual diante do seu destino pessoal. Os fatos e as situaes

    que provocam esse pavor fazem, de fato, penetrar na conscincia

    da burguesia qual. quer coisa que ela absolutamente no est em

    condio de tornar consciente, embora no possa nem totalmente

    neg-la nem. enxot-la como um fato bruto. "Porque o fundamento

    conhecvel de tais fatos e de tais situaes que o verdadeiro limite

    da produo capitalista o prprio capital". [32] Para falar a

    verdade, esse conhecimento, se viesse a ser consciente, significaria

    que a classe dos capitalistas se suprimiria a si pr

    pria.

    Assim os limites objetivos da produo capitalista vm a ser os

    limites da conscincia de classe da burguesia. Mas como - em

    oposio s antigas formas de dominao "naturais e

    conservadoras", que deixavam intactas as formas de produo de

    largas camadas entre os oprimidos[33] e que, por conseguinte.

    tinham uma influ

    ncia sobretudo tradicional e n

    o revolucion

    ria - ocapitalismo uma forma de produo revolucionante por excelncia

    - essa necessidade de permanecer inconsciente s> devido aos

    limites econmicos objetivos do sistema se manifesta como uma

    contradio interna e dialtica na conscincia de classe . Por outras

  • 8/8/2019 Georg Lukacs - Historia E Cons Ciencia de Classe

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    palavras, a conscincia de classe da burguesia dirigida

    forma/mente para uma tomada de conscincia econmica. O grau

    supremo da inconscincia, a forma mais gritante da "falsa

    conscincia", se expressa sempre na iluso cada vez maior de queos fenmenos econmicos so conscientemente dominados. Essa

    contradio se expressa, do ponto de vista das relaes entre a

    conscincia e o conjunto das relaes sociais, na oposio

    insupervel entre a ideologia e a situao econmica fundamental.

    A dialtica dessa conscincia de classe repousa na oposio

    insupervel entre o indivduo (capitalista), o indivduo segundo o

    esquema do capitalismo individual, e a evoluo submetida s "leis

    naturais" necessrias, isto , que escapam; por princpio,

    conscincia. Ela cria assim uma oposio inconcilivel entre a

    teoria e a praxis, de maneira que no permite nenhuma dualidade

    estvel e, ao contrrio, tende constantemente a unificar os dois

    princpios discordantes, provocando de novo, incessantemente,

    uma oscilao entre uma "falsa" reuni

    o e um dilaceramentocatastrfico.

    Essa contradio dialtica interna na conscincia de classe da

    burguesia acrescida ainda do fato de que o limite objetivo da

    organizao capitalista da produo no permanece no estado de

    mera negatividade, nem faz unicamente nascer, consoante as "leis

    naturais", crises incompreensveis

    consci

    ncia, mas se reveste de

    uma forma histrica prpria, consciente e atuante: o proletariado. J

    a maior parte dos deslocamentos "normais de perspectiva na viso

    da estrutura econmica da sociedade, que resultaram do ponto de

    vista dos capitalistas, tendiam a "obscurecer e mistificar a

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    verdadeira origem da mais-valia". [34] Mas, enquanto no

    comportamento "normal" meramente terico esse obscurecimento

    s se relaciona com a composio orgnica do capital, com a

    posio do empresrio no processo da produo, com a funoeconmica da taxa de juro, etc., isto , revela simplesmente a

    incapacidade de perceber, por trs dos fenmenos superficiais, as

    verdadeiras foras motrizes, desde que h passagem prtica ele

    passa a se referir ao fato central da sociedade capitalista: luta de

    classes. Pois, na luta de classes, todas essas formas -

    habitualmente ocultas por trs da vida econmica de superfcie, que

    exerce como que uma fascinao sobre os capitalistas e seus porta-

    vozes tericos - se manifestam de tal modo que impossvel no as

    perceber. Foi em tal ponto, na fase ascendente do capitalismo,

    quando a luta de classes do proletariado s se expressava sob a

    forma de violentas exploses espontneas que o fato da luta de

    classes foi reconhecido pelos prprios representantes ideolgicos

    da classe ascendente como o fato fundamental da vida hist

    rica(Marat e os historiadores posteriores como Mignet, etc.). Contudo,

    na medida em que esse princpio inconscientemente revolucionrio

    da evoluo capitalista se elevou, pela teoria e pela praxis do

    proletariado, conscincia social, a burguesia refugiou-se

    ideologicamente na defensiva consciente. A contradio dialtica na

    "falsa" conscincia da burguesia adquire mais acuidade; a "falsa"

    conscincia se converte na falsidade da conscincia. A contradio,

    que no comeo s estava objetivamente presente, tornou-se

    tambm subjetiva: o problema terico se transforma em

    comportamento moral que passa a influir de maneira decisiva sobre

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    todas as tomadas de posio prticas da classe, no que tange a

    todas as situaes e a todas as questes vitais.

    Essa situao da burguesia determina a funo da conscincia de

    classe na sua luta pela dominao da sociedade. Como a

    dominao da burguesia se estende realmente a toda a sociedade,

    como visa efetivamente organizar toda a sociedade de

    conformidade com os seus interesses, e, em parte, teve xito, ela

    deveria criar necessariamente tanto uma doutrina formando um

    todo da economia do Estado, da sociedade, etc. (o que pressupe e

    implica j, em e por si, uma "viso do mundo") como desenvolver etornar consciente nela a crena de sua prpria vocao

    dominao. O carter dialtico e trgico da situao de classe da

    burguesia reside em que no somente do seu interesse, mas que

    lhe inelutavelmente necessrio adquirir, sobre cada questo

    particular, uma conscincia to clara quanto possvel de seus

    interesses de classe, mas que isso lhe advm fatal se essa

    conscincia clara se estende questo que leva totalidade. A

    razo disso est, antes de tudo, em que a dominao da burguesia

    no passa da dominao de uma minoria. Como essa dominao

    no somente exercida por uma minoria, mas no interesse de uma

    minoria, uma condio inelutvel da manuteno do regime burgus

    que as outras classes se iludam, permanecendo com uma

    consci

    ncia de classe confusa. (Que se pense na doutrina doEstado como estando "acima" das oposies de classes, na justia

    "imparcial", etc.) Contedo, uma necessidade vital para a

    burguesia mascarar a essncia da sociedade burguesa. Porque,

    quanto mais clara a viso se torna, e quanto mais as contradies

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    internas insolveis dessa organizao se mostram em sua nudez,

    tanto mais os seus seguidores se colocam diante da seguinte

    opo: ou firmar-se conscientemente nessa compreenso crescente

    ou reprimir em Si prprios todos os instintos morais para poderaprovar, inclusive moralmente, a ordem social que eles aprovam em

    virtude dos seus interesses.

    Sem querer superestimar a eficcia de tais fatores ideolgicos,

    deve-se, contudo, constatar que a combatividade de uma classe

    tanto maior quanto melhor conscincia tenha, acreditando em sua

    prpria vocao, de que um instinto mais indmito lhe permitepenetrar todos os fenmenos, de conformidade com os seus

    interesses. Pois a histria ideolgica da burguesia no mais,

    desde as primeiras etapas de sua evoluo - pensamos na crtica da

    Economia clssica de Sismondi, na crtica alem do direito natural,

    no jovem CarIyle, etc. - do que urna luta desesperada para no ver a

    verdadeira essncia da sociedade criada por ela, para no tomar

    realmente conscincia de sua situao de classe. Quando o

    Manifesto Comunista ressalta que a burguesia produz seus prprios

    coveiros, isso justo no somente no plano econmico como

    tambm no plano ideolgico. Toda a cincia burguesa do sculo XIX

    fez os maiores esforos no sentido de mascarar os fundamentos da

    sociedade burguesa. Tudo foi tentado nessa direo, desde as

    piores falsificaes dos fatos at

    as "sublimes" teorias sobre a"essncia" da histria, do Estado, etc. Tudo em vo. O fim do sculo

    j trouxe seu julgamento na cincia mais avanada (e, por

    conseguinte, na conscincia das camadas dirigentes do

    capitalismo).

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    Isso se manifesta com clareza na acolhida cada vez mais positiva

    que a idia de organizao consciente recebe na Conscincia da

    burguesia. Inicialmente, uma concentrao sempre maior se operou

    nas sociedades por aes, nos cartis, nos trustes, etc. Essaconcentrao colocou a nu no plano organizacional, e de maneira

    cada vez mais clara, o carter Social do capital, sem, contudo,

    abalar a realidade da anarquia da produo, mas, ao contrrio,

    dando unicamente aos Capitalistas individuais, que se tornaram

    gigantescos, posies de monoplio relativo. Objetivamente ela tem

    valorizado, de modo bastante enrgico, o carter social do capital,

    mas deixou completamente inconsciente para a classe dos

    capitalistas; ela tem mesmo, por essa aparncia de supresso da

    anarquia da produo, desviado ainda mais a sua conscincia de

    uma verdadeira atitude de reconhecimento da situao. As crises da

    guerra e do ps-guerra levaram ainda mais longe essa evoluo: "a

    economia planificada" entrou na conscincia da burguesia, pelo

    menos na dos seus elementos mais avanados. De incio,

    evidentemente, nas camadas mais restritas, e assim mesmo mais

    como uma experincia histrica do que como um meio prtico de

    sair do impasse da crise. Se, contudo, comparamos esse estado de

    conscincia, no qual se procura um equilbrio entre a "economia

    planificada" e os interesses de classe da burguesia, com o estado

    de conscincia do capitalismo ascendente, que considerava todas

    as formas de organizao social "como um atentado aos

    imprescindveis direitos de propriedade, liberdade, 'genialidade'

    que determinam o capitalismo individual" [35] ento salta aos olhos

    a capitulao da conscincia de classe da burguesia diante da do

    proletariado. Ou seja: mesmo a parte da burguesia que aceita a

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    economia planificada tem desta uma compreenso que no a do

    proletariado: ela a entende, precisamente, como a ltima tentativa

    de salvao do capitalismo, levando a contradio interna ao seu

    ponto mais agudo. E mesmo assim ela abandona sua derradeiraposio terica. (E uma estranha rplica a este abandono, por parte

    de certas fraes do proletariado, consiste em capitular por sua vez

    diante da burguesia nesse instante preciso em que ela se apropria

    dessa forma problemtica de organizao.) Assim que toda a

    existncia da classe burguesa e de sua expresso, a cultura, entrou

    em uma gravssima crise. De um lado, a esterilidade sem limite de

    uma ideologia separada da vida, de uma tentativa mais ou menos

    consciente de falsificao; de outro, o deserto pavoroso de um

    cinismo que historicamente j se convenceu do nada interior de sua

    prpria existncia, e to-somente defende sua existncia bruta, seu

    interesse egosta em estado bruto. Essa crise ideolgica um sinal

    iniludvel de decadncia. A classe j se encontra acuada na

    defensiva, e n

    o luta mais a n

    o ser unicamente pela sua exist

    ncia(to agressivos quanto possam ser seus meios de luta). Perdeu

    irremediavelmente a fora de direo.

    IV

    Nesse combate pela conscincia, um papel decisivo cabe ao

    materialismo histrico. Quer no plano ideolgico, quer no plano

    econmico, proletariado e burguesia so classes necessariamente

    correlativas. O mesmo processo que, visto do lado da burguesia,

    aparece como um processo de desagregao, como uma crise

    permanente, para o proletariado - e igualmente sob forma de crise

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    - uma acumulao de foras, o trampolim para a vitria. No plano

    ideolgico, isso significa que essa mesma compreenso crescente

    da essncia da sociedade - onde se reflete a lenta agonia da

    burguesia traz ao proletariado um contnuo crescimento de fora. Averdade , para o proletariado, uma arma condutora da vitria, e a

    conduz de maneira tanto mais segura se no recua diante de nada.

    A fria desesperada com que a cincia burguesa combate o

    materialismo histrico compreensvel: ela est perdida desde que

    seja obrigada a colocar-se ideologicamente neste terreno. Isso

    permite, ao mesmo tempo, compreender por que, para o

    proletariado e somente para ele, uma justa compreenso da

    essncia da sociedade um fator de domnio de primeira ordem,

    porque, sem dvida, a arma pura e simplesmente decisiva.

    Essa funo nica que a conscincia tem na luta de classes do

    proletariado escapou sempre aos marxistas vulgares, que puseram

    em marcha um mesquinho "realismo poltico", em lugar do grande

    combate conducente aos princpios e s questes ltimas do

    processo econmico objetivo. Sem dvida, o proletariado deve

    partir dos dados da situao do momento. E se distingue das outras

    classes por no permanecer preso ao detalhe dos acontecimentos

    histricos, que simplesmente no est amadurecido por eles, mas

    que ele prprio constitui a essncia das foras motrizes e que,

    agindo de modo central, influi no processo central da evoluosocial. Desgarrando-se desse ponto de vista central, do que ,

    metodologicamente, a origem da conscincia de classe proletria,

    os marxistas vulgares se colocam no nvel de conscincia da

    burguesia. E s um marxista vulgar pode-se surpreender de que

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    nesse nvel, e em seu prprio campo de combate, a burguesia seja

    por fora, tanto ideolgica como economicamente, superior ao

    proletariado. Unicamente um marxista vulgar pode concluir desse

    fato que sua atitude exclusivamente responsvel pelasuperioridade em geralda burguesia. Porque ocorre que, aqui, a

    burguesia tem, ao se fazer agora abstrao dos seus meios reais de

    poder, maiores conhecimentos, uma maior rotina, etc., sua

    disposio. E nada h de surpreendente que ela se encontre, sem

    nenhum mrito prprio, em uma posio de superioridade, se o seu

    adversrio aceita sua concepo fundamental das coisas. A

    superioridade do proletariado sobre a burguesia - que por outro

    lado lhe superior em todos os pontos de vista: intelectual,

    organizacional, etc. - est exclusivamente no fato de ser capaz de

    considerar a sociedade, a partir do seu centro, como um todo

    coerente, e, por conseguinte, de agir de maneira central,

    modificando a realidade; est em que pode jogar sua prpria ao

    como fator decisivo

    balana da evoluo social, porque, para asua conscincia de classe, teoria e praxis so coincidentes. Quando

    os marxistas vulgares desagregam essa unidade, cortam o nervo

    que liga a teoria proletria ao proletria e que faz delas uma

    unidade. Reduzem a teoria ao tratamento "cientfico" dos sintomas

    da evoluo social e fazem da praxis um procedimento habitual sem

    objetivo, ao capricho de cada acontecimento de um processo que

    eles renunciam apreender metodicamente pelo pensamento,

    A conscincia de classe nascida de tal posio deve manifestar a

    mesma estrutura interna da conscincia de classe da burguesia.

    Mas quando as mesmas contradies dialticas so trazidas

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    superfcie da conscincia pela fora da evoluo, a sua

    conseqncia e ainda mais fatal para o proletariado do que para a

    burguesia. Porque a "falsa conscincia" da burguesia, pela qual se

    engana a si prpria, est, pelo menos, de acordo, apesar de todasas contradies dialticas e de sua falsidade objetiva, com sua

    situao de classe. Essa falsa conscincia, por certo, no pode

    salv-la do declnio e da intensificao contnua dessas

    contradies, mas lhe pode dar, contudo, possibilidades internas de

    continuar a luta, as condies internas prvias ao xito, mesmo

    passageiro. No proletariado, tal conscincia no est somente

    contaminada dessas contradies internas (burguesas), mas ela

    contradiz tambm as necessidades de ao que a leva sua

    situao econmica, embora possa nela pensar. O proletariado deve

    agir de maneira proletria, mas sua prpria teoria marxista vulgar

    lhe oculta o caminho correto. E essa contradio dialtica entre a

    ao proletria objetiva e economicamente necessria do

    proletariado e a teoria marxista vulgar (burguesa) est

    chamada adesenvolver-se sem cessar. Por outras palavras: o papel de

    estimulante ou de freio da teoria justa ou falsa se desenvolve na

    medida em que se aproxima das lutas decisivas na guerra das

    classes. O "reino da liberdade", o fim da "pr-histria da

    humanidade", significam exatamente que as relaes objetivadas

    entre os homens, como a reificao, comeam a repor sua fora nas

    mos do homem. Quanto mais este processo se aproxima de seu

    alvo, quanto mais a conscincia que o proletariado tem da sua

    misso histrica, isto , a sua conscincia de classe - adquire

    importncia, tanto mais essa conscincia de classe deve determinar

    com fora cada uma de suas aes. Porque o poder cego das foras

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    motrizes no leva "automaticamente" a seu objetivo, superao de

    si, a no ser durante o tempo em que este alvo no esteja ao

    alcance da mo. Quando est dado objetivamente o momento da

    passagem ao "reino da liberdade", isso se manifesta exatamente noplano objetivo, no fato de as foras cegas arrastarem ao abismo, de

    maneira verdadeiramente cega, com uma violncia cada vez maior,

    aparente. mente irresistvel, que s a vontade consciente do

    proletariado pode preservar a humanidade de uma catstrofe. Por

    outras palavras: quando a crise econmica final do capitalismo

    comeou, o destino da revoluo (e com ela o da humanidade)

    passou a depender da maturidade ideolgica do proletariado, de sua

    conscincia de classe.

    Assim definida a funo nica da conscincia de classe para o

    proletariado, em oposio sua funo para outras classes. Eis por

    que o proletariado no se pode libertar como classe a no ser

    suprimindo a sociedade de classes em geral, que sua conscincia, a

    ltima conscincia de classe na histria da humanidade, deve

    coincidir de um lado com a revelao da essncia da sociedade e,

    de outro, tornar-se uma unidade sempre mais ntima da teoria e da

    praxis. Para o proletariado, sua ideologia no uma 'bandeira" sob

    a qual ele combate, um pretexto sombra do qual persegue seus

    prprios objetivos. Ela o prprio alvo e a prpria arma. Toda ttica

    sem princpios rebaixa o materialismo hist

    rico at

    faz

    -lo uma

    mera ideologia", fora o proletariado a um mtodo de luta

    burguesa (ou pequeno-burguesa), priva-o de suas melhores foras,

    destinando sua conscincia de classe o papel de uma conscincia

    burguesa, mero papel de acompanhamento ou de freio (de freio para

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    o proletariado), em lugar da funo motriz destinada conscincia

    proletria.

    V

    To simples , contudo, para o proletariado, a relao entre a

    conscincia de classe e a situao de classe, em razo da essncia

    das coisas, quanto 59 grandes os obstculos que se opem

    realizao dessa conscincia na realidade. Aqui, de incio, tudo

    entra na linha de conta da falta de unidade na prpria conscincia.

    De fato, embora a sociedade represente em si uma unidade vigorosae que seu processo de soluo seja igualmente um processo

    unitrio, ambos no so dados como unidade conscincia do

    homem, em particular do homem nascido no seio da reificao

    capitalista das relaes como em um meio natural. Ao contrrio, so

    dados como uma multiplicidade de coisas e de foras

    independentes umas das outras.

    A fissura mais frisante e mais carregada de conseqncias, na

    conscincia de classe do proletariado, se revela na separao entre

    a luta econmica e a luta poltica. Muitas vezes Marx indicou que

    essa separao no tem base [36] e mostrou como est na essncia

    de toda luta econmica transformar-se em luta poltica (e

    inversamente), e, no entanto, tem sido impossvel eliminar essa

    concepo da teoria do proletariado. Esse desvio da conscincia de

    classe tem seu fundamento na dualidade dialtica do objetivo

    parcial e do objetivo final, e pois, em ltimo lugar, na dualidade

    dialtica da revoluo proletria.

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    Porque as classes que, nas sociedades anteriores, estavam

    chamadas dominao e, por conseguinte, eram capazes de

    realizar as revolues vitoriosas, se encontravam subjetivamente

    diante de uma tarefa mais fcil, justamente por causa dainadequao de. sua conscincia de classe estrutura econmica

    objetiva, em razo, pois, da inconscincia de sua prpria funo no

    processo de evoluo. Cabia-lhe somente impor a satisfao dos

    seus interesses imediatos com a violncia de que dispunham; e o

    sentido social de suas aes lhes restava oculto e era confiado

    manha da razo do processo de evoluo. Mas como a histria

    colocou o proletariado diante da tarefa de uma transformao

    consciente da sociedade, era necessrio que surgisse na sua

    conscincia de classe a contradio dialtica entre o interesse ime

    diato e o objetivo final, entre o momento isolado e a totalidade.

    Porque o momento isolado no processo e a situao concreta com

    suas exigncias concretas so, em razo de sua essncia,

    imanentes

    sociedade capitalista atual e submetidas a suas leis,

    sua estrutura econmica. Somente em se incorporando viso de

    conjunto do processo, em se vinculando ao objetivo final que eles

    colocam concreta e conscientemente para alm da sociedade

    capitalista, que eles se tornam revolucionrios. Subjetivamente

    isso significa, para a conscincia de classe do proletariado, que a

    dialtica entre o interesse imediato e a influncia objetiva sobre a

    totalidade da sociedade transferida na prpria conscincia do

    proletariado, em lugar de ser - como para todas as classes

    anteriores - um processo puramente objetivo, que se desenrola fora

    da conscincia (adjudicada). A vitria revolucionria do proletariado

    no , pois, como o era para as classes anteriores, a realizao

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    imediata do ser socialmente dado da classe. E, como j tinha

    reconhecido e assinalado com nitidez o jovem Marx, sua superao

    de si. O Manifesto Comunista assim formula essa diferena: Todas

    as classes anteriores que conquistaram o poder buscavamassegurar a situao que elas j tinham adquirido, submetendo toda

    sociedade s condies de sua aquisio. Os proletrios s podem

    apropriar-se das foras produtivas sociais suprimindo o modo de

    apropriao que at aqui era o seu, e, por conseguinte, todo o

    antigo modo de apropriao" (grifado por G. L.). Essa dialtica

    interna da situao de classe torna mais difcil o desenvolvimento

    da conscincia de classe proletria, em oposio burguesia que

    podia, desenvolvendo sua conscincia de classe, permanecer

    superfcie dos fenmenos, no nvel do mais grosseiro e do mais

    abstrato empirismo, enquanto para o proletariado era um imperativo

    elementar de sua luta de classes ir alm do dado imediato. (E Q que

    Marx j assinala nas suas notas sobre o levante dos teceles

    silesianos. ) [37]

    Porque a situao de classe do proletariado introduz a contradio

    diretamente na conscincia do proletariado, enquanto as

    contradies nascidas da situao de classe da burguesia

    aparecem necessariamente como os limites externos de sua

    conscincia. Essa contradio significa que a "falsa" conscincia

    tem, no desenvolvimento do proletariado, uma funo inteiramentediferente que nas demais classes anteriores. De fato, enquanto as

    constataes correlatas de fatos parciais ou de momentos do

    desenvolvimento na conscincia de classe da burguesia revelavam,

    por sua relao com a totalidade da sociedade, os limites da

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    conscincia, se desmascaravam como "falsa" conscincia, h,

    mesmo na "falsa" conscincia do proletariado, mesmo nos seus

    erros de fato, uma inteno dirigida axialmente para a verdade. E

    bastante ir crtica social dos utopistas ou aos acrscimos apostospor proletrios e revolucionrios teoria de Ricardo. A propsito

    desta ltima, Engels demonstrou com vigor que ela "econmica e

    formalmente falsa", para logo acrescentar: "Mas o que falso de um

    ponto de vista econmico e formal pode no ser menos justo do

    ponto de vista da histria universal... A inexatido econmica formal

    pode encobrir um contedo econmico verdadeiro" [38]. assim

    que a contradio na conscincia de classe do proletariado se torna

    solvel, tornando-se, ao mesmo tempo, um fator consciente da

    histria. Porque a inteno objetivamente dirigida axialmente para a

    verdade, e que inerente mesmo "falsa" conscincia do

    proletariado, no implica absolutamente que ela possa vir dela

    prpria para a luz, sem a interveno do proletariado. Ao contrrio:

    somente intensificando seu car

    ter consciente, agindoconscientemente e exercendo uma autocrtica consciente, que o

    proletariado transformar a inteno dirigida axialmente para a

    verdade, despojando-a de suas falsas mscaras, em uma

    conscincia verdadeiramente correta e de porte histrico, que

    subverter a sociedade: ela seria evi dentemente impossvel, se no

    tivesse em seu fundamento essa inteno objetiva, e aqui que se

    verifica a afirmao de Marx segundo a qual "a humanidade no se

    prope tarefa que no possa resolver" . [39] O que dado aqui

    somente a possibilidade. A soluo, ela mesma, no pode ser mais

    do que o fruto da ao consciente do proletariado. Essa mesma

    estrutura da conscincia, na qual repousa a misso histrica do

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    proletariado, que o faz ir alm da sociedade existente, produz nele a

    dualidade dialtica. O que aparecia nas outras classes como

    oposio entre interesse de classe e interesse da sociedade, entre a

    ao individual e suas conseqncias sociais, etc., como limiteexterno da conscincia, e agora transferido, como oposio entre o

    interesse momentneo e objetivo final, do interior da conscincia de

    classe proletria. Isso significa, por conseguinte, que essa

    dualidade dialtica superada interiormente e que a vitria exterior

    do proletariado na luta das classes veio a ser possvel.

    Contudo, essa ciso [40] oferece precisamente um meio decompreender que a conscincia de classe no a conscincia

    psicolgica de proletrios individuais ou a conscincia psicolgica

    (de massa) do seu conjunto - como fazia crer a citao posta em

    exergo - mas o sentido tornado consciente, da situao histrica da

    classe. O interesse individual momentneo, no qual esse sentido se

    objetiva alternadamente e por cima do qual no se pode passar sem

    retornar a luta de classes do proletariado ao estado mais primitivo

    do utopismo, pode de fato ter uma dupla funo: a de ser um passo

    na direo do alvo e a de ocultar o alvo. Depende exclusivamente da

    conscincia de classe do proletariado; e no da vitria ou do

    impasse nas lutas particulares, que seja urna ou outra coisa. Esse

    perigo, que encobre particularmente a luta sindical "econmica",

    Marx j

    o percebera anteriormente e com nitidez. "Ao mesmo tempoos trabalhadores no devem superestimar para si prprios o

    resultado final dessas lutas. No devem esquecer que lutam contra

    os efeitos e no contra as causas desses efeitos... que recorrem a

    paliativos e no curam a prpria doena. Tambm no deveriam

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    despender toda a sua atividade exclusivamente nestas inevitveis

    lutas de guerrilha..., mas ao mesmo tempo trabalhar para a

    transformao radical e utilizar sua fora organizada como urna

    alavanca para a emancipao definitiva do salrio". [40a]

    A origem de todo oportunismo est em partir dos efeitos e no das

    causas, das partes e no do todo, dos sintomas e no da coisa; est

    em ver no interesse particular e na sua satisfao no um meio de

    educao tendo em vista a luta final, cuja sada depende da medida

    em que a conscincia psicolgica se aproxime da conscincia

    adjudicada, mas algo de precioso em si ou, pelo menos, algo que,por si prprio, se aproximaria do alvo. Em uma palavra, est em

    confundir o estado efetivo de conscincia psicolgica dos

    proletrios com a conscincia de classe do proletariado .

    Freqentemente se v o que tem de catastrfico, na prtica, tal

    confuso, quando, na seqncia dessa confuso, o proletariado

    apresenta uma unidade e uma coeso bem menores, em sua ao,do que as que corresponderiam unidade das tendncias

    econmicas objetivas. A fora e a superioridade da verdadeira

    conscincia prtica de classe residem exatamente na capacidade de

    perceber, por trs dos sintomas dissociadores do processo

    econmico, sua unidade como evoluo do conjunto da sociedade.

    Contudo, tal unidade de movimento no pode ainda, na poca do

    capitalismo, revelar urna unidade imediata, nas formas exteriores de

    apario. O fundamento econmico de uma crise mundial, por

    exemplo, forma seguramente urna unidade e, como tal, pode ser

    percebido como uma unidade econmica. Sua forma de apario no

    espao e no tempo ser, contudo, uma sucesso e uma

  • 8/8/2019 Georg Lukacs - Historia E Cons Ciencia de Classe

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    justaposio de fenmenos separados no somente nos diferentes

    pases como tambm nos diferentes ramos da produo de cada

    pas. Pois, quando o pensamento burgus "muda as diferentes

    partes da sociedade enquanto sociedade parte" , [41] comete,decerto, um pesado erro terico, mas as conseqncias prticas

    dessa teoria errnea correspondem inteiramente aos interesses

    capitalistas de classe. A classe burguesa , certamente, incapaz, no

    plano terico geral, de elevar-se acima da compreenso dos

    detalhes e dos sintomas do processo econmico (incapacidade que,

    no final das contas , a condena ao impasse tambm no plano

    prtico). Todavia, importa-lhe grandemente, na atividade prtica

    imediata da vida quotidiana, que essa maneira de agir que lhe

    prpria se imponha tambm ao proletariado. Nesse caso, de fato, e

    somente nesse caso, que a superioridade organizacional, etc., da

    burguesa pode expressar-se com clareza, enquanto a organizao

    toda diferente do proletariado, sua atitude a organizar-se enquanto

    classe, n

    o se pode impor praticamente. Pois, quanto mais progridea crise econmica do capitalismo, tanto mais essa unidade de

    processo econmico pode ser claramente apreendida na prpria

    prtica. Ela, decerto, tambm estava presente nas pocas ditas

    normais, e pois perceptvel do ponto de vista de classe do

    proletariado, mas a distncia entre a forma de apario e o

    fundamento ltimo era, contudo, muito grande para poder conduzir

    a conseqncias prticas na ao do proletariado. Esta muda nas

    pocas decisivas de crises. A unidade do processo total passou ao

    primeiro plano. A tal ponto que mesmo a teoria do capitalismo no

    pode abster-se disso inteiramente, embora jamais possa apreender

    adequadamente essa unidade. Nessa situao, o destino do

  • 8/8/2019 Georg Lukacs - Historia E Cons Ciencia de Classe

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    proletariado e, com ele, o de toda a evoluo humana depende

    unicamente desse passo, tornado desde logo objetivamente

    possvel, que se far ou no se far. Porque mesmo que os

    sintomas da crise se manifestem separadamente (segundo ospases, os ramos da produo, como crises econmicas , ou

    polticas", etc.), mesmo se o reflexo que a corresponde na

    conscincia psicolgica imediata dos trabalhadores tem tambm um

    carter isolado, a possibilidade e a necessidade de superar essa

    conscincia j existem agora; e essa necessidade sentida

    instintivamente pelas camadas cada vez mais amplas do

    proletariado. A teoria do oportunismo que no desempenhou,

    aparentemente, at crise aguda, a no ser um papel de freio

    evoluo objetiva, toma agora uma orientao diretamente oposta

    evoluo. Visa impedir que a conscincia de classe do proletariado

    continue a evoluir para se transformar, de simples dado psicolgico,

    em adequao ao conjunto da evoluo. objetiva; visa levar a

    consci

    ncia de classe do proletariado ao nvel de um dado

    psicolgico e dar assim ao progresso at aqui instintivo dessa

    conscincia de classe uma orientao oposta. Essa teoria que se

    poderia considerar, com certa indulgncia, ainda como um erro,

    durante o tempo em que a possibilidade prtica de unificao da

    conscincia de classe proletria no era dada no plano econmico

    objetivo, se reveste nessa situao de uma carter de embuste

    consciente (estejam ou no seus porta-vozes psicologicamente

    conscientes disso). Preenche, frente a frente aos instintos corretos

    do proletariado, a funo que sempre exerceu a teoria capitalista:

    denuncia a concepo correta da situao econmica global, da

    conscincia de classe correta do proletariado e de sua forma

  • 8/8/2019 Georg Lukacs - Historia E Cons Ciencia de Classe

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    organizacional, o partido comunista, como qualquer coisa de irreal,

    como um princpio contrrio aos "verdadeiros" interesses dos

    operrios (interesses imediatos, interesses nacionais ou

    profissionais tomados isoladamente), estranho sua "autntica"(dada psicologicamente) conscincia de classe.

    Entretanto, a conscincia de classe ainda que no tendo realidade

    psicolgica no mera fico.