Churchill - Visionario, Estadis - John Lukacs

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Biografia

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  • John Lukacs

    CHURCHILL:Visionrio. Estadista. Historiador.

    Traduo:Claudia Martinelli Gama

  • Espero sinceramente que s leiam istoaqueles que de fato desejarem faz-lo.

    ltima frase do prefcio aThe Groombridge Diary

  • Para M. S.

  • Sumrio

    Prefcio

    1 Churchill, o visionrio

    2 Churchill e Stlin

    3 Churchill e Roosevelt

    4 Churchill e Eisenhower

    5 Churchill, a Europa e o apaziguamento

    6 Churchill como historiador

    7 Seus fracassos. Seus crticos

    8 Duas biografias recentes

    9 O funeral de Churchill

  • Prefcio

    Nestes primeiros anos do sculo XXI, a reputao de Winston Churchill est em alta conta.No sei efetivamente explicar por qu. Afinal, j se passaram quase quarenta anos desde a suamorte e quase cinqenta anos desde o fim da sua carreira pblica. Evidentemente a suaimagem se beneficiou vista em perspectiva: Churchill se agiganta em contraste com as muitasmediocridades que, desde a sua poca, ocuparam a cena da poltica mundial ou por ela passaram efemeramente. Penso s vezes que existe um outro elemento. Mais de uma dcada apso colapso da Unio Sovitica, podemos ver que, entre os dois colossais adversrios doOcidente durante o sculo XX, a Unio Sovitica era mais fraca e o Terceiro Reich de Hitlerera mais forte do que as pessoas costumavam pensar; e no foi Churchill quem, nos momentosmais dramticos da Segunda Guerra Mundial, fez frente a um Hitler que chegara muito pertode venc-la? (Mas, por outro lado, tal perspectiva s ocorreria queles que sobreviveram guerra ou que refletiram muito a esse respeito...) De qualquer modo, mostras recentes deadmirao por Churchill so com freqncia surpreendentes. Depois que alguns rabesfanticos lanaram avies seqestrados contra as torres de Nova York, algumas pessoasevocaram o nome e a coragem de Churchill durante a Blitz mas a Blitz foi algo inteiramentediferente. Tenho achado curiosas tanto quanto irritantes as recentes apresentaes de oradoresem diversas reunies da Sociedade Churchill, pessoas que no faz muitos anos o depreciaramna imprensa e, igualmente, uma ou duas que, em 1940, haviam sido opositoras inflexveis aqualquer tipo de ajuda americana Gr-Bretanha, especialmente a uma Gr-Bretanha guiadapor Churchill, o fomentador de guerras. Houve uma interrupo na bibliografia a seu respeitodurante a dcada de 1980, em cujo final foram publicadas as primeiras crticas macias aChurchill feitas por alguns historiadores, mas a mar do seu renome subiu novamente. Aindano ano passado foram lanadas duas importantes biografias de Churchill (ver o captulo 8).Em janeiro de 2001, igualmente, uma conferncia no Instituto de Pesquisa Histrica, naUniversidade de Londres, foi intitulada Churchill no sculo XXI; os textos dascomunicaes foram publicados em Ata da Real Sociedade Histrica, srie 6, vol. XI, nofinal do ano. Talvez seja significativo que, dentre os quinze estudiosos e personalidadespblicas que participaram, somente um historiador fez crticas severas a Churchill. (Ascrticas de outro foram mais ponderadas. As referncias a ambos podem ser encontradas noscaptulos 3 e 7.)

    Os historiadores agora tm sua disposio os vastos e esplendidamente catalogadosArquivos Churchill, em Cambridge (abrigados em um enorme edifcio moderno de espantosafeira, infelizmente). Mas a amplitude dos dados relativos a Churchill enorme, muito almdesse valioso conjunto. Eu tambm fui beneficiado pelo interesse recente por Churchill: doislivros meus, um publicado no incio e o outro no fim da dcada de 1990, reconstituies deChurchill durante os meses e dias mais perigosos e cruciais de 1940, receberam crticasfavorveis e, surpreendentemente, atraram muitos compradores e leitores, no s nos pases

  • anglfonos como tambm em outros lugares. Este pequeno volume no uma biografia nem umensaio erudito sobre a vida de Churchill, embora se baseie em estudos e leituras que tenhofeito por toda a minha vida. Seu contedo pode esclarecer alguns aspectos de Churchill poucoconhecidos ou valorizados e sugerir alguns tpicos que ainda no foram totalmenteexplorados, mesmo na extensa bibliografia a seu respeito. Assim, algumas dessas perspectivas(ou argumentaes) incluem sugestes para pesquisa adicional. Outra limitao a minhanfase freqente no papel de Churchill durante a Segunda

    Guerra Mundial e posteriormente. Mas naturalmente 1940 foi a grande linha divisria nasua carreira. Antes de 1940, ele experimentou muitos fracassos, cometeu muitos erros. Em1940, ele foi o homem que no perdeu a Segunda Guerra Mundial. Isso me inspirou na poca;e ainda me inspira atualmente. Em um ensaio sobre Churchill como historiador (ver o captulo6), J.C. Plumb escreveu que o passado em que [Churchill] acreditava se perdeu. O que deua Churchill a confiana, a coragem, a f ardente de que sua causa era justa a sua profundapercepo do prodigioso passado ingls se perdeu. Eu sei o que Plumb queria dizer.Ainda assim... no acredito totalmente nisso.

    2001-2002

  • 1

    Churchill, o visionrio

    Uma das singularidades da lngua inglesa e das sensibilidades da mente inglesa que,enquanto a palavra viso elogiosa, sugerindo um atributo positivo, visionrio pode ter umsentido dbio, como de fato ocorre com freqncia. Naturalmente, h diversos sentidos dessaspalavras no Dicionrio Oxford, mas eis aqui os principais. Viso: Algo que aparentementevisto de maneira diferente da faculdade visual comum ou Um conceito mental de umaespcie distinta e intensa: um projeto ou expectativa altamente imaginativos. J visionrio:Propenso a opinies fantasiosas e impraticveis; especulativo, devaneador, ou Que sexiste na imaginao; ilusrio ou irreal, ou Aquele que alimenta idias ou projetosfantsticos; um entusiasta inepto. Este ltimo sentido pejorativo, segundo o DicionrioOxford, surge no ingls em 1702. Duzentos e vinte e cinco anos depois, era assim que osadversrios ingleses de Winston Churchill e tambm muitos outros o consideravam.Mas eu aqui no estou interessado nos adversrios e crticos de Churchill. O meu objetivoneste captulo diferente. sustentar que visionrio pode ser, de forma apropriada e, assimespero, convincente, aplicvel a Churchill em um sentido positivo.

    Ele era extraordinrio muito bem, mas no s isso. No havia nenhuma outra pessoaque pudesse ter feito o que ele fez em 1940. Esta uma questo que, aps mais de sessentaanos, devemos encarar de forma um tanto diferente de como a encaramos durante muito tempo.Em 1940 Churchill, sozinho, postou-se no caminho da vitria de Hitler. No s os americanos que, justificadamente, associam o incio da sua Segunda Guerra Mundial a dezembro de1941 mas muitas outras pessoas, inclusive historiadores srios e bigrafos de Hitler,tendem a considerar que a runa do Fhrer foi uma guerra que ele iniciou e em que ele e o seuTerceiro Reich seriam esmagados pela fora unida da Gr-Bretanha, dos Estados Unidos e daUnio Sovitica. Mas o que poucos compreendem como Hitler chegou perto de vencer a suaguerra no comeo do vero de 1940 e bem antes da Batalha da Inglaterra. Ele teria vencido aguerra se houvesse mandado um pequeno exrcito alemo desembarcar na Inglaterra em junhoou julho essa possibilidade foi reconhecida por alguns historiadores militares, na maioriabritnicos. Mas isso uma especulao. O que no uma especulao o que Churchill, em27 de maio de 1940, nas sesses secretas do Gabinete de Guerra, chamou de a ladeiraescorregadia. Se um governo britnico houvesse ento demonstrado mesmo uma inclinaocautelosa para examinar uma negociao com Hitler, o que equivaleria a uma disposio paraaveriguar as suas possveis condies, isso teria sido o primeiro passo em uma LadeiraEscorregadia sem volta. Alguns no concordavam inteiramente com Churchill a esse respeito:fora do sigilo da sala do Gabinete de Guerra, havia muitos do Partido Conservador; e talvezhouvesse a maioria dos representantes eleitos do povo britnico, do Partido Conservador; e

  • havia pelo menos a potencialidade de que, em circunstncias diferentes, os homens e mulheresda Gr-Bretanha pudessem haver concordado com esse procedimento, pelo menosaparentemente, razovel e prudente. Mas Churchill no esmoreceu e imps a sua vontade. Essefoi o principal momento de deciso um momento de deciso mais do que um marco nasua carreira. Talvez tenha sido o principal momento de deciso na histria da Segunda GuerraMundial. Durante os meses subseqentes, Churchill e a Gr-Bretanha desafiaram o TerceiroReich de Hitler praticamente sozinhos. Posteriormente, ele j no estava sozinho. Ele e a suaGr-Bretanha no poderiam derrotar Hitler sem ajuda. Mas, enquanto Churchill governou aGr-Bretanha, Hitler no conseguiu vencer a sua guerra.

    Provavelmente essa foi a razo por que o dio de Hitler contra Churchill queimou comtanto ardor at o fim. Hitler respeitava e at admirava Stlin; referia-se com desdm aRoosevelt; mas seu dio por Churchill se inflamava em sua mente acima dos outros.

    Mas a valentia e a firmeza que Churchill demonstrou naquela poca eram inseparveis dedeterminados elementos da sua capacidade de viso. Podem-se identificar elementosvisionrios tambm em outros momentos da sua carreira. Alguns podem ser mais bvios doque outros. J em 1901 ele disse no Parlamento: A democracia mais retaliativa do que osGabinetes. As guerras dos povos sero mais terrveis do que as dos reis. (Note-se que eleafirmou isso em uma poca em que os prognsticos sobre a inviabilidade de grandes guerrasfuturas eram usuais entre muitos pensadores polticos.) Ainda mais assombroso edesalentador o que o jovem Churchill escreveu no vigsimo quinto ano da sua vida, em Aguerra fluvial: Espero que, se dias funestos sobreviessem ao nosso pas e o ltimo exrcitoque um Imprio em colapso pudesse interpor entre Londres e o invasor se estivessedecompondo entre debandadas e destroos, haveria alguns mesmo nestes tempos modernos que no desejariam acostumar-se nova ordem das coisas e documente sobreviver desgraa.1 Agora uma ltima olhada no significado da palavra visionrio. Em todos ossentidos quer positivos quer negativos , a palavra sugere previdncia. E a previdnciapode ser negativa assim como positiva, excessiva assim como inadequada observe-se esteprovrbio caracteristicamente britnico: Atravessaremos aquela ponte quando a elachegarmos. Essa advertncia evoca o pragmatismo do bom senso, mas pode tambm levar auma relutncia em pensar demais ou com demasiada rapidez. Apenas alguns anos antes de1940, o primeiro-ministro Stanley Baldwin, predecessor de Churchill, teria supostamente dito:O homem que afirma poder ver muito adiante um charlato. (Ele no se referia aChurchill.) Como escreveu Robert Rhodes James: A previdncia em poltica rara e, emgeral, uma questo mais de acaso do que de gnio.2 Talvez, mas, seja como for, asprevidncias de Churchill foram mais histricas do que polticas. Impetuosidade, impacincia,obstinao, excentricidade foram, muitas vezes, falhas de Churchill. Imprevidncia? No.Relutncia em pensar? Raramente, talvez nunca. Ele possua uma mente extraordinariamentegil e essas peculiaridades eram no s inseparveis do seu temperamento e carter, comotambm inseparveis da capacidade visionria da sua mente.

    Um exemplo disso foi a sua avaliao visionria de Hitler e do Terceiro Reich. Foi umtrunfo importante que, durante os cruciais meses do vero de 1940, Churchill compreendesseHitler melhor do que Hitler o compreendia. (Observe-se tambm que esse tipo decompreenso humana inteligente naquele momento quase nada tinha a ver com aposteriormente to exaltada interceptao e deci-frao, pelo servio de inteligncia

  • britnico, dos sinais e cdigos alemes.) A luta entre Churchill e Hitler durante aqueles mesesfoi um autntico duelo o ttulo que escolhi para o meu livro sobre aqueles oitenta dias,descrevendo os movimentos recprocos dos dois lderes, dentre outras coisas. Ali, porm, noestava envolvido somente o fato de um estrategista superar o outro. Um mestre de xadrez umcalculista esplndido, talvez mesmo um estrategista. Mas ele no um visionrio. No entanto,a compreenso do seu grande adversrio por parte de Churchill continha insights quepoderiam ser adequadamente reconhecidos como visionrios.

    Ele melhor do que os franceses, cuja opinio sobre a Alemanha aps 1918 era umacombinao de miopia e medo, e o medo no proporciona uma viso ntida anteviu aascenso de uma Alemanha vingativa j em 1924: Os enormes contingentes de jovensalemes que, a cada ano, atingem a idade militar esto inspirados pelos sentimentos maisimpetuosos, e a alma da Alemanha arde com sonhos de uma guerra de libertao ou vingana.Churchill enxergou muito alm das agitaes da Berlim cosmopolita ou daquelas doparlamento da Repblica de Weimar. Ele divisou outra agitao, a dos ento ainda pequenosgrupos de tropas de assalto, que marchavam pelas cidades alems ou batiam ruidosamente ascanecas de cerveja nos sales bvaros. Em outubro de 1930, Churchill jantou na embaixadaalem, em Londres. mesa, ele disse que estava apreensivo em relao a Hitler. Oconselheiro da embaixada, um descendente de Bismarck, considerou as palavras de Churchillsignificativas o bastante para relat-las a Berlim. Elas podem ser encontradas na coleo dedocumentos diplomticos alemes. Observe-se que isso ocorreu em 1930, poca em queningum sem dvida ningum na Inglaterra, mas igualmente ningum na Alemanha, com aexceo talvez do prprio Hitler imaginava que Hitler pudesse, um dia, tornar-se ochanceler e lder da nao alem. Em julho de 1932, Churchill escreveu que Hitler era amola propulsora sob o governo alemo e, em breve, poderia ser mais que isso. Assim viria aser.

    Porm ainda mais visionrio foi o que Churchill escreveu sobre Hitler e a Alemanha noincio de 1935.3 Quando a Alemanha havia sido derrotada, aniquilada, nos estertores darevoluo, desarmada, ento [em 1919] foi que um cabo, um ex-pintor de casas,4 dedicou-sea recuperar tudo.

    Nos quinze anos que se seguiram a essa resoluo, ele conseguiu recolocar a Alemanha na posio mais poderosa naEuropa, e no s restabeleceu a posio do seu pas, como at, em grande medida, inverteu os resultados da GrandeGuerra. ... [Agora] os vencidos esto em vias de se tornar os vencedores e os vencedores, os vencidos. Quando Hitlercomeou, a Alemanha jazia prostrada aos ps dos Aliados. Ele talvez ainda veja o dia em que o que resta da Europa estarprostrado aos ps da Alemanha. Independente do que mais se possa pensar sobre essas proezas, elas esto seguramentedentre as mais notveis em toda a histria do mundo. Independente do que mais se possa pensar sobre essas palavras, elasesto seguramente dentre as mais notveis e exatas previses na histria das origens da Segunda Guerra Mundial. Eno incio de 1935, quando Churchill estava inteiramente s. Ningum mais enxergava tal perspectiva, nem mesmo osoponentes mais pessimistas de Hitler. Mas Churchill nunca subestimou Hitler.

    Posteriormente, durante o final da dcada de 1930, temos uma longa srie de comentriosde Churchill a respeito de Hitler, alguns bem conhecidos. Alguns so mais pertinentes do queoutros, mas eles so sempre interessantes e expressivos. Permitam-me, porm, saltar adiante emencionar um outro exemplo que h muito tempo me fascina. um breve esboo do carter deHitler que Churchill ditou em 1948, ao preparar o primeiro volume das suas Memrias deGuerra. Ali ele disse que a cristalizao da viso de mundo de Hitler ocorreu no antes daPrimeira Guerra Mundial, mas sim em 1919; e no em Viena, mas em Munique. No entanto, em

  • Minha luta, Hitler insistira e a maioria dos historiadores tem aceitado a tese que,enquanto a sua vida sofreu uma reviravolta em 1918-1919, a sua ideologia poltica secristalizara em Viena, cerca de oito ou nove anos antes. Bem, cerca de cinqenta anos aps1948, alguns historiadores (inclusive eu, mas sobretudo a excelente Brigitte Hamann, emViena) estiveram revendo a tese de Viena, encorajados por indcios que incluem a adulteraoconsciente, por parte de Hitler, da seqncia da evoluo das suas idias. No entanto,cinqenta anos antes, naquelas pginas rapidamente ditadas, a percepo de Churchill emrelao ao jovem Hitler foi prodigiosa.

    A opinio de Churchill e s vezes, de fato, a sua viso a respeito do destino do povoalemo no era simples. Muitas pessoas, especialmente na Alemanha, consideraram (e aindaconsideram) Churchill uma representao de um ingls germanfobo e atvico, um John Bulfantiquado, obcecado pelo espectro do poder alemo e por um firme desejo de destru-lo. Noentanto a despeito de todas aquelas famosas fotografias de Karsh, em que se assemelha aum buldogue , Churchill no era uma reencarnao de John Bull5, na sua personalidade, nocarter nem no amplo interesse e conhecimento em relao ao mundo alm da Inglaterra. Oque eu devo mencionar aqui so as muitas indicaes do respeito de Churchill para com aAlemanha e o seu povo. Elas esto l, vigorosamente expressas nas ltimas passagens de Acrise mundial, a sua histria da Primeira Guerra; podem ser encontradas no ltimo volumedas suas memrias sobre a Segunda Guerra Mundial quando, ao visitar uma Berlim devastadano vero de 1945, ele escreve sobre si mesmo que ento s sentia compaixo pelas pessoasmaltrapilhas e famintas que via;6 e h o seu discurso de 1946 em Zurique, praticamente toimportante quanto seu discurso sobre a Cortina de Ferro em Fulton, no Missouri, naquelemesmo ano, em que ele exortou a Frana e a Alemanha a formarem um novo tipo de aliana, afim de iniciar um novo captulo na histria da Europa ocidental. Menos evidente porm maislatente foi o seu reconhecimento progressivo, durante a guerra, de a que ponto os alemespodiam chegar, do quanto os seus exrcitos eram temveis. H motivos para crer, alm dealgumas indicaes, que aps El Alamein Churchill continuou instando o marechal-de-campoMontgomery a esse respeito. Isso me conduz a outro exemplo da sua capacidade visionriaque tenho citado com freqncia. Ele percebeu que Hitler havia forjado uma temvel unidadedo povo; que o nacional-socialismo alemo era uma onda aterrorizante de um futuro possvel;e que era a isso que a Gr-Bretanha tinha de fazer frente. Considere-se, nesse aspecto, adiferena entre a viso de Churchill e a do primeiro-ministro francs, Paul Reynaud. Em junhode 1940, poucos dias antes da queda de Paris, Reynaud falou pelo rdio ao povo francs: seHitler vencesse a guerra, seria novamente a Idade Mdia, mas no iluminada pelamisericrdia de Cristo. Poucos dias depois, em 18 de junho, no discurso A hora maisgloriosa, Churchill divisou uma perspectiva muito diferente no de uma volta IdadeMdia, mas de uma guinada para uma nova era de obscurantismo. Se Hitler vencer e nssucumbirmos, disse ele, ento o mundo inteiro, inclusive os Estados Unidos, inclusive tudo oque conhecemos e apreciamos, submergir no abismo de uma Nova Idade das Trevas, aindamais sinistra, e talvez mais prolongada, devido s luzes da cincia deturpada. Ele, melhor doque Reynaud e talvez melhor do que qualquer outra pessoa, sabia a que tinha de se opor.

    Estou chegando agora a outro exemplo: a opinio de Churchill sobre a Europa que,novamente, o apresenta como algum diferente do modelo de John Bull. John Bull tinha um spropsito. Winston Churchill, no. Existem dualidades nas inclinaes da maioria dos seres

  • humanos. Uma das dualidades de Churchill na sua viso do mundo e da histria deste envolviaa relao da Inglaterra, de um lado, com os Estados Unidos (e com os povos anglfo-nos) e,de outro, com a Europa. A percepo de Churchill da relao anglo-europia um tema rico ecomplexo. Envolve, dentre outras coisas, o seu grande apreo pela civilizao e cultura daEuropa, bem como o respeito pelos seus componentes antigos, tais como as monarquiasconstitucionais que ainda eram as principais formas de Estado durante a sua vida. (Observe-seque, quando Churchill j contava 36 anos, havia somente duas repblicas em toda a Europa: aFrana e a Sua.) Mas seria errneo atribuir a opinio de Churchill sobre a Europa ao apelode lembranas vitorianas, ou mesmo eduardianas. Tampouco a sua francofilia era aconseqncia lgica da germanofobia de que tem, freqentemente, sido acusado. A suasimpatia pela cultura, civilizao e histria francesas (considerem-se apenas a admirao porJoana d'Arc, tantas vezes expressa, e o respeito por Napoleo) era mais profunda do que isso.

    Mas aqui chego diferena, talvez sutil mas essencialmente profunda, que separavaChurchill da maioria dos contemporneos no Partido Conservador na poca. Eles sabiammenos sobre a Europa do que Churchill e, mais importante, eles desconfiavam mais dos laose compromissos ingleses com a Europa do que Churchill. Eles no compreendiam asdimenses apavorantes dos objetivos e do poder de Hitler, paralelamente ao certo alvio quesentiam com o seu anticomunismo. Ao mesmo tempo, eles no entendiam que, se a Gr-Bretanha permitisse Alemanha dominar toda a Europa central e a maior parte da Europaoriental, a independncia da Europa ocidental, inclusive da Frana, estaria fatalmentecomprometida e fatalmente constrangida; que o que se achava em jogo era mais do que astradicionais questes de um equilbrio de poder. Houve, e ainda h, muitos historiadoresalemes, alguns historiadores americanos e europeus orientais e, posteriormente, athistoriadores britnicos que criticam Churchill por haver adotado a poltica de combater aAlemanha, com o resultado de que a destruio do poder alemo levou presena do poderrusso na metade oriental do continente europeu. No entanto, essa conseqncia melanclica daSegunda Guerra Mundial na Europa no adveio de algum tipo de imprevidncia de Churchill.Chego assim a outro exemplo das suas qualidades visionrias: sua opinio sobre a Rssiadurante a guerra e no s durante a guerra. Meu propsito aqui no defender suahabilidade de estadista em termos de realismo poltico, mas sim argumentar algo que devorepetir em outra parte deste livro (embora a histria no se repita, os historiadores s vezes ofazem...), que o que h muito considero a essncia da habilidade de estadista de WinstonChurchill na Segunda Guerra Mundial. J em 1940 ele via duas possibilidades: ou a Alemanhadomina toda a Europa; ou a Rssia dominar a poro oriental da Europa (na pior dashipteses, por algum tempo): e manter metade da Europa melhor do que nada. Abordarei arelao de Churchill com Stlin no prximo captulo: sua tentativa de entender Stlin, seusembaraos, o reconhecimento de que, sem a Rssia, a Alemanha talvez fosse invencvel.Porm aqui desejo referir-me no ao pragmatismo de Churchill, mas s suas qualidadesvisionrias. Uma amostra disso pode ser o famoso comentrio ao seu secretrio, algumashoras antes do importante discurso de 22 de junho de 1941, na noite do dia em que aAlemanha invadiu a Rssia um comentrio, primeira vista um tanto frvolo, que elecaracteristicamente julgou adequado registrar nas suas Memrias de Guerra: Se Hitlerinvadisse o Inferno, eu faria pelo menos uma referncia favorvel ao Diabo na Cmara dosComuns.7 Essa percepo de que o adversrio do meu inimigo pode ser meu aliado a

  • reao de um estadista pragmtico porm eu estou interessado em mais do que isso. Estouinteressado no reconhecimento, por parte de Churchill, de que Stlin era um nacionalista e noum comunista internacionalista, e de que a chave para o enigma russo consistia nosinteresses do Estado imperial russo conforme Stlin os considerava. Essa compreenso deStlin explica os acordos, s vezes criticados, com o lder sovitico, inclusive o Acordosobre as Percentagens de 1944, pelo qual Churchill conseguiu preservar a Grcia (e que Stlincumpriu de forma escru-pulosa).

    E era a viso de Churchill de um perigo russo no ps-guerra que se achava por trs dassuas fteis insistncias para delinear a estratgia anglo-americana no ltimo ano da guerra,com o objetivo de avanar o mximo possvel para leste na Europa central, a fim de evitaruma extenso perigosa da presena militar russa ali. Isso pouco tinha a ver com o comunismo,mas tinha tudo a ver com o ponto onde os exrcitos russos e anglo-americanos se encontrariame permaneceriam em essncia, onde ocorreria a linha divisria da Europa e o que issosignificaria. Essa foi tambm a essncia do seu discurso sobre a Cortina de Ferro, em Fulton.De 1943 a 1946, Churchill deparou-se com crticas e interpretaes errneas por parte demuitos americanos, que pensavam ou pelo menos insinuavam abertamente, de quando emquando que as idias de Churchill refletiam opinies que eram tacanhamente britnicas,imperialistas, reacionrias e perigosamente anti-russas. Recorde-se tambm que mesmo odiscurso de Fulton foi tratado com muita cautela por Washington, com cortesesdesautorizaes e algumas poucas aprovaes particulares, ao mesmo tempo em que eraabertamente atacado por polticos, pela imprensa e tanto pela direita quanto pela esquerdaamericanas.

    Pode-se agora dizer e, eu admito, com uma certa parcela de irrefutabilidade que,talvez ao contrrio da minha distino anterior, o que acabei de apresentar foram argumentospara tentar retratar o Churchill pragmtico em vez do visionrio. No entanto, tal advertnciadistintiva no pode ser aplicada sua viso de longo prazo do futuro da Europa e docomunismo, da qual subsistem indcios. singular que ele resolvesse dar o ttulo Triunfo etragdia ao ltimo volume das suas Memrias de Guerra, por causa da diviso antinatural daEuropa e do advento da guerra fria ao passo que no se pode encontrar tal emprego dapalavra tragdia nas Memrias de Guerra ou avaliaes de americanos ou russos daquelapoca. singular que toda a segunda parte desse volume apresente o ttulo A Cortina deFerro. tambm singular, e fartamente comprovado, que Churchill resolvesse minimizar, narealidade eliminar, muitos dos registros e lembranas dos seus desentendimentos com lderespolticos e militares americanos em 1944-45, por motivos pragmticos, j que esse volumeestava para ser publicado na poca em que Eisenhower, o seu aliado no perodo da guerra,estava prestes a se tornar presidente dos Estados Unidos e, sem dvida, tambm devido magnanimidade de Churchill, sua caracterstica relutncia em lembrar s pessoas: Euavisei. Mas a natureza da sua viso neste caso, verdadeiramente anteviso evidencia-se de duas fontes. Uma est nas memrias do general de Gaulle. Churchill voltou a Parisdepois de quatro anos, em novembro de 1944. Foi uma ocasio memorvel. Ele chorou. E,quando o general de Gaulle criticou os americanos por estarem permitindo que to grandeparte da Europa oriental passasse para os russos, Churchill respondeu que sim, era verdade. ARssia era ento um grande lobo faminto, no meio das ovelhas. Mas, aps a refeio, vem operodo da digesto. A Rssia no seria capaz de digerir o que estava ento prestes a engolir.

  • O segundo exemplo o comentrio que Churchill fez a John Colville, no dia de ano novo em1953 (considere-se que isso foi dito ainda antes da morte de Stlin): (Churchill) disse que, sea minha vida tivesse a durao normal, eu seguramente veria a Europa oriental livre docomunismo. Levando-se em conta os presumveis setenta anos de Colville, teria sido adcada de 1980 e foi exatamente o que aconteceu. Bismarck teria supostamente afirmadoque um estadista pode enxergar cinco anos adiante, na melhor das hipteses. A poucosestadistas na histria concedido sugerir o inesperado, dcadas adiante, to precisa eclaramente. No entanto, tais eram as faculdades visionrias de Winston Churchill.

    Ele estava assombrosamente certo a respeito de Hitler. Estava em grande parte certo arespeito do comunismo e de Stlin. Acerca do primeiro, ele conseguiu transformar as suasopinies em ao. Acerca do segundo devido aos muitos embaraos e tambm devido relutncia americana , somente em parte o conseguiu. Churchill tambm julgava que a nooamericana de anticolonialis-mo era, pelo menos em parte, prematura. Ele no partilhava afreqente propenso americana a considerar a China uma grande potncia. Sim, ele eraimperialista. Sim, ele de fato disse em uma fatdica ocasio, em uma fatdica frase queno se tornara primeiro-ministro para presidir liquidao do Imprio Britnico.8 Nopodemos saber o que teria acontecido com o Imprio se ele tivesse permanecido comoprimeiro-ministro aps julho de 1945. Tendo a pensar que, salvo uma ou outra exceo, o fimdo Imprio no teria sido inteiramente diferente. O que posso afirmar que a sua viso daEuropa e da relao anglo-americana foram mais claras que qualquer viso que ainda pudesseter manifestado sobre o futuro do Imprio.

    E aqui chego ao que tambm a minha concluso. Um resumo da sua capacidade deantever (e talvez do seu maior fracasso): a de uma eventual confederao dos povosanglfonos do mundo. Chur-chill possuiu essa viso do incio ao fim da sua vida pblica desde o apoio juvenil me, que publicou uma efmera Anglo-Saxon Review de 1899 a 1901(Churchill no gostava do ttulo), atravs de literalmente incontveis exemplos impressos efalados, culminando na publicao final dos quatro volumes de Uma histria dos povosanglfonos, na segunda metade da dcada de 1950. A simpatia e o respeito pelos EstadosUnidos eram atribuveis a algo mais do que a influncia da me, americana de nascimento.Incluam a sua viso do futuro do mundo. Eram histricos mais do que raciais, mais ligados civilizao que cultura, tendo como um dos fundamentos a qualidade do interesse e aextenso do seu conhecimento da histria americana. Permitam-me mencionar apenas um caso,interessante e talvez at alentador. Em um delicioso livrinho intitulado Se (subttulo: Sehouvesse acontecido de outro modo / Devaneios pela histria imaginria), organizado porJ.C. Squire em 1931, Churchill colaborou com um captulo que invertia a lgica e a ordem detodos os outros captulos. Esses captulos tinham ttulos como Se Napoleo no houvesseperdido em Waterloo; mas o captulo de Churchill apresentava o ttulo Se Lee no houvessevencido a batalha de Gettysburg. Nesse esplndido tour de force, Churchill especulava sobreas lamentveis conseqncias da imaginada derrota de Lee em Gettysburg pois ento,infelizmente, o rpido trmino da Guerra de Secesso e a confederao americana com asoutras naes anglfonas do mundo no teriam acontecido, e o resultado deplorvel teria sidouma Primeira Guerra Mundial. Portanto, essa foi apenas mais expresso sucinta da viso deChurchill: caso tivesse existido uma unio mais estreita, talvez mesmo uma federao, dosEstados Unidos com os pases anglfonos do mundo, a Primeira e, depois, a Segunda Guerra

  • Mundial poderiam jamais ter ocorrido. O mundo teria ingressado em outra Era dosAntoninos, avanando para as luminosas regies elevadas de uma ordem mundialdemocrtica, amparado pela suave e benvola primazia global e martima dos povosanglfonos.

    Devemos considerar que essa viso no era destituda de realidade com o que merefiro potencialidade da sua consumao. Foi exatamente aps 1895 que a propensoamericana a falar mal da Gr-Bretanha comeou a desaparecer; e aps 1900 que a idia deuma Pax Americana estava sendo substituda, na mente de algumas pessoas muito perspicazes,pela imagem de uma Pax Anglo-Americana. Essa no foi somente uma idia predominante deChurchill durante grande parte da sua vida pblica, de cerca de 1895 a 1955; elacorrespondia, pelo menos durante certo tempo, s tendncias de algumas pessoas dentre asclasses mais altas americanas. pelo menos possvel que Churchill houvesse sofrido umainfluncia excessiva das ligaes e contatos com tais pessoas, que ele estivesseinsuficientemente a par das mudanas em curso na composio e na estrutura da populaoamericana e que, conseqentemente, as influncias de uma classe dirigente anglfilaestivessem decrescendo. Talvez ele reconhecesse isso; talvez no. Seja como for, esta visode uma unio cada vez mais estreita dos povos anglfonos do mundo no viria a ocorrer.

    E ento encerro este captulo acerca da viso de Churchill com uma sugesto sobre o seulugar na histria. Estas so questes relacionadas. Ao contrrio das opinies mais aceitas,devemos considerar que Churchill no era uma espcie de remanescente admirvel de umpassado mais grandioso. Ele no era o ltimo Leo. Era algo mais. Representavadeterminados traos aristocrticos em uma poca de democracia que ele se sentia obrigado aaceitar e eventualmente estimar. Sabia que no s a supremacia da sua nao dentre aspotncias mundiais, mas talvez toda uma era no mundo que principiara cerca de quatrocentosanos antes do seu nascimento, estava caminhando para o fim. Em suma, ele era o defensor dacivilizao no fim da Idade Moderna. Essa palavra, civilizao, tambm surgiu no ingls hquinhentos anos, definida ento como a anttese de barbrie. Em um momento dramtico nosculo XX, Deus conferiu a Churchill a incumbncia de ser o seu principal defensor. E agoraoutro exemplo mais assombroso e surpreendente da sua capacidade visionria. Ele estavavelho e fraco, com a sade precria, quando em 1955 se sentiu compelido a encerrar sua vidapblica. No entanto, no ltimo discurso na Cmara dos Comuns em 1955, ele disse algo, comoescreve um dos seus bigrafos recentes,9 inesquecvel ... que iluminou a aflitiva perspectivacomo o claro de um relmpago sobre o fim do nosso mundo. Churchill disse: Que rumotomaremos para salvar as nossas vidas e o futuro do mundo? Isso no importa tanto para osvelhos, pois em breve eles partiro, de qualquer jeito. Mas acho pungente olhar para os jovenscom toda a sua energia e entusiasmo ... e ficar pensando: o que se estenderia diante deles seDeus se cansasse da humanidade?. Churchill no era um homem religioso, mas esse foi umbordo de pres-sgio, como que proveniente do corao e da boca de um visionrio e profetado Antigo Testamento.

    Os leitores deste captulo sob certos aspectos, introdutrio no devem interpretarmal o seu objetivo, que no um sumrio das virtudes nem da carreira de Churchill. Eleresulta de uma concepo da tarefa do historiador, que no apenas fornecer um relatopreciso sobre pessoas ou perodos, mas assinalar e considerar problemas: problemas donosso entendimento de lugares e pessoas no passado, assim como os problemas das

  • dualidades de determinadas pessoas. A uma descrio de tais problemas da vida de Churchill a saber: suas relaes com Stlin; com Roosevelt; com Eisenhower; com a Europa; suaatividade de historiador; seus fracassos e seus crticos passarei a dedicar a minha ateno.

    1 Citado por Maurice Ashley, Churchill as Historian. Nova York, 1968, p.49.2 Robert Rhodes James, Churchill: A Study in Failure, 1900-1939. Nova York, 1971, p.381.3 Ao menos h uma indicao de que Churchill escreveu isso ainda em 1934. Reproduzido em Great Contemporaries.Londres, 1937, p.262.4 Hitler pintou quadros de casas, mas no pintava as casas em si.5 Personagem smbolo do povo ingls, a partir do protagonista de A histria de John Buli, de John Arbuthnot (1712). (N.T.)6 Confronte-se isso com Patrick J. Buchanan: Em 1945, a Alemanha havia sido destruda e Churchill pde bisbilhotar-lhe asrunas. A Republic, Not an Empire. Washington, 1999,p.275.7 Encontrei certa vez uma precursora dessa frase. No sei se Churchill tinha conhecimento dela. No jornal nacionalista irlandsFianna, o dr. Eoin McNeill escreveu em setembro de 1915 (note-se que isto foi publicado em Dublin no meio da PrimeiraGuerra Mundial): Se o prprio Inferno se voltasse contra a poltica inglesa, tal como ns a conhecemos, poderamos serperdoados por ficar do lado do Inferno.8 Um dos maiores fracassos de Churchill, que lhe prejudicou a reputao e a carreira, foi a oposio veemente concesso dostatus de Domnio ndia, de 1929 a 1935: Quando perdermos a confiana na nossa misso no Oriente, quando repudiarmos asnossas responsabilidades para com estrangeiros e minorias, quando nos sentirmos incapazes de, calma e destemidamente,cumprir as nossas obrigaes em relao a imensas populaes desamparadas, ento a nossa presena nesses pases estarprivada de toda sano moral. (Citado em James, Churchill, p.218.) E ele estava totalmente errado?9 In Roy Jenkins. Churchill. Nova York, 2001,p.893.

  • 2

    Churchill e Stlin

    No segundo volume de Da democracia na Amrica, de Tocqueville, h um captulo queraramente (se tanto) despertou a ateno que merece. Com pouco mais de uma pgina e meia,contm somente quarenta e oito frases. Intitula-se Algumas caractersticas dos historiadoresem perodos democrticos. Muitas vezes tenho pensado que talvez se devesse emoldur-lo efix-lo acima da mesa de trabalho de todos os historiadores e estudantes de histria. Pois asfrases de Tocqueville nos revelam que escrever a histria na poca da democracia, na pocagovernada por maiorias soberanas, ser diferente e mais difcil do que escrever a histria empocas governadas por minorias aristocrticas. E ele previu igualmente que os historiadoresem uma poca democrtica tendero a se preocupar com grandes movimentos gerais desociedades e idias, com a tendncia concomitante a negligenciar os motivos, atos e objetivosde pessoas significativas.

    No entanto, mesmo em perodos democrticos, o curso das histrias de naes inteiraspode depender de personalidades individuais. Isso se aplica Segunda Guerra Mundial maisdo que a praticamente qualquer acontecimento ou perodo importantes da histria durante osltimos duzentos anos. Hitler, Churchill, Stlin, Roosevelt, de Gaulle (em menor grau, atMussolini) sem eles, tanto o curso daquela guerra atroz como as suas origens, adeflagrao, os momentos decisivos e o resultado teriam sido no s totalmente diferentes:grande parte daquilo no teria sequer ocorrido. Esses lderes foram provas vivas de que, almda noo de que a histria consiste em amplos movimentos econmicos e sociais, ou talvezmesmo ao contrrio disso, para entender a histria daquela poca devemos antes de tudo (mas, claro, no exclusivamente) concentrar-nos nos atos e relaes de alguns lderes nacionaisimportantes.

    Churchill, Stlin, Roosevelt: eles venceram a Segunda Guerra Mundial. (De certo modo,Churchill foi a figura fundamental, porque em 1940 ele foi o homem que no perdeu a guerra pois esse foi o momento em que Hitler poderia ter vencido a guerra. Depois que a Rssia eos Estados Unidos se envolveram, Hitler no mais poderia vencer, ainda que e isto aindaest longe de ser adequadamente compreendido pudesse ter obrigado os adversrios a algoparecido com um empate.) Churchill, Stlin, Roosevelt: eles eram homens muito diferentes;mas aqui o meu objetivo uma descrio e uma anlise no s dos seus caracteres, como dassuas relaes, e em vista no s da Segunda Guerra Mundial como tambm das suas imensasconseqncias. Pois estas no s influenciaram como determinaram a histria do mundodurante, pelo menos, cinqenta anos. As duas guerras mundiais foram as duas grandescordilheiras que se salientaram na paisagem de todo um sculo. A guerra fria, de 1947 a 1989,foi a conseqncia direta da Segunda Guerra Mundial isto , algo muito diferente da to

  • alardeada disputa mundial entre comunismo e capitalismo, ou entre comunismo e liberdade.E as origens da guerra fria dependiam ou resultaram das relaes de Churchill, Stlin eRoosevelt.

    Sobre esses relacionamentos triangulares, muitos dados se acumularam e muito seescreveu durante os ltimos sessenta anos, muito sobre Churchill e Roosevelt, menos sobreRoosevelt e Stlin, e menos sobre Churchill e Stlin. No entanto, esse ltimo relacionamento,inclusive as duas reunies de cpula, pode ter sido o mais decisivo, pelo menos para a Europae o seu futuro naquela poca.

    O raciocnio, o relato e o estudo histricos so, pela sua natureza, revisionistas. Ohistoriador, ao contrrio de um juiz, est autorizado a examinar um caso repetidas vezes, comfreqncia depois de achar e utilizar novos dados. Entretanto, apesar do fluxo escasso edesordenado de documentos que pingaram dos arquivos russos durante mais ou menos osltimos doze anos, parece no haver muito motivo para acreditar (ou esperar) que eles possamfornecer dados para rever no s os fundamentos, mas at os detalhes da relao entreChurchill e Stlin. No entanto, a mente humana tem a aptido e a disposio para repensar umagrande parcela do passado, reiteradas vezes e no necessariamente devido a novos dados,mas devido a perspectivas mutveis: e a perspectiva , evidentemente, um componenteinevitvel do ato de ver.

    Grande parte das crticas escritas (e, eventualmente, orais) a Churchill tem sido dirigidaao tratamento que dispensou a Stlin (e Rssia Sovitica) durante a Segunda GuerraMundial. As tendncias pessoais e polticas dos crticos podem diferir, mas a essncia dascrticas a mesma. Eles acusam Churchill de critrios duplos. Ele, que se ops com firmeza eveemncia ao apaziguamento da Alemanha e de Hitler, esforou-se bastante para apaziguarStlin e a Rssia. Ele no tinha iluses acerca de Hitler, mas acalentava e exprimia muitas iluses injustificadas acerca de Stlin. O dio Alemanha cegou-o durante toda aguerra. Tornou-o tambm um cmplice na permisso Russia e ao comunismo para avanaremat o centro da Europa. (Tal crtica , com freqncia, ostensiva dentre historiadores alemese determinados jornalistas, inclusive homens e mulheres que no podem ser acusados de nutrirsimpatias por Hitler.) Churchill, que atacara o prprio governo por abandonar aTchecoslovquia Alemanha, abandonou a Polnia Rssia. ( interessante que a ltimacrtica tem sido manifestada com menos freqncia por poloneses do que por historiadores eautores no-poloneses.)

    Existe certo fundamento nessas crticas, mesmo quando elas so ideolgica, nacional ouexageradamente parciais. No entanto, praticamente nenhum dos crticos de Churchill considerauma condio essencial, que era a necessidade de manter a aliana com a Rssia Sovitica,sem a qual a Gr-Bretanha e os Estados Unidos dificilmente ou talvez jamais poderiamter esperado derrotar a Alemanha. Contudo, nem o mbito nem o objetivo deste captulo dizemrespeito primordialmente s relaes anglo-russas durante a guerra. Eles dizem respeito smentalidades e aos relacionamentos dos dois lderes, Churchill e Stlin.

    A opinio de Churchill sobre Stlin no era simples. Ela continha elementos de iluso,mas tambm de um realismo supremo (e, se posso diz-lo, antiquado). Mais tarde, o modocomo ele encarava e tratava Stlin se tornou totalmente separado do modo como encarava etratava o comunismo. Ainda antes da guerra, ele comeou a ver a Rssia e seu lder como umarealidade nacional, e no ideolgica. No sabemos se Churchill tomou conhecimento do

  • comentrio do gaiato ingls que, ante a notcia do Pacto Nazista-Sovitico (e entre Hitler eStlin) em 1939, disse que todos os ismos so passados, mas existe pelo menos motivo paraimaginar que Churchill teria rido disso. Evidentemente, ele abominava o comunismo desde ocomeo. A defesa tenaz da interveno aliada na guerra civil russa, em 1919-20, foi mais doque um outro exemplo da sua comba-tividade romntica. Ele julgava que os bolcheviqueseram bastante fracos e, por isso, um pouco mais de ajuda aliada aos adversrios brancos osderrubaria; do contrrio, eles permaneceriam e se tornariam uma sria ameaa a outras naesdo mundo. O anticomunismo era uma das razes (embora apenas uma) para a sua estima porMussolini e outros ditadores e lderes anticomunistas europeus (e asiticos). O seu desdmpelo comunismo no diminuiu. Um exemplo disso foi a sua preferncia pelo lado de Franco noincio e por certo tempo durante a guerra civil espanhola, por vrias razes, dentre elas apresena de comunistas no regime republicano de tendncia esquerdista, em Madri.

    Contudo, e isto importante, o proclamado anticomunismo conservador de Hitler, quena dcada de 1930 foi extremamente bem-sucedido, atraindo e alinhando pessoas e naes dolado alemo, no causou nenhuma impresso em Churchill, que era ento minoria entre osconservadores. Ele no se deixou enganar pela propaganda do Terceiro Reich, inclusive oPacto Anti-Comintern. Ele enxergou o perigo de uma nova Alemanha, em ascenso e ar-mando-se. Como conseqncia, comeou a levar em conta (como fizera o governo francs, apartir de 1934) a possibilidade de a Rssia Sovitica vir a participar de uma alianaantigermnica de Estados, talvez em nome da segurana coletiva. Se j naquela pocaChurchill encarava Stlin cada vez mais como um lder revolucionrio nacional e cada vezmenos como um lder revolucionrio internacional, no podemos saber; o que podemosafirmar que suas opinies sobre o comunismo e sobre a Rssia comearam a divergir. Ele, onotrio imperialista de direita, que se bateu contra a concesso do status de Domnio ndiae, depois disso, a favor de sempre mais armamento britnico, via-se ento apoiado por cadavez mais pessoas de esquerda. O seu crculo de relaes de ento inclua tambm oembaixador russo sovitico em Londres, Ivan Maisky, raposa poltica que (como agorasabemos pelos textos dos seus despachos para Moscou) no merece a reputao que adquirira,mas que sabia como dizer algumas coisas que Churchill gostava de ouvir.

    No entanto, Churchill, que compreendia Hitler e os seus objetivos talvez melhor do quequalquer outro estadista do mundo, sobretudo em 1938-39, estava equivocado a respeito daRssia e sobretudo a respeito de Stlin naquela poca. As pessoas no o sabiam ento; ns osabemos (ou pelo menos devamos saber) agora. Antes e no decorrer da crise de Munique,Churchill julgava, e sustentava, que a Alemanha de Hitler tinha de ser detida e, se necessrio,combatida naquele momento, por muitos motivos, inclusive a participao da Rssia em talguerra: afinal, a Rssia tinha, na poca, uma aliana com a Frana e com a Tchecoslovquia.Dez anos depois, Churchill repetiu a argumentao, direta e vigorosamente, em A tempestadeem formao, o primeiro volume da sua histria da Segunda Guerra Mundial. Ele j devia tersabido ento o que ficou cada vez mais evidente depois: que em setembro de 1938 Stlin notinha mais inteno (de fato, ainda menos) de respeitar a sua aliana com a Tchecoslovquiado que tinham os franceses; na verdade, que Stlin estava satisfeito por se livrar da armadilha(se, de fato, fosse armadilha).

    Em outro captulo, terei de dizer algo sobre Churchill em relao a Munique, sobre acombinao de realismo e iluses nas suas expectativas de ento, mas aqui o meu objetivo

  • reconstituir a combinao do seu realismo e das suas iluses a respeito de Stlin. Muitodepois de Munique, ele continuou a acreditar que uma aliana anglo-francesa com a Rssiaera absolutamente essencial para dissuadir Hitler. Aps maro de 1939 Churchill j noestava sozinho nessa insistncia e provavelmente tinha razo ao lamentar que o governo deChamberlain fosse moroso e relutante na busca de uma aliana militar sria com a RssiaSovitica. Entretanto, estava equivocado em pensar que Stlin estivesse disposto a participarde tal aliana. Dados substanciais indicam que em 1939 (e posteriormente) Stlin preferianegociar um acordo com Hitler a faz-lo com as democracias capitalistas ocidentais. E assimaconteceu. H certa razo para acreditar que, atordoado como se achava, tal como quase todosos demais, Churchill ficou menos chocado com o Pacto St-lin-Hitler do que ficaram muitosoutros. Foi em lo de outubro de 1939 quando ento j integrava o gabinete de Chamberlain que ele pronunciou as frases que ficariam famosas: No posso prever para os senhores aao da Rssia. uma charada envolta em mistrio, dentro de um enigma. Mas talvez hajauma chave. Essa chave o interesse nacional russo. (Chamberlain, cujo desagrado com ossoviticos era mais entranhado que o de Churchill, escreveu-lhe que concordava plenamente.)

    O interesse nacional russo; algo muito diferente do comunismo internacional edecididamente mais importante do que este: Churchill tinha razo quanto a isso na poca edesde ento. Devo insistir nisso mesmo agora, mais de uma dcada aps o colapso docomunismo e da Unio Sovitica. Tanto antes como no decorrer da guerra fria houve (e aindah) governos e povos inteiros que viram toda a histria do sculo XX governada por umconflito tremendo entre o comunismo internacional e o Mundo Livre (o que quer que issoseja). Evidentemente, a Rssia era um Estado comunista e Moscou ainda a capital docomunismo internacional: mas esta se achava subordinada aos interesses nacionais da Rssia ou, mais precisamente, ao que Stlin entendia como esses interesses muito antes de1939, e sem dvida depois. Churchill compreendeu isso. Na realidade, ele o compreendeuperfeitamente. Considerava Stlin um ditador nacional: um lder brutal e desdenhoso, masainda assim um estadista. Em breve veremos que, especialmente aps 1941, esse elemento desentimentalismo romntico que pode ser inerente a muitos casos de uma faculdade visionrialevou Churchill ao exagero, quando ele sentiu necessidade de manifestar, de vez em quando, oseu grande apreo por Stlin. Mas antes de passar s relaes pessoais entre ambos,permitam-me dizer algo sobre a convico de Churchill: que, no obstante o comunismo, ointeresse nacional russo talvez no fosse incompatvel com o da Gr-Bretanha. Pois havia umacoerncia que esteve presente, como um fio condutor, na viso do mundo de Churchill, de1939 at praticamente o fim da sua vida. Estava l em 1939, quando ele buscou uma alianacom a Rssia de Stlin; estava l em 1939 e 1940, quando Stlin estava praticamente aliado aHitler; estava l em 1941 e depois, quando Churchill e Stlin se tornaram aliados; estava ldurante e especialmente perto do fim da guerra, quando ele considerou a Rssia de Stlin umenorme perigo; estava l em e aps 1945, quando ele advertiu os americanos e o mundo sobreaquele perigo e insistiu na necessidade de det-lo e combat-lo; estava l em 1952 e depois,quando tentou, em vo, renegociar com os russos a diviso da Europa, que era o pontofundamental da guerra fria. A questo era que os interesses nacionais da Rssia deviam serseriamente considerados embora definidos e mantidos dentro de limites razoveis, sempreque possvel. E aqui devemos considerar que, segundo todas as indicaes, a maioria daopinio poltica, pblica e popular britnicas acerca de uma conformidade potencial dos

  • interesses britnicos e russos estava de acordo com o ponto de vista de Churchill em 1939-41,assim como em 1941-45.1

    No h necessidade aqui de descrever, ou talvez mesmo de resumir, as relaes anglo-russas antes da invaso da Rssia por Hitler, embora elas incluam a carta de Churchill aStlin escrita aps a queda da Frana, um importante documento poltico, lido masdesconsiderado por Stlin; e, depois, as insistentes advertncias, indiretas e diretas, deChurchill a Stlin e, de novo, sistemtica, desconfiada e desdenhosamente rejeitadas deabril a junho de 1941, acerca da iminente invaso alem. Chegamos assim constrangida, masno obstante de facto, aliana entre ambos, que teve incio exatamente naquele domingo, 22 dejunho, que foi o pior dia de Stlin, mas no o de Churchill, de modo algum. s nove horasdaquela noite, Churchill fez pelo rdio um dos seus grandes discursos, cujo teor foi que,embora no repudiasse nada do que dissera sobre o comunismo, naquele momento em que aAlemanha estava invadindo a Rssia, espezinhando e subjugando-lhe o povo, qualquer naoque repelisse e combatesse Hitler era aliada da Gr-Bretanha.

    Stlin, at o ltimo instante, esperou desesperando (apesar de todos os sinais) que Hitlerno o atacasse. Conforme a sua ndole desconfiada, ele tambm achava que as advertncias deChurchill deviam ser desconsideradas (e no s abertamente). Achava que o interesse deChurchill e da Gr-Bretanha era ver o colosso alemo voltar-se para o leste e envolver-se emuma guerra com a Rssia, razo por que no podia esperar grande coisa se que podiaesperar algo de Churchill. Em suma, ele sabia que a invaso da Rssia por Hitler era bemrecebida por Churchill, o que naturalmente era verdade. Mas ele tambm avaliou mal osmotivos de Churchill, atribuindo-lhes, pelo menos de quando em quando, um desejo ardilosode incitar os alemes, ou ao menos ajudar a ocasionar uma guerra germano-russa. Asinterpretaes errneas de Stlin marcaram grande parte do relacionamento entre ambosdurante a guerra. Mas no era s isso. Churchill passou a apreciar Stlin, ou pelo menosalgumas das suas qualidades, e Stlin passou a respeitar Churchill, ou pelo menos a acreditarno que ele estava dizendo.

    No que diz respeito a Churchill, havia dois elementos agindo nesse relacionamento queento se desenvolvia. Um era seu alvio, que s vezes chegava admirao, ao ver Stlincomo um grande lder nacional na guerra; o outro era seu persistente desdm pelo comunismo.Porm durante vrios meses aps junho de 1941 no houve muito motivo para Churchillaumentar sua estima por Stlin. De junho a dezembro de 1941 as principais preocupaes deChurchill eram ver os Estados Unidos lentamente se aproximarem cada vez mais da guerra eajudar a manter a Rssia lutando. Em setembro e outubro de 1941, houve uma crise que oshistoriadores da Segunda Guerra Mundial talvez no tenham examinado com suficienteateno. No incio de setembro, Stlin enviou uma mensagem a Churchill que inclua palavrassinistras: A Unio Sovitica est em uma situao de perigo mortal de fato, com osalemes avanando, capturando milhes de prisioneiros russos. Nessa mensagemdesalentada,2 Stlin exibiu seu desconhecimento: pediu uma invaso britnica da Europaocidental e o deslocamento de vinte e cinco ou trinta divises britnicas para a Rssia, pelaPrsia ou por Arcan-gel.3 Churchill disse-lhe que era impossvel. Enquanto isso, a produoblica britnica se esforava ao extremo (e em uma poca muito difcil), enviando o mximopossvel de tanques e avies para a Rssia. A Gr-Bretanha e a Rssia j haviam assinadouma espcie de aliana e, conjuntamente, dominaram e ocuparam a Prsia em questo de dias.

  • Churchill no era um estadista reservado, mas no sabemos exatamente o que ele pensava deStlin em setembro e outubro de 1941, quando uma decisiva vitria alem na Rssia pareciade fato possvel.4 Seja como for, a serenidade de Churchill durante esse perodo de crise, hojeem grande parte esquecido, foi notvel. Em seguida, ocorreu o ponto crucial de toda a guerra,em dezembro de 1941: os russos detiveram e repeliram o avano alemo diante de Moscou noexato momento em que, a meio globo de distncia, o ataque japons a Pearl Harbor impelia osEstados Unidos para a guerra.

    Churchill ficou aliviado. Ele soube ento que os japoneses (e Hitler) estavam perdidos.Compreendeu tambm que a Rssia havia superado o pior, com Stlin como o seu grande ldere, alm disso, um estadista. Na semana anterior a Pearl Harbor e reviravolta em Moscou,Churchill tivera de consentir nas repetidas solicitaes de Stlin para que declarasse guerra aFinlndia, Hungria e Romnia (ele se importava muito mais com a primeira do que com asltimas), governos que haviam entrado em guerra contra a Rssia ao lado de Hitler. Nasemana posterior a Pearl Harbor, ele enviou Anthony Eden a Moscou, onde Stlin exigiu que aGr-Bretanha reconhecesse o que a Rssia queria aps a guerra: no mnimo umrestabelecimento das suas fronteiras de 1941, incluindo a incorporao dos Estados blticos eda Polnia oriental. Churchill conseguiu esquivar-se de tal compromisso formal, mas a custo.Alm disso, comeavam a revelar-se cada vez mais casos de barbaridades e ambies russas,cujas manifestaes eram sofridas e relatadas principalmente por poloneses. Em maro de1942, houve um encontro entre Churchill e o primeiro-ministro polons no exlio, generalWladyslaw Sikorski, narrado por este. Churchill admitiu que a sua apreciao da Rssia nodiferia muito da apreciao do seu amigo polons. No entanto, ele ressaltou os motivos quetornavam necessrio fazer determinados acordos com a Rssia. Fora o nico pas que lutaracontra os alemes com xito. Ela eliminara milhes de soldados alemes e, no momento, oobjetivo da guerra parecia no tanto a vitria, quanto a morte ou a sobrevivncia das nossasnaes aliadas. Se os russos chegassem a um acordo com o Reich, tudo estaria perdido. Issono devia acontecer. Se fosse vitoriosa, a Rssia decidiria sobre as suas fronteiras semconsultar a Gr-Bretanha; se ela perdesse a guerra, o acordo perderia toda a importncia.5Existem todos os motivos para crer que essa viso sombria e desalentadora era mais do queuma advertncia realista a um aliado secundrio e, ocasionalmente, incmodo; elarepresentava a opinio mais profunda de Churchill sobre a guerra. Pois em maro de 1942grande parte do alvio de trs meses antes se havia dissipado, se no desaparecido totalmente.A reviravolta nas imediaes de Moscou no fora alm disso. Onde Napoleo fracassara,Hitler foi bem-sucedido. Os exrcitos alemes sobreviveram ao inverno na Rssia,preparando-se para avanar novamente. Os japoneses avanavam tambm, a passos largos.Cingapura havia capitulado. No Atlntico, navios americanos e britnicos foram afundadospor submarinos alemes. De junho a dezembro de 1941, Stlin dependera de Churchill. AgoraChurchill se tornava dependente de Stlin.

    Houve algumas ocasies durante a guerra em que Churchill ficou apreensivo com aadmirao excessiva pela Rssia, bem como com o aumento das influncias comunistas naGr-Bretanha, porm no atribuiu muita importncia a isso. Diferentemente das pessoas deesquerda (e, claro, da propaganda alem e pr-alem), comunismo e Rssia, comunistas eStlin no eram de forma alguma questes idnticas para ele. Podemos verificar isso maisadiante na guerra, quando ele usou a desdenhosa palavra trotskista para classificar

  • revolucionrios comunistas estrangeiros que pareciam agir independentemente de Stlin. Eleno estava de todo equivocado. Por exemplo, a maioria dos comunistas nos Estados Unidos,muitas vezes judeus, apesar de comprometidos com o stalinismo, assemelhavam-seessencialmente a Trotski nas convices quanto ao comunismo internacional ou luta declasses e afins. Mas essa uma outra questo. A nossa questo principal o relacionamentode Churchill com Stlin e a sua dependncia mtua, em cuja balana Stlin pesava mais doque Churchill, sem dvida em 1942. E assim Churchill voou atravs de metade do mundo parase encontrar com ele.

    Passo agora aos encontros de ambos em Moscou, s duas reunies de cpula de agostode 1942 e outubro de 1944, que foram cruciais para o seu relacionamento. Em 1942, elesaprenderam a se conhecer; em 1944, eles dividiram entre si a Europa oriental. Essas reuniesforam, seno mais importantes, no mnimo to importantes quanto as reunies tripartites emTeer (1943), Ialta (1945) e Potsdam (1945), as duas primeiras com a participao deRoosevelt, a terceira com Truman (sem falar na meia dzia de encontros de Churchill comRoosevelt, de 1941 a 1944). Em agosto de 1942 Chur-chill voou por sobre a frica e a siaat Moscou. No simplesmente para estabelecer um relacionamento pessoal: ele tinha muitasexplicaes a dar. Mais uma vez os alemes estavam irrompendo pelo sul da Rssia,penetrando no Cucaso; os americanos estavam lutando com os japoneses nas longnquasregies do sudoeste do Pacfico; Rommel estava fazendo os britnicos recuarem para o Egito;navios britnicos foram mandados para o fundo dos oceanos Atlntico e rtico; tudo o que osbritnicos podiam fazer, e faziam, era bombardear determinadas cidades alems noite. Pior:Churchill tinha de dizer a Stlin o que este j esperara que no haveria uma Segunda Frentena Europa ocidental em 1942. (Churchill e seus generais haviam conseguido dissuadirRoosevelt e Marshall disso acerta-damente, pois teria sido uma catstrofe.) Stlin falouduramente. Mas Churchill retrucou no mesmo tom. Isso impressionou Stlin. Ele muitas vezesapreciava a coragem e o nimo daqueles (no havia muitos) que o enfrentavam. Churchill, porsua vez, ficou igualmente impressionado com Stlin: pelo seu rude desembarao; pelasqualidades de um chefe nacional mas tambm pelas de um pai; por sua invocao de Deus, aomenos em uma ocasio. Churchill ficou tambm aliviado, e impressionado, com a reao deStlin nica boa notcia significativa que ele levara: a da planejada invaso de americanos ebritnicos na frica do Norte francesa, em novembro. Stlin no ficou excessivamente grato,mas pareceu entender de pronto o que isso significava para a guerra.

    Aps essa primeira reunio em Moscou, de quando em quando (no sabemos exatamentequal a primeira vez) Churchill diria ao seu crculo: Eu gosto desse homem. Mas algo piorestava por vir. Aps Stalingrado, a besta russa tomou as rdeas de sua situao. Stlin tornou-se exigente: Churchill e Roosevelt tiveram de dar-lhe cada vez mais ateno. Em 1943 suasrelaes ficaram piores do que antes. Stlin percebeu que no haveria uma Segunda Frentenem mesmo naquele ano. Algumas das suas atitudes (por exemplo, a retirada dos seus bem-conhecidos embaixadores de Londres e Washington) foram desanimadoras. Ele achava, edizia, que os britnicos no estavam absolutamente se empenhando para fazer a sua parte naguerra. Havia um turbilho de problemas em torno da Polnia. Churchill achava que no era omomento de questionar Stlin sobre suas intenes aps a guerra. Ele admirava como osrussos lutavam. No foi idia sua presentear Stlin, em Teer, com a Espada de Stalingrado,mas isso estava em conformidade com os seus sentimentos romnticos. Em conformidade:

  • mas ele se deixou empolgar pela simpatia por Stlin? No havia uma tendncia dual na suamente acerca de Stlin e dos russos, uma dualidade que no era oscilante, mas quase sempreconstante. H muitas indicaes disso. Em outubro de 1943, o general Henry Pownallregistrou que Churchill antipatizava profundamente com os russos e o seu jeito e nomantinha iluses a seu respeito. Eles esto fazendo o que esto fazendo (e muito bem,realmente) para salvar a prpria pele. Sua poltica futura ser unicamente para atender s suasconvenincias, e ningum mais ser levado em conta. Tanto mais necessrio, portanto, manter-se junto com os Estados Unidos.6 Em outra ocasio, Churchill disse que os soviticos eramcomo crocodilos: nunca se sabe quando dar-lhes tapinhas na cabea ou golpe-los.

    Em seguida houve a reunio tripartite em Teer. Ali Churchill perdeu sua posio anteriorde predomnio e percebeu isso: ficara atrs de Roosevelt e Stlin. Sua decepo(cuidadosamente oculta, mesmo nas suas memrias de guerra) foi maior com Roosevelt do quecom Stlin, pois o presidente americano deu demonstraes do seu distanciamento deChurchill, tentando causar a Stlin a impresso de que estava pelo menos to prximo dorusso (seno mais prximo) quanto estava do britnico. Muitas coisas foram discutidas edecididas em Teer. Stlin ficou aliviado ao saber que a invaso total da Europa ocidentaliria enfim ocorrer no final da primavera seguinte, embora ele ainda suspeitasse que Churchilldesejaria retard-la ou alter-la. quela altura, porm, Stlin sabia igualmente que manter asboas relaes com os Estados Unidos era ainda mais importante do que as suas relaes coma Gr-Bretanha.

    Churchill sabia disso. Mas sabia tambm que no que dizia respeito Europa as suasrelaes com a Rssia eram to importantes quanto as suas relaes com os Estados Unidos.Alm disso, devido geografia progressiva da guerra, tornavam-se iminentes questes,problemas e planos que no podiam ser adiados por muito tempo. Envolviam, antes de tudo, adiviso em perspectiva da Europa. Escrevi antes sobre a percepo primeira vista,brutalmente coerente de Churchill (e britnica) de que metade da Europa era melhor do quenada; de que, se a alternativa ao domnio alemo da Europa era o domnio russo da Europaoriental, assim fosse. Essa parte estava claramente expressa, porm j no se tratava s disso.Ao olhar mais frente, Churchill estava comeando a ficar preocupado com dois assuntosgraves. O controle alemo da Europa, se Deus quisesse e o dia D vingasse, estava chegandoao fim. Ocorrendo isso, a liberao da Europa ocidental era uma decorrncia inevitvel. Mase quanto ao resto da Europa? A Alemanha seria dividida? Churchill achava que talvez paramelhor, sim, junto a fronteiras histricas. Mas no tinha certeza do que Stlin e Roose-velttencionavam quanto Alemanha e no insistiu nesse problema, nem mesmo em Ialta. A leste ea sudeste da Alemanha, porm, a questo da Europa oriental, ao contrrio da questo daAlemanha, se tornava iminente. Churchill e Stlin sabiam disso; Roosevelt, no por muitasrazes, inclusive o hbito americano de no pensar em coisas futuras desagradveis, bemcomo o hbito de protelao de Roosevelt, especialmente em 1944, associado ao seu desejode evitar qualquer tipo de dificuldade com Stlin.

    Chegamos assim aos problemas da Polnia e da Europa oriental, sob certos aspectossemelhantes, sob outros diferentes. Havia, para comear, um compromisso moral com aPolnia que Churchill no descartaria, por motivos mais profundos do que polticos. Foradevido invaso da Polnia por Hitler que a Gr-Bretanha declarara guerra Alemanha. Masa garantia e a aliana da Gr-Bretanha em 1939 no valeram de nada Polnia. Ao mesmo

  • tempo os poloneses lutaram com bravura excepcional. Aproximadamente cem mil polonesesseguiram para a Gr-Bretanha, muitos deles soldados e aviadores de qualidades notveis.Eles lutaram no ar, nos mares e em trs continentes, no lado britnico. Existia um deverbritnico para com eles, no importava o quanto fosse difcil cumpri-lo. No era algo queChurchill consideraria apenas devido a razes polticas internas (ao contrrio de Roosevelt,que surpreendeu Stlin ao lhe dizer que precisava de votos polono-americanos emdeterminadas zonas eleitorais, em estados importantes). Mas por outro lado havia a geografia.Foi pela Polnia que os alemes se concentraram e depois marcharam para a Rssia, e seriapela Polnia que os russos marchariam para a Alemanha. Era pelo menos imaginvel que, emalguns locais do sudeste da Europa, foras britnicas ou anglo-americanas pudessem surgirpouco antes ou no fim da guerra; mas no nordeste da Europa, e particularmente na Polnia,isso era impossvel. Assim, as mos de Churchill estavam atadas, mesmo quando sua menteno o estava.

    Ele no podia ignorar, quanto mais contestar, o que Stlin queria da Polnia. Stlin queriaduas coisas: as suas fronteiras de 1941 e, depois, uma Polnia subserviente. No fim eleconseguiu ambas, embora Churchill tenha se batido tenazmente quanto segunda. A primeirafoi a questo mais fcil para ele, embora no para os poloneses. A fronteira oeste da UnioSovitica em 1941 (que ela alcanou em 1939, pelo pacto com Hitler) se estendia, de ummodo geral, ao longo da chamada Linha Curzon de 1920 (proposta pelos governos britnico efrancs durante a guerra sovitico-polonesa em 1920 mas que, aps a derrota do ExrcitoVermelho naquela guerra, foi abandonada; no Tratado de Riga, em 1921, a fronteira polono-russa foi estabelecida a mais de 160km para leste). Desde o incio, Churchill julgou que nodevia nem podia recusar essa exigncia russa fundamental. Alm disso, dentre outrosproblemas, essa parte da Polnia oriental era habitada por pessoas de todos os tipos, amaioria no-poloneses. De outro lado, uma aceitao polonesa da Linha Curzon equivaleria auma perda de mais de dois quintos do territrio polons anterior guerra. O governo polonsno exlio em Londres que, ao contrrio de muitos outros governos no exlio, no era umregime de simulacro, mas com razovel prestgio e um exrcito considervel noconsentiria nisso.

    O projeto de Churchill era compensar a concesso geogrfica com uma concessopoltica: ceder a Stlin a Linha Curzon, em troca da sua aceitao de uma Polniaindependente, firmemente amistosa para com a Rssia, mas cujo governo no fosse dominadopor pessoal escolhido por Moscou, comunistas subservientes. Ele no deve ser criticado porno haver conseguido isso. O governo polons em Londres s aceitaria a Linha Curzon noderradeiro momento embora Churchill, com o consentimento de Stlin, propusesse umacompensao bastante razovel Polnia, com territrios extensos que seriam obtidos daAlemanha. Roosevelt e os americanos deram pouco, ou nenhum, apoio a Churchill. Maisrelevante: em 1944 Stlin, cujos exrcitos haviam comeado a avanar pela Polnia, sabiaque conseguiria tanto a Linha Curzon quanto um governo satlite em Varsvia, dirigido namaior parte por comunistas preparados em Moscou. Que o destino da Polnia no era umapreocupao secundria para Churchill fica bvio do fato de que, por insistncia sua, aPolnia foi o tema a ocupar a maior parte do tempo em Ialta, assim como em sua confernciaem Moscou com Stlin, em outubro de 1944. Durante essa conferncia, ele se dirigiu rude e,s vezes, brutalmente aos representantes poloneses democrticos ainda relutantes e

  • impossibilitados de aceitar a Linha Curzon. Churchill disse que no permitiria que elescolocassem em risco a sua aliana de guerra com Stlin. Censurou-os asperamente pelateimosia e irrealismo, por deixarem escapar (assim lhes disse) a sua ltima e nicaoportunidade de assegurar uma Polnia decente e livre aps a guerra. Stlin, afinal, haviapermitido que alguns dos poloneses em Londres fossem a Moscou, ao passo que Churchilldemonstrou apenas desdm pelos poloneses comunistas ou pr-co-munistas que Stlinapresentara como os lderes da sua Polnia. (Churchill ficou impressionado mas no detodo aplacado ao ver que Stlin tambm no os tinha em alta conta. Com uma espcie decintilao no olhar, Stlin transmitiu a sua satisfao a Churchill com o sentido: Veja comoos meus fantoches obedecem...)

    Essa conferncia em Moscou, que durou quase dez dias, oferece muitas pistas sobre orelacionamento entre Churchill e Stlin. Churchill considerou-a um sucesso, como informou aLondres tanto durante como aps a reunio. Talvez ele estivesse sendo otimista demais; talvezsuperestimasse o que via como sinais do realismo de Stlin e, por conseqncia, dorelacionamento de ambos, do recproco, seno mtuo, apreo. Churchill tem sido criticado porseu comportamento em Moscou. No entanto, ele tentou, e pelo menos em parte conseguiu,salvar o possvel: salvar das garras de Stlin o mximo da Europa que ento podia, em ummomento em que no dispunha de trunfos na mo. No viria a haver uma presena militaranglo-americana na Europa oriental. Ele no conseguira persuadir os americanos. Enquantoisso, os russos haviam ocupado a Romnia e a Bulgria, entraram na Iugoslvia e estavamavanando com dificuldade pela Hungria. Meses antes, Churchill formulou uma pergunta,talvez retrica, a Anthony Eden: ns estamos dispostos a consentir na comunizao dos Blcse, talvez, da Itlia? Em junho, ele sugeriu uma diviso de trabalho temporria aos russos (etambm a Roosevelt), que consistia, em essncia, em se traar uma linha de diviso deresponsabilidades, com a Romnia e a Bulgria passando para os russos. Mas no houve umaconcordncia americana explcita quanto a isso, como de fato no houve quanto a outrosassuntos. Assim Churchill, ao chegar a Moscou, sentou-se mesa diante de Stlin e props oAcordo das Percentagens.

    De vez em quando, o Acordo das Percentagens apresentado como prova do cinismo deChurchill, como indicao da maneira displicente como esse velho e arrogante aristocratadispunha do destino de naes inteiras. Essa crtica est mal colocada. De certo modo, o seuinverso era verdadeiro. No existe a mais leve indicao de que qualquer pessoa no governobritnico (inclusive Eden), qualquer funcionrio importante no Ministrio das RelaesExteriores, qualquer personagem pblico britnico influente, qualquer baro da imprensahouvesse tentado lembrar a Churchill que era preciso fazer algo para averiguar e estabeleceros limites de um controle sovitico total do sudeste da Europa, incluindo a Hungria. A idia, ea preocupao, foram do prprio Churchill. Era o primeiro, e premente, assunto na suaagenda. Logo no comeo do primeiro encontro com Stlin, ele disse que deviam discutir aPolnia e, imediatamente, passou a faz-lo. A histria bem conhecida. Ningum a descreveuto direta e vividamente quanto o prprio Churchill. Ele abriu por cima da mesa meia pginade papel, em que havia escrito estas percentagens: Romnia: Rssia 90%. Grcia: Gr-Bretanha (acordado com os EUA) 90%. Iugoslvia: 50-50. Hungria: 50-50. Bulgria: Rssia75%. Stlin pegou o seu habitual lpis azul e fez um grande / de conferido, no papel. Tudocerto! Depois disso, fez-se um longo silncio. O papel com a marca do lpis permanecia no

  • centro da mesa. Por fim, eu disse: 'No poderia ser considerado um tanto cnico se parecesseque resolvemos esses problemas, to decisivos para milhes de pessoas, de um modo toimprovisado?' Vamos queimar o papel. 'No, guarde-o com voc', disse Stlin. 7 Churchillficou impressionado. Essa seria uma conferncia bem-su-cedida, e era possvel confiar emStlin.

    No foi exatamente assim, porm Churchill no estava de todo equivocado. No foiexatamente assim: j vimos que Churchill praticamente no abalou a determinao de Stlinsobre o que fazer quanto Polnia. Alm disso, mais ou menos um dia aps aquele importanteacordo, Stlin mandou Molotov barganhar com Eden a respeito de alguns detalhes. Molotovera um barganhador mais tenaz do que Eden. Ele reformulou algumas das percentagens(especialmente no caso da Hungria) em favor da Rssia e Churchill permitiu que assim ficasse talvez tambm porque ele havia contrado uma forte gripe. No entanto, a sua estima porStlin era ainda mais slida do que antes; em ao menos uma ocasio ele se referiu a Stlincomo um ilustre e bom homem. Pelo menos em um caso importante Stlin cumpriu de fato apalavra. Churchil havia proposto o predomnio britnico de 90%, quase absoluto, na Grcia.Stlin aceitou sem discutir. Isso era importante, porque Churchill tinha muito com o que sepreocupar na Grcia, onde a guerra civil era iminente, pois um exrcito guerrilheiro comunistaestava surgindo em praticamente toda parte, tentando derrotar e eliminar as foras daresistncia grega, monarquistas e liberais isso apesar da chegada de algumas tropasbritnicas a Atenas, precisamente na poca da conferncia em Moscou. Entretanto, o Acordodas Per-centagens salvou a Grcia8 objetivo principal de Churchill. Cinco semanas depois,uma insurreio comunista pareceu subjugar Atenas. Churchill enviou considervel forabritnica da Itlia para combat-la e esmag-la. No mais sombrio dezembro, ele abandonou aexpectativa de um natal em famlia e voou para a Grcia, a fim de forjar uma soluo polticaprovisria. Ele havia suscitado crticas intensas, e s vezes violentas, dos americanos,inclusive do Departamento de Estado e da imprensa, mas nem uma nica palavra ou atodesfavorvel por parte de Stlin. (O representante russo na Comisso de Controle Aliado emAtenas afirmou aos comunistas, momentaneamente vitoriosos, que nada tinha a ver com eles.)Uma ou duas vezes Churchill chamou os comunistas gregos de trotskistas querendo dizerque eles no eram como Stlin.

    Ele encarava Stlin como um governante russo tradicional um estadista, um czarvermelho. Ao atacar Churchill aps a guerra, Evelyn Waugh escreveu que Churchill haviajulgado que Stlin era apenas um velho czar em escala maior, um erro apavorante. Masevidentemente Stlin era um czar em escala maior: s que no do tipo de Nicolau II, evasivo,vacilante, afvel, com a barba em ponta como a de Jorge V da Inglaterra, mas um espantosoczar em escala maior, um novo Ivan, o Terrvel. O que Churchill tambm compreendeu foi quea geografia e o territrio tinham importncia, no a ideologia: onde os exrcitos russos e ondeos exrcitos anglo-americanos se achariam no final da guerra; e que a maneira de lidar comStlin era, portanto, na base da permuta isso seu, isso nosso. Stlin compreendia ascoisas mais ou menos da mesma maneira. (J Roosevelt e os americanos no, exceto quando eonde eram obrigados a isso pelas circunstncias.)

    Na Conferncia de Ialta, em fevereiro de 1945, Churchill ainda era uma figura principal,mas o seu poder e a sua influncia eram menores do que os de Roosevelt e Stlin. A Polniafoi um tema principal e muito debatido em lalta, mas Stlin pouco ou nada cedeu. As relaes

  • pessoais de Churchill com ele ainda eram excelentes. Eles brindavam um ao outro, talvez emdemasia. Em Ialta, Stlin chegou quase ao ponto de felicitar Churchill pelo controle da Grcia.Churchill disse aos representantes britnicos na Romnia que eles tinham de compreender asgrandes limitaes dos interesses da Gr-Bretanha l. Mas logo depois de Ialta, a despeito doAcordo das Percentagens, Churchill reconheceu que a Declarao da Europa Liberada um enunciado em termos gerais redigido e assinado em Ialta, principalmente para agradar opresidente Roosevelt, prometendo democracia em toda parte da Europa era interpretadapor Stlin como significando que o que os seus exrcitos haviam liberado pertenciam a ele.Era assim imperioso que os exrcitos anglo-americanos se encontrassem com os russos omximo a leste possvel. Por algum tempo Churchill havia esperado e, ocasionalmente,planejado que uma fora britnica chegasse a Viena; seus planos foram frustrados pelosamericanos. Mas no final de maro uma nova situao se delineava: pela Alemanha, osexrcitos anglo-americanos estavam avanando mais depressa do que os russos. Se no Viena,eles poderiam alcanar Praga ou talvez at Berlim, frente dos russos. Os americanos nopermitiriam isso de forma alguma. O general Eisenhower, comandante supremo dos aliados,se incumbiu de informar Stlin (sem informar Churchill antes) que os exrcitos aliados noavanariam naquela direo.

    Os problemas de Churchill com os americanos, com Roosevelt e o seu crculo (opresidente estava morrendo) eram, nesse perodo, to difceis quanto seus problemas comStlin. Ele tomou extremo cuidado para no tornar isso pblico na poca, ou mesmo sete anosdepois, quando ditou o volume de suas memrias de guerra que tratava do tema. (Fez isso paraagradar Eisenhower, o presidente que seria empossado e seu ex-companheiro do tempo daguerra como veremos em um captulo subseqente, em vo.) Stlin tinha certoconhecimento das divergncias entre Churchill e os americanos. Eventualmente, conseguiu atcolocar um contra o outro, ao menos um pouco. Mas em maro de 1945 a sua preocupaoprincipal era outra: onde os seus exrcitos se encontrariam com os anglo-americanos, nointerior da Alemanha? Ele ficou furioso ao saber que, desde o incio de fevereiro, AllenDulles, um representante americano secreto na Sua, estivera negociando com um general SSalemo a rendio definitiva do exrcito alemo na Itlia aos anglo-americanos. (Stlin noestava totalmente errado: essas parlamentaes eram apenas mais uma tentativa alem deafastar anglo-americanos de russos. Elas tampouco eram realizadas sem o conhecimento deHitler ou contra a sua vontade.) Stlin estava ainda mais preocupado com a rendio fcil erpida de cidades e tropas alems aos aliados na Alemanha ocidental, ao passo que osalemes lutavam encarniadamente em cada vilarejo na Silsia, na Prssia ou mesmo naBomia tcheca. Roosevelt no sabia bem como reagir s iradas acusaes de Stlin, mas jno era ele quem redigia as respostas a Stlin, cujos tons eram s vezes contraditrios. A 12de abril ele morreu. Caso houvesse muito antes evidenciado a Stlin (e ao mundo) que ele eChurchill estavam em plena conformidade acerca de temas importantes, a posio deChurchill como o principal estadista do Ocidente no final da guerra teria sido inco-mensuravelmente mais slida. Mas no seria assim e, no que dizia respeito Europa,Churchill no conseguiu o que pretendia. Os russos ocuparam Viena, Berlim, Praga. Algunsdias antes de Hitler se matar, Heinrich Himmler ofereceu a rendio incondicional doTerceiro Reich aos aliados ocidentais. Churchill rejeitou-a: a rendio devia envolver todosos aliados, inclusive a Unio Sovitica. A reao de Stlin foi, dessa vez, efusiva, quase em

  • excesso: Conhecendo-o, eu no tive dvidas de que agiria dessa maneira. Dessa vez, avaidade de Churchill o dominou: ele ficou muito lisonjeado com as palavras de Stlin.

    Mas tal entusiasmo foi efmero. Durante aquelas semanas de vitrias e dodesmoronamento do Terceiro Reich de Hitler, o estado de esprito de Churchill eramelanclico talvez mais melanclico do que em qualquer perodo desde maio de 1940. Suaesposa fez uma viagem Rssia e foi recebida com muita cordialidade e boa vontade. Noentanto, trechos das cartas de Churchill a ela so expressivos. (Em 2 de abril: Nestemomento, voc o nico ponto luminoso nas relaes anglo-russas. Em 8 de abril: Vocsabe perfeitamente como so grandes as nossas dificuldades a respeito da Polnia, Romnia eesta outra encrenca sobre pretensas negociaes. Ainda pretendo perseverar, mas muitodifcil. Em 5 de maio: Mal preciso dizer-lhe que sob esses triunfos se acham polticasperniciosas e rivalidades internacionais fatais.)9 Ele compreendia, melhor do que qualqueroutra pessoa, o que significava a interpretao de Stlin das declaraes de Ialta: dentre elas,a ausncia de qualquer sinal, ou esperana, de que Stlin permitiria sequer um governo maisou menos livre e democrtico na Polnia. Nos discursos do Dia da Vitria, Churchill preveniuo povo britnico sobre mais tribulaes e desafios adiante. Ele chegou a dar instrues aMontgomery e a outros comandantes britnicos na Alemanha para recolherem as armasalems, mantendo-as na reserva para um eventual confronto com os russos que avanavammais a oeste, alm das zonas de ocupao que lhes haviam sido atribudas. Dentre outrospontos, ele queria assegurar que o exrcito britnico se encontraria com os russos a leste doacesso pennsula dinamarquesa. E restava, julgava ele, um trunfo importante: o fato de que,na Alemanha central, os exrcitos anglo-americanos em marcha se haviam encontrado com osrussos bem a leste dos limites das zonas de ocupao previamente ajustadas. Talvez talvez a sua retirada pudesse ser condicionada a concesses russas, mais uma vez principalmenteem relao Polnia.

    Mas isso no ocorreria. Havia ento um novo presidente americano, Harry Truman, quelogo demonstrou coragem e firmeza de carter, fazendo frente a Stlin, e que tinha quase omesmo ponto de vista de Churchill, mas no totalmente. Durante os decisivos ltimos mesesda guerra na verdade, ao longo da maior parte do Ano Zero, 1945 , o governoamericano, as foras armadas, o Departamento de Estado, a imprensa aplaudiram os russos,com muito poucas excees. Eles esto repicando os sinos, dissera Walpole sobre os seuscrticos, duzentos anos antes. Breve estaro retorcendo as mos. Assim foi com osamericanos em 1945. Na ltima reunio de cpula da guerra, em Potsdam em julho, no sediscutiu nada de grande importncia, alm de uma nebulosa aceitao do status quo na Europae na Alemanha. Churchill, a essa altura, estava desgastado e cansado. Sua energia haviadiminudo e tambm a capacidade de concentrao; a ateno aos detalhes, inclusive osimportantes, era lenta; ele no se preparou adequadamente antes ou durante a reunio emPotsdam tudo isso foi notado pela sua comitiva. Stlin no acreditava que Churchill nofosse reconduzido ao cargo pelo povo, na eleio britnica de julho de 1945. Churchilltambm mal poderia acreditar nisso. No entanto, assim aconteceu.

    Chegamos agora ltima fase desse relacionamento extraordinrio com Stlin, marcadopelas sonoras advertncias de Churchill contra a Rssia, e pelo incio da guerra fria. Ele jno era primeiro-ministro. Mas estava acompanhando a evoluo dos acontecimentos.Consolou-se um pouco ao ver como o presidente Truman e o governo americano estavam,

  • cautelosa e gradativamente, mudando de opinio sobre Stlin e a Rssia. Havia, porm, umadiferena entre a sua perspectiva e a deles. Os americanos estavam cada vez mais apreensivoscom o comunismo, a expectativa de a influncia e o poder de Stlin se estenderem Europaocidental, Itlia ou Frana. Churchill estava preocupado com a progressiva rigidez da divisoda Europa, com a crescente imposio por parte de Stlin do seu controle total sobre a Europaoriental e o que isso significava. Posteriormente, Churchill mostrou-se altura do convite dopresidente Truman e fez o famoso discurso sobre a Cortina de Ferro em Fulton, no Missouri,em maro de 1946. Logo tornou-se um dos seus discursos mais clebres e histricos. Napoca, porm, a reao americana foi variada: at Truman achou que devia distanciar-se dodiscurso, pelo menos um pouco; seu confidente e depois secretrio de Estado, Dean Acheson,o desaprovou inteiramente. No importa: em breve ficou evidente que Churchill tinha razo.Halifax, ainda embaixador britnico em Washington, aconselhou Churchill a abrandar o tom,talvez at ir a Moscou para explicar a situao a Stlin. No, disse Churchill, isso seriaaviltante, como apresentar desculpas a Hitler, digamos, em 1938.

    Isso significava que Churchill modificara completamente a sua opinio sobre Stlin? Sim eno mais precisamente: no, mais do que sim. Ele considerava Stlin um tirano russo,interessado em resguardar firmemente os domnios conquistados na Europa oriental, enquantoos americanos o consideravam o chefe do comunismo internacional, decidido a expandir osseus domnios cada vez mais na Europa. Churchill achava que os temores eram comfreqncia as causas da agressividade brutal de Stlin. Eles temem a nossa amizade tanto,seno mais, quanto a nossa inimizade, dizia Churchill de vez em quando. Em 1951, ele setornou de novo primeiro-ministro. A guerra fria estava no auge; uma guerra era travada naCoria; os russos tinham a sua bomba atmica; havia muitas dificuldades em outros locais. Noentanto, mesmo antes de Stlin morrer, Churchill enxergava alguns sinais de mudana. Vimosque, no ltimo dia de 1952, ele disse a Jock Colville que dentro de cerca de trs dcadas ocomunismo desapareceria da Europa oriental. Nove semanas depois, Stlin morreu. Churchillestava convencido de que havia chegado o momento de renegociar algumas das condies daguerra fria, inclusive as condies de uma Europa dividida, com os novos, constrangidos einseguros governantes da Unio Sovitica. Mas isso tambm no sucederia.

    Em suma: Churchill estava equivocado na maneira como avaliou e tratou Stlin? Seutemperamento romntico e sua retrica sentimental o levaram, de fato, a exageros, de vez emquando. Mas essencialmente ele no estava equivocado. Manteve ativa aquela estranha ecomplicada aliana no perodo da guerra, o que no foi fcil, j que a lealdade de Stlin aosaliados no era algo lquido e certo, sem falar na inteno de Hitler de desunir os aliados ou,pelo menos, provocar srias perturbaes entre eles. E quanto Europa oriental: em 1944Churchill realmente salvou a Grcia; e ao contrrio de 1915, depois de outra guerramundial, quando outro czar russo no permitiu que existisse um Estado polons em 1945havia um Estado polons, apesar de subserviente a Moscou. A sua existncia e, maisimportante, o gradual desenvolvimento da independncia polonesa a partir da deveram-se emgrande parte coragem dos prprios poloneses durante a guerra e sua determinao; mas,pelo menos em um pequeno grau, tambm a Winston Churchill.

    1 Um exemplo: um editorial no Times de Londres, em 01.08.1941: A liderana na Europa oriental s pode caber Alemanha

  • ou Rssia. Nem a Gr-Bretanha nem os Estados Unidos podem exercer, ou aspirar a exercer, qualquer poder predominantenessas regies.2 talvez curioso que essa frase tenha sido ligeiramente alterada na edio sovitica da correspondncia entre Stlin eChurchill. (Isso resultou em uma reduo da nossa capacidade de defesa e confrontou a Unio Sovitica com um riscomortal)3 Sombras de Lnin! uma pena que no tenha acontecido. Que livro Evelyn Waugh poderia ter escrito sobre as aventuras dosReais Fuzileiros na Ucrnia. (Possveis ttulos: A jovem comandante vermelha; Camaradas em armas; Kommissarovkarevisitada.) Escrevi um pouco disso vrios anos atrs; cf. The Last European War, 1939-1941. Nova York, 1976,reimp.2001, p.149.4 pelo menos curioso que, no incio de setembro, Churchill tenha enviado lorde Beaverbrook para uma entrevista secreta comRudolf Hess. Ver igualmente The Last European War, p.149, n.22.5 Documents ofPolish-SovietRelations, 1939-1945. Londres, 1961,1:297-8.6 Brian Bond (org.), Henry Pownall, Chief of Staff: The Diaries of Lieutenant General Sir Henry Pownall, 1940-1944.Londres, 1974, 2:109-10.7 Relato de Churchill. Triumph and Tragedy. Boston, 1953, p.227-8.8 No poderia salvar a Hungria, embora durante os meses seguintes Churchill insistisse vrias vezes (principalmente com osamericanos) que a Hungria no era um Estado balcnico, mas da Europa central, e que (ao contrrio de uma das observaesde Stlin) a Hungria no formava fronteira com a Rssia.9 Mary Soames (org.), Speakingfor Themselves: ThePersonalLetters ofWins-ton and Clementine Churchill. Londres, 1998,p.522,530.

  • 3

    Churchill e Roosevelt

    Uma correspondncia entre dois estadistas pode ocultar tanto quanto revela. Com freqnciaas cartas sugerem, mais do que expem, o relacionamento dos autores. Os trs volumes deChurchill e Roosevelt: a correspondncia completa (1984), organizados por War-ren F.Kimball, so uma exceo. Eles so o registro mais completo do que pode ser acorrespondncia mais copiosa que j foi mantida entre os lderes de duas importantes naes toda durante os cinco anos de uma guerra mundial em que Churchill e Roosevelt eram duasdas quatro figuras principais. No s para os povos anglfonos mas para a histria do mundo,o relacionamento entre Churchill e Roosevelt foi e continua a ser no mnimo to interessantequanto o relacionamento de cada um deles com o difcil e distante aliado Stlin. Acorrespondncia entre Churchill e Roosevelt no contemplativa. uma correspondncia quelida com aes, decises, riscos e perspect