GESTÃO DA LOGÍSTICA HUMANITÁRIA: … · iii FICHA CATALOGRÁFICA Ferreira da Silva, Luiza de...
-
Upload
nguyenmien -
Category
Documents
-
view
215 -
download
0
Transcript of GESTÃO DA LOGÍSTICA HUMANITÁRIA: … · iii FICHA CATALOGRÁFICA Ferreira da Silva, Luiza de...
GESTÃO DA LOGÍSTICA HUMANITÁRIA: PROPOSTA DE
UM REFERENCIAL TEÓRICO
Luiza de Castro Ferreira da Silva
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto COPPEAD de Administração
Mestrado em Administração
Orientador: Prof. Alexandre Medeiros Rodrigues, Ph.D.
Rio de Janeiro
2011
ii
GESTÃO DA LOGÍSTICA HUMANITÁRIA: PROPOSTA DE
UM REFERENCIAL TEÓRICO
Luiza de Castro Ferreira da Silva
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de
Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em Administração de Empresas.
Aprovada por:
Orientador
Alexandre Medeiros Rodrigues, Ph.D. (COPPEAD/UFRJ)
Rebecca Arkader, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)
Ismael da Silva Soares, D.Sc. (UFRJ)
Rio de Janeiro
2011
iii
FICHA CATALOGRÁFICA
Ferreira da Silva, Luiza de Castro
Gestão da Logística Humanitária: Proposta de um Referencial
Teórico / Luiza de Castro Ferreira da Silva. Rio de Janeiro: 2011
UFRJ/COPPEAD 2011.
Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração
Orientador: Alexandre Medeiros Rodrigues
1. Logística. 2. Logística Humanitária. 3. Integração. 4.
Dissertação (Mestrado – UFRJ/COPPEAD). I. Rodrigues,
Alexandre (Orientador). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Instituto COPPEAD de Administração. III. Título
iv
AGRADECIMENTOS
Aos meus queridos pais, Rosa Maria de Castro e José Cláudio Ferreira da
Silva, por todo o apoio durante os dois anos do mestrado.
Ao meu orientador, pela amizade e dedicação.
Aos professores Rebecca Arkader e Ismael da Silva Soares por terem
aceitado o convite de participar da banca.
Aos entrevistados que contribuíram com todo empenho para me passar uma
visão sincera e realista sobre os acontecimentos das Chuvas de Abril.
À Lucia Alves, do Centro de Operações Rio, e ao Victor Accioly, subprefeito
da Ilha do Governador, por terem possibilitado meu acesso a pessoas chave para a
realização das entrevistas e por toda a atenção que me deram.
Aos professores do COPPEAD por esses dois anos de muito aprendizado que
certamente serão fundamentais em minha vida profissional.
Aos funcionários da biblioteca e da secretaria acadêmica do COPPEAD, pelo
serviço excelente e por proporcionarem um ambiente maravilhoso para estudar.
Aos meus amigos do COPPEAD pelo aprendizado e pelos muitos momentos
de diversão e a todos os meus amigos que me apoiaram nos momentos difíceis e
comemoraram minhas vitórias.
v
RESUMO
Ferreira da Silva, Luiza. Gestão da Logística Humanitária: Proposta de um
Referencial Teórico. Orientador: Alexandre Medeiros Rodrigues. Rio de Janeiro:
UFRJ/COPPEAD, 2011. Dissertação (Mestrado em Administração).
Logística humanitária é o processo de planejar, implementar e controlar de forma
eficiente o fluxo e o armazenamento de bens, materiais e informações relacionadas
do ponto de origem até o ponto de consumo, com o intuito de aliviar o sofrimento de
pessoas em situações vulneráveis.
O objetivo deste estudo é investigar as competências associadas com o
desempenho superior da gestão logística em casos de desastres naturais de forma a
propor um referencial teórico a partir da revisão da literatura. Este referencial é e
aplicado ao caso do Furacão Katrina nos Estados Unidos em 2005, com base em
dados secundários, e ao cado das Chuvas de Abril de 2010 no município do Rio de
Janeiro, com base em dados primários.
Através de entrevistas com representantes dos principais órgãos envolvidos na
preparação, resposta e recuperação de desastres naturais no Rio de Janeiro
identificou-se que, apesar da preparação deficiente, o município foi capaz de
responder e se recuperar de forma bem sucedida do desastre ocorrido em 2010. Por
outro lado, artigos e documentos do governo americano mostram que a preparação
exemplar dos Estados Unidos para desastres não foi suficiente para evitar as falhas
nas fases de resposta e recuperação após o furacão Katrina.
Os resultados deste trabalho podem ser utilizados pelas organizações de
ajuda humanitária em busca de melhores práticas associadas com um superior
desempenho operacional.
vi
ABSTRACT
Ferreira da Silva, Luiza. Gestão da Logística Humanitária: Proposta de um
Referencial Teórico. Orientador: Alexandre Medeiros Rodrigues. Rio de Janeiro:
UFRJ/COPPEAD, 2011. Dissertação (Mestrado em Administração).
Humanitarian Logistics is the process of efficiently planning, implementing and
controlling the flow and storage of goods, materials and related information from
point of origin to point of consumption, in order to alleviate the suffering of people in
vulnerable situations.
The objective of this study is to investigate the skills associated with a superior
performance of logistics management in cases of natural disasters in order to
propose a theoretical framework from the literature review. This framework is applied
to the case and Hurricane Katrina in 2005 in the United States, based on secondary
data, and to the storms in April 2010 in the city of Rio de Janeiro, based on primary
data.
Through interviews with representatives of key agencies involved in
preparedness, response and recovery from natural disasters in Rio de Janeiro it was
found that, despite the poor preparation, the city was able to successfully respond
and recover from the disaster in 2010. On the other hand, articles and U.S.
government documents show that the well recognized U.S. preparation for disasters
was not enough to avoid gaps in response and recovery phases following Hurricane
Katrina.
The results of this work can be used by aid organizations looking for best
practices associated with superior operating performance.
vii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 1
1.1 OBJETIVO DO ESTUDO ......................................................................................................... 1
1.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO .................................................................................................... 1
1.3 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO ................................................................................................ 5
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................................. 7
2.1 DEFINIÇÕES ........................................................................................................................... 9
2.2 LOGÍSTICA HUMANITÁRIA – UMA VISÃO GERAL ............................................................. 12
2.2.1 Principais Diferenças entre a Logística Empresarial e a Logística Humanitária........... 16
2.2.2 Interrelação entre a Logística Empresarial e a Logística Humanitária ......................... 21
2.3 A CADEIA DE SUPRIMENTOS HUMANITÁRIA ................................................................... 24
2.3.1 Atores da Cadeia de Suprimentos Humanitária ............................................................ 28
2.3.2 Fluxos e Processos ....................................................................................................... 33
2.3.3 Centralização vs. Descentralização .............................................................................. 35
2.3.4 Distribuição Last Mile .................................................................................................... 36
2.3.5 Tecnologia de Informação e Sistemas de Desempenho .............................................. 37
2.4 GESTÃO DA LOGÍSTICA HUMANITÁRIA EM DESASTRES NATURAIS ............................ 39
2.4.1 Preparação .................................................................................................................... 40
2.4.2 Resposta ....................................................................................................................... 47
2.4.3 Reconstrução ................................................................................................................ 51
2.5 AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO ......................................................................................... 52
2.6 O MODELO 21ST CENTURY LOGISTICS ............................................................................ 56
2.7 MODELO REFERENCIAL PROPOSTO................................................................................ 59
3 METODOLOGIA DE PESQUISA ........................................................................................ 65
3.1 PROPÓSITO E PERGUNTA DA PESQUISA ........................................................................ 65
3.2 MÉTODO DA PESQUISA ...................................................................................................... 68
3.3 ESCOLHA DO CASO ............................................................................................................ 70
3.4 SELEÇÃO DOS ENTREVISTADOS...................................................................................... 71
3.5 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................................... 72
3.6 LIMITAÇÕES DO MÉTODO .................................................................................................. 73
viii
4 CASO FURACÃO KATRINA .............................................................................................. 74
4.1 ATORES ENVOLVIDOS .............................................................................................................. 77
4.2 PREPARAÇÃO .......................................................................................................................... 78
4.2.1 O Contexto Operacional da Fase de Preparação ......................................................... 81
4.2.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Preparação ................................ 83
4.2.3 O Contexto Comportamental da Fase de Preparação .................................................. 84
4.2.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Preparação – Caso Katrina .............................. 85
4.3 RESPOSTA .............................................................................................................................. 86
4.3.1 O Contexto Operacional da Fase de Resposta ............................................................ 89
4.3.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Resposta ................................... 92
4.3.3 O Contexto Comportamental da Fase de Resposta ..................................................... 93
4.3.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Resposta – Caso Katrina ................................. 95
4.4 RECUPERAÇÃO ........................................................................................................................ 95
4.4.1 O Contexto Operacional da Fase de Recuperação ...................................................... 97
4.4.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Recuperação ........................... 100
4.4.3 O Contexto Comportamental da Fase de Recuperação ............................................. 101
4.4.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Recuperação – Caso Katrina ......................... 102
5 ESTUDO DE CASO – AS CHUVAS DE ABRIL DE 2010 NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO 103
5.1 ATORES ENVOLVIDOS ............................................................................................................ 106
5.2 PREPARAÇÃO ........................................................................................................................ 107
5.2.1 O Contexto Operacional da Fase de Preparação ....................................................... 108
5.2.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Preparação .............................. 114
5.2.3 O Contexto Comportamental da Fase de Preparação ................................................ 117
5.2.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Preparação – Caso Chuvas de Abril de 2010 118
5.3 RESPOSTA ............................................................................................................................ 118
5.3.1 O Contexto Operacional da Fase de Resposta .......................................................... 120
5.3.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Resposta ................................. 124
5.3.3 O Contexto Comportamental da Fase de Resposta ................................................... 126
5.3.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Resposta – Caso Chuvas de Abril de 2010 ... 127
5.4 RECUPERAÇÃO ...................................................................................................................... 127
ix
5.4.1 O Contexto Operacional da Fase de Recuperação .................................................... 128
5.4.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Recuperação ........................... 131
5.4.3 O Contexto Comportamental da Fase de Recuperação ............................................. 135
5.4.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Recuperação – Caso Chuvas de Abril de 2010
136
6 ANÁLISE DO CASO CHUVAS DE ABRIL DE 2010 NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO 137
7 CONCLUSÕES E PESQUISAS FUTURAS ..................................................................... 148
7.1 CONCLUSÕES ................................................................................................................... 148
7.2 PESQUISAS FUTURAS ...................................................................................................... 150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................... 151
ANEXOS ................................................................................................................................... 157
ANEXO 1: ROTEIRO DA ENTREVISTA ......................................................................................... 157
ANEXO 2: ÓRGÃOS CONTEMPLADOS NO PLANO DE EMERGÊNCIAS DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO (PEM-RIO) ...................................................................................................................... 161
ANEXO 3: MATRIZ DE RESPONSABILIDADES DO PEM-RIO (CHUVAS) ................................... 165
x
ÍNDICE DE FIGURAS
FIGURA 1: NÚMERO DE DESASTRES NATURAIS REPORTADOS (1959-2009) ................................................. 2
FIGURA 2: NÚMERO DE PESSOAS AFETADAS POR DESASTRES NATURAIS (1959-2009) ................................ 3
FIGURA 3: CADEIA DE SUPRIMENTOS HUMANITÁRIA (BEAMON E BALCIK, 2008) .......................................... 26
FIGURA 4: CADEIA DE SUPRIMENTOS HUMANITÁRIA (OLORUNTOBA E GRAY, 2006) .................................... 27
FIGURA 5: ATORES DA CADEIA DE SUPRIMENTOS HUMANITÁRIA (KOVÁCS E SPENS, 2007) ......................... 29
FIGURA 6: ATORES DA CADEIA DE SUPRIMENTOS HUMANITÁRIA (BEAMON E BALCIK, 2008) ........................ 30
FIGURA 7: FASES DA GESTÃO DE DESASTRES (KOVÁCS E SPENS, 2007) ................................................... 39
FIGURA 8: PADRÃO DE OCORRÊNCIAS DE DESASTRES POR PAÍS (1970S-2000S) ....................................... 42
FIGURA 9: DEVELOPMENT INDICATOR TOOL (SCHULZ E HEIGH, 2009) ........................................................ 53
FIGURA 10: MODELO REFERENCIAL PROPOSTO – INDICADORES DE DESEMPENHO ..................................... 64
FIGURA 11: TRAJETÓRIA DO FURACÃO KATRINA (CENTRAL FLORIDA HURRICANE CENTER) ......................... 75
FIGURA 12: FATALIDADES DO FURACÃO KATRINA (ASCE, 2007) ............................................................... 76
FIGURA 13: ATORES ENVOLVIDOS NO FURACÃO KATRINA .......................................................................... 78
FIGURA 14: MANTIMENTOS CERCA DA ZONA DE IMPACTO DO KATRINA (US WHITE HOUSE, 2006) .............. 88
FIGURA 15: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DE NOVA ORLEANS (U.S. CENSUS BUREAU) ................................. 96
FIGURA 16: PADRÃO DE DESASTRES NO BRASIL (SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA CIVIL) ..................... 104
FIGURA 17: PRECIPITAÇÃO MÉDIA E MÁXIMA NO RIO DE JANEIRO (INMET) .............................................. 104
FIGURA 18: VOLUME PLUVIOMÉTRICO – CASO CHUVAS DE ABRIL DE 2010 ............................................... 119
FIGURA 19: PONTOS DE DESLIZAMENTOS NO RIO DE JANEIRO (REVISTA VEJA, JUNHO DE 2010) ............... 120
xi
ÍNDICE DE TABELAS
TABELA 1: DEFINIÇÕES RELACIONADAS COM A LOGÍSTICA HUMANITÁRIA (NAÇÕES UNIDAS) ........................ 10
TABELA 2: TIPOLOGIA DE DESASTRES (VAN WASSENHOVE, 2006) ............................................................. 12
TABELA 3: CLASSIFICAÇÃO DA BASE DE DADOS EM-DAT PARA DESASTRES .............................................. 14
TABELA 4: COMPARAÇÃO ENTRE LOGÍSTICA EMPRESARIAL E A LOGÍSTICA HUMANITÁRIA ............................ 21
TABELA 5: MODELO REFERENCIAL 21ST CENTURY LOGISTICS (BOWERSOX, CLOSS E STANK, 1999) ........... 58
TABELA 6: MODELO REFERENCIAL PROPOSTO .......................................................................................... 60
TABELA 7: ETAPA DE PREPARAÇÃO – DETALHAMENTO DOS CONTEXTOS .................................................... 61
TABELA 8: ETAPA DE RESPOSTA – DETALHAMENTO DOS CONTEXTOS ........................................................ 62
TABELA 9: ETAPA DE RECUPERAÇÃO – DETALHAMENTO DOS CONTEXTOS.................................................. 63
TABELA 10: DANOS CAUSADOS PELO FURACÃO KATRINA (US WHITE HOUSE, 2006) .................................. 76
TABELA 11: FUNÇÕES DE APOIO EM CASO DE EMERGÊNCIAS NOS EUA (US WHITE HOUSE, 2006) ............ 82
TABELA 12: QUADRO-RESUMO DOS ITENS DA FASE DE PREPARAÇÃO – CASO KATRINA............................... 85
TABELA 13: QUADRO-RESUMO DOS ITENS DA FASE DE RESPOSTA – CASO KATRINA ................................... 95
TABELA 14: QUADRO-RESUMO DOS ITENS DA FASE DE RECUPERAÇÃO – CASO KATRINA .......................... 102
TABELA 15: QUADRO-RESUMO DOS ITENS DA FASE DE PREPARAÇÃO – CASO CHUVAS DE ABRIL DE 2010 . 118
TABELA 16: QUADRO-RESUMO DOS ITENS DA FASE DE RESPOSTA – CASO CHUVAS DE ABRIL DE 2010 ..... 127
TABELA 17: QUADRO-RESUMO DOS ITENS DA FASE DE RECUPERAÇÃO – CASO CHUVAS DE ABRIL DE 2010136
1
1 INTRODUÇÃO
1.1 OBJETIVO DO ESTUDO
O presente trabalho tem como objetivo investigar as competências
associadas com o desempenho superior da gestão logística em casos de desastres
naturais de forma a propor um referencial teórico a partir da revisão da literatura.
Este referencial é e aplicado ao caso do Furacão Katrina nos Estados Unidos em
2005, com base em dados secundários, e ao cado das Chuvas de Abril de 2010 no
município do Rio de Janeiro, com base em dados primários. O referencial pode ser
utilizado pelas organizações de ajuda humanitária em busca de melhores práticas
associadas com um superior desempenho operacional.
1.2 RELEVÂNCIA DO ESTUDO
Recentemente, o mundo tem presenciado um aumento no número e
magnitude do impacto de desastres naturais. Dados do Banco de Dados de
Desastres Internacionais (EM-DAT: OFDA/CRED International Disaster Database)
comprovam que, nos últimos cinqüenta anos, a quantidade de desastres reportados
cresceu mais de 1.000%1 (Figura 1).
1 EM-DAT (www.emdat.be, acessado em 16/01/2010)
2
Figura 1: Número de Desastres Naturais Reportados (1959-2009)2
Infelizmente, este padrão não é considerado uma anomalia, mas um indicador
de aumento de volatilidade, geralmente atribuído às mudanças climáticas e aos
padrões de acelerada ocupação humana em locais de risco. É esperado um
crescimento dos desastres naturais da ordem de cinco vezes nos próximos
cinqüenta anos, devido, principalmente, à degradação ambiental e à rápida
urbanização (THOMAS e KOPCZAK, 2005). Além do aumento do número de
eventos, existe também um aumento na magnitude de seus impactos. Atualmente,
mais pessoas são afetadas por desastres quando comparado a cinqüenta anos atrás
(Figura 2).
2OBS.: A ligeira queda que aparece no gráfico a partir de 2003 pode ser explicada pela mudança na
metodologia utilizada pelo CRED. Antes um desastre que afetava, por exemplo, cinco países, contava como cinco diferentes desastres. Atualmente, os desastres são considerados como eventos. O Tsunami de 2004, por exemplo, que afetou treze países diferentes, foi considerado como apenas um desastre, ao invés de treze, como teria sido computado antes de 2003.
0
100
200
300
400
500
600
1959 1969 1979 1989 1999 2009
Nú
me
ro d
e d
esa
stre
s re
po
rtad
os
Ano
3
Figura 2: Número de Pessoas Afetadas por Desastres Naturais (1959-2009)
Além dos desastres naturais, crises provocadas pela ação humana, como
aquelas decorrentes de atividades terroristas e de guerras, têm efeitos similares
sobre as populações, já que dificultam as condições de vida e provocam a falta de
itens de necessidades básicas, incluindo abrigo, água e segurança alimentar.
Com a crescente ocorrência de catástrofes e de seu impacto econômico e
social, uma resposta mais rápida e esforços de ajuda humanitária melhor
coordenados são necessários para prover às populações em situação de crise a
ajuda que precisam (ERGUN ET AL, 2007). A distribuição precisa no tempo de bens
e materiais críticos para a sobrevivência sempre foi um elemento crucial para uma
resposta efetiva (BOIN ET AL, 2010). Uma logística rápida, ágil e flexível é, portanto,
capaz de reduzir o impacto dos desastres e salvar vidas. Esta resposta é
dependente da eficácia da cadeia de suprimentos e de seus sistemas gerenciais
(BERESFORD e PETTIT, 2009).
A logística humanitária não é apenas fundamental na etapa de resposta, mas
também é central na mitigação de desastres. Em primeiro lugar, é crucial para a
-
100
200
300
400
500
600
700
1959 1969 1979 1989 1999 2009
Nú
me
ro d
e p
ess
oas
afe
tad
as (
milh
õe
s)
Ano
4
eficácia e rapidez de resposta para os grandes programas humanitários, tais como
saúde, alimentação, abrigo, água e saneamento. Em segundo lugar, com aquisição
e transporte incluídos na função, a logística pode ser uma das partes mais caras da
etapa de resposta. Em terceiro lugar, uma vez que a função logística lida com
controle de mercadorias através da cadeia de abastecimento, os dados da área
podem fornecer importantes informações para a aprendizagem pós-evento. Esses
dados refletem todos os aspectos da execução, desde a eficácia dos fornecedores e
prestadores de transporte até os custos e prazos de resposta, considerando-se a
adequação dos bens doados e a gestão da informação. Assim, a logística é
fundamental para o desempenho das atuais e futuras operações e programas
humanitários (THOMAS AND KOPCZAK, 2005).
Para o setor privado, o estudo da logística humanitária também é relevante,
pois cadeias de suprimento comerciais também são afetadas pelos desastres.
Questões de sustentabilidade e resiliência no plano empresarial podem ser
minimizadas através do estudo de situações da logística humanitária. Segundo
Beamon e Balcik (2008), a crescente complexidade nas cadeias de suprimentos
globais requer que as empresas tenham as mesmas capacitações das agências
humanitárias, como agilidade, adaptabilidade e flexibilidade. Cadeias globais
possuem ciclos de desempenho mais longos e incertos que cadeias domésticas,
sendo mais susceptíveis a incertezas, interrupções, atrasos, e maiores riscos. Por
isso, a logística humanitária tem recebido mais atenção de acadêmicos
recentemente.
O setor de ajuda humanitária também pode ser visto como uma indústria
global, pois movimenta bilhões de dólares por ano (KOVÁCS e SPENS, 2007).
Considerando apenas a ajuda em forma de alimentos, cinco bilhões de dólares
5
foram movimentados em 1991, provocando um impacto considerável na indústria
global de alimentos e transporte (LONG e WOOD, 1995).
Nesse contexto, o presente estudo busca revisar e analisar a literatura
referente à logística humanitária e propor um referencial teórico que auxilie as
organizações de auxílio humanitário a alcançar melhores resultados. Para isso, o
referencial proposto destaca as capacitações necessárias em cada etapa de auxílio
humanitário, bem como sua associação com medidas de desempenho. Com o intuito
de validação do referencial proposto, aplicamos e testamos em um estudo de caso
brasileiro e em um estudo de caso oriundo da literatura.
1.3 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO
Este estudo está organizado em sete capítulos. Neste primeiro capítulo são
apresentados o objetivo e a relevância do estudo. O segundo capítulo traz a revisão
de literatura, seguida da apresentação do modelo de referencial teórico. O terceiro
capítulo dedica-se à descrição da metodologia de pesquisa.
No quarto capítulo o referencial teórico é aplicado ao caso do furacão Katrina,
ocorrido em 2005 nos Estados Unidos, através da análise de dados secundários. Em
seguida, no quinto capítulo, o referencial teórico é aplicado ao caso das Chuvas de
Abril de 2010 no Rio de Janeiro através de entrevistas com as principais
organizações envolvidas. No sexto capítulo o caso das Chuvas de Abril é analisado
em maior profundidade.
6
Por fim, o sétimo capítulo apresenta as principais conclusões do estudo, além
de apontar suas principais limitações e as potenciais direções para a pesquisa no
futuro.
7
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
O objetivo da revisão de literatura é o de coletar e analisar referenciais
existentes relacionados com a logística humanitária, especificamente com o intuito
de identificar as principais capacitações e competências relacionadas com um
desempenho superior das operações humanitárias. Para alcançar este objetivo, o
primeiro passo é a identificação de palavras-chave a serem utilizadas nas buscas
bibliográficas.
Recentemente, o Emerald Group Publishing criou um novo periódico
acadêmico para a área de logística humanitária. Co-editado por autores influentes
da Logística Humanitária – Dr. Gyöngyi Kovács e a Dr. Karen Spens, da Hanken
School of Economics da Finlândia – o Journal of Humanitarian Logistics and Supply
Chain Management começou a ser publicado em 2011. Os tópicos sugeridos pelo
novo periódico serviram como palavras-chave para a busca de artigos e estão
listados abaixo:
Humanitarian logistics
Emergency logistics
Disaster relief operations
Supply chain management in disaster relief
Development aid logistics and supply chain management
Assessing and managing supply chain vulnerability
Managing supply chain disruptions
Measuring performance in humanitarian supply chains
Decision-making in humanitarian supply chains
Knowledge management and transfer in humanitarian supply chains
Information and communication technology for humanitarian logistics
Supply chain co-operation, integration and collaboration in the humanitarian
setting
8
Relationship management in humanitarian supply chains
Public-private partnerships in humanitarian logistics
Inter-organisational co-ordination across humanitarian supply chains
Crisis management
Civil-military co-operation in disaster relief
Humanitarian health care supply chains
Principles and theory of relief supply chain management
The role of donors and volunteers in humanitarian logistics
Non for profit-supply chains.
A busca bibliográfica foi realizada nas bases ProQuest, EBSCO, Science
Direct e através dos Periódicos Capes, que possui acesso a diversas outras bases.
A revisão de literatura indica que o estudo e a geração de conhecimento sobre
questões referentes à Logística Humanitária são recentes. The Logistics of Famine
Relief de Long e Wood (1995), por exemplo, é um dos poucos artigos da década de
1990 sobre o assunto, e suas referências são formadas em grande parte por
entrevistas e reportagens de jornal, indicando o estágio inicial de exploração
acadêmica do tema.
Nos últimos dez anos é notável o aumento na quantidade de artigos
publicados. Para Kovács e Spens (2007), o interesse de acadêmicos e profissionais
em logística humanitária é resultado do tsunami que atingiu a Ásia em 2004. Antes
deste evento a logística não recebia a atenção devida, sendo vista simplesmente
como uma tarefa secundária dentro das agências humanitárias (Van Wassenhove,
2006).
Como resultado da busca bibliográfica, obteve-se uma base literária com
cerca de 180 referências, sendo aproximadamente metade oriunda de fontes não
acadêmicas, como jornais, revistas e publicações governamentais, entre outras.
9
Este capítulo pretende explorar a literatura existente sobre logística
humanitária, com o intuito de compreender suas principais características e desafios
e identificar os principais referenciais acadêmicos existentes. O foco deste trabalho é
especificamente na gestão logística em casos de desastres naturais. Desta forma, a
produção acadêmica nesta área será analisada de forma mais aprofundada.
2.1 DEFINIÇÕES
Primeiramente, é importante a formalização de algumas definições
relacionadas com o tópico de logística humanitária. A revisão da literatura não
identificou uma terminologia única para a área, o que é compreensível devido à
recente abordagem do tema. O International Strategy for Disaster Reduction (ISDR),
das Nações Unidas, criou uma lista3 de definições para os termos utilizados na
gestão de riscos de desastres, disponível em oito idiomas (Inglês, Francês,
Espanhol, Árabe, Russo, Chinês, Japonês e Coreano). Alguns termos utilizados
nesse trabalho são apresentados na Tabela 1. A tradução para o Português foi
ajustada considerando as versões em Inglês e em Espanhol dos termos.
3 http://www.unisdr.org/eng/terminology/terminology-2009-eng.html, acessado em 22/01/2010
10
Tabela 1: Definições Relacionadas com a Logística Humanitária (fonte: United Nations, 2009)
Termo Definição
Ameaça
Um fenômeno, substância, atividade humana ou condição perigosa que pode causar a perda de vidas, danos ou impactos à saúde, danos materiais, perda de meios de subsistência e de serviços, transtornos sociais e econômicos, ou danos ambientais.
Capacidade A combinação de todas as forças, atributos e recursos disponíveis dentro de uma comunidade, sociedade ou organização que podem ser usados para atingir as metas acordadas.
Desastre (ou Catástrofe)
Uma ruptura grave do funcionamento de uma comunidade ou uma sociedade, envolvendo perdas generalizadas de recursos humanos, materiais, econômicas e ambientais, que excede a capacidade da comunidade ou sociedade afetada de lidar com ela utilizando seus próprios recursos.
Gestão de Emergências
A organização e gestão de recursos e responsabilidades para abordar todos os aspectos de emergências, em particular a preparação, a resposta e as etapas de recuperação inicial.
Gestão de Riscos
A abordagem sistemática e prática de gerir a incerteza para minimizar potenciais danos e perdas.
Mitigação A redução ou limitação dos efeitos adversos de ameaças e desastres relacionados.
Planejamento de Contingências
Um processo de gestão que analisa possíveis eventos específicos ou situações emergentes que possam ameaçar a sociedade ou o meio ambiente, e estabelece regras prévias para permitir respostas adequadas e eficazes para esses eventos e situações.
Preparação
Os conhecimentos e as capacidades desenvolvidas por governos, organizações profissionais de resposta e recuperação, comunidades e indivíduos para efetivamente antecipar, responder e se recuperar dos impactos de eventos ou condições ameaçadoras prováveis, iminentes ou em curso.
Prevenção A tentativa de limitar totalmente os impactos negativos de ameaças e desastres relacionados.
Recuperação
A restauração e melhoria, onde necessário, das instalações, meios de subsistência e condições de vida das comunidades afetadas por desastres, incluindo esforços para reduzir os fatores de risco de desastres. Também chamada de reconstrução.
Resposta
A prestação de serviços de emergência e assistência pública, durante ou imediatamente após um desastre, a fim de salvar vidas, reduzir os impactos à saúde, garantir a segurança pública e atender às necessidades básicas de subsistência das pessoas afetadas.
Vulnerabilidade As características e circunstâncias de uma comunidade, sistema ou recurso que os tornam suscetíveis aos efeitos nocivos de uma ameaça.
11
As definições utilizadas pelas Nações Unidas são relevantes, pois sugerem
processos relacionados com a gestão de desastres: a gestão de riscos, a gestão de
emergências, a mitigação, o planejamento de contingências e a prevenção. É
possível, desta forma, identificar também as principais etapas da gestão: (1)
Preparação, (2) Resposta e (3) Recuperação. As definições presentes
relacionadas com os termos ameaça e desastre sugerem que existem diversas
fases, tipos e dimensões. A definição do termo capacidade, por outro lado, traz
consigo a noção dos recursos, competências centrais e capacitações necessários na
gestão de desastres para um superior desempenho operacional.
Apesar de sua contribuição inicial, essa lista não possui uma dimensão
fundamental para este trabalho: logística. O termo, que surgiu na área militar, é
amplamente utilizado em empresas e há tempos estudado por acadêmicos. A
definição utilizada pelo Council of Supply Chain Management Professionals
(CSCMP) para o termo logística é:
“O processo de planejar, executar e controlar procedimentos para o transporte e armazenagem eficientes e eficazes de mercadorias, incluindo serviços e informações relacionadas, do ponto de origem até o ponto de consumo com o intuito de atender aos requisitos dos clientes. Esta definição inclui movimentos de entrada e saída, interna e externa.”4
Para o setor de ajuda humanitária, a logística é formada pelos processos e
sistemas envolvidos na mobilização de recursos, habilidades e conhecimento com o
objetivo de ajudar pessoas vulneráveis afetadas por desastres (Van Wassenhove,
2006, p.476).
4 www.cscmp.org/digital/glossary/glossary.asp, acessado em 23/01/2010
12
2.2 LOGÍSTICA HUMANITÁRIA – UMA VISÃO GERAL
Thomas e Kopczak (2005, p.2) formalmente definem a logística humanitária
como o processo de planejar, implementar e controlar de forma eficiente o
fluxo e o armazenamento de bens, materiais e informações relacionadas do
ponto de origem até o ponto de consumo, com o intuito de aliviar o sofrimento
de pessoas em situações vulneráveis. Essa definição ampla permite que a
logística humanitária seja utilizada como um termo abrangente para um conjunto
misto de operações (KOVÁCS e SPENS, 2007).
Kovács e Spens (2009) afirmam que a logística humanitária lida com diversos
tipos de desastres, como terremotos, tsunamis, furacões, epidemias, secas, fome,
ataques terroristas, situações de guerra e de uma combinação de várias catástrofes
que podem ocorrer simultaneamente. Desta forma, os eventos podem ser naturais
ou criados pelo próprio ser humano.
Van Wassenhove (2006, p.476) definiu desastres como sendo “uma
perturbação que afeta fisicamente um sistema e ameaça suas metas e prioridades”
e propôs uma classificação para eles, em termos de origem e rapidez de impacto
(Tabela 2).
Tabela 2: Tipologia de Desastres (Van Wassenhove, 2006)
Natural Provocado pelo homem
Início repentino
Terremoto
Furacão
Tornado
Ataque terrorista
Golpe de estado
Vazamento de produtos químicos
Início lento
Fome
Seca
Pobreza
Crise Política
Crise de refugiados
13
O autor ressalta que as guerras não foram incluídas como um tipo de evento.
De acordo com Van Wassenhove (2006), a maioria das agências humanitárias não
age enquanto uma guerra ainda está em curso. Long e Wood (1995) relatam,
inclusive, as dificuldades dos funcionários de agências humanitárias em situações
de guerra. Com o fim do conflito, que pode ser sucedido por fome e pobreza, as
agências voltam a atuar (VAN WASSENHOVE, 2006; KOVÁCS e SPENS, 2009).
Desastres de início repentino têm um maior impacto na infraestrutura local
(LONG e WOOD, 1995) e, devido à sua rapidez, requerem uma resposta
extremamente rápida. Como descrito por Van Wassenhove (2006), no início de uma
resposta humanitária, a prioridade estratégica é velocidade e agilidade em
detrimento à minimização de custos, pois as primeiras 72 horas são cruciais no
desempenho de operações humanitárias. Nesse caso, a identificação de gargalos
nos processos que dificultem ou aumentem os tempos de ciclo e a avaliação das
possibilidades de uso da infraestrutura remanescente após o acontecimento do
evento é um grande desafio para a logística humanitária (KOVÁCS e SPENS, 2009).
Por outro lado, é mais fácil prever e se preparar para desastres de início lento
(KOVÁCS e SPENS, 2009). No entanto, como eles recebem muito menos atenção
na mídia e, portanto, menos doações, as restrições financeiras são muito maiores
(VAN WASSENHOVE, 2006).
O papel da logística humanitária, nesse caso, é criar, com os recursos
disponíveis, um ambiente propício para a reconstrução, além de atender às
necessidades básicas das pessoas afetadas (KOVÁCS e SPENS, 2007). Isso
também pode ser necessário após desastres de início repentino. Os primeiros 90 a
100 dias tornam-se uma mistura entre ser eficaz para ajudar as pessoas e fazer isso
14
a um custo razoável (VAN WASSENHOVE, 2006). Desta forma, o referencial
acadêmico sugere uma distinção entre a logística humanitária e a logística
empresarial.
A base internacional de dados sobre desastres, EM-DAT5, utiliza uma
classificação similar à de Van Wassenhove (2006) em relação à origem do desastre,
mas não em relação ao tempo. Os desastres são classificados simplesmente como
naturais ou tecnológicos, como pode ser visto na Tabela 3.
Tabela 3: Classificação da Base de Dados EM-DAT para Desastres
Desastres Naturais Desastres Tecnológicos
Seca
Terremoto (atividade sísmica)
Epidemia
Temperatura extrema
Enchente
Infestação de insetos
Deslizamento de terra seco
Deslizamento de terra molhado
Tempestade
Vulcão
Incêndio (de origem natural)
Acidente industrial
Acidente de transporte
Outros (e.g. incêndio, explosão, desabamento)
Fonte: www.emdat.be, acessado em 16 de janeiro de 2010
As causas, os efeitos e a dimensão das catástrofes variam amplamente, assim
como as organizações envolvidas na mitigação e/ou prestação de socorro,
representando desafios para logística humanitária (KOVÁCS e SPENS, 2009). Os
autores classificam os desafios encontrados pela logística humanitária entre tipos,
fases e organizações:
5 www.emdat.be, acessado em 16/01/2010
15
Tipos: diferentes tipos de desastres estão associados a diferentes regiões
geográficas. Eles podem ter maior ou menor previsibilidade e serem mais ou
menos complexos dependendo deste fator geográfico, de sua origem (natural
ou provocado pelo homem) e de sua natureza (terremoto, tempestade, golpe
de estado, etc.). Por exemplo, temporais são desastres de início repentino,
mas, como são cíclicos, é possível se preparar para eles. Por outro lado
existe um padrão de desastres de início lento na África, como a fome, porém
aqueles que são resultado de conflitos armados são considerados
emergências complexas (KOVÁCS e SPENS, 2009).
Fases: as diferentes fases do desastre são determinantes do modal que será
utilizado (geralmente pelo ar nos primeiros momentos após o desastre e por
rodovia durante a reconstrução) e das organizações que estarão envolvidas
(KOVÁCS e SPENS, 2009).
Organizações: as organizações que prestam assistência na preparação e
após desastres variam em termos de tamanho, presença local e papel. Dessa
forma, os tempos de resposta ao desastre e os limites de capacidade
operacional são diferentes. Além disso, as organizações competem por fontes
de financiamento e atenção na mídia, tornando a colaboração entre elas
ainda mais difícil (KOVÁCS e SPENS, 2009).
Devido aos desafios que enfrenta, a logística humanitária, assim como a
logística empresarial, requer processos para o gerenciamento do fluxo de materiais,
informação e recursos financeiros (ERNST, 2003). No entanto, estudiosos afirmam
que a forma com a qual a logística é encarada nas organizações de ajuda
humanitária lembra o setor privado de 15 a 20 anos atrás, quando a logística não era
reconhecida como uma função importante e acabava recebendo poucos
16
investimentos (VAN WASSENHOVE, 2006; THOMAS e KOPCZAK, 2005). Por isso,
muitos trabalhos acadêmicos buscam comparar a logística humanitária com a
logística empresarial, ou, ainda, aplicar e adaptar conceitos da logística empresarial
na logística humanitária (e.g. OLORUNTOBA E GRAY, 2006).
Os avanços na logística empresarial podem ser uma fonte rica em
conhecimento para a logística humanitária, bem como o oposto. Desta forma, antes
de aplicar os conceitos e referenciais desenvolvidos na logística empresarial é
importante diferenciar as duas áreas. Este é o objetivo da próxima seção.
2.2.1 Principais Diferenças entre a Logística Empresarial e a Logística
Humanitária
As diferenças entre a logística empresarial e a humanitária se iniciam em
suas metas e objetivos estratégicos. Em uma cadeia de suprimentos empresarial,
três objetivos estratégicos costumam ser perseguidos de forma a melhorar seu
desempenho geral: a redução de custos, a redução do capital investido e a melhoria
dos serviços prestados. Reduzir custos significa minimizar os custos associados à
movimentação e ao armazenamento de forma a tornar a operação mais eficiente. O
objetivo de redução de capital concentra-se em minimizar os investimentos em
logística, maximizando o retorno sobre os ativos utilizados para as atividades
logísticas. Já a melhoria do serviço visa maximizar o valor entregue ao cliente,
aumentando, assim, a receita da empresa (STOCK e LAMBERT, 2001; BALLOU,
2003; BOWERSOX ET AL, 2007).
17
Dessa forma, o objetivo principal de uma cadeia de suprimentos empresarial
pode ser definido com base no retorno financeiro proporcionado aos acionistas e no
valor entregue aos clientes, ou seja, através da geração de lucro e de produtos ou
serviços de qualidade que correspondam ou superem as expectativas dos clientes
(STOCK e LAMBERT, 2001; BALLOU, 2003; BOWERSOX ET AL, 2007).
Cadeias de suprimentos cujo elemento crítico é o tempo, como aquelas
formadas após a ocorrência de um desastre, são particularmente diferentes no
sentido de que há uma prioridade urgente de maximizar o serviço (entrega rápida de
comida, água e abrigo, vacinas, redução do sofrimento humano, fornecimento de
tratamento médico, criação de infraestrutura temporária, campanhas de marketing,
etc.), considerando as restrições financeiras. Situações como estas precisam
considerar estratégias de antecipação aos eventos, pois as cadeias de suprimentos
precisam ser ágeis, adaptáveis e alinhadas (VAN WASSENHOVE, 2006, p.486).
Essa competência central de muitas organizações humanitárias que atuam no
socorro a vítimas de desastres poder servir de exemplo para empresas do setor
privado no aperfeiçoamento de sua própria competitividade.
No entanto, as cadeias de suprimentos comerciais são geralmente bem
coordenadas e estabelecidas, enquanto as humanitárias são normalmente instáveis
(OLORUNTOBA e GRAY, 2006), além de serem temporárias (JAHRE ET AL, 2009),
no sentido de que são formadas especificamente para um evento e posteriormente
desfeitas. Os desafios logísticos encontrados em operações humanitárias impõem
maiores restrições gerenciais quando comparados com a logística empresarial
(MURRAY, 2005). Geralmente, fluxos logísticos humanitários devem ser efetuados
com a infraestrutura local devastada e opções restritas de transporte, tendo em vista
que alguns modais como aviões de carga e caminhões podem não ser capazes de
18
alcançar a área atingida (MURRAY, 2005). Além disso, existem também obstáculos
causados pelo homem. Em zonas de conflito, por exemplo, forças rebeldes podem
tentar obstruir a passagem de materiais (MURRAY, 2005), dificultando também o
escoamento de fluxos de materiais e de informação.
Esses são apenas alguns dos muitos desafios que os profissionais de
logística enfrentam no setor humanitário e que geralmente não estão presentes em
cadeias de suprimentos comerciais. Thomas e Kopczak (2005) identificaram outros
cinco desafios comuns que a logística humanitária enfrenta: (1) falta de
reconhecimento da importância da logística; (2) falta de pessoal profissional; (3) uso
inadequado de tecnologia, (4) falta de aprendizagem institucional e (5) colaboração
limitada entre as agências.
Para Ernst (2003), a diferença fundamental entre a logística humanitária e a
logística empresarial está na motivação estratégica para a melhoria do processo
logístico, que no caso da logística humanitária não gira simplesmente em torno do
lucro. Existe um maior nível de complexidade na gerência das operações
humanitárias, que devem considerar um maior número de parceiros e atores na
cadeia, além de um maior número de conexões horizontais e verticais (Banomyong,
Beresford e Pettit, 2009). A falta de reconhecimento da importância estratégica da
logística se deve principalmente ao foco no curto prazo, pressão existente pelos
próprios doadores. Funções de apoio e suporte (como é vista a logística), sistemas e
processos que permitiriam reduzir despesas ou realizar operações de forma mais
eficaz no longo prazo acabam recebendo uma parcela limitada de investimento e
atenção gerencial (THOMAS e KOPCZAK, 2005).
19
Com relação ao desenvolvimento de recursos humanos, aqueles que optam
por uma carreira em agências de ajuda humanitária são, geralmente, movidos pelo
desejo de ajudar e fazer o bem ao próximo (THOMAS e KOPCZAK, 2005). Thomas
e Kopczak (2005) afirmam que tais pessoas atingiram suas posições por tentativa e
erro, adquirindo suas valiosas habilidades logísticas através da experiência em
vários desastres durante várias décadas, e que pouco é efetivamente adquirido em
termos de uma educação profissional formalizada. Devido à intensidade dos
esforços de assistência, à alta rotatividade e à natureza da resposta a catástrofes, é
criado um ambiente onde a falta de aprendizagem institucional é comum (THOMAS
e KOPCZAK, 2005). A taxa de rotatividade de emprego nas agências humanitárias é
estimada em cerca de 80% por ano (THOMAS e KOPCZAK, 2005).
Tecnologia de Informação é extensamente utilizada para rastrear bens em
cadeias de suprimentos comerciais. Nas cadeias humanitárias, no entanto, apenas a
minoria das agências utilizam a tecnologia de uma forma mais profunda. De acordo
com Thomas e Kopczak (2005), 74% das pessoas que atuaram na área de logística
durante as operações de resgate após o tsunami que atingiu a Ásia em 2004
utilizavam tabelas Excel ou processos manuais para atualizações e rastreamento de
bens.
Por fim, a colaboração limitada entre as agências, que é o último desafio
citado por Thomas e Kopczak (2005), é talvez a questão mais severa no contexto da
ajuda humanitária. É comum as agências disputarem doações, em vez de
colaborarem entre si para prover um melhor atendimento às vítimas, já que o
consumidor das cadeias de suprimento humanitárias não é aquele que sustenta a
agência financeiramente. O verdadeiro “cliente” das agências humanitárias são os
doadores, e não os beneficiários (OLORUNTOBA e GRAY, 2006). As agências
20
precisam mostrar aos doadores que estão trabalhando efetivamente, por isso muito
se faz em termos de provisão de alimentos e medicamentos, que têm mais
visibilidade frente aos doadores, mas a compra de equipamentos importantes como
empilhadeiras e sistemas computacionais, que melhorariam o fluxo de materiais,
mas não possuem o mesmo apelo, acaba sendo deixada em segundo plano
(OLORUNTOBA e GRAY, 2006). A pressão deste grupo de interesse
substancialmente afeta a eficácia e eficiência das operações humanitárias.
Outra questão importante é a dificuldade de antecipação aos eventos devido
à alta variabilidade da demanda. Como os desastres são imprevisíveis, a demanda
por ajuda pode surgir a qualquer momento, local e em qualquer escala (MURRAY,
2005). Algumas organizações humanitárias posicionam suprimentos em alguns
armazéns espalhados pelo mundo, mas como não se sabe onde ele será
necessário, muitas vezes tais suprimentos precisam ser transportados por longas
distâncias (MURRAY, 2005). Questões como a perecibilidade dos produtos também
dificultam a situação.
Enquanto as empresas podem escolher onde localizar armazéns e estoques
de forma a melhorar a eficiência de suas cadeias de suprimentos, organizações
humanitárias praticamente precisam construir suas cadeias instantaneamente e
correr contra o relógio para que os suprimentos cheguem o mais rápido possível aos
beneficiários, já que o tempo pode determinar a diferença entre vida e morte. Além
disso, é comum agências de ajuda humanitária terem que lidar com doações
inapropriadas ou produtos fora da validade. Muitas agências levam consigo
incineradores para destruir os itens indesejados que podem atrapalhar o fluxo de
materiais (MURRAY, 2005).
21
A Tabela 4 apresenta um resumo comparativo da discussão apresentada
nesta seção, destacando as principais diferenças entre a Logística Humanitária e a
Logística Empresarial.
Tabela 4: Comparação entre Logística Empresarial e a Logística Humanitária
Logística Humanitária Logística Empresarial
Objetivo Organizar a cadeia de suprimento e assistência humanitária em regiões afetadas por desastres.
Reduzir custos logísticos e manter um adequado nível de serviço.
Elemento crítico
Tempo Custo
Duração Cadeias de suprimento humanitárias são temporárias.
Cadeias de suprimento comerciais não são temporárias.
Recursos Alta taxa de turnover, restrição de recursos financeiros e infraestrutura destruída.
Maior retenção de recursos humanos, melhor planejamento financeiro e melhores condições de infraestrutura.
Relação com clientes
Beneficiários da ajuda não são os que geram receita, o financiamento depende de recursos do governo, no caso dos órgãos públicos, e de doações, no caso das ONGs.
O foco da empresa está no cliente, que recebe o bem ou serviço e é o mesmo que gera receita.
Gestão do fornecimento
Como os desastres são imprevisíveis a gestão do fornecimento se torna mais complexa.
Melhor gestão da demanda e, conseqüentemente, do fornecimento. Empresas costumam firmar contratos e parcerias com fornecedores de itens estratégicos.
Utilização de tecnologia
Muito limitado, já que investimentos em tecnologia são reduzidos devido ao foco no curto prazo.
Utilização de sistemas e outras tecnologias que permitem maior controle das operações e menores custos são um imperativo no ambiente empresarial.
Busca por melhoria
Defasagem de 15 a 20 anos em relação à logística empresarial. Investimentos são reduzidos.
Empresas costumam buscar melhorias continuamente, avaliar seu desempenho através do uso de indicadores e realizar ações para melhorá-los.
2.2.2 Interrelação entre a Logística Empresarial e a Logística Humanitária
A partir da discussão apresentada na seção anterior, o objetivo desta seção é
o de explorar os pontos de interseção entre as duas áreas.
22
Muitos estudos procuram soluções para a complexa gestão das cadeias de
suprimentos humanitárias na literatura existente sobre cadeias de suprimento
comerciais. Porém, apesar dos avanços gerenciais realizados no âmbito
empresarial, as agências humanitárias não utilizam as soluções empresariais
desenvolvidas, perdendo desta forma grandes oportunidades de aumento de
eficiência e eficácia (VAN WASSENHOVE, 2006).
Uma colaboração mais próxima entre os setores da logística humanitária,
logística empresarial e acadêmicos pode facilitar a criação de cadeias de
suprimentos melhores e mais eficazes para lidar com as complexidades logísticas no
contexto atual, seja no setor privado ou amenizando o sofrimento das pessoas
afetadas por desastres (VAN WASSENHOVE, 2006; KOVÁCS e SPENS, 2007). A
motivação desta colaboração está na necessidade de desenvolvimento de um
modelo de referência acadêmico que considere os processos de gerenciamento da
cadeia de suprimentos necessários para um superior desempenho da logística
humanitária (BLECKEN ET AL, 2009).
Apesar das diferenças, muitos autores acreditam que o estudo do setor
humanitário pode se desenvolver através da análise de práticas comerciais em
ambientes similares (MURRAY, 2005). A terceirização, por exemplo, já está presente
no contexto humanitário, já que algumas agências de ajuda possuem acordos de
compra com fornecedores de artigos básicos, como medicamentos, tendas, lonas e
cobertores, além de prestadores de serviços (MURRAY, 2005).
As operações humanitárias ocorrem geralmente em ambientes onde a
infraestrutura é precária e há alta rotatividade de recursos humanos (VAN
WASSENHOVE, 2006). Grande parte da teoria subjacente a processos de negócios
23
da cadeia de suprimentos é semelhante, embora não necessariamente diretamente
transferível para o contexto humanitário, devido a uma variedade de fatores,
incluindo financiamento, emprego, localização, instabilidade política e física, e falta
de conhecimentos fundamentais em situações de emergência (TAYLOR e PETTIT,
2009).
Existe, no entanto, uma tendência de aceleração da logística empresarial em
vários setores da economia, resultando na criação de conceitos chamados de
estratégias baseadas no tempo (MUILERMAN ET AL, 2005). Essa tendência de
aceleração pode ser exemplificada pelo surgimento de arranjos comerciais como:
gestão baseada em tempo, manufatura enxuta, gestão de alta velocidade,
compressão do tempo de ciclo, tempo de ciclo rápido, produção ágil, etc. Exemplos
comumente encontrados são: o Just in Time (JIT) e a resposta eficiente ao
consumidor (ECR) (MUILERMAN ET AL, 2005). Conhecimentos obtidos na
aplicação destas práticas comerciais podem servir de fonte de conhecimento para o
planejamento e a organização de operações humanitárias.
Por outro lado, as características geralmente encontradas nas agências
humanitárias, como agilidade, adaptabilidade e flexibilidade, são cada vez mais
necessárias nas cadeias de suprimentos comerciais (BEAMON e BALCIK, 2008).
Ernst (2003) compara o exemplo de inovação em logística do Wal-Mart, com os
resultados alcançados por agências humanitárias como a World Food Programme
(WFP), a World Vision, a Oxfam, a Cruz Vermelha, entre outras. Segundo o autor, o
setor privado deveria olhar as práticas dessas instituições humanitárias com um
mais detalhado objetivo de benchmarking (ERNST, 2003).
24
Além da troca de conhecimento, as duas áreas logísticas podem ainda
cooperar entre si. Parcerias entre empresas privadas e agências humanitárias estão
crescendo (MURRAY, 2005). O conceito de responsabilidade corporativa leva
muitas empresas a realizarem ações que há tempos atrás seriam consideradas não
lucrativas. A TNT, por exemplo, ofereceu sua expertise em logística para o World
Food Programme (WFP) das Nações Unidas, através do desenvolvimento de um
sistema para auxiliar o transporte e a armazenagem de alimentos (MURRAY, 2005).
Desta forma, a revisão da literatura indica um promissor caminho na
adaptação, combinação, e consolidação dos conhecimentos da logística empresarial
e logística humanitária. A próxima seção descreverá as principais características
estruturais da cadeia de suprimentos humanitária.
2.3 A CADEIA DE SUPRIMENTOS HUMANITÁRIA
Considerando o cenário encontrado pelas agências humanitárias em locais
afetados por desastres é possível considerar que a logística deveria ter um
importante papel estratégico dentro dessas organizações. No entanto, a logística
não é reconhecida como uma função importante e acaba recebendo poucos
investimentos e atenção gerencial (VAN WASSENHOVE, 2006; THOMAS e
KOPCZAK, 2005). As cadeias de suprimentos humanitárias são, porém, aquelas que
necessitam de maior rapidez, agilidade e flexibilidade para serem capazes de reduzir
ao mínimo o tempo entre a detecção e a resposta ao evento (THOMAS e
KOPCZAK, 2005). Tais cadeias de suprimento, no entanto, necessitam de
investimentos em setores críticos como recursos humanos e tecnologia de
informação.
25
Beamon e Balcik (2008) se referem a cadeias de suprimentos humanitárias
como humanitarian relief chains, ou cadeias de ajuda humanitária, cujo objetivo é
prestar assistência humanitária na forma de alimentos, água, remédios, abrigo e
suprimentos para as áreas afetadas por emergências de grande escala. As autoras
detalham as características principais dos fluxos físicos envolvidos na logística
humanitária. Assim, como nas cadeias de suprimentos comerciais, fluxos materiais
transitam pela cadeia em etapas – de curta ou longa distância – até chegarem ao
beneficiário final (BEAMON e BALCIK, 2008).
De uma maneira mais detalhada, os suprimentos partem de diversas
localidades para um armazém centralizador principal – geralmente localizado
próximo a um porto ou aeroporto – e consistem, principalmente, de estoques pré-
posicionados em armazéns, aquisições feitas de fornecedores e doações de comida
e outros itens de necessidade básica (BEAMON e BALCIK, 2008). Em seguida, os
suprimentos são enviados para um segundo armazém, em geral localizado em uma
cidade grande, onde são armazenados, classificados e transferidos para os centros
de distribuição locais, ou armazéns terciários. E, por fim, os bens são distribuídos
para quem os necessita (BEAMON e BALCIK, 2008). Bens adquiridos de
fornecedores locais também podem entrar pelos armazéns secundários ou terciários
ou ainda serem distribuídos diretamente para a população afetada (BEAMON e
BALCIK, 2008). A estrutura da cadeia de suprimentos com relação a seus fluxos
físicos descrita por Beamon e Balcik (2008) está resumida na Figura 3.
26
Figura 3: Cadeia de Suprimentos Humanitária (Beamon e Balcik, 2008, p.9)
É possível perceber que a cadeia de suprimentos humanitária sugerida por
Beamon e Balcik (2008) ressalta a operação de distribuição de materiais até o
beneficiário final. – mostrando inclusive a parte denominada last mile distribution (a
distribuição final na “última milha”, caracterizada por volumes fragmentados e área
geográfica dispersa). Ficam claras as etapas que os materiais percorrem até atingir
seus destinos, e é intuitivo pensar que cada etapa requer meios de transporte
diferentes. As autoras não deixam claro, no entanto, quais são os recursos
necessários para a realização destes fluxos físicos.
Oloruntoba e Gray (2006), por outro lado, têm uma visão mais ampla e com
maior ênfase no fluxo financeiro entre os atores envolvidos na cadeia (Figura 4),
porém sem o detalhe da operação de distribuição que Beamon e Balcik (2008)
apresentam.
Ponto de entrada(hub 1)
Doações
Armazéns(itens pré-posicionados)
Fornecedores(itens comprados)
Armazém central (hub 2)
Centro de distribuição local (hub 3)
Centro de distribuição local (hub 3)
Last miledistribution
Fornecedores locais
27
Figura 4: Cadeia de Suprimentos Humanitária (Oloruntoba e Gray, 2006, p.116)
Os governos de vários países fazem doações para regiões afetadas por
desastres através de agências internacionais, como as Nações Unidas (ONU). As
agências internacionais ficam geralmente responsáveis por uma parte da ajuda – a
World Food Programme (WFP), por exemplo, pode ser responsável pelo suprimento
de alimentos. Em determinado ponto da cadeia a responsabilidade é passada para
outras organizações (internacionais, locais ou comunitárias) que levam a ajuda até
quem necessita. Os autores enfatizam, porém, que não há uma forma única de
cadeia de suprimentos humanitária. Diferente da abordagem multilateral da figura
acima, muitos relacionamentos são bilaterais (país a país) e, além disso, a ajuda não
passa necessariamente por todas as etapas, como representado pelas linhas
pontilhadas (OLORUNTOBA e GRAY, 2006).
A literatura, desta forma, aponta para a heterogeneidade das cadeias de
suprimento humanitárias. Seja qual for sua estrutura, no entanto, uma questão
importante sempre a distingue das cadeias de suprimentos comerciais: elas são
temporárias (JAHRE ET AL, 2009). Quando um desastre ocorre há sempre um
processo de criação e, posteriormente, um processo de “destruição” da cadeia de
suprimentos. Como o tempo é um elemento crítico, a divisão de responsabilidades e
Governo doadorAgência
internacionalONGs
internacionais
ONGs locais
Organizações baseadas na comunidade
(parceiros locais)
Consumidores (beneficiários)
28
a coordenação entre as organizações envolvidas são questões importantes que
podem e necessitam ser antecipadas.
Muitos estudos apontam a coordenação como o fator mais crítico na
preparação e resposta a desastres (e.g. BARBAROSGLU ET AL, 2002;
SCHOLTENS, 2008; TURNER, 2003). Uma ação coordenada depende da
colaboração entre os atores. Parece óbvia a necessidade de colaborar, já que os
atores buscam o mesmo objetivo (SCHOLTENS, 2008). No entanto, em grandes
crises organizações muito diferentes entre si estão presentes, o que dificulta a
coordenação (JAHRE ET AL, 2009).
Vale, portanto, explorar quem são esses atores para entender dificuldades e
oportunidades de coordenação. Este é o objetivo da próxima seção.
2.3.1 Atores da Cadeia de Suprimentos Humanitária
Diversas organizações participam de uma cadeia de suprimentos humanitária.
Kovács e Spens (2007) consideram que os atores dessa rede podem ser
categorizados em seis grupos: (1) doadores; (2) agências de ajuda; (3) outras
organizações não-governamentais; (4) governos; (5) forças armadas; e (6)
provedores de logística. Estas categorias de atores estão apresentadas na Figura 5.
29
Figura 5: Atores da Cadeia de Suprimentos Humanitária (Kovács e Spens, 2007, p.106)
O grupo dos doadores é formado por fundações, pessoas físicas e pelo setor
privado que fazem doações a organizações empenhadas na ajuda humanitária
(KOVÁCS e SPENS, 2007).
As agências humanitárias – ou agências de ajuda (aid agencies) – são
organizações que se dedicam à prestação de ajuda humanitária (THOMAS e
KOPCZAK, 2005), sejam elas organizações governamentais, como a americana
Federal Emergency Management Agency (FEMA) e a Defesa Civil brasileira;
organizações multilaterais, ou seja, entre dois ou mais governos, como as Nações
Unidas; ou ainda organizações não-governamentais (ONGs), como a Médicos Sem
Fronteiras (MSF). Kovács e Spens (2007) não especificam os integrantes do grupo
“outras organizações não-governamentais”, porém é possível inferir que são ONGs
de menor porte, locais ou regionais, que também auxiliam na prestação de ajuda.
Cadeia de Suprimentos Humanitária
Provedores de Logística
Forças Armadas
Governos
Doadores
Agências de Ajuda
Outras ONGs
30
Os governos envolvidos podem ser do local do desastre, de países vizinhos
e/ou de outros países, dependendo da escala (ou do impacto) do desastre, e agem,
muitas vezes, através das agências governamentais (KOVÁCS e SPENS, 2007).
Já as Forças Armadas, constituídas por exército, marinha e aeronáutica,
possuem capacitações importantes como planejamento, comunicação e logística,
conceito que surgiu inclusive no meio militar (KOVÁCS e SPENS, 2007).
As organizações de ajuda humanitária podem ser vistas como os
controladores das cadeias de suprimentos humanitárias globais (BEAMON e
BALCIK, 2008). É possível vê-las, portanto, de forma simplificada, como são
representados os controladores nas cadeias de suprimentos comerciais, sob a ótica
do fluxo de materiais, seguindo a seqüência: (1) fornecedores (no início do fluxo de
materiais), (2) organizações/agências humanitárias (ao centro, como as
controladoras da cadeia), e (3) “clientes” ou beneficiários (destino do fluxo de
materiais) – como pode ser visto na Figura 6.
Figura 6: Atores da Cadeia de Suprimentos Humanitária (Beamon e Balcik, 2008, p.9)
Os fornecedores, nesse caso, são os doadores (de materiais, alimentos e
dinheiro), os governos e os provedores de logística. A empresa TNT Logistics, por
exemplo, ajudou a World Food Programme (WFP) a distribuir alimentos para os
sobreviventes do tsunami que atingiu a Ásia em 2004 (DISNEY, 2007).
As agências humanitárias, as ONGs e as Forças Armadas, dependendo do
caso, costumam ter papel ativo, e são, portanto, os controladores da cadeia. No
FornecedoresAgências
HumanitáriasBeneficiários
31
Brasil, as principais agências de ajuda humanitária são a Defesa Civil e o Corpo de
Bombeiros, que estão presentes sempre que um desastre ocorre.
Segundo Thomas e Kopczak (2005), as agências internacionais de ajuda
humanitária podem ser discernidas em três categorias: (1) entidades das Nações
Unidas, como a World Health Organization (WHO) e a United Nations High
Commissioner for Refugees (UNHCR); (2) organizações internacionais, como a
Federação Internacional da Cruz Vermelha, que possuem escritórios em diversos
países e auxiliam os governos locais; e (3) organizações não-governamentais
globais, como a CARE e a World Vision, que também possuem escritórios em
diversos países, mas não são afiliadas com os governos locais.
Algumas das principais organizações envolvidas em desastres de grande
escala são:
World Food Programme (WFP) das Nações Unidas, que está focada
no aprovisionamento de alimentos para vítimas de desastres e distribui
anualmente alimentos para cerca de 100 milhões de pessoas6;
Federação Internacional da Cruz Vermelha (IFRC), que trabalha em
todas as fases da gestão de desastres (preparação, resposta e
recuperação)7;
Médicos Sem Fronteira (MSF), que é uma organização formada por
médicos e jornalistas e está focada na prestação de serviços de saúde
para vítimas de desastres8;
6 www.wfp.org
7 www.ifrc.org
8 www.msf.org
32
Fritz Institute, que trabalha em parceria com governos, organizações
sem fins lucrativos e empresas para facilitar a adoção das melhores
práticas de logística e utilização de tecnologia e promover resposta e
recuperação rápidas após desastres9;
Oxfam, formada por 14 organizações que trabalham nas fases de
resposta e recuperação após desastres naturais e conflitos10;
CARE, que é uma organização que luta contra a miséria e providencia
ajuda após desastres. O foco da organização é trabalhar com
mulheres, pois se acredita que munidas de recursos as mulheres são
capazes de ajudar suas famílias11;
World Vision, que é uma organização cristã dedicada ao trabalho com
crianças, famílias e comunidades para superar a pobreza e a
injustiça12; e
Save the Children, que é uma organização que se dedica a ajudar
crianças em países em desenvolvimento, nos Estados Unidos e após
desastres e conflitos13.
Por fim, os “clientes” são os beneficiários da ajuda, ou seja, as vítimas dos
desastres.
Os papéis exercidos por cada organização envolvida na gestão de desastres
variam em importância e escopo dependendo da fase em que o evento se encontra
– preparação, resposta ou recuperação. A fase de resposta é aquela que envolve o
maior número de organizações simultaneamente, pois exige um movimento rápido e
9 www.fritzinstitute.org, acessado em 05/02/2010
10 www.oxfam.org, acessado em 05/02/2010
11 www.care.org, acessado em 05/02/2010
12www.wvi.org, acessado em 05/02/2010
13 www.savethechildren.org, acessado em 05/02/2010
33
diversas frentes para salvar vidas e retomar a ordem nos locais atingidos. A fase de
preparação envolve em maior escala os órgãos do governo responsáveis por mitigar
os efeitos dos desastres que costumam ocorrer na região. Os principais órgãos de
resposta, como, por exemplo, os bombeiros, também precisam atuar na fase de
preparação, mas sua contribuição é naturalmente mais notável durante a resposta.
Por fim, a fase de recuperação tem maior envolvimento de órgãos ligados à
assistência social, habitação e meio-ambiente. Desta forma, a literatura indica uma
relação entre a fase do evento e as capacitações necessárias para ação.
2.3.2 Fluxos e Processos
Apresentados a estrutura e participantes das cadeias de suprimentos
humanitárias, o próximo passo é a compreensão de fluxos e processos que os
ligam. Assim como na logística empresarial, a logística humanitária pode ser vista
como o processo de gerenciar os fluxos financeiros, de materiais e de informações
da cadeia de suprimentos (ERNST, 2003; KOVACS e SPENS, 2007).
A maior parte do fluxo de doações (em forma de recursos financeiros e
materiais) parte dos países mais ricos do mundo para os países mais pobres, e sua
disponibilidade depende principalmente da dimensão do desastre e de sua
repercussão na mídia (THOMAS e KOPCZAK, 2005).
Os governos doadores são, naturalmente, atores importantes das cadeias
humanitárias, mas, recentemente, as fundações, os doadores individuais e o setor
privado têm se destacado como importante fonte de renda para as agências
humanitárias (KOVÁCS e SPENS, 2007).
34
De acordo com Day et al (2009), o lento fluxo de informação nas cadeias de
suprimentos humanitárias representa um grande obstáculo para coordenar a
alocação dos recursos necessários durante os esforços de mitigação e ajuda. Os
fluxos de materiais e de informação estão, portanto, bastante relacionados entre si.
A utilização adequada de tecnologia de informação é crucial para a coordenação
desses fluxos, porém muitas agências ainda utilizam processos manuais e simples
tabelas Excel para controlá-los (THOMAS e KOPCZAK, 2005).
Quando um desastre ocorre, as agências humanitárias realizam, geralmente,
três processos básicos: avaliação, aquisição e expedição (BEAMON e BALCIK,
2008). Primeiramente um colaborador da organização é enviado para o local para
dimensionar os danos e estimar a necessidade de suprimentos, o que costuma
ocorrer nas primeiras 24 horas da crise. O resultado é então comunicado à
organização que inicia o processo de aquisição (BEAMON e BALCIK, 2008).
O processo de aquisição em operações de ajuda humanitária pode ser
bastante diferente do que ocorre no setor privado, já que a cadeia de suprimentos é
formada ainda com conhecimento limitado sobre a dimensão do desastre, a
disponibilidade de recursos e a necessidade da população atingida, além de haver
uma grande quantidade de fornecedores cuja possibilidade de participação nos
esforços de ajuda é imprevisível (TOMASINI e VAN WASSENHOVE, 2004).
A compra de materiais deve ser realizada dos fornecedores mais próximos do
local do desastre para reduzir o tempo de resposta e a necessidade de transporte
(LONG e WOOD, 1995). Adquirir itens localmente também ajuda a economia da
região destruída, auxiliando, portanto, na sua recuperação (MURRAY, 2005). Além
disso, é necessário atentar para os hábitos alimentares locais. A WFP e a CARE, por
35
exemplo, no intuito de reduzir as dificuldades com o planejamento e compra de
alimentos, estabeleceram uma dieta genérica composta de alimentos aceitáveis para
diversos gostos locais e de fácil manuseio (LONG e WOOD, 1995).
Por fim, o processo de expedição depende do local do desastre, das
capacitações de expedição do fornecedor e do contrato negociado com a agência de
ajuda humanitária (BEAMON e BALCIK, 2008). Naturalmente, o estado da
infraestrutura local, abalada pelo desastre, determina o grau de complexidade da
atividade de distribuição e, conseqüentemente, o conjunto de modais mais
apropriados para o caso (MURRAY, 2005).
2.3.3 Centralização vs. Descentralização
Com relação à gerência de fluxos físicos, como evidenciado por Beamon e
Balcik (2008), as cadeias de suprimentos humanitárias geralmente possuem
instalações de armazenagem centrais (hubs) primários e secundários para
consolidar as doações de diversas origens, armazená-las, selecioná-las e,
finalmente, distribuí-las para os centros de distribuição mais próximos dos
beneficiários. Essa estrutura é importante por três motivos principais:
Gerenciar estoques de forma mais eficiente (OLORUNTOBA e GRAY, 2006);
Separar as doações que não são apropriadas daquelas que devem ser
encaminhadas às vítimas do desastre (LONG e WOOD, 1995); e
Transferir a carga para modais mais adequados dando continuidade à
distribuição até o beneficiário (MURRAY, 2005).
36
Os hubs locais são especialmente importantes para distribuição final, pois
quanto mais próximo ao local do desastre mais danificada tende a estar a
infraestrutura (MURRAY, 2005). Como será abordada a seguir, a última etapa da
distribuição, comumente denominada distribuição last mile, é uma etapa
especialmente crítica.
As agências humanitárias recebem diversos tipos de doações. Muitos dos
materiais doados, especialmente alimentos, não são apropriados para o consumo,
pois podem estragar facilmente ou estão violados. Doações de itens inadequados
são muito comuns, por isso é preciso sempre realizar um processo de triagem antes
de encaminhá-los ao destino final (LONG e WOOD, 1995).
2.3.4 Distribuição Last Mile
Os últimos quilômetros, ou a última milha (last mile), como costumam chamar
os estudiosos na área, é a parte que mais oferece desafios operacionais logísticos
(MURRAY, 2005). Nas operações de ajuda após o furacão Katrina, por exemplo,
mesmo alguns dias após o desastre, para percorrer a última milha até alcançar as
vítimas era preciso atravessar uma região alagada por água barrenta, por onde
apenas embarcações de pequeno porte, ou helicópteros, eram capazes de passar
(DEJOHN, 2005).
Ao se aproximar do destino, as estradas encontram-se, normalmente, mais
danificadas. Os carregamentos e os meios de transporte precisam ser menores e,
conseqüentemente, os custos relacionados aumentam (MURRAY, 2005;
MCCLINTOCK, 2009). No estágio final a distribuição pode ter que ser feita através
37
de tração animal, bicicleta ou até mesmo a pé (MCCLINTOCK, 2009). Estes
recursos de movimentação física, embora arcaicos, podem ser mais adequados às
restrições de infraestrutura.
2.3.5 Tecnologia de Informação e Sistemas de Desempenho
Com relação à utilização de tecnologia de informação, ela é considerada uma
ferramenta crucial para alavancagem de eficiência nas operações (MURRAY, 2005).
Assim como foi comprovado para as cadeias de suprimento comerciais, ela também
tem um substancial impacto nas cadeias de suprimentos humanitárias (SOWINSKI,
2003). A tecnologia é um alavancador fundamental em três áreas: sistemas de
mensuração de desempenho, sistemas de rastreamento de fluxos físicos, e sistemas
de gestão da informação/conhecimento.
Apesar das similaridades entre cadeias comerciais e humanitárias, há
singularidades fundamentais que levaram o Fritz Institute a desenvolver, em
conjunto com a Federação Internacional da Cruz Vermelha (IFRC), um sistema de
mensuração desempenho especialmente para a logística humanitária (SOWINSKI,
2003). Este sistema rastreia o fluxo de doações até o momento de sua entrega,
dando à organização uma visão integral do fluxo financeiro e de materiais
(MURRAY, 2005). Listas de fornecedores, detalhes sobre acordos de compras e
catálogos dos itens, que podem ser encontrados no sistema, permitem que as
compras sejam feitas via internet, ao invés de pelo telefone ou fax (MURRAY, 2005),
trazendo agilidade às operações. Segundo Sowinski (2003), o sistema aumentou a
eficiência, a comunicação e a visibilidade da cadeia para a IFRC. Murray (2005)
relata que estimativas da IFRC mostram que o sistema pode acelerar o tempo de
38
entrega dos materiais em até 30%. Esta aceleração nos processos, além de trazer
uma maior agilidade para as operações, é fundamental também para alavancar a
adaptabilidade em situações humanitárias.
Outro sistema de mensuração de desempenho desenvolvido especialmente
para o contexto humanitário é o sistema SUMA, desenvolvido pelo Pan American
Health Organisation (TOMASINI e VAN WASSENHOVE, 2004; MURRAY, 2005). De
acordo com Murray (2005), o sistema SUMA permite que os agentes humanitários
categorizem as doações rapidamente após sua chegada, gerenciem os centros de
distribuição e estabeleçam prioridades.
A iniciativa privada também tem utilizado novas tecnologias para rastrear
cargas e evitar rupturas provocadas por desastres em suas cadeias de suprimentos
(AICHLMAYR, 2003). Segundo Aichlmayr (2003), quatro tipos de selos eletrônicos
vêm sendo usados por empresas: RFID (Radio Frequency Identification),
infravermelho, contato direto e satélite (ou celular) de longo alcance, sendo o
primeiro o tipo mais comum.
Para Murray (2005), no entanto, sistemas de baixa tecnologia têm maior
potencial para aumentar a eficiência de cadeias de suprimento humanitárias. A
identificação por cores – como vermelho para alimentos e azul para vestuário – pode
ajudar a suavizar o fluxo dos suprimentos (MURRAY, 2005). Este ponto é bastante
relevante, pois numa situação de crise é provável que as infraestruturas ligadas ao
fornecimento de energia elétrica e comunicações estejam danificadas. Desta forma,
sistemas de baixa tecnologia são mais adequados que sistemas que necessitam de
eletricidade e telefonia/internet. Este ponto também está alinhado com recursos de
movimentação e transporte, limitação apresentada anteriormente.
39
Não obstante, tecnologias de gestão do conhecimento também mostraram
seu valor após os furacões Katrina e Rita (LAMONT, 2005). Durante as operações
de evacuação, por exemplo, muitos familiares e amigos foram separados uns dos
outros. Para contornar esta situação, o governo americano criou um endereço na
internet (www.firstgov.gov) que unia as listas de desaparecidos publicadas em
diversos outros endereços, além de trazer informações sobre organizações e
recursos governamentais que estavam disponíveis para os esforços de reconstrução
(LAMONT, 2005).
2.4 GESTÃO DA LOGÍSTICA HUMANITÁRIA EM DESASTRES NATURAIS
A gestão de desastres pode ser vista como um processo dividido em fases,
ou um conjunto de processos (LONG, 1997; NISHA DE SILVA, 2001; KOVÁCS e
SPENS, 2007). Kovács e Spens (2007) a descreveram em três fases principais: (1)
Preparação, (2) Resposta Imediata e (3) Reconstrução (Figura 7).
Figura 7: Fases da Gestão de Desastres (Kovács e Spens, 2007, p.101)
No Brasil, por exemplo, os planos diretores de defesa civil da Secretaria
Nacional de Defesa Civil abrangem programas específicos para os quatro chamados
“aspectos globais”: (1) prevenção de desastres; (2) preparação para emergências e
desastres; (3) resposta aos desastres; e (4) reconstrução. Os dois primeiros seriam
equivalentes à fase de “preparação” de Kovács e Spens (2007).
PreparaçãoResposta Imediata
Reconstrução
40
Outros autores preferem formas diferentes de se referir às fases dos
desastres, alguns de forma mais simplificada e outros de forma mais complexa.
Maon et al (2009) propõem um modelo de dois ciclos – o ciclo de prevenção e
planejamento e o ciclo de reação e recuperação. Nesse caso, os autores defendem
que sobreposições entre fases são comuns e, por isso, as fases deveriam ser
descritas como ciclos, e não como um processo contínuo (MAON ET AL, 2009).
Independente da forma de se descrever, a logística está presente em todas
as fases da gestão de desastres e em cada uma delas diferentes recursos e
habilidades são necessários (KOVÁCS e SPENS, 2007). Na fase de preparação, o
planejamento logístico é fundamental para a elaboração e execução de medidas de
prevenção e planos de evacuação quando é possível acompanhar a evolução do
fenômeno (KOVÁCS e SPENS, 2007). Durante a fase de resposta, a rapidez com
que os itens básicos de sobrevivência (como água, alimentos, itens de higiene e
remédios) alcançam as vítimas, pode significar milhares de vidas. Já na
reconstrução, o suporte da logística é necessário para otimizar a utilização dos
escassos recursos que normalmente são destinados à última fase.
Portanto, uma análise separada dessas diferentes fases torna-se necessária.
Este é o objetivo das próximas seções.
2.4.1 Preparação
Desastres naturais são difíceis de serem previstos, mas é notório que
algumas regiões são mais suscetíveis a eles que outras (KOVÁCS E SPENS, 2007).
Além disso, determinados tipos de desastres naturais ocorrem somente em algumas
41
regiões geográficas, como as erupções vulcânicas e os terremotos. Alguns
fenômenos ainda são cíclicos, como os temporais e ciclones (ou furacões). Na Costa
do Golfo, 97% dos temporais ocorrem entre 1º de junho e 30 de novembro, de
acordo com a agência do governo americano National Oceanic and Atmospheric
Administration (NOAA).
A base de dados do EM-DAT, apresentada anteriormente, mostra-nos um
padrão de ocorrência de desastres nos diferentes países do mundo (Figura 8). Para
as instituições privadas da região da Costa do Golfo, se preparar para os ciclones é
uma questão de boa prática empresarial, que é, inclusive, solicitada pelo governo
local que pede, por exemplo, a grandes distribuidores para aumentarem o nível de
estoques durante a temporada de furacões (LONGO, 2005). Na Austrália, sempre no
início da temporada de ciclones (que vai de novembro a abril), é realizada uma
campanha para lembrar a população sobre a necessidade de se preparar e como
fazê-lo (OLORUNTOBA, 2010).
42
Figura 8: Padrão de Ocorrências de Desastres por País (1970s-2000s)
Fonte: www.emdat.be, acessado em 16 de janeiro de 2010
No Brasil, de acordo com a mesma base de dados EM-DAT, deslizamentos
de terra, seca, fome e enchentes são os tipos mais comuns. Mas tratando-se de um
Número de Terremotos por País (1976-2005)
0 – 56 – 10> 10
Número de Avalanches/Deslizamentos por País (1974-2005)
0 – 34 – 1011 – 35
Número de Secas/Fome por País (1976-1985)
0 – 56 – 10> 10
Número de Epidemias por País (1974-2003)
0 – 67 – 2122 – 55
Número de Enchentes por País (1974-2003)
0 – 1516 – 60> 60
Número de Vulcões por País (1974-2003)
01 – 2> 2
Número de Tempestades por País (1974-2003)
0 – 1011 – 30> 30
43
país de dimensões continentais é possível verificar, ainda, padrões de desastre
através das regiões nacionais.
De acordo com a Secretaria Nacional de Defesa Civil, os desastres no Brasil
seguem o padrão:
Região Norte: incêndios florestais e inundações;
Região Nordeste: secas e inundações;
Região Centro-Oeste: incêndios florestais;
Região Sudeste: deslizamento e inundações;
Região Sul: inundações, vendavais e granizo.
A preparação para desastres é, portanto, algo não só possível, mas
fundamental de se fazer (LONGO, 2005), por isso mesmo esta é a fase mais
estudada dos desastres (KOVÁCS E SPENS, 2007).
A fase de preparação envolve, principalmente, a mitigação de riscos e a
elaboração de planos de ação em caso de desastres. Pela definição da International
Strategy for Disaster Reduction (ISDR) das Nações Unidas o termo mitigação é
definido como “a redução ou limitação dos efeitos adversos de ameaças e desastres
relacionados”, (UNITED NATIONS, 2009, p.19).
Trata-se, portanto, de ações como, por exemplo:
Reforçar diques de contenção, o que poderia ter evitado grande parte do
alagamento que sucedeu o furacão Katrina (US WHITE HOUSE, 2006);
Evitar a ocupação de encostas, que no caso do Rio de Janeiro é responsável
por grande parte dos deslizamentos de terra;
44
Instalar cabos de eletricidade por baixo da terra (e não suspensos) em
regiões que sofrem com tempestades recorrentes, que podem evitar quedas
de energia e acidentes com pessoas eletrocutadas (LONGO, 2005).
Assim como a mitigação, os planos de ação dependem, naturalmente, dos
desastres que tipicamente acontecem em uma determinada região. Locais próximos
a vulcões, como alguns lugares da Islândia, ou que passam por períodos de
tempestades/furacões, como a Costa do Golfo, precisam ter planos de evacuação
bem elaborados (NISHA DE SILVA, 2001; KOVÁCS E SPENS, 2007). O governo, as
empresas e as ONGs que atuam no local devem preparar tais planos (KOVÁCS e
SPENS, 2007).
Além disso, é possível planejar os itens que serão necessários após a
incidência de um desastre. Os principais itens demandados são: água, remédios,
comprimidos de cloração, tendas, cobertores e biscoitos de proteína para as
crianças desnutridas (DIGNAN, 2005). Algumas agências humanitárias compram tais
itens com tanta freqüência que desenvolveram relacionamentos mais fortes com
seus fornecedores e acordos de compra de longo prazo (KOVÁCS e SPENS, 2007).
Diversos sistemas e modelos foram desenvolvidos para tornar a resposta a
desastres mais ágil (KOVÁCS e SPENS, 2007). Hale e Moberg (2005)
desenvolveram um modelo processual de cinco fases para a localização de centros
de distribuição em lugares seguros. Özdamar et al (2004) fizeram um modelo de
planejamento para auxiliar nas decisões dinâmicas de como alocar materiais e
meios de transporte que se adapta a novas demandas e ofertas. Nisha de Silva
(2001) criou um modelo de evacuação que contempla, inclusive, questões
comportamentais e possíveis cenários. Chang et al (2007) focaram no caso
45
específico das enchentes para desenvolver uma ferramenta que auxilia na tomada
de decisão para agências governamentais que inclui variáveis como a estrutura das
organizações de socorro, localização de depósitos, alocação de recursos sob
restrições de capacidade e a distribuição dos recursos de emergência.
A maior parte da literatura sobre gestão de desastres e preparação para
emergências encontra-se, no entanto, em outras áreas de conhecimento, e não nas
áreas de logística e cadeia de suprimentos; muitas pesquisas são direcionadas para
agências governamentais, funcionários públicos e seguradoras (HALE e MOBERG,
2005). Mas a literatura sobre gestão de riscos em cadeias de suprimento comerciais
também é extensa e pode ser de grande contribuição para a logística humanitária.
Desde os ataques terroristas do dia 11 de setembro de 2001 nos Estados
Unidos, as empresas vêm intensificando a gestão de riscos em suas cadeias de
suprimentos, não só se prevenindo de desastres provocados pelo homem, como
também de desastres naturais (AICHLMAYR, 2003). Na academia, os estudos sobre
o assunto também se intensificaram; muitos foram os artigos publicados sobre riscos
de interrupções provocadas por desastres em cadeias de suprimentos comercias e
formas de evitá-las (e.g. HALE e MOBERG, 2005; RAO e GOLDSBY, 2009). Já
existe hoje, inclusive, uma certificação ISO que especifica os requisitos para um
sistema de gestão de segurança, incluindo os aspectos críticos para a garantia da
segurança da cadeia de suprimentos – o ISO/PAS 28000:200514 - o que reforça a
crescente importância que está sendo dada à gestão de riscos.
Cada vez mais novas tecnologias de rastreamento de cargas surgem no
mercado, como sensores de movimento, sensores de dióxido de carbono, detectores
14
Mais informações em www. iso.org
46
de radiação, dispositivos que avisam quando a porta do contêiner é aberta, câmeras
de vigilância, entre outros (AICHLMAYR, 2003). A fim de evitar rupturas e
interrupções em suas operações, as empresas estão realmente fazendo uso dessas
novas tecnologias (AICHLMAYR, 2003).
Uma contribuição interessante da literatura sobre gestão de riscos em cadeias
de suprimento comerciais é o modelo proposto por Hauser (2003). A autora criou um
modelo de sete fases para atingir o que chama de Risk-Adjusted Supply Chain
Management, ou gestão da cadeia de suprimentos ajustada ao risco, que ela explica
detalhadamente apresentando o exemplo de uma empresa (HAUSER, 2003). As
sete etapas são:
1. Identificação de processos e riscos;
2. Identificação de vulnerabilidades;
3. Refinamento do modelo financeiro;
4. Definição do portfólio de complexidades e riscos;
5. Finalização do modelo;
6. Desenvolvimento de iniciativas;
7. Medição de desempenho.
Hauser (2003) afirma, ainda, que uma gestão de riscos efetiva é um processo
holístico, que envolve representantes da gerência sênior e stakeholders das áreas
de finanças, operações, auditoria interna e gestão de riscos. A gestão de riscos na
cadeia de suprimentos não deve ser confundida, no entanto, com as operações de
resposta a desastres. Na verdade, gerir riscos na cadeia de suprimentos significa
manter um processo cada vez mais complexo que se move de forma eficiente com o
47
menor custo total e sem comprometer a qualidade do produto ou a satisfação do
cliente (HAUSER, 2003).
Também podem ser encontrados na literatura complexos modelos
matemáticos para o planejamento de estoques em casos de desastres e rupturas na
cadeia de suprimentos. Lodree e Taskin (2008), por exemplo, criaram um modelo
baseado no caso do vendedor de jornal que considera a incerteza da demanda e a
incerteza da ocorrência de um evento extremo que pode ser aplicado tanto para
cadeias de suprimento comerciais quanto para cadeias de suprimento sem fins
lucrativos.
2.4.2 Resposta
Uma vez que ocorre um desastre, os planos elaborados pelas agências de
ajuda são colocados em prática (KOVACS e SPENS, 2007). Nesta fase é velocidade
a qualquer custo, pois as primeiras 72 horas são cruciais (VAN WASSENHOVE,
2006). Desastres de grande escala exigem uma resposta rápida de um conjunto de
atores que devem colaborar entre si para criar uma cadeia de suprimentos que
fornece os bens necessários às vítimas, o mais rapidamente possível (BOIN ET AL,
2010).
Porém, com todas as complexidades envolvidas muitas vezes os planos de
ação não são seguidos (UHR ET AL, 2008) e a falta de coordenação e cooperação
entre atores provoca congestionamentos em estradas e aeroportos, além de
operações redundantes (SIMPSON, 2005).
48
A fase de resposta também possui uma extensa literatura no contexto
humanitário. Muito se fala sobre os desafios de se estabelecer uma cadeia de
suprimentos ágil, flexível e temporária, sobre a função crítica da cooperação entre
atores e sobre parcerias entre empresas privadas e agências humanitárias (LONG e
WOOD, 1995; TOMASINI e VAN WASSENHOVE, 2004; MURRAY, 2005; THOMAS
e KOPCZAK, 2005; VAN WASSENHOVE, 2006; BEAMON e KOTLEBA, 2006;
KOVACS e SPENS, 2007).
Após a ocorrência de uma catástrofe, as agências de ajuda local (ou global
dependendo da dimensão) enviam uma equipe de especialistas para realizar uma
avaliação inicial da extensão dos danos e o número de pessoas afetadas (THOMAS
e KOPCZAK, 2005; BEAMON e BALCIK, 2008). A avaliação constitui a base para a
elaboração de listas de itens específicos e as quantidades necessárias para prestar
socorro imediato às populações afetadas (THOMAS e KOPCZAK, 2005), mas essa
informação costuma ser bastante incerta e limitada, principalmente nos primeiros
momentos, por isso muitas ações são guiadas por suposições das necessidades das
pessoas afetadas (LONG e WOOD, 1995).
Muitas organizações possuem antecipadamente estoques de emergência de
produtos comumente necessários que são enviados a partir do armazém mais
próximo (THOMAS e KOPCZAK, 2005). Doadores tradicionais do governo e do
público são contatados como forma de garantir fundos para as operações de ajuda;
em seguida fornecedores e prestadores de serviços logísticos são mobilizados e as
mercadorias de todo o mundo começam a fluir (THOMAS e KOPCZAK, 2005).
Quando o abastecimento chega, transporte local, armazenagem e distribuição
devem estar organizados, o que é um feito enorme para realizar, dados os locais
49
remotos em que os desastres tendem a ocorrer, a singularidade das necessidades
de cada desastre em termos de conhecimentos e bens, e o fato de que o local do
desastre está muitas vezes num estado de caos, com estradas, aeroportos e pontes
destruídos, limitando a capacidade de distribuição (THOMAS e KOPCZAK, 2005).
Governos nacionais e locais, através do qual as organizações humanitárias
devem coordenar as suas atividades, podem ser, muitas vezes, gravemente
afetados, ou mesmo destituídos no caso de uma situação de conflito (THOMAS e
KOPCZAK, 2005).
Regiões menos desenvolvidas são ainda mais propensas a destruições de
grande escala. Desastres como terremotos e inundações são muitas vezes
ampliados devido a situações precárias de moradia e construções inadequadas
(KOVACS e SPENS, 2007).
Thévenaz e Resodihardjo (2010) buscaram resumir os fatores que impedem
uma resposta adequada após desastres naturais. Segundo as autoras os principais
fatores identificados são:
As características intrínsecas do desastre natural e a extensão das suas
conseqüências, como o escopo e a escala do desastre, a antecipação do
evento, a velocidade de ocorrência do desastre, entre outros fatores;
A organização da resposta à emergência em relação ao processo de tomada
de decisão e a coordenação interna e entre organizações;
As políticas de gestão de desastres adotadas pelos governos locais;
O ambiente social e econômico, que influencia diretamente no impacto do
desastre sobre a população; e
50
A abundância de recursos financeiros, que não pode ser generalizado já que
esse foi um fator que as autoras detectaram apenas no caso do tsunami que
atingiu a Ásia em 2004. Segundo Thévenaz e Resodihardjo (2010), a enorme
quantidade de organizações presentes na região resultou em uma resposta
fragmentada, com duplicação de esforços, confusões e reuniões de
coordenação que consumiam muito tempo.
Frente a tantas complexidades, a cooperação entre atores se torna um fator
crítico. As Nações Unidas, no sentido de promover um mecanismo de coordenação
entre agências de ajuda humanitária em desastres de grande escala, criou a United
Nations Joint Logistics Center (UNJLC), que agrega parceiros-chave dentro e fora da
ONU15.
Uma reposta bem sucedida também depende em grande parte das
capacitações locais e da colaboração do governo local em possibilitar a entrada de
pessoas e agências estrangeiras (VAN WASSENHOVE, 2006). Questões políticas
são grandes entraves para a ação das organizações de ajuda (MURRAY, 2005).
A última milha é o desafio final para as agências humanitárias nas operações
de resposta. Como nos quilômetros finais o acesso costuma ser mais difícil, o envio
de materiais em embalagens cujo tamanho e peso podem ser manuseados por uma
única pessoa é muito importante (MURRAY, 2005).
15
www.unjlc.org, acessado em 15/02/2010
51
2.4.3 Reconstrução
Por fim, como os desastres de grande escala podem destruir
substancialmente as moradias e a infraestrutura local, ou mesmo desencadear
desastres de início lento, como fome e epidemias, a fase de recuperação é
extremamente importante para reabilitar o local e promover o bem-estar da
população (VAN WASSENHOVE, 2006).
Esta é, porém, a fase que menos recebe atenção de estudiosos e da mídia.
Conseqüentemente, também é reduzido o número de doações e a contenção de
gastos se torna uma questão mandatória (KOVACS e SPENS, 2007).
A revisão de literatura aponta desafios desta fase que incluem:
A necessidade de reconstruir casas, pontes, hospitais, tudo isso sem o apoio
de uma infraestrutura de transporte, um enorme desafio para os engenheiros
civis (VILLIERS, 2008);
Promover o reencontro de familiares e amigos que foram separados pelo
desastre (LAMONT, 2005);
O aprovisionamento (de forma econômica) de alimentos, remédios, material
de construção e outros itens que ainda não estão disponíveis em
fornecedores locais (LAMONT, 2005); e
A reabilitação da economia local (MURRAY, 2005).
Uma boa gestão de desastres deve considerar os acertos e erros das fases
de resposta e reconstrução para que os planos de ação sejam atualizados e os
riscos que estiveram presentes mitigados (KOVACS e SPENS, 2007).
52
2.5 AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO
Apesar da importância das cadeias de suprimentos humanitárias, sistemas de
medição e medidas de desempenho não têm sido amplamente desenvolvidos e
implementados nessa área (MAON ET AL, 2009). Esta é uma grande limitação da
área de conhecimento. Sem a apropriada medição de desempenho e comparativo
histórico, o aprendizado e melhorias operacionais ficam comprometidos.
Vários fatores tornam a medição do desempenho uma tarefa difícil para as
organizações de ajuda humanitária. As próprias características do ambiente onde
elas atuam complicam ainda mais os esforços nesse sentido (BEAMON e BALCIK,
2008). A falta de instrumentos e processos de medição impede as agências de ajuda
humanitária de adquirirem uma percepção de seu próprio desempenho operacional
e de reterem as lições de operações anteriores (MAON ET AL, 2009). Sistemas
eficazes de avaliação de desempenho ajudariam profissionais da área em suas
decisões, contribuiriam para a melhoria da eficiência e eficácia das operações de
socorro e demonstrariam o desempenho da cadeia, aumentando, assim, a
transparência e a capacidade de prestação de contas na resposta a desastres
(BEAMON e BALCIK, 2008).
Alguns esforços promissores no desenvolvimento de sistemas de mensuração
de desempenho específicos para a logística humanitária foram apontados pela
revisão de literatura.
O departamento de logística da Federação Internacional da Cruz Vermelha
(IFRC), por exemplo, desenvolveu uma ferramenta chamada Development Indicator
Tool para orientar e monitorar diariamente a melhoria contínua do desempenho das
unidades regionais de logística (SCHULZ e HEIGH, 2009). Os objetivos da
53
ferramenta são: (1) ajudar a manter a direção certa e manter a organização a par de
todas as melhorias durante o ano, ressaltando as áreas e projetos que mais
impactam no desempenho; (2) promover a troca de boas práticas e gerar dados para
a tomada de decisões estratégicas; e (3) dar mais transparência aos doadores
informando-os sobre a eficiência e melhoria contínua da organização (SCHULZ e
HEIGH, 2009).
A ferramenta foi pensada com base no Balanced Scorecard (BSC) (SCHULZ
e HEIGH, 2009). Os indicadores são atribuídos às perspectivas do Serviço ao
Cliente, do Controle Financeiro, da Aderência Processual e da Inovação e
Aprendizado, dimensões parcialmente interligadas pela ferramenta (SCHULZ e
HEIGH, 2009). A Figura 9, retirada do artigo de Schulz e Heigh (2009), mostra a
interface da ferramenta.
Figura 9: Development Indicator Tool (Schulz e Heigh, 2009, p.1044)
54
Os indicadores utilizados são:
Serviço ao Cliente:
o Performance de entrega (%);
o Encomendas entregues no prazo (%);
o Estoques geridos por acordos de serviço (%);
o Relatórios mensais aos clientes no prazo (%);
Controle Financeiro:
o Desvio do orçamento da unidade (%);
o Desvio do orçamento de projetos (%);
o Turnover do serviço versus plano (%);
o Receita do serviço versus plano (%);
o Recuperação de custos (%);
Aderência Processual:
o Capacidade de estoque disponível para abastecer 5.000 famílias
em 48 h (segmentado por propriedade do estoque) (%);
o Capacidade de estoque disponível para abastecer 15.000
famílias em 14 dias (segmentado por propriedade do estoque)
(%);
o Giro de estoque de ajuda (número de giros);
o Aquisições utilizando o Software de Logística Humanitária (HLS)
(%);
o Veículos operacionais utilizando o IT-software Fleet Wave (%);
o Custo médio de aquisição por transação (CHF);
o Custo médio de armazenagem por m2 (CHF);
o Custo percentual médio de transporte sobre o custo total do
pedido para frete aéreo (%);
o Custo percentual médio de transporte sobre o custo total do
pedido para outros modais de transporte (%);
Inovação e Aprendizado:
o Desenvolvimento do pessoal (%);
o Tempo de projeto real versus tempo do projeto planejado (verde,
amarelo ou vermelho);
o Reporte/comunicação no prazo (verde, amarelo ou vermelho).
55
Beamon e Balcik (2008) adaptaram um modelo existente de avaliação de
desempenho em cadeias de suprimentos comerciais considerando as características
únicas do contexto humanitário. As métricas desenvolvidas pelas autoras são
divididas entre indicadores de recursos, indicadores de rendimento e indicadores de
flexibilidade (BEAMON e BALCIK, 2008). São eles:
Indicadores de Recursos:
o Custo total dos recursos utilizados ($);
o Custos gerais ($);
o Custo total de distribuição (considerando transporte e manuseio
de carga) ($);
o Investimento em estoque ($);
o Obsolescência e deterioração de estoque (%);
o Custo de pedido/setup ($);
o Custo de manutenção de estoques ($);
o Custo dos materiais ($);
o Número de trabalhadores por beneficiário (pessoas);
o Número de horas gastas diretamente na distribuição de ajuda
por número total de horas de trabalho (%);
o Dólares gastos por beneficiário ($/pessoa);
o Dólares recebidos de doadores por tempo ($/tempo);
Indicadores de Rendimento:
o Quantidade total de materiais distribuídos para beneficiários ($
ou quantidade);
o Quantidade total de cada tipo de material distribuído para
beneficiários ($ ou quantidade);
o Quantidade total de materiais distribuídos por região ($ ou
quantidade);
o Quantidade total de materiais distribuídos por beneficiário ($ ou
quantidade);
o Alcance da meta de fill rate (%);
o Fill rate médio por item (%);
56
o Probabilidade de stock-out (%);
o Número de pedidos em atraso (quantidade);
o Número de stock-outs (quantidade);
o Nível médio de pedidos em atraso (%);
o Tempo de resposta médio (tempo);
o Tempo de resposta mínimo (tempo);
Indicadores de Flexibilidade:
o Número de unidades individuais de materiais de primeira
necessidade que a organização pode providenciar no intervalo
de tempo após o desastre em que mais vidas são perdidas16
(quantidade);
o Tempo de resposta mínimo (tempo);
o Mix de produtos que a cadeia humanitária pode providenciar em
um determinado intervalo de tempo (quantidade).
Apesar dos avanços em métricas para avaliar o desempenho de cadeias de
suprimentos humanitárias, as organizações de ajuda não costumam utilizá-los
(MAON ET AL, 2009).
2.6 O MODELO 21st CENTURY LOGISTICS
As medidas de desempenho criadas para o ambiente humanitário são
complexas de serem avaliadas, principalmente quando se deseja avaliar a ação
conjunta de todas as organizações envolvidas.
Bowersox, Closs e Stank (1999) desenvolveram um modelo que abrange o
intervalo e a continuidade necessários para ligar os fornecedores (de matéria-prima
e recursos) aos clientes finais em cadeias de suprimentos comerciais. O modelo
referencial 21st Century Logistics explora a integração/coordenação de fluxos e
16
Depende do tipo de desastre
57
processos considerando os contextos: (1) operacional; (2) de planejamento e
controle; e (3) comportamental (BOWERSOX, CLOSS e STANK, 1999). Para cada
contexto o referencial apresenta as competências e capacitações necessárias para o
desenvolvimento de desempenho superior.
De acordo com o referencial 21st Century Logistics, o contexto operacional
envolve os processos relacionados a compras, produção e logística, que possibilitam
o atendimento aos pedidos e o ressuprimento dos canais de distribuição. A
integração é importante tanto internamente quanto entre os elos da cadeia
(BOWERSOX, CLOSS e STANK, 1999). Por isso, tal contexto envolve a integração
com o cliente, a integração interna e a integração com fornecedores.
O contexto de planejamento e controle engloba tecnologia da informação e
sistemas de avaliação do desempenho. As duas competências que fazem parte do
contexto são: integração entre tecnologia e planejamento e integração de medidas
de desempenho (BOWERSOX, CLOSS e STANK, 1999).
Já o contexto comportamental refere-se à integração de relacionamentos
necessária para o sucesso de uma estratégia de operações (BOWERSOX, CLOSS
e STANK, 1999).
A Tabela 5 resume as competências necessárias em cada contexto para
garantir o fluxo eficiente e eficaz de materiais, informações e recursos financeiros
(BOWERSOX, CLOSS e STANK, 1999).
58
Tabela 5: Modelo Referencial 21st Century Logistics (Bowersox, Closs e Stank, 1999)
CONTEXTO OPERACIONAL CONTEXTO DE PLANEJAMENTO
E CONTROLE CONTEXTO COMPORTAMENTAL
INTEGRAÇÃO COM O CLIENTE:
Foco segmentado
Relevância
Capacidade de resposta
Flexibilidade
INTEGRAÇÃO ENTRE TECNOLOGIA E PLANEJAMENTO:
Gestão da informação
Comunicação interna
Conectividade externa
Planejamento colaborativo
INTEGRAÇÃO DE RELACIONAMENTOS:
Especificidade de papeis e responsabilidades
Orientações
Compartilhamento de informações
Compartilhamento de riscos e benefícios
INTEGRAÇÃO INTERNA:
Unificação de funções
Padronização de processos e práticas
Simplificação
Observância
Adaptação estrutural
INTEGRAÇÃO DE MEDIDAS DE DESEMPENHO:
Avaliação funcional
Metodologias de custos
Uso de métricas abrangentes
Avaliação de impactos financeiros
INTEGRAÇÃO COM FORNECEDORES:
Alinhamento estratégico
Fusão operacional
Ligação financeira
Gestão de fornecedores
Embora não tenha sido desenvolvido especificamente para o contexto
humanitário, este modelo será utilizado de forma adaptada. Sua relevância está no
detalhamento dos contextos, competências e capacitações relacionadas aos
processos da cadeia de suprimento e, principalmente, pela consideração de
questões relacionadas à coordenação e integração de diversas funções logísticas.
Estas questões são extremamente críticas em cadeias de suprimentos humanitárias
(JAHRE ET AL, 2009; CHANDES e PACHÉ, 2010).
Na próxima seção, o modelo referencial proposto neste presente estudo é
apresentado. Ele considera a combinação do referencial 21st Century Logistics com
59
os referenciais específicos destacados anteriormente na revisão da literatura. O
referencial proposto para o contexto humanitário é aplicado em dois estudos de
caso: furacão Katrina e Chuvas de Abril de 2010 na cidade do Rio de Janeiro.
2.7 MODELO REFERENCIAL PROPOSTO
O modelo referencial proposto para guiar as entrevistas e analisar o caso tem
como principal base as fases propostas por Kovács e Spens (2007) e o modelo 21st
Century Logistics de Bowersox, Closs e Stank (1999). Para cada fase da gestão da
logística humanitária os três contextos (operacional, de planejamento e controle e
comportamental) do 21st Century Logistics são adaptados à luz dos artigos
explorados na revisão bibliográfica. O resultado é apresentado na Tabela 6.
60
Tabela 6: Modelo Referencial Proposto
Modelo 21st
Century Logistics
Preparação Resposta Recuperação
Contexto Operacional - Integração com população em áreas de risco
- Integração interna para preparação para desastres
- Integração com fornecedores (preparação)
- Integração com vítimas
- Integração interna no momento de caos
- Integração com fornecedores (ação)
- Integração com beneficiários de ajuda
- Integração interna para recuperação
- Integração com fornecedores (ação e melhoria)
Contexto de Planejamento e
Controle
- Integração entre tecnologia e planejamento (preparação)
- Integração de medidas de desempenho (planejamento)
- Integração entre tecnologia e planejamento (ação)
- Integração de medidas de desempenho (resultado)
- Integração entre tecnologia e planejamento (melhoria)
- Integração de medidas de desempenho (melhoria)
Contexto Comportamental
- Integração de relacionamentos (compreensão dos papéis e do plano de ação)
- Integração de relacionamentos (aderência aos papéis e plano de ação previsto)
- Integração de relacionamentos (ação e melhoria)
O modelo referencial proposto identifica processos, restrições, competências e
recursos, denominados neste trabalho de “itens” de cada fase, que podem
melhorar o desempenho da gestão da logística humanitária. Um detalhamento do
referencial proposto em cada fase de Preparação, Resposta e Recuperação nos
três contextos previamente citados são apresentados nas tabelas a seguir (Tabela 7,
Tabela 8, Tabela 9).
61
Tabela 7: Etapa de Preparação – Detalhamento dos Contextos
Modelo 21st
Century Logistics
Preparação
Contexto Operacional - Integração com população em áreas de risco:
Identificação do padrão de desastres na região e seus possíveis danos
Elaboração de planos de emergência (e evacuação, se necessário) abrangentes e factíveis
- Integração interna para preparação para desastres:
Integração entre áreas funcionais
Padronização e simplificação de processos
- Integração com fornecedores (acordos):
Acordos de integração e desenvolvimento de parcerias estratégicas com fornecedores
Contexto de Planejamento e
Controle
- Integração entre tecnologia e planejamento (preparação):
Implementação de sistemas de gestão da informação
Implementação de meios de comunicação e sistemas de alerta
Planejamento colaborativo entre organizações
- Integração de medidas de desempenho (planejamento):
Estabelecimento de métricas e objetivos de desempenho
Contexto Comportamental
- Integração de relacionamentos (compreensão dos papéis e do plano de ação):
Determinação de papéis e responsabilidades com clareza
Estabelecimento de acordos de compartilhamento de informações e recursos
62
Tabela 8: Etapa de Resposta – Detalhamento dos Contextos
Modelo 21st
Century Logistics
Resposta
Contexto Operacional - Integração com vítimas:
Avaliação inicial do desastre
Capacidade de atender as vítimas
- Integração interna no momento de caos:
Eficiência do fluxo processual
Capacidade de adaptação
- Integração com fornecedores (ação)
Capacidade de fusão operacional com fornecedores
Capacidade de gestão do fornecimento
Contexto de Planejamento e
Controle
- Integração entre tecnologia e planejamento (ação):
Capacidade de gestão da informação
Meios de comunicação e sistemas de alerta utilizados
Colaboração (troca de informações) entre organizações
- Integração de medidas de desempenho (resultado):
Desempenho da resposta em relação aos objetivos definidos
Contexto Comportamental
- Integração de relacionamentos (aderência aos papéis e plano de ação previsto):
Aderência aos papéis e responsabilidade planejados
Compartilhamento de informações e recursos
63
Tabela 9: Etapa de Recuperação – Detalhamento dos Contextos
Modelo 21st
Century Logistics
Recuperação
Contexto Operacional - Integração com beneficiários de ajuda:
Atendimento às necessidades de reconstrução da região
Atendimento às necessidades da população afetada
- Integração interna para recuperação:
Integração entre as organizações competentes para reconstrução
- Integração com fornecedores (ação e melhoria):
Capacidade de gestão do fornecimento
Contexto de Planejamento e
Controle
- Integração entre tecnologia e planejamento (melhoria):
Capacidade de gestão da informação
Revisão e recuperação dos meios de comunicação e sistemas de alerta
Colaboração entre organizações
- Integração de medidas de desempenho (melhoria):
Revisão dos objetivos de desempenho e melhoria das métricas utilizadas
Contexto Comportamental
- Integração de relacionamentos (ação e melhoria):
Revisão de papéis e responsabilidades
Compartilhamento de informações e recursos
A análise do desempenho em cada fase (Preparação, Resposta e
Recuperação) é realizada considerando o conjunto das organizações envolvidas.
Geralmente, cada organização possui um foco determinado e um objetivo particular.
Esta forma de analisar o desempenho leva em conta o resultado que o conjunto foi
capaz de oferecer, assim como a integração entre tais organizações. A Figura 10 a
seguir resume os itens de mensuração de desempenho para cada fase para o
modelo referencial proposto.
64
Figura 10: Modelo Referencial Proposto
Após apresentação do referencial proposto, a próxima seção detalhará a
metodologia utilizada para aplicação e validação do referencial.
Desempenho da Gestão da Logística
Humanitária
Preparação:-Identificação do padrão de desastres na região e seus possíveis danos-Elaboração de planos de emergência (e evacuação, se necessário) abrangentes e factíveis-Integração entre áreas funcionais-Padronização e simplificação de processos-Acordos de integração e desenvolvimento de parcerias estratégicas com fornecedores-Implementação de sistemas de gestão da informação-Implementação de meios de comunicação e sistemas de alerta-Planejamento colaborativo entre organizações-Estabelecimento de métricas e objetivos de desempenho-Determinação de papéis e responsabilidades com clareza-Estabelecimento de acordos de compartilhamento de informações e recursos
Resposta:-Avaliação inicial do desastre-Capacidade de atender as vítimas-Eficiência do fluxo processual-Capacidade de adaptação para o desastre em questão-Capacidade de fusão operacional com fornecedores-Capacidade de gestão do fornecimento-Capacidade de gestão da informação-Meios de comunicação e sistemas de alerta utilizados-Colaboração (troca de informações) entre organizações-Desempenho da resposta em relação aos objetivos definidos-Aderência aos papéis e responsabilidade planejados-Compartilhamento de informações e recursos
Recuperação:-Atendimento às necessidades de reconstrução da região-Atendimento às necessidades da população afetada-Integração entre as organizações competentes para reconstrução-Capacidade de gestão do fornecimento-Capacidade de gestão da informação-Revisão e recuperação dos meios de comunicação e sistemas de alerta -Colaboração entre organizações-Revisão dos objetivos de desempenho e melhoria das métricas utilizadas-Revisão de papéis e responsabilidades-Compartilhamento de informações e recursos
65
3 METODOLOGIA DE PESQUISA
Este capítulo irá abordar os aspectos relacionados à metodologia da
pesquisa. Primeiramente serão apresentadas as principais perguntas da pesquisa,
que justificam o segundo item: a utilização do método escolhido. Em seguida serão
explicadas as escolhas do caso e dos entrevistados e a forma como os dados foram
coletados e analisados. Por fim, o último item tratará das limitações do método
escolhido.
3.1 PROPÓSITO E PERGUNTA DA PESQUISA
Esta pesquisa tem o seguinte propósito:
“Investigar as competências associadas com o desempenho superior da
gestão logística em casos de desastres naturais de forma a propor um
referencial teórico a partir da revisão da literatura.”
Do modelo referencial proposto foram geradas as seguintes perguntas para
as organizações envolvidas na gestão de desastres:
Preparação:
o Havia sido feito algum tipo de levantamento quanto ao padrão e aos
riscos de desastres naturais na região?
o Houve esforços no sentido de preparar uma resposta no caso de um
desastre ocorrer?
o Os equipamentos e recursos disponíveis eram adequados?
o Os processos eram padronizados e simplificados?
66
o Como foi projetada a capacidade da estrutura?
o Existiam acordos com fornecedores de materiais críticos?
o Como estava sendo realizada a gestão da informação?
o Quais eram os meios de comunicação disponíveis?
o Havia sistemas de alerta para comunicar a população sobre possíveis
ocorrências?
o Havia algum tipo de colaboração na fase de planejamento entre
organizações que prestam socorro?
o Existiam métricas pré-definidas para avaliar o desempenho?
o Os papéis e responsabilidades foram definidos com clareza?
o Existiam acordos de compartilhamento de informações e recursos
entre organizações?
Resposta:
o Como foi realizada a avaliação inicial do desastre?
o As organizações foram capazes de prover uma resposta adequada?
o As organizações demonstraram ser flexíveis ao responderem ao
desastre?
o O fluxo de processos se desenrolou de forma eficiente?
o Como a estrutura se adaptou para o desastre em questão?
o Qual foi o papel dos fornecedores durante a resposta?
o Foi possível contar com a capacidade operacional dos fornecedores no
apoio à gestão do desastre?
o Como foi realizada a gestão dos fornecedores?
o Como foi realizada a gestão da informação?
o Quais meios de comunicação foram utilizados?
67
o Algum sistema de alerta foi utilizado para avisar a população?
o Houve colaboração entre organizações prestadoras de socorro?
o O desempenho foi avaliado dentro das organizações?
o Os papéis e responsabilidades definidos foram respeitados?
o Informações e recursos foram compartilhados entre organizações?
Recuperação:
o Foi elaborado um plano de reconstrução/recuperação da região?
o Como foi a participação das organizações responsáveis na fase de
recuperação?
o Como a estrutura de gestão de desastres respondeu às necessidades
da fase de reconstrução?
o Como foi a participação de fornecedores?
o Como foi realizada a gestão da informação nessa fase?
o Quais meios de comunicação foram utilizados?
o Foi realizada a revisão/recuperação dos sistemas de alerta à
população?
o Houve colaboração entre organizações nessa fase?
o Buscou-se aprimorar a avaliação/medição do desempenho?
o Caso a estruturação das organizações tenha sido ineficiente, os papéis
e responsabilidades foram revistos?
o Buscou-se melhorar o compartilhamento de informações e recursos
entre organizações?
68
3.2 MÉTODO DA PESQUISA
Para Yin (2005), três fatores determinam a escolha do método de pesquisa.
São eles:
O tipo de questão de pesquisa proposta;
A extensão de controle que o pesquisador tem sobre eventos
comportamentais atuais; e
O grau de enfoque em acontecimentos contemporâneos em oposição a
acontecimentos históricos.
O tipo de questão abordada é a primeira e mais importante condição para
identificar a melhor estratégia de pesquisa (YIN, 2005). Para Yin (2005), os estudos
de caso são mais indicados para questões de pesquisa que se iniciem com as
palavras “como” e “por quê”.
O controle sobre eventos comportamentais pode ser mais bem compreendido
se considerarmos experimentos em laboratório. Presume-se que em um ambiente
de laboratório seja possível controlar todas as variáveis que não fazem parte do
escopo da pesquisa (YIN, 2005). Em contrapartida, estudos de caso são indicados
em situações em que se tem pouco ou nenhum controle sobre os eventos
comportamentais (YIN, 2005).
Por fim, a estratégia do estudo de caso é indicada para se examinar
acontecimentos contemporâneos, ou seja, quando é possível realizar observação
direta dos acontecimentos estudados e entrevistar pessoas envolvidas nele (YIN,
2005).
69
A maior parte da literatura sobre logística humanitária é recente e há poucas
publicações acadêmicas. Pouco se tem escrito sobre logística humanitária no
contexto brasileiro, fora eventuais publicações jornalísticas sem profundidade. Por
isso, um estudo exploratório se mostra mais adequado.
Segundo Ellram (1996), as metodologias qualitativas adequadas para estudos
exploratórios são: experimentos, estudos de caso e observação do participante.
Considerando o contexto imprevisível da logística humanitária, a metodologia de
estudo de caso foi escolhida.
Optou-se, neste estudo, pela realização de entrevistas orientadas por um
roteiro, com perguntas baseadas no referencial teórico apresentado, de forma a
abordar as questões relacionadas à integração e coordenação entre atores nas três
fases dos desastres naturais (Preparação, Resposta e Recuperação). As entrevistas
foram complementadas por artigos de jornal e informações colhidas em debates
sobre o assunto e durante visitas às organizações envolvidas na gestão de
desastres na cidade do Rio de Janeiro.
O estudo de caso é uma investigação que se baseia em várias fontes de
evidências e utiliza o desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir
a coleta e a análise de dados (YIN, 2005). Após a coleta de dados, é preciso,
portanto, ter critérios estabelecidos para interpretar as constatações (YIN, 2005). O
caso escolhido será analisado conforme o modelo referencial teórico desenvolvido
para tal fim.
70
3.3 ESCOLHA DO CASO
Desastres naturais não ocorrem sob aviso. Em abril de 2010 uma forte chuva
provocou alagamentos e deslizamentos no estado do Rio de Janeiro. Devido à
localização e ao fato de ter ocorrido recentemente – durante a fase inicial desta
pesquisa – o caso das Chuvas de Abril foi escolhido.
Outras chuvas fortes já ocorreram no mesmo local anteriormente, o que
possibilitaria a investigação longitudinal. Para o objetivo desta pesquisa, porém, a
comparação com outros casos poderia causar diferenças de interpretação por parte
dos entrevistados devido, principalmente, ao afastamento temporal entre eles.
Foi decidido, portanto, realizar apenas o estudo de caso sobre as Chuvas de
Abril no Rio de Janeiro. Adicionalmente, será utilizado o caso do furacão Katrina
(2004), oriundo de dados secundários.
Embora os resultados dos estudos de caso único sejam mais difíceis de
generalizar, eles podem ser a base para explanações e, posteriormente,
generalizações sobre um tema (YIN, 2005). Segundo Yin (2005), cinco fundamentos
lógicos justificam a adoção de um estudo de caso único, são eles:
Quando o caso único é decisivo para testar uma teoria;
Quando se trata de um caso raro ou extremo;
Quando se trata de um caso representativo ou típico;
Quando o caso único é um caso revelador; ou
Quando o caso único pode ser considerado um caso longitudinal, ou seja,
quando é possível estudar o mesmo caso único em dois ou mais pontos
diferentes no tempo.
71
De acordo com o Eng. Paulo Fonseca (Rio Águas) e com dados disponíveis
no site do Alerta Rio, as chuvas ocorridas em abril de 2010 no Rio de Janeiro podem
ser consideradas um caso extremo e raro se comparado com os desastres naturais
que costumam ocorrer na cidade. Primeiramente, porque as chuvas tiveram uma
duração mais longa que o normal e, associado a isso, a maré (tanto astronômica
quanto meteorológica) estava alta, contribuindo para a ocorrência de alagamentos.
Através do referencial teórico desenvolvido para a análise de dados, o caso
único das Chuvas de Abril será estudado de forma longitudinal, considerando os
esforços de preparação, resposta e reconstrução das áreas afetadas, o que justifica,
novamente, a escolha de um caso único.
3.4 SELEÇÃO DOS ENTREVISTADOS
Foram selecionados representantes dos principais órgãos envolvidos na
preparação, resposta e recuperação de desastres naturais no Rio de Janeiro. Os
profissionais entrevistados atuaram nas três fases da gestão de desastres no caso
das chuvas de abril de 2010 e conhecem bem o funcionamento dos diversos órgãos
competentes.
Eng. Herbem Maia, Chefe de Gabinete do Presidente (Geo-Rio)
Eng. Paulo Fonseca, Gerente de Pesquisa e Suporte Técnico (Rio Águas) e
Prof. do Departamento de Engenharia Civil do Setor de Recursos Hídricos
(UFF)
Eng. Antônio Humberto Porto Gomes, Gerente de Projetos da Bacia
Hidrográfica da Baía da Guanabara (Rio Águas)
72
Tenente-Coronel Márcio Motta, Coordenador de Operações da Defesa Civil
do Município do Rio de Janeiro
Tereza Maria da Silva, Ouvidora da Secretaria Municipal de Assistência Social
(SMAS)
Luiz Alberto do Lemos Sampaio, Presidente da Cruz Vermelha do Rio de
Janeiro
Eliza Rosa Brandão, Presidente da Associação de Moradores do Morro dos
Prazeres
3.5 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
Para investigar o caso das Chuvas de Abril de 2010 no Rio de Janeiro foram
realizadas entrevistas em profundidade com alguns dos principais envolvidos no
desastre e em sua gestão. Para facilitar a análise, as entrevistas foram gravadas.
Também foram utilizadas informações colhidas durante o seminário Chuvas
de Abril, lições e soluções realizado pelo Jornal do Brasil no dia 7 de junho de 2010,
que contou com a presença de representantes do governo estadual do Rio de
Janeiro e de municípios afetados, além de funcionários de alto escalão da Geo-Rio e
de acadêmicos da COPPE. Informações secundárias, coletadas em notícias de
jornais e revistas, no website dos órgãos supracitados e em fontes idôneas, também
foram utilizadas.
Como pôde ser observado na revisão bibliográfica, a integração entre os
diferentes atores e a coordenação das atividades são os pontos mais críticos na
73
gestão de desastres naturais. O referencial proposto (Tabela 6) será utilizado como
base para a elaboração do roteiro das entrevistas e guiará a análise de dados.
3.6 LIMITAÇÕES DO MÉTODO
O método do estudo de caso possui, no entanto, algumas limitações.
Segundo Yin (2005), as principais críticas feitas ao método são:
Viés do entrevistador (ou subjetividade da coleta de dados), que pode ser
tanto por uma falta de rigor da pesquisa quanto resultado de interpretações
errôneas;
Pouca base para fazer generalizações científicas; e
Elaboração de documentos exageradamente extensos e com pouca
objetividade.
Conhecidas as limitações do método, buscou-se nesse estudo evitar vieses
durante as entrevistas e na fase de interpretação, evitar generalizar conclusões e
evitar a perda de objetividade na análise dos casos.
74
4 CASO FURACÃO KATRINA
Ciclones tropicais são fenômenos cíclicos em que áreas de baixa pressão
atmosférica são formadas sobre águas mornas – tropicais e subtropicais – e se
acumulam em uma enorme massa de circulação de vento e trovoadas que podem
ocupar centenas de quilômetros de extensão. Seus ventos de superfície atingem
velocidades de 200 km/h ou mais. A combinação das ondas criadas pelo vento com
a baixa pressão dos ciclones tropicais pode produzir ondas enormes e de alta
velocidade com elevado poder de destruição. Cerca de 80 ciclones tropicais se
formam a cada ano no mundo. A nomenclatura depende, no entanto, do local onde o
fenômeno se forma. Furacão é o nome dado aos ciclones tropicais que se formam
no Oceano Atlântico, Caribe e Golfo do México e na região nordeste do Oceano
Pacífico; no noroeste do Oceano Pacífico e no Mar da China Meridional eles são
denominados tufões, enquanto no Oceano Índico e no Pacífico Sul são chamados
pelo nome genérico, ciclones tropicais17.
O furacão Katrina atingiu a costa dos Estados Unidos nos últimos dias de
agosto de 2005, devastando uma área de mais de 240.000 km2 em 138 municípios
(US WHITE HOUSE, 2006). De acordo com dados do National Hurricane Center
(NHC), a devastação provocada pelo Katrina o colocou em terceiro lugar no ranking
dos piores furacões em termos de número de mortos e em primeiro em relação a
perdas financeiras no território americano (BLAKE ET AL, 2007). A trajetória
percorrida pelo furacão pode ser vista na Figura 11.
17
World Meteorological Organization (WMO) - www.wmo.int., acessado em 25/04/2010
75
Figura 11: Trajetória do Furacão Katrina (Central Florida Hurricane Center)
Nos Estados Unidos, a intensidade dos furacões é medida através da escala
Saffir-Simpson18. Trata-se de uma classificação de 1 a 5 baseada, atualmente19, na
velocidade máxima de vento na superfície que é sustentada por pelo menos um
minuto20, com o objetivo de estimar o potencial de inundações e danos materiais que
um furacão pode provocar. Ao atingir a terra, o Katrina foi considerado um furacão
de categoria 3, mas sua capacidade destrutiva já poderia ser equiparada a do
furacão Camille, de categoria 5, que destruiu a Costa do Golfo em 1969, devido à
extensão que seus ventos atingiram (US WHITE HOUSE, 2006).
18
Atlantic Oceanographic and Meteorological Laboratory (AOML), National Oceanic and Atmospheric
Administration (NOOA) - www.aoml.noaa.gov, acessado em 27/04/2010. 19
Versões anteriores da escala Saffir-Simpson utilizavam outros parâmetros no cálculo da
intensidade dos furacões. Mais informações em www.nhc.noaa.gov/sshws.shtml. 20
National Hurricane Center (NHC), National Oceanic and Atmospheric Administration (NOOA) -
www.nhc.noaa.gov, acessado em 27/04/2010.
76
Foram confirmadas 1.330 mortes (US WHITE HOUSE, 2006), e há ainda 135
desaparecidos em decorrência do furacão (ASCE, 2007). Como a população da
região afetada é majoritariamente da raça negra, verifica-se proporcionalmente que
entre as vítimas fatais do Katrina, 52% eram negros (Figura 12). A população mais
idosa (acima de 70 anos), em grande parte impossibilitada de fugir, representou 60%
das mortes.
Figura 12: Fatalidades do Furacão Katrina (ASCE, 2007)
Cerca de 300.000 casas foram destruídas ou danificadas, além de bens de
consumo e de diversas propriedades comerciais e públicas, resultando em um
prejuízo de quase cem bilhões de dólares (US WHITE HOUSE, 2006), como mostra
a Tabela 10.
Tabela 10: Danos Causados pelo Furacão Katrina (US White House, 2006)
Moradias $67 bilhões
Bens de consumo duráveis $7 bilhões
Propriedades comerciais $20 bilhões
Propriedades públicas $3 bilhões
TOTAL $96 bilhões
52%40%
8%
Negros
Caucasianos
Outros
40%
60%
Até 70 anos
> 70 anos
Fatalidades por Origem e Idade
77
Nova Orleans foi o município mais afetado pelo Katrina, onde oitenta por
cento da cidade ficou inundada (US WHITE HOUSE, 2006). Estima-se que a
população da cidade tenha sido reduzida em 44% entre os anos de 2004 e 2006
devido aos efeitos do furacão (ASCE, 2007). Os danos em residências, comércio,
indústrias e prédios públicos da cidade somaram aproximadamente 21 bilhões de
dólares. A falta de eletricidade provocou a perda de grande quantidade de alimentos
e equipamentos (ASCE, 2007). A taxa de desemprego dos locais afetados em
Mississipi e na Louisiana dobrou, passando de 6% para 12%. O preço da gasolina
aumentou no país inteiro (US WHITE HOUSE, 2006).
Além da destruição de cidades, das mortes e das perdas econômicas, o
Katrina provocou um grande desastre ambiental. De acordo com relatório da Casa
Branca, pelo menos 10 derramamentos de óleo ocorreram. A quantidade de óleo
derramada em decorrência do furacão Katrina se compara aos piores casos de
derramamento dos Estados Unidos (US WHITE HOUSE, 2006).
4.1 Atores Envolvidos
Tradicionalmente, as operações de preparação, resposta e recuperação de
desastres nos Estados Unidos são tratadas pelos governos estaduais e municipais,
tendo o governo federal um papel de apoio (US WHITE HOUSE, 2006). Eventos
como o furacão Katrina, no entanto, escapam à capacidade de governos locais e
evidenciam a necessidade de uma resposta mais forte e integrada.
Por conta disso, grandes ONGs internacionais atuaram nas operações de
resposta e recuperação pós-Katrina, muitas delas provendo ajuda humanitária pela
78
primeira vez nos Estados Unidos – como, por exemplo, as ONGs Oxfam e UNICEF
(EIKENBERRY ET AL, 2007).
Também foi muito importante o papel de doadores, que financiaram e
pressionaram as ONGs para cobrir as falhas deixadas pelo governo, e de muitas
empresas que contribuíram para reduzir os efeitos negativos do furacão, prestar
auxílio logístico para a distribuição de materiais e agilizar a reconstrução das áreas
devastadas. A Figura 13 resume os atores envolvidos nas diferentes etapas durante
o evento do furacão.
Figura 13: Atores Envolvidos no Furacão Katrina (US WHITE HOUSE, 2006)
4.2 Preparação
A fase de preparação se inicia no momento em que o desastre não é ainda
um risco a sociedade, apenas uma possibilidade que deve ser antevista
considerando o padrão dos desastres naturais na região, e termina quando o
Provedores de Logística (ex.:
Wal-Mart)
Forças Armadas Americanas
Governo (Local, Nacional e
Internacional)
Doadores (Empresas e
Pessoas Físicas)
Agências Governamentais
Cruz Vermelha Americana e outras ONGs
Beneficiários
79
desastre se torna um risco real e uma reposta é necessária. No caso do furacão
Katrina, a fase de preparação considerada se inicia com as previsões da agência
americana de monitoramento do clima, a National Oceanic and Atmospheric
Administration (NOAA), em meados de maio de 2005 e termina no momento do
primeiro impacto do furacão no sul da Flórida em 25 de agosto de 2005.
Há sempre uma faixa de sobreposição de fases no caso de desastres,
principalmente quando se trata de um fenômeno que pode ser monitorado, como é o
caso dos furacões. Enquanto as operações de resposta foram iniciadas no sul da
Flórida no dia 25 de agosto de 2005, o estado da Louisiana e outras regiões ainda
se preparavam para a chegada do furacão, que só ocorreu no dia 29 de agosto de
2005, quatro dias após ter passado pela Flórida. Será considerado neste trabalho,
que a fase de resposta ao furacão Katrina se inicia no dia 25 de agosto de 2005.
Na Costa do Golfo, a temporada oficial de furacões ocorre entre os meses de
junho e novembro21, sendo que a maior parte deles ocorre entre agosto e outubro
(SAUNDERS e LEA, 2005). As autoridades americanas responsáveis por
acompanhar as mudanças climáticas e administrar o risco de furacões estão atentas
às necessidades das regiões propensas a tais desastres e são geralmente capazes
de prever e se programar para uma resposta adequada no período de ocorrência de
furacões.
A “espera” pelo Katrina começou no dia 16 de maio de 2005, quando foram
publicadas pelo NOAA as primeiras previsões sobre a temporada de furacões de
2005 (US WHITE HOUSE, 2006). No seu relatório, o NOAA avaliou uma chance 70
por cento de uma temporada de furacões acima da média, previu doze a quinze
21
Atlantic Oceanographic and Meteorological Laboratory (AOML), National Oceanic and Atmospheric Administration (NOOA) - www.aoml.noaa.gov, acessado em 27/04/2010.
80
tempestades tropicais no Atlântico, com sete a nove evoluindo para furacões e três a
cinco destes se tornando grandes furacões – equivalente às categorias 3, 4 e 5 na
escala Saffir-Simpson (US WHITE HOUSE, 2006).
As previsões foram confirmadas logo nos primeiros dois meses da temporada,
junho e julho, quando duas tempestades evoluíram para grandes furacões e
provocaram evacuações e prejuízos em diversos estados americanos (US WHITE
HOUSE, 2006).
No dia 2 de agosto, o NOAA lançou uma atualização do relatório sobre a
temporada de furacões de 2005, que elevava para 95-100 por cento as chances de
uma temporada de furacões acima da média, e previa mais onze a catorze
tempestades tropicais (US WHITE HOUSE, 2006).
Em 23 de agosto, a NWS anunciou que uma depressão tropical havia se
formado nas Bahamas (US WHITE HOUSE, 2006). Logo após o anúncio, o centro
de estudos sobre furacões nos Estados Unidos, o National Hurricane Center (NHC),
enviou o primeiro alerta e o Comando do Norte (USNORTHCOM) também começou
a monitorar a depressão.
No dia seguinte, 24 de agosto, a depressão se tornou uma tempestade
tropical e foi denominada Katrina. Órgãos do governo se mobilizaram e pediram o
auxílio do NHC na coordenação dos alertas, na atualização das previsões e na
prestação de aconselhamentos técnicos.
81
4.2.1 O Contexto Operacional da Fase de Preparação
Integração com Possíveis Vítimas
Nos Estados Unidos as autoridades conhecem bem o padrão de desastres
das regiões e, conseqüentemente, as eventuais necessidades da população.
Desastres naturais cíclicos, como é o caso dos furacões, podem ser mais facilmente
antevistos, e o país possui sistemas modernos e eficazes de monitoração do clima,
além de um centro dedicado a previsões de tempestades e furacões.
Antes da chegada do furacão na Louisiana, a FEMA foi capaz de posicionar
grande quantidade de suprimentos fundamentais, como água, gelo e medicamentos,
em cidades que ficavam próximas, porém fora, da trajetória prevista do furacão, de
forma a reduzir o tempo de distribuição até as pessoas afetadas (US WHITE
HOUSE, 2006). Com isso, o governo federal demonstrou que possuía planos para a
contingência de desastres na região.
Integração Interna
Em 2004 o governo federal americano lançou o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Incidentes (NIMS) e o Plano de Resposta Nacional (NRP). O
NIMS estabelece protocolos padronizados de gerenciamento de incidentes e
procedimentos que devem ser utilizados no âmbito federal, estadual e local para
conduzir e coordenar ações de resposta. Já o NRP é um plano que estabelece um
referencial para o gerenciamento de incidentes em todos os níveis de governo, e
fornece a estrutura e os mecanismos de coordenação para que o governo federal
possa apoiar os gestores de desastres estaduais e locais, incorporando a estrutura
82
do NIMS (US WHITE HOUSE, 2006). Havia, portanto, uma diretriz para padronizar e
simplificar processos no sentido de prover uma resposta conjunta mais eficiente.
Cada órgão do governo possui uma função bem determinada. O transporte,
por exemplo, é responsabilidade do U.S. Department of Transportation (DOT); as
comunicações e algumas outras funções ficam por conta do Department of
Homeland Security (DHS). A Tabela 11 mostra essa divisão funcional.
Tabela 11: Funções de Apoio em Caso de Emergências nos EUA (US White House, 2006, p.16)
Integração com Fornecedores
Muitas empresas privadas participaram da mitigação, resposta e reconstrução
do furacão Katrina. A empresa Norfolk Southern Railroad, por exemplo, anteviu a
perda de algumas pontes essenciais e posicionou materiais para reconstruí-las fora
da área de impacto. Após a passagem do furacão as pontes puderam ser
rapidamente reconstruídas o que reduziu bastante o impacto econômico sobre as
regiões afetadas e possibilitou que equipes de resgate e suprimentos essenciais
chegassem mais rápido (US WHITE HOUSE, 2006).
83
A Vanguard Technologies, Inc., uma pequena empresa da Louisiana, foi
fundamental para restabelecer o funcionamento de sistemas de comunicação para a
polícia local. Enquanto grandes empresas não conseguiam restaurar seus sistemas,
a Vanguard Technologies foi capaz de fornecer soluções que mantiveram os
sistemas de comunicação funcionando durante o Katrina (US WHITE HOUSE,
2006).
Há ainda outros exemplos de empresas que ajudaram ONGs e órgãos
governamentais com apoio logístico ou fornecendo mercadorias, serviços,
consultoria, doações financeiras e grupos de voluntários. Tais ações foram, no
entanto, algo espontâneo das empresas e não uma ação planejada junto aos órgãos
governamentais responsáveis. Uma das principais lições aprendidas presente no
relatório elaborado pela Casa Branca é justamente a necessidade de desenvolver
um sistema de logística moderno, transparente e flexível, que deve ser baseado em
contratos estabelecidos para o armazenamento de mercadorias a nível local para
emergências e fornecimento de bens e serviços durante as emergências (US WHITE
HOUSE, 2006).
4.2.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Preparação
Integração entre Tecnologia e Planejamento
A região e as organizações envolvidas possuíam diversos meios de
comunicação antes do desastre. Nos Estados Unidos quase a totalidade das
residências possui linhas telefônicas e internet e quase a totalidade dos cidadãos
possui telefone celular. A central telefônica para o caso de emergências, 911, está
84
espalhada por todo o território americano e possui a capacidade de agir rapidamente
em caso de emergências. Apesar de terem sido danificados pelo furacão, a região
também possuía sistemas de alerta disponíveis para casos de emergência (US
WHITE HOUSE, 2006).
O governo federal americano não possuía, no entanto, um sistema para
gerenciar as informações de forma organizada. Para alinhar os diversos atores
envolvidos na resposta foi necessário realizar teleconferências diárias. Na longa lista
de “lições aprendidas” está o desenvolvimento de um sistema nacional de gestão da
informação que permita o tratamento e fornecimento rápidos por fontes de
informação interinstitucionais (US WHITE HOUSE, 2006). Banipal (2006) afirma que
a ausência de um sistema de informação inter-agência contribuiu para o atraso na
resposta.
Integração de Medidas de Desempenho
Na época do Katrina, não havia métricas definidas para a avaliação do
desempenho de esforços de ajuda humanitária. O relatório da Casa Branca sugere a
criação do National Preparedness System (NPS), que incluirá métricas para
avaliação de desempenho, disponibilidade das capacitações necessárias, assim
como melhores práticas e lições aprendidas durante exercícios e operações (US
WHITE HOUSE, 2006).
4.2.3 O Contexto Comportamental da Fase de Preparação
Integração de Relacionamentos
85
O governo americano define claramente os papéis e responsabilidades de
cada agência. Cada entidade possui uma função previamente definida no caso da
ocorrência de um desastre. Isso gerou alguns problemas de integração com
agências não governamentais, mas havia total compreensão dos papéis e do plano
de ação por parte de entidades governamentais (US WHITE HOUSE, 2006).
Acordos de compartilhamento de informações e recursos, no entanto, não
estavam presentes na fase de preparação. No relatório da Casa Branca está
previsto o desenvolvimento de um sistema nacional de gestão da informação que
permita o tratamento e fornecimento rápidos por fontes de informação
interinstitucionais (US WHITE HOUSE, 2006).
4.2.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Preparação – Caso Katrina
Tabela 12: Quadro-resumo dos Itens da Fase de Preparação – Caso Katrina
ITENS DA PREPARAÇÃO – CASO KATRINA
Contexto Operacional
Integração com população em áreas de risco
Identificação do padrão de desastres na região e seus possíveis danos
S
Elaboração de planos de emergência (e evacuação, se necessário) abrangentes e factíveis
S
Integração interna para preparação para desastres
Integração entre áreas funcionais S
Padronização e simplificação de processos
S
Integração com fornecedores (preparação)
Acordos de integração e desenvolvimento de parcerias estratégicas com fornecedores
N
Contexto de Planejamento e
Controle
Integração entre tecnologia e planejamento (preparação)
Implementação de sistemas de gestão da informação
N
Implementação de meios de comunicação e sistemas de alerta
S
Planejamento colaborativo entre N
86
organizações
Integração de medidas de desempenho (planejamento)
Estabelecimento de métricas e objetivos de desempenho
N
Contexto Comportamental
Integração de relacionamentos (compreensão dos papéis e do plano de ação)
Determinação de papéis e responsabilidades com clareza
S
Estabelecimento de acordos de compartilhamento de informações e recursos
N
4.3 Resposta
No dia 25 de agosto de 2005 o Katrina se tornou um furacão de categoria 1 e
atingiu o sul da Flórida deixando 14 mortos e prejuízos de quase dois bilhões de
dólares (US WHITE HOUSE, 2006). A NWS previu e anunciou que o furacão
atingiria o norte da Costa do Golfo, por isso, estados da região começaram a se
preparar para uma emergência (US WHITE HOUSE, 2006).
Para se preparar para o desastre na Flórida a FEMA enviou 100 caminhões
de gelo, 35 caminhões de alimentos e 70 caminhões de água para armazéns na
Geórgia. E, se antecipando à chegada na Costa do Golfo, posicionou mais de 400
caminhões de gelo, 500 caminhões de água e 200 caminhões carregados de
alimentos nos centros de logística do Alabama, Louisiana, Geórgia, Texas e Carolina
do Sul. Equipes de primeiros socorros da FEMA22 foram colocadas em alerta. Foram
iniciadas teleconferências entre a FEMA e agentes federais, estaduais e locais, que
mais tarde ajudaram a sincronizar as informações e coordenar a assistência e apoio
às necessidades. Ações de preparação também foram realizadas no setor privado
(US WHITE HOUSE, 2006).
22
Rapid Needs Assessment and Emergency Response Teams – Advance Elements (ERT-As)
S P NSim Parcialmente NãoLegenda:
87
No dia 26 de agosto, o Katrina entrou no Golfo do México e evoluiu para a
categoria 2. A NHC previu que o olho do furacão passaria a leste da cidade de Nova
Orleans na segunda-feira, 29/08, atingindo a categoria 4 ou 5, e que a tempestade
costeira poderia causar inundações com o aumento de até 6 metros do nível normal
da maré. Ações de preparação ganharam ainda mais urgência. No mesmo dia, os
estados de Mississipi e Louisiana declararam estado de emergência. Mais de 3.000
homens, entre policiais e integrantes da Guarda Nacional, foram mobilizados nos
dois estados (US WHITE HOUSE, 2006).
Antes do amanhecer do dia 27 de agosto o Katrina atingiu a categoria 3. A
NHC avisou que ele ainda iria se intensificar e atingir a categoria 4. Começaram
então os esforços de evacuação das áreas de Louisiana e Mississipi ameaçadas
pelo furacão. Estradas tiveram o sentido invertido para facilitar a operação. Esforços
precisaram ser dirigidos no sentido de abrigar a população que fugia da costa.
Abrigos também começaram a ser providenciados em escolas, igrejas e estádios
das regiões que seriam afetadas para aqueles que não possuíam um veículo ou não
podiam fugir. A FEMA atingiu seu nível máximo de alerta (quando todos os
funcionários ficam a postos para agir a qualquer momento). O governo federal
também declarou estado de emergência e começou a prestar assistência às áreas
que estavam no caminho previsto do furacão (US WHITE HOUSE, 2006).
No dia 28 de agosto o Katrina evoluiu para a categoria 5, nível máximo na
escala Saffir-Simpson. A NWS lançou um aviso alertando sobre os catastróficos
impactos esperados. A pedido do presidente George W. Bush, o prefeito de Nova
Orleans ordenou evacuação obrigatória da cidade. Estimativas do governo da
Louisiana apontam que cerca de 1,2 milhão de pessoas, correspondentes a 92% da
população afetada, deixou os locais de risco antes da chegada do furacão. Mesmo
88
assim, milhares de pessoas, muitas delas das regiões mais vulneráveis, mantiveram-
se em áreas ameaçadas pelo furacão que se aproximava. O Superdome, estádio de
esportes e eventos localizado no centro empresarial de Nova Orleans, se tornou
abrigo para mais de dez mil pessoas. Centenas de pessoas foram enviadas por
órgãos do governo ao Superdome para prover assistência médica e segurança aos
desabrigados. Como pode ser observado na Figura 14, mantimentos foram
espalhados por toda a região para cercar a zona prevista de impacto (US WHITE
HOUSE, 2006).
Figura 14: Mantimentos Cerca da Zona de Impacto do Katrina (US White House, 2006, p.30)
Na semana seguinte, de 29/08 a 05/09, o Katrina atingiu a terra na categoria
3, perdeu força ao se mover para o interior e passou para a categoria de tempestade
tropical. Mesmo assim, deixou um rastro de destruição, com pelo menos 1.330
mortos e milhares de feridos. Cidades inteiras foram arrasadas. Sistemas de
comunicação, como torres de telefone, foram levados pelos ventos. Emissoras de
89
rádio e televisão saíram do ar. Em Nova Orleans, os diques de contenção não
suportaram a pressão das águas, se romperam e alagaram grande parte da cidade
(US WHITE HOUSE, 2006).
4.3.1 O Contexto Operacional da Fase de Resposta
Integração com Vítimas
Entre os dias 25 e 29 de agosto, antes de o Katrina atingir a terra pela
segunda vez, a FEMA mobilizou uma equipe para avaliar as necessidades e prestar
primeiros socorros. Profissionais de saúde foram enviados ao Superdome,
mantimentos foram espalhados em diferentes locais de forma a envolver a região
onde estavam previstos impactos do furacão e um centro de mobilização logística foi
aberto na base aérea de Barksdale, Louisiana, para facilitar a gestão e distribuição
de ajuda (US WHITE HOUSE, 2006).
Além das agências governamentais, ONGs e instituições privadas também se
mobilizaram para atender as vítimas e reduzir os danos. Muitas empresas pré-
alocaram mantimentos importantes para restabelecer suas cadeias de suprimentos
mais rapidamente (LONGO, 2005). O impacto, no entanto, foi maior que o previsto e,
por isso, a capacidade de resposta foi limitada (US WHITE HOUSE, 2006). As
agências também não contavam com o rompimento dos diques na cidade de Nova
Orleans. O alagamento da cidade dificultou o acesso pelos grupamentos de resgate,
que não apresentaram a flexibilidade necessária para lidar com a situação
(DEJOHN, 2005). No Superdome houve relatos de roubos, formação de gangs e até
estupros.
90
Integração Interna
Diversas organizações se mobilizaram para ajudar as vítimas, entre elas
muitas ONGs internacionais que nunca haviam atuado nos Estados Unidos, desde
grandes e conhecidas organizações como Oxfam, UNICEF e Save the Children, até
diversas organizações menores em tamanho e escopo (EIKENBERRY ET AL,
2007). De acordo com Eikenberry et al (2007), que entrevistou representantes de
diversas ONGs internacionais que atuaram no Katrina, tais organizações decidiram
ajudar principalmente devido à pressão de doadores, funcionários e organizações
locais das áreas afetadas, os quais estavam reagindo à falta de resposta por parte
do governo.
Como os Estados Unidos sempre foram um país “exportador” de ajuda, as
agências governamentais não souberam cooperar e se integrar com as
organizações não-governamentais que buscavam ajudar na região. A agência
governamental FEMA se preocupava apenas com a coordenação dentro e entre
entidades oficiais, deixando as organizações não-governamentais trabalharem por si
só (EIKENBERRY ET AL, 2007). Por outro lado, os esforços realizados pela FEMA
foram considerados bem organizados e focados, pois a agência centralizou as
decisões e soube como proceder para garantir um bom fluxo processual (TRUNICK,
2005).
As organizações não estavam preparadas, no entanto, para as inundações
que o Katrina provocou em Nova Orleans e arredores, devido ao rompimento do
sistema de diques. Muitos moradores ficaram por diversos dias ilhados porque as
equipes de resgate não conseguiam acessar as áreas mais atingidas (US WHITE
HOUSE, 2006).
91
Considerando a proporção do desastre e o costume dos órgãos
governamentais americanos em lidar com a situação sem a presença de outros
atores, fica claro que o governo não possuía uma estrutura de coordenação eficaz
no local para integrar a multiplicidade de organizações de caridade que respondeu
ao furacão Katrina (EIKENBERRY ET AL, 2007). O Katrina surpreendeu até mesmo
hospitais e empresas que possuem planos de ação bem elaborados para evitar que
suas cadeias de suprimentos sejam interrompidas quando passa um temporal (US
WHITE HOUSE, 2006).
Integração com Fornecedores
Acostumados com a temporada de furacões, hospitais em regiões de risco
possuem acordos com distribuidores de medicamentos para que pedidos
emergenciais sejam expedidos ao primeiro sinal de perigo. Na cidade de Nova
Orleans, no entanto, toda a infraestrutura foi afetada, e os muitos hospitais ficaram
inundados e inoperantes, provocando um efeito dominó na rede de hospitais de
diversos estados (DEJOHN, 2005).
Empresas de energia, como a Mississipi Power Co., atualizam seus planos de
ação tática e operacional para o caso de tempestades anualmente. Dois dias antes
de o Katrina atingir a terra, a empresa já havia tomado as devidas medidas de
precaução, aumentando o estoque de materiais críticos e orientando seus
funcionários. O Katrina, porém, destruiu a sede da empresa e inundou seu centro de
resposta a desastres, surpreendendo até a previsão de pior cenário que a Mississipi
Power havia traçado (LONGO, 2005).
Apesar de não ter sido algo estruturado pelas agências governamentais,
muitas empresas conheciam seu papel durante o desastre e agiram de forma a
92
restabelecer suas operações e a ajudar os municípios atingidos (LONGO, 2005). E,
novamente, como os Estados Unidos sempre cumpriram o papel de ser o país que
ajuda, ao invés de o país a ser ajudado, houve grandes dificuldades de fusão
operacional das agências governamentais com as empresas e organizações não-
governamentais que buscavam ajudar a região (EIKENBERRY ET AL, 2007).
Porém, segundo Trunick (2005), a FEMA foi capaz de garantir uma boa
gestão do fornecimento, pois sabia o que aceitar e o que não aceitar em termos de
doação. Isso facilitou e agilizou o processo de distribuição, que pode ser “puxado”
pela da demanda ao invés de “empurrado” pelo fornecimento (TRUNICK, 2005).
4.3.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Resposta
Integração entre Tecnologia e Planejamento
A força da tempestade destruiu 38 centros de atendimento 911,
interrompendo os serviços de emergência locais, além de tirar do ar grande parte
das emissoras de televisão e rádio locais (US WHITE HOUSE, 2006).
Os meios de comunicação e a transmissão de energia foram amplamente
afetados. Segundo Banipal (2006), a interrupção de partes do sistema de
transmissão de energia e o alagamento de redes e centrais telefônicas contribuíram
para a falha geral nos sistemas de comunicação. Ainda segundo o autor, sistemas
de comunicação sem fio tiveram recuperação mais rápida e melhor desempenho do
que as redes terrestres. Além disso, a ausência de um sistema de informação entre
agências contribuiu para a resposta atrasada (BANIPAL, 2006). As informações
93
eram trocadas entre agências governamentais através de videoconferências diárias
(US WHITE HOUSE, 2006).
Antes da chegada do furacão, autoridades locais e estaduais não utilizaram o
sistema de alerta (Emergency Alert System, EAS) na Louisiana, Mississipi e
Alabama (US WHITE HOUSE, 2006), por razões que não são apresentadas no
relatório da Casa Branca. É afirmado, porém, neste relatório, que o NHC divulgou
avisos e previsões atualizadas via rádio, internet e atuando junto ao sistema de
alerta EAS.
Integração de Medidas de Desempenho
Como colocado anteriormente, na época do Katrina, não havia métricas
definidas para a avaliação do desempenho de esforços de ajuda humanitária. O
relatório da Casa Branca sugere a criação do National Preparedness System (NPS),
que incluirá métricas para avaliação de desempenho, disponibilidade das
capacitações necessárias, assim como melhores práticas e lições aprendidas
durante exercícios e operações (US WHITE HOUSE, 2006). Não há, portanto, como
avaliar o desempenho das ações de resposta em relação a objetivos pré-definidos.
4.3.3 O Contexto Comportamental da Fase de Resposta
Integração de Relacionamentos
Os papéis e responsabilidades que as agências governamentais devem
cumprir estão muito claros dentro dessas organizações. Apesar de o sistema
federalista dos Estados Unidos estabelecer grande autonomia aos estados, até
94
mesmo no que diz respeito à resposta a desastres, a FEMA foi criada para atuar
como órgão controlador nos casos em que os estados não possuem capacidade
para lidar com a situação. A FEMA entrou em ação no dia 24 de agosto de 2005,
antes mesmo de o Katrina atingir o sul da Flórida (US WHITE HOUSE, 2006).
Durante a fase de reposta as informações foram compartilhadas entre as
agências governamentais, principalmente, durante videoconferências diárias (US
WHITE HOUSE, 2006). Não havia um sistema que pudesse ser acessado pelas
agências para se obter informações atualizadas sobre o desastre. No relatório da
Casa Branca sobre o furacão Katrina está previsto o desenvolvimento de um
sistema nacional de gestão da informação que permita o tratamento e fornecimento
rápidos por fontes de informação interinstitucionais (US WHITE HOUSE, 2006).
95
4.3.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Resposta – Caso Katrina
Tabela 13: Quadro-resumo dos Itens da Fase de Resposta – Caso Katrina
ITENS DA RESPOSTA – CASO KATRINA
Contexto Operacional
Integração com vítimas Avaliação inicial do desastre S
Capacidade de atender as vítimas P
Integração interna no momento do caos
Eficiência do fluxo processual P
Capacidade de adaptação para o desastre em questão
N
Integração com fornecedores (ação)
Capacidade de fusão operacional com fornecedores
N
Capacidade de gestão do fornecimento S
Contexto de Planejamento e
Controle
Integração entre tecnologia e planejamento (ação)
Capacidade de gestão da informação N
Meios de comunicação e sistemas de alerta utilizados
P
Colaboração (troca de informações) entre organizações
N
Integração de medidas de desempenho (resultado)
Desempenho da resposta em relação aos objetivos definidos
N
Contexto Comportamental
Integração de relacionamentos (aderência aos papéis e plano de ação previsto)
Aderência aos papéis e responsabilidade planejados
S
Compartilhamento de informações e recursos
P
4.4 Recuperação
A última fase de um desastre é a fase de recuperação, quando se devem
concentrar esforços no auxílio à população afetada, na reconstrução dos locais
atingidos, na recuperação da economia local e se começar a utilizar as lições
aprendidas para se preparar para os próximos eventos. Nesta fase a pressão do
tempo é menor, se comparado com a fase de resposta, e os planos devem ser
S P NSim Parcialmente NãoLegenda:
96
elaborados pensando no desenvolvimento das regiões afetadas no longo prazo. Não
obstante, ainda é necessário lidar com as cicatrizes deixadas, as doenças que
começam a surgir, além de outras conseqüências do desastre.
A fase de recuperação após o furacão Katrina foi longa e mudou a vida de
muitas famílias. Na época da tragédia, cerca de 770.000 pessoas ficaram
desabrigadas, e até o final de outubro de 2005 ainda havia mais de 4.500 pessoas
acomodadas em abrigos transitórios de emergência (US WHITE HOUSE, 2006). Até
hoje muitas pessoas que moravam nos locais afetados não retornaram. Segundo
dados do U.S. Census Bureau, a população de Nova Orleans se aproximava de
500.000 antes do furacão Katrina e, logo após, em 2006, chegou a quase 200.000
habitantes (Figura 15). Em 2009, quatro anos após a tragédia, a população era de
aproximadamente 350.00023.
Figura 15: Evolução da População de Nova Orleans (U.S. Census Bureau)
A destruição causada pelo furacão Katrina e pela inundação de Nova Orleans
foi muito superior a de qualquer outro desastre ocorrido nos Estados Unidos (US
23
www.census.gov, acessado em 23/05/2011
-
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
Jul/00 Jul/01 Jul/02 Jul/03 Jul/04 Jul/05 Jul/06 Jul/07 Jul/08 Jul/09
População de Nova Orleans 2000 - 2009
Katrina, ago/05
97
WHITE HOUSE, 2006). Setenta e cinco furacões de categoria de 3, como o Katrina,
atingiram o território americano entre 1851 e 2006, o equivalente a
aproximadamente uma vez a cada dois anos. O Katrina, porém, além do alto poder
destrutivo, possuía uma dimensão superior aos demais, por isso a área atingida foi
tão grande (US WHITE HOUSE, 2006).
Os sobreviventes do furacão tiveram que lidar com novas dificuldades
provocadas pelo desastre. Em Nova Orleans, moradores se arriscavam em uma
mistura de água, lama, lixo e poluentes químicos (ASCE, 2007), que tomavam cerca
de 80% do território da cidade (US WHITE HOUSE, 2006). Foram registrados altos
níveis de coliformes fecais, que contribuíram para o aumento na ocorrência de
doenças gastrointestinais, infecções na pele e infecções em vias respiratórias.
Muitos moradores machucados com feridas abertas contraíram doenças –
contagiosas e não contagiosas – das águas. Em um abrigo em Houston, para onde
muitos evacuados foram, mais da metade das pessoas sofreram de diarréia aguda e
vômitos por uma semana. Em Dallas, houve um surto de uma bactéria resistente a
antibióticos (ASCE, 2007).
4.4.1 O Contexto Operacional da Fase de Recuperação
Integração com Beneficiários da Ajuda
Devido à magnitude dos danos provocados pelo Katrina e às falhas que
ocorreram na resposta ao desastre, o período de emergência (ou resposta) foi mais
longo que em outros desastres (KATES ET AL, 2006). Segundo Kates et al (2006),
este período pode ser estimado em seis semanas, quando terminou o trabalho de
98
bombeamento da água em Nova Orleans, até quatorze semanas, quando o último
abrigo de emergência fechou.
Enquanto a fase de resposta foi longa, a recuperação parece não ter fim.
Nova Orleans até hoje não se recuperou totalmente da tragédia. A cidade abriga
atualmente apenas 70% do número de habitantes que possuía antes do furacão24.
Por isso, houve dificuldades em calcular o que precisava ser restaurado. Um ano
após a tragédia, partes da infraestrutura danificada ainda não haviam sido
restauradas ou utilizadas, e serviços como eletricidade, gás, escolas e hospitais
funcionavam abaixo da metade da capacidade que possuíam antes do Katrina
(KATES ET AL, 2006).
Por outro lado, os diques de proteção foram restaurados em apenas 40
semanas, quando o esperado seria em torno de 60 semanas (KATES ET AL, 2006).
Segundo Kates et al (2006), o período de restauração foi curto pois havia a
necessidade de superar as falhas de construção do passado. Mas os autores
afirmam que os esforços de recuperação têm sido voltados apenas para: (1)
restauração de diques; (2) tornar edifícios resistentes a inundações e ventos fortes;
e (3) preparação de um novo plano de evacuações. Enquanto ações também
deveriam ser tomadas no sentido de repensar o uso da terra e recuperar áreas
alagadas (KATES ET AL, 2006).
Integração Interna
Segundo Kates et al (2006), os governos locais, estaduais e federal lidaram
com a reconstrução dos locais afetados separadamente, definindo
responsabilidades distintas, que muitas vezes se sobrepunham. Planos de
24
www.census.gov, acessado em 23/05/2011
99
emergência foram paralelamente elaborados em todos os níveis de governo e
passaram a competir entre si. Meses após a tragédia, muitos planos ainda não
haviam saído do papel devido a problemas políticos (KATES ET AL, 2006).
Integração com Fornecedores
Afetadas pelo furacão, muitas empresas precisaram rever suas operações e
planos de emergência e de recuperação após desastres, de forma a estarem mais
preparadas no futuro. Conforme revela a pesquisa realizada por Levans (2005), 79%
dos 231 respondentes afirmaram que o furacão Katrina provocou alguma forma de
ruptura nas operações de logística de suas empresas. Cerca de 40% disseram que
o desastre os levou a repensar a estratégia da cadeia de suprimentos no longo
prazo (LEVANS, 2005).
Além do engajamento do setor privado, órgãos do governo também
identificaram a necessidade de se estabelecer vínculos mais fortes com
fornecedores para garantir um fluxo de suprimentos mais rápido e certo durante
desastres. O relatório da Casa Branca afirma a necessidade de se identificar
fornecedores que tenham a capacidade de prover recursos necessários após
desastres, de se estabelecer contratos com tais fornecedores e de encorajar os
governos locais e estaduais para fazerem o mesmo (US WHITE HOUSE, 2006).
Se tais medidas foram tomadas, não é possível ter certeza. Desde 2005, pelo
menos, os furacões no Golfo do México não tiveram impacto comparável ao Katrina
no território americano.
100
4.4.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Recuperação
Integração entre Tecnologia e Planejamento
Durante a atividade de reconstrução na Costa do Golfo e para preparar a
estratégia para outras catástrofes no futuro, é notória a necessidade de dar a devida
importância ao design de redes e sistemas de gerenciamento de informações, de
modo a melhorar a comunicação entre as agências, acelerar os esforços de
recuperação e limitar as perdas econômicas dos negócios da região (BANIPAL,
2006).
Um sistema de gestão de informação que ajudou muito as vítimas do Katrina
que se perderam de seus amigos e familiares foi um site criado pelo governo
americano (www.firstgov.gov) para unir informações sobre desaparecidos publicadas
em diversos outros sites. A plataforma trazia também informações sobre
organizações e recursos governamentais que estavam disponíveis para os esforços
de reconstrução (LAMONT, 2005).
De acordo com Day et al (2009), que entrevistaram diversas organizações
que participaram da resposta e recuperação após o furacão, os entrevistados
demonstraram estar realizando coleta de dados, processamento de informações e
atividades de compartilhamento de informações com o objetivo de melhorar suas
próprias cadeias de suprimentos e a organização global pós-desastre. Pode-se
inferir, portanto, que durante as atividades de recuperação, houve maior colaboração
entre organizações e uma melhor gestão da informação.
Quanto à revisão e recuperação de sistemas de alerta e meios de
comunicação, o relatório da Casa Branca prevê o uso das tecnologias mais
101
avançadas para atualizar o Sistema de Alerta de Emergência (EAS) e estabelecer
comunicações entre os diferentes níveis de governo e o Department of Homeland
Security (DHS).
Integração de Medidas de Desempenho
Nenhum dos artigos analisados especifica a adoção de critérios e métricas
para avaliar o desempenho de operações de ajuda humanitária após o Katrina. O
relatório da Casa Branca sugere, no entanto, que o Department of Homeland
Security (DHS) deve estabelecer medidas de desempenho e métricas que permitam
uma avaliação objetiva do National Response Plan (NRP) e do National Incident
Management System (NIMS) para todos os departamentos e agências federais e
para os governos estaduais e municipais (US WHITE HOUSE, 2006).
4.4.3 O Contexto Comportamental da Fase de Recuperação
Integração de Relacionamentos
Como resultado do furacão Katrina, agências de ajuda humanitária
reconheceram a necessidade de uma melhor cooperação vertical e horizontal e de
uma maior coordenação entre os diferentes atores (US WHITE HOUSE, 2006;
PARKER ET AL, 2009). Segundo Parker et al (2009), isso tem indiscutivelmente
resultado na melhoria de políticas e capacitações dos órgãos governamentais no
sentido de reduzir o risco de desastres.
102
Os papéis de cada órgão devem ser mantidos, mas no relatório da Casa
Branca está prevista uma maior intervenção federal nos próximos eventos (US
WHITE HOUSE, 2006).
4.4.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Recuperação – Caso Katrina
Tabela 14: Quadro-resumo dos Itens da Fase de Recuperação – Caso Katrina
ITENS DA RECUPERAÇÃO – CASO KATRINA
Contexto Operacional
Integração com beneficiários da ajuda
Atendimento às necessidades de reconstrução da região
P
Atendimento às necessidades da população afetada
N
Integração interna para recuperação
Integração entre as organizações competentes para reconstrução
N
Integração com fornecedores (ação e melhoria)
Capacidade de gestão do fornecimento S
Contexto de Planejamento e
Controle
Integração entre tecnologia e planejamento (melhoria)
Capacidade de gestão da informação S
Revisão e recuperação dos meios de comunicação e sistemas de alerta
S
Colaboração entre organizações S
Integração de medidas de desempenho (melhoria)
Revisão dos objetivos de desempenho e melhoria das métricas utilizadas P
Contexto Comportamental
Integração de relacionamentos (ação e melhoria)
Revisão de papéis e responsabilidades S
Compartilhamento de informações e recursos
S
S P NSim Parcialmente NãoLegenda:
103
5 ESTUDO DE CASO – AS CHUVAS DE ABRIL DE 2010 NO
MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
“O Brasil, devido ao seu tamanho geográfico, às condições climáticas e fisiográficas e ao grau de desenvolvimento, está sujeito, diariamente, a um número elevado de desastres e situações de emergência, que provocam muitas mortes, feridos, incapacidades físicas, temporárias e definitivas, além de causar quantiosos danos às propriedades, bens, serviços, à produção agrícola, à pecuária e também, de forma muito clara, profundos efeitos e conseqüências desastrosas ao meio ambiente.” (Conferência Geral sobre Desastres, DGDEC, 2007, p.1)
Há tempos dizia-se que o Brasil não precisava temer a força da natureza, já
que furacões, terremotos, nevascas, entre outros tipos de desastres naturais não
ocorriam no país. Porém, com o crescimento populacional, a urbanização
desordenada, o aumento da poluição e a desigualdade social que a nação vem
presenciando nas últimas décadas, as variações climáticas passaram a ter maior
impacto sobre as cidades e a população25.
Esse impacto é, no entanto, diferente entre as regiões do território nacional, já
que cada região possui padrões de desastres diferentes, como mostra o mapa da
Figura 16.
25
Marilene Ramos, Secretária de Estado do Ambiente, Seminário Chuvas de Abril – Lições e Soluções, 07/06/2010
104
Figura 16: Padrão de Desastres no Brasil (Secretaria Nacional de Defesa Civil26
)
No caso específico do Rio de Janeiro, as principais ameaças são decorrentes
das chuvas, que provocam deslizamentos e inundações, e costumam ocorrer com
maior freqüência e intensidade entre os meses de janeiro e março. A Figura 17
mostra a precipitação média e máxima entre 1961 e 1990 na capital do estado do
Rio de Janeiro27.
Figura 17: Precipitação Média e Máxima no Rio de Janeiro (INMET)
26
http://www.defesacivil.gov.br, acessado em 13/02/2011 27
http://www.inmet.gov.br/climatologia/graficos/index.html, acessado em 13/02/2011
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Incêndios florestais e inundações
Secas e inundações
Incêndios florestais
Deslizamentos e inundações
Inundações, vendavais e granizo
105
O mês de abril, como pode ser visto na Figura 17, não é um mês com grande
volume de precipitação na cidade do Rio de Janeiro. Entre 1961 e 1990, choveu
pouco menos que 100 mm durante o mês de abril. No mesmo período a precipitação
máxima foi cerca de 70 mm, portanto este também não costuma ser um mês em que
são registradas chuvas de grande intensidade. Apesar das estatísticas, no início do
mês de abril de 2010 uma forte chuva caiu sobre a capital do estado e região
metropolitana, provocando 262 mortes28 e deixando mais de 10.000 desabrigados
no estado29.
Em entrevista para o Jornal do Brasil publicada no dia 7 de junho de 2010,
Francis Bogossian, presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, afirmou
que a favelização foi o grande diferencial para a dimensão da catástrofe. Ele disse
ainda que desde o governo Sarney (1984-1990) o desenvolvimento do Brasil foi
estancado e, com o aumento do desemprego, muitas famílias não tiveram outra
opção se não arriscar suas vidas em áreas de risco. Por isso, o desastre de abril não
se tratou de uma chuva de intensidade nunca antes registrada na cidade, mas sim
de uma maior vulnerabilidade devido ao padrão desordenado de ocupação urbana.
O Rio de Janeiro e Niterói foram os municípios mais atingidos. Porém, como a
gestão do desastre nas duas cidades se deu de forma bastante diferente, optou-se
por focar na cidade do Rio de Janeiro, onde as ações de resposta e recuperação
foram consideradas bem sucedidas. Espera-se obter assim um melhor entendimento
de como realizar uma logística humanitária eficiente.
28
Jornal do Brasil, 7 de junho de 2010 29
Revista Veja, abril de 2010
106
5.1 Atores Envolvidos
Muitos atores estão envolvidos na preparação, resposta e recuperação de
desastres na cidade do Rio de Janeiro. A relação de todos os órgãos envolvidos e
de suas responsabilidades pode ser vista no anexo X. Os principais órgãos
envolvidos na cidade do Rio de Janeiro são:
SUBDEC – Subsecretaria de Defesa Civil
CBMERJ – Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro
GM – Guarda Municipal
PMERJ – Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
CET-RIO – Companhia de Engenharia de tráfego do Rio de Janeiro
COMLURB – Companhia Municipal de Limpeza Urbana
RIOLUZ – Companhia Municipal de Iluminação
COE – Coordenadoria de Operações Especiais
CGC – Coordenadoria Geral de Conservação
ALERTA RIO – Sistema de Alerta de Chuvas Intensas e de Deslizamentos em
Encostas da Cidade do Rio de Janeiro
GEO-RIO – Fundação Instituto de Geotécnica do Município do RJ
RIO ÁGUAS - Gestão de Bacias Hidrográficas
LIGHT – Serviços de Eletricidade S/A
CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos
CEG – Companhia Distribuidora de Gás do Rio de Janeiro
SMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social
SMAC – Secretaria Municipal de Meio Ambiente
SESDEC – Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil
107
SMSDC – Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil
ASCOM – Assessoria de Comunicação Social
Existem ainda matrizes de responsabilidades específicas para as áreas de
saúde e governabilidade.
5.2 Preparação
Chuvas fortes sempre ocorreram no estado do Rio de Janeiro e em outras
regiões do país, mas agora elas parecem afetar uma parcela maior da população e
chamam mais atenção na mídia. No seminário Chuvas de Abril: Lições e Soluções,
que ocorreu no dia 7 de junho de 2010 no Clube de Engenharia, o subsecretário
estadual do Ambiente, Antonio da Hora, afirmou que “cada vez mais estamos menos
preparados (para as chuvas) e cada vez mais a „mesma chuva‟ causa mais danos”.
Alguns fatores tornam o município do Rio de Janeiro mais vulnerável a
desastres, como a geografia e o regime de chuvas. Porém é notável que o aumento
da população em áreas urbanas e a favelização contribuem ainda mais para o
aumento do impacto das chuvas fortes. De acordo com dados do Censo 2010,
84,3% da população brasileira vive hoje em centros urbanos. No estado do Rio de
Janeiro este número sobe para 96,7%.
Os centros urbanos são mais vulneráveis às chuvas principalmente devido à
ocupação desordenada, especialmente nas encostas, e às dificuldades de
escoamento da água. O solo pavimentado ou asfaltado impede a absorção e
108
contribui para o escoamento superficial das águas, que acabam se acumulando nos
locais mais baixos, o que provoca os alagamentos30.
No município do Rio de Janeiro isso fica claro. A região da Praça da Bandeira,
por exemplo, que fica em uma região baixa da cidade, possui um longo histórico de
alagamentos. O escoamento das águas de outros locais e o transbordamento dos
rios no entorno são as principais causas do problema. E casos semelhantes ocorrem
em outras localidades da cidade.
Mesmo conhecendo suas vulnerabilidades, a cidade do Rio de Janeiro não
estava preparada para as chuvas de abril de 2010. O impacto deste evento se
tornou um divisor de águas na forma com que o município lida com os riscos de
catástrofes como esta.
5.2.1 O Contexto Operacional da Fase de Preparação
Integração com Possíveis Vítimas:
O padrão de desastres no Rio de Janeiro é bem conhecido. Periodicamente
chuvas fortes atingem o município, provocando alagamentos e deslizamentos de
terra. O órgão responsável pela coordenação das ações de preparação e resposta a
desastres é a Defesa Civil. A ela compete elaborar e executar os planos de
emergência que abrangem os diversos órgãos envolvidos na gestão de desastres.
Pouco antes das chuvas de abril, em fevereiro de 2010, foi lançado o Sistema
de Gestão de Riscos e Crises (SIGERIC), formado por representantes das
secretarias municipais da Casa Civil, de Saúde e Defesa Civil, além de outros
30
Eng. Paulo Fonseca (Rio-Águas)
109
órgãos municipais. Seu objetivo, de acordo com notícia publicada no site da
Prefeitura31 em 08/02/2010 é:
“(...) identificar ameaças e riscos que possam interromper ou prejudicar significativamente as atividades operacionais da administração municipal e/ou o funcionamento da Cidade.”
Além da Defesa Civil, dois órgãos da Secretaria Municipal de Obras (SMO)
são fundamentais na etapa de preparação, considerando o padrão de desastres e
geografia da cidade. São eles a Rio-Águas e a Geo-Rio, que são responsáveis,
respectivamente, pela macrodrenagem das águas e pela contenção das encostas na
cidade.
A Fundação Geo-Rio foi fundada no ano de 1966, após uma forte chuva ter
provocado deslizamentos pela cidade. De acordo com o Engenheiro Herbem Maia,
Chefe de Gabinete do Presidente (Geo-Rio), o objetivo da fundação é estudar e
mitigar os riscos decorrentes das chuvas. O engenheiro afirma que Hong Kong e Rio
de Janeiro são as únicas cidades do mundo que possuem um instituto de geotécnica
próprio.
O mapeamento das áreas de risco foi iniciado em meados da década de 1980
com a tecnologia disponível na época. A primeira região mapeada foi o morro Pavão
Pavãozinho, em 1985, onde no final do ano anterior ocorreu um deslizamento que
matou 14 pessoas. Em 1986 e 1987 foi a vez do morro Dona Marta ser mapeado e
receber obras de contenção de encostas. Mas foi apenas em 1988, quando outra
forte chuva provocou deslizamentos na cidade, que o mapeamento das áreas de
31
http://noticiasrio.rio.rj.gov.br/index2.cfm?sqncl_publicacao=24069, acessado em 14/01/2011
110
risco começou a se disseminar, englobando a cidade como um todo e evoluindo
conforme novas tecnologias foram surgindo.
A Fundação Instituto das Águas do Município do Rio de Janeiro (Rio-Águas)
foi criada em 1998 e tem como objetivo planejar, gerenciar e supervisionar ações
preventivas e corretivas contra as enchentes na cidade. O órgão é responsável pela
execução de grandes obras, como as intervenções previstas para a Bacia do Canal
do Mangue, que visam prevenir enchentes para a área da Tijuca, incluindo a Praça
da Bandeira, que possui um histórico de alagamentos provocados por chuvas32.
Segundo o Eng. Paulo Fonseca, Gerente de Pesquisa e Suporte Técnico da
Rio-Águas e professor do Departamento de Engenharia Civil do Setor de Recursos
Hídricos da Universidade Federal Fluminense (UFF), algumas grandes obras já
foram realizadas para conter os alagamentos, porém, considerando o porte e a
complexidade dessas intervenções, muitos projetos ainda estão em fase de
implementação ou aguardando recursos para poderem ser iniciados.
Tanto os entrevistados na Geo-Rio quanto na Rio-Águas afirmaram que seus
respectivos órgãos já possuíam planos de contingência para o caso de desastres.
Faz parte do plano de contingência da Geo-Rio, por exemplo, orientar a CET-RIO
para o fechamento de vias que são problemáticas do ponto de vista geotécnico,
como a Grajaú-Jacarepaguá e a Av. Niemeyer. O plano de contingências da Rio-
Águas inclui plantões de engenheiros e técnicos durante o período das chuvas
(considerado pelo órgão como sendo de dezembro a março).
Organizações não-governamentais também têm seus planos de emergência.
De acordo com Luiz Alberto Sampaio, presidente da Cruz Vermelha no Rio de
32
www.rio.rj.gov.br/web/smo, acessado em 17/01/2011
111
Janeiro, a organização possui planos de emergência, principalmente na linha de
socorro às vítimas, que conta com informações advindas de experiências do órgão
no mundo inteiro. Casos como o Katrina e o Tsunami, que foram desastres de
grandes proporções, serviram como base para a reavaliação de planos existentes.
Os planos internacionais são adaptados às realidades locais para melhor se
adequarem ao padrão de desastres e às peculiaridades políticas, sociais e culturais
da região. Luiz Alberto Sampaio afirma que a Cruz Vermelha sempre fez parte do
sistema de Defesa Civil, mas foi só após as chuvas de abril que o órgão passou a
ser efetivamente integrante das ações de gestão de desastres, e não apenas
integrante dos planos no papel.
Por outro lado, Eliza Rosa Brandão, a presidente da Associação de
Moradores do Morro dos Prazeres, local mais afetado do município do Rio pelas
chuvas de abril, afirma que nenhum tipo de preparação para desastres havia sido
feito com os moradores da comunidade antes do evento. Algumas obras haviam
sido realizadas, mas não na região onde ocorreu o desmoronamento, já que não era
considerada uma área de risco. As casas que foram destruídas também eram
consideradas bem estruturadas. Ela afirma também que parte das obras do
programa Favela Bairro não foi concluída. A construção de uma passarela de
acesso e de um campinho estava prevista para ser realizada próxima ao local do
deslizamento, mas como as obras não foram concluídas o local se transformou em
um lixão, com restos das obras que não foram retirados e com o acúmulo de lixo dos
próprios moradores. A presidente da associação acredita que isso tenha contribuído
para o incidente.
112
Integração Interna:
Até 2010, a maior parte das secretarias, órgãos públicos e concessionárias,
que de alguma forma estavam envolvidas na gestão de desastres, possuía suas
próprias sedes, separadas geograficamente umas das outras. Geo-Rio e Rio-Águas
já funcionavam no mesmo prédio e, por isso, segundo funcionários dos dois órgãos,
sempre gozaram de maior facilidade de comunicação.
Em tempos de crise, como no mês de janeiro de 2010, quando também
choveu forte na cidade do Rio, e durante as chuvas de abril, o Prefeito Eduardo
Paes montou um centro de crise na sede da CET-RIO, para onde pessoas-chave
das outras organizações envolvidas foram chamadas. Segundo o Eng. Herbem Maia
(Geo-Rio), este foi possivelmente um primeiro indício da necessidade de unir esses
órgãos em um só lugar.
Com a montagem do centro de crise, a integração entre os órgãos foi boa. Os
entrevistados afirmam, porém, que mesmo com a separação geográfica os órgãos já
se comunicavam bem, já que há mais de 10 anos eles possuem uma lista com todos
os contatos dos outros órgãos, onde é informado quem são as pessoas que estão
de plantão. Todos concordam, no entanto, que a presença dos órgãos em um só
local torna as ações mais rápidas.
Para garantir a conformidade e padronização dos processos entre seus
funcionários, a Rio-Águas realiza treinamentos e possui procedimentos para cada
tipo de situação. Em função de uma determinada precipitação há a emissão de
relatórios hidrológicos imediatos que são enviados para o subsecretario da Rio-
Águas para informá-lo sobre um determinado evento. Outros órgãos também
113
possuem procedimentos padrão, mas não havia uma padronização que envolvesse
todos os órgãos governamentais.
Fora da esfera governamental, à Cruz Vermelha do Rio faltavam
procedimentos. Segundo o presidente do órgão, Luiz Alberto Sampaio, para que os
processos sejam padronizados é necessário realizar cursos de formação com os
funcionários e voluntários. Ele afirma que esse tipo de investimento depende de
recursos que normalmente aparecem após grandes calamidades, como foi o caso
das chuvas de abril.
Integração com Fornecedores:
Na administração pública é necessário realizar licitação para a contratação de
empresas. A lei permite apenas que, em caso de emergência, a contratação seja
realizada sem licitação como uma forma de agilizar o processo. Portanto, órgãos
públicos são incapazes de estabelecer parcerias estratégicas com fornecedores.
Para contornar esse problema, a Secretaria Nacional de Defesa Civil possui
estoque de materiais que sempre são necessários quando ocorre um desastre,
como cestas básicas e colchonetes. Quando um volume maior desses materiais é
necessário eles recorrem a órgãos não-governamentais, como, por exemplo, a Cruz
Vermelha, que é capaz de suprir rapidamente necessidades de grande volume de
materiais. Isso acontece porque a Cruz Vermelha possui relacionamentos com
diversos fornecedores e conta com uma rede global para apoiar qualquer evento.
Existem acordos pré-estabelecidos com fornecedores de água, alimentos,
colchonetes e outros itens considerados básicos.
114
Os órgãos governamentais deveriam, no entanto, ser capazes de firmar
acordos com fornecedores importantes, ao invés de depender de órgãos não
governamentais, que apesar de serem eficientes, dependem de recursos financeiros
incertos para se manterem ativos. Por isso, é considerado que não havia acordos de
integração e desenvolvimento de parcerias estratégicas com fornecedores na fase
de preparação.
5.2.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Preparação
Integração entre Tecnologia e Planejamento:
A gestão da informação nas organizações governamentais era realizada por
meio de documentos em papel e planilhas Excel e centralizados na Defesa Civil, que
agregava boletins e relatórios de outros órgãos, como o SMAS, segundo a Ouvidora
do órgão, Maria Tereza da Silva. Não havia, portanto, um sistema capaz de agregar
tais informações. Por outro lado, a Cruz Vermelha já possuía sistemas de gestão da
informação baseados na internet, que servem como um banco de dados global para
a organização.
O Eng. Herbem Maia (Geo-Rio) afirma que a capacidade gerencial da Defesa
Civil e sua boa comunicação com os outros órgãos permitiam que houvesse um
planejamento integrado entre as organizações. De acordo com o Tenente-Coronel
Márcio Motta (Defesa Civil), não havia um sistema integrado, cada órgão possuía o
seu, mas havia formas de disseminar informação rapidamente, principalmente
através dos SMS de alerta disparados pelo Alerta Rio.
115
O Alerta Rio, que faz parte da Geo-Rio, é um sistema implantado em 1996
que tem como objetivo alertar a população e os órgãos competentes sobre a
previsão e ocorrência de chuvas intensas que possam causar danos à sociedade. A
equipe de meteorologistas pertence a uma empresa contratada via concorrência
pública. Até 2010, sempre que uma chuva forte se aproximava da cidade,
funcionários da área ficavam sobrecarregados informando os demais órgãos,
normalmente via telefone ou mensagens de texto, sobre a evolução da chuva.
Para medir a intensidade das chuvas, o Alerta Rio contava com uma rede de
pluviômetros e, para realizar previsões, dependia de um radar meteorológico da
Aeronáutica localizado no Pico do Couto, na descida da Serra de Petrópolis. Este
radar, porém, foi concebido para auxiliar vôos e não para prever chuvas, por isso a
altura em que está localizado, a mais de mil metros de altitude, não é favorável para
a monitoração do tempo. Além disso, o radar é operado remotamente de Brasília.
Também fazia parte da estrutura de previsão de chuvas antes do desastre de
abril informações de satélite, uma rede de detecção de raios operada por Furnas e
sondas para medir pressão que existem em aeroportos. Nenhum destes foram
instalados especificamente para a previsão de chuvas na cidade. A previsão de
chuvas fortes não era, no entanto, prontamente comunicada à população em áreas
de risco, já que não havia sistemas de alerta na cidade.
Em relação ao planejamento das ações, de acordo com o Tenente-Coronel
Márcio Motta (Defesa Civil), isso sempre foi realizado de forma colaborativa entre os
órgãos envolvidos. Cada órgão tem autonomia para decidir como realizar suas
ações, porém as responsabilidades de cada órgão são bem definidas e as ligações
entre eles são claras e se dão de forma eficiente. O presidente da Cruz Vermelha,
116
Luiz Alberto Sampaio, confirma que o órgão também participou de forma
colaborativa no planejamento.
Integração de Medidas de Desempenho:
O estabelecimento de métricas e objetivos de desempenho é especialmente
difícil na logística humanitária, mas esse desafio deve ser encarado para que
operações de prevenção, resposta e recuperação tenham maior sucesso.
Entre os órgãos entrevistados, nota-se que não existem objetivos comuns,
apenas aqueles únicos de cada órgão, e que ainda assim faltam métricas para
avaliá-los. Na Geo-Rio, os objetivos de desempenho são definidos por projeto. Por
exemplo, em um projeto de contenção de encosta, o prazo para conclusão das
obras é um objetivo que costuma ser definido no início do projeto. Faltam, no
entanto, métricas pré-definidas para avaliação do desempenho do órgão em casos
de desastres. Uma possível métrica seria avaliar o número de deslizamentos
ocorridos em encostas que já sofreram intervenção da Geo-Rio.
O mesmo acontece na Defesa Civil e nos outros órgãos municipais, segundo
o Tenente-Coronel Márcio Motta (Defesa Civil). Existem objetivos, mas faltam
métricas. No SMAS, o objetivo sempre foi o de responder ao acionamento da Defesa
Civil, mas não é feito nenhum levantamento quanto ao desempenho das ações.
Já na Cruz Vermelha, sempre foi observado o desempenho das ações. O
objetivo do órgãos, nas palavras de Luiz Alberto Sampaio, é “atenuar e aliviar o
sofrimento humano”. Após cada ação é feito um levantamento para averiguar o
cumprimento desse objetivo e, com isso, levar o aprendizado para as próximas
ações. O presidente da instituição conta que o desempenho é avaliado em reuniões
117
que ocorrem durante as operações de ajuda, quando os planos de ação são
repensados, e após o desastre, quando é o momento de internalizar as lições
aprendidas e evitar erros no futuro.
5.2.3 O Contexto Comportamental da Fase de Preparação
Integração de Relacionamentos:
A responsabilidade de cada organização envolvida na gestão de desastres é
clara, na opinião de todos os entrevistados. A Defesa Civil já havia determinado
claramente o papel dos envolvidos, e é responsável por garantir sua aderência
quando necessário.
O compartilhamento de recursos na fase de preparação é um ponto forte
entre os órgãos envolvidos na gestão de desastre. Isso fica bem evidenciado com o
exemplo da utilização pelo Alerta Rio das tecnologias de outros órgãos para a
previsão de chuvas, como o radar meteorológico da Aeronáutica, a rede de detecção
de raios operada por Furnas e as sondas para medir pressão dos aeroportos.
118
5.2.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Preparação – Caso Chuvas de Abril
de 2010
Tabela 15: Quadro-resumo dos Itens da Fase de Preparação – Caso Chuvas de Abril de 2010
ITENS DA PREPARAÇÃO – CASO CHUVAS DE ABRIL DE 2010
Contexto Operacional
Integração com população em áreas de risco
Identificação do padrão de desastres na região e seus possíveis danos
P
Elaboração de planos de emergência (e evacuação, se necessário) abrangentes e factíveis
S
Integração interna para preparação para desastres
Integração entre áreas funcionais S
Padronização e simplificação de processos P
Integração com fornecedores (preparação)
Acordos de integração e desenvolvimento de parcerias estratégicas com fornecedores N
Contexto de Planejamento e
Controle
Integração entre tecnologia e planejamento (preparação)
Implementação de sistemas de gestão da informação
N
Implementação de meios de comunicação e sistemas de alerta
N
Planejamento colaborativo entre organizações
S
Integração de medidas de desempenho (planejamento)
Estabelecimento de métricas e objetivos de desempenho N
Contexto Comportamental
Integração de relacionamentos (compreensão dos papéis e do plano de ação)
Determinação de papéis e responsabilidades com clareza
S
Estabelecimento de acordos de compartilhamento de informações e recursos
S
5.3 Resposta
A chuva começou por volta das 17 horas do dia 5 de abril de 2010, segunda-
feira, quando uma frente fria vinda do sul se encontrou com uma massa de ar
quente, causando uma precipitação intensa e de longa duração. O temporal que se
S P NSim Parcialmente NãoLegenda:
119
formou durou mais de 36 horas, provocando mortes e prejuízos nos municípios
atingidos. Alagamentos pela cidade do Rio de Janeiro deixaram muitas pessoas que
retornavam do trabalho presas no trânsito. Na noite do dia 5, vias foram bloqueadas,
trens e metrô tiveram circulação prejudicada e houve cortes no fornecimento de
energia elétrica33.
As chuvas se estenderam pelos quatro dias seguintes, com intensidade
menor, como mostra o gráfico da Figura 18. Diversos deslizamentos de terra foram
registrados. De acordo com matéria publicada na Revista Veja do mês de junho de
2010, os deslizamentos na cidade do Rio de Janeiro ocorreram nos seguintes locais:
Rua Cândido das Neves, Av. Niemeyer, Morro dos Macacos, Morro da Mangueira,
Túnel Noel Rosa, Estrada Grajaú-Jacarepaguá, Morro do Borel, Av. Edson Passos,
Andaraí, Rocinha, Santa Teresa, Morro dos Prazeres, Morro do Turano,
Jacarepaguá, Recreio dos Bandeirantes e Estrada da Grota Funda, como mostra o
mapa da Figura 19.
Figura 18: Volume Pluviométrico – Caso Chuvas de Abril de 2010 (fonte: Alerta Rio34
)
33
Revista Veja, Abril de 2010 34
http://www0.rio.rj.gov.br/alertario/, acessado em 16/03/2011
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
6h 12h 18h 0h 6h 12h 18h 0h 6h 12h 18h 0h 6h 12h 18h
mm
Volume de Chuvas no Rio de Janeirode 5 a 8 de abril de 2010
Sumaré
Anchieta
Média
5/abr 6/abr 7/abr 8/abr
120
Figura 19: Pontos de Deslizamentos no Rio de Janeiro (Revista Veja, Junho de 2010)
5.3.1 O Contexto Operacional da Fase de Resposta
Integração com Vítimas:
A chuva continuou forte durante toda a madrugada de 6 de abril. Devido à
baixa visibilidade durante a noite, a avaliação inicial do desastre só começou a ser
feita na manhã do dia 6. Com o alagamento de vários pontos da cidade, muitos
funcionários de órgãos públicos importantes, como a Geo-Rio, tiveram dificuldades
em chegar a seus postos de trabalho. Felizmente, logo cedo no dia 6 de abril, a
Prefeitura decretou feriado, evitando um trânsito generalizado pela cidade, e a
Defesa Civil acionou os órgãos do sistema, inclusive a Cruz Vermelha. Assim,
quando a água baixou a mobilização ficou mais fácil.
O primeiro deslizamento no Morro dos Prazeres ocorreu por volta de
06h30min da manhã, conforme informação de Eliza Rosa Brandão. A presidente da
Associação de Moradores da comunidade entrou imediatamente em contato com o
121
Corpo de Bombeiros, que atendendo a diversas ocorrências na cidade, solicitou que
a líder comunitária verificasse se havia vítimas, para determinar a urgência do
socorro. Como a resposta foi negativa, o Corpo de Bombeiros deu prioridade a
outras ocorrências. Mais tarde, por volta de 08h00min da manhã, outro deslizamento
destruiu 12 casas e, dessa vez, provocou vítimas. Nesse momento, Eliza Rosa
Brandão não conseguiu contatar o Corpo de Bombeiros por telefone, pois o canal de
emergências estava ocupado. Ela buscou socorro a pé no grupamento mais próximo
da comunidade. Nas primeiras horas, uma pequena equipe do corpo de bombeiros e
os moradores reviraram os escombros com suas próprias mãos na busca por
sobreviventes. Demorou mais de quatro para que uma equipe melhor preparada
chegasse ao local.
Apesar da demora, Eliza Rosa Brandão acredita que o trabalho dos
Bombeiros, da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) e da
Subprefeitura do Centro foi eficiente, tendo em vista as diversas demandas que
ocorreram na cidade. As famílias sobreviventes que perderam todos os seus
pertences receberam auxílio de assistentes sociais e doações de alimentos e outros
materiais básicos.
A Geo-Rio enviou técnicos para os locais atingidos, identificou áreas de risco
em comunidades que deveriam ser evacuadas pela Defesa Civil e orientou a CET-
RIO a fechar vias que pudessem representar algum tipo de perigo à sociedade.
Considerando a severidade do desastre, o Tenente-Coronel Márcio Motta
(Defesa Civil) afirma que a resposta foi muito boa. O maior número de óbitos no
município do Rio de Janeiro ocorreu no Morro dos Prazeres em Santa Teresa, onde
34 pessoas perderam suas vidas. Comparando esse número com as mortes
122
registradas em Niterói e considerando o número de pessoas afetadas nas duas
cidades percebe-se que o Rio de Janeiro teve um desempenho muito superior na
resposta ao desastre que o do município de Niterói.
Integração Interna:
Na opinião do Eng. Herbem Maia (Geo-Rio) os fluxos de informação e os
processos que ligam os diferentes órgãos foram eficientes durante as chuvas de
abril. Pessoas-chave se reuniram na sede da CET-RIO, como havia acontecido em
janeiro do mesmo ano, para coordenar as ações conjuntamente. Segundo o
entrevistado, fica muito mais fácil tomar decisões e agir quando responsáveis dos
principais órgãos estão presentes no mesmo local.
A estrutura da prefeitura do Rio também foi capaz de se adaptar rapidamente
para a ocorrência, mobilizando seus diferentes órgãos e solicitando ajuda a quem
poderia colaborar de forma eficiente. Nesse momento, vale citar que o papel das
Forças Armadas foi muito importante. Como os órgãos envolvidos na resposta
imediata não possuíam veículos altos adequados para o uso em áreas alagadas, a
Marinha forneceu tais veículos e pessoas para auxiliar na resposta. O Tenente-
Coronel Márcio Motta (Defesa Civil) conta que logo que o Coronel Sérgio Simões,
Secretário da Defesa Civil do Estado, solicitou ajuda, as Forças Armadas enviaram
caminhões e organizaram a logística necessária para distribuir os donativos que
lotavam a sede da Cruz Vermelha no centro da cidade do Rio.
A estrutura da SMAS também se adaptou rapidamente às necessidades que
surgiram. Foi possível enviar rapidamente funcionários do órgão aos locais
atingidos, pois foi considerada nessa distribuição a proximidade dos funcionários às
123
bases de ação montadas pela SMAS, como conta a Ouvidora do órgão, Tereza
Maria da Silva.
Integração com Fornecedores:
O fornecimento de materiais críticos foi garantido pela Cruz Vermelha e outras
organizações não governamentais. Segundo Tereza Maria da Silva (SMAS), como a
SMAS não possuía acordos preestabelecidos para o fornecimento de materiais
críticos e, tão pouco, estoque de tais materiais, a logística e os relacionamentos com
fornecedores facilitados pela Cruz Vermelha foram essenciais durante a resposta às
chuvas. A rede de supermercados Horti-Fruti, por exemplo, procurou a secretaria
para doar alimentos, e foi através da Cruz Vermelha que a entrega e distribuição das
mercadorias foram realizadas.
Com sua rede de fornecedores bem estabelecida, a Cruz Vermelha foi capaz
de distribuir rapidamente kits de alimentos, higiene, utensílios de cozinha, entre
outros, para as famílias carentes afetadas pelo desastre. Sua rede de fornecimento
é tão bem organizada que os kits de utensílios de cozinha foram importados do
Panamá, onde havia fornecedores capazes de produzi-los e fornecê-los rapidamente
para o órgão.
A instituição contou com doações de diversas empresas, como, por exemplo,
do Grupo EBX, que doou cerca de cem mil reais em fraldas. O estoque foi
gerenciado pela Cruz Vermelha, que montou kits e cestas básicas. Para distribuição
das mercadorias, a organização contou com o apoio da Sindicarga, o sindicato dos
transportadores de carga, e da Marinha.
124
Entre as organizações do município, a Geo-Rio encontrou dificuldades para
contratar empresas de engenharia civil para responder rapidamente às chuvas de
abril, pois faltava capacidade nessas empresas. Alguns lugares só foram atendidos
um mês após as chuvas. Segundo o Eng. Herbem Maia, este foi um caso atípico.
Para contornar a situação, a Geo-Rio acionou a Defesa Civil para a evacuação de
áreas de risco.
Na Rio-Águas os contratos de manutenção foram acionados para realizar a
manutenção de calhas de rios e a desobstrução de galerias, o que funcionou bem
durante o desastre. O órgão também contou com o apoio da SECONSERVA,
responsável pela rede de microdrenagem, e da COMLURB.
5.3.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Resposta
Integração entre Tecnologia e Planejamento:
Durante os eventos das chuvas, os diversos órgãos envolvidos se reuniram
na sede da CET-RIO no centro da cidade, onde foi montada a sala de crise com a
presença do prefeito Eduardo Paes. De acordo com o Tenente-Coronel Márcio Motta
(Defesa Civil), a gestão da informação foi concentrada neste local e as ações
coordenadas em conjunto pelas diversas organizações. Estavam disponíveis rádios
e celulares para comunicação com as equipes em campo.
Não havia sistemas de alerta para informar a população residente de áreas de
risco, mas os canais de televisão e rádio foram capazes de disseminar rapidamente
a gravidade do problema e orientar a população para buscar abrigo em locais
seguros.
125
A colaboração entre as organizações envolvidas foi bastante elogiada pelos
entrevistados. Segundo o Eng. Herbem Maia (Geo-Rio), a união dos órgãos na sede
da CET-RIO possibilitou uma integração que foi muito importante para a eficiência
das operações de resposta.
Integração de Medidas de Desempenho:
Os engenheiros entrevistados na Rio-Águas acreditam que as operações de
resposta às chuvas de abril foram dinâmicas e bem sucedidas, uma vez que grande
parte da população foi avisada a tempo e que engenheiros de diversos órgãos se
mobilizaram e se comunicaram rapidamente para tomar as ações pertinentes a cada
órgão.
O presidente da Cruz Vermelha, Luiz Alberto Sampaio, afirma que a ação da
Defesa Civil, como coordenadora da gestão do desastre, foi bastante eficiente.
Segundo ele, o papel do Coronel Simões (Defesa Civil), citado também pelos outros
entrevistados, foi fundamental. Ele foi capaz de articular a resposta para todas as
necessidades que surgiram. O desempenho do trabalho conjunto entre a Defesa
Civil, a Cruz Vermelha e a SMAS foi considerado excelente pelas organizações
entrevistadas, inclusive pela presidente da Associação de Moradores do Morro dos
Prazeres, Eliza Rosa Brandão.
126
5.3.3 O Contexto Comportamental da Fase de Resposta
Integração de Relacionamentos:
Os papéis e responsabilidades de cada órgão foram mantidos durante o
evento das chuvas de abril, de acordo com o Eng. Paulo Fonseca (Rio-Águas).
Esses papéis, segundo o engenheiro, estão claros dentro dos órgãos, são sempre
respeitados e a integração entre eles se deu de forma eficiente.
Houve também o compartilhamento de recursos entre os órgãos. O Eng.
Antônio Gomes (Rio-Águas) citou que camionetes de órgãos de fiscalização
ambiental foram colocadas à disposição da Prefeitura, da Geo-Rio e outros órgãos
envolvidos na resposta ao desastre.
Para a Cruz Vermelha não faltaram recursos humanos ou materiais. Eles
contaram com o apoio de emissoras de rádio e televisão para divulgar eventuais
faltas. Segundo Luiz Alberto Sampaio, bastou divulgar a informação para que a
sociedade rapidamente se mobilizasse e assegurasse o suprimento de qualquer
recurso.
127
5.3.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Resposta – Caso Chuvas de Abril
de 2010
Tabela 16: Quadro-resumo dos Itens da Fase de Resposta – Caso Chuvas de Abril de 2010
ITENS DA RESPOSTA – CASO CHUVAS DE ABRIL DE 2010
Contexto Operacional
Integração com vítimas Avaliação inicial do desastre P
Capacidade de atender as vítimas P
Integração interna no momento do caos
Eficiência do fluxo processual S
Capacidade de adaptação S
Integração com fornecedores (ação)
Capacidade de fusão operacional com fornecedores
P
Capacidade de gestão do fornecimento P
Contexto de Planejamento e
Controle
Integração entre tecnologia e planejamento (ação)
Capacidade de gestão da informação S
Meios de comunicação e sistemas de alerta utilizados
S
Colaboração (troca de informações) entre organizações
S
Integração de medidas de desempenho (resultado)
Desempenho da resposta em relação aos objetivos definidos S
Contexto Comportamental
Integração de relacionamentos (aderência aos papéis e plano de ação previsto)
Aderência aos papéis e responsabilidade planejados
S
Compartilhamento de informações e recursos
S
5.4 Recuperação
Nos dias seguintes ao desastre os municípios atingidos tentavam se
recuperar. A Prefeitura do Rio anunciou um novo mapeamento das áreas de risco na
capital. A Prefeitura calculou em quatro mil pessoas o total de moradores que teriam
de deixar suas casas em oito favelas do município.
S P NSim Parcialmente NãoLegenda:
128
5.4.1 O Contexto Operacional da Fase de Recuperação
Integração com Beneficiários da Ajuda:
A prefeitura do Rio possui uma ampla rede para atender às necessidades da
população atingida. Diversos órgãos presentes na cidade, como, por exemplo, a
Geo-Rio, não existem em outros municípios ou não se comparam na relação
quantidade de efetivo por tamanho da população com os órgãos municipais
cariocas.
Em relação às necessidades de reconstrução das regiões afetadas, um ano
após o desastre os órgãos envolvidos ainda buscam realizar as obras necessárias
para garantir a segurança da população durante chuvas fortes. Apesar de muito já
ter sido feito, ainda faltam obras de infraestrutura que são heranças de outros
governos e dependem de grande aporte de investimento para serem realizadas,
segundo os entrevistados na Rio-Águas.
Antes das chuvas de abril de 2010, a Geo-Rio já havia mapeado as áreas de
risco da cidade, mas detalhes de cada região ainda eram desconhecidos. Após o
desastre, novas análises e mapeamentos foram realizados, dessa vez utilizando
tecnologias mais avançadas que permitiam o cruzamento de dados (como
declividade, ocupação do solo, geologia, etc.), dando maior grau de precisão às
análises. Dessa forma, foi possível mapear a suscetibilidade e a vulnerabilidade das
diferentes regiões da cidade (Eng. Herbem Maia - Geo-Rio).
A partir de então, cada comunidade que apresenta algum grau de risco está
sendo revisitada para se estudar as obras que seriam possíveis fazer para mitigar os
129
riscos. Em último caso, quando não é possível resolver o problema com obras, o
órgão determina a remoção dos moradores. De acordo com Eng. Herbem Maia
(Geo-Rio), as ações emergenciais foram rapidamente concluídas. Já as obras de
maior porte podem demorar de 10 a 15 anos para serem concluídas. Enquanto isso,
sistemas de alerta foram implantados.
Para Luiz Alberto Sampaio (Cruz Vermelha), enquanto o município do Rio se
recuperou bem, o problema maior ocorreu em Niterói, onde ele acredita que falta
vontade pública para resolver o problema das chuvas.
Já em relação às necessidades da população afetada, após a tragédia, a
SMAS fez o cadastramento das famílias atingidas e enquadrou no programa bolsa
família aqueles que ainda não estavam sendo beneficiados. Outros benefícios, como
aluguel social, compra assistida, fornecimento de casa e indenização, que podem
ser adaptados conforme a necessidade de cada família afetada, também foram
disponibilizados.
Nas palavras do Tenente-Coronel Márcio Motta (Defesa Civil), “por mais
presente que qualquer órgão público seja, o primeiro a responder a qualquer
desastre é o morador”. Por isso, a Defesa Civil está levantando esforços para treinar
a população em áreas de risco sobre como reagir em caso de desastres. O papel do
órgão é continuar preparando a população e visitando e indicando os locais de risco
onde ações precisam ser tomadas.
Um ano após a tragédia, as famílias que perderam suas casas no Morro dos
Prazeres ainda não haviam sido alocadas no conjunto habitacional Frei Caneca,
como prometido, e continuam vivendo do aluguel social, que, segundo a presidente
da Associação dos Moradores, não é suficiente para cobrir os gastos de moradia. A
130
creche da comunidade, interditada após as chuvas, também não voltou a funcionar.
E a comunidade, que abriga cerca de sete mil pessoas, corre o risco de ser
completamente removida. Eliza Rosa Brandão demonstrou bastante ceticismo
quanto à resolução do problema. Para ela, o melhor caminho seria a construção das
novas moradias na própria comunidade ou o recebimento de indenização para as
famílias que perderam suas casas poderem reconstruir suas vidas.
Integração Interna:
Assim como ocorreu durante as fases de preparação e resposta, as
organizações envolvidas trabalharam de forma integrada para recuperar famílias e
locais após as chuvas de abril. As próprias famílias afetadas também foram
capacitadas para ajudar na reconstrução. Segundo Tereza Maria da Silva (SMAS),
através de uma parceria com a ONG Ação Comunitária do Brasil, os participantes
aprendem técnicas de construção para auxiliarem na reconstrução da comunidade
onde vivem e de suas próprias vidas.
Segundo Luiz Alberto Sampaio (Cruz Vermelha), após as chuvas a Cruz
Vermelha obteve uma maior importância sob o ponto de vista das organizações
governamentais envolvidas na gestão de desastres. Desde abril de 2010 a Cruz
Vermelha vem desempenhando um papel mais ativo e um relacionamento mais
próximo com os órgãos do sistema de Defesa Civil.
Integração com Fornecedores:
A integração com fornecedores poderá apenas ser abordada de forma mais
estratégica quando o sistema de contratação por parte dos órgãos governamentais
for revisto. A burocracia que existe hoje é uma forma de evitar atos corruptos que,
131
infelizmente, são comuns no Brasil. Enquanto isso, os órgãos envolvidos na gestão
de desastres tentam contornar a situação como possível.
Uma ação interessante neste sentido são as parcerias que a Defesa Civil está
firmando com as empresas de telefonia celular. Usuários de algumas operadoras já
podem se cadastrar para receber mensagens SMS sobre condições adversas do
tempo e possíveis riscos de chuvas fortes, alagamentos e deslizamentos no
município, de acordo com o Tenente-Coronel Márcio Motta (Defesa Civil).
Mais uma vez, a Cruz Vermelha, que conta com relacionamentos importantes
com a iniciativa privada foi fundamental na fase de recuperação, fornecendo itens
importantes para a reconstrução dos lares afetados.
5.4.2 O Contexto de Planejamento e Controle da Fase de Recuperação
Integração entre Tecnologia e Planejamento:
Em relação ao uso de tecnologia e ao planejamento, a recuperação (e
preparação para as próximas chuvas) tem sido excelente. Em primeiro lugar, foi
criado o Centro de Operações Rio (COR), que reúne mais de 30 secretarias, órgãos
públicos e concessionárias, que trabalham de forma integrada em sistema de
plantão 24 horas por dia. O COR foi inaugurado no dia 1º de janeiro de 2011 e é
hoje o mais moderno e integrado centro municipal de operações no mundo.
Segundo o Eng. Herbem Maia (Geo-Rio), a criação do COR já estava nos
planos do Prefeito Eduardo Paes antes das chuvas de abril, mas provavelmente sua
construção foi acelerada devido à dimensão da tragédia. O engenheiro afirma que a
132
capacidade de integração e gestão da informação melhorou após a implantação do
COR.
Outra ação importante foi a elaboração e divulgação do Plano de
Emergências da Cidade do Rio de Janeiro (PEM-Rio), por parte da Subsecretaria de
Defesa Civil (SUBDEC). O plano reúne dados sobre a cidade, fundamentação legal,
princípios para a preparação e as ações de resposta às emergências e detalhes
sobre a implantação, ativação e controle do plano. São contempladas mais de 50
organizações, com determinação de responsáveis principais, responsáveis e
envolvidos em cada atividade de resposta, dividido em três ocorrências típicas na
cidade: chuvas, deslizamentos e inundações.
Além disso, a cidade ganhou finalmente um radar meteorológico
especificamente para a previsão de chuvas, que a Geo-Rio almejava desde 2001. O
radar foi instalado no Sumaré e é operado pelo Alerta Rio. Com a compra desse
radar as previsões de chuva passam a ter uma precisão muito maior.
Outra frente de recuperação (e preparação) está ocorrendo dentro das
comunidades de mais alto risco, onde a Geo-Rio, em conjunto com a Defesa Civil,
está montando um sistema de sirenes para alertar a população, que é acionado
quando se atinge um determinado índice pluviométrico. De acordo com o Tenente-
Coronel Márcio Motta (Defesa Civil), essa parceria está funcionando muito bem. A
Geo-Rio define os locais onde os sistemas devem ser implantados e a Defesa Civil,
em parceria com outras organizações, atua junto à população para capacitar líderes
comunitários e treinar os moradores dessas regiões sobre como agir quando o
alarme for acionado.
133
A capacitação inclui um plano de evacuação das famílias para abrigos em
locais seguros – baseados em escolas, igrejas e postos de saúde próximos –
sempre que for detectada uma chuva superior a 40 mm por hora. Segundo o
Tenente-Coronel Márcio Motta (Defesa Civil), quando a chuva atinge essa
intensidade ainda é possível separar os pertences mais importantes, como
documentos e remédios indispensáveis, e se deslocar com segurança para os locais
de abrigo.
A Cruz Vermelha também está envolvida nesse movimento, capacitando os
moradores dos locais escolhidos pela Geo-Rio em primeiros socorros. Até a época
da entrevista, em meados de abril de 2011, a instituição já havia oferecido
treinamentos em três comunidades do município do Rio – Morro do Borel, Morro da
Formiga e Morro do Macaco – onde já haviam sido instaladas sirenes de alerta.
Os líderes comunitários têm papel ativo na definição de rotas de fuga e
pontos de encontro junto com a Defesa Civil. Como colocado pelo Tenente-Coronel
Márcio Motta (Defesa Civil), a participação dos líderes é importante, pois “eles que
sabem onde que geralmente desliza, eles que sabem onde sempre alaga e eles
sabem onde são os pontos de apoio para onde as pessoas podem ir.”
Como resultado dessas ações, até o fim do ano de 2010 foram formados
1.895 agentes comunitários de saúde e 314 núcleos de Defesa Civil. Eles receberam
da Defesa Civil telefones funcionais que podem ser utilizados gratuitamente nas
ligações para o órgão e que já estão cadastrados para receber mensagens SMS
sobre possíveis riscos de desastres.
A comunidade mais afetada pelas chuvas, o Morro dos Prazeres, no entanto
não recebeu toda essa atenção. Um muro de contenção foi construído no local onde
134
ocorreram os deslizamentos, mas o sistema de sirenes para alertar a população
sobre o risco de chuvas fortes não foi instalado na comunidade. Eliza Rosa Brandão
afirma que esteve presente, apesar de não ter sido convidada à reunião sobre a
implantação dos sistemas de alerta, que ocorreu no final do ano de 2010 entre os
representantes das comunidades afetadas e a Defesa Civil. Ao ser indagado sobre o
porquê da exclusão, o órgão afirmou para Eliza Rosa Brandão que houve uma falha
de comunicação. Como seu nome não constava na listagem dos participantes, ela
também não recebeu o celular destinado aos líderes comunitários para o
recebimento de alertas e a comunicação com órgãos do Sistema de Defesa Civil.
Mas dias depois a Geo-Rio informou que seu aparelho estava disponível para
retirada.
Integração de Medidas de Desempenho:
Enquanto a integração entre tecnologia e planejamento foi um sucesso, nada
mudou em relação às medidas de desempenho. De acordo com o Tenente-Coronel
Márcio Motta (Defesa Civil) cada órgão continua com os mesmo objetivos de antes
das chuvas e a avaliação do desempenho continua deixando a desejar.
Uma evidência disso é a falta de informação sobre as chuvas de abril nos
sites dos órgãos envolvidos. Não há informações importantes sobre o número de
mortos, bairros atingidos, população afetada, entre outros, nas páginas da Defesa
Civil e de outros órgãos que deveriam prover tais dados.
Apesar de não se comparar com o caso Katrina em termos de danos, este foi
um dos maiores desastres em território brasileiro. Após o furacão que deixou mais
de 20.000 mortos nos Estados Unidos, o governo do país elaborou e disponibilizou
na internet um relatório com detalhes da catástrofe, que inclusive tornou possível a
135
inclusão deste caso neste trabalho. Já o governo brasileiro não possui uma base
sequer para consulta sobre as chuvas. As informações sobre o evento foram obtidas
através das entrevistas, de um seminário sobre as chuvas e de matérias de jornal.
5.4.3 O Contexto Comportamental da Fase de Recuperação
Integração de Relacionamentos
De acordo com o Eng. Herbem Maia (Geo-Rio), os papéis e
responsabilidades de cada órgão serão mantidos uma vez que a estrutura já
funciona muito bem. Mas com a criação do Centro de Operações, organizações que
não funcionavam 24 horas por dia passaram a funcionar. Para o Tenente-Coronel
Márcio Motta (Defesa Civil) esse é um grande avanço, pois permite atender de forma
mais eficiente as necessidades da cidade. Para o Eng. Paulo Fonseca (Rio-Águas),
o Centro de Operações Rio também está possibilitando um maior compartilhamento
de informações e recursos entre os órgãos.
Luiz Alberto Sampaio, da Cruz Vermelha, afirma que a instituição está sempre
repensando sua estrutura e conta com trocas de experiências internacionais para
buscar a excelência nos serviços que presta. Após as chuvas de abril, a Cruz
Vermelha está aproveitando sua visibilidade entre os órgãos governamentais para
se consolidar como entidade importante na gestão de desastres na cidade.
136
5.4.4 Quadro-resumo dos Itens da Fase de Recuperação – Caso Chuvas de
Abril de 2010
Tabela 17: Quadro-resumo dos Itens da Fase de Recuperação – Caso Chuvas de Abril de 2010
ITENS DA RECUPERAÇÃO – CASO CHUVAS DE ABRIL DE 2010
Contexto Operacional
Integração com beneficiários da ajuda
Atendimento às necessidades de reconstrução da região
P
Atendimento às necessidades da população afetada
S
Integração interna para recuperação
Integração entre as organizações competentes para reconstrução
S
Integração com fornecedores (ação e melhoria)
Capacidade de gestão do fornecimento P
Contexto de Planejamento e
Controle
Integração entre tecnologia e planejamento (melhoria)
Capacidade de gestão da informação S
Revisão e recuperação dos meios de comunicação e sistemas de alerta
S
Colaboração entre organizações S
Integração de medidas de desempenho (melhoria)
Revisão dos objetivos de desempenho e melhoria das métricas utilizadas N
Contexto Comportamental
Integração de relacionamentos (ação e melhoria)
Revisão de papéis e responsabilidades (quando necessário)
S
Compartilhamento de informações e recursos
S
S P NSim Parcialmente NãoLegenda:
137
6 ANÁLISE DO CASO CHUVAS DE ABRIL DE 2010 NO MUNICÍPIO
DO RIO DE JANEIRO
A partir da descrição e análise do caso das Chuvas de Abril é possível
investigar as capacitações necessárias para que a gestão da logística humanitária
seja bem sucedida em casos de desastres naturais. Foi elaborado um referencial
baseado na literatura para analisar cada fase da gestão de desastres – preparação,
resposta e recuperação. Serão respondidas, inicialmente, as questões colocadas
para a fase de preparação. Em seguida será abordada a fase de resposta. E, por
fim, as respostas às perguntas elaboradas para a fase de recuperação serão
apresentadas.
Algumas regiões do planeta são mais propensas a sofrer os impactos de
desastres naturais. Nestes locais, a preparação para os eventos da natureza
costuma estar presente no dia a dia da população. A fase de preparação envolve,
principalmente, a mitigação de riscos e a elaboração de planos de ação, e por isso é
a fase que permite alcançar maiores reduções dos impactos físicos e materiais dos
desastres.
No referencial proposto, as competências associadas com o desempenho
superior dos contextos operacional, de planejamento e controle e comportamental
da fase de preparação são:
Contexto operacional:
o Identificação do padrão de desastres na região e seus possíveis
danos;
138
o Elaboração de planos de emergência (e evacuação, se necessário)
abrangentes e factíveis;
o Integração entre áreas funcionais;
o Padronização e simplificação de processos; e
o Acordos de integração e desenvolvimento de parcerias estratégicas
com fornecedores.
Contexto de planejamento e controle:
o Implementação de sistemas de gestão da informação;
o Implementação de meios de comunicação e sistemas de alerta;
o Planejamento colaborativo entre organizações; e
o Estabelecimento de métricas e objetivos de desempenho.
Contexto comportamental:
o Determinação de papéis e responsabilidades com clareza; e
o Estabelecimento de acordos de compartilhamento de informações e
recursos.
Durante a fase de preparação, é preciso garantir uma estrutura adequada
para enfrentar os desastres, por isso, órgãos como a Geo-Rio e a Rio Águas,
responsáveis, respectivamente, pela contenção de encostas e enchentes na cidade
do Rio de Janeiro, são atores importantes, que devem entrar em ação nesta fase.
Organizações que prestam socorro após a ocorrência dos eventos, como a Defesa
Civil, no contexto brasileiro, precisam ter planos de emergência e recursos para
estarem preparados para entrar em ação na próxima fase.
Foi possível identificar que havia integração com a população de áreas de
risco, já que o padrão de desastres na região era conhecido pelas organizações
139
envolvidas, assim como os possíveis danos que eles podem causar. O
representante da Geo-Rio afirmou que a organização já possuía o mapeamento das
principais áreas de risco da cidade, e em conjunto com outros órgãos havia tomado
as ações pertinentes para conter os riscos. Além disso, as organizações já possuíam
planos de contingência e/ou emergência. Os entrevistados na Geo-Rio, Rio Águas,
Defesa Civil e Cruz Vermelha afirmaram que possuíam planos próprios e planos em
conjunto com outras organizações. O sistema de Defesa Civil envolve diversas
organizações e tem a Secretaria de Defesa Civil como coordenadora da gestão de
desastres.
A integração entre os órgãos, que representam as diferentes áreas funcionais,
já era considerada positiva pelos entrevistados antes da criação do Centro de
Operações Rio, que reuniu as organizações envolvidas em todas as fases da gestão
de desastres. Apesar da separação geográfica, os entrevistados consideram que
não havia problemas de comunicação e cooperação entre os órgãos, mas acreditam
que a unificação teria trazido uma maior agilidade. Já em relação aos processos
internos das organizações, foi verificado que apenas os entrevistados de órgãos
governamentais afirmaram possuir processos padronizados. Na Cruz Vermelha, e
em outras organizações não governamentais, a escassez de recursos inviabiliza o
investimento em cursos de formação para funcionários e voluntários, necessários
para que os processos e procedimentos sejam realizados conforme o que foi
desenhado.
Foi identificado que o estabelecimento de acordos de integração e
desenvolvimento de parcerias estratégicas com fornecedores foi a principal
deficiência das organizações no contexto operacional da fase de preparação. Como
é necessário realizar licitação para a contratação de empresas na administração
140
pública, órgãos públicos são incapazes de estabelecer acordos para garantir a
criação de uma cadeia de fornecimento adequada para a resposta a desastres. De
acordo com o entrevistado da Defesa Civil, o órgão possui estoque de materiais
críticos e conta com o apoio da Cruz Vermelha na arrecadação de donativos.
Observa-se, portanto, que as organizações envolvidas demonstraram possuir
apenas parte das capacitações identificadas para o contexto operacional.
O contexto de planejamento e controle na fase de preparação apresentou
muitas carências. Sistemas de informação, meios de comunicação e sistemas de
alerta, não atendiam de forma adequada às necessidades do desastre. A gestão da
informação nas organizações governamentais era realizada por meio de
documentos em papel e planilhas Excel e centralizados na Defesa Civil, enquanto a
Cruz Vermelha já possuía sistemas de gestão da informação baseados na internet.
Como os órgãos estavam descentralizados, a comunicação era realizada
basicamente por meio de telefone. Quando era necessário passar informações
sobre o risco de chuvas fortes para os órgãos competentes, os meteorologistas do
Alerta Rio ficavam sobrecarregados, o que poderia ser reduzido com a utilização de
meios de comunicação mais eficientes. Para a comunicação com a população,
também foi verificado que não havia sistemas de alerta nas regiões mais críticas, o
que poderia ter evitado a morte de dezenas de pessoas no Morro dos Prazeres.
Apesar das dificuldades de comunicação e alerta e da falta de sistemas de
informação mais robustos, foi possível verificar que as organizações planejavam de
forma colaborativa as ações de preparação para desastres. Tanto as organizações
governamentais quanto as não governamentais declararam ter participado
colaborativamente com a Defesa Civil, coordenadora das ações.
141
Já em relação ao último item do contexto de planejamento e controle, a
integração de medidas de desempenho, que envolve a determinação de métricas e
o monitoramento do desempenho das ações, vale ressaltar a falta de referenciais
teóricos aplicados ao contexto humanitário na literatura e a dificuldade de definir
indicadores que possam ser utilizados para comparar ações e definir metas. Na fase
de preparação, antes das Chuvas de Abril, verificou-se que não existem objetivos
comuns entre os órgãos entrevistados, apenas objetivos pontuais, e que ainda assim
faltam métricas para avaliá-los.
Por fim, o contexto comportamental da fase de preparação foi o único
contexto em que foi possível verificar o pleno atendimento às capacitações
propostas. Papéis e responsabilidades de cada organização foram determinados
com clareza, de forma que todos os envolvidos na gestão de desastres eram
capazes de identificar os limites de sua atuação e da atuação das outras
organizações envolvidas. Já estavam estabelecidos acordos de compartilhamento
de informações e recursos.
Apesar das deficiências na fase de preparação, a fase de resposta se
mostrou bem sucedida. Nenhum dos itens propostos para esta fase estava
totalmente ausente durante as Chuvas de Abril. No referencial proposto, as
capacitações, competências e recursos dos contextos operacional, de planejamento
e controle e comportamental da fase de resposta são:
Contexto operacional:
o Avaliação inicial do desastre
o Capacidade de atender as vítimas
o Eficiência do fluxo processual
142
o Capacidade de adaptação
o Capacidade de fusão operacional com fornecedores
o Capacidade de gestão do fornecimento
Contexto de planejamento e controle:
o Capacidade de gestão da informação
o Meios de comunicação e sistemas de alerta utilizados
o Colaboração (troca de informações) entre organizações
o Desempenho da resposta em relação aos objetivos definidos
Contexto comportamental:
o Aderência aos papéis e responsabilidade planejados
o Compartilhamento de informações e recursos
A fase de resposta envolve velocidade a qualquer custo. Nesta fase, busca-se
maximizar o serviço oferecido, em detrimento à redução de custos, com o objetivo
de minimizar o sofrimento da população afetada.
Durante as Chuvas de Abril de 2010 no município do Rio de Janeiro, de forma
geral, verificou-se que houve rapidez na resposta dada ao desastre. As
organizações do governo foram capazes de informar a população sobre os
alagamentos generalizados pedindo para que todos permanecessem em suas
casas, evitando assim engarrafamentos generalizados pela cidade e,
conseqüentemente, viabilizando um fluxo ágil para que as equipes de resgate
chegassem aos locais afetados. Apesar disso, na região mais afetada do município,
o Morro dos Prazeres, foi verificado a demora na chegada de equipes com a
preparação necessária para resgatar as vítimas do soterramento que aconteceu na
143
região. Moradores do local e os primeiros bombeiros que chegaram à região tiveram
que cavar com suas próprias mãos em busca de vítimas.
As organizações envolvidas na gestão do desastre se reuniram na sede da
CET-RIO para coordenar as ações conjuntamente, garantindo assim uma maior
agilidade e flexibilidade para a tomada de decisão. Essa agilidade não foi refletida,
porém, no fornecimento de materiais críticos para a população e os locais afetados.
Como a contratação de empresas por parte de órgãos governamentais depende da
realização de licitações, tais órgãos não possuem contratos ou acordos com
fornecedores para o caso de desastres. O fornecimento de materiais críticos foi
garantido pela Cruz Vermelha e outras organizações não governamentais, que, por
sua vez, possuem acordos com fornecedores ou recebem ajuda de voluntários e
empresas que confiam em sua atuação.
Nos contextos de planejamento e controle e comportamental da fase de
resposta foi verificado um verdadeiro sucesso na operação comandada pela Defesa
Civil com o apoio de diversos outros órgãos do governo. Apesar da falta de itens
importantes na fase de preparação, as organizações foram capazes de contornar as
deficiências e prestar um serviço adequado. Grande parte do sucesso se deve a
centralização dos órgãos envolvidos na sede da CET-RIO, o que garantiu uma maior
colaboração e possibilitou que a gestão da informação fosse concentrada neste local
e as ações coordenadas em conjunto pelas diversas organizações. A falta de
sistemas de alerta para informar os moradores das áreas de risco foi contornada
pela capacidade dos canais de televisão e rádio de disseminar rapidamente a
gravidade do problema e orientar a população.
144
A ação teve um desempenho excelente na opinião de todos os entrevistados.
Segundo eles, cada órgão realizou o que estava determinado como seu papel e
responsabilidade de forma adequada e contribuiu para o compartilhamento de
informações e recursos com os outros órgãos. A população do município também se
mobilizou para oferecer ajuda em forma de doações e/ou serviços voluntários,
garantindo o abastecimento de alimentos e outros materiais necessários aos locais
afetados.
A dimensão do desastre e o entendimento da necessidade de integração
entre os órgãos envolvidos culminaram em ações de recuperação significativas na
cidade do Rio de Janeiro. Uma das principais ações foi a criação do Centro de
Operações Rio, que já é considerado o centro de operações mais preparado para
uma cidade no mundo.
No referencial proposto, as capacitações, competências e recursos dos
contextos operacional, de planejamento e controle e comportamental da fase de
recuperação são:
Contexto operacional:
o Atendimento às necessidades de reconstrução da região
o Atendimento às necessidades da população afetada
o Integração entre as organizações competentes para reconstrução
o Capacidade de gestão do fornecimento
Contexto de planejamento e controle:
o Capacidade de gestão da informação
o Revisão e recuperação dos meios de comunicação e sistemas de
alerta
145
o Colaboração entre organizações
o Revisão dos objetivos de desempenho e melhoria das métricas
utilizadas
Contexto comportamental:
o Revisão de papéis e responsabilidades
o Compartilhamento de informações e recursos
A fase de recuperação envolve a reconstrução dos locais afetados e a
preparação para os próximos eventos. Normalmente são necessários grandes
investimentos em infraestrutura, por isso a contenção de gastos torna-se algo
necessário, em detrimento à velocidade das ações. De forma geral, é possível
considerar que o município do Rio de Janeiro foi capaz de se recuperar de sólida
após as Chuvas de Abril. As ações que foram tomadas são de grande valia para a
preparação e resposta aos próximos eventos.
No contexto operacional, os órgãos envolvidos demonstraram, mais uma vez,
trabalhar de forma integrada para recuperar famílias e locais afetados. Como o papel
da Cruz Vermelha foi muito importante durante a fase de resposta, principalmente
em relação ao fornecimento de materiais críticos, percebe-se uma maior inclusão
deste órgão não governamental nas ações e planejamentos dos órgãos do governo.
Relacionamentos com fornecedores continuam dependendo em grande parte de
licitações, mas uma parceria interessante foi firmada entre a Defesa Civil e uma
empresa de telefonia. Hoje, a população da cidade poderá receber mensagens
gratuitas no celular informando sobre condições adversas do tempo.
Pode-se afirmar que o município do Rio de Janeiro atendeu bem às
necessidades da população atingida, mas, um ano após o desastre, algumas obras
146
necessárias para garantir a segurança da população ainda não haviam sido
realizadas. Vale ressaltar, porém, que obras de maior porte, que são em grande
parte heranças de outros governos, dependem de altos investimentos e podem
demorar até 15 anos para serem concluídas. Enquanto as obras não ficam prontas,
os órgãos governamentais estão investindo em outras soluções para orientar a
população nos momentos necessários.
Como citado anteriormente, foi criado o Centro de Operações Rio (COR), que
reúne mais de 30 organizações envolvidas na gestão de desastres, trabalhando de
forma integrada em sistema de plantão (24 horas por dia). Também foi elaborado o
Plano de Emergências da Cidade do Rio de Janeiro (PEM-Rio), em que são
contempladas mais de 50 organizações e que possui as diretrizes para a ação no
caso da ocorrência dos três desastres mais comuns no município: chuvas,
deslizamentos e inundações.
Sistemas de preparação adquiridos incluem um radar meteorológico
especificamente para a previsão de chuvas e sistemas de sirenes para alertar a
população nas comunidades de mais alto risco. A Defesa Civil, em parceria com
outras organizações, capacita líderes comunitários e treina os moradores dessas
regiões sobre como agir quando o alarme for acionado. A cada líder comunitário foi
dado um telefone funcional para facilitar o contato com a Defesa Civil e informar
sobre possíveis riscos de desastres.
Enquanto os investimentos em tecnologia e planejamento têm sido um
sucesso, não houve melhoria em relação às medidas de desempenho. Cada órgão
continua com os mesmo objetivos de antes das chuvas e a avaliação do
desempenho continua não sendo realizada.
147
Por fim, o contexto comportamental teve, mais uma vez, um bom
desempenho. A criação do Centro de Operações Rio torna o compartilhamento de
informações e recursos ainda mais eficiente. Papéis e responsabilidades não foram
alterados, já que a estrutura que o município possui funciona bem.
148
7 CONCLUSÕES E PESQUISAS FUTURAS
7.1 CONCLUSÕES
A partir da revisão de literatura sobre logística humanitária e de referenciais
da logística comercial, com o objetivo investigar as competências associadas com o
desempenho superior da gestão logística em casos de desastres naturais, foi
possível propor um referencial teórico, que pode ser utilizado pelas organizações de
ajuda humanitária em busca de melhores práticas associadas com um superior
desempenho operacional.
O referencial proposto auxiliou a análise em profundidade dos casos Katrina e
Chuvas de Abril, permitindo avaliar a relação entre ter um bom desempenho e
possuir as competências identificadas para cada fase e contexto.
O caso das Chuvas de Abril pode ser considerado um caso de sucesso. A
literatura sugere que o desempenho das fases de resposta e recuperação depende
de uma boa preparação. Foi possível notar, no entanto, que apesar das lacunas na
fase de preparação, a cidade do Rio de Janeiro apresentou um resultado
surpreendente nas fases seguintes.
O caso Katrina, por outro lado, foi uma situação oposta às Chuvas de Abril.
Apesar de os Estados Unidos serem referência na gestão de desastres e investirem
substancialmente na preparação para os efeitos adversos da natureza em seu país,
diversas falhas – como o rompimento dos diques em Nova Orleans e a violência que
tomou a cidade – dificultaram as ações de bombeiros, policiais e outros envolvidos,
culminando em milhares de mortes, destruição generalizada e um longo tempo de
reconstrução.
149
É possível verificar que, no caso Chuvas de Abril, as competências do
contexto comportamental estiveram presentes em todas as fases, enquanto no caso
Katrina, observa-se limitações, principalmente na fase de preparação. Dessa forma,
o contexto comportamental parece explicar, em parte, as diferenças de desempenho
entre os dois casos.
Este estudo não busca, no entanto, comparar os dois eventos, já que é
possível considerar que as competências de preparação, resposta e recuperação de
uma região dependem da natureza e intensidade do desastre. É esperado, por
exemplo, que após eventos como as Chuvas de Abril, uma região seja capaz de se
recuperar em menos tempo do que em eventos como o furacão Katrina.
De forma geral, o modelo referencial proposto busca investigar os recursos,
competências críticas para uma gestão de desastres eficiente, buscando com isso a
melhoria dos processos das organizações envolvidas. O referencial criado com base
na teoria foi aplicado ao caso das Chuvas de Abril de 2010 no Rio de Janeiro
através da metodologia do estudo de caso, considerada mais adequada para temas
recentes e/ou pouco explorados, como a gestão da logística humanitária.
Faz-se necessária a aplicação do referencial proposto em outros estudos de
caso, com o objetivo de melhor desenvolver o referencial e aumentar sua validade
conceitual.
150
7.2 PESQUISAS FUTURAS
A gestão da logística humanitária é um tema recente, que passou a estar
mais presente na academia a partir da década de 2000. Existem inúmeras
oportunidades para pesquisas futuras. Algumas delas são:
Quais são as melhores práticas para a preparação para desastres? Que tipo
de benchmarking existe para processos e sistemas de desempenho?
Que estrutura logística é mais adequada para cada tipo de desastre? Qual o
nível de consolidação e quais estratégias break-bulk são mais adequadas?
Qual é o papel das Forças Armadas na gestão de desastres? Como este ator
pode fundamentalmente atuar nas três fases?
151
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AICHLMAYR, M. Can technology prevent disaster? Transportation & Distribution. v.44, n.1, p.50, 2003.
AMERICAN SOCIETY OF CIVIL ENGINEERS. The New Orleans Hurricane Protection System: What Went Wrong and Why. American Society of Civil Engineers. v.49, 2007.
BALLOU, R. H. Business Logistics Management. Upper Saddle River (NJ), USA: Prentice-Hall, 2003.
BANIPAL, K., Strategic Approach to Disaster Management: Lessons Learned from Hurricane Katrina. Disaster Prevention and Management v.15, n.3, p.484-494, 2006.
BANOMYONG, R.; BERESFORD, A.; PETTIT, S. Logistics Relief Response Model: The Case of Thailand's Tsunami Affected Area. International Journal of Services Technology and Management. v.12, n.4, p.414, 2009.
BARBAROSOGLU, G.; OZDAMAR, L.; CEVIK, A. An Interactive Approach for Hierarchical Analysis of Helicopter Logistics in Disaster Relief Operations. European Journal of Operational Research. v.140, n.1, p.118, 2002.
BEAMON, B.M.; BALCIK, B. Performance Measurement in Humanitarian Relief Chains. The International Journal of Public Sector Management. v.21, n.1, p. 4, 2008.
BEAMON, B.M.; KOTLEBA, S.A. Inventory Modeling for Complex Emergencies in Humanitarian Relief Operations. International Journal of Logistics: Research and Applications. v.9, n.1, p.1-18, 2006.
BERESFORD, A.; PETTIT, S. Emergency Logistics and Risk Mitigation in Thailand Following the Asian Tsunami. International Journal of Risk Assessment and Management. v.13, n1, p.7, 2009.
BLAKE, E.S.; RAPPAPORT, E.N.; LANDSEA, C.W. The Deadliest, Costliest and Most Intense United States Tropical Cyclones from 1851 to 2006 (and Other Frequently Requested Hurricane Facts). National Weather Service, National Hurricane Center, 2007.
BLECKEN, A.; HELLINGRATH, B.; DANGELMAIER, W.; SCHULZ, S. A Humanitarian Supply Chain Process Reference Model. International Journal of Services Technology and Management. v.12, n.4, p.391, 2009.
152
BOIN, A.; KELLE, P.; WHYBARK, D.C. Resilient Supply Chains for Extreme Situations: Outlining a New Field Of Study. International Journal of Production Economics. v.126, n.1, p.1-6, 2010.
BOWERSOX, D.J.; CLOSS, D.J.; COOPER, M.B. Supply Chain Logistics Management. New York (NY), USA: McGraw-Hill, 2007.
BOWERSOX, D.J.; CLOSS, D.J.; STANK, T.P. 21st Century Logistics: Making Supply Chain Integration a Reality. Council of Logistics Management (CLM), Oak Brook IL, 1999.
CHANDES, J.; PACHÉ, G. Investigating Humanitarian Logistics Issues: From Operations Management to Strategic Action. Journal of Manufacturing Technology Management. v.21, n.3, p.320, 2010.
CHANG, M.S.; TSENG, Y.L.; CHEN, J.W. A Scenario Planning Approach for the Flood Emergency Logistics Preparation Problem Under Uncertainty. Transportation Research. Part E, Logistics & Transportation Review. v.43, n.6, p.737, 2007.
DAY, J.; JUNGLAS, I.; SILVA, L. Information Flow Impediments in Disaster Relief Supply Chains. Journal of the Association for Information Systems. v.10, n.8, p.637, 2009.
DEJOHN, P. Heroic Efforts Keep Supplies Coming in Wake of Katrina. Hospital Materials Management. v.30, n.10, p.1, 2005.
DIGNAN, L.; Tricky Currents: Tsunami Relief is a Challenge When Supply Chains Are Blocked by Cows and Roads Don't Exist. Baseline v.1, n.39, p.30, 2005.
DISNEY, L. Wave of Relief. Industrial Engineer v.39, n.2, p.24, 2007.
EIKENBERRY, A.M., ARROYAVE, V.; COOPER, T. Administrative Failure and the International NGO Response to Hurricane Katrina. Public Administration Review v.December (Special Issue) , 2007.
ELLRAM, L.M. The Use of the Case Study Method in Logistics Research. Journal of Business Logistics v.17, n.2, p.93, 1996.
ERGUN, O.; KESKINOCAK, P.; SWANN, J. Humanitarian Relief Logistics. OR-MS Today v.34, n.6, p.28, 2007.
ERNST, R. The Academic Side of Commercial Logistics and The Importance Of This Special Issue. Forced Migration Review, 2003. 18: p. 5.
153
HALE, T.; MOBERG, C.R. Improving Supply Chain Disaster Preparedness: A Decision Process for Secure Site Location. International Journal of Physical Distribution & Logistics Management v.35, n.3/4, p.195, 2005.
HAUSER, L.M. Risk-Adjusted Supply Chain Management. Supply Chain Management Review v.7, n.6, p.64, 2003.
JAHRE, M.; JENSEN, L.M.; LISTOU, T. Theory Development in Humanitarian Logistics: A Framework and Three Cases. Management Research News v.32, n.11, p.1008, 2009.
KATES, R.W.; COLTEN, C. E.; LASKA, S.; LEATHERMAN, S. P. Reconstruction of New Orleans after Hurricane Katrina: A Research Perspective. PNAS v.103, n.40, 2006.
KOVÁCS, G.; SPENS, K.M. Humanitarian Logistics in Disaster Relief Operations. International Journal of Physical Distribution & Logistics Management v.37, n.2, p.99-114, 2007.
KOVÁCS, G.; SPENS, K. Identifying Challenges in Humanitarian Logistics. International Journal of Physical Distribution & Logistics Management v.39, n.6, p.506, 2009.
LAMONT, J. KM's Role in the Aftermath of Disaster. KM World v.14, n.10, p.1, 2005.
LEVANS, M.A. Shippers Learn Tough Lessons from Hurricane Katrina. Logistics Management v.44, n.10, p.18, 2005.
LODREE JR., E.; TASKIN, S. An Insurance Risk Management Framework for Disaster Relief and Supply Chain Disruption Inventory Planning. The Journal of the Operational Research Society v.59, n.5, p.674, 2008.
LONG, D.C.; WOOD, D.F. The Logistics of Famine Relief. Journal of Business Logistics v.16, n.1, p.213, 1995.
LONG, D. Logistics for Disaster Relief: Engineering On the Run. IIE Solutions v.29, n.6, p.26, 1997.
LONGO, V. Reinforcing the Front Line. Transmission & Distribution World p.44, 2005
MAON, F.; LINDGREEN, A.; VANHAMME, J. Developing Supply Chains in Disaster Relief Operations Through Cross-Sector Socially Oriented Collaborations: A Theoretical Model. Supply Chain Management v.14, n.2, p.149, 2009.
154
MCCLINTOCK, A. The Logistics of Humanitarian Emergencies: Notes From the Field. Journal of Contingencies and Crisis Management v.17, n.4, p.295, 2009.
MUILERMAN, G.J.; VAN DER HOORN, T.; VAN DER HEIJDEN, R. Determining the Impacts of Time-Based Logistics Strategies in The Dutch Food Industry. International Journal of Logistics: Research & Applications v.8, n.3, p.237-247, 2005.
MURRAY, S. Supply Chain Logistics: Humanitarian Agencies are Learning Lessons from Business in Bringing Essential Supplies to Regions Hit by the Tsunami. Financial Times, p. 9, 2005.
NISHA DE SILVA, F. Providing Spatial Decision Support for Evacuation Planning: A Challenge in Integrating Technologies. Disaster Prevention and Management v.10, n.1, p.11, 2001.
OLORUNTOBA, R. An Analysis of the Cyclone Larry Emergency Relief Chain: Some Key Success Factors. International Journal of Production Economics v.126, n.1, p.85-101, 2010.
OLORUNTOBA, R.; GRAY, R. Humanitarian Aid: An Agile Supply Chain? Supply Chain Management v.11, n.2, p.115, 2006.
ÖZDAMAR, L.; EKINCI, E.; KÜÇÜKYAZICI, B. Emergency Logistics Planning in Natural Disasters. Annals of Operations Research v.129, n.1/4, p.217, 2004.
PARKER, C.; STERN, E.; PAGLIA, E.; BROWN, C. Preventable Catastrophe? The Hurricane Katrina Disaster Revisited. Journal of Contingencies and Crisis Management v.17, n.4, p.206, 2009.
RAO, S.; GOLDSBY, T.J. Supply Chain Risks: A Review and Typology. International Journal of Logistics Management v.20, n.1, p.97, 2009.
SAUNDERS, M.A.; LEA, A.S. Seasonal Prediction of Hurricane Activity Reaching the Coast of the United States. Nature v.434, n.7036, p.1005, 2005.
SCHOLTENS, A. Controlled Collaboration in Disaster and Crisis Management in the Netherlands, History and Practice of an Overestimated and Underestimated Concept. Journal of Contingencies and Crisis Management v.16, n.4, p.195, 2008.
SCHULZ, S.F.; HEIGH, I. Logistics Performance Management in Action Within a Humanitarian Organization. Management Research News v.32, n.11, p.1038, 2009.
SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA CIVIL, Conferência Geral sobre Desastres. Ministério da Integração Nacional, 2007.
155
SIMPSON, G.R. Just In Time: In Year of Disasters, Experts Bring Order To Chaos of Relief; Logistics Pros Lend Know-How To Volunteer Operations; Leasing a Fleet of Forklifts; Bottlenecks on the Tarmac, Wall Street Journal p. A.1, 2005.
SOWINSKI, L.L. The Lean, Mean Supply Chain and Its Human Counterpart. World Trade v.16, n.6, p.18, 2003.
STOCK, J.R.; LAMBERT, D.M. Strategic Logistics Management. New York (NY), USA: McGraw-Hill, 2001.
TAYLOR, D.; PETTIT, S. A Consideration of the Relevance of Lean Supply Chain Concepts for Humanitarian Aid Provision. International Journal of Services Technology and Management v.12, n.4, p.430, 2009.
THÉVENAZ, C.; RESODIHARDJO, S.L. All the Best Laid Plans... Conditions Impeding Proper Emergency Response. International Journal of Production Economics v.126, n.1, p.7-21, 2010.
THOMAS, A.; KOPCZAK, L. From Logistics to Supply Chain Management: The Path Forward in the Humanitarian Sector. Fritz Institute, 2005.
TOMASINI, R.M.; WASSENHOVE, L.N.V. Pan-American Health Organization's Humanitarian Supply Management System: De-Politicization of the Humanitarian Supply Chain by Creating Accountability. Journal of Public Procurement v.4, n.3, p.437, 2004.
TRUNICK, P.A. Fading into a Bad Dream. Logistics Today v.46, n.10, p.1, 2005.
TURNER, T.M. Engineer Assessment Teams in Disaster Relief Operations. Engineer v.33, n.4, p.30, 2003.
UNITED NATIONS, International Strategy for Disaster Reduction, 2009.
US WHITE HOUSE, The Federal Response to Hurricane Katrina, 2006.
UHR, C.; JOHANSSON, H.; FREDHOLM, L. Analysing Emergency Response Systems. Journal of Contingencies and Crisis Management v.16, n.2, p.80, 2008.
VAN WASSENHOVE, L.N. Humanitarian Aid Logistics: Supply Chain Management in High Gear. The Journal of the Operational Research Society v.57, n.5, p.475, 2006.
VILLIERS, G. Civil Engineering Challenges in Humanitarian Logistics. Civil Engineering Magazine of the South African Institution of Civil Engineering v.16, n.4, p.73, 2008.
156
YIN, R.K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. 3ª edição, Editora Bookman, 2005.
157
ANEXOS
ANEXO 1: ROTEIRO DA ENTREVISTA
Roteiro da Entrevista35
Caracterização do órgão e do entrevistado:
Nome:
Organização:
Área de atuação, posição:
Dados pessoais (nome e organização) podem ser publicados em dissertação de
mestrado e artigos acadêmicos?
Preparação:
Integração com Vítimas:
1) Antes de abril/2010 havia sido feito algum tipo de levantamento quanto aos riscos
de desastres naturais na região? Se sim, quais desastres foram previstos? Quais
danos?
2) Havia planos de emergências?
Integração Interna:
3) Antes de abril/2010 como se planejava o fluxo de trabalho entre as diversas
organizações envolvidas em caso de desastre?
4) Existem processos que devem ser seguidos pelos diferentes órgãos ou cada
órgão exerce sua função de acordo com a demanda? Esses processos são simples
e padronizados?
Integração com Fornecedores:
35
O roteiro foi adaptado à realidade de cada organização entrevistada.
158
5) Sua organização possuía acordos previamente estabelecidos com fornecedores
de materiais críticos em casos de desastres antes de abril/2010?
Integração entre Tecnologia e Planejamento:
6) Antes de abril/2010 havia algum sistema de gestão de informação sobre
desastres que envolvesse sua organização?
7) Havia meios de comunicação e sistemas de alerta para alertar a população e
garantir a comunicação entre agências?
8) O planejamento para desastres se dava de forma colaborativa entre as agências?
Integração de Medidas de Desempenho:
9) Antes de abril/2010 havia objetivos de desempenho a serem alcançados para
mitigar ou responder a desastres? E métricas para avaliar tais objetivos?
Integração de Relacionamentos:
10) Os papéis e responsabilidades de cada organização foram definidos com
clareza?
11) Havia acordos de compartilhamento de recursos e informações entre (sua
organização) e outras organizações?
Resposta:
Integração com Vítimas:
1) Como foi realizada a avaliação inicial do desastre de abril/2010?
2) Os recursos humanos e materiais disponíveis foram suficientes e atenderam às
necessidades do desastre?
Integração Interna:
3) Você considera que os processos que ligam as organizações envolvidas se
deram de forma eficiente durante a resposta às chuvas de abril?
159
4) Foi possível adaptar a estrutura disponível para o atendimento imediato da
população e locais afetados?
Integração com Fornecedores:
5) Foi possível unificar as operações de sua organização com a de fornecedores de
itens importantes durante a resposta?
6) A gestão do fornecimento de materiais críticos foi bem organizada?
Integração entre Tecnologia e Planejamento:
7) Como foi gerida a informação dentro da sua organização no desastre em
questão?
8) Os meios de comunicação e sistemas de alerta foram bem utilizados?
9) Houve uma colaboração (como troca de informações) com outras organizações?
Integração de Medidas de Desempenho:
10) Sua organização atingiu os objetivos que almejava durante as operações de
resposta à chuva?
11) Como você avaliaria o desempenho geral das operações de ajuda?
Integração de Relacionamentos:
12) Quando o desastre na ocorreu esses papéis foram mantidos ou foi necessário
mudar a estrutura?
13) Informações e recursos foram compartilhados com outras organizações? Como?
Recuperação:
Integração com Vítimas:
1) As necessidades de reconstrução da região foram atendidas ou ainda faltam
ações a fazer?
2) Como está hoje a população que foi afetada?
160
Integração Interna:
3) Como tem sido a colaboração entre as organizações competentes para a
reconstrução das áreas afetadas?
Integração com Fornecedores:
4) Há problemas de gestão do fornecimento de itens importantes hoje?
Integração entre Tecnologia e Planejamento:
5) Como é realizada a troca de informações sobre a reconstrução das áreas
afetadas hoje?
6) Está prevista uma revisão/recuperação dos meios de comunicação e sistemas de
alerta à população?
7) Há colaboração entre organizações nessa fase? Como?
Integração de Medidas de Desempenho:
8) Os objetivos de desempenho e as métricas utilizadas para avaliá-los foram
revistos após as chuvas de abril?
Integração de Relacionamentos
9) Há planos de mudança na estrutura ou de compartilhamento de recursos com o
objetivo de melhorar o serviço prestado?
161
ANEXO 2: ÓRGÃOS CONTEMPLADOS NO PLANO DE EMERGÊNCIAS
DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (PEM-RIO)
Órgãos do município:
GM – Guarda Municipal
CET-RIO – Companhia de Engenharia de tráfego do Rio de Janeiro
GAE – Gerência de Áreas Especiais
SECONSERVA – Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos
RIOLUZ – Companhia Municipal de Iluminação
COMLURB – Companhia Municipal de Limpeza Urbana
COE – Coordenadoria de Operações Especiais
CGC – Coordenadoria Geral de Conservação
SMTR – Secretaria Municipal de Transportes
ALERTA RIO – Sistema de Alerta de Chuvas Intensas e de Deslizamentos em
Encostas da Cidade do Rio de Janeiro
SMO – Secretaria Municipal de Obras
GEO-RIO – Fundação Instituto de Geotécnica do Município do RJ
RIO-URBE – Empresa Municipal de Urbanização
SUB-RIOÁGUAS – Subsecretaria de Gestão de Bacias Hidrográficas
GVE – Gerência de Vistoria Estrutural
NUDEC – Núcleos Comunitários de Defesa Civil
NUDEC 4x4 – Núcleos de Defesa Civil do JEEP Clube
SMH – Secretaria Municipal de Habitação
SMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social
SME – Secretaria Municipal de Educação
162
SMEL – Secretaria Municipal de Esporte e Lazer
SMAC – Secretaria Municipal de Meio Ambiente
IPP – Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos
IPLANRIO – Empresa Municipal de Informática
RIOTUR – Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro
SUEPH – Superintendência de Urgência e Emergência Pré Hospitalar
SUBHUE – Subsecretaria de Atenção Hospitalar, Urgência e Emergência
SUBPAV – Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da
Saúde
SUBHUE/SUE – Superintendência de Urgência e Emergência
SUBVISA – Subsecretaria de Vigilância, Fiscalização Sanitária e Controle de
Zoonoses
SUBVISA/CCZ – Centro de Controle de Zoonoses
CIEVS – Coordenação de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde
CVL – Secretaria Municipal da Casa Civil
ASCOM – Assessoria de Comunicação Social
PGM – Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro
Órgãos do Estado:
SSP – Secretaria de Segurança Pública
PMERJ – Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
CBMERJ – Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro
ICCE – Instituto de Criminalística Carlos Éboli
IML – Instituto Médico Legal
SUBSEDEC – Subsecretaria de Estado da Defesa Civil
163
SESDEC – Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil
REMOÇÃO CAD. (CSRC) – Coordenação do Serviço de Recolhimento de
Cadáveres
INEA – Instituto Estadual do Ambiente
SIMERJ – Sistema de Meteorologia do Estado do Rio de Janeiro
PCERJ – Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro
CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos
Órgãos da União:
INMET - 6° DISME – 6° Distrito de Meteorologia
PRF – Polícia Rodoviária Federal
PF – Polícia Federal
GP/CRI – Coordenadoria de Relações Internacionais e do Cerimonial
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
Concessionárias de Serviços:
LAMSA S/A – Linha Amarela S/A
PONTE S/A – Concessionária Ponte Rio Niterói S/A
CONCER – Companhia de Concessão Rodoviária Juiz de Fora Rio
CCR NOVA DUTRA – Concessionária da Rodovia Presidente Dutra S/A
BARCAS S/A – BARCAS S/A Transportes Marítimos
METRO RIO – Concessão Metroviária do Rio de Janeiro S/A
SUPERVIA – Concessionária de Transportes Ferroviários
164
RIO ÔNIBUS – Empresa de Ônibus da Cidade do Rio de Janeiro
LIGHT – Serviços de Eletricidade S/A
CEG – Companhia Distribuidora de Gás do Rio de Janeiro
Organização Não Governamental:
CVBFERJ – Cruz Vermelha Brasileira Filial do Estado do Rio de Janeiro
165
ANEXO 3: MATRIZ DE RESPONSABILIDADES DO PEM-RIO (CHUVAS)
Atividades Responsável
Principal Responsáveis
MO
BIL
IZA
ÇÃ
O
1 Manter equipe emergencial de sobreaviso/prontidão
Nenhum Nenhum
2 Manter disponíveis e atualizados os canais de comunicação com o Sistema de Defesa Civil da Cidade do Rio de Janeiro, bem como enviar (quando solicitado) representante para o Centro Integrado de Comando Operacional (CICO)
Nenhum Nenhum
3 Acionar, quando da identificação de uma emergência, os órgãos responsáveis
SUBDEC Nenhum
CO
ND
IÇÃ
O D
AS
CH
UV
AS
4 Monitorar as condições meteorológicas Alerta Rio SIMERJ e INMET - 6º DISME
5 Atualizar o sistema de alerta e alarme e informar os órgãos do Sistema de Defesa Civil e a população
Alerta Rio SUBDEC, SIMERJ, INMET -
6º DISME e ASCOM
6 Monitorar e avaliar o risco e/ou ocorrência de deslizamentos de encostas
Geo-Rio SUBDEC e Alerta Rio
7 Monitorar e avaliar o risco e/ou ocorrência de transbordamento de rios e canais
Rio-Águas SUBDEC e Alerta Rio
DR
EN
AG
EM
8 Monitorar e avaliar a ocorrência de alagamentos
Rio-Águas CGC e Alerta Rio
9 Efetuar limpeza e desobstrução de ralos e bueiros
COMLURB CGC e Rio-Águas
10 Efetuar a desobstrução do sistema de micro drenagem
CGC Rio-Águas
TR
ÁF
EG
O
11 Efetuar limpeza e/ou desobstrução de vias COMLURB CBMERJ, CET-RIO e Geo-Rio
12 Monitorar e controlar o tráfego de veículos e estabelecer, se necessário, rotas alternativas de trânsito
CET-RIO GM, LAMSA, PONTE,
CONCER e Nova Dutra
13 Adequar o sistema de transporte de massa Nenhum Barcas, Metro, Supervia e Rio
Ônibus
14 Manter a população e demais órgãos informados sobre as condições de trânsito, incluindo painéis móveis
CET-RIO GM, LAMSA, PONTE,
CONCER, Nova Dutra e ASCOM
SE
GU
RA
NÇ
A
GL
OB
AL
15 Solucionar ou minimizar os efeitos da ocorrência de deslizamentos de encostas
Geo-Rio SUBDEC, CBMERJ, CET-
RIO, COMLURB, COE, CGC,
SMAS, SESDEC, SAMU, CSRC e
SMSDC
16 Atuar na proteção civil SUBDEC GM e PMERJ
166
Atividades Responsável
Principal Responsáveis
17 Garantir a ordem e segurança dos serviços GM PMERJ
18 Atuar na garantia da Lei e da Ordem, inclusive por meio do patrulhamento ostensivo (moto/viatura)
PMERJ GM, PRF e PCERJ
RE
SG
AT
E 19 Atuar em operações de busca e salvamento CBMERJ SESDEC e SAMU
20 Efetuar triagem e/ou ações de primeiros socorros
CBMERJ SESDEC e SAMU
21 Efetuar ações de escoramento e/ou demolições emergenciais
COE SUBDEC
AU
XÍL
IO O
PE
RA
CIO
NA
L
22 Prover iluminação de emergência RIOLUZ Light
23 Modificar, interromper ou restabelecer o fornecimento de serviços essenciais (água, luz, gás) visando minimizar os problemas, evitar acidentes ou auxiliar os serviços
Light, CEDAE e CEG
Nenhum
24 Isolar a área atingida SUBDEC CBMERJ, GM e PMERJ
25 Fornecer máquinas e equipamentos, com operadores quando necessário, para execução dos serviços
Nenhum SUBDEC, GM, COMLURB,
RIOLUZ, COE e CGC
IMP
RE
NS
A
26 Informar o andamento das ações às respectivas Assessorias de Comunicação que deverão repassá-las aos órgãos de imprensa
ASCOM Nenhum
AS
SIS
TÊ
NC
IA
SO
CIA
L
27 Identificar e/ou apoiar a população afetada SMAS SUBDEC
28 Montar e/ou administrar os abrigos temporários
SMAS Nenhum
29 Administrar as ajudas humanitárias (alimentares e não alimentares)
SMAS Cruz Vermelha
30 Inserir população afetada em benefícios sociais
SMAS SMH
SA
ÚD
E
31 Contabilizar os mortos e feridos SUBDEC CBMERJ, DGDEC,
SESDEC e SMSDC
32 Monitorar e adequar capacidade do sistema emergencial de saúde
SESDEC e SMSDC
Nenhum
33 Avaliar riscos de contaminação, monitorar as condições sanitárias e demais aspectos relacionados à saúde
SESDEC e SMSDC
Nenhum
M.A
. 34 Avaliar danos e/ou riscos ambientais SMAC SUBDEC, Geo-Rio, Rio-Águas, INEA e IBAMA