Gestão Pública no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formação da Agenda

download Gestão Pública no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formação da Agenda

of 25

Transcript of Gestão Pública no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formação da Agenda

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    1/25

    1

    GESTO PBLICA NO BRASIL: TEMAS PRESERVADOS ETEMAS EMERGENTES NA FORMAO DA AGENDA1

    Caio MariniBraslia, Abril de 2004.

    Professor e consultor do Ncleo de Administrao Pblica da Fundao

    Dom Cabral

    [email protected]

    1. INTRODUO

    A experincia de reforma da administrao pblica no Brasil ,

    ainda, uma histria de final aberto. Isto vem provocando um

    acalorado debate sobre as estratgias adotadas neste campo, a

    partir das lies aprendidas (ou no) das experincias anteriores e

    as possibilidades de incorporao de forma efetiva de abordagens

    contemporneas. Este cenrio estimula a produo de interessantes

    especulaes.

    O artigo pretende contribuir ao debate instalado buscando

    identificar aspectos do processo de construo das agendas de

    reforma ao longo do tempo e o grau de alinhamento com os

    contextos externos e internos, a partir de questes como: que

    problemas foram escolhidos? Que nfases foram dadas? O que

    resistiu (ao tempo e se consolidou na agenda)? Como foram

    implementadas?

    O histrico (e o carter cclico) das reformas da administraopblica, em particular, as duas ltimas iniciativas - reformas de

    1993 e a atual no oferece base suficiente para prognsticos

    seguros. Se certo que o tema ganhou espao preponderante na

    agenda nacional (provavelmente dado o carter quase permanente

    desta questo no cenrio internacional) nada assegura a sua

    1 Artigo apresentado no VII Congresso da Associao de Estudos Brasileiros BRASA - Brazilian

    Studies Association, junho 2004

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    2/25

    2

    irreversibilidade. A experincia de 93 seguiu uma determinada

    trajetria durante o primeiro mandato do governo Cardoso e outra

    bastante diferente no segundo. J o governo Lula no esperou a

    concluso de seu primeiro ano de gesto para sinalizar mudanasna conduo do seu projeto de reforma da administrao pblica.

    Entretanto possvel identificar a permanncia de determinados

    temas (ainda no devidamente solucionados) como a nfase nos

    programas de ajuste fiscal e tentativas de superao das

    dificuldades decorrentes da cultura burocrtica dominante. Porm, o

    que mais chama a ateno baixa capacidade de implementao

    em que pese formulaes de muito boa qualidade (algumas atbastante sofisticadas) ampliando a cultura de construo de meias

    pontes que caracteriza a administrao pblica brasileira.

    Surpreendentemente o saldo positivo fica por conta das

    administraes estaduais que decidiram assumir papel hegemnico

    nesta rea produzindo experincias bastante arrojadas e com ntida

    preocupao com a implementao (e no s com a qualidade,

    muitas vezes, acadmicas das formulaes federais).

    2. DO BRASIL COLNIA AOS ANOS 30: PRIMEIROS SINAISDE ORGANIZAO GOVERNAMENTAL NUM CONTEXTOPATRIMONIALISTA

    "Pedro, se o Brasil se separar, antes sejapara ti, que me hs de respeitar, do que

    para algum desses aventureiros."D. Joo VI

    As primeiras notcias de organizao governamental no Brasil

    remontam ao perodo da transferncia da corte de Lisboa para o Rio

    de Janeiro, quando D. Joo constituiu os Ministrios de Negcios do

    Reino, de Negcios Estrangeiros e da Guerra e de Negcios da

    Marinha e Ultramar. O contexto era caracterizado pelo

    patrimonialismo2 - modelo caracterizado pela impossibilidade de

    2 Uma das prolas da cultura patrimonialista pode ser encontrada em Baudolino. De Umberto Eco(Record, 2001), mais precisamente no dilogo travado entre Federico e Rainaldo, respondendo a

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    3/25

    3

    distino entre os interesses pblico e privado; nele, o aparelho do

    Estado funciona como uma extenso do poder do soberano, e os

    cargos so considerados prebendas; produz, como conseqncia, a

    corrupo, o clientelismo e o nepotismo.

    A estrutura administrativa caracterizava-se por sua

    simplicidade: poucos rgos com muita abrangncia. As funes de

    arrecadao, administrao e distribuio da renda pblica estavam

    a cargo do Errio ou Tesouro Geral e Pblico nos mesmos moldes do

    rgo existente em Portugal desde 1761. Competia ao Real Errio

    "a mais exata administrao, arrecadao e distribuio da Real

    Fazenda deste continente e domnios Ultramarinos". Decreto de 11

    de maro de 1808, do prncipe regente d. Joo, nomeia d. Fernando

    Jos, de Portugal, para o cargo de assistente ao Despacho de seu

    Gabinete e presidente do Real Errio e ministro e secretrio de

    Estado dos Negcios do Brasil e da Fazenda. Decreto de 6 de maro

    de 1821, de d. Joo VI nomeia d. Diogo de Menezes, presidente do

    Real Errio, para o cargo de ministro e secretrio de Estado dosNegcios da Fazenda. A denominao "Ministrio da Fazenda" foi

    usada pela primeira vez em 1891, quando a Repblica recm-

    implantada substituiu pelo novo rgo a antiga Secretaria de Estado

    dos Negcios da Fazenda, criada em 1821. O primeiro ministro de

    Estado da Fazenda foi o baiano Rui Barbosa. (site do Ministrio da

    Fazenda).

    O Estado tinha a responsabilidade preponderante na oferta de

    emprego, dada a insipincia do mercado privado, e a gesto dos

    Baudolino, a propsito das regalias: So os direitos que me so devidos, como nomear magistrados,

    receber impostos sobre as vias pblicas, mercados, rios navegveis, o direito de cunhar moedas... e o

    que mais, hein, Rainaldo? pergunta o rei ao seu auxiliar que estava ao lado. E Rainaldo responde:

    As rendas derivadas das multas e das condenaes, apropriao de patrimnios sem herdeiros legtimos

    ou confiscados por atividades criminosas ou ainda por contratao de npcias incestuosas, as cotas de

    proventos de atividades minerais, salinas e pesqueiras, percentuais dos tesouros escavados em terras

    pblicas... continuava Rainaldo di Daral a enumerar os direitos do rei, e ele seria nomeado mais tarde

    chanceler, portanto a segunda figura do Imprio.

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    4/25

    4

    negcios governamentais, caracterizava-se por um modelo

    fortemente centralizado e pela ausncia de critrios e mtodos

    cientficos de gesto.

    3. AS REFORMAS EM REGIMES AUTORITRIOS: AEMERGNCIA DAS FUNCIONALIDADES EDISFUNCIONALIDADES DA BUROCRACIA

    longe de ser um receiturio, a sociologia weberianadeveria se constituir em instrumento para fazer comque a tcnica da administrao adquira a conscincia desuas relaes estruturais com os demais departamentosdo todo poltico-social e, desse modo, possa intervir noprocesso social, no com expedientes perturbadores,

    mas colaboradores e at estimuladores daquelas forasde cuja libertao depende a realizao mesma daspotencialidade representativas de uma poca".Guerreiro Ramos.

    3.1. A emergncia do modelo burocrtico

    Do ponto de vista da teoria administrativa, esta poca foi

    marcada pela influncia decisiva dos seguintes personagens: (i) o

    presidente norte-americano, Woodrow Wilson, que, em 1887,

    publicou o seu clssico Estudo da administrao

    3

    , propondoiniciativas de estruturao da administrao pblica e defendendo

    uma rigorosa separao entre poltica e administrao, para se

    afastar do spoils system, fonte da discricionariedade e da

    corrupo; (ii) o engenheiro norte-americano, Frederick Taylor um

    obcecado pelos cronmetros que, em 1911, ao exaltar a

    produtividade e a eficincia, inventou a administrao cientfica,

    destacando a necessidade da busca da melhor maneira (the onebest way) de realizao das tarefas; (iii) o socilogo alemo, Max

    Weber, que, ao estudar os tipos de sociedade e as formas do

    exerccio da autoridade (tradicional e carismtica), desenvolveu,

    como alternativa, o modelo racional-legal (burocrtico) a partir de

    suas caractersticas (impessoalidade, especializao, normatizao,

    3 Cf. WILSON, Thomas Woodrow. Estudo da administrao. Rio de Janeiro: Fundao Getlio

    Vargas, 1955. (Cadernos de Administrao Pblica).

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    5/25

    5

    hierarquizao, meritocracia, etc.) e das funcionalidades

    decorrentes.

    3.2. A inicializao burocrtica no Estado Novo

    O modelo de administrao burocrtica foi introduzido noBrasil partir da segunda metade dos anos 30, na tentativa de

    enfrentar os problemas decorrentes da forte cultura patrimonialista

    dominante. O pas vivia um contexto caracterizado por um modelo

    de desenvolvimento autctone centrado na industrializao e um

    tipo de Estado com forte orientao nacionalista, centralizador e

    baseado no estatismo dirigista.

    Um pouco antes, quando da promulgao da Constituio de

    1934, segundo comenta Barbosa (1999), foram introduzidas duas

    inovaes: o direito ao livre acesso a todos os brasileiros aos cargos

    pblico (Artigo 168), e o fim das discriminaes de sexo e estado

    civil, existentes nas legislaes anteriores.

    Luciano Martins (1995), analisa esse perodo, comentando as

    trs diretrizes propostas por Maurcio Nabuco, importante diplomata

    brasileiro, encarregado de estudar o assunto, junto com Luis

    Simes Lopes:

    definio de critrios profissionais para ingresso no servio

    pblico,

    desenvolvimento de carreiras e,

    estabelecimento de regras de promoo baseadas no

    mrito.

    Dentro deste esprito, foi criado o DASP- Departamento de

    Administrao do Servio Pblico, em 1936, que assumiu as funes

    de implementar essas diretrizes, de supervisionar a administrao

    pblica e de formar os administradores pblicos do primeiro

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    6/25

    6

    escalo, alm de fixar o oramento nacional. Mais adiante, em

    1939, foram criados os DAEs - Departamentos Administrativos dos

    estados (os Daspinhos) como projees regionais do rgo central

    fazendo interessante contraponto com a figura dos interventores.Codato (1999), comenta: Constitudos por uns poucos membros

    (no mnimo quatro, no mximo dez, dependendo do estado)

    nomeados diretamente pelo Presidente da Repblica, a funo

    desses Departamentos deveria ser a de examinar todos os projetos

    de decretos-lei baixados pelo interventor ou pelos prefeitos, alm

    dos projetos de oramento e a execuo oramentria do estado e

    dos municpios.

    Embora tenham sido obtidos importantes avanos, tais como

    adoo de oramentos e planos, o instituto do concurso pblico e do

    treinamento sistemtico, a cultura patrimonialista seguia vigente.

    Uma pequena amostra desta situao foi destacada por Wahrlich

    (1983): em 1963 a porcentagem de funcionrios admitidos por

    concurso pblico deveria ser 75%, mas na prtica, este nmero nosuperou os 17,8%.

    O resultado objetivo desta etapa, ainda segundo Martins

    (1995), foi o estabelecimento de um duplo padro: os altos

    administradores seguiram essas normas e fizeram do Brasil a

    melhor burocracia estatal da Amrica Latina; os escales inferiores

    (incluindo os rgos da rea social) foram deixados ao critrio

    clientelista de recrutamento e manipulao populista dos recursos

    pblicos. Com o tempo, o DASP cristalizou sua atuao, tomando

    ares de super-instituo, afirmando os princpios de centralizao e

    hierarquia.

    Outra importante iniciativa que comeou a ganhar expresso

    a partir da dcada de 40 foi a tentativa de institucionalizar a figura

    do planejamento governamental como ferramenta bsica de gesto.

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    7/25

    7

    Foram elaborados diversos planos de governo, muitos deles como

    conseqncia de recomendaes de comisses e/ou programas de

    cooperao internacional. Alguns exemplos: Plano Qinqenal

    (1939) - Plano de Obras e Equipamentos (1943) - Plano SALTE(1948) - Comisso Mista Brasil EEUU (1951) - Programas de Metas

    (1956) - Plano Trienal (1962) - Programa de Ao econmica do

    Governo PAEG - (1964). Boa parte desses planos teve sua

    implementao comprometida devido a ausncia de uma estrutura

    administrativa capaz de suportar os desafios contidos nos diversos

    planos de governo. O modelo burocrtico implantado no perodo

    anterior dava os primeiros sinais de esgotamento, devido adsifuncionalidades que a excessiva rigidez e a forte centralizao

    provocavam. dessa poca a famosa expresso: necessrio fugir

    das raias do DASP. Nesse contexto, merece destaque, no plano

    administrativo o Programa de Metas, desenvolvido poca do

    governo JK, que adotou uma estrutura ad hoc (Conselho de

    Desenvolvimento diretamente subordinado Presidncia da

    Repblica com prerrogativas de rgo central de planejamento) e

    grupos executivos (que relacionava os setores pblico e privado -

    haviam metas para o setor privado, como por exemplo o setor

    automobilstico).

    3.3. ensaios ps-burocrticos na d itadura militar

    O regime implantado aps o golpe militar de Abril de 1964

    encontrou dificuldades de operao da mquina pblica devido ao

    excesso de rigidez burocrtica. O principal marco da reforma

    administrativa deste perodo foi a edio do Decreto-Lei 200 (para

    muitos a primeira tentativa de implementao de uma reforma

    gerencial na administrao pblica brasileira) que aconteceu em

    1967, sob o comando de Amaral Peixoto e inspirao de Hlio

    Beltro. O referido instrumento legal, que continha aspiraes

    descentralizadoras bastante significativas preconizava ofortalecimento da administrao indireta por intermdio da

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    8/25

    8

    descentralizao e da autonomia das autarquias, fundaes e

    empresas estatais, como forma de agilizar a atuao do Estado.

    Como conseqncia, muitas atividades foram transferidas para a

    administrao indireta que operava com maior dinamismooperacional, incluindo a permisso de contratao de pessoal sob o

    regime da Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), sem a

    realizao de concurso, conforme observou Marcelino (1988).

    Tambm institua a figura dos sistemas de gesto governamental

    (sistemas de atividades auxiliares), at hoje vigentes: Sero

    organizadas sob a forma de sistema as atividades de pessoal,

    oramento, estatstica, administrao financeira, contabilidade eauditoria, e servios gerais, alm de outras atividades auxiliares

    comuns a todos os rgos da administrao que, a critrio do Poder

    Executivo, necessitem de coordenao central (Ttulo V Artigo 30).

    Para a sua operacionalizao, para cada sistema foi designada uma

    unidade central gestora (cabea de sistema) e, em cada ministrio

    criada uma unidade setorial, alm de unidades especficas nos

    rgos descentralizados (autarquias e fundaes). Este modelo

    vigora at o momento atual. Assim, por exemplo, o sistema de

    recursos humanos tem como rgo central a Secretaria de Recursos

    Humanos do Ministrio do Planejamento que responsvel pela

    cumprimento da legislao, elaborao de normas gerais e pelos

    sistemas informticos de gesto. Cada ministrio conta com uma

    COGRH Coordenao de RH, que executa as atividades de RH no

    mbito do ministrio da mesma forma que cada unidade

    descentralizada tem tambm sua coordenao especfica de RH.

    Entretanto, a reforma baseada no DL 200, cometeu o

    equvoco de no repensar os mecanismos de controle,

    enfraquecendo desta forma, o ncleo central do aparelho estatal

    responsvel pela formulao das polticas pblicas. De certa forma

    prevaleceu a mxima da flexibilizao pela flexibilizao. Isto

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    9/25

    9

    permitiu tanto a realizao de experincias exitosas no campo da

    gesto pblica, quanto usos indevidos das flexibilidades e

    autonomias, desvirtuando o objetivo proposto. Como conseqncia,

    o conceito foi gradativamente abandonado (queimou-se o conceito eno o mau uso do mesmo), voltando a prevalecer o esprito

    centralizador na administrao pblica brasileira, em meio a outras

    ondas descentralizadoras.

    Ainda no perodo militar, merece destaque a da criao em

    meados dos anos 70, da SEMOR - Secretaria da Modernizao,

    incorporada ao Ministrio do Planejamento que passou a receber a

    denominao de Ministrio do Planejamento e Coordenao Geral

    com a responsabilidade de integrar o trip: Planejamento

    Oramento Gesto. A SEMOR Secretaria de Modernizao

    Administrativa teve importante papel na introduo de novas

    tcnicas de gesto, particularmente na rea da administrao de

    recursos humanos e desenvolvimento organizacional.

    Em 1979, criado o Programa Nacional de Desburocratizao,

    sob a liderana de Hlio Beltro, experincia inovadora de reforma

    administrativa que, pela primeira vez, colocava como elemento

    central do processo a afirmao da cidadania a partir da

    identificao dos principais obstculos que perseguiam a vida do

    cidado comum. O Programa considerava como problemas centrais

    a centralizao, a desconfiana exagerada e o excessivo formalismo

    que caracterizavam o funcionamento da mquina administrativa. O

    Programa chegou a ter status de Ministrio (Ministrio da

    Desburocratizao) e ganhou bastante popularidade junto opinio

    pblica devido a sua efetividade no combate aos entraves e

    procedimentos desnecessrios. O exemplo mais marcante foi a

    eliminao da obrigatoriedade do reconhecimento de firmas em

    documentos formais. Infelizmente, com a mesma velocidade osavanos foram descontinuados com a extino do Programa.

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    10/25

    10

    A partir da as atividades de gesto pblica tiveram diversos

    destinos conforme o humor dos reformadores de organograma de

    planto (SEAD, SAF, Ministrio do Trabalho e da Administrao, SAF

    outra vez, MARE, SEAP e agora SEGES outra vez de volta aorecanto original: o Planejamento).

    4. AS REFORMAS EM CONTEXTOS DEMOCRTICOS: AGESTO PBLICA NUMA PERSPECTIVA FRAGMENTADA

    ...Para que o Estado faa o que tem defazer e seja impedido de fazer o que no

    tem que fazer. A Przeworski

    4.1. poltica e administrao trilhando caminhos dissonantesA transio democrtica brasileira foi marcada pelo

    movimento das diretas-j que permitiu a eleio de Tancredo

    Neves, que inesperadamente foi impedido de assumir devido a um

    grave problema de sade que mais tarde levou-o morte. Desta

    forma assumiu a Presidncia Jos Sarney, depois de duas dcadas

    de regime militar, num clima que mesclava elementos de comoo

    nacional e de razovel confiana com relao ao futuro nacional. O

    grande desafio era o de construir as bases da democracia nascente

    e enfrentar os problemas da estabilizao da economia nacional, em

    especial, o de dominar a inflao que seguia crescendo de forma

    inadministrvel. Alm disto, a agenda estava ocupada com os

    debates relativos preparao da Assemblia Constituinte. Assim, a

    histria da administrao pblica brasileira continuou seguindo sua

    trajetria cclica de idas e vindas, de centralizao, descentralizaoe re-centralizao, at chegar a 1998, quando da promulgao da

    nova Constituio Federal, que, se por um lado, representou um

    avano significativo no campo da participao popular e

    incorporao do valor da cidadania, por outro, representou, um

    importante retrocesso no captulo da administrao pblica.

    Segundo o MARE (1998), a conjugao desses dois fatores

    (populismo patrimonialista e crise do Estado imputada aos altos

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    11/25

    11

    funcionrios, pelas foras conservadoras) leva, na Constituio de

    1988, a um retrocesso burocrtico sem precedentes. Sem que

    houvesse maior debate pblico, o Congresso Constituinte promoveu

    um surpreendente engessamento do aparelho estatal, ao estenderpara os servios do Estado e para as prprias empresas estatais

    praticamente as mesmas regras burocrticas rgidas que adotadas

    no ncleo estratgico do Estado. A nova Constituio determinou a

    perda da autonomia do Poder Executivo para tratar da estruturao

    dos rgos pblicos, instituiu a obrigatoriedade de regimes jurdicos

    nicos para a Unio, os estados e os municpios, e retirou da

    administrao indireta a sua flexibilidade operacional, pois atribuius fundaes e autarquias pblicas normas de funcionamento

    idnticas s que regem a administrao direta.

    Interessante destacar, neste perodo, a dissonncia entre as

    trajetrias das agendas do cenrio poltico e o da gesto pblica.

    Enquanto no primeiro caso observam-se movimentos na direo do

    fortalecimento da democracia brasileira, paradoxalmente, nosegundo as iniciativas de avanos no campo da modernizao da

    gesto pblica seguem caminhos opostos: comeam timidamente

    na Nova Repblica, retrocedem aos primrdios com a Constituio

    de 88 e alcanam a sua situao mais dramtica com o desmonte

    produzido pelo governo Collor de Mello.

    4.2. a reforma de 95

    A crise dos anos 70, que provocou iniciativas de

    reestruturao econmica e a reconfigurao das estratgias

    empresariais (em resposta crescente globalizao e revoluo

    tecnolgica), chega no incio dos anos 80, ao Estado a partir,

    principalmente, de trs manifestaes bsicas: crise financeira

    (incapacidade de gerao de poupana pblica para a realizao dos

    investimentos sociais), crise de identidade (transio caracterizada

    pelo abandono de alguns papis tradicionais e incorporao de

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    12/25

    12

    novos) e crise do modo de administrar (explicada pelo esgotamento

    do modelo burocrtico). Inicialmente na Gr-Bretanha e, depois

    adotada, em maior ou menor grau, em diversos outros pases a

    estratgia de enfrentamento ficou conhecida como a Nova GestoPblica (New Public Management)4 ou reforma gerencial. As

    principais influncias foram extradas das teorias da Escolha Pblica

    (Public Choice5) e, principalmente, da Agente-Principal, que

    pressupe a existncia de relaes contratuais entre atores. A crise

    do Estado e o dficit de desempenho decorrente foram o ponto de

    partida, e este movimento visava melhorar a eficincia da ao

    estatal (influenciada por mtodos empresariais ou empreendedoresde gesto) e/ou fortalecer a transparncia e o controle social

    (pressionada pelos avanos da democracia e movimentos de

    afirmao da cidadania). A realidade de cada pas, certamente,

    determinou o impacto e a intensidade da implementao.

    Somente na segunda metade dos anos 90 este movimento

    chega Amrica Latina6

    e ao Brasil, em particular, ainda no iniciodo primeiro governo FHC, em um contexto semelhante ao de outros

    pases da regio, caracterizado pelo aprofundamento da crise

    financeira do Estado e pela emergncia de reformas estruturais

    prometidas durante a campanha presidencial e iniciadas alguns

    4Segundo Barzelay (2001), a NGP , antes de tudo, um mbito de debate (dilogo)

    profissional sobre a estrutura, gesto e controle da administrao pblica, envolvendo acomunidade acadmica e funcionrios e como tal deve-se descartar a tentao de definiesformais concentrando o debate na busca de respostas, segundo determinadascircunstncias, para as questes de como estruturar, gerenciar e controlar os sistemasburocrticos pblicos.5Ver, a este respeito, Buchanan e Tullock (1965).6 O Conselho Diretor do CLAD Centro Latino-americano de Administrao para o Desenvolvimento,

    aprovou documento (1998) que estabeleceu as bases da reforma gerencial na regio. Nele so

    destacadas as especificidades prprias da Amrica Latina, basicamente as relativas gravidade da crise

    do Estado muito maior que a existente no mundo desenvolvido. O documento aponta a necessidade

    de direcionar a estratgia da reforma na regio considerando trs questes essenciais: a consolidao da

    democracia, a retomada do crescimento econmico e a reduo da desigualdade social. Tambm,

    enuncia o objetivo central da reforma gerencial que o de assegurar os mecanismos necessrios para o

    aumento da eficcia, da eficincia e da efetividade da administrao pblica, alm de criar novascondies que possibilitem uma relao mais democrtica entre Estado e sociedade.

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    13/25

    13

    meses antes da posse com o plano de estabilizao econmica

    (Plano Real). Do conjunto de reformas apresentadas como

    prioritrias (flexibilizao de monoplios, previdncia social,

    tributria, poltica, etc.) destacava-se a necessidade de repensar aadministrao pblica a partir de sinais de evidente esgotamento do

    modelo burocrtico vigente. Embora houvesse certo grau de

    conscientizao instalada sobre o baixo padro na prestao dos

    servios pblicos e da necessidade de mudanas, o assunto

    (reforma administrativa) estava fora da agenda desde o final dos

    anos 60 e a motivao junto aos servidores pblicos era bastante

    desfavorvel em decorrncia da herana deixada por tentativasdesastrosas recentes (desmonte da era Collor). Finalmente, vale

    destacar que esta seria a primeira tentativa de reforma num

    contexto democrtico (governo eleito no primeiro turno, sustentado

    por uma ampla aliana poltica que assegurava folgada maioria no

    Congresso Nacional).

    Uma das primeiras demonstraes da prioridade conferida sreformas da administrao pblica foi dada em 1995, quando da

    transformao da ento Secretaria da Administrao Federal (SAF)

    em um novo ministrio, que, alm das funes tradicionais de

    gesto da funo pblica, assumiu o papel de coordenador do

    processo de reforma do aparelho do Estado. Alm deste novo

    ministrio, o Ministrio da Administrao Federal e Reforma do

    Estado (MARE), foram instalados: a Cmara da Reforma do Estado,instncia interministerial deliberativa sobre planos e projetos de

    implementao da reforma; e um Conselho da Reforma do Estado,

    integrado por representantes da sociedade civil, com atribuies de

    assessorar a Cmara nesta matria.

    Ainda em 1995, foi elaborado o Plano Diretor da Reforma do

    Aparelho do Estado, documento de expresso da viso estratgica eorientador dos projetos de reforma, que teve como ponto de partida

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    14/25

    14

    uma reflexo conceitual sobre as trs formas de administrao

    pblica: patrimonialista (ainda presente em algumas prticas);

    burocrtica (dominante, como cultura; e gerencial (emergente e

    pretendida).

    O pressuposto assumido era o de que, um movimento desta

    envergadura, implicava em promover mudanas em trs

    dimenses:

    Institucional-legal: remoo dos obstculos de natureza

    constitucional e de outros ordenamentos:

    Cultural: substituir a cultura burocrtica dominante pela

    nova cultura gerencial;

    Gesto: implementao da reforma por meio da adoo

    de novos arranjos institucionais, novas competncias e

    instrumentos gerenciais mais adequados.

    Foram, em seguida, definidos objetivos globais7 aderentes aum conjunto de problemas tecnicamente identificados (custeio da

    mquina: gastos com pessoal e com bens e servios, ineficincia

    dos servios pblicos etc) e proposto um novo arranjo institucional,

    distinguindo os quatro segmentos fundamentais caractersticos da

    ao do Estado:

    7 Segundo o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995):

    Aumentar a governana do Estado, ou seja, sua capacidade administrativa de governar comefetividade e eficincia, voltando a ao dos servios do Estado para o atendimento dos

    cidados;

    Limitar a ao do Estado quelas funes que lhe so prprias, reservando, em princpio, osservios no-exclusivos para a propriedade pblica no-estatal, e a produo de bens e

    servios para o mercado para a iniciativa privada;

    Transferir da Unio para os estados e municpios as aes de carter local: s em casos deemergncia cabe a ao direta da Unio;

    Transferir parcialmente da Unio para os estados as aes de carter regional, de forma apermitir uma maior parceria entre os estados e a Unio.

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    15/25

    15

    Ncleo estratgico: definio de leis e de polticas pblicas,

    e cobrana de seu cumprimento;

    Atividades exclusivas: aquelas que so indelegveis e que,

    para o seu exerccio, necessrio o poder de Estado;

    Atividades no-exclusivas: aquelas de alta relevncia, em

    que o Estado atua simultaneamente com outras

    organizaes privadas e do terceiro setor na prestao de

    servios sociais;

    Produo de bens e servios ao mercado: que correspondeao setor de infra-estrutura, onde atuam as empresas,

    pblicas ou privadas, reguladas pelo governo, portanto

    com tendncias privatizao.

    A estratgia de implementao mesclava aes de natureza

    estrutural (mudana do ordenamento jurdico vigente e introduo

    da nova cultura gerencial via programas de sensibilizao e

    educao continuada) e aes pontuais de transformao (quase

    sempre fragmentadas) junto aos diversos rgos da estrutura

    administrativa (fomento gerencial financiado por programas de

    cooperao internacional em unidades-piloto que, por adeso,

    celebravam um protocolo de intenes visando transformao).

    As principais iniciativas, no primeiro perodo (1998 1999),

    foram orientadas para: (i) a reviso do marco legal (reforma

    constitucional e da legislao corrente); (ii) a proposio de uma

    nova arquitetura organizacional (agncias reguladoras, executivas e

    organizaes sociais), (iii) a adoo de instrumentos gerenciais

    inovadores (contratos de gesto, programas de inovao e de

    qualidade na administrao pblica); e (iv) a valorizao do

    servidor (nova poltica de recursos humanos, fortalecimento de

    carreiras estratgicas, reviso da poltica de remunerao e

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    16/25

    16

    intensificao da capacitao de funcionrios, visando a promover a

    mudana cultural).

    Em 1999, perodo correspondente ao segundo mandato do

    Presidente FHC, foi extinto o MARE, sendo suas funes absorvidas

    pelo Ministrio do Planejamento (que passou a ser denominado

    Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto), num esforo de

    integrao dos principais instrumentos de gerenciamento

    governamental: planejamento, oramento e gesto. A esse

    respeito, o ex-ministro Bresser Pereira (2002) comentou que o

    desafio seguinte o de implementao no deveria ser

    empreendida por um pequeno ministrio como o MARE, desprovido

    de poder executivo, da a recomendao, inspirada na experincia

    chilena, de passar a responsabilidade ao novo ministrio.

    Neste novo contexto, o planejamento governamental, a partir

    do lanamento do PPA - Plano Plurianual 2000/2003, mais

    conhecido como Avana Brasil, assumiu papel protagonista. O plano

    foi elaborado com base em diretrizes estratgicas do presidente daRepblica, destinadas a consolidar a estabilidade econmica com

    crescimento sustentado, a partir de uma nova viso estratgica

    espacial baseada no estudo dos eixos nacionais de integrao e

    desenvolvimento, tendo como referncia todo o territrio nacional e

    o fluxo real de bens e servios. Esta nova viso traduzida em um

    leque de oportunidades de investimento, tanto para o setor pblico

    como para o setor privado, nacional e estrangeiro. Alm disso, foi

    adotado um novo conceito de programa, segundo o qual as aes e

    os recursos do governo so organizados de acordo com os objetivos

    a serem atingidos, e foi instituda a figura do gerente de programa

    como elemento central no processo. Na prtica, a estratgia contida

    no Plano Diretor, sofre alteraes (ou, em alguns aspectos

    descontinuada, ainda que no oficialmente) reduzindo o mpeto

    inicial de implementao dos novos modelos institucionais (Agncias

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    17/25

    17

    Executivas e Organizaes Sociais) e dos novos instrumentos

    (contratos de gesto), dando lugar a uma abordagem alternativa

    que visava o fortalecimento do esprito empreendedor orientado

    para a implementao dos programas do PPA. A ENAP - EscolaNacional de Administrao Pblica - que na primeira etapa teve

    papel preponderante na introduo da cultura gerencial

    encarregada da misso de preparao dos gerentes de programa

    recm empossados. Finalmente, merecem ser destacadas as

    iniciativas de intensificao do uso da tecnologia da informao

    orientadas para a melhoria do atendimento ao cidado, no

    relacionamento com o setor privado, a transparncia emodernizao da gesto interna (governo eletrnico, comprasnet,

    receitanet, quiosques, rede governo, sistemas corporativos de

    gesto).

    Em sntese, as experincias deste perodo tiveram o mrito de

    re-introduzir na agenda governamental os temas gesto e

    planejamento, porm de forma fragmentada: na primeira fase havia

    um modelo inovador de gesto pblica (Plano Diretor) em busca de

    um modelo de planejamento governamental enquanto que na

    segunda aconteceu justamente o inverso (um plano em busca de

    um modelo de gesto).

    4.3. a gesto pblica no governo LulaEm junho de 2002, o ento candidato Luiz Incio Lula da Silva

    lana Carta ao povo brasileiro, contendo anlise da conjuntura

    econmica nacional sinalizando dois aspectos importantes que

    marcariam a sua futura administrao. Por um lado, Lula expressa o

    seu desejo, alinhado com o anseio popular de encerrar o atual ciclo

    econmico e poltico (buscando marcar uma posio, junto sua

    base original, de rompimento com a lgica vigente), e, por outro,

    assume publicamente compromissos com as reformas estruturais,

    de combate inflao, com o equilbrio fiscal como um meio, derespeito aos contratos e obrigaes do pas (buscando ampliar seu

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    18/25

    18

    eleitorado, acalmar o mercado e afastar os temores de

    radicalizao). Aponta que o caminho o do crescimento

    econmico com estabilidade e responsabilidade social. As mudanas

    que forem necessrias sero feitas democraticamente, dentro dosmarcos institucionais e tambm destaca que ser necessria uma

    lcida e criteriosa transio entre o que temos hoje e aquilo que a

    sociedade reivindica. O final da histria todos conhecem: Lula

    eleito Presidente da Repblica, com uma votao expressiva quase

    conseguida em primeiro turno, construda com base numa aliana

    histrica (inimaginvel para alguns analistas, dada a pluralidade

    existente dentro do partido). A transio marcada pelo elevadopadro democrtico e institucional, caracterizado pelo

    comportamento exemplar das equipes (que deixavam e assumiam o

    poder). Prtica significativamente elogivel e imprescindvel em um

    Estado democrtico.

    O primeiro movimento do novo governo foi o estabelecimento

    de um novo marco, simbolizado pelo compromisso de enfrentar

    prioritariamente o problema da fome (base para a construo

    posterior de um novo modelo de desenvolvimento). Em paralelo,

    foram preenchidos os cargos de alta liderana poltica (Ministrios,

    Secretarias Nacionais) por parte de integrantes da coligao

    vencedora, mesclando atributos de natureza poltica e tcnica para

    este fim. A expectativa inicial, como sempre, era quanto

    composio da equipe econmica (especialmente Fazenda e BancoCentral) e foi mantida a conduo da rea de gesto pblica no

    Ministrio do Planejamento (depois de muitas especulaes sobre a

    volta do MARE).

    Na construo da agenda ministerial (em geral e nas reas de

    economia e de administrao pblica em particular) percebeu-se

    uma inteligente combinao de elementos herdados da agenda

    anterior e a emergncia de novos temas (ou de novas abordagens a

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    19/25

    19

    antigos temas) que passaram a dar a marca do novo perodo. No

    sem a natural dificuldade de justificar a manuteno de

    determinados temas (poltica de juros, metas inflacionrias,

    alquotas do imposto de renda, salrio mnimo, CPMF, reajustesalarial dos servidores) o que provocou (e continua provocando)

    reaes de descontentamento de parte do Partido dos

    Trabalhadores (argindo velhos compromissos, amplamente

    flexibilizados ao longo da ltima campanha eleitoral) e de

    manifestaes de perplexidade vindas da nova oposio (que, com

    ironia, insinua a continuidade programtica).

    No campo da gesto pblica, num primeiro momento, a

    nfase foi dada adoo de um Programa de Otimizao: o

    contigenciamento fez com que governo decidisse pela seleo de

    programas e reviso de seus processos visando reduzir custos,

    melhorar a qualidade e reduzir tempo de execuo.

    Em paralelo, sustentadas por uma viso mais duradoura e

    estrutural, duas iniciativas foram desenvolvidas. A primeira foi arelativa elaborao do novo PPA 2004 2007, denominado Plano

    Brasil de Todos, que estabeleceu o direcionamento estratgico a

    partir dos seguintes (mega) objetivos: (i) Incluso social e reduo

    das desigualdades sociais; (ii) Crescimento com gerao de

    trabalho, emprego e renda, ambientalmente sustentvel e redutor

    das desigualdades; e (iii) Promoo e expanso da cidadania e

    fortalecimento da democracia.

    A segunda foi a iniciativa de construo de um Plano de

    Gesto Pblica (SEGES, 2003) orientado para o fortalecimento da

    capacidade de governo alinhado realizao dos programas

    previstos no PPA.

    A adoo deste novo Plano de Gesto significava introduzir

    transformaes orientadas para:

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    20/25

    20

    Reduo do dficit institucional, que a ausncia do Estado

    e a sua incapacidade de assegurar direitos civis e sociais

    (fazer o que deve ser feito);

    Fortalecimento da governana, que significa promover acapacidade de formulao e implementao de polticas

    pblicas;

    Aumento da eficincia, otimizando recursos (fazer mais e

    melhor com menos).

    Transparncia e participao, assegurando, desta forma, o

    comprometimento da sociedade e a legitimao doprocesso.

    Surpreendentemente, o Plano foi descontinuado,

    aparentemente sem dar lugar a outro, repetindo, em velocidade

    superior ao que aconteceu no governo anterior (mais uma vez

    prevaleceu a viso fragmentada).

    5. CONCLUSES: EM BUSCA DO ELO PERDIDOA tarefa de efetuar estudos comparados, da realidade nacional

    em relao a experincias internacionais (o que no propsito

    deste artigo) ou da realidade nacional numa perspectiva temporal

    no trivial. Vale aqui a mesma ressalva feita em outro estudo: os

    relatos de experincias apresentados a seguir no conformam o que

    formalmente se conhece por estudo de casos, nem tem a pretenso

    de realizar uma anlise comparativa. Isto, certamente, exigiria

    maior aprofundamento investigativo apoiado na utilizao de

    metodologias cientficas (Marini, 2002). Entretanto, possvel

    especular sobre algumas semelhanas e diferenas entre os

    movimentos de Reformas tomando como referncia os temas

    preservados e os emergentes na formao da agenda.

    Essa postura de continuidade sem continusmo, segundoPeixoto (2003) sugere que a agenda de reformas insere-se no rol

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    21/25

    21

    das questes de Estado, e no no mero interesse partidrio, ou

    mesmo na transitoriedade de um determinado governo,

    independente de sua matriz ideolgica. Reformar o Estado brasileiro

    tem sido tarefa permanente [Estado] e no transitria [governo],para usar uma das distines clssicas na cincia poltica entre

    Estado e governo.

    Em geral, h muito mais semelhana que diferenas, tanto

    nos temas preservados como nos temas emergentes (quase sempre

    recorrentes). Na verdade se faz reforma da administrao pblica

    no Brasil desde que se faz administrao pblica e, freqentemente,

    estas reformas focaram quase sempre o fortalecimento institucional

    das reas econmicas (as reas de Fazenda e Planejamento so as

    que possuem os melhores quadros, melhores salrios, capacitao e

    recursos). Mais que preservados estes temas tem sido priorizados,

    assumindo um carter permanente independentemente do

    pensamento ideolgico dominante. As reformas administrativas

    foram (e ainda so, em grande medida) desenhadas como

    instrumento do ajuste.

    Concluindo, o que parece ser um tema emergente fundar

    uma nova gerao de reformas que, sem perder de vista o conceito

    da responsabilidade fiscal (j consolidado), se oriente para o

    desenvolvimento e enfatize a questo da implementao. Durante

    muito tempo a literatura especializada no campo da gesto dedicou

    espao importante tentando motivar os executivos sobre a

    relevncia da formulao estratgica como forma objetiva de lidar

    com as incertezas e complexidades do contexto de atuao das

    organizaes. Embora possa existir, ainda, algum tipo de hesitao,

    certamente, esta no a regra geral. As organizaes, as equipes,

    os dirigentes, de uma maneira geral, esto convencidos de que o

    sucesso de qualquer tipo de empreendimento pressupe alguma

    forma de construo estratgica (no mnimo seria ingenuidade

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    22/25

    22

    imaginar que objetivos se realizam espontaneamente). Entretanto,

    a formulao de um plano estratgico no assegura a sua

    implementao8. Isto significa que uma nova questo vem sendo

    destacada, tanto na pesquisa acadmica, como nas prticasorganizacionais: como fazer acontecer a estratgia? O governo

    matricial uma abordagem decorrente dos movimentos

    contemporneos de gesto pblica que busca enfrentar o desafio da

    implementao da estratgia de desenvolvimento expressa nos

    planos governamentais e nas polticas pblicas. Tem como objetivo

    central o de (re)descobrir o elo perdido entre o modelo de

    desenvolvimento e o modelo e gesto9 e, implica em, pelo menos,dois desdobramentos:

    Elo 1: anlise do alinhamento entre o modelo de

    desenvolvimento (e planejamento governamental decorrente) e os

    programas de governo propostos para a sua realizao. Aqui o que

    se pretende verificar a qualidade do desenho estratgico. E a

    questo central a seguinte: a realizao integral dos programas

    assegura os resultados pretendidos do modelo de desenvolvimento?

    Portanto necessrio definir o direcionamento estratgico (metas e

    aes) de cada um dos programas de governo de forma a assegurar

    o incremento pretendido.

    Elo 2: anlise do alinhamento entre o direcionamento

    estratgico dos programas e a arquitetura estratgica10. Aqui o que

    se pretende verificar a convergncia (ou no) entre as agendas.

    8 Ver Marini, Caio - A integrao de polticas e programas governamentais no mbito das

    administraes estaduais - Revista do CONSAD Ano 1 no 1 Abril/2004.9 O conceito de governo matricial recoloca a questo central debatida nos anos 70 de estabelecer a

    ponte entre o planejamento governamental desenvolvimentista e a capacidade dos governos para

    implement-lo a partir dos novos conceitos de desenvolvimento e de gesto pblica. A este respeito

    ver: Martins, Humberto - Administrao para o Desenvolvimento a relevncia em busca da disciplina

    - Revista do CONSAD Ano 1 no 1 Abril/2004 e Motta, Paulo R - Administrao para o

    desenvolvimento A disciplina em busca da relevncia RAP Julho/Setembro de 1972.

    10

    Arquitetura governamental entendida como o conjunto de organizaes e recursos a estasassociados, incluindo a estrutura organizacional e respectivo marco legal, gesto oramentria e

    financeira, gesto de pessoas e sistemas de informao.

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    23/25

    23

    Embora os resultados estejam previstos nos programas na

    arquitetura governamental que eles se realizam (foco no fazer

    acontecer).

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS BARBOSA, Lvia Meritocracia a la brasilea - Qu es el

    desempeo en Brasil? Revista del CLAD Reforma y Democracia

    N 14 junho de 1999

    BARZELAY, Michael The New Public Management: Improving

    Research and Policy Dialogue - University of California Press

    2001

    BRESSER-PEREIRA L C Reforma da nova gesto pblica: agora

    na agenda da Amrica Latina, no entanto ... - Revista do Servio

    Pblico Ano 53 Nmero 1 Jan-Mar 2002 ENAP

    BUCHANAN, J.M., TULLOCK, G., The Calculos of Consent, The

    University of Michigan Press, Ann, Arbor, 1965.

    CLAD, Uma nova gesto pblica para Amrica Latina Documento do CLAD Outubro de 1998

    CODATO, A N - Estrutura de poder e mecanismos poltico-burocrticos

    do Estado Novo XX Simpsio Nacional de Histria ANPUH -

    Florianpolis (SC), 25 a 30 de julho de 1999

    MARCELINO, Gileno Fernandes. Governo, imagem e sociedade.

    Braslia, Fundao Centro do Servidor Pblico - FUNCEP, 1988

    MARINI, Caio - Crise e Reforma do Estado: uma questo de

    cidadania e valorizao do servidor In Petrucci, Vera e Schwarz,

    Letcia - Administrao Pblica Gerencial: a reforma gerencial de

    1995 Ensaios sobre a reforma administrativa brasileira no

    limiar do Sculo XXI , Editora UnB, Braslia 1999.

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    24/25

    24

    MARINI, Caio O contexto contemporneo da gesto pblica na

    Amrica Latina - Revista do Servidor Pblico Ano 53 Nmero 4

    Out-Dez 2002 ENAP

    MARINI, Caio - A integrao de polticas e programasgovernamentais no mbito das administraes estaduais -

    Revista do CONSAD Ano 1 no 1 Abril/2004.

    MARTINS, Humberto - Administrao para o Desenvolvimento a

    relevncia em busca da disciplina - Revista do CONSAD Ano 1 no

    1 Abril/2004

    MINISTRIO DA ADMINISTRAO FEDERAL E REFORMA DOESTADO - Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.

    Brasil: Presidncia da Repblica Braslia 1995

    MINISTRIO DO PLANEJAMENTO, ORAMENTO E GESTO

    Balano da reforma do Estado no Brasil: a nova gesto pblica

    Braslia SEGES, 2002

    MINISTRIO DO PLANEJAMENTO, ORAMENTO E GESTO

    Gesto Pblica para um Brasil de todos: um plano de gesto para

    o governo Lula Braslia SEGES, 2003

    MOTTA, Paulo R - Administrao para o desenvolvimento A

    disciplina em busca da relevncia RAP Julho/Setembro de 1972

    PEIXOTO, Joo Paulo M. - Statecraft: o legado do governo

    Fernando Henrique e os desafios de Lula - VIII Congreso

    Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la

    Administracin Pblica, Panam, 28-31 Oct. 2003

    POLLITT, C e BOUCCKAERT, G Avaliando reformas da gesto

    pblica: uma perspectiva internacional - Revista do Servio

    Pblico Ano 53 Nmero 3 Jul-Set 2002 ENAP

  • 8/3/2019 Gesto Pblica no Brasil - Temas Preservados e Temas Emergentes na formao da Agenda

    25/25

    TARSCHYS, Daniel. - Riqueza, valores, instituies: as tendncias

    dos governos e da governncia, In A Governncia no sculo XXI

    OECD - Forum for the Future GEPE Lisboa, 2002

    WAHRLICH, Beatriz M. de Souza. Reforma administrativa na erade Vargas. Rio de Janeiro, Fundao Getulio Vargas, 1983.