Gigantomaquia a história de sangue

109

description

Gigantomaquia - a história de sangue SSLegend.blogspot.com.br

Transcript of Gigantomaquia a história de sangue

Page 1: Gigantomaquia   a história de sangue
Page 2: Gigantomaquia   a história de sangue

2

Page 3: Gigantomaquia   a história de sangue
Page 4: Gigantomaquia   a história de sangue

4

Page 5: Gigantomaquia   a história de sangue
Page 6: Gigantomaquia   a história de sangue

6

Page 7: Gigantomaquia   a história de sangue
Page 8: Gigantomaquia   a história de sangue

8

Page 9: Gigantomaquia   a história de sangue
Page 10: Gigantomaquia   a história de sangue

10

Esta é uma obra de ficção, semnenhuma relação com pessoas,entidades e/ou eventos reais.

Page 11: Gigantomaquia   a história de sangue
Page 12: Gigantomaquia   a história de sangue

12

Page 13: Gigantomaquia   a história de sangue

Resumo do livro anterior, Gigantomaquia - A História deMei

Na primeira parte desta história testemunhamos oreaparecimento dos Gigas, gigantes malignos que haviam sidoaprisionados por Atena nas profundezas da Sicília, no distantepassado das lendas mitológicas.

Depois de conseguir escapar de alguma forma, nos diasde hoje, os Gigas seqüestram a Amazona Yuu-ri. Seiya e Shunrecebem a missão de resgate, sendo incumbidos também deverificar a integridade do selo de Atena. Seu meio-irmão Mei,atuando agora como um dos agentes secretos do Santuário, éescolhido pa-ra guiá-Ios nessa aventura pela Sicília.

Mas a mente de Mei havia sido dominada pela “Vontade”de Tífon, o mais poderoso dos Gigas. Mesmo tendo sidotransformado em uma espécie de marionete dessa influênciamaligna, Mei consegue reunir forças para se arrepender datraição, consciente do fato de que sua fraqueza possibilitoua ressurreição dos Gigas.

À beira da morte, Mei é salvo pelo grandioso a-mor deAtena, recebendo uma Armadura de Cavalei-ro - o trajesagrado de Coma Berenices, que passa a ser sua constelaçãoprotetora. Para Mei, esse é o começo da guerra contra o seudestino, escrito nas es-trelas desde os tempos da mitologia.

Enquanto isso, Tífon, ressuscitado, deixa para trás seusoponentes...

Page 14: Gigantomaquia   a história de sangue

14

PREFÁCIO

EQUIDNA

Page 15: Gigantomaquia   a história de sangue

O Santuário.

Vemos duas figuras nos aposentos ao fundo da Salado Grande Mestre: uma menina-moça e um rapaz.

- Consegue me ver, Mei?- Saori... - o jovem de cabelos prateados está deitado

numa cama, e desperta lentamente. Em pé diante dele estáuma donzela de beleza ímpar: a jovem encarnaçáo da deusaAtena. - Eu... estava dormindo? - pergunta Mei, percebendoque veste uma túnica de tecido macio.

O mais novo guerreiro de Atena já não está mais comfebre nem suado, e em seu corpo não sobrou nenhum sinaldas marcas das garras do Giga Tífon. Sobreviveu ao ataque,mas seu rosto pálido e sem cor dá a ele a aparência de umapessoa muito doente.

- Você dormiu por mais de dez dias - explica a deusa,como se contasse a um náufrago quanto tempo esteve longede casa.

Mei se lembra da batalha travada na Sicília contra osGigas, gigantes mitológicos de tempos imemoriais, mas custaa recordar os detalhes. Aos poucos vai se lembrando de quetinha sido usado como uma marionete pela vontade doressuscitado deus Tífon, e que por Isso havia perdido quasetodo seu Cosmo.

- Dez dias... Tudo isso...- Mas estou aliviada... - suspira Atena. - Sua respiração

era quase imperceptível... achei que nunca mais ia acordar. -A garota abre seu coração de forma surpreendentementeindefesa, tratando-se de uma deusa.

Por alguma razão, parece haver uma complexa mistura

Page 16: Gigantomaquia   a história de sangue

16

de sentimentos entre Saori e Mei, algo muito mais abrangentedo que uma simples relação entre mestra e servo.

- Tenho uma surpresa para você - diz Atena,gentilmente. - Uma pessoa que está aqui para lhe ver.

Ao sinal da deusa aproxima-se do leito uma figuraextremamente cerimoniosa, um homem alto, de cabeçaraspada, vestindo um smoking preto.

- Tatsumi? É você? - pergunta Mei em um tom desurpresa.

- Que bom que o senhor está vivo! - diz o homem, comas feições carrancudas se desmanchando numa torrente delágrimas. - Este seu criado... não tem palavras para descrevera alegria...!

Trata-se de Tokumaru Tatsumi, administrador daFundação Graad, e dedicado mordomo da família Kido.

- Quer dizer então que você continua prestando serviçospara a senhorita Saori? - pergunta Mei. O garoto guarda aindaa imagem de Tatsumi como uma espécie de babá ou guarda-costas da garota, impressão compartilhada na infância portodos os cem órfãos reunidos pelo falecido Mitsumasa Kidopara se tornar Cavaleiros.

- Sim, senhor! Como o mestre Mitsumasa ficaria felizse pudesse estar aqui comigo!

- Faz sentido... - continua Mei. - Atena é também aherdeira da Fundação Graad... Mas acho que pega mal andarde smoking dentro do Santuário!

Tatsumi solta uma risada sem graça e dá de ombros.Seu sorriso é sincero e os ombros, largos como os de umboxeador.

- Eu nem imaginava...! - diz Atena com uma voztrêmula.

- Você contou a ela, Tatsumi? Mas estava proibido defalar nisso, por mim e por meu pai.

- Eu sei, meu senhor! - Tatsumi se curva diante do rapaz.- Mas... faz tanto tempo. O mestre precursor já não está maisentre nós e, como ele tanto desejava, a mestra Saori despertou

Page 17: Gigantomaquia   a história de sangue

como Atena. E... mestre Mei, o senhor está vivo! Este seuservo não teve como se conter...

- Tudo bem, esquece - diz Mei, da forma mais calmaque pode.

- Eu não sabia até agora. Mei, vocé é o herdeiro dovovô... da família Kido! Tatsumi me contou como você metratou com carinho, como uma verdadeira irmã, enquanto euera criada como a neta do Vovô. Na verdade, a herdeira daFundação Graad não deveria ter sido eu, e sim...

- Não diga uma coisa dessas - interrompe Mei. - E, porfavor, senhorita, nunca conte isso para Seiya e os outros.

- Você guarda mágoa do vovô? Das decisões tomadaspor seu pai?

- Senhorita, a decisão não foi do mestre Mitsumasa! -Tatsumi não se contém, ansioso para que seja revelada averdade escondida por tanto tempo.

- A decisão foi minha - explica Mei. - Quando descobrique os órfãos da instituição eram todos irmãos que tinham osangue do mesmo pai nas veias... eu não suportei o fato de sóeu estar recebendo um tratamento especial, sem que nadame faltasse, como herdeiro da Fundação Graad. Por isso, decidipor livre e espontânea vontade trilhar o mesmo destino dosmeus irmãos.

- Por livre e espontânea vontade... - repete Saori emum tom pensativo.-

- Mitsumasa Kido é o meu pai. E também o pai de Seiya,de Shun, de Hyoga... de todos os cem órfãos reunidos paraser Cavaleiros. Esse laço de sangue irá nos acompanhar portoda a vida.

- O vovô sofreu até o último instante de sua existênciapor ter mandado seus filhos para uma vida infernal desacrifícios, para que se tornassem Cavaleiros. Mas fez tudoisso para proteger o Amor e a Justiça sobre a Terra.

- Eu sei disso, senhorita. - Mei ergue o rosto. - Nãoguardo mágoa ou rancor do meu pai. Pelo contrário, sou gratopor ele ter me deixado enfrentar o mesmo treinamento dosmeus irmãos. Caso contrário, eu nem poderia olhá-los nosolhos ao reencontrá-los. Não poderia conversar com eles sobre

Page 18: Gigantomaquia   a história de sangue

18

nossa infância. Seria eternamente perseguido por umsentimento de culpa.

- Por favor, não se culpe.- Pois eu digo o mesmo a você, Saori. - Mei decide que

está é a última vez que a chamará por esse nome. - A senhoritanão deve reservar nenhum sentimento especial por mim. Hoje,você é Atena. E eu sou um Cavaleiro de Atena. Esse é o destinodas estrelas, que eu mesmo escolhi seguir.

- Mestre Mei!? - a voz de Tatsumi parece cheia desurpresa. - O senhor pretende continuar escondendo a suaorigem... os seus direitos?

- Pretendo. Quando eu ainda era uma criança, fiz essapromessa, e estava disposto a morrer por ela. Como poderiaquebrá-Ia agora? Ao abandonar o sobrenome Kido, passei aser apenas Mei. Por isso, Tatsumi, quero que você me trate damesma forma que me tratava quando eu entrei no orfanato.Nem que seja por fingimento, bata em mim como fazia commeus irmãos. E pare de me chamar de mestre - completa ogaroto, com um sorriso amargo.

- Atena! - interrompe uma voz vinda do lado de forados aposentos. Pedindo permissão à deusa, aparece na portaNikol, Cavaleiro de Prata do Altar. - Mei! Você acordou! -exclama o homem. Seu rosto lembra o de uma estátua grega,de uma beleza intelectual e garbosa.

O garoto pula da cama e, com as pernas vacilantes emuma inesperada fraqueza, ajoelha-se diante do oficiante-mor.Nikol, por sua vez, vira-se para Atena.

- Na qualidade de Grande Mestre Substituto, portantoresponsável pelos Cavaleiros, agradeço-lhe por ter salvado avida de Mei - e continua, curvando-se levemente na direçãode Tatsumi. - Ao nobre Tatsumi, também gostaria de agradecerpor interceder junto ao exército e ao governo italiano naSicília. - Só então Nikol dirige a palavra ao jovem Cavaleiro. -Diga, Mei, você se lembra do que aconteceu enquanto estavasendo controlado por Tífon?

- Sim, mas as lembranças são todas confusas. Não tenhomuita certeza da ordem dos eventos.

Page 19: Gigantomaquia   a história de sangue

- Nikol, seja paciente - defende Atena. - Mei acaboude recobrar a consciência.

- Vou tentar, deusa... mas precisamos muito deinformações. A Terra está numa situação crítica. Tífondesapareceu na erupção do Etna e deve estar recuperandosuas forças neste exato momento.

À medida que organiza seus pensamentos, Mei vaificando constrangido pelas coisas que fez enquanto estavasob o domínio de Tífon. Havia acertado Nikol com um golpeno teatro da Acrópole. E pior: por pouco não tinha matadoSeiya na Sicília.

- Como está o Seiya? - pergunta Mei, enquanto olhapara as próprias mãos em choque. Ainda pode sentir nelas ocalor do sangue do irmão. O garoto não se conforma com suaprópria fraqueza. Como pôde ter ficado totalmente à mercêda Vontade de Tífon?

- Seiya está bem, os jovens se recuperam rápido -responde Nikol, quase brincando, com a mão na barriga, ondeMei o havia acertado. E então diz, num tom extremamentesolene: - Atena reconhece Mei como seu novo Cavaleiro.

A revelação inesperada pega o garoto completamentede surpresa.

- Outorgo-lhe aqui o Traje Sagrado, que prova a suamissão de Cavaleiro... - continua Nikol, começando ali mesmoa cerimônia de nomeação do Cavaleiro.

Mei desvia o olhar para a Urna onde está a Armadura,colocada no canto do aposento. É uma caixa preta, tão escuraque parece sugar a luz ao seu redor. Nela há a figura de umamulher de costas, talhada em baixo relevo.

- Esta é a armadura de Coma Berenices, Mei, a suaconstelação.

Ajoelhando-se diante do Grande Mestre substituto, Meijura lealdade eterna a Atena, tornando-se então oficialmenteo Cavaleiro da Constelação de Coma Berenices, o mais novoGuerreiro Sagrado de Atena.

- Em nome de Atena, eu, Nikol de Altar, ordeno-lheCavaleiro. Você deverá proteger Atena e defender a Justiçasobre a Terra. A Armadura Sagrada jamais deverá ser trajada

Page 20: Gigantomaquia   a história de sangue

20

em prol de interesses ou batalhas pessoais. Se porventuraviolar a norma e macular o Traje... a constelação, a armadura,ao invés de protegê-Io, irá destruí-Io.

- A armadura vai me destruir? - Mei parece estar confuso.- Afinal, o que vem a ser esta armadura negra?

De fato, a armadura de Mei não pertence a nenhumadas três hierarquias: Ouro, Prata e Bronze. Nikol decide queeste é o momento de contar a Mei a história da antiga batalhacontra os gigantes.

“A Morada de Typhoeus”. Apenas um poema épico gregopreserva nos dias de hoje o nome do mais poderoso dos Gigas.Em tempo: “Typhoeus” é outra forma de escrever “Tífon”, ou“Tufão”. O deus dos Gigas é um redemoinho que não ficarásatisfeito enquanto não destruir e consumir toda a Terra.

Renascido no mundo físico ao romper o selo de Atena,o deus gigante das tempestades se esconde no ponto maisprofundo de um conjunto de cavernas entrelaçadas como umenorme formigueiro. À sua frente está um Giga que veste umAdamas de Cornelina.

- Meu Senhor... - diz o Giga.Mas Tífon não lhe dá atenção. Seus pensamentos estão

longe. - Atena conseguiu reencarnar nesta era em suaplenitude... - diz para si mesmo. A metade direita do seucorpo é forrada por labaredas, as chamas inabaláveis da grã-terra, enquanto relâmpagos preenchem a metade esquerdacomo terríveis ventos de tempos fantasmas. Da carneassimétrica nascem, como unhas, as placas do seu negroAdamas de ônix. Não é exatamente uma armadura, e sim umacouraça, como uma parte endurecida do corpo. - Atenaconseguiu reencarnar nesta era em sua plenitude - repete. -Porém. o que dizer de mim? Deste meu corpo físico tão frágil?

- Quirri! O corpo de Encélado... frágil?! - surpreende-se Pallas, “o parvo”. De fato é resistente e poderoso o corpofísico que foi oferecido a Tífon por seu irmão mais velho, osumo sacerdote Encélado.

- Não é o suficiente para suportar minha verdadeiraforça - responde Tífon, apalpando o queixo. O osso trincado

Page 21: Gigantomaquia   a história de sangue

pelos golpes de Mei no Monte Etna já está completamenterecomposto. - Preciso de um receptáculo digno do meu poder.

- Com todo o respeito, vossa carne fulgurante foitotalmente rechaçada, em seus cinco membros, por Atena. -Com as palavras de Pallas, um fluxo mais intenso de luz brotadas chamas e relâmpagos no corpo de Tífon, iluminando todoo interior da cavema. O local, com um imenso altar, assemelha-se ao templo subterrâneo do Monte Etna. Estamos na TerraSanta dos Gigas.

- Maldita seja Atena e seus Cavaleiros! - Tífon estádiante do altar, sobre o qual está o que parece ser uma estátuade seios fartos, representando talvez uma deusa. Mas umcoração pulsa na figura, denunciando tratar-se na realidadede uma mulher viva, apesar de ter as pálpebras e os lábioscerrados como se fossem feitos de pedra. Mais ainda: aimponente figura está grávida. - É a minha forma feminina -explica Tífon.

- Oh! - Pallas, “o parvo”, parece estar hipnotizado pelabeleza da forma feminina de seu mestre, inteiramente nua,seus contomos provocantes ocultados apenas pelos cabelosondulados que chegam até a cintura. Basta um olhar maisatencioso para perceber escamas onde deveriam estar aspernas da criatura: sua metade inferior tem o formato deuma serpente.

- O Calabouço do Tempo Estagnado - pela primeira vez,Tífon dirige a palavra diretamente a Pallas. - Na antigaGigantomaquia, pouco antes de ser exilado por Atena e seusCavaleiros no Monte Etna, selei os Gigas sobreviventes. Nãofoi Atena quem prendeu os meus irmãos nas profundezas dosespaços fantasmas. Foi a minha Vontade.

- Como? - Pallas está confuso. Ele sempre acreditouque tinha sido aprisionado por Atena, juntamente com Tífon.

- Meus queridos irmãos mais velhos, ao contrário demim, vocês não são imortais - continuou Tífon. - Se seu corpofísico fosse destroçado, vocês não ouviriam as preces derenascimento. Por isso, selei tanto sua carne quanto sua almano Calabouço do Tempo Estagnado.

- Foi isso que aconteceu, meu Senhor? Vós, tendo em

Page 22: Gigantomaquia   a história de sangue

22

suas mãos o fantoche que foi Mei, inicialmente desatastes oslacres atados sobre nós, Gigas, nas mais diversas regiões e...

- E, mediante o sacrifício de sangue dos Cavaleiros edos meus queridos irmãos, finalmente voltei à vida no mundopresente.

- E esta mulher, senhor? - pergunta Pallas, engolindoem seco.

- Esta é Equidna - responde Tífon - A última das mulheresGigas. Ela abriga em si o meu corpo carnal, o receptáculo daminha Vontade.

- Ortos, “o cão bicéfalo do mal”.- Quimera, “a fera pluriforme”.

Page 23: Gigantomaquia   a história de sangue
Page 24: Gigantomaquia   a história de sangue

24

I

COMA

Page 25: Gigantomaquia   a história de sangue

1

Península do Peloponeso, extremo sul dos Bálcãs.

- Aqui também não tem nada - Seiya diz para simesmo, ao examinar a parede de pedra. Ele reconhece a luzfraca que ilumina levemente a caverna, onde com certezanão chegam raios de sol. É a mesma que viu nas profundezasdo Monte Etna, onde Tífon estivera aprisionado. - Com certezaeste lugar já foi parte das Terras Santas dos Gigas - conclui oCavaleiro de Bronze de Pégaso.

Esta caverna é bem menor que a do Etna. Não temtemplos, apenas as ruínas de um altar de pedra. “Estranho...”,pensa o garoto. “Tenho impressão de que alguém esteve aquiaté agora há pouco.” Seiya parece sentir os resquícios de umCosmo, mas não há nenhum outro sinal dos inimigos. Comexceção dos morcegos, o Cavaleiro é a única criatura viva ali.Ele não tem escolha senão deixar a caverna para trás.

Anoitece em Atenas, o lugar sagrado da guerreiraprotetora da Terra. Yuuri, da Constelação do Sextante, vestidacom um quitão e uma túnica escarlate, está no observatórioestelar do Santuário. A seu lado, o Cavaleiro Mei.

- Parece um mar de sangue - comenta Mei, que vestecamiseta e calças pretas, modernas, em contraste com avestimenta clássica da garota. - Desde quando o entardecerficou tão vermelho?

Page 26: Gigantomaquia   a história de sangue

26

2

A erupção do Etna foi a maior dos últimos séculos - explica Yuuri. - A poeira vulcânica formou uma

espessa camada na estratosfera, bloqueando a luz solar, porisso o céu está vermelho. Segundo previsões dos pesquisadoresda Fundação Graad, nos próximos três a cinco anos, aincidência de luz solar sobre a superfície terrestre vai diminuirem mais de 10%. - Instabilidade climática, prejuízos àagricultura, falta de alimentos... a coisa é séria - suspira Mei.

- Você já está bem? - pergunta Yuuri, com umaexpressão preocupada.

- Eu ia perguntar exatamente isso pra você...- Estou bem.Yuuri tinha sido gravemente ferida ao ser seqüestrada

pelos Gigas, mas parece estar quase inteiramente recuperada.Até mesmo sua máscara, que Mei havia quebrado quandoestava sob o domínio de Tífon, está novamente intacta,cobrindo seu rosto.

- Não tem problema usar a máscara por cima dasbandagens?

- Fazer o quê? Esse é o dogma - a tradição diz que todamulher que se juntar aos Cavaleiros deve abandonarcompletamente a feminilidade, escondendo sempre o rosto.

O piso destruído do observatório, onde antes se via ummapa do zodíaco, é testemunha do ataque de Mei.

- Sabe qual é o outro dogma? - pergunta Yuuri, numtom quase maroto, antes de colocar-se em posição de ataque,ensaiando aplicar um golpe na garganta de Mei, com um shuto,ou sabre de mão. - Para uma Amazona, ficar com o rostoexposto é mais humilhante do que ficar nua em público. Sealguém vir o seu rosto, a Amazona terá que matar essa pessoa.

Page 27: Gigantomaquia   a história de sangue

- Essa regra eu conheço - sorri Mei, ignorando ospoderosos punhos de Yuuri contra seu pescoço. - Então vocêmatou os médicos? Como é que eles operaram sua cabeçasem olhar?

- Os médicos são outra história...- Ei, não tinha uma alternativa? - continua Mei. - Amar

quem visse seu rosto?- Você está tirando sarro de mim - suspirou Yuuri. - Que

imprudente. Acha que eu não seria capaz de matá-Io?- Você não tem motivo. Infelizmente não vi seu rosto.

Ou melhor, eu não me lembro. Muitas lembranças de quandoeu estava sob o poder de Tífon são confusas. Sei que quebreisua máscara aqui mesmo... mas não consigo me lembrar dosdetalhes.

- Que amnésia mais conveniente - diz Yuuri, recolhendoseu shuto, meio a contragosto. - Se for pra amar um homemirresponsável, prefiro acreditar que não viu mesmo meurosto... Onde já se viu um desleixado como você ser ordenadoCavaleiro... As estrelas devem estar protestando. Que tipode aprendizado você teve com seu mestre?

- Ah, vários tipos... - responde Mei, piscando. -Aprendizado de vida.

- O destino da sua constelação é bem menos agradávelque isso - a voz de Yuuri soa agora entristecida. Ela ergue osolhos ao céu. A coloração púrpura do pôr-do-sol vai sendogradualmente submersa nas trevas.

- Está difícil de enxergar as estrelas, hein? - comentaMei.

De fato, a atmosfera parece estar coberta por umadensa névoa.

- Tífon cobriu o céu estrelado de cinzas. Com isso nãoconsigo enxergar direito o mundo ou o futuro - lamenta Yuuri.- E a sua constelação, Mei, é mais difícil de enxergar do queas outras - continua, apontando um ponto no céu.

No lado oeste do firmamento sobram ainda as últimasconstelações da primavera. Um pouco acima de Virgem, entreas estrelas Denébola e Arcturo, fica a Constelação ComaBerenices. É um conjunto de pálidas estrelas: por mais límpido

Page 28: Gigantomaquia   a história de sangue

28

que esteja o céu, visualizar nela os longos cabelos de umamulher é um verdadeiro exercício de imaginação.

- Pode não parecer, mas nela estão galáxias inteiras -explica Yuuri.

- Por isso a chamam de “janela de galáxias”, não é?- Ora, vejam só... - a garota está surpresa com os

conhecimentos de astronomia de Mei.- São galáxias distantes - continua Mei. - Podemos

enxergá-Ias porque estão ao norte da Via Láctea, num pedaçodo céu onde tem menos estrelas.

Yuuri muda de assunto:- Estou preocupada com Seiya e os outros que foram

atrás de pistas de Tífon, todos os que são capazes de andarestão nessa busca, neste momento só há Cavaleiros feridosno Santuário.

- Tífon não é como os deuses do Olimpo, que querem odomínio da Terra - reflete Mei. - Não sabemos o que elerealmente pretende, e isso é assustador.

- Pensei que os Gigas quisessem dominar o planeta...- Pode ser... Mas os Gigas são como escravos presos

pelo temor a Tífon. Uma Vontade divina viciada como a delejamais fica satisfeita, a não ser que destrua tudo e, no final,a si mesmo.

- Quando você foi marionete do Tífon, você tocou a“Vontade” dele? - pergunta Yuuri. - Eu sei que você prefereesquecer, mas gostaria de saber mesmo assim.

Mei esconde o rosto, como se estivesse se lembrandode um pesadelo.

- Vem comigo até a biblioteca - continua Yuuri, pegandosua mão. - Quero ouvir o que você tem a dizer.

Page 29: Gigantomaquia   a história de sangue

3

Na margem norte do Mar Negro: uma região daUcrânia, antigamente conhecida como Cítia.

- Também não é aqui - diz Hyoga. Uma parede bloqueiasua passagem.

A armadura do Cisne, branco-azulada, e os cabelos loirosdo garoto brilham levemente na escuridão, prova de que estafoi uma das Terras Sagradas dos Gigas. Na caverna vazia vemosapenas os restos de um altar de pedra.

- Este cheiro... é o cheiro de Tífon - continua Hyoga,para si mesmo, esfregando o nariz. Seu Cosmo capta umasensação anormal no ar. - É como se fosse um resto chamuscadode uma Vontade maligna... Talvez o próprio Tífon tenhapassado por aqui. Mas para quê?

Os rastros deixados eram insuficientes para qualquerconjectura.

Page 30: Gigantomaquia   a história de sangue

30

4

Eu tinha um medo terrivel de desgostar Tífon e ficarexposto ao seu temor - conta Mei.

- Como os Gigas? - pergunta Yuuri.- É... eu entendo porque os Gigas cultuam Tífon. É

um domínio psicológico absoluto... suficiente para queofereçam a própria vida em sacrifício.

- Você sabe o que é o Calabouço do Tempo Estagnado?- Yuuri anota com cuidado todas as informações fornecidaspor Mei.

- É uma espécie de selo temporal. Tífon selou os Gigassobreviventes da antiga Gigantomaquia em diversas partesdo mundo. Ao contrário dele, que é um deus, e portantoimortal, os outros Gigas não são diferentes dos humanos,têm uma vida terrena limitada. Parar o tempo foi o únicojeito de fazê-Ios retornar com seu corpo físico depois detantas eras.

- Um dom secreto dos deuses - suspira Yuuri.- Depois de possuir meu corpo... - continua Mei, - Tífon

rompeu os lacres temporais e trouxe os Gigas de volta àvida.

- Quantos Gigas renasceram?- Só me lembro de quatro: Ágrios, Toas, Pallas. e

Encélado.- Mas tem uma coisa estranha aí... - comenta Yuuri,

pensativa. - Segundo os registros do Santuário, Tífon e todosos Gigas foram selados por Atena.

- Faz sentido que a deusa tenha selado Tífon, que éimortal. Mas não haveria razão para deixar os Gigas vivosdentro dos lacres. Esses livros históricos do Santuário sãoconfiáveis? - questiona Mei.

Page 31: Gigantomaquia   a história de sangue

- Dizem que “verdade” e “realidade” são conceitosdiferentes. É a mesma coisa com história e realidade. A Revoltade Saga, por exemplo: é um desafio decidir como ela vaiconstar na história oficial.

- De certa forma, seria correto dizer que o Cavaleirode Ouro de Gêmeos foi possuído por sentimentos malignos eassassinou o Grande Mestre - sugere Mei. - Mas transmitir issopara os Cavaleiros do futuro...

- Não é muito apropriado - completa Yuuri. - O oficiante-mor diz que o Saga sofria de esquizofrenia, tinha duaspersonalidades, uma de justiça e outra do mal.

- O Saga em si não era o mal absoluto - concorda Yuuri.- Mas tentou trair Atena e provocou uma crise interna quecausou a morte de um número enorme de Cavaleiros.

- De qualquer forma, Atena, a guerreira defensora daTerra, deve sempre aparecer na história fundamentada porjustiça inabalável e emoldurada por vitórias inquestionáveis- diz Mei, com ironia.

- Credo, você fala coisas perigosas com a maior carade inocente! - comenta Yuuri. - Se o Mestre Nikol soubesse,acho que tiraria o título de Cavaleiro de você...

- Então fica entre nós, tá? - brinca Mei. - Não querobater o recorde de ser o Cavaleiro que ficou o menor tempocom o título.

- Vou lhe fazer o favor de não escrever o que vocêdisse. - O tom de voz de Yuuri continua sério. - O que a históriaoficial de Atena precisa são as guerras santas e a verdadehistórica das vitórias. Isso dará coragem para os Cavaleirosdas próximas gerações enfrentarem o combate. Não hánecessidade de conservar registros de Cavaleiros que sofreramamargurados entre a justiça e o mal, ou que sentiramcompaixão pelos inimigos.

- Atena é Justiça - concorda Mei.Exatamente. Quem duvidar disso nunca vai conseguir

ser um Cavaleiro de verdade, defender aquilo que precisa.- Seu rosto - Mei muda de assunto. - Falar com urna

mulher sem expressão facial é mais assustador do queenfrentar Tífon.

Page 32: Gigantomaquia   a história de sangue

32

- Não pode ser pior do que olhar para esse seu sorrisosonso - responde a garota, dando de ombros.

- Por que seu nome é Yuuri? - insiste Mei. - É um nomede homem, não é?

- Não é meu nome verdadeiro. Os Cavaleiros devemromper todos os laços com a sociedade mundana, podendoinclusive abandonar seu nome de família. Não sei se é o casodo Seiya, do Shun, do Hyoga... mas acho que poucos Cavaleirosusam o nome que seus pais lhes deram.

- Nós somos irmãos, filhos de um mesmo pai, mas fomoscriados corno órfãos - a voz de Mei torna-se séria. - Desde ocomeço, não tínhamos nada a perder. Mei é só Mei. Seiya éSeiya, Shun é Shun, Hyoga é Hyoga...

- Acho que vocês são filhos das estrelas - filosofa Yuuri.- Eu uso nome de homem por questão de espírito.

- Aquele papo de que uma mulher que vira Amazonatem que abandonar sua feminilidade? - Mei volta ao seu tomsarcástico. - Você é tão antiquada!

- E você é malcriado.- Deixa eu adivinhar: seu nome verdadeiro é Yulia.- Além de malcriado, você é simplório. Minha vez de

fazer perguntas. O que é essa cor de cabelo? Está na cara queé artificial: a raiz é preta!

- Esse cabelo, se quer saber... - diz Mei, sorrindo, - éuma prova de respeito ao meu mestre.

Mas Yuuri já perdeu a paciência com o papo furado deMei. Arrumando rapidamente as coisas sobre a mesa, a garotalevanta-se e desaparece pelos fundos da biblioteca.

- Yuuri - diz Mei, soltando um suspiro. E sussurra, parasi mesmo: - Em japonês, esse é um nome muito feminino...

Page 33: Gigantomaquia   a história de sangue

5

Poucos textos falam da Gigantomaquia nos registroshistóricos do Santuário. Nos livros oficiais, não há

uma linha sequer - explica Nikol para Atena, enquanto ela seacomoda no trono da Sala do Grande Mestre.

- Isso acontece porque a Gigantomaquia não foi umaguerra santa.

- Sim, deusa. O fato é que não temos informaçõesconcretas que possam indicar o paradeiro de Tífon. - Por essarazão, Nikol coletou pistas de locais relacionados a Tífon eseu clã em poemas épicos e fábulas, enviando os Cavaleirospara esses lugares em busca do deus dos Gigas. - Muitas vezesas lendas trazem a realidade escondida dentro de si.

- Nesta batalha, o tempo não será nosso aliado - dizAtena.

- Tem razão, deusa. A cada minuto que passa, Tífonrecupera mais do seu real poder, tornando-se um inimigo cadavez mais poderoso. A prioridade é localizá-Io o quanto antes.

- Mas não estamos deixando o Santuário desprotegido?- interrompe Tatsumi.

- Por isso chamamos mais um Cavaleiro: Kiki já retornoudos Cinco Picos Antigos.

- Nikol! - Atena está surpresa.- Ele deve cumprir suas obrigações de Cavaleiro -

responde Nikol, firmemente.

As Doze Casas do Zodíaco são os recintos dourados dasconstelações, a espinha dorsal do Santuário. Os signos de Áries,Touro, Gêmeos e assim sucessivamente dão nome às casas nocaminho que leva ao Templo de Atena, bem como aosCavaleiros que as guardam.

Page 34: Gigantomaquia   a história de sangue

34

- Então foi aqui que ocorreu a Batalha das Doze Casas...- Mei deixou há pouco a Biblioteca no sopé do Santuário, eagora sobe a escadaria das Doze Casas.

O espaço das Casas está totalmente preenchido pelaproteção das estrelas. Nenhum paranormal, por mais poderosoque seja, consegue se teletransportar na escadaria ou nointerior das Casas. A única forma possível de percorrer ocaminho é pelos degraus que Mei sobe neste instante.

Os Cavaleiros de Bronze, como Seiya, Shun e Hyoga,irmãos de Mei, lutaram aqui contra o mal oculto no interiordo Santuário, protegendo Saori Kido, a deusa Atena. Osdetalhes estão registrados na história oficial, mas é importanteter em mente que as Batalhas das Doze Casas foram oscombates entre os Cavaleiros de Bronze e os de Ouro durantea chamada Revolta de Saga.

“Trágico... Cavaleiros lutando entre si”, pensa Mei,entristecido ao se lembrar de que muitos Cavaleiros perderama vida nesses confrontos. Ele não participou da luta porquena época já estava sob o domínio de Tífon, no Monte Etna.

A noite está serena. Mei percorre a Casa de Gêmeos,que deveria ter sido protegida por Saga, chegando então àquarta casa, a de Câncer.

- Outra Casa sem o seu guardião - diz Mei para si mesmo.O lugar, que deveria estar brilhante e alvo como a Via

Láctea, encontra-se pesado e turvo como ruínas abandonadas.Mei está sem palavras. De repente, passos. O garoto vira-separa trás.

- É você, Shiryu? - pergunta, reconhecendoimediatamente o Cavaleiro, apesar de os dois não seencontrarem há anos.

- Quem é...? Este Cosmo...- Sou eu, Mei.- Mei! - Shiryu está realmente surpreso.- Você foi treinar nos Cinco Picos Antigos da China! -

continuou Mei. - Então essa é a famosa Armadura do Dragão,polida pelas águas da cachoeira de Rozan.

A constelação de Shiryu é a do Dragão. Seu traje sagradoé formado por placas de oricalco, aglutinadas como escamas.

Page 35: Gigantomaquia   a história de sangue

A peça do braço direito traz um pequeno escudo circular,símbolo da própria armadura. Shiryu é um rapaz bonito, derosto corado, com aparência de certa forma oposta àtruculência do Dragão - seu corpo é fino e ele tem longoscabelos pretos na altura da cintura, lembrando um galantewakamusha, como eram chamados os jovens samurais.

- Fui convocado pelo Grande Mestre Substituto paraproteger o Santuário - explica Shiryu.

- Os seus olhos... - diz Mei, cuidadosamente. - Eu nãosabia... Quando isso aconteceu?

Os olhos de Shiryu estão fechados, o Cavaleiro agora écego.

- Foi durante a batalha - responde Shiryu. - Quandocumpríamos nossa missão de Cavaleiro.

É bom explicar que a perda da visão não é algodebilitante para Shiryu. Os Cavaleiros de Atena dominam oSétimo Sentido, a habilidade de “sentir” o Cosmo e a presençade outras pessoas. Embora seja praticamente impossívelexplicá-Io em palavras, o Sétimo Sentido supera os cincosentidos tradicionais, e até mesmo o sexto. Shiryu nem sequerprecisou de ajuda para subir as escadas.

- O que você estava fazendo aqui, Mei? - pergunta. -Sem a visão, posso sentir, embora de forma limitada, ossentimentos das pessoas. Parece que você estava sentindouma tristeza profunda.

- Eu estava pensando no meu mestre - responde Mei,respirando fundo e erguendo os olhos para o céu. - Fui treinadona Sicília. Meu mestre era o Cavaleiro Dourado que guardavaesta Casa.

- O Cavaleiro de Câncer - completa Shiryu, subitamenteassumindo uma expressão severa.

- Pois é, eu estava conversando com ele. O meu mestrevirou estrelas, sabe? - Mei ri e ironiza, mas a expressão deShiryu permanece séria.

Page 36: Gigantomaquia   a história de sangue

36

6

Anatólia: península da Ásia Menor, cercada pelos mares Egeu, Negro e Mediterrâneo. Palco de antigas

lendas gregas. Hoje a maior parte de seu território pertenceà Turquia.

- Que lugar misterioso... - comenta Shun consigo. Ogaroto de cabelos cor de linho veste a Armadura de Andrômedae suas correntes.

É noite. Uma espécie de floresta de pedras cobre oimenso vale. São centenas, milhares de rochas dos maisdiferentes tamanhos, chegando a dezenas de metros de altura,muitas no formato de gigantescos cogumelos. A paisagem foiesculpida por milhares de anos de atividade vulcânica: umlugar tão fantástico que não parece real. Shun pula de umapedra para outra com leveza acompanhado pela sombra doluar pálido.

O Cavaleiro de Bronze de Andrômeda cumpre ordensdo Grande Mestre Substituto Nikol: está em busca da moradade Tífon. O Monte Arima, que fica nesta região, foi citadoem um poema épico e, como sabemos, as lendas às vezestrazem a verdade escondida.

É uma corrida contra o tempo. A cada minuto Tífon setorna mais poderoso e temível. Por isso Nikol está tãocompenetrado nessa busca, enviando em missões deinvestigação Shun, Hyoga e até mesmo Seiya, que ainda nãoestá completamente recuperado. Neste momento, o esforçoinclui os vários Cavaleiros espalhados ao redor do mundo, bemcomo os agentes secretos do Santuário.

Page 37: Gigantomaquia   a história de sangue

“Se Tífon tem o poder de controlar vulcões...”, pensaShun, observando a tênue fumaça branca que sai do MonteArima, “... o que acontecerá com a Terra se ele recuperarsua verdadeira força?”

Sem dúvida seria o fim da humanidade e de qualquerforma de vida no planeta. Desde a erupção incomum do Etna,havia sinais de atividade vulcânica ali e em diversas partesdo mundo. Cientistas alertavam para o risco de uma novaIdade do Gelo, ou da extinção em massa das espécies, comotinha acontecido com os dinossauros. Alguns fatalistas maisapressados já professavam o fim do mundo.

- Não! Não enquanto Atena e os Cavaleiros estiveremaqui! Jamais permitiremos! - Shun reafirma seu compromisso,cerrando o punho.

Neste momento as correntes de Andrômeda, dotadasde um incrivel senso de defesa, assumem espontaneamente aformação da nebulosa Zowah, alertas à presença de um Cosmodesconhecido.

- Quem está aí...? - pergunta Shun na direção da florestade pedras. O garoto percebe nitidamente um instinto agressivoe totalmente exposto, como o de um tigre ou de um lobo,sem a menor preocupação em se esconder. - Ah, aí está você!- Shun lança a corrente do braço direito, que forma um arcoparecido com um bumerangue e captura alguém que seescondia atrás da coluna de pedra. - Um dos Gigas?

Na batalha da Sicília, Ágrios, “a força brutal”; Toas, “orelâmpago célere”, e o sumo sacerdote Encélado, “o bradode combate”, ofereceram-se em sacrifício para Tífon. E oCosmo sentido por Shun não é o de Pallas, em teoria o únicodiscípulo de Tífon que ainda está à solta. Será que existemoutros Gigas sobreviventes? Ou será que Tífon ressuscitououtros Gigas após a erupção do Etna?

Shun sente sua pele se eriçar, como se uma lâminaafiada estivesse alisando a superfície de seu corpo.

Page 38: Gigantomaquia   a história de sangue

38

- São dois...! Espera aí, são três?!As figuras cercam o garoto como caçadores em volta

da presa. A vida de Shun está em perigo. O ataque combinadode três Gigas sugere que Tífon está ali: entre todos osCavaleiros que buscam o deus maligno, Shun tirou o bilhetepremiado.

As sombras aproximam-se ainda mais. Podem sermonstros lendários ou demônios mitológicos. Com certeza sãoinimigos, as silhuetas emanam reflexos escuros de armadurasde Adamas. A corrente circular no braço esquerdo de Shunfaz um zumbido, reagindo à pressão dos Cosmos agressivos. OCavaleiro chama de volta a corrente triangular e a ergue parao céu, fazendo cintilar grãos de poeira estelar.

- Atena! - grita Shun, enquanto sua visão écompletamente coberta pelas três figuras de Adamas queavançam sobre ele.

Page 39: Gigantomaquia   a história de sangue

7

Nikol, por que você chamou Shiryu? - a voz límpida eaveludada de Atena dirige-se ao Grande Mestre

Substituto.- Deusa, qual é o problema de convocar os Cavaleiros

para o Santuário nesta situação de emergência?- Você sabe do que estou falando.- Diz isso por que Shiryu está cego?- Shiryu havia retomado para os Cinco Picos Antigos e

finalmente estava começando uma vida tranqüila ao lado deShunrei, a filha adotiva do grande Mestre Ancião. Ele havia seretirado dos combates, estava arando e cultivando a terra,na maior serenidade...

- Atena, está sugerindo que Shiryu não é mais umguerreiro? - pergunta Nikol, respeitosamente.

- Shiryu sofreu demais nas batalhas! Por culpa minha,por causa da minha fraqueza! Eu tirei a visão de Shiryu. Oque mais vou tirar dele? - Atena desabafa seus sentimentosmais profundos.

- Mas ele não devolveu a armadura - diz Nikol, apósalguns minutos de silêncio. - Não conheço nenhum homemmais sincero, esforçado e leal. Espero sinceramente que, nofuturo, alguém com a moral, a sabedoria e a bravura de Shiryuassuma o papel central dos Cavaleiros no comando do Santuário- continua o Mestre. - Eu respeito e admiro a escolha dequalquer homem que decidir viver humildemente para sededicar a uma mulher. Mas o destino da constelação de Shiryunão aceitará isso. E mais, ele próprio não permitirá que issoaconteça. Shiryu será o Cavaleiro do Dragão até que o destinoda constelação seja cumprido.

- Se isso é verdade, a pobrezinha da Shunrei sofrerámuito. - A voz de Atena está entristecida. Não podemos nos

Page 40: Gigantomaquia   a história de sangue

40

esquecer de que ela carrega em si a alma de Saori Kido, eportanto sofre com questões humanas.

- Peço que aceite esse destino, deusa. A senhora podeter sido responsável por Shiryu ter perdido a visão, mas, mesmoque venha a tirar seus braços, pernas, a moça que ele ama oua própria vida... mesmo que o prive de tudo, Shiryu continuaráinabalável em sua convicção de morrer lutando por Atena. Épreciso que respeite os sentimentos dele.

- Mas Mei e Shiryu... Aqueles dois não se entendem...- Os estreitos laços do carma que une os dois também

são parte do destino. Enquanto ambos forem GuerreirosSagrados, não haverá como fugir dele. É algo que eles precisamsuperar, e eu tenho certeza de que ambos conseguirão. Sãoverdadeiros Cavaleiros.

Neste momento, um objeto não identificado rompe oespaço, fazendo um barulho alto e repentino.

- Ai! - surpreendido pelo impacto, Tatsumi, que estavano canto da Sala do Grande Mestre, cai no chão.

Nikol avança em direção ao trono de Atena a umavelocidade superior à do som, protegendo a deusa com seucorpo e sua armadura.

- É a Corrente de Andrômeda... - Atena se levanta ecorre para o centro da sala. De fato, em cima do tapete centralestá a corrente, na verdade, apenas um pedaço dela. Oartefato rompeu o espaço para surgir no Santuário.

- Será que aconteceu alguma coisa com o Shun...? - Elefoi enviado para Anatólia... para o vulcão Arima.

- Será que Tífon está lá?A única certeza é a de que Shun está em perigo. Uma

situação tão grave que ele não teve outra forma de avisarsenão se valendo da capacidade da corrente de atravessardimensões.

Atena segura a corrente enviada por Shun,sobressaltando-se imediatamente.

- Este... este Cosmo?Nikol também é capaz sentir a energia maligna que

preocupa Atena.Nesse exato momento, uma estrela com cauda prateada

despenca do céu encoberto pelas cinzas. Shiryu de Dragão

Page 41: Gigantomaquia   a história de sangue

sente que um Cosmo terrivelmente violento invade oSantuário.

- Mei? - diz o Cavaleiro cego, virando-se para trás. Maso garoto não está ali. Sem esperar ou avisar Shiryu, Mei retornapelo caminho das Doze Casas Zodiacais, rumo à biblioteca,onde se depara com uma imagem assustadora.

Uma ventania de papel. As páginas do livro, agora emfrangalhos, espalham-se pelo ar e pelo chão, em milhares depedaços. Yuuri está caída, imóvel, no chão, com a vesteescarlate de Oficiante Auxiliar do Santuário. Quem poderiaimaginar que ela registraria sua morte com o próprio sangueno Livro da História que tem em mãos?

- Yuuri!- Quirri! - Uma risada por trás das estantes da biblioteca.

A morte, vestida soturnamente com Adamas de comelinaescura, havia violado as redomas protetoras do Santuário.

- Pallas!- Humph... É a marionete do meu senhor? - responde o

monstro. - O recipiente descartado ainda vive? - O Giga“parvo” provoca Mei, pisando no corpo morto de Yuuri.

- Ora, seu...!- Quer morrer também? - pergunta PalIas, erguendo as

garras tingidas de sangue e fios do cabelo prateado de Yuuri.As batalhas dos Cavaleiros são travadas a um passo da

morte. Por atingirem a essência da destruição, podendo atémesmo romper átomos, às vezes a disputa se decide numinstante, e de forma cruel. Este pode ser o futuro de qualquerCavaleiro: seriamente ferido, sem armadura, atacado desurpresa por um inimigo cujo poder se equipara ao dosGuerreiros de Atena - neste caso, um Giga poderoso. A Amazonamorta não teve a menor chance: a proteção da estrela deYuuri se esgotou.

Para Mei é a morte de uma companheira insubstituível,com quem lutou lado a lado por Atena.

- Esse Cosmo maligno... é um dos Gigas? - perguntaShiryu, entrando na biblioteca.

- Quirri! Mais um moleque de bronze! - desdenha PalIas.

Page 42: Gigantomaquia   a história de sangue

42

- Não chegue perto, Shiryu - avisa Mei.- Se você está preocupado com a minha cegueira, pode

esquecer. O Cavaleiro de Dragão não é inferior a nenhum outro!- Não é isso - retruca Mei. - Este inimigo é MEU! Fui eu

que rompi o seu lacre.- Ah, como deve ser frustrante... - continua Pallas. -

Quirrirri! Vocês finalmente conseguem salvar a menina, e elaé assassinada assim tão facilmente. Cortei sua garganta comestas garras, arranquei seus cabelos e sua máscara! Quefelicidade!

- Quieto, animal! Não vou tolerar mais esse tipo decoisa nas Terras Sagradas do Santuário! - Shiryu é incapaz deconter sua ira.

- Quirrirri! Vão anotar os feitos do grande Pallas nesseslivros? - Pallas joga para o alto a máscara de Yuuri, queescondia atrás de si. A máscara cai no chão e se quebra aomeio.

- Seu nome não vai existir em lugar nenhum - protestaMei.

- Tem razão. Todos os Cavaleiros insignificantes serãoassassinados... não vai sobrar ninguém pra contar história.

- Não confunda as coisas - a voz de Mei carrega o pesodo destino que lhe foi imposto. - Esta é a Gigantomaquia...não faz sentido registrar esta batalha na História.

Nesse momento, surge do nada uma caixa com um trajesagrado, a armadura da constelação de Coma Berenices, queatende ao chamado do Cosmo de Mei. Até mesmo Shiryu,privado do sentido da visão, pode sentir o negrume da urnacom a imagem em relevo de uma mulher de costas.

A tampa se abre e a urna se revela. Nela não há luz,mas sombras que parecem sugar qualquer luminosidade. Surgeuma bela estátua de uma mulher de costas, com longoscabelos, prova de que o portador da caixa é um GuerreiroSagrado, capaz de dominar as forças mais poderosas doplaneta.

É a primeira vez que Mei traja por livre e espontâneavontade a armadura de sua constelação protetora. Cabeça,dorso, braços, quadril, joelhos: a figura feminina da estátua

Page 43: Gigantomaquia   a história de sangue

se divide em várias partes, moldando-se e fIxando-se ao corpodo garoto. O traje protege o Cavaleiro eleito pela Constelação.

Esta é uma armadura de tempos perdidos, quepermaneceu selada por muito tempo. A primeira coisa quechama a atenção nela são os grandes escudos negros dasombreiras, que lembram as asas de um corvo. Graças acomplexas conexões que permitem qualquer movimento, osescudos fundem-se aos dois protetores dos braços semprejudicar a mobilidade do Cavaleiro.

O elmo lembra ao mesmo tempo protetores usados porlutadores de boxe e um ornamento feminino. As placas dopeitoral, quadris e abdômen são leves e finas, e nas pernas aúnica proteção são as joelheiras. É uma armadura de curvassuaves, que preservam a imagem feminina que a originou,apesar de ser intensamente negra.

- Mei, sua armadura parece uma nebulosa escura,trazendo dentro de si a matéria que originará estrelas -comenta Shiryu. Ele sente a explosão do Cosmo no interior deMei e a força do traje negro que acumula em si toda a luz: aorigem da vida.

Uma lâmina corta o ar, soltando faíscas, invisívelenquanto rompe a velocidade do som.

- Quirri...? - o Giga “parvo” está boquiaberto. Senteque algo passou por seu corpo, mas não consegue identificaro quê.

- Vocês não dizem que a luta entre os Gigas e os humanosnão precisa de motivos? - provoca Mei. - Então nãoprecisaremos de palavras.

Para a surpresa de Pallas, Mei permanece em pé,imóvel, com os dois braços relaxados, sem assumir nenhumaposição de ataque ou defesa. O Giga decide atacar o garotoem sua aparente vulnerabilidade, tomando impulso no chãoda biblioteca. As folhas do livro histórico destruído voam pelosares, e a distância entre os dois combatentes diminuisubitamente. Os braços estranhamente longos de Pallasdobram-se como galhos de um salgueiro, e suas garraspoderosas avançam na direção da garganta do oponente. Maso golpe mortífero corta apenas o ar.

Page 44: Gigantomaquia   a história de sangue

44

- Quirri? - mais uma vez, Pallas está confuso. O monstroconcentra sua força no punho e ergue as garras, mas algo caiinesperadamente, como se fosse uma bola mal arremessada.Era uma mão, com garras: a mão do Giga, que se recusa aacreditar em seus próprios olhos. - Meu braço... Meubraçoooooooooooooooo!!

Uma quantidade absurda de sangue jorra do pulsocortado. Pallas sente vertigens, intensamente perturbado pelavisão.

- Você não percebeu, mas seu braço foi cortado faztempo... - diz Mei.

- Q-quando? C-como? - pergunta o Giga, saltando paratrás. - Quirri? - Pallas sobressalta-se, endireitando a coluna.Passa a mão esquerda pela nuca, literalmente, percebendoagora que há sangue ali também. O monstro vasculha o espaçoatrás de si com as garras da mão que lhe resta, ouvindo umsom agudo, parecido com o de uma corda de um instrumentomusical.

Só então percebe que está preso em uma jaula de fiosfiníssimos, mais finos que cordas de piano, esticados em todasas direções ao seu redor.

- São fios de oricalco - explica Mei.- Quirri...? Como é que é? Todos esses fios fazem parte

da sua armadura?Surpreendentemente, a liga do antigo oricalco com

gamanion e poeira estelar assume ali a espessura de um fiode cabelo, mas mantendo sua resistência.

- Cada um desses fios é uma lâmina afiada - continuaMei. - Não se mexa ou seu pescoço vai voar pelos ares semque você perceba, assim como o seu braço.

Com uma leve torção de pulso, Mei controla os fioscortantes, que lançam para longe a máscara de Adamas doGiga. Preso na jaula de oricalco, Pallas não pode sequer sedefender.

- Diga o nome da minha estrela - ordena Mei, no mesmoinstante em que os fios cortantes estalam. Várias lumináriasda biblioteca vão se apagando, deixando aquela parte dorecinto na mais completa escuridão.

Page 45: Gigantomaquia   a história de sangue

- Vai aproveitar a escuridão e fugir? - pergunta o Giga.- Fugir? - Mei solta um riso zombeteiro. - Esses fios são

os meus olhos e os meus ouvidos. Eles são percorridos pelomeu Cosmo.

Apenas Pallas está perdido nas trevas. Assim como Mei,Shiryu não sente nenhuma dificuldade por causa da falta deluz.

- Gyah! - mais um grito de Pallas na escuridão, seguidopelo baque surdo de algo caindo no chão. - Aa-aiiii!!Droooogaa! Minha outra mão!

- Diga o nome da minha constelação! - insiste Mei.- Você é... o Cavaleiro... de Coma... - o Giga geme de

dor.- Mei, de Coma - declara-se o Cavaleiro de Atena.A vibração dos fios de oricalco entoa uma canção: uma

Vontade homicida, soturna e negra, envolvida por profundatristeza.

- Este é o arranjo da morte, Giga.Lost Children - Crianças Perdidas.- Quuiiiiiiiiiiil! - Pallas grita, desesperado, como se

quisesse rasgar a garganta com sua voz.- Que seja feito em pedaços. - Mei puxa todos os fios

de uma vez.Pallas se cala na escuridão, com a voz bloqueada pelo

sangue que enche sua garganta. Mei se prepara para o golpefatal, mas Shiryu segura sua mão.

- Por quê? - pergunta Mei.- Se eu não o impedisse... você o teria matado. - diz

Shiryu. - Mei, o que eu sinto vindo de você é um instintoassassino que não se satisfaria nem se cortasse o inimigo emvários pedaços.

- Yuuri... foi morta assim. Foi assim que esse cara amatou - justifica-se Mei.

- Não importa. Esse é um ato inaceitável para umCavaleiro. A vingança não é a Vontade de Atena. Além disso,precisamos fazer algumas perguntas a esse Giga.

PalIas está agora sem os dois braços, separados porinteiro do resto do corpo. O Giga “parvo” se agitava comouma galinha à espera do abate.

Page 46: Gigantomaquia   a história de sangue

46

- Então, Giga, onde está o seu deus, Tífon? - perguntaShiryu.

- Quirri. Quirrirril- Do que você está rindo?- Quando o nosso senhor exercer o seu verdadeiro poder,

nem mesmo Atena será páreo para ele, quanto menos osCavaleiros. - Pallas fala com dificuldade, soltando bolhas desangue pela boca. - Afinal, diante do verdadeiro poder dele,até mesmo Zeus, o maior dos deuses do Olimpo, fugiu!!

- Qual é o objetivo de Tífon? Sua verdadeira força? Seele quer dominar a Terra, por que provoca erupções que podemdestruí-Ia?

- Os pensamentos dele estão muito acima dos humanos...acima até mesmo de nós, Gigas.

- Por que os Gigas cultuam e seguem um deus desses? -continua Shiryu. - Um deus que domina pelo terror! Uma féque não oferece paz de espírito!

- O terror é a fonte da nossa força - responde Pallas. -Os Cavaleiros, em sua insignificância, serão todos mortos. Nossosenhor tem filhos. Os Gigas Filhos de Deus estão entre nós.Velhos Gigas, como eu, já não são mais necessários... Louvor avós, Tífon... - são as últimas palavras do monstro. Seu corposublima-se nesse momento junto com a armadura de Adamas,desaparecendo completamente de uma hora para outra.

- O que foi isso? - Shiryu engole em seco.- Esse é o “temor” de Tífon - explica Mei. - Aquele que

pronunciar o nome do deus que cultua terá sua língua arrancadae perderá a fala. Quem tiver seu nome chamado por seu deusverterá sangue pelos ouvidos e enlouquecerá. Essa é a crençados Gigas.

- Vocês dois! Estão bem? - As luzes se acendem com aentrada de Nikol na biblioteca. - Yuuri! - O oficiante-mor ficahorrorizado diante da tragédia. - E o Giga Pallas, “o parvo”...- sussurra.

- Pallas se suicidou pronunciando o nome de Tífon - dizMei. - Era o último dos Gigas cujos selos eu rompi.

O garoto ainda está surpreso com suas habilidades deCavaleiro. Sente que o traje está ensinando-o a manipulá-Io.

Page 47: Gigantomaquia   a história de sangue

Ele movimentava o corpo guiado pela Armadura. Em suas mãos,os fios cortantes são como parte de seu corpo.

- Tenho notícias de Tífon - a voz de Nikol interrompe ospensamentos de Mei.

- O senhor descobriu alguma coisa? - O garoto ergue orosto na direção do oficiante-mor, que responde com umavoz pesarosa.

- Shun...

Page 48: Gigantomaquia   a história de sangue

48

II

SANGUE

Page 49: Gigantomaquia   a história de sangue

1

Existe no Santuário um humilde cemitério. Alirepousam os Guerreiros de Atena, alguns famosos,

outros menos conhecidos - muitos túmulos nem devem tercorpos sepultados. As lápides são simples pedras com o nome,a classe e, em alguns casos, a constelação dos Cavaleiros -algumas completamente cobertas de musgo.

- Mais uma companheira que perdemos... - balbuciaSeiya, que recebeu a notícia da morte de Yuuri ao retornarde sua missão.

- Conseguimos salvá-Ia uma vez... - diz Hyoga, com oolhar perdido na direção do túmulo recém-construído.

Desde os tempos imemoriais das antigas lendasmitológicas, Cavaleiros tão numerosos quanto as estrelas nocéu lutam pelo Amor e pela Justiça na Terra, cumprido o seudestino.

YUURI, Bronze, Sextante. Nada na inscrição indica queesse é o túmulo de uma mulher.

- A cada combate, eu só pedia uma coisa... - a voz deNikol está carregada de tristeza - que eu não precisassepronunciar uma prece de despedida. O oficiante-mor concluio ritual.

- É só isso? - Mei aperta os lábios diante da lápide deYuuri. Sente que a homenagem foi curta demais para a saudadeque sente.

- O que você queria? Um enterro colossal como o dosimperadores da Antigüidade? - o tom de Nikol carrega algumsarcasmo. - Deveríamos por acaso fazer uma festa paracelebrar a sua passagem e chorar durante sete dias e setenoites? - continua. - Não precisamos de ostentações. Nemmesmo precisamos de túmulos. A paz na Terra é a maior prova

Page 50: Gigantomaquia   a história de sangue

50

de que cada um dos Cavaleiros esteve aqui. Mesmo que umdia as pessoas se esqueçam de nós, as estrelas jamais nosesquecerão.

As palavras de Nikol reverberam no espírito de Mei eno destino traçado por sua armadura negra. Ele é um guerreiroda Gigantomaquia.

Page 51: Gigantomaquia   a história de sangue

2

Na Sala do Grande Mestre, Nikol mostra a Seiya opedaço da corrente triangular da armadura de

Andrômeda. A primeira reação do garoto é se oferecerprontamente para resgatá-Io.

- Shun foi a Anatólia. Estou certo, oficiante-mor? - Hyogade Cisne também está preocupado com seu companheiro eirmão.

- Foi ao Monte Arima - responde o oficiante-mor.- A corrente triangular é a corrente de ataque - comenta

Shiryu, sentindo o artefato com as mãos. - Shun sacrificou aprópria arma, renunciando à luta para nos alertar do perigo.

- Que inimigo intimidaria um Cavaleiro como Shun? -alguém pergunta.

- Só podem ser os Gigas!! - grita Seiya, impaciente. -Yuuri foi assassinada por um Giga que invadiu o Santuário.

- Acalme-se, Seiya - Atena, que até agora estava sentadaem seu trono, fala pela primeira vez, fazendo com que todosos presentes fiquem em silêncio para ouvir a Vontade Divinaà qual dedicam a vida. - A vida ou a morte de Shun dependedo destino de sua estrela. Mas vamos fazer o melhor quepudermos por ele.

Para surpresa de Seiya, Hyoga e Shiryu, nesse momentoum novo grupo de Cavaleiros entra na Sala do Grande Mestre.

- Chegaram. - confirma Nikol, virando-se em direção àporta.

Os recém-chegados se apresentam:- Nachi de Lobo.- Ban de Leão Menor.- Ichi de Hidra.- Geki de Urso, ao seu dispor.

Page 52: Gigantomaquia   a história de sangue

52

-Jabu de Unicórnio. Atendendo à ordem Divina,comparecemos ao Santuário.

Com isso esses Cavaleiros de Bronze ajoelham-se diantede Atena.

- Obrigada por terem vindo de tão longe - responde adeusa.

- Viemos para reforçar as defesas do Santuário... - Jabutraja a armadura de Unicórnio, com um chifre solitário noelmo. É parecido com Seiya, e os dois têm quase a mesmaidade. A principal diferença é sua pele, mais morena,provavelmente por ter vindo da Argélia, onde cumpria suamissão de Cavaleiro.

- Jabu, Nachi, Ban, Geki e Ichi - diz o oficiante-mor notom mais “oficial” possível. - Sua missão já foi comunicada:devem formar um círculo protetor ao redor do Santuário edefender Atena.

- Sim, senhor - responde Jabu. - Também gostaria derever o Mei, agora que sabemos que ele está vivo.

- Mei? - chama Seiya, olhando ao redor.- Alguém viu o Mei? - pergunta Nikol, com ar

preocupado.- Ele estava com a gente no enterro...- Chegueeeeeeeei!!Seiya é interrompido pela voz aguda de um garotinho,

mais jovem que os outros, que entra na Sala do Grande Mestre.É Kiki.

- Missão cumprida, senhor Nikol! - diz o menino, fazendouma reverência sapeca.

- Missão...? - A expressão do oficiante-mor é de purasurpresa.

- Como assim? O senhor não me mandou teletransportaro Mei para o vulcão Arima?

- Eu não dei essa ordem - responde Nikol.- Não? Sério? Foi o que me disse o Mei, por isso eu... -

Kiki está confuso.- Quer dizer que o Mei foi salvar o Shun sozinho? - grita

Shiryu.- Creio que ele está se sentindo culpado pelo que

Page 53: Gigantomaquia   a história de sangue

aconteceu a Yuuri e Shun, além do retorno de Tífon... - Nikolse recrimina duramente por não ter sido capaz de perceberque Mei se responsabilizava pelos acontecimentos.

- Kiki! Leva a gente pro vulcão Arima!- T -tá legal!- Espere, Seiya - interrompe Nikol.Altiva, Atena se aproxima de seus Cavaleiros

placidamente, segurando o cetro que representa Nike, a deusada vitória. Seu longo vestido está esvoaçando suavemente.

- Nikol tem a obrigação de estudar e analisar os fatosum pouco mais do que você - diz a deusa. - Se Tífon estiver nomonte Arima, isso significa que provavelmente já existe aliuma redoma protetora.

- O Flegra de chamas terrenas! - Seiya se lembra docampo de força de Tífon, que suga o Cosmo, e que tanto osprejudicara no Etna.

- Nikol - Atena desvia os olhos acinzentados para oGrande Mestre em exercício.

Compreendendo a Vontade de Atena, o Cavaleiro deAltar parte em busca de uma pequena caixa, a qual oferece àdeusa. Dentro dela há um espadim brilhante como uma jóia.Atena olha com ternura para Seiya, Hyoga e Shiryu.

- Venham até aqui.Os três Guerreiros Sagrados atendem ao chamado de

Atena.- Que o sangue proteja os meus cavaleiros. - A deusa

aproxima a lâmina do pulso. É tão afiada que basta um levetoque para fazer um corte. Sem hesitar, Atena a faz correrpelo seu braço. O nobre sangue divino desenha um fiovermelho sobre a pele clara.

As três armaduras de bronze - de Pégaso, Cisne e Dragão- recebem gotas do sangue de Atena, e assim obtêm a proteçãoda sua soberana Vontade.

Após oferecer a proteção do seu sangue também àarmadura de Altar, Atena devolve o espadim a Nikol. Ocavaleiro recebe respeitosamente a arma, limpa a lâmina comum tecido branco e a coloca novamente na caixa.

- Enquanto estiverem nestas armaduras consagradascom o sangue de Atena, vocês não sofrerão com a redoma

Page 54: Gigantomaquia   a história de sangue

54

protetora das chamas terrenas de Tífon - explica o oficiante-mor

- Então agora podemos ir!- Seiya... Hyoga, Shiryu. Acompanhem-me até o vulcão

Arima.- Kiki, perdoe-me por abusar de você, mas peço mais

uma vez. Agora cada momento é importante - hora para maisum teletransporte.

- Eu lhe confio Shun, Mei, e todos aqui - Atena dizserenamente a Nikol, enquanto Tatsumi procura estancar,apavorado, a hemorragia do pulso da deusa.

- É claro, Atena. Sem Mei, será dificílimo selar Tífon. -Antes de deixar a sala, Nikol faz uma última reverência.

- O que você quer dizer Com “sem Mei”? - perguntaSeiya.

- Estava falando do destino da constelação de Mei. Voulhe contar mais tarde. Agora não é o momento - completaNikol.

Page 55: Gigantomaquia   a história de sangue

3

Ao acordar de um pesadelo no qual se arrastava pelochão, como uma taturana, Shun está tomado por

calafrios que o entorpecem até a ponta dos dedos.- Esta sensação... - É como se o Cosmo vazasse por sua

alma. - O campo do FIe...- Cavaleiro de Andrômeda - a voz áspera de Tífon

interrompe os pensamentos de Shun. - Está sentindo o temor?Olhando fixamente para o garoto, ali está o deus

assimétrico de chamas e relâmpagos, o último dos Gigas, comsua armadura brilhante e escura de Adamas. Shun é seuprisioneiro.

- Por que tenho a impressão de que já conheço você? -pergunta o deus monstruoso. - Sinto que já lutei com você.Ah, é claro! São as memórias do meu querido irmão Toas.

Será que as lembranças de Toas, o “relâmpago célere”,se transferiram para Tífon quando ele o devorou em sacrifício?Shun tem dificuldade para encarar o deus dos Gigas: as chamase relâmpagos que emanam de Tífon parecem queimar suasretinas. E ele está cada vez mais poderoso. Shun não sabe,mas Tífon acabou de devorar Pallas, “o parvo”, aumentandoainda mais seu poder.

- Vejo que não é apenas um ser humano, Andrômeda -diz a criatura. - Você é o receptáculo de um dos deuses doOlimpo. Não me esqueço do sabor do seu sangue e do cosmoque sorvi, embora pouco, no monte Etna. Não poderia desejarsacrifício melhor!

Tífon se curva para frente e toca o rosto de Shun. Umchoque elétrico atinge os centros nervosos do corpo doCavaleiro, que se contrai involuntariamente num espasmoviolento.

Page 56: Gigantomaquia   a história de sangue

56

- Vou devorá-Io! - Tífon lambe os lábios com sua línguapreta.

- Sou um Cavaleiro de Atena - responde Shun.- Jamais me renderei ao seu temor.- Não há como escapar do temor - diz Tífon, virando-

se. - Gostaria de devorar você agora, mas tenho que esperar.O deus dos Gigas sai do campo de visão de Shun,

revelando o altar. Sobre ele, envolvida pelo fino “Casulo doTempo”, repousa a imagem de uma mulher grávida, metadehumana, metade serpente. “O Calabouço do TempoEstagnado.”

- Andrômeda, vou devorá-Io na ocasião do nascimentodo meu novo e verdadeiro corpo carnal.

- Aquela mulher está viva?- Equidna. A última das mulheres Gigas - revela Tífon. -

Um monstro mitológico, desenhado pelo temor dos frágeishumanos. É a minha forma feminina. Arranquei suas pernaspara que não fugisse.

De fato, Shun percebe que a metade inferior deEquidna, a parte da serpente, está presa ao pedestal por váriose grossos pregos.

Nesse momento surgem três figuras não identificadas.- Pai - dizem as sombras.- Meus filhos... O que são esses Cosmos pequeninos que

me irritam com sua implicância?- Aparentemente, os Cavaleiros de Atena voltaram a

invadir estas terras - responde a sombra de Ladon, “o dragãode cem cabeças”.

- São como insetos no verão. Matem-nos! - ordena odeus dos Gigas. - Mais que isso, devorem cada um deles!

- Sim, pai. - Respondendo com obediência absoluta, osfilhos de Tífon deixam novamente o templo subterrâneo.

“Será que são Seiya e os outros?”, pensa Shun. “Entãoa corrente de Andrômeda chegou a Atena.”

- O “Tempo Estagnado” em breve se romperá - repeteTífon, lançando um olhar maligno na direção da mulher noaltar. E, então, voltando-se para Shun: - Vou devorar você,Cavaleiro.

Page 57: Gigantomaquia   a história de sangue

4

Em pé sobre uma rocha que lembra um chapéupontiagudo, Seiya examina a paisagem ao seu redor.

Está em uma das muitas florestas de pedras do vale daAnatólia, uma região desolada, distante da civilização. OCavaleiro não vê nenhum tipo de luz, nenhum sinal dehabitação. À sua volta estão Hyoga, Shiryu, Nikol e Kiki, queos teletransportou do Santuário até ali.

- Oficiante-mor, qual a relação desta terra com Tífon?- pergunta Shiryu.

- Um poema épico grego conta uma história chamada“A Morada de Typhoeus”.

- Typhoeus? Seria sobre TÍfon?- Na verdade, é sobre a esposa de Tífon. Já ouviram o

nome Equidna? - pergunta Nikol aos Cavaleiros de Bronze.- Mãe de monstros - responde Hyoga.- Sim, muitos monstros da mitologia grega são

considerados filhos de Tífon com Equidna: o leão de Neméia,a serpente venenosa Hidra, Cérbero, o cão do inferno, o abutreque devorou as vísceras de Prometeu acorrentado...

- Espera aí! Esses monstros não são constelações? -indaga Seiya.

- São, sim - explica Nikol. - Essa lenda é uma das muitashistórias envolvendo figuras que deram nomes a constelações.Esses monstros são frutos do medo... do “temor” das pessoas.Talvez os humanos tenham tentado apaziguar essas criaturasaterrorizantes elevando-as aos céus. Além disso, creio que odestino das estrelas não existe somente para os humanos,mas também para os Gigas.

- O senhor acha então que os Gigas também têm suasconstelações e vêem as estrelas?

Page 58: Gigantomaquia   a história de sangue

58

- Exatamente, Shiryu. - Nikol ergue os olhos para o céunoturno. - O firmamento é o recipiente deste universo, noqual todos os Cosmos e todas as Vontades Divinas se mesclam.

Nesse momento, os quatro Cavaleiros verificam seustrajes sagrados. Admiram o brilho das estrelas que honravam.Estão sob a proteção do sangue de Atena. Contemplam o seudestino.

- Vamos salvar o Shun.- E o Mei.- E vamos vencer, por Atena.Nikol vê os três garotos colocarem as mãos umas sobre

as outras, selando o compromisso de cumprir a missão.- Mas... e eu?- Você fica esperando aqui, Kiki. Quando sentir que

está em perigo, fuja logo. Sua força é necessária para Atena.- É mesmo? Hummm, acho que é sim... Sem mim, as

coisas não acontecem, certo? - Feliz com o elogio de Nikol,Kiki procura um lugar para se sentar e esperar peloscompanheiros, que saem imediatamente em disparada pelafloresta de pedras.

Os quatro correm mantendo uma distância fixa entresi.

O que eles devem fazer não é protagonizar uma históriade heroísmo e bravura para ser contada por milênios. Tudo oque farão é pelo Amor e pela Justiça na Terra. Por seuscompanheiros e por Atena.

- Ainda não sinto a redoma de Flegra - grita Seiya paraos outros. A floresta de pedra não está sob a maldição deTífon, portanto, ao encontrarem o campo de força, terãoencontrado também o deus dos Gigas.

De repente ouvem um ruído, uma espécie de grunhidoensurdecedor. Os quatro Cavaleiros param e assumem posiçãode combate. O solo se abre.

Page 59: Gigantomaquia   a história de sangue

5

A floresta de pedra grita. O vento que percorre asrochas faz o ar vibrar e ameaça os invasores como

uma harpa estridente. O chão cede. A superfície desmoronacomo uma concha vazia, e os cavaleiros são tragados para ocentro da Terra, perdendo-se uns dos outros em meio àssombras das rochas e à poeira que cai.

A cratera é grande o bastante para abrigar váriosanfiteatros, e vai ficando cada vez mais profunda, até queeles finalmente atingem o fundo. Com isso a Terra ficasilenciosa novamente.

- Uff - Hyoga tosse, empurrando uma rocha gigantesca.- Onde estou? - O Cavaleiro percebe que perdeu o contatocom o Cosmo de Shiryu, Seiya e os outros.

O ar está saturado de poeira. É impossível manter osolhos abertos. De qualquer forma, Hyoga está muito abaixoda superfície: mesmo que pudesse abrir os olhos, a escuridãoé absoluta.

Enquanto caía, Hyoga pulou instintivamente para umburaco lateral da cratera. Se tivesse caído até o fim teriasido soterrado pelo volume colossal de rochas.

- Outra armadilha dos Gigas? - pergunta-se o garoto,agora separado dos outros Cavaleiros.

Uma ventania assustadora percorre os espaços vaziosda Terra. Hyoga sente como se uma centena de serpenteslambesse todo o seu corpo.

- Ora... conseguiu sobreviver ao desmoronamento?Hyoga vira-se na direção da voz e, para sua surpresa,

consegue abrir os olhos. A poeira, antes tão densa, sumiucompletamente.

Page 60: Gigantomaquia   a história de sangue

60

Está numa caverna com luzes vacilantes entre overmelho e o marrom, que lembra muito o templo subterrâneodo monte Etna. Hyoga está surpreso pela existência de umespaço tão amplo sob o vulcão Arima.

- Essa armadura... não é um traje qualquer - continuoua voz, grave como a de uma fera rosnando.

- Ah, você percebeu? - Hyoga já consegue visualizar afigura do inimigo: é um dos Gigas.

- Dentro da redoma de Flegra, armada no interior destetemplo subterrâneo, sua armadura repeliu o “temor”.

- Tífon está aqui?- Deve ser a proteção do sangue de Atena.- Hyoga, da constelação do Cisne.- Ortos, “o cão bicéfalo do mal”.Seu Adamas tem o brilho de uma safira-estrela da cor

das trevas, uma pedra nobre e rara, que traz em suasprofundezas de um azul intenso os raios cintilantes dasestrelas.

Hyoga reconhece o nome do monstro da Antigüidade. Afigura à sua frente parece ser feita de rocha maciça. Emboratenha a mesma altura dos outros Gigas, seu torso e abdômensão de proporções colossais, transmitindo uma densidadecomparável à do urso polar, um mamífero de meia toneladaque é o maior animal carnívoro do planeta.

O Giga usa uma coleira de espinhos e uma armadura deAdamas de formato incomum, lembrando um corajoso eenrugado cão Mastiff.

- Você é filho de Tífon e Equidna. O Giga que invadiu oSantuário declarou que havia novos Gigas, filhos de deus...

- Eu sou um deles.Seu rosto estava inteiramente coberto por um elmo.

As ombreiras têm imagens que representam o próprio cãobicéfalo maligno, com seus dentes à mostra como se estivessesempre preparado para morder os inimigos. Parece ter trêscabeças, incluindo o elmo.

- Então você é o meu inimigo.Um cristal de neve dançou em suspensão, congelando

o ar. Os sons finos das crepitações dedilhadas pelo frio na

Page 61: Gigantomaquia   a história de sangue

atmosfera são o silencioso prelúdio do guerreiro, o elevar doCosmo de Hyoga.

- Vou devorar você.- Que mau gosto - responde Hyoga, sentindo um terrível

mal-estar.

Page 62: Gigantomaquia   a história de sangue

62

6

Depois de ter sido praticamente sepultado vivo, Seiyaabre caminho destroçando as rochas que caíram

sobre ele, erguendo-se da terra como um morto ressuscitado.O menino esfrega os olhos e cospe energicamente o barroque se acumulou dentro da boca.

- Credo! Não teria graça nenhuma morrer num lugarcomo este - diz para si mesmo, talvez para aliviar a tensão.

Acima dele a saída está parcialmente soterrada. Seiyanão consegue enxergar o fundo. No local há uma luminosidadeturva, preenchendo o ar no interior da caverna e revelandoos contornos da rocha.

- Igualzinho ao Monte Etna! Então aqui também é...- Terra Sagrada do meu pai.Seiya dá uma ágil meia-volta e assume posição de

combate, fechando a guarda com os braços.- Quem é você, que aparece assim de repente? Quase

me mata do coração - provoca Seiya, reconhecendo no inimigoa figura de um Giga. - Então aquela rachadura na terra foiuma armadilha de vocês!

- Não era nossa intenção que o combate se resolvesseassim - diz o monstro. - Se morressem apenas por causadaquilo, não poderíamos vingar o ódio acumulado ao longodo tempo pelos Gigas. Quero saber o seu nome.

- Para quê? Para escrever em um livro de História? -ironiza o garoto.

- Os Gigas não precisam registrar a História. A existênciado meu pai é a prova de que os Gigas sobreviveram. - Comisso o inimigo surge das sombras por inteiro, e sua figuramonumental domina a caverna preenchida com a Vontade deTífon.

Page 63: Gigantomaquia   a história de sangue

Seiya prende a respiração diante do que vê. O Gigatem asas formadas por membranas esticadas sobre ossos, comoas dos morcegos. A espada na mão esquerda é uma serpentevenenosa. O escudo na mão direita é uma cabra, cujos chifresevocam as antigas representações do diabo. Esses aparatosfazem com que a figura pareça um fantasma desgarrado deuma cavalaria medieval.

O brilho do Adamas que cobre todo o seu corpo é derubi-estrela, mas da cor das trevas - uma outra pedra preciosa,raríssima, de um vermelho tão intenso que chega a ser cruel,resguardando em seu interior as labaredas de estrelasenlouquecidas. No rosto, uma máscara que imita a cara deum leão.

- Você disse pai? Está falando de Tífon? - pergunta Seiya.- Estou perguntando seu nome por uma única razão. -

O Giga muda de assunto, completamente preparado para ocombate. - Tenho que saber o nome da carne que vou comer.

Seiya se irrita com a forma que o monstro lhe encara.Chutando o chão, toma impulso para se lançar na direção dooponente.

- Cometa de Pégaso! - grita, cercando-se de uma aurabranco-azulada.

Um brilho intenso. Seus punhos dirigem-se ao inimigoa uma velocidade muito maior que a do som. O ataque mortalrompe a redoma de chamas terrenas, e por isso pode serlançado com sua energia de sempre.

Mas um inesperado contra-ataque arremessa Seiya aochão: o violento golpe aplicado pelo escudo cravejado do Gigafaz com que o garoto caia a uma distância de dezenas demetros, formando uma coluna de água. Um lago subterrâneo.

O “cavaleiro andante” dos Gigas sobe pelos rochedospara além de onde Seiya foi arremessado. Embora desajeitado,seu andar não é, de forma nenhuma, lento.

- Eu estava mesmo querendo lavar os pés. Aliás, fazuns três dias que não tomo banho. - Seiya encara o inimigo dedentro do lago, com água até a cintura. Apesar de machucado,o garoto sorri com um ar tranqüilo, como se não tivesse sofridonenhum dano. - Está um pouco gelada, mas acho que agoraacordei de vez.

Page 64: Gigantomaquia   a história de sangue

64

- Ora, seu...- Para agradecer, vou dizer o que você queria saber. Eu

sou Seiya! Seiya de Pégaso!- Quimera, “a fera pluriforme” - apresenta-se o Giga.

Seu corpanzil tem mais de dois metros de altura e suaarmadura parece ser a própria carapaça do gigante.

Na fase de treinamento para ser um Guerreiro Sagrado,Seiya tinha aprendido sobre fábulas de monstros. O garotobusca agora na memória alguma referência que sua mestra,Marin, a Amazona de Prata da Constelação da Águia, possater feito sobre Quimera.

A metade superior do Giga tem a forma de um leão, ea inferior é o corpo de uma cabra. Na cauda, uma serpente. Éum ser estranho, fantástico, assombroso.

- Você é filho de Tífon.- Vou devorar você.O cavalo alado e a criatura fantástica que reúne

múltiplos animais colidem em combate.

Page 65: Gigantomaquia   a história de sangue

7

Nikol de Altar também escapou do desmoronamento,abrigando-se numa caverna sob o vulcão Arima.

- Oficiante-mor... - chama Shiryu, o Cavaleiro deDragão. - Onde estão Seiya e Hyoga?

- Não sei. Aparentemente, caíram muito abaixo de ondeestamos - responde Nikol.

- Estamos no fundo de um fosso? - pergunta o Cavaleirocego.

- Numa caverna. Pelo que vejo, há marcas artificiaisnas paredes. Talvez seja um templo subterrâneo dos Gigas.Também parece que há uma redoma de Flegra. Estoupreocupado com Shun e Mei...

- Senhor, pelo que o Kiki nos disse, não deve fazer maisde uma hora que ele trouxe o Mei ao vulcão Arima.

- Espero que ele esteja bem.- Se este for o templo de Tífon, devemos ir para baixo.

Lá encontraremos o Seiya e o Hyoga - sugere Shiryu. - Consigosentir o Cosmo deles, embora apenas minimamente.

- Não me diga! Eu não consigo. Devem ser os laços desangue, vocês são irmãos. - Nikol sorri.

Nesse momento um baque pesado faz com que ossubterrâneos do monte Arima vibrem novamente.

- Outro desmoronamento? - Nikol olha para o alto.- Não... isto é... - sem tempo de explicar, Shiryu sai

correndo na direção de um Cosmo que sugeria uma estrelamoribunda. - Por aqui, senhor!

Nos corredores por onde seguem, a luminosidade estábem mais reduzida. Shiryu, embora seja cego, avança comose guiasse Nikol pela penumbra. Chegam a mais uma abertura,mais iluminada. Diante dos dois está...

Page 66: Gigantomaquia   a história de sangue

66

- Mei!... a figura do Cavaleiro vestido com o traje negro,

ferido e caído. Deitado de bruços, parece erguer um pouco orosto, gemendo.

- Você está bem?Sem fazer nenhuma menção de se proteger, Nikol corre

em sua direção.- Pare! Não venha! - grita Mei com a voz debilitada,

quase inaudível.Nesse instante faz-se a mais completa escuridão.Metsu!Um ataque vindo das trevas atravessa o peitoral do

Traje Sagrado de prata como se fosse feito de papel. Um somsurdo. A proteção da estrela de Nikol parece estar seesgotando.

- Oficiante-mor!Algo o atravessa pelas costas. Não há nada que Shiryu

e Mei possam fazer. Não há como voltar no tempo. O fim deuma vida não pode ser adiado. O sangue inunda os pulmõesde Nikol após seu peito ser rompido.

Mei se aproxima de Nikol, arrastando-se. O Ca-valeiroda constelação de Altar cai de bruços, sem nada fazer paraamortecer sua queda.

- Mei... você está bem? - pergunta o enfraquecido Nikol,preocupando-se com os outros mesmo em seu últimomomento.

- Por que não armou a guarda? Uma pessoa como osenhor...? - Mei, com os cabelos prateados tingidos de sangue,fica arrasado ao perceber que a morte de Nikol é inevitável.- Isso foi um vacilo!

- Tem razão... estou constrangido - admite o oficiante-mor. - Perdi o controle quando o vi caído. Só tinha em menteque você é necessário, Mei. Você estava a ponto de trair aconfiança de Atena... Eu disse que havia um segredo ocultodentro do Santuário... a história da antiga Gigantomaquia...sem você... sem a armadura de Coma Berenices, seriadificílimo selar Tífon...

- Poupe suas energias... não fale mais nada...

Page 67: Gigantomaquia   a história de sangue

- Sele Tífon - Nikol gasta toda a força que lhe resta. -Sua armadura o guiará... será a voz das estrelas... e só vocêpoderá ouvi-Ia...

- Sim...- A única coisa que lamento... como Grande Mestre

Substituto... - o olhar de Nikol vai perdendo a força - é nãosaber qual é o destino confiado a você e a seu traje. Isso nãoestá na História Oficial. Não está em nenhum livro histórico.Nem Atena reencarnada sabe... o sangue de Atena consagradono seu traje negro... naquele passado distante... irá lhe contarquando chegar a hora.

- A proteção do sangue de Atena... - repete Mei. - Poderáser um destino terrível para você... Mesmo assim, sou obrigadoa dar a ordem. Mei... Vejo agora que o destino da minhaestrela foi dizer isto para você: sele Tífon. - São as últimaspalavras de Nikol. Nesse instante, outra estrela se solta dofirmamento.

NIKOL, Prata, Altar. Talvez seu túmulo não tenha restosmortais.

- Oficiante-mor!- Shiryu - adverte Mei - Tome cuidado... O inimigo...Shiryu corre em direção a Mei, vasculhando o interior

da cavema. Seus movimentos são interrompidos por um Cosmoavassalador.

- Apareceu mais um inseto barulhento! - A presençadomina toda a caverna escura.

- Você me usou como isca! - grita Mei. - É tudo culpaminha! - Arrependido, Mei morde o lábio inferior com tantaforça que o sangue escorre pelo seu queixo.

- Meu pai ordenou que devorássemos todos vocês,Cavaleiros - diz a voz que comanda os Gigas filhos de deus.

- Quem é você? - Shiryu não o vê, mas pode medir otemível Giga que está diante dele pela escala absurda do seuCosmo. Se pudesse enxergá-Io, certamente estaria ainda maisapavorado.

- Ladon, “o dragão de cem cabeças” - declara a voz.Mei se levanta cambaleante. Seus ferimentos são profundos e

Page 68: Gigantomaquia   a história de sangue

68

sangrentos: tem os músculos da perna retalhados, como se acarne tivesse sido rasgada a dentadas.

- Ladon... Esse é o nome de um dos filhos de Tífon eEquidna na mitologia. O dragão maligno! - grita Shiryu.

- É o Giga filho de deus de que falava Pallas... -completa Mei.

- Aqui estou - proclama Ladon. O brilho do seu Adamasera o da opala negra, mais uma gema rara, e irradiavanebulosas estelares com todas as cores do arco-íris nofirmamento de denso ébano.

- Fuja, Mei - ordena Shiryu. - O Seiya e o Hyoga devemestar abaixo desta caverna. Você sente o Cosmo deles, não é?

- Acha que vou abandonar você?- O oficiante-mor me contou... Sem você e o seu traje,

será impossível selar Tífon.- Mas...- Não repita o erro. - Shiryu não tem escolha a não ser

esbofetear o relutante Mei. - Para que somos companheiros?Para que somos irmãos? Você não está lutando sozinho.

- Por essa eu não esperava. Levar um tapa de um irmãomais novo...

- Mei... tem uma coisa que eu preciso contar para você- confessa Shiryu. - Na batalha das Doze Casas eu lutei com oseu Mestre, o Cavaleiro de Ouro de Câncer... e o derroteicom estes punhos.

- Eu sei - responde Mei. - Soube de tudo através dooficiante-mor... de Nikol. Ele me contou antes de eu mereencontrar com você na Casa da Constelação de Câncer.

- Você sabia!- Aquele homem - Mei abre o coração para o irmão -,

mesmo que tenha sido um Cavaleiro maligno que se revoltoucontra Atena, continua a ser o meu mestre. Ao mesmo tempo,eu e você temos o mesmo sangue. Nunca vou comparar asduas coisas.

- Mei... obrigado. Esta conversa me livra de um pesoenorme no coração. - Shiryu sorri, um sorriso de alívio.

Diante da atitude honesta do irmão, Mei também sesente redimido, salvo.

Page 69: Gigantomaquia   a história de sangue

Antes que possam se despedir, Ladon, “o dragão decem cabeças”, coloca-se diante da dupla.

- Acha que deixarei que ele vá embora? - pergunta omonstro, referindo-se a Mei.

- Eu, Shiryu de Dragão, vou provar que sim.- Dragão...? - pela primeira vez, o Giga de máscara

metálica revela algo que pode lembrar um sentimento.- Eleve-se, Cosmo! Tome isto! O maior ataque deste

Cavaleiro...O Dragão Celeste, resplandecendo num brilho branco-

azulado, abriga-se no punho direito de Shiryu.- Cólera do Dragão!

Page 70: Gigantomaquia   a história de sangue

70

III

CRONOS

Page 71: Gigantomaquia   a história de sangue

1

No lago subterrâneo sob o vulcão Arima, Seiya dePégaso e Quimera, “a fera pluriforme”, encaram-

se, frente a frente.- Você é filho de Tífon!- Vou devorar você! - proclama o “cavaleiro andante”

dos Gigas, equipado com a espada da serpente venenosa, oescudo do leão e o Adamas de rubi-estrela da cor das trevas.

- Vocês, Gigas, são muito vulgares, sabia? - Seiya, porsua vez, está completamente desarmado. Os Guerreiros deAtena lutam somente com o corpo, mas isso não significa quenão saibam usar armas. Precisam saber, uma vez que seusinimigos não seguem nenhuma proibição nesse sentido. Assim,além do aprimoramento do corpo, o treinamento dosCavaleiros inclui combate contra oponentes armados.

As articulações da pesada armadura de Adamas do Gigaestalam com seus gestos. Para Seiya, dotado da agilidade deum cavalo que percorre os céus, a movimentação do monstroé desajeitada como a de um fantoche mal conduzido.

- Sua armadura parece pesada - provoca o garoto. -Acha que um lerdo como você seria capaz de pegar o Pégaso?

Nesse instante, Quimera lança um ataque cortante nadireção de Seiya, um golpe pesado e rude, mas surpre-endentemente rápido, como uma rajada de vento. O Cavaleirosente calafrios na espinha ao desviar-se por um triz datrajetória da lâmina, recuando até uma rocha plantada nomeio do lago subterrâneo. Agitando a enorme espada emmovimentos circulares apenas com a mão direita, o Giga seaproxima de Seiya, passo a passo, num andar desajeitado,mas preciso.

Page 72: Gigantomaquia   a história de sangue

72

- O que será essa espada? - pergunta-se Seiya.A espada da serpente na mão da “fera pluriforme” tem

o fio dentado como o de um serrote.- Receba a ardente lâmina assassina - anuncia Quimera,

enquanto a serpente venenosa traça um arco flamejante,emanando um calor infernal. - Rompantes da Lâmina!

Atingido pelo golpe incendiário, Seiya é atiradonovamente no lago subterrâneo, onde um rastro de vapord’água marca a trajetória da espada de Quimera. O Cavaleirose ergue, depois de engolir um bocado de água. Apesar deamplo, o lago é bem raso: mesmo nas áreas mais profundas, aágua mal chega à cintura de Seiya.

- Eu não acredito... a armadura! - grita o Cavaleiro,perplexo.

A parte mais poderosa do Traje Sagrado, o peitoral,apresenta marcas profundas da lâmina dentada, descendo apartir do ombro esquerdo. Se Seiya estivesse um passo àfrente, seu coração teria sido atingido pelas chamas.

Quimera caminha para dentro do lago, lançando outrogolpe da enorme lâmina contra Seiya, fazendo seu Adamasranger e gerando mais uma imensa coluna de água. O Cavaleironão tem opção a não ser recuar o máximo possível diante daimpetuosidade das explosões.

“O momento em que ele inicia o ataque é estranho”,pensa Seiya. “É impossível calcular o revide!”

De fato, parece haver uma estranha variação dentrode cada ataque de Quimera: o movimento do seu braço, opasso que dá para o impulso, a velocidade da espada e suatrajetória não parecem pertencer ao mesmo ataque, oratardio, ora precipitado. Tudo isso confunde Seiya.

“É como... se não fossem movimentos humanos!”,conclui o garoto, antes de contra-atacar:

- Meteoro de Pégaso!Mas seu esforço é inútil. Centenas de meteoros que

superam a velocidade do som são novamente repelidos, semnenhuma exceção, pelo escudo de cabra.

- Onde você está mirando? Acha tanta graça em jogarágua para o alto? - ironiza o Giga, em meio aos jatos de água

Page 73: Gigantomaquia   a história de sangue

resultantes do impacto do golpe no lago. Seiya se aproveitada cortina de água que bloqueia a visão de Quimera e seposiciona atrás do monstro.

- Segura essa: Turbilhão de Pégasooo! - Seiya dá umsalto rápido, apoiando-se no corpanzil do Giga, mas o contatofaz com que grite de dor: suas mãos, seus braços e seu peitoparecem ter tocado em brasa. Os dedos ardem dolorosamente:estão queimados. Ao mesmo tempo, a água ao redor deQuimera começa a evaporar.

- Esta armadura ardente traz consigo a chama dasestrelas - explica o Giga, com um sorriso maligno.

- Então é esse o poder do Giga filho de deus... - Seiyaestá pálido de surpresa e medo, a reação natural do seuinstinto de guerreiro. O monstro era como uma fonte de calorintenso, que aos poucos vai aquecendo todo o lago, apesar dogigantesco volume de água. O Cosmo da fera que combinavárias outras em si parece ilimitado.

- Vou devorar você! - Com isso a espada de Quimerabrilha em chamas luminosas. - Rompantes da Lâmina!

O ataque acerta o Cavaleiro apenas de raspão, cortandoa água do lago subterrâneo, que evapora completamente.Todo o ambiente fica coberto por um calor úmido, como o deuma sauna.

- Você não sabe reconhecer o momento certo de morrer- diz Quimera.

- A ponta da lâmina só relou em mim... mas parece quequeimou todos os nervos... - Seiya está se contorcendo dedor. Foi atingido nas pernas pela espada. Seu formato deserrote é ainda mais terrível do que o corte de uma lâminaafiada: a carne, em frangalhos, não pode ser suturada e ahemorragia custa a estancar.

Coberto pelo vapor esbranquiçado da água, Quimerafita Seiya com desprezo. Tem olhos de leão, o escudo à imagemde uma cabra demoníaca na mão esquerda e a espada queparece uma serpente venenosa na direita.

- Terminamos por aqui, Pégaso... Sem as pernas de quetanto se orgulha, você não poderá se esquivar do próximoataque. E, ao que parece, existem outros Cavaleiros neste

Page 74: Gigantomaquia   a história de sangue

74

Templo, não posso perder mais tempo com você - declara oGiga. - Aceite ser devorado em silêncio. Vou comer o seuCosmo.

- Nós, os Cavaleiros de Atena, vamos derrotar Tífon eproteger a paz na Terra - insiste Seiya, em meio a gemidos dedor. - Eu sempre superei os meus inimigos com estas asas dePégaso!

Seiya se levanta usando toda a sua força, inflamandoao máximo seu Cosmo. Seu estilo de combate é um dos maisortodoxos entre os Guerreiros Sagrados. Compõe-sebasicamente de socos, chutes e eventuais nagues - as técnicasde projeção. É importante lembrar que as técnicas de lutados Cavaleiros não têm relação direta com a força física. Elasse definem com base no Cosmo: é por isso que a compleiçãofísica de Seiya, pequena para um guerreiro, não representanenhuma desvantagem diante dos poderosos e altivos Gigas.

Além disso, a armadura da constelação de Pégaso éuma proteção fenomenal, que acompanha até o limite amovimentação agilíssima de Seiya. Apesar de envolver oCavaleiro como uma rocha, ela não impõe a menor restriçãoaos seus movimentos.

- Queime, meu Cosmo! Queime enquanto eu tiver alma!- provoca Seiya.

- No próximo golpe, então, devorarei sua alma -responde o Giga.

- Agora é o momento de voar, Pégaso!- Rompantes da Lâmina! - A reação de Quimera é rápida

mais uma vez, a serpente flamejante mostra suas presasdesalinhadas. Seiya escapa do golpe com um salto.

- Eu não vou perder! - grita o garoto.O cavalo celeste relincha, envolvendo-se numa aura

azulada. É o som do Cosmo de Seiya sendo elevado ao máximo.- Cometa de Pégaso! - O ataque do Cometa, um feixe

de centenas de meteoros, faz tremer o lago subterrâneo. Orubi-estrela perde seu brilho escuro, tornando-se uma pedraopaca, sem o fulgor das estrelas. Estraçalham-se o escudo dacabra, a máscara do leão, o Adamas nobre. Quimera, “a ferapluriforme” cai com um estrondo sobre o lago subterrâneo.

Page 75: Gigantomaquia   a história de sangue

Tendo exaurido todas as suas forças no ataque, Seiyase deixa desabar sobre a água. Ao se levantar, olha de relancepara o Giga, ainda vestido com o Adamas, que agora pareceum traje morto.

- O que é isso? - o Cavaleiro não sabe o que dizer. Ointerior da armadura no fundo do lago transparente está vazioe já não emite calor nenhum. O Cosmo que parecia infinitodesapareceu junto com as labaredas.

Dominado por uma insegurança indescritível, Seiyacambaleia para trás e se senta nas rochas da margem,esgotando definitivamente suas energias.

- Então o Giga filho de deus é só isso? - pergunta-se oCavaleiro. Seiya tenta então escalar os rochedos, mas o ataquedo Cometa desgastou demais o seu Cosmo. As pernas emfrangalhos não obedecem e ele acaba rolando morro abaixo.

Page 76: Gigantomaquia   a história de sangue

76

2

Há agora uma improvável camada de neve nasprofundezas do vulcão Arima, e suas paredes estão

inteiramente cobertas de gelo.- Esta energia fria...! Cisne, você usou as técnicas do

gelo. - Ortos, “o cão bicéfalo do mal”, parece estar sorrindosob sua máscara.

- Se essa armadura recebeu a proteção do sangue deAtena, isso explica por que ela repele a redoma de Flegra.

- Mal consigo falar - diz Hyoga.- Moleque chato. Pelo menos chore bem alto quando

tiver o corpo destroçado.Ortos toma impulso. Seus pés afundam no chão duro,

deixando pegadas nítidas. O Giga lança um ataque rasteiro,pesado e rápido como uma bala de canhão, transformandoem pedregulhos uma coluna de pedra de cinco metros dediâmetro. Essa é a força dos Gigas, que se equipara e podeaté mesmo superar a dos Guerreiros Sagrados que dominamas técnicas de luta de Atena.

- O poder de destruição é intenso... - Desviando seucorpo com um movimento fluido dos pés, Hyoga coloca-senum ângulo morto do ponto de vista de Ortos - mas, lerdodesse jeito, não será páreo para o Cisne.

O limitado espaço gelado é o campo de batalha deHyoga. Quando seu Cosmo é elevado muito acima do normal,o ataque do Cavaleiro destrói e, em certos casos, paralisa omovimento dos átomos. Essa é a técnica de luta do gelo.

- Pó de diamante! - Seus braços desenham um cristal,congelando o Adamas do Giga e cobrindo com uma geadabranca o brilho do rubi-estrela.

Page 77: Gigantomaquia   a história de sangue

Hyoga olha com desprezo para Ortos, agora um blocode gelo ao lado dos destroços da coluna de rocha, antes deexpandir sua consciência para um campo muito maior, embusca dos outros Cavaleiros. Mas está muito difícil captar oCosmo dos companheiros, talvez por estarem na Terra Santados Gigas, saturada com a hostilidade de Tífon.

- Mal consigo sentir o Cosmo de Seiya e Shiryu - dizHyoga para si. - Não sei exatamente onde, mas sinto que osdois estão por aqui... Estou preocupado com Mei e Shun.

- Você está tão tranqüilo a ponto de se preocupar comos outros? - diz a voz de Ortos. O gelo se rompe com o ruídoagudo de cristal se estilhaçando. - Com esse nível de frio,você não conseguirá congelar nem a primeira camada da minhapele protegida pelo nobre Adamas - rosna “o cão bicéfalo domal”.

- Aposto que essa armadura esconde uma densa camadade banha - responde Hyoga, em tom de deboche.

- Vou fazer você se arrepender dessa ofensa, Cisne!Nesse exato momento, densas trevas cercam os

oponentes. A caverna subterrânea perde sua sutil lumino-sidade.

- O campo de Flegra é inútil, uma vez que você estásob a proteção do sangue de Atena - explica Ortos,completamente invisível na escuridão. Não há sinal de suabrilhante armadura, cujas gemas mudam de tonalidade deacordo com a freqüência da luz que incide sobre elas. Emoutras palavras, o breu é absoluto.

Hyoga fica alerta, mas mesmo assim não consegueimpedir que suas costas sejam atingidas por um objeto voadorque causa uma dor terrível. Atirado no ar e rolando pelo chão,o Cavaleiro se agacha instintivamente atrás de uma rocha. Eentão é atingido novamente, antes que consiga se recompor.É possível ouvir o som do Traje Sagrado sendo limado peloatrito.

- Saphiros Enedora! - a voz da fera maligna ecoa váriasvezes, ocultando a localização do Giga.

Hyoga está perturbado. Como Ortos conseguiu precisara sua localização naquela escuridão?

Page 78: Gigantomaquia   a história de sangue

78

- Estamos no Templo dos Gigas! - É o próprio monstroque explica. - Aqui eu posso sentir exatamente onde vocêestá, Cisne, enquanto você não enxerga absolutamente nada!Trema diante das presas das trevas!

Sem o menor sinal de um Cosmo, dentadas invisíveispenetram fundo na carne de Hyoga. Ortos solta uma risadaprovocativa.

“É como ser mordido por um animal selvagem”, pensao garoto. “Então o monstro bicéfalo da mitologia existe nomundo real?” Incapaz de determinar a posição do inimigo,Hyoga se sente perdido em um turbilhão de confusão. “Acalme-se”, pensa. “O mestre lhe ensinou a permanecer calmo nestashoras, durante o combate. É preciso ser frio como as planíciesgeladas da Sibéria.”

- Trema na escuridão, Cisne! Este é o temor! - A voz deOrtos está cheia de sarcasmo. Ele ataca novamente: - SaphirosEnedora!

As duas presas colidem contra algo nas trevas. Em poucotempo aquele estranho brilho retorna à caverna. Hyogaenxerga agora as duas feras caídas perto de si. Tinham o brilhoescuro da safira-estrela: eram as peças no formato de cãesmalignos que se apóiam sobre os ombros do Adamas. Antes, oCavaleiro acreditava que seu adversário se impunha pela força,atacando pelo contato físico, mas nesse momento fica claroque ele manipula esses “cães” através de psicocinese. Assim,pode atacar de longe, uma habilidade perfeita para aescuridão.

- Ortos... vejo que você possui capacidade de moverobjetos pelo pensamento - diz Hyoga.

As peças de cães malignos estão presas ao chão porcírculos de gelo. Nem mesmo a cinese de Ortos conseguemovimentar as duas cabeças congeladas.

- É Kalitso. Círculo de Gelo - explica Hyoga. - Coloqueicoleiras em seus cães de guarda.

- Mas como você descobriu a posição deles nestaescuridão?

Hyoga agita os braços, que cintilam em cortinas de gelo,evolvidos em finíssimas membranas de energia gelada.

Page 79: Gigantomaquia   a história de sangue

- Achava que venceria um Cavaleiro limitando sua visão?- Hyoga precisou apenas do sutil som das cortinas de gelo sequebrando para localizar e capturar os dois cães malignos.Treinado na Sibéria Oriental, cujo inverno é um mundopraticamente sem sol, o Cavaleiro de Cisne foi ensinado porseu mestre Camus a lutar nas trevas.

Hyoga avança, colocando-se a um passo de Ortos.- Receba o maior ataque do Cisne! - Em uma fração de

segundo o punho direito de Hyoga gera uma onda circular defrio. - Kholodnyi Smerch.

O ataque arranca o elmo do Adamas e um furacão geladoergue alto o corpo pesadíssimo de Ortos, atirando-o com forçacontra o teto da caverna, ao mesmo tempo em que formauma coluna de gelo com mais de dez metros de altura.

- Fique aí para sempre - diz Hyoga, antes de dar ascostas ao Giga congelado.

Mas um estrondo faz com que o Cavaleiro do Cisne sevire de novo, rapidamente. O corpo de Ortos, “o cão bicéfalodo mal”, rompe a coluna de gelo, caindo no chão.

- Ele não tem rosto?Diante dos olhos descrentes de Hyoga, sob o elmo

arrancado pelo Kholodnyi Smerch, não havia cabeça. Era umGiga acéfalo.

- Não... esse não é um Giga!Gritando como uma fera, Ortos coloca os braços no

chão, posicionando os quatro membros do corpo em contatocom a terra. No espaço vazio deixado pelas ombreiras, duascabeças de cão surgem como se a armadura fosse o casco deuma tartaruga.

Nem mesmo Hyoga consegue esconder o espanto dianteda visão horrorosa.

- Mas isto é...O monstro da mitologia, exatamente como era descrito.Diante dele está um cão de duas cabeças, exalando

maldade, coberto por uma armadura de Adamas. Seu porte éo de um urso gigantesco. Passando de bípede a quadrúpede,Ortos atinge Hyoga com uma velocidade incomparavelmentemaior do que no ataque anterior. As duas cabeças malignas

Page 80: Gigantomaquia   a história de sangue

80

mordem os braços de Hyoga, com armadura e tudo. Não soltama presa, agem como cães de briga treinados. Ortos agora éuma fera desprovida de razão.

- Você não é... nunca foi... um Giga filho de deus! -Apesar da dor, Hyoga consegue desvencilhar os braços daspresas dos cães malignos.

Como uma fera enlouquecida, Ortos lambe pra-zerosamente o sangue de Hyoga ao redor das presas.

- Você é um monstro disforme criado por umabrincadeira medonha de Tífon - diz o Cavaleiro ferido,juntando as mãos à sua frente e erguendo, com a força quelhe resta, os braços dilacerados.

O “Ki” gelado enche o ar.Reagindo à mudança, Ortos avança novamente sobre

Hyoga.Ao descer os braços que havia colocado sobre a cabeça,

Hyoga lança o Cosmo acumulado dentro de si, impossível deser detido e explosivo, na mais poderosa das técnicas decombate do gelo - a técnica que o Cavaleiro herdou de seumestre, Camus.

- Execução Aurora.No mesmo instante tudo se congela. O frio infinitamente

próximo do zero absoluto apaga o brilho da safira-estrela dacor das trevas. O Adamas perde sua energia mística e agoranão passa de uma armadura exageradamente pesada. Atémesmo a voz do monstro demoníaco, uma mistura de prantose urros, congela-se instantaneamente.

Ortos, “o cão bicéfalo do mal” é reduzido a lascas degelo e desmorona em pedaços.

Mas o preço da vitória é alto. Depois de converter todasua energia vital em frio e transformar a caverna numa grutade gelo, o guerreiro silencioso cai no sono.

Page 81: Gigantomaquia   a história de sangue

3

-Cólera do Dragão!

Canalizando todas as forças do corpo, o ataquedo Cavaleiro de Dragão atinge com tudo Ladon, “o dragão decem cabeças”, e o arremessa contra uma coluna de pedra dacaverna.

- Fuja, Mei! - diz novamente Shiryu para o irmão.- Não morra, Shiryu.- Eu irei depois de você. Prometo.Acenando com a cabeça, Mei sai por um grande vão

com rochas pontiagudas - a cavidade bucal de uma feracolossal - rumo a um corredor que o leva ainda mais fundo,nas entranhas da Terra.

Shiryu concentra o seu Cosmo até não ouvir mais ospassos de Mei, conduzindo-o em seguida na direção do inimigo.Vários pedaços da coluna de rocha, tão grandes que seriamnecessários dois braços para envolvê-los, são destruídos,reduzidos a pó e somem como partículas pelo ar.

- O quê...?! - Diante do som inusitado das pedras sendotrituradas, o Cavaleiro cego assume posição de defesa.

- Você é o Cavaleiro de Dragão...- Por que fala como se me conhecesse?- Porque eu o conheço desde quando as estrelas

nasceram neste Universo - responde o monstro, revelando oseu corpanzil assustador. Seu Adamas com nebulosas deestrelas multicores emite o brilho de opala de cor das trevas.- Meu nome é Ladon, “o dragão de cem cabeças”.

- O quê...? - Shiryu recua, hesitante. - Nunca enfrenteium inimigo com um Cosmo tão poderoso, tão avassalador! Enão é só isso...

- Eu também sinto o seu Cosmo, Shiryu.

Page 82: Gigantomaquia   a história de sangue

82

- O seu Cosmo é igual ao meu... - balbucia Shiryu,perturbado diante das sensações provocadas pela presençade Ladon. O Cosmo do monstro tem o mesmo tom, a mesmaressonância do seu.

- Eu o conheço. Conheço a estrela do seu destino -afirma Ladon.

- A minha estrela...?- A Estrela Celeste do Dragão.Ao ouvir essas palavras, Shiryu se recorda de uma antiga

fábula. Ladon é o nome de um monstro da mitologia grega, odragão que nunca dorme, guardião dos pomos de ouro doJardim das Hespérides, situado no limiar entre o dia e a noite.

- Segundo as lendas... - diz, para si, Shiryu - Ladon foielevado aos céus...

- E se tornou a Constelação do Dragão. A suaconstelação, Cavaleiro.

- Mas como pode? - reage o garoto, perplexo. - Entãosomos protegidos pela mesma constelação?

- Os humanos enxergam as estrelas dos humanos -explica o monstro. - Os Gigas enxergam as estrelas dos Gigas.Eu e você temos os mesmos destinos estelares, mas sob aproteção de deuses diferentes. Somos, portanto, inimigosnaturais... inevitavelmente obrigados pelo destino a nosenfrentarmos.

Por isso deixei que Mei fosse embora. Aquele humanofrágil que foi marionete do meu pai já foi derrotado por mim.Ele está seriamente ferido, é um inútil agonizante. Jamaisconseguirá chegar ao ponto mais profundo deste Templosubterrâneo, a transição entre Gaia e o Tártaro.

- Você está dizendo então que deixou Mei fugir? Apesarde ser atingido de frente pela Cólera do Dragão, o Cosmo deLadon se eleva ainda mais.

- Diga, Cavaleiro de Dragão. Pelo que estou vendo, vocênão enxerga. Atena é vil a ponto de outorgar o traje sagradoa guerreiros nessas condições?

- Se quer me subestimar por não enxergar, tudo bem.Mas não admito que ofenda Atena! Se a minha alternativa for

Page 83: Gigantomaquia   a história de sangue

tremer diante da cegueira e abandonar meu orgulho deguerreiro, prefiro mil vezes a morte digna!

- Cale-se, humano. Inteligência a serviço de artimanhasrasteiras, raça forjada na mentira e na falsidade. A guerraentre os Gigas e os humanos não precisa de razões. - proclamaLadon. - A batalha entre os deuses, dotados da Vontade Maior,é uma guerra absoluta, em busca da única Verdade que existeno Universo. E, Shiryu, basta um guerreiro para cumprir odestino da nossa constelação.

- Eu e você nascemos sob a mesma estrela...- Você, Shiryu, Cavaleiro do Dragão.- E você, Ladon, o Giga com o nome do Dragão.- Você vai morrer. Não precisamos de motivos. A sua

existência é desagradável.Mas Shiryu não se deixa derrotar tão facilmente. Graças

ao traje sagrado sob proteção do sangue de Atena, o Cavaleiroé capaz de romper o “temor” do deus dos Gigas, convertendoa sua lealdade à deusa em força.

- Quem deve morrer são deuses viciados como Tífon,que bloqueia o mundo com cinzas. Eu, Shiryu, vou inflamar aminha alma para lutar por Atena e pela paz na Terra.

- Você vai morrer - insiste Ladon, fincando os pés naterra. - E eu vou devorar você!

O braço direito do Adamas, representando a cabeça dodragão maligno, solta um facho de luz que atravessa a caverna.Ouve-se o som de algo ricocheteando, seguido pelo estrondodo desmoronamento da parede atrás de Shiryu. A onda dechoque, idêntica à que atravessou Nikol, foi desviada peloCavaleiro do Dragão.

- Esse escudo... - Ladon observa o escudo que repele omal.

- Dizem que a grande cachoeira dos Cinco Picos Antigosde Rozan é formada pela poeira de estrelas da Via Láctea quecai do céu. - descreve Shiryu. - O traje sagrado do Dragãopermaneceu em repouso no leito dessa cachoeira, banhadopelo peso esmagador das águas de galáxias, desde os temposimemoriais. Por isso o escudo da Constelação é o maisresistente dos escudos.

- Não me diga... Um escudo do Dragão.

Page 84: Gigantomaquia   a história de sangue

84

Sem mais enrolação, Shiryu ataca, fazendo do própriocorpo a sua arma.

- Dragão Voador!Mas o gigantesco Cosmo de Ladon repele o Cavaleiro,

atirando-o ao chão.- Recebi este poder, este corpo, do meu pai. Um reles

humano como você jamais poderá tocá-Io. - Ladon olha paraShiryu com desprezo.

- Um simples movimento de defesa... - diz Shiryu. -Pela dor parece que todos os ossos do meu corpo estãoquebrados... Que Cosmo assombroso tem esse Giga!

- No entanto, parece que precisarei de algum esforçopara romper a defesa desse escudo do Dragão.

Shiryu salta para trás, procurando estabelecer uma boaposição de luta.

- Tem medo de mim? Pois sua alma será devorada apenasao se postar diante do meu senhor. Será melhor para vocêmorrer por aqui mesmo.

Shiryu sente o Cosmo de Ladon se expandir con-tinuamente, em todas as direções.

- Seja envolvido pela destruição! - grita o monstro. -Polyolkya!

Uma declamação de destruição, auto-suficiente,desprovida até mesmo de intenção de matar. Uma visãopoderosa invade o mundo sem luz de Shiryu. Nada importa ouadianta: o escudo, o traje sagrado, nenhuma defesa queconhecia. Imagens das trevas.

- Um pesadelo... este é o meu futuro...? - pensa oCavaleiro.

Um dragão tenebroso, no formato de um peixe abissal,devora o espírito de Shiryu, que solta um grito horrorizado.

- Será que foi maldade demais aplicar uma ilusão namente de um cego? - pergunta Ladon a Shiryu, que permaneciaparalisado. - Humph. Enlouqueceu ao ver um futuro no qual édevorado. Como é frágil a consciência humana. Não deve maisestar ouvindo a minha voz. Pois bem! Agora é a vez de dar umfim em seu corpo e em sua armadura.

Page 85: Gigantomaquia   a história de sangue

Ladon atira uma onda de choque igual à que haviaatravessado o coração de Nikol, mas Shiryu consegue bloquearo ataque com o seu escudo.

- Shiryu, ainda tem forças para mover os braços depoisde ter o espírito destroçado pelo dragão maligno da Polyolkya?

- Ladon... Você disse que os humanos são frágeis. Éverdade. O corpo é fraco, e o espírito, mais ainda. Mas aspessoas podem se tornar mais fortes através dos outros. Podemlutar pelos amigos, por aqueles em que acreditam.

- He, he, he - o monstro ri das palavras do Cavaleiro.- Esse sentimento humano é muito mais forte do que

vocês, Gigas, que só se limitam a obedecer ao temor de Tífon!Com isso, Shiryu tira a armadura da sua constelação,

despindo-se do próprio traje sagrado.- Sem dúvida enlouqueceu sob efeito das ilusões da

Polyolkya - conclui Ladon.- Agora que eu sei que o seu ataque atinge o espírito, o

traje é desnecessário - declara o Cavaleiro.Um dragão brota nas costas de Shiryu no momento em

que ele tira a armadura.- Uma tatuagem...?Não é uma tatuagem. O Dragão Ascendente surge às

costas de Shiryu quando o Cosmo de sua alma atinge o seuponto culminante.

- O Dragão sempre derrota o seu inimigo - afirma ogaroto. - Nem que para isso minha alma tenha que queimaraté o fim.

Sua energia vital torna-se flamejante. Apenas osverdadeiros dragões são envolvidos por ela.

- Antes disso... desta vez, vou devorar a sua alma. Vouextingui-Ia!

- Quem vai ser extinto é você, Ladon, seu dragãomaligno!

O dragão ascendente adota como morada o punhodireito de Shiryu, cujo Cosmo atinge o limite máximo.

- Destrua-se... Polyolkya! Cólera do Dragão!Shiryu não pode ver, mas percebe que o Cosmo do Giga

“dragão de cem cabeças”, que se mostrava tão poderoso,

Page 86: Gigantomaquia   a história de sangue

86

desaparece naquele momento.- Eu... derrotei... Ladon... - O Cavaleiro cego se

ajoelha, extenuado. Foi quase um milagre que tenhaconseguido lançar o último Cólera do Dragão. - Foi Atena queme deu força... os meus amigos, os meus irmãos...

Com isso o corpo de Shiryu tomba para a frente. Antesde perder a consciência, ele procura pelo Cosmo dos seuscompanheiros, sentindo, ainda que infimamente, o Cosmo deSeiya e Hyoga. Mais ao fundo, nas profundezas, consegue sentiro Cosmo de Shun.

- Onde está você, Mei...? - As palavras de Shiryu soamcomo as de uma pessoa em delírio. Por mais que tente, nãoconsegue sentir o Cosmo de Mei. - Por que não consigo sentironde está o Cosmo de meu irmão... sangue do meu sangue?Mei...

Shiryu usa suas últimas forças para esticar o braço. Natentativa de procurar o irmão, perde os sentidos e fica porali, deitado de bruços.

- Seiya!A voz de Mei faz com que Seiya de Pégaso recupere um

pouco a consciência. Sua visão está turva, não consegue focarem nada. Talvez seu cérebro o esteja anestesiando. Mal senteas pernas, destroçadas pela espada de Quimera, “a ferapluriforme”.

- Suas pernas... Você lutou com o Giga filho de deus,não é?

- Ah, foi moleza.- He, he. Se consegue tripudiar assim, então está

tranqüilo - diz Mei.- Se você não tivesse feito a loucura de invadir sozinho

o esconderijo do Tífon...- Está bem, foi falha minha.- Sem você e sua armadura, o Tífon...- Então o oficiante-mor já contou para você... - Mei

faz uma pausa antes de continuar. - Nikol morreu.- O quê?

Page 87: Gigantomaquia   a história de sangue

- Minha obrigação de Cavaleiro é cumprir a missão nãoconcluída dele. Gostaria de ficar pra cuidar de você, maspreciso ir para onde o Tífon está.

- Vai lá. Não esquenta comigo.Mei deita Seiya com cuidado no chão, levanta-se e corre

sem olhar para trás.Ainda entorpecido, praticamente inconsciente, Seiya

tenta captar o Cosmo de Mei, sem sucesso. Só consegue sentir,de leve, o Cosmo de Shiryu, Hyoga e Shun.

- Por que, Mei? Você acabou de passar por aqui e nãohá sinal do seu Cosmo.

Seiya tenta chamá-Io, mas não tem mais forças paradizer o nome do irmão:

- Hyoga!Ao ouvir a voz de Mei, Hyoga de Cisne ergue seu rosto o

máximo que pode.- Um Cavaleiro do seu nível... nesse estado tão

horrível...- Não olhe. São ferimentos resultantes da minha

imaturidade. - Hyoga esconde, envergonhado, os braçosretalhados por Ortos, “o cão bicéfalo do mal”.

- Mei, você está bem e isso basta. Sem você e seu traje,Tífon...

- Hyoga... O que você pensa do nosso pai?- Por que perguntar isso numa hora dessas? -O garoto já não consegue medir as verdadeiras inten-

ções do irmão.- Quem era, pra você, o homem chamado Mitsumasa

Kido? - insiste Mei.- O homem que eu odiava - responde Hyoga. - Mas isso

mudou... Minha mãe dizia que ele era uma pessoa maravilhosa,que se empenhava para a paz do mundo. Eu nunca entendi.Hoje... eu não consigo explicar bem com palavras... mas, àmedida que fui lutando com Atena, com meus amigos, comvocês, meus irmãos... à medida que fui percebendo o destinoda minha estrela... Mitsumasa Kido se sacrificou pela missãoque foi imposta a ele pelas estrelas. Estou cada vez maistranqüilo em relação a isso.

Page 88: Gigantomaquia   a história de sangue

88

- Obrigado, Hyoga.- Por que está agradecendo?- Preciso ir. Vou atrás de Tífon. Vou selá-Io - Despedindo-

se de Hyoga, Mei desaparece de vista, descendo rumo ao pontomais profundo da “Morada de Typhoeus”.

Irritando-se consigo mesmo por seu estado atual -incapaz de mover ao menos um dedo como gostaria - Hyogavasculha os arredores em busca de alguém.

Mais uma vez, o Cavaleiro sente, embora minimamente,o Cosmo dos seus outros irmãos, mas não há sinal de Mei, comquem acabou de falar.

- Por quê? - O silencioso guerreiro de gelo adormece,levando consigo a estranha dúvida que surgiu.

O altar maligno de terras estranhas que aprisiona amulher-serpente grávida estremece.

O “Casulo do Tempo” que envolve Equidna pode seromper a qualquer momento.

Um vento...- Ortos - chama Tífon. - Quimera... Ladon. - Tífon engole

algo. Algo que se assemelha a vestígios do Cosmo dos outros,reduzidos a chamas de auras, transportados pelo vento detempos fugidios, sugados pelas narinas de Tífon para dentrode seu organismo.

- Não preciso mais de Gigas velhos como meus queridosirmãos. - A língua negra atravessa os lábios. - Tampouco precisodos filhos Gigas que fiz nascer por pura diversão. Basta queeu esteja aqui. Sou a prova de que os Gigas viveram -completa, sorrindo acidamente.

- Eis um Cavaleiro de Atena. - Ardendo ainda mais aschamas da metade direita do seu corpo e fazendo correr maise mais relâmpagos pela metade esquerda, o ainda dormentedeus dos Gigas se vira para trás. - Você veio, Mei. Vou devorarvocê.

Page 89: Gigantomaquia   a história de sangue

4

-Shun!

O Cavaleiro de Andrômeda, que sacrificou a suaúnica arma de ataque para transmitir a Atena a localizaçãodos Gigas, está amarrado a uma coluna do Templo. Não pareceestar consciente. Não há nem mesmo como afirmar se estávivo.

Mesmo que esteja, certamente está sem forças porcausa do campo de Flegra, uma vez que não recebeu aproteção do sangue de Atena. É um Cosmo praticamenteapagado pela tempestade de Tífon.

- Então você chegou, Mei, minha marionete. - O deusassimétrico trajado com o Adamas de ônix da cor das trevasencara o frágil humano com desprezo.

Estão numa grande gruta, maior que o templo seladosob o Monte Etna: “A Morada de Typhoeus”. Sobre o altar deterras estranhas, está pregada uma mulher.

- Essa aí é a Equidna? - Mei engole em seco diante davisão belíssima e ao mesmo tempo horrenda do corpo nu damulher. Parece uma brincadeira de mau gosto de um deus vil.Seria ela uma vítima?

A mulher tem cabelos negros e macios, a pele sedosa,os seios redondos como uma deusa da fertilidade e a cinturaesguia um corpo feminino impecável. Porém, sua metadeinferior foi transformada em serpente.

- O Calabouço do Tempo Estagnado...! - Mei sabe onome do selo, por isso pode imaginar o que iria acontecer.Aquele “Casulo do Tempo” não pode se romper. A mulher-serpente, forçada a carregar o destino de Equidna, não devedespertar. A mulher está grávida: traz no ventre algo que nãodeve ser gerado.

Page 90: Gigantomaquia   a história de sangue

90

- Equidna...- Minha forma feminina. A última mulher Giga.Está grávida do meu verdadeiro corpo carnal. Equidna

em breve irá despertar.- Não vou deixar. - Mei avança em direção ao gigantesco

corpo de Tífon, que se ergue sobre o vão entre Gaia e oTártaro.

Uma centena de serpentes lambe o seu corpo quandoa ventania passa por ele. Os cabelos prateados esvoaçam paratrás. Mas Mei não tem o “temor”.

- Tem a proteção do sangue de Atena? - Tífon, com alíngua negra de fora, produz um som incômodo de vento comos dedos da mão esquerda.

- A redoma...- O campo de chamas terrenas é agora dispensável.Tífon inspira fundo e absorve, pelo nariz, toda a energia

que havia usado no campo de força. A tênue luminosidade seesvai, e uma escuridão absoluta preenche todos os espaçosda caverna. O único ponto luminoso agora é o halo de chamase relâmpagos do próprio Tífon. Apenas seu corpo divino iluminao templo subterrâneo.

Desse ângulo Tífon parece ainda maior. Será uma ilusãoprovocada pela luz? Sua figura colossal personifica nitidamenteo “temor” de contrariá-Io nesta Terra Santa dos Gigas.

Mei caminha em direção ao Templo.- Cada vez que me aproximo de você usando o traje

sagrado...- A cada passo que dá, a cada ocasião que me

contempla...- Eu me lembro.- Eu me lembro.- Ó deus dos Gigas.- Guerreiro Sagrado de Atena.- Estou aqui para selar o seu destino.- Sinto o fedor do sangue podre de Atena.- E eu ouço a voz da Atena de tempos antigos.- Está fedendo. Tire esse traje sagrado maculado.Um momento muito breve, formado por ataques e

defesas em alta velocidade, rompendo o próprio tempo. Um

Page 91: Gigantomaquia   a história de sangue

instinto assassino, escuro e calado, percorre a atmosfera emtodas as direções. Os fios de oricalco dissolvidos nas trevassão incinerados pelo hemisfério direito de Tífon e rompidospelo hemisfério esquerdo.

O deus dos Gigas balança as mãos para que as chamasatinjam a rocha e os relâmpagos toquem o teto, as paredes eo piso do Templo, queimando-os. Chuta o chão para provocarventanias, e com isso ondas de vácuo correm ensandecidaspelo ar. Não há técnicas ou habilidades, apenas um poderdivino capaz de estremecer os céus.

Agitando os grandes escudos dos dois braços, Meiconsegue se esquivar dos ataques do deus gigante.

- Mei. Minha marionete. Estou me divertindo. Afinal,você não é tão forte.

Embora ainda incompleto, Tífon é um deus. Um frágilhumano jamais poderia igualar sua força.

- Mei, minha marionete. Isto é divertido.- Qual é a graça?- Agora você é constelação sem estrelas, e a lembrança

de sangue amalgamado a esse traje maculado... você émarionete de Atena.

- Não sou marionete.- Qual a diferença entre mim e Atena? Eu guio pelo

temor. Atena acorrenta pelo amor. Os guerreiros dos deuses,escolhidos pelas estrelas, lutam e dão a vida pela VontadeDivina.

Nesse momento, Tífon exala sua energia vital. Mei éatirado contra uma parede pelo “Kiai” liberado em todas asdireções, levando consigo seus escudos e toda a armadura.Os dois olhos de Tífon brilham mais intensamente na escuridão,encarando Mei. O olhar maligno se fixa nas pernas de Mei,criando uma onda de destruição assassina.

Mei perde a fala. Sua perna esquerda está quebrada.Pior: foi arrancada do corpo.

- O que me diz? Ainda terá a empáfia de dizer que nãoé uma marionete? - Tífon ironiza Mei.

Encostado à parede, Mei permanece em pé com a pernaque lhe resta e olha para a coxa da perna esquerda que jánão tem.

Page 92: Gigantomaquia   a história de sangue

92

- O que aconteceu com o meu corpo? - pergunta-se ogaroto.

- Por que não sangrou quase nada? - De fato, a fracahemorragia não parece proporcional à gravidade do ferimento.- Na batalha que enfrentou antes de vir aqui, você foiderrotado, perdeu bastante sangue e saiu semimorto. Oumorto. - O monstro refere-se à luta com Ladon, “o dragão decem cabeças”.

- Eu fui burro e me precipitei. Perdi. - recorda-se Mei.Sem dúvida sangrou muito naquele confronto, mas ainda assimteve forças para testemunhar a morte de Nikol e, encorajadoe salvo pelo Cosmo dos seus irmãos, Shiryu, Hyoga, Seiya eShun, e sob a proteção do sangue de tempos antigos de Atena,conseguiu chegar afinal diante de Tífon para cumprir o destinoda Armadura de Coma Berenices.

- Os frágeis humanos morrem ao perder um terço dosangue - continua o deus dos Gigas. - Ponha a mão sobre ocoração. Sinta o seu pulso.

Mei não consegue acreditar: não há sinal de pulsaçãoou batimentos cardíacos.

- Um ser humano que fala após perder todo o sangue...Se não é uma marionete, o que é então?

- Uma constelação sem estrelas e a memória do sangueamalgamado a um traje maculado.

- Você é uma marionete de Atena.- Minha vontade deve estar se esvaindo enquanto digo

estas palavras. O meu Cosmo...- Chegou a hora. O tempo se rompe.

Page 93: Gigantomaquia   a história de sangue

5

O deus dos Gigas deixa Mei largado no chão e caminhaem direção ao altar. Aprecia com olhar de pura

luxúria a última das mulheresGigas, a forma feminina escolhida.- Equidna...Por que a mulher Giga não é dizimada pelo temor ao

ter o nome pronunciado pelo deus que cultua? Será por causado lacre do “Calabouço do Tempo Estagnado”? O mais provávelé que Equidna não seja o seu verdadeiro nome, e sim umapelido de desprezo dado a uma pobre mulher que tevemetade de seu corpo transformado em serpente numabrincadeira sinistra de um deus.

- Aqui estou eu. - Tífon dirige a voz para a barriga deEquidna. - Meu verdadeiro corpo carnal.

Nesse momento rompe-se o casulo temporal, a bolsafetal. O ventre de Equidna começa a se mover. Seus longoscabelos ondulam. Sua pele sedosa começa a ficar levementevermelha. Os seios redondos balançam e a cintura fina semove de forma sedutora.

-Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah! - grita amulher com as dores do parto.

A criança rasga por dentro a barriga da serpente. Nãotem cabeça. Aquele ser feito unicamente de corpo, parecidocom um feto, o verdadeiro corpo de Tífon, é uma grandepedra preciosa, ainda mais transparente que o cristal. O brilhodo Adamas é o do diamante da cor das trevas: supremo.

- Ó meu verdadeiro corpo carnal - Tífon chama a simesmo.

Move-se a Vontade Divina do deus gigante das tem-pestades. Da mesma forma que fez no Monte Etna, quando se

Page 94: Gigantomaquia   a história de sangue

94

transferiu do corpo de Mei para o do sumo sacerdote Encélado,sua aura agora se transfere para o receptáculo de Adamas detrevas.

Mas, antes que consiga realizar a operação, o altar éenvolto em chamas. No templo subterrâneo fechado pelastrevas, onde até há pouco ele mesmo era única fonte de luz,Tífon pára, iluminado pelas chamas que incineram o altar.Sua Vontade está congelada. A forma feminina de Equidna éconsumida pelas chamas infernais do carma, diante de seusolhos, sem que possa fazer nada.

Os longos cabelos da mulher queimam, a pele está emebulição, o ar quente aspirado pelos pulmões corrompe a carnepor dentro.

- Ave Fênix!Tudo isso foi transformado em cinzas pelo bater

flamejante das asas.O receptáculo de Adamas que rompeu a barriga da

serpente, frágil e vago, imediatamente se transforma emcarvão e se perde na forma de cinzas.

- Onde está o meu verdadeiro corpo carnal? - A VontadeMaior fica durante algum tempo hesitante, sem destino.

- Ikki! É você... - Mei reconhece o Cavaleiro pela cicatrizque tem na testa. O sobrevivente do inferno, envolto pelaaura do Pássaro Imortal. O espírito inabalável, o mais fortedos irmãos que Mei conhecera.

- Você é o Cavaleiro da Constelação da Fênix - diz Mei,erguendo o corpo encostado à parede.

- Você é o Mei. Mas por que não sinto o seu Cosmo?- Dizem que o Cosmo percorre a corrente sangüínea -

explica Mei, falando quase que apenas para si mesmo. - Euperdi até o vínculo de sangue... - Mei sorri para Ikki, osobrevivente que há muito já não sabia sorrir.

- Todos morrerão! - Com isso explode a Vontade Maiorde Tífon. Tudo começa a queimar e a se destroçar. Tífon, queaté agora preservara a aparência divina, entra numa espiralcrescente e deformada de loucura, como um tufão sem o olho.

- Leve Shun e saia daqui - diz Mei.

Page 95: Gigantomaquia   a história de sangue

Em meio à tempestade de Tífon, Ikki arranca as cor-rentes que prendem seu irmão materno e, depois de secertificar de que estava respirando, carrega-o nos ombros.

- Não vai me perguntar nada?- Para você, que já morreu? O que eu perguntaria para

um homem morto?- Ikki... talvez eu já tenha perdido até mesmo os laços

de sangue que nos uniam. Mesmo assim, só posso pedir umacoisa a você. Cuide dos meus irmãos. - Mei sorri.

Fênix, o Cavaleiro que não sorri, sai calado com Shun.O Guerreiro da constelação de Coma Berenices, o

portador do traje sagrado sem hierarquia, observa-os atésaírem de seu campo de visão e, em seguida, volta-se para odeus.

Os cachos de fios de oricalco, totalmente alheios àvontade de Mei, haviam crescido até a perna arrancada e arecolhido, trazendo-a para junto do garoto. Os fios fechamas feridas e suturam a amputação.

Mei se levanta e anda na direção do deus dos Gigas,que corre, desesperado, pelo recinto. No campo de batalhada Gigantomaquia estão apenas Mei, Tífon e as cinzas dadestruição. O mundo do Cavaleiro está no mais absolutosilêncio.

“Finalmente ouço a voz das estrelas”, pensa.- Deus ex machina - diz então. - Você é um “deus por

meio de uma máquina”.Mei doma os fios cortantes que se mesclam às trevas.

Page 96: Gigantomaquia   a história de sangue

96

FINAL

DEUS EXMACHINA

Page 97: Gigantomaquia   a história de sangue

A atividade vulcânica que tinha se manifestado em diversos pontos do mundo começa a retrair e se

conter.Os Guerreiros Hyoga do Cisne e Shiryu do Dragão

retornam respectivamente à Sibéria Oriental e aos Cinco PicosAntigos para se recuperar dos ferimentos.

Ikki de Fênix, que salvou os irmãos da “Morada deTyphoeus”, desaparece novamente para algum lugardesconhecido.

Seiya permanece com Shun no Santuário.

O Odeon, teatro a céu aberto situado numa colina anoroeste da Acrópole, com capacidade para seis mil pessoas,recebe esta noite o teatro clássico grego. A peça a serinterpretada é novamente a Trilogia Orestéia, de Ésquilo.

Orestes, o matricida, filho de Agamenon, rei de Micena- assassinado por sua esposa, a rainha Clitenestra, por teroferecido a filha em sacrifício para vencer a guerra de Tróia,um crime hediondo e trágico. Perseguido pelas temíveis deusasda vingança Erínias.

Condenado à loucura e forçado a anos de vida errante,Orestes novamente consulta o Oráculo de Delfos e, seguindosuas ordens, submete-se a julgamento em Atenas, pelo crimede matricídio.

A deusa da guerra e da sabedoria, protetora da cidadede Atenas, preside o julgamento do qual participaram asdenunciantes, as três deusas da vingança, e o defensor, ApoIo,deus de Delfos. Outros importantes deuses descem à Terrapara assistir à sessão.

Page 98: Gigantomaquia   a história de sangue

98

Os votos dos jurados se dividem em número abso-lutamente igual entre os que pediam a condenação e aabsolvição. No entanto, graças à espetacular defesa doarticulado ApoIo, a deusa virgem Atena dá o voto de desempatea favor da absolvição de Orestes.

Insatisfeitas, as deusas da vingança ainda tentampersegui-Io, mas Atena intervém a seu favor. Orestes éfinalmente salvo da loucura de seu crime. Fim.

- Nossa! - Shun está impressionado com a apresentação.- Pode acordar, Seiya.

- Hummm... Aah. Acabou? - O Cavaleiro de Pégasoboceja de leve.

- O que você achou?- Legal! - Seiya está claramente mentindo.“Legal, mas dormiu o tempo todo...”, pensa Shun,

dando de ombros.- Foi legal, mas na próxima me convida para assistir a

uma peça mais divertida.- Na próxima, vai ser uma comédia.Os dois Cavaleiros respiram fundo o ar noturno e olham

para o céu, ainda opaco por causa das cinzas espalhadas pelodeus dos Gigas.

- Ainda vai levar um bom tempo para desapareceremos efeitos das cinzas do Tífon...

- Você é um “deus por meio de uma máquina” - dizMei.

Os dois escudos laterais do traje de Coma Bereniceslançam centenas de milhares de fios cortantes. Pouco a pouco,os escudos no formato de lágrimas perdem a forma. Os braços,o peitoral, todo o traje sagrado está se desmanchando.

Os fios cortantes se misturam às trevas do gigantescoespaço vazio do templo subterrâneo, preenchendo o espaçocomo o casulo de um bicho da seda. Tífon está aprisionado,suspenso no ar pelos fios que atravessam todo o seu corpo.

- O tempo pára - declara Mei. - Ou o sangue de temposantigos de Atena, amalgamado ao traje sagrado. Ou então asestrelas.

Page 99: Gigantomaquia   a história de sangue

Este já não é o Templo dos Gigas. É o Templo do selo deAtena.

- A Prisão do Templo Estagnado. Tífon, eu o selo.O “Casulo do Tempo” que envolve Mei e Tífon é o lacre

de tempos imemoriais de Atena.- Você, me selar? - duvida Tífon, zombeteiro. - Por

quanto tempo um humano frágil como você poderá me deter?Cem anos? Mil anos? Dez mil anos? Para mim, para a VontadeDivina imortal, isso não passará de um breve momento, umpiscar de olhos.

- Um breve momento. Neste calabouço no vão entreGaia e o Tártaro. Vamos passar este momento eterno juntoscaindo neste abismo.

- Que sejam cem anos. Mil. Dez mil. Em algum momentoeste “Casulo do Tempo” se romperá. Então a minha Vontadeestará livre. E, quando esse dia chegar, mesmo que o trajesagrado banhado com o sangue de Atena ainda esteja poraqui, você, que já está morto nesta encarnação, já não estarámais.

- É o destino.- Um destino mesquinho.- As estrelas não se esquecem. - É o desejo de Mei. -

Basta que haja paz sobre a Terra como prova de que oscavaleiros viveram.

- Por que me contraria?- Tífon, deus ex machina, foi você que puxou conversa

primeiro. Foi também você que disse que não precisava derazões. Por isso, esta é a Gigantomaquia. Esta é a batalhaque não faz sentido em deixar para a História.

- Então... dormirei pelo breve instante de um piscarde olhos.

Nesse instante, mais uma estrela se desgarra dofirmamento e cai.

É noite no Santuário. No cume da montanha, fica omais límpido Templo de Atena.

A donzela de cabelos acinzentados, elegantementetrajada com um vestido branco, está de pé no ponto mais

Page 100: Gigantomaquia   a história de sangue

100

elevado da região sagrada. Seu corpo e seu espírito foramconfiados à abóbada celeste, recipiente do Universo.

- Se esse é meu destino... - Atena olha para as estrelas.Pega as saudosas memórias que transbordam de seu

coração e as ergue carinhosamente para o Firmamento, ondedeveria estar a constelação sem estrelas.

- Eu farei o meu papel. A Vontade de Atena.É o que deve fazer, pelo Amor e pela Justiça sobre a

Terra.

FIM

Page 101: Gigantomaquia   a história de sangue
Page 102: Gigantomaquia   a história de sangue

102

Page 103: Gigantomaquia   a história de sangue
Page 104: Gigantomaquia   a história de sangue

104

POSFÁCIO

Page 105: Gigantomaquia   a história de sangue

Comecei a desenhar Cavaleiros do Zodíaco para serum mangá como ninguém havia feito antes, situado

numa escala grandiosa, e totalmente voltado para oentretenimento. Enfrentei uma série de dificuldades nosprimeiros momentos. Quando a série começou, os GuerreirosSagrados, os Cosmos, o Santuário, o enfoque baseado namitologia grega, tudo isso foi considerado difícil para osleitores.

Eu passava o tempo todo recolhido no ambiente detrabalho, e, a cada episódio, esgotava todas as minhas idéias,de forma que, na semana seguinte, tinha que partir do zero.Ficava completamente exausto. Gradativamente, a série foifazendo sucesso e, quando a primeira edição dos livros dasérie superou um milhão de exemplares vendidos, pude sentirde verdade uma grata surpresa.

Desde então, tenho recebido vozes de apoio do mundointeiro.

Hoje, novamente grandes projetos relacionados aCavaleiros do Zodíaco estão sendo iniciados, um deles estanovelização da série.

Ainda hoje ela recebe apoio. Não poderia haverrecompensa maior para um autor.

Espero que você ainda continue acompanhando ouniverso dos Cavaleiros por muito tempo.

Masami Kurumada

Page 106: Gigantomaquia   a história de sangue

106

Page 107: Gigantomaquia   a história de sangue
Page 108: Gigantomaquia   a história de sangue

108

Page 109: Gigantomaquia   a história de sangue