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GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS LEITURAS DO TEXTO LITERÁRIO EM SALA DE AULA: UMA ANÁLISE DO REGIONALISMO POÉTICO 2016

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GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS

LEITURAS DO TEXTO LITERÁRIO EM SALA DE AULA: UMA ANÁLISE DO REGIONALISMO POÉTICO

2016

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GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS

LEITURAS DO TEXTO LITERÁRIO EM SALA DE AULA: UMA ANÁLISE DO REGIONALISMO POÉTICO

Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional (PROFLETRAS), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Campus Currais Novos), como requisito para obtenção do grau de Mestre em Letras. Área de concentração – Linguagens e Letramentos. Linha de pesquisa – Leitura e Produção Textual: diversidade social e práticas docentes.

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN –

Biblioteca Setorial do Centro de Ensino Superior do Seridó - CERES Currais Novos

Santos, Gilberto Cardoso dos.

Leituras do texto literário em sala de aula: uma análise do

regionalismo poético / Gilberto Cardoso dos Santos. - Currais Novos,

2016.

119f.: il. color.

Orientador: Profa. Dra. Valdenides Cabral de Araújo Dias.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino

Superior do Seridó, Mestrado Profissional em Letras em Rede

Nacional.

1. Regionalismo. 2. Poesia popular. 3. Literatura. I. Dias,

Valdenides Cabral de Araújo. II. Título.

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2016

LEITURAS DO REGIONALISMO POÉTICO EM SALA DE AULA

GILBERTO CARDOSO DOS SANTOS

_____________________________________________

Presidente: Dra. Valdenides Cabral de Araújo Dias

(orientadora)

____________________________________________

Membro: Prof. Dr. Manoel Freire Rodrigues

(Membro Externo – UERN)

______________________________________________

Membro: Prof. Dr. Sebastião Augusto Rabelo

(Membro Interno – UFRN)

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2016

DEDICATÓRIA

A todos aqueles que, de algum modo, contribuem para o engrandecimento da cultura popular;

Aos que diretamente e indiretamente contribuíram para o êxito deste trabalho – os colegas Reno e Fátima, Valdenides e minha esposa, por exemplo;

Àqueles que, visando grandes alturas, amam e habitam plenamente suas raízes.

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AGRADECIMENTOS

Eu agradeço ao Deus de Spinoza

Que na caatinga morre e ressuscita

Inverno ou seca, em fauna e flora habita

Se revelando de forma espantosa

E à equipe tão maravilhosa

De educadores, sábia e erudita,

Que tanto inspira e ao saber incita,

A Valdenides, obsequiosa,

À própria CAPES por este mestrado

Que oportuniza ao professor cansado

Um pedestal à sua formação

Aos meus amigos e familiares

Que estão comigo mesmo nos pesares

A mais profunda e larga gratidão!

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RESUMO

RESUMO

Este trabalho de intervenção visa apresentar uma proposta de leitura que se contraponha ao processo de homogeneização cultural próprio da globalização, a partir da valorização das diferenças linguísticas e culturais no espaço escolar. Defende que a escola deve incentivar a preservação das manifestações literárias do lugar onde os alunos vivem. Para este fim, analisamos textos de dois poetas potiguares cujas produções revelam comprometimento com suas raízes regionais: Hélio Crisanto, poeta popular, e Jorge Fernandes, poeta erudito. A pesquisa-ação (THIOLLENT, 2011) foi utilizada como estratégia levada a efeito numa turma de 9º ano do ensino fundamental, para estimular neles a compreensão de que a nossa Língua Portuguesa apresenta variações em seu sistema de fala e escrita e, desse modo, podemos compreender como se dá essas variações a partir do texto literário. Neste trabalho, seguimos rumos teóricos delineados por ARAÚJO (1991, 1997, 2008), AVERBUCK (1998), BAGNO (2007), CANDIDO (2013), FREYRE (1996), GURGEL (2001), GEBARA (2016), MOISÉS (2007), PENNAC (1992), PINHEIRO (1995), COSSON (2014), LAJOLO (1994), VALERIUS (2010), (ZILBERMAN (2004) entre outros para desenvolver as sequências didáticas pretendidas para o alcance dos objetivos, os quais giram em torno do reconhecimento e valorização das diversas formas de linguagem. Os resultados obtidos resultaram numa cartilha produzida pelos alunos, fruto de uma viagem de estudo ao Museu Rural Auta Pinheiro Bezerra, de Santa Cruz (RN), contendo verbetes e fotografias de peças regionais.

Palavras-chave: Cultura, regionalismos, leitura, literatura, poesia popular.

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ABSTRACT

This intervention paper aims to present a reading proposal that set against the cultural homogenization process of globalization, from the enhancement of linguistic and cultural differences in the school environment. It defends that the school should encourage the maintenance of the literary expressions from the place where students live in. For this purpose, we have analyzed texts from two potiguares poets whose productions reveal they are deeply rooted with their region: Hélio Crisanto a popular poet and Jorge Fernandes an erudite one. The action research (THIOLLENT, 2011) has been used as a strategy carried out in a 9th grade classroom from the elementary school in order to motivate them to understand that our native language (Portuguese) varies in its speech and written system and thus, we can understand how variations occur from the literary text. For this paper, we have followed theoretical directions outlined by ARAÚJO (1991,1997,2008), AVERBUCK (1998), BAGNO (2007), CANDIDO (2013), FREYRE (1996), GURGEL (2001), GEBARA(2016), MOISÉS (2007), PENNAC (1992), PINHEIRO (1995), COSSON (2014), LAJOLO(1994), (1994), VALERIUS (2010), (ZILBERMAN (2004) among others to develop the required didactic sequences for achieving our goals. which go round of the acknowledgment and appreciation of different ways of language. The results obtained after the successful intervention came out in a booklet produced by students because of a study trip to Auta Bezerra Pinheiro Rural Museum of Santa Cruz – RN, containing entries and photographs of regional parts.

Keywords: Culture, regionalisms, reading, literature, popular poetry.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................15 2 II A SALA DE AULA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA....................20 2.1 O espaço da Língua Portuguesa ................................................................................21 2.2 O espaço da leitura literária na agenda do professor ................................................26 2.3 O texto literário como pretexto para o ensino da Língua Portuguesa - I...................33 2.4 O texto literário como pretexto para o ensino da Língua Portuguesa - II.................37 3 LENDO OS NOSSOS POETAS E A NOSSA REGIONALIDADE ........................43 3.1 O regionalismo nas obras de nossos poetas ..............................................................44

3.2 Jorge Fernandes de Oliveira .....................................................................................48 3.3 Hélio Crisanto ...........................................................................................................51 4 LENDO E ESCREVENDO OS REGIONALISMOS POÉTICOS.........................58 4.1 Etapas da intervenção: vivenciando o nordestês ......................................................61 4.2 Cartilha de dizeres potiguares – o produto da intervenção .......................................82 4.3 Aplicação de um questionário...................................................................................89 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................96 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................91 APÊNDICES.................................................................................................................104 APÊNDICE A................................................................................................................104 APÊNDICE B................................................................................................................104 APÊNDICE C................................................................................................................104

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I INTRODUÇÃO

Diversas são as causas de fracasso no ensino público. Algumas destas causas estão intimamente interligadas, impossibilitando que sejam minimizados os efeitos nocivos de uma sem mexer em outras. Na área de língua de portuguesa, campo ao qual nos ateremos, vemos e experimentamos na prática, por exemplo, a dificuldade que a escola tem de formar leitores eficientes, capacitados para as diversas situações que exigem lidar com o texto escrito, automotivados para a leitura. Um problema de tal magnitude compromete o que há de crucial ao programa da disciplina e afeta profundamente o aprendizado de outras matérias.

O que buscamos neste trabalho vai muito além de diminuir os índices nas pesquisas sobre analfabetismo funcional. Todavia, não há como atingir o objetivo principal sem que, de algum modo, prestemos atenção e busquemos solucionar outros entraves. Por isso, nesta dissertação, nos vimos no dever de contemplar, ainda que de modo superficial, aspectos que não têm a ver diretamente com o que propusemos. Nosso alvo central é ver a literatura regional sendo valorizada em sala de aula. No entanto, para que alcancemos tal objetivo, temos que, primeiramente, nos deter no problema do preconceito linguístico – responsável direto por boa parte das mazelas que enfrentamos no processo de ensino-aprendizagem da língua materna.

Marcos Bagno (2007) trata do preconceito linguístico, distribuindo em oito

mitos, cujo caminho de análise percorre desde o brasileiro sem instrução ao domínio da

norma culta. Dentro de sua análise, considerada por nós de grande relevância para a

compreensão de como estamos ensinando a nossa própria língua nas escolas,

salientamos a necessidade de uma revisão no papel da Escola, enquanto instituição

formadora e do professor de Língua Portuguesa, no sentido de estarmos atentos a

mudanças em nossa prática docente. Tais mudanças devem favorecer a um bom

aprendizado da língua. É preciso que o professor se abra para mudanças que fortaleçam

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o ensino e aprendizagem da nossa língua, não como unidade, mas como variedade.

Assim, ratificamos através de Bagno (2007) que:

É preciso, portanto, que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura abandonem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passem a reconhecer a verdadeira diversidade linguística de nosso país para melhor planejarem suas políticas de ação junto à população amplamente marginalizada dos falantes das variedades não-padrão. O reconhecimento da existência de muitas normas linguísticas diferentes é fundamental para que o ensino em nossas escolas seja consequente com o fato comprovado de que a norma linguística ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma verdadeira “língua estrangeira” para o aluno que chega à escola proveniente de ambientes sociais onde a norma linguística empregada no quotidiano é uma variedade de português não padrão. (BAGNO, 2007, p. 18)

Com este trabalho, além de combater o preconceito linguístico, pensamos

em favorecer um aprendizado da Língua Portuguesa que ultrapasse os limites da

gramática normativa que, mesmo sendo utilizada pelos professores, não surte o efeito

desejado nos alunos. Desenvolvemos esta intervenção alicerçando-nos no PCN (1998)

de Língua Portuguesa que tem por unidade básica do ensino, o texto em suas várias

modalidades. Para tanto, considerando o que aí está referido como “especificidade do

texto literário”, nós exploraremos essa diversidade linguística nas obras de Jorge

Fernandes e Hélio Crisanto, considerando que:

do ponto de vista linguístico, o texto literário também apresenta características diferenciadas. Embora, em muitos casos, os aspectos formais do texto se conformem aos padrões da escrita, sempre a composição verbal e a seleção dos recursos linguísticos obedecem à sensibilidade e a preocupações estéticas. Nesse processo construtivo original, o texto literário está livre para romper os limites fonológicos, lexicais, sintáticos e semânticos traçados pela língua: esta se torna matéria-prima (mais que instrumento de comunicação e expressão) de outro plano semiótico na exploração da sonoridade e do ritmo, na criação e recomposição das palavras, na reinvenção e descoberta de estruturas sintáticas singulares, na abertura intencional a múltiplas leituras pela ambiguidade, pela indeterminação e pelo jogo de imagens e figuras. (BRASIL, 1998, p. 26)

Nas obras dos poetas Hélio Crisanto (cantor, compositor e poeta) e Jorge

Fernandes (poeta potiguar introdutor do Modernismo no RN), os regionalismos

aparecem de modo acentuado. Cada um à sua maneira optou por uma poética

aparentemente provinciana, que se mantém à parte do vocabulário dicionarizado,

oficialmente aceito. São poetas que se orgulham do modo de falar próprio da região

onde nasceram, que veem beleza e vigor literário em termos oriundos da cultura

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popular, homens preocupados em fazer frente a uma poética engessante e cada vez mais

monolíngue devido a supostas exigências da comunicação global. Percebemos, em

ambos, uma preocupação dominante em preservar fatos e imagens da história local.

Seus versos têm uma importância cultural muito grande e constituem um belo registro

daquilo que, ao menos historicamente, deveria ser conservado.

Valendo-nos dos referenciais acima, a nossa intervenção tentou responder às

seguintes problemáticas, observadas na sala de aula: que conhecimento os alunos

apresentam sobre variações linguísticas? Que relação eles estabelecem entre a norma

padrão e tais variações? O texto poético pode fornecer elementos para essa

compreensão? Partindo desses questionamentos, nossos objetivos foram traçados para a

condução exitosa das atividades desenvolvidas com os alunos. Desse modo, buscamos,

junto aos alunos, como objetivo geral, valorizar a cultura local através das obras dos

nossos escritores. Desse objetivo, desdobramos os específicos, que foram vencidos a

cada etapa da intervenção, a saber:

• Diferenciar, dentro das atividades de Língua portuguesa, o uso da norma

padrão do uso das variações linguísticas;

• Identificar, nas obras dos poetas Jorge Fernandes e Hélio Crisanto,

palavras ou expressões populares;

• Participar de atividades que envolvam a cultura local;

• Produzir uma cartilha contendo palavras ou expressões regionais;

• Combater o preconceito linguístico que impede, muitas vezes, a

comunicação.

Além de combater o preconceito linguístico, é necessário que nossas

propostas de leitura combatam o auto preconceito, comum a pessoas que vivem em

regiões pouco favorecidas, levadas, pela pressão da mídia e da cultura de massa, a ver-

se como inferiores no modo como falam. Além disso, escolarizar-se não deve significar

a substituição de um modo de falar por outro pretensamente superior, mas uma soma.

Um dos mais importantes propósitos do letramento hoje deve ser o de tornar o aluno um

poliglota dentro de sua própria língua, conforme disse Evanildo Bechara. Tal citação

não pretende ater-se ao contexto de onde foi extraída, nem evocar com precisão o

entendimento do autor acerca desta frase. Este gramático, em última análise, inseriu este

pensamento dentro de um contexto de estudo da gramática e tende a supervalorizar a

importância da norma culta. Veja-se seu uso dentro deste contexto como um aforismo,

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aplicável à ideia de que devemos ir além do estudo da norma culta e a termos

consciência de que a real competência linguística vai bem mais além do que está

prescrito e analisado em compêndios gramaticais. Os poemas de Hélio Crisanto e Jorge

Fernandes podem contribuir grandemente para que tais propósitos sejam atingidos.

Partimos da problemática de que os alunos de escola pública geralmente leem pouco e

parecem propensos a ignorar ou a lançar um olhar de desprezo sobre suas próprias

raízes e cultura. Além disso, o mundo está inundado de obras que atendem ao mercado

globalizado e os poucos alunos que a elas aderem têm letramentos deficientes, que

tendem a marginalizar e a apagar a bagagem cultural que cada um deles traz.

A partir disso, valorizamos nas obras de dois grandes poetas potiguares –

um popular e outro erudito - os aspectos regionalistas ali existentes. Um poeta da

cidade onde os alunos participantes vivem e outro, já falecido, consagrado pela

literatura norte-rio-grandense fazem uso de elementos linguísticos e literários

característicos de nossa região. Tais elementos, encontrados em seus poemas, serviram

para fortalecer a autoestima cultural e linguística dos envolvidos, bem como o

desenvolvimento da sensibilidade poética e do gosto pela leitura. Uma vez reativadas

essas marcas linguísticas, próprias da variedade regional, o aluno leitor despertará não

somente a consciência para o bom humor e expressividade presente em termos

considerados arcaicos, como aprenderá a respeitar e a usar a diversidade de nossa

língua.

Essa intervenção resultou na elaboração de uma cartilha de dizeres

regionais, na qual os alunos expressaram os resultados do trabalho com a leitura, a

pesquisa de campo e a construção textual. Isso posto, como capítulo introdutório, para

situar o desenrolar do processo interventivo, encaminhamos o leitor a adentrar o

universo da leitura literária diversificada e a necessidade que temos de valorizar as

variações linguísticas. Os demais capítulos se estruturam da seguinte forma:

O segundo capítulo trata do espaço da Língua Portuguesa e da literatura na

escola, como o texto literário é visto por professores e alunos e o seu caráter

humanizador. Ainda abordamos o caráter antipedagógico do texto literário e o seu

caráter humanizador;

O terceiro capítulo trata de conhecermos melhor nossos poetas e suas obras

e como eles retratam a nossa realidade através da poesia erudita e popular, ressaltando

neles as possibilidades de uso da língua que oscila entre a norma padrão e as variantes

regionais.

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O quarto capítulo traz o passo a passo da intervenção desenvolvida: um

relato que envolve o espaço escolar, os alunos participantes e o professor pesquisador,

em um tarefa prazerosa de encantamento ante o texto literário e de reflexão crítica

acerca dos usos possíveis de nossa Língua Portuguesa. O resultado dessa intervenção é

uma cartilha que representará parte do conhecimento do vocabulário de nossa região.

As considerações finais trazem os resultados exitosos alcançados durante o

processo interventivo, onde podemos verificar o envolvimento dos alunos participantes

em todas as tarefas propostas, bem como um avanço na compreensão leitora.

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CAPÍTULO II

A SALA DE AULA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

“O falante deve ser poliglota em sua própria língua”

Evanildo Bechara

2. Neste capítulo iremos abordar questões voltadas para a sala de aula e o

ensino da Língua Portuguesa. Afinal, que espaço é esse que, ao adentrarmos na escola,

enquanto professores de Língua Portuguesa, amplia-se em responsabilidades para com a

utilização da norma culta ou padrão? A sala de aula que recebe o aluno para as demais

disciplinas é a mesma. Todos os professores usam a Língua Portuguesa para comunicar

seus conteúdos aos alunos e com eles interagir. No entanto, o professor de Língua

Portuguesa é o ator principal, quando o assunto é o ensino-aprendizagem da Língua

Portuguesa na escola. Há uma sobrecarga nele, como se, somente a ele, coubesse o

papel de corretor de fala e de escrita dos alunos.

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Em tempos de inclusão, as mais diversas, podemos pensar no ensino e no

papel do professor de Língua Portuguesa como forma de guiar os alunos para uma

compreensão mais ampla da língua, de modo que ele possa aprender a norma padrão e

compreender que esta é apenas uma variação dentre outras que a língua nos oferece,

seja como possibilidade de fala, ou de escrita. Conforme nos diz Cunha (2010),

Para o professor de língua materna, então, recai a responsabilidade de trabalhar com as linguagens, os códigos e suas tecnologias como área mediadora da comunicação e da expressão oral e escrita na formação de seus alunos. Responsabilidade que vem com o peso de uma formação sólida e continuada, com a capacidade de motivação constante, com o sentido do útil, do que é necessário e do que é universal para a felicidade e a paz dos povos. (CUNHA, 2010, p. 23)

Significa dizer que o professor de Língua Portuguesa tem em mãos um

sistema de signos instáveis em seu uso e que pode e deve utilizá-lo de forma a

engrandecer o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula.

2.1 O espaço da Língua Portuguesa

Em 2011, tivemos oportunidade de acompanhar, pelos diversos meios de

comunicação, grande polêmica envolvendo a obra, Por uma vida melhor, da coleção

“Viver, Aprender”. O livro trouxe para a sala de aula e colocou em pauta elementos da

linguagem popular, buscou lançar luz sobre a validade de expressões como “Os menino

pega os peixe” e foi severamente criticado por isto. O Ministério da Educação e Cultura,

por haver dado aval e encaminhado este conteúdo às escolas, tornou-se, junto com seus

autores, pivô de um escândalo que rendeu acirrados debates. Para muitos interessados

no tema, professores e até mesmo acadêmicos, o MEC estava, com isso, prestando um

desserviço ao bom uso da língua. As questões que então foram levantadas trouxeram à

tona preconceitos que durante séculos nortearam o ensino de português no Brasil –

ideias consideradas hoje obsoletas pela moderna pesquisa linguística.

Na epígrafe de abertura deste capítulo, Bechara (2002) chama a atenção para

o caráter plural inerente a toda e qualquer língua e da necessidade que temos de acolher

as variantes que a compõem ao invés de vê-las como ameaça ou fator de deterioração do

idioma. Devemos ter atitude receptiva aos diversos falares não simplesmente por razões

humanitárias, mas por reconhecer a importância e contribuições dadas por cada uma

dessas vertentes. Não significa, todavia, que devamos desprezar a variante considerada

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de prestígio. Ela também tem seu lugar e cumpre importante função social,

principalmente em situações de formalidade.

A despeito de toda luz lançada nos campos de estudos da língua e dos

direcionamentos dados pelos PCN, visões preconceituosas e interesses políticos elitistas

continuam a impedir que a escola de fato atenda aos anseios e necessidades do povo.

Magda Soares, no livro Linguagem e Escola: uma perspectiva social (1986), fala sobre

o conflito ainda hoje percebido entre as perspectivas escolares e o que o povo realmente

necessita. Para Soares, a escola tem se mostrado incompetente e responsável pelo

fracasso educacional, entre outras coisas, pelo modo errado como encara o ensino da

língua. Eis o que ela afirma:

Grande parte da responsabilidade por essa incompetência deve ser atribuída

a problemas de linguagem: o conflito entre a linguagem de uma escola

fundamentalmente a serviço das classes privilegiadas, cujos padrões

linguísticos usa e quer ver usados, e a linguagem das camadas populares, que

essa escola censura e estigmatiza, é uma das principais causas do fracasso

dos alunos pertencentes a essas camadas, na aquisição do saber escolar.

(SOARES, 1986, p.6)

Para Soares, a escola “censura e estigmatiza” a linguagem das camadas

populares. Todavia, entendemos que não seja a escola a única responsável pela criação e

fortalecimento destes preconceitos. Pais, comunidade e algumas instituições

frequentadas pelo aluno (igrejas e clubes, por exemplo), podem fazer com que este

chegue à escola com visão distorcida acerca da diversidade linguística inerente ao

idioma materno. O que a escola faz, nestes casos, é fortalecer e dar consistência ao que

é parte do senso comum – a ideia de que algumas variedades da língua são dignas de

desprezo.

O lugar, a importância e modo da escola lidar com a variante padrão pode

ser vista no seguinte excerto dos PCN (1998):

Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma correta de falar, o de que a fala de uma região é melhor da que a de outras, o de que a fala correta é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso consertar a ala do aluno para evitar que ele escreva errado ((BRASIL, 1998, p.31).

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Ao passo que se preocupam com o desenvolvimento da competência no uso

da variedade padrão, deve-se lançar um olhar inclusivo, não discriminatório, sobre as

peculiaridades linguísticas inerentes às diversas regiões brasileiras; Os PCN não

impõem uma visão de língua pautada exclusivamente em normatizações gramaticais de

caráter arbitrário. Desse modo, a cultura local e os regionalismos não perdem relevância

dentro do espaço escolar nem na vida do educando. Todavia, apesar da oficialização de

tais parâmetros, percebe-se ainda, na prática escolar, um atraso na compreensão dos

pressupostos cientificamente estabelecidos pelos estudos sociolinguísticos em que se

fundamentam os PCN. A dogmática noção de “certo” e “errado” ainda norteia a prática

pedagógica de muitos professores de língua materna. Como esclarecem os PCN:

A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro as diferentes situações comunicativas (...) é saber, portanto, quais variedades e registro da língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. (BRASIL,1998, p.31)

Alguns têm conhecimento parcial e aceitam em parte estas novas ideias,

mas não sabem bem como trabalhar a variação linguística em sala de aula e continuam a

utilizar inadequadamente o ensino da norma padrão. O professor de português, à mercê

de ideias errôneas e preconceitos, quer que o aluno se torne um monoglota, que se

atenha nas diversas situações de fala e de escrita à variedade padrão. As variedades

linguísticas trazidas pelo aluno continuam a ser vistas como manifestações inferiores de

linguagem - algo a ser superado e suplantado pela língua padrão, erroneamente vista

como de caráter normativo. Professores com esta mentalidade certamente contribuem

para que o aluno passe a sentir vergonha de suas origens culturais e linguísticas. A

tentativa de homogeneizar linguisticamente seus alunos, presta um grande desserviço à

pluralidade cultural e contribui para o empobrecimento do vernáculo.

As críticas feitas às ideias inclusivas do livro Por uma vida melhor,

apresentadas anteriormente, refletem o drama ainda hoje vivido – mesmo que em menor

escala – por alunos oriundos das classes populares, que chegam à escola com

competências linguísticas consideradas de caráter provisório, rudimentares e inferiores à

norma urbana arbitrariamente posta como padrão. A censura estabelecida pela escola às

gírias, informalidade e regionalismos próprios da linguagem do aluno pouco ou nada

familiarizado com a norma culta, pode trazer prejuízos à sua capacidade expressiva e à

cultura da qual é naturalmente representante. A escola deve ser um lugar de inclusão, de

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cultivo e de valorização dos diversos falares próprios das comunidades em que estão

inseridas.

Como ocorre em qualquer idioma, a Língua Portuguesa mantém sua unidade

na diversidade, sofrendo variações de caráter ambiental, regional, temporal e social.

Temos uma norma culta que funciona como um ponto de intersecção entre os diversos

falares. Esta norma, também chamada de padrão, não deve ser vista como a forma certa

de falar e escrever, substitutiva das demais manifestações linguísticas. Trata-se apenas

de um consenso idiomático que possibilita um melhor entendimento em situações

específicas que exigem maior grau de formalidade. É empregada, por exemplo, na

redação dos documentos oficiais, na elaboração dos conteúdos de livros didáticos, em

cartas comerciais etc.

Além desta modalidade da língua formalmente imposta e aceita pelos

falantes do português, temos a linguagem popular, utilizada em situações comuns do dia

a dia e no seio familiar. É a linguagem espontânea, não plenamente alinhada com as

orientações gramaticais que definem a norma padrão e que se baseia na gramática

internalizada. Ainda, além da linguagem popular, que de certo modo alinha-se,

paralelamente, à norma padrão, temos as variantes linguísticas regionais, assim

chamadas porque representativas de lugares específicos – norte, sul e nordeste, por

exemplo. O que caracteriza a variante regional é a utilização de palavras e expressões

próprias de cada região, não comuns no resto do país, que existem à margem das formas

dicionarizadas recomendáveis na perspectiva da variante oficial. Estes modos próprios

de expressar-se enriquecem o léxico e ajudam a manter a diversidade na unidade do

idioma. Vejamos, na lista abaixo, palavras e expressões idiomáticas próprias do

Nordeste:

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Quadro 1: Expressões típicas da região Nordeste:

Essas variações idiomáticas, notadas no quadro acima, ocorrem por razões

geográficas e pelas influências dos pioneiros e colonizadores da região.

Nossas primeiras incursões no aprendizado da língua, em maior ou menor

grau, se dão dentro de perspectivas regionalistas: sotaques, conteúdos lexicais

diferenciados e entonações que fazem parte de nossa iniciação linguística. Preocupada

com o aprendizado da modalidade padrão, a escola tende a minimizar e até mesmo a

desprezar estas peculiaridades linguísticas, ao invés de reconhecer sua importância para

o enriquecimento do idioma e preservação da cultura local. Ao assim proceder, a escola

reflete e perpetua o que fizeram os colonizadores portugueses quando sentiram

necessidade de aportuguesar os nativos e imigrantes que aqui viviam. Africanos, índios

e caboclos precisavam se adaptar à cultura do reino. Deviam ser transformados em mão-

de-obra da colônia a serviço dos interesses do rei de Portugal e, portanto, necessitavam

falar a mesma língua. Levar o povo a falar um português “correto”, destituído de

africanismos e indianismos era uma das principais missões da escola no tempo colonial.

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Tal luta se mostrou inglória, mas de modo algum a escola se desfez desse intento e

continua, infelizmente, a combater os diversos falares do Brasil através da imposição de

uma norma gramatical que se opõe às particularidades de cada região e do falar comum.

Entende-se hoje que a escola tenha por missão contribuir para que os alunos

se tornem competentes no uso das variantes de sua língua, não apenas da norma culta.

Isto se faz necessário porque a língua varia de região para região. Exemplo: o modo

como se fala em São Paulo difere do modo como se fala no Maranhão. Cada região

dispõe de peculiaridades linguísticas. Essas diferentes pronúncias e vocabulários que

diferenciam o português de uma região para outra e constituem os regionalismos

resultam de marcas deixadas pelos idiomas que participaram da formação do português

brasileiro.

Para o senso comum, a língua parece ser imutável e homogênea. No entanto,

a língua tem a mutabilidade e heterogeneidade como características universais. Cabe à

escola mostrar-se flexível e simpática aos diversos falares, reconhecendo que neles

residem as riquezas da língua e permanente capacidade de renovação.

2.2 O espaço da leitura literária na agenda do professor

Apesar de necessária e comum a todas as disciplinas escolares, a leitura, que

é atrelada apenas ao espaço das aulas de Língua Portuguesa, não tem ocupado na escola

seu devido lugar. Por sua importância e poder transformador, deveria ocupar lugar

prioritário nas atividades de classe e tarefas de casa. Não nos referimos, porém, à leitura

feita de modo mecânico e improvisado, tampouco apenas em voz alta. Referimo-nos

aqui à leitura que se alicerça na reflexão, individual ou coletivamente conduzida,

silenciosa ou verbalizada, vista em sua dimensão política e ideológica.

O adequado gerenciamento das práticas e conteúdos de leitura por parte da

escola faz-se fundamental na formação do aluno. Leitura não é algo a ser feito

esporádica e aleatoriamente; pressupõe planejamento cuidadoso; requer norteamentos e

estabelecimento de alvos claros. Para Zilberman; Silva (2005) há concepções de leitura

que devem ser bem entendidas pelo educador, refletidas com responsabilidade, pois se

mostrarão determinantes em seus resultados, favoráveis ou não à formação cidadã. Para

estes autores, a leitura pode, negativamente, ser um instrumento de controle ou,

positivamente, de conscientização.

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Alunos e professores, pertencentes a uma sociedade marcada por conflitos e

desníveis sociais, podem ser vítimas de um processo de ideologização alienante,

perpetrado e alimentado pela leitura feita sem reflexão, maliciosa e habilmente utilizada

pelos poderes dominantes. Dizem estes autores:

Quando a sociedade se divide em classes antagônicas e mostra-se desigual em diferentes níveis, a leitura pode se apresentar na condição de um instrumento de controle, empregado sistematicamente pelos setores dominantes; neste caso ela constitui elemento auxiliar do processo de inculcação ideológica, colaborando para a reprodução de das estruturas sociais e para a permanência da situação privilegiada dos grupos detentores do poder. (ZILBERMAN; SILVA, 2005, p.112)

Numa sociedade assim, marcada por luta de classes e diferentes condições

de vida, os que estão no topo da pirâmide social têm como projeto principal perpetuar-

se no poder. Para isso, mais que o emprego da força, faz-se imprescindível a

ideologização das massas. E a leitura, em todas as sociedades assim caracterizadas, tem-

se revelado um instrumento de alienação por excelência. Esta classe costuma oficializar

ou indicar o que deve ser lido visando o controle ideológico.

Tradicionalmente, no que concerne à língua, há uma norma padrão que

reflete o modo de falar comum à classe dominante ou letrada. Compete à escola, dentro

desta visão, corrigir a fala e escrita dos alunos, adequá-los à norma gramaticalmente

estabelecida. Há palavras e modos de dizer impróprios, termos que recebem a pecha de

arcaicos, obsoletos, oficialmente censurados por um segmento social que se quer mais e

mais globalizado, adaptado à modernidade. Consequentemente, as diversas variedades

ou modos de falar que refletem as peculiaridades de cada região ou de classes sociais

pouco letradas, são postos à margem da competência exigida, tidos como errôneos.

Modismos linguísticos e termos eruditos ganham aura de linguagem superior levando ao

consequente desprezo de tudo aquilo que não cheire à modernidade. A visão deturpada

da gramática e o bombardeio diário dos meios de comunicação de massa, tendem a

levar o educando a sentir desprezo e vergonha dos traços linguísticos seus e de sua

gente. Dá-lhe a sensação de que precisa globalizar-se, assumir uma linguagem superior

à sua, libertar-se do que o diferencia. Esta visão negativa dos regionalismos,

constitutivos da real língua materna, essencialmente poética, pode resultar num

empobrecimento linguístico e cultural.

Por imposição ou necessidade, a leitura faz-se imprescindível numa

sociedade letrada. Não podendo prescindir dela e convencidos de seu imenso potencial,

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necessitamos ter uma visão crítica a seu respeito e positivamente utilizá-la na

transformação do meio em que vivemos. Lemos em Zilberman; Silva (2005):

Compreendida dialeticamente, a leitura pode se apresentar na condição de um instrumento de conscientização, quando diz respeito aos modos como a sociedade, em conjunto, repartida em segmentos diferentes ou composta de indivíduos singulares, se relaciona ativamente com a produção cultural, isto é, com os objetos e atitudes em que se depositam as manifestações da linguagem, sejam elas gestuais, visuais ou verbais (oral, escrita, mista, audiovisual). Neste caso, a leitura coloca-se como um meio de aproximação entre os indivíduos e a produção cultural, podendo significar a possibilidade concreta de acesso ao conhecimento e agudização do poder de crítica por parte do leitor. (ZILBERMAN; SILVA, 2005, p.112-113)

Vista desse modo e assim utilizada, a leitura torna-se amplamente inclusiva, não mais

restrita a uma linguagem oficial, tampouco limitada a temas julgados inofensivos pelos

que veladamente ou não estabelecem o que deve ser lido. Conteúdos alienantes passam

a ser lidos com outros olhos e, fissurados pelo senso crítico, tornam-se inócuos em seus

propósitos. Nesse sentido, a intervenção, da qual foram geradas essas reflexões, propôs

e atingiu os objetivos em relação à leitura, uma vez que os alunos participantes se viram

dentro dessa relação dialética proporcionada leitura em sala de aula: a um só tempo,

erudita e popular. Também tiveram a possibilidade de uma construção consciente de

seus próprios textos, utilizando a norma padrão e a variante popular, a partir dos textos

literários estudados. É o texto literário ocupando, aos poucos, uma parcela significativa

do espaço das aulas de Língua Portuguesa, para promover uma aprendizagem

amplamente reflexiva, capaz de transformar o aprendiz.

A discussão sobre leitura, principalmente sobre a leitura numa A literatura não tem

ocupado, ainda, o devido espaço na vida dos alunos de escola pública, seja em casa, seja

na escola propriamente dita. A verdade é tanto pais quanto professores (mesmo os de

matérias afins como língua portuguesa), não têm conseguido transformar aqueles sob

seus cuidados em ávidos devoradores de livros entre outros motivos porque eles

mesmos não se mostram motivados e pessoalmente envolvidos com o que deveriam

prescrever.

O envolvimento pessoal do professor com a literatura não é, definitivamente, a solução

para o problema, mas pode-se dizer que o seu não envolvimento – o fato de ser um não

leitor querendo formar leitores – constitui uma das principais causas do fracasso da

escola nesse campo. Diz-nos Marisa Lajolo (1994):

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Uma sociedade que pretende democratizar-se, começa dizendo que os profissionais mais diretamente responsáveis pela iniciação na leitura devem ser bons leitores. Um professor precisa gostar de ler, precisa ler muito, precisa envolver-se com o que lê.

E esse não é, infelizmente, o perfil comum do professor. Pesquisa feita entre professores de primeiro grau e bibliotecários de Campinas e de Recife mostrou como o repertório de leitura desses profissionais é desolador, constituído, a maior parte das vezes, por best-sellers tão antigos quanto Fernão Capelo Gaivota, O menino do dedo verde e O pequeno príncipe ou pelo que se poderia chamar de clássicos escolares, como A moreninha, Iracema e A escrava Isaura. (LAJOLO, 2010, p. 108)

Para muitos, os professores que têm o repertório de leitura descrito por

Lajolo na citação acima – pelo que ouvimos em reuniões pedagógicas – figurariam

como exemplares. A autora chama a atenção também para o bibliotecário que, como

responsável direto pela guarda e distribuição dos livros, deveria também ser um

aficionado por leitura. As bibliotecas escolares da rede pública, conforme corroborado

na citação acima, geralmente têm sido e são gerenciadas por profissionais não

devidamente qualificados (às vezes nem da área são) que se limitam a tirar a poeira dos

livros (quando tiram) e a arrumá-los na estante; que se sentem incomodados, conforme

já presenciamos, com os poucos que os buscam para pegar algum livro emprestado.

A verdade é que se o professor ou bibliotecário não tem entusiasmo

verdadeiro pela leitura, e se há uma distância entre o que se diz e o que se pratica fica

difícil convencer o outro. Antes de se perguntar o que fazer para que os alunos leiam

mais obras literárias, se deveria perguntar: o que fazer para que nossos educadores e

bibliotecários leiam mais e se apaixonem pela leitura?

Essa mudança de foco terá como resposta a percepção de que nossos

professores deveriam ter mais qualidade de vida e de trabalho, bem como um poder

aquisitivo que lhes permitisse incluir livros entre seus bens de consumo. Enquanto

lutamos para que estas reformas profundas aconteçam, podemos esforçar-nos para

driblar as adversidades e experimentar crescimentos ou reformas individuais. Aliás, é

através do crescimento interior que a leitura nos proporciona o embasamento necessário

a essas mudanças.

Passemos agora a algumas ideias de Daniel Pennac, expressas em Como um

romance (1992). Neste livro ele dá dicas de como o professor pode desenvolver o gosto

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literário em seus educandos. Uma das coisas que não se deve fazer, segundo Pennac, é

tentar obrigar o aluno a ler. Assim começa seu livro:

O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo “amar”… o verbo “sonhar”… Bem, é sempre possível tentar, é claro. Vamos lá: “Me ame!” “Sonhe!” “Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!”. - Vá para o seu quarto e leia!

Resultado? Nulo. (PENNAC, 1996, pp. 13)

Se fizéssemos uma pesquisa entre os educadores, veríamos que a

consciência da necessidade de ler bons livros é quase uma unanimidade. Fala-se disso

nas reuniões pedagógicas. Parece não haver curso de formação para professores que não

tratem dessa questão. Isso é enfatizado nos livros didáticos, logo em suas páginas

iniciais. Parece haver uma tentativa de ideologização nesse campo. Professores,

cônscios dessa necessidade ou cumprindo diretrizes da grade curricular, tentam inculcar

em seus alunos a importância da leitura. Aliás, costumam indicar livros com

probabilidade de figurar no ENEM ou Vestibular. A afirmação de que “é preciso ler”,

tem caráter dogmático e não surte o efeito esperado porque, como disse Pennac, não se

pode fazer imposição disso. Há de se buscar um novo rumo. Temos, nesse livro,

algumas dicas valiosas. Pennac dá excelente alternativa a essa infrutífera cobrança de

leitura: “É preciso ler, é preciso ler... E se, em vez de exigir a leitura, o professor

decidisse de repente partilhar sua própria felicidade de ler?” (PENNAC, 1992, p. 80)

Para Pennac, a “conversão” do aluno em leitor se dá mais por vias

emocionais que racionais. O testemunho do educador vale mais que suas palavras. A

ideia de que o livro pode ser uma fonte de felicidade é bem mais persuasiva que as

muitas racionalizações que se possa fazer a esse respeito. Em capítulo subsequente ele

nos apresenta o poeta e professor Georges Perros como um modelo a ser seguido, e cita

um trecho da biografia escrita por Jean Marie Gibbal:

Ele (Perros) chegava desgrenhado pelo vento e pelo frio, em sua moto azul e enferrujada. Encurvado numa japona azul-marinho, cachimbo na boca ou n mão. Esvaziava uma sacola de livros sobre a mesa. E era a vida. (PENNAC, 1992, p. 86)

Estas palavras foram ditas por uma estudante de Rennes onde Perros

ensinava, esclarece Pennac. “Quinze anos mais tarde”, a aluna faz as seguintes

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evocações à forma como o professor se conduzia em meio aos livros e leituras, como

“dádivas”, que não tinham preço.

O objetivo principal de Pennac ao citar as palavras da ex-aluna de Perros, é

apresentar um modelo possível de como se deve trabalhar a leitura literária na escola.

Vemos, pela descrição da aluna, que nem tudo eram flores naquela escola, que o

professor é desorganizado e tem várias excentricidades. Dá-nos também a impressão de

que seu nível social e econômico não é dos mais elevados. Todavia, a correta atitude do

professor e sua preocupação com o que há de essencial faz uma enorme diferença. Ele

não exige que leiam: lê. E nessa leitura, aparentemente despretensiosa, vai despertando

o apetite de seus alunos. Desperta o escutador de histórias que há em todos nós. Um

pouco mais adiante, a já mencionada leitora reflete que o professor não fazia além dos

outros, mas fazia diferente: “sob certos aspectos, fazia mesmo muito menos. Só que não

nos entregava a literatura num conta-gotas analítico, ele a servia a nós em copos

transbordantes, generosamente... (PENNAC, 1992, p. 86).

A respeito da técnica de Perros há muito o que se ler na obra de Pennac e

não pretendemos esgotá-lo aqui. Para a aluna, o mais importante nas aulas de Perros era

o fato de que ele lia em voz alta. O capítulo 37, significativamente, contém apenas uma

citação poética de Perros: “A leitura, ressurreição de Lázaro, levanta a lápide das

palavras.” (PENNAC, 1992, p. 90) Na análise do perfil de Perros, diz-nos esse autor que

o professor Perros ofertava aos alunos, como um milagre, o que de mais sabia, que era

ler por prazer. Há um pensamento inconcluso de Pennac, uma omissão intencional que

inevitavelmente ecoa em nosso entendimento: “Ler é algo que se aprende na escola.

Gostar de ler...”(idem, p. 79). Perguntamo-nos: porque a escola falha nesse ponto?

Provavelmente porque o “gostar”, o prazer, não encontra muito espaço nesse ambiente.

Tudo é feito muito seriamente, por motivos puramente científicos, mercantis e

pragmáticos. O professor deve ser um cérebro e não um ser humano integral. Torna-se

uma forma imperfeita onde o aluno é fundido.

Evoco aqui, para ratificar o pensamento de Pennac, uma reflexão de Rubem

Alves (1994) destinado aos educadores e que direcionamos, diretamente, nesse estudo,

aos professores de Língua Portuguesa:

[...] lembrem-se de que vocês são pastores da alegria, e que a sua responsabilidade primeira é definida por um rosto que lhes faz um pedido: ‘Por favor, me ajude a ser feliz... (ALVES, 1994, p. 15)

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A leitura literária deve ser apresentada, portanto, como um portal para a

felicidade. De modo algum o professor deve se esforçar para separar a alegria do

processo de ensino-aprendizagem, sob pena de fracassar em seus esforços. A

aprendizagem deve ter suas raízes na alegria e desta deve brotar espontaneamente.

Poucos professores ousariam dizer que a leitura de bons textos literários não

é importante na formação do ser humano. Quando indagados, porém, sobre se leem

pouco ou muito, costumam alegar falta de tempo. De fato, numa sociedade mercantilista

e apressada como a nossa, torna-se pertinente que cidadãos pouco valorizados sejam

obrigados a sacrificar o tempo que deveria ser livre na busca por melhores condições

financeiras. Todavia, Pennac chama nossa atenção para um aspecto importante do que

significa a falta de tempo. Eis sua afirmação inusitada:

A partir do momento em que se coloca o problema do tempo para ler, é porque a vontade não está lá. Por, que se pensarmos bem, ninguém jamais tem tempo para ler. Nem pequenos, nem adolescentes, nem grandes. A vida é um entrave permanente à leitura. (PENNAC, 1992, pág. 118)

Apesar de verdadeiro o que disse Pennac, não podemos fechar os olhos para

o fato de que realmente alguns educadores, devido a vida corrida e o compromisso com

duas ou mais escolas, não dispõem de tempo para a leitura prazerosa. Todavia, a

simples concessão de tempo para esses profissionais não seria suficiente. Antes de

precisar de tempo estes precisariam de vontade. Sem vontade, continuariam a não ter

tempo. Com vontade, porém, acharão tempo onde ninguém o vê e batalharão para que

oficialmente lhes seja concedido esse tempo a que têm direito.

A necessidade de professores-leitores, verdadeiramente capazes de

transformar não leitores em leitores é tão premente que não podemos nos dar ao luxo de

passivamente esperar por melhores dias – quem sabe, utópicos – em que disporemos de

condições estruturais e financeiras para que tais mudanças aconteçam em todo o país ou

em nosso estado. Esforços isolados, individuais, necessitam ser feitos. Estes esforços

pontuais multiplicados podem vir a constituir uma rede composta por pessoas

conscientes, interiormente fortalecidas pela leitura, capaz de subverter o sistema

alienado e alienante. Talvez a parte áurea da obra esteja no que Pennac denominou de

“Direitos imprescritíveis do leitor”, que vai do direito de não ler ao direito de calar. Na

receita fornecida por Pennac, fica claro que a atitude do professor e seu envolvimento

radical e prazeroso com a literatura, tem tudo a ver com o sucesso na transformação de

não leitores em leitores ávidos. Ou nos livramos de conceitos equivocados, em relação

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às responsabilidades com a leitura, ou vamos desenvolver em nossos alunos uma

aversão à leitura literária.

Sua ideia é que a leitura jamais deve ser imposta. Com ele, acabam-se as

enfadonhas fichas de leitura, a obrigação de ler capa a capa tais e tais livros, a cobrança

de resumos... em suma, a “seriedade” na leitura. Leitura tem a ver com diversão, com o

coração e não com o cérebro. Tudo deve convergir para o professor, para o

florescimento de alguém contaminado pelo vírus da leitura, capaz de contagiar os sob

seus cuidados. Para isso, os principais responsáveis pelo setor educacional devem deixar

de tentar fazer do educador apenas um reprodutor de ideias, uma espécie de operário de

fábrica, limitado e eficiente no cumprimento de funções específicas. Há necessidade de

um maior processo de humanização na formação dos educadores e na criação de

condições de vida que lhe permitam ser um reflexo daquilo que esperam dos educandos.

Urgente se faz repensar como estamos apresentando aos nossos alunos o texto literário

enquanto um dos gêneros textuais exigidos pelos PCN.

2.3 O texto literário como pretexto para o ensino de Língua Portuguesa - I

O ensino funcional dos gêneros textuais cumpre importante papel pedagógico e

constitui hoje, conforme direcionamentos dos PCN, a base para o desenvolvimento da

competência linguística:

Formar escritores competentes supõe, portanto, uma prática continuada de produção de textos na sala de aula, situações de produção de uma grande variedade de textos de fato e uma aproximação das condições de produção às circunstâncias nas quais se produzem esses textos. Diferentes objetivos exigem diferentes gêneros e estes, por sua vez, têm suas formas caraterísticas que precisam ser aprendidas. (BRASIL, 1998, p.49)

Tendo em vista a variedade quase infinita de gêneros discursivos e textuais,

o professor é instigado a optar pelos mais relevantes ao meio letrado e tecnológico em

que vivemos. Todos cumprem papeis necessários dentro da engrenagem social (criam

pontes) e são claramente especificados pela escola; têm caráter pragmático, com

exceção do texto literário, onde o belo faz epifania e (e)leva o leitor a uma interação de

caráter transcendental consigo mesmo.

Dentro de cada disciplina o texto, seja ele qual for, tem um caráter

formativo e informativo. O texto literário, no entanto, mesmo atingindo de modo

subliminar ou incidental estes alvos, visa primordialmente um algo mais, indizível,

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meio que desnecessário à vida em sociedade e, num certo sentido, potencialmente

perturbador da ordem. Objetiva, no dizer de Barthes, o prazer, mas principalmente a

fruição. Acerca disso, Barthes (1996) explica:

Texto de prazer é aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto de fruição é aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta, faz as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gastos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem. (BARTHES, 1996, p.21)

Barthes apresenta um ideal de leitura do qual a escola pública parece estar

distante. Ao falar de “euforia” na leitura do texto literário e de “leitura confortável” –

aspectos apresentados pelo autor como pertencentes a um estágio inferior dos objetivos

de leitura – Barthes fala de um alvo muito cobiçado principalmente pelos professores de

língua portuguesa. Contribuir para que o aluno alegre-se com o texto literário não já

parece o máximo? À primeira vista, sim. Mas Barthes vai além e mostra que a literatura,

desejavelmente, pode conduzir o leitor a alterar seus paradigmas, a angustiar-se e a

sentir a dor inerente a todo processo de crescimento. Numa escola estabelecida para fins

práticos, que visa manter determinadas estruturas, prazer pelo prazer e fruição não

figuram como prioridades, como acontecia em A República, de Platão. A busca

individual do prazer se oporia aos objetivos maiores de A República, que sempre

prioriza o coletivo e vê no processo educativo apenas um meio de alcançar os objetivos

últimos desta. Quanto à fruição, poderia conduzir à desordem e à destruição do mundo

perfeito imaginado por Platão.

Moisés (2007) em Poesia & Utopia fala a este respeito. O autor inicia seu

ensaio refletindo sobre dados otimistas a partir de pesquisas empreendidas na Internet,

que resultou em milhões de referências ao termo “Poesia”; fala sobre a relevante

presença do gênero em currículos escolares de todos os níveis e concursos, concluindo:

“[...] a julgar por todos esses indícios, a velha arte de Homero e Vergílio continua, no

terceiro milênio, a ter presença marcante na vida de grande número de pessoas.”

(MOISÉS: 2007, p. 13). O autor faz questionamentos que julga essenciais ao bom

andamento e entendimento da obra, afirmando:

Que papel representa para nós, hoje, o que chamamos poesia? Que espécie de realidade entrevemos ou julgamos entrever num poema, por exemplo, quando dele nos acercamos para ouvir a voz do poeta? Que relações mantêm entre si a realidade “poética” e a “outra”, esta a que todos estamos presos, antes e

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depois, ou para aquém e para além do nosso contato com a poesia? (MOISÉS, 2007, p. 13)

Nesta mesma obra, em resposta à pergunta “Para que serve a poesia?”

Moisés nos mostra que, diferentemente dos demais gêneros textuais, o texto literário, de

natureza poética, não tem algo objetivo, “útil”, a mostrar. O que “ensina é apenas um

modo de ver. A coisa vista, ou por ver, ficará a cargo de quem lê.” (p.15).

Textos não-literários trabalhados na escola têm objetivos definidos, e visam

o acúmulo e correta apreensão do saber cientificamente estabelecido; exigem não

apenas clareza do entendimento, mas a formação de cidadãos úteis ao bom

funcionamento da engrenagem social. Contrariamente a tudo isto, diz-nos Moisés:

A poesia não espera e não aceita que conhecimentos se acumulem para formar um todo homogêneo e coeso; para a poesia, esse todo não passa de miragem ou impostura. [...] Em matéria de conhecimento, desde que se trate de poesia, o único pré-requisito é estar apto a ver, enquanto ato inaugural, a semente de qualquer árvore do saber. A poesia, em suma, sempre atuou e continuará a atuar no sentido contrário ao esforço dos séculos, que veio culminar na entronização da idéia de que o ser humano não passa de máquina que produz e consome [...] (MOISÉS: 2007, p. 22, itálicos do autor).

Conforme nos mostrará Moisés (2007), foi por causa deste distanciamento

da racionalidade e da objetividade – devido seu potencial para a subversão e anarquia –

que a poesia não encontrou guarida na utópica cidade idealizada em a República, obra

milenar escrita por Platão, “Documento datado e uma das matrizes do modo de ver em

que, ainda hoje, assenta a civilização a que pertencemos.” (MOISÉS, 2007, p 27)

Naquela república não pode haver lugar para a imprecisão, ociosidade e

instabilidade; os sentimentos e deslumbramentos individuais indisciplinados e

imprevisíveis devem ser sacrificados em nome de um bem maior. Nela, os educadores

cumprem um papel primordial. Na escola regida por filósofos, o devaneio não tem

espaço: “Verdade” e “Justiça” são os pilares, óculos e viseiras. O autor de Poesia &

Utopia mostra-nos as razões apresentada pelo filósofo para o banimento da poesia em a

República:

Como o poeta não se empenha em distinguir o falso do verdadeiro, o injusto do justo, o ímpio do virtuoso, pintando com as mesmas e convincentes cores a uns e outros, daí segue que a poesia promoverá, no ouvinte, a mesma indistinção, a mesma confusão dos retos valores que sustentam a Pólis. Se o efeito indesejado se limitasse àquele instante fortuito em que o cidadão se entretém com a voz do poeta, de modo que, antes e depois, os trabalhos da República prosseguissem, inabaláveis, talvez não houvesse muito que

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objetar. Mas, e Platão o sabe, a voz do poeta costuma ecoar, em longos e imprevisíveis desdobramentos; confusão e indistinção, dessa ordem, tendem a se alastrar. O filósofo não tem alternativa senão desterrar o poeta.

(MOISÉS, 2007, p. 34)

Poesia & Utopia mostra o quanto nosso modo de ver o mundo foi

influenciado pelos ideais platônicos e se reflete na busca de seus ideais. Felizmente, ao

contrário do que ocorreria na fantasiosa república de Platão, a poesia resiste a toda

oposição que lhe foi devotada ao longo dos séculos e parece cada vez mais forte em

nosso meio, sendo, mais que um componente curricular, uma “parceira ou coadjuvante

da pedagogia”. (MOISÉS: 2007, p. 15). Isto acontece porque ela promove um modo de

olhar diverso do pedagógico - um desver ou necessidade de rever que faz o visto parecer

cegueira -, um caminhar por rumos não preestabelecidos que conduz a lugares incertos.

E nisso se constitui em algo antipedagógico, embora essencialíssimo à ampliação da

visão de mundo. Os norteamentos pedagógicos visam promover o modo certo de

observar, necessário ao bom funcionamento do mundo, ao passo que o olhar poético

prioriza a visão individual, anárquica, sem alvos claros que, em alusão à metáfora

bíblica (Êxodo 3:1-4), vê a sarça a arder sem consumir-se e a produzir epifanias; que,

em miragens, fere com o cajado da palavra a pedra do deserto e dessedenta a alma. Diz-

nos Moisés (2007):

[...] o ensinamento poético resulta em ser uma antipedagogia. [...] A poesia ensina que o todo não é a soma das partes; é, antes, cada edifício contido em cada tijolo. (A lógica formal não teria por quê, nem como, quantificar os dados fornecidos pela excêntrica lógica poética.) Em matéria de conhecimento, desde que se trate de poesia, o único pre-requisito é estar apto a ver, enquanto ato inaugural, semente de qualquer árvore do saber. A poesia, em suma, sempre atuou e continua a atuar no sentido contrário ao esforço de séculos, que veio a culminar na entronização da idéia de que o ser humano não passa de máquina que produz e consome; que veio a culminar na devastação concertada e consentida, hoje designada por globalização. (MOISÉS, 2007, p. 22)

Segundo Moisés, a poesia nos ensina “a ver como se víssemos pela primeira

vez” e acrescenta: “o poeta nos induz a conviver com a aparente tautologia segundo a

qual para ver é preciso saber ver, não basta olhar para as coisas (supostamente) já vistas

e catalogadas por outrem” (MOISÉS, 2007, p. 22).

Em suma, o texto literário, especialmente de viés poético, cumpre na escola

uma função que transcende a função meramente pedagógica a que todo texto nela se

destina, não apenas preenchendo vazios deixados por esta perspectiva, mas burilando-a

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em aspectos potencialmente nocivos à subjetividade. Por meio do texto literário, é

possível que a emoção humana possa garantir seu espaço, desenvolvimento e

permanência na instituição escolar. Entretanto, temos que ter o cuidado de estabelecer

estratégias adequadas para a sua exploração e não sujeitá-lo a exemplificações de uso da

norma padrão, pois, como verificamos na intervenção, a literatura se utiliza das mais

diversas formas de expressão em nossa língua.

2.4 O texto literário como pretexto para o ensino de Língua Portuguesa – II

Percebemos que o fracasso em leitura e escrita, ao menos em anos iniciais,

tem a ver também com o modo como se ensina língua portuguesa. Muitos professores,

apesar dos avanços no campo da Linguística, continuam a achar que ensinar gramática é

o caminho para que se aprenda Português. A leitura, pois, principalmente de textos

literários, não ocupa lugar prioritário e quando estes são utilizados é de maneira

inadequada como pretexto para o ensino de conteúdos gramaticais. Observe o que diz

Rezende (2008) :

O professor, ao usar textos em aula para a gramática e para interpretação de texto, ao mesmo tempo, afasta o aluno da leitura. Ao fazer isso, o mestre quer ministrar dois conteúdos em uma única vez; no entanto, entedia o aluno com um aula técnica e abundante em regras. [...] (REZENDE, 2008, p.2)

Eis parte da resposta para o porquê de nossos alunos, após 10, 11 anos de

estudo, revelarem tão pouca proficiência em leitura e escrita. A metodologia adotada

por professores de língua portuguesa do ensino fundamental, geralmente voltada para o

ensino de teorias gramaticais, não contribui para o desenvolvimento do gosto pela

leitura e pela literatura. Tais professores pouco utilizam textos literários e quando o

fazem é com o pretexto de trabalharem a norma padrão. Santos (2010, p. 259), a partir

de observações feitas em aulas de Língua Portuguesa de um sexto ano das quais

participou como ouvinte, escreveu em Práticas de leitura na escola: concepções e

abordagens:

[...] a atividade árida e tortuosa de enfrentamento de palavras que é chamada de leitura em sala de aula está longe de ser uma atividade prazerosa e, por mais que essa seja uma prática de leitura já legitimada pela tradição escolar, não se constitui na leitura esperada, dentro e fora da sala de aula. Cabe frisar que, como geralmente ninguém gosta de fazer uma atividade da qual não

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consegue extrair algum sentido, ler não costuma ser uma boa tarefa escolar: para a maioria dos alunos ela é difícil demais, justamente porque não faz sentido. [...] (SANTOS: 2010, pág. 259)

E é justo isso que devemos evitar em sala de aula: o uso tortuoso da leitura,

desviada de seus fins, que é o de ampliar a sua visão de mundo. Conforme os PCN, os gêneros literários apresentam suas especificidades e, dentro dessas especificidades, há a real necessidade de que sejam levados à sala de aula, ou seja,

É importante que o trabalho com o texto literário esteja incorporado às práticas cotidianas da sala de aula, visto tratar-se de uma forma específica de conhecimento. Essa variável de constituição da experiência humana possui propriedades compositivas que devem ser mostradas, discutidas e consideradas quando se trata de ler as diferentes manifestações colocadas sob a rubrica geral de texto literário. (BRASIL, 1997, p. 29)

Uma vez funcionando como um repositório de experiências humanas, o

texto literário ainda abre caminhos para o aprendizado da Língua Portuguesa,

fornecendo ao aluno a possibilidade de perceber nele, não somente a norma padrão, mas

também as variações linguísticas que podem ocorrer em função do estilo do autor.

Desse modo, os PCN chama a atenção para a especificidade do texto literário, para que

não caiamos no erro de o tratarmos como um texto igual aos outros, uma vez para ser

compreendido necessita muito mais que uma simples dissecação de sentidos isolados de

palavras que o compõem. O “ensino da literatura ou da leitura literária” deve ser feito

considerando as suas especificidades e contextualizações, sob pena de podarmos as suas

significações e, ao invés de estarmos contribuindo para a formação cidadã dos nossos

alunos, torná-los cada vez mais apáticos, distanciando-os do gosto pela leitura. E privá-

los de sentir o gosto pela leitura é retirar-lhe o prazer de usufruir um bem que deve ser

de todos.

Em seu ensaio O direito à literatura, o crítico literário e sociólogo Antonio

Candido, após discorrer sobre a importância dos direitos humanos básicos, de natureza

material, chama a atenção para o papel igualmente importante que a ficção tem na

formação do ser humano. A respeito dos bens incompressíveis (que não podem ser

negados), diz ele:

“[...] são bens incompressíveis não apenas os que asseguram a sobrevivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integridade espiritual. São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia, o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a resistência à opressão etc. e também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura.” (CANDIDO, 2004, p. 174)

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Para o autor não há povo nem homem capaz de viver sem algum tipo de

manifestação literária. Esta necessidade se manifesta “desde o devaneio econômico ou

econômico no ônibus até a atenção fixada na novela de televisão ou na leitura seguida

de um romance.” (2004, p.175). Diariamente, conforme mostra Candido,

independentemente do grau de formação, necessitamos de alguma dose de ficção ou

fabulação. Por tratar-se de uma carência universal, deve ser vista como um direito, pois

ao mostrar-se capaz de “dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos

humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar nossa humanidade.” (CANDIDO,

2004, p. 186).

Além do papel imprescindível que tem na formação da personalidade

humana, Candido nos apresenta uma segunda razão para darmos importância à

literatura: ela “pode ser um instrumento consciente de desmascaramento, pelo fato de

focalizar as situações de restrição dos direitos, de negação deles, como a miséria, a

servidão, a mutilação espiritual”. (CANDIDO, 2004, p.186). ou seja, a literatura é,

basicamente, um direito humano e, portanto, pode influenciar no processo de

humanização dos alunos que em nossas mãos chegam, necessitados de um

conhecimento que faça sentido em suas vidas.

A literatura humaniza e melhora o ser humano não no sentido de torna-lo

bonzinho, como às vezes pretende a escola. Melhora-o no sentido de promover o

desenvolvimento de suas capacidades. Ela “não corrompe nem edifica, portanto; mas,

trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza

em sentido profundo, porque faz viver". (CANDIDO, 2004, p.176)

Uma vez que a literatura é alimento da natureza humana, necessário ao seu

desenvolvimento e sobrevivência, compete à escola contribuir para que esta necessidade

seja adequadamente satisfeita. A partir desta perspectiva, o texto literário não pode ter

papel secundário no processo ensino-aprendizagem. Despertar o gosto do aluno por

conteúdos literários relevantes à sua formação humana e iniciá-lo neste processo passa a

ser algo indispensável. E nos perguntamos: e o ensino da gramática? Consideramos

imprescindível para a compreensão leitora e para a expressão de cada aluno. Desde que

seja devidamente explorada através de estratégias válidas, o ensino da gramática de

nossa língua pode e deve fazer parte das aulas de Língua Portuguesa, para que possamos

diferenciar as variações de uso, tanto na fala quanto na escrita. O que queremos aqui

ressaltar é que o texto literário não serve para tal fim, pois há uma plurissignificação

nele implícita que foge às explicações normativas da língua.

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E qual então a importância do trabalho com textos literários em sala de

aula? Para que servem? Vários autores, como Hélder Pinheiro, Marisa Lajolo e

Averbuck, apresentam o gênero poético como fundamental para despertar no aluno o

gosto pela leitura. Os PCN, também, dão ênfase à importância de se trabalhar com

textos literários de natureza poética em sala de aula. O trabalho com o texto poético

representa uma oportunidade de ruptura com a abordagem científica que se costuma dar

à palavra em todas as disciplinas, inclusive na de Língua Portuguesa. Os PCN justificam

a necessidade deste trabalho apresentando as seguintes razões:

[...] Nesse processo construtivo original, o texto literário está livre para romper os limites fonológicos, lexicais, sintáticos e semânticos traçados pela língua: esta se torna matéria-prima (mais que instrumento de comunicação e expressão) de outro plano semiótico. na exploração da sonoridade e do ritmo, na criação e recomposição das palavras, na reinvenção e descoberta de estruturas sintáticas singulares, na abertura intencional a múltiplas leituras pela ambiguidade, pela indeterminação e pelo jogo de imagens e figuras. Tudo pode tornar-se fonte virtual de sentidos, mesmo o espaço gráfico e signos não-verbais, como em algumas manifestações da poesia contemporânea. (BRASIL, 1998, p. 27).

O texto poético leva a linguagem a transcender seus limites habituais,

lineares e utilitaristas. Expõe o aluno a possibilidades de compreensão e leitura que

enriquecem sua competência linguística. Pela natureza de seus objetivos, tal trabalho

exige um tratamento diferenciado e jamais deve ser visto como oportunidade para

exploração de conteúdos gramaticais. Deve visar fruição e o desenvolvimento de

sensibilidades. A respeito do aluno, o poeta Carlos Drummond de Andrade observa:

A escola não repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poeticamente o conhecimento e o mundo [...]. O que eu pediria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas, e depois como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética. (apud AVERBUCK, 1988, p. 66-67)

Para Drummond, a poesia na escola, ainda hoje tão desprestigiada, faz-se

imprescindível porque atende a uma carência humana, a do “ser poético”; não deve ser

vista apenas como uma das lacunas a serem preenchidas e sim ganhar proeminência

entre os estudos. A partir de uma visão transcendente da palavra - para além das amarras

gramaticais - o aluno estaria mais predisposto e apto a outras leituras.

Mais que o exercício de um modo peculiar de ver o mundo, o contato com o

texto poético permite ao aluno o desenvolvimento de um estilo de vida. Gebara (2011),

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diz-nos que, o ensino de literatura pelo viés da poesia é a forma pela qual os professores

possibilitam seus alunos a aguçar todos os sentidos até chegarem a uma compreensão da

realidade que os cerca.

A poesia, portanto, aprofunda os campos da subjetividade humana levando

o homem a autossuperação cognitiva. Ao ver o outro e ver-se a si mesmo nos poemas, o

aluno/leitor é posto em situações de alteridade e tem a possibilidade de ampliar o

desenvolvimento das potencialidades e de aspectos humanitários, como empatia.

Em suas pesquisas, Hélder Pinheiro constatou que “a maioria dos

professores de português e literatura não procura despertar o senso poético no aluno,

não se interessa por uma educação da sensibilidade de seus alunos. Esta questão para

muitos, sequer é colocada” (PINHEIRO 1995, p.15). Outros professores, conforme

observa o autor, quando não subutilizam a poesia para propósitos gramaticais, exigem

do texto poético funções que este não deveria ter.

Ainda conforme PINHEIRO (1995, p.18) “a poesia tem a ver

fundamentalmente com a expressão do sentimento e da emoção: e esse sentimento e

emoção são particulares, ao passo que o pensamento é igual.” É preciso, pois, eximir a

poesia de qualquer caráter panfletário e utilitário. Deve-se exigir do texto poético

apenas que ele ofereça a possibilidade de fruição e de desenvolvimento de novas

percepções de mundo. Adequadamente trabalhados, os gêneros poéticos trarão à escola

a dimensão do prazer. Conforme HUIZINGA (2001, p. 134) “[...] A poesia está para

além da seriedade. [...] a poesia nasceu durante o jogo e enquanto jogo – jogo sagrado

sem dúvida, mas sempre, mesmo em caráter sacro nos limites da extravagância, da

alegria e do divertimento.”

O trabalho com gêneros poéticos em sala de aula sempre foi e continua sendo de

grande necessidade. Visto como desnecessário, irrelevante, pouco útil ou apenas como meio

para alcance de fins escusos, o texto poético tem hoje o respaldo das ciências sociolinguísticas;

o reconhecimento de sua importância aparece nos PCN, conforme vimos, e é corroborado por

centenas de acadêmicos em todo o mundo. Alguns educadores talvez imaginem que, numa

época de tantas facilidades tecnológicas, em que a literatura parece estar ao alcance de um

clique, o trabalho com a linguagem poética já não seja tão necessário. Todavia, para alguns

estudiosos, como Alfredo Bosi (2000, p. 260) “A poesia seria hoje particularmente bem-vinda

porque o mundo onde ela precisa substituir tornou-se atravancado de objetos, atulhado de

imagens, aturdido de informações, submerso em palavras, sinais e ruídos de toda sorte”. Cabe à

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escola enfatizar, mais que em épocas passadas, a natureza transformadora e libertadora do texto

poético.

Em função dessa natureza transformadora e libertadora, escolhemos a

poesia para desenvolvermos a nossa intervenção, por considerarmos ser este gênero

textual o que mais dificuldades os professores encontram em utilizar na sala de aula.

Também por considerar as necessidades dos alunos em manter esse contato com a

poesia e suas formas de linguagem diversificadas.

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CAPÍTULO 3

LENDO OS NOSSOS POETAS E A NOSSA REGIONALIDADE

O homem só é amplamente homem quando é regional.

João Cabral de Melo Neto

3. Nesse capítulo, a nossa intenção é traçar um panorama descritivo e

analítico de nos poetas, Jorge Fernandes e Hélio Crisanto, escolhidos para serem lidos

pelos alunos participantes da nossa intervenção. Aqui abordamos os temas e a forma

como eles valorizam e utilizam termos regionalistas em suas poesias, sejam eruditas ou

populares, de forma que os alunos compreendam que a literatura não é somente

construída a partir da norma padrão da língua e, compreendendo isso, possam se

compreender nas suas maneiras de falar e escrever.

Antes de iniciarmos esta etapa, é importante termos em mente o significado

de regionalismo. Diz-nos Araújo:

De maneira geral o regionalismo é uma expressão literária que valoriza peculiaridades locais, tanto no aspecto geográfico quanto cultural. Como afirma Afrânio Coutinho, toda obra de arte é regional quando apresenta como pano de fundo um lugar ou quando parece brotar desse local particular, e em um sentido mais restrito, Coutinho afirma ser regional uma obra que não somente é localizada numa região, como também retira a sua “substância

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real” das particularidades deste lugar, quer dizer, “do fundo natural – clima, topografia, flora, fauna etc. [...] [e] das maneiras peculiares da sociedade humana estabelecida naquela região e que a fizeram distinta de qualquer outra” (COUTINHO, 1955, p. 146-7). O regionalismo “se manifesta em vários momentos da história do sistema literário nacional, agregando ao seu conceito noções como ‘localismo’, ‘pitoresco’ e ‘bairrismo’” (ARAÚJO, 2008, p. 119).

Conforme veremos, as obras dos poetas Hélio Crisanto e Jorge Fernandes

enquadram-se dentro das características elencadas por Araújo (2008). Segundo afirma

Coutinho (1995, apud ARAÚJO, 2008), além de específica de dada região, a produção

literária regionalista retira os elementos de sua arte do clima, topografia, flora, fauna

etc. A linguagem utilizada por Jorge Fernandes e Hélio Crisanto em seus poemas não se

limita a descrever situações e paisagens bucólicas do interior potiguar; as escolhas

lexicais refletem este desejo de retratar o mais fielmente possível os elementos de sua

cultura.

3.1 O regionalismo nas obras de nossos poetas

Desde os primórdios a produção literária regionalista1 teve que enfrentar os

desafios determinados por suas peculiaridades e subsistir à margem da crítica

especializada que sempre a viu com reservas. Todavia, ao invés de ser relegada ao

esquecimento como foi pretendido, se foi adaptando aos novos tempos, libertando-se de

aspectos objetáveis, ganhando em estética e autenticidade, trazendo à luz textos que se

tornaram clássicos e universalmente aceitos. Todavia, em um mundo cada vez mais

monolíngue, produtor de uma literatura que pretende atender a uma demanda cada vez

mais universal, é inevitável que persista o antagonismo à utilização de linguagens e de

temáticas que parecem exceções à regra, contraproducentes e aparentemente contrárias

1 O regionalismo no Brasil teve seu início com os primeiros romances aqui produzidos,

nas obras de José de Alencar e Bernardo Guimarães. Como pontuou Antonio Candido de Mello, “Quanto à matéria, o romance brasileiro nasceu regionalista e de costumes; ou melhor, pendeu desde cedo para a descrição dos tipos humanos e formas de vida social nas cidades e nos campos”. (CANDIDO, 2000, p. 101, v. 2). José de Alencar escreveu dois romances regionalistas: O sertanejo e O gaúcho. Nota-se, nestas obras que em suas manifestações iniciais, as temáticas desenvolvidas não se prendiam a espaços geográficos específicos, como aconteceria posteriormente, por exemplo, nas obras marcadamente regionalistas de José Lins do Rego e de Graciliano Ramos.

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à tendência generalizada de busca por um maior entendimento entre povos e culturas,

comum nos dias atuais. Nas palavras de Lígia Chiappini:

[...] o regionalismo, que setores da crítica literária brasileira consideravam uma categoria ultrapassada, continua presente e, até mesmo [...] tomado tema de pesquisas muito atuais, ganhando uma amplitude maior na intersecção dos estudos literários e artísticos, históricos e etnológicos (1995, p. 153).

A visão negativa que ainda se tem sobre produções regionalistas – atrelada

ao preconceito linguístico e dele decorrente – fundamenta-se em argumentos frágeis,

tão objetáveis quanto aqueles que tentam desclassificar ou destruir modos de falar

próprios das camadas populares. Os autores Jorge Fernandes e Hélio Crisanto,

juntamente com muitos outros que empunham ou empunharam a bandeira do

regionalismo, mostram que é cada vez mais possível ser regional sem obstáculos à

pretensão de ser universal, embora muitos destes autores pretendam apenas dar vazão às

impressões deixadas por sua gente, tendo como público alvo apenas sua gente e àqueles

de algum modo a ela relacionados, na linguagem que lhe é própria. Isto ocorre graças

aos crescentes avanços tecnológicos, demolidores de distâncias e de barreiras

linguísticas e da quebra de fronteiras dentro do que se configurou, por muito tempo,

como literatura erudita e literatura popular.

O preconceito linguístico e a secular tentativa de dar homogeneidade ao

português falado e escrito no Brasil, fez com que a literatura regionalista recebesse

severas críticas desde o início. Em suas pesquisas, Valerius (2010, p. 77) diz haver

[...] detectado na crítica uma forte tendência em considerar o regionalismo stricto sensu como manifestação literária de menor valor artístico. Muito provavelmente porque a tentativa de reprodução da linguagem das personagens regionais pecava contra o caráter de belas letras da literatura, vigente por muito tempo, enquanto a conformação dessa linguagem à norma culta acaba conferindo maior literariedade ao texto.

Segundo Valerius (2010, p. 64) o termo regionalismo, no Brasil, é uma

construção crítica do movimento modernista, que abarca as obras que tratam do tema

desde o romantismo brasileiro. Inicialmente, foi combatido por Mário de Andrade por

temer que a visão localista abafasse as pretensões de uma literatura homogênea,

universal. No dizer dele, Mário de Andrade via uma incompatibilidade entre as

limitações de uma literatura localista e o vanguardismo pregado por eles.

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Valerius observa, ainda, que a produção literária de cunho regionalista não é

algo peculiar à literatura produzida no Brasil; trata-se de um fenômeno observado em

todo o mundo. Assim como ocorre no Brasil, chega a ser visto em outras culturas

literárias como empecilho à globalização. No entanto, não perde o seu vigor e, muitas

obras, pela grandeza dos temas, atingem o patamar do universal, como é o caso dos

nossos regionalistas de 30 e, posteriormente, Guimarães Rosa. Em suas palavras:

Sabemos que a escrita regionalista continua presente não apenas em nossa literatura, mas nos mais diversos sistemas literários espalhados pelo mundo, contrariando, inclusive, a política econômica e cultural do processo de globalização que vige mais fortemente nas últimas três décadas. Devemos procurar entendê-lo, portanto, não como uma tendência anacrônica ou como sinônimo de literatura menor, mas como um fenômeno literário dinâmico que se encontra em constante processo de transformação. (VALERIUS, 2010, p. 79)

A acusação de que a literatura regionalista é desagregadora e contrária a um

projeto de nacionalidade parece não se sustentar. Para Moreira (2012), trata-se de um

falso antagonismo entre particular e geral e de uma ideia equivocada de universalidade,

fundamentada em fatores geográficos e socioeconômicos favoráveis a determinados

grupos culturais e prejudiciais a outros com menor poder de decisão. Diz-nos ele o

maior problema estaria na temática que, para ser universal, teria que ser urbana, ou seja,

“Dentro dessa perspectiva, para ser universal havia que ser urbano e referir-se a uma

existência reconhecível pelas classes médias urbanas e as elites mundiais”. (MOREIRA,

2012, p. 26 – 27)

Trata-se, pois, de uma visão nitidamente preconceituosa que privilegia

certos modos de fazer literatura e, consequentemente, marginaliza manifestações

literárias igualmente valiosas, detentoras de características diferenciadoras. Lígia

Chiappini reflete sobre as dificuldades enfrentadas pelos autores regionalistas. Se o

poeta, como disse Pessoa, é um fingidor – e por extensão poderíamos dizer que todo

escritor de literatura é um fingidor – os autores regionalistas enfrentam enorme desafio,

pois precisam ser bastante convincentes a um público hostil e preconceituoso.

Chiappini (1995) refletiu a este respeito, dizendo:

O regionalismo lido como uma tendência mutável onde se enquadram aqueles escritores e obras que se esforçam por fazer falar o homem pobre das áreas rurais, expressando uma região para além da geografia, é uma tendência que tem suas dificuldades específicas, a maior das quais é tornar verossímil a fala do outro de classe e de cultura para um público citadino e preconceituoso que, somente por meio da arte, poderá entender o diferente como

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eminentemente outro e, ao mesmo tempo, respeitá-lo como um mesmo: "homem humano". (p. 157)

Em 1926 aconteceu em Recife o Primeiro Congresso Brasileiro de

Regionalismo. Seu principal organizador, o sociólogo e ensaísta Gilberto Freyre, fez a

leitura de um texto próprio que intitulou de Manifesto Regionalista no qual buscou

condensar ideias favoráveis à conservação e promoção das diferentes produções

culturais existentes no Brasil. Nesta leitura e preleção que provocou tantos debates em

anos posteriores, o conferencista tratou, em termos gerais e específicos, da importância

de se preservar a culinária, paisagens, arquitetura, vestuário, danças e formas de lazer

próprias de cada região. O autor buscou deixar claro que não se tratava de bairrismo ou

tentativa separatista, mas de uma flexibilização do sistema literário brasileiro, de modo

a atender as especificidades criadoras de seus escritores e assim se promover

“criadoramente numa verdadeira organização nacional”. (FREYRE, 1996, p.48)

Sua pretensão, conforme esclarecido acima, era fazer com que o Brasil fosse

apresentado e valorizado com base naquilo que ele realmente era: multifacetado e rico

em sua diversidade regional. Não seria eliminando diferenças nem buscando se alinhar

com os avanços culturais internacionais que se chegaria a uma unidade nacional

pretensamente progressista. Conforme dirá no resto do parágrafo, as peculiaridades

culturais de cada estado brasileiro deveriam ser ampliadas e em seguida regionalmente

articuladas em um todo fortalecedor que garantisse sua permanência e vigor diante da

nação e do mundo. Ao invés de desprezo pela identidade popular em nome de uma falsa

evolução cultural, deveria haver uma reflexão mais aprofundada, visão positiva e

apologética dos regionalismos,

[...]Pois são modos de ser - os caracterizados no brasileiro por suas formas regionais de expressão - que pedem estudos ou indagações dentro de um critério de interrelação que ao mesmo tempo que amplie, no nosso caso, o que é pernambucano, paraibano, norte-riograndense, piauiense e até maranhense, ou alagoano ou cearense em nordestino, articule o que é nordestino em conjunto com o que é geral e difusamente brasileiro ou vagamente americano. (FREYRE, 1996, P.48)

O autor buscou mostrar que esta preocupação em salientar o que há de

distinto em nossa cultura era algo já experimentado com êxito em outros países.

Portanto, escritores brasileiros contemporâneos não deveriam olhar com reservas ou

temor para o que estava sendo proposto. Antes, deveriam se unir à luta pela preservação

da cultura brasileira genuína, fortemente ameaçada. Escreveu Freyre que “regional é a

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poesia de Mistral, regional o melhor ensaio espanhol: o de Gavinet, o de Unamuno, o de

Azorin (FREIRE, 1996, p. 54)

Interessa-nos, principalmente, ver neste importante escrito o que seu autor

diz a respeito da missão dos poetas dentro desta perspectiva multiculturalista. Mostra-

nos o manifesto que a exemplo do que fizera Mistral com a cultura de sua gente, os

poetas brasileiros poderiam e deveriam desempenhar um decisivo papel na defesa e

manutenção dos regionalismos introduzindo-os em suas temáticas. Num trecho em que

apresenta elementos da fauna brasileira e suas relações com o homem, como dignos da

atenção dos artistas, diz que as “Araras, os papagaios de gaiola, os galos, os canários, os

carneiros cheios de fita” e se interroga:

Que é dos poetas do Nordeste que não cantam figuras do vigor ao mesmo tempo regional e humano da de João Ramos, como meu amigo Vachel Lindsay, cantou a figura do General Booth: o general Booth, do Exércíto da Salvação, ‘entrando no Céu? (FREYRE, 1996, p.57)

O nosso poeta Jorge Fernandes, por exemplo, mostrou a possibilidade de ser

nacional e regionalista ao mesmo tempo. Seguiu, na poesia, por rumos parecidos com os

que foram trilhados, na prosa, por Guimarães Rosa. Hélio Crisanto, à semelhança de

Jorge Fernandes, mescla com maestria linguagem popular e erudita. A poesia de ambos

faz enxertia de vocábulos restritos a determinados segmentos – alguns já em avançado

estado de obsolescência – na linguagem poética de maior alcance e assim dão sobrevida

a elementos culturais que julgam valiosos. Por essa razão, vamos conhecer um pouco

sobre cada autor e sua obra:

3.2 Jorge Fernandes de Oliveira

Nascido em Natal – RN em 22 de agosto de 1887 e falecido, nesta mesma

cidade, em 17 de julho de 1953. Iniciou sua carreira literária como poeta e prosador ao

estilo parnasiano. Todavia, rendeu-se aos encantos do modernismo, movimento artístico

criado na década final do século XIX. Em 1927 publicou um livro intitulado Livro de

Poemas de Jorge Fernandes, responsável por sua projeção como precursor do

modernismo no Rio Grande do Norte. A respeito da importância desta obra, diz-nos

Araújo (2008):

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[...] naquele 1928 era posto em circulação o mais importante produto literário potiguar, o Livro de poemas de Jorge Fernandes (1927), livro que chamou particularmente a atenção do autor de Paulicéia desvairada e que possibilitou a inserção do Rio Grande do Norte na história do movimento modernista brasileiro. (ARAÚJO, 2008, p. 19)

Graças a este livro – único que publicou - e participações em vários

periódicos (Revista de Antropofagia e A Cigarra, por exemplo) Jorge Fernandes, com o

aval e promoção do folclorista Câmara Cascudo obteve o reconhecimento e admiração

de pioneiros do movimento modernista. Ao contrapor-se às formalidades do

parnasianismo e da poesia neorromântica, em alta na época, Jorge Fernandes revelou-se

um poeta originalíssimo e foi saudado efusivamente por Mário de Andrade, um dos pais

do modernismo no Brasil. Relata-nos Araújo (1997):

[...] Mário de Andrade registra, no diário do dia 19 de dezembro de 1928, em O turista aprendiz, a sua admiração ante o ‘Livro de poemas’: “O admirável Livro de Poemas que [Jorge Fernandes] publicou no ano passado é isso: uma memória guardada nos músculos, nos nervos, no estômago, nos olhos, das coisas que viveu’. (ARAÚJO: 1997, p. 104)

A originalidade de sua obra deveu-se, entre outras coisas, à combinação

feita entre regionalismo e a liberdade formal própria do modernismo. De acordo com

Gurgel (2001), a poesia modernista de Jorge Fernandes despertou o interesse de Mário

de Andrade porque, além de pertencer a um Estado do Nordeste, sua poesia era criativa,

Elegendo como temas líricos, elementos como avião, operário, máquinas, bondes. Ao mesmo tempo observe-se como, tratando de motivos que normalmente induziam ao enlevo, às divagações românticas, como paisagem sertaneja, moças a se banhar no açude [...], incorporando, quase sempre, nos versos que produz, o elemento da onomatopéia, como se quisesse, com esta sonoridade, ir além do uso da fala coloquial preconizado pela cartilha modernista. (GURGEL, 2001, p. 65)

Trata-se, portanto, de um poeta hoje reconhecido como representante de

uma importante fase da evolução literária no RN.

Jorge Fernandes é considerado o precursor do Modernismo em terras

potiguares2. Ele foi o primeiro poeta do RN a publicar um livro de poemas composto

2 [...] a produção poética local vinha existindo desde o início do século XX, constando entre os

nomes mais importantes até a década de 1930 os de Auta de Souza (1876-1901) e sua única obra Horto (1900), Henrique Castriciano (1874-1947) – que editou vários livros entre o final do século XIX e início do século XX, tais como Ruínas (1899) e Vibrações (1903) –, Othoniel Menezes (1895-1969), autor de Gérmen (1918) e Jardim tropical (1923), Ferreira Itajubá (1876-

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por versos livres de rima e do rigor da métrica à moda tradicional. Por causa das

inovações feitas, causou estranheza em leitores potiguares simpatizantes do

Parnasianismo e Neo-romantismo, então presentes na quase totalidade das produções

poéticas locais. Seu trabalho contou com a aprovação de Mário Andrade, pai do

Modernismo, com quem trocava correspondência e a quem conheceu pessoalmente.

Além disso, de acordo com Araújo (1991, p. 44) seu livro é “o único produto estritamente

literário do modernismo no Rio Grande do Norte”.

Quanto à singularidade de seu trabalho e inserção na proposta do

Modernismo, parece, desde o início, não ter havido nenhuma dúvida. Escreveu Araújo

(1997):

Em todos os discursos da crítica que se refere ao Livro de poemas de Jorge Fernandes, no final da década de 20, aparece o Modernismo como padrão, seja para afirmar a singularidade do poeta, seja para reforçar – no caso dos críticos locais – uma espécie de “independência” do Nordeste com relação ao programa modernista. (ARAÚJO, 1997, p. 112)

Ao mesmo tempo em que seus textos se adequavam à proposta modernista,

mantinham marca própria, e isto fez dele não apenas o precursor do Modernismo no

RN, mas alguém que trouxe algo novo ao movimento. Não apenas optou pela

coloquialidade, conforme preconizado pelo Modernismo, mas introduziu elementos do

vocabulário e das paisagens locais. Outros claros indícios de sua adesão à proposta

modernista foram o emprego de onomatopeias, no poema Té-Téu, por exemplo e de

caligramas, como acontece com o adjetivo “SUSPENSA” no poema, A rede).

Nos dias atuais, a lista de poetas dignos de entrarem para este rol não para

de crescer. Com Jorge Fernandes tivemos uma feliz fusão do regionalismo com o

modernismo e este se tornou um divisor de águas no fazer poético, em terras potiguares.

A partir de seu livro de poemas, percebemos uma evolução no fazer poético. Primeiro,

ele trouxe dignidade à poesia regionalista ao fundi-la com o modernismo. Depois,

percebeu-se que, juntos ou separados, estes modos de expressão poética têm sua

validade e que um, necessariamente, não precisa ofuscar o outro.

1912), que teve publicado postumamente as obras Terra Natal (1914) e Harmonias do Norte (1927), assim como Lourival Açucena (1827-1907), que teve editada a obra Versos (1927). Especificamente já no âmbito do Modernismo, o nome de Jorge Fernandes aparece de forma indelével como matriz de novos parâmetros literários [...] (ALVES, 2011, p. 2)

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Hoje o Rio Grande do Norte dispõe de boas associações e academias

voltadas para a produção poética, como as SPVA, ANLIC e APOESC, por exemplo. A

SPVA (Sociedade de Poetas Vivos e Afins) elenca em seu quadro nomes de destaque e

tem estimulado com êxito a produção poética. A ANLIC (Academia Norte-rio-

grandense de Literatura de Cordel) possui nomes de destaque dentro da poesia popular

nordestina como o de Antônio Francisco, que tem adquirido notoriedade em todo o

Brasil. A APOESC (Associação de Poetas e Escritores de Santa Cruz – RN), fundada

em 2010, abriga, como diz o blog3, “escritores, simpatizantes e colaboradores” e existe

para “congregar amantes da cultura, apologistas e produtores da arte da palavra”. Desta

última, faz parte o nosso próximo poeta.

3.3 Hélio Crisanto

Hélio Gomes Crisanto nasceu em São José de Campestre – RN, em

01.11.1967. Deu seus primeiros passos no sitio Jacú de Órfãos, pertencente ao

município. Em retrospectiva às aventuras e desventuras desta época, Crisanto (2008)

escreveu:

Me criei feliz numa choupana / Revestida de barro e de pau torto / Não sabia sequer o que é conforto / Numa vida singela e puritana / Me alegrava tirando italiana / Cortar folha de palma e tanger gado / Mas troquei esse mundo sossegado / Pelas trevas malignas da cidade / Quer saber o que é felicidade / Vá morar no sertão que fui criado. (CRISANTO, 2008, p. 65)

Aos sete anos, mudou-se com a família para Santa Cruz – RN. Nesta cidade,

onde reside até hoje, estudou, formou-se em geografia pela Universidade Vale do

Acaraú (UVA), casou, foi aprovado em concurso público, e fundou juntamente com

outros poetas a APOESC – Associação dos Poetas e Escritores de Santa Cruz. Além de

poeta, cantor e compositor, Hélio é locutor do programa APOESC em Canto e Verso, na

Rádio Santa Rita FM.

Em versos magistrais, diz-nos o poeta acerca de si:

Eu me chamo Hélio Crisanto Sou artista popular Sou amante da cultura Canto o sertão, canto o mar Sou poeta nordestino

3 http://apoesc.blogspot.com.br/. Acesso em 28/10/2016.

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Aprendi desde menino A arte de versejar Na prole de cinco irmãos Eu fui o quarto gerado Tive a família que quis Sou um privilegiado Estudei geografia Mas a arte da poesia Me deixa mais encantado Me criei numa casinha Coberta de alegria Passava o dia na feira Escutando cantoria Nasci perto de Campestre Bebendo do mel silvestre

Nos favos da poesia [...]4

“Aprendi desde menino/ a arte de versejar”, escreveu Hélio. Ainda na tenra

infância, o senhor Celso Crisanto, seu pai, de memória fabulosa, lia e recitava cordéis

para ele. Na rede ou no campo, à boca da noite e antes de dormir, Hélio encontrava na

prosa paterna sua fonte maior de entretenimento. Graças a ele, viajou nas asas do

“Pavão Misterioso”, ouviu os uivos do “Cachorro dos Mortos”, riu muito com as

“Proezas de João Grilo”, conheceu os encantos da “Donzela Teodora” e sentiu o

coração bater mais forte vendo a “Batalha de Oliveira com Ferrabrás”. Foi assim que

ele, intuitivamente, aprendeu a arte de versejar. Graças a essa sede de poesia despertada

pelo pai, ele “passava o dia na feira / escutando cantoria”.

Além dos versos improvisados que tanto o encantavam, ouvia na voz destes

poetas itinerantes canções que marcaram época no interior do nordeste: “O pai, o filho e

o carro”, “Poema da criança morta”, “O meu ciúme é assim”, “Conselho ao filho

adulto” e dezenas de outras que jamais esquece. Criado, assim, numa atmosfera de

poesia, mudou-se para Santa Cruz em busca de uma vida mais favorável e jamais tentou

se afastar de suas raízes. As sementes literárias lançadas em seu espírito começaram a

germinar ainda na adolescência e resultaram numa floresta de versos que muito encanta

a quem por ela passeia.

4 Biografia em versos, que pode ser lida na íntegra no Blog da APOESC, 2015.

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Conforme expressou nos versos autobiográficos, ele deixa um rastro de

emoção nos caminhos onde trilha. No prefácio do segundo livro do poeta, Prosa de

Cancela, disse o historiador e também escritor André Soares:

Hélio comove, impressiona e aguça os sentidos do leitor que terá uma experiência prazerosa ao desfrutar de seus versos e cenários sertanejos, ecoando a voz de todos os compadres desta cultura, os brejeiros, borboremenses, trairienses, os xique-xiquenses do solo esturricado e todos os baixa-eguenses da gema, reais e autênticos representantes da cultura popular nordestina. (Prosa de cancela, 2014, p. 11)

José da Luz Costa (2008), professor da UFRN e também poeta, disse a seu

respeito: “[...] não tenho dúvida em reconhecer a dimensão prodigiosa da alma artística

de Hélio Crisanto. Nele se associam plenamente o poeta e o músico, o cantor e o

trovador.” (Retrato Sertanejo, p. 13)

De fato, além de brilhante poeta, Hélio tem se mostrado um ótimo

compositor e já foi finalista em alguns festivais. Juntamente com Eduardo, zabumbeiro,

e com Diego, sanfoneiro, criou o Trio Arapuá, de grande aceitação em Santa Cruz e

circunvizinhança. Seu leque de influências tem se ampliado naturalmente. Cada vez

mais têm aparecido convites para que recite ou cante. Em geral, quem o ouve tem

reações parecidas com a de José da Luz.

Convidado pelo autor a dizer algo a respeito de seu trabalho para o livro Retrato

Sertanejo, este pesquisador escreveu:

Hélio, cujo nome significa sol, tem sido uma importante luz dentro da cultura nordestina e provavelmente a mais brilhante em Santa Cruz. Autêntico nordestino e potiguar, nasceu numa casa de taipa em ambiente marcado pela escassez. Todavia, como compensação, e alivio para suas limitações, cresceu numa atmosfera de poesia cuja fonte era seu pai, apesar do pouco que, sem o saber, lançava naquele espírito as sementes de um futuro promissor e treinava um poderoso baluarte para a arte oriunda do povão. Hélio Crisanto é um poeta eclético e também cantor e compositor. Em eventos locais ele se faz presente sempre que chamado e atua com brilhantismo em escolas e eventos mais expressivos despertando pessoas de todas as idades para o que há de melhor em nossa cultura. [...] Suas poesias têm a leveza do bom-humor inocentes, característico da gente simples de meu estado, e o peso de quem conhece bem de perto os dramas vividos pelo povo nordestino. Metáforas riquíssimas permeiam seus poemas e transpõem o que há de mais puro na alma do povo para o coração de quem as lê. Sem dúvida, Hélio é o que temos de melhor em termos de cultura popular! (Retrato sertanejo, 2008, p. 94)”

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A obra poética de Hélio, embora permeada por apelos de caráter universal, é

feita a partir de uma roupagem poética bem característica do Nordeste. Constrói seus

poemas em conformidade com as normas do cordel e das estrofes improvisadas em

cantorias de viola. “Rima, métrica e oração”, são imprescindíveis à estética de seus

versos. Na escolha de vocábulos e de expressões próprias da região em que vive revela

seu apego às raízes e encanto pela cultura popular. Os títulos de suas obras já publicadas

– Retrato Sertanejo e Prosa de Cancela – remetem a esta relação intrínseca do poeta

com a cultura local.

Percebe-se, em seus poemas uma ânsia por registrar e retratar cenários e

objetos próprios da cultura campesina em vias de extinção. Em Casa de matuto, o

autor faz referência a apetrechos e mobílias, nominando-os de acordo com o

vocabulário local. Vejamos que minuciosa descrição faz ele:

A casa do matuto tem, Foice, enxadeco e um pilão, Tem moinho e um porco no oitão, Tem rosário, um pote e moquém, Urupema e uma lata de xerém, Tem papeiro e um silo de farinha, Um caritó, um galo com murrinha, Camiseiro, espingarda e cristaleira, No alpendre um banquinho de aroeira, e um fogo de lenha na cozinha. A casa do matuto tem Querosene, trinchete e rabichola Tem alguidar e um pinto gogó de sola Amolador, rapa-coco e galinheiro Um jumento rinchando no terreiro Tem fueiro, urino e um serrote Oratório, califon e um chicote Carro de boi e um cachorro rabugento Tem arnica que cura passamento E um peba cevando num serrote A casa do matuto tem, Na passagem da frente uma cancela, Tem rapé, lamparina e tem gamela, Chão batido e uma cama de esteira, O café é servido na chaleira, Na despensa um garajal de rapadura, Uma corda de piaba é a mistura, Num guisado de arroz e fava quente, Uma tora de pau faz o batente, E a tramela na porta é fechadura. A casa do matuto tem, Uma janela com vista pro curral, O banheiro é na palhoça e o varal, esticado com fio de cadeira, Tem tripé, lavatório e fofuleira,

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E um papagaio atrepado na parede, Tem anzol, jereré, tampo de rede, Tamborete, gibão, carne de tejo, Tem o cheiro da mata, água do brejo, Onde eu deito e mato minha sede. (CRISANTO, 2008, p. 15)

Preservar e valorizar poeticamente o que o autor chama de “nordestês” é um

dos claros objetivos de toda sua produção.

Desse modo, vemos que a literatura do Rio Grande do Norte5 se mantém

vivificando os temas regionalistas, ao longo de sua trajetória. Podemos pensar que o

poeta Jorge Fernandes, ao utilizar no poema, Briga de teju e a cobra (FERNANDES,

1970, p. 30) vocábulos como “arfando”, “zinem” e “teju”, em meio a uma estrutura

poética modernista, está de certa forma promovendo uma ruptura entre o que pode ser

local e nacional. E assim procede também no poema Viva o sol (p. 31), quando fala da

fauna local, através do canto das aves: desde o predador gavião ao galo de campina, o

canto é o mesmo, como a dizer metaforicamente que não importa as diferenças

existentes entre eles; todos cantam, obedecendo a suas particularidades. Vejamos na

estrofe abaixo:

[...] Grita gavião debaixo do cangaço – garras e bicos afiados – Assobia o teu – viva o sol – concliz! Canta o teu lundum forte – graúna! Canta poeta – plagiador: - xexéu! Faz teu coro chorróóó-boi! Todos os pássaros são poetas neste mormaço... Só não são os engrujados de pé suspenso E bico enfiado nas penas... Só os que cantam contentes são poetas... (FERNANDES, 1970, p. 31)

Também no poema de Hélio Crisanto, Sabença matuta (2008),

encontramos a presença dos fenômenos da natureza, da fauna e da flora regional. Dentro

de um poema popular, o poeta traça os sinais que a natureza reservou para que se

reconheça a presença da chuva no sertão, assim distribuídos:

a) Fenômenos da natureza: carreiro, bolandeira;

5 Gurgel (2001, p. 96) cita a poetisa Zila Mamede e mais sete importantes nomes da poética

potiguar: Augusto Severo Neto, Celso da Silveira, Deífilo Gurgel, Dorian Gray, Luís Carlos

Guimarães, Myriam Coeli da Silveira e Sanderson Negreiros. Estes fazem parte da “Coleção

Jorge Fernandes”, publicada em 1961. Além destes, elenca o poeta Nei Leandro de Castro,

não presente na coleção, mas de grande expressividade literária. Salientamos que todos eles

apresentam traços de sua região em suas produções.

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b) fauna: gambá, tetéu, paturi, mangangá, perereca, caboré, cupim, cururu,

tanajura, bacurau;

c) flora: juazeiro, cardeiro.

A figura do teju que aparece em Jorge Fernandes vai aparecer, da mesma

forma, em Crisanto, como podemos observar no poema Retrato sertanejo, utilizada em

sua variação:

[...] Anunciando o lamento sertanejo Ouvi o canto agourento do carão E uma voz que dizia num clarão Como vento que sopra do além Folhas secas voando no moquém Como cartas que traz informação De saudade, de amor e de paixão De um mundo distante e diferente Um teiú6 engolindo uma serpente Isso é copia fiel do meu sertão. (CRISANTO, 2008, p. 13)

São esses elementos comuns que buscamos apresentar aos alunos

participantes para que percebam a ligação que pode ser feita entre os termos regionais

dentro dos textos literários que seguem a norma padrão da língua. Do poeta Hélio

Crisanto podemos afirmar que, mesmo escrevendo dentro de um modelo de literatura

popular e se utilizando de elementos identificadores de sua região, a maioria de seus

poemas está escrita obedecendo à norma padrão. Mesmo falando do nordestês, ele

afirma, sem sair do bom português:

[...] Já cansei de miunçar Chega de cavilação Que esse nosso linguajar E essa nossa falação É o retrato da cultura Mostrando a literatura Das coisas do meu sertão. (CRISANTO, 2008, p. 17)

6 Etimologicamente, "Teiú", "tiú", "teju", "tejo" e "tiju" são oriundos do tupi, te'yu, "comida de

gentalha". "Teiuaçu", "tejuguaçu", "teiú-açu" e "tejuaçu" são oriundos do tupi teyua'su, "lagarto

grande".

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De posse desses conhecimentos acerca de nosso recorte temático, passamos

à organização de nossa intervenção, para que os alunos participantes sejam estimulados

à valorização da cultura local.

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4 LENDO E ESCREVENDO OS REGIONALISMOS POÉTICOS

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4.1 Como ler nossos poetas em sala de aula? Como apresentá-los e fazer

com que os alunos despertem o interesse pela leitura? Para respondermos a esses

questionamentos, preparamos uma intervenção que atenda a essas respostas. Para a

referida intervenção em sala de aula, optamos por aplicar alguns procedimentos

metodológicos de pesquisa voltados para o questionamento e a investigação, individual

e coletiva, mediados pelo professor, dos aspectos semânticos dos textos literários que

fazem parte do recorte temático desejado. Seguimos uma metodologia de cunho

participativo, aliada à pesquisa-ação, seguindo os conceitos desenvolvidos por Thiollent

(2001). Para tanto, precisamos compreender tais conceitos, partindo do que entendemos

por metodologia e a sua importância para o bom desenvolvimento desta intervenção.

Entendemos por metodologia um conjunto de procedimentos utilizados pelo

professor, em sala de aula, objetivando sempre um resultado positivo de aprendizagem.

Conforme Barros (2007, p.01), a metodologia

consiste em estudar e avaliar os vários métodos disponíveis, identificando suas limitações ou não ao nível das implicações de suas utilizações. A Metodologia, num nível aplicado, examina e avalia as técnicas de pesquisa bem como a geração ou verificação de novos métodos que conduzem à captação e processamento de informações com vistas à resolução de problemas de investigação.

Dentro desse conjunto de técnicas e métodos, optamos por desenvolver uma

pesquisa ação, cujo foco direciona-se para a ativa participação dos alunos e professor

durante o seu desenvolvimento. Embora a pesquisa ação volte-se para o âmbito das

Ciências Sociais, cumpre-se adaptá-la às Humanas, no sentido de que os objetivos que

pretendemos alcançar nessa pesquisa requer, ao mesmo tempo, uma atitude participativa

e responsiva frente ao problema que investigamos. Se queremos que o nosso aluno

compreenda, assimile e passe a ter um pensamento crítico sobre o universo das

variações linguísticas a partir do texto literário, o conceito de Thiollent (2011, p.14)

acerca da pesquisa ação nos dará eixo norteador em busca da solução para essa

problemática, pois

a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação da realidade a ser investigada estão envolvidos de modo cooperativo e participativo.

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Neste sentido, começamos por estabelecer a ação, definir os seus

respectivos agentes, definir metas a serem alcançadas e aplicar atividades que mostrem

o desempenho satisfatório de seus participantes. Desse modo, traçamos, primeiramente,

os perfis institucional e humano envolvidos na presente intervenção:

a) A escola

A Escola Estadual Cosme Ferreira Marques, de ensino fundamental e EJA,

situa-se à Rua Aluizio Bezerra, N° 165, Centro, Santa Cruz-RN. Foi fundada em

30/06/1966.

A escola foi fundada com o nome de Grupo Escolar Cosme Ferreira

Marques, com a finalidade de atender alunos de 1° grau menor (antigo primário).

Esse estabelecimento fica localizado no centro de Santa Cruz-RN. Na gestão

da professora Rita Salete de Oliveira Cruz, a escola deixou de ser grupo escolar,

passando a ser denominada a Escola Estadual Cosme Ferreira Marques, ensino de 1°

grau, atendendo uma clientela do pré a 8ª série. Atualmente Escola Estadual Cosme

Ferreira Marques, ensino fundamental e EJA, atendendo a clientela do 1° ao 9° ano e

EJA (2° e 3° período).

Cosme Ferreira Marques (1908-1959), patrono da referida instituição, era

natural de Bananeiras – PB; veio para Santa Cruz com seus pais aos seis anos de idade,

onde fixou residência até a morte. Foi funcionário público federal do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística – IBGE, agente municipal de estatística, professor de

matemática da Escola Normal Regional de Santa Cruz, fundador do grupo de escoteiros,

onde foi presidente por vários anos, assinava uma coluna intitulada “duas palavras”,

para o Jornal do Comércio de Natal. Além disso, foi poeta regionalista, e publicou

ainda em vida o livro Canastra Véia (1946), que teve prefácio escrito por Câmara

Cascudo. Por seus grandes feitos prestados ao município de Santa Cruz, foi escolhido

para ser patrono da escola.

Próximo ao final do ano letivo de 2015, a escola Cosme Marques foi

escolhida pela SEEC para integrar, a partir de 2016, o projeto-piloto de instituições de

ensino em período integral.

b) Os leitores de nossos poetas e suas particularidades

A turma escolhida é o nono ano (turma única), do turno integral da Escola

Cosme Ferreira Marques, onde eu, Gilberto Cardoso dos Santos, leciono língua

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portuguesa há mais de 15 anos. A turma tem 22 alunos, 20 dos quais vêm à escola com

regularidade. Na maioria, provêm de zonas periféricas da cidade, de bairros

discriminados ou de zonas rurais pertencentes ao município. Têm entre 12 e 15 anos e,

infelizmente, devido a situações familiares e escolares adversas em anos anteriores, não

desenvolveram, em sua maioria, o esperado interesse pela leitura. Têm um nível de

decodificação e entendimento do que leem inferior ao esperado para a série em que

estão.

A proposta de leitura, com base na sequência básica de COSSON (2009),

aborda alguns poemas de Hélio Crisanto e Jorge Fernandes e, para desenvolvê-la com

mais propriedade, recorremos a pesquisa em dicionários regionalistas, e visita ao Museu

Rural Auta Pinheiro Bezerra. A culminância de nossa intervenção nesta sala de aula foi

feita com a produção de uma cartilha de dizeres regionais. A análise desta intervenção

será apresentada sob o formato de dissertação contendo o encarte “Cartilha do Museu

Rural Auta Pinheiro Bezerra”.

4.1 Etapas da intervenção: vivenciando o nordestês

Esse é um dos momentos mais significativos de nosso trabalho. Nesta parte

de nossa dissertação, apresentamos o relato de uma intervenção que provocou nos

participantes uma alegria e, consequentemente, um aprendizado prazeroso. Distribuímos

a intervenção em cinco oficinas, nas quais os alunos mantiveram contato com os textos

motivadores, de outros poetas, para adentrarem no universo poético de Jorge Fernandes

e Hélio Crisanto, de onde extraíram o que aqui chamamos de regionalismos poéticos, ou

seja, aqueles vocábulos que são representativos da linguagem comum do homem

sertanejo, nordestino e, particularmente potiguar, que estão poetizados pelos autores

acima referidos. Pelos poemas desses autores, os alunos ampliaram a compreensão

leitora e aprenderam a valorizar todas as formas de expressão da língua, bem como

perceberam que as variações que nossa língua materna apresenta podem conviver

pacificamente, desde que saibam utilizá-la adequadamente, de acordo com o contexto

no qual se inserem.

Abaixo, a descrição de como ocorreram as oficinas:

1ª OFICINA: Conhecendo o tema principal

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A intervenção deu-se no período de 06.06 a 17.06 de 2016. As quatro horas-

aulas semanais ocorreram sempre às segundas e quintas-feiras, duas ou mais aulas em

cada dia, com exceção do dia 17, dedicado à aula de campo, no Museu Rural.

No início da intervenção, achamos conveniente apresentar a natureza de

nosso trabalho e os objetivos que pretendíamos alcançar. Expusemos slides com estes

conteúdos buscando manter brevidade e objetividade nas explanações.

Neste primeiro momento, fizemos a apresentação de três curtos vídeos do

Youtube, intercalando-os com perguntas e reflexões relativas ao conteúdo visto. Meu

objetivo era apresentar diferentes estilos e níveis de linguagem na produção poética.

Começamos com a apresentação do vídeo “Minha droga é a poesia”, da autoria de

Vinícius Gregório7, entusiasticamente declamado por Amanda Alcântara Netzo.

Print do vídeo da Youtuber Amanda .

Minha droga é a Poesia Vinicius Gregório

Poesia é bom demais! Poesia é o meu conceito. Pra mim o mal só tem jeito Quando o real se desfaz E, num “lapidar”, se faz Um majestoso repente, Que encanta qualquer vivente Dotado de sentimento. É na Poesia o momento Que a dor não se faz presente. É como se a Poesia Fosse a minha Nicotina, Meu Ópio, minha Heroína,

7 Poeta de São José do Egito – PE. Em 2016 publicou o livro Alma Impressa, uma coletânea de poemas.

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Meu Êxtase em demasia... Ela é quem me fantasia E quem traça meus traçados. Através dos meus rimados Me liberto desse mundo Pra cair num mar profundo De Lindos Sonhos Dourados.

Sou viciado em Poesia, Disso eu tenho consciência. Chega a dar abstinência Se ela me falta algum dia... Pra voltar minha alegria, Basta eu tomar outra “dose”. Venha comigo, se entrose! Prove da minha “Heroína”! Pois, dessa “droga” divina, Quero morrer de overdose. Quem prova minha “bebida”, Sente o gosto do Sertão E escuta o som do trovão Mesmo em terra ressequida. Venha que eu te dou guarida! Vamos viajar sem prumo, Sem consequência, sem rumo... Sem medo de ter cirrose. Te encosta, toma outra “dose” Dessa droga que eu consumo. Mas se tu achas nocivo Esse vício que me enlaça, Então fuja da fumaça Que o efeito é corrosivo. Feito um fumante passivo, Vais ter um vício profundo. E, nesse mesmo segundo, Se queres uma “tragada”, Podes “tragar”, camarada, Tem verso pra todo mundo!

Escolhemos o poema “Minha droga é a poesia”, neste início de conversa,

não apenas por ser uma bela produção poética, mas por se tratar de um convite direto à

poesia. Alude metaforicamente às drogas, algo que assustadoramente ronda os jovens de

hoje, e apresenta a poesia como um vício alternativo, do bem, uma fonte de prazer que

não deixa efeitos nocivos como as drogas propriamente ditas. Espontaneamente, para

minha surpresa, os alunos aplaudiram quando o vídeo terminou.

O poema inicial, de Vinicius Gregório, visava, principalmente, despertar o

apetite para os poemas que seriam vistos e analisados ao longo da intervenção. Além

disso, na escolha dos três poemas iniciais, tive por objetivo apresentar diferentes estilos

e níveis de linguagem. O eu poético de “Minha droga é a poesia” se expressa numa

linguagem em que predomina a coloquialidade. Trata-se de uma poesia ambientada no

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sertão que mantém as características estruturais do estilo cordel e dos repentes feitos por

violeiros

Depois, após troca de ideias acerca do que fora visto, apresentamos o poema

“O Teu Riso”, de Pablo Neruda8, recitado por Luma Carvalho, professora e atriz

curraisnovense.

Print do vídeo de Luma declamando Teu Riso, de Neruda

O teu riso Tira-me o pão, se quiseres, tira-me o ar, mas não me tires o teu riso. Não me tires a rosa, a lança que desfolhas, a água que de súbito brota da tua alegria, a repentina onda de prata que em ti nasce. A minha luta é dura e regresso com os olhos cansados às vezes por ver que a terra não muda, mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me e abre-me todas as portas da vida.

8 Poeta chileno, Pablo Neruda é um dos mais importantes da Língua espanhola. Perseguido pelo Golpe Militar chileno, morreu em 23 de setembro de 1973. Encontra-se sepultado em sua propriedade em Isla Negra, Santiago, Chile. Postumamente foram publicadas suas memórias em 1974, com o título, Confesso que vivi.

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Meu amor, nos momentos mais escuros solta o teu riso e se de súbito vires que o meu sangue mancha as pedras da rua, ri, porque o teu riso será para as minhas mãos como uma espada fresca. À beira do mar, no outono, teu riso deve erguer sua cascata de espuma, e na primavera, amor, quero teu riso como a flor que esperava, a flor azul, a rosa da minha pátria sonora. Ri-te da noite, do dia, da lua, ri-te das ruas tortas da ilha, ri-te deste grosseiro rapaz que te ama, mas quando abro os olhos e os fecho, quando meus passos vão, quando voltam meus passos, nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera, mas nunca o teu riso, porque então morreria. (NERUDA, 2012)

O poema retrata a necessidade absoluta que temos das coisas básicas para

termos uma vida saudável e feliz, como o amor e o sorriso. São bem essenciais, que se

encontram entre os bens que Candido denominou de “bem incompressíveis”, aqueles

dos quais fazem parte a comida, a água - indispensáveis. A esses bens acrescenta a

literatura, fundamental para o nosso engrandecimento espiritual. Neste segundo poema,

já não temos a rima e a métrica presentes no primeiro e o eu se expressa em linguagem

erudita.

Por fim, assistimos ao vídeo montagem “Paisagem de Interior” com texto da

autoria de Jessier Quirino9, por ele mesmo declamado e ilustrado com imagens da

internet.

9 Poeta paraibano, Jessier Quirino já publicou livros, cordéis, gravou CDs, entre diversos materiais de expressão artística, destacando-se: Paisagem de interior (poesia, também em CD);Agruras da lata

d’água (poesia); O chapéu mau e o lobinho vermelho (livro infantil); Prosa morena (poesia); Bandeira nordestina (poesia também em CDs); Política de pé de muro: o comitê do povão (legendas e imagens gargalhativas sobre folclore político popular); A folha de boldo: notícias de cachaceiros (em parceria com Joselito Nunes); Virgulino Lampião: Deputado Federal (folheto de cordel).

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Trata-se de um poema descritivo, conforme podemos constatar pelas duas

primeiras estrofes:

Matuto no mêi da pista

menino chorando nu

rolo de fumo e beiju

colchão de palha listrado

um par de bêbo agarrado

preto véio rezador

jumento jipe e trator

lençol voando estendido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior.

Três moleque fedorento

morcegando um caminhão

chapéu de couro e gibão

bodega com surtimento

poeira no pé de vento

tabulêro de cocada

banguela dando risada

das prosa do cantador

buchuda sentindo dor

com o filho quase parido

isso é cagado e cuspido

paisagem de interior. (QUIRINO, s/d)

Neste poema, temos alguns elementos estruturais do primeiro – rima e

métrica - mas na linguagem utilizada, diferentemente dos dois primeiros poemas

exibidos, predominam expressões regionalistas. A grafia e pronúncia das palavras

distanciam-se da norma padrão. Temos ainda, a utilização de mote “Isso é cagado e

cuspido paisagem de interior” repetido ao fim de cada estrofe.

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Foto: Apresentação do vídeo Paisagem de Interior

Ao fim de cada apresentação eles manifestaram espontaneamente o quanto

haviam gostado através de demorados aplausos. Isto me pareceu bastante significativo

por se tratar de uma manifestação de apreço não induzida. Em seguida, fiz com eles

uma reflexão geral acerca do que haviam visto. Perguntei-lhes que diferenças haviam

notado entre um poema e outro. Vários deles chamaram a atenção para a ausência de

rimas e métrica no poema número 2, “O teu riso”, de Pablo Neruda. Muitos sinalizaram

perceber os diferentes níveis de linguagem utilizados nos poemas: A coloquialidade de

“Minha droga é a poesia”, a erudição de “O teu riso” e o regionalismo de “Paisagem de

interior”. Notaram também a existência do mote10 - “Isso é cagado e cuspido/ paisagem

de interior” - repetido ao fim de cada estrofe no poema de Jessier Quirino.

Após a apresentação dos curtos vídeos, entremeados por observações

espontâneas do que fora visto em cada um deles, colocamos no quadro as seguintes

perguntas:

1. O que é poesia para você? Quando pensa em poesia, o que lhe vem à mente?

2. Qual a diferença entre poesia e poema?

3. Você gosta de poesia?

4. Que poema(s) ou livros de poemas você já leu?

10 Mote é o conjunto de versos que é utilizado como desafio poético, para criação de uma composição poética.

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5. Qual o poema mais belo que você já ouviu ou leu?

6. Para que serve a poesia?

7. Nos poemas ouvidos, o que diferencia um do outro?

Dirigimos a eles tais perguntas para que, à luz do que haviam assistido,

manifestassem o que sabiam ou intuíam a respeito do tema. Tal questionário foi

respondido oralmente. Não dirigimos as perguntas a alunos específicos, exceto quando

estes davam indicação de que pretendiam responder. Ao indagar o que entendiam por

poesia à luz do que haviam assistido, obtivemos respostas como estas: “Para expressar

sentimentos”, disse um; “para fazer rir”, disse outro e exemplificou com o terceiro

poema. Ainda houve quem dissesse ter a poesia o objetivo de fazer pensar, refletir,

“botar emoções para fora”, “desabafar”, “fazer declarações de amor” etc.

Ao fazer-lhes a pergunta relativa à diferença entre poema e poesia, todos

demonstraram dificuldade em diferenciar um termo do outro, exceto um aluno que

respondeu a contento e foi efusivamente aplaudido após nossa ratificação da resposta.

Indagados por mim sobre qual dos três poemas mais havia agradado,

manifestaram opiniões diversas, como era de se esperar, uns preferindo o poema com

uma linguagem mais popular ou mais engraçado e outros preferindo o de linguagem

erudita. Em suma, foi um momento de grande interação, favorável e preparatório ao que

ainda viria.

2ª OFICINA: Objetivos e objetos de estudo

Esgotado este primeiro momento, apresentamos, em linhas gerais, o que

pretendíamos com a intervenção. Projetamos no quadro-branco uma sequência de slides

buscando deixar claro o que tencionamos com cada atividade que desenvolvemos.

Expusemos as razões que nos levaram a optar por esta temática:

1. Grande parte das pessoas desconhece, é indiferente ou se envergonha de sua própria

cultura.

2. A cultura de massas, midiatizada, é supervalorizada e tende a suplantar valores locais.

3. Expressões linguísticas regionais são percebidas como erros e desvios condenáveis.

4. As pessoas são vítimas de preconceito pelo modo como falam.

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5. O poema é considerado um gênero difícil, ocupa pouco espaço na escola e às vezes é

usado apenas como pretexto para ensino de gramática.

6. A cultura regional potiguar, riquíssima, não alcançou ainda a devida projeção em seu

próprio território, muito menos a nível nacional ou mundial.

7. Nota-se a existência de um desnecessário conflito entre poesia popular e poesia

erudita.

8. Os encantos e facilidades da vida moderna desviam a atenção do mundo natural, tão

seriamente ameaçado. Há necessidade de um apelo ecológico convincente.

Mostramos a eles que a intervenção visava atingir, dentre outros, os

seguintes objetivos:

1.Perceber a riqueza e encanto presentes na cultura local, em particular no texto poético;

2.Criar e fortalecer a autoestima cultural pela leitura da poesia de poetas locais;

3.Compreender o real papel da norma culta e desfazer preconceitos linguísticos;

4. Promover o conhecimento da cultura regional potiguar; mostrar a necessidade de

fortalecê-la para que subsista na globalização;

5.Possibilitar diálogos entre a poesia popular e a erudita, a começar pelas obras de dois

poetas potiguares, Hélio Crisanto e Jorge Fernandes, aproveitando o potencial ecológico

dos poemas dos dois.

6.Construir uma cartilha que represente alguns objetos regionalistas que fazem parte do

Museu Auta Pinheiro.

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À medida que os objetivos foram explicitados, tivemos a preocupação de

explicar o sentido das palavras e expressões presentes nestes objetivos, aquelas não

muito claras ao entendimento deles. Demos-lhes oportunidade para perguntas. No

momento, quiseram saber, por exemplo, o significado de “fruição”. Ilustrei o que isto

poderia significar com as emoções sentidas pelo eu poético de “Minha droga é a

poesia”, mas tive o cuidado e dizer-lhes que, em sentido profundo, fruição era bem mais

que apenas impressionar-se com a leitura de um bom texto. Não pretendíamos, ali,

esgotar a explicação, mas instigar neles a curiosidade.

Para explicar-lhes o que seria autoestima cultural, projetei o pensamento de

Ariano Suassuna11 “Não troco meu “oxente” pelo “ok” de ninguém”; demos ênfase à

elevada visão que ele tinha acerca de sua própria cultura, da defesa apaixonada que dela 11 Ariano Vilar Suassuna (1927 - 2014), advogado, poetar, teatrólogo e romancista. Conhecido por sua bem-humorada intransigência na defesa dos valores culturais nordestinos.

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fazia. Em seguida apresentamos um poema que transformou este bordão em mote, da

autoria de Marcílio Siqueira12.

“Eu não troco o meu Oxente, pelo OK de ninguém!”

“Esse tal de rocambole Esfirra, nissin, miojo Quer-me ver cuspir com nojo Ofereça-me um rizole Prefiro uma fruta mole Beliscada do vem-vem Feijão de corda xerém Canjica com leite quente Eu não troco o meu oxente Pelo ok de ninguém. Tomar wiski importado Na taça pra ser bacana Sou mais um gole de cana Num caneco enferrujado Não sou muito refinado Nem tenho inveja também Druris, conhaque, almadem Prefiro minha aguardente Eu não troco o meu oxente Pelo ok de ninguém. Esses verbetes do inglês Que usam no dia a dia Não me trazem simpatia Estragam meu português Vou ser sincero a vocês Sou muito mais meu quinem Adonde, prumode, eim? Acho mais inteligente Eu não troco o meu oxente Pelo ok de ninguém. [...] (SIQUEIRA, 2014)

Após a leitura partilhada em voz alta, trocamos impressões a respeito do

texto lido; dialogamos sobre a influência da cultura estrangeira em nossos meio.

Tivemos, porém, o cuidado de ressaltar que a valorização de nossas manifestações

culturais não significa a negação e rejeição do outro e sim buscar de modo equilibrado

colocar cada coisa em seu lugar, não supervalorizando uma em detrimento de outra.

Ainda dentro desta ideia de ilustrar o que seria o desenvolvimento desta

autoestima cultural, apresentei um poema de autoria de Hélio Crisanto, poeta escolhido

para fazer parte do desenvolvimento interventivo, que foi o “Raloin” do Sertão”

(Prosa de Cancela, 2014, p. 98)

12 Poeta popular do Estado de Pernambuco.

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A mensagem deste poema, à semelhança do anterior, é a de que precisamos

ver importância nas tradições e expressões artísticas locais e não deixar-nos levar por

uma cultura de massa que dá pouca ou nenhuma importância aos valores que nos

diferenciam.

Através do recurso do PowerPoint, apresentei os dados biográficos de Jorge

Fernandes e vimos as características gerais de seus poemas. Projetei em seguida seu

poema VIVA O SOL!...

Todos os poemas foram lidos pelos alunos com vozes se alternando a cada

verso.

3ª OFICINA: Conhecendo o poeta Hélio Crisanto

Esta oficina durou três aulas e alguns minutos a mais. Primeiramente,

levamos o poeta Hélio Crisanto à sala de aula, o qual foi aguardado com muita

expectativa por toda a classe. O poeta chegou com antecedência e foi saudado

efusivamente pelos alunos. Após uma breve apresentação que fizemos, Hélio pediu

permissão para se apresentar em versos e arrancou aplausos de todos. Disse ele:

Eu me chamo Hélio Crisanto Sou artista popular Sou amante da cultura Canto o sertão, canto o mar Sou poeta nordestino Aprendi desde menino A arte de versejar Na prole de cinco irmãos Eu fui o quarto gerado Tive a família que quis Sou um privilegiado Estudei geografia Mas a arte da poesia Me deixa mais encantado Me criei numa casinha Coberta de alegria Passava o dia na feira Escutando cantoria Nasci perto de Campestre Bebendo do mel silvestre Nos favos da poesia Represento a minha cidade Cantando nos festivais Presença sempre marcante Nos recintos culturais Fazendo verso rimado

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Hoje sou prestigiado Nos palcos das capitais Com o ensino dos meus pais Aprendi a ser bom filho Hoje buscando o sucesso Com arte, talento e brilho Com a voz do coração Deixo um rastro de emoção Nos caminhos onde trilho.

Em seguida, concedemos oportunidade aos alunos para que livremente lhe

fizessem perguntas. Manifestaram curiosidade quanto ao modo como se desenvolveu

nele o gosto pela poesia e sobre quando começou a escrever poemas. O poeta falou de

sua infância no campo e do contato diário com a literatura popular através dos cordéis

que seu pai lia na rede numa época em que seu nível de letramento era pouco.

Perguntaram-lhe também sobre o que mais o inspirava na hora de escrever e

porque ele havia optado por escrever em linguagem regional. Foi bem interativo o

momento em que o autor foi sabatinado pelos alunos.

Além de declamar poemas de sua autoria e explicar alguns termos regionais,

Hélio cantou, ao som do violão, músicas de sua autoria. “Retrato sertanejo” foi uma

delas, arrancando aplausos dos envolvidos. Eis a letra:

Certo dia eu sai pra viajar Encontrei uma casa abandonada Roupas velhas no aceiro da estrada Solidão traz um grande desespero Os sapatos rasgados de um vaqueiro Eu fiquei muito triste e descontente Um gatinho deitado no batente Pastorando as rolinhas no terreiro O espinho sodoro corta a minha alma Quando as cinzas de agosto bafejam o verão Meus olhos parecem cacimba sem água Suplicando a chuva que molha o torrão Anunciando o lamento sertanejo Ouvi o canto agourento do carão E uma voz que dizia num clarão Como vento que sopra do além Folhas secas voando no moquém Como cartas que traz informação De saudade, de amor e de paixão De um mundo distante e diferente Um teiú engolindo uma serpente Isso é copia fiel do meu sertão. (CRISANTO, 2008, p.13)

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Perguntaram-lhe, ao término, sobre o espinho de sodoro mencionado na

música: “Espinho de sodoro corta minha alma...”; também tiveram curiosidade quanto

ao termo “moquém”.

Atendendo pedido dos alunos, o autor falou sobre a influência do cordel na

sua vida, daqueles que foram mais significativos em sua infância e discorreu sobre o

gênero Literatura de Cordel. Em seguida, declamou um que arrancou boas gargalhadas

da turma, o cordel “Eu e Maria”, da autoria do famoso repentista e cantador de viola

Geraldo Amâncio13 – cordel que conta a história de um homem ingênuo e apaixonado

que, apesar de traído e abandonado pela esposa, dispõe-se resignadamente a assumir

uma prole que não é sua. Assim finaliza a saga em versos, toda escrita em linguagem

matuta:

[...] Já era de Madrugada Quage manheceno o dia Quando dei fé ela ia Já descambando a chapada Meti o pé na estrada Pá vê se ela me atendia Gritando: “Vem cá, Maria! Vorta ponde tu morava” Mas quanto mais eu gritava Mas a danada corria. Mas sabe o que aconteceu Com esse amor de nós dois? Cun uns dez anos dispois Maria me apariceu Deixou o Joca Romeu Vortou toda deferente Cum uns oito fio na frente Uns com tosse, otros com gogo E eu tenho comido é fogo

13 Repentista e cordelista cearense, formado em História.

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Pra sustentar tanta gente.

Um dos momentos de grande envolvimento da turma se deu quando

entregamos folhas de papel a cada um dos alunos, contendo uma lista de termos

regionalistas para que estes tentassem, entre si, completar com os significados. Eis a

lista:

Tente descobrir o significado das seguintes palavras:

Caneco:________________________

Bacuri:__________________________

Xaveco:________________________

Xiriri:__________________________

Arenga:________________________

Quenga:________________________

Baiti:___________________________

Caningar:________________________

Fortidão:________________________

Fazer pouco:_____________________

Frexar:________________________

Cafuringa:________________________

Catinga:________________________

Fazer bico:________________________

Baé:________________________

Barruada:________________________

Cangapé:________________________

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Amojada:________________________

Beber liso:________________________

Imbuanceiro:________________________

Goipada:________________________

Folote:________________________

Capão: :________________________

Cangote:________________________

Munganga:________________________

Tipóia:__________________________

Enrolagem:________________________

Furdunço:__________________________

Cruviana:________________________

Marrabu:________________________

Bagana:___________________________

Angu:________________________

Tibungar:________________________

Pedante:_____________________

Jururu:________________________

Miunçar:________________________

Cavilação:________________________

Como já esperávamos, foi um momento de bastante descontração, riso e

estranhamentos, causados pelo desconhecimento dos termos. Após tentativas frustradas

de preenchimento e de folhas preenchidas mais com erros que acertos, entregamos

cópias do poema “Nordestês”; o poeta Hélio Crisanto fez leitura alternada com os

alunos. O poeta lia um verso e os alunos, em coro, liam o verso seguinte.

NORDESTÊS (Retrato Sertanejo, p. 17)

Copo pequeno é caneco

Porco novo é bacuri

Namoro agora é xaveco

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Diarreia é xiriri

Briga pequena é arenga

Mulher sem futuro é quenga

Bunda também é baiti

Tirar onda é caningar

Vitamina é fortidão

Fazer pouco é caçoar

Frexar é aporrinhação

Carro velho é cafuringa

Tudo que fede é catinga

Fazer bico é viração

Cabra pequeno é baé

Colisão é barruada

Quem salta dá cangapé

Mulher grávida é amojada

Beber liso é pirangueiro

Briguento é imbuanceiro

Cuspe no chão é goipada

Frouxo se diz que é folote

Galo novo é um capão

Toitiço aqui é cangote

Munganga é malcriação

Rede pequena é tipóia

Enrolagem é tramoia

Furdunço uma confusão

Vento frio é cruviana

Xique-xique é marrabu

Bala e bombom é bagana

Comida ruim é angu

Tibungar é dá mergulho

Pedante quem tem orgulho

Ficar triste é jururu

Já cansei de miunçar

Chega de cavilação

Que esse nosso linguajar

E essa nossa falação

É o retrato da cultura

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Mostrando a literatura

Das coisas do meu sertão.

Foi apresentado também nesta visita do poeta Hélio, o cordel intitulado “Tem

tudo não falta nada na feira de Santa Cruz”, obra organizada por mim, composta por

estrofes de Hélio, minhas e de outros vates da região. Trouxemos exemplares impressos

em número suficiente e deixamos que os manuseassem à vontade. Não deixamos passar

a oportunidade de explorar os elementos físicos do opúsculo. A ilustração da capa

chamou a atenção de alguns. Questionados a respeito, mostramos tratar-se de uma

xilogravura. Resumidamente, eu e o poeta falamos a respeito deste tipo de arte

associada ao cordel e explicamos a origem do termo “cordel.”

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Alunos foram desafiados a ir à frente para uma leitura alternada – cada um

com uma estrofe. Na parte do mote, todos liam em uníssono. Vejamos fragmentos do

cordel TEM TUDO NÃO FALTA NADA NA FEIRA DE SANTA CRUZ (2015, p.

1,2,3,):

(Jarcone Vital) Peça de corda de agave, Linguêta para "chucáio", Todo tipo de "mangáio", Tem boi,ovelha, tem ave, Tem cadeado com chave,,, Tem ovo de avestruz, Lamparina que dá luz, "Inté" alta madrugada, Tem tudo não falta nada, Na feira de Santa Cruz...

(Adriano Bezerra) Tem tripa, perna e traseiro, Tem bode, tem mocotó, Tem preá e tem mocó, Ovelha, porco e carneiro, Fraldinha, lombo e traseiro, Mugunzá, milho, cuscuz, Casca de pau e mastruz Tem carne verde e salgada, Tem tudo não falta nada, Na feira de Santa Cruz...

(Hélio Crisanto) Tem bolo e caldo de cana, Menino pegando frete Tem feijão em canivete Tem solda, ponche e banana, Tem pedido de cigana, Tem restos pros gabirus, Tem ladrão de alcaçuz, Corda no chão estirada Tem tudo e não falta nada Na feira de Santa Cruz.

(Jarcone Vital) -Tem cadeira e tamborete, Tem mesa, armário e fogão, Tem prumo, esquadro, formão, Tem zíper, botão,colchete, Anel, cordão,bracelete, Tem retrato de Jesus, Que todo povo conduz,

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Na novena em caminhada, Tem tudo não falta nada, Na feira de Santa Cruz...

(Adriano Bezerra) Tem relógio, tem pulseira, Brinco, batom e corrente, Tem escova, espelho e pente, Pote de barro e chaleira, Tem foice, trincha e peixeira, Tem lanterna e quebra-luz, Vestido, calça e capuz, Tem queijo, leite e coalhada, Tem tudo não falta nada, Na feira de Santa Cruz...

(Hélio Crisanto) Tripa de porco e picado Cachorro lambendo osso No mercado tem almoço Cangibrina e queijo assado Cego querendo um trocado Implorando por Jesus Tem comércio de chuchus Manga madura e salada Tem tudo e não falta nada Na feira de Santa Cruz.

[...]

A leitura deste cordel propiciou aos alunos a oportunidade de conhecerem

algo de outros poetas da região e de se depararem com dezenas de palavras comuns à

linguagem informal e regional da feira local. À medida que surgiam dúvidas e nos eram

direcionadas perguntas quanto ao significado de um ou de outro termo, alunos eram

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convidados a dizer o que entendiam. A palavra final ficava com o poeta Hélio que dava

o aval ou corrigia o que fora entendido. Projetamos na tela o clip musical “Estradeiro”,

cuja letra é do poeta Hélio Crisanto e melodia de Zeca Brasil, compositor natalense.

Belamente cantado por Lísia Condé14, intérprete mineira, que se acha disponível no

Youtube. Apesar de meio estranho ao repertório musical da maior parte dos alunos,

pareceu agradar bastante, pois estes reagiram com aplausos e comentários positivos. A

letra tem tudo a ver com a cultura local e com a proposta do trabalho desenvolvido,

conforme podemos ver no seguinte fragmento:

“[...] Sou estradeiro,

Sou o fogo do corisco

Sou faca que fez o risco

No bucho de Lampião

Sou cantador, sou fulô

que não se cheira

Sou raiz de catingueira

Ressequida pelo chão.

[...] (CRISANTO, 2008, p. 19)

Em suma, a vinda de Hélio à escola foi bastante proveitosa e enriquecedora.

Durou praticamente toda a manhã sem que os alunos, ativos durante todo o processo,

manifestassem sinais de cansaço ou aborrecimento. Os alunos encantaram-se com a

capacidade poética, conhecimentos e espantosa memória do poeta.

Foto: Momento de autógrafos

14 https://www.youtube.com/watch?v=FXZodjCmOjA. Acesso em 10/10/2016.

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4ª OFICINA: Leitura partilhada dos poemas de Jorge Fernandes.

Na quarta oficina, tivemos o contato com a poesia de Jorge Fernandes, que

se deu pelo projetor de slides, pois não dispúnhamos de livros em número suficiente

para todos. Antes disso, porém, mostramos a eles a capa do exemplar que trouxéramos e

discorremos um pouco sobre o autor e a obra. Fizemos a leitura silenciosa e depois

compartilhada em voz alta do poema “Manhecença” (2007, p. 29) que, a começar pelo

título, remete à linguagem popular. Além de registrar nomes populares de aves, o poeta

fez a transliteração de alguns sons produzidos pelos bichos:

O dia nasce grunindo pelos bicos

Dos urumarais…

Dos azulões… da asa branca…

Mama o leite quente que chia nas cuias espumando…

Os chocalhos repicam na alegria do chouto das vacas…

As janelas das serras estão todas enfeitadas

De cipó florado…

E o coên! coên! do dia novo —

Vai subindo nas asas peneirantes dos caracarás…

Correndo os campos no mugido do gado…

No — mên — fanhoso dos bezerros…

Nas carreiras da cutias… no zunzum de asas dos besouros,

das abelhas… nos pinotes dos cabritos…

Nos trotes fortes e luzidos dos poltros…

E todo ensangüentado do vermelhão das barras

Leva o primeiro banho nos açudes

E é embrulhado na toalha quente do sol

E vai mudando a primeira passada pelos

Campos todo forrado de capim panasco..

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A leitura do poema “Briga do teju e a cobra” (2007, p. 30) gerou bons

comentários. Alguns alunos, tocados pelo relato poético, contaram experiências de

encantamento na observação do mundo natural parecidas à descrita no poema:

BRIGA DO TEJU E A COBRA (Livro de Poemas de Jorge Fernandes, p. 30) Nas pontas dos dedos arfando como um fole O lagarto pedrês desafia a cobra Que enrodilhada espera o golpe – Trabalha o sol a toda força – hora do meio dia – Zinem nos troncos secos os insetos... Teju vibra a cauda: - Léxo... recua... A cobra embolada arma outro bote... Léxo! Léxo!...... léxo! Léxo...... – luta demorada – Léxo! Léxo!...... Silêncio... luz... movimento de sombras... Léxo! Léxo! Num bote certeiro fere o dente venenoso... Teju corre à raiz do cardeiro e volta imune... Golpeia de novo: - léxo! – outra volta: - léxo Botes... coleios... esses... oitos reluzentes escamosos... Recebe a última chicotada Extenuada se estira... brilha ensanguentada ao sol Sob as vistas upadas do teju arfante e vitorioso...

Também fizeram, com evidente entusiasmo, a leitura do poema “Viva o

sol”:

VIVA O SOL!... (Livro de Poemas de Jorge Fernandes, p. 31) - Viva o sol!

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Cantem, poetas dos ramos verdes Dos ramos secos Das pontas dos serrotes Da beira das lagoas Das sombras dos mufumbos Das macambiras: - Viva o sol! Grita gavião debaixo do cangaço – garras e bicos afiados – Assobia o teu – viva o sol – concliz! Canta o teu lundum forte – graúna! Canta poeta – plagiador: - xexéu! Faz teu coro chorróóó-boi! Todos os pássaros são poetas neste mormaço... Só não são os engrujados de pé suspenso E bico dnfiado nas penas... Só os que cantam contentes são poetas... Vem-vem - Viva o sol! Cará-cará: - Viva o sol! Nambu: - Viva o sol! Asa branca... pé-de-cafofa – acauã – azulão – galo-de-campina – Viva o sol que te deu todas estas cores: O vermelho como o fogo... O amarelo vivo como o fogo... Cantem em assobios e gagaos em trilos e gritos fortes: - Viva o sol!

Nosso objetivo, com este trabalho, foi o de promover um primeiro contato

com a obra de Jorge Fernandes, não necessariamente de estudá-la em profundidade.

Escolhemos alguns de seus poemas para abrir o apetite por sua obra e deixar nos alunos

um gostinho de quero mais, um interesse por leituras mais aprofundadas. Dentro deste

espírito, apresentamos ainda os poemas “Té-Téu” (2007, p. 35), “Canção de inverno”

(2007, p. 41) e “Rede” (2007, p. 52).

Nas reflexões em torno do poema “Rede”, chamamos a atenção para o modo

como o autor dispôs graficamente “suspensa” a fim de representar o formato de uma

rede. Dissemos-lhes que o termo técnico para isso era caligrama.

REDE

Embaladora do sonoW

Balanço dos alpendres e dos ranchosW

Vai e vem nas modinhas langorosasW

Vai e vem de embalos e cançõesW

Professora de violõesW

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Tipóia dos amores clandestinosW

GrandeW larga e forteW pra casaisW

Berço de grande raça.

S A U S

S N P E

Guardadora de sonhos

Pra madorna ao meio-dia

GrandeW côncavaW

Lá no fundo dorme um bichinhoW

— Balança o punho da rede pro menino durmir.

Em Te-téu, bem como em outros poemas, nos demoramos no modo como o

autor utiliza o recurso da onomatopeia. A estrofe final é dedicada exclusivamente a

tentar exprimir o estridente som produzido pela ave. Os alunos reagiram com bom

humor e atenção à descrição desta ave cujos sonidos não lhe eram desconhecidos.

Alguns alunos, principalmente oriundos da zona rural, dispuseram-se a acrescentar

detalhes a respeito da ave.

Té-teu — canela fina — Vive pra desperta todos os bichos do campo... Cochila seguro numa perna só Num descuido desce a oura Desperta logo: — Té-te-téu! Todos respondem: — Té-te-téu! — Sentinela das matas... dos campos... Sineta suspensa badalando na noite: — Té-te-téu! Sobre o açude Pinicando no terreiro Perseguindo gaviões badalando dezenas de sinetas Revoando em bando no espaço incendido do sertão sem nuvens Num alvoroço de alarme: Té... téu! Té... téu! Té... téu! Té... téu!

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Té... téu! Té... téu! Té... téu! Té... téu! Té... téu! Té... téu!

Em “Canção de inverno”, mostramos como o autor busca dar ouvidos à natureza (antropomorfismo) e refletimos sobre a relação crucial do homem do campo com a chuva nestas regiões comumente desprovidas de água.

Te dou a força

Do meu braço. . .

Te dou manivas

Te dou enxada

— Terra molhada —

— Terra molhada —

Do sertão. . .

Quero que fiques

Toda coberta

De folhas verdes

De ramos verdes

Enfeitando as várzeas

De melancias

De jerimuns

E de feijão. . .

Te dou os eitos

De cem mil covas

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Prós algodões. . .

Terra molhada

Quero o teu milho

Quero o melão. . .

Quero o inhame

Quero a coalhada

A carne seca

E os capuchos de algodão.

Quero o teu frio

Quero o tutano

Com rapadura

Pra te dá filhos

Pelo verão...

Todas as leituras - devo reiterar - foram entremeadas por perguntas,

comentários e observações espontâneas dos alunos. Em praticamente todos os poemas

lidos do Jorge Fernandes, havia algum termo cujo sentido era desconhecido pelos

alunos. Indagado a respeito, tentávamos levar a turma à descoberta dos significados

antes da resposta final.

5ª OFICINA: Ida ao Museu.

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A ida ao museu aconteceu depois que vivenciamos os momentos das leituras

poéticas; por intermédio destes, os alunos aprenderam a identificar termos regionais,

tanto na poesia de Jorge Fernandes, quanto na de Hélio Crisanto. Essa aula passeio foi

aguardada com muita ansiedade pelos alunos e aconteceu num dia posterior ao que

havíamos planejado. Fora isso, tudo ocorreu conforme o esperado. No Parque da

Borborema, onde fica localizado o museu, os alunos tiveram oportunidade de conhecer

e aproximar-se de diversas árvores e arbustos representativos da flora catingueira,

observando as árvores catalogadas existentes na parte externa do museu. Insetos e aves

que ocasionalmente apareceram causaram fascínio na turma e foram fotografados.

Depois, disso, nos arredores do museu, viram um setor ao ar livre onde se vê

os tipos de cerca feitos pelo homem do campo de acordo com suas necessidades e,

dentro de um espaço cercado, vários tipos de armadilha para pássaros e animais de

pequeno porte: Quixó, Tocaia, Arapuca etc. Em seguida, adentraram nas dependências

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do Museu para captação de imagens de peças do museu, fotografando o que mais lhes

chamou a atenção.

Visível era a satisfação dos alunos. O que haviam visto em sala de aula

ganhava ali novos sentidos. Valorizando a cultura local, os alunos reconheceram que

também estavam valorizando os falares que povoam a vida de cada um, seja no seu

grupo familiar, escolar, ou social.

4.2 Cartilha do Museu Rural Auta Pinheiro Bezerra

A Cartilha do Museu Rural Auta Pinheiro Bezerra é o produto final do

nosso processo interventivo que se iniciou pela leitura em sala de aula dos poetas

potiguares, Jorge Fernandes e Hélio Crisanto. A referida cartilha foi construída pelos

alunos participantes da pesquisa, a partir de uma aula de campo, cuja finalidade era

observar, reconhecer e fotografar objetos representativos do nosso regionalismo.

Passado esse momento, os alunos foram pesquisar na internet os verbetes, escolhidos

por eles, para fazer parte da cartilha que ora apresentamos e nos enche de orgulho por

saber que as expectativas criadas por nós, enquanto professor pesquisador, foram

atingidas.

4.3 APLICAÇÃO DE UM QUESTIONÁRIO

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“O que a memória ama, fica eterno”.

(Adélia Prado, escritora e poetisa brasileira)

Por circunstâncias adversas, a ida ao museu culminou com o início das férias, que haviam sido antecipadas para se ajustar ao calendário do município. Dentre os entraves que tivemos, menciono o fato de que só pudemos ir ao museu no dia em que a escola entrou em recesso. Isto porque os ônibus da prefeitura, com quem fizéramos parceria, não estavam disponíveis no período inicialmente previsto. Atendendo a solicitações dos próprios alunos, combinamos que nos encontraríamos durante as férias, para dar continuidade ao projeto da cartilha e para fazer a gravação de alguns poemas. Planejamos, também, que após as férias voltaríamos à escola para aplicação de um questionário que abrangeria aspectos gerais da intervenção. Apesar da longa pausa entre a execução do projeto de pesquisa-ação e a aplicação do teste, imaginávamos que a memória deles haveria de entesourar o que fosse mais significativo. Não estávamos interessados em impressões e decisões momentâneas, mas em mudança de posturas de longo prazo. A aplicação foi feita e analisada, conforme o registro abaixo.

O antes e o depois em relação ao preconceito linguístico

Após a intervenção, aplicamos um questionário com oito questões para averiguar em que medida os principais objetivos foram alcançados. Escolhemos cinco dos 20 questionários respondidos para nossa análise. Selecionamos perguntas-chave e algumas respostas dadas.

Intrínseco à defesa da poesia regionalista está o combate ao preconceito linguístico. Queríamos ver o antes e o depois. Que visão eles teriam acerca da linguagem regional antes das aulas, e o que teriam passado a pensar depois de tudo que viram e vivenciaram? Daí a seguinte pergunta:

I – Que visão você tinha acerca da linguagem popular antes desta intervenção? O que mudou após as aulas a este respeito? As pessoas devem ser discriminadas pelo seu modo de falar?

Dentre as respostas dadas pelos vinte alunos, cinco deles assim se expressaram:

Aluno 1.“Antes das aulas, eu cheguei a criticar as pessoas pelo seu modo

de falar, pensava que era errado, engraçado ou um jeito hipócrita de falar. Mas após

as aulas de Gilberto, consegui enxergar que o que eu fazia errado, não o modo deles

falarem. E as pessoas não merecem ser discriminadas por isso, pelo contrário, elas são

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privilegiadas pela fala do nordestino, ou do nordestino matuto! E hoje eu sou uma

pessoa diferente, tenho orgulho de ser nordestina. E não troco o meu oxente pelo ok de

ninguém.” – Rayane Alves da Costa.

Aluno 2. “Antes desta intervenção, pensava que a linguagem popular era

um pouco estranha, porém percebi que é natural a forma de falar e seus sotaques.

Essas pessoas que falam matuto, já vem desde o crescimento e infância. [...]”

“Tenho convicção que ninguém deve ser discriminado pelo modo de falar.

Muitas delas transmitem através de seus sotaques a felicidade e simplicidade de um

nordestino.” – Keila Vanessa Ferreira da Silva

Aluno 3.“A linguagem popular foi formada de acordo com o tempo e os

ensinamentos de cada região. Ao meu ver a regionalização, a cultura e os costumes são

fundamentais para o crescimento de um bom cidadão, pois é preciso respeitar as

diferentes formas de falar. Cada região tem uma linguagem própria, e é isso que

diferencia das outras. Não existem quaisquer fundamentos para termos preconceito de

outras culturas, pois foi a miscigenação dessas culturas que ajudou a formar nossas

histórias.” - Maria Andriely Bezerra Nunes.

Aluno 4. “Na minha visão, todos têm direito de falar da maneira que

aprendeu em sua região. Quando me mudei para o Rio Grande do Norte, sofri um

pouco discriminação pela forma que eu falava, mas com um tempo me acostumei.

Ainda tem algumas pessoas que criticam, mas levo pelo lado da brincadeira. E todos

têm o jeito de falar de sua maneira e com os vídeos e as aulas eu fui melhorando.” –

Ana Beatriz Marques da Silva.

Aluno 5. “Eu não tinha esse preconceito com as diferentes maneiras de

falar do nordestino; a mudança é que me deu uma vontade de falar como um nordestino

e que não é pra nós desvalorizar a nossa cultura por ser diferente de outras do nosso

vasto Brasil; como diria o seu Ariano Suassuna, ‘Eu não troco o meu oxente pelo ok de

seu ninguém’.”

“As pessoas não devem ser discriminadas por seu modo de falar, pois é

uma maneira diferente de falar, as pessoas que discriminam são pessoas que não

gostam de algo diferente, de algo novo.” – Thiago Dias da Silva

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Análise:

Nas respostas, três responderam especificamente à indagação: “Que visão você tinha acerca da linguagem popular antes desta intervenção?” - os alunos 1, 2 e 5. Dois (alunos 1 e 2) admitiram que tinham preconceito antes da intervenção. Já o aluno 5 diz que não. Os alunos 3 e 4 não mencionaram em suas repostas o que pensavam antes da sequência de aulas. A aluna 4 mencionou ter sido vítima de preconceito linguístico quando mudou para nossa região.

Em relação à parte: “O que mudou após as aulas a este respeito?”, os alunos 1, 2 afirmaram que mudaram sua visão a respeito da linguagem regional. O aluno 5, que disse não ter sido preconceituoso antes da intervenção, afirmou que após a sequência de estudos passou a sentir vontade de falar como um nordestino, revelando, assim, que passou a valorizar mais ainda o modo de falar de sua gente. O alunos 3, à semelhança do que fez com a primeira parte da pergunta, não escreveu sobre as mudanças ocorridas. O aluno 4 diz que passou por mudanças – foi melhorando – durante a sequência.

Percebemos, nas cinco respostas, que responderam satisfatoriamente à ultima indagação: “As pessoas devem ser discriminadas pelo seu modo de falar?“

Unanimemente, defenderam a ideia de que os preconceitos linguísticos precisam ser combatidos, jamais tolerados.

Impressões sobre os poemas de Jorge Fernandes.

Um dos objetivos era tornar conhecida e amada a obra de Jorge Fernandes. Pedimos que respondessem à seguinte questão: Quais suas impressões sobre os poemas de Jorge Fernandes?

Obtivemos as seguintes respostas:

Aluno 1.“Os seus poemas falam sobre o sertão, mas também sobre as

coisas que lá habitam como: pássaros, árvores, redes... exaltando assim nossa beleza

nordestina” – Rayane Alves da Costa.

Aluno 2. “Os seus poemas são bonitos e um pouco mais simples. Falam

sobre a cultura e o Rio Grande do Norte.” – Keila Vanessa Ferreira da Silva

Aluno 3.“Os poemas dele são criativos e falam muito sobre a natureza

realçando a sua beleza e seus encantos de forma harmônica e humorada.” - Maria

Andriely Bezerra Nunes.

Aluno 4. “Que se trata de falar profundamente sobre o sertão sem usar

rimas, que mesmo assim prende a atenção do leitor.” – Ana Beatriz Marques da Silva.

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Aluno 5. “Ele fala do Nordeste de um modo geral como a arapuca, que usa

para a caça e a leitura é de difícil compreensão.” – Thiago Dias da Silva

Análise:

Percebemos que de um modo geral os poemas de Jorge Fernandes deixaram

uma positiva impressão nos alunos 1,2,3 e 4. O aluno 5 deixou entrever um

estranhamento ao dizer que os achou “de difícil compreensão”. Não significa,

necessariamente, que não tenha gostado.

Impressões sobre os poemas de Hélio Crisanto e sua vinda à escola.

Um dos momentos áureos de nossa intervenção foi a vinda

de Hélio Crisanto à escola. A respeito da questão “Quais suas reflexões sobre a vinda de

Hélio Crisanto à escola? Que contribuições ele trouxe aos seus conhecimentos e

compreensão?”, obtivemos as seguintes respostas:

Aluno 1.“Foi muito bom, me fez refletir sobre a crise de

água, sobre não deixar nossa cultura morrer, e me fez entender que isso é um dever

nosso.” – Rayane Alves da Costa.

Aluno 2. “Que através de saber que desde criança ele

gostou de ler poemas e compor músicas. Incentivando a ler cordéis e expressando

nossos sentimentos escrevendo poemas.” – Keila Vanessa Ferreira da Silva

Aluno 3.“Hélio Crisanto é um poeta que em seus versos

retrata verdades com um certo humor. Isso torna as suas poesias mais gostosas de ler.

Quando ele veio aqui na escola, ele recitou poemas, falou sobre sua vida, seus sonhos e

compartilhou experiências, isso foi muito legal e com ele eu aprendi bastante.” - Maria

Andriely Bezerra Nunes.

Aluno 4. “Que ele dava muito valor a sua linguagem e que

na escola ele sofria por sua forma de falar.” – Ana Beatriz Marques da Silva.

Aluno 5. “Com a vinda de Hélio Crisanto à escola a maior

reflexão que tive foi de ter o orgulho da minha cultura nordestina.” – Thiago Dias da

Silva

Análise:

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Como vimos nas respostas acima, diferentes aspectos desta visita e da

apresentação de poemas foram mencionados. O aluno 1 teve sua atenção despertada

para os problemas ambientais – tema abordado pelo artista em uma das aulas. O 2

destacou o incentivo à leitura feito pelo poeta a partir de seu próprio exemplo. O 3

destacou aspectos lúdicos e falou do prazer que os poemas lhe causaram. O 4 falou do

preconceito linguístico sofrido pelo próprio poeta e o aluno 5 escreveu que passou a ter

maior orgulho da sua cultura.

Percebemos que os resultados obtidos com a ida de Hélio à escola foram

positivos. De modo geral, todos tiveram boas impressões a respeito de suas produções

poéticas e participação nas aulas. Direta e indiretamente, ele deu um grande incentivo à

leitura e deixou uma impressão positiva a respeito da cultura local.

A aula-passeio

Outro momento significativo de nossa sequência interventiva foi a visita que

fizemos ao Museu Auta Pinheiro e ao Parque da Borborema. Perguntamos: “Que

impressões ficaram sobre o Museu Auta Pinheiro e o Parque da Borborema, visitados na

aula-passeio? Qual a importância destes espaços?” Dentre as respostas, destacamos as

seguintes:

Aluno 1.“Eu amei conhecer esses lugares Eles possuem uma grande

importância que é guardar objetos com grandes histórias.” – Rayane Alves da Costa.

Aluno 2. “Que o museu é o lugar onde está um pouco da história de Santa

Cruz e sobre a vida de Dona Auta. O parque da Borborema é um lugar onde tem as

plantas da região nordeste.” – Keila Vanessa Ferreira da Silva

Aluno 3.“Eu antes não conhecia o museu, e depois da visita eu aprendi a

sua importância e o valor histórico para a cidade.”

“A visita ao museu foi muito legal e me deu vários conhecimentos.” - Maria

Andriely Bezerra Nunes.

Aluno 4. “A visita ao museu foi a aula que mais gostei, conheci objetos

antigos e o modo de vida antigo. Foi muito bom, lá é um lugar muito bonito e que

guarda vários tesouros.” – Ana Beatriz Marques da Silva.

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Aluno 5. “Tive boas impressões, minha alma adquiriu conhecimentos da

minha própria cultura que eu não conhecia. A importância é de preservar a nossa

cultura nordestina.” – Thiago Dias da Silva

Análise:

O Aluno 1 diz que amou conhecer o museu e o parque. O aluno 4 diz ter

sido a aula que mais gostou e o aluno 3 diz que a visita ao museu foi muito legal. O

aluno 5 escreveu que ficou com boas impressões do evento. Os alunos 1, 3 e 5

destacaram a importância do museu. O Aluno 2 limitou-se a descrever em termos gerais

o que há no museu e no parque.

Foi notório o alto índice de satisfação com esta aula de campo. Percebemos,

de maneira mais evidente nas respostas dos alunos 3 e 5, que conhecimentos foram

adquiridos nesta “viagem” que fizemos ao visitar o museu e o parque.

Momentos mais significativos

A última pergunta que lhes fizemos foi elaborada do seguinte modo: “Que momentos desta intervenção você achou mais interessantes? Quais as contribuições que esta sequência de aulas trouxe aos seus conhecimentos e compreensão?”

Apenas quatro dos cinco alunos escolhidos responderam:

Aluno 1.“Mudou completamente o meu pensamento e o meu jeito de agir.

Me fez deixar o preconceito de lado, e a parte que mais gostei foi quando o poeta Hélio

veio à escola.” – Rayane Alves da Costa.

Aluno 2. “Que devemos valorizar a nossa cultura e sotaques. Gostei muito

dos poemas citados na sala, mas principalmente do passeio ao museu.” – Keila

Vanessa Ferreira da Silva

Aluno 3.“Me ajudou bastante a valorizar mais a minha cultura

nordestina.” - Maria Andriely Bezerra Nunes.

Aluno 4. “A visita ao museu foi a aula que mais gostei, conheci objetos

antigos e o modo de vida antigo. Foi muito bom, lá é um lugar muito bonito e que

guarda vários tesouros.” – Ana Beatriz Marques da Silva.

Análise:

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97

O aluno 1 escreveu que mudou radicalmente seu modo de pensar e de agir.

O “fez deixar os preconceitos de lado”. Os alunos 2 e 3 mostraram que após a

intervenção sentem-se mais motivados a valorizar a cultura local.” O aluno 4 deu

destaque à visita ao museu.

Por estas respostas, percebemos que diferentes momentos foram mais

significativos para uns que para outros. Todavia, em linhas gerais, não houve

insatisfação com nenhuma das etapas – algo que julgo muito positivo.

Considerações finais

Das oito perguntas postas no questionário, nos debruçamos acima na análise

das cinco que julgamos mais pertinentes à mensuração do alcance dos objetivos. Não

pretendíamos fazer algo acabado, mas dar início a um processo que deveria permear

toda a vida. Percebemos que, apesar das falhas de percurso, obtivemos êxito em nossa

intervenção. Atitudes foram mudadas; conhecimentos foram prazerosamente adquiridos;

bons momentos foram entesourados na memória; preconceitos linguísticos foram

combatidos; a prática da leitura de textos literários foi incentivada; melhorou a

autoestima de alguns alunos e a cultura popular passou a ser vista com melhores olhos.

Através desta dissertação, pretendemos dar continuidade e incentivo a

intervenções desta natureza. Que as vias tortuosas perceptíveis neste trabalho possam

ser aplainadas em projetos similares envolvendo estes ou outros autores.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Empreendemos as atividades de reflexão, intervenção e pesquisa registradas

neste trabalho, movidos pelo desejo de promover a leitura de modo significativo, de ver

a cultura popular e autores locais devidamente valorizados em nossas escolas.

Queríamos, que isto acontecesse da maneira mais prazerosa possível. Achamos que

fazer inclusão na pauta dos estudos de língua portuguesa de manifestações literárias de

cunho regionalista representativos dos espaços geográficos onde vivem os alunos, seria

um caminho viável para combater o preconceito linguístico e cultural. Imaginamos que

transformar em objeto de estudo e dar ênfase ao que melhor nos representa seria o meio

mais eficaz de que dispomos para fazer frente à cultura de massa - quase sempre

disseminada por motivos políticos ou puramente mercantilistas - própria do mundo

globalizado em que vivemos e combater a possibilidade de perda de identidade e

aculturação consequentes. Não limitados a este propósito, tivemos a pretensão de trazer

elementos capazes de contribuir para o fortalecimento da autoestima dos alunos e de

dar-lhes, através do olhar dos escritores Hélio Crisanto e Jorge Fernandes,

possibilidades de percepção poética da fauna e flora locais. Pretendíamos, com isso,

sensibilizá-los para a necessidade de cuidar do meio ambiente.

Cremos que, apesar do pouco tempo dedicado à realização desta

intervenção, conseguimos atingir os objetivos aos quais desde o início nos propusemos.

Os alunos da turma onde fizemos a intervenção tiveram oportunidade de ampliar seu

repertório linguístico, de melhorar suas habilidades de leitura, de conhecer artistas da

região em que vivem. Vimos que apesar das diferentes áreas de interesse comuns a

qualquer leitor – o que torna muito difícil agradar a todos – os textos regionalistas,

devidamente trabalhados, podem despertar a atenção e interesse dos alunos,

provavelmente por tais conteúdos terem a ver com eles mesmos. Contribuímos, assim,

com o desenvolvimento de uma consciência crítica em relação a modelos culturais

impostos pela mídia. Viram que necessitariam.

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Partimos da ideia de que, em um mundo de tênues fronteiras, em que, graças

às novas tecnologias, tempo e espaço são cada vez menos empecilhos, a pluralidade

cultural é cada vez mais possível. Ao invés, pois, de buscar adaptar-se a um padrão

cultural globalizante, quisemos despertar nos alunos um desejo de celebrar e promover

o diferente.

No passeio que fizemos ao Museu Auta Pinheiro Bezerra e ao Parque da

Borborema, tivemos a oportunidade de entrar em contato e de ver de perto grande parte

dos objetos que fazem parte do universo vocabular dos poetas estudados. Passamos,

então, uma manhã inteira em contato com a natureza e com objetos significativos em

décadas e séculos anteriores que nos convidavam a releituras e múltiplas possibilidades

de entendimento. Vimos, ali, a necessidade que todos temos de preservar a Caatinga, de

não deixar que a modernidade apague de vez os traços culturais deixados por nossos

antepassados, de valorizar e promover iniciativas como estas que resultaram na criação

do parque e do museu.

Ficamos felizes com nossos resultados, ao constatarmos o quanto os PCN

incentivam e demonstram flexibilidade para este tipo de trabalho. Para que haja um real

desenvolvimento da competência linguística e um processo de abertura ao diferente, o

processo ensino-aprendizagem não pode limitar-se ao que socialmente foi estabelecido

como modelo. Pudemos sentir, nas práticas desenvolvidas, o quanto o trabalho com

poemas regionalistas podem contribuir para a promoção dos valores da terra e quebra

de preconceitos linguísticos e culturais – algo de extrema relevância dentro das

propostas estabelecidas pelos Parâmetros.

As atividades propostas em alguns aspectos superaram o que fora projetado

para a intervenção e noutros ficaram aquém do pretendido. No entanto, em termos

gerais, podemos dizer que tivemos êxito em nossas atividades e pudemos constatar, na

prática, a veracidade do que havíamos pesquisado e refletido.

Pudemos demonstrar através destas reflexões e práticas, o quanto a poesia,

que ainda ocupa na escola um espaço pouco relevante pode, quando devidamente

trabalhada, contribuir para o desenvolvimento de caracteres e atitudes humanitárias

imprescindíveis à evolução do comportamento ético de nossos alunos.

E para nós, enquanto professores de Língua Portuguesa - que também

abarcamos a função de professores de Literatura - descobrimos, pela intervenção, que a

leitura do texto literário e, mais especificamente, a poesia, promove em nós um

sentimento de dever cumprido ao nos depararmos com alunos que são capazes de pensar

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e fazer, se forem postos à prova através de um ensino bem planejado e responsável.

Portanto, devemos pensar que ensinar é muito bom, mas aprender a ensinar é muito

melhor.

Eis, portanto, uma experiência exitosa, que pode e deve servir de exemplo

para novas intervenções. A cada desdobramento, certamente, surgirão novas estratégias

de como nos tornarmos melhores mediadores e, com isso, conseguirmos melhores

aprendizes.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A

A CARTILHA DO MUSEU AUTA PINHEIRO

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APÊNDICE B

Conhecendo o poeta Hélio

HÉLIO CRISANTOHÉLIO CRISANTOHÉLIO CRISANTOHÉLIO CRISANTO Hélio Gomes Crisanto nasceu em Campestre – RN no dia

primeiro de novembro de 1967. Reside em Santa Cruz – RN –

desde 1975. É digitador, funcionário do Hospital Aluízio

Bezerra, formado em Geografia pela Universidade Vale do

Acaraú (UVA). Além de poeta, é declamador, cantor,

instrumentista e compositor, cofundador da APOESC

(Associação de Poetas e Escritores de Santa Cruz). Foi três

vezes finalista no Encontro Regional do Forró (FORRAÇO) e

uma no Festival da Canção com composições próprias. É um

dos apresentadores do APOESC em Canto e Verso, programa

veiculado pela Santa Rita FM, e vocalista do Trio Arapuá.

Seus poemas têm sido publicados em diversos blogs, dentre

eles os blogs da APOESC e Jornal da Besta Fubana, onde

mantém uma coluna.

Livros de sua autoriaLivros de sua autoriaLivros de sua autoriaLivros de sua autoria::::

Retrato sertanejo (poesia, 2008)

Prosa de cancela (poesia, 2014)

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APÊNDICE C

JORGE FERNANDES Jorge Fernandes de Oliveira nasceu em Natal – RN em 22 de agosto de 1887 e faleceu, nesta mesma cidade, em 17 de julho de 1953. Iniciou sua carreira literária como poeta e prosador ao estilo parnasiano. Todavia, rendeu-se aos encantos do modernismo, movimento artístico criado na década final do século XIX. Em 1927 publicou um livro intitulado Livro de Poemas de Jorge Fernandes, responsável por sua projeção como precursor do modernismo no Rio Grande do Norte.

Conhecendo o poeta Jorge Fernandes