GISELE Meus pintinhos venham cá.docx
-
Upload
andre-mello -
Category
Documents
-
view
133 -
download
0
Transcript of GISELE Meus pintinhos venham cá.docx
MEUS PINTINHOS VENHAM CÁ!
Gisele Marinho1
(...) Tenho medo da raposa!
A raposa não faz mal!
Faz sim!!!!
Tenho milho prá te dar!
Obaaaaaaa!!!
Olha o lobo, o lobo, o lobooooo! ...
(Brincadeira popular)
Resumo
Nesse artigo, seguem algumas reflexões entre o jogo e a brincadeira e o que há de
comum entre esses dois pontos. Huizinga, Kishimoto e Conceição Lopes dão esse
suporte para a construção do conceito. O Lúdico, na visão do Gepel, baseados no estudo
de Luckesi, aparece como ponto convergente entre o jogo e a brincadeira. Concluindo
que a definição do lúdico se dá pelo que o sujeito sente e relata e não pelo que é
oferecido, seja jogo ou brincadeira.
1. Introdução
Qual a criança que nunca brincou de pique-pega, bola de gude, ciranda-cirandinha, pião,
passa anel, esconde-esconde...? Pelo menos de uma dessas brincadeiras nós já
participamos, quer seja convidado por amigos, quer seja os convidando. A brincadeira
faz parte do universo infantil. É só lembrar delas e já vem um sorriso em nossa face
mostrando o quanto nos envolvíamos quando brincávamos. Poderemos, porém, dizer o
1 Gisele Marinho é psicopedagoga formada pela UFBa e terapeuta em formação pela Dinâmica de Energia do Psiquismo – DEP. Participa do grupo de estudos de educação e ludicidade – GEPEL da Universidade Federal da Bahia – UFBa. Faz cursos de formação em Constelação Familiar e Healing. Contatos pelo email [email protected]
1
mesmo do jogo? Há alguma diferença entre o brincar e o jogar? Se há, qual é essa
diferença? Será que quando brincamos de “meus pintinhos venham cá” não estamos
jogando? E quando jogamos, por exemplo: banco imobiliário, não estamos brincando?
E o que é jogo? E o que é brincar? Há algo em comum?
Como psicopedagoga, essas inquietações sobre a diferença entre o jogo e a brincadeira
me instigaram a refletir e pensar do uso desse estado lúdico no meu cotidiano
profissional. Busquei alguns autores para entender se há diferença entre a brincadeira e
o jogo e se essa(s) diferença(s) pode(m) interferir no processos de aprendizagem.
2. Quais as diferenças entre jogo e brinquedo ?
Kishimoto [1997] cita que Brougère, Henriot e Wittgenstein apontam três níveis de
diferenciação entre os tipos de jogos. O jogo pode ser visto como:
1. O resultado de um sistema linguístico dentro de um contexto social
2. Um sistema de regras
3. Um objeto
Diferindo do jogo, o brinquedo supõe uma relação com a criança e uma indeterminação
quanto ao uso, ou seja, a ausência de regras que organizam sua utilização. É um
estimulante material para fluir o imaginário infantil.
De acordo com Kishimoto [1997] a brincadeira é a ação que a criança desempenha ao
concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica; podendo dizer que é o lúdico
em ação. Neste viés a brincadeira relaciona-se diretamente com a criança e não se
confunde com o jogo.
Em contraponto, Huizinga [2008], escreve que não exercemos o jogo sob forma de
exercício ou de reações puramente mecânicas. Ao invés, a atividade nos dá a tensão, a
alegria e a diversão. Para ele, o homem não acrescentou característica essencial alguma
2
à ideia geral do jogo2 e que até as atividades arquetípicas são marcadas pelos jogos, ou
seja, jogar faz parte da essência da vida.
Huizinga [2008] cita Frobenius, para quem primeiro o homem toma consciência dos
fenômenos do mundo, vegetal e animal. Depois, adquire as ideias de tempo e espaço. E,
por fim, representa essa grande ordem recriando os acontecimentos, jogando e assim
transfere os participantes para um mundo diferente que organiza e libera o sujeito.
Huizinga [2008] ainda lembra que Freud também nos afirma que todo jogo se processa
e existe dentro de um campo previamente delimitado, de maneira material ou
imaginária, deliberada ou espontânea. O jogo nos transporta para um mundo onde reina
algo diferente da claridade do dia. O jogo nos convida intensamente a viver o presente e
é capaz de incluir cada um com suas diferenças.
Segundo Huizinga [2008], o jogo possibilita ao homem se expressar na vida, criando
assim um outro mundo ao lado da natureza. E como prazer e divertimento não são
atributos materiais, então, ele nos diz que a existência do jogo é uma confirmação
supralógica da situação humana; se jogamos, é porque somos mais do que simples seres
racionais, pois o jogo é irracional. E ao jogar, há uma evasão da vida real, um “faz de
conta”, um “só brincando” – o que começou como um jogo, com regras claras, torna-se
um “brincar”. Podemos, assim, dizer que há um ponto em que o jogo e a brincadeira se
misturam. A pergunta que fica é: “E o que surge dessa mistura”? O que surge é o
Lúdico.
3. O Lúdico
Kishimoto [1997] escreve que, segundo Piaget, a criança quando brinca assimila o
mundo à sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua interação com o
objeto não depende da natureza do objeto mas da função que a criança atribui. É o que
Piaget chama de jogo simbólico, o qual se apresenta inicialmente solitário, evoluindo
para o estágio de jogo sociodramático, isto é, para a representação de papéis, como
2 Em seu livro, Homo Ludens, jogo e brincadeira se misturam, seja durante a tradução do alemão para o português em que se utilizou apenas a palavra jogo para definir brincar e jogar, seja porque o próprio autor não se deteve em fazer uma distinção entre esses dois fenômenos considerando apenas a raiz do processo.
3
brincar de médico, de casinha, de mãe. Piaget traz nessa reflexão a importância do
sentimento interno do sujeito.
Brougère também é citado por Kishimoto [1997] e nos diz que a brincadeira aparece
como um meio de sair do mundo real para descobrir outros mundos, para se projetar
num universo inexistente. É através dos brinquedos e brincadeiras que a criança tem
oportunidade de desenvolver um canal de comunicação, uma abertura para o diálogo
com o mundo dos adultos, onde ela restabelece seu controle interior, sua auto-estima e
desenvolve relações de confiança consigo mesma e com os outros.
Na visão do Gepel, no lúdico o sujeito se entrega por inteiro. Se sente livre, alegre, feliz
e expandido.
Comumente se pensa que uma atividade lúdica é uma atividade divertida. Poderá ser ou
não. O que mais caracteriza a ludicidade é a experiência de plenitude que o sujeito
vivencia em seus atos. Brincar ou jogar não é o importante e sim agir ludicamente que
exige uma entrega total do ser humano, corpo e mente, ao mesmo tempo. A atividade
lúdica não admite divisão entre o corpo e a mente. Se ocorrer de estarmos com o corpo
presente mas com a mente dispersa, então a atividade não será plena e por isso não será
lúdica.
Neste ponto, percebemos que ludicidade tem haver com a experiência interna. É um
fenômeno interno do sujeito que possui manifestações no exterior. Aqui, estamos
tratando da ludicidade e não, em si, de jogos ou brincadeiras. Neste caso, uma mesma
atividade (jogo, brincadeira, dramatização...) pode ser lúdica para um e não-lúdica para
outro. O que define se a experiência foi lúdica é o que o sujeito sente e relata e não o
que é proposto como o jogo ou a brincadeira.
Segundo Cipriano [1998]: “(...) neste momento é possível compreender que, na
experiência de uma atividade lúdica, o participante vivencia a experiência
internamente”.
4
4. Conclusões
O jogo/brincadeira é indispensável ao bem estar da comunidade e ao mesmo tempo é o
germe de intuição cósmica e de desenvolvimento social. O jogo/brincadeira exerce a
função de ser libertador da espontaneidade e do imaginário. Utilizar situações de jogo e
brincadeira na formação pedagógica remete para o uso metafórico das propriedades do
jogo, de liberação do imaginário.
Para a construção do conhecimento e do saber por parte da criança, entretanto, é preciso
que o professor ou psicopedagogo altere sua forma de conceber o processo de ensino-
aprendizagem. Ele não é um processo linear e contínuo que se encaminha numa única
direção, mas sim, multifacetado, apresentando paradas, saltos, transformações. É
importante que o professor perceba que a forma como a criança reage ao objeto não é
simplesmente um produto do processo da sua interação como o objeto no momento,
mas um produto de sua história pessoal e social. Além disso, deverá abrir espaço para a
partilha. Só o testemunho dos alunos poderá revelar a ludicidade, ou não, daquela
experiência.
Pensar sobre a ludicidade é pensar sobre a essência da humanidade, abrindo pensamento
sobre o estudo em diversos campos. Segundo Conceição Lopes, a essência da ludicidade
reside sobretudo nos processos relacionais e inter relacionais que as pessoas
protagonizam entre si, em diferentes situações e em diversos patamares de ocorrência
dos seus processos de manifestação intrapessoal, interpessoal, intergrupo, intergrupo,
intra-institucional, inter-relacional e em sociedade e ainda, com ou sem brinquedos e
jogos/artefatos lúdicos digitais e analógicos.
Podemos então concluir que os artefatos lúdicos são meios de suporte a serviço da
ludicidade. Abrindo caminhos para uma aproximação compreensiva e mais clara da
realidade humana ainda tão enigmática. Desta forma, mesmo “sem o lobo”, os
“pintinhos” vivem o medo de serem comidos.
5
5. Bibliografia
LOPES [2004], Conceição – Ludicidade – a visão moderna da condição lúdica Humana
– Lisboa, PT.
LUCKESI [1998], Cipriano Carlos – Desenvolvimento dos estados de consciência e
ludicidade – Cadernos de Pesquisa/ Núcleo de Filosofia e História da Educação. V. 2,
n.1 (1998) – Salvador: Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação.
Programa de Pós-Graduação e Pesquisa – pg. 09
HUIZINGA [2008], Johan – Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura – São
Paulo: Perspectiva.
KISHIMOTO [1997], Tizuko Morchida – Jogo, Brinquedo, Brincadeira e Educação – São Paulo: Cortez Editora.
6