GlobalIzação

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A Globalização no Brasil perpassa por uma série de fatores históricos e geográficos. Pode-se dizer que desde que os europeus chegaram ao que hoje é chamado de território brasileiro, o Brasil está inserido no processo de Globalização. Entretanto, o consenso é que somente a partir da década de 1990 que a Globalização passou a ter um maior impacto na economia brasileira. A maior influência da Globalização no Brasil demarcou também a adoção de um modelo econômico que visava à mínima intervenção do Estado na economia, chamado de Neoliberalismo. Com isso, intensificou-se o processo de privatizações das empresas estatais e a intensa abertura para o capital externo. O Brasil também deixou de ser denominado como país de terceiro mundo, uma vez que essa divisão deixou de ser adotada. Passou-se a dividir o mundo em países do Norte (desenvolvidos) e países do Sul (subdesenvolvidos). O que não mudou foi a dependência econômica e a condição de subdesenvolvimento em que o país se encontrava. Com a abertura de capitais, houve maior inserção das indústrias e companhias multinacionais no Brasil. Elas aqui se instalaram para ampliar o seu mercado consumidor e, também, para buscar mão de obra barata e maior acesso às matérias-primas. Isso acarretou uma maior produção de emprego, porém com condições de trabalho mais precarizadas. Além disso, observou-se também a instalação de indústrias denominadas “maquiladoras”, uma vez que todo o processo produtivo se fazia em outros países e apenas a montagem dos produtos era feita nacionalmente. O intuito das empresas era driblar os impostos alfandegários e diminuir os custos de produção, uma vez que a mão de obra em países subdesenvolvidos como o Brasil costuma ser mais barata que nos países desenvolvidos. Em linhas gerais, o que se pôde observar com a Globalização do Brasil foi a construção de uma contradição: de um lado, o aumento de emprego e a produção e venda de maior número de aparelhos tecnológicos, já do outro, o aumento da precarização do trabalho e da concentração de renda, sobretudo nos anos 1990 e início dos anos 2000. A globalização não é novidade na história. Dentre outros movimentos nessa direção, os descobrimentos de terras e continentes, na virada do século XV para o XVI, fizeram crescer o número de nações, criaram e ampliaram novas relações políticas, culturais, comerciais e de investimentos entre seus povos e contribuíram fortemente para integrar o planeta em escala global. A globalização que adquiriu realce nas três últimas décadas é caracterizada por um novo e acelerado ciclo de desenvolvimento tecnológico e pela maior liberalização do comércio e dos investimentos internacionais. Na sua esteira, trouxe novos e grandes avanços nos meios de transporte e em outras formas de comunicação, como a televisão por satélite e a internet. Nessa corrida, os países à frente do processo tiveram enormes ganhos de

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A Globalizao no Brasilperpassa por uma srie de fatores histricos e geogrficos. Pode-se dizer que desde que os europeus chegaram ao que hoje chamado de territrio brasileiro, o Brasil est inserido no processo de Globalizao. Entretanto, o consenso que somente a partir da dcada de 1990 que a Globalizao passou a ter um maior impacto na economia brasileira.A maior influncia da Globalizao no Brasil demarcou tambm a adoo de um modelo econmico que visava mnima interveno do Estado na economia, chamado deNeoliberalismo. Com isso, intensificou-se o processo de privatizaes das empresas estatais e a intensa abertura para o capital externo.O Brasil tambm deixou de ser denominado como pas de terceiro mundo, uma vez que essa diviso deixou de ser adotada. Passou-se a dividir o mundo em pases do Norte (desenvolvidos) e pases do Sul (subdesenvolvidos). O que no mudou foi a dependncia econmica e a condio de subdesenvolvimento em que o pas se encontrava.Com a abertura de capitais, houve maior insero das indstrias e companhias multinacionais no Brasil. Elas aqui se instalaram para ampliar o seu mercado consumidor e, tambm, para buscar mo de obra barata e maior acesso s matrias-primas. Isso acarretou uma maior produo de emprego, porm com condies de trabalho mais precarizadas.Alm disso, observou-se tambm a instalao de indstrias denominadas maquiladoras, uma vez que todo o processo produtivo se fazia em outros pases e apenas a montagem dos produtos era feita nacionalmente. O intuito das empresas era driblar os impostos alfandegrios e diminuir os custos de produo, uma vez que a mo de obra em pases subdesenvolvidos como o Brasil costuma ser mais barata que nos pases desenvolvidos.Em linhas gerais, o que se pde observar com a Globalizao do Brasil foi a construo de uma contradio: de um lado, o aumento de emprego e a produo e venda de maior nmero de aparelhos tecnolgicos, j do outro, o aumento da precarizao do trabalho e da concentrao de renda, sobretudo nos anos 1990 e incio dos anos 2000.A globalizao no novidade na histria. Dentre outros movimentos nessa direo, os descobrimentos de terras e continentes, na virada do sculo XV para o XVI, fizeram crescer o nmero de naes, criaram e ampliaram novas relaes polticas, culturais, comerciais e de investimentos entre seus povos e contriburam fortemente para integrar o planeta em escala global. A globalizao que adquiriu realce nas trs ltimas dcadas caracterizada por um novo e acelerado ciclo de desenvolvimento tecnolgico e pela maior liberalizao do comrcio e dos investimentos internacionais. Na sua esteira, trouxe novos e grandes avanos nos meios de transporte e em outras formas de comunicao, como a televiso por satlite e a internet. Nessa corrida, os pases frente do processo tiveram enormes ganhos de eficincia, acelerando seu sucesso econmico e provocando importantes mudanas no quadro mundial de renda e riqueza.A globalizao uma realidade, uma onda que alcana povos e naes na sua economia, na sua cultura e na sua poltica. No h como impedi-la. Por isso mesmo, cabe posicionar-se estrategicamente diante dela, pois no conduz necessariamente ao sucesso econmico e social. Apresenta, tambm, o risco do fracasso. Contudo, como um processo em andamento que continuar por um tempo indefinido, no h como marcar hoje uma linha de chegada e avaliar a posio dos competidores no seu resultado final.Concentrando a ateno nos aspectos econmicos e vendo o Brasil na globalizao, percebe-se que as duas ltimas dcadas foram frustrantes para o desenvolvimento do pas, pois foi nfimo o aumento do seu Produto Interno Bruto (PIB) por habitante, em contradio com um retrospecto de crescimento mais acelerado, em particular nos meados do sculo passado1. Quanto a avanos sociais, polticos e culturais, tambm houve progressos, mas novamente pode-se queixar de sua reduzida velocidade.Em face dessa coincidncia entre o novo surto de globalizao e o fraco desempenho da economia brasileira, a pergunta que emerge se esse desempenho vem sendo indubitavelmente prejudicado pela globalizao. No h, contudo, como responder a essa questo. Para uma resposta afirmativa haveria o contra-argumento de que o Brasil passou nas duas ltimas dcadas por profundas reestruturaes de sua economia, ligadas ou no globalizao. Nesse perodo, tal como um doente em tratamento, acabou sendo prostrado pelos males e pelos cuidados necessrios. Saindo destes e superada a convalescena, poder voltar competio com novas e redobradas foras. J uma resposta negativa teria como contra-argumento o prprio desempenho da economia, mas sem que se pudesse provar essa tese contrria, pelas razes j apontadas. possvel, contudo, ser menos agnstico e avaliar o Brasil diante da globalizao. No nos resultados finais, indefinidos inclusive no seu prprio tempo de avaliao, mas na atitude estratgica do pas em face dessa competio, e de resultados parciais j alcanados. Esse enfoque se justifica porque, diante de ameaas e oportunidades econmicas trazidas pela globalizao, o pas deveria ter definido uma estratgia para encar-la, superando seus aspectos negativos e aproveitando seu lado positivo. Essa estratgia incluiria o monitoramento dos resultados, para eventuais correes de rumo e de desempenho.Nessa linha, o texto a seguir argumenta que o Brasil no fez isso e j acumula maus resultados parciais de sua insero no processo, havendo inclusive razes para temer outros ainda mais lamentveis. Esse temor, contudo, no se assenta na previso de desenlaces inexorveis, at porque no haveria como sustent-la. O que se busca apontar desvios e sugerir correes, tanto para reduzir o risco de fracassos, como para buscar outros caminhos com maior probabilidade de sucesso.Relacionando o enfoque aqui adotado com a literatura internacional, em linhas gerais, similar ao de Rodrik (1997, 1999), que v vrias dificuldades no processo de globalizao, mas que no comprometem suas vantagens, desde que adequadamente buscadas por aes internas e externas. No que tem de particular, a maneira de abordar o assunto no coincide necessariamente com a do referido autor, alm de ser voltada exclusivamente para o caso brasileiro.O texto foi estruturado em trs sees. A primeira define as principais caractersticas de uma estratgia adequada diante da globalizao. A segunda, com vrias subsees, aborda a insero do Brasil no processo, mostrando resultados parciais negativos luz dos critrios definidos na primeira seo. Apontam-se, tambm, porque igualmente existiram, alguns aspectos positivos. Estes, se no preponderaram sobre os primeiros, servem como exemplos do contedo de uma estratgia adequada. Os aspectos tratados so: a insero financeira, a comercial, o programa de privatizao, a atitude com relao rea de Livre Comrcio das Amricas (Alca) e, com uma avaliao positiva, a atuao do Brasil na Organizao Mundial de Comrcio (OMC), bem como casos de alcance internacional envolvendo medicamentos genricos e patentes farmacuticas. A terceira seo apresenta algumas consideraes finais.1. Fundamentos para uma Estratgia de GlobrasilizaoA globrasilizao, definida como a globalizao que convm ao Brasil, envolve uma estratgia pr-ativa diante do fenmeno. At aqui o pas tem sido arrastado pela onda da globalizao, numa atitude essencialmente passiva. Uma estratgia adequada exige o entendimento da natureza do processo e a identificao de suas vantagens e desvantagens, com o propsito de maximizar aquelas e minimizar estas, mediante uma adequada definio de objetivos, metas e meios. Dentro do escopo deste texto, a ateno ser concentrada na definio de objetivos e meios, bem como na avaliao de vantagens e desvantagens.Comeando por um objetivo bvio, a globrasilizao deve buscar o desenvolvimento econmico mais acelerado. At aqui o Brasil andou seguindo alguns caminhos globalizados que prejudicaram parcialmente sua taxa de crescimento do PIB, conforme mostrar a seo seguinte. Em particular, h que colocar os fluxos comerciais e financeiros a servio do desenvolvimento. Ademais, dada a situao enfrentada pela economia nos ltimos anos, o aumento das exportaes requer ateno especial, pois tem importncia crucial para o crescimento econmico e para a reduo da vulnerabilidade externa do pas, conforme adiante se esclarecer. Para referncia posterior, esse critrio ser referido como o de desenvolvimento.Como a globalizao tem muito de competio, fundamental que o pas esteja preparado para isso. Assim, a globrasilizao deve buscar um preparo adequado, eliminando deficincias e aprimorando as vantagens competitivas do pas. Entre aquelas, esto o vis financeiro no comando da poltica econmica, os juros muito elevados, o agravamento da dvida interna, a estrutura tributria com seus impostos e contribuies em cascata onerando exportaes e investimentos, os pesados custos da infra-estrutura, as fragilidades do sistema educacional, o reduzido nvel e dinamismo do progresso tecnolgico e o frgil sistema de promoo comercial. H, ainda, o despreparo dos empresrios e trabalhadores nas negociaes comerciais e um corpo diplomtico que precisa voltar-se ainda mais para as questes comerciais, ao lado de aceitar que sejam mais ouvidos e envolvidos nas negociaes os segmentos da sociedade a que elas dizem respeito. Essas necessidades sero resumidas no critrio do aprimoramento competitivo.Uma terceira caracterstica da globrasilizao decorre dos conhecidos contrastes sociais do pas, sintetizados na sua m distribuio de renda. Esta, por sua vez, est assentada em contrastes patrimoniais, inclusive educacionais ou de capital humano, ao lado de desigualdades no acesso ao poder poltico, Justia, sade, a oportunidades de trabalho e a mecanismos de proteo social. No haver melhoria da distribuio de renda se os chamados excludos no forem adequadamente preparados enquanto pessoas nos aspectos educacionais e de sade, dentre outros para melhor competirem no acesso a oportunidades de renda e de patrimnio. E tambm indispensvel que essas oportunidades lhes sejam abertas, credenciando-os para bem disputar as mesmas sem excluses ou cartas marcadas.E mais: como toda competio, a globalizao envolve riscos de acidentes, em particular os de adaptao a uma competio mais acirrada, para a qual muitos no estaro preparados e sofrero desajustes debitados conta de benefcios superiores a custos. O caso tpico o das concesses comerciais que prejudicam alguns setores e os que trabalham nele, em troca de benefcios para outros. Nessas condies, necessrio existir mecanismos que amparem os segmentos prejudicados, facilitando seus ajustes na materializao desses riscos, mas sem impedir mudanas indispensveis.A esse conjunto de requisitos da globrasilizao ser dado o nome de critrio social, que se desdobra em capacitao, oportunidades e proteo para os excludos e grupos vulnerveis em geral.Um quarto aspecto que a globalizao signifique um ganho lquido ao fortalecimento do pas como entidade nacional sem, ao contrrio, aumentar a sua vulnerabilidade. Em outras palavras, deve-se buscar a globalizao sabendo-se que expe o pas a riscos, mas cabe retirar dela um fortalecimento mais que suficiente para compens-los. como um boxeador que treina com outros. Ir levar socos, mas o objetivo fortalec-lo e reduzir sua vulnerabilidade na luta. Sem a clara noo desse objetivo, corre o risco de apanhar a ponto de a vulnerabilidade crescer em lugar de diminuir. o critrio da vulnerabilidade e difere de aspectos do anterior por tratar dela em termos gerais e no apenas na questo social.Uma quinta caracterstica que a globrasilizao dedique particular ateno s regras do jogo e ao bom funcionamento e fortalecimento das instituies internacionais que definem e aplicam essas regras. Alm de uma questo tica, h outra razo muito pragmtica para fazer isso. O Brasil um pas fraco no jogo de foras internacionais e, para no ser atropelado pelos mais fortes, fundamental essa ateno. As instituies mais importantes so a Organizao Mundial de Comrcio (OMC), nas questes comerciais, e o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial, nas financeiras. A ateno inclui o trabalho permanente junto a esses rgos, inclusive a avaliao crtica de sua atuao, o preparo de recursos humanos necessrio a esse trabalho, e a arregimentao dos empresrios e trabalhadores nacionais na exposio e defesa dos seus interesses. Esse critrio o do foco nas instituies internacionais.Dados esses critrios, a seo seguinte abordar, luz deles, cinco aspectos da insero brasileira no processo de globalizao.2. Grandes Erros e Alguns Sucessos2.1 A Insero FinanceiraUm dos aspectos mais caractersticos da globalizao tem sido a grande expanso das transaes financeiras internacionais, na esteira de sua maior liberalizao e do avano dos meios de comunicao. Estes facilitaram enormemente a disseminao de informaes sobre os agentes que atuam no mercado e a realizao das transaes dentro dele. Por conta dessa agilidade, as transaes financeiras internacionais se expandiram mais rapidamente e foram mais facilitadas que o comrcio internacional de produtos e de outros servios.No estudo das finanas pessoais so conhecidos os casos patolgicos de gente que se excede no consumo e no endividamento, s vezes, exigindo terapia especializada. Nas finanas internacionais, o Brasil se apresenta tambm como um caso patolgico, de recurso excessivo e inadequado a recursos externos, particularmente na ltima dcada.Alm de ter passado por ciclos abruptos de movimento de capitais de curto prazo, com a sada destes precipitando a desvalorizao de 1999, o pas tem hoje um passivo externo elevado, representado pela soma de emprstimos, financiamentos e investimentos diretos estrangeiros, o qual continua crescendo por fora de sucessivos e graves desequilbrios no seu balano de transaes correntes, que inclui o fluxo de mercadorias e o de servios como fretes, turismo, juros e dividendos. Essa situao tem exposto o pas a turbulncias originadas de outros pases igualmente vulnerveis, os quais contaminam outros ao provocarem a interrupo do fluxo normal de recursos financeiros internacionais, como aconteceu nos casos da Rssia, em 1998, e Argentina, em 2001, este ltimo ainda em desdobramento. No final de 1998 e incio de 1999, com suas prprias dificuldades o Brasil tambm causou turbulncias a outros pases.Essa vulnerabilidade financeira do pas decorreu de fatores atuando do lado da oferta e da demanda de recursos. Comeando por estes ltimos, merecem destaque a abertura comercial realizada na ltima dcada do sculo passado a qual ser objeto da subseo seguinte - e, principalmente, a poltica de sobrevalorizao do real praticada de 1994 a 1999, a qual estimulou importaes e desestimulou exportaes, agravando o desequilbrio externo.Fatores como esse do real caro estiveram, entretanto, apenas na superfcie de questes mais profundas. Na realidade, o que levou excessiva dependncia de recursos externos foi a crena equivocada de que os desequilbrios continuariam a ser financiados sem maiores problemas. nesse gasto e financio, levado a propores patolgicas, que se assentam as razes do equvoco cometido pelo Brasil no seu engajamento na vertente financeira da globalizao. Foi uma soluo mal pensada, pois que representou uma opo enganosamente fcil relativamente a alternativas capazes de atacar o problema do desequilbrio externo pela raiz, como a adoo de uma taxa de cmbio realista, o estmulo s exportaes, o esforo na substituio de importaes e o aumento da poupana interna.Essa demanda exagerada no teria respaldo se no houvesse financiadores externos dispostos a sustent-la do lado da oferta. A a globalizao financeira entrou, com seus recursos e sua agilidade, para abrir espao equivocada opo brasileira. uma armadilha da globalizao, mas em que camos por conta dos equvocos de uma estratgia inadequada.Mas, seria o caso de perguntar, os ofertantes de recursos desprezam os riscos de lidar com pases imprudentes como o Brasil? Ora, a globalizao tambm desigual na distribuio da esperteza. Para comear, os credores, mais ricos, tm mais o que arriscar. Em segundo lugar, cobram pelo risco, via taxas de remunerao maiores, dependendo do perfil de risco do tomador, que acompanham com informaes em tempo real, facilitadas pela globalizao dos meios de comunicao. Em terceiro lugar, estando bem informados, costumam sair antes do desastre final moratria, recurso ao FMI etc. , freqentemente j bem pagos pelo risco, mas sem o nus de sua materializao. Em quarto lugar, os governos dos seus pases e as instituies internacionais em que tm grande influncia, como o FMI, se apressam a socorrer os pases em dificuldades. Leia-se, tambm: dar-lhes flego para que possam pagar seus credores.2Nessas condies, preciso buscar caminhos alternativos como os citados e diminuir a dependncia brasileira dos recursos externos, que tantos males vm causando ao pas. Mesmo o investimento direto, que participa do processo produtivo nacional e enfrenta efetivamente os riscos locais, tambm precisa ser enquadrado nessa reformulao de estratgia, em particular cobrando-se dele a gerao, via exportaes, dos prprios recursos que permitiro sustentar a remessa de seus lucros, quando no preferencialmente reinvestidos aqui.A equivocada estratgia adotada pelo Brasil na globalizao financeira teve outros desdobramentos. O mais importante foi uma poltica de juros elevadssimos, utilizada por muito tempo para atrair investidores externos e evitar a desvalorizao que se tornou inevitvel no final de 1998. Essa poltica aumentou seriamente a dvida pblica interna, a qual foi tambm agravada, numa ao igualmente voltada para segurar a taxa de cmbio, pela venda de papis com correo cambial, os quais sofreram o acrscimo das desvalorizaes de 1999 e 2001.Ainda que a taxa de cmbio tenha sido corrigida, os juros continuam altos. Tendo uma dvida lquida de 55% do PIB e uma taxa real de juros em torno de 12% ao ano, o setor pblico brasileiro paga de juros cerca de 6,6% do PIB, o que equivale aproximadamente a um quinto do que arrecada em impostos. Com enorme sacrifcio, gera um supervit primrio de receitas menos despesas, exceto juros - em torno de 3,5% do PIB, que usa para pagar parte dos juros. O dficit restante se acrescenta dvida que vai crescendo3. Isto porque, para estabilizar a relao dvida lquida/PIB com esses nmeros, a economia precisaria crescer cerca do dobro da taxa atual, a qual est em torno de 2%. esse quadro da dvida pblica interna, resultante em larga medida da forma de insero financeira praticada de 1994 a 1999, que gera o temor referido inicialmente, de impasses ainda mais graves no futuro, se o endividamento no for contido. A conteno exigir muito engenho e arte. Para a reduo dos juros, indispensvel no processo, ser necessria uma ao simultnea envolvendo a manuteno ou mesmo um pequeno aumento do supervit primrio - para sinalizar a disposio de ajuste do governo -, juntamente com expanso das exportaes e novos esforos na substituio de importaes, com o objetivo de reduzir a necessidade de recursos externos.Quanto a esse lado externo das medidas necessrias, o Brasil j retomou o caminho adequado com a poltica de cmbio flutuante adotada em 1999. Mais recentemente, com as turbulncias externas que novamente realaram sua vulnerabilidade em 2001, vem dando demonstraes de que passou a levar a srio a necessidade de exportar mais. Ainda que o passivo externo continue uma questo preocupante, em termos absolutos e relativos o problema mais grave a enfrentar o dos juros e o da dvida pblica interna, at porque ainda no foi definido um movimento mais consistente nessa direo, exceto a gerao de grandes supervits primrios que, contudo, no bastam para resolver o problema e trazem tambm os seus prprios agravantes.Em sntese, esse quadro difcil a que o pas chegou demonstra quo equivocada foi sua insero na globalizao financeira, um movimento que no seguiu os critrios de desenvolvimento, de vulnerabilidade e de aprimoramento competitivo. Tampouco foi atendido o critrio social, dado que os maiores juros agravam a m distribuio de renda, ao lado de prejudicarem o crescimento econmico e a gerao de oportunidades de trabalho. Demonstra, tambm, um foco equivocado nas instituies internacionais, tornando inevitvel um recurso ao FMI, quando, conhecendo as caractersticas da instituio, o ideal seria comportar-se de modo a no recorrer a ela. E mais: dentro do FMI, h muito que lutar no sentido de evitar seu vis pr-credores, em face da influncia que sofre dos pases ricos. Na mesma instituio e em outros foros internacionais, seria tambm importante que o Brasil participasse mais ativamente da discusso sobre os movimentos de capitais de curto prazo e da forma pela qual so resolvidos os problemas dos pases em crise de financiamento externo.2.2 A Insero ComercialEmpolgado pela pregao de uma das mensagens mais difundidas do evangelho econmico, a das vantagens do livre comrcio, o Brasil comeou a abrir as portas de sua economia no governo Collor e as escancarou com a poltica cambial do perodo 1994-1999. Ora, comrcio troca e a abertura comercial tem sido criticada por ter sido concedida sem maiores contrapartidas dos nossos parceiros. Os defensores do grande passo dado pelo governo Collor argumentam que sem a ao ousada e contundente ento tomada no seriam rompidas as foras que se opunham abertura, algumas delas sabidamente retrgradas. E, hoje, no haveria como voltar atrs, voltando aos parceiros e cobrando concesses como se fossem dvidas antigas, pois isso s encontraria ouvidos surdos. Seria tambm difcil argumentar internamente pela reverso, pois a sociedade apia a abertura, demonstrando apreciar o maior leque de bens e servios que trouxe, ao lado de desconfiar dos que pregam a volta de uma proteo mais vigorosa, agora disfarada como seletiva, ainda que reivindicada por inmeros setores, a ttulo de uma nova poltica industrial.Ainda no est bem assentada essa idia de uma nova poltica em que setores selecionados seriam objeto de incentivos para um novo salto na substituio de importaes e um avano sem precedentes nas exportaes. Como sempre, h o risco de erros na seleo, de os incentivos encobrirem ineficincias, de distores na fase administrativa e de impactos desfavorveis na distribuio de renda.Ora, uma das maiores necessidades estratgicas do pas a de expandir as exportaes, no s para diminuir a vulnerabilidade externa, mas tambm para impulsionar o crescimento equilibrado da economia, ao lado de ser tambm importante para garantir a reduo da taxa de juros, na medida em que a vulnerabilidade externa um dos ingredientes do risco do pas. Nessas condies, o Brasil precisa mais de uma poltica comercial voltada para esse objetivo, qual a poltica industrial deve estar subordinada. Nessa linha, o governo deveria estimular as exportaes em geral, incentivando de um modo geral as empresas e prestadores de servios que demonstrassem capacidade de avanar nessa direo. Com isso, a seleo dos beneficiados seria realizada por uma prova de competncia, sem ficar a critrio do governo a seleo deste ou daquele setor, ou mesmo desta ou daquela empresa, exceto pelo critrio geral de exportadores.Ainda no caso das exportaes, mas alcanando tambm a substituio de importaes, o que se poderia fazer, tambm com alcance geral, seria privilegiar a pesquisa tecnolgica voltada para esses objetivos, envolvendo inclusive as universidades e instituies de pesquisa, hoje excessivamente apegadas investigao acadmica. A idia seria estender aos demais setores a linha adotada no caso da pesquisa agropecuria, na qual o Brasil realizou considerveis avanos no caf e, mais recentemente, dentre outros casos, nos do algodo e da soja. E h tambm o exemplo dos avies produzidos e exportados pela Embraer, o que no teria ocorrido na ausncia da pesquisa tecnolgica realizada com apoio do Instituto Tecnolgico de Aeronutica (ITA), e na prpria empresa enquanto estatal.Na anlise econmica, h um argumento muito forte no sentido de incentivar a pesquisa que gera benefcios apropriados pela sociedade como um todo, por conta das externalidades que seus resultados produzem para produtores e consumidores. tambm um tipo de poltica que aumenta a competitividade externa sem os riscos dos incentivos fiscais e de crdito que violam regras da OMC.Em sntese, a insero comercial brasileira no mundo globalizado pode ser criticada na sua estratgia por no atender aos critrios de desenvolvimento pelo menos na sua fase inicial -, de vulnerabilidade e de aprimoramento competitivo. Sob o critrio social, um lado vulnervel a ausncia de mecanismos para facilitar o ajuste de empresas e trabalhadores s mudanas que trouxe na estrutura produtiva. Quanto ao foco nas instituies internacionais, j h algum tempo o Brasil vem demonstrando um esforo bem maior nessa direo, o qual ser examinado na subseo 2.5.2.3 O Programa de PrivatizaoO programa de privatizao adotado pelo Brasil desde 1991 foi de enorme dimenso e grandes impactos nos seus desdobramentos. De 1991 a 2001, o governo vendeu o controle acionrio ou participaes minoritrias em 119 empresas, gerando, nos leiles e ofertas pblicas de aes, de US$92 bilhes em recursos, inclusive sob a forma de dvidas das empresas transferidas aos compradores.4Dentre os objetivos definidos para o programa, no estava explcita uma relao com a globalizao, mas esse nexo existe em pelo menos dois aspectos. Em primeiro lugar, porque a privatizao integra o conjunto de idias usualmente recomendadas para que os pases participem competitivamente do mundo globalizado. Seu papel seria o de aumentar a eficincia produtiva do pas e sua competitividade, tornando mais eficientes as empresas privatizadas. Ainda que sem fazer referncia globalizao, este um dos objetivos do programa brasileiro de privatizao.5Em segundo lugar, a privatizao abriu espao adicional para a globalizao financeira, na medida em que investidores estrangeiros tiveram grande participao no processo de privatizao e, quando esse foi formulado, j se previa que isso ocorreria.6Em retrospecto, a privatizao passa pelo critrio de desenvolvimento e do aprimoramento competitivo, pois vrios estudos j comprovaram que aumentou a eficincia das empresas privatizadas.7No cabe, neste caso, o critrio do foco nas instituies internacionais. No caso da vulnerabilidade externa, entretanto, seu resultado foi paradoxal. De um lado, trouxe investimentos estrangeiros que contriburam para um impacto positivo na eficincia, gerando, assim, benefcios que tambm serviro para remunerar esses investimentos. O problema foi que os recursos externos da privatizao foram utilizados para postergar a desvalorizao do real, na medida em que seu ingresso no pas contribua para dar mais flego poltica cambial equivocada. Nesse sentido, no por conta da privatizao em si, mas por conta da estratgia adotada pelo governo na sua insero financeira, a privatizao trouxe tambm essa contribuio desfavorvel para a vulnerabilidade externa, na medida em que permitiu prolongar uma poltica cambial que agonizava.8Do ponto de vista do critrio social, a privatizao tampouco o atende. Embora includa como objetivo explcito da privatizao, a democratizao da propriedade do capital no foi praticada pelo governo que optou por concentrar seus esforos nas vendas de aes para grandes grupos econmicos, quando segmentos mais pobres da sociedade poderiam ter sido credenciados a participar do processo com crditos que tm a receber do governo na forma de depsitos no Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS) e pagamentos futuros devidos pelas instituies oficiais de previdncia por conta de benefcios em vigor ou a vigorar no futuro. Perdeu-se, assim, uma oportunidade nica de avanar na democratizao da propriedade do capital, com o que uma das causas fundamentais da m distribuio de renda seria atacada. S recentemente o governo acordou para o assunto, com as ofertas pblicas de aes da Petrobrs, em 2001, e da Cia. Vale do Rio Doce, em 2002, em que depositantes do FGTS foram credenciados a participar do processo, ainda que com parcela irrisria.