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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Gêneros jornalísticos digitais Um estudo das práticas discursivas no ambiente digital 1 Lia Seixas Objetivos do artigo Este artigo sugere caminhos para a construção de um referencial teórico que seja capaz de definir os gêneros jornalísticos digitais. O objetivo é analisar as dimensões chamadas interdiscursivas (ou condições de êxito), que envolvem os produtos jornalísticos digitais, através da Análise do Discurso (a princípio, trazemos Maingueneau) em relação às características imanentes às mídias digitais (Manovich, Echevérria, Fidler, Palácios e Nora Paul e Christina Fiebich – na pesquisa Digital Storytelling). A idéia, então, é, primeiramente, contrapor e analisar as características da mídia digital, como no ‘Quadro de propriedades da mídia’ e, depois relacioná-las com condições de êxito, às quais estão submetidos os ‘atos de linguagem’: finalidade reconhecida; estatuto de parceiros legítimos; o lugar e o momento legítimos; suporte material; organização textual (Maingeneau, 1998) 2 ; e, no mesmo nível, o tempo (mais interessante do que falar de momento e onde incluo contexto) relacionado ao estatuto, à noção de papéis (ativos/inativos, autoria) e o conceito de contrato de leitura 3 (Verón, 1983). 1 Este artigo se originou do projeto de doutorado que começo a desenvolver na FACOM, a partir deste ano de 2004. A intenção é colocá-lo em discussão, na tentativa de também desenvolver um debate acerca do conceito de gêneros jornalísticos e do jornalismo digital. 2 Maingueneau, Dominique. Análise de textos de comunicação. 2ª ed., Rio de Janeiro, Cortez, 2002, pgs. 64-70. 3 O um dispositivo de enunciação adotado por um suporte a fim de estabelecer um vínculo com o seu público. No contrato de leitura importa o laço que se constrói com o ‘leitor’, a imagem daquele que fala (enunciador); imagem daquele a quem o discurso é dirigido (destinatário); e, a relação entre o enunciador e o

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Gêneros jornalísticos digitaisUm estudo das práticas discursivas no ambiente digital 1

Lia Seixas

Objetivos do artigo

Este artigo sugere caminhos para a construção de um referencial teórico que seja

capaz de definir os gêneros jornalísticos digitais. O objetivo é analisar as dimensões

chamadas interdiscursivas (ou condições de êxito), que envolvem os produtos jornalísticos

digitais, através da Análise do Discurso (a princípio, trazemos Maingueneau) em relação às

características imanentes às mídias digitais (Manovich, Echevérria, Fidler, Palácios e Nora

Paul e Christina Fiebich – na pesquisa Digital Storytelling). A idéia, então, é,

primeiramente, contrapor e analisar as características da mídia digital, como no ‘Quadro de

propriedades da mídia’ e, depois relacioná-las com condições de êxito, às quais estão

submetidos os ‘atos de linguagem’: finalidade reconhecida; estatuto de parceiros legítimos;

o lugar e o momento legítimos; suporte material; organização textual (Maingeneau, 1998)2;

e, no mesmo nível, o tempo (mais interessante do que falar de momento e onde incluo

contexto) relacionado ao estatuto, à noção de papéis (ativos/inativos, autoria) e o conceito

de contrato de leitura3 (Verón, 1983).

1 Este artigo se originou do projeto de doutorado que começo a desenvolver na FACOM, a partir deste ano de 2004. A intenção é colocá-lo em discussão, na tentativa de também desenvolver um debate acerca do conceito de gêneros jornalísticos e do jornalismo digital.

2 Maingueneau, Dominique. Análise de textos de comunicação. 2ª ed., Rio de Janeiro, Cortez, 2002,

pgs. 64-70.

3 O um dispositivo de enunciação adotado por um suporte a fim de estabelecer um vínculo com o

seu público. No contrato de leitura importa o laço que se constrói com o ‘leitor’, a imagem daquele que fala

(enunciador); imagem daquele a quem o discurso é dirigido (destinatário); e, a relação entre o enunciador e o

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Introdução

Desde 1850, a idéia de divisão dos produtos jornalísticos por gêneros começou a ser

problematizada. As teorias classificatórias de gêneros jornalísticos, desenvolvidas desde o

final dos anos 50, têm sido, até os dias atuais (mais de meio século), objeto de debate

constante. São consideradas incorretas ou, até mesmo, inválidas pela academia, embora, em

grande medida, sejam utilizadas na prática pedagógica, além de estarem em sintonia com os

formatos impressos pelo mercado jornalístico. A principal crítica, hoje, é que não acomoda

a grande variedade produzida pela evolução da atividade jornalística, da qual surgem

gêneros ‘mistos’, influenciados pelas novas mídias (digitais).

Outra crítica é que os critérios de fundamentação destas teorias e classificações são

frágeis suportes e não atingem os pilares destas estruturas que são os gêneros, embora

aponte, aqui e ali, alguns nortes. Disposição psicológica do autor ou intencionalidade,

estilo, modos de escrita ou morfologia, natureza do tema ou topicalidade (conteúdo),

objetividade/subjetividade não diagnosticam as especificidades destas práticas sociais

discursivas; embora as finalidades ou funções dos textos se aproximem mais de

fundamentos válidos, como são as condições de êxito.

Já que a intenção é definir critérios de análise dos gêneros discursivos estabelecidos

na prática jornalística, propomos comparações com diferentes tipos de produção

jornalística, realizados no suporte (e ambiente) digital. Nosso objeto, a princípio, deve ser

constituído de um web site jornalístico (como, Le Monde, New York Times, JBonline), os

principais canais de um portal jornalístico (como, por exemplo, UOL ou Estadao), uma

agência de notícias (como a CNN, Reuters ou AFP) e um tipo de produção de fonte aberta

(como CMI-Brasil). O período de análise pode circunscrever acontecimentos mundiais,

naturalmente tratados pelos diversos tipos de produção, cuja atividade é jornalística (ver

“metodologia”).

Teorias de gêneros: principais correntes

destinatário proposta no e pelo discurso.

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A definição de gêneros, enquanto grupos de textos, vem desde a Grécia Antiga.

Platão propôs uma classificação baseada nas relações entre literatura e realidade: mimético,

expositivo e misto. A teoria dos gêneros surge para a literatura. Neste campo, os gêneros

sempre estiveram presentes, seja como agrupamento de obras determinado por convenções

estéticas, seja como elemento normatizador das relações entre autor, obra e leitor, elemento

de constituição de um imaginário comum, elemento de composição de uma obra ou como

‘estratégia de comunicabilidade’ (Borelli: 1995: 71-85), ou como tipos relativamente

estáveis de enunciados (Bakhtin: 1992: 279).

No jornalismo, a produção teórica em gêneros se desenvolve a partir de 1951. No

começo de 1959, surge uma disciplina chamada “Os gêneros jornalísticos” na Universidade

de Navarra, um dos primeiros centros de investigação ocidentais a trabalhar essa teoria. O

encarregado da matéria foi, nos primeiros anos, o professor Martínez Albertos4, que se torna

uma das maiores referências da área. Em 1968, quando as discussões tomavam corpo,

surgem propostas de gêneros informativos, explicativos, opinativos e diversionais. Nesse

mesmo período, o pesquisador catalão Hector Borrat sugere a divisão em textos narrativos,

descritivos e argumentativos, trabalhada também por Martínez Albertos (desde 1974). No

final da década de 70, Gonçalo Martin Vivaldi, também pioneiro nesta discussão, adianta as

dificuldades de se delinear campos e precisar gêneros. Os estudos de gêneros jornalísticos

desenvolvem tradição na Espanha.

No Brasil, estas análises surgem pelas mãos do professor Luiz Beltrão, relido, quase

15 anos depois, por José Marques de Melo5, referência bibliográfica básica em diversos

4 Parratt. Artigo citado.

5 Em entrevista a Boanerges Lopes e Luciana Gomes, da Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro,

José Marques de Melo responde a pergunta sobre suas publicações: “Publiquei 20 livros e organizei 40

coletâneas. A lista dessas publicações está no perfil bio-bliográfico incluído no meu livro "Teoria da

Comunicação: paradigmas latino-americanos". Tenho orgulho de todos eles, pois representam momentos

singulares da minha trajetória intelectual. Contudo, os mais significativos do ponto de vista bibliográfico na

área do Jornalismo são: "Estudos de Jornalismo Comparado" (São Paulo, Pioneira, 1972), "Sociologia da

Imprensa Brasileira" (Petrópolis, Vozes, 1974) e "A Opinião no Jornalismo Brasileiro" (Petrópolis, Vozes,

1985).” (http://www.metodista.br/unesco/PCLA/revista3/entrevista3-2.htm)

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programas de graduação do país6. Desde a década de 50, o jornalista e professor Luiz

Beltrão milita em favor da atividade jornalística enquanto campo social e científico7. O seu

livro Iniciação a Filosofia do Jornalismo, do final da década de 50, escrito para o concurso

do Diário de Notícias, foi premiado e teve tiragem record de 5 mil exemplares (Beltrão:

1980: 10). Em 1980, Beltrão elabora a primeira classificação do chamado jornalismo

opinativo, momento em que cria sua definição de ‘opinião’. O primeiro doutor em

Comunicação Social no Brasil8 divide o editorial por morfologia, topicalidade, conteúdo,

natureza e estilo; a crônica quanto à natureza do tema e tratamento dado ao tema; e define

charge9. Ainda hoje, seus trabalhos “Jornalismo Opinativo”, “Jornalismo Interpretativo:

ideologia e técnica” e “Iniciação à Filosofia do Jornalismo” mostram influência nas

classificações de gêneros jornalísticos. Um pesquisa avançada do nome “Luiz Beltrão”

somado à palavra “jornalismo opinativo” para páginas publicada apenas no último ano

(www.google.com.br), gera referências de pesquisadores da Universidade Beira do Interior,

Metodista, da Eca-USP, da Unesp, Universidade Federal do Maranhão, dentre outras.

Sejam as espanholas, sejam as brasileiras, as classificações destes dois séculos,

feitas por pesquisadores de jornalismo, devem ainda uma explicação geral dos princípios

dos gêneros, um conceito de gênero jornalístico e como se constitui.

“Muito embora haja trabalhos sobre diversos gêneros do jornalismo (Vasconcelos e Cantiero, 1999), do jornal (van Dijk, 1990, Guimarães, 1992) e mesmo sobre componentes do texto de jornal (Lonardoni, 1999), tradicionalmente, quando há referência à categoria gêneros jornalísticos, cita-se uns poucos membros mais característicos, tais como a notícia, a reportagem e o editorial. Há uma carência de trabalhos que tratem o todo, de modo que fenômenos de textualização como as seções e

6 Como exemplos, podemos citar a ECA-USP, a UFSC, UFBA, entre outros.

7 Luiz Beltrão defende a tese de uma concepção de liberdade associada a uma preparação do

jornalista em nível universitário. Congresso Nacional de Jornalista em Curitiba. Beltrão, L. Jornalismo

Opinativo, Porto Alegre, Sulina, 1980.

8 Luis Beltrão tornou-se em 26 de junho de 1967 o primeiro Doutor em Comunicação Social no

Brasil ao defender na Universidade de Brasília a tese sobre Flokcomunicação.

(http://www.metodista.br/unesco/PCLA/revista1/perfis2.htm)

9 Beltrão. Op. Cit.

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as páginas de jornal permanecem praticamente uma incógnita quanto ao tratamento genérico que devamos dar-lhes, pois se, por um lado, apresentam certos comportamentos relativos à noção de gênero que detemos no momento, por outro, se distanciam bastantes dos padrões próprios de membros como notícia e reportagem.” (Bonini, 2001)

As propostas de Martínez Albertos (1991), Luiz Beltrão (1980) e de José Marques

de Melo (1985), citado por todos os pesquisadores da área no Brasil, estão fundamentadas

em critérios como: 1) finalidade do texto ou disposição psicológica do autor, ou ainda

intencionalidade; 2) estilo; 3) modos de escrita, ou morfologia, ou natureza estrutural; 4)

natureza do tema e topicalidade; e 5) articulações interculturais (cultura).

A maioria dos autores que trabalhou na classificação de gêneros jornalísticos esteve

baseada na separação entre forma e conteúdo, o que gerou a divisão por temas, pela relação

do texto com a realidade (opinião e informação) e deu vazão ao critério de intencionalidade

do autor, que realiza uma função (opinar, informar, interpretar, entreter). A função, ao invés

de ser vista como ‘intenção’ do autor, deve ser trabalhada como cumprimento dos poderes,

papéis e estatuto implicado no contrato de leitura de determinada prática social discursiva

(gênero).

Além da finalidade, estilo, estrutura (forma) e conteúdo, as tradicionais

classificações (Albertos, Beltrão) procuram estar sincronizadas com a geografia, com o

contexto econômico, social, político e cultural, com os modos de produção, com as

correntes de pensamento e ainda com as noções de objetividade e neutralidade. A

finalidade, estrutura (organização textual), o contexto, os modos de produção (modos do

discurso) apontam para direções corretas, mas são tratados superficialmente, não

desenvolvidos enquanto critérios.

“Para Marcuschi (1996), “o desafio não está tanto na classificação e sim na proposição de critérios dessa classificação”. Em seu trabalho, busca classificar os gêneros que vão da modalidade oral à escrita, para desvendar os processos que permeiam esta passagem. A classificação, então, via comparação dos gêneros, tem um objetivo inequívoco de discernir estas modalidades, levantando critérios que as diferenciam e as aproximam.(...)” (Bonini, 2001)

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O interessante é que estes elementos não satisfazem aos pares, que se vêem

impulsionados a novas divisões ainda hoje. Em texto produzido para o site Sala de Prensa,

o professor boliviano Raul Peñaranda U. elenca 13 classificações por autores: Maria Julia

Sierra, John Honhenberg, Martin Vivaldi, Jose Luis Martínez Albertos, Armando de

Miguel, Esteban Moran, Johnson y Harris, Siegfrid Mandel, Luiz Beltrão, Jose Benitez,

Juan Gargurevich, Marques de Melo, Erick Torrico e John Muller10. No final deste artigo,

Peñaranda também não resiste em fechar uma classificação, a mesma: gêneros

informativos, opinativos, interpretativos e de “entretenimento” (aspas do autor). E,

novamente, não aprofunda a compreensão de critérios.

A jornalista e pesquisadora da Universidade de Santiago de Compostela, Sonia

Parratt, analisa quatro linhas teóricas representativas dos estudos dos gêneros jornalísticos:

a teoria dos esquemas do discurso - representada por Teun A. Van Dijk – que divide o

discurso em dois grupos: os de esquema narrativo e os de esquema argumentativo; a teoria

normativa dos gêneros jornalísticos – desenvolvida por Martínez Albertos (1974) –

distingue três macrogêneros: informativos, interpretativos e de opinião; a teoria do sistema

de texto – formulada por Héctor Borrat (1981) – similar à tradição espanhola, que divide os

textos em narrativos, descritivos e argumentativos; a teoria dos gêneros – sugerida por

Lorenço Gomis em 1989 – cuja classificação separa em: informação e comentário. Destas,

o único autor que trás ao final do texto, quando apresenta novas propostas de classificação

(sugeridas por Josep Mª Casasús e Luis Nuñez Ladevéze, por José Francisco Sánchez e

Fernando López Pan) é Lorenço Gomis, que re-lê Sánchez e López Pan 11.

Casasús e Ladevéze abandonam os critérios de objetividade/subjetividade,

intencionalidade/não intencionalidade, estilísticos e centram-se na função que cumprem os

textos: 1) se transmitem a realidade segundo condições válidas estabelecidas pela

comunidade profissional e pelas audiências (atualidade do texto); 2) se proporcionam um

10 Peñaranda U. Artigo citado.

11 Parratt, Sonia. Artigo citado.

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ponto de vista pessoal ou institucional; e 3) especificidades de destinatários e autores12.

Uma perspectiva que centra na finalidade reconhecida e no estatuto de parceiros

legítimos. São dimensões exteriores ao discurso diretamente influenciadas pelo ambiente

onde se realiza, pelo contrato de leitura que se propõe aos ‘leitores’, além do horizonte de

expectativas, com o qual operam estes ‘leitores’.

Nesse sentido, as propriedades da mídia (suporte) onde surgem e se estabilizam

determinados gêneros são categorias imprescindíveis para sua compreensão:“A cultura tecnológica definida pelo circuito integrado de sistemas de escritas oferece uma outra perspectiva para a reflexão sobre os gêneros. Trata-se de considerar a organização das mensagens como organização de diferentes mídias. Como afirmamos anteriormente, a diferença entre as mídias é, igualmente, uma diferença de gênero. Isso é o que está por trás de algumas das teorias sobre a modernidade cultural. O gênero já não é uma categoria importante por oferecer uma tipologia da produção literária da cultura letrada, mas sim porque organiza as mensagens de modo a garantir um “horizonte de expectativa” que una a leitura à escritura, o leitor ao texto, o texto à mídia, a mídia à ferramenta, a ferramenta ao programa. O gênero torna-se instrumento criador da relação interativa entre texto, leitor, cultura.(...)” (Machado, 2002)

Os gêneros são práticas sociais instituídas historicamente, cujas mudanças sociais

aparecem com novas formas de produção, de linguagem, novos ambientes, novos suportes,

em última instância, envoltas e fundadas em novas “formas culturais” (Lev Manovich,

2001).

“(...) Genre, in this view, is neither na ideal type nor a traditional order nor a set of technical rules. It is in the practical and variable combination and even fusion of what are, in abstration, differente levels of the social material process that what we have Known as genre becomes a new kind of constitutive evidence” (Williams: 1977: 185)

Se um gênero de discurso é resultado de determinadas práticas sociais, a evolução

(mudança) de práticas sociais implica necessariamente uma transformação nos gêneros e o

surgimento de outros. Um suporte, por suas características intrínsecas, figura-se como

ambiente propício ao desenvolvimento de determinadas práticas. O suporte (digital, aqui)

deve ser analisado como ‘meio tecnológico’, onde se configuram certas formas culturais,

certas gramáticas discursivas. Neste meio, adota-se determinados vínculos com o seu

público (contrato de leitura).

12 Parratt, Sonia. Artigo citado.

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Propriedades da mídia digital

Uma comparação das propriedades da mídia, trabalhadas por Manovich, Echevérria,

Fidler, Palácios e Nora Paul e Christina Fiebich na pesquisa Digital Storytelling (University

of Minnesota), e entre elas e as condições de êxito às quais estão submetidos os ‘atos de

linguagem’, pode ser um primeiro passo para a identificação de critérios de gêneros

jornalísticos digitais. Um “quadro de propriedades da mídia”, como sugerido abaixo, põe

em relação características intrínsecas a este ambiente.

Quadro de propriedades da mídia

VER TABELA NO FINAL DO DOCUMENTO.

A primeira propriedade é a representação numérica (Fidler), que representa a

primazia, de que fala Echeverría, do digital neste novo ambiente, embora, no nível material,

dependa da energia e dos fluxos energéticos de informação (informacionalidade). O código

digital implica duas conseqüências básicas: 1) um objeto da nova mídia pode ser descrito

matematicamente, manipulado e alterado mediante ações artificiais, expressas por meio de

algoritmos matemáticos; e 2) a mídia torna-se programável.

A programação permite um sistema de busca adequado não só para a consulta, mas

também para os jornalistas no ambiente de produção ou refreshs programados, que vão

desde imagens randômicas até mudanças de conteúdo a cada período definido

matematicamente, principalmente, das chamadas hard news (últimas notícias ou plantão de

notícias). Poder programar, dá ao jornalismo, campo de produção constante, intenso e

rápido, a possibilidade de criar, por exemplo, sites, textos, objetos que entrem no ar apenas

no momento que se deseja. É o fato de ser programável que torna possível se criar sistemas

abertos ou redes, como o Centro de Mídia Independente – Brasil

(www.midiaindependente.org), que disponibiliza textos, vídeos, sons e/ou imagens de

qualquer ‘voluntário’ com acesso a computador em qualquer lugar do mundo

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(reticularidade, Echeverría). O que for enviado vai para a ‘coluna da direita’. Uma espécie

de formulário da seção ‘Publique’ pede a quantidade de arquivos multimídia que se vai

enviar, língua, título, sumário, informação para contato (campo opcional), o artigo, o título

dos arquivos e traz o botão ‘publique’. O CMI, cuja proposta é de ser uma alternativa à

mídia empresarial, tem na formação da rede a sua possibilidade de existência.

No CMI, ainda não vemos instituídas práticas discursivas, mas se pode perceber

usos diversos das diferentes linguagens. Em recente manifestação de estudantes do Rio de

Janeiro, o objeto que contava, cronologicamente, ações deste protesto era a foto legendada.

Um recurso que também pode ser produzido num meio impresso, mas não o pode por

algum voluntário ou participante, por causa, principalmente, da forma de produção

associada à propriedade digital. O estatuto do participante que poderia ser passivo, passa a

ser ativo e, mais ainda, de autor. A organização textual se configura pelo que foi possível

produzir e publicar.

Ao personalizar – opção que se dá ao usuário de configurar os produtos

jornalísticos de acordo com seus interesses individuais (Palácios) –, o usuário está

utilizando a programação. A personalização pode ser feita através apenas da escolha de

assuntos, de sua hierarquização (como o Crayon: www.crayon.net) ou da programação

visual para a máquina do usuário (como o site da CNN: www.cnn.com). Esta tecnologia

permite, portanto, que o veículo informativo conheça as necessidades de cada um dos

leitores e, de forma automática, direcione produtos que lhes interessem. A partir de um

grupo de leitores, com certa demanda, pode sugerir um tipo gênero, impossível de existir,

por exemplo, na mídia impressa.

Na news letter, o veículo programa o envio de resumo de notícias atualizadas toda

manhã (tempo determinado) para o e-mail do usuário, que assim escolheu. Entretanto, a

news letter não deixa de ser um pacote de notícias, ou seja, essa propriedade da mídia

digital, neste caso, não muda a prática, não gera um novo gênero. Quem mais entende de

‘pacotes’ do que as agências? A Agência Estado (www.estadao.com.br), que fornece, dentro

do seu serviço Mídia Cast, fotos do dia, fotos internacionais, infográficos e banco de

imagens de 1950 a 2003, pode incluir nos seus kits produtos com vídeos (imagens em

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movimento), cujo texto, simultaneamente ao correr das imagens, desça na tela do

computador em uma ou mais línguas, a depender do veículo jornalístico que demande a

compra. Uma imagem em movimento pode vir a ser estatizada com um clique ou um

apresentador pode estar na tela, não com sua imagem parada ou voz em off, mas indicando,

mostrando, explicando imagem e texto que podem se movimentar, aparecer ou desaparecer

com os comandos deste apresentador ou pelo clique do mouse. São vislumbramentos, mas

que indicam possibilidades de ‘organização textual’ a partir de contrato (estatuto),

finalidade e características do suporte.

A organização textual ganha, com a convergência/multimidialidade - diversas

tecnologias e formas de mídia convergem para um mesmo lugar, um mesmo meio

(multimídia), o que implica a convergência das indústrias e empresas, com uma mudança

estrutural do modo de produção e distribuição (Fidler) -, uma variabilidade tão grande, que

não é fácil identificar qual linguagem (texto, som, imagem ou imagem em movimento)

orienta os produtos jornalísticos digitais, e, por consequência, qual prática se firmará como

um gênero no meio digital e quais sofrerão mudanças nos meios ditos tradicionais. “(...) Com a convergência, estas novidades [textos mais curtos e diretos, palavras sublinhadas, hiperlink, enumerações, subtítulos informativos, uma idéia por parágrafo, escrita semelhante a da TV] introduzidas pelo jornalismo multimídia acabarão inevitavelmente por contaminar a linguagem dos outros meios. E difícil, pois, prever o futuro dos gêneros num quadro marcado pela generalização de tais práticas e linguagens, essencialmente porque este é um caminho ainda em pleno experimentalismo, e que se fará ao andar”. 13

Se, para a televisão, a imagem em movimento e o áudio são a linguagem

característica, na mídia digital (Internet), não há ainda um consenso. Acredita-se que o texto

orienta o produto hipermidiático ou que este texto é semelhante ao televisivo. “(...) Text on television is mere ornamantation; words appear most often to reinforce the spoken message or to decorate the packages of products being advertised. (...) In television, text is absorved into the image, but in hypermidia the televised image becomes part of the text.” (Bolter: 1991: 26)

“Simultaneamente a escrita para a Web vai acompanhar estas mutações [nos gêneros e

linguagens], privilegiando textos ainda mais curtos e directos; palavras sublinhadas ou destacadas

com cores, e o hiperlink, para facilitar o varrimento; enumerações; subtítulos eminentemente

13 Gradim, Anabela. Os gêneros e a convergência: o jornalista multimédia do século XXI. (www.labcom.ubi.pt/agoranet/pdfs2/gradim-anabela-generos-convergencia.pdf) Acesso em 13/11/02.

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informativos; uma combinação dos aspectos visuais da televisão com as características que tornam

um texto scannable; a possibilidade de deambular e ser surpreendido; uma idéia por parágrafo e o

recurso a uma ou várias pirâmides invertidas; uma escrita semelhante à de televisão e não

redundante relativamente aos restantes elementos que compõem a peça (links para outros textos,

fotos, áudio e vídeo). (...)” 14

Ou ainda, para Echeverría, há um predomínio do visual:“(...) La cultura griega y el Renascimiento trajeron consigo el predomínio de la vista, y el tercer entorno puede ser considerado como uma expansión de las culturas de la imagem, dado el endudable predomínio de lo visual em E3. (...) De ahí que E1 y E2 tengam uma enorme ventaja sobre E3 por su capacidad plurisensorial, que resulta irrenunciable desde el punto de vista del bienestar y la calidad de vida.” (Echeverría: 1999: 103)

Uma pesquisa de Jakob Nielsen e John Morkes confirma a tese de Echeverría:

mostra que 79% dos usuários praticamente não lêem, mas fazem um varrimento visual

rápido (scanning) das páginas, já que estão aptos a processar simultaneamente múltiplas

informações de origem diversa15. Nielsen dá sua receita para o texto digital: os sites

deveriam ter ‘scannable texts’ com: palavra-chave sublinhada ou destacada; hiperlink;

listas, uma idéia por parágrafo, o recurso da pirâmide invertida e metade das palavras de

um texto convencional. São aspectos que influenciam a organização textual daquelas

práticas que podem vir a se instituir.

O predomínio da imagem não quer dizer, no entanto, que os produtos da web são

intrinsecamente audiovisuais como os da TV. A princípio, a imagem em movimento nos

parece ser, necessariamente, a linguagem intrínseca ao meio. Acreditamos, no entanto, que

para certos gêneros pode-se ter texto como espinha dorsal, para outros, imagem estática, em

movimento ou áudio. O certo é que não se pode analisar um gênero a partir, isoladamente,

de sua organização textual, de suas linguagens. Um debate de Marilena Chauí e Toni Negri

na PUC-SP, gravado pela gramática da TV analógica, está disponibilizado (para assinantes)

na TV UOL no canal ‘Entrevistas’ por trechos que, embora indicados com ‘trechos da

entrevista’, são imagens seqüenciais de duas câmeras estáticas. As entrevistas, indicadas

por outros quatro links no lado direito da página, levam para página do web site da Folha de

14 Gradim. Idem.

15 Nielsen, Jakob e Morkes, John. How Users Read on the web. 1997

(www.useit.com/alertbox/9710a.html) Acesso no dia 13 de novembro de 2002.

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S.Paulo e constituem as chamadas ‘ping-pong’. As imagens foram gravadas pela PUC, com

vários outros objetivos, ao mesmo tempo em que as entrevistas foram pensadas para o

impresso. Os produtos ficam um ao lado do outro, mas não são editados num só. Os modos

de produção não se preocuparam com o produto final. A entrevista ping-pong, por exemplo,

foi trabalhada com apenas, provavelmente, uma gravação analógica para ser transformada

em texto impresso. Entretanto, no UOL News, pode-se assistir a entrevistas e ler, perguntas

e respostas, ao mesmo tempo. Isso não implica num novo gênero, apenas por que há uma

complementaridade do texto para a imagem. Não implica porque a finalidade, os estatutos,

papéis dos participantes e o contrato são os mesmos de outras mídias. O único aspecto que

marca diferença são o tempo/espaço, já que o usuário pode rever a entrevista, realizada

numa tarde de quarta-feira, quantas vezes quiser. Neste caso, um aspecto que não influencia

a ponto de se formar um novo gênero, mas, a partir do qual, pode surgir.

No ambiente digital, o espaço é comprimido, muda sua estrutura informativa e de

documentação, no sentido de a memória coletiva tornar-se mais acessível a um maior

número de pessoas (Echeverría), ao mesmo tempo em que possibilita enorme difusão de

uma memória que, no jornalismo, se apresenta pela primeira vez como ‘memória múltipla,

instantânea e cumulativa’ (Palácios: 2002). Os arquivos não só constituem produtos (que se

vende pelo acesso), mas também são utilizados, mesmo que de maneira experimental e

incipiente, na configuração de novos ‘textos’. É a partir do banco de dados que o portal

Estadao, automaticamente (programação), disponibiliza, no canal ‘Diário do Passado’, 10

links com matérias de mesma data de 10 anos passados, além de um quadro à esquerda –

chamado ‘Linha do tempo’ – com pequenas notas, cronologicamente distribuídas, cujo

tema está relacionado ao tema do principal título link deste canal. O estatuto e o contrato de

leitura se mantém em relação a qualquer utilização de arquivos nas mídias tradicionais, em

concordância com a finalidade, de informação. E a organização textual?

Não há. Mas, potencialmente, a depender de como se efetive o modo discursivo,

pode gerar mais de um gênero. Não há descrição, narração, argumentação ou enunciação

que correspondam aos modos de relatar, comentar ou provocar (Charaudeau). A única

argumentação está na escolha programada das 10 matérias com maior grau de

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noticiabilidade publicadas há 10 anos. O jornal impresso A Tarde já faz uso de seu arquivo

há muito tempo, embora publique duas ou três notas na página de ‘Opinião’, nesse caso, de

50 anos anteriores à data da edição. Há uma relação com a atualidade (característica que

singulariza o jornalismo), já que os acontecimentos têm a mesma data do dia em que se

acessa o Diário do Passado. Potencialmente, o banco de dados pode vir a instituir uma

prática (gênero) com certo modo discursivo, modo este que exigiria, ou a subjetividade (um

jornalista) ou uma programação avançada, com finalidade e público definidos.

Este exemplo prova que o percurso de um usuário não cria sua própria narrativa, já

que a lógica semântica é controlada pelo autor, ainda que seja programada:

“(...) Thus a number of database records linked together so that more than one trajectory is possible is assumed to constitute an “interectaive narrative”. But merely to create these trajectorys is of course not sufficient; the author also has to control the semantics of the elements and the logic of their connection so that the resulting object will meet the criteria of narrative as out-lined above. (...) However, if the user simple accessses different elements, one after another, in a usually random order, there is no reason to assume that these elements will form a narrative at all. (...)” (Manovich: 2001: 225)

Embora incapaz de criar uma lógica semântica, o percurso interativo é

potencializado na mídia digital, principalmente, pela propriedade da hipertextualidade.

Como diz Anabela Gradim (citação acima), não há como um documento digital não estar

composto por diferentes blocos de informações interconectadas. Ainda que o hipertexto

trabalhe contra a unidade de ação, a narrativa hipertextual prioriza os nós. Os diversos nós

representam uma escrita não-linear, não seqüencial, constituída por blocos conectados por

nexos eletrônicos – os links (Landow: 1995, Leão: 1999). A forma como os links estão

organizados, hierarquizados e relacionados institui o tipo de narrativa.

Os links representam também a contextualização, categoria diretamente relacionada às de intertextualidade, intratextualidade, paratextualidade e, obviamente, hipertextualidade. Se, por exemplo, analisamos a charge, podemos dizer que o contexto (social imediato) está fora do texto, na intertextualidade e no saber social do leitor; já num

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artigo, o contexto é marcada e explicitamente intratextual, formatado pela organização textual. As hard news (plantão, últimas notícias) não têm link intra ou intertextual nas suas 4 ou 5 linhas, apenas como lista de arquivo, ordenada pela atualização (horário de publicação). Contextualmente, são caracterizadas por não serem, estritamente, hipertexto. É uma escolha dos autores (jornalistas), em detrimento de a tecnologia permitir ou não o uso de links. Ou seja, a forma como são ordenados, compostos, hierarquizados os links representam certa contextualização, que, por usa vez, representa o tipo de organização textual.

O interessante para o estudo dos gêneros é que o hipertexto reconfigura o conceito

de autor, portanto, o de estatuto e de papéis que podem ter os participantes. Há uma

redução da autonomia do autor em detrimento da perda de autonomia num texto multilinear

e descentralizado, o que significa perda de autoridade. (Landow: 1995: 95-103). As colunas

da mídia digital revelam a importância deste critério (estatuto) para a compreensão dos

gêneros.

As colunas são, num impresso, reconhecidas por um título ou o nome do colunista,

com espaço na página e periodicidade. No webjornalismo, são identificadas apenas pelo

nome do colunista. Quando a página não contém uma seção ‘colunas’, possui, na própria

home-page, a lista de nomes, que são links para o ‘texto’. Não importa quando, nem sobre o

que escreveu, mas quem escreveu.

“(...) No solo por la firma em el índice, sino porque su tamano, mayor que el de los textos informativos, y su presencia invariable em la cabecera del texto hacen que sea materialmente imposíbel que um lector de médios eletrônicos lea una columna sin empezar por su firma” 16 (grifo nosso)

Se no impresso procurava-se a coluna de Jânio de Freitas ou Elio Gaspari, no

webjornalismo basta clicar no nome do colunista. A escolha do nome como primeiro texto

na hierarquia hipertextual explicita (com esta nova mídia) a importância da autoridade do

jornalista neste tipo de produto. A força do estatuto do autor está na capacidade de análise

da realidade e de colher informações novas e pertinentes. A perda de autonomia do autor

devido ao hipertexto nada representa diante da autoridade que o estatuto dá ao colunista. O

16 Paniagua, Pedro. Columninmo deportivo digital: noticia, ficcion y kitsch. (www.ucm.es?info?periol/Period_I/EMP/Portad_0.htm) Acesso em 20/11/02.

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nível de autonomia do jornalista estaria sugerido também por suas escolhas quanto a links,

sublinks, externos e internos ao seu produto, além das escolhas quanto às possibilidades

multimidiáticas. Então, ainda que a mídia digital seja intrinsecamente hipertextual,

multimidiática, interativa, isso não significa que, obrigatoriamente, todos os seus resultados

materiais devam ser hipertextuais, multimidiáticos ou interativos.

Na mídia digital, jornalistas e leitores podem trocar e-mails e operar discussões em

chats ou disponibilizar a opinião do leitor em comentários e fóruns. A troca de papéis

possibilitada pela interatividade não se apresenta num comentário, entretanto, num fórum

de discussão, as trocas de papéis são claras e necessárias. O fórum En Media, da revista

En.red.ando, de Barcelona, tem tido um aumento constante no número de acessos. Para

Luis Hermana, criador da rede - com 784 colaboradores espalhados pelo mundo em 2002

-17 o tipo de relações contribui para melhorar a formulação do pensamento em discussão:

“(...) En Media representa um espaço para debate e pesquisa que desaconselha

investigar numa única direção. Quando alguém cita um projeto interessante estimula

o usuário a conferir por si mesmo, clicando na conexão para ver de perto do que se

está falando. (...)” 18

Hermana diz que a confiabilidade nos conteúdos depende da moderação, então do

estatuto de um moderador, seus papéis e autoridade (autoria). Tanto o moderador, quanto os

participantes, sem os quais não há fórum, são ativos ‘autores’ e ‘leitores’. No CMI-Brasil

(já citado), o arquivo (com texto, fotos) que entra automaticamente na coluna da direita

ganha o mesmo espaço que uma matéria produzida por um voluntário ou participante da

rede.

A última propriedade das digitais que trataremos aqui é o tempo, multicrônico. No

jornalismo digital, os limites de espaço e/ou tempo se dissolvem (Palácios: 2002). A

atualização não mais estará determinada pela periodicidade, como num impresso ou para

17 Gonçalves, Elias M. La estructura de la noticia em as redes digitales. Um estudio de las consecuencias de las metamorfosis tecnológicas em el periodismo. Tese defendida na Universidad Autónoma de Barcelona, Facultad de Ciencias de la Comunicación, Departamento de Periodismo. Barcelona, junho de 2002.

18 Entrevista com Luis Angel Hermana in: Pauta Geral: revista de jornalismo, ano 9, nº 4, 2002, pg.

20.

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um telejornal, mas por outros fatores como linha editorial, estratégias de mercado,

condições de produção, hábito de consumo e pelo grau de atualidade19 dos acontecimentos

ou fatos. Tecnicamente, a atualização pode ser feita em qualquer lugar, a qualquer

momento. A atualização marca a existência das hard news, inseridas num valor que

persegue as sociedades atuais: a rapidez20. Já, a maioria das matérias da home de um canal

de web sites como Folha Online ou do portal Estadao é atualizada no período de 24 horas,

porque segue certo modo de produção. A atualização pode ter ou não ter um período

definido. Cada gênero pode ter um tempo de atualização próprio.

No A Tarde Online, o link Eleições 2002 foi criado no período pré-eleitoral com

informações de resultados e notícias das eleições presidenciais e parlamentares. Um site

pode estar ou não no portal de acordo com o contexto, quando se acredita haver interesse

do público consumidor. Neste site, pode-se atualizar apenas um dos gêneros. Além disso, a

atualização é influenciada pela concorrência com outras mídias. As atualizações do portal A

Tarde Online são feitas três vezes ao dia: entre 12 e 14 horas, 18 horas e depois da meia

noite. Horários de pico de acesso e, principalmente, antecedentes aos telejornais baianos

das TVs abertas, que estão programados para os períodos entre 12 e 13h30 e 18h30 e 19h.

19 “Estas diferentes dimensões sociais estão articuladas no jornalismo porque a noção de atualidade

é um eixo temático dotado de pelo menos três sentidos: num primeiro aspecto, a notícia jornalística imbricada

na atualidade possui um sentido de proximidade entre atores sociais, não limitado a um aspecto espacial,

mas de pertencimento a uma coletividade e de orientação sobre formas de agir socialmente; num segundo

aspecto, opera um sentido de imediaticidade entre o seu recorte discursivo e a ocorrência. Mas estes dois

aspectos não são suficientes para demarcar a atualidade jornalística, devendo-se destacar um terceiro: é atual

no jornalismo tanto o que ocorre no tempo presente quanto o que apresenta um sentido de relevância

pública, reconhecido pelo indivíduo como indispensável para participar da vida social.” Franciscato, Carlos

Eduardo. A atualidade no jornalismo. Texto apresentado na Compós 2000.

20 “Em primeiro lugar, a comunicação, através de seus novos objetos, como computador, acesso à

internet, telefones celulares. Hoje, o bem-estar está associado à mobilidade, ao acesso à informação e à

rapidez. O que seduz na comunicação passa, cada vez mais, por tudo que acelera as coisas, pelas

possibilidades de estar conectado com o externo, com os outros (...)” Entrevista de Gilles Lipovetsky. Revista

Veja, 25 de setembro de 2002.

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Dados sobre bolsa de valores são atualizados pelos digitais antes das tevês conseguirem

publicar.

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A modelizacão e o discurso de legitimação profissional do ombudsman de imprensa

Kênia Maia21

Resumo: Este trabalho se propõe a examinar a função de ombudsman de imprensa à luz da

sociologia das profissões e a analisar a ouvidoria de imprensa como um agrupamento profissional

em formação, que, para se afirmar, precisa desenvolver um importante trabalho de convicção sobre

o interesse do agrupamento, no qual a enumeração e a caracterização de dispositivos de autonomia

do ombudsman fundam a representação paradigmática do ombudsman. A retórica de legitimação e

de justificação da função de ombudsman de imprensa se centra no modelo paradigmático, na

representação ideal, e na divergência entre o discurso voltado para o público interno e o discurso

voltado para o público externo.

Para atenuar a perda de credibilidade provocada pelo escândalo de plágio e fabricação de

fatos realizados pelo repórter Jason Blair, o tradicional jornal New York Times introduziu na

sua redação, no final de 2003, um public editor, um cargo análogo ao de ombudsman.

Porém o NYT sempre foi um dos mais ferrenhos adversários da ouvidoria de imprensa.

Antes mesmo da escolha do titular do cargo, a Organization of News Ombudsman – ONO –

já discutia a ouvidoria de imprensa do New York Times e temia que ele não tivesse

autonomia suficiente; nas discussões preliminares a coluna do public editor não teria sua

periodicidade assegurada, o que, segundo a diretoria da ONO, poderia enfraquece-lo e

afasta-lo da modelização da função difundida pela ONO.

A ouvidoria de imprensa é comumente analisada e/ou descrita como mecanismo de

regulação deontológica da profissão jornalística (Aznar, 1998; Bernier, 2002; Champagne,

2000; Lavoinne, 1995; Mata, 2002; Mendes, 2002; Mesquita, 1998. Este trabalho propõe

21 Bolsista recém-doutora do CNPq no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília. Este trabalho faz parte da tese de doutorado Approche comparative de la fonction de médiateur de presse dans les quotidiens brésilien Folha de S. Paulo et français Le Monde, defendida em janeiro de 2003, na Universidade de Metz, França, sob orientação do professor Jacques Walter. E-mail: [email protected].

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uma abordagem diferente; trata-se de examinar a função de ombudsman de imprensa à luz

da sociologia das profissões e analisar a ouvidoria de imprensa como um agrupamento

profissional em formação que, para se afirmar, precisa desenvolver um importante trabalho

de convicção sobre o interesse do agrupamento, no qual a enumeração e a caracterização de

dispositivos de autonomia do ombudsman fundam a representação paradigmática do

ombudsman. A retórica de legitimação e de justificação da função de ombudsman de

imprensa se centra no modelo paradigmático, na representação ideal, e na divergência entre

o discurso voltado para o público interno e o discurso voltado para o público externo.

Os grupos profissionais dependem do sucesso de sua argumentação para conseguir impor

um estatuto profissional. Uma vez estabelecido, a durabilidade do estatuto dependerá

igualmente da aptidão do grupo profissional para “entreter a relação entre os seus

argumentos fundadores e sua prática” (Paradeise, 1985, p. 18). Os argumentos de

legitimação e de justificação da competência de um grupo profissional são fundados sobre

os eixos da necessidade, da ciência e da competência. Em caso de desestabilização,

provocada pelo questionamento de sua competência e de seu monopólio, os grupos

profissionais devem recorrer aos princípios de legitimação e de justificação que asseguram

a sua autonomia. Para tanto, eles vão se apropriar de valores não que faziam parte da

argumentação inicial.

De fato, os grupos profissionais são “compromissos entre exigências diferentes

correspondendo a diferentes princípios de justiça […], utilidade e tecnicidade de ordem

industrial, laços quase domésticos, como nos antigos corpos de métier, exigências do

mercado ou solidariedade cívicas” (Boltanski, 1990, p. 2061). Em razão da fragilidade dos

compromissos, o grupo profissional é constantemente submetido a procedimentos de

estabilização e de desestabilização, o que faz necessário a utilização de uma argumentação

para construir, manifestar e estabilizar sua competência profissional que não pode ser

construído sobre um único princípio de justificação. Pela articulação das noções de retórica

profissional e dos princípios de justificação e de legitimação, Jean-Yves Trépos (1992)

constitui a sociologia da competência profissional e edifica um referencial teórico para

apreender a construção e a manifestação da competência profissional e a identificação dos

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mecanismos acionados pelos agentes sociais para fazer valer sua competência profissional e

escapar da avaliação a qual eles são regularmente submetidos.

Para tanto, o sociólogo tece um “vai-e-vem constante das qualificações às classificações,

que permitem de mostrar os acordos pontuais ou duráveis e os dispositivos ou instituições

nos quais eles são implantados mas também as tensões que eles suscitam e que os tornam

instáveis” (Trépos, 1992, p. 8). Trata-se de analisar certos agenciamentos que, em

circunstâncias precisas, entram na composição da competência profissional. São

identificados então agenciamentos que se harmonizam com certas situações, mas que

podem não ser adequados em outras situações. Conseqüentemente, examinar a construção e

a manifestação da competência profissional de um grupo ou de um indivíduo, é escrutar,

num conjunto de possíveis, os dispositivos – os objetos e as pessoas – que compõem a

competência profissional de um grupo.

No prolongamento dos trabalhos de Paradeise (1985) e de Trépos (1992), Jacques Walter

(1995) se interroga sobre a emergência de um modelo profissional por meio da mobilização

de dispositivos e de princípios de justificação de naturezas diferentes. Seu método de

trabalho consistiu em apreender a maneira como o agrupamento desenvolve uma retórica

profissional e como se investe na legitimação da atividade. Assim, ele distinguiu e

classificou alguns dispositivos que compõem os paradigmas, os princípios de legitimação,

as lutas de classificação, de profissionalização. Os grupos profissionais se esforçam para

colocar em circulação vários dispositivos, aos quais as pessoas e os coletivos recorrem para

construir e manifestar sua competência ; e esses dispositivos formam um ‘modelo

profissional’. A modelização designa os “princípios de legitimação e compromissos entre as

naturezas das quais eles saem que balizam a evolução dos acordos e desacordos” que

provém dos códigos de ética, textos dos agentes, das pesquisas sobre o grupo, elaboradas e

difundidas pelos agentes, e difundidos nas cerimônias de entrega de prêmios, conferências

do grupo, colóquios, etc. (Walter, 1995).

Esta postura teórica se ancora em uma perspectiva construtivista que considera a

competência profissional como uma construção social, que evolui no tempo e que é

composto por diversos elementos, por “recursos que serão mais ou menos mobilizados

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pelas pessoas as situações dadas” (Trépos, 1992, p. 16). A construção da competência

permite descobrir certos aspectos de um grupo profissional, resgatando seu discurso

legitimador, encarado como um grupo em processo contínuo de construção e de

legitimação. Ela autoriza também considerar os grupos profissionais não somente como

coesão de identidades, de valores, de práticas, de estatutos, de qualificação, movidos pelo

desinteresse e interesse geral, segundo uma abordagem funcionalista, mas também como

construção enunciativa e organizacional.

1. Os modelos de ombudsman de imprensa

Os posicionamentos dos atores na elaboração de uma representação da ouvidoria de

imprensa e nas definições da função mostram a distância entre o modelo paradigmático

difundido pela ONO22, para o público interno – os próprios ombudsmans – e para o público

externo – empresas jornalísticas, jornalistas e audiência da mídia, sociedade. De fato, a

modelização da função de ombudsman de imprensa tende a reforçar as atribuições de

recepção e de tratamento de reclamações dos leitores e de redação regular de uma coluna,

no caso dos da imprensa escrita. Distingue-se uma representação dominante segundo a qual

o traço principal da função é a autonomia em relação da direção da mídia que a contrata.

Essa autonomia é traduzida pela produção de uma análise crítica do tratamento da

informação, que toma corpo na publicação de uma “coluna não censurável [que] significa a

disposição do jornal de ‘tornar públicas’ as suas falhas”, como descreve L. E. Glaser

(1994), ex-ombudsman do diário californiano Fresno Bee.

De um lado, a representação paradigmática da ouvidoria de imprensa forjada nos Estados

Unidos pela ONO pode ser ilustrada pela definição de Mário Mesquita, professor

universitário e primeiro provedor do jornal lisboeta Diário de Notícias: o ombudsman é

“uma personalidade designada pela empresa jornalística, em vista de receber as

22 A ONO é a associação profissional dos ombudsmans de imprensa, de extensão mundial, sediada nos

Estados Unidos, cujo site Internet é www.newsombudsmen.org. Atualmente o presidente da associacão é o

turco Yavuz Baydar, do jornal Milliyet, de Istambul. Porém, sua secretaria geral fica na Califórnia, onde

trabalha Gina Lubrano, reader’s representative do San Diego Union Tribune.

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reclamações dos leitores e de criticar o diário. Ele discute o jornal nas suas próprias

páginas, explica ao leitor as decisões editoriais que são tradicionalmente mantidas no

segredo das redações. Ele possui um poder de influência e de palavra. Ele metacomunica a

fim de legitimar e de dar credibilidade ao jornal pela reflexão de sua própria crítica”

(Mesquita, 1998, p. 84). A esta definição, os agentes desse espaço profissional vão

corresponder três atribuições que são habitualmente realizadas pelos ombudsmans nos

Estados Unidos: “1) representar o leitor na Redação, 2) elaborar críticas internas ao jornal;

3) escrever uma coluna semanal relacionada crítica de mídia (ou ao noticiário)” (Xavier,

1997).

De outro lado, o modelo de ombudsman de imprensa instaurado no Japão faz concorrência

para a modelização da função, de maneira que a ONO desenvolve uma argumentação para

mostrá-lo como um conceito análogo ao modelo paradigmático da função, mas de valor

inferior. As diferenças entre o ombudsman norte-americano e o japonês começam pelo

número de ombudsman em atividade em cada país. Trata-se de uma comparação que

desfavorece os Estados Unidos, onde, em janeiro de 2004, 37 ombudsmans eram

associados à ONO, num universo de 1500 diários23. No Japão, a maioria dos diários dispõe

de um serviço de verificação do tratamento da informação. Em 1999, segundo uma

pesquisa da Nihon Shinbun Koykai – Associação de Editores de Diários – 56 dos 94

(59,5%) diários pesquisados, num total de 116 diários, tinham um comitê (Maezawa, 1999).

No Japão, as empresas jornalísticas utilizam várias designações para os programas

de ouvidoria. A mais adotada é de ‘comitê de checagem de jornais’, mas também ‘conselho

de inspeção de reportagens jornalísticas’, ‘departamento de avaliação do conteúdo das

notícias’, ‘seção de checagem de artigos’. Por conseguinte, os membros desses comitês não

são oficialmente chamados ombudsmans; eles se designam “representantes dos leitores”

(Maezawa, 1992, p. 134), uma denominação que a ONO reconhece como similar a de

ombudsman. Ao invés de um único ombudsman por jornal, eles formam um departamento

em uma empresa jornalística. Com sua tiragem de 10 milhões de exemplares, o diário

Yomiuri Shimbun, tinha, em 1999, um comitê de verificação do jornal composto por 28

23 Nem todos os ombudsmans são filiados da ONO, como o recém-criado public editor do New York Times.

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jornalistas. Todavia, o que entravaria a equivalência dos ouvidores de imprensa japoneses e

a representação paradigmática dos titulares da função, seria a falta de ‘tornar público’ (‘go

public’), a pouca disposição de “divulgar informações sobre eles mesmos e de convidar os

leitores a participarem de discussões” (Maezawa, 1999) deontológicas.

É na passagem entre essas duas atribuições – receber as reclamações e produzir uma crítica

– que está concentrada a caracterização da ouvidoria de imprensa. É por aí que se joga a

legitimidade da função e que se separa os ‘verdadeiros’ ombudsmans de imprensa dos

outros, segundo a modelização da função divulgada para o público interno (Xavier, 1997 ;

Maezawa, 1999). Colocar em perspectiva a evolução da definição de ombudsman de

imprensa torna mais inteligíveis as dificuldades e as vantagens da construção de uma

representação paradigmática.

2. A definição norte-americana

Quando a ONO é fundada, em 1980, a associação profissional entretém voluntariamente a

fluidez da ouvidoria de imprensa, o que torna possível o alargamento das fronteiras do

grupo. Trata-se de um trabalho de deslocamento dos “limites do reivindicável, permitido de

redefinir o terreno de intervenção” (Trépos, 1992, p.45), em um movimento de crescimento

contínuo do campo de ação do grupo que incluiu paulatinamente novas competências. Nas

diretrizes (guidelines) da ONO, adotadas no congresso anual da associação em 1982, os

ombudsmans de imprensa são caracterizados pelos objetivos de “1. Aperfeiçoar a equidade,

exatidão e responsabilidade do jornal; 2. Aumentar sua credibilidade; 3. Investigar todas as

queixas e recomendar ação corretiva quando for o caso; 4. Alertar o diretor de redação

sobre todas as queixas; 5. Fazer conferências ou escrever para o público sobre as linhas, as

posições e as atividades do jornal; 6. Defender o jornal, publicamente ou em particular,

quando for o caso” (Costa, 1991, p. 34).

No meio de outros objetivos, a redação de uma coluna regular se dissolve entre as

atribuições do ombudsman; além disso, “fazer conferências ou escrever para o público

sobre as linhas, as posições e as atividades do jornal” pode se revestir de encontro entre o

ombudsman e os leitores e não ser configurado como uma crítica. Em outras palavras, essa

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lista da ONO não torna obrigatória uma crítica externa, mas alinha o ombudsman enquanto

canal de divulgação das orientações editorias da empresa jornalística. Representar o leitor e

defender o jornal vão juntos e não são incompatíveis e os dispositivos de crítica são

enunciados para não provocar conflitos com as empresas jornalísticas. Por exemplo, as

ações de imputabilidade são restritas à recomendação de correções. Cabe exclusivamente à

direção da empresa jornalística definir o que será corrigido.

Na brochura da ONO disponível no seu site, estão explicitados os pontos definidos pelas

diretrizes, enquanto que as múltiplas maneiras de trabalhar do ombudsman de imprensa são

salientadas, sem nenhum caráter obrigatório. O titular do cargo é aquele que “recebe e

investiga as reclamações da audiência de uma mídia e indica medidas que visem a exatidão

e/ou a conformidade de certas reportagens”. Essa definição a duas implicações: a pessoa

que, numa empresa jornalística, recebe e investiga as queixas do público em relação ao

conteúdo jornalístico pode se filiar à associação de ombudsman de imprensa; e as

atividades de crítica da mídia e de publicação das avaliações das reclamações dos leitores,

por meio de uma coluna regular, não são obrigatórias. No site, as atividades profissionais

dos ombudsmans de imprensa são apresentadas assim:“Dois ombudsmans não trabalham exatamente da mesma maneira. Entretanto, eles examinam geralmente a imparcialidade, a precisão e o equilíbrio das informações, dos features, das fotografias e de outros elementos gráficos. Eles fazem relatórios para os responsáveis na redação sobre os artigos publicados que não satisfazem tais critérios.Eles investigam e respondem aos comentários e às queixas relativas às informações e aos features publicados ou difundidos. Eles obtêm explicações dos editores e de outros membros da redação para os leitores, os ouvintes ou os telespectadores.Alguns acompanham a preparação de correções. Outros redigem os boletins internos sobre as opiniões e as queixas dos leitores. Vários ombudsmans de imprensa escrevem colunas regulares que tratam de assuntos de interesse público e de agravos específicos. Quando necessário, as colunas podem criticar, explicar ou elogiar.Outros ombudsmans lançam ou animam fóruns públicos ou comitês consultivos de leitores no esforço de se conectar mais estreitamente com os leitores. Muitos dão conferências para diversos grupos públicos ou privados para explicar as práticas midiáticas. Alguns expedem questionários de exatidão para as pessoas citadas nos artigos de informação e solicitam comentários.Em empresas jornalísticas de pequeno porte, os ombudsmans de imprensa estimam necessário assumir outras obrigações relativas às informações. Mais em todos os casos, os ombudsmans de imprensa têm geralmente funções consultivas e não disciplinares” (ONO, 1999).

A atividade profissional comum aos ombudsmans de imprensa é receber e tratar as

queixas dos leitores, transmiti-las às pessoas responsáveis por categoria de informação e

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solicitar explicações e justificações à redação para poder apreciar e responder as

reclamações dos leitores. A publicação de colunas, a preparação de correções, a redação de

boletins internos, a participação em colóquios e em conferências, a animação de comitês

consultivos de leitores e a expedição de questionários de exatidão fazem parte do repertório

de atos profissionais que são variáveis e que mudam em cada ombudsman. Uma pesquisa

da ONO para identificar as atividades profissionais dos ombudsmans, realizada no final de

1996 com os seus filiados, testemunha que a atribuição unânime é a recepção de

reclamações e sugestões dos leitores. Apesar de ser realizada pela maioria dos

ombudsmans, a publicação de uma coluna não é o ato profissional comum a todos os

ombudsmans. A atividade profissional comum a todos os ombudsmans é a recepção de

ligações telefônicas dos leitores. Quanto às outras atividades, a quantidade de titulares que

as realizam é bem variável. De 28 entrevistados, 24 (85%) assinam colunas, um é

responsável por um programa de rádio semanal e outro apresentava um programa de

televisão. Assim temos um total de 26 ombudsmans (93%) que tornam público suas

avaliações das práticas jornalísticas.

Se ela constituía um ato profissional bem habitual, a coluna não era unanimemente

considerava a parte do trabalho mais significativa. Quando perguntados sobre a parte de

trabalho considerada mais importante, o acesso dos leitores aos editores e à instituição

recebeu 9 respostas. Em seguida, vieram as colunas (7) e investigar e responder as queixas”

(4).

3. Modelização pelo acesso do público

De fato, para uma parcela do grupo profissional, principalmente para certos agentes norte-

americanos, a modelização da ouvidoria de imprensa deveria privilegiar o acesso dos

leitores à mídia e não particularmente a correção do tratamento da informação e o ‘tornar

público’(‘go public’) dos erros. C. W. Bailey (1990), ex-diretor de redação de um diário

com ombudsman, concebe o ombudsman como aquele que deve principalmente “receber e

tratar as reclamações dos leitores, relatar suas conclusões para os editores, obter e relatar as

respostas” para o leitor. A elaboração de um relatório diário para a redação sobre o

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conteúdo das reclamações dos leitores e a esporádica preparação de memorandos para a

direção de redação seriam atividades secundárias, enquanto que a produção de uma coluna

para o público externo seria desejável, mais não imprescindível.

Outras apresentações da função de ombudsman enfatizam igualmente a recepção e o

tratamento das reclamações dos leitores, atividades através das quais o ombudsman facilita

o acesso do público à empresa jornalística. No artigo « Lending an ear. Whether called…

public editor, reader advocate, reader representative or ombudsman… more and more

papers are listening to readers. Should yours ? », publicado pelo boletim da ASNE –

Associação Norte-Americana de Editores de Jornais, S. Lamont (1999), então ombudsman

do diário regional americano Sacramento Bee e presidente da ONO no biênio 2001-2002,

caracteriza a ouvidoria de imprensa como representante dos leitores na direção da empresa

jornalística; são “jornalistas cuja principal tarefa é ouvir os leitores, assegurar que os

editores vão entender o que foi dito e utilizar essa informação para auxiliar a melhorar o

jornal”. O jornalista tem a ambição de convencer as empresas jornalísticas, o público-alvo

da ASNE, a contratar mais ombudsmans. Assim, o papel do ombudsman chocaria menos

com a redação e a direção da empresa jornalística e a função seria mais facilmente admitida

nas redações refratárias a essa função.

4. Modelização pela crítica da mídia

Entretanto, uma tal modelização da ouvidoria de imprensa – que valoriza as atividades

profissionais de favorecimento do acesso do público à mídia – não é unanimemente

compartilhada por todos os agentes do espaço profissional. Pelo contrário, as discussões

sobre a anterioridade da ouvidoria de imprensa testemunham a falta de legitimidade de uma

fração do grupo profissional que se dedica prioritariamente à recepção e ao tratamento das

manifestações dos leitores (Maia, 2003). Pode-se encontrar freqüentemente caracterizações

da ouvidoria de imprensa que enfatizam a atribuição de crítico da mídia, principalmente nos

dispositivos voltados para o público interno.

A. C. Nauman, antecessor de S. Lamont na função de ombudsman do Sacramento Bee e ex-

secretário da ONO, considera o ombudsman como quem ‘é pago um salário consistente

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para criticar seus próprios pares, seus próprios associados e, algumas vezes, seus próprios

amigos” (Nauman, 1994). O Washington Post, segue esse configuração da ouvidoria de

imprensa: “Eu realizo outras tarefas […] de um ombudsman de imprensa, mas no Post, meu

papel principal é a crítica. […] Chego a pensar que essa é a parte mais influente do trabalho

do ombudsman” (Byrd, 1994). Mário Xavier, primeiro e único ombudsman do AN Capital,

de Florianópolis, conta que nos Estados Unidos existe um consenso segundo o qual “a

prática do ‘ombudsmanato’ de imprensa só tem valor se o profissional ombudsman tornar

público em suas colunas os erros do jornal (ou rádio, TV, veículo para o qual trabalha)”

(Xavier, 1997).

5. Dispositivos da autonomia profissional

Alguns dispositivos, como a definição, o estatuto, o perfil do titular, a lista dos atos

profissionais e a localização da sala, são empregados para distinguir as divisões internas da

função e para colocar em circulação uma definição ‘forte’ da ouvidoria de imprensa,

divulgada para os públicos interno e externo desse espaço profissional. O agenciamento

desses dispositivos permite a elaboração de uma classificação, produzida pelos próprios

ombudsmans, dos cargos que apresentam “mais independência do que os outros” (Nauman,

1994). Quanto maior ‘independência’ dispor o ombudsman, mais próximo estará da

representação paradigmática da função. São dispositivos estatutários ou não

regulamentados que têm a função simbólica de marcar a diferença da ouvidoria de

imprensa e dos serviços de atendimento ao cliente, de colocar a disposição do titular da

função “todos os meios necessários para que este cumpra a sua missão de garantir a defesa

dos direitos dos leitores” (“Estatuto do Provedor do Leitor do Público”), de reforçar a

autonomia do ombudsman em relação à direção da empresa jornalística.

A publicação de uma coluna regular na qual titular da função responde as reclamações dos

leitores e/ou aprecia o tratamento da informação é o principal dispositivo da autonomia do

ombudsman da imprensa. Como já vimos, a presença ou a ausência da coluna distingue os

cargos de ombudsman. Outros dispositivos objetivam criar condições para o ombudsman

ter autonomia da redação. Nesse trabalho, será analisado o perfil do ombudsman: percurso

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profissional e idade do titular da função.

5.1. Outsider ou insider

O ombudsman é um assalariado da empresa jornalística que implantou o cargo. Dessa

maneira, nos debates sobre as medidas para assegurar a autonomia da ouvidoria de

imprensa, as empresas podem adotar posicionamentos diferentes sobre a origem dos

ombudsmans. No primeiro caso, escolhe-se um jornalista da casa ou um de outra empresa

jornalística. É a experiência profissional e o conhecimento da empresa que funda a seleção

dos jornalistas da casa, de forma que profissionais designados ao cargo de ombudsman

seriam “sempre os mais velhos, os mais experimentados […] membros da redação”

(Jacoby, sem data). O médiateur Robert Solé estabelece a distinção entre um “assalariado

do Le Monde” e profissional “externo da empresa” que seria “totalmente independente e

perfeitamente objetivo” (Solé, Le Monde, 07/09/1998). Desse fato, a clivagem entre quem é

interno e quem vem de fora se funda na bipolaridade entre o conhecimento da empresa

jornalística – signo da competência profissional para cumprir bem as funções de

ombudsman – e a exterioridade – prova da liberdade de ação. Os jornalistas seriam os

únicos competentes para levar um controle técnico e ético das práticas profissionais.

5.2. Idade

Entretanto, para os opositores da ouvidoria de imprensa, a apreensão do futuro profissional

poderia levar os jornalistas insider a tomar posições simpáticas à mídia. Além da

exterioridade do ombudsman, a idade do ombudsman é agenciada para retorquir as

denunciações de insuficiência de independência. É com esses argumentos, por exemplo,

que os ombudsmans do Le Monde respondem as críticas dos leitores em relação das

apreciações consideradas favoráveis e/ou benevolente ao diário. A justificação resulta em

afirmar que “o médiateur estando, em regra geral, bem avançado na carreira para não se

preocupar com o seu futuro” (Ferenczi, Le Monde, 10/03/1997). É estabelecido então uma

correlação entre a estada na empresa jornalística e o engajamento efetivo, o que conduziria

a uma tendência a defender as escolhas redacionais do jornal.

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Ombudsman outsider carece também de legitimidade. O que é colocado em dúvida não é o

percurso profissional do ombudsman, mas a maneira de designar os novos ombudsmans de

imprensa. Os próprios titulares da função não podem garantir que um ombudsman vindo do

exterior de uma empresa jornalística seja incontestavelmente autônomo, neutro. Assim,

Mário Mesquita afirma que “as empresa querem apresentar os ombudsmans como

outsiders na medida em que o contrato que eles estabelecem com o diário os confere um

certo grau de autonomia. Mas o ombudsman é escolhido pela hierarquia empresarial e

redacional (Mesquita, 1998, p. 85).

Conclusões

A divergência de agenciamento da ouvidoria de imprensa se torna inteligível quando

associam-se o posicionamento dos agentes do espaço profissional e os públicos aos quais

eles se endereçam. A ONO desenvolve trabalhos de legitimação distintos: um visa o público

interno e outro toca o público externo (segmentado em dois alvos: as empresas jornalísticas

– os jornalistas, a direção e os proprietários – e o público e a sociedade). Nas discussões

internas da ouvidoria de imprensa, o modelo paradigmático é aquele que dispõe de maior

autonomia na apreciação do tratamento de informação e o ombudsman do Washington Post

aparece como o modelo ideal. É essa modelização que ultrapassou as fronteiras dos Estados

Unidos e que os ombudsmans japonês T. Maezama (1999), brasileiro M. Xavier (1997) e

português M. Mesquita (1998) ecoam. Entretanto, nos Estados Unidos, o discurso de

justificação e de legitimação da ouvidoria de imprensa toma outras dimensões quando se

trata de convencer os jornais e os departamentos de jornalismo das rádios e televisões a

adotar a função. Tende-se preferencialmente de salientar o papel de melhorar a relação

mídia-público e de afastar um pouco as atribuições da crítica da mídia.

A falta de delimitação das fronteiras da ouvidoria preenche então uma grande função

estratégica no discurso de justificação e de legitimação da função. A extensão do título

serve para responder as denunciações de que a ONO participa a uniformização das

atividades profissionais dos ombudsmans, o que é contrário à concepção liberal da

imprensa, e, em último caso, dos jornalistas. Trata-se de um argumento utilizado pelos

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opositores da criação da ONO (Jacoby, sem data). A diversidade das atribuições e das

rotinas de trabalho dos ombudsmans de imprensa responde também aos que poderiam

distinguir na associação de ombudsman um dispositivo de homogeneização do grupo e de

restrição da sua autonomia de ação. No mais, a extensão do título permite contrabalançar

certos obstáculos na mídia. Mostrar a elasticidade da função de ombudsman serve ainda

para escamotear as reservas dos diretores das empresas jornalísticas, porque ela deixa aos

próprios atores a missão de juntar as atribuições para forjar o seu ombudsman. Existiria

uma certa subjetividade no exercício da função de ombudsman de imprensa, de maneira

que poderia ser considerado como uma “entidade unipessoal” (Mesquita, 1998, p. 85). Sem

decidir irrevogavelmente sobre o título, a definição e as atribuições dos ocupantes da

função, a associação entretêm a fluidez da função. Em suma, a ONO obtém ganho

simbólico: ela pode contar nas suas fileiras com pessoas cujos títulos e atribuições são

similares, o que aumenta o número de filiados da associação.

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Lev Manovich J. Echeverría M. Palácios Nora Paul e Christina Fiebich Roger Fidler(mediamorphosis)

Informacionalidade Digital

Modularidade(combinação)

Mobilidade(espaço de fluxos)Circulação rápida→Globalidade (produção)

Multimidialidade/Converência MediaTipoFluxoConfiguração

Convergência(produção e distribuição)

Automação(templates/algorítimos)

VariabilidadeEstoqueVárias interfaces para um

dadoCustomizaçãoMultimidialidadeAtualizaçãoEscalas

Instabilidade Memória artificial e externa

Personalização/customizaçãoMultimidialidadeMemóriaAtualização contínua

RelaçãoLinearridadeCustomizaçãoCirculaçãoManipulaçãoAdição

Transcodificação(formas culturais)

RepresentaçãoBisensorialidade (predominância do visual)

Complexidade

Quadro de propriedades da mídia

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Distancialidade→ Representação

Interatividade AçãoConteúdoMovimento do usuárioComunicaçãoMão únicaMão dupla (configuração, tipo,

propósito, fluxo, moderação)Espaço (em Media)

Coevolução

Reticularidade (acesso a um nó da rede)

Hipertextualidade ContextoIsoladoLinkado

Compressão do tempo Tempo (em Media)

Articularidade