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    GOMES, Mrcio Pereira. O ndio na histria: o povo Tenetehara em buscada liberdade. Petrpolis, RJ: Vozes, 2002. Captulo IV. Tempo de Servi-do: 1653-1759. Pginas 147-182.

    "Vejo que me dizeis: Bem estava isso se ns tivramos outroremdio. Este povo, esta repblica, este Estado no se pode sustentarsem ndios. Quem nos h de ir buscar um pote d'gua ou um feixe delenha? Quem nos h de fazer boas covas de mandioca? Ho de ir nossasmulheres? Ho de ir nossos filhos? Primeiramente no so estes osapertos em que vos hei de pr, como logo vereis; mas quando anecessidade e a conscincia obriguem a tanto, digo que sim e torno adizer que sim; que vs, vossas mulheres, que vossos filhos, e que todosns nos sustents-semos de nossos braos; porque melhor sustentar-sedo suor prprio que do sangue alheio. Ah, fazendas do Maranho, que seesses mantos e essas capas se torcessem, haviam de lanar sangue!

    Pe. Antnio Vieira, Sermo da Primeira Dominga da Quaresma, 1653.

    A Coroa portuguesa, seus administradores no Maranho, colonos e missionriosconsignavam aos ndios que iam sendo absorvidos ao sistema colonial duas possibili-dades de convivncia: ou como escravos, vivendo nas casas e quintais dos senhores, ouem ranchos nas fazendas; ou como livres ou forros, vivendo em aldeias de misso ouem aldeias de repartio, estas ltimas tambm chamadas de aldeias de administrao,ou ainda aldeias de servio d'El Rei, quando eram exclusivas da administrao daCoroa. Escravos eram aqueles tomados em guerras justas, resgatados de outras tribosque os tinham supostamente para serem sacrificados e comidos, ou comprados de al-gum que legalmente os havia obtido. ndios livres eram aqueles que haviam se sujei-

    tado a viver em aldeamentos organizados e supervisionados por portugueses prximosa povoados coloniais. Como vimos no Captulo III, os ndios livres eram em muito ma-ior nmero do que os escravos, e ambos faziam parte do estamento dos ndios, emoposio ao estamento dos brancos.

    O presente estudo quer propor que a condio de liberdade dos ndios aldeadosser melhor entendida no processo histrico brasileiro sendo analisada ao invs comouma espcie de servido, que significava uma forma especfica de recrutamento dotrabalho e um modo prprio, singular de relacionamento social. A liberdade que sepresumia existir se limitava ao viver em comunidades, no pertencer a ningum emparticular e portanto no poder ser vendido ou transferido. Era, entretanto, uma liber-

    dade cerceada por obrigaes de trabalhar e servir aos brancos nos tempos que estesdesejassem. Embora o trabalho fosse pago, tal era a natureza desse pagamento (irris-rio em seu valor, em forma de panos de algodo ou algum instrumento de ferro) que

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    melhor seria entend-lo como um agrado ou recompensa pelo acatamento mais oumenos voluntrio dos ndios ao sistema colonial, pois fica claro que os ndios sesubmetiam ao trabalho no pelo valor do pagamento mas pelo dever imposto. De fato,como apontou Vieira (1925: 308ff) em 1653, os colonos do Maranho usavam esta forade trabalho mais moda medieval de "corvia", um recrutamento com sentido de com-pulsoriedade, particularmente para os servios pblicos. Porm, nas aldeias de misso,incluindo as dos jesutas, o trabalho era regido como se os ndios fossem servos. CaioPrado Jr. (1953:341-7) e Celso Furtado (1963:75), com base em dados histricos gerais,e analisando as prticas de trabalho dos jesutas em outra parte da Amaznia, indicamtambm que estas prticas eram essencialmente de um tipo servil. Juntando-me a essesautores, queremos com isso dizer que os jesutas tinham o poder de arregimentar osndios, como melhor entendessem, para trabalhar nas tarefas extrativas, agrcolas,pecurias e dos engenhos, recebendo em troca os benefcios culturais e polticos ofe-recidos pela vida na misso. No caso do trabalho de extrao de produtos da floresta(cacau, salsaparilha, copaba e outra especiarias), realizados exclusivamente para avenda, recebiam em troca instrumentos de trabalho e outros bens de pouco valor.

    Aldeias de repartio

    Desde o incio da colonizao do Maranho, a maioria dos ndios subjugados,seja por tropas de guerra, seja por persuaso de missionrios, com ou sem fora militar,que no fossem declarados escravos, eram trazidos para viver em aldeias perto depovoados e fazendas dos colonizadores. Essas aldeias eram chamadas de repartioporque os ndios que l viviam podiam ser repartidos por cotas entre os fazendeiros ouoficiais do governo para trabalhar em tarefas variadas. Os ndios eram consideradoslivres, mas no tinham comando sobre sua vida, e especialmente sobre sua fora detrabalho. Os governadores, s vezes as cmaras das vilas, e ainda os jesutas por breveperodo, lhes assignavam uma pessoa do sistema colonial, quase sempre um portugus,um mazombo (portugus nascido no Brasil), ou um mameluco para ser responsvelpela aldeia. Se leigo, ganhava o ttulo de capito; se religioso, o cognome de "pai doscristos". Este era um cargo colonial bastante visado por religiosos e colonos. Pela lei de1652, o preenchimento desse cargo passou a ser exclusivo de religiosos, embora nome-ado pelo governador ou capito-mor, na sua condio de presidente da Cmara. Entre-tanto, depois de 1663, predominou a administrao de leigos. As aldeias livres de repar-tio tinham terras para fins de agricultura de subsistncia, mas seus moradorestinham pouco tempo para si mesmos para que pudessem desenvolver essas atividadesem grau satisfatrio que fosse alm do consumo familiar.

    Sendo livre, a mo-de-obra indgena devia ser paga por meio de um salrio cujovalor era estipulado s vezes pela Coroa, como o fizeram as leis de 1596, 1624, 1625,1647 e 1649, ou, mais adequadamente, pela administrao colonial atravs das cmarasdas vilas. A partir da lei de 1596 os ndios deviam trabalhar somente dois meses de umavez e folgar por igual perodo. Antes, eles podiam ser submetidos a trabalhar at setemeses de uma vez s, o que prejudicava enormemente o funcionamento da aldeia.Todavia, a determinao de dois meses de trabalho raramente foi seguida no Mara-nho. Em 1637, o Padre Luiz Figueira observou que os ndios trabalhavam at sete, oitomeses, ganhando pelo tempo no mais que quatro "varas" de pano (uma vara = 2,2 m),s vezes nem isso (Figueira 1637 apud Leite 1940: 209-10). As irregularidades conti-nuaram at 1655, quando um novo regimento real reforou a norma de dois meses decada vez, tendo dois meses de descanso para cada um cuidar de suas roas (Kiemen

    1973: 96ff). Em alguns casos, como remeiros em tropas de guerra ou em expedies decoleta de especiarias da floresta, o prazo podia ser dilatado o quanto fosse necessrio.Entretanto, sem a vigilncia contnua de um Vieira, o sistema de recrutamento, mesmo

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    para as tarefas agrcolas, como nos engenhos de cana, prosseguiu com prazos maisdilatados. Analisando e sugerindo mudanas no sistema de repartio em 1682, o ex-procurador e vereador mais antigo e conceituado da poca, cognominado "Pai daPtria", Manuel Guedes Aranha (1883: 41-2), dizia que era impossvel se seguir o prazode dois meses, at porque para se devolver um ndio da fazenda para a aldeia e pegaroutro se gastava quase igual tempo, e que o prazo mnimo de quatro meses nosengenhos era necessrio para o bom desempenho desse trabalhador livre, e que isto eracomum. Desde a metade do sculo XVII, o salrio bsico estipulado era de duas varasde pano grosso, por perodo de dois meses, valor que permaneceu estvel por um sculoat as mudanas realizadas por Pombal. s vezes se acrescentava uma ferramenta,machado ou faco, pela dilatao do prazo do servio, certamente como forma deagrado e demonstrao de boa disposio do patro.

    A distribuio ou repartio da mo-de-obra indgena dessas aldeias foi motivode disputa ferrenha durante todo esse perodo por parte dos colonos, oficiais da Coroa emissionrios. Embora, por determinao rgia, apenas um tero dos ndios de umaaldeia de repartio pudesse ser recrutado a cada vez, essa regra era burlada com muitafreqncia. Ademais, ocorria que os beneficirios tinham por costume reter trabalhado-res por tempos mais longos at que algum reclamasse ou o trabalhador ndioresolvesse fugir e voltar sua aldeia.

    No obstante o Maranho ter sido conquistado no perodo em que Portugal per-tencia Espanha (1580-1640), o sistema de encomienda, usado nos primeiros anos dacolonizao espanhola no Caribe e no Mxico, e em algumas regies mais isoladascomo Venezuela e Paraguai, por muito mais tempo, no chegou a ser implantado noterritrio brasileiro. Bento Maciel Parente, quando era capito-mor, pediu que essesistema fosse estendido para o Maranho, at para premiar os conquistadores (MacielParente 1637 apud Anais 1904: 358). Ele prprio acusado pelo frei Cristvo de Lis-boa (1626 apud Anais 1904: 395) de ter uma aldeia s para seu uso. Ele prprio, quan-do governador do Maranho, fez concesso de uma aldeia com 300 casais de ndios aPedro Teixeira como prmio pela ousada viagem que este havia recm realizadosubindo e descendo o rio Amazonas, entre 1637 e 1639 (apud Varnhagen 1962, TomoIV; 153, nota de rodap 18). Certamente que outras aldeias de repartio chegaram afuncionar como uma encomienda de algum, porm as presses dos missionrioscontra os maus tratos de um tal senhor e a disputa por parte de outros colonos pelamo-de-obra l abrigada no permitiriam que o sistema de encomienda separticularizasse como na Amrica espanhola. Na verdade, o sistema aqui implantadoderiva do sistema de repartimiento, usado no povoamento espanhol aps a expulsodos rabes, que por sua vez deriva de uma instituio feudal1.

    A legitimidade da corvia, ou recrutamento compulsrio, de ndios moradoresde aldeias missionrias ou de repartio permaneceu vlida por muitos anos namentalidade colonial. As aldeias jesuticas, ao passarem para o jugo leigo aps suaexpulso em 1759, tambm foram coagidas corvia. Em 1808, os descendentes dosndios Tupinamb (Tobajara) e Cahycahy que viviam na extinta misso de So Miguel,1Consta em Varnhagen (1962, Tomo IV: 252, nota de rodap 24, que foi includa pelo anotador da edio Rodolfo

    Garcia) que atravs de uma carta rgia de 20 de fevereiro de 1704, o rei concedeu a Tomas Bequimo o direito de descercem casais de ndios para estabelecer-se com lavouras no Maranho. Ora, segundo Joo Francisco Lisboa (1865, vol. IV:729-32, 736), que pesquisou os arquivos setecentistas do Maranho antes dos documentos desaparecerem ou sedestrurem, havia muitos desses pedidos e muitas expedies particulares para descer ndios que resultaram em

    reparties entre particulares, sem passar por aldeamentos oficiais. Tais descimentos no poderiam implicar escravidoe sim uma servido forada e particular que, se levada a termo, iria significar escravido na prtica.

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    ao sul da ilha de So Lus, continuavam a ser recrutados anualmente para servio deinteresse pblico. Os ndios das misses jesuticas e franciscanas na ilha de So Lusforam usados para esses trabalhos ao longo de todo o perodo colonial e ainda duranteas primeiras dcadas da independncia. Pela forma coatora em que se realizava acorvia, defensores do sistema de escravizao indgena chegaram a considerar que osndios escravizados eram melhor tratados que os livres, porque eram vistos como "algoprximo ao senhor" (apud Kiemen 1973: 70).

    Os ndios que viviam nas misses dos carmelitas, franciscanos e jesutas podiamtambm ser colocados disposio para trabalhar para os colonos e para as cmarasdas vilas. Excees a esse entendimento, que ficou estabelecido pelo Regimento dasMisses de 1686, foram feitas apenas para determinadas aldeias indgenas, porrequisio dos missionrios e com a expressa anuncia da Coroa. Ainda assim, quandofaltavam braos os colonos reclamavam contra essa exclusividade. Vale dizer tambmque os missionrios que recebiam salrios da Coroa em forma de cngruas (que em1652 era de 30$000 ris por missionrio; e em 1684 chegava a 950$000 ris por umplantel de 30 missionrios (Moraes 1860: 241-3) e recursos para suas misses eramobrigados a pagar salrios aos ndios, tanto os domsticos quanto os que trabalhavamno eito, exceto quando estivessem morando nas prprias misses.

    A escravido e a servido coexistiram lado a lado durante todo o perodocolonial. Porm, a servido raramente foi reconhecida claramente como uma forma dearregimentar fora de trabalho. Vieira, que foi acima citado ao falar de corvia ecomparar o sistema colonial ao feudal, na maioria das vezes considerava os ndios dasmisses e das aldeias de repartio como livres. Aranha (op. cit.: 12, 28) tambm usa apalavra "servo", sem distinguir entre escravo e forro, alm de considerar que os ndioshaviam nascido para servir aos portugueses. Na famosa proviso real de 9 de maro de1718, a Coroa considera que os ndios autnomos so livres, e d a entender que osistema de aldeamento compulsrio reduz os ndios a uma quase escravido: "Esteshomens so livres e isentos da minha jurisdio, que os no pode obrigar a sahirem desuas terras para tomarem um modo de vida de que elles se no agradam, o que se no rigoroso captiveiro, em certo modo o parece, pelo que offende a liberdade" (apudLisboa 1865, Tomo III: 137). Parece que a conscincia de que os ndios aldeados eramcomo se servos fossem aumentou nas dcadas seguintes, pois vemos, em 1743, numapetio que faz ao rei o procurador dos colonos Paulo da Silva Nunes, citando os "indiosj domesticos, e seus vassalos, seja forros, ou escravos, mamalucos, caffuzes, pretos, ououtros quaesquer servos".

    A noo de servido surge no texto acima como a forma mais genrica de con-trole social, sendo a escravido uma variao. Tomando essa indicao como hiptese,aqui considero que o trabalho livre era na verdade trabalho servil e as relaes queento se estabeleceram foram de ordem de amo para servo, um tanto diferente da desenhor para escravo, e certamente longe da relao caracterstica do trabalho livre entrepatro e empregado.

    A servido constitui um sistema de organizao do trabalho em que os homensse sentem no dever de trabalhar para os seus senhores em virtude de sanes religiosase ideolgicas. O trabalho se d pela oferta gratuita, ou apenas recompensada, da mo-de-obra, atravs de um recrutamento, a corvia, ou pela doao estipulada de parte de

    sua renda, em forma de bens produzidos na terra do senhor. Em contrapartida, ossenhores devem prover aos seus sditos proteo e segurana militar, meios de subsis-tncia e o sentido de pertencimento ao sistema cultural maior. Essa relao sancio-

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    nada por direitos consuetudinrios e fundamentada em princpios religiosos. Esse sis-tema de organizao do trabalho contrasta, formalmente, com o trabalho livre, regula-do por via de contrato e pago com alguma forma de salrio. Contrasta, igualmente, coma escravido.

    A escravido de ndios foi abolida diversas vezes, mas quase sempre com res-salvas que permitiam novas possibilidades de escravizao, ou que aceitavam comoescravo quem j o fosse. Apenas na lei de 1609, que chegou ao Brasil em 1610, e foi re-vogada pela lei seguinte de 1611, que se probe qualquer tipo de escravido. Assim, aescravido colonial s foi totalmente abolida em 1757, com a promulgao das leis queconstituem o chamado Diretrio de Pombal (Gomes 1991: Cap. II). Porm, mesmo navalncia do Diretrio, havia subterfgios para contornar a proibio de escravido, queera de fazer "doaes" de ndios capturados em guerras defensivas ou ofensivas paraserem criados e educados para o trabalho. A partir de 1804, o regente Dom Joo, de-pois Dom Joo VI, reinstituiu formalmente a escravido indgena para quem quisessedar combate e destruir os povos indgenas dos vales do rios Mucuri e Doce e os ndiosCoroado de So Paulo. Essa legislao foi estendida para outras provncias, inclusive osndios do Piau e leste maranhense, e permaneceu com validade at 1831 quando aRegncia aboliu definitivamente a escravido indgena no pas.

    J a servido funcionou camuflada durante todo esse tempo e com isso teve vidamais longa e contnua. Sua funcionalidade se estendeu para alm dos limites dessasinstituies. Desse sistema, que rejeitava a escravido, mas tambm no reconhecia anoo de trabalho livre, surgiu um novo tipo de relacionamento desde o perodopombalino, o qual vem se mantendo em vrias reas da vida social brasileira at os diaspresentes. o que trataremos nos prximos captulos chamando-o de relao patro-cliente, patronagem, ou clientelismo social. Pode-se dizer que este vem sendo o modomais generalizado de se tratar ndios aldeados desde ento.

    A Companhia de Jesus

    A Companhia de Jesus foi, sem dvida, a mais importante das ordens missio-nrias que se fizeram presente no Estado do Maranho e Gro Par. Foi ela a respon-svel pela missionizao dos Tenetehara, desde suas primeiras investidas em 1653 at ofinal de sua presena em 1759. L tambm estavam, complementando e rivalizando-secom os jesutas, a ordem das Mercs, os carmelitas calados, os capuchinhos de SantoAntnio da Conceio e os capuchos da Piedade, com igrejas em So Lus e Belm. Aolongo de 140 anos de convivncia freqentemente conflituosa, os jesutas e demais or-dens foram se firmando no cenrio colonial por fora tanto da sua funo religiosa,como representantes da Igreja, quanto atravs do comando poltico-econmico de umgrande nmero de aldeias indgenas, ou, no dizer da poca, tanto como poder espiritualquanto como poder temporal. Por um clculo oficial, que intencionava fazer cobranade dzimo, na dcada de 1740, essas ordens administravam 51 aldeias indgenas, almde possurem 56 fazendas de gado e cana-de-acar. Das aldeias, os jesutas contro-lavam 25, os mercedrios 3, os carmelitas 10, os capuchos da Piedade 8 e os da Com-ceio 5. Os dzimos calculados seriam respectivamente, 14:660$000 (quatorze contose seiscentos e sessenta mil ris), 2:198$000, 3:246$000, 1:503$000, e 500$0002. Pe-los clculos dos jesutas, eram 28 as suas aldeias, que somavam 21.031 ndios. Ao finalde seu tempo, por volta de 1756, eles administravam no menos que 54 aldeias no

    2Esse clculo se encontra no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, Arquivo 1, 2, 36, folhas 30 a 47.

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    Maranho e Gro Par e provavelmente cerca de 35.000 ndios (Kiemen 1973: 102, 179-80).

    Tal patrimnio, de bens e homens, foi obtido em razo da capacidade de organi-zao, disciplina, determinao e trabalho de quem via no que fazia a nica via de

    salvao pessoal, bem como o remdio para a salvao dos demais homens. Os jesutasem particular, cuja ordem foi fundada em 1539 por Incio de Loyola, se comportavamcomo soldados prontos para defender a ortodoxia catlica contra hereges e protestan-tes, e viviam determinados a espalhar a f crist pelos gentios afora. Chegados ao Brasilcom o primeiro governador geral, em 1549, logo se firmaram como uma ordem que sedispunha a todo e qualquer sacrifcio para doutrinar e converter os ndios do Brasil.Mostraram-se igualmente leais Coroa portuguesa em tudo que foi necessrio paraconsolidar o predomnio portugus no Brasil, ajudando a livr-lo de franceses - fossemeles catlicos ou huguenotes - no Rio de Janeiro e Maranho, holandeses no Maranhoe Cear, ingleses e at irlandeses catlicos no rio Amazonas. Nesse mister, entretanto,foram consolidando a reputao de defensores dos ndios contra a cobia dos coloniza-dores, que os queriam escravizar. Com isso, freqentemente eram repudiados pelasociedade branca colonial e mal falados pelas demais ordens. Por duas vezes foramagressivamente expulsos do Maranho (1661 e 1684), alm de terem sido convidados ase retirar em 1621, no incio da colonizao, e terem sido processados por procuradoresdos colonos em 1655, 1662, e nas dcadas de 1720 e 1740. Foram tambm expulsos deSo Paulo em duas ocasies, bem como retirados da Paraba e do Rio de Janeiro.

    Dentre os jesutas que estiveram no Brasil sobressai como figura mpar o PadreAntnio Vieira (1608-1697). Alm de homem visionrio, pregador poderoso, carismti-co e arrebatador, consultor de reis e rainhas na Europa, amigo de judeus, tendo portantos motivos sido processado pela Inquisio portuguesa, Vieira tambm foi missio-nrio no auge de sua vida produtiva, entre 1653 e 1661, no Maranho e Gro Par. Aquiele veio para implantar definitivamente a Companhia de Jesus e com o intuito de des-fazer a desordem e as injustias que prevaleciam nas relaes entre colonos e ndios,trazendo consigo sua j consolidada fama de pregador, amigo do rei Dom Joo IV, ehomem inflexvel. Desde 1626, por um acordo interno firmado em junta, da qual par-ticiparam uns poucos dos conquistadores que haviam expulso os franceses, o gover-nador-geral Francisco Coelho de Carvalho, o jesuta Luiz Figueira e o franciscano Cris-tvo de Lisboa, ficou estabelecido, revelia de outros atos da Coroa, que os colonosteriam o direito de escravizar ndios por resgates ou guerras ofensivas, entendendo-seque o valor do ndio escravo fosse igual ou maior que o valor de dez machados (Aranha1883: 18-19). A Coroa no se inteirara disso formalmente, o que, do seu ponto de vista,constitua uma excrescncia poltica se no uma verdadeira deslealdade. Da porque

    dizia-se, e Vieira repetia, que a anarquia imperava no Maranho. Vieira chegou emjaneiro de 1653, pouco depois do novo capito-mor Baltasar de Sousa Pereira, com leise cartas rgias para pr em liberdade quem tivesse sido aprisionado injusta e irregular-mente, para criar um sistema de entradas para trazer ndios, como homens livres, paraas aldeias de misso e para as de repartio, e enfim, para ajudar a impor ordem e jus-tia no sistema de trabalho colonial e nas relaes entre colonos e ndios.

    Com destemor e ousadia, Vieira tentou implantar essas medidas e propsitos, eno se pode dizer que tenha sido de todo mal sucedido. Entretanto, seis anos depois deter brevemente voltado ao Reino e retornado ao Maranho (1654-55), terminou sendoexpulso, junto com seus confrades, em 1661, no mais voltando vida missionria.

    Deixou, contudo, marca indelvel na histria do Maranho, como propugnador da li-berdade dos ndios (embora sendo a favor da escravizao de africanos), crtico do

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    sistema colonial e de muitos de seus costumes tais como existiam, e como moralistaempedernido (Azevedo 1931).

    Os jesutas no constituam uma ordem contra o sistema colonial como tal. Suasdesavenas com os colonizadores se dariam em funo de vises diferentes acerca dos

    ndios e do uso de sua mo-de-obra. Estes os consideravam seres inferiores, nascidospara servir aos portugueses, e os queriam sempre ao seu lado, sob seu mando perma-nente e indiscutvel, como escravos ou servos, para melhor dispor de sua fora de tra-balho. Acreditavam outrossim que somente pelo trabalho e convvio com os portu-gueses, os ndios abandonariam seus costumes nefastos e subumanos e se tornariamcomo portugueses, cristos e civilizados. J os jesutas achavam que os ndios, emborainferiores, tinham alma e podiam ser convertidos ao cristianismo. Seu jeito infantil deser poderia favorecer sua transformao numa cristandade mais pura3. Fosse pelaescravido eles se degenerariam cada vez mais, tornando-se perniciosos e devassos.Degenerariam-se tambm os prprios portugueses. Alm disso parecia aos jesutasmuito desumano o modo como eram tratados mesmo os ndios livres: longas e rgidasjornadas de trabalho nos tabacais e canaviais, aoitamentos, quebra da estrutura fami-liar. Assim, preferiam que os ndios fossem juntados em aldeias, doutrinados na fcrist e disciplinados por novos mtodos de trabalho, enfim, "reduzidos" (o que signifi-cava ento "conduzidos a") cristandade e ao reino portu-gus4. As aldeias ou missesdeveriam ser auto-suficientes, autnomas, sem portugueses no seu meio, mas coman-dadas pelos missionrios coadjuvados por lderes indgenas. Viver uma vida regrada ereligiosa, aos moldes de um cristianismo quase medieval, era o objetivo social dessasaldeias. Sua produo econmica era realizada em tarefas repartidas entre indivduoscom especialidade, grupos de homens e mulheres, e por famlias, e era dirigida para obem de toda a comunidade, sendo seu excedente vendido para se obter mais bens paraa misso. Algumas aldeias de misso deveriam ser de uso exclusivo das ordens, tanto osseus bens quanto a mo-de-obra, para sustentar as igrejas e as atividades dos mission-rios. Porm, a maioria delas estava disposio dos colonizadores, que podiam recrutarum determinado nmero de ndios (no mximo um tero da aldeia) por perodos dedois meses, com pagamento depositado de antemo nos cofres da misso. Este sistemade trabalho, realizado nas misses para as ordens missionrias, e recrutado das aldeiasde repartio para as fazendas e para o servio dos colonizadores, o que aqui cha-mamos de trabalho servil, em oposio ao trabalho escravo.

    A maioria dos portugueses, os administradores reais, os colonizadores, exporta-dores e os homens brancos sem cabedal respeitavam os jesutas, freqentavam suasmissas, ouviam seus sermes, confiavam seus filhos s suas escolas. Entretanto, quan-do se viam em dificuldades com sua mo-de-obra, muitos protestavam com a fria dos

    injustiados que os padres da Companhia no somente queriam abolir a escravido dosndios, mesmo daqueles obtidos em resgates e guerras justas, sancionadas nos artigosda esmagadora maioria das leis e cartas rgias, mas tambm faziam de tudo paraimpedir o recrutamento dessa mo-de-obra servil no somente de suas aldeias comotambm das aldeias de repartio. O desgnio mais ambicioso dos jesutas, no se podedeixar de concluir, era controlar todos os ndios. Todavia, jamais tiveram nmero su-ficiente para tentar esse propsito, e s por um pequeno espao de tempo (entre a lei de1655 e a expulso em 1661) que chegaram a vislumbrar a realizao de sua viso dehegemonia do controle dos ndios. A acusao de querer controlar os ndios iria

    3Na historiografia brasileira muito se diz e repete que os colonos queriam o corpo dos ndios enquanto os jesutas

    queriam sua alma. Na verdade, os dois queriam a mesma coisa, s que de modos diferentes. Desde o princpio oscolonos queriam o trabalho mas tambm a lealdade dos ndios, sua aceitao ao sistema colonial, sua transformao emportugueses pobres e servis.4O termo "reduo", como sinnimo de misso, aparece na literatura colonial brasileira, mas no com a freqncia

    usada nas colnias espanholas, especialmente nas misses jesuticas do Paraguai.

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    prevalecer em todas as discrdias entre colonos e jesutas, bem como nas diversasreclamaes feitas diretamente na metrpole.

    Mtodos de missionizao

    Os jesutas, como as demais ordens religiosas, usavam de dois mtodos parareunir ndios em aldeamentos. O primeiro se realizava como um empreendimento derisco no qual missionrios e representantes da Coroa se associavam para entrar pelossertes e convencer tribos indgenas a aceitar a presena de missionrios para seremcatequizados e se tornarem disponveis ao recrutamento para o trabalho nas aldeias derepartio. Esse mtodo combinava a persuaso, que operava atravs da distribuio depresentes e da promessa de que no seriam molestados por bandeiras escravistas e acoero das armas. Quer dizer, junto com as tcnicas e a boa vontade da persuaso era,s vezes, imprescindvel aplicar uma lio de fora para que os ndios se submetessem;ou, por outra, eles j teriam experimentado semelhante violncia pelas mos de entra-das ou bandeiras anteriores. Chamamos esse mtodo de persuaso forada, que pareceter sido utilizado mais especificamente em grupos indgenas que no falavam a lnguageral e que desconfiavam com mais temor do estilo de vida dos luso-brasileiros que osaguardava.

    Assim se deu com os ndios Uruatis, Barbados, Guanars e Tremembs do lestee nordeste do Maranho. Essas tribos se destacaram no discurso colonial como sendobelicosas e intratveis. Eram considerados povos nomdicos, perambulantes quaisciganos, no dizer de diversos cronistas da poca, o que quer dizer, na interpretaoantropolgica atual, que tinham um estilo de vida aldeada diferente do estilo tupi. Naverdade, constituam aldeias razoavelmente estveis, de onde, durante a estao seca,se dividiam em grupos que debandavam em pequenas unidades para caar e melhoraproveitar os recursos naturais do seu territrio. Este , de fato, o estilo de vida dospovos j da rea de matas de transio e cerrados daquela regio e do planalto centraldo Brasil (Nimuendaju 1946; Maybury-Lewis 1974; Vidal 1978 e outros). Esta caracte-rstica cultural tornou mais difcil, por via da persuaso pacfica, o subjugo dessesgrupos e sua reduo disponibilidade ao trabalho recrutado.

    O segundo mtodo, que chamaremos de acatamento voluntrio, era menostraumtico e talvez com resultados menos perniciosos. Uma tribo indgena era, deincio, contatada por um emissrio dos jesutas, geralmente um ndio da tribo ou quefalava uma lngua parecida, e que j vivia no meio colonial. O emissrio falava a res-peito dos jesutas e de seu desejo de fazer misso entre eles, o que significaria receberbens antes inalcansveis e ter segurana contra ataques de outros portugueses. Tendouma resposta positiva, em seguida vinha um jesuta como uma comitiva de ndios demisso e uma carga de presentes para cumprir as promessas feitas (Vieira 1925: 395).Em alguns casos, a prpria tribo indgena enviava por sua conta um emissrio paraconversar e negociar seu relacionamento com os jesutas. Finalmente, escolhia-se umlocal para a misso e tratava-se de persuadir a tribo a mudar-se para tal local, em geral,de fcil acesso a uma vila ou povoado portugus, mas no to prximo que favorecesseo contato permanente com os colonos.

    Foi desta forma que um povo indgena (no especificado) que vivia a oeste do

    baixo Pindar, foi trazido para ser aldeado em Tapuitapera (Marques 1970: 66). Foiassim que se deu o estabelecimento da misso jesutica entre os Tenetehara. Esse mto-do ficou valendo at o fim da permanncia dos jesutas, pois, em 1755, os Amanajs, de

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    lngua tupi, da regio do alto Pindar e alto Gurupi, foram persuadidos a descer paraum local prximo a So Lus (Leite 1943: 195; Fay ([1753-55] apud Boglr 1955). Hinmeros outros exemplos para o Par e a Amaznia em geral, bem como para o restodo pas.

    Uma variante do acatamento voluntrio era aplicado em associao com a admi-nistrao colonial. Nesse caso, os jesutas agiam como embaixadores e os retornos des-ses empreendimentos eram bastante rendosos. Na dcada de 1650, em trs entradasque foram acompanhadas por jesutas (inclusive a que estava o prprio Vieira), mais de3.000 ndios livres foram convencidos a deixar suas aldeias e descer para viver emaldeias de repartio perto de Belm, onde deveriam ser catequizados e postos disposio como ndios forros. Ao mesmo tempo, trouxeram 1.800 ndios no tupi paraserem vendidos como escravos para donos de engenho (Kiemen 1973:114). Ao menos2.000 dos ndios persuadidos eram Tupinamb do rio Tocantins (Vieira 1925: 554-555).

    A missionizao dos Tenetehara

    Para os Tenetehara, o tempo da servido se inicia com a chegada dos jesutas aoalto Pindar e a deciso de fazer misso entre eles. Da por diante vai diminuir o perigode serem atacados por expedies de guerra e eles passam a conviver com a sociedadeluso- brasileira pela mediao jesutica. O ano de 1653 o marco inicial dessa fase derelaes intertnicas porque foi quando os Tenetehara foram contatados pela primeiravez pelo jesuta Francisco Veloso, que subiu o rio Pindar a mando do Padre AntnioVieira

    Foi atravs do mtodo de acatamento voluntrio que os jesutas estabeleceramsua misso entre os Tenetehara. Entretanto, tal no se deu de uma feita s, mas por umprocesso bastante demorado que durou de 1653, data do primeiro contato jesuta comuma aldeia tenetehara, at praticamente 1683, quando a misso seria estabelecidadefinitivamente num stio beira do lago Maracu. Os Tenetehara j eram conhecidosdos portugueses do Maranho devido s duas expedies escravistas anteriores. Emalgum tempo anterior, uma aldeia de repartio havia sido formada com ndios Tene-tehara descidos forosamente para um stio chamado Itaquy, localizado no Boqueiro,distante de So Lus uns oito dias de viagem de canoa. Em 1653, era uma aldeiapequena, com cerca de 70 ndios, porque os Tenetehara freqentemente fugiam paraseu territrio original no alto Pindar. Porm, ao que parece, no eram to molestadospelos portugueses, pois a distncia no compensava aos fazendeiros portugueses ou aogovernador recrutar mo-de-obra. Por outro lado, de supor que havia ento um certonmero de Tenetehara vivendo em fazendas como escravos, embora os jesutas nofalem sobre isso.

    A iniciativa da missionizao partiu do Padre Antnio Vieira, logo que ele che-gou a So Lus e soube "que no rio Pindar habitava uma grande nao de ndios,divididos em seis aldeias, todos da lngua geral e da mais polida do Brasil", segundo orelato de Moraes (1860: 400). Vieira "parece no cabia dentro de si de contentamento"com a possibilidade de iniciar seu trabalho em "huma to dilatada seara", especialmen-te depois que chegara um ndio "embaixador" enviado pelos principais do alto Pindar

    pedindo a vinda de missionrios jesutas. Logo determinou aos padres Francisco Velosoe Jos Soares que fossem aos Tenetehara do Itaquy e tentassem de l mandar mensa-geiros para persuadir os que viviam no alto Pindar, numa regio chamada Capiytuba,

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    ou ainda Capitiba, a descerem para serem missionizados. Ao chegar a Itaquy, os je-sutas se espantaram de no ver ndios na aldeia, pois todos haviam fugido e se es-condido nos matos por medo do "abar", como escreveu Vieira5. Retornando aos pou-cos, os Tenetehara contaram aos missionrios que seu grande medo era de seremrecrutados pelos portugueses para trabalhar como escravos. Em seguida, aps adistribuio dos presentes de ferramentas e alguns avelrios, os jesutas passaram apregar a doutrina, com a promessa de que aqueles que estivessem sob sua guarda noseriam perseguidos pelos portugueses. Ao mesmo tempo, enviaram um grupo deTenetehara ao alto Pindar para convencer aos que l estavam a descer. Passado algumtempo, sem retorno dos mensageiros, e com falta de farinha na aldeia, o Padre Velosodespachou emissrio com um apelo ao capito-mor do Maranho para providenciarmantimento, ao que este respondeu que eles que viessem morar perto de So Lus. Osmissionrios no vm outra sada seno descer para a ilha de So Lus esses 70Tenetehara, menos alguns que se desligaram do grupo e voltaram para o alto Pindar.Assim, desse modo circunstancial, ao que parece, porm de conseqncia negativa,ocorreu a primeira experincia missionria com os Tenetehara. Ao serem levados paraSo Lus, naturalmente foram alojados numa das aldeias d'El Rei, de onde podiam serrecrutados ao trabalho com facilidade.

    A chegada dos Tenetehara ilha provocou um episdio curioso, pois o Padre Vi-eira se entusiasmou com um garoto de seis ou sete anos que aprendera todo o catecis-mo ensinado pelo Padre Veloso, e passou exibi-lo na igreja como prova da f e da capa-cidade de cristianizao dos Tenetehara. Contudo, sem mais ndios para iniciar umamisso, Vieira se decepcionou e deixou de lado os Tenetehara, partindo para Belm.

    Algum tempo depois, o Padre Manoel Nunes, que ficara como sub-prior doColgio Nossa Senhora da Luz, decidiu retomar a misso dos Tenetehara. No obtendoajuda do governador nem da Cmara, mas se fiando no potencial dos resultados de umaldeamento tenetehara, o Padre Nunes e seus colegas determinaram que valeria a penatentar a misso por conta prpria. Entrou em acordo com as autoridades no sentido degarantir para o Colgio o "servio privativo" da aldeia que estabelecessem com osTenetehara, j que o direito a uma aldeia indgena s podia sido concedido por El Rei(Moraes 1680: 407; Bettendorf 1990: 80-81). Assim, o prprio Padre Manoel Nunes sedisps a subir o rio Pindar acompanhado de algumas famlias de Tenetehara, inclusiveos "nefitos do Padre Veloso", numa jornada que levou 35 dias de canoa at o lugarCapiytuba. A distncia deste lugar at So Lus calculada na poca era de 60 lguas(aproximadamente 396 quilmetros), o que, se descontarmos a sinuosidade do rio,estaria pela altura da embocadura do igarap Buriticupu. Afinal estava feito o primeirocontato entre jesutas e ndios bem no corao do territrio tenetehara.

    possvel estimar que o territrio tenetehara original abrangia uma larga faixade terra ao longo de boa parte do rio Pindar, desde uma certa altura do igarapBuriticupu, ao sul, at um tanto abaixo da desembocadura do rio Zutiua, ao norte, naaltura do que hoje a cidade de Pindar-mirim. Em largueza o territrio se estenderia,a oeste, at a Serra do Tiracambu, e, a leste, ao longo do rio Zutiua. Ao sul e a lestedesse territrio, incluindo o cerrado e a mata de transio do rio Graja, estavam ospovos j, especialmente os Krikati, Gavies e diversos outros. A sudoeste, nas franjas dafloresta amaznica, se localizavam os Amanajs, ou talvez estes teriam chegado a al-gum tempo depois, vindos do Par, pois s seriam mencionados pelos jesutas emmeados do sculo XVIII. A fronteira norte, abaixo da confluncia do Zutiua com o

    5A palavra abar podia ser uma corruptela de abade, ou, talvez, "homem invertido", em tupi.

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    Pindar, pela altura da atual cidade de Pindar-mirim, o que aqui chamamos de baixoPindar, e incluindo a rea para leste, at o baixo rio Mearim, e para oeste, at o rioTuriau, parece ter sido uma regio que, aps a derrocada dos Tupinamb, passou a serinvadida e disputada por diversos povos no tupi, entre eles os Krej e os Gamela,talvez da famlia j-timbira.

    Por meio de um discurso de persuaso, distribuindo presentes e prometendoque os Tenetehara no seriam recrutados pelos portugueses, e que s metade delestrabalhariam alternadamente para a misso, o Padre Nunes convenceu uma certaquantidade de Tenetehara a descer at o stio de Itaquy, sede da abandonada aldeia derepartio, onde constituram aldeamento. L ficaram por algum tempo, porm atrapa-lhados pelas confuses que levaram expulso dos jesutas, em 1661, cujo retorno em1663 se deu destitudo do poder temporal sobre as aldeias. Assim, os jesutas noconseguiram manter a promessa de preservar os Tenetehara do servio nas plantaes.Tanto que, num certo momento, o governador Ruy Vaz de Siqueira "mandou l fazertabaco, por serem terras boas para tabacaes, mas ficaram to escandalizados os ndiosdaquillo que muitos delles se tornaram para os mattos por no quererem por nenhummodo servir aos brancos" (Bettendorf 1990: 81).

    Alm da ameaa de trabalho forado, os Tenetehara no se sentiam seguros emItaquy por medo de ataques de outras tribos indgenas, visto que estavam longe de suasaldeias e de seu territrio. Assim, o aldeamento foi transferido para um stio chamadoCajuip, uma jornada mais abaixo. Segundo Bettendorf (1990:81), o cacique se chama-va Pero, o primeiro Tenetehara a ser nomeado na historiografia jesutica. A, por voltade 1667, o Padre Bettendorf mandou construir boa igreja e vivenda para o padres, enomeou como missionrio o Padre Joo Maria Goroni e seu coadjutor o irmo ManoelRodrigues. Com poucos nefitos na misso, o Padre Goroni mandou emissrio aoCapiytuba para buscar mais ndios, porm eles recusaram o convite com medo de se-rem recrutados pelos portugueses. Ento, o Padre Goroni e o irmo Rodrigues subi-ram o rio at aonde lhes foi possvel a passagem de canoas, interrompida pela densaquantidade de mururu, uma planta aqutica comum no alto Pindar. Aportaram ascanoas e saram em direo ao Capiytuba, que alcanaram com oito dias de viagem,dois ndios carregando um pequeno altar. Nas aldeias do Capiytuba, foram bem rece-bidos pelos Tenetehara, que se dispuseram a descer para uma misso que no estivesseprxima dos portugueses. Embora afianados de que no seriam jamais obrigados aservir aos brancos, muitos ficaram para trs, e s no decorrer dos anos que novaslevas de Tenetehara iriam se juntar misso no Cajuip. Como desconfiavam os Tene-tehara, em 1673, a misso foi atacada e sitiada por ndios desconhecidos, provavel-mente Krej ou Gamela da regio. Tiveram que apelar para ajuda militar oficial de So

    Lus para defend-la. Alguns anos mais tarde, um grupo de Tenetehara foi atacado nobaixo Pindar, quando subia de canoa vindo de So Lus, onde trabalhava na constru-o da igreja de Nossa Senhora da Luz. Nove deles foram mortos (Bettendorf 1990:568).

    Em 1683, havia duzentos e tantos Tenetehara na misso do Cajuip, quando oPadre Pedro Pedroso resolveu transferi-la uma vez mais, desta feita para um stio nabeira do lago Maracu, "o mais delicioso que tem o Estado", nas palavras de Jos deMoraes (Moraes 1860: 414). Os jesutas aproveitavam o bom momento da nova legis-lao a seu favor, a qual, entretanto, foi de tal forma desafiada que resultou na duraRebelio de Bequimo. Situado nas franjas da floresta amaznica, numa regio lacus-

    tre, a havia terras boas para a plantao de cana-de-acar e belas campinas para criargado. Alm do que, ficava prximo de So Lus, alcanvel por barco a vela. Porm,antes que a misso do Maracu se consolidasse de todo, os jesutas foram impelidos ou

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    forados pelos termos do Regimento das Misses de 1686 a transferi-la, desta vez parao rio Monim, prximo de engenhos e povoados portugueses. L que se desenvolvia aeconomia maranhense e os colonos queriam mo-de-obra confivel e acessvel parasuas lavouras. Ademais, possvel que os jesutas tambm quisessem criar uma base apartir da qual pudessem ampliar suas misses para o rio Itapecuru, e at ento amisso no Pindar no dera resultados apreciveis. Contudo, a grande maioria dosTenetehara se recusou a ir, inclusive o cacique Pero, provocando a retirada de muitosdeles para o Capiytuba e para um lugar chamado Cayaram, provavelmente tambm noalto Pindar. Aqueles que chegaram a ir passaram tanta necessidade que logo tentaramretornar a Maracu, o que forou o prior dos jesutas, Joo Felipe Bettendorf a providen-ciar a volta deles. Assim, a misso foi formal e definitivamente retornada a Maracu(Bettendorf 1990: 456, 468-470, 505, 568; Leite 1943: 186, 188; Moraes 1860: 416-7).

    A misso Maracu se localizava num alto beira do lago que recebe guas do rioPindar, se conecta com outros lagos e escoa suas guas j quase na baa de So Mar-cos, sofrendo a influncia das mars. Na estao chuvosa esses lagos se esparramampor uma vasta rea de terras baixas, como se fosse um pantanal. Na seca, formam-sepastos com um capim nativo conhecido como "perizes". Essa regio faz parte da cha-mada baixada maranhense, que a rea de drenagem do rios Pindar, Graja, Mearime outros rios menores, tendo no seu limtrofe ocidental a floresta amaznica. Provia,nas palavras de Vieira ''a melhor terra para pastagens do Maranho" (Kiemen 1973: 113,n.f. 111), prpria para a criao de gado, assim como abundantes reas cobertas dematas que podiam ser derrubadas para as plantaes de cana-de-acar. Bettendorf(1990: 344) conclui a sua descrio dessa misso como sendo "o sustento e maior rendado collegio do Maranho, em to aprazvel paragem que parece um paraso terreal". Osjesutas capitalizaram to bem esses recursos, com sua bem reconhecida eficinciaadministrativa, que, em 1730, Maracu contava com 15.600 cabeas de gado, 500cavalos e burros e um prspero engenho de cana, o So Bonifcio, assim como 440Tenetehara como ovelhas da Igreja e mo-de-obra disponvel.

    Ao longo de seus 75 anos de existncia, a misso Maracu prosperou mais quetodas as outras misses jesutas do Maranho, provocando inveja e cobia nos colonos,especialmente aqueles da regio do Itapecuru e Monim, os quais, de tempos em tem-pos, tentavam fazer com que lhes fosse cedido o direito de recrutar mo-de-obra tenete-hara daquela misso. Para isso se valiam de peties que partiam da Cmara de SoLus Coroa. Essas peties geravam discusses e posicionamentos dos conselheiros daCoroa e resultavam em decises ora favorecendo ora desfavorecendo as demandas. Nohavia passado nem dez anos de estabelecimento da misso de Maracu e a Cmara deSo Lus faz petio para administrar aquela aldeia, sendo indeferida pela Coroa (apud

    Lisboa 1865, Vol. III: 437). Em 1701 os colonos tentam de novo, e parece que essepedido acatado, pois, em 1712, uma carta real reitera uma ordem para que os jesutaspermitam aos habitantes da vila de Icatu, no rio Monim, participao no direito de usoda mo-de-obra tenetehara. Como sempre, os jesutas protestam, e a Coroa se v com atarefa de tomar novas decises a respeito do mesmo assunto. Parece que essa contro-vrsia se estendeu pelas dcadas seguintes, pois em 1718 surge novo pedido, o qual nose sabe como foi respondido. Em 1725, nova carta real probe os colonos de tentarrecrutar mo-de-obra tenetehara da misso do Maracu, exceto no caso de guerra contrainimigos externos ou contra ndios selvagens (Anais 1948: 101, 211-212). Segundo ohistoriador jesuta Serafim Leite, novas tentativas de recrutamento dos Teneteharadessa misso se repetiriam em 1728, 1730 e at 1740 (Leite 1943, Vol. III: 187).

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    Entrementes, os jesutas se sentiram obrigados a criar uma nova misso para osTenetehara do alto Pindar para que os colonos, que continuavam atentos s atividadesdos jesutas e s suas relaes com os Tenetehara, pudessem usufruir de uma mo-de-obra confivel. Assim, pouco antes de 1723, uma nova misso foi estabelecida no altoPindar, precisamente no porto onde o Padre Goroni tinha deixado suas canoas, antesde entrar para o Capiytuba. ( provvel que este lugar esteja prximo de onde hoje opovoado de Boa Vista.) Porm, como ficava trabalhoso para subir ou descer canoascarregadas na poca da seca, a misso foi trazida para mais abaixo, na confluncia dorio Caru com o Pindar.

    Em 1730 essa nova misso, chamada So Francisco Xavier do Pindar, abrigavaquase 800 Tenetehara. Naquele mesmo ano, uma carta real endereada ao governadore capito general do Maranho, Alexandre de Souza Freire, concede aos jesutaspermisso para transferir essa nova misso para um local a cinco dias de distncia ajusante, com o explcito intuito de ficar mais prxima da aldeia Maracu e de So Lus. Apermisso de translado especificava que os jesutas manteriam o direito de utilizarmo-de-obra tenetehara do modo como o vinham fazendo no seu engenho de cana emMaracu (Anais 1948, vol. 67: 237-238).

    Organizao das misses

    As misses de Maracu e So Francisco Xavier, que a partir de ento tambmseria conhecida como aldeia do Carar ou Acarar, se tornaram a base de riqueza dosjesutas no Maranho, embora no fossem as nicas. Na verdade, era Maracu quesustentava os jesutas, pois So Francisco Xavier estava mais afastada e no teve tempoou condies sociais e ambientais de florescer. A organizao da vida tenetehara nessasmisses no foi descrita por nenhum dos cronistas jesutas do perodo colonial(Antnio Vieira, Joo Felipe Bettendorf, Bento da Fonseca, Jacinto de Carvalho e Josde Moraes), nem por historiadores, jesutas ou no, mais recentes (Joo Lcio deAzevedo, Serafim Leite e Mathias Kiemen). Os dados de que dispomos so parcos eesparsos, e s podem ser entrevistos no sentimento que aflora dos textos originais. Avalncia procurar comparar com os dados existentes na literatura seiscentista esetecentista das misses jesuticas do Paraguai, cujas descries originais e anlises deantroplogos e historiadores so amplas e detalhadas (Antonio Sepp 1980 [1698],Antonio Ruiz de Montoya (1639), Franois Lugon (1977), Charles Boxer (1962: 281-4),Elman Service (1974), Regina Gadelha (1984), Magnus Mrner (1953) e MaximeHubert (1990).

    Cotejando algumas dessas misses com a misso do Maracu, podemos afirmarcom confiana que a prosperidade de Maracu exigia um tipo de infra-estrutura edisciplina similar das mais bem sucedidas misses paraguaias e brasileiras descritas.Certamente devia haver um rgido esquema de organizao, com horrio determinadopara o estudo do catecismo, para as oraes dirias, para atividades recreativas e para otrabalho. Joo Felipe Bettendorf (1990: 272), que chegou ao Maranho em 1663 e apermaneceu at sua morte em 1699, tendo sido subprior e provincial dos jesutas noMaranho e Gro-Par, e que esteve na aldeia Maracu nos primeiros anos de sua for-mao, declarou diversas vezes o quanto o Colgio e Igreja de Nossa Senhora da Luzdependiam da mo-de-obra tenetehara (1990: 344, passim). Porm, seu interesse etno-grfico limitadssimo, como, alis, j o era o de Vieira, e o seria dos missionrios se-

    guintes, como Jacinto de Carvalho e Bento Fonseca. Nem Jos de Moraes, que escreveuem 1757 um balano das atividades dos jesutas, se interessa pela cultura desses ndiose alis por de nenhuns outros. Embora participante ativo na formao da misso Mara-

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    cu, Bettendorf s se referiu a ela em algumas poucas passagens, quase sempre paraconsiderar os Tenetehara como gente pusilnime, por se embrearem nos matos aomenor sinal de perigo, e por no gostarem de viver perto dos portugueses. Num nicomomento em que fala de alguma atividade recreativa Bettendorf diz que o Padre Gor-oni havia ensinado aos Tenetehara a tocar a gaita, e que nos dias de festa eles saamem procisso carregando a imagem da Virgem pela aldeia e cantando "Tup cy angatu-rana, Santa Maria Christo Yara", o que significa aproximadamente "Me de Deus, pa-drinho, Santa Maria, Senhor Cristo" (Bettendorf 1990:272).

    A economia da misso Maracu, em cujas matas no havia abundncia de produ-tos extrativos de valor comercial na poca, funcionava de forma bastante estvel comlavouras de cana-de-acar, a produo de acar e aguardente num engenho prprio ea criao de gado. Para que desse resultados positivos, fazia-se necessrio, obviamente,uma organizao de trabalho mais disciplinar e eficaz com programaes cotidianas detarefas bem definidas, designadas a cada grupo de trabalhadores. Sobre isso reinava aforma e mentalidade do catolicismo jesutico da poca, que resultava num tipo deorganizao do trabalho e de cultura bastante comparvel queles da servido europiamedieval.

    Na misso Maracu certamente no se fazia pagamento em salrio, pelo menospara a maioria dos seus habitantes e trabalhadores. Porm, possvel que, para aquelesque se especializavam em algumas tarefas mais valorizadas, como a purgao do mel dacana, recebessem algo mais por seu trabalho. Os pagamentos podiam ser efetuadosparceladamente antes e depois do servio. Talvez o sistema de pagamentos funcionasse semelhana do sistema usado nas aldeias de repartio. Ali, ao deixarem suas aldeias,o contratante era obrigado a depositar parte do salrio numa caixa da aldeia, comoforma de garantia de que cumpririam com sua obrigao. Como a circulao de moedasno Maranho s comeou a existir a partir de 1749 (Marques 1970: 337), ospagamentos eram efetuados em ferramentas e cortes de pano grosso. Uma das chavesdessa caixa era mantido com o administrador da aldeia (jesuta ou leigo, conforme ocaso) e a outra pelo chefe nomeado pela aldeia (Kiemen 1973: 96ff). Concludo otrabalho, ao retornar aldeia, recebiam seus salrios.

    Apesar de um servo no ter o direito de compartilhar dos lucros dos empreendi-mentos do seu senhor, neste caso, gado e acar, era-lhe permitido possuir parte dosprodutos de seu trabalho, especificamente os produtos da agricultura, caa e pesca.Havia serviais tenetehara designados a prover os jesutas de carne e peixe sem querecebessem por isso nenhuma recompensa. Desde o Regimento das Misses, ficou

    consignado a cada jesuta de misso o direito de manter 20 ndios a seu servio pessoal.Qualquer trabalho realizado para o bem-estar geral da misso, como a construo daresidncia dos missionrios, da Igreja ou da escola, e abertura de estradas de comboiotambm era realizado sem pagamento (Kiemen 1973:110).

    Nas misses, ao contrrio do que a historiografia brasileira d s vezes a enten-der, os (ndios) Tenetehara no viviam isolados do contato com os colonos de outrasregies do Maranho. Muitos visitavam e trabalhavam em So Lus, quase semprerecrutados pela Companhia de Jesus para servios de seu interesse, ou levando gadopara vender no mercado da cidade (Moraes 1860: 415). Eles sabiam que faziam partede um sistema mais amplo, ao qual as misses estavam subordinadas. Entretanto, no

    h indcios de que, em funo desse convvio ou pelo fato de terem em mos a res-ponsabilidade do transporte de bens produzidos na misso para o mercado de So Lus,os Tenetehara tenham em algum momento adquirido preparo para tornarem-se livres e

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    poderem se tornar pequenos empleiteiros ou artesos ou mascates ou qualquer outraprofisso que pudesse elev-los acima do nvel de servos e ndios dependentes de umaeconomia de subsistncia. Tais tarefas eram exclusivas de portugueses pobres oumamelucos inseridos na economia de mercado.

    Os jesutas e outros ndios no Maranho

    Os primeiros jesutas a chegar ao Maranho foram os padres Manuel Gomes eDiogo Nunes, que vieram na armada de Alexandre de Moura, em 1615. Falante dalngua geral ou nheengatu, o Padre Manuel se incumbiu de tentar convencer os Tu-pinamb a permanecer na ilha de So Lus aps a derrocada francesa (Anais 1904: 331).Visitou a nova povoao de Belm e informou que na regio havia, alm de inumerveisndios Tapuia, quatorze povos que falavam a lngua geral. Entretanto, a presenajesutica incomodava os colonos na sua fria de estabelecer fazendas e ter ndios comoescravos, e por isso eles se sentiram forados a sair do Maranho em 1618 (Carvalho1995: 91-2). Ainda naqueles anos passou pelo Maranho o jesuta Domingos Ruiz que,por ter tomado parte na expedio que tomou os fortes holandeses no Xingu, elogiadopor um cronista da poca como um experiente missionrio (Anais 1904: 333).

    Em 1622 chega o Padre Luiz Figueira, um dos jesutas mais importantes dapoca, homem de iniciativa e talento, j experimentado em viagens ousadas com ndioshostis, como a que fizera pelos sertes do Cear no comeo do sculo, e intelectual demrito, tendo chegado a escrever uma gramtica da lngua geral; ao mesmo tempo,esprito mais contemporizador, tendo aparentemente aceitado os desmandos dosprimeiros conquistadores do Maranho e sendo ele um dos artfices do acordo de 1626,acima referido (Leite 1940: 55). Nos anos seguintes, Luiz Figueira, junto com BernardoAmodei, vai erigir a primeira igreja jesuta e a primeira misso na ilha de So Lus, nolugar Anindiba (atual Pao do Lumiar), juntando ndios Tupinamb que tinham vindode Pernambuco com os conquistadores, e outros que haviam aceitado o subjugo portu-gus. Na verdade, como havia apenas trs jesutas para todo o Estado na dcada de1630, essas aldeias s iriam virar misses propriamente ditas duas dcadas depois.Compreendendo a enormidade da tarefa de missionizao e vendo as atrocidades co-metidas pelos portugueses contra os ndios, Figueira escreveu Companhia em Por-tugal pedindo missionrios para ajud-lo.

    Em 1637, ele mesmo vai a Portugal para obter melhores condies de estabele-cer a misso do Maranho. Sua presena em Lisboa ajuda na deciso real, formuladaatravs do alvar de 25 de julho de 1638, o qual, ao mesmo tempo que cria a adminis-trao eclesistica do Maranho e Gro Par, concede Companhia de Jesus as honrasde administrar as aldeias indgenas subjugadas. (Os capuchos da Piedade, queadministravam algumas aldeias de misso haviam desistido do trabalho missioneiro em1630.) Voltando em 1649, junto ao novo governador geral, Pedro de Albuquerque,Figueira traz consigo quatorze missionrios jesutas, indo diretamente para Belmporque So Lus estava sob o controle dos holandeses. Entretanto, os navios, que trans-portavam 173 pessoas, encalharam nos baixios defronte ilha do Maraj, e a tripulaoteve grandes dificuldades para tomar canoas. O governador, trs jesutas e mais umasquarenta pessoas conseguiram sair em um batel e chegar a salvo a Belm. As demais126 pessoas ou morrem afogadas, ou, como no caso de Figueira e uns nove jesutas, queconseguiram aportar na ilha de Maraj, iro padecer nas mos dos ndios Arus. A

    Companhia de Jesus sente essa tragdia, que retarda ainda mais seu estabelecimentono Maranho.

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    Outro evento trgico para a Companhia ocorre nesse mesmo ano de 1649,quando dois padres e um irmo, dos poucos que haviam restado no Maranho, resol-vem pacificar e missionizar os ndios Uruatis, localizados no baixo Itapecuru, que hmuito viviam atazanando os trs engenhos e algumas fazendas que por l haviam sidolevantados. Foi numa dessas fazendas, concedida Companhia de Jesus por AntnioMoniz Barreiros, ex-capito-mor e homem de posses, enquanto durasse a menoridadede seu filho, que estava sob a guarda da Companhia, que os jesutas tentaram atrair osUruatis. Aps algumas semanas de instvel convivncia, surgiu de repente um outrogrupo de Uruatis (tambm chamados de Barbados), que atacou e matou os jesutas daincipiente misso. O motivo alegado teria sido porque os padres haviam mandadoaoitar uma ndia escrava, oriunda daquela tribo, fato que nunca foi negado pelosjesutas (Bettendorf 1910: 69), o que confirma que a punio a faltosos podia chegar aesse ponto nas misses.

    Havia portanto que restabelecer a misso dos jesutas no Maranho. Afinalquem se incumbe dessa tarefa o Padre Antnio Vieira. Sua influncia junto ao reiDom Joo IV estava naquele momento aparentemente abalada, desde que sua propostade negociar com holandeses sobre o Nordeste brasileiro tinha sido rejeitada pelosprprios pernambucanos. Assim ele achou melhor mudar de vida, sair da Corte e entrarde corpo e alma no trabalho missionrio. Vieira chegou a So Lus em janeiro de 1653,tendo enviado antes um grupo de 12 padres e irmos jesutas. Trazia consigo a nova leide 1652, que proclamava a liberdade dos ndios, exceto daqueles obtidos em cativeirolegalmente, e uma carta rgia dirigida a si mesmo que lhe dava diversas prerrogativaspara dirimir e adjudicar questes de escravido indgena. Sentindo a resistncia eanimosidade que se levantaria caso tornasse pblica essa lei, Vieira ainda esperoualguns dias at a oportunidade de fazer um sermo na igreja dos jesutas. Apesar dagrande retrica do afamado jesuta, o teor da lei no era boa para os colonos, que sesentiram prejudicados. O novo capito-mor do Maranho, Baltasar de Sousa Pereira,achou por bem no persistir na aplicao da lei que trazia.

    Enquanto isso, o Padre Vieira, tomando p da situao dos ndios e do papel quelhe cabia, logo tentou recriar a malfadada misso junto aos Uruatis. Requisitou ajudaem homens e recursos ao capito-mor, que lhe prometeu mas foi adiando at ficar claropara Vieira que no iria cumprir. Nesse mesmo tempo Viera enviava o Padre FranciscoVelloso para entrar em contato com os Guajajara que estavam no Itaquy, conformerelatado anteriormente. Em meados de 1653 Vieira partiu para Belm de onde algunsmeses depois iria comandar uma entrada ao rio Tocantins. Nessa expedio de resgatede ndios Vieira vai ver e sentir o quanto era desumano o processo de contatar,subjugar, resgatar, descer e escravizar ndios. Na volta a Belm ele se sentiu trado pelo

    cabo da expedio, que recolheu para si e seus amigos, como escravos, ndios queteriam descido sob a promessa de viver em misses ou aldeias livres.

    Em meados de 1654 os colonos, sentindo-se fustigados pelos sermes e atos deVieira, constituem um procurador para os defender perante a Corte, para onde tambmsegue Vieira, iniciando assim o padro de relacionamento entre jesutas e colonos queir durar at a expulso desses religiosos. Aps alguns meses em Lisboa, Vieira voltaem 1655, aparentemente vitorioso, j com um novo governador geral, Andr Vidal deNegreiros, descendente dos Tupinamb de Pernambuco, simpatizante dos jesutas, quese empenha em fazer valer a nova lei de 1655, que d exclusividade aos jesutas na or-ganizao das aldeias de misso e no controle das aldeias de repartio. Negreiros com-

    voca junta com representantes das cmaras e das demais ordens para julgar e verificarquais ndios seriam considerados legitimamente cativos e quais seriam livres. Em Be-lm, outra junta convocada, resultando na libertao de quase 800 ndios, que passa-

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    ram a viver nas novas aldeias jesutas. Muitos cativeiros so julgados ilegais, os ndiosso proclamados livres, mas, ainda assim eles continuariam a trabalhar nas fazendasonde j estavam, por fora de ameaas de seus senhores, causando repulsa aos jesutase ao governador. Logo o governador Negreiros desiste de ficar no Maranho, tendo sidonomeado para igual posto em Pernambuco, deixando os jesutas um pouco menosseguros de suas pretenses.

    O novo governador, Pedro de Mello, chega em 1658, j sem qualquer simpatiapela causa indgena defendida pelos jesutas. No entanto, Vieira persiste na sua tarefaincansvel de criar novas misses, sancionar expedies de resgate e de descimento,protestar contra injustas escravizaes, alm de escrever para seus amigos, admirado-res e superiores na Europa e no perder oportunidade para espinafrar os colonos juntocom seus nefastos pecados em seus sermes. Dos rios Tocantins e Negro descemilegalmente alguns milhares de ndios que so em grande parte alojados em aldeias,muitos escravizados. Vieira funda aldeias jesuticas no Par e em 1658 sai de So Lusde barco at o rio Parnaba, de onde segue a p para a Serra do Ibiapaba, divisa atualentre o Cear e o Piau, onde cria misso entre os remanescentes Tupinamb. Tentainutilmente missionizar os Nheengabas da ilha do Maraj, at que este so atacadosem 1659 e muitos so mortos e escravizados. A fica fcil para que sejam persuadidos ase assemtar pacificamente em misso. Os colonos se sentem prejudicados com a faltade mo-de-obra e as exigncias de Vieira. Em 1661, os lderes de So Lus e Belmterminam decidindo pela expulso dos jesutas, Vieira inclusive, e o governador nadafaz para impedi-los. O retorno dos jesutas se dar em 1663, porm j sem Vieira, quefica retido em Lisboa e passa a ser perseguido pela Inquisio, e em termos desfavor-veis, pois eles perdem o poder temporal sobre as aldeias livres e as possibilidades legaisde escravizar ndios se ampliam (Azevedo 1918: 20).

    Praticamente at 1680 os jesutas vo ficar no Maranho e Gro-Par sem opoder temporal sobre suas aldeias e sem direito a estabelecer novas aldeias. Naqueleano uma nova lei restitui o poder temporal sobre suas aldeias e lhes d poder de com-trolar um tero dos ndios das aldeias de repartio, alm de nomear o chefe daquelasaldeias. Ao mesmo tempo, como parte de uma poltica de substituio de ndios porafricanos, a Coroa concede licena para a criao de uma empresa de comercializaocom direito de monoplio, ou estanco, sobre o trfico de escravos africanos, bem comosobre a importao de certos produtos bsicos portugueses e a exportao de tabaco ealgodo. Entretanto, os colonos logo vo se sentir duplamente prejudicados. Em marode 1684, estoura uma rebelio de fazendeiros, conhecida como Revolta de Bequimo,que no somente expulsa os jesutas (pela segunda vez) como denigre a figura dogovernador, o representante de El Rei. A represso chega com presteza em outubro de

    1685 pelas mos do novo governador Gomes Freire de Andrade. Seus lderes maisousados, o irlands naturalizado, Manuel Beckman, e o portugus, ex-procurador doscolonos na Corte, Jorge de Sampaio, so levados ao patbulo e enforcados.

    Os jesutas retornam ao Maranho e Gro-Par, desta vez sob a gide de um no-vo conjunto de normas e regras de legislao indigenista, as quais ficaram conhecidascomo Regimento das Misses de 1686, numa tentativa da Coroa de compatibilizar otrabalho missionrio com os interesses dos colonos. Com efeito, a partir desseRegimento as relaes entre missionrios (jesutas, carmelitas e capuchos), colonos eadministradores reais - no que se refere ao estabelecimento de misses, forma deresgates, guerras justas, escravizao e repartio de ndios - iriam se estabilizar, sem,

    no entanto, chegar a prevalecer um clima de tolerncia e aceitao mtuas.

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    Misses jesutas, despovoamento e expanso colonial no Maranho

    O processo de despovoamento indgena no Maranho e Gro Par foi extrema-mente violento durante todo o perodo colonial. Alm dos Tupinamb, que se situavamno litoral e no baixo Tocantins, e os Tenetehara do rio Pindar, que vimos brevemente

    no captulo anterior, muitos outros povos sofreram imensas quedas populacionais edesintegrao cultural, ainda nas primeiras dcadas da colonizao e pelos anos seguin-tes. No Par, esse processo foi intenso e permanente, menos custoso e mais lucrativo,devido maior densidade demogrfica dos povos indgenas e navegabilidade dos rios.No Maranho, aps a sujigao dos Tupinamb e algumas entradas no baixo Monim eItapecuru, quando derrotaram e subjugaram algumas aldeias dos Guanars, a mo-de-obra indgena era corriqueiramente importada do Par, visto que os povos indgenasque aqui habitavam eram mais dispersos e aparentemente mais difceis de seremavassalados. Aqueles que viviam nas reas melhor indicadas para o cultivo de cana-de-acar e tabaco opuseram no incio feroz resistncia sua submisso, e s a muitocusto e progressivamente por todo o sculo XVII e at as primeiras dcadas do sculoseguinte que foram sendo dominados, capturados e escravizados, ou reduzidos emmisses pelos jesutas.

    O estabelecimento econmico do Maranho se deu primeiramente na ilha deSo Lus e a partir da para o baixo Monim e Itapecuru, por um lado, e para o litoraloeste, onde ficava Tapuitapera, Cum e o Caet. Nesses lugares foram plantados taba-cais e erigidos engenhos, alm de plantaes para subsistncia. As misses foram sendocriadas acompanhando esses povoamentos e empreendimentos. Quando elas falhavam,como no caso dos Uruatis do Monim e Itapecuru, e dos Arus do Maraj, os colonos eos governadores se sentiam mais vontade para exercer da fora militar. Os Uruatisiriam sofrer perseguies logo depois do ataque aos jesutas em 1649, inclusive de unsbandeirantes paulistas que por l apareceram no final da dcada de 1660. Em 1671, elesestavam subjugados e provavelmente escravizados ou ajuntados para o servio servilem aldeias de repartio. Em 1679, os Trememb, que viviam mais no litoral, do baixoParnaba at o Camocim, foram caados e destroados em grande nmero por umaexpedio formada por 140 portugueses e 470 ndios aliados, comandada por VitalMaciel Parente, filho mameluco de Bento Maciel. Nos anos seguintes iria haver diversasentradas particulares nessa regio do leste maranhense, sempre com resultadospositivos, mas custosos. Em 1691, so repartidos trinta ndios aprisionados pela tropade um Joo de Morais (Lisboa 1865, Vol. IV: 729-32). Em 1715 o prprio governador-geral Cristvo da Costa Freire (1707-18) iria participar de uma tropa de resgatescontra uma populosa aldeia de ndios Aranhis. Entretanto, desta vez eles conseguiramfugir, mas no de um outra que envia no ano seguinte e que lhes faz destruio.

    Em 1719, os Guanars mandaram oito mensageiros para pedir misso aos jesu-tas em So Lus. Algumas semanas depois so enviados de volta com dois jesutas evrios outros ndios auxiliares. Poucas horas depois de aportar ao local esperado, e apsum primeiro encontro e palestrao, os padres e seus ndios aliados so atacados porum grupo vindo de outra aldeia, que matam o Padre Joo de Vilar. Motivo para guerrajusta, consideram os colonos e o governador-geral, Bernardo Pereira de Berredo, quelogo em seguida organiza uma entrada oficial rumo aos campos do Peritor, cujoresultado o destroamento dos Guanars, a morte de 200 a 300 e o aprisionamento erepartio entre os participantes de 276 deles, menos o quinto para El Rei (Marques1970: 332). O outro jesuta e os ndios auxiliares conseguem fugir a canoa. Instala-se

    um clima de desassossego e trs engenhos de cana-de-acar so abandonados em 1722(Marques 1970: 63). O jesuta Gabriel Malagrida recebe a incumbncia do governadorde assentar misso entre os Guanars ou Barbados da aldeia grande, sendo escoltado

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    por medo de ataques de outros Barbados de uma aldeia mais acima, dita aldeia peque-na (Marques 1970: 106).

    Nesse meio tempo criada a misso de So Miguel, no baixo Itapecuru, juntandondios Tupinamb (Tobajara) que teriam vindo da Serra do Ibiapaba e ndios Cahycahy,

    provavelmente sobreviventes de uma outra entrada (Moraes 1860: 416). Segundo ocenso jesutico de 1730, eram 56 Cahycahy ainda catecmenos, alm de 251 Tobajaraque viviam na aldeia de So Miguel (Leite 1943, vol. III: 151

    A aldeia grande dos Barbados se consolida por volta de 1730 com o nome de Al-deia Nova dos Barbados e Guanars, com 459 ndios catecmenos e 173 j cristianiza-dos. Alguns anos depois, mais uma misso instalada para aqueles Barbados a mon-tante. As duas misses iriam ser conhecidas como Aldeia Grande e Aldeia Pequena dosBarbados (Leite, ibid.: 152-3; Azevedo 1930, Mapa 1). No se sabe o quanto essas aldei-as de misso progrediram ou no. Segundo o Padre Jos de Moraes (1860: 388), queescreveu sua Histria da Companhia de Jesus em 1757, esses ndios logo passaram aservir de condutores e remadores ao longo do rio Itapecuru. Com a sada dos jesutas,uma das misses dos Barbados passaria a se chamar de lugar de So Mamede e suasterras seriam invadidas pela expanso agrcola rio acima. Anos depois, j no incio dosculo XIX, um lugar por nome Pai Simo, na altura de uma dessas misses, descritopor um viajante como um povoado humilde de ndios civilizados e mulatos libertos queserviam de remeiros s canoas que subiam o rio e que so explorados pelos diretores dendios (Paula Ribeiro 1848:21).

    Ainda subindo o rio Itapecuru, os jesutas iriam fundar uma outra misso igual-mente com ndios Guanars, em 1741, a qual ficou conhecida como Aldeias Altas. L,em 1754, os jesutas tentaram criar um seminrio, pois havia um considervel nmerode fazendeiros do Piau e at de Gois que para l passaram a mandar seus filhos paraserem educados (Marques 1970: 608). Em 1758, Aldeias Altas virou vila com o nome deTrezidela e suas terras foram sendo tomadas por fazendeiros e boiadeiros que maistarde fizeram a vila de Caxias na outra margem do rio (Leite, Ibid.: 153). Seus remanes-centes, anos depois, iriam servir de inspirao ao poeta Antnio Gonalves Dias, natu-ral de Caxias, que os viu como pobres ndios deculturados (vide seu poema Y juca pi-rama), caboclos humildes que faziam loua de barro e outros objetos domsticos paraos moradores de Caxias (Spix e Martius 1938, vol. II: 462).

    Alm desses ndios missionizados, outros povos indgenas continuaram a viverautonomamente no curso mais alto do Itapecuru, o mdio e alto Mearim e ao longo domdio e alto Parnaba e s iriam ser subjugados pela fora das armas a partir da segun-da metade do sculo XVIII e at quase a terceira dcada do sculo XIX. No Piau sochamados de Geges, Acros, Pimenteiras, Jeics, Xavante e Timbira, e todos sofreri-am terrveis guerras ofensivas que os iriam destruir ou reduzi-los em aldeias em com-dies de difcil possibilidade de sobrevivncia. No Maranho sero reconhecidos comoGamelas, no baixo e mdio Mearim, e mais acima, bem como no rio Graja, como Tim-bira, em diversas ramificaes tnicas, como Txakamekra, Ramkokamekra, Apanyekra,Krah, etc. Eles estavam situados exatamente frente da expanso da frente pastorilque vinha da Bahia, via Piau, e de cara com a frente de expanso agrcola maranhense.Nesse fogo cruzado eram poucas as sadas, alm da fuga para regies mais ermas, comofizeram os Canela Ramkokamekra, ou, temporariamente, para alguns locais de mata,

    como os Txakamekra.

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    Tendo criado misses no Itapecuru, os jesutas passaram a se interessar pelo rioMearim, cujo curso baixo j havia sido palco de entradas de tropas de resgate nasegunda dcada do mesmo sculo e em cujas ribeiras havia alguns engenhos e fazendas.Nessa regio, em 1747, relatada a existncia de onze aldeias de ndios que passam aser conhecidos como Gamela do Mearim (e mais tarde, como do Cod) (Leite, Ibid.:170-182; Paula Ribeiro 1841: 364; Marques 1970: 450; Nimuendaju 1937: 61), dis-tinguidos dos demais pelo uso de um batoque de uns seis a sete centmetros de dime-tro encravado na parte interna do lbio inferior. Provavelmente isso daria uma popula-o de 2.000 a 2.500 ndios. Com algum atropelo e confuso, como relatou o PadreAntnio Machado, que se encarregou de fazer essa misso dos Gamelas, entre 1751 e1753 (apud Melo Morais 1872, Tomo II: 347-61), os jesutas conseguiram estabelecerum misso com algumas dessas aldeias6. Porm, aps a sua expulso, em 1759, semmissionrios para lhes dar ordens, os ndios voltaram aos matos e passaram a serhostilizados por tropas de guerra a mando dos governadores, ou potentados locais inte-ressados na colonizao dos campos do baixo Mearim. Em 1766, algumas aldeias foramatacadas e dominadas e uma parte dos Gamela foi levada para o lugar Lapela, no baixoPindar, em 1767, a mando do governador Joaquim de Melo e Pvoas. Porm outrosgrupos de Gamela ainda livres continuariam perturbando os fazendeiros de gado daregio do baixo Mearim, dirigindo-se nos anos seguintes para o baixo Pindar. Por vol-ta de 1785 os Gamela da Lapela haviam sido transferidos para o lugar Cajari, beira dolago Cajari, no baixo Pindar. Sua populao cairia ainda mais e, em 1796, restavaapenas uma das aldeias naquele stio (Marques 1970: 131, 344).

    Desde Luiz Figueira, passando por Antnio Vieira, e por todos os percalos pos-sveis, a Companhia de Jesus atravessou quase um sculo e meio de batalhas tornando-se a principal ordem religiosa do Par e Maranho, chegando a ter 57 aldeias de missono final da dcada de 1750. Para isso no mediu esforos e no fugiu ao conflito diretocom colonos e oficiais da Coroa, e at com outras ordens religiosas, sofrendo acusaes,calnias e perseguies. Em certos momentos a presso oficial era absolutamente nega-tiva, como nas administraes dos governadores Bernardo Pereira de Berredo (1718-22) e Alexandre de Souza Freire (1728-32); em outros era-lhe favorvel, como nos anosdo governador Joo da Maia da Gama (1722-1728) e de Pedro de Mendona Gurjo(1747-51) (Marques 1970: 337; Kiemen 1973:169-170; Azevedo 1931). Porm, ao final, odestino lhes reservava a derrota pelas mos do Marqus de Pombal, em 1759.

    Entre jesutas e colonos

    Os jesutas tm sido acusados por muitos historiadores de terem mantido os

    Tenetehara e muitos outros povos indgenas em suas misses afastados do convviocom a sociedade colonial e ignorantes das "artes da civilizao" (Varnhagen e Prado Jr.,por exemplo). H, tambm, ao contrrio, outros que os imputam de terem sido osgrandes "civilizadores" dos ndios, de serem responsveis pela grande obra de coloni-zao do Maranho e Par e particularmente pela "integrao" dos ndios na sociedadecolonial (Azevedo, Kiemen e Leite, por exemplo). Em minha viso, ambas as posiesso extremas e incorretas. certo que os tantos conflitos entre jesutas e colonos portodo o Brasil representam a disputa renhida que havia pela mo-de-obra indgena,

    6Ver o relatrio do Padre Machado, "Breve Relao do que tem sucedido na Misso dos Gamellas desde o ano de 1751

    at 1753" em Melo Morais 1872, Tomo II: 347-361. Essa misso s foi realizada porque os jesutas conseguiramconvencer o capito-mor da poca, antes da chegada do governador geral Mendona Furtado, de que os Gamellas no

    estavam includos na ordem de se fazer guerra justa aos Acros e Geges, que ficavam no Piau. A misso nunca foibem vista pelo governador geral, que suspeitava de que os jesutas estavam buscando novas misses para mostrarservio e dificultar o propsito da nova administrao de Pombal de diminuir, se no acabar com o poder dos jesutas noMaranho e Gro Par, como de resto no Brasil. Ver Mendona (1970)

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    disputa esta que os jesutas alegavam ser, de sua parte, para o bem-estar fsico eespiritual dos ndios. Porm, foram muitas as ocasies em que os jesutas realmentefizeram o papel de auxiliares dos colonos, ao colaborar na transferncia de ndios para aesfera de influncia colonial. Igualmente, como demonstrou Kiemen, para se manterem posio de poder, os jesutas fizeram uma srie de concesses tanto Coroa quantoaos colonos, que possibilitaram a utilizao dessa mo-de-obra vinda de suas misses.

    No plano civilizador mais geral, pode-se afirmar que, nas reas em que a eco-nomia era vigorosa e prspera, os jesutas ensinaram aos ndios algumas tcnicas detrabalho importantes com as quais eles fortaleceram a economia das misses e, poste-riormente, puderam ganhar a vida. Spix e Martius (1938, vol. II: 462), em sua bemdocumentada viagem atravs das provncias do Norte e Nordeste brasileiro, na segundadcada do sculo XIX, passaram pelo interior do Maranho, relataram que os ndios deAldeias Altas, antiga misso jesutica at 1758, viviam da manufatura e venda deobjetos de cermica, uma tcnica que j dominavam, obviamente, mas que foraadaptada ao gosto e s necessidades da populao luso-brasileira. importante notaraqui que a regio de Aldeias Altas (que iria se transformar na prspera vila de Caxias)havia sido importante entreposto e mercado de compra e venda de gado desde a dcadade 1730, e de algodo aps a dcada de 1760.

    Em brevssimas palavras, podemos aquilatar que os jesutas no devem ser res-ponsabilizados nem pelo atraso cultural da regio amaznica, nem pela falta de inte-grao dos ndios. fcil dizer, no entanto, que as condies polticas e econmicas doMaranho no teriam admitido outra possibilidade de desenvolvimento social, senopela forma que efetivamente se realizou. Por outro lado, os jesutas no devem receberindevidamente o crdito pela sobrevivncia de povos indgenas graas sua alegadapreocupao em dar proteo aos ndios contra a depredao colonial. verdade que osjesutas abominavam a idia e as prticas da escravido de ndios pacficos e aldeados,mas no de ndios em geral. Alm disto, nunca demonstraram o menor escrpuloquanto ao baixssimo pagamento que faziam pela mo-de-obra indgena, nem tentarammelhorar as condies sociais para que pudesse haver algum desenvolvimento econ-mico e social das populaes indgenas que estavam sendo foradas a se assimilar aoprojeto colonial. Pior ainda, a escravido indgena foi vista at como um fato incontor-nvel do projeto colonial, como atestam muitas cartas do Padre Antnio Vieira (porexemplo, Vieira 1925: 279; Azevedo 1901: 111), onde argumenta pela necessidade de su-prir os jesutas com escravos para servio pessoal, prtica que durou at sua expulso.

    Em carta ao rei de Portugal escrita do Maranho, Vieira (1925: 436) prope que

    os ndios cativos deveriam ser destinados ''preferencialmente aos colonos mais pobres".Mais adiante, ele sugere que as misses religiosas no deveriam estabelecer plantaesde tabaco nem de cana-de-acar, e que os ndios no deveriam ser obrigados a tra-balhar nelas. Obviamente esta foi uma sugesto que nem os jesutas levaram a srio e aCoroa nunca estabeleceu qualquer regulamento a respeito.

    Vieira sonhava, e trabalhou obstinadamente para realizar seus sonhos, que oMaranho viesse a ser colonizado por pequenos empreendimentos familiares queusassem uma quantidade limitada de mo-de-obra alm da capacidade de trabalho daprpria famlia, e no por fazendas com grandes nmeros de escravos ou agregados. Afilosofia de Vieira era semelhante de outro jesuta, Ferno Cardim, que vivera na

    Bahia como provincial do Brasil e fora o mentor intelectual do jovem Vieira (Cardim1939). Tal filosofia refletia, certamente, o melhor do pensamento jesutico. Era uma

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    proposta alternativa de colonizao que nunca foi possvel ser realizada, e que, algunsanos depois, j nem era cogitada.

    O Padre Antnio Vieira teve, em importantes momentos no sculo XVII, consi-dervel influncia pessoal sobre a poltica portuguesa na colnia, especialmente

    durante o reinado de Dom Joo IV, que recuperou o trono portugus do domnioespanhol. Porm, s vezes, sua estatura poltica e seu papel de missionrio se assomammaiores do que a realidade permitia. Vieira era um pleonasmo vivo, e a Coroa acatavasuas sugestes e pedidos na medida em que os considerava viveis dentro da polticageral de colonizao. Ao fim de uma longa vida (1608-1689) Vieira vai perdendo suafora de persuaso sobre seus superiores e at sobre seus irmos, cujo sentimentocolonialista se adequa cada vez mais ao status quo das administraes locais e daCoroa, como podemos ver nos escritos de um Antonil (1928) e de um Benci (1954), noincio do sculo XVIII7.

    A Coroa necessitava de povoadores para suas colnias a fim de consolidar seudomnio territorial e estabelecer uma economia que gerasse riqueza para si. Esse tipode economia s poderia funcionar num ambiente em que os colonos trabalhassem e semantivessem subservientes a ela. Por essa razo, no se pode fugir ao argumento deque a Coroa atendia aos jesutas em seus conflitos com os colonos por motivaes pol-ticas, no por consideraes humanitrias ou religiosas. Os jesutas se mostravam emgeral mais obedientes Coroa que os colonos, os quais, medida em que se tornavameconomicamente fortes, tentavam obter controle maior sobre as condies econmicasem que viviam, inclusive sobre o comrcio com a metrpole. Tanto que, no Maranho, acelebrada Revolta de Bequimo, de 1684, foi direcionada tanto contra o "estanco" - queera um monoplio comercial de alguns produtos bsicos importados da Europa, cedidopela Coroa a uma companhia portuguesa, e que ia contra os interesses econmicos doscolonos - como contra os jesutas, que haviam obtido o poder temporal sobre suasaldeias e sobre a repartio dos ndios do Maranho atravs de um alvar de 1680(Kiemen 1973: 143-151ff; Marques 1970: 320-322).

    A autoconscincia dos jesutas de serem vassalos portugueses ilustrada emuma carta de Vieira ao rei, que trata da "pacificao" dos Nheengabas da ilha do Ma-raj, a qual se dera a custo altssimo de mortes de jesutas e soldados. Diz Vieira queaps os ndios terem se declarado vassalos do rei, "o Par estava agora seguro e impe-netrvel para todo e qualquer poder estrangeiro" (Vieira 1925: 568-569). O historiadorfranciscano Mathias Kiemen (1954: 170, 180, 186), cujo livro faz uma apologia dosistema de misses jesutico, considerando-o a melhor e mais bem aplicada experincia

    de tratamento com ndios, mesmo se comparado com os mtodos modernos, admite oestreito relacionamento entre a Coroa e os jesutas, especialmente no perodo do augede Vieira que vai at a morte de Dom Joo V em 1670.

    Entretanto, no que concerne ao relacionamento entre jesutas e colonos, h quese considerar que o sculo XVIII foi bastante diferente do sculo anterior. At achegada de Antnio Vieira, em 1653, os jesutas haviam feito muito pouco no Maranhoque provocasse a ira dos colonos. A misso que intentaram fazer com os Uruatis foiapoiada pelos herdeiros do capito-mor Antnio Menezes de Barreiros, em cujas terrasfoi estabelecida a infortunada misso. A partir de Vieira, que chega com cartas rgiasconferindo-lhe poderes de fazer misses e com a veemncia de um purgador de peca-

    dos, a animosidade chegou s vias de fato, com a expulso dos jesutas em 1661 e em7Ver discusso apresentada a esse respeito por Carlos Moreira (1988).

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    1684. O retorno aconteceu, em ambos os casos, em forma negociada, sendo que, naltima vez, a negociao resultou no estabelecimento do princpio do poder temporaldos jesutas (e de outras ordens missionrias) sobre as aldeias que conseguissemestabelecer, mas com os colonos tendo o direito a fazer escravos e a usar a mo-de-obradas aldeias de repartio.

    No sculo XVIII, esse relacionamento no vai sofrer maiores divergncias, mascontinua a ser tenso. Os colonos do Maranho e Gro-Par vivem continuamente comcarncia de braos para suas lavouras, apesar da economia regional se manter bastantepobre, e a sada mais fcil parecia ser obter mo-de-obra das aldeias jesuticas. A pres-so aumentava ou diminua conforme a simpatia ou antipatia que o governador geraldaquele estado sentia em relao aos jesutas. Entre 1718 e 1730, os trs governadores,Antonio Bernardino de Berredo, Joo Maia da Gama e Alexandre de Freire Souza,tiveram, respectivamente, antipatia, simpatia e antipatia pelos jesutas, provocando,proporcionalmente maiores dificuldades ou alvio ao trabalho da Companhia.

    Entre os colonos surgiram figuras de proa no combate aos jesutas. Ainda nosculo XVII, o personagem mais antijesutico foi o ex-ouvidor Jorge de Sampaio, queescreveu diversas representaes Coroa contra os jesutas, em especial contra Vieira.Mais diplomtico, mas no menos favorvel aos colonos, foi o ex-procurador da fazen-da e "Pai da Ptria", Miguel Guedes Aranha. Na primeira metade do sculo XVIII, iasurgir uma figura igualmente determinada e que teve apoio de muita gente na colnia ena metrpole. Paulo da Silva Nunes chegou ao Maranho na primeira dcada do sculo,no tempo do governador-geral Cristvo da Costa Freire (1707-18). A partir de 1718,passou a representar aqueles que se sentiam lesados pelo poder dos jesutas. Foialgumas vezes a Lisboa, voltando sempre a Belm, e, por fim, regressou de vez, sempretentando fazer seus reclamos serem ouvidos pela Coroa. Morreu por volta de 1746,aparentemente numa masmorra de Lisboa, denunciando os jesutas pelo mal uso dosndios, inclusive por mant-los em ignorncia, e por enriquecimento ilcito8. Suacontrapartida foi o Padre Jacinto de Carvalho, que chegou ao Maranho nos ltimosanos do sculo XVII e a ficou entre So Lus e Belm at fins da dcada de 1730, comidas e vindas a Portugal. Chegou a ser subprior e depois visitador das misses doMaranho e Gro-Par. Tomou para si o encargo de empunhar a bandeira jesutica e derebater, ponto a ponto, as acusaes de Paulo da Silva Nunes. No final, parecia quetinha vencido a batalha, pois enquanto seu adversrio morria na desgraa, ele passavapara a outra entre os seus irmos, em Coimbra, em 17449.

    Porm, os argumentos e escritos de Nunes que determinaram o curso da

    histria, pois, alguns anos depois, por volta de 1750, o Marques de Pombal fazia publi-car e circular como justificativa e pretexto para a consecuo de seus planos contra osjesutas um dossi baseado no memorial "Terribilidades jesuticas no governo de DomJoo V" (Azevedo 1930: 204-210).

    De todo modo, essas brigas cheias de dio denunciavam menos uma disputapelo bem-estar dos ndios do que pela sua fora de trabalho. No frigir dos ovos, no que

    8Ver os comentrios introdutrios do historiador maranhense Jomar Moraes apud Carvalho 1995: 20-21. Ver os

    comentrios introdutrios do historiador maranhense Jomar Moraes apud Carvalho 1995: 20-21.9Alm do seu livro sobre a histria da Companhia (1995), diversos documentos do Padre Jacinto de Carvalho e do

    procurador Paulo da Silva Nunes podem ser encontrados nos Manuscritos de vora, do Arquivo do Instituto Histrico eGeogrfico Brasileiro, no Rio de Janeiro. Alm do seu livro sobre a histria da Companhia (1995), diversos documentosdo Padre Jacinto de Carvalho e do procurador Paulo da Silva Nunes podem ser encontrados nos Manuscritos de vora,do Arquivo do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, no Rio de Janeiro.

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    diz respeito aos ndios, eram formas de ao de um mesmo corpo poltico que pro-curava recrut-los para o projeto colonial, inscrevendo-os na classe social mais baixa dasociedade em formao. O sucesso desse projeto conjunto foi tal que a maioria dosndios com quem se relacionaram se extinguiram ou foram incorporados, deculturados,como membros dessa classe baixa. Se verdade