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Unidade A A Língua(gem)

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Unidade AA Língua(gem)

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CAPÍTULO 01A lingüística como estudo científico da língua(gem)

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A lingüística como estudo científico da língua(gem)

– Que é lingüística?

– Bom, eu, quando dou aula na graduação, costumo dizer para os alunos:

se você quer entender o que é lingüística e o que é seu objeto, você precisa

pensar um pouco na fábula dos três cegos apalpando o elefante. Cada um

apalpava um pedaço do elefante e definia o elefante por aquele pedaço. Então,

o que pegava a perna do elefante dizia “o elefante é assim um cilindro muito

duro, rígido, é um animal com formato de cilindro e que é estático, parece que

esse animal não se mexe e é um animal que ocupa posição vertical no espaço”.

O outro que mexia lá na tromba, naturalmente discordava, não só quanto à

disposição no espaço, quanto à rigidez ao tato, tanto quanto à falta de mobili-

dade. Imagino até que algum desses cegos, tocando em outros lugares, concebeu

a idéia de categoria vazia. Então, a língua e a lingüística não são; elas são o

que para cada um de nós parecem ser (CASTILHO, 2003, p. 55).

Objetivos da unidade A

reconhecer diferentes concepções de língua(gem); �

identificar propriedades caracterizadoras das línguas naturais; �

perceber a cientificidade da lingüística vs. o caráter não-cientí- �

fico da gramática tradicional.

A epígrafe que introduz esta unidade, extraída do livro Conversas

com lingüistas: virtudes e controvérsias da lingüística, apresenta de for-

ma bem-humorada o tópico central da unidade A. É da definição de

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lingüística e de seu objeto que vamos tratar agora, contrapondo, bre-

vemente, a lingüística à gramática tradicional no que diz respeito ao

caráter científico de ambas.

À pergunta: Que é lingüística?, costumamos encontrar a seguinte

resposta: A lingüística é o estudo científico da língua(gem) humana.

Mas essa resposta nos coloca outras indagações:

O que é a língua(gem)?

O que é um estudo científico?

Vamos tratar dessas questões a seguir.

1.1 Concepções de língua(gem)

As definições de língua(gem) são diversas, variando conforme o

ponto de vista adotado pelo autor. Vejamos algumas.

1) Linguagem é a capacidade específica à espécie humana de co-municar por meio de um sistema de signos vocais (ou língua), que coloca em jogo uma técnica corporal complexa e supõe a existência de uma função simbólica e de centros nervosos geneticamente especializados. Esse sistema de signos vocais utilizado por um grupo social (ou comunidade lingüística) determinado constitui uma língua particular. (DUBOIS et al., 1973, p. 387)

2) O termo [linguagem] se aplica àquela aptidão humana para associar uma cadeia sonora (voz) produzida pelo chamado aparelho fonador a um conteúdo significativo e utilizar o re-sultado dessa associação para a interação social uma vez que tal aptidão consiste não apenas em produzir e enviar, mas ainda em receber e reagir à comunicação. Compreendida des-sa maneira, a linguagem aparece como o mais difundido e o mais eficaz instrumento natural de comunicação à disposição do homem. (BORBA, 1991, p. 9-10, grifos do autor)

A depender da perspec-tiva teórica assumida,

alguns autores não fazem distinção entre “lingua-

gem” e “língua”. Por isso a opção de representar am-bas as noções numa única

palavra: língua(gem).

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3) [A língua] não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de lin-guagem e um conjunto de convenções necessárias, adotada pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. [...] A língua é de natureza homogênea, e constitui-se num sistema de signos. (SAUSSURE, 1971, p. 17, 23)

4) A faculdade de linguagem é uma estrutura cognitiva ina-ta, humana e universal, e faz parte da herança genética de cada membro da espécie humana, do mesmo modo que a visão é parte dessa herança. Essa estrutura, no que tange à linguagem, é o estado mental inicial [chamado de Gra-mática Universal ou GU]. Passando por estágios sucessivos, esse estado inicial se desenvolve, seguindo um processo de maturação que sofre a influência do meio e das experiên-cias pessoais, do mesmo modo como a visão, até atingir um estágio estável. (LOBATO, 1986, p. 38)

5) A linguagem [é vista] como atividade, como forma de ação, ação interindividual finalisticamente orientada; como lugar de interação que possibilita aos membros de uma socieda-de a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou comportamentos, levando ao estabelecimento de vínculos e compromissos anteriormente inexistentes. (KOCH, 1992, p. 9-10, grifos da autora).

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Os trechos acima evidenciam duas diferentes concepções de lin-

guagem/língua: uma centrada na função comunicativa/social, que vê a

linguagem/língua como instrumento de comunicação e forma de inte-

ração; e outra centrada na função cognitiva/biológica da linguagem. Leia

novamente as definições atentando para essa diferenciação.

Não é nosso propósito, neste momento, aprofundar uma discussão so-

bre concepções de linguagem/língua, apenas chamar a atenção para o fato

de que diferentes pontos de vista criam diferentes objetos, ou, nos termos de

Saussure, de que “é o ponto de vista que cria o objeto” (1971, p. 15). Assim,

vamos reter por ora que a lingüística se ocupa da linguagem/língua em qual-

quer das acepções mostradas acima, o que vai se refletir, naturalmente, em

diferentes abordagens teóricas do fenômeno lingüístico. O mesmo objeto

pode ser analisado sob diferentes ângulos, a partir de diferentes pressupostos

que podem ser complementares ou conflitantes. (Lembra da fábula dos ce-

gos apalpando o elefante na epígrafe desta unidade?)

Até agora focamos nossa atenção em duas diferentes concepções

de língua(gem): ser comunicativa ou cognitiva. Ao longo do curso de

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CAPÍTULO 01A lingüística como estudo científico da língua(gem)

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Letras, você terá oportunidade de estudar diferentes abordagens teóri-

cas. Vai ver que existem teorias formais e teorias funcionais da língua;

que existem abordagens essencialmente lingüísticas, chamadas de “mi-

crolingüísticas”, e abordagens interdisciplinares, ou “macrolingüísticas”,

como por exemplo, a sociolingüística (que se ocupa da relação entre

linguagem e sociedade), a psicolingüística (que se ocupa das questões

de processamento e aquisição da linguagem) e a etnolingüística (que se

ocupa da relação entre linguagem e cultura).

Vamos atentar agora para as diferenças entre linguagem e língua.

Observe a distinção estabelecida a seguir.

Com relação ao objeto de estudo da lingüística, deve-se dizer que esta ciência lida tanto com línguas particulares, isto é, entidades individu-ais, como com a natureza geral destas mesmas línguas particulares, tentando responder a dois tipos de pergunta: (a) o que as diferentes línguas têm em comum e o que as diferencia entre si?; (b) o que há nas línguas humanas que lhes atribui caráter único e as distingue dos demais sistemas de comunicação? Considerando que a linguagem será definida como o que há de comum às diferentes línguas, conclui-se que a lingüística tem um duplo objeto: o estudo da linguagem em geral e o estudo das diferentes línguas (ou, mais especificamente ain-da, da gramática das diferentes línguas). (LOBATO, 1986, p. 34)

1.2 Propriedades das línguas naturais

As línguas naturais são línguas humanas que se opõem às línguas

formais construídas por matemáticos e lógicos, e a línguas artificiais

como o esperanto. São exemplos de línguas naturais: o português, o ita-

liano, o inglês, a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).

A lingüística se ocupa das línguas naturais. As propriedades descri-

tas a seguir caracterizam e particularizam as línguas naturais.

O esperanto é uma lín-gua criada pelo médico polonês Ludwig Lazar Zamenhof, por volta de 1887, para ser língua de comunicação internacio-nal. Possui uma gramática regular e utiliza raízes latinas e gregas, além de raízes das línguas euro-péias mais faladas.

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1.2.1 Flexibilidade e adaptabilidade

Nós podemos usar a língua para produzir inúmeros atos de fala:

externar nossos pensamentos e sentimentos, fazer perguntas ou decla-

rações, fazer pedidos ou dar ordens, fazer ameaças ou promessas etc.

Assim, a linguagem humana pode desempenhar inúmeras funções, de

natureza cognitiva ou comunicativa. Considerando a natureza social da

linguagem, Jakobson lista seis funções, associando cada uma delas a um

dos elementos da comunicação: remetente, contexto ou referente, desti-

natário, mensagem, contato e código.

Considerando-se quem fala, de que se fala e com quem se fala, te-

mos três funções: uma que procura traduzir a atitude do falante naquilo

que ele está transmitindo (função emotiva), outra centrada no contexto

ou no conteúdo transmitido (função referencial), e uma terceira centra-

da no ouvinte (função conativa). Como ampliação dessas funções bási-

cas, temos ainda: uma que focaliza a própria mensagem dando-lhe rele-

vo (função poética), outra que checa o canal pelo qual falante e ouvinte

entram em contato (função fática) e uma última que se centra no código,

ou seja, na própria língua, usando-se a língua para falar sobre a língua

(função metalingüística).

É importante observar que cada texto não tem apenas uma função,

mas várias delas. O que ocorre é que existe uma ou outra que predo-

mina. Por exemplo, no texto publicitário predomina a função conativa,

centrada no interlocutor (ouvinte/leitor). São formas lingüísticas típicas

da função conativa: pronome de segunda pessoa, verbo no modo impe-

rativo, perguntas – para produzir o efeito de persuasão. Outro exemplo:

nas definições do dicionário predomina a função metalingüística. Veja

a definição da palavra ‘metalinguagem’ no dicionário Houaiss: “lingua-

gem (natural ou formalizada) que serve para descrever ou falar sobre

uma outra linguagem, natural ou artificial”.

Ato de fala é uma ativi-dade comunicativa que

considera as intenções do falante e os efeitos que consegue provocar no

ouvinte.

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Além de servir para produzirmos diferentes atos de fala, a proprie-

dade de flexibilidade e adaptabilidade da língua permite nos reportar no

tempo: ao passado, ao presente e ao futuro; nos referir a coisas que não

existem no mundo real, e assim por diante.

1.2.2 Arbitrariedade

A língua não é um conjunto de rótulos, ou uma nomenclatura, que

se aplica a uma realidade preexistente. A realidade só passa a ter existên-

cia para os homens quando é nomeada, de modo que só percebemos no

mundo o que nossa língua nomeia. A realidade é apreendida e nomeada

através de signos lingüísticos.

Não existe um vínculo natural entre a forma das palavras (seja a

cadeia fônica ou a representação escrita) e o seu sentido ou significado.

O vínculo é convencional ou arbitrário e estabelecido social e cultural-

mente. É uma espécie de acordo coletivo entre os falantes. Portanto, o

signo lingüístico é arbitrário e cultural. Por exemplo, nada há que deter-

mine que a idéia que temos de “lar” e “moradia” seja representada pela

palavra “casa”. O que ocorre é um processo de simbolização, que consti-

tui uma espécie de filtro da realidade. A linguagem categoriza a realida-

de, ou seja, classifica-a em categorias na medida em que representa essa

realidade. Em outras palavras:

A atividade lingüística é uma atividade simbólica, o que signifi-ca que as palavras criam conceitos e esses conceitos ordenam a realidade, categorizam o mundo. Por exemplo, criamos o concei-to de pôr-do-sol. Sabemos que, do ponto de vista científico, não existe pôr-do-sol, uma vez que é a Terra que gira em torno do Sol. No entanto, esse conceito criado pela língua determina uma realidade que encanta a todos nós. Uma nova realidade, uma nova invenção, uma nova idéia exigem novas palavras, mas é sua denominação que lhes confere existência. Apagar uma coisa no computador é uma atividade diferente de apagar o que foi escrito a lápis, a máquina ou a caneta. Por isso, surge uma nova

Signo lingüístico é um objeto lingüístico dota-do simultaneamente de forma e sentido. A forma é chamada por Saussure de significante; e o sen-tido, de significado. Por exemplo, a palavra “cina-momo” tem uma forma particular constituída de uma seqüência de oito fonemas (sons da fala re-presentados graficamente por letras), e também de um sentido particular (um tipo específico de árvore). Os dois juntos formam um signo lingüístico. Assim, o signo é constituído de significante + significado.

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palavra para designar essa nova realidade, deletar. No entanto, se essa nova palavra não existisse, não se perceberia a atividade de apagar no computador como uma coisa diferente. (FIORIN, 2002, p. 56)

Por outro lado, a relação entre a forma da palavra (o significante) e

o seu valor ou conteúdo (o significado), embora arbitrária, é necessária e

não depende da livre escolha do falante. Veja-se, por exemplo, o dicioná-

rio. A significação ou os valores atribuídos a cada palavra estão registra-

dos como diferentes acepções de uso. Qualquer novo significado que a

palavra venha a receber só vai ser dicionarizado após se regularizar no uso

dos falantes, ou seja, de um grupo social. O caráter necessário do vínculo

entre significante e significado se deve a, pelo menos, dois motivos:

o significante sem o significado (e vice-versa) não tem valor lin-a)

güístico;

uma vez estabelecido um vínculo convencional entre um sig-b)

nificante e um significado, esse valor passa a ser repetido pelos

falantes e se regulariza na língua.

Se ficarmos inventando livremente novos sentidos para palavras já

conhecidas da língua portuguesa, corremos o risco de não sermos en-

tendidos pelos nossos interlocutores.

1.2.3 Dupla articulação

A língua pode ser decomposta em unidades mínimas significativas

(os morfemas – unidades da primeira articulação) e em unidades ainda

menores sem conteúdo semântico (os fonemas – unidades da segunda

articulação), as quais podem se combinar e recombinar indefinidamen-

te. Por exemplo, a palavra “refazer” pode ser segmentada em 4 mor-

femas: re/faz/e/r, que significam, respectivamente: duplicação (prefixo

re-), “realizar” (radical faz-), 2ª conjugação (vogal temática -e-), infini-

tivo (desinência modo-temporal -r). A mesma palavra ‘refazer’ é cons-

Em Lingüística, o termo “articulação” é usado no

sentido de segmentação, subdivisão de palavras em partes, que podem

se recombinar em outros contextos.

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tituída de 7 fonemas: r/e/f/a/z/e/r. Tanto os morfemas como os fonemas

aparecem em novas combinações como em re/l/e/r, faz/ia, cant/a/r; e

em r/e/z/a/r, f/e/z, respectivamente.

Assim, numa primeira etapa de análise, isolamos unidades significativas

de natureza mórfica (1ª articulação), e numa segunda etapa, identificamos

unidades distintivas de natureza fônica (2ª articulação). Os fonemas são uni-

dades distintivas, embora não dotadas de significação, porque funcionam

para distinguir palavras, como por exemplo: /pala/ vs. /bala/ vs. /mala/. Os

morfemas são unidades significativas porque cada segmento da palavra apre-

senta um determinado valor: radical, vogal temática, marca de gênero ou de

número, desinência número-pessoal ou modo-temporal etc. A dupla articu-

lação da linguagem é um fator de economia lingüística.

A articulação da linguagem é facilitada pelo caráter linear do signi-

ficante. Ou seja, o significante se desenvolve numa dimensão temporal

(como numa linha), no caso da fala, ou espacial, no caso da escrita. Por

linearidade, entende-se a disposição dos signos, uns depois dos outros,

sem que se possa produzir mais de um elemento lingüístico de cada vez.

1.2.4 Produtividade

A produtividade é uma propriedade que permite que uma dada re-

gra seja estendida a novos casos. Assim, a partir de um número reduzi-

do de regras combinatórias, podemos produzir um número ilimitado de

novas palavras e enunciados. A noção de produtividade se aplica tanto

no âmbito da formação de palavras (combinação de morfemas), como

na construção de frases (combinação de palavras). Por exemplo:

Na formação de palavras: o sufixo -idade, formador de substanti-

vos, é bastante produtivo, pois aparece num número bastante significa-

tivo de palavras no português (facilidade, dificuldade, seriedade, familia-

ridade, legalidade). Já o sufixo -ura é menos produtivo na formação de

substantivos (quentura, largura, espessura). A regra subjacente a esses

casos é a de formação de substantivos a partir de adjetivos:

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adjetivo + -idade /-ura = substantivo (fácil + -idade = facilidade;

quente + -ura = quentura).

Um determinado afixo (prefixo ou sufixo) pode ser produtivo numa

certa época e não em outra. Por exemplo: “o prefixo disque-, próprio

para formar substantivos, nem sequer existia antes dos anos 1980, mas

hoje é prodigiosamente produtivo em português do Brasil: disque-pizza,

disque-remédio, disque-denúncia”. (TRASK, R.L. 2004, p. 241)

Vale lembrar que a aplicação de afixos não se dá de maneira aleató-

ria: existem certas condições gramaticais que precisam ser respeitadas.

Assim, o prefixo -re pode se aplicar a bases verbais ou substantivas sem

alterar a classe da nova palavra (re + contar = recontar; re + impressão =

reimpressão). Já os processos de sufixação geralmente alteram a classe

da palavra. Por exemplo, -ismo se aplica tanto a adjetivo (ótimo) como a

substantivo (Marx) formando substantivo (otimismo, marxismo).

Leia mais sobre a produtividade na formação de palavras em Ilari;

Basso (2006, p. 103-108).

Na construção de frases ou constituintes de frases: a combinação

de N (nome) + V (verbo) pode gerar: Pedro saiu; crianças brincam etc.

A combinação de Art (artigo) + N (nome) + Adj (adjetivo) pode gerar:

a menina bonita; os rapazes inteligentes; uma maçã madura etc. E assim

por diante.

1.2.5 Heterogeneidade

Uma outra propriedade das línguas naturais é que elas não são ho-

mogêneas. Pelo contrário, as línguas variam e mudam ao longo do tem-

po. Essa variação/mudança ocorre nas dimensões geográfica, social e

estilística. Vamos retomar este ponto na segunda unidade.

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CAPÍTULO 02O que é um estudo científico?

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2 O que é um estudo científico?

Vamos tratar agora da questão da cientificidade dos estudos lin-

güísticos. Lembramos que as preocupações com a linguagem são muito

antigas, mas é apenas no início do século XX que a lingüística ganha au-

tonomia e é reconhecida como estudo científico, a partir dos trabalhos

de Ferdinand de Saussure publicados no livro Curso de lingüística geral.

A lingüística atende a critérios de cientificidade ao apresentar as ca-

racterísticas listadas abaixo, entre outras. Essas características a opõem

à chamada gramática tradicional. A lingüística:

é empírica � : lida com dados verificáveis por meio da observação e

da experiência; ou seja, as hipóteses teóricas podem ser atestadas

pelos dados. A lingüística não tem caráter especulativo ou meta-

físico. Já as gramáticas tradicionais, por serem parte da filosofia

geral, tinham caráter especulativo à medida que pretendiam pro-

por análises que respondessem a indagações sobre o universo.

é objetiva � : tem caráter não-preconceituoso, não emite julga-

mentos de valor a respeito da língua do tipo “certo” vs. “erra-

do”, “feio” vs. “bonito”, “superior” vs. “inferior”, “primitivo” vs.

“evoluído”. A lingüística, por ser descritiva, opera com a noção

de adequação. Por exemplo, não falamos da mesma maneira

quando nos dirigimos a nossos familiares e amigos em situa-

ções mais íntimas, e quando nos dirigimos ao nosso chefe, ao

padre, ao prefeito etc.; a linguagem se ajusta a novas situações

comunicativas que envolvam mudança de papéis sociais dos

interlocutores. Já os juízos de valor são característicos da abor-

dagem tradicional, baseada na escrita literária clássica. À me-

dida que impõe julgamentos, a gramática tradicional se consti-

tui numa doutrina: a doutrina gramatical.

Entende-se por gramática tradicional a teoria lingüís-tica ocidental oriunda da Grécia Antiga, passando pela erudição romana, pela Idade Média e pela Renas-cença, que encontramos ainda hoje em compêndios gramaticais normativistas. Deve-se considerar que os objetivos das gramáticas tradicionais eram de outra natureza, concebidos em conformidade com a época (mais de dois mil anos atrás!), por isso não se coadunam com os interes-ses descritivos atuais.

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Introdução aos Estudos Gramaticais

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tem � caráter explícito: apresenta definição clara, coerente e deta-

lhada dos pressupostos teóricos da análise; utiliza uma termi-

nologia especializada; lida com critérios explícitos e objetivos.

Em outras palavras, tem um “construto teórico” como base ex-

planatória, ou explicativa, para os dados. Diferentemente, as

gramáticas tradicionais apresentam, muitas vezes, definições

vagas e imprecisas, com mistura de critérios. Além do mais, a

maioria dessas gramáticas limita-se a repetir os mesmos con-

ceitos e classificações ao longo dos anos.

Um aspecto importante a ser mencionado é que, com o advento

da lingüística moderna, a língua escrita deixa de ser considerada como

mais importante que a falada. Admite-se que a língua está sujeita a va-

riações e mudanças e que mudança lingüística não significa deturpação

ou decadência da língua. Para a lingüística qualquer variedade de uma

língua pode ser objeto de estudo. Enfim, rompe-se com a postura tradi-

cional de que só a variedade culta escrita deve ser objeto da gramática.

Separa-se, assim, a gramática prescritiva da gramática descritiva. Reto-

maremos esse ponto na unidade B.

Em relação ao caráter científico da lingüística, cabe mencionarmos

ainda a questão do método. O estudo sistemático da língua envolve, ge-

ralmente, os seguintes passos: observação, problematização, formulação

e testagem de hipóteses, checagem do modelo teórico, generalização.

Entretanto, como a lingüística é um conjunto de saberes dos quais re-

sultam modelos teóricos diversos, cada modelo vai requerer um aparato

metodológico que seja compatível com suas especificidades. O impor-

tante é que as hipóteses sejam coerentemente testadas e sustentadas em-

piricamente dentro de modelos teóricos.

Em suma, o trabalho científico implica, basicamente, a observação

e descrição de fatos lingüísticos a partir de certos pressupostos teóricos

formulados no âmbito da teoria lingüística ou lingüística geral.

Lembre-se que a gramá-tica tradicional prioriza

a língua escrita literária, tomando-a como modelo de como escrever correta-

mente.

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CAPÍTULO 02O que é um estudo científico?

2323

Cabe à lingüística geral fornecer conceitos e categorias que servirão

de base para o estudo das línguas particulares. Cabe à lingüística

descritiva fornecer dados que validem ou refutem as hipóteses teó-

ricas formuladas pelo lingüista geral. O lingüista descritivo, no entan-

to, não está limitado a oferecer evidências empíricas para as formu-

lações da lingüística geral; ele pode estar interessado em produzir

gramáticas de referência ou dicionários. Esses dois ramos da lingüís-

tica (geral e descritiva) não são estanques, e sim interdependentes.

No Brasil, temos importantes estudos descritivos como os trabalhos

de Mattoso Camara Jr., de Mário Perini, de Maria Helena Moura Ne-

ves, bem como os volumes de Gramática do Português Falado, pro-

duzidos pelos pesquisadores do projeto coordenado pelo professor

Ataliba de Castilho, entre muitos outros.

Veja como os referenciais teóricos podem ser diversificados, um

mesmo fenômeno pode receber diferentes descrições e explicações.

Perini (2006, p. 35) coloca nestes termos o objetivo do lingüista:

fazer “uma descrição da estrutura da língua: o conjunto de regras, ele-

mentos, classes e princípios que governam as associações dos diversos

elementos da língua e seu significado”. Dizendo de outro modo: cabe ao

lingüista descrever e explicar o funcionamento da língua, isto é, a rela-

ção que existe entre os significados e as formas dessa língua.

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Introdução aos Estudos Gramaticais

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Leia mais!

Leia mais sobre as funções da linguagem no capítulo “A comunicação hu-

mana”, de Diana Pessoa de Barros.

In: FIORIN, J.L. et al. (Org.). Introdução à lingüística. I. Objetos teóri-

cos. São Paulo: Contexto, 2002, p. 32-41.

Leia mais sobre esse assunto no capítulo “Teoria dos signos”, de José Luiz

Fiorin.

In: FIORIN, J.L. et al. (Org.). Introdução à lingüística. I. Objetos teóri-

cos. São Paulo: Contexto, 2002, p. 55-65.

Leia mais sobre este tópico no capítulo “A língua como objeto da Lingüís-

tica”, de Antonio Vicente Pietroforte.

In: FIORIN, J.L. et al. (Org.). Introdução à lingüística. I. Objetos teóri-

cos. São Paulo: Contexto, 2002, p. 91-92.