Goularte, 2010

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 1 INTERAÇÃO, INTERACIONISMOS: SITUANDO O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO  Raquel da Silva Goularte 1  RESUMEN: Este estudio es parte de la línea de investigación Linguagem e Interação del Programa de Posgrado de la Universidade Federal de Santa Maria. Este texto aborda una revisión de la literatura la cual tiene como objetivo localizar y resaltar el enfoque del Interaccionismo Sociodiscursivo. Para ello, el trabajo se divide en tres fases. En primer lugar, vamos a aclarar el concepto de interacción, a continuación, firmamos la noción del interaccionismo y algunos conceptos que dieron origen a este término. Por último, intentaremos situar el Interaccionismo Sociodiscursivo a partir de los aspectos que la teoría aborda. En ese sentido, Morato (2004), Machado (2009) y Bronckart (2006,2009) fueron los principales autores  que han recurrido a la base de este trabajo. PALABRAS-CLAVE: interacción, enfoque teórico, Interaccionismo Sociodiscursivo 1. INTRODUÇÃO Este artigo é constituído de uma revisão teórica e tem o objetivo de situar e destacar a abordagem do Interacionismo Sociodiscursivo. Então, partindo da noção de interação, buscaremos a origem dessa abordagem, na tentativa de distingui-la de variações que causam dúvidas devido à proximidade de nomenclaturas e à falta de clareza nas definições. Além disso, salientamos que não é nossa intenção efetuar um mapeamento das abordagens interacionistas. Assim, pretendemos destacar algumas concepções teóricas que influenciaram o Interacionismo Sociodiscursivo, bem como distinguir tal abordagem de certas teorias que possam ser interpretadas como similares a esta. Para tanto, o trabalho será dividido em três momentos. Primeiramente, esclareceremos a noção de interação, em seguida, ressaltaremos a noção de 1  Mestranda em Estudos linguísticos, no Programa de Pós-Graduação do Curso de Letras da Universidade Federal de Santa Maria, e bolsista CAPES. E-mail: [email protected]

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Goularte, 2010

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    INTERAO, INTERACIONISMOS: SITUANDO O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO

    Raquel da Silva Goularte1

    RESUMEN: Este estudio es parte de la lnea de investigacin Linguagem e Interao del

    Programa de Posgrado de la Universidade Federal de Santa Maria. Este texto aborda una

    revisin de la literatura la cual tiene como objetivo localizar y resaltar el enfoque del

    Interaccionismo Sociodiscursivo. Para ello, el trabajo se divide en tres fases. En primer lugar,

    vamos a aclarar el concepto de interaccin, a continuacin, firmamos la nocin del

    interaccionismo y algunos conceptos que dieron origen a este trmino. Por ltimo, intentaremos

    situar el Interaccionismo Sociodiscursivo a partir de los aspectos que la teora aborda. En ese

    sentido, Morato (2004), Machado (2009) y Bronckart (2006,2009) fueron los principales autores

    que han recurrido a la base de este trabajo.

    PALABRAS-CLAVE: interaccin, enfoque terico, Interaccionismo Sociodiscursivo

    1. INTRODUO

    Este artigo constitudo de uma reviso terica e tem o objetivo de

    situar e destacar a abordagem do Interacionismo Sociodiscursivo. Ento,

    partindo da noo de interao, buscaremos a origem dessa abordagem, na

    tentativa de distingui-la de variaes que causam dvidas devido proximidade

    de nomenclaturas e falta de clareza nas definies. Alm disso, salientamos

    que no nossa inteno efetuar um mapeamento das abordagens

    interacionistas. Assim, pretendemos destacar algumas concepes tericas

    que influenciaram o Interacionismo Sociodiscursivo, bem como distinguir tal

    abordagem de certas teorias que possam ser interpretadas como similares a

    esta.

    Para tanto, o trabalho ser dividido em trs momentos. Primeiramente,

    esclareceremos a noo de interao, em seguida, ressaltaremos a noo de

    1 Mestranda em Estudos lingusticos, no Programa de Ps-Graduao do Curso de Letras da

    Universidade Federal de Santa Maria, e bolsista CAPES. E-mail: [email protected]

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    interacionismo e algumas concepes que se originaram deste termo. Por fim,

    tentaremos situar o Interacionismo Sociodiscursivo, a partir de aspectos que a

    referida teoria aborda.

    A reviso partiu de uma inquietao particular, a fim de alicerar

    conhecimentos necessrios pesquisa com gneros textuais em materiais

    didticos, no curso de mestrado em Estudos Lingusticos. Tal investigao

    insere-se no quadro do Interacionismo Sociodiscursivo, na linha de pesquisa

    Linguagem e Interao do Programa de Ps-Graduao da Universidade

    Federal de Santa Maria.

    Consideramos que o estudo seja uma contribuio na medida em que

    apresentamos a sntese de uma teoria que hoje se faz presente como

    referencial terico de muitos materiais didticos. E, indiretamente, influencia o

    ensino de lngua portuguesa.

    Para o objetivo em pauta, buscamos apoio em autores que teceram

    consideraes a respeito do tema. Morato (2004) uma das estudiosas a

    quem recorremos, a partir do texto O interacionismo no campo lingustico;

    ainda, Machado e Bronckart (2006), com Atividade de linguagem, discurso e

    desenvolvimento humano e, sobretudo, Atividade de linguagem, textos e

    discursos (BRONCKART, 2009). Tambm muitos outros artigos a que fazemos

    referncia no texto foram fundamentais e nos orientaram na reviso.

    2. INTERAO

    Muitos so os trabalhos encontrados hoje no mbito da lingustica, da

    psicologia, da educao e de outras reas que fazem referncia ou tratam

    diretamente de interao. Mas parece-nos que o termo empregado como

    uma ideia geral, beirando ao esvaziamento.

    Etimologicamente, [Inter]+ [ao] a influncia ou ao mtua entre as

    coisas /seres. Foi essa a definio que encontramos no dicionrio Houaiss para

    interao. Constatamos que esse termo diz respeito a uma ideia geral se

    observado apenas no lxico; mas um conceito bastante abrangente quando

    visto de uma perspectiva heurstica.

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    De acordo com Morato (2004), essa noo essencial para se pensar o

    debate internalismo X externalismo no campo da lingustica, colaborando na

    compreenso epistemolgica das relaes entre linguagem e exterioridade. Ela

    define o termo como ao conjunta que coloca em cena dois ou mais

    indivduos, sob certas circunstncias que em muito explicam seu prprio

    decurso (p. 316). Alm disso, a autora aponta que um dos desafios

    apreenso da abordagem interacionista a ideia de que a relao entre

    interao e linguagem (ou entre interao e aquisio, interao e

    comunicao, interao e cognio) no necessariamente isomrfica (p.

    312).

    Embora reconheamos a importncia de se estudar interao com maior

    amplitude, no estendemos este assunto. Nosso objetivo maior situar a

    abordagem do Interacionismo Sociodiscursivo; para isso, faz-se extremamente

    relevante apresentar consideraes acerca da interao.

    Prosseguindo a reflexo, salientamos que Faraco (2005) compartilha a

    ideia de enfatizar o estudo sobre o termo interao, no texto de encerramento

    do congresso Linguagem e Interao2, de onde destacamos o seguinte

    comentrio:

    A interao e a linguagem na interao continuam recobertas por aquilo que o filsofo Heidegger (2002) chamava de duplo incontornvel: no podemos, pela sua relevncia para a compreenso das questes humanas, escapar de estud-las (no podemos contorn-las no sentido de desviar delas; e no dispomos de qualquer teoria capaz de contorn-las (no sentido de traar uma linha terica que as contenha). (FARACO, 2005, p. 214)

    No congresso a que fizemos referncia, um dos pontos principais

    tentar estabelecer uma aproximao da noo de interao e de interacionismo

    entre diversas vertentes. Essas vertentes que se reconhecem interacionistas e

    que postulam em suas teorias a interao, ou, dito de outra forma, construir a

    interao entre as diferentes interaes. Na tentativa de compreender um

    pouco mais sobre interao, e devido importncia do tema, propomo-nos,

    ento, a investig-lo.

    2 O Congresso Linguagem e Interao do qual esse texto faz o encerramento foi realizado na

    UNISINOS, de 22 e 25 de agosto de 2005.

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    De acordo com Faraco (2005), a interao foi tema de estudos

    filosficos no sculo XVIII e comeou a ser objeto de estudo a partir do sculo

    XX. Ele situa como pioneiro neste estudo o pragmatista americano George

    Herbert Mead, na psicologia social. um terico que concebe a linguagem

    como ao3 (e no como estrutura) e o sujeito como efeito da interao.

    Posteriormente, esse estudioso abriu caminho para a sociologia e a

    antropologia. Mais tarde, a etnometodologia tambm adotou a interao como

    tema de estudo e, a partir da, as diferentes vertentes da anlise da conversa

    que dela se originaram. possvel elencar, ainda, a etnografia da comunicao

    e a sociolingustica interacional.

    Na lingustica aplicada e em leituras da educao, encontramos

    referncia interao como co-operao, isto , colaborao mtua entre

    professor e aluno, o que equivale, em Richter (2008), relao de

    contratualidade, no intuito de motivar o processo de ensino-aprendizagem.

    De modo semelhante, em Coracini (2005), encontramos a noo de

    interao no contexto de sala de aula. No entanto, essa interao constitui-se

    no apenas entre sujeitos, mas entre um sujeito e um texto, entre um sujeito e

    uma lngua ou um saber. Tambm so considerados fatores externos como o

    equvoco, a contradio, o imprevisto, o incidente, o conflito, que, segundo ela,

    constituem o sujeito e as relaes intersubjetivas. Para complementar,

    Gumperz (apud CORACINI, 2005, p. 200) assegura que falar interagir; mas,

    evidentemente, no basta falar; preciso falar com algum e, para isso,

    fazemos uso de procedimentos fticos para nos assegurarmos da escuta do

    destinatrio. Logo, notamos que a definio de Gumperz traz uma concepo

    de interao na perspectiva comunicacional. Isto porque aponta para a

    comunicao que se estabelece a partir da linguagem entre dois ou mais

    sujeitos.

    Sabemos que existe uma srie de autores que contribuem com sua

    concepo de interao e, por conseguinte, representam avanos s pesquisas

    lingusticas, portanto, mereceriam ser elencados neste estudo. Porm, no

    podemos deixar de destacar aqueles autores que sero fundamentais ao

    3 Mead concebe a linguagem como ao intersubjetiva e, por conseguinte, internalizada, de

    modo que se torna intrassubjetiva.

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    desenvolvimento posterior de nossa investigao. Entre esses autores, esto

    Vygotsky (1998), Bakhtin/Volochinov (1988) e Bronckart (2006, 2009).

    Vygotsky (1998) defende a relao do homem com o mundo como uma

    relao mediada. O autor buscava compreender as caractersticas especficas

    do homem atravs do estudo da origem e do desenvolvimento da espcie

    humana. Por isso, considera como processo diferenciador o surgimento do

    trabalho e a formao da sociedade humana. Ele tambm buscava entender a

    relao do pensamento com a linguagem e suas implicaes no processo de

    desenvolvimento intelectual. Para este terico, o sujeito age sobre a realidade

    e interage com ela, construindo seus conhecimentos a partir das relaes intra

    e interpessoais. Assim, de acordo com este autor, na troca com outros

    sujeitos e consigo prprio que ele internaliza conhecimentos, papis e funes

    sociais.

    Para Bakhtin/Volochinov (1988), a verdadeira natureza da linguagem a

    interao socioverbal. Nessa perspectiva, o homem essencialmente social e

    a sua linguagem ideolgica. Logo, essa concepo tem a linguagem

    primordialmente como interao.

    Nesse sentido, percebemos alguns pontos convergentes na obra de

    Vygotsky e de Bakhtin, porm no se pode afirmar que tenha havido um

    encontro na vida desses dos dois autores. Mas Freitas (1997), em Bakhtin,

    dialogismo e construo do sentido, escreve sobre a obra deles e salienta um

    dos pontos a que referimos. Ela destaca que o outro pea importante e

    indispensvel de todo o processo dialgico que permeia ambas as teorias.

    O ltimo autor que apresentamos Bronckart (2009, p. 13), e ele tem

    como base a teoria desses dois autores, entendendo as condutas humanas

    como aes situadas cujas propriedades estruturais e funcionais so, antes de

    mais nada, um produto da socializao.

    Aps realizar a sntese de algumas concepes de interao, passemos

    a explanar sobre os interacionismos que delas se originaram.

    3. INTERACIONISMOS

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    Naturalmente, a palavra interacionismo originou-se de interao. De

    acordo com Morato (2004), o interacionismo, no mbito da lingustica, marcou a

    metade do sculo XX como uma reao das posies tericas externalistas

    contra o psicologismo que impregnava a cincia da linguagem naquela poca.

    A mesma autora sustenta que podem ser considerados interacionistas

    aqueles domnios da lingustica que se baseiam numa posio externalista

    sobre a linguagem. Entre essas vertentes, ela destaca: a sociolingustica, a

    pragmtica, a psicolingustica, a semntica enunciativa, a anlise da

    conversao, a lingustica textual e a anlise do discurso.

    Pode-se afirmar que o termo partiu de uma conceituao ampla e se

    manteve ampla. Sobre isso, Morato (2004) esclarece que preciso situar o que

    se entende por linguagem e por social em determinada construo terica.

    Da obtm-se a base necessria para se identificar o tipo de interacionismo que

    se reivindica ou anuncia.

    Dessa forma, entendemos que definir os limites entre um interacionismo

    e outro um terreno escorregadio, porque no apenas a relao entre

    indivduo e sociedade, ou entre reflexo e ao, ou entre linguagem e

    cognio, ou entre locutor e interlocutor que est em jogo, mas a forma como

    se entende interao e como ela origina a vertente a se estudar. A partir disso,

    consideramos relevante abordar algumas dessas concepes, a fim de tornar

    mais consistente esse conhecimento.

    A primeira vertente a ser mencionada a Sociongustica interacional.

    Em linhas gerais, essa abordagem coloca o conhecimento scio-cultural-

    cognitivo que se constri e se expressa nas interaes face a face como foco

    central de anlise. Tal conhecimento est na base das interpretaes sobre a

    situao comunicativa, dos papis desempenhados e dos enunciados

    produzidos pelos participantes. (SCHIFFRIN, 1994 apud OLIVEIRA, 2009).

    Outra linha a etnografia, a qual constituda do estudo das formas

    costumeiras de viver de um grupo particular de pessoas associadas de alguma

    maneira. Segundo Paran (2005), essa abordagem surgiu por volta do final do

    sculo XIX e incio do sculo XX, tendo como objetivo revelar o significado

    cotidiano no qual as pessoas agem, assim como encontrar o significado das

    suas aes. Uma informao relevante que a etnografia assume o seu

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    significado a partir do interacionismo simblico, que uma das principais

    escolas de pensamento da sociologia.

    A ltima abordagem que destacamos o Scio-interacionismo ou

    Interacionismo social; e sobre esta trataremos mais detalhadamente. Essa

    teoria parte de um materialismo dialtico, apoiando-se na concepo de um

    sujeito interativo que elabora seus conhecimentos sobre os objetos, em um

    processo mediado pelo outro. Assim, tal concepo entende que o

    conhecimento se d a partir das relaes sociais, sendo produzido na

    intersubjetividade e marcado por condies culturais, sociais e histricas. Um

    dos principais nomes dessa abordagem Vygotsky. E sobre ele, esclarecem

    Libneo e Freitas (2004, p. 1):

    Vygotsky iniciou suas pesquisas em 1920 com psiclogos e pedagogos que vieram a constituir uma elite de pesquisadores na antiga URSS, entre eles A. N. Leontiev e A. R. Luria. As pesquisas em parceria desse grupo foram iniciadas em 1924 e se estenderam at 1934, vindo a formar a base terica da psicologia histrico-cultural em relao a temas como origem e desenvolvimento do psiquismo, processos intelectuais, emoes, conscincia, atividade, linguagem, desenvolvimento humano, aprendizagem. Num segundo momento, foram desenvolvidos estudos sobre a atividade humana, um dos mais importantes conceitos na abordagem histrico-cultural, sob a liderana de Leontiev, culminando na formulao da teoria da atividade, ampliada posteriormente por outros autores como Galperin (Psicologia Infantil), Boyovich (Psicologia da Personalidade), Elkonin (Psicologia do desenvolvimento), Zaporoyetz (Psicologia da evoluo), Levina (Psicologia da Educao).

    Assim, consideramos interessante destacar que, no primeiro captulo de

    A formao social da mente, Vygotsky (1998) trata da natureza das relaes

    entre o uso de instrumentos e o desenvolvimento da linguagem. Para esse

    terico, a preocupao primeira descrever e especificar o desenvolvimento

    daquelas formas de inteligncia prtica especificamente humanas. Ele

    considera que a unidade dialtica da inteligncia prtica e do uso de signos no

    adulto humano constitui a verdadeira essncia no comportamento humano

    complexo. Por conseguinte, o autor atribui atividade simblica uma funo

    organizadora especfica. Segundo Vygotsky (ibid.), quando a fala e o uso de

    signos so incorporados a qualquer ao, esta se transforma e se organiza,

    produzindo formas novas de comportamento que, mais tarde, constituiro o

    intelecto.

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    Nesse sentido, Vygotsky considera que tudo nasce da interao com o

    outro, a criana, antes de controlar o prprio comportamento, comea a

    controlar o ambiente com a ajuda da fala. Esta to importante quanto a ao

    para atingir um objetivo, de acordo com a perspectiva deste terico. Ele postula

    que quanto mais complexa a ao exigida pela situao e menos direta a

    soluo, maior a importncia que a fala adquire na operao como um todo.

    O autor tambm destaca que essa unidade de percepo, fala e ao provoca

    a internalizao do campo visual.

    A partir disso, este terico investigou a fala egocntrica de crianas

    envolvidas em atividades e concluiu que a fala egocntrica est ligada fala

    social das crianas atravs de muitas formas de transio. De acordo com o

    autor, primeiramente, a linguagem tem uma funo interpessoal, medida que

    a criana recorre verbalmente ao adulto para resolver um problema. Em

    seguida, a linguagem adquire uma funo intrapessoal, no momento em que a

    fala socializada internalizada, a partir da, as crianas passam a apelar a si

    mesmas, alm de realizar uso interpessoal da linguagem.

    Ento, para Vygotsky (1998), a histria do processo de internalizao da

    fala social tambm a histria do intelecto prtico das crianas. Ele postula

    que os processos elementares so de origem biolgica, enquanto as funes

    psicolgicas superiores so de origem sociocultural. E do entrelaamento

    dessas duas linhas, nasce a histria do comportamento da criana, na

    concepo desse estudioso. Por isso, Vygotsky (ibid.) considera a histria

    natural do signo como estudo fundamental para a histria do desenvolvimento

    das funes psicolgicas superiores e concebe o uso de instrumentos e a fala

    humana como as razes do desenvolvimento.

    Salientamos que a abordagem sociointeracionista exerce uma grande

    influncia sobre o quadro terico que trataremos a seguir. Por essa razo,

    detivemo-nos a detalh-la um pouco mais. Depois de retomarmos algumas

    dessas concepes interacionistas, tentaremos, ento, no prximo tpico,

    situar nesse meio a abordagem do interacionismo sociodiscursivo.

    4. O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO

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    Em continuidade aos princpios do interacionismo social, Jean-Paul

    Bronckart desenvolve o Interacionismo sociodiscursivo. Essa abordagem tem

    muitos elementos em comum com a abordagem anterior, tanto que

    considerada um prolongamento dela, adotando trs princpios gerais. De

    acordo com Bronckart (2006, p. 9), o primeiro princpio defende que o problema

    da construo do pensamento consciente humano deve ser tratado

    paralelamente ao da construo do mundo dos fatos sociais e das obras

    culturais. por isso que ele considera os processos de socializao e

    individuao como vertentes indissociveis do desenvolvimento humano. O

    segundo princpio trata do questionamento das Cincias Humanas, o qual deve

    apoiar-se na filosofia (de Aristteles a Marx) e preocupar-se ao mesmo tempo

    com questes de interveno prtica. O terceiro princpio fundamenta-se nas

    problemticas centrais de uma cincia do humano, acreditando que elas

    implicam relaes de interdependncia entre os aspectos psicolgicos,

    cognitivos, sociais, culturais, lingusticos, e tambm os processos evolutivos e

    histricos.

    No entanto, necessrio apontar o que diferencia uma abordagem da

    outra. Sendo assim, podemos mencionar que Bronckart concebe a linguagem

    como instrumento fundador e organizador de processos psicolgicos

    superiores (como percepo, cognio, emoes e sentimentos). Com isso,

    esclarece que a abordagem do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) tem como

    unidades de anlise a linguagem, as condutas ativas e o pensamento

    consciente.

    Dos trs aspectos mencionados, a linguagem destaca-se como o

    elemento central na abordagem do ISD e, por conseguinte, para uma cincia

    do humano. Inclusive, o ISD defende que os signos da linguagem fazem parte

    da gnese da constituio da conscincia.

    Segundo Machado (2009), o ISD procura demonstrar que as prticas de

    linguagem situadas so os maiores instrumentos do desenvolvimento humano,

    no s sobre o conhecimento e o saber, mas tambm em relao s

    capacidades de agir e da identidade das pessoas. Ela destaca tambm que a

    construo das capacidades cognitivas fruto de um processo inicialmente

    marcado pelo sociocultural e pela linguagem. Esse ponto parece fundamental,

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    assim como demonstra a relevncia de termos tratado anteriormente a respeito

    da noo de interao.

    Conforme Machado (2004), foi a partir de 1980 que a teoria do ISD

    comeou a ser projetada. Ela revela que Bronckart iniciou seus estudos

    filiando-se a diversas correntes de pensamento, entre as quais, o behaviorismo

    de Skinner, a Gramtica Gerativa de Chomsky e as ideias de Vygotsky, Luria e

    Leontiev (s quais aderiu firmemente). Alm disso, ela afirma que, embora

    Bronckart tenha depois rejeitado o behaviorismo, conservou a higiene

    metodolgica dessa corrente, o que acreditamos e podemos comprovar em

    seus trabalhos com os textos.

    Bronckart tambm teve uma fase piagetiana, quando integrou o Centro

    Internacional da Epistemologia Gentica. Depois disso, tentou conciliar em

    suas pesquisas autores como Piaget e Chomsky. De acordo com Machado

    (ibid.), no teve grande sucesso. Foi quando buscou para o seu trabalho um

    quadro textual global. A pesquisadora revela que foi isso que o colocou em

    contato com a obra de Bakhtin (Volochinov)4; a partir de ento, segundo a

    autora, ele iniciou um trabalho de discusses com Jean-Michel Adam e seus

    trabalhos. Cristvo e Fogaa (2008, p.266) acrescentam

    Em seguida, aps 1973, Bronckart ministrou um curso de Lingustica destinado aos formadores e professores da escola Primria de Genebra e obteve um posto de professor de "Psicopedagogia das Lnguas". Entre seus colaboradores estavam Daniel Bain e Bernard Schneuwly. Desta fase e de suas preocupaes didticas, originou-se o projeto do ISD propriamente dito. Nas fases iniciais, os trabalhos consistiam em criar e testar sequncias didticas e elaborar paralelamente um modelo terico capaz de sustentar e esclarecer questes prticas. Bronckart e seus colaboradores reexaminaram a abordagem de Vygotsky, a obra de Saussure, o papel da apropriao dos signos na emergncia da conscincia humana, e comearam a estudar os efeitos produzidos pela matriz dos gneros textuais e dos tipos de discurso sobre o desenvolvimento humano, nas suas dimenses epistemolgicas e praxiolgicas.

    Nesse sentido, concebemos como fundamental a questo dos gneros,

    e para explanarmos tal questo, existem alguns conceitos relevantes presentes

    4 Salientamos que desconsideramos a discusso em relao autoria e aguardamos at a

    publicao prometida por Bronckart, no ltimo Congresso Linguagem e Interao, de uma obra em que ele esclareceria tal questo.

  • 11

    no trabalho de Bronckart que ajudam a compreender melhor o nosso quadro

    terico. Um deles a atividade (social), que entendida pelo autor como sendo

    a maneira como so organizadas as funes comportamentais dos seres vivos

    em relao ao meio ambiente e os elementos de representao interna (ou de

    conhecimento) sobre esse mesmo ambiente (BRONCKART, 2009, p.31).

    Bronckart toma emprestado de Habermas (19875) o que este chamou

    Agir Comunicativo: a atividade de linguagem em funcionamento nos grupos

    humanos. Alm disso, aproveita tambm o que Habermas denominou mundos

    representados. Nesse sentido, a lngua tida como uma organizao social

    que, atravs de uma construo histrica permanente, estrutura-se a partir de

    signos, os quais so postos em uso na representao de trs mundos. So

    eles: a) o mundo objetivo no qual h representaes pertinentes sobre os

    parmetros do ambiente; b) o mundo subjetivo que representa as

    caractersticas prprias de cada um dos indivduos engajados na tarefa e c) o

    mundo social, o qual constitui a maneira de organizar a tarefa. Juntos, esses

    mundos representam o contexto da atividade social.

    Segundo Bronckart (2009), por meio da diversidade das semantizaes

    dos mundos representados, tem-se a variao da cultura. Isso acontece porque

    os grupos humanos esto separados geograficamente, so de ramos

    diferentes, estabelecem relaes com o mundo diferentes, fazendo com que

    cada lngua tenha uma semntica prpria e, atravs da semntica prpria de

    cada lngua, os mundos representados so construdos.

    Nesse sentido, a variao da cultura forma uma comunidade verbal que

    constitui mltiplas formaes sociais. Essas com objetivos e interesses prprios

    elaboram particularidades de funcionamento da lngua, o que equivalem ao

    conceito de formaes discursivas, que Bronckart (2009) toma emprestado de

    Foucault (19696) e chama de Formaes sociodiscursivas. Dessa forma, a

    semiotizao d lugar atividade de linguagem e esta se organiza em

    discursos ou textos, que no esto soltos; organizam-se, portanto, em gneros.

    Assim, Bronckart (2009) entende como verdadeiras unidades verbais as

    unidades que se situam claramente em um nvel de anlise que corresponde

    ao da atividade e das aes. Dessa forma, confere palavra um estatuto de

    5 Cf. Bronckart (2009, p. 42-43).

    6 Cf. Bronckart (2009, p. 36-37).

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    unidade de nvel inferior no quadro englobante dos textos. O autor acredita que

    primeiro necessrio integrar a dimenso discursiva da linguagem e, para tal,

    fazer emprstimos da lingustica e da sociolingustica, reconhecendo as

    relaes entre aes humanas e aes de linguagem.

    Retomando os pressupostos interacionistas, irreal tentar interpretar as

    condutas humanas em sua especificidade. Ento, a partir da historicidade do

    ser humano, o interacionismo se interessa em observar como se

    desenvolveram, na espcie humana, formas particulares de organizao social,

    simultaneamente a (ou sob o efeito de) formas de carter semitico.

    Tendo em vista que o interacionismo sociodiscursivo est centrado na

    questo das condies externas de produo dos textos, isso provoca um

    abandono da noo de tipo de texto a favor da de gnero de texto e de tipo

    de discurso. Neste caso so os gneros, como formas comunicativas [...], que

    sero postos em correspondncia com as unidades psicolgicas que so as

    aes de linguagem (BRONCKART, 2009, p.15).

    Chegamos questo dos gneros de texto e consideramos um bom

    panorama at aqui. Mas a teoria do ISD no se esgota nesse ponto, porque,

    alm da pesquisa com gneros, a investigao dessa linha aprofunda outras

    questes como o trabalho e suas implicaes, sobretudo, no que diz respeito

    ao agir docente. Portanto, no nos apoiaremos com detalhes no estudo dos

    gneros, porque acreditamos ser tema para outro artigo, em funo da

    amplitude do assunto e das possibilidades de explorar o tema a partir de

    produes que esto em andamento.

    importante salientar que o ISD tem uma grande representao no

    Brasil, e as pesquisas nessa rea so cada vez mais numerosas, devido

    necessidade de se buscar apoio terico para um ensino de lngua portuguesa

    que se distancie do tradicional, mas que no o desconsidere totalmente.

    Logo, julgamos relevante apresentar brevemente o que esse quadro

    terico possui, no que diz respeito a produes, sendo assim enfatizamos duas

    delas que consideramos fundamentais. A primeira obra publicada no Brasil foi

    Atividade de Linguagem, discurso e desenvolvimento humano, lanada em

    19997, em que ilustram as maiores orientaes do ISD desenvolvido por

    7 Utilizamos neste texto a segunda edio desta obra, cuja publicao de 2009.

  • 13

    Bronckart. Ela foi organizada por Machado e Matencio e traz as publicaes

    dos ltimos 10 anos.

    A outra obra que merece destaque Atividade de linguagem, discurso e

    desenvolvimento humano, publicada em 2006. O objetivo desta publicao

    apresentar um panorama dos princpios que subjazem ao Interacionismo

    sociodiscursivo. A organizao da obra procura discorrer sobre aspectos

    necessrios para a compreenso das propostas dessa teoria.

    Em seguida, interessante situarmos as pesquisas atuais da referida

    abordagem. Segundo Machado (2009), no incio do sculo XXI, emergiram

    vrios estudos tratando de questes relacionadas linguagem e ao trabalho.

    Nessa perspectiva, em especial na rea da Lingustica Aplicada, ela revela que

    os estudos da atividade profissional docente passam a ocupar um lugar de

    destaque nos estudos dessa rea.

    De maneira geral, podemos dizer que as pesquisas esto voltadas a

    investigar as relaes entre prticas de linguagem, atividade e ao. Para

    tanto, muitas delas exploram o trabalho do professor e o papel da linguagem

    em constituir essa atividade profissional e suas relaes sociais.

    5. CONSIDERAES FINAIS

    Podemos dizer que esse trabalho comprova que nem tudo aquilo que

    dado como evidente est isento de uma retomada. Essa reviso terica foi

    bastante vlida e contribuiu para alicerar alguns conhecimentos essenciais a

    outras leituras de aprofundamento. Alm disso, serve para orientar leituras

    iniciais relativas ao quadro terico apresentado, porque situa no s a

    abordagem do ISD, como tambm expe outras linhas de pensamento que

    precederam a essa. Para tanto, nosso percurso de reflexo teve como ponto de

    partida a noo de interao, em seguida, a origem do interacionismo e, a

    partir disso, retomamos algumas variaes dessa abordagem que, por vezes,

    mostram-se nebulosas e interferem na compreenso de algumas linhas

    tericas.

    Portanto, o nosso objetivo neste texto foi alcanado, porque no era

    nossa inteno mapear as abordagens interacionistas, mas fazer um breve

  • 14

    levantamento das vertentes que consideramos relevantes para o entendimento

    do ISD.

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    trs aportes tericos para a teoria histrico-cultural e suas

    contribuies para a didtica. Revista Brasileira de Educao.

  • 15

    set/out/nov/dez. 2004. n. 27. Disponvel em:

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