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Gradualismo e descontinuidade em processos de internacionalização1
Prof. Dr. Sérgío Fernando Loureiro Rezende2
Processos de internacionalização de empresas têm sido alvo de debate acadêmico por
mais de quarenta anos. Aspectos como a cadeia de estabelecimento do modelo de
Uppsala, a importância de custos de transação para a escolha do modo de entrada em
mercados internacionais, entre outros tópicos, têm atraído a atenção de pesquisadores
das mais diversas áreas. Um bom exemplo da evolução desse debate é dado pela
comparação do clássico estudo sobre forcas ambientais que interferem em processos de
internacionalização, publicado no Journal of Interna-tional Business Studies em 1972
(Goodnow & Hansz, 1972), com os artigos apresentados no simpósio “Marcus
Wallenberg sobre Perspectivas Críticas sobre Internacionalização”, realizado em Uppsala
em 2000 (veja, por exemplo, os artigos de Forsgren, 2000 e Havila & Salmi, 2000).Os
assuntos que atualmente interessam aos pesquisadores são muito mais intricados, além
de exigirem respostas muito mais complexas.
Um dos aspectos mais controversos desse debate acadêmico se refere à idéia de
gradualismo em processos de internacionalização. Sugerida por pesquisadores suecos
em meados da década de 1970 (Johanson & Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson &
Vahlne, 1977), a internacionalização de empresa é vista como um processo de
aprendizagem em que a empresa investe recursos gradualmente e adquire
conhecimentos sobre determinado mercado internacional de maneira incrementa].
Enquanto vários estudos têm confirmado o pressuposto de que as empresas entram
em mercados internacionais de maneira gradual (Camino & Cazorla, 1998) e seqüencial 1 0 autor agradece ao Professor Luis Araújo do Departamento de Marketing da Lancaster University, a
Roberto Gonzalez Duarte do Judge Institute of Management Studies da University of Cambidge, ao
parecerista anônimo pelos comentários feitos durante o desenvolvimento do trabalho e, também, à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por ter financiado a pesquisa
que deu origem a este artigo. Recebido em maio /2001 2a versão em julho /2001 2 Sérgio Fernando Loureiro Rezende, Doutor pela Lancaster University, Inglaterra, é Professor do
Departamento de Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
E-mail: [email protected]
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(Calof, 1995; Chang, 1995; Chang & Rosenzweig, 1998a), outras pesquisas têm
sugerido que as empresas entram e evoluem em mercados internacionais de maneira
descontínua (Benito & Welch, 1997; Zander, 1997). Nesse último caso, vários fatores
têm sido apontados para explicar as razões pelas quais as empresas internacionalizam
operações adotando padrões distintos daquele descrito pelo modelo sueco. Por exemplo,
esse modelo foi formulado no final da década de 1970, época em que o ambiente de
negócio era menos interligado internacionalmente (Hedlund & Kverneland, 1993). É
também baseado em empresas ocidentais (Fonfara & Collins, 1990), altamente
experientes em operações internacionais (Melin, 1992).
Por meio da análise da trajetória de urna empresa inglesa que entrou e se desenvolveu
no mercado brasileiro, no presente artigo sugere-se que, na verdade, gradualismo e
descontinuidade não são conceitos opostos em processos de internacionalização. A fim
de explicar esse aparente paradoxo, será analisado o caso de SCD (nome fictício da
empresa) à luz da teoria conhecida como redes industriais (Axelsson & Easton, 1992). De
maneira geral, a teoria de redes industriais enfatiza os relacionamentos que determinada
empresa constrói com outros atores a fim de alcançar os seus objetivos. Em termos de
processos de internacionalização, essa teoria enfoca os relacionamentos que a empresa
desenvolve com diversos atores externos, como fornecedores e compradores, em
distintos países. Também considera importante os relacionamentos que as diversas
unidades de urna mesma empresa multinacional desenvolvem entre si. Nesse último
caso se tem, como exemplo, relacionamentos entre matriz e subsidiária e
relacionamentos intersubsidiárias.
Esses relacionamentos são construídos de maneira gradual, o que significa dizer que
os processos de internacionalização são o resultado de relações desenvolvidas
incrementalmente (Hakansson & Snehota, 1995). Porém, como a empresa e os atores
com os quais ela estabelece relacionamentos estão inseridos em redes de negócios
compostas por diversos outros atores, a empresa torna-se suscetível às mudanças
originadas em diferentes partes dessas redes. Ocasionalmente, essas mudanças
resultam em descontinuidades na seqüência do processo de internacionalização.
A fim de examinar em maior detalhe a questão entre gradualismo e descontinuidade
em processos de internacionalização, este artigo foi dividido em quatro partes. Na
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primeira parte descreve-se de maneira sucinta o modelo de internacionalização proposto
por pesquisadores suecos, o qual ficou conhecido como modelo de Uppsala. Em seguida,
introduz-se a teoria de redes industriais, a fim de mostrar como será analisado o estudo
de caso. Na terceira parte descreve-se a trajetória de SCD para, finalmente, se discutir a
questão de gradualismo e descontinuidade em processos de internacionalização.
GRADUALISMO E INTERNACIONALIZAÇÃO - 0 MODELO DE UPPSALA
0 modelo de Uppsala é, inicialmente, associado à pesquisa conduzida por Johanson &
Wiedersheim-Paul (1975). Ao estudarem quatro empresas industriais suecas - Sandvik,
Atlas Copto, Facit e Volvo -, os autores observaram que as suas trajetórias em mercados
internacionais apresentavam algumas características comuns, as quais foram
denominadas de cadeia de estabelecimento e distância psíquica. 0 conceito de cadeia
de estabelecimento significa que a empresa se desenvolve em determinado mercado
internacional investindo recursos seqüencialmente. 0 montante de recursos investido no
mercado-alvo é, por sua vez, dependente do grau de conhecimento da empresa a
respeito desse mercado. Em linhas gerais, quanto maior o grau de conhecimento da
empresa sobre o mercado, maior a tendência em investir recursos nesse mercado.
Os autores ilustram o conceito de cadeia de estabelecimento propondo quatro estágios
de desenvolvimento gradual: atividades de exportação irregulares, atividades de
exportação por meio de representantes, escritório de vendas e produção local. Johanson
& Wiedersheim-Paul (1975) reconhecem que nem todas as empresas seguem os quatro
estágios da cadeia de estabelecimento. Por exemplo, empresas que possuem muitos
recursos podem não percorrer os estágios iniciais. Da mesma maneira, se o tamanho do
mercado-alvo não for suficientemente atrativo, as empresas não irão investir montante
substancial de recursos nesse mercado que, normalmente, é representado por produção
local. Movimentos reversos (de maior para menor grau de comprometimento de recursos)
foram observados pelos autores quando analisaram o caso da Facit.
A segunda característica observada por Johanson & Wiedersheim-Paul (1975) é a
distancia psíquica, definida como as diferenças percebidas entre valores, práticas
gerenciais e educação de dois países. A distancia psíquica possui papel importante em
processos de internacionalização, já que restringe investimentos iniciais da empresa em
países considerados culturalmente distintos. Em outras palavras, existem evidencias de
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que a empresa começa o seu processo de internacionalização em países considerados
culturalmente próximos. Nesse sentido, a empresa tende a diminuir o grau de incerteza
inerente a processos de internacionalização, solucionando problemas em ambientes
vizinhos (Cyert & March, 1963). Adicionalmente, ao transferir operações para países
culturalmente próximos, a empresa adquire conhecimentos não só do mercado-alvo, mas
também sobre como internacionalizar suas atividades. Enquanto o primeiro tipo de
conhecimento não pode ser transferido para outros países, pois refere- se as
características específicas do mercado-alvo, o segundo tipo de conhecimento pode ser
utilizado posteriormente para penetrar outros mercados internacionais, urna vez que se
refere a know-how em internacionalização (Casson, 1994).
Em 1977, esses resultados deram origem ao modelo de Uppsala (Johanson & Vahlne,
1977). 0 modelo é baseado em três pressupostos:
▪ a falta de conhecimento é o maior obstáculo em processos de internacionalização;
▪ o conhecimento necessário à internacionalização é principalmente adquirido através
das operações atuais da empresa em determinado mercado-alvo. Em outras palavras, o
conhecimento adquirido através da experiência é considerado o mais importante em
processos de internacionalização (Penrose, 1959);
▪ a empresa internacionaliza suas operações investindo recursos de maneira gradual.
Assim, o processo de internacionalização é visto como um processo de aprendizagem em
que a empresa adquire conhecimentos gradualmente e investe recursos em determinado
mercado internacional de forma paulatina.
Baseados nesses pressupostos, Johanson & Vahlne (1977) introduzem dois conceitos
para explicar o modelo: conhecimento e comprometimento. Conhecimento refere-se ao
conhecimento do mercado-alvo, enquanto comprometimento diz respeito ao montante de
recursos investidos em determinado mercado internacional e ao grau de especificidade
desses recursos, ou seja, à possibilidade de utilizar-se esses recursos em outros
mercados sem que ocorra a desvalorização deles.
Conhecimento e comprometimento são entendidos como os estados do modelo. Esses
dois aspectos interagem com o que Johanson & Vahlne (1977) denominam de aspectos
transitórios: as decisões de comprometimento e as operações atuais. 0 primeiro aspecto
refere-se às decisões de investimentos de recursos em determinado mercado
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internacional. A idéia básica é a de que as empresas investem recursos em alternativas
que já foram testadas no passado com o intuito de minimizar o grau de incerteza inerente
às atividades internacionais (Cyert & March, 1963). 0 segundo aspecto diz respeito às
operações atuais da empresa no mercado-alvo que, conforme exposto anteriormente, se
constituem na principal fonte de conhecimento da empresa sobre esse mercado.
Johanson & Vahlne (1977) sugerem que a interação entre estados e aspectos
transitórios confere dinâmica ao modelo (veja figura 1). De maneira geral, essa dinâmica
pode ser ilustrada pelas seguintes relações: quanto mais urna empresa investe em
determinado mercado internacional, mais ela adquire conhecimentos sobre esse mercado;
quanto maior o grau de conhecimento da empresa sobre esse mercado, maior o seu
grau de aptidão para efetuar novos investimentos; quanto maior o grau de aptidão da
empresa, maior a probabilidade de que os investimentos sejam realizados; e assim
sucessivamente. Portanto, os aspectos transitórios possuem duplo papel no processo de
internacionalização da empresa. Eles não só resultam de conhecimento e
comprometimento efetuados no passado, como também determinam os níveis de
conhecimento e de comprometimento a serem efetuados no futuro.
Várias críticas têm sido feitas ao modelo de Uppsala (Andersen, 1993; Petersen &
Pedersen, 1997; Edwards & Buckley, 1998). Neste tópico interessam os trabalhos que
discordam da idéia de gradualismo e incrementalismo em processos de
internacionalização.
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Forsgren (ZOOO), por exemplo, sugere que a relação entre o conhecimento de
mercado e o comportamento incremental é negativa em vez de positiva, como sugerido
pelo modelo de Uppsala. 0 autor postula que à medida que a empresa aprende sobre
determinado mercado internacional, ela reduz o grau de incerteza em relação a esse
mercado. Conseqüentemente, também diminui sua necessidade de desenvolver-se
gradualmente a fim de minimizar a incerteza. A empresa entrará e desenvolver-se-á no
mercado-alvo de maneira mais ousada e menos incremental (Pedersen & Shaver, 2000).
Outros autores acreditam que a cadeia de estabelecimento, que na verdade é urna
manifestação da idéia de gradualismo do modelo de Uppsala, é demasiadamente
determinista (Andersen, 1997), já que a empresa pode seguir diferentes seqüências do
modo de operação em determinado mercado internacional. Hedlund & Kverneland (1993),
por exemplo, mostram que algumas empresas suecas operando no mercado japonês não
passaram pelos estágios iniciais da cadeia de estabelecimento. Elas entraram naquele
mercado de forma mais rápida e menos gradual. Os autores defendem a idéia de que a
seqüência e a velocidade do processo de internacionalização das empresas foram
afetadas pelo fato de o ambiente de negócios pesquisado ser mais incerto, volátil e
interdependente do que o ambiente de negócios implícito no modelo de Uppsala. Como
esse ambiente, qualitativamente diferente, muda de maneira mais rápida, as empresas
tendem a apresentar reações mais imediatas em termos de internacionalização. Elas
aceleram o processo de internacionalização a fim de usufruir dos benefícios de operar em
diferentes países. Em outras palavras, em virtude de o ambiente tornar-se mais
interdependente em nível global, as empresas evoluem de maneira mais rápida em
mercados internacionais a fim obter economia de escala, escopo e aprendizagem por
meio da integração de suas operações (Kobrin, 1992). Outras pesquisas também
retratam empresas internacionalizando operações de maneira bem distinta em relação à
cadeia de estabelecimento. Tem sido observado, por exemplo, que empresas podem
desinvestir em mercados internacionais, 0 que significa seguir urna trajetória inversa à do
modelo de Uppsala (Benito & Welch, 1997; Zander, 1997; Fletcher, 2001). Da mesma
maneira, tem sido sugerido que empresas param de evoluir no mercado-alvo, não
alterando, portanto, o modo de operação (Bell, 1995). Outras evoluem sem seguir,
necessariamente, urna seqüência lógica quanto ao modo de operação (Turnbull &
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Ellwood, 1986). Paralelamente às críticas feitas ao modelo de Uppsala, diversos outros
trabalhos têm sido publicados com o objetivo de estender a capacidade de explicação do
modelo. Particularmente, está-se interessado nos trabalhos que derivam da teoria de
redes industriais. Esses trabalhos sugerem analisar processos de internacionalização
como resultados de relacionamentos intra e interorganizacionais. Em outras palavras,
por meio da teoria de redes industriais pode-se enfocar não só as seqüências do modo
de operação, mas também os fatores que explicam tais seqüências.
RELACIONAMENTOS E INTERNACIONALIZAÇÃO
Como foi discutido no tópico anterior, o modelo de Uppsala sugere que processos de
internacionalização são graduais e têm como atores relevantes a matriz e urna
determinada subsidiária de urna empresa multinacional. A matriz é vista como a unidade
que controla importantes recursos, enquanto a subsidiária é entendida como a unidade
que se desenvolve em um mercado internacional, combinando os seus conhecimentos
sobre esse mercado e a sua capacidade de obter recursos da matriz (Johanson &
Vahlne, 1977).
No entanto, os processos de internacionalização podem também resultar de dois
outros tipos de relacionamento que não são contemplados, originalmente, pelo modelo
de Uppsala: relacionamentos entre subsidiárias e relacionamentos entre as diversas
unidades da multinacional e os atores externos, como fornecedores e compradores,
localizados em diversos países. Quanto ao relacionamento intersubsidiárias, Forsgren
(1989) acredita que os processos de internacionalização podem ser vistos como urna
forma de gerenciar esse tipo de relacionamento. Nesse sentido, urna subsidiária pode
expandir o seu tradicional papel na multinacional a que pertence, afetando assim o
desenvolvimento de outras subsidiárias. De maneira mais precisa, além de servir como
canal de distribuição de produtos e serviços desenvolvidos pela matriz, urna subsidiária
pode assumir papéis estratégicos dentro da multinacional (Bartlett & Ghoshal, 1986).
Além do mais, urna determinada subsidiária pode iniciar o seu próprio processo de
internacionalização (Forsgren, Holm & Johanson, 1992) ou, então, coordenar e gerenciar
outras unidades da multinacional (Birkinshaw, 1996).
Os processos de internacionalização podem também resultar de relacionamentos
interorganizacionais, ou seja, entre as diversas unidades da multinacional e os atores
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externos, como fornecedores e compradores (Johanson & Mattsson, 1988; Forsgren,
1989; Blankenburg, 1995). Por meio desses relacionamentos a empresa tem a
possibilidade de obter mais recursos do que o montante controlado internamente
(Richardson, 1972; Loasby, 1995). Assim, o conceito de comprometimento sugerido
originalmente pelo modelo de Uppsala é estendido para abranger não só os recursos
internos, mas também os recursos e capacidades externas, ou seja, recursos e
capacidades controlados por fornecedores e compradores. Da mesma forma,
conhecimento de mercado não quer dizer, necessariamente, conhecimento interno à
empresa, já que ele pode estar diluído na rede de negócios à qual a empresa pertence
(Hakansson & Snehota, 1995). Colocado de outra forma, apesar de tácito, o
conhecimento de mercado assume aspecto coletivo já que nenhum ator possui
isoladamente os conhecimentos necessários à internacionalização de suas atividades. 0
conhecimento passa a ser compartilhado e, mais importante, desenvolvido em conjunto
com outros atores pertencentes à rede de negócios. Com base na idéia de que
processos de internacionalização resultam de relacionamentos multilaterais, e não de
unilaterais como apregoado inicialmente pelo modelo de Uppsala, sugere-se que três
tipos de relacionamento são fundamentais para explicar como urna empresa inter-
nacionaliza suas operações em determinado mercado (veja figura 2): com a matriz; com
as outras subsidiárias; e com atores externos.
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Entender processos de internacionalização de urna subsidiária como resultado de
relacionamentos com a matriz, as outras subsidiárias e os atores externos significa
concordar com o pressuposto sugerido pela teoria de redes industriais de que mudanças
sempre ocorrem em nível de relacionamentos. Em outras palavras, mudanças são
iniciadas, transmitidas ou transformadas através de relacionamentos, diretos e indiretos,
entre diversos atores (Easton & Araujo, 1997; Hertz, 1998; Halinen, Salmi & Havila,
1999). Portanto, a idéia de forças ambientais afetando homogeneamente a trajetória da
empresa é substituída pela visão de que os atores estão inseridos em diversas redes
de relacionamento (Easton & Araujo, 1994; Ford et al., 1998). A percepção dos atores e
a maneira como eles lidam com as mudanças são fatores fundamentais para a análise
de tais mudanças, seja em nível do relacionamento entre dois ou três atores, seja em
relação à rede de negócios como um todo (Li, 1995; Havila & Salmi, 2000). Easton &
Lundgren (1992), por exemplo, discutem diferentes mecanismos pelos quais as
mudanças fluem por intermédio dos distintos atores inseridos em redes de negócios. De
acordo com os autores, os atores são nodos que conectam os fluxos de mudanças. Por
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meio desses nodos as mudanças são absorvidas, transmitidas ou até mesmo
transformadas.
A idéia proposta pela teoria de redes industriais, de que as mudanças ocorrem em
nível de relacionamentos, tem implicação fundamental para este artigo. O
desenvolvimento de relacionamentos, que normalmente ocorre de maneira gradual e
paulatina entre diversos atores organizacionais (Hakansson & Snehota, 1995), determina
como uma empresa entra e evolui em um mercado internacional (Chang & Rosenzweig,
1998b). De acordo com a figura 2, isso significa que processos de internacionalização
podem ser explicados por relacionamentos desenvolvidos por determinada subsidiária
com a matriz, os atores externos e as outras subsidiárias. Esses relacionamentos são
usualmente construídos de maneira incremental, à medida que os atores ajustam
expectativas, mudam atitudes e ampliam suas bases de conhecimento com o decorrer
do tempo.
Com o objetivo de examinar esse processo empiricamente e, assim, analisar as
questões de gradualismo e descontinuidade em processos de internacionalização,
apresenta-se no próximo tópico o caso de urna divisão operacional de urna multinacional
inglesa que entrou e se desenvolveu no mercado brasileiro. Esse caso faz parte de
ampla pesquisa desenvolvida em 13 empresas inglesas que operam no Brasil. 0 objetivo
geral da pesquisa foi o de entender o processo de internacionalização de empresas
multinacionais no mercado brasileiro. Para tanto, foram realizadas entrevistas com
empregados situados em diversos níveis hierárquicos das empresas. O caso aqui
relatado resulta de entrevistas feitas com os diretores das subsidiárias espanhola,
italiana e brasileira. As entrevistas ocorreram na Espanha e no Brasil, respectivamente
em julho e outubro de 1999.
O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA SCD NO BRASIL
A SCD é urna das divisões operacionais de urna multinacional britânica que opera
com quatro unidades de negócios: metais preciosos; químicos e catalisadores; tintas e
revestimentos; e materiais eletrônicos. Em 1999, a empresa empregava cerca de 12 mil
pessoas em 38 países, tendo faturamento de aproximadamente US$ 6 bilhões. A
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unidade de negócios de tintas e revestimentos é considerada urna das maiores
fornecedoras mundiais de vidros decorativos, incluindo ladrilhos, cerâmicas e azulejos.
Essa unidade de negócios é dividida em quatro divisões operacionais (veja figura 3):
▪ vidros - opera a partir de Maastrich, Holanda, e fabrica produtos decorativos para o
mercado de vidro;
▪ pigmentos - produz variedade de pigmentos orgânicos e inorgânicos utilizados em
pinturas automotivas, tintas, plásticos, entre outros aplicativos;
▪ cerâmica - produz tintas e revestimentos para o mercado de azulejo. Também inclui a
produção de zircon(1) . Opera a partir da Itália e da Espanha. Essa é a divisão operacional
enfocada neste artigo;
▪ tableware - produz tintas e produtos decorativos para o mercado de tableware.
Urna observação é particularmente importante para a análise da trajetória de SCD
no Brasil. Ela iniciou suas operações no mercado brasileiro quando ainda era urna das
divisões operacionais de determinada unidade de negócios de urna multinacional
britânica. Posteriormente, essa unidade de negócios formou urna joint venture com outra
multinacional. Conseqüentemente, as operações de SCD foram transferidas para a joint
venture. Três anos mais tarde, a multinacional britânica comprou as ações da joint
venture e tornou-se, novamente, a sua única acionista.
Tendo em vista essa observação, pode-se descrever a trajetória de SCD quanto
ao modo de operação a partir de dois eventos (veja figura 4):
▪ a empresa entrou no Brasil por meio de exportações;
▪ a empresa adquiriu duas fábricas no mercado brasileiro
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A SCD, por meio de urna subsidiária, doravante denominada de SCD-subsidiária,
começou a operar no mercado brasileiro pela exportação. Isso ocorreu em meados da
década de 1950, mas as vendas eram mínimas. Exportar para o mercado brasileiro não
era considerado urna tarefa fácil em virtude das tarifas de exportação e da paridade
cambial. Em relação as tarifas de exportação, a SCD-subsidiária considerava-las
extremamente elevadas, o que gerava problemas de suprir o mercado brasileiro com
produtos considerados competitivos em preço. Sobre a paridade cambial, a SCD-
subsidiárla achava que as constantes oscilações do tíbio brasileiro não permitiam que a
empresa mantivesse volume regular de exportações. Além disso, como a maioria dos
seus concorrentes mundiais já estava instalada no Brasil, era muito mais fácil e
conveniente para as empresas brasileiras adquirir matéria-prima dessas empresas.
A SCD-subsidiária nunca teve um escritório de exportação no Brasil. Operava no
mercado brasileiro por intermédio de equipe composta por duas pessoas que viajavam
para o Brasil com o objetivo de captar novos clientes e manter relacionamentos com os
clientes existentes(2). Essas visitas duravam entre urna semana e três meses,
dependendo do volume de negócios.
Infelizmente, não foi possível descobrir qual lado teve a iniciativa de estabelecer o
contato inicial de exportação, isto é, se a SCD-subsidiária ou os compradores brasileiros.
Apesar disso, a entrada no mercado brasileiro por meio de exportação pode ser vista
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como urna tentativa de estabelecer relacionamentos entre a SCD-subsidiária e os
compradores brasileiros. Portanto, os relacionamentos importantes quando da entrada
no mercado brasileiro são dela com outras subsidiárias e com atores externos (veja
figura 5).
A exportação, o único modo de operação de SCD no Brasil entre meados das
décadas de 1950 e 1990, foi subitamente substituída por investimento direto quando a
joint venture a que SCD pertencia adquiriu duas fábricas no Brasil. Considerada urna das
maiores produtoras mundiais de zírcon, a joint venture pretendia expandir suas
operações adquirindo fábricas de zircon em países nos quais pudesse fortalecer sua
posição de mercado. Em 1995, urna oportunidade surgiu no sul da Europa,
especificamente na Franca, na Espanha e na Itália. Naquela época, urna empresa
holding suíça decidiu vender suas fabricas de zircon localizadas nesses três países, as
quais passaram a interessar à joint venture. Coincidentemente, a empresa suíça que na
verdade era propriedade de dois italianos que pretendiam sair desse negócio, operava
duas fábricas no Brasil e ofereceu à joint venture essa opção de adquirir essas duas
plantas. Urna das plantas era dedicada a produção de zircon, enquanto a outra produzia,
essencIalmente, azulejo.
Como a joint venture operava de maneira tímida no Brasil, optou por adquirir as
duas fábrIcas. O Brasil era considerado, à época, o terceiro produtor mundial de azulejo.
Sendo o zircon urna das matérias-primas para a produção de azulejo, o mercado
brasileiro foi considerado suficientemente atrativo. Além disso, o negócio brasileiro
poderia ser utilizado como plataforma para a SCD operar em outros países da América
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do Sul (3).
As negociações foram feitas entre a matriz da joint venture e os empresários
italianos. Contudo, quando os italianos ofereceram à joint venture a opção sobre as
operações brasileiras, a joint venture nomeou o diretor geral das subsidiárias espanhola e
italiana, responsáveis pelo negócio de azulejo, para liderar o processo. Esse diretor foi
encarregado de avaliar e, posteriormente, dar o parecer sobre a compra das unidades
brasileiras. Naquela época, como os negócios de zircon e azulejo pertenciam a duas
divisões operacionais distintas da joint venture, foi formada urna equipe de trabalho para
avaliar essas plantas. Pessoas do negócio de zircon, sediado na matriz, e pessoas das
subsidiárias espanhola e italiana vieram ao Brasil para conhecer as instalações das
fábricas. Além disso, a joint venture contratou a KPMG, urna empresa de auditoria, e um
consultor alemão, que tinha trabalhado no Brasil durante muito tempo, para a ajudar no
processo de avaliação empresarial. A decisão foi anunciada em abril de 1995 e as duas
fábricas adquiridas por US$ 16 milhões. A participação desses diversos atores na
transição de exportação para investimento direto via aquisição é ilustrada na figura 6.
Um ano após a aquisição das plantas brasileiras, a SCD tornou-se novamente a
única acionista da joint venture. Os negócios de cerâmica e zircon deram origem a urna
única divisão operacional, chamada cerâmica, cuja responsabilidade gerencial cabe ao
diretor geral das subsidiárias espanhola e italiana. Mais recentemente, outras divisões
operacionais da multinacional britânica têm utilizado a subsidiária brasileira como base
para introduzir seus produtos de maneira mais efetiva no mercado brasileiro.
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DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
No tópico anterior, procurou-se descrever de maneira sucinta a trajetória de SCD
no mercado brasileiro, tomando como referencia o modo de operação, ou seja, a forma
institucional pela qual empresas operam em mercados internacionais. Dois pontos
parecem particularmente importantes para explicar a questão do gradualismo e da
descontinuidade em processos de internacionalização. O primeiro deles refere-se à
participação de diversos atores na trajetória de SCD no Brasil, enquanto o segundo
ponto enfoca a transição entre os modos de operação. Em relação ao primeiro ponto,
observa-se que diferentes tipos de relacionamento foram ativados em fases distintas da
trajetória de SCD no mercado brasileiro. Inicialmente, tem-se que o relacionamento entre
as subsidiárias espanhola e italiana e as empresas brasileiras foi a base para o começo
e a conseqüente evolução, mesmo que irregular, das atividades de exportação da
empresa no Brasil. Em seguida, diversos atores internos, juntamente com atores
externos, participaram da transição de exportação para investimento direto via aquisição:
a matriz e a divisão operacional de azulejo, que era baseada simultaneamente nas
subsidiárias italiana e espanhola. Um time composto por diversas pessoas oriundas
dessas duas unidades foi formado sob a coordenação do diretor geral das subsidiárias
italiana e espanhola.
Especificamente em relação aos atores internos, O envolvimento de diferentes
unidades da multinacional no processo de transição dos modos de operação é explicado
pela dispersão de conhecimentos e recursos dentro da empresa multinacional. De
maneira mais específica, as subsidiárias italiana e espanhola detinham papéis
estratégicos no grupo SCD. Tal como outras subsidiárias do.grupo, elas eram
responsáveis por desovar os produtos e serviços concebidos pela matriz no mercado em
que operavam. Diferentemente de suas subsidiárias irmãs, as subsidiárias italiana e
espanhola acumularam conhecimentos específicos sobre um tipo de produto e serviço
da multinacional. A capacidade de produzir e acumular know-how sobre esse produto -
serviço aumentou, consideravelmente, o poder dessas duas unidades dentro do grupo
multinacional: elas passaram a ser vistas pela matriz como unidades imprescindíveis na
realização de negócios nos mercados em que o grupo atuava ou pretendia atuar. Assim,
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no caso específico do Brasil, as subsidiárias italiana e espanhola foram convidadas a
participar do processo de aquisição das plantas em virtude desse papel estratégico. Em
outras palavras, a fim de realizar um investimento substancial no Brasil, a matriz
necessitou envolver duas subsidiárias no processo de transição do modo de operação
porque o conhecimento daquele negócio residia nelas.
Nesse sentido, a trajetória de SCD no Brasil é explicada pela teoria de redes
industriais, a qual enfatiza os relacionamentos desenvolvidos por determinada empresa.
Ao privilegiar relacionamentos como unidade de análise, essa teoria postula que
mudanças devem ser analisadas e entendidas em nível de relacionamentos. A idéia de
que o ambiente de negócios no qual as empresas operam não possui identidade e
apresenta influência homogênea sobre essas empresas é rejeitada em virtude da noção
de que o ambiente possui identidade, já que é composto por diversos atores
transacionando entre si a fim de alcançar os seus objetivos. Em outras palavras, o
ambiente não é algo dado, abstrato e reificado. É algo percebido, construído e criado
por meio de relacionamentos entre diferentes atores (Weick, 1979).
A teoria de redes industriais vê o processo de internacionalização como resultante
de relacionamentos intra e interorganizacionais. Relacionamentos intra-organizacionais
significam relacionamentos desenvolvidos entre as diversas unidades da empresa
multinacional, enquanto relacionamentos interorganizacionais se referem as relações
estabelecidas entre essas unidades e os atores externos, como fornecedores e
compradores.
Ao adotar a teoria de redes industriais como ontologia deste artigo, descreve-se a
trajetória de SCD no mercado brasileiro a partir de relacionamentos intra e
interorganizacionais, os quais foram ativados em diferentes fases da internacionalização
da empresa e em diferentes contextos geográficos. Além do mais, esses relacionamentos
não foram desenvolvidos repentinamente. Pelo contrário, eles resultaram de um processo
de tentativa e erro (Axelsson & Johanson, 1992), através do qual os diversos atores
ajustaram expectativas e atitudes, e envolveram-se em negociações morosas (Kinch,
1992; Blankenburg, 1995).
Em relação ao segundo ponto, a transição de exportação para investimento direto
por meio de aquisição, um dos entrevistados fez o seguinte comentário: “Foi um acidente.
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Uma agradável coincidência”. Isso significa, conforme enfatizado no tópico anterior, que a
joint venture decidiu aproveitar urna oportunidade que surgiu inicialmente na Europa e,
por acaso, envolveu o mercado brasileiro. Portanto, o fato de SCD ter operado no Brasil
pela exportação por mais de 40 anos não teve papel importante na transição do modo de
operação. A joint venture adquiriu as plantas brasileiras como se ela nunca tivesse
operado no Brasil. Esse resultado é consistente com a pesquisa conduzida por
Nieminen & Tornroos (1997). Os autores concluíram que atividades de exportação não
constituem, necessariamente, urna experiência importante de aprendizagem em
determinado mercado internacional.
De fato, as atividades de exportação representam um evento de pouca relevância
na trajetória de SCD no Brasil, pois não tiveram impacto algum no modo de operação
subseqüente. Mais importante, como a SCD alterou seu modo de operação de um que
envolve montante baixo de recursos para outro que requer alto volume de recursos,
pode-se afirmar que houve ruptura na seqüência do modo de operação no Brasil. A
transição de exportação para investimento direto representa, portanto, a descontinuidade
do processo de internacionalização de SCD no Brasil. Em outras palavras, a evolução do
modo de operação não seguiu um padrão incremental e gradual. Nesse sentido, o
padrão de internacionalização de SCD no mercado brasileiro difere da cadeia de
estabelecimento sugerida pelo modelo de Uppsala, que propõe processos suaves e
paulatinos de internacionalização. 0 percurso de SCD no Brasil é claramente marcado por
um evento descontínuo.
Em suma, pode-se afirmar que a trajetória de SCD no mercado brasileiro envolveu
três tipos de relacionamento (matriz, atores externos e outras subsidiárias) que foram
construídos de maneira incremental à medida que os atores se engajaram em mútuo
processo de aprendizagem gradual. Contudo, embora os relacionamentos tenham sido
construídos de maneira incremental, a seqüência do modo de operação de SCD no
mercado brasileiro pode ser caracterizada como descontínua. Assim, o caso SCD ilustra
empiricamente o aparente paradoxo mencionado anteriormente: gradualismo e
descontinuidade como características simultâneas de processos de internacionalização.
No caso, gradualismo refere-se aos relacionamentos desenvolvidos no decorrer da
trajetória de urna empresa em determinado mercado internacional, enquanto
18
descontinuidade diz respeito à seqüência do modo de operação utilizado pela empresa
para operar nesse mercado.
Esse aparente paradoxo, gradualismo em relacionamentos ocasionando
descontinuidades na seqüência do modo de operação, pode ser explicado pelo fato de a
empresa multinacional não ser urna entidade homogênea, já que é composta por
diversos atores (matriz e subsidiárias, por exemplo) inseridos em diferentes redes de
negócios. Essas redes de negócios não são excludentes, mas sim super- postas (Holm,
Johanson & Thilenius, 1995). A relação entre elas é de interdependência.
Essas redes de negócios interligam operações espalhadas em diversos países.
Isso significa dizer que mudanças sofridas por determinada subsidiária podem ter origem
em contextos geográficos distantes do país em que ela opera e, posteriormente, ser
transmitidas e / ou transformadas pelos diversos nodos existentes nas redes até atingir a
subsidiária em foco. Por exemplo, como determinada subsidiária está conectada
indiretamente com os fornecedores de outras subsidiárias localizadas em diferentes
países, ela torna-se potencialmente suscetível às mudanças iniciadas por esses
fornecedores e transmitidas e / ou transformadas por outras subsidiárias.
Neste artigo, propõe-se que determinada subsidiária representa um nodo entre a
matriz, os atores externos e as outras subsidiárias e, nesse sentido, sofre influências de
mudanças diretamente iniciadas por esses atores. Como a subsidiária é também
indiretamente ligada às redes de negócios a que esses três atores pertencem, ela sofre
influencias de mudanças que são transmitidas por eles. Algumas vezes essas mudanças
reforçam a seqüência original do modo de operação, outras vezes ocasionam ruptura na
seqüência, envolvendo assim eventos descontínuos.
No primeiro caso podem ocorrer seqüências similares à cadeia de estabelecimento
do modelo de Uppsala, ou seja, seqüências do modo de operação em que o gradualismo
de relacionamento coincide com o gradualismo de processos de internacionalização. A
empresa evoluirá, então, de maneira incremental em um mercado internacional. No
segundo caso, observam-se situações em que o gradualismo de relacionamento provoca
descontinuidade na seqüência do modo de operação. Esse é o caso específico de SCD,
isto é, a seqüência do seu modo de operação no mercado brasileiro é caracterizada por
um evento descontínuo em virtude de mudança ocorrida em urna rede de negócios com
19
a qual as operações brasileiras estavam interligadas. Essa mudança teve início no
mercado europeu e foi sendo canalizada pelos diversos nodos, ou atores, até atingir as
atividades brasileiras, ocasionando a transição de exportação para investimento direto no
Brasil.
Assim, o caso de SCD ilustra que gradualismo e descontinuidade não são
conceitos opostos em processos de internacionalização, urna vez que se referem a
objetos distintos. Enquanto gradualismo diz respeito aos relacionamentos estabelecidos
por determinada subsidiária durante o processo de evolução em um mercado
internacional, descontinuidade refere-se à seqüência do modo de operação,
CONCLUSÕES
No presente artigo, teve-se como objetivo discutir as questões de gradualismo e
descontinuidade em processos de internacionalização por meio da análise da trajetória
de urna divisão operacional de urna multinacional inglesa no Brasil. 0 estudo aqui
relatado pode ser considerado um caso simples de internacionalização, pois, apesar de
operar no Brasil há mais de 40 anos, a SCD alterou seu modo de operação urna única
vez: de exportação para investimento direto. No entanto, o caso é interessante, já que
retrata urna situação distinta em relação ao modelo de Uppsala. Enquanto o modelo
enfoca situações em que os relacionamentos entre a matriz e a subsidiária em foco dão
origem a seqüências incrementais do modo de operação, o caso SCD chama a atenção
para dois pontos complementares.
0 primeiro refere-se ao fato de os relacionamentos intra-organizacionais não
dizerem respeito exclusivamente à matriz e à subsidiária. Outras subsidiárias
pertencentes ao grupo multinacional podem interferir na trajetória da subsidiária em foco.
Da mesma maneira, os relacionamentos interorganizacionais, entre as unidades da
multinacional e os atores externos, são importantes para explicar os processos de
internacionalização. Com base na teoria de redes industriais, propõe-se que a
internacionalização de empresas é um fenômeno intra e interorganizacional, no qual
diversos atores desenvolvem relacionamentos, diretos e indiretos, em contextos
históricos e geográficos distintos. No caso aqui relatado, considera-se os
relacionamentos entre determinada subsidiária e a matriz, os atores externos e as outras
subsidiárias, os quais foram articulados de diferentes maneiras no decorrer da trajetória
20
dessa subsidiária em foco.
0 segundo ponto diz respeito à seqüência do modo de operação. Pelo fato de
considerar-se não só os relacionamentos entre a matriz e a subsidiária em foco, tal como
o modelo de Uppsala sugere, mas também os relacionamentos multilaterais inseridos em
diversos contextos temporais e geográficos, observa-se que determinada subsidiária se
torna suscetível a mudanças iniciadas por atores espalhados em diversas redes de
negócios com as quais está interligada. Essas mudanças podem gerar seqüências do
modo de operação em determinado mercado internacional que seguem o padrão
proposto pelos pesquisadores suecos, ou seja, processos de internacionalização
graduais e contínuos. No entanto, essas mudanças podem também representar ruptura
na seqüência do modo de operação, caso em que a subsidiária passa a evoluir de
maneira errática, na qual as descontinuidades são a regra, não a exceção,
NOTAS
(1) Zircon é um pigmento branco utilizado principalmente na indústria de azulejo e
material sanitário.
(2) Como SCD fornece produtos e serviços que en- volvem transferência de
tecnologia, relaciona mentos entre fornecedores e compradores são estava considerando
investir mais recursos no considerados essenciais. De maneira geral, SCD fornece
desenhos para azulejos e cerâmicas. Urna vez que o cliente concorda com o desenho,
SCD produz as tintas e os revestimentos necessários. Ela também ajuda seus clientes
em relação ao processo produtivo, o que significa ajustar os processos de fabricação
para adequar as tintas e os revestimentos produzidos especificamente para o cliente.
(3) É importante enfatizar que a joint venture não estava considerando investir mais
recursos no mercado brasileiro, apesar do tamanho e do crescimento dele. Qualquer
interesse potencial estava relacionado com a produção de zircon, já que o mercado de
azulejo era visto como alta mente competitivo. Além disso, o negócio de zircon era
considerado muito mais rentável.
RESUMO
21
No presente artigo discute-se as questões de gradualismo e descontinuidade em
processos de internacionalização.Tradicionalmente, a internacionalização de empresa
tem sido vista como um processo contínuo, no qual a empresa investe recursos de
maneira incremental em um mercado internacional. Propõe-se, entretanto, que os
processos de internacionalização são simultaneamente graduais e descontínuos. Para
entender esse aparente paradoxo, analisa-se a trajetória de urna empresa inglesa no
mercado brasileiro, enfatizando-se os relacionamentos desenvolvidos no decorrer do seu
processo de internacionalização e o modo de operação utilizado para operar nesse
mercado.
Palavras-chave: internacionalização de empresa, trajetória em mercados internacionais,
estratégias de entrada em mercados internacionais.
ABSTRACT
This article discusses gradualism and discontinuity in internationalisation processes.
Traditionally, the internationalisation process of the firm has been conceptualised as
being a continuous process through which the firm incrementally invests resources in a
particular international market. A different view is suggested here, where the
internationalisation of the firm is simultaneously characterised by gradualism and
discontinuity. In order to understand this apparent paradox, one analyses the trajectory of
an English firm in Brazil by emphasising the relationships the firm has developed whilst
evolving in the Brazilian market as well as the operational mode through which it has
serviced this market.
Uniterms: internationalisation, international trajectories, foreign market entry strategies.
RESUMEN
En el presente artículo se discuten las cuestiones de gradualismo y discontinuidad en
procesos de internacionalización. Tradicionalmente, la internacionalización de empresa
viene viéndose como un proceso : continuado, en el cual la empresa invierte recursos de
manera incremental en un mercado internacional. Se propone, sin embargo, que los
procesos de internacionalización son simultáneamente graduales y discontinuados. Para
22
entender esa aparente paradoja, se analiza la trayectoria de una empresa inglesa en el
mercado brasileño, enfatizándose las relaciones desarrolladas en el transcurso de su
proceso de internacionalización y el modo de operación utilizado para operar en ese
mercado.
Palabras clave: internacionalización de empresa, trayectoria en mercados
internacionales, estrategias de entrada en mercados internacionales.
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