Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

download Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

of 14

Transcript of Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    1/14

    159

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 159-170 OUT. 2011

    RESUMO

    LUTA SOCIAL POR RECONHECIMENTO:DILEMAS E IMPASSES NA ARTICULAO PBLICA

    DO DESRESPEITO

    Rev. Sociol. Polt., Curitiba, v. 19, n. 40, p. 159-170, out. 2011Recebido em 7 de julho de 2009.Aprovado em 18 de agosto de 2009.

    Tereza Ventura

    O artigo faz uma reconstruo da teoria de Honneth sobre o reconhecimento da imputabilidade moral e social e sua complexa articulao com a formao da identidade e de seus estados de luta. Mostra-se ainter-relao entre a comunidade de valores e as condies morais das relaes jurdicas. Ou seja, osideais de justia e os critrios pelos quais os grupos sociais avaliam moralmente o seu meio social estomais presentes no sentimento de desrespeito do que em uma formulao racional e crtica aos princpios devalor vigente. O desafio que se coloca se essas zonas de conflito normativo so capazes de atingir avisibilidade e o potencial de articular e coordenar uma luta social que integre os meios semnticos,

    simbl icos, materiais e imater iais para alm das redes emotivas e morais por em que circulamcotidianamente, sem que se deixem cooptar politicamente ou se traduzir publicamente por uma semnticainadequada a suas pretenses de reconhecimento.

    PALAVRAS-CHAVE:imputabilidade moral e social ; formao da identidade ; relaes jurdicas ; Axel Honneth .

    I. INTRODUO

    Este trabalho pretende apresentar uma

    reconstruo da teoria de Honneth que ressaltamais particularmente o desenvolvimento internode sua teoria do que sua interlocuo com ocrescente debate acadmico em torno da TeoriaCrtica. O texto explicita a nfase em uma TeoriaCrtica que situa a normatividade da ordem socialna prpria experincia daqueles que sofrem, o quea conduz a sustentar objetivos que nonecessariamente estejam publicamente articulados pelos movimentos sociais.II .RECONHECIMENTO: REPUTAO SOCIAL

    E MORAL

    Axel Honneth resgata a categoria dereconhecimento da filosofia de Hegel, assumindoque esta j antecipava a idia de que aautoconscincia depende da experincia inter-subjetiva do reconhecimento social e, portantoHegel inseria o reconhecimento como parte centralde sua concepo de tica. Segundo Honneth, ainteno de Hegel em seus escritos de juventude,era explicitar que as inclinaes intersubjetivas possuem e expressam um componente tico e um

    componente de aprendizado moral, e a inter-relao entre os dois processos que subjaz oconceito de luta por reconhecimento.Contrapondo-se ao modelo de luta socialdefendido por Maquiavel e Hobbes, Hegel trazia aespecificidade da luta, como elemento moralintrnseco s relaes sociais. As lutas sociais buscam garantir no apenas a autopreservaofsica, mas o reconhecimento recproco. O jovemHegel assumia que as reivindicaes individuais por reconhecimento intersubjetivo da identidadeconstituem-se na vida social desde a sua origemcomo uma tenso moral e como fora estruturantedo desenvolvimento moral da sociedade. Mas a partir da contribuio da psicologia social deGeorge Herbert Mead, que Honneth assume a possibilidade de dar a idia hegeliana uma inflexoemprica (HONNETH, 2003b, p. 24), pela qualse torna possvel, no plano de uma teoria daintersubjetividade, a construo de uma anlisesociolgica da interao entre reconhecimento eautoestima, igualdade e individualidade, direito esolidariedade que permite integrar processosdiferenciados de reconhecimento, assegurar condies particulares de auto-realizao elegitimar a progressiva individuao.

    ARTIGOS

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    2/14

    160

    LUTA SOCIAL POR RECONHECIMENTO

    Na teoria social de Honneth a ampliao dasrelaes intersubjetivas de reconhecimento estintegrada ao processo de individuao que resultade lutas sociais por meio das quais vem arealizarem-se transformaes sociais de ordemnormativa. Os indivduos trazem para a sociedadeexpectativas normativas e reivindicaes decarter moral com que buscam garantir meios deexpresso da identidade e da auto-realizao. Asubjetividade moral do ser humano e do agentesocial constitui-se dentro de relaesintersubjetivas de luta por reconhecimento por meio do cuidado afetivo, do respeito e da estimasocial. Tais relaes exteriorizam conflitos por meio de experincias e situaes vividas comoinjustas. Essas experincias encontram-selocalizadas em contextos histricos que revelamo estgio de desenvolvimento normativo dasrelaes de reconhecimento recproco.

    na passagem para a modernidade que Honnethlocaliza a abertura de uma pluralizao do horizontede valores que conduzem a individualizao narepresentao do que contribui para a realizaodas finalidades ticas da sociedade.

    No curso das transformaes estruturais nosistema de valores hierarquicamente estabelecidos pela tradio alteravam-se tambm as condiesde validade das finalidades ticas da sociedade(HONNETH, 2003a, p. 3). Honneth, seguindoHegel em sua crtica ao modelo hobbesiano deluta genrica de todos contra todos, vai afirmar por meio do conceito de eticidade a existncia prvia de uma vida intersubjetiva que envolve todoo processo humano de socializao e formaoda identidade: as obrigaes ticas passam a ser vistas como resultados de processos decisriosintra mundanos, a compreenso cotidiana docarter da ordem social se altera tanto quanto acondio de validade do direito (ibidem ).

    O ingresso na modernidade reflete o processode desenvolvimento moral da sociedade e dosindivduos, que passam a ter reconhecida suaimputabilidade moral. O reconhecimento jurdicodesencadeia o processo de ampliao dos direitosindividuais e a possibilidade concreta de acolhimento,seja do ponto de vista do contedo material, seja doalcance social do status da pessoa de direito.

    O reconhecimento jurdico atribui existncia pblica e instrumentaliza o acesso visibilidade,conferindo aos seus agentes e subjetividade ummeio de expresso simblica, cuja efetividade

    emprica torna o agente dotado de auto-respeitoe detentor de uma propriedade que o capacita a participar da ordem pblica. No entanto, Honnethadverte: a funo que a adjudicao de direitossofre aps seu desligamento das atribuies de

    sta tus , deve estar talhada no somente para proteger a posse do direito, mas sobretudo oexerccio da capacidade universalmentereconhecida de decidir racionalmente comautonomia individual sobre questes morais(idem, p. 197).

    Nesse sentido, a luta social por reconheci-mento tem como eixo central a definio docontedo dos atributos morais e de que propriedades os agentes devem possuir para participar. Do mesmo modo, com a modernidade,

    a estima, anteriormente atribuda aos indivduossegundo pertencimento ao estamento, passa a ser compreendida como uma relao jurdicauniversal pela qual reconhecida a dignidade e areputao social de todos em igualdade.

    A categoria de reputao social passa a orientar a medida de estima que o indivduo gozasocialmente de acordo com as suas capacidadesindividuais. A proteo jurdica da reputao socialtorna-se um direito fundamental de todos oshomens. Contudo, a idia de reputao socialsofre tambm de uma impreciso conceitual, poistudo na nova ordem individualizada do reconhe-cimento depende de como se determina o horizonteuniversal de valores que deve ao mesmo tempoestar aberto as formas distintas de auto-realizao, mas que tambm deve obedecer a umsistema predominante de estima (idem , p. 206)

    Nesse sentido, a estima social diferentementeda ordem do reconhecimento jurdico, constitui-se no processo de interpretao de valores quevalida critrios que escapam a um sistemauniversalmente vlido. A organizao moderna daestima social constitui-se pela disputa de umreferencial valorativo passvel de mensurar acontribuio social de determinadas propriedadese capacidades. O contedo das interpretaesdepende de qual grupo social consegue interpretar de maneira pblica as prprias realizaes eformas de vida, interpretaes que se configuramcomo um campo permanente de luta social econflito cultural. No existe uma aplicaofuncional da igualdade por mrito.

    Os grupos sociais e os meios de forasimblica disponveis definem as relaes de

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    3/14

    161

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 159-170 OUT. 2011

    estima social que justificam tanto a reputaosocial quanto os padres de distribuio de rendaque conferem a essa luta um carter econmico.Da a tenso permanente entre o princpio daigualdade e as desigualdades factuais que induzem luta social. Entre o direito universal igualdadee os diferentes valores que so atribudos aosdesempenhos diferenciados que compem adiviso social do trabalho depreciao dosrespectivos estilos de vida. Os indivduosdependem de um extenso horizonte de valores que pree nche m a es tima soci al pa ra se au to -reconhecerem em suas capacidades e atributos particulares. As transformaes graduais dasesferas de reconhecimento legal e da estima socialresultam de lutas dos mais diversos grupos que buscam tornar possveis suas aspiraes sociais,afetivas e psicolgicas.

    A institucionalizao do casamento e da infncia,como digna de proteo social, so exemplos dessatransformao gradual e do desenvolvimentohistrico por meio do qual os principios de amor,igualdade e estima articulam as dimenses moraisdas reivindicaes de identidade.

    A despeito da permanncia de formas dereconhecimento vinculadas tradio, a lei atribuiao indivduo o direito ao respeito sua autonomiaindividual. Ao mesmo tempo, a expanso dohorizonte de experincias coletivas e individuaisconduzem ao auto-aprendizado sobre as prpriashabilidades e talentos, que configura uma auto-relao prtica consigo prprio que pode ter ouno validade para a sociedade. Por meio das lutasintersubjetivas os sujeitos buscam ganhar aceitaode suas reivindicaes identitrias e assim,consolidar um horizonte de interpretao de valores para as suas prticas. Os processos de luta soinseparveis de um conjunto de direitos que lheassegurem a expanso crescente da sua autonomia.As lutas por reconhecimento constituem-se emseus contextos histricos e culturais particulares,mas postulam um reconhecimento social enormativo de suas respectivas orientaes de valor e modos de vida, ou seja, a gramtica dessas lutastem um carter moral. As lutas pelo reconhecimentoe a defesa da identidade e da autonomia podemassumir a forma de luta pela igualdade de acessoao direito de justia e ao uso eqitativo dos recursos pblicos e maior participao na formao pblicada vontade coletiva. Podem igualmente assumir aforma de uma luta pelo reconhecimento do self,da autonomia e da liberdade individual ancorada na

    identidade. So os contextos particulares da vidacotidiana, intersubjetivamente construdos, queasseguram e encorajam os indivduos ao auto-contato com suas prprias necessidades ehabilidades pessoais, pelo qual exteriorizamconflitos e articulam e expressam suas necessidadesna vida cotidiana e no espao pblico. Osindivduos aprendem progressiva-mente areconhecerem em si prprios competncias edireitos de acordo com o curso do desenvolvimentosocial e intersubjetivo dentro do qual elementosespecficos da sua personalidade emergem econquistam aprovao e reconhecimento social.Um exemplo fundamental desse argumento so aslutas histricas que buscam igualdade e garantiaslegais no interior das relaes humanas, sejam elasentre casais do mesmo sexo ou heterossexuais,relaes familiares, relaes de gnero, sejamrelaes que integram a atribuio de valor s prticas de cooperao e contribuio a divisosocial do trabalho. Igualmente exemplar so asmanifestaes de violncia social que os indivduose grupos lanam mo para obterem visibilidadediante da sociedade, por no terem acesso aosatributos que lhe garantem a proteo jurdica dorespeito social. Na medida em que os sujeitosaprendem a se familiarizar com as mltiplas possibilidades de assumir identidades, maisconscientes se tornam de suas reais necessidadese aspiraes (HONNETH, p. 1995b, p. 229).

    A tenso entre as possibilidades de individua-lizao e incluso garantidas institucionalmente eaquelas expectativas morais e identitrias deincluso e individuao presentes nas diferentesesferas de reconhecimento constitui para Honnethuma dialtica moral entre o geral e o particular.As reivindicaes so feitas de uma perspectiva particular (need ; life-situation ; contribution ) queainda no encontra considerao apropriada no principio geral do reconhecimento. O horizontenormativo buscado nas experincias sociais oda auto-realizao. A grande transformao naordem de status instaurada no regime burguscapitalista conferiu ao indivduo o direito de saber-se respeitado como pessoa legal do ponto de vistanormativo. O reconhecimento legal justifica noapenas o objetivo de ter assegurada a autonomiaindividual constituda por relaes intersubjetivasde reconhecimento social, mas garante um padrocontra o qual os indivduos possam conduzir novasreivindicaes por justia que atendam as maisvariadas demandas vinculadas as respectivasesferas de reconhecimento.

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    4/14

    162

    LUTA SOCIAL POR RECONHECIMENTO

    A estima que o indivduo adquire legitimamentena sociedade no est associada origem socialmas sua participao como membro do Estadoe da sociedade e sua contribuio cooperativa pautada no mrito individual inscrito na ordem devalores que estrutura a diviso do trabalho. Nessesentido, a atividade econmica do indivduoinscreve um valor especfico para a sociedade;tal valor preenche uma referncia normativa namedida em que inclui critrios e princpios paraos recursos distributivos na sociedade capitalista.III. A FORMAO DA IDENTIDADE E A

    CRITICA DA JUSTIA DISTRIBUTIVA

    As diferenciaes das esferas de reconhe-cimento instauradas na ordem burguesa traduzemum novo tipo de auto-relao individual em queos indivduos experimentam e aprendem a auto-relacionar-se em trs nveis e atitudes diferentesrespectivamente no nvel do amor e das relaesde afeto, do direito e da estima, por meio dasquais testam novas formas de comportamentoreciprocamente orientado, ampliando o horizontedas suas experincias. Todas essas esferas dereconhecimento apresentam as perspectivasnormativas com que os sujeitos questionam e busc am adequ- la s s suas asp iraes,necessidades e projetos de vida individual.

    O preenchimento das necessidades afetivas efsicas por meio do cuidado familiar permite aoindivduo confirmar sua auto-confiana, acapacidade de gradativamente alcanar aautonomia social. O reconhecimento jurdicoconfere ao indivduo o auto-respeito, a refernciaao si mesmo como um sujeito moral, digno deingresso no processo interativo com outrosgeneralizados. Finalmente, na esfera da estimasocial e da comunidade de valores, o indivduo pode auto-referir-se como uma individualidade emque suas capacidades encontram reconhecimento pelos demais membros da sociedade, conferindoao indivduo o sentimento do prprio valor. Adiferenciao das esferas permite uma expanso progressiva da individualidade que se reflete emuma maior liberdade do indivduo, na potencializao de sua singularidade sempreinscrita em um contexto particular de aprovaosocial. So as esferas de reconhecimento queinscrevem o processo formativo da identidade emseus variados estgios intersubjetivos de lutas econflitos. Tais conflitos modelam as reivindicaesde reconhecimento e a aceitao das pretenses

    dos outros dentro da qual emerge a individuao. Na medida em que os indivduos so capazes deexperimentar diversos aspectos da personalidadedentro das esferas diferenciadas de reconhe-cimento, eles lutam para estabelecer condieslegtimas de integrao social por meio tanto da personalidade, quanto da individualidade, ou seja, processos de incluso social devem corresponder s possibilidades sociais abertas individualizao.

    Os crculos dos sujeitos que reconhecem unsaos outros crescem ancorando uma luta constantena interpretao dos valores em todas as esferasque integram aspectos da personalidade individuale do bem comum. A esfera da comunidade devalores impulsiona e legitima a individuao, que por sua vez contribui para a ampliao das prticas

    sociais a serem reconhecidas juridicamente em umestgio posterior, permitindo a constante renovaoda esfera do direito. A perspectiva da generalizaodo direito inclui a possibilidade de estender aigualdade de oportunidades na realizao diferencialde valores socialmente constitudos que setraduzem no indivduo no sentimento legtimo doautovalor e da autoestima. Quer dizer: a partir dohorizonte de valores ticos que subjaz as relaesde solidariedade e da comunidade de valores quese constituem os potenciais de equalizao eindividuao da forma de reconhecimento da estima

    social, entendida sempre em sua dependncia dascondies morais e polticas das relaes jurdicasinstitudas naquele contexto. A individualizaorefere-se ao desacoplamento da atribuio devalores referida ao status de grupo para a habilidadedo indivduo e a equalizao refere-se suaampliao em direo a uma escala pluralista devalores. Ocorre que o processo de individualizaono capitalismo deu-se de maneira dirigida por organizaes socializadoras coordenadas peloEstado, que desempenham papel regulador dos potenciais internos de identificao e comunicaodessas experincias individuais. Desse modo, o potencial de estender e renovar a esfera do direitoassegurando a integralidade do auto-respeito e daautoestima defronta-se com constrangimentos deordem poltica e institucional

    Nesse sentido, a categoria reconhecimento preenche um marco normativo para tematizaoda injustia social centrada no fenmeno dahumilhao e do desrespeito. Pois o impulso paraa resistncia e para o conflito localiza-se nosentimento e na experincia da negao das pretenses de reconhecimento da identidade. Com

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    5/14

    163

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 159-170 OUT. 2011

    base em Dewey, Honneth vai afirmar que aexperincia do desrespeito sempre acompanhadade um sentimento afetivo que conduz o indivduoao conflito prtico no qual ele exterioriza a crticada justia distributiva e a denegao doreconhecimento (HONNETH, 2003b, p. 220).

    Honneth rompe com qualquer viso sistmicada dominao, visto que para ele os efeitos reaisda explorao e da injustia localizam-se naexperincia do desrespeito e nas expectativasmorais, psicolgicas e sociais de reconhecimentoque afetam os indivduos no cotidiano.

    O postulado de Honneth sobre a centralidadedas relaes de reconhecimento comofundamento normativo para uma teoria da justiadeu impulso ao conhecido debate sobreredistribuio e reconhecimento na Teoria Crtica.Contrria a Honneth, Fraser (1995) vai assumir que a justia distributiva no pode ser reduzida aoreconhecimento e que os movimentos sociais podem se r caracte rizados como con fl it osdistributivos, reivindicaes de reconhecimentoou por ambas perspectivas. Para provar seuargumento Fraser constri uma tipologia dosmovimentos sociais (FRASER, 1995). e assumeque a justia social deve incluir concepesanaliticamente distintas de reconhecimento edistribuio, sob pena de reificar identidades degrupo e deslocar o problema da desigualdadeeconmica e social da esfera poltica legal. Aoreconstruir as dimenses irredutveis entrereconhecimento e distribuio como parte de umaconcepo ampla de justia, Fraser assume comocentro normativo de sua concepo de justia anoo de paridade participativa (FRASER, 2003, p. 36). Fraser volta a sua argumentao para o principio de justia corretiva institucionalizaode padres sociais negativos. Enquanto a questoque norteia o pensamento de Honneth de ordem prtico-moral. Como os sujeitos vivenciam eexteriorizam a percepo da injustia? Ou seja,quais so os recursos morais da experincia dodescontentamento social? As bases dos conflitossociais so os sentimentos e experinciasempricas e individuais de injustia que seestruturam em demandas morais que no estoexpressas nos movimentos sociais ou em umarepresentao positiva dos princpios morais.

    IV. CULTURA E COTIDIANO Na medida em que as demandas por reconhe-

    cimento inscrevem as redes cotidianas de atitudes

    morais e emotivas construdas em torno dasrelaes intersubjetivas de reconhecimento mtuo,as formas de desrespeito como violncia, abuso,depreciao e insultos podem motivar, quandocanalizadas coletivamente, condies culturais para a luta e resistncia. Ou seja, os ideais de justia e os critrios pelos quais os grupos sociaisavaliam moralmente o seu meio social esto mais presentes no sentimento de desrespeito do queem uma formulao racional e crtica aos princpios de valor vigente ou mesmo na disputa por meios simblicos de expresso das diferentescontribuies sociais.

    O ponto de vista de Honneth til na compa-rao com vises culturalmente orientadas dosgrupos subalternos que passaram a inscrever o

    debate da diversidade e do pluralismo. Os processosculturais adquirem um contedo poltico e tambmeconmico, na medida em que se apresentam como projetos contra-hegemnicos, que questionam a partir de sentimentos e percepes de injustia os padres aval iativos ex istentes e as regrasinstitucionalizadas. Honneth (2003b) defende adimenso da estima como central s lutas peloreconhecimento, por tornar visvel as novas formasde distino identitrias constitudas na esfera dasolidariedade. A estima a base da contribuioindividual para o projeto coletivo e no est ligada

    apenas aos laos de solidariedade e subcultura daqual faz parte, mas sua inscrio na diviso socialdo trabalho e ao questionamento dos padresavaliativos reconhecidos como legtimos.

    Nesse sentido, demandas por reconhecimentoinstrumentalizam-se a partir de um processo deautodefinio das minorias sociais. Tal processo permite a mobilizao cr ia tiva e moral deargumentos polticos a favor da expanso daincluso social. As regras que organizam adistribuio dos bens materiais derivam do grau deestima social que os grupos desfrutam de acordocom a hierarquia de valores institu-cionalizada,conflitos por distribuio no buscam a aplicaode regras j institucionalizadas, mas so lutassimblicas pela legitimidade de dispositivos culturaisque valorizem suas prticas, atributos econtribuies (HONNETH, 2001, p. 54).

    A violao de expectativas legtimas dereconhecimento desperta sentimento de injustiaque se traduz em formas de luta e pertenasimblica que reivindica novos contedos para aconcepo de igualdade, ou seja a incluso de

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    6/14

    164

    LUTA SOCIAL POR RECONHECIMENTO

    dispositivos simblicos que valorizem suas prticas. Do mesmo modo, a capacidade dedesenvolver um senso de auto-respeito moral podeser violentamente afetada pela negao sistemticado direito.

    Se os direitos subjetivos expressam a formacomo colocamo-nos diante dos outros em umacomunidade legal democrtica, a negao ouconcesso desses direitos joga um papel decisivo junto aos sentimentos subjetivos sobre o seu prprio status dentro da sociedade (HONNETH,2003b, p. 252).

    Na medida em que os indivduos percebem-se como pessoas moralmente imputveis eleslutam para conquistar o status social de uma pessoa de direito. Contudo, para que isso acontea necessrio que o indivduo j tenha desenvolvidonele a capacidade de poder respeitar si prpriocomo um igual. A capacidade de auto-respeito temuma dimenso psicolgica. Seguindo a psicologiasocial de Mead, Honneth vai assumir que aintensificao da faculdade de se referir a simesmo como uma pessoa moralmente imputvel,fenmeno psquico colateral da adjucao dedireitos (idem , p. 194).

    O indivduo passa a compreender os direitosno como uma concesso, mas como um simbolo

    despersonalizado de respeito social.Honneth defende a idia de uma dimenso

    intersubjetiva da socializao que reflete na relaocom o prprio self o valor moral, social e psquicode si prprio como impulso de criao de ummovimento de resistncia em que o indivduo podereconhecer o valor de sua competncia econtribuio para a reproduo social.

    Contudo, a possibilidade de conceber a aocomo manifestao da prpria autonomia dependetambm do acesso concreto aos atributos erecursos que colocam o sujeito em condies deagir de forma autnoma, respeitado por todos osoutros mediante o reconhecimento jurdico(HONNETH, 1995, p. 261). A esfera jurdica nose efetiva por normas abstratas mas inscreverelaes psicolgicas, morais, materiais ehistricas que conduzem as transformaesnormativas que asseguram novas atribuies noexerccio do direito.

    Honneth, seguindo Marshal (2003b), ressalta:um sujeito respeitado se encontrareconhecimento juridico no s na capacidade

    abstrata de orientar-se por normas morais, mastambm na propriedade concreta de merecer umnvel de vida necessrio pra isso (HONNETH,2003b, p. 193).

    No entanto, o auto-respeito s se torna umacategoria perceptvel quando as pessoas emconjunto sofrem de maneira visvel com odesrespeito e a explorao, de modo que possam,dentro de suas experincias comuns, articular publicamente suas reivindicaes. Trata-se paraHonneth de um processo prtico moral em que asexperincias so interpretadas coletivamente demodo a motivar a reivindicao do reconhecimento.Esse processo prtico moral inscreve uma relaocom o prprio self cuja fora psquica impulsionao indivduo ao sempre localizada no interior de

    um processo de socializao e aprendizado moral.Mas como vem a tona a exteriorizao pblica

    do desrespeito e da explorao? So asexperincias cotidianas que abrigam as redesmorais e afetivas que garantem condies deformao e expresso da autoestima e do auto-respeito em uma prtica intersubjetiva pela qualcircula a crtica s relaes de explorao e da pr iva o de di re it os . No reconhe cime ntoantecipado de uma comunidade de valores, oindivduo encontra o respeito social como pessoacapaz de proporcionar-lhe uma auto- relao novae positiva. Na medida em que o indivduo capazde alcanar o sentimento de respeito pela prpriadignidade e o valor social do seu estilo de vida edo seu desempenho na diviso social do trabalho,ele transforma esse sentimento em uma luta por reconhecimento das condies que assegurem suaintegridade pessoal e a sua identidade.

    Honneth busca explicitar como na interioridade(inner morality ) dos indivduos historicamenteexcludos e desprovidos de autoconfiana,autoestima e auto-respeito ainda pulsa umaconscincia capaz de tornar visvel o desrespeitoe a explorao. Da a sua nfase em uma TeoriaCrtica que seja capaz de sustentar objetivos queno necessariamente estejam publicamentearticulados pelos movimentos sociais identitrios,mas que esteja comprometida a desvendar experincias de injustia como um todo (idem , p. 133).V. A CRTICA DAS RELAES CAPITALISTAS

    Segundo Honneth, a busca do reconhecimentosocial critica as relaes sociais capitalistas na

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    7/14

    165

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 159-170 OUT. 2011

    medida em que estas impedem a auto-realizaoe a plena expresso da identidade na prticahumana pela qual ela adquire significado. naesfera do trabalho como praxes que Honneth,trazendo Marx, vai defender uma esfera crtica:Marx no concebe a luta de classe pela aquisiode bens ou poder, mas como uma luta querepresenta um conflito moral no qual a classeoprimida luta para adquirir condies sociais deauto-respeito (idem , p. 232).

    A concepo de trabalho recolocada comouma concepo moral (HONNETH, 2008, p. 46).Pois o processo de reconhecimento mtuo interrompido na medida em que um grupo social destitudo precisamente das condies sociaisnecessrias ao auto-respeito. Honneth ressalta que

    o modelo marxista predominante, bem como a prpria obra de Marx na anlise do capital, passaa restringir o conceito de identidade humana descrio das relaes econmicas de produo.Como se nas relaes materiais no coubesseminteraes intersubjetivas. A nfase em umaantropologia utilitarista impediu a apario pblicada dimenso normativa do protesto social,sujeitos socializados eram basicamente tomadoscomo atores no morais (HONNETH, 2003a, p.127).

    no mbito de uma teoria da intersubjetividade,sublimado na anlise marxista que Honneth vaipropor reformular no seu nvel abstrato a premissa que segundo ele, subjaz a inteno deMarx com o conceito de trabalho, ou seja, aquiloque atribui expresso material s capacidades etalentos do homem (DERANTY, 2005, p. 166).Segundo Honneth, Marx se aproxima emdetrimento de suas inclinaes utilitaristas, domodelo hegeliano de uma luta por reconhecimento (HONNETH, 2003b, p. 238).

    Retomando em sua anlise o dilogo da obrade juventude de Marx com Hegel e Feuerbach,Honneth vai trazer ao debate o modelo de conflitoque concebe o prprio processo produtivo comoum processo de reconhecimento intersubjetivo noqual a experincia da capacidade entrelaa-se nos com a afirmao do prprio valor, mas com a possibilidade de ter propiciado a carncia de umoutro ser humano seu objeto correspondente(idem , p. 231).

    Nesse sentido, h uma intersubjetividade potencial que se expressa nas formas empricasde trabalho social que pressupe tambm um

    processo de aprendizado pelo qual os sujeitostornam-se conscientes de suas capacidades.Honneth localiza nessa tenso terica conceitualelementos que apontam tanto para um potencialemancipatrio (uma forma de conflito moralmentemotivada), ou seja, para um processo deobjetivao das capacidades humanas ou para adominao, em que o trabalho um atoinstrumental para a sobrevivncia econmica(HONNETH, 1995b, p. 15). Do mesmo modo,no cerne das lutas sociais encontram-semotivaes e experincias morais ligadas psiquee formao da identidade que foram sublimadasdos movimentos sociais que enfatizam a luta socialcomo uma luta pela sobrevivncia econmica.Honneth destaca como o modelo conceitualutilitarista dominante na Sociologia e na TeoriaPoltica inibiu interpretaes que levassem emconta a percepo de injustia e o sentimento dedesrespeito das classes trabalhadoras que traria aidia de que as lutas sociais vo alm da simplesexteriorizao da privao econmica e da misria.Exemplos de mtodos de pesquisa da Antropologiae da Sociologia, e a abordagem pioneira deThompson na anlise dos movimentos inglesescontra a industrializao capitalista, demonstraramas diferentes motivaes pelas quais os indivduosengajam-se na luta social.

    A diviso social do trabalho industrial instituiuuma reorganizao normativa do status legal e dograu de estima social que os indivduos cidados produtivos usufruem por sua contribuio produo de riqueza social. Com o avano dasrelaes capitalistas de mercado, o princpio daigualdade formal foi dividido em duas esferas dereconhecimento.

    VI. ESTIMA SOCIAL E MERITOCRACIA

    A dimenso da estima social passa a ser interpretada e regulada por valores do capitalismoindustrial que regulam o mrito do desempenhoindividual. Honneth ressalta o aspecto ideolgicodessa esfera de reconhecimento regulada por valores que justificam a distribuio desigual dosrecursos materiais, bem como as possibilidadesde articulao pblica da injustia social. A ordemde reconhecimento da estima social contribui parareproduzir relaes de dominao encorajandoimagens ou sentimentos do prprio valor em prticas subalternas. Por meio da indstria cultural,de instituies polticas, escolas, cultos religiosose outras instituies, justifica-se positivamente

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    8/14

    166

    LUTA SOCIAL POR RECONHECIMENTO

    ocupaes subalternas de mulheres, crianas,operrios, soldados, lideranas comunitrias etc.(HONNETH, 2007). A evoluo da sociedaderesulta do conflito entre os valores propagados pelas instituies e pela esfera poltica e aqueles pres en te s nas expe ri nc ia s co tidianas dedescontentamento social. Para Honneth, a potencializao do conflito pode ser capaz de diluir o impacto simblico e ideolgico das instituiese avanar na concretizao de uma dimensonormativo-jurdica que venha a expressar experincias e reaes prticas e morais. Somenteessas experincias prtico-morais revelam umrepdio injustia, ainda que lhe faltem uma visoacabada e princpios que possam ser assimiladosaos princpios vigentes de justificao pblica(HONNETH, 2003a, p. 214).VII. CRTICA AOS PRINCPIOS DA IGUAL-

    DADE

    O principio da igualdade como foi implantadona ordem burguesa capitalista, mantinha aestratificao social inalterada na medida em queassegurava acessos diferenciais aos recursos,normativamente divididos em dois princpios dedistribuio: direitos sociais de igualdade quegarantem aos sujeitos legais o acesso aos benssocialmente disponveis e o princpios de mritoque reserva maior partilha dos recursosdistributivos para os grupos privilegiados peloreconhecimento de seus bens e de suashabilidades e desempenhos especficos.

    Honneth demonstra como o Estado de Bem-Estar incorporou reivindicaes da estima socialna esfera do direito, transformando os em direitossociais.

    Distingue-se como trabalho o resultado de umadeterminao de valor especifica, que expressatambm um valor quantificvel para a sociedade,no entanto no so reconhecidas como trabalho,

    um conjunto considervel de prticas igualmentenecessrias para a reproduo social, como, por exemplo, o trabalho domstico e a maternidade,entre outras (HONNETH, 2003b, p. 248)

    Diferentemente do reconhecimento jurdico, pautado na idia de que, independente da origemsocial, os indivduos legitimamente possuem osmesmos direitos. O princpio de desempenhoindividual um recurso normativo da sociedade burguesa capitalista que justifica moralmente adistribuio desigual de oportunidades e bens e

    que premiam distintamente as diferentescontribuies individuais, desempenhos ehabilidades.

    No entanto, o reconhecimento jurdico da

    pessoa trouxe al teraes significat ivas nossentimentos e expectativas subjetivas que osindivduos trazem para sociedade. A experinciade ser socialmente estimado vem acompanhada pela expectativa de ter o desempenho reconhecidocomo de valor para os outros membros dasociedade.

    Desse modo, Honneth reivindica a recons-truo do conceito de distribuio e justiacombativo quele institucionalizado pelo Estado;um conceito que leve em considerao exatamenteas esferas no estatais, no formalizadas como polticas, em que circulam lutas e conflitos quedeslegitimam essa ordem estatal capitalista e os princpios de mrito vigente no capitalismo.Honneth cita a colocao do prprio Marx notexto A crtica do programa de Gotta(HONNETH, 2003a, p. 150) em que levantacrticas s posies adotadas pelos Sociais-Democratas a respeito das lutas distributivas, umavez que o objetivo das lutas econmicas deixamintactas a principal causa da desigualdade social:a assimetria entre o capital e o trabalho (ibidem ).Ao questionar os valores que justificam a premiao distintiva de alguns atores, os indivduosesto mobilizando o princpio da igualdade legalque promete a todos igual respeito e acesso aosrecursos disponveis.

    Honneth, porm, est atento complexidadedo potencial de conflito e de expresso social dainjustia e da crtica social dos grupos subalternos ordem de valores dominante. Na medida em queos mecanismos de dominao de classe e processos de controle social e stre itam as possibilidades de articulao das experincias deinjustia (HONNETH, 1995, p. 213).

    Honneth descreve o mecanismo de dominaode classe a partir de dois processos de controlesocial: excluso cultural que objetiva adesimbolizao e o enfraquecimento dascapacidades lingsticas e simblicas dosindivduos. E o processo de instituio daindividualizao pelo Estado que passa aregulamentar o desempenho por mrito e organizar a seguridade social de modo a assegurar umasatisfao simblica das demandas por eliminaoda injustia. Ou seja, o Estado e as instituies

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    9/14

    167

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 159-170 OUT. 2011

    pbl icas passam a executar inst ituc ional eadministrativamente as demandas sociais,enfraquecendo a infraestrutura comunicativa econseqentemente a base cooperativa a partir daqual se mobilizaria uma luta social e poltica.

    A esfera da estima, como foi implantada nocapitalismo, legitima valores que justificam adiferenciao de formas de vida e a individualizaoda experincia para direcion-los ordeminstituda, enfraquecendo o acesso ao direito deexpresso pblica da identidade. Honneth chamaateno para os riscos de uma mobilizao da lutasocial a partir da valorizao do desempenhoindividual como um recurso que pode justificar adistribuio desigual do status e da recompensasimblica e material contribuio social. Ao

    passo que a luta que busca o questionamento dosvalores deve ao mesmo tempo incidir, na perspectiva de Honneth, sobre a extenso legtimadas propriedades universais da pessoa, na medidaem que as tais lutas pressionam a ordem jurdicade modo a garantir a autonomia e adicionar novos pressupostos para a participao na formao pblica da vontade. No entanto esses processosso interdependentes.

    As lutas distributivas, quando no adquirem aforma de uma mobilizao por direitos, so conflitosque questionam a legitimidade da aplicao dosdispositivos de estima social (HONNETH, 2003a, p. 154). A questo se essas zonas de conflitonormativo so capazes de atingir visibilidade e terem potencial de articular uma luta social que integreos meios semnticos e simblicos (materiais eimateriais) para alm das redes emotivas e morais por em que circulam cotidianamente, sem sedeixarem cooptar politicamente.

    VIII. ARTICULAO PBLICA DO DESRES-PEITO

    Se a tematizao poltica da injustia social no

    interior do marxismo reduziu as expectativasmorais e psicolgicas lgica do interesse, elavai sofrer outro tipo de reducionismo pela teoriacrtica quando includa como expresso de novosmovimentos sociais ou no nvel de conflito politicamente estabelecido. Honneth vai assumir que os sujeitos permanecem como sempre, seresdesconhecidos, seres sem rosto at o momentoem que ele se engajam no movimento social cujoobjetivo poltico expresse publicamente suasorientaes normativas (idem , p. 128). Honnethclama por uma mudana conceitual na abordagem

    das lutas sociais em direo s avaliaes que os prprios sujeitos fazem da ordem social por meiode suas experincias de desrespeito e de seudiscernimento moral.

    No entanto, ele no rejeita a possibilidade deexpresso de um potencial crtico e de indignaomoral nas polticas sociais de reconhecimentoidentitrio. Tais polticas de ordem compensatria podem assumir desenvolvimentos diferenciadosde acordo com a dinmica material e legal deimplementao e legitimao dos direitos liberais, polticos e sociais de participao. Ou seja, oacesso igualdade legal modela as orientaes decarter normativo que os sujeitos trazem para asociedade. Pois o reconhecimento do desrespeitotraduz-se na ampliao do acesso igual aos

    atributos e propriedades que permitem a extensodo acesso ao direito (HONNETH, 2003b, p. 227).

    A falta de acesso aos atributos jurdicos dereputao social pode conduzir adeso a processos institucionalizados de justificativa deincluso social. Pois a valorao de desempenhosindividuais e de suas respectivas contribuies reproduo da sociedade capitalista pode reforar a legitimidade da distribuio assimtrica da estimasocial. Do mesmo modo, a possibilidade aberta, por meio de movimentos sociais ou instituies,de tornar pblica e visvel para o conjunto dasociedade uma determinada prtica cultural ou umdeterminado status coletivo de vida comunitria, pode traduzir-se em uma luta pelo reconhecimentoda identidade como um meio de acesso aos direitosde igualdade de todos, ou pode tambm setraduzir em um discurso poltico j oficialmenteestabelecido e sem maiores conseqncias naagenda pblica. Honneth no aprofunda a relaoentre as reivindicaes morais de reconhecimentoe as diferentes formas de justificao que ossujeitos lanam mo contra os padres avaliativosdominantes (HONNETH, 2003a, p. 133).

    O que est em jogo no o meio pelo qual aluta social por reconhecimento torna pblica suaadeso crtica aos discursos sociais de justificaoda dinmica de valores que conserva adesigualdade e a dominao. Cabe teoriaexplicitar como a dinmica das experinciasmorais motivam aes de resistncia poltica.

    Ainda que no encontrem visibilidade na esfera pblica poltica e institucional, a experincia dodescontentamento da resistncia e da luta socialtem como base de motivao experincias morais

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    10/14

    168

    LUTA SOCIAL POR RECONHECIMENTO

    e psicolgicas que no necessariamente ganham,enquanto tais, reconhecimento oficial na esfera poltica, posto que as experincias so traduzidas publicamente por uma semntica diferente ouinadequada a suas pretenses de reconhecimento.

    Honneth chama ateno para o fato de que osmovimentos sociais no detm a legitimidade deconduzir a expresso pblica da critica social(idem , p. 117). Para Honneth, se a articulao pblica da crtica permanecer confinada quiloque visvel publicamente por meio dainterpretao dos movimentos sociais, ela poderreforar a excluso poltica que negligencia o valor das consideraes morais e psicolgicas queancoram as lutas sociais.

    a esfera do direito que vai assegurar o pr incpio da igua ldade e as cond ie s deautonomia individual necessrias em todas asesferas do reconhecimento que formam aidentidade em todas as fases da vida. Porque oque os sujeitos esperam da sociedade acima detudo o reconhecimento de suas reivindicaes deidentidade e da sua integridade pessoal (idem , p.131). Ou seja, as situaes de conflito expressamlutas que buscam assegurar as condiesintersubjetivas que ancoram a integridade pessoal.

    IX. CONCLUSES

    Podemos concluir com Honneth que, emboraos recursos de reconhecimento e distribuioestejam formalmente assegurados pelatransformao normativa da ordem burguesa, ouso dos direitos e atribuies de imputabilidademoral, social e psicolgica diferenciam-se nosdiferentes cursos histricos e nos sistemasavaliativos e processos de determinao devalores. A ordem burguesa teve xito nainstitucionalizao de um sistema hegemnico devalores e princpios que controlam o grau deestima social das prticas que devem ser

    consideradas como uma contribuio cooperativa pa ra a reproduo soc ia l e ec onmica dasociedade. Com isso, a ordem burguesa realiza,nos termos de Honneth, uma violncia materialao manipular ideologicamente a valorizaohierrquica do desempenho dos indivduos. Cria-se uma associao natural entre o grau de estimasocial e o acesso aos recursos legitimamentedisponveis, sejam estes materiais, sejam imateriais(cultura, educao, prestgio etc.). A violnciamaterial manifesta-se na medida em que nivela ograu de estima social aos valores do capitalismo.

    No entanto, o conflito exerce-se quando,apoiadas em instncias intersubjetivas dereconhecimento e atribuio de valor,determinadas contribuies coletivas e individuaistornam-se visveis e desestabilizam uma relaolinear e naturalizada entre o grau de estima e oacesso aos recursos. Mas, permanece o risco deque essas aferies de valor, ainda que visveis,sejam instrumentalizadas por finalidades de carter poltico que busquem manter o controle do acessoos recursos.

    Para Honneth, h sempre uma tenso entre asredes intersubjetivas de reconhecimento que buscam combater simblica e diretamente ocarter normativo jurdico de determinadas prescries e os princpios vigentes de integrao

    social, sem que se expresse na formaconvencional de uma luta poltica. Asreivindicaes de reconhecimento, seja o exerccioda autonomia e a satisfao das necessidades easpiraes, no transcorrem isoladas do contextode uma cultura cotidiana dentro do qual soaferidas como legtimas. A gramtica moral daslutas sociais est inserida no processo histricono interior do qual se renovam prescries ticasque norteiam o auto-respeito e a autoestima,sempre pensadas por Honneth na perspectiva dasocializao intersubjetiva por meio da qual os

    sujeitos avaliam por si prprios a ordem social.Honneth v na ampliao progressiva das lutas

    sociais por reconhecimento uma conquistainevitvel na individualidade e na autonomia(descentrada) e, portanto, na confirmao dodireito igualdade legal e a liberdade de preencher o projeto de vida. Ele defende a idia de que aconquista da autonomia faz-se em conjunto coma dimenso consciente do valor moral social e psquico de si prprio e no apenas pela lgicainstrumental dos interesses (HONNETH, 1995a).Trata-se, para Honneth, de uma idia de igualdadee autonomia construda no processo histricoonde estabelece-se uma relao recursiva entreas experincias de desrespeito, luta poltica eautoconscientizao moral. Esses trs elementosatuam de modo a consolidar um agente dotadode autonomia e auto-respeito e uma basenormativa que conduz inevitavelmente luta por reconhecimento. No entanto, as lutasintersubjetivas, ainda que ancoradas emcomunidade de valores, sempre trazem no embate pblico elementos vulnerveis cooptaesideolgicas e polticas.

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    11/14

    169

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 159-170 OUT. 2011

    As lutas pela estima social esto sujeitas nosomente escala hierrquica de valores, mastambm a elementos de simpatia, identificao oude cooptao que tornam pblicas ascontribuies individuais e desorganizam os padres intersubjetivos construdos em suascomunidades de referncia.

    No modelo de Honneth, a pluralizao dasorientaes de vida deve apelar s relaes jurdicas que precisam ser corrigidas de modo a possibilitar a quebra da hierarquia e a progressivaincorporao de todos os indivduos em umaordem normativa pluralista. Pois somente asrelaes jurdicas so passveis de traduzirem aexpectativa de uma existncia pblica individualassegurada universalmente para todos, no apenas

    formalmente, mas pelo no curso ftico dos atosrecprocos de reconhecimento por outrosgeneralizveis e prximos, que confirmeidentidades e valores. Nesse sentido, asorientaes plurais de vida, bem como o potencialde exteriorizao de conflitos presentes emcontextos intersubjetivos de luta por reconhecimento, dependem das condies moraisdas relaes jurdicas institudas. A ausncia demodos de reconhecimento, a falta de respeito ouestima so fontes permanentes de motivao paraa luta social pelo reconhecimento e pela afirmao

    da identidade. Lutas que no, necessariamente,canalizam princpios polticos e sociais acabados,mas sentimentos de revolta, indignao e raiva erepdio ao desprezo que a sociedade confere-lhe. a experincia de um reconhecimento tico adespeito da regulao de sua expresso polticaque vai permitir o florescimento de projetos devida livremente escolhidos.

    Nesse caso, a luta pelo reconhecimento podese dar por meio de uma ao coletiva de um estilode vida reativo que recusa os processos formaisde disputa simblica pela apario pblica, bemcomo os meios institucionais de expresso socialdo reconhecimento da identidade, ou melhor, por uma ao que recusa a noo de reconhecimentosocial que permeia essas esferas. O desrespeito uma violao individualidade e por isso pode

    transformar-se em uma ao coletiva por meiode um sentimento coletivo da experinciaindividual do no reconhecimento. Contudo,Honneth no deixa claro como avaliar a baseemprica de sentimentos de desrespeito e adiversidade de experincias de injustia namobilizao de uma ao coletiva (BADER, 2007, p. 238).

    Para Honneth, a sociedade ps-industrial abriua possibilidade para a pluralizao de modos devida individuais, que permitem a experimentaode novas formas de vida e o reconhecimento detradies e conflitos sociais que foramnegligenciados pelos movimentos sociais do passado. Mesmo que o modelo de orientao nose configure como uma instncia institucional de

    atribuio de reconhecimento, os indivduosexercitam a busca da autoconfirmao, daaprovao e do reconhecimento, a partir do qualse auto-reconhecem como seres morais. Aindaque essas experincias no configurem um projetode sociedade, elas sempre se caracterizam por uma adeso a uma determinada semnticasubcultural ou uma contracultura de um respeitocompensatrio por meio da qual buscam umespao na esfera pblica poltica.

    O modelo de Honneth trs tona exatamenteas pr-condies sociais necessrias ampliaoda democracia para todas as esferas da vida socialno sentido de que no fiquem engessadas emarranjos polticos ou nos processos existentesde legitimao de reivindicao por reconhecimento.

    Mais do que buscar o consenso, cabem slutas sociais por reconhecimento exteriorizar atenso moral implcita nas relaes complexas queestabelecem com o Estado, o espao pblico,mercado, a indstria da cultura, os partidos polticos e os movimentos sociais. E na medidaem que a Teoria Crtica for capaz de articular asdiversas manifestaes dessas experincias, elater cumprido uma fora normativa de revelar poss ibilidades de expresso de lutas cujosenunciados emancipatrios circulam, ainda queinvisivelmente.

    Tereza Ventura ([email protected]) Doutora em Sociologia pela Universidade de So Paulo(USP) e Professora de Sociologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    12/14

    170

    LUTA SOCIAL POR RECONHECIMENTO

    BADER , V. 2007. Misrecognition, Power, andDemocracy. In : VAN DEN BRINK, B. &OWEN, D. (eds.). Recognition and Power .Cambridge (UK): Cambridge University.

    DERANTY, J.-P. 2005. Les horizons marxistesde lthique de la reconnaissance. Actuel

    Marx, Paris, n. 38, p. 159-178. Disponvel em:h t t p : / / w w w . c a i r n . i n f o /load_pdf.php?ID_ARTICLE=AMX_038_0159.Acesso em: 11.set.2011.

    FRASER , N. 1995. From Redistribution toRecognition? Dilemmas of Justice in a Post-Socialist Age. New Left Review , London, n.212, p. 68-93.

    FRASER , N. & HONNETH, A. 2003. Redistribution or Recognition? A PhilosophicalExchange. London: Verso.

    HONNETH, A. 1995a.The Struggle for Recognition : the Moral Grammar of SocialConflicts. Cambridge (UK): Polity.

    _____ . 1995b. The Fragmented World of Social:Essays in Social and Political Philosophy. NewYork: New York State University.

    _____ . 1998. Democracy as a Reflexive Coopera-

    tion: John Dewey and the Theory of

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    Democracy Today. Po li ti ca l Th eo ry ,Thousand Oaks, v. 26, n. 6, p. 763-783, Dec.

    _____ . 2001. Recognition or Redistribution?Changing Perspectives on the Moral Order of Society. Theory, Culture and Society ,Thousand Oaks, v. 18, n. 2-3, p.43-55, June.

    _____ . 2003a. Redistribution as Recognition: AResponse to Nancy Fraser. In: FRASER, N.& HONNETH, A. 2003. Redistribution or

    Recognition? A Philosophical Exchange.London: Verso.

    _____ . 2003b. Lu ta por reconhecimento : agramtica moral dos conflitos sociais. SoPaulo: ed. 34.

    _____ . 2007. Recognition as Ideology . In : VANDEN BRINK, B. & OWEN, D. (eds.).

    Recognition and Power . Cambridge (UK):Cambridge University.

    _____ . 2008. Trabalho e reconhecimento.Civitas ,Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 46-67, jan.-abr.Disponvel em: http://revistaseletroni-cas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/4321/3263. Acesso em: 11.set.2011.

    RENNAULT, E. 2000. Mpris social : ethique et

    politique de la reconnaissance. Bgles: Du passant.

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    13/14

    294

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 291-296 OUT. 2011

    SOCIAL STRUGGLES FOR RECOGNITION: DILEMMAS AND DEADLOCKS IN THE

    PUBLIC ARTICULATION OF DISRESPECTTereza Ventura

    This article reconstructs Honneths theory on the recognition of moral and social imputability and itscomplex articulation in identity formation and conditions of struggle. We look at the interrelationship between community of values and the moral conditions of juridical relations. In other words, ideals of justice and the criteria social groups employ in moral evaluations of their social milieu are more present when disrespect is felt than in terms of a rational critique of reigning principles. The challenge posed here asks whether these zones of normative conflict are able to gain visibility and inquires intothe potential to articulate and coordinate a social struggle that can integrate semantic, symbolic,material and immaterial means going beyond the emotional and moral networks of daily transit andable to resist political cooptation or inadequate public translations of desires for recognition.KEYWORDS: moral and social imputability; identity formation; juridical relations; Axel Honneth.

    * * *

  • 7/23/2019 Gramatica Moral Dos Conflitos Sociais

    14/14

    303

    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA V. 19, N 40: 299-305 OUT. 2011

    LA LUTTE SOCIALE POUR LA RECONNAISSANCE : DES DILEMMES ET IMPASSESDANS LARTICULATION PUBLIQUE DE LIRRESPECTTereza Ventura

    Larticle fait une reconstruction de la thorie de Honneth sur la reconnaissance de la responsabilisationmorale et sociale et sa complexe articulation avec la formation de lidentit et de ses conditions delutte. On montre linterrelation entre la communaut de valeurs et les conditions morales des relations juridiques. Cest dire, les idaux de justice et les critres par lesquels les groupes sociaux valuentmoralement leur milieu social, sont plus prsents dans le sentiment dirrespect que dans une formulationrationnelle et critique aux principes de valeur actuels. Le dfi qui se pose, cest si ces zones deconflit normatif sont capables datteindre la visibilit et le potentiel darticuler et coordonner une luttesociale qui puisse intgrer les domaines smantiques, symboliques, matriels et immatriels au-deldes rseaux motifs et moraux o ils y circulent quotidiennement, sans se laisser agrger politiquementou se traduire publiquement par une smantique inapproprie ses prtentions de reconnaissance.MOTS-CLS: la responsabilisation morale et sociale ; la formation de lidentit ; les relations juridiques ;Axel Honneth.

    * * *