GRAMSCI.a Revolução Contra O Capital(1917)

4
MIA > Biblioteca > Gramsci > Novidades A Revolução Contra o Capital (1*) António Gramsci 24 de Abril de 1917 Primeira Edição: : Avanti, 24 Novembro de 1917. Fonte: La Revolución contra el Capital, em: Revolución rusa y Unión Soviética, Ediciones R. Torres, Barcelona, 1976, págs. 2126. Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez . Junho, 2007. HTML de: Fernando A. S. Araújo , Julho, 2007. Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License. A revolução dos bolcheviques inseriuse definitivamente na revolução geral do povo russo. Os maximalistas (2*) que até há dous meses foram o fermento necessário para que os acontecimentos não se detiveram, para que a marcha em direcção ao futuro não terminasse, dando lugar a uma forma definitiva de organização — que seria uma organização burguesa —, apoderaramse do poder, estabeleceram a sua ditadura e estão a elaborar as formas socialistas em que a revolução deverá enquadrarse para continuar a desenvolverse harmoniosamente, sem excesso de grandes choques, partindo das grandes conquistas já realizadas. A revolução dos bolcheviques é feita mais de ideologias do que de factos. (Por isso, no fundo, importanos pouco saber mais do que sabemos). É a revolução contra O Capital de Karl Marx . O Capital de Marx era, na Rússia, mais o livro dos burgueses que dos proletários. Era a demonstração crítica da necessidade inevitável que na Rússia se formasse uma burguesia, se iniciasse uma era capitalista, se instaurasse uma civilização de tipo ocidental, antes que o proletariado pudesse sequer pensar na sua insurreição, nas suas reivindicações de classe, na sua revolução. Os factos ultrapassaram as ideologias. Os factos rebentaram os esquemas críticos de acordo com os quais a história da Rússia devia desenrolarse segundo os cânones do materialismo histórico. Os bolcheviques renegam Karl Marx quando afirmam, com o testemunho da acção concreta, das conquistas alcançadas, que os cânones do materialismo histórico não são tão férreos como se poderia pensar e se pensou. No entanto há mesmo uma fatalidade nestes acontecimentos e se os bolcheviques renegam algumas afirmações de O Capital , não renegam o seu pensamento imanente, vivificador. Eles não são marxistas, é tudo; não

description

GRAMSCI.a Revolução Contra O Capital(1917)

Transcript of GRAMSCI.a Revolução Contra O Capital(1917)

  • 14/04/2015 Gramsci:ARevoluoContraoCapital

    https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1917/04/24.htm 1/4

    MIA>Biblioteca>Gramsci>Novidades

    ARevoluoContraoCapital(1*)

    AntnioGramsci

    24deAbrilde1917

    PrimeiraEdio::Avanti,24Novembrode1917.Fonte:LaRevolucincontraelCapital,em:RevolucinrusayUninSovitica,EdicionesR.Torres,Barcelona,1976,pgs.2126.TraduoparaoportugusdaGaliza:JosAndrLpezGonlez.Junho,2007.HTMLde:FernandoA.S.Arajo,Julho,2007.Direitos de Reproduo: A cpia ou distribuio deste documento livre eindefinidamentegarantidanostermosdaGNUFreeDocumentationLicense.

    A revoluo dos bolcheviques inseriuse definitivamente na revoluogeraldopovo russo.Osmaximalistas(2*)queathdousmeses foramofermento necessrio para que os acontecimentos no se detiveram, paraque amarcha emdireco ao futuro no terminasse, dando lugar a umaformadefinitivadeorganizaoqueseriaumaorganizaoburguesa,apoderaramsedopoder,estabeleceramasuaditaduraeestoaelaboraras formas socialistas em que a revoluo dever enquadrarse paracontinuar a desenvolverse harmoniosamente, sem excesso de grandeschoques,partindodasgrandesconquistasjrealizadas.

    A revoluo dos bolcheviques feita mais de ideologias do que defactos. (Por isso, no fundo, importanos pouco saber mais do que jsabemos).arevoluocontraOCapitaldeKarlMarx.OCapitaldeMarxera, na Rssia, mais o livro dos burgueses que dos proletrios. Era ademonstraocrticadanecessidade inevitvelquenaRssiase formasseuma burguesia, se iniciasse uma era capitalista, se instaurasse umacivilizao de tipo ocidental, antes que o proletariado pudesse sequerpensar na sua insurreio, nas suas reivindicaes de classe, na suarevoluo.Osfactosultrapassaramas ideologias.Osfactosrebentaramosesquemas crticos de acordo com os quais a histria da Rssia deviadesenrolarse segundo os cnones do materialismo histrico. Osbolcheviques renegamKarl Marx quando afirmam, com o testemunho daacoconcreta,dasconquistasalcanadas,queoscnonesdomaterialismohistriconosotofrreoscomosepoderiapensaresepensou.

    No entanto hmesmo uma fatalidade nestes acontecimentos e se osbolcheviquesrenegamalgumasafirmaesdeOCapital,norenegamoseupensamento imanente, vivificador. Eles no so marxistas, tudo no

  • 14/04/2015 Gramsci:ARevoluoContraoCapital

    https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1917/04/24.htm 2/4

    retiraram das obras do Mestre uma doutrina exterior feita de afirmaesdogmticaseindiscutveis.Vivemopensamentomarxistaequenomorre,a continuao do pensamento idealista italiano e alemo e que secontaminou em Marx de incrustaes positivistas e naturalistas. E estepensamentocolocasemprecomofactormximodahistria,noosfactoseconmicos,inertes,masohomem,asociedadedoshomens,doshomensque se aproximam uns dos outros, se entendem entre si, desenvolvematravs destes contactos (civilizao) uma vontade social, colectiva, ecompreendem os factos econmicos, julgamnos e adequamnos suavontade,atelasetransformarnomotordaeconomia,naplasmadoradarealidade objectiva, que vive, se move e adquire carcter de matriatelricaemebulioquepodesercanalizadaparaondeavontadequiserecomoavontadequiser.

    Marx previu o previsvel. No podia prever a guerra europia, oumelhor,nopodiapreverqueestaguerradurariaotempoqueduroueosefeitos que esta guerra teve. No podia prever que esta guerra, em trsanosdesofrimentoemisria indescritveis,suscitarianaRssiaavontadecolectiva popular que suscitou. Uma vontade deste tipo precisanormalmente,paraseformar,dumlongoprocessodeinfiltraescapilares,duma longa srie de experincias de classe.Os homens so preguiosos,precisam de se organizar, primeiro, exteriormente, em corporaes, emligas depois internamente, no pensamento, nas vontades (...)(3*) dumaincessante continuidade e multiplicidade de estmulos exteriores. Eis porque,normalmente, os cnones da crtica histrica domarxismo captamarealidade, colhemna e tornamna evidente, compreensvel.Normalmenteas duas classes domundo capitalista criam a histria atravs da luita declasses,cadavezmais intensa.Oproletariadosenteasuamisriaactual,estcontinuamenteemestadodedificuldadeepressionaaburguesiaparamelhorar as suas condies de existncia. Luita, obriga a burguesia amelhoraratcnicadaproduo,afazlamaistilparaquesejapossvelasatisfaodas suasnecessidadesmaisurgentes.umaapressadacorridapara o melhor, que acelera o ritmo de produo, que incrementacontinuamente a soma dos bens que serviro colectividade. E nestacorridacaemmuitos,tornandomaiscompulsrioodesejodosqueficaram.A massa est sempre em ebulio, e do caospovo surge sempre maisordemnopensamento, tornasemais cada vez consciente da suaprpriafora,dasuacapacidadeparaassumiraresponsabilidadesocial,paraserorbitrodoseuprpriodestino.

    Istonormalmente.Quandoosfactosrepetemcomcertoritmo.Quandoahistriasedesenvolvepormomentoscadavezmaiscomplexosericosdesignificado e valor, mas em concluso, semelhantes. Mas, na Rssia aguerra serviu para despertar as vontades. Estas, atravs dos sofrimentos

  • 14/04/2015 Gramsci:ARevoluoContraoCapital

    https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1917/04/24.htm 3/4

    acumulados ao longo de trs anos, unificaramse com muita rapidez. Acarestia estava iminente, a fame, a morte de fame podia tocar a todos,esmagandodummomentopara o outromilhes dehomens.As vontadesunificaramse, mecanicamente primeiro, activamente, espiritualmente,depoisdaprimeirarevoluo.(4*)

    As prdicas socialistas puseram o povo russo em contacto com asexperincias dos outros proletrios. A prdica socialista faz reviver numinstante, dramaticamente, a histria do proletariado, a sua luita contra ocapitalismo, a prolongada srie de esforos que tem de fazer para seemancipar idealmentedosvnculosdoservilismoqueo tornavamabjecto,para ser uma conscincia nova, testemunho actual do mundo futuro. Aprdica socialista criou a vontade social do povo russo. Porque deveriaesperaressepovoqueahistriadeInglaterraserepetissenaRssia,quenaRssiaseformasseumaburguesia,quesurgissealuitadeclassesparaquenascesseaconscinciadeclasseesedessefinalmenteacatstrofedomundocapitalista?Opovorussopassouporestasmagnficasexperinciascom o pensamento, embora polo pensamento dumaminoria. Ultrapassouestas experincias. Servese delas para se afirmar, como se servir dasexperincias capitalistas ocidentais para se pr rapidamente altura daproduodomundoocidental.AAmricadoNorte,sobopontodevistacapitalista,maisevoludadoqueaInglaterra,porquenaAmricadoNorteos anglosaxes comearam imediatamente no estdio a que a Inglaterrachegara depois duma longa evoluo. O proletariado russo, educadosocialisticamentecomearasuahistrianoestdiomximodeproduoaquechegouaInglaterradehoje,porquetendodecomear,floapartirdaperfeiojatingidanoutroslados,edessaperfeioreceberoimpulsopara atingir a maturidade econmica que, segundo Marx, condionecessriadocolectivismo.Foramrevolucionriosquecriaramascondiesnecessriasparaa realizaocompleta eplena do seu ideal. Criaramnasemmenostempodequeoteriafeitoocapitalismo.

    ***

    Ascrticasqueossocialistastmfeitoefaroaosistemaburgus,parapr em evidncia as imperfeies, o esbanjamento de riquezas, serviramaosrevolucionriosparafazermelhor,paraevitaresseesbanjamento,parano carem naquelas deficincias. Ser em princpio o colectivismo damisria, do sofrimento. Mas as mesmas condies de misria e desofrimentoseriamherdadasdumregimeburgus.

    Ocapitalismonopoderia fazer jamais imediatamentenaRssiamaisdoquepoder fazerocolectivismo.Fariahojemuitomenos,porque teriaimediatamente contra ele um proletariado descontente, frentico, incapaz

  • 14/04/2015 Gramsci:ARevoluoContraoCapital

    https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1917/04/24.htm 4/4

    VisiteoMIAnoFacebook

    Incluso 01/10/2007

    desuportarpormaistempoeparaoutrosasdoreseasamargurasqueomalestar econmico traz consigo. Mesmo dum ponto de vista absoluto,humano, o socialismo imediato tem na Rssia a sua justificao. Ossofrimentos que viro aps a paz s podero ser suportados se osproletrios sentirem que est na sua vontade e na sua tenacidade polotrabalhoomeiodeosuprimirnomenorespaodetempopossvel.

    Temse a impresso que os maximalistas so neste momento aexpressoespontnea,biologicamentenecessria,paraqueahumanidaderussa no caia no abismo, para que, entregandose completamente aotrabalho gigantesco, autnomo, da sua prpria regenerao, possa sermenos solicitada polos estmulos do lobo esfameado de modo a que aRssia no venhaa ser umaenorme carnificina de feras que se devoramumassoutras.

    Compartilheestetexto:Inciodapgina

    Notas:

    (1*) Assinado Antnio Gramsci, Avanti, edio milanesa, 24 de Novembro de 1917 foireproduzidopor IlGridodel Popolo em5deNovembrode1918, comanota:A censuratorinesajumavezmutiloucompletamenteesteartigoemIlGrido.ReproduzimoloagoradoAvanti,passandopolocrivodascensurasdeMiloeRoma.(retornaraotexto)

    (2*)Destaformaeramchamados,naaltura,oscomunistas.(retornaraotexto)

    (3*)Lacunanotexto.(retornaraotexto)

    (4*)ArevoluodeFevereiro(Maro)de1917.(retornaraotexto)