GRATUIDADE DA JUSTIÇA NO NOVO CPC - Processo · PDF fileO tema da gratuidade costuma...

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    GRATUIDADE DA JUSTIA NO NOVO CPC

    Revista de Processo | vol. 236/2014 | p. 305 | Out / 2014DTR\2014\10502

    Fernanda TartuceDoutora e Mestre em Direito Processual pela USP. Professora dos cursos de Mestrado e Doutoradoda Faculdade Autnoma de Direito de So Paulo (Fadisp). Professora e Coordenadora de ProcessoCivil da Escola Paulista de Direito (EPD). Membro do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito deFamlia), do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e do IASP (Instituto dos Advogados deSo Paulo). Presidente do Conselho do Ceapro (Centro de Estudos Avanados de Processo).Mediadora e autora de obras jurdicas. Advogada orientadora do Departamento Jurdico do CentroAcadmico XI de Agosto.

    Luiz DelloreDoutor e Mestre em Direito Processual pela USP. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP.Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de especializao em civil e processo civil naEscola Paulista de Direito (EPD) e de cursos preparatrios. Ex-assessor de Ministro do STJ. Membrodo IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e da Comisso de Direito Processual Civil daOAB/SP. Diretor do Ceapro (Centro de Estudos Avanados de Processo). Advogado concursado daCaixa Econmica Federal.

    rea do Direito: Civil; ProcessualResumo: Este artigo visa comparar o tratamento legal da justia gratuita no atual sistema processualbrasileiro e no Projeto do Cdigo de Processo Civil, em trmite no Congresso Nacional. O artigopontua a existncia da tenso entre garantia de acesso justia com isonomia e a desconfiana depleitos de m-f. Destaca tambm as inovaes trazidas pelo Projeto no custeio de percias judiciais,alm de descrever e analisar criticamente a Seo dedicada gratuidade da justia presente noProjeto. Ao final, traz algumas concluses opinativas sobre os temas abordados.

    Palavras-chave: Acesso Justia - Justia gratuita - Processo civil brasileiro - Reformas legislativas- Projeto do Cdigo de Processo Civil.Abstract: This article aims comparing the legal treatment of courts services gratuitousness in thecurrent brazilian civil procedure system and in the Civil Procedure Code Project pending before theNational Congress. The article points the existing tension between the right of isonomic access tojustice and the distrust of fraudulent claims. It also highlights innovation brought by the Project inexpert examination funding, as well as describes and critically analyses the section dedicated tocourts services gratuitousness in the Project At the end, it brings some opinionated and analyticalconclusions about the covered topics.

    Keywords: Access to justice - Gratouitousness of courts services - Brazilian civil procedure -Legislative reforms - Civil Procedure Code Project.Sumrio:

    - 1.Relevncia do tema - 2.Conceitos de justia gratuita, assistncia judiciria e assistncia jurdicaintegral e gratuita - 3.Justia gratuita na Lei 1.060/1950 - 4.Justia gratuita no novo CPC -5.Comparativo entre os dois sistemas - 6.Concluses - 7.Referncias bibliogrficas

    Recebido em: 30.06.2014

    Aprovado em: 13.08.20141. Relevncia do tema

    O presente artigo tem por finalidade analisar uma temtica que, apesar de no muito debatida at omomento no mbito do novo Cdigo de Processo Civil (NCPC), apresenta grande relevncia prtica:a justia gratuita.1

    Gratuidade da justia no novo CPC

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  • O tema da gratuidade costuma ensejar considerveis controvrsias e as diversificadas vises doscoautores deste trabalho exemplifica isso.

    Para a coautora, se por um lado ningum nega que o litigante hipossuficiente merece ter acesso justia com isonomia, de outra banda costuma-se desconfiar dos pleitos de gratuidade formuladosem juzo, pressupondo-os fruto da m-f.

    Embora haja afirmaes correntes sobre a suposta abusividade2 nos pedidos de gratuidade em juzo,faltam dados concretos sobre sua verificao. No h estudos consistentes aptos a responder osseguintes questionamentos: a maior parte dos litigantes pleiteia gratuidade? Em caso positivo,quantos tm seus pedidos atendidos? Quantos desses atendimentos so corretos? Sem dadosqualitativos difcil concluir se h abusos, embora cada advogado, em seu prprio laboratrio decasos, tenha suas impresses a respeito.

    J para o coautor deste artigo, ainda que no existam estatsticas confiveis sobre o tema, obenefcio da justia gratuita muito utilizado por quem se vale do Poder Judicirio especialmentepessoas fsicas, muitas das vezes de forma indevida; a anlise emprica de quem atua no forocomprova isso.

    Alm de ser controvertido, o tema relevante e est na ordem do dia, tendo merecido tratamentoespecial no Projeto do novo CPC, que traz sensveis alteraes normativas.

    Contudo, apesar da importncia do tema e das alteraes vindouras, ao menos at o momento adoutrina pouco tem se dedicado ao tema. Nesse sentido, basta verificar que (i) no se conhece, nascoletneas j publicadas e em revistas especializadas, artigos especficos sobre o tema3 e (ii)nenhum dos enunciados publicados sobre o NCPC (seja no Frum Permanente de Processo Civil4

    ou do Centro de Estudos Avanados de Processo5) trata especificamente do assunto, ainda quealguns tangenciem a temtica.6

    Assim, este breve texto busca analisar o sistema vigente (partindo de um debate terminolgico) e asalteraes presentes no projeto,7 para ento comparar os principais pontos de distino entre asregras atuais e projetadas, procedendo a uma anlise crtica das modificaes.2. Conceitos de justia gratuita, assistncia judiciria e assistncia jurdica integral e gratuita

    A distino entre os trs conceitos importante para dissipar incompreenses, j que certa confusoconceitual verificada em doutrina e jurisprudncia por ser o panorama normativo prdigo em tratarindistintamente institutos que revelam realidades diversas.8

    A partir do critrio cronolgico iniciemos pela Lei 1.060/1950, que regula a assistncia judiciriagratuita: tal lei prev um sistema estruturado para que a parte vulnervel economicamente faa jusao acesso justia, buscando tornar sem efeito os bices pecunirios que poderiam comprometersua atuao em juzo.9

    A assistncia judiciria consiste no patrocnio da causa por advogados,10 sejam eles componentes doEstado, integrantes de uma entidade com ele conveniada, de entidades privadas ou mesmoparticulares atuando pro bono.

    comum que nos conceitos aparea a figura estatal porque a atuao dela pauta o modelo adotadopredominantemente no pas; como exemplo, considere-se a conceituao de Anselmo PrietoAlvarez, para quem assistncia judiciria o auxlio que o Estado obrigatoriamente oferece a quemse encontra em situao de miserabilidade, dispensando-o das despesas e providenciando-lhedefensor, em juzo.11

    Aps a realizao de triagem socioeconmica pelo prestador da assistncia jurdica, que constata ainsuficincia de recursos, a pessoa recebe informaes jurdicas e conta com os servios deacompanhamento e manifestao nos autos por profissionais,12 sendo contemplado com a liberaodos pagamentos que normalmente o onerariam caso precisasse pagar pela representao.

    Coerente com a desejada ampliao de acesso justia, a Constituio Federal passou a prever, apartir de 1988 no art. 5., LXXIV, que o Estado prestar assistncia jurdica integral e gratuita aosque comprovarem insuficincia de recursos.

    Gratuidade da justia no novo CPC

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  • O dispositivo constitucional aumenta o espectro de ferramentas aos necessitados: a assistnciajurdica integral e gratuita implica no s na possibilidade de atuao em juzo, mas tambm naconcesso de consultas para a regularizao jurdica do indivduo e no fornecimento de informaes13 e documentos, dentre outras medidas que se possam revelar necessrias.14

    Sobre a importncia de tal garantia, o questionamento de Anselmo Prieto Alvarez merece reflexo:

    Num pas onde temos como regra a pobreza de sua populao, poderamos afirmar que aassistncia jurdica gratuita, em sua real acepo, por certo to importante quanto liberdade deexpresso, vez que do que adiantaria termos assegurada tal liberdade se, caso violada, o lesado,sendo hipossuficiente, nada pudesse fazer para recha-la?15

    A justia gratuita, por sua vez, pode ser compreendida como a iseno do recolhimento de custas edespesas (de ordem processual ou no) que se revelam necessrio ao exerccio de direitos efaculdades processuais inerentes ao exerccio do devido processo legal.16

    Vale destacar que, embora a gratuidade parea ser uma benesse atraente, a ponderao de JosRenato Nalini procede:

    Alegar que haveria estmulo demanda em virtude da gratuidade parece no se fundar em anliseadequada da personalidade humana. Os homens no criaro conflitos pelo simples fato de que suasoluo judicial ser livre de custeio. Pode haver inicial recrudescimento, pois um dos pontos quecontribui para o delinear da litigiosidade contida , justamente, a necessidade de dispndio. Mas, ofato de no se cobrar pela prestao jurisdicional desvinculado da multiplicao dos processos, damesma maneira como a imaginria iseno de pagamento por internao hospitalar no ,diretamente ao menos, causa de epidemia.17

    Assim, em sntese: (i) assistncia jurdica a orientao jurdica ao hipossuficiente, em juzo ou foradele; (ii) assistncia judiciria o servio de postulao em juzo (portanto, inserido na assistnciajurdica) e (iii) justia gratuita a iseno de custas e despesas (seja diante do servio prestador deassistncia jurdica, seja diante do advogado privado).3. Justia gratuita na Lei 1.060/1950

    Em 05.02.1950 veio a lume a Lei de Assistncia Judiciria para uniformizar, no planoinfraconstitucional,18 as regras gerais para o reconhecimento da incidncia da Justia Gratuita nombito jurisdicional, incluindo elementos com a extenso das isenes processuais e asprerrogativas dos prestadores do servio.19

    Como j apontado, a lei ensejou diversos equvocos ao empregar as expresses assistnciajudiciria e justia gratuita como se tivess