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GT Desobediência civil I Coordenação: Ramon Mapa da Silva e Ana Clara Abrantes Simões Ocupação urbana irregular: desobediência e direito Arnaldo Vieira Sousa 1 Artur Cantanhede de Andrade 2 Layse Cristina Silva Campos 3 O presente trabalho carrega consigo a proposta de discutir sobre como a ocupação urbana irregular é uma ação de resistência, desobediência e uma forma de se garantir o cumprimento do direito à moradia. Tendo em vista que dentro das cidades a desigualdade de renda, provocada pelo modo como a sociedade capitalista se organiza, faz com que haja uma divisão de terras desigual. Os terrenos que se localizam nas cidades, normalmente fruto de grilagem praticada pelas pessoas de alta renda, são utilizados para se fazer especulação imobiliária. E, em decorrência dessa desigualdade na distribuição de terras nas cidades, em específico, logicamente as pessoas marginalizadas dentro da sociedade, e por consequência nas cidades, não tem acesso a essas terras, tendo em vista que a especulação imobiliária restringe esse acesso para pessoas que tenham dinheiro suficiente para pagar. E, com base na disposição da terra de forma abandonada e muitas vezes nem murada, é possível se afirmar que eles não realizam a função social da propriedade, e sua única função é servir para uma lógica de mercado onde se espera a valorização do bem, ficando o terreno sem movimentação alguma por anos, tempo suficiente para que se conseguir a propriedade por meio do instrumento da usucapião. Entretanto, esses terrenos que se localizam nos chamados bairros nobres não são utilizados pelo governo para que se faça alguma política pública de habitação popular, pois, não fica “bonito” para esses bairros da elite que se faça um programa como esse, até porque as habitações populares tem uma arquitetura diferente, fazendo com que esses programas sejam realocados para lugares distantes, podendo provocar mudanças ruins para essas pessoas. Quando essas ocupações se iniciam, as pessoas que ocupam, na maior parte das vezes constituídas de famílias, que entram nesses terrenos com o intuito de ali fazerem suas casas, de forma precária, pois, não tem dinheiro para construir uma casa de alto padrão, portanto, 1 Unidade de Ensino Dom Bosco [email protected]; 2 Unidade de Ensino Dom Bosco [email protected]; 3 Unidade de Ensino Dom Bosco [email protected].

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GT Desobediência civil I Coordenação: Ramon Mapa da Silva e Ana Clara Abrantes Simões

Ocupação urbana irregular: desobediência e direito

Arnaldo Vieira Sousa1

Artur Cantanhede de Andrade2

Layse Cristina Silva Campos3

O presente trabalho carrega consigo a proposta de discutir sobre como a ocupação urbana

irregular é uma ação de resistência, desobediência e uma forma de se garantir o cumprimento

do direito à moradia. Tendo em vista que dentro das cidades a desigualdade de renda,

provocada pelo modo como a sociedade capitalista se organiza, faz com que haja uma divisão

de terras desigual. Os terrenos que se localizam nas cidades, normalmente fruto de grilagem

praticada pelas pessoas de alta renda, são utilizados para se fazer especulação imobiliária. E,

em decorrência dessa desigualdade na distribuição de terras nas cidades, em específico,

logicamente as pessoas marginalizadas dentro da sociedade, e por consequência nas cidades,

não tem acesso a essas terras, tendo em vista que a especulação imobiliária restringe esse

acesso para pessoas que tenham dinheiro suficiente para pagar.

E, com base na disposição da terra de forma abandonada e muitas vezes nem murada, é

possível se afirmar que eles não realizam a função social da propriedade, e sua única função é

servir para uma lógica de mercado onde se espera a valorização do bem, ficando o terreno

sem movimentação alguma por anos, tempo suficiente para que se conseguir a propriedade

por meio do instrumento da usucapião. Entretanto, esses terrenos que se localizam nos

chamados bairros nobres não são utilizados pelo governo para que se faça alguma política

pública de habitação popular, pois, não fica “bonito” para esses bairros da elite que se faça um

programa como esse, até porque as habitações populares tem uma arquitetura diferente,

fazendo com que esses programas sejam realocados para lugares distantes, podendo provocar

mudanças ruins para essas pessoas.

Quando essas ocupações se iniciam, as pessoas que ocupam, na maior parte das vezes

constituídas de famílias, que entram nesses terrenos com o intuito de ali fazerem suas casas,

de forma precária, pois, não tem dinheiro para construir uma casa de alto padrão, portanto,

1 Unidade de Ensino Dom Bosco [email protected];

2 Unidade de Ensino Dom Bosco [email protected];

3 Unidade de Ensino Dom Bosco [email protected].

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com a finalidade de garantir o direito à moradia acabam entrando em um conflito com o

governo em forma de resistência e luta. Com base nisso, o presente trabalho tem a finalidade

de entender o contexto histórico, social e econômico que levou à propriedade privada, à sua

limitação pela função social, junto com os movimentos sociais de iniciativa popular, bem

como suas estratégias de luta a luz desobediência civil e como esse conflito social pode fazer

surgir novas soluções para velhos problemas que é a moradia mais especificamente às

ocupações irregulares, que podem ocorrer dentro dos centros urbanos, e na maior parte das

vezes ocorrem em terrenos grilados, que tem como propósito apenas a especulação

imobiliária.

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A desobediência como exercício da soberania popular: a flor no asfalto das democracias

modernas

Bárbara Nascimento de Lima1

Mariana Ferreira Bicalho2

A presente proposta de comunicação é escrita com o objetivo de ser transformada em um

trabalho que revele as desobediências como caminho para a construção de uma revolução

libertária, múltipla e mutante. As democracias modernas, construídas sob a égide de uma

lógica liberal burguesa cuja própria existência constitui um estado constante de crise, pouco

oferecem em termos de justiça. O direito, interpretado aqui como parte fundamental de um

simulacro de democracia, tem como função a aniquilação constante e violenta de “pessoas

escondidas”3. Faz-se necessário, portanto, que pensemos em direções alternativas e até

mesmo utópicas, que nos ofereçam outras e novas perspetivas de pensar e agir. Em tal

intensidade, que o exercício das desobediências torna-se a flor no asfalto para a busca por

justiça e legitimidade, o desabrochar do povo4.

Para Ricardo Sanín Restrepo5 a democracia não é apenas um horizonte possível ou uma

verdade por vir, mas um exercício permanente e vital de poder pela resistência, que tem como

alicerce a diferença. O constitucionalismo liberal vigente, no entanto, nos impõe um modelo

particular de homem e de sociedade como representação imaculada do que deveria a ser a

identidade e a unidade, colonizando diferenças e suprimindo a democracia como dinâmica

social. Ao mesmo tempo, nos deparamos com a realidade de sistemas político-jurídicos

comprometidos com o mercado e o capital, envelhecidos e incapazes de absorver demandas

mais amplas de inclusão social6. Nesse sentido, sob o risco de se tornar apenas mais um dos

vários mecanismos jurídicos incapazes de promover mudanças estruturais, a desobediência

1 Mestranda em Teoria do Direito pela PUC Minas e bolsista CNPq.

2 Mestranda em Teoria do Direito pela PUC Minas e bolsista CAPES.

3 RESTREPO, Ricardo Sanín. Decolonizing Democracy: Power in a Solid State. London: Rowman & Littlefield

International. 2016. 4 ANDRADE, Carlos Drummond de Andrade. A Rosa do Povo. A flor e a náusea. p. 11-13. São Paulo: José

Olympio, 1945; 5

RESTREPO, Ricardo Sanín. Teoria Crítica Constitucional. La democracia a la enésima potencia. Valencia:

Tirant lo blanch, 2014. p. 237; 6 Desobediência civil hoje: entre a desinstituição e o poder constituinte. MATOS, Andityas Soares de Moura

Costa. In: Rompimento democrático no Brasil: teoria política e crise das instituições públicas. GONTIJO,

Lucas de Alvarenga; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de; MORAIS, Ricardo Manoel de Oliveira.

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civil deve ser pensada e concretizada em sua potência radical máxima em uma promessa

absolutamente anti-institucional7.

7 Desobediência civil hoje: entre a desinstituição e o poder constituinte. MATOS, Andityas Soares de Moura

Costa. In: Rompimento democrático no Brasil: teoria política e crise das instituições públicas. GONTIJO,

Lucas de Alvarenga; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de; MORAIS, Ricardo Manoel de Oliveira.

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As jornadas de junho de 2013 no Brasil sob a ótica da desobediência civil

Bruno Morais Avelar Lima1

Douglas Carvalho Ribeiro2

O presente trabalho pretende levar a cabo um estudo sobre os movimentos de protesto

ocorridos no Brasil em junho de 2013, que ficaram conhecidos como “Jornadas de Junho de

2013”, sob a perspectiva da desobediência civil. Para tanto, inicialmente, será feito um

delineamento geral acerca da conceituação da desobediência civil. Feito isso, analisaremos

brevemente como a desobediência civil é tratada em diferentes tradições do pensamento

jurídico-político. Primeiramente, a partir de autores como Hannah Arendt e John Rawls, será

feita uma exposição de como a tradição liberal encara o mencionado conceito. Após isso,

elaboraremos uma sucinta exposição sobre como a tradição constitucionalista entende a

importância da desobediência civil, a partir de autores como Jürgen Habermas. Por fim,

exporemos a relação entre a desobediência civil e o seu potencial revolucionário levada a

cabo por autores como Andityas Matos e Rafaelle Laudani. Feito isso, de posse dessas

premissas teóricas, analisaremos as Jornadas de Junho de 2013 e sua íntima relação com a

temática da desobediência civil. O cotejo das diferentes compreensões acerca da

desobediência civil realizadas anteriormente nos permitirá compreender de forma mais ampla

a heterogeneidade de interesses e valores dos diversos grupos presentes nas manifestações.

Dessa forma, o trabalho procurará sistematizar as diversas compreensões acerca dos

acontecimentos de junho, a partir de autores como Maria da Glória Gohn, Marcos Nobre,

Manuel Castells e Giuseppe Cocco, sob a ótica da desobediência civil.

1 Mestrando em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG), bolsista pela CAPES. Possui Graduação em Direito pela UFMG. E-mail:

[email protected]. 2 Possui graduação (2014) e mestrado (2017) em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Email:

[email protected].

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Greves encarceradas - comparações entre as greves dos presos nos Estados Unidos da

América e no Brasil

Carolina Soares Nunes Pereira1

Em 09 de Setembro de 2016, marcando o quadragésimo quinto aniversário do levante da

prisão de Attica, iniciou-se a maior greve de presos nos EUA. Segundo organizadores da

greve (Incarcerated Workers Organizing Committee) e o Movimento Free Alabama, pelo

menos vinte e quatro mil encarcerados, em vinte e quatro estados participaram da greve.

Naquele dia, os encarcerados se recusaram a trabalhar, afirmando estarem em condições

desumanas nas prisões, além da situação laboral análoga à escravidão. Para muito além de

demandas reformistas, o movimento dos encarcerados disputava o fim do trabalho nas

prisões. O trabalho encarcerado, existindo, seria sempre um trabalho forçado, degradante,

alienado, para cumprir um papel de exploração de força de trabalho sem qualquer liberdade,

reféns do Estado capitalista, como denunciava o movimento.

Pouco mais de um ano depois do início do movimento estadunidense, em 06 de novembro de

2017, a International Prisioners’ Associaton anunciou que doze unidades prisionais haviam

deflagrado greve de todos os encarcerados no estado do Rio de Janeiro, Brasil. O Comando

Vermelho comunicou que os presos não trabalhariam, tampouco aceitariam quaisquer

provimentos (alimentos, remédios e outros) das administrações das prisões. A greve carioca

também objetiva denunciar condições desumanas às quais os presos estão submetidos, mas

insere-se em outro contexto em relação ao trabalho prisional, denunciando a quase

inexistência de trabalhos para os presos e, quando disponíveis, o estão apenas em condições

de aguda exploração.

Este artigo objetiva comparar os dois movimentos grevistas, a partir de referências

abolicionistas e de uma possível leitura do movimento grevista como desobediência civil e/ou

tática revolucionária dos trabalhadores encarcerados. Tratar-se-á de diferenciar a greve

estadunidense da greve do estado do Rio de Janeiro, sendo esta última marcada pela

dirigência da facção Comando Vermelho, e pelos esforços do Estado e da mídia hegemônica

capitalista em ocultarem a continuidade do movimento. Busca-se discutir a especificidade do

1 Graduanda do 8º período em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

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trabalho nas prisões norte americanas e brasileiras, bem como a capacidade do movimento

estadunidense em mobilizar também agentes penitenciários para a greve. Ainda visa-se

compreender como os presos estadunidenses se organizam em um movimento radicalmente

questionador e de livre aderência em contraposição à greve do Rio, comandada por uma

facção marcada por uma estrutura hierárquica de controle. Por fim, a pesquisa se debruça

sobre a desobediência civil daqueles que têm sua liberdade tolhida ao máximo, os

encarcerados, para discutir possibilidades e limites dos dois distintos movimentos grevistas

como questionadores radicais das prisões, isto é, como uma potência abolicionista e

revolucionária.

Palavras-chave: greve; presos; facção; trabalho; desobediência civil revolucionária.

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O poder de desobedecer

Elisa Tocafundo Lages1

O presente trabalho visa discutir, à luz da seletividade das questões tratadas pelo Estado, a

chamada biopolítica (Focault, Michel, 2004), a desobediência civil (Thoreau 2016) como uma

possibilidade concreta de politizar demandas tidas como ilegítimas ou, ainda, como não

prioritárias pelo poder institucionalizado.

Os atos de desobediência, como proposto por Henry David Thoreau (2016), chamam atenção

para questões latentes e que, segundo o autor, significam uma oposição, mesmo que

momentânea, ao Estado e sua legitimidade (Weber, economia e sociedade I, 2013). Thoreau

diz, ainda:

Deve o cidadão, sequer por um momento, ou minimamente, renunciar à sua

consciência em favor do legislador? Então por que todo homem tem uma

consciência? Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e depois súditos”.

(THOREAU, 2016, p. 10).

Com esse fragmento, já nos pensamentos de Thoreau é possível perceber uma crítica à

democracia representativa, haja vista o fato de que a consciência individual não se confunde

com a do legislador e, nesse sentido, há uma quebra da crença da legitimidade formal-racional

do Estado (Weber, 2013). A partir desse cenário, a desobediência da norma surge como uma

possibilidade concreta - e legítima - de impor demandas reiteradamente ignoradas pelo Estado

pelas vias formais. (Focault, Michel, 2004).

Em meados de 2016, o zelador Corey Menafee quebrou com uma vassoura um vitral do

século XIX na Universidade de Yale que trazia representações escravagistas. Essa atitude, ou

manifesto, como foi reconhecida posteriormente, levou a consequências muito maiores do que

um simples ato de vandalismo. Corey foi considerado um ativista e ganhou o apoio de

estudantes dentro e fora de Yale. O episódio foi largamente divulgado na mídia Norte

Americana vindo o zelador, inclusive, a ser comparado a Rosa Parks, ativista negra dos

direitos civis que ficou conhecida pela luta contra a segregação que tomava conta do país nas

décadas de 50 e 60. Rosa Parks notabilizou-se pelo episódio em que se recusou a ceder seu

1 Instituição de ensino: Estudante de Graduação em Direito na PUC Minas.

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lugar no ônibus para um passageiro branco, contrariando a política segregacionista vigente na

época.

Ambos episódios, guardadas as devidas singularidades e o lapso temporal que os separa,

trouxeram, a sua maneira questões relevantes no que tange a violação a direitos individuais e

a Princípios Constituicionais, trazendo a tona a falsa ideia de igualdade e acesso igualitário à

justiça eaos direitos, proposto pelo Estado.

As reações de Corey Menafee e Rosa Parks contra o sistema opressor, ao status quo de

séculos de escravidão e uma falsa abolição, construída a partir da segregação e da subtração

de direitos e garantias fundamentais, revelam a insatisfação de uma minoria que, por meio

demanifestações isoladas, muitas vezes marcadas pela violência, direcionam os holofotes para

questões problemáticas, mostrando sua insatisfação e a necessidade urgente de mudança.

Nesse sentido, o artigo proposto visa não apenas discutir a desobediência civil do ponto de

vista teórico, mas também trazer exemplos concretos de atos de desobediência, de forma a

possibilitar análises de suas potencialidades de mudança.

Referências bibliográficas:

FOUCAULT, M. Naissance de la biopolitique. Paris: Gallimard, 2004.

THOREAU, David, A desobedência Civil, Porto Alegre, RS: L&PM, 2016

WEBER, Max. Economia e Sociedade – fundamentos da sociologia compreensiva. 4ª. ed. Vol. I Brasília: Ed.

UnB, 2013.

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A arte de profanar para as novas gerações: Giorgio Agamben e as resistências à

opressão contemporânea

Fernando Nogueira Martins Júnior1

A proposta de comunicação busca, tomando como eixo a categoria agambeniana de

“profanação”, analisar algumas formas potencialmente efetivas de resistência contra

dinâmicas opressivas de todo o gênero. A articulação entre a sacralização/consagração e a

profanação diria respeito, respectivamente, à retirada de coisas do âmbito do livre uso por

todas as pessoas (tornando tais coisas “sacras” ou “sagradas) e à restituição de tais coisas,

sonegadas à comunidade e à lógica do Comum, à livre disposição e ao livre uso de todos.

Uma das características do fenômeno global que pode-se denominar de “estado de exceção

permanente” é exatamente essa instauração de interdições, limites, controles e

(auto)vigilâncias que só se efetivariam com a supressão de amplas esferas da vida quanto a

um registro comunal. A noção de “contra-dispositivo profanatório”, numa leitura a contrario

sensu do proposto por Michel Foucault e, notadamente, por Giorgio Agamben pode ajudar a

compreender como se podem articular resistências eficazes no próprio seio da realidade social

sequestrada pelo poder econômico e político. Para tratar do tema será apresentado a categoria

de “profanação”, conforme trazida pela obra agambeniana, para então trazermos no trabalho

dois potenciais exemplos de resistência profanatória: o contágio como profanação, na heresia

jurídico-política da luta plurinacional boliviana, em especial quanto à feitura de um Rascunho

de Parte Geral de um futuro Código Penal, inédito em inúmeros aspectos quanto a seu caráter

avançado e não-euroanglocêntrico; e o jogo como profanação, no emprego da tática Black

Bloc que ressignifica o espaço urbano e o circuito mercantil de circulação de bens, serviços e

símbolos e, em um marco de genuína “destruição criativa”, enfrenta localmente a higidez e o

monolitismo do Capital imperante e gera, pela retomada “violenta” das ruas sonegadas ao

comum do povo e pela operacionalização e presentificação de algo do “caráter destrutivo”

benjaminiano, fatos políticos que podem incrementar e intensificar a dimensão disruptiva e

subversiva da luta política avançada e radical.

1 Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor Adjunto de Direito Penal,

Processo Penal e Prática Jurídica do Departamento de Direito da Universidade Federal de Lavras. Advogado

criminalista.

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Carnaval de guerra: sobre os 05 e os outros 360 dias de festa

Frederico Canuto1

Sophia Guarnieri2

Thalia Marques Gomes3

Catharina Titton4

Aline Maracahipe5

Michelle Correa de Souza6

Mariana de Oliveira Otávio7

O presente trabalho pretende discutir a dimensão desobediente, demo-crática, constituinte e

em rede do carnaval de rua de Belo Horizonte após o seu chamado "renascimento" no anos de

2009. E para tal, interessa aqui expor o carnaval não apenas a partir dos afetos produzidos nos

cinco dias de folia a partir de uma percepção pessoal e/ou subjetiva, mas também abordá-lo de

maneira crítica nestes dias e seus desdobramentos para a cidade nos outros 360 dias do ano. A

partir de entrevistas, desenhos, esquemas, pesquisas e tomando os blocos de carnaval aqui

como objeto de escrutínio e potencialidades democráticas, pois foi através dessa organização

de cunho popular que o carnaval "renasceu" em 2009, pretende-se colocar em questão os

modos de financiamento [tanto a partir de festas como de via incentivos municipais e

vaquinhas virtuais chegando até mesmo a inexistência de financiamento], seus modos de

organização política [entre a horizontalidade na tomada de decisões e a verticalidade de

modelos organizacionais mais conhecidos], suas redes de relacionamento com movimentos e

ocupações urbanas [o que se desdobra num entendimento que muitos blocos são partes de

1 Professor Adjunto Escola Arquitetura UFMG / Pesquisa: Urbanismo de Guerra: Narrativas / Grupo Pesquisa

CNPQ Narrativas Topológicas. 2 Bolsista de Iniciação Científica ICV Carnaval de Guerra / Graduanda em Arquitetura e Urbanismo / Grupo

Pesquisa CNPQ Narrativas Topológicas. 3 Bolsista de Iniciação Científica ICV Carnaval de Guerra / Graduanda em Arquitetura e Urbanismo / Grupo

Pesquisa CNPQ Narrativas Topológicas. 4 Bolsista de Iniciação Científica ICV Carnaval de Guerra / Graduanda em Arquitetura e Urbanismo / Grupo

Pesquisa CNPQ Narrativas Topológicas. 5 Bolsista de Iniciação Científica ICV Carnaval de Guerra / Graduanda em Arquitetura e Urbanismo / Grupo

Pesquisa CNPQ Narrativas Topológicas. 6 Bolsista de Iniciação Científica ICV Carnaval de Guerra / Graduanda em Arquitetura e Urbanismo / Grupo

Pesquisa CNPQ Narrativas Topológicas. 7 Bolsista de Iniciação Científica ICV Carnaval de Guerra / Graduanda em Arquitetura e Urbanismo / Grupo

Pesquisa CNPQ Narrativas Topológicas.

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movimentos maiores], distribuição espacial pela cidade [entre a centralidade dos cinco dias de

carnaval numa zona mais central e seu movimento rumo a áreas mais periféricas da cidade],

ocupação das ruas nos cinco dias de folia e a relação com a polícia [que torna visivel certos

carnavais em detrimentos a outros].

As hipóteses a serem abordadas a respeito desse carnaval são: da desobediência civil porque

pretensamente propõe novas formas de ocupar as ruas da cidades, tensionando políticas

públicas existentes e imaginando nas ruas espaços de discussão sobre a cidade dos outros 360

dias; da demo-cracia porque pode estabelecer novos regimes de deliberação e afetividade pois

sua organização interna e dimensão política trafegam entre a insurgência por cinco dias e a

criação de comuns nos outros 360; da constituinte porque há que se discutir quando vista em

rede e associada a novas formas de ativismo sócio-espacial, percebe-se que o carnaval mais

do que evento é movimento, tornando-se uma máquina carnavalizadora da cidade.

O objetivo da comunicação é expor, analisar e criticar as potências mas também os limites de

tal carnaval dos cinco dias e a carnavaliação possível nos outros dias do ano, entendendo esta

festa como parte de um ciclo de produção da cidade e não como um momento excepcional da

vida da mesma.

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Pragmática da Desobediência Civil: cultura, pragmática e protestos no Rio de Janeiro

João Guilherme Bastos dos Santos1

Esta proposta de comunicação expõe alguns resultados da pesquisa Pragmatics of Civil

Disobedience: culture, pragmatics and protests in Rio de Janeiro (Pragmática da

Desobediência Civil: cultura, pragmática e protestos no Rio de Janeiro) desenvolvida durante

estágio doutoral na Universidade de Leeds, Reino Unido, e durante o doutorado na

Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Como exposto pelos experimentos de Stanley Milgram2, embora as pessoas façam a decisão

intelectual de não colaborar ou expor publicamente discordâncias em relação a ordens

consideradas ilegítimas, na maioria das vezes esta decisão não se converte em desobediência

efetiva a não ser que outros fatores entrem em cena. Os estudos em questão envolviam ordens

para que uma pessoa administrasse choques em outra com finalidades científicas, mesmo

depois que esta última expressa sua discordância em relação a continuidade do experimento, e

só em contato com outros fatores – como proximidade física, visualização da pessoa que

sofreria o choque, possibilidade de ouvi-la, e principalmente a presença de outras pessoas que

apoiam a insubordinação – a discordância efetivamente se transformou em desobediência.

O autor defende que qualquer modelo teórico sobre a obediência precisa levar em conta as

relações entre distância, barreiras físicas e temporais impostas entre os agentes e aqueles que

sofrerão as consequências diretas destas ações. Vale notar que estes fatores estão relacionados

primariamente com barreiras informacionais, que podem ser contornadas com apropriação de

diversas tecnologias da comunicação com finalidades políticas.

A divisão de trabalho e a especialização que marcam as sociedades complexas criam um

número crescente de intermediários entre as pessoas e as consequências finais de suas ações,

transformando-os em links intermediários correntes de ações nas quais se mantêm alheias ao

resultado final. No lugar de consequências morais pelos resultados das próprias ações, os

indivíduos levariam crescentemente em consideração a medida em que estas ações

correspondem às exigências de autoridades e instituições sociais específicas. Diversos termos

– lealdade, dever, disciplina – contêm sentido moral e se referem a garantia de obediência a

1 Doutorando no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

2 Ver Obedience to Authority: an experimental view. Pinter and Martin, 2009

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autoridades, sendo muitas vezes utilizados como justificativas para ignorar as consequências

finais das ações perpetradas.

Para analisar os resultados do comportamento coletivo em suas relações com normais sociais

tácitas ou explícitas, suas relações com tecnologias da comunicação e as consequências da

insubordinação, autores relacionados à Pragmática da Comunicação e estudos de interação

recorrem a conceitos sistêmicos relacionados aos estudos sobre comportamento social e

cibernética. A dimensão social deste comportamento é importante uma vez que a obediência –

subordinação e conivência com autoridades – é fortalecida em diferentes instâncias pela

conformidade – a adoção de linguagem, hábitos e rotinas dos pares, muitas vezes

naturalizando as ordens obedecidas.

Estes diferentes fatores – como a relação entre espaço, comunicação e obediência – podem ser

encontrados em escritos de Henry Thoreau3 como Slavery in Massachisetts e Walking, que,

com seu ensaio Civil Disobedience, compuseram historicamente a base para diversas

campanhas de desobediência civil em diferentes países.

Partindo deste quadro, este trabalho articulou referenciais teóricos de diferentes áreas para

propor uma Pragmática da Desobediência Civil, utilizada para analisar dinâmicas de protestos

em larga escala ocorridos no Rio de Janeiro.

3 Ver Walden, Civil Disobedience and other Writings: authoritative texts, journal, reviews and posthumous

assessments criticism. W. W. Norton, 2008.

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Ocupações urbanas, desobediência civil e pacto político

Luiz Fernando Vasconcelos de Freitas1

O déficit habitacional brasileiro, segundo estudo feito pela Fundação João Pinheiro (FJP),

alcançou em 2013-2014 a marca de 6.068.061 de moradia. São milhões de famílias sem-casa

que estão, segundo a metodologia aplicada pela FJP, em situação de terem uma habitação

precária, seja em domicílios rústicos ou improvisados, em coabitação familiar, com gastos

excessivos com aluguel urbano ou adensamento excessivo de domicílios alugados

(FUNDAÇÂO JOÃO PINHEIRO, 2016).

As ocupações urbanas de terrenos que não cumprem a função social da propriedade, diante

desse cenário, são a alternativa imediata de moradia para centenas de milhares de pessoas

sem-teto que não conseguem acessar e efetivar o direito à moradia adequada pelas vias

formais, quais sejam: contrato de compra e venda registrado em cartório de imóveis,

financiamento habitacional por via da garantia perante um agente financeiro ou por via de

uma política habitacional gerida pelo Poder Público.

As ocupações urbanas surgem, assim, como resposta à ineficiência do aparato Estatal em dar

respostas que combatam a especulação imobiliária nas cidades e garantam o direito á moradia

para os setores populares. Além disso, são uma ação direta que combate a transformação da

moradia em uma mercadoria cara fato que impede o acesso desse direito social para amplas

parcelas sociais.

Os poderes públicos tendem a enquadrar essas ocupações urbanas como ilegais, como atos

desprovidos de legitimidade jurídica e política e até mesmo como crime de esbulho

possessório em clara tentativa de desarticular as lutas sociais por via do aparato repressor do

Estado.

Diante desse quadro, pretende-se abordar na comunicação a legitimidade das ocupações

urbanas como atos de desobediência civil e de garantia de efetivação de um direito

constitucional por via da luta direta. Pretende-se, também, relacionar essas ocupações urbanas

com a conjuntura politica em que vive o Brasil, momento em que houve um Golpe Jurídico,

Midiático, Parlamentar, no ano de 2016, e que se desdobra em um processo de

1 Bacharel, mestre e doutorando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação de Direito da Universidade Federal

de Minas Gerais (UFMG).

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desconstitucionalização e retirada de direitos. Busca-se as conexões entre a luta pelo direito à

moradia e à cidade e a luta por um novo projeto constituinte a partir da luta direta e territorial.

Diante do Golpe de 2016 sustenta-se a tese de que houve o fim da Nova República e, com

isso, abriu-se um processo longo de instabilidade em que a desconstitucionalização é

enfrentada por setores sociais progressistas com muita luta de forma a dar sentido a um novo

pacto político que tenha substância em uma Constituição fruto da luta direta e do

compromisso com os sujeitos historicamente oprimidos.

A busca pela efetivação do direito à moradia e do direito à cidade por via da desobediência

civil rompe a lógica da cidade capitalista e busca pensar que o direito e os direitos brotam das

lutas e que qualquer pacto político democrático deve passar pelo respeito às diversas lutas

constituintes que enfrentam o sistema de dominação vigente no Brasil.

Anonimato em manifestações: análise da Lei 21 324/2014 do Estado de Minas Gerais.

Mirlir Cunha1

Por trás das máscaras em manifestações políticas, verifica-se a articulação de indivíduos a

desafiar a política brasileira. Se algumas ações são simbólicas, outras são violentas e podem

ser vistas como contrárias à democracia e ao Estado de Direito no Brasil. Nesse contexto,

tradicionalmente, recorre-se a atuação dos órgãos de Segurança para coibir atos que incitam

o uso da violência. Dentre essas condutas, encontra-se o objeto de interesse deste trabalho: o

uso de máscaras que promova o anonimato em atos conhecidos pela teoria política como

desobediência civil.

Essa discussão, porém, longe de ser simples, revela uma tensão entre os princípios da

liberdade de manifestação do pensamento e o de garantia da ordem pública, fenômeno

representado pelo encontro entre política e polícia nas ruas do Brasil. Apesar de o anonimato

ser vedado no Brasil, o uso da expressividade simbólica da máscara em manifestações é um

argumento de moralidade política importante a ser enfrentado pelas autoridades brasileiras, se

os princípios da autodeterminação e a liberdade foram levados à sério no Brasil.

Com base nas reflexões do cientista político John Rawls (2008), marco teórico adotado, sobre

o tema da desobediência civil, avaliou-se a Lei 21 324 (MINAS GERAIS, 2014), que veda o

anonimato em eventos multitudinários. Após estudo jusfilosófico e análise comparada de

outros padrões normativos, concluiu-se que a norma estudada é eficiente no necessário

controle do anonimato além estar de acordo com os princípios políticos democráticas e

princípios constitucionais.

1 Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais ocupando o posto de Capitão; Bacharel em Direito pela FDUFMG

no ano de 2007; Mestre em Direito pela FDUFMG no ano de 2014; Doutoranda em Direto na FDUFMG,

ingresso no 1 semestre de 2017.

Voto Nulo

Renarde Freire Nobre1

A comunicação buscará promover uma discussão sobre a possibilidade de se pensar a

desobediência civil no Brasil focada no nosso principal dispositivo de participação: o pleito

eleitoral. Mais precisamente, trata-se de averiguar o sentido, a validade e, de certo modo,

também as possibilidades efetivas de uma campanha de anulação massiva do voto nas

próximas eleições como mecanismo de pressão e de tomada de posição política. Parte-se da

ideia de que a validez da proposição se sustenta, previamente, em razão da atual configuração

da nossa vida social e política, com sua crise explícita e seus enormes impasses, de efeitos

desencantadores, cenário no qual, inclusive, a possibilidade de crescimento do voto nulo

espontâneo e anônimo é bem real. A comunicação procura, então, problematizar os pontos

principais envoltos na discussão, ou seja, averiguar as questões que mais se destacam. Neste

caso, não se trata apenas de ponderar os riscos da escolha – sobretudo a possibilidade de um

fracasso ou, pior, o fortalecimento de posições conservadoras -, mas também o sentido geral

do ato, sua validez e seus significados mais expressivos. Trata-se, pois, de ponderar melhor os

riscos. A ideia da desobediência civil via campanha pela anulação do voto talvez seja mais do

que uma insanidade ou um péssimo cálculo político, é também um incômodo na medida em

que pressupõe uma tomada de posição fora do enquadramento da esquerda partidária tal como

hoje configurada. Não é apenas um erro de cálculo ou um cálculo arriscado, mas é também

uma posição adversária dos interesses partidários estabelecidos. Isso porque a campanha

partiria do pressuposto de que não vale a pena seguirmos jogando o atual jogo do poder, com

suas peças instituídas e suas regras mantidas. Sob esse ângulo de radicalidade - a própria

noção de desobediência é, em si, extrema -, a campanha só faz sentido se manifestação de

uma desobediência qualificada. É, sem dúvida, a perspectiva de um “não”, fazer do não uma

potência (lembrando-nos de Agamben), eis o espírito mais elementar da noção de

desobediência civil. Há uma distinção entre esse “não” e o não da recusa apática ao voto: ao

passo que este último é um ato de desistência, um puro não, carregado de desânimo e

pessimismo, a primeiro deve ser um “não” enraizado em um “sim”, posto ser carreador de

1 Professor Associado Departamento Sociologia da UFMG.

uma intenção de mudança, expressa em uma plataforma essencial. A campanha pela anulação

do voto precisa, pois, estar associada a algumas proposições bem definidas e o menos

polêmicas possível. Averiguar a justeza e a natureza geral dessas proposições constitui o meio

e o desfecho da comunicação.