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Guapeba Chrysophyllum imperiale Nome Guapeba, Marmeleiro-do-mato, Árvore do imperador, Royal tree (Austrália) N. Científico Chrysophyllum imperiale sinonímia: Martiusella imperialis (ver descrição da espécie - Flora Neotropica) Família Sapotaceae Altura média 12 a 20 metros Folhas Simples, 50 x 20 cm. Flores Pequenas, claras, agarradas nos galhos. Ver fotos no exemplar de Buenos Aires e de Lisboa. Fruto Ovalado, amarelo, macio, 5 x 2 cm, muito saboroso, segundo consta. Ver fotos no exemplar de Sydney. Sementes Duras, marrom, achatadas. ver foto no exemplar de Sydney. Outras características Árvore nativa da região do Rio de Janeiro, mais especificamente a região costeira baixa, que hoje é quase totalmente urbanizada. Existia em abundancia na época do Brasil colonial, e hoje é considerada em risco ou mesmo extinta em seu habitat natural. Árvore de grande porte, madeira muito dura, de grande beleza e frutos saborosos, era apreciada pelo Imperador D. Pedro I, e igualmente pelo seu filho, D. Pedro II, que enviou mudas para vários jardins botânicos do mundo. Hoje existem alguns exemplares conhecidos, conforme se segue: - Jardim Botânico de Lisboa Portugal (ver fotos) - Parque Farroupilha em Porto Alegre RS (ver fotos) - Parque Estadual do Rio Doce, em MG (ver fotos) - Royal Botanic Gardens of Sydney Austrália (ver fotos) - Jardim Botânico de Buenos Aires Argentina (ver fotos) - Jardim Botânico de Bruxelas - Belgica (não temos fotos) São citados também alguns outros exemplares em parques (informação de Marco Lacerda): Horto florestal em Cantareira, São Paulo (não comprovado) no parque do Museu Mariano Procópio,em Juiz de Fora (esta já se comprovou pista falsa), existiam (ou existem?) exemplares em projetos do Glaziou: Quinta da Boavista, Passeio Público, Museu Imperial de Petrópolis. A localidade típica era perto da Fazenda Mandioca, na Serra da Estrela (hoje conhecida como Serra de Petrópolis). Recentemente foram descobertos exemplares antigos, originais em seu habitat natural, no Parque Estadual do Rio Doce, ver link ao lado. O que parece ter ocorrido é que, após a queda do império, os republicanos caçaram e dizimaram todas os exemplares existentes em parques e Jardins botânicos, por vingança política tão típica daqui e característica tão desprezível desta classe. Busca pela preservação da espécie Hoje existe um grupo de pessoas em vários paises procurando conseguir reproduzir a espécie, seja por sementes ou por estaquia.Trata-se de um trabalho importante, pois possibilitaria a reintrodução da mesma em seu habitat natural, resgatando assim uma espécie que faz parte de nossa história. A existência desta página só foi possível pela generosa colaboração deste grupo, com informações e fotos. Pedro Foyos, jornalista e historiador português, ver texto. Marco Lacerda, Rio de Janeiro, co-autor do livro Frutas Brasileiras e Exóticas Cultivadas do Instituto Plantarum. Carlos Velazco, de Niteroi, RJ Sergio Duarte, de Portugal Dean Rallison, da Austrália Tom Ling, da Austrália Antonio Morschbacker, colecionador de frutas de Porto Alegre. Agradecemos ainda as pessoas que atenciosamente nos ajudaram na

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Ficha Identificação da Espécie

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  • Guapeba

    Chrysophyllum imperiale

    Nome Guapeba, Marmeleiro-do-mato, rvore do imperador, Royal tree (Austrlia)

    N. Cientfico Chrysophyllum imperiale sinonmia: Martiusella imperialis (ver descrio da espcie - Flora Neotropica)

    Famlia Sapotaceae

    Altura mdia 12 a 20 metros

    Folhas Simples, 50 x 20 cm.

    Flores Pequenas, claras, agarradas nos galhos. Ver fotos no exemplar de Buenos Aires e de Lisboa.

    Fruto Ovalado, amarelo, macio, 5 x 2 cm, muito saboroso, segundo consta. Ver fotos no exemplar de Sydney.

    Sementes Duras, marrom, achatadas. ver foto no exemplar de Sydney.

    Outras caractersticas

    rvore nativa da regio do Rio de Janeiro, mais especificamente a regio costeira baixa, que hoje quase totalmente urbanizada. Existia em abundancia na poca do Brasil colonial, e hoje considerada em risco ou mesmo extinta em seu habitat natural. rvore de grande porte, madeira muito dura, de grande beleza e frutos saborosos, era apreciada pelo Imperador D. Pedro I, e igualmente pelo seu filho, D. Pedro II, que enviou mudas para vrios jardins botnicos do mundo. Hoje existem alguns exemplares conhecidos, conforme se segue: - Jardim Botnico de Lisboa Portugal (ver fotos) - Parque Farroupilha em Porto Alegre RS (ver fotos) - Parque Estadual do Rio Doce, em MG (ver fotos) - Royal Botanic Gardens of Sydney Austrlia (ver fotos) - Jardim Botnico de Buenos Aires Argentina (ver fotos) - Jardim Botnico de Bruxelas - Belgica (no temos fotos) So citados tambm alguns outros exemplares em parques (informao de Marco Lacerda): Horto florestal em Cantareira, So Paulo (no comprovado) no parque do Museu Mariano Procpio,em Juiz de Fora (esta j se comprovou pista falsa), existiam (ou existem?) exemplares em projetos do Glaziou: Quinta da Boavista, Passeio Pblico, Museu Imperial de Petrpolis. A localidade tpica era perto da Fazenda Mandioca, na Serra da Estrela (hoje conhecida como Serra de Petrpolis). Recentemente foram descobertos exemplares antigos, originais em seu habitat natural, no Parque Estadual do Rio Doce, ver link ao lado. O que parece ter ocorrido que, aps a queda do imprio, os republicanos caaram e dizimaram todas os exemplares existentes em parques e Jardins botnicos, por vingana poltica to tpica daqui e caracterstica to desprezvel desta classe.

    Busca pela preservao da espcie

    Hoje existe um grupo de pessoas em vrios paises procurando conseguir reproduzir a espcie, seja por sementes ou por estaquia.Trata-se de um trabalho importante, pois possibilitaria a reintroduo da mesma em seu habitat natural, resgatando assim uma espcie que faz parte de nossa histria. A existncia desta pgina s foi possvel pela generosa colaborao deste grupo, com informaes e fotos. Pedro Foyos, jornalista e historiador portugus, ver texto. Marco Lacerda, Rio de Janeiro, co-autor do livro Frutas Brasileiras e Exticas Cultivadas do Instituto Plantarum. Carlos Velazco, de Niteroi, RJ Sergio Duarte, de Portugal Dean Rallison, da Austrlia Tom Ling, da Austrlia Antonio Morschbacker, colecionador de frutas de Porto Alegre. Agradecemos ainda as pessoas que atenciosamente nos ajudaram na

  • busca, mesmo em tentativas frustrantes, como Graa Duarte, do Museu Mariano Procpio Rodrigo Trassi Polisel, de Juquitiba, SP Se voc, visitante da pgina, conhece algum outro exemplar, se tem informaes ou fotos desta espcie, todo o grupo agradeceria que entrasse em contato. Este contato pode ser pelo meu email [email protected] Eugnio

    EXEMPLAR DO CHRYSOPHYLLUM IMPERIALE NO JARDIM BOTANICO DE SYDNEY, AUSTRALIA

    Um exemplar bem vistoso, floresce e frutifica, no Royal Botanic Gardens of Sydney. Veja sementes na ultima foto. O clima bem semelhante ao do Brasil. Veja fotos antigas deste exemplar no site http://libapp.sl.nsw.gov.au/cgi-bin/spydus/ENQ/PM/FULL1?176994,I Agradecimentos pelas fotos a Dean Rallison e Tom Ling

  • CHRYSOPHYLLUM IMPERIALE NO PARQUE ESTADUAL DO RIO DOCE, MG

    Encontrado no Parque Estadual do Rio Doce, Leste de MG, alguns exemplares que esto

    sendo estudadas pela IFMG e Bioveritas como Chrysophyllum imperiale, chamadas localmente de "Marmeleiro do mato". As fotos so do individuo mais acessvel, porm existem outros.

    uma rvore bem velha, aproximadamente 20 m de altura. As folhas me pareceram bem duras, um pouco diferente das folhas novas de Sydney,

    que do uma impresso de serem mais macias, com colorao tendendo a amarelo e mesmo rosa. Os recortes na borda, to caractersticos, esto presentes e bem claros.

    O tronco na base no liso como das fotos de outros paises, mas a partir do terceiro galho, bem no alto, ele fica bem parecido, mais liso e com marcas horizontais.

    Encontrei junto rvore restos de uma semente apenas, j deteriorada (ltima foto), bastante semelhante s de Sydney. Espero encontrar frutos e sementes, me informaram ocorrer por volta de Novembro.

    Conversando com quem cuidou das mudas existentes no Parque (propriedades do projeto) a pessoa me informou que as sementes so duras, parecendo com as de caqui (confere!), foram levemente escarificadas (cortado um pequeno pedao da casca com tesoura) e nasceram em bom percentual.

    Os frutos seriam amarelos, arredondados, com 4 a 5 sementes cada. Agradecimentos pela valiosa colaborao de Roberto Carlos Muniz, da Arpava (Ong da regio) Cabo Dutra da Polcia Florestal

  • EXEMPLAR DO CHRYSOPHYLLUM IMPERIALE NO JARDIM BOTNICO DE LISBOA, PORTUGAL

    Exemplar na Capital de Portugal, um pouco prejudicado pela presena de outras rvores muito perto, e pelo clima com invernos rigorosos, no foram observados frutos. Entretanto a ultima foto mostra sua florao. Agradecimentos a Sergio Duarte pelas fotos.

  • CHRYSOPHYLLUM IMPERIALE

    Imperador, nome de rvore

    Texto de Pedro Foyos, jornalista e historiador portugus.

    [email protected]

    O passado est sempre a ser necessrio para explicar o presente e o todo para explicar a parte.

    Edward Burnett Tylor (1832-1917)

    Comeando pelo primeiro dia. Nesse dia fiquei sabendo que uma rvore brasileira, quase extinta, conhecida h duzentos anos pelo nome de Guapeba, possua na atualidade a aristocrtica designao cientfica de Chrysophyllum imperiale. Parte desse dia o passei na companhia de uma notvel personalidade da Botnica portuguesa que me honra com sua estima, a diretora do Jardim-Museu Agrcola Tropical (uma instituio um tanto ignorada mas de que deveriam se orgulhar os lisboetas). Ao entrar nesse deslumbrante Jardim Tropical, o meu conhecimento se encontrava limitado a imprecisas referncias histricas, a mais interessante das quais consistia no indcio de ter sido esta a rvore dos imperadores brasileiros, Pedro I e Pedro II. Muito me intrigou o fato de, sendo isso verdade, estar agora a Guapeba na Red List das organizaes internacionais superintendentes nas questes preservacionistas, com realce para a International Union for Conservation of Nature / IUCN que lhe confere um dos mais elevados graus de perigo de extino. Tive ento acesso a grande nmero de publicaes cientficas que fui destrinando auxiliado pelas sbias explicaes da diretora anfitri. Obtive um retrato de corpo inteiro da rvore no volume das Sapotceas na monumental obra Flora Neotropica e no vetusto Dicionrio de Pio Corra. Dezenas de livros especializados ignoravam a espcie. Me apercebi que, bibliograficamente, ela se encontrava tambm quase extinta. Mas sa do Jardim-Museu com extensas notas interrogativas que, numa perspetiva historica e jornalistica, me pareceram promissoras. Trazia comigo, tambm, a mgoa de ter ficado consciente de uma injustia: a mais recente designao cientfica da rvore dos imperadores esqueceu, lamentavelmente, o nome de Karl von Martius: o gnero Martiusella (anterior identidade botnica da Guapeba) havia sido, de fato, uma homenagem de outros dois grandes botnicos, primeiro Jean Jules Linden e depois Jean Baptiste Louis Pierre, prestada ao cientista austro-bvaro. Eles saberiam certamente que esta rvore teve um significado especial para Martius, porventura mais que suas queridas palmeiras. No

  • qualquer espcie: exatamente esta, depois denominada imperialis e imperiale, numa associao bvia aos dois imperadores que apoiaram sua prolfica carreira cientfica e em particular, em relao ao segundo, a imensa Flora Brasiliensis, com vinte mil (!) plantas meticulosamente estudadas e classificadas. (Em rigor, Pedro I prometeu mais que deu, mas enfim, sabemos que ele andava por esses dias absorvido com a independncia do Brasil). A rvore dos imperadores havia tambm sofrido estava entendendo agora a inconstncia dos botnicos. De Theophrasta passara a Martiusella, depois virara Chrysophyllum (um nome que j escrevi centos de vezes e sempre o fico mirando na incerteza da grafia correta). No final de minha visita ao Jardim-Museu Tropical de Lisboa, meu saldo investigativo era, porm, aliciante: de fato esta bela rvore se atravessara ( um modo de dizer) no caminho de trs homens: dois imperadores brasileiros e um botnico austro-bvaro.

    T vendo essa beleza de rvores? Pois foi papai quem plantou elas Primeiro descobri Martius, s depois tudo o resto. Uma descoberta ocasional, a partir de uma fonte alem que fazia humor com o estilo diplomtico do botnico em sua correspondncia para a compatriota imperatriz Dona Maria Leolpoldina, mas sendo na realidade o marido, Dom Pedro I, o destinatrio. Procurando no enfadar ambos com as aflitivas e mais que justificadas carncias financeiras, Martius vai temperando sua alma remordida com a lembrana agradvel dos passeios e conversas havidas anos antes no Real Horto (virar Real Jardim Botnico no ano seguinte, talvez por influncia de Martius). Nesse final de 1817, est o futuro imperador na companhia dos dois expedicionrios da Misso Austraca (Martius e seu companheiro zologo Johann von Spix), tambm da ento noiva de Pedro, a graciosa arquiduquesa Leopoldina, recm-chegada da Baviera e, presumivelmente, do marqus de Sabar.

    (Abro parntese para assumir minha inteira responsabilidade na suposio de que estaria presente nesse convvio o marqus de Sabar. Este nobre militar, de seu nome Joo Gomes da Silveira Mendona, compartilhara a direo do Real Horto com o italiano Carlos Antonio Napion, mas nesse final do ano de 1817 j dirigia sozinho o jardim tambm denominado de aclimatao, nas terras da Lagoa Rodrigo de Freitas. Pergunto, ento: perante um to ilustre grupo de convidados, como poderia estar ausente o diretor anfitrio? Atribuo importncia ao tema porquanto se conta que o marqus de Sabar era especialmente zeloso em relao s frgeis rvores recm-plantadas pelo prprio prncipe Pedro, alegremente ajudado pela noiva Leopoldina e que na poca eram ainda designadas pelo nome tupi de Guapebas. Estavam elas num espao prprio cuja identificao canteiro 10-A no se sabe quando foi dada. Eram as rvores prediletas de Dom Pedro, ignorando-se o motivo do agrado: pelos frutos?, pela beleza da rvore? talvez ambas as coisas. Outras plantas ali residentes eram, entre outras, os abacateiros, moscadeiras, cajazeiras e os sagueiros. Para quem estranhe que Dom Pedro tenha plantado ali as suas preferidas Guapebas, clarifico que ao tempo o Horto era uma rea particular qual acessavam unicamente as figuras proeminentes da corte. Tambm Dom Joo plantou ali em 1809 a famosa Palma-mater que geraria grande descendencia no Brasil. Est documentado que este prncipe regente era um passeante assduo, o mesmo acontecendo mais tarde com o filho e o neto (Pedro I e Pedro II) que gostavam de merendar na mesa de granito (a Mesa do Imperador) quando

  • visitavam o local. Naturalmente que Pedro I, ainda adolescente, recm-chegado de Portugal, por ali ter andado e talvez namorado com frequencia. Encerrando o parntese, proponho a ideia plausvel de o mesmo se ter passado com o muito jovem Pedro II, ali brincando vista da me Leopoldina, a qual porventura no deixaria de informar com vaidade e sotaque franco-alemo: t vendo essa beleza de rvores?... Lindas mesmo! Pois foi papai quem plantou elas).

    Angstia de botnico ter uma s vida e um projeto para mais nove

    O prncipe herdeiro e Martius tm quase a mesma idade. Muito jovens, esto na casa dos vinte anos nesse primeiro e, quanto parece, nico encontro pessoal, no ano de1817, quando o botnico aporta Nova Atlntida. O tempo passou. O primeiro agora imperador de um Brasil independente. Est apaixonado pelo poder que lhe concede a nova situao poltica. O segundo, regressado longnqua ptria europeia, continua apaixonado, sim: por plantas. Vem acompanhando com avidez e uma morosidade informativa de meses os acontecimentos que fervilham naquele extraordinrio mundo da outra metade do mundo, porm recebe as notcias com moderada surpresa: ao abandonar o Brasil, ao fim de uma odisseia exploratria de trs anos, j estava pairando no ar a mudana. No se sabe quantos rogos ter o imperador recebido do botnico (diretamente ou por meio de sua esposa), mas no custa adivinhar que tais splicas financeiras tero sido frequentes. A agenda poltica, como se diria agora, impe prioridades da qual esto excludos, decididamente, assuntos menores, como cincia e investigao. O imprio florstico pode esperar. Martius espera e desespera. Apesar de tudo, escrevendo aos amigos distantes, vai confidenciando estar feliz com a notcia da independncia do Brasil (nunca saber, porque morre pouco antes, que sua ptria bvara sofrer um destino diferente, perdendo a independncia em resultado da anexao pela Alemanha). Mas vive angustiado, batendo freneticamente porta dos poderosos do mundo inteiro, pedindo ajuda para algo de inslito: tem sua frente caixotes e mais caixotes contendo inumerveis seres vegetais, oriundos do Brasil, que ningum ainda estudou, desenhou, classificou; mais: milhares deles so ignorados pelos prprios brasileiros. Ele pede ajuda por uma razo bem simples de compreender: um to grande projeto extravasa o espao de uma s vida, a sua. Diz aos amigos que, sem ajuda, necessitaria de pelo menos dez vidas. Impossvel. O argumento no demoveu nunca quem poderia ter competncia em decretar tais excees. E, parafraseando Malraux, o tempo, se fosse pessoa de bem, deveria parar para quem tem em mos a herana do planeta. Afortunadamente nascer em breve um meninozinho que depois de bem crescidinho usar barba, mais tarde umas grandes barbas, sendo conhecido em meio mundo por essas barbas e pelo nome de Dom Pedro II. Ele no s saldar a imensa dvida de seu estouvado papai mas tambm mecenar o genial botnico at ao fim da vida deste, em 1868. A Flora Brasiliensis, uma das mais grandiosas obras do gnero alguma vez empreendidas no mundo, abre enfim velas nas guas volveis do conhecimento humano e, sob a gide das generosas barbas, a bom porto chegar para glria da Botnica e do Brasil.

    Eu, republicano de raiz, sempre direi que um imperador destes me faria reconsiderar meus preconceitos desfavorveis monarquia.

  • Acredite, Dr. Martius, estamos fazendo tudo para salvar o Imperador

    Deixemos a grande Histria, que, de hbito, est feita e refeita. A pequena histria, ao invs, ainda proporciona grandes descobertas. A carta de Martius para a compatriota, esmolando em termos elegantssimos a concretizao dos prometidos apoios financeiros, termina em toada romntica. Martius alude s saudades do Brasil e refere as Guapebas junto das quais conversmos. Logo depois, uma pergunta que parece estranha mas que os destinatrios bem entenderiam o significado: Ser que existem ainda?. O que eram as Guapebas? Dizem-me que, na atualidade, constitui um gnero vegetal. Naquela poca, porm, eram as rvores semelhantes a marmeleiros (ou qualquer rvore cujo fruto se parecesse com um marmelo) e assim designadas pelos ndigenas da lngua tupi (a expresso Marmeleiro-do-mato citada por Pio Corra no estaria ainda vulgarizada). data em que escrevo est se investigando qual a identificao atribuda a esta rvore na Flora Brasiliensis. Uma falsa pista levou a supor, h dois anos, que um desenho de uma folha do gnero Theophrasta seria da autoria de Martius e correspondente ao epteto imperialis (primitiva identificao cientfica), mas afinal tratava-se de obra de arte e no propriamente botnica, figurando o nome Martius a ttulo de homenagem prestada pelo autor do desenho ao ilustre cientista. Sequentes nomes cientficos so, como mencionei, Martiusella imperialis e agora Chrysophyllum imperiale. Bem, e por que recearia Martius que as suas Guapebas j no existissem? Para responder a essa pergunta teremos de fazer uma viagem no tempo, ao Brasil de 1817 o ano em que Martius desembarca no Rio e tambm o ano da Revoluo Pernambucana. Uma viagem ao tempo em que o movimento independentista comea a ser uma fogueira inapagvel. Ao tempo em que o Governo da metrpole ordena a Dom Joo que incremente o mais possvel a construo naval (madeira a coisa que no falta!). Martius percorre durante meses toda a regio do Rio (Santa Tereza, Tijuca, Niteri e outras) e assiste ao princpio de uma atividade sistemtica de abate florestal. Nos seus escritos insistente e severamente crtico nessa denncia. Antes disso, j os construtores navais haviam concludo que as tais Guapebas ofereciam madeira de soberba qualidade para os objectivos em vista. Um botnico sofrer, mais que ningum, ao assistir dizimao de uma floresta. Ter Martius falado com o prncipe sobre o assunto? A pergunta Ser que existem ainda?, uma expresso significativamente singela e isolada, deixa supor que sim. As Guapebas junto s quais conversaram estariam presentes no s no Horto mas tambm nas conversas. E que teria respondido o monarca? Possivelmente o mesmo que declarou um seu ministro, anos depois: Um Brasil independente necessita de uma forte marinha de guerra... (... e de muitas, muitas Guapebas! poderemos ns deduzir). Dois homens, um botnico e um futuro imperador, dilacerados pelas mais profundas contradies e angstias da condio humana. Afinal, no teriam ambos razo? E se Martius aparecesse agora e nos interpelasse: Ser que existem ainda?. Que responderamos? Talvez, envergonhadamente: Sim, Doutor Martius, ainda existem algumas. Talvez dez. Ou vinte, ou trinta. Acredite que estamos a tentar salv-las! Acredite que h por a um grupo fantstico que est fazendo tudo para salvar o Imperador! Sim, um grupo fantstico. E numeroso. Veja s: seus nomes so Eugnio, Marco, Carlos, Antonio, Mauro, Srgio, Dean, Tom, Rodrigo e muitos outros!.

    Trs imperadores em Lisboa: o exilado, o tumulado, mais um plantado

  • Em ano indeterminado que provavelmente se situar entre 1876 e 1878, a histria desta rvore fabulosa se estende a Portugal. Decorre por essa poca o incio da criao do Jardim Botnico da Universidade de Lisboa (JBUL), um projeto vagaroso que demorou uma eternidade a concretizar. Mas aparece agora um homem intrpido que vai mesmo passar prtica: o conde de Ficalho. Professor catedrtico de Cincias, emrito botnico e escritor marcante da literatura portuguesa do sc. XIX, uma figura ainda hoje admirada no meio cientfico e literrio lusitano. Esse principal impulsionador do JBUL, nome igualmente prestigioso alm fronteiras, comea por contatar os JB do mundo inteiro, solicitando cooperao no sentido de serem cedidos espcimes representativos das floras locais. Ora acontece que o conde de Ficalho e tambm o seu pai mantm relaes de estreita amizade com Dom Pedro II, advindo de tal circunstancia a probabilidade de o pedido ser dirigido ao prprio imperador. Este no hesitar na escolha. Aos seus olhos, a Guapeba, a par do Pau-Brasil, a rvore que representa em mais alta excelncia a nao brasileira. A rvore dos imperadores literalmente a sua rvore, cuja identidade cientfica nessa data Theophrasta imperialis contm como epteto especfico uma homenagem a ele prprio e ao pai, Dom Pedro I. Acresce ser a rvore predileta de Karl von Martius, o notvel botnico falecido poucos anos antes e que ele, Pedro II, mecenou durante dcadas. (O gnero Martiusella, homenageando Martius, ocorreria duas dcadas depois). Refletir Pedro II: em Lisboa, a rvore ir viver na mesma cidade e no muito longe do local onde est tumulado o pai. O imperador sabe igualmente que no outrora Real Horto e agora j designado Jardim Botnico do Rio de Janeiro continuam de tima sade as rvores plantadas pelo pai, quando jovem.

    Cabe aqui uma referncia ao exemplar existente no JB de Sydney. Em 1868, ano da morte de Martius, decorrem em todo o mundo homenagens ao botnico. admissvel que Dom Pedro II tenha procedido da mesma forma, ou seja, diligenciado o envio de uma destas rvores para aquele JB (e tambm para outros, quem saber?). O que sabemos que o exemplar de Sydney ali chamado Royal Tree e foi plantado pelo prncipe Alfred, duque de Edimburgo, fato que permite intuir uma provenincia real (imperial, no caso). Tendo este cenrio correspondncia com a realidade, extremamente interessante imaginar que as sementes provenientes do Imperador de Sydney e cuja germinao no Brasil est a ser tentada por Eugnio Arantes de Melo (Maio 2007) simbolizariam um comovente reencontro com a ptria, 140 anos depois

    Regressando ao Rio de Janeiro. Escolhida a rvore que viajar para Lisboa (uma escolha determinada possivelmente por Karl Glasl, ento diretor do JBRJ), ela embarca em data indefinida, contudo podendo se balizar, como referimos, entre 1876/78. possvel afirmar que o espcime se encontrava num espao do JB que teria ou viria a ter a identificao de canteiro 10-A. Menos compreensvel a circunstncia de o barco ter feito escala na ilha de Maraj. Se algum estiver em condies de formular uma justificao plausvel para essa escala, tal contributo bem-vindo. Minha imaginao me leva agora a encenar a plantao da rvore no JB da Universidade de Lisboa. Estou vendo nesse ato, no um prncipe, mas um conde Claro, como poderia o conde de Ficalho no estar presente? Mais: estar acompanhado do seu muito direto colaborador, Jules Daveau, jardineiro-chefe. A plantao se processa criteriosamente: a rvore vive a um passo de um curso de gua. Apenas no teve critrio a localizao, posteriormente, de um sicmoro, a poucos metros, que est agora tentando estrangular o nosso Imperador.

  • Em 17 de novembro de 1889, o exlio. Dom Pedro II colocado para fora do Brasil. Chega a Portugal, onde encontra amigos, parentes e muita gente da vida intelectual e cientfica. Das 5 500 pginas de seu dirio me foi possvel consultar aquelas que se referem a este perodo doloroso e que para mim representava o de maior interesse histrico (prazerosamente realo a simpatia de Fatima Argon, chefe do Arquivo Histrico do Museu Imperial de Petrpolis e demais pessoal que me tratou excelentemente!). Se verifica ento que, chegado a um sbado, logo na 2 feira Dom Pedro II vai Politcnica (designao da Escola Superior contgua ao Museu de Histria Natural e ao Jardim Botnico). Que vai l fazer? No dirio menciona ter ouvido uma lio de fsica e outra de qumica, que parece no lhe terem agradado especialmente. Nessa tarde de 9 de dezembro de 1889, Dom Pedro II est a poucos passos da rvore-memria de seu pai, aquela que havia oferecido cerca de quinze anos antes ao Jardim Botnico. Incorro conscientemente no pecado da especulao dizendo que nesse momento ele ter ido, em breve e solitrio passeio, contemplar a sua rvore, a Guapeba do seu Brasil, a nao que eu amei e amarei, a ptria amada como escrevera dias antes durante a viagem para o exlio. Passam 48 horas, estamos agora na 4 feira, o imperador se desloca a Queluz para ver a cmara (aposentos) onde nasceu e morreu meu pai. Avanando quatro dias no calendrio, domingo, o imperador faz uma de suas primeiras visitas particulares: precisamente aos nobres Ficalho, o pai e o filho (sendo o ltimo o nosso j conhecido conde). Dir-se- que o imperador, em relao hipottica visita rvore representativa da memria de seu pai e do amigo de muitas dcadas, Karl von Martius, poderia ter registrado tal fato em seu dirio. Julgo que no. O assunto seria excessivamente ntimo. Os estudiosos de Dom Pedro II sabem que ele tinha uma noo muito exata da futura ressonancia pblica deste dirio feito no decurso de 51 anos (!), tambm por esse motivo queimou centenas de folhas, ressaltando o longo perodo de 1842 a 1858. J o mesmo no direi no que respeita conversa com o conde de Ficalho, cuja grande paixo cultural continuava sendo, nessa poca, o Jardim Botnico. pena que o monarca exilado no tenha dado a conhecer um pouco do que foi essa conversa, porque o tema do Jardim e da Guapeba no foram decerto omitidos.

    J que falamos deste imenso dirio, ter interesse sublinhar o amor que Pedro II tinha por seu pai. Nas datas de 24 de setembro so frequentes as notas do gnero: Faz hoje (tantos) anos que morreu meu Pai. Tambm figuram os elogios ao trabalho de Martius, considerando-o um verdadeiro monumento cientfico para o Brasil (frase registrada em 10 de dezembro de 1862). Tanta admirao pelo botnico est patente no fato de, depois da morte deste, encontrando-se certa vez na sua antiga ptria bvara (entretanto anexada pela Alemanha) fazer questo de visitar a viva. Mais tarde, em Filadlfia, se declarou feliz pela oportunidade de conhecer o filho de seu grande amigo. Por tudo isto, os mestres do Cdigo Internacional de Nomenclatura Botnica permitiro que renove minha mgoa, porventura partilhada por todos os botnicos profissionais ou amadores e especialmente os brasileiros: uma injustia que tenha sido banido da Nomenclatura o gnero Martiusella ao qual pertencia a nobre Guapeba, uma rvore cuja biografia, das mais fascinantes da flora mundial, indissocivel de Martius.

    Imperador no um birosqueiro oferecendo vegetal de tenra idade

    Uma narrativa histrica singularmente desafiante quando o autor se depara com elos perdidos. Acontecer o mesmo quando um arquelogo no consegue coletar a totalidade dos fragmentos e procura sugerir, da forma que se lhe afigura mais verosmil, o que est em falta. De quanto fica

  • descrito, tenho de admitir com honestidade que h dois elos inexistentes que tentei suprir imaginativamente, todavia sem ferir (pelo menos de forma grosseira) a verosimilhana. Ei-los: 1) a maravilhosa hiptese de ter ocorrido um encontro secreto de Dom Pedro II com a sua Guapeba, no Jardim Botnico da Universidade de Lisboa, na ocasio em que o imperador exilado esteve pertssimo dela; 2) a probabilidade de essa rvore, porventura tambm a de Sydney, terem sado do grupo das plantadas em 1817 por Dom Pedro I e oferecidas por Dom Pedro II, entre 1868 (Austrlia) e 1876 (Portugal), aos referidos Jardins Botnicos (ou ter ele infludo nessas ofertas). O primeiro caso se firma numa mera intuio. Quem estude a personalidade do Imperador das Barbas no pode deixar de concluir que era um homem imensamente sentimental. Que outra coisa poder se dizer de quem registra em dirio, durante 51 anos, no apenas suas observaes e vivncias mas tambm seus sentimentos? Dom Pedro II passou a vida viajando por dentro dele prprio, com todas as cincias e artes em cenrio de fundo. O segundo caso apresenta uma vulnerabilidade cronolgica. A ser verdade o descrito, sobretudo no respeitante plantao das Guapebas pelo prncipe herdeiro, em 1817, ter de aceitar-se que a rvore (ou rvores) embarcaram para Lisboa e Sydney com uma idade entre os 50 e os 60 anos. Parece ser muita idade para uma rvore. Ambas teriam agora 190 anos, uma meia idade na escala botnica de longevidade atribuda ao gnero. A observao mais reticenciosa que j me fizeram respeita, porm, idade de meio sculo para uma rvore desenterrada andar viajando pelo oceano. Ento, respondo: Imperador no um birosqueiro de esquina oferecendo vegetal de peito, de tenra idade. rvore oferecida por imperador ter de ser planta da alta, com experincia de vida, bem enraizada na hierarquia de seu reino vegetal. Ir pois Dom Pedro II expedir para seu amigo lisboeta, o conde de Ficalho, talvez tambm para Charles Moore, o insigne diretor do JB de Sydney, a Guapeba-imperial da mais altaneira aparncia entre quantas foram por seu pai plantadas no antigo Horto das merendas e dos namoros. Convencer meu argumento? Havendo quem discorde, sinto muito, mas eu passo. A verdade que no tenho outro.

    Concluindo

    Quanto fica aqui narrado no mais que a nascente de um rio-livro que comea no Rio de Janeiro e enfrentar muitas cachoeiras at chegar ilha de Maraj, onde o botnico Karl von Martius sofre um grave naufrgio do qual sobrevive muito a custo. Tem uma personagem vegetal (uma certa rvore bem brasileira...) e outras humanas, entre as quais destaco, alm de Martius, o companheiro zologo Spix (cuja aventura no Brasil lhe custaria a vida, na sequncia de doena contrada em guas contaminadas) e um jovem estudante portugus, apaixonado por rvores e pelo Brasil, que no sculo XXI est tentando reconstituir a histria da rvore imperial.

    Pretendo que este Imperador sem imprio, se extinguindo e nos incriminando silenciosamente, como costume em seu reino, simbolize a tragdia das florestas perdidas. Pedro Foyos (Portugal, em Maio de 2007)

    Sobre o autor

    Pedro Foyos

  • Nasceu em Lisboa, Portugal, em 1945. Perfazendo uma carreira profissional de mais de quarenta anos como jornalista e diretor de publicaes, se dedica tambm, atualmente, literatura de fico e de divulgao de temas das Cincias da Natureza. De entre os rgos de informao onde trabalhou se destacam o dirio Repblica (nico jornal de oposio ditadura de Salazar) e o Dirio de Notcias. Neste jornal de referncia na imprensa portuguesa integrou a direo de redao, sendo responsvel, nomeadamente, pela revista dominical e edies especiais. Fundou a revista Nova Imagem, da qual foi diretor durante seis anos, e mais tarde a coleo Grande Reportagem. Foi presidente durante uma dcada da Associao Portuguesa de Arte Fotogrfica, tendo nesse perodo fundado e dirigido o Anurio Portugus de Fotografia. autor dos livros O Jornal do Dia e A Vida das Imagens. Organizou, a convite da Imprensa Nacional, uma antologia histrica, em dois volumes, consagrada a grandes momentos do jornalismo portugus no sculo XX. Estreou-se na fico com O Criador de Letras (no prelo), um romance inspirado no tema da criao do alfabeto, tendo como cenrio a vida quotidiana no Antigo Prximo Oriente. Tem em preparao, numa fase de pesquisa, um outro romance no qual uma rvore brasileira quase extinta (Chrysophyllum imperiale) ocupa um lugar de relevo. Interessado desde muito novo pelos temas cientficos, fundou o Centro de Estudos das Cincias da Natureza, ao qual continua ligado honorariamente e prestando colaborao na rea da Botnica. No campo do ensino e formao tem vindo a orientar estgios profissionais de Tecnologias de Comunicao na especialidade de Psicologia da Leitura. [email protected] Pedro Foyos casado com a jornalista e escritora Maria Augusta Silva, distinguida com o Prmio Internacional de Jornalismo, entregue pessoalmente pelo Rei de Espanha no ano de 1993.