Guia da 1a. Exposição de Matemática

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XIII SEMANA DA MATEMÁTICA Guia da Exposição A GEOMETRIA DAS CURVAS Responsável: Prof. Armando Caputi Maringá, 27 a 31 de agosto de 2001 Universidade Estadual de Maringá Centro de Ciências Exatas Departamento de Matemática

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Este guia foi a semente da MATEMATIVA e foi feito para uma exposição na XIII Semana da Matemática.

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XIII SEMANA DA MATEMÁTICA

Guia da Exposição

A GEOMETRIA DAS CURVAS

Responsável: Prof. Armando Caputi

Maringá, 27 a 31 de agosto de 2001

Universidade Estadual de Maringá Centro de Ciências Exatas

Departamento de Matemática

Introdução As curvas ocupam um lugar privilegiado no imaginário matemático. Desde a origem da geometria, com a reta e a circunferência, as curvas permeiam praticamente toda a atividade e pensamento dos matemáticos, que nunca pouparam esforços para estudá-las, classificá-las, medi-las e até excogitar instrumentos para traçá-las. Com essa breve exposição, desejamos proporcionar ao visitante uma redescoberta de curvas já bastante familiares através de objetos que exploram algumas de suas propriedades. Embora longe de ser completa (esperamos que seja a primeira de muitas outras ainda maiores), essa exposição propõe uma “degustação” da matemática através de um de seus ingredientes mais ricos de sabores. Só nos resta desejar-lhes: bom apetite! O que se pode fazer com um barbante? A visita começa com um lápis (na verdade, um pincel atômico) e um simples pedaço de barbante (peça n. 1), com os quais você é convidado a desenhar uma reta e uma circunferência. Ao passarmos diante de um prédio em construção, podemos ver os operários traçarem retas esticando cordas entre duas estacas. Nós também podemos traçar retas (note a raiz comum dos termos “traçar” e “tração”) esticando o barbante com dois dedos e tentando segui-lo com o lápis. Já para desenharmos uma circunferência, basta fixar uma ponta do barbante à mesa com um dedo, enrolar um pouco a outra ponta do barbante no lápis e fazê-lo girar em torno da ponta fixa. O resultado, em cada caso, é bem diferente: enquanto que, em geral, os arcos de circunferência que conseguimos desenhar são bastante satisfatórios, os segmentos de reta são decepcionantes. A razão desse comportamento tão diferente está na diferente função que desempenha o barbante em cada caso: para a circunferência é um instrumento, para a reta é um perfil. Com um perfil, desenha-se aquilo que já existe: podemos desenhar a reta porque o barbante esticado entre os dedos se dispõe em linha reta. A qualidade do resultado depende, nesse caso, da precisão do perfil e da possibilidade de segui-lo com o lápis, e é exatamente essa última operação que é difícil no nosso caso. Ao contrário, ao traçar uma circunferência, o barbante não assume uma forma circular para servir de perfil ao lápis. Aqui exploramos uma propriedade matemática da circunferência, isto é, a propriedade de serem todos os seus pontos equidistantes do centro. O barbante esticado garante exatamente essa equidistância. O mesmo acontece se, ao invés de usarmos um barbante, nos servirmos de objetos mais adequados como a régua e o compasso. A precisão melhora notavelmente, mas a essência é sempre a mesma: a régua é um perfil, o compasso um instrumento. E mesmo se as retas desenhadas com a régua são muito melhores daquelas feitas com o barbante (mas as circunferências também são mais redondas), a precisão de um instrumento será sempre, no mesmo nível de complexidade, melhor que aquela de um perfil.

Como desenhar uma reta, e por que? Mas para que serve desenhar uma reta? Não é melhor fazer os desenhos com um computador, sem usar nem réguas nem compassos? A pergunta é pertinente, e traçar retas seria algo inútil se se tratasse somente de desenhos. Mas não é só esse o problema. Tomemos uma máquina qualquer, uma bicicleta por exemplo, ou um liquidificador. Nela há peças móveis, como o pedal e as rodas da bicicleta ou as pás do liquidificador, que devem percorrer trajetórias preestabelecidas, por exemplo, girar em torno de um ponto. Nesse caso não há dificuldades maiores: basta fixar o perno da peça no centro de rotação, de modo que a peça não possa executar nenhum movimento além da rotação em torno desse ponto. Cada ponto da peça descreve assim uma circunferência em torno de um perno que se comporta como o dedo que fixava o barbante. Já quando a trajetória da parte móvel não é mais circular, as coisas se tornam mais difíceis. O que podemos fazer para que a peça se mova em linha reta, como, por exemplo, no caso da haste do pistão no desenho ao lado? Poderíamos fixar uma régua e vincular a haste a deslizar sobre ela, ou ainda a passar através de dois anéis fixados a um muro (e, nesse caso, seria a própria haste a servir de perfil), mas o movimento geraria tanto atrito que tornaria impossível o funcionamento do mecanismo. Nessa situação, talvez ainda mais do que no desenho, a diferença entre um instrumento e um perfil é capital: para que o mecanismo funcione não devemos recorrer a perfis, que têm sempre partes em atrito, mas gerar o movimento retilíneo com um instrumento. O que

se vê na figura foi proposto, em 1784, por James Watt. É um simples mecanismo articula-do de três hastes, feito em modo que o ponto médio P do lado menor (onde seria fixada a haste do pistão) se mova para cima e para baixo ao longo de uma trajetória retilínea.

Mas é mesmo uma reta? Uma versão de mesa do mesmo mecanismo (peça n. 2) mostra o contrário: o ponto médio descreve uma curva em forma de oito, com duas partes quase retilíneas, ou pelo menos suficientemente retas para as suas aplicações. O mecanismo de Watt explora essas partes da curva para manter a haste sempre em posição vertical. Uma variante do mecanismo de Watt, mais usada do que o mecanismo original, é o

chamado paralelograma de Watt. Neste, temos que DA = AE = BQ = BC e também que AB = EQ. Como os pontos C e D são fixos, o sistema DABC é idêntico ao mecanismo de Watt, e, portanto o ponto P se move em modo aproximadamente vertical. Como ABQE é um paralelograma, o ponto Q também descreve aproximadamente uma reta vertical.

Outros instrumentos para traçar retas O mecanismo de Watt, que por sua extrema simplicidade é usado ainda hoje, resolve na prática o problema de traçar uma reta, ou pelo menos uma curva tão próxima a uma reta a ponto de ser indistinguível nas aplicações. Depois de Watt, outros instrumentos foram encontrados, na verdade mais complicados, que traçam retas aproximadas.

Um deles foi encontrado pelo exímio matemático russo Tchebycheff, em 1850. Na verdade, Tchebycheff procurava uma solução exata do problema, e não somente aproximada, mas não teve êxito e chegou mesmo a pensar que não era possível construir um mecanismo que traçasse exatamente uma reta. A solução proposta por ele (peça n. 3) é baseada numa articulação de três hastes DA, AB e BC com C e D fixos, BC = AD e onde as distâncias envolvidas satisfaçam a proporção AD:CD:AB = 5:4:2. Em torno da posição simétrica mostrada na figura acima, o ponto médio

P de AB descreve um percurso essencialmente retilíneo (mesmo se a trajetória completa de P mais pareça uma semicircunferência). Vale observar que esse mecanismo ainda é usado para guiar o movimento das lâminas de serras para corte de troncos. Enquanto isso, o inglês Roberts também propôs uma solução aproximada (peça n. 4). Esta

se baseia numa articulação de três hastes e uma lâmina BPC em forma de triângulo isósceles, como na figura à direita. Nesse caso, deve-se ter AB=BP=PC=CD e AD = 2⋅BC. O vértice P da lâmina descreve por um trecho razoável um percurso quase retilíneo. Embora não faltassem soluções práticas, continuou aberto o problema teórico: é possível construir um instrumento que desenhe uma reta verdadeira, e não somente aproximada? Uma primeira resposta positiva é dada pelo mecanismo

de Sarrus, no qual os pontos da lâmina superior se movem ao longo de retas verticais (foto). Trata-se, no entanto, de uma máquina que não é nem prática (o mecanismo de Watt é muito mais simples e confiável) nem satisfatória do ponto de vista teórico, uma vez que opera no espaço tridimensional e não no plano. Do ponto de vista técnico, isso significa que ocupa muito espaço. A solução exata do problema foi encontrada por Peaucellier, um oficial do exército francês, em 1864. Em 1871, um discípulo de Tchebycheff, Lipkin, encontrava independentemente a mesma solução. Essa solução é baseada nas propriedades de uma particular transformação matemática: a inversão em relação a uma circunferência.

O mecanismo (peça n. 5) é constituído por sete hastes articuladas: quatro delas de mesmo comprimento formando um losango, duas maiores conectadas a vértices opostos do losango e entre elas num ponto fixo O, e uma sétima haste que faz o ponto P descrever uma circunferência que passa por O. As seis primeiras hastes, articuladas dessa maneira, constituem a chamada cela de Peaucellier. Durante o movimento do mecanismo o produto das distâncias dos pontos P e Q do ponto O é sempre a mesma. Usando uma linguagem mais técnica, os pontos P e

Q se correspondem mediante uma inversão em relação a uma circunferência de centro O. Uma das propriedades da inversão é que quando o ponto P descreve uma circunferência, o seu correspondente Q descreve também uma circunferência. A única exceção é exatamente o caso que nos interessa: quando a circunferência descrita por P passa pelo centro O, o ponto Q não descreve mais uma circunferência, mas uma reta.

A cela de Peaucellier pode ser também obtida pela sobreposição de dois quadriláteros, conforme mostra a figura ao lado. Eles são chamados de pipa e dardo. A título de curiosidade, vale citar uma aplicação desses quadriláteros num contexto completamente diferente do nosso, mas também importante. Em 1964, o físico Penrose mostrou que,

para determinados comprimentos dos lados das configurações pipa e dardo, pode-se construir um recobrimento não periódico do plano, isto é, um recobrimento que não é invariante por nenhum movimento rígido. Por fim, outro mecanismo que resolve o problema do movimento retilíneo foi descrito por Hart em 1874. Este é baseado num “paralelogramo trançado” como o da figura ao lado,

onde AB = CD e AD = BC e onde O, P, Q são três pontos fixados sobre as hastes AB, AD, BC alinhados paralelamente à reta AC, paralelismo que se preserva em todas as posições do mecanismo. Fixando, então, o ponto O, os pontos P e Q se corresponderão em uma inversão circular e, se P se mover ao longo de uma circunferência passante por O, então Q descreverá uma reta.

Indo um pouco além de retas e circunferências: as seções cônicas Se acendermos uma lanterna (peça n. 6), a luz da lâmpada, saindo da lente circular,

formará um cone que tem como vértice o filamento da lâmpada e como eixo a reta que une este ao centro da lente circular. Se direcionarmos o raio luminoso para uma parede, a parte iluminada assumirá formas diferentes, dependendo da inclinação do eixo. Se iluminarmos a parede perpendicularmente, obteremos um círculo. Conforme inclinamos o eixo da lanterna, o círculo se deforma em elipses sempre mais excêntricas. A excentricidade continua a aumentar até uma situação limite, quando o raio mais externo do feixe de luz (correspondente à superfície do cone) torna-se paralelo à parede. Nesse momento, a região iluminada é uma parábola. Continuando a inclinar o eixo do cone de luz, obtemos, após esse instante limite da parábola, as hipérboles (na verdade, obtemos somente um dos ramos da hipérbole; para obtermos ambos os ramos, precisaríamos do um cone completo, ou seja, dois cones opostos unidos pelo vértice). Essas quatro curvas recebem o nome de seções cônicas, uma vez que aparecem como intersecções de um cone (o feixe de luz da lanterna) com um plano (o plano da parede).

Se o plano de intersecção passar pela origem do cone, podemos ainda obter um ponto, uma reta ou um par de retas concorrentes, dependendo da inclinação do plano. Assim, seccionando um cone com um plano podemos obter retas, circunferências e mais três novas curvas: a elipse, a parábola e a hipérbole.

A elipse tem dois pontos particulares, os focos, com propriedades interessantes. A primeira é que a soma das distâncias aos focos é a mesma para qualquer ponto da curva. Esse fato pode ser usado para traçar uma elipse, de modo um tanto aproximado, mas suficiente para a maioria das aplicações (basta fixar as duas pontas de um barbante e mantê-lo esticado com o lápis com o qual se desenhará a elipse). A circunferência tem os dois focos coincidentes no centro. Conforme a elipse se alonga, os focos vão se distanciando até chegarmos a uma parábola, onde há um só foco. O outro, por assim dizer, foi ao infinito. Na hipérbole também há dois focos, mas nesse caso é a diferença das distâncias aos focos que permanece constante. Uma segunda propriedade dos focos consiste no fato de que a perpendicular à elipse num ponto divide pela metade o ângulo formado pelos segmentos que unem esse ponto aos focos. Conseqüentemente, um raio de luz que parta de um dos focos e que se reflita na elipse passará pelo outro foco. Vice-versa, um raio dirigido a um dos focos e refletido pela parede externa da elipse parecerá ter saído do outro foco. O mesmo acontece com as ondas sonoras: numa sala com uma cúpula elíptica (um elipsóide de revolução), se falarmos estando num dos focos da elipse, as ondas sonoras se refletirão nas paredes e se concentrarão no outro foco. Essa propriedade pode ser observada na peça n. 7, onde uma lâmina de alumínio em forma elíptica tem uma pequena lâmpada num de seus focos e um palito de fósforo no outro. Os raios que saem da lâmpada voltam a se concentrar no palito que, após alguns segundos, se acende. De modo um pouco aproximado, pode-se ver essa mesma propriedade utilizando um comum pirex oval (você talvez tenha um em casa). Após marcar os dois focos e cobrir o fundo do pirex com uma fina camada de água, toque na água com um dedo na altura de um dos focos: as ondas que se formarão se refletirão na parede do pirex indo se concentrar no outro foco. No caso das parábolas, os raios que chegam paralelamente ao eixo se concentrarão no foco e vice-versa. Portanto, se quisermos concentrar num ponto um feixe de raios paralelos (como, por exemplo, os raios solares), deveremos usar uma superfície refletora parabólica. É esse o princípio usado nas antenas parabólicas e nos radiotelescópios.

Na peça n. 8, as bolas descem pelo plano inclinado em direção à parede em forma de parábola, cujo eixo é paralelo à trajetória das bolas. Ao baterem nessa parede, todas elas passam pelo foco da parábola. Um efeito mais espetacular dessa propriedade pode ser observado quando utilizamos

dois espelhos parabólicos (parabolóides de revolução), um sobre o outro (peça n. 9). A disposição dos espelhos é tal que o foco de um coincide com o vértice do outro (em um dos espelhos há um corte na altura do vértice, para que se possa observar o fenômeno). Colocando-se um objeto no vértice do

espelho inferior, o que se observa no vértice do outro espelho é uma imagem virtual do mesmo objeto, como uma miragem. Efeitos análogos acontecem também no caso da hipérbole, onde um raio emitido por um dos focos e refletido pela parede interna da hipérbole parecerá ter sido emitido pelo outro foco. Mas a hipérbole apresenta outra propriedade bastante surpreendente: ao ser rotacionada em torno de um de seus eixos (aquele que não a intercepta), ela gera uma superfície curva, o hiperbolóide de revolução, que também é gerado pela rotação de uma reta! Isso fica bem evidente ao se observar a peça n. 10, onde se vêem duas famílias de retas, cada qual representada por uma cor diferente. Numa das posições limite da peça, uma família de retas se degenera em um cilindro e a outra em um cone. Conforme giramos a base superior, cada família de retas descreve um hiperbolóide até que, na outra posição limite, esses hiperbolóides coincidem. Nessa posição fica claro como as duas famílias de retas formam essa superfície. Outra maneira de ver essas famílias de retas gerarem um hiperbolóide de revolução é através da rotação de um cubo oportunamente disposto (peça n. 11). Dois vértices opostos do cubo são fixos no eixo de rotação. Durante a rotação do cubo, as quatro arestas que não encontram o eixo descreverão um hiperbolóide de revolução (cada par de arestas reversas corresponde a uma das famílias de retas que vimos acima). Enfim, há ainda terceiro modo bastante curioso de ver tudo isso, e é o que vemos na peça n. 12. Nela há uma lâmina de acrílico colocada em posição vertical e que possui uma dupla fenda em forma de hipérbole. Na base da peça, há um disco giratório onde está fixada uma vareta de cobre oportunamente inclinada (ela corresponde a uma das retas de uma das famílias de retas). Ao girar o disco, a vareta descreve um hiperbolóide de revolução cujo perfil vertical é a hipérbole traçada no acrílico, como mostra o fato dela passar tranqüilamente pela fenda em forma hiperbólica.

Fonte: Esta exposição, incluindo este guia, é uma reprodução parcial da mostra Oltre il compasso: la geometria delle curve, ocorrida em várias cidades italianas durante os anos 90 e que culminou com a criação do museu permanente Il Giardino di Archimede – un museo per la matematica, localizado próximo a Roma (aconselhamos uma visita ao sítio www.math.unifi.it/archimede). Os organizadores dessa mostra e idealizadores do museu são os professores Enrico Giusti (Università degli Studi di Firenze) e Franco Conti (Scuola Normale Superiore di Pisa). O curador desta exposição participou da referida mostra em Florença, de 27/03 a 2/05 de 1993. Colaboradores: Colaboraram com a exposição os alunos Nelson Luis Orsi de Paiva, Fábio Mateus Natali e Angélica de Almeida Oliveira do Departamento de Matemática da UEM. Agradecimentos: Gostaríamos de agradecer ao Prof. Marcos César Danhoni Neves do Departamento de Física da UEM pela disponibilização de uma das peças da exposição: os espelhos parabólicos. Agradecemos também à Tony Decoração pela confecção de todas as outras peças da exposição.