Guia de Estudos - 2013
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Transcript of Guia de Estudos - 2013
ISSN: 2318 6003
UFRGSMUNDI:
Guia de Estudos
Marina de Oliveira Finger
Willian Moraes Roberto
Organizadores
Porto Alegre, v. 1, nov. 2013
UFRGSMUNDI Porto Alegre v.1 p.1-303 2013
2
Editor Chefe
Paulo Visentini (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Comitê Editorial
Analúcia Danilevicz Pereira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
André Reis da Silva (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Érico Esteves Duarte (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Henrique de Castro (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Luiz Augusto Faria (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Jacqueline Haffner (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
José Miguel Martins (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Marco Aurélio Cepik (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Sônia Ranincheski (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Conselho Editorial
Larissa Monteiro (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Luíza Gimenez Cerioli (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Diogo Ives (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Marcelo Kanter (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Marina de Oliveira Finger (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Willian Moraes Roberto (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Renata Schmitt Noronha (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
Contato
Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados
Campus do Vale, Prédio 43322
Av. Bento Gonçalves, 9500, CEP 91509-900, Porto Alegre, RS
3
Sobre a Revista
UFRGSMUNDI: Guia de Estudos é uma publicação acadêmica produzida
com o apoio do Centro Estudantil de Relações Internacionais (CERI-UFRGS), do
UFRGSMUN e do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais
(NERINT). O objetivo do periódico é popularizar o estudo das Relações
Internacionais entre alunos da graduação e do Ensino Médio. Os artigos são
inéditos e escritos em língua portuguesa por alunos de graduação da UFRGS, de
acordo com os temas escolhidos pelo Conselho Editorial do periódico. A escolha
das temáticas se dá dentro de parâmetros como a relevância dessas para as
Relações Internacionais e a proximidade dessa com a realidade dos alunos de
Ensino Médio.
4
Apoio:
Arte da Capa: Lucas Barbosa
Edição da Capa: Paula Moizes, Jordy Passa e Fernanda Zaffari
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada
a fonte.
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
(CIP)Responsável: Biblioteca Gládis Wiebbelling do Amaral, Faculdade de
Ciências Econômicas da UFRGS
UFRGSMUNDI/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Faculdade de Ciências Econômicas, Curso de Relações Internacionais. –v. 1
(2013). –Porto Alegre:CERI/UFRGSMUN/NERINT/UFRGS, 2013-
Anual.
ISSN 2318 6003
1. Ciência Política. 2. Relações internacionais. 3. Política
internacional. 4. Diplomacia.
CDU 327
5
Volume 1, 2013
Editorial
.......................................................................................................................................7
Conselho de Segurança das Nações Unidas Histórico: A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984).......................................................................................................................................9
Bruna Contieri, Bruna Lersch, Jéssica Höring, Willian Moraes Roberto
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante....................................................................................................................................48
Bernardo Prates, Giulia Barão, Júlia Tocchetto, Matheus Machado Hoscheidt, Victor Merola
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: transição energética...............................................................................................................95
Luciana Costa Brandão, Othon Veloso Schenatto, Eduardo Dondonis, Michelle Baptista, Leonardo Weber, Lucas Santos
Conferêndia de Bandung ................................................................................157
Giovana Esther Zucatto, João Arthur da Silva Reis, Marília Bernardes Closs, Natália Regina Colvero Maraschin, Osvaldo Alves
Organização dos Estados Americanos: Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca.................................................................................................................... 194
André França, Bruna Coelho Jaeger, Giordano Bruno Antoniazzi Ronconi, Guilherme Simionato, Luísa Saraiva
6
Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas.................................................................................................................................227
Camille Remondeau, Giovana Esther Zucatto, Mariana M. S. Bom, Renata Schimitt Noronha
Corte Internacional de Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã).................................................................................................................................245
André da Rocha, Fernanda Graeff Machry, Luíza Leão Soares Pereira, Michelle
Gallera Dias
Agência de Comunicação.................................................................................272
Jade Knorre, Paula Moizes, Sarita Reed, Vinicius Fontana
7
Editorial
O UFRGSMUNDI, Simulação das Nações Unidas para Secundaristas do Rio
Grande do Sul, teve sua origem na ação de um grupo de estudantes da UFRGS que
desejavam democratizar a tradicional simulação em inglês UFRGSMUN, voltada
para universitários. A seleção de escolas, a maioria pública, bem como todo
planejamento para a simulação realizada em português, foi feita pela equipe
organizadora de estudantes. Isso resultou, com a primeira edição, no
engajamento de professores e alunos secundaristas, com enorme entusiasmo.
Sempre foi difícil aos professores de história, geografia, filosofia, artes,
idiomas e sociologia, entusiasmarem seus estudantes a partir dos tradicionais
manuais escolares. A simulação, entretanto, permitindo que cada um buscasse
entender um país em profundidade, a ponto de defendê-lo como delegado,
mudou completamente a situação, pois era necessário buscar conhecimentos e
informações em diversas áreas. Sem perceberem, se tornavam multidisciplinares,
como o campo das relações internacionais.
Os conteúdos aborrecidos das disciplinas isoladas ganharam novo
significado quando associados a problemas da guerra e da paz, prosperidade e
miséria, entre outros. O exercício permitiu a descoberta de outra realidade por
detrás dos clichês jornalísticos e das informações da internet, sempre
acompanhadas de imagens sensacionalistas. A iniciativa despertou talentos e
projetos futuros para muitos estudantes secundaristas. O sucesso do evento,
inclusive, gerou um problema: a cada ano o número dos que desejam participar é
maior.
Assim, esta iniciativa dos alunos de relações internacionais da UFRGS
demonstra, mais do que uma visão empreendedora, a solidariedade que prepara
8
os futuros estudiosos do tema. E assim agindo desencadeiam um fenômeno
multiplicador, pois a experiência é repassada a colegas secundaristas e seus
familiares. A política internacional deixa, desta forma, de ser domínio de um
grupo de experts, para se popularizar. E somente assim os avanços logrados pelo
Brasil no cenário internacional serão irreversíveis.
Prof. Dr. Paulo Fagundes Visentini
Coord. acadêmico do UFRGMUNDI
UFRGSMUNDI
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Conselho de Segurança Das Nações Unidas Histórico
A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984)
Bruna Contieri1
Bruna Lersch2
Jéssica Höring3
Willian Moraes Roberto4
1. Histórico
1.1. O Império português
Angola é um país localizado na costa ocidental do continente africano.
Sua história está inserida no contexto da colonização da África por países
europeus – mais especificamente no contexto de colonização portuguesa –, a qual
é resultado do processo de expansão marítima que marca a época moderna na
Europa5. Portugal foi pioneiro nesse novo empreendimento marítimo visto sua
ótima posição geográfica – na ponta oeste da Europa, projetando-se em direção
1 Estudante do 1º semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do 3º semestre de Relações Internacionais da ESPM-RS. 2Estudante do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 3Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 4Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 5 Nesse período, a economia europeia começava a desenvolver-se e utilizava-se cada vez mais a moeda, diferentemente do antigo período feudal. A burguesia foi consolidando-se como importante classe e aliou-se ao Rei, o que possibilitou a formação dos Estados Nacionais através da centralização do poder nas mãos de um monarca. Essas transformações, aliadas a inovações tecnológicas que surgiam, tais como a bússola e a caravela, possibilitaram a superação das barreiras medievais para o desenvolvimento econômico. A partir daí, os Estados começaram a enviar expedições marítimas a fim de ampliar seus mercados e de encontrar novas fontes de metais preciosos.
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ao Oceano Atlântico e ao norte da África – e devido a sua centralização precoce6.
A constituição do Império Colonial Português iniciou-se em 1415 e, em 1456,
Portugal dá inicio ao povoamento do continente africano. A partir daí, lançam-se
as bases para a expansão do domínio português, com o estabelecimento de
entrepostos comerciais na costa ocidental africana. No final do século XV, o Cabo
das Tormentas –ponto mais ao sul do continente africano – é contornado,
abrindo caminho para a colonização da costa oriental africana.
Quando os portugueses desembarcaram na África, o continente era
constituído por inúmeros reinos e sociedades distintos, os quais possuíam
culturas, sistemas políticos e econômicos particulares. Angola, por exemplo,
formou-se como o resultado da união de dois desses reinos: Ndongo e Matamba
(CAVAZZI DE MONTECUCCOLO, 1965). Nesse sentido, Portugal, assim como as
outras potências europeias, passou séculos aproveitando-se de conflitos étnicos e
estimulando uns contra os outros com o objetivo de enfraquecer a unidade
interna dos países africanos e, dessa forma, facilitar a sua dominação e presença
nesses territórios.
Portugal estava interessado em Angola como um mercado abastecedor
de escravos para suas outras colônias como, por exemplo, o Brasil, que
vivenciava o ciclo da cana de açúcar e posteriormente da mineração, atividades
6 A centralização precoce de Portugal e a formação de seu Estado Nacional devem ser entendidas no contexto da Guerra de Reconquista e posterior Revolução de Avis. A Guerra de Reconquista foi um processo que ocorreu na Península Ibérica, entre o século VIII e o século XV, com o objetivo de expulsar os árabes que estavam nessa região. Enquanto os reinos que, apenas em 1469, dariam origem à Espanha, estavam envolvidos na Reconquista, Portugal, que antes era um condado do reino de Leão, tornou-se independente, sob o comando de D. Afonso Henriques. Em 1383, com a morte de D. Fernando, Castela tenta incorporar Portugal, mas uma revolta portuguesa expulsa os partidários de Castela do país e proclama um novo rei, dando inicio a dinastia de Avis. Mais uma vez, Portugal afirma-se como Estado Nacional. A partir daí, pôde concentrar seus esforços para investir em empreendimentos como a expansão marítima.
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dependentes de mão de obra escrava. Além disso, Portugal também teve
motivações e incentivos religiosos para expandir-se a ultramar, pois o clero
desejava converter outros povos ao cristianismo e assim aumentar sua
influência7.
A partir do século XIX, com a independência do Brasil, Portugal
aumentou sua presença em suas colônias africanas para compensar a perda de
recursos que antes eram provenientes de sua colônia americana. A crescente
industrialização portuguesa também foi um incentivo ao aumento da exploração
nessas regiões como forma de obter matérias-primas. Além disso, outras
potências europeias como Inglaterra, França, Alemanha e Itália apresentavam um
interesse cada vez maior em explorar outros territórios, também em busca de
matérias-primas, configurando, dessa forma, uma forte concorrência a Portugal e
pressionando-o a controlar mais fortemente suas colônias e afirmar, perante
esses outros países, a sua posição de domínio nessas áreas.
Em 1884 ocorreu a Conferência de Berlim, encontro proposto por
Portugal, com o objetivo de redefinir as possessões coloniais africanas entre as
potências imperialistas da época. Esse evento demarca uma nova fase do
imperialismo europeu em busca de colônias, dessa vez centrada no continente
africano e asiático. A divisão da África resultante da Conferência foi totalmente
arbitrária, se dando de acordo com os interesses europeus, sem respeitar os
diferentes traços étnicos, culturais, sociais e políticos dos países africanos, o que
resultou em inúmeros conflitos internos e guerras civis.
Nesse período, Angola ia se tornar a principal colônia portuguesa na
África, pois se descobriu que era rica em jazidas minerais de petróleo, diamantes
7Aumentar a influência e o domínio da Igreja Católica sobre essas regiões era uma forma de fortalecer em dobro a presença europeia na África, uma vez que o poder católico estava assentado na Europa.
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e ferro. A agricultura também começou a gerar retornos à metrópole, tendo como
principais produtos comerciais o café, o algodão e o fumo8. Assim sendo, para
manter um controle mais rígido de sua colônia, Portugal estruturou o país
conforme seus interesses, mantendo uma elite de aristocratas, religiosos e
funcionários, enquanto a massa de trabalhadores estava na base da pirâmide
social.
No início do século XX, Portugal deixou de ser uma monarquia e tornou-
se uma República. Este evento inaugurou um período caracterizado por uma
forte instabilidade de governos em Portugal, o que incentivou movimentos
nacionalistas e proporcionou uma maior autonomia às colônias em função da
desestruturação do quadro burocrático da metrópole (VISENTINI, 2012).
1.2. O contexto do século XX: as Grandes Guerras e a Guerra Fria
Este mesmo século XX foi marcado por acontecimentos que abalaram e
modificaram profundamente as relações internacionais. As duas grandes guerras
foram caracterizadas por conflitos entre as ambições imperialistas das potências
e resultaram em danos significativos para todos os países envolvidos. Após as
guerras, segue-se a decadência da influência europeia no sistema internacional,
visto que muito embora importantes países europeus tenham saído vitoriosos,
estes tiveram suas economias abaladas devido aos gastos de guerra, ficando
impossibilitados de retomar suas antigas posições hegemônicas (HOBSBAWM,
1994).
8A abolição da escravatura em Angola já vigorava desde 1878. Logo, vários experimentos agrícolas foram feitos a fim de encontrar um produto que substituísse os escravos na pauta de exportação da colônia (VISENTINI, 2012).
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Nesse contexto, os EUA, que conseguiram manter-se fortes durante as
duas grandes guerras, surgiram como credores dos países europeus, tornando-os
dependentes do capital estadunidense para a reconstrução de suas economias. A
URSS, apesar de ter sofrido grandes perdas humanas e altos gastos durante os
conflitos mundiais, também ganhou importância após a IIª Guerra Mundial por
ter sido peça fundamental para a vitória dos aliados, adquirindo influência
diplomática internacionalmente. Além disso, foi sua economia interna forte e
relativamente fechada em relação à economia mundial que fez com que
conseguisse manter certa estabilidade econômica, assumindo uma posição
vantajosa em relação aos países europeus, que estavam totalmente fragilizados.
Com sua ascensão, EUA e URSS constituíram blocos distintos entre si, os
quais defendiam ideologias divergentes, uma capitalista, sob a hegemonia dos
EUA, e a outra socialista, mantida pela URSS. Era o início da Guerra Fria, período
no qual o Sistema Internacional tornou-se bipolar, isto é, dominado por duas
grandes potências, as quais se ameaçavam mutuamente e utilizavam sua
influência em Estados do Terceiro Mundo para atacar-se indiretamente, haja
vista o perigo de uma guerra nuclear num conflito direto entre os dois blocos.
Após a IIª Guerra Mundial, os países europeus, incluindo Portugal,
direcionaram todos os seus esforços para a sua reconstrução interna, baseada no
capital estadunidense,tornando a exploração efetiva das colônias cada vez mais
inviável do ponto de vista econômico9. Dessa forma, a presença das metrópoles
9Os EUA financiaram a reconstrução, após a IIª Guerra Mundial, dos países aliados europeus por meio de um plano econômico conhecido como “Plano Marshall”, criado em 1947. Essa ajuda consistia basicamente em empréstimos financeiros. O “Plano Marshall” pode ser entendido, no contexto da Guerra Fria, como uma forma de fortalecer o capitalismo e a hegemonia estadunidense. Embora Portugal não tenha se envolvido diretamente na II° Guerra Mundial, teve sua economia desestruturada, pois exportava para os países envolvidos e, devido ao conflito, essas exportações caíram, afetando a economia portuguesa. Nesse sentido, Portugal insere-se no “Plano Marshall” de reconstrução europeia.
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nas colônias tornou-se cada vez menor, assim, os países africanos tiveram a
oportunidade de radicalizar seus movimentos nacionais e anticoloniais. Os EUA e
a URSS, mesmo defendendo ideologias diferentes, adotavam um posicionamento
parecido ao ser contra o colonialismo, seja alegando a livre determinação dos
povos, como os americanos, seja opondo-se ao “imperialismo capitalista”, no caso
soviético.
Durante a Guerra Fria ocorre a “Era das Independências”(HOBSBAWM,
1994), na qual os países africanos lutaram, por meio de movimentos populares,
por sua descolonização10. Considerando a constante concorrência entre as duas
grandes potências do período, era de extrema importância que elas
conseguissem o maior número possível de zonas de influência no mundo, pois
estariam legitimando, internacionalmente, os seus modos-de-produção. Dessa
forma, EUA e URSS apoiavam os processos de independência dos países africanos
e, após a independência efetiva, ofereciam ajuda para estruturá-los internamente.
Esse tipo de “ajuda para o desenvolvimento” era o modo de manter um elo de
dependência financeira e burocrática entre esses novos e frágeis países e as
potências centrais.
Outro aspecto fundamental desse período é que quando os países
africanos conseguiam conquistar sua independência em relação às antigas
metrópoles, iniciavam-se disputas domésticas para decidir quem seriam as elites
dirigentes que governariam a política nacional, visto que esses países possuíam
inúmeras contradições internas resultantes dos primeiros processos de
10“Era das Independências” é um termo criado pelo autor Eric Hobsbawn (1994) para referir-se aos processos de descolonização que ocorreram ao longo do século XX, não só na África, mas também na Ásia e Oceania.
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colonização e acentuadas com a divisão arbitrária do continente prevista na
Conferência de Berlim. Tudo isso resultou em processos de independência
marcados por conflitos internos e posteriores guerras civis.
1.3. O processo de independência de Angola
Ao contrário da grande maioria das outras nações africanas que tiveram
sua independência nas décadas de 1950 e 1960, Angola teve o seu desligamento
da metrópole tardiamente. Tal fato deveu-se ao governo fascista de Antônio
Salazar, que não abriu mão dessa fonte de recursos e postou-se contra a maré,
mantendo seus domínios também no restante da África portuguesa. O processo
de independência de Angola começou na década de 1960, estendendo-se até a
década de 1970 quando, em vez de acontecer a celebração da paz e da
estabilidade, os conflitos de independência deram lugar à Guerra Civil.
Havia três grupos armados de oposição às forças de Portugal: MPLA
(Movimento pela Libertação de Angola), a FNLA (Frente Nacional pela Libertação
de Angola) e a UNITA (União pela Independência Total de Angola). O primeiro, de
orientação socialista e dirigido por Agostinho Neto, era o grupo mais bem
articulado e o que liderou o processo durante boa parte do período. Teve apoio de
países do bloco socialista, em especial da URSS e de Cuba. A FNLA caracterizou-se
por ser bastante personalista, tendo foco o líder Holden Roberto. Era
anticomunista declarada e racista (contra brancos). Quanto à UNITA, foi formada
por um membro que se desligou da FNLA, Jonas Savimbi. Era bastante fraca
militarmente, porém, teve, durante bastante tempo, o apoio dos Estados Unidos e
da África do Sul. Sua posição ideológica flutuava de acordo com a ajuda externa.
Houve a fusão dos dois últimos movimentos quando da dissolução da FNLA,
agindo todos sob o nome de UNITA (VISENTINI, 2012).
A Guerra Popular de Libertação do Povo Angolano teve seu início em 1961,
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tendo sido treze anos de disputa entre os três movimentos de libertação e o
governo português. O conflito foi, em sua maior parte, liderado pelo MPLA, exceto
quando da prisão de Agostinho Neto – período de turbulência interna do
movimento, quando mesmo a URSS cessa com seu auxílio, voltando a concedê-lo
no momento de sua soltura em 1964, quando Cuba também passa a apoiá-lo.
Nesse mesmo ano de 1964 houve, por meio da Organização da Unidade Africana,
o apoio da Zâmbia, que possibilitou a abertura de uma nova base militar; e da
Tanzânia, que foi intermediária na recepção das armas chinesas e soviéticas ao
MPLA (VISENTINI, 2002).
O conflito estendeu-se até um episódio ocorrido em Portugal conhecido
como Revolução dos Cravos, em 1974, que incorreu na queda do regime ditatorial
fascista de Antônio Salazar e, consequentemente, rompeu as principais amarras
da colônia com a metrópole. Consequência disso vai ser a assinatura do Protocolo
de Alvor pelos três movimentos de independência e pelo governo de Portugal. Tal
acordo estabelecia as condições para o desligamento da colônia, que tinha ficado
marcado para o final do ano seguinte, em 11 de novembro de 1975.
Entretanto, a declaração de paz não trouxe paz e a guerra acabou se
estendendo. Um governo de transição formado pelos três grupos e uma
representação de Portugal foi criado, mas devido às grandes diferenças
ideológicas entre os membros este não se sustentou. Os apoios externos
continuam e agora passam a atuar diretamente no conflito, o deixando com
características de um conflito do âmbito da Guerra Fria, o que é fortalecido
quando os cubanos também passam a combater ao lado do MPLA em Angola11. A
11 Os cubanos entrarão em Angola através da Operação Carlota em 1975, como será descrito adiante.
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luta passa a se travar, então, basicamente, entre o MPLA e os outros dois
movimentos.
1.4. O papel da África do Sul
A partir de 1976, já depois da declaração de independência, a guerra em
Angola recebe um novo apoiador aos movimentos contrários ao MPLA – que é o
grupo que obteve sucesso na unilateral declaração de independência.12Este
apoiador é a África do Sul, país apoiador do Ocidente na Guerra Fria e detentor do
controle da infraestrutura regional- herdada da colonização britânica-,o qual
tinha também sob sua dependência os países vizinhos em função da sua
superioridade econômica. Tal apoio sul-africano objetivava mudar a situação
vivida pelo governo desde o fim do colonialismo português na África Austral, que
causou a quebra do chamado “Cord~o Sanit|rio” –Estados vizinhos que antes
apoiavam o regime racista de uma minoria branca, o Apartheid.
O Apartheid, regime de segregação racial, começou a ser institucionalizado
a partir da ascensão ao poder do National Party em 1948, mesmo tendo sido
elaborado anos antes13. Tal política baseava-se na ideia que só seria possível a
coexistência da minoria branca com a maioria negra no país se a segunda se
submetesse à primeira, caso contrário causaria o suicídio da raça branca.
De forma sintetizada, o sistema era composto pelo Pequeno Apartheid e
pelo Grande Apartheid. O primeiro era caracterizado por discriminações
corriqueiras, para a utilização de diversos estabelecimentos, como, por exemplo,
12Houve a declaração da República Popular de Angola pelo MPLA e da República Democrática de Angola pela UNITA. A segunda não obteve reconhecimento de nenhum país, enquanto foi a primeira que prevaleceu externamente. 13 Na formulação de seus intelectuais e na exploração dos políticos, a história do Apartheid tem início pouco antes de 1948. No entanto, a da segregação antecede essa data em muito e não são poucos os analistas que localizam suas raízes no século XIX (PEREIRA, 2007).
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restaurantes, estádios, praias, sistemas de transporte público, etc. Isto é, havia
diferenças estabelecidas de acordo com a cor da pele para a utilização desses
sistemas, coexistindo num mesmo espaço, bancos de ônibus para brancos e
outros somente para negros, por exemplo. Já o Grande Apartheid consistia nos
grandes pilares legislativos que não eram tão visíveis, mas significavam um
distanciamento ainda maior entre os dois povos. Alguns exemplos dessas leis são:
Group Areas Act (Lei de Áreas de Grupos), de 1950, que dava permissão ao
governo de tirar à força quem não estivesse na terra considerada adequada por
este; Prohibition of Mixed Marriages (Proibição de Casamentos Mistos), de 1949,
que proibia o casamento entre as ditas raças diferentes; Immoralityact (Lei de
Imoralidade), de 1927-1959, que vetava relações sexuais entre brancos e não-
brancos.
Com as independências das ex-colônias portuguesas, o Primeiro Ministro
da África do Sul à época, John Vorster, temendo a possibilidade de ocorrer uma
insurreição negra generalizada na África contra regimes de brancos, formula uma
política chamada de déténte, que consistia na busca da solução dos conflitos na
região por meios pacíficos. Segundo Wolfgang Dopcke (2008),
A exposição das fronteiras da África do Sul e da Namíbia a Estados [que adotavam políticas potencialmente antiapartheid] provocou Pretória a apresentar uma nova iniciativa na política regional, a chamada déténte, que governou as relações internacionais na África Austral entre meados de abril de 1974 e o final de 1975. O raciocínio central desta abordagem foi o de que a nova situação de segurança da África do Sul necessitava uma resolução pacífica dos conflitos correntes na África Austral (Namíbia e Rodésia do Sul [atual Zimbábue, desde 1979]), senão os conflitos iriam [aumentar]. (...) os movimentos anticoloniais poderiam se radicalizar e a maioria dos africanos chegaria a apoiar estes movimentos radicais e “comunistas” (DOPCKE,2008).
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Com a déténte, Vorster objetivava alcançar alternativas para os planos
internacionais de emancipação de territórios, bem como formar governos com
participação também da maioria negra, embora liderados pelas elites brancas
(PEREIRA, 2007). Entretanto, foi a própria África do Sul que acabou por
promover o fracasso definitivo desta política ao invadir Angola em setembro de
1976.Houve, por parte da África do Sul, não só o começo do que Wolfgang Dopcke
(2008) chama de tradição de interferência repressiva no subcontinente, como
também a subestimação das forças do MPLA e da presença soviética e cubana em
território angolano.
Vale lembrar que a presença de um regime socialista alinhado à União
Soviética tão perto da África do Sul era extremamente indesejada não só porser
uma ameaça à governança da elite branca e ao sistema capitalista em si como
também pelo apoio que Angola prestava aos movimentos de oposição sul-
africanos, em especial, à SWAPO (Organização dos Povos do Sudoeste Africano)14.
2. Desenvolvimento da questão
2.1. As guerras com a África do Sul: guerra em larga escala na África Austral
2.1.1. A Estratégia Total da África do Sul e a invasão a Angola
O colapso do império português na África, por volta de 1975, com as
independências de Angola e Moçambique, trouxe mudanças importantes na
din}mica regional do Sul da África. Isso acabou rompendo com o “cord~o
sanit|rio de regimes brancos” que se encontravam ao redor da África do Sul e
que antes a protegiam de incursões vindas do resto do território, além de
garantir relativo apoio a esse tipo de governo (PEREIRA, 2012). Dessa forma, a
14 A SWAPO é o movimento de libertação da Namíbia, território ainda ocupado pela África do Sul.
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ascensão de governos de cunho marxista, que se opunham aos regimes racistas,
colocou a África do Sul em uma posição em que esta passou a sentir-se ameaçada.
Após uma política externa que
não logrou resultados efetivos, o
primeiro-ministro Vorster deixou o
cargo em 1978. Em seu lugar, após
novas eleições, Pieter Willem Botha
assume como o novo Primeiro-
Ministro, dando início a Era Botha. Seu
governo caracteriza-se por ser
responsável por uma grande ascensão
dos militares, os quais passaram a
influenciar o processo de formulação
política (BRANCO, 2003). Tal
fenômeno é responsável pela
mudança da política externa da
África do Sul para algo mais violento
e intervencionista.
Botha considerava
que a África do Sul estava ameaçada
e cercada por regimes hostis. Por
isso, e considerando que a abordagem que buscava o diálogo - détente, tentada
por Vorster, havia falhado, o atual Primeiro-Ministro resolve recuperar o
conceito de Assalto Total que fora criado em 1973. Esse conceito, criado pelos
militares, apresentava a África do Sul cercada por inimigos que empunham
Mapa da região do Sul da África. Em verde,
África do Sul, regime do Apartheid. Com as independências
de Angola e Moçambique, somados a Botswana e Zâmbia,
criou-se países antiapartheid e contra a África do Sul.
Zimbabwe, independente em 1979, também se oporá a
África do Sul. Namíbia é território dependente, e ocupado
pela África do Sul à época.
Fonte:http://3.bp.blogspot.com/--
oU2j5A6jAE/TfpxeWZ9M0I/AAAAAAAABnU/3nAUBFUdj
MA/s400/southern_africa_map3.JPG
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013 21
contra ela uma guerra ideológica, visando a mudar suas ideias e valores, e
utilizando-se de todos os meios disponíveis que possuíam – militares, políticos,
diplomáticos, religiosos, culturais, econômicos e sociais. Assim, a África do Sul
estaria envolvida em uma Guerra Total (BRANCO, 2003).
A criação de um grupo de países chamados Estados da Linha de Frente
reforçou a ideia do cerco à África do Sul. Motivadas pelas recentes
independências no sul da África, em 1976, no âmbito da Organização da Unidade
Africana (OUA), Angola, Moçambique, Botswana, Tanzânia e Zâmbia criam esse
grupo que objetivava coordenar esforços, recursos e estratégias para apoiar os
movimentos de libertação na área – como na Namíbia, Rodésia, África do Sul,
Moçambique e Angola15.
Diante disso, um ano depois, em 1977, utilizando-se do conceito de
Assalto Total, os militares da África do Sul formulam uma nova doutrina militar, a
Estratégia Total Nacional (ETN), a qual será adotada formalmente na Era Botha
como a política externa sul-africana. Segundo a ETN, seria necessária à África do
Sul uma ação coordenada e interdependente em todos os campos de atividade
para proteger-se. A África do Sul aprofundaria sua veia intervencionista, visando
a desestabilizar os países por ela considerados inimigos, como os Estados da
Linha de Frente (PEREIRA, 2012).
No fim dos anos 1970, Botha resolve aplicar a ETN primeiramente via
setor econômico, criando a Constelação de Estados da África Austral, a qual
visava a usar a forte economia sul-africana para dominar a região. Estando em
uma organização econômica com a África do Sul, seus vizinhos não poderiam ser
15A Namíbia era um território ocupado pela África do Sul desde 1915, possuindo também um regime racista ligado a sua “ocupante”. A Rodésia do Sul, atual Zimb|bue, também possuía regime racista. Os outros grupos dentro dos países citados eram todos grupos de libertação nacional, que lutavam contra esses tipos de governo racistas e segregacionistas.
Conselho de Segurança Das Nações Unidas Histórico: A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984)
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agressivos para com ela, visto que precisariam de sua economia para se
sustentar. Essa era uma tentativa de reconstruir o cordão sanitário em favor da
África do Sul que se rompeu após 1975. Botswana, Lesoto, Suazilândia, Malawi e
Zâmbia, muito dependentes economicamente da África do Sul, não tiveram outra
opção senão aceitar. Entretanto, Angola, Moçambique e Tanzânia resistiram e não
aderiram ao plano sul-africano.
Em 1979, a Rodésia do Sul, ainda governada por Ian Smith, líder de um
regime também racista, estava à beira de uma troca de regime. Pressionada pela
comunidade internacional, a África do Sul esperava a entrada de um novo
governo eleito constituído de negros moderados, e então os apoiava visto que
pretendia que esses, após chegarem ao poder, entrariam na Constelação Sul-
Africana. Nesse ano, Margaret Tatcher, primeira-ministra da Grã-Bretanha,
convoca as partes conflitantes do país, que já discutiam o fim do regime racista há
anos, e, através do Acordo da Casa Lancaster, concordam em realizar eleições16.
Entretanto, o resultado das eleições levou à vitória de Mugabe, representante dos
negros mais radicais, indo contra as expectativas da África do Sul. O país passa a
partir dali a se chamar de Zimbábue e não mais de Rodésia do Sul, e em 1980 ele
rejeita participar da Constelação de Estados da África Austral, sendo esse mais
um golpe aos planos da África do Sul.
O fim do plano econômico da ETN da África do Sul virá em 1980, com a
formação da SADCC (Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento do Sul
Africano) pelos Estados da Linha de Frente. Segundo eles, era impossível
16 Aqui vale destacar que o motivo da África do Sul apoiar uma das possibilidades de mudança, ao invés de defender a permanência do regime racista similar ao dela, é o medo de que acontecesse na Rodésia do Sul o mesmo que aconteceu em Angola e Moçambique, ou seja, uma independência radical e turbulenta (BRANCO, 2003).
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combater as políticas da África do Sul e continuar cooperando com ela
economicamente. A SADCC, assim, seria uma organização econômica entre os
Estados que se opunham a África do Sul para livrarem-se da dependência para
com essa e se fortificarem entre si para poderem combate-la de melhor forma.
Para crescerem sem a África do Sul, a SADCC propunha a construção de
corredores regionais – ferrovias e rodovias que passassem por dentro de vários
dos países membros – para que a produção destes pudesse ser escoada
(BRANCO, 2003). Isso criaria uma infraestrutura independente da África do Sul,
visto que este é o país que herdou o sistema de ferrovias e rodovias coloniais.
Sentindo-se ainda mais ameaçada, a África do Sul deixa de lado sua
tentativa econômica de realizar a ETN e parte para uma abordagem mais
agressiva. Adota então, desde 1980, uma política de Desestabilização
Generalizada para com os Estados da Linha de Frente. Suas ações se tornam mais
militarizadas, focando na contra insurgência17. A partir daí,
A África do Sul (passa) a fazer incursões sistemáticas nos países vizinhos,
dando assistência de combate a grupos antigovernamentais, como no caso da
UNITA [...]. Também (faz) parte [...] o apoio financeiro e logístico para
treinamento e concessão de armamentos e a garantia de acolhida no território
sul-africano de grupos que (lutarem) contra os Estados da Linha de Frente – a
UNITA, em Angola, a RENAMO, em Moçambique [...]. Outro instrumento de ação
estratégica (é) a sabotagem. (São) inúmeros os atos contra alvos econômicos e
militares nos Estados da Linha de Frente realizados por comandos sul-africanos,
bem como o envolvimento em golpes militares ou tentativas de golpes [...]. Por
17Medidas de contra insurgência são ações tomadas pelos governos para acabarem com as atividades de grupos insurgentes que se levantam contra as políticas do regime em questão. Os insurgentes visam a destruir ou minimizar a autoridade política de uma região, enquanto os contra insurgentes objetivam proteger essa autoridade e diminuir o poder dos insurgentes.
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fim, [...] (há) ações militares, atentados e ataques contra o CNA e a SWAPO18, mas
também contra campos de refugiados e simpatizantes dos movimentos em quase
todos os Estados da Linha de Frente. A ideia, portanto, (é) a de neutralizar esses
países no que diz respeito à sua postura antiapartheid (PEREIRA, 2012).
Os principais países atingidos são Moçambique e Angola. Moçambique,
além de estar apoiando o CNA, é um território estratégico para a SADCC, pois
possui três dos cinco corredores de transportes regionais em construção. A
destruição destes está ligada a tentativa de inviabilizar os planos econômicos e
políticos da SADCC. São desferidos ataques ao território moçambicano tanto por
parte das Forças de Defesa Sul-Africanas (SADF) quanto pela RENAMO, apoiada
pela África do Sul (BRANCO, 2003).
Quanto a Angola, a África do Sul, utilizando-se do território que ocupava
da Namíbia, realiza em 1981 a chamada Operação Protea. Utilizando como
justificativa para sua aç~o o direito de “perseguiç~o” – o qual permite adentrar
em território vizinho quando em perseguição a invasores de seu território –, a
África do Sul adentra no sudeste de Angola, em suposta perseguição aos
membros da SWAPO, os quais possuíam base e eram apoiados por Angola
(GEORGE, 2005). Entretanto, após destruir certo número de bases da SWAPO,
5.000 soldados sul-africanos permaneceram no local ocupando essa região de
Angola até hoje, mesmo sob constante represália e condenação internacional.
18 O CNA (Congresso Nacional Africano) e o SWAPO (Organização do Povo do Sudoeste da África) são os grupos de negros libertários da África do Sul e da Namíbia, respectivamente, assemelhando-se ao MPLA em Angola e ao FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) em Moçambique. A UNITA e a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana) são ambos grupos antigovernamentais, na Angola e em Moçambique respectivamente, apoiados pela África do Sul.
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Desde a invasão a Angola, a África do Sul vem apoiando a UNITA para
ambas lutarem em território angolano contra as forças do MPLA, da SWAPO e de
Cuba. Nos seis primeiros meses após a Operação Protea, as forças da África do Sul
mataram mais de 600 guerrilheiros e tomaram vastas quantidades de
equipamento militar, repassadas para a UNITA. Durante 1982 e 1983, apesar de
um aumento na ajuda soviética às forças que lutam ao lado de Angola, a UNITA
expandiu seus ataques, os quais hoje vão desde pequenas incursões até assaltos
em grande escala (GEORGE, 2005).
Recentemente, em 1983, a África do Sul, ainda entrincheirada em Angola,
realizou uma nova série de violentos ataques durante a Operação Askari.
Inicialmente planejada como uma pequena incursão, a operação
expandiu-se até envolver quatro unidades mecanizadas de 500 homens que
cruzariam Angola para atacar concentrações da SWAPO – identificadas através de
reconhecimento aéreo –, enquanto unidades menores patrulham a fronteira para
interceptar qualquer guerrilha que tente infiltrar-se no território da Namíbia. As
forças terrestres seriam apoiadas por caças-bombardeiros Mirage e Impala
(GEORGE, 2005).
A operação começou em 6 de Dezembro de 1983, e menos de uma
semana depois, Botha surpreendeu a todos oferecendo a retirada de tropas de
Angola caso esta expulsasse as forças da SWAPO de seu território. Entretanto, no
dia 20 de Dezembro de 1983, com a negação de Angola, o Conselho de Segurança
das Nações Unidas passou a Resolução 546 demandando a saída da África do Sul
da Angola imediatamente, bem como pagamento de reparações ao país invadido.
A África do Sul não se retirou e as negociações que ocorriam por trás – como se
ver| na sess~o “1.3” – complicaram-se.
Nesta sessão de 6 de Janeiro de 1984, o Conselho de Segurança das
Nações Unidas novamente se reúne para tentar resolver os problemas das
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investidas da África do Sul em Angola. Há três dias, em 3 de janeiro de 1984,
ignorando a Resolução 546 e todas as outras já passadas por este órgão, a África
do Sul, ainda sob a Operação Askari, realiza forte investida contra a cidade
angolana de Cuvelai, onde perto há campos de treinamento das forças da SWAPO.
Apesar das fortes chuvas que já transformaram o campo de batalha em um
pântano, a batalha continua e as forças angolanas responderam em ajuda a
SWAPO com seus próprios tanques T-55, provenientes da URSS. Têm-se dito que
as forças sul-africanas supostamente já mataram mais de 300 soldados da
SWAPO, de Angola e de Cuba, e sofreram uma perda de mais de 20 soldados. É
necessária uma resposta a esse combate feroz que já dura três dias, bem como a
esse problema que se estende desde 1981 com a ocupação sul-africana do
sudeste de Angola.
2.1.2. A Questão da Namíbia
É necessário explicitar todo o problema por trás da ocupação da África
do Sul no território da Namíbia, ação também condenada pela comunidade
internacional há anos. A história das ocupações na Namíbia começa em 1884
quando a Alemanha a transforma em sua colônia. Criou-se um regime
segregacionista, extremamente discriminatório para com os negros que ali
habitavam, algo semelhante ao próprio Apartheid. Entretanto, de 1904 a 1907 os
nativos tentam expulsar os alemães, mas acabam sendo massacrados. Somente
em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, é que a África do Sul, apoiada pela
Grã-Bretanha e França, expulsará a Alemanha. Após a expulsão, as tropas sul-
africanas ficam estacionadas no território namibiano.
Em 1919, após o fim da guerra e com a criação da Liga das Nações, essa
passa o território da Namíbia para a África do Sul como um mandato de proteção.
UFRGSMUNDI
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Suas instituições políticas criadas são incorporadas às da África do Sul, havendo
representantes da Namíbia no Parlamento sul-africano, indicando uma
dominação real da África do Sul sobre tal território. Porém, a partir de 1966,
forma-se o grupo SWAPO, e os negros passam a querer a independência e a
libertação da África do Sul, que nega. A ONU, no mesmo ano, começa a condenar a
presença sul-africana na Namíbia e em 1969 o Conselho de Segurança da ONU
passa as primeiras resoluções, Resolução 264 (1969) e 269 (1969), declarando
ilegal as ações da África do Sul (BRANCO, 2003).
Sob pressão, a África do Sul em 1975 cede e há a realização de uma
conferência nacional, sem a presença da SWAPO. Forma-se um grupo político, o
DTA, apoiado pela África do Sul. Um ano depois, em 1976, o Conselho de
Segurança passa a resolução 385 (1976), reforçando uma opinião da Corte
Internacional de Justiça que considerou necessária a imediata remoção de tropas
da África do Sul da Namíbia, e demanda a realização de eleições. Em 1978 as
eleições acontecem e o chefe do grupo DTA assume o governo na Namíbia.
Porém, a África do Sul continua mantendo presença na região e alguns anos
depois passa a usar este território como base para lançar seus ataques contra a
Angola, no escopo da Estratégia Total Nacional. Essa presença continuada
enfraquece o governo criado em 1978, que em 1983 é dissolvido, voltando a
África do Sul a governar o território da Namíbia. O Conselho de Segurança
responde em 1983 com uma nova resolução, Resolução 532 (1983), condenando
a contínua ocupação da África do Sul (BRANCO, 2003). Hoje, 1984, o problema
continua sem ser resolvido, e a Namíbia continua sendo base para as ações da
África do Sul em Angola. A África do Sul insiste que sua retirada dali deve ser
acompanhada de contrapartidas da Angola, segundo a Política de Ligação, como
se verá a seguir.
Conselho de Segurança Das Nações Unidas Histórico: A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984)
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2.1.3. A Política de Ligação e as Ações Prévias da ONU
A África do Sul diz-se disposta a sair de Angola e da Namíbia caso receba
uma contrapartida por parte do governo angolano. Essa seria a expulsão das
tropas da SWAPO do território de Angola, bem como a expulsão das tropas
cubanas ali presentes. Essa ideia é baseada na Política de Ligações, trazida pelos
EUA quando esse passou a tentar mediar o conflito diretamente entre as partes.
Em 1978, o Conselho de Segurança havia passado a Resolução 435
(1978), que demandava mais uma vez a saída da África do Sul da Namíbia. Já ali, a
África do Sul expressou-se dizendo que não era contra a independência da
Namíbia, porém não aceitaria a Resolução 435 (1978) porque ela não abarcava a
principal causa de perigo para a África do Sul: a presença de bases da SWAPO em
Angola e o apoio que essas tropas tinham de Cuba e do governo angolano. Se
simplesmente saísse da Namíbia, a África do Sul ficaria exposta e aberta ao perigo
de guerrilhas que queriam derrubar o regime do Apartheid.
Em 1981, os EUA agem para mediar o conflito e reforçam a posição da
África do Sul, a apoiando e criando oficialmente a Política de Ligação – saída da
África do Sul da Namíbia e Angola ocorrendo apenas se Angola expulsasses
tropas da SWAPO e de Cuba do seu território. Assim, com a formulação
estadunidense, a independência da Namíbia e a presença dos cubanos em Angola
tornaram-se conflitos ligados diplomática e politicamente (PEREIRA, 2012).
Angola e Cuba responderam em 1982 com uma declaração conjuntura, numa
espécie de “revers~o da política de ligaç~o”, pois demandavam a independência
da Namíbia, eleições e a saída da África do Sul dali antes da retirada de Cuba de
Angola. Mesmo com as diferenças, nota-se que parece haver uma aceitação de
ambos os lados de que a resolução para ambos os conflitos – ocupação em Angola
e Namíbia – está realmente ligada (GEORGE, 2005).
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Quanto às ações tomadas pela comunidade internacional e pela ONU no
combate as ações da África do Sul, vale ressaltar alguns acontecimentos. Em
1962 a ONU cria o Comitê Especial Contra o Apartheid, em clara condenação das
práticas desse regime. No mesmo ano, a Assembleia Geral consegue aprovar um
pedido ao Conselho de Segurança para que expulsassem a África do Sul da ONU,
vetado pela França, Grã-Bretanha e EUA. No ano seguinte, cria-se um embargo –
proibição de comércio – voluntário de venda de armas à África do Sul (BRANCO,
2003).
Em 1976, a Assembleia Geral apoia uma resolução condenando as
práticas racistas e a política dos Bantustões na África do Sul e no mesmo ano o
Conselho de Segurança aprova a Resolução 387 (1976) condenando as incursões
da África do Sul em Angola durante o período de sua guerra civil. No ano seguinte
a Resolução 417 (1978) condena oficialmente a África do Sul pela primeira vez
como racista. A ONU também proclama o período entre 1978-1979 como o Ano
da Luta contra o Apartheid.
Em 1979, Resolução 447 (1979) e Resolução 454 (1979) do Conselho de
Segurança condenam novamente as incursões sul-africanas em Angola, bem
como a Resolução 475 (1980) no ano seguinte, que já demonstrava a ligação
entre a utilização do território da Namíbia pela África do Sul para desferir
ataques em Angola. Mesma condenação à África do Sul sucede-se após sua nova
invasão e ocupação do sudeste de Angola em 1981 com a Operação Protea,
ocorrendo o mesmo com a Resolução 545 (1983), durante a Operação Askari.
2.2. A Guerra Civil de Angola como palco da Guerra Fria
A guerra civil de Angola, por seus desdobramentos e intervenções –
diretas ou indiretas – das Grandes Potências, foi um dos cenários da Guerra Fria.
A atuação das duas potências em Angola ocorreu devido ao medo, por ambos os
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lados, que os interesses da potência rival predominassem no continente africano,
seja por meio da ascensão de algum partido que não satisfizesse sua agenda
política, ou meramente por uma questão de prestígio e demonstração de poder e
influência nesse sistema.
Até o momento da aprovação da operação IA Feature19 em julho de 1975
pela administração Ford, os EUA não estavam preocupados com a situação em
Angola20: a agenda estadunidense estava voltada para outras questões, como, por
exemplo, as negociações do acordo SALT II21, as guerras no Oriente Médio, a
ascensão do comunismo na Ásia, a situação econômica interna, etc. Ao mesmo
tempo, entretanto, os EUA tinham um compromisso com os países aliados na
África Subsaariana de evitar a ascensão de governos comunistas, os quais
atuariam como fator desestabilizador na região, havendo a possibilidade de
acabar com a política da détente entre a África do Sul e os países da Linha de
Frente.
O lançamento da IA Feature tinha um contexto muito mais amplo,
envolvendo a capacidade de liderança dos Estados Unidos no sistema
internacional, cujo prestígio decaíra com o fracasso estadunidense em conter o
comunismo no Vietnã, havendo a possibilidade dos países duvidarem de sua
19Operação da CIA que dava suporte aos movimentos UNITA e FNLA, por meio de recursos econômicos e instrutores militares para treinamento das guerrilhas. A IAFeature previu o envio de 14 milhões de dólares à resolução do conflito - US$ 8 milhões foram destinados para armas e aviões que as transportariam de Kinshasa a Angola, US$ 2,75 milhões para encorajar Mobutu a enviar mais armas a FNLA e UNITA e US$ 2 milhões que seriam destinados a Roberto e Savimbi para cobrir os custos de operação (GLEIJESES, 2003, p. 294). 20Desde 1961 a CIA esteve patrocinando Holden Roberto, mas com recursos pouco significativos, os quais aumentariam de US$ 6.000,00 ao ano para US$ 10.000,00 mensais, em 1974 (GLEIJESES, 2003, p. 279). 21Os tratados SALT I e II (do inglês, Negociações sobre Limites para Armas Estratégias) foram os resultados de duas rodadas de negociações que tinham como objetivo limitar os armamentos com capacidade nuclear dos EUA e da URSS.
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habilidade em conter a expansão comunista. Desse modo, a humilhação dos EUA
na Ásia fortaleceu a oposição à política de détente com a URSS22, exigindo uma
postura mais forte diante do bloco soviético, tornando Angola o palco para a
reafirmação dos interesses dos Estados Unidos (GLEIJESES, 2003).
Durante a guerra civil, os Estados Unidos deram suporte ativo a FNLA e UNITA, e depois da independência se referiam ao governo do MPLA como uma marionete da União Soviética e de Cuba (SOMERVILLE, 1986, p. 181, tradução nossa).
A União Soviética passa a prover suporte militar modesto ao MPLA
apenas no final dos anos 1961, sendo este frequentemente paralisado em
decorrência do espírito da détente e das negociações SALT II (GLEIJESES, 2003).
De acordo com um memorando do Departamento de Estado dos EUA, no
momento da independência, o MPLA havia recebido do bloco soviético
equipamentos militares no valor de US$ 81 milhões, enquanto que os EUA e a
África do Sul haviam contribuído com US$ 78 milhões, sem contar os recursos
enviados pela China, França, Inglaterra, etc. (GLEIJESES, 2003, p. 350).
Os soviéticos intervieram em Angola lentamente e relutantemente. Sua ajuda ao MPLA começou no início de 1975, depois de Pequim ter enviado instrutores e armas para a FNLA de Roberto. Em agosto, apesar das evidências de aumento no suporte externo a FNLA e UNITA, Brejnev rejeitou a proposta de Cuba [que oferecera enviar suas tropas]. Até a metade de outubro de 1975 a guerra permaneceu largamente uma luta entre Angolanos, e o MPLA estava vencendo (…). [Porém,] com o encorajamento de Washington, a África do Sul invadiu Angola. Cuba respondeu enviando tropas [através da Operação Carlota]. [O]s sul-africanos foram forçados a recuar, e os Estados Unidos sofreram uma derrota humilhante (GLEIJESES, 2003, p. 389, tradução nossa).
22A détente foi a política externa dos Presidentes dos EUA Richard Nixon e Gerald Ford em relação à URSS, prevendo um abrandamento nas relações com esta, sendo caracterizada por uma série de negociações e acordos, dentre eles SALT I e II e os acordos de Helsinki.
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A Operação Carlota é que faria a URSS participar ativamente da guerra civil
em Angola. Esta operação foi a grande intervenção cubana, pautada numa força
de 30.000 soldados presentes neste território entre novembro de 1975 e março
de 1976. A decisão foi tomada após a intervenção sul-africana apoiada pelos EUA,
que fez com que Cuba respondesse enviando tropas de imediato a Angola, mesmo
sem consultar a URSS. Objetivava auxiliar a FAPLA (Forças Armadas Populares de
Libertação de Angola) no combate às guerrilhas e incursões e garantir que o
MPLA fosse o único partido presente em Luanda no dia da Independência. Foi
essa operação que significou a vitória do MPLA na Segunda Guerra de Libertação
Nacional23 e a retirada das tropas sul-africanas temporariamente (GEORGE,
2005). Depois do sucesso da Operação Carlota, durante todo o conflito, os
soviéticos forneceriam os equipamentos e recursos necessários – tanto a FAPLA
quanto aos soldados cubanos, enquanto Cuba entraria com as tropas. Além disso,
Cuba teria maior independência diante da URSS e fortaleceria sua imagem no
cenário internacional (GEORGE, 2005; GLEIJESES, 2003).
Apesar do sucesso da Operação Carlota em Angola, e da aprovação da
Emenda Clark 24em Dezembro de 1975, a qual impossibilitava os EUA de prover
qualquer tipo de ajuda a movimentos militares ou paramilitares de Angola, os
Estados Unidos continuaram apoiando as guerrilhas, desta vez dando suporte à
UNITA, principalmente através da África do Sul. O fiasco estadunidense diante do
23A Segunda Guerra de Libertação começa com a invasão das tropas sul-africanas em outubro de 1975 e termina com a retirada das tropas da África do Sul em fins de março de 1976 (GLEIJESES, 2003, p. 300). 24 Um dos grandes problemas da Operação IA Feature, e que resultou na Emenda Clark, era a possibilidade deste tipo de operação piorar a imagem dos EUA, já bastante crítica em decorrência da Guerra do Vietnã e suas intervenções em diversos conflitos internacionais. Além disso, havia o receio de que aumentando a participação dos Estados Unidos, assim também o faria a URSS.
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sucesso da Operação Carlota e a intervenção soviética no Afeganistão, a qual
rompeu com a détente entre EUA e URSS, Fria, foram alguns dos motivos para que
o governo dos EUA retomasse seu apoio à guerrilha liderada por Savimbi
(GEORGE, 2005).
Ao longo de 1979, uma série de revoluções e golpes militares derrubaram diversos regimes apoiados pelo Ocidente – especialmente no Irã e Nicarágua – causando alarme em Washington, que temia a expansão da influência soviética nessas áreas. Quando as tropas soviéticas invadiram o Afeganistão no Natal, a administração Carter abandonou a détentee condenou a invasão, descartando o Tratado SALT II, recentemente assinado pelas partes. Como uma nova geração de líderes ocidentais emergiu – guiados por Margaret Thatcher e Ronald Reagan – os governos ocidentais adotaram uma política mais conflituosa diante do bloco soviético (GEORGE, 2005, p. 139, tradução nossa).
2.3. A Intervenção Cubana: o ideal do internacionalismo
A política cubana de intervenção era denominada internacionalismo. Esta
política dependia muito dos esforços dos líderes da Revolução Cubana, Che
Guevara e Fidel Castro, em exportar a revolução socialista. Inicialmente o
internacionalismo era mais focado no combate às ditaduras na região do Caribe –
como, por exemplo, Nicarágua, Panamá e República Dominicana –, numa posição
não apenas anti-imperialista, mas também, anti-estadunidense. Entretanto, ao
mesmo tempo em que os EUA provocariam o isolamento de Cuba, este se
afastaria dos EUA e expandiria suas ações a África, em busca de aliados e apoio
internacional, onde atuaria dando suporte a movimentos de libertação nacional
(GEORGE, 2005). O internacionalismo diz respeito à missão incumbida aos países
socialistas de expandir a revolução socialista e combater os resquícios de uma
sociedade excludente e baseada nas diferenças de classe. A expansão da
revolução leva os Estados a serem solidários uns com os outros. O
internacionalismo cubano nasceu das ideias de Che Guevara:
A ideologia de Guevara foi inspirada no Manifesto Comunista de Karl
Conselho de Segurança Das Nações Unidas Histórico: A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984)
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Marx e Friedrich Engels, publicado em 1848. Incitando os proletários a derramar sua nacionalidade e lutar por uma causa comum contra a opress~o da divis~o de classes, o ‘Internacionalismo Prolet|rio’ de Marx foi refinado por Lenin, o qual introduziu o conceito de luta contra o imperialismo, criando a ideologia Marxista-Leninista a qual inspirou muitos movimentos de libertação nacional. Incorporando os conceitos da solidariedade internacional com outras nações e a constante luta pela revolução, o ‘Internacionalismo Prolet|rio’ foi constantemente descrito por um escritor soviético como ‘a teoria Marxista-Leninista em todas as suas partes constituintes’. A emergência de um bloco socialista controlado pela União Soviética depois da Segunda Guerra Mundial reforçou o conceito de solidariedade entre estados socialistas e isso teve grande importância quando a Guerra Fria dividiu o mundo em esferas de influência Ocidental e Soviética (GEORGE, 2005, p. 17, tradução nossa).
A presença cubana na África começou no início da década de 1960, com o
apoio a FLN – do francês, Frente de Libertação Nacional – e treinamento de
guerrilhas na Argélia, desdobrada posteriormente na intervenção cubana ao
Congo25. Além disso, a África n~o era o “jardim” dos EUA, como acontecia com a
América, o que facilitaria a atuação cubana e o surgimento de grupos de
libertação nacional. Foi em Brazzaville, no Congo, que Guevara teve os primeiros
contatos com o MPLA. De pronto, Cuba ofereceu suporte ao movimento,
mantendo relações desde então (GEORGE, 2005; SOMERVILLE, 1986).
A decisão em intervir em Angola por meio da Operação Carlota, sem aviso
prévio à URSS, significou uma Cuba mais atenta aos seus interesses26. A vitória da
25 Localizado no coração da África, uma intervenção no Congo era vista por Che Guevara como o plano perfeito de expansão das guerrilhas (GEORGE, 2005) 26 Como já explicitado, a entrada da África do Sul na guerra foi o estopim para a intervenção cubana: Castro sabia do potencial das tropas sul-africanas e as possibilidades que tomassem Luanda e expandissem suas políticas segregacionistas e anticomunistas a outros países africanos. A URSS até então estava mais interessada no desenrolar da política de détente que no seu ideal internacionalista,
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operação traria maior independência a Cuba diante da URSS e fortaleceria sua
imagem de luta contra o imperialismo. Entretanto, apesar dos esforços cubanos
em não parecer uma força intermediária ou uma marionete entre a URSS e
Angola, a dependência que tinha do bloco soviético era evidente, como demonstra
Edward George:
Os cubanos eram, de certa forma, uma força proxy [ou seja, que intermediava as relações] dos soviéticos na África. No fim, Moscou era o aliado mais importante de Cuba, e a missão cubana avançou os interesses soviéticos na região, ajudando no treinamento dos movimentos de libertação, armados e supridos por Moscou, e obtendo novos aliados africanos para o bloco socialista. Apesar de Cuba não ser membro do Pacto de Varsóvia, suas forças (armadas e treinadas por militares soviéticos) estenderam o poder soviético na África subsaariana (GEORGE, 2005, p. 275 –276, tradução nossa).
Seguindo o início da retirada da África do Sul após a derrota na Segunda
Guerra de Libertação, as tropas cubanas ficariam concentradas nas principais
cidades, dentro ou perto de Luanda, com vistas a proteger a capital política e
econômica e o principal porto para as operações militares e econômicas. Além
disso, à medida que a guerra adentrou a década de 1980, cada uma das dezessete
capitais provinciais receberia apoio de pelo menos um regimento cubano.
2.4. A situação interna em Angola
A herança colonial em Angola marcou a sociedade em seus termos
econômicos, políticos e sociais. De todas as colônias portuguesas, essa era a que
apresentava a maior densidade de brancos e a menor organização política da
população (GLEIJESES, 2003, p. 233). Os grupos de libertação nacional que
surgiriam por volta da década de 1960 entraram em conflito entre si, muitas
vezes motivados por questões étnicas.
tanto que numa tentativa anterior de enviar tropas (agosto de 1975), a URSS já havia se posicionado contrária (GEORGE, 2005).
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Diferentemente do regime sul-africano, Portugal não necessitava de uma
legislação que apoiasse a estrutura racista existente, porque esta era reiterada
pelas diferenças de classe, de acordo com o domínio da técnica, dos meios de
produção e das melhores terras pelos portugueses (SOMERVILLE, 1986, p.72). A
divisão entre assimilados, mestiços e indígenas provocou um distanciamento
entre a população de origem angolana, porque os mestiços eram vistos como a
elite não-branca do país e colaboradores do regime português (GLEIJESES, 2003;
SOMERVILLE, 1986)27.
A independência de Angola e ascensão do MPLA como partido político
dominante não foi seguida de interrupção nos conflitos irregulares no país. Estes
eram por vezes fruto da situação interna no país, principalmente no que diz
respeito à situação econômica. O autor Keith Somerville (1986, p. 122) destaca
três formas de dissidência política no período que sucedeu a independência em
Angola: surgimento de facções dentro dos partidos; oposição da pequena
burguesia frente às políticas governamentais e resistência camponesa à
organização política do MPLA nas áreas rurais; guerrilha e propaganda
internacional empreendida pela UNITA. Estes desafios pautaram as políticas do
MPLA para a reconstrução nacional e coesão interna; dos três, o maior desafio foi
o combate aos partidos dissidentes, principalmente a UNITA.
Durante o regime que Portugal manteve no país, as colocações nos cargos
governamentais, nas instituições e nos próprios estabelecimentos nacionais
ficavam a cargo dos portugueses. Dessa forma, a retirada de Portugal trouxe
desafios ao MPLA para a administraç~o do país: “noventa por cento dos
27 Essa divisão entre os negros angolanos teria fim somente em 1961, oitenta e três anos depois do fim oficial da escravidão (SOMERVILLE, 1986, p. 72).
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Portugueses que viviam em Angola em Abril de 1974 já haviam deixado o país em
Novembro de 1975, levando consigo 'quase tudo que fazia o sistema
governamental e a economia do país funcionar'. O país foi privado dos
trabalhadores qualificados, incluindo profissionais da saúde” (GLEIJESES, 2003,
p. 381, tradução nossa). A economia angolana foi um dos setores mais
prejudicados, especialmente em decorrência da destruição de importantes
sistemas de infraestrutura durante a guerra de libertação e domínio dos mesmos
pelas guerrilhas. Herança da escravidão, a agricultura, importante fonte de
recursos num país onde a maioria da população vivia nas regiões rurais também
sofria com a falta de qualificação e mão-de-obra para o trabalho agrícola
(SOMERVILLE, 1986). Outro grande desafio era o problema da produção e
distribuição de alimentos e habitação28. As dificuldades econômicas e logísticas
permaneceram durante a primeira metade da década de 1980. A guerrilha e as
incursões da África do Sul tinham como alvo as regiões de produção agrícola, as
instalações de comunicação e transporte, e não eram raros os conflitos entre o
MPLA e a UNITA ocorrerem em áreas de produção de alimentos29.
O MPLA sempre sofreu com a existência de dissidentes dentro do partido.
Em maio de 1977 o governo de Agostinho Neto sofreu uma tentativa de golpe de
Estado pelo ex-Ministro do Interior Nito Alves, com apoio de algumas seções das
Forças Armadas, demonstrando os resquícios da sociedade excludente criada por
Portugal: além do problema da falta de oferta de alimentos, os dissidentes
também discutiam a presença de mestiços nos principais cargos do governo.
Desse modo, para combater as dissensões internas, o falecimento de Agostinho
28 A falta de moradias era um dos maiores problemas em Luanda, onde a população atingira 1,5 milhão de habitantes em 1980, quase o dobro da realidade em 1975, devido ao retorno de refugiados de países vizinhos, contabilizando 350.000 só do Zaire (SOMERVILLE, 1986, p. 60). 29 Importantes bases da economia angolana atingidas foram a indústria de diamantes em Luanda Norte e a região de Cabinda, onde se dava a extração de recursos minerais (SOMERVILLE, 1986).
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Neto em 1979 levou o partido à escolha mais consensual possível, Eduardo dos
Santos, até então Ministro do Planejamento, como sucessor e Presidente do
Partido, o que permitiu que em 1980 o MPLA já tivesse atingido a coesão interna
que lhe era necessária, contando com 20.000 membros (SOMERVILLE, 1986).
Assim que conseguiu conter as rupturas internas, a maior dificuldade do
governo passou a ser o combate às guerrilhas da UNITA, que com o apoio
concreto da África do Sul fortaleceu sua posição na região sul do país. Apesar da
derrota na Segunda Guerra de Libertação Nacional, a UNITA conseguiu sobreviver
aos anos 1980, quando as incursões sul-africanas se intensificaram, assim como
seu apoio à própria UNITA. A estratégia inicial era incitar as guerrilhas nas áreas
da região centro-sul e as camadas mais pobres, por meio de uma política
tribalizante, a se posicionarem contra o governo do MPLA (SOMERVILLE, 1986).
A situação interna em Angola antes da Operação Protea era de uma UNITA
atuante em áreas limitadas. A consequência da Operação foi que a África do Sul
conseguiu uma localização no sul de angola – Província de Cunene –, de onde
podia dar suporte às ações da UNITA e dirigir ataques da SADF contra as tropas
da FAPLA e da SWAPO. A presença sul-africana permitiu que a UNITA se
espalhasse para regiões mais ao norte, de importância econômica pela produção
de café (SOMERVILLE, 1986, p. 64). No final de 1984, as forças militares da UNITA
eram estimadas em 60.000, das quais 26.000 constituíam as forças regulares e as
demais 34.000 as forças de guerrilhas, utilizadas nas áreas controladas pela
FAPLA (SOMERVILLE, 1986).
3. Posicionamento dos países
Os Estados Unidos da América têm como um de seus princípios básicos
a defesa da livre determinação dos povos. Sendo assim, apoiou efetivamente o
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processo de independência de Angola de sua metrópole, Portugal. Atualmente, os
EUA estão imersos em um contexto pós Guerra do Vietnã, no qual há uma grande
comoção popular após os inúmeros protestos que exigiram a sua saída do
conflito. Em 1975 o país retirou totalmente as tropas americanas do território
vietnamita, dando fim à guerra após inúmeras derrotas e incontáveis perdas
humanas.
No início da Guerra Civil Angolana, também em 1975, os EUA assumiram
uma postura mais branda em relação ao conflito, pois já estavam desgastados
militarmente e sem apoio popular. Além disso, os EUA tinham outras
preocupações como, por exemplo, consolidar e manter suas áreas de influência
no Oriente Médio, enfraquecendo a presença socialista na região e garantindo a
exploração de áreas petrolíferas e o domínio de territórios estratégicos.
Entretanto, com o acirramento da Guerra Fria e das disputas entre EUA e
URSS, a Guerra Civil Angolana ganhou relevância internacional. Pressionados
pelo desembarque de tropas cubanas, organizadas pela URSS, em Angola, os EUA
acabaram por adotar uma atuação mais definida no conflito, como forma de deter
o avanço socialista no território. Sendo Assim, os EUA passaram a apoiar a
coligação FNLA-UNITA por acreditar ser a mais preparada para assumir o
controle de Angola e instaurar um governo democrático, pois tem seus princípios
alinhados ao bloco capitalista. Não reconhecem o MPLA como representantes
legítimos do país, opondo-se a sua ideologia marxista-leninista, a qual estava
vinculada com o bloco socialista, e a sua política unipartidária.
A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) assume uma
postura contrária ao que chama de “imperialismo capitalista”. Portanto, foi
totalmente favorável à independência de Angola, apoiando o processo e
auxiliando na transição de governos. Juntamente com Cuba, foi o país que mais
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deu suporte ao MPLA, fornecendo armamento, organizando tropas e concedendo
apoio financeiro.
A URSS reconhece como única organização legítima em Angola, o MPLA,
de tendência marxista-leninista. Considera os outros partidos como organizações
sem ideologia que apenas representam os interesses externos neocolonialistas.
Acusa a coligação FNLA-UNITA de ser responsável por internacionalizar o
território angolano, ou seja, permitir que potências estrangeiras que, segundo a
URSS, ainda mantém interesses imperialistas, assumam o controle e intervenham
na organização do país.
A República Socialista Soviética da Ucrânia, sendo parte integrante da
URSS e, portanto, alinhada ao bloco socialista, crê numa Angola independente,
estruturada sob a autoridade do MPLA, único partido capaz de administrar o país
e formular uma política adequada que afaste as intervenções imperialistas e
atente às necessidades internas.
O Reino Unido, enquanto membro da OTAN, mantém-se próximo à
política do bloco capitalista, opondo-se a tomada de poder pelo MPLA. No
contexto pós IIª Guerra Mundial, o Reino Unido, parte integrante dos aliados,
encontrava-se defasado economicamente, momento em que os EUA conseguiram
aumentar sua influência política em relação a seus alinhados. Essa relação fica
mais clara ao observar a abstenção do Reino Unido em resoluções do Conselho de
Segurança da ONU como, por exemplo, as resoluções 454 de 1979 e 475 de 1980,
ambas sobre a intervenção da África do Sul, aliada estadunidense, no território
angolano.
A Holanda, país integrante do bloco capitalista e membro da
Organização do Atlântico Norte (OTAN) – aliança militar de caráter capitalista
liderada pelos EUA, cujo objetivo é conter o avanço do bloco socialista - acredita
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que o conflito interno em Angola deve ser solucionado para que o país, agora
independente, possa estabelecer um governo próprio, com políticas particulares.
Para isso, a Holanda apoia a UNITA como representante autêntico do país e como
sendo o partido que deve liderar o novo Estado.
Atualmente governado por Hosni Mubarak, o Egito aproxima-se cada vez
mais dos Estados Unidos, aumentando, inclusive, a participação de capital
estrangeiro estadunidense em sua economia. Essa aproximação atual é um dos
reflexos dos Acordos de Paz de Camp David, assinado em 1979, o qual prevê a
normalização das relações entre Israel e Egito, após trinta anos de hostilidades.
Ao pacificar as relações com Israel, importante aliado norte-americano, o Egito
não teve mais obstáculos ao estreitamento de sua aliança com os EUA, firmando
uma política externa mais próxima do bloco ocidental e distanciando-se da
influência soviética que caracterizava o período anterior.
Tendo enfrentado uma violenta guerra civil entre 1978 e 1979, a
Nicarágua atravessa agora uma profunda crise econômica, resultante desse
conflito. Além disso, o movimento revolucionário sandinista, que detém o
controle político do país e implementou medidas de caráter socialista, está
enfrentando uma dura oposição por parte de um grupo guerrilheiro – “Os
Contras” – apoiado pelos EUA. Esse contexto político se reflete na política externa
do país, sendo possível observar uma postura contrária a ocupação do território
angolano pela África do Sul, a partir do voto favorável da Nicarágua à condenação
das práticas sul-africanas, prevista na resolução 545 de 1983, do Conselho de
Segurança da ONU.
Inserido num mundo bipolar em plena Guerra Fria, o Peru esteve sob
forte influência norte-americana, sendo instaurado, na década de 1970, o
chamado “Estado de Segurança Nacional” como estratégia de defesa
anticomunista. Atualmente, o país está passando por processos de
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redemocratização, tendo sido aprovada uma nova Constituição em 1979 e novas
eleições em 1980. No entanto, o Peru ainda sofre com um conflito entre o
governo, que adota medidas liberais, e uma organização guerrilheira de ideologia
comunista, chamada Sandero Luminoso. Porém, embora haja divergências e
disputas políticas internas, as práticas do atual governo peruano, sob a
presidência de Morales Bermúdez, são de tendências capitalistas, influenciando
uma política externa mais alinhada ao bloco ocidental.
Intimamente ligada a Angola durante sua luta de libertação, a República
Popular da China apoiou, em algum momento, cada um dos três movimentos de
libertação. O suporte ao MPLA se deu logo no início da guerra de libertação,
quando este país ainda mantinha seus laços com a União Soviética devido ao
regime socialista de ambos. Quando houve a ruptura político-ideológica entre
China e a potência socialista - embora as duas tivessem o mesmo regime,
possuíam características distintas entre elas -, a FNLA foi a detentora do apoio
chinês. Mais tarde, quando da dissolução da FNLA e sua fusão com a UNITA, a
China dá apoio a esta última, já que foi sob o nome de UNITA que a coligação
prosseguiu. Vale ressaltar que o apoio nem sempre foi com envio de tropas,
instrutores ou dinheiro, podendo ser apenas político-diplomático. Recusou-se a
reconhecer o governo do MPLA quando da independência, o que faz com que as
relações diplomáticas entre os dois países sejam muito recentes, já que a China
apenas reconheceu o governo oficial do MPLA no dia 12 de janeiro de 1983.
Ex-colônia francesa localizada no noroeste da África, Burkina Fasovive
um dos vários regimes militares de sua história independente, tendo o capitão
Thomas Sankara dado um golpe militar no ano passado, 1983, e mudado o nome
do país- que antes se chamava República do Alto Volta. Na questão da
intervenção sul-africana na Guerra Civil em Angola, o país não a apoia - posição
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esta que se confirmou com seu voto a favor da resolução 477 de 1979, que
versava sobre a condenação da África do Sul.
Embora estivesse do lado ocidental capitalista no conflito da Guerra Fria,
a República Francesa não teve intervenção direta no conflito com envio de
tropas próprias, muito embora tenha participado por meio de coação que
resultou na atuação de soldados marroquinos ou no envio de dinheiro para a
oposição ao MPLA.Sua posição de alinhamento parcial aos Estados Unidos e ao
bloco capitalista de uma forma geral pôde ser observada e confirmada quando da
sua abstenção na votação da resolução 447 de 1979, que condenava a
intervenção da África do Sul no território angolano. Vale lembrar que um voto
contrário por parte da França, por ser um membro permanente do Conselho de
Segurança das Nações Unidas, implicaria no veto automático da resolução
ocasionando, então, um enorme custo político.
Sendo um Estado recém-formado, a República da Índia ganhou
soberania frente à Inglaterra no ano de 1947 e, desde então, têm adotado
políticas externas que variam do não-alinhamento (que quer dizer a opção por
não-adesão a nenhum dos blocos da Guerra Fria) com Nehru, na década de 1960,
à aproximação com a URSS a partir da ascensão ao poder de Indira Gandhi na
década de 1970. Atualmente, a Índia vive um período conturbado no qual, após
ter deixado o poder por três anos e ter retornado em 1980, Indira foi assassinada
em outubro de 1984, não tendo se envolvido no conflito com Angola. As duas
posições que, alternadamente, foram adotadas pelo país se comprovam com a sua
condenação à invasão sul-africana por meio da votação a favor da resolução 477
de 1979- já que a ingerência deste país não condiz nem com os preceitos
socialistas pregados pela União Soviética e menos ainda com os objetivos de
liberdade política almejados pelos países não-alinhados.
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Arquipélago do Mar Mediterrâneo, a República de Malta tornou-se
independente do Reino Unido em 1964 e adotou o regime republicano
recentemente, em 1974. Em 1979, teve seu território, pela primeira vez, livre de
bases militares estrangeiras. Atualmente, com a ascensão recente ao poder de
Mifsud Bonnici, a aproximação com o bloco socialista - que era levada pelo seu
antecessor, o Primeiro- Ministro Mintoff - está incerta, bem como uma possível
maior interação com a Comunidade Econômica Europeia. Como esperado, devido
ao seu histórico de alinhamento com o socialismo, Maltafoi contra a invasão sul-
africana em Angola e aprovou a Resolução 477 de 1979.
A República Islâmica do Paquistão tornou-se independente do Reino
Unido junto com a Índia em 1947, ambos sendo ex-colônias britânicas no sul da
Ásia. Juntamente com a Birmânia (atual Mianmar), a Índia e outros países do
Terceiro Mundo, foi criador do Movimento dos Países Não-Alinhados em 1955,
que tinha como alguns de seus preceitos a autodeterminação dos povos,
manutenção da soberania e a oposição à colonização- motivo pelo qual mais
tarde, em 1979, viria a votar a favor da condenação da intervenção sul-africana
em Angola no Conselho de Segurança da ONU. Com a deposição e sentença de
pena de morte ao presidente que governou de 1971 a 1977, Zulfikar Ali Bhutto, o
general Zia-ul-Haq toma o poder, tornando-se o terceiro presidente militar do
Paquistão. O país passa, então, por um aumento da influência islâmica devido à
substituição de leis seculares pela sharia- leis baseadas nos preceitos
muçulmanos- no código legal.
Tendo recém declarado, unilateralmente, sua independência sob o nome
de República do Zimbábue, a antiga Rodésia do Sul – que era, até então,
controlada pela Inglaterra – foi alvo da política externa sul-africana no que diz
respeito à manipulação de seu governante. Sabendo que a manutenção de Ian
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Smith no poder, considerado um representante radical das ideologias
segregacionistas (similar ao Apartheid) pelo bloco socialista, seria inviável, a
África do Sul achou por bem pressioná-lo para que deixasse o cargo em favor de
um negro moderado, a fim de que o poder não fosse alcançado pelo lado radical
anti-segregacionista. Com a falha de suas intenções, em 1980 chega ao poder
Robert Mugabe que, se declarando parte dos Estados da Linha de Frente, está
alinhado aos movimentos de libertação africanos e, consequentemente, é contra a
postura intervencionista da África do Sul no continente.
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PEREIRA, Analúcia Danilevicz. A Revolução Sul-Africana. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
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ONU (Organização das Nações Unidas).Conselho de Segurança.Resolução (1984) on South Africa’s military attacks on Angola. 17 Agosto 1984. Documentos da ONU S/RES/546.
VISENTINI, Paulo Fagundes. As Revoluções Africanas. São Paulo: UNESP, 2012.
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013 47
Resumo
O Conselho de Segurança é o órgão primário das Nações Unidas, responsável pela
manutenção da paz e da segurança internacionais. De acordo com a Carta da ONU, as resoluções do
Conselho de Segurança são as únicas que apresentam caráter vinculante, isto é, obrigatório a todos os
membros das Nações Unidas. Nesse sentido, em havendo qualquer ameaça à paz ou à segurança
internacionais, é responsabilidade do Conselho de Segurança coordenar a resolução do conflito. O
artigo a reunião histórica do Conselho de Segurança, do dia 6 de janeiro de 1984, em que se discutiu a
questão das invasões da África no Sul no território de Angola. Esse problema vem na esteira da
independência angolana, conquistada em 1975, e do período de guerra civil que a seguiu, a qual
acabou envolvendo o país na própria Guerra Fria, visto que diversos outros países começaram a
interferir no desenrolar da situação. É nesse contexto de mudanças regionais que a África do Sul,
possuidora de um regime racista e segregacionista, o Apartheid, encabeça diversas investidas
violentas contra seus vizinhos, incluindo Angola. Em 1984, após diversas condenações da comunidade
internacional, a África do Sul continuava ocupando o território no sudeste de Angola e usava ainda do
território da atual Namíbia para realizar seus ataques, ação também condenada. Na data dessa
reunião, após recentes ataques sul-africanos, o Conselho de Segurança mais uma vez se reúne para
tentar traçar algum plano efetivo e, assim, pôr um fim ao complicado conflito na região do Sul da
África.
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
48 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas
Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
Bernardo Prates30
Giulia Barão31
Júlia Tocchetto32
Matheus Machado Hoscheidt33
Victor Merola34
O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas é o órgão dentro do
sistema ONU responsável por promover e proteger os direitos humanos ao redor
do mundo, bem como lidar com suas violações. A fim de cumprir seu mandato, o
CDH pode emitir recomendações em todas temáticas de direitos humanos. Seu
corpo é formado por até 47 membros, todos eleitos diretamente pela Assembleia
Geral. Esse Conselho foi criado em 2006 para substituir a antiga Comissão sobre
Direitos Humanos e, muito embora suas recomendações não possuam caráter
obrigatório, as decisões do CDH influenciam políticas e direcionam opiniões nos
tópicos relacionados a direitos humanos em todo mundo.
30Estudante do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 31 Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 32 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 33 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 34 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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Em sua 23ª Sessão Ordinária, seus delegados abordarão aspectos de
Políticas de Imigração e Proteção aos Direitos do Imigrante na atualidade. Para
tanto, os representantes nacionais devem compreender as principais razões que
motivam os grandes fluxos migratórios internacionais, como o refúgio de regiões
de conflito ou a busca por melhores condições econômicas. Ademais, os
delegados discutirão o estado atual das legislações que garantem ou restringem
os direitos de imigrantes, ora através da privação do acesso ao mercado de
trabalho, ora dificultando o acesso à justiça. Mais do que isso, deve-se
compreender as motivações que fomentam essas restrições, propondo soluções
inteligentes que adéquam os atuais tratamentos internacionais aos padrões
mínimos de respeito aos direitos humanos.
1. Histórico
A Reconquista da Península Ibérica foi um dos primeiros passos para a
independência portuguesa e está estreitamente ligada com o primeiro dos
maiores fluxos de migração de pessoas no planeta. Com a Revolução de Avis, no
século XIV, Portugal estava, finalmente, unificada. A centralização de poder de
que a estrutura monárquica desfrutava e a concentração de poder econômico nas
classes dominantes permitiram a organização das expedições ultramarinas e a
consequente conquista do Novo Mundo. Esse novo continente foi o destino de
vários europeus em busca de melhores condições de vida e de escravos africanos
que foram forçados a emigrar de seus países de origem (PRADO JR, 2011).
Pela primeira vez na história, ocorreu um deslocamento maciço de
pessoas ao redor do globo, diferente da migração tribal ou familiar em porção
reduzida. O eixo padrão das navegações, assim, foi deslocado do Mediterrâneo
para o Oceano Atlântico, este sendo o palco de intensos fluxos migratórios e
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transporte de bens do século XVI até o XIX. Trinta anos após Cristovão Colombo
chegar à América, os espanhóis chegaram nas Filipinas pelos Oceanos Índico e
Pacífico, completando a primeira fase da Globalização, ou seja, a conquista
“completa” do mundo pelos europeus (SERIACOPI, 2005).
Do final do século XVIII até o final da Segunda Guerra Mundial em 1945,
a maior parte dos migrantes fugia de conflitos como a independência dos Estados
Unidos, as Guerras Napoleônicas, as duas Guerras do Ópio, a Guerra da Criméia, a
Unificação Italiana e a Alemã, a Guerra dos Balcãs, a Primeira Guerra Mundial, a
Guerra Civil Russa, a Guerra Civil Espanhola e a própria Segunda Guerra Mundial.
Foram os principais conflitos armados que obrigaram as pessoas a saírem de
suas terras de origem para buscar refúgio em outras partes do globo. Forças
políticas como o totalitarismo e o antissemitismo também foram um vetor para
motivar o deslocamento. Esses acontecimentos eram paralelos ao aumento do
crescimento vegetativo no Velho Continente, isto é, pessoas que não moravam em
regiões de conflito e decidiram ir para outro continente em busca de estabilidade
política e econômica. O trânsito de pessoas nesse intervalo de tempo foi o mais
intenso comparado com os anteriores, e em torno de 70 milhões de pessoas
estavam fora do seu país de origem no final da Segunda Guerra Mundial, com
uma boa parcela sendo considerada imigrante forçado. Esse grande processo de
migração teve seu fim apenas em 1945 (PAIVA, 2011).
O período da Guerra Fria, assim como o que a sucedeu imediatamente foi
um período de reorganização de enormes contingentes populacionais sob novas
jurisdições estatais devido inicialmente à instalação do regime comunista e, por
fim, devido ao esfacelamento da Iugoslávia e da União Soviética. Além disso, no
continente africano os processos migratórios forçados devido a conflitos civis, e
voluntários em busca de melhores condições de vida têm sido um fenômeno
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constante desde o século passado. Não obstante a gravidade desses
deslocamentos, as migrações só tornaram-se prioridade na agenda da ONU nos
últimos anos, quando passou-se a reconhecer a potencialidade de conflitos, mas
também de oportunidades advindas da tendência migratória trazida pela
revolução tecnológica e pela ordem econômica da globalização (ONU, 2011).
Por globalização, compreende-se a ordem econômica do período pós-
Guerra Fria, com a abertura comercial, econômica e financeira da maior parte dos
países do mundo, conforme os preceitos do liberalismo econômico propalados
pelo Consenso de Washington (MARTINE, 2005). O novo arranjo institucional
para a circulação de bens e capital corresponde ao período da história mundial
em que diferentes povos e nações têm maior contato, e possibilidades de
comunicação facilitadas pelos avanços tecnológicos no setor dos transportes,
telecomunicações, navegação na internet (MARTINE, 2005).
Diante desse cenário seria de se esperar que os fluxos migratórios
aumentassem no mínimo proporcionalmente ao crescimento populacional, ou em
outras palavras, que a mobilidade do capital humano estivesse tão liberalizada
quanto a dos outros bens de produção. Mas o que vemos é exatamente o
contrário. Enquanto fluxos de bens, mercadorias e capital ao redor do mundo e
entre países muito distantes crescem anualmente a taxas vigorosas, a mobilidade
humana diminuiu, quando comprada a períodos anteriores do século XX
(MARTINE, 2005). Isso é reflexo da grande inconsistência do nosso atual modelo
econômico: liberam-se as mercadorias, restringe-se a circulação de pessoas.
O panorama dos fluxos migratórios contemporâneos ajuda a
compreender melhor essa situação. No ano 2010, calcula-se que mais de 60% dos
migrantes dirigiam-se de países subdesenvolvidos a países industrializados, um
número relevante se considerarmos que em 1960 a maioria dos migrantes fazia o
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
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caminho inverso. No mesmo ano, migrantes internacionais representavam 3,1%
da população mundial total, 10,3% da população nas regiões mais desenvolvidas
e apenas 1,5% da população nos países menos desenvolvidos. As regiões
industrializadas tiveram o maior aumento no estoque de imigrantes entre 1990 e
2010, um acréscimo de 45 milhões, ou 55% (ONU, 2011).
Isso nos leva a deduzir as principais causas de migração de nossos dias: a
conscientização dos indivíduos sobre as diferenças de prosperidade, taxas de
salário, estabilidade política e econômica entre os países e o fato de
vislumbrarem uma possibilidade de, ao migrar, conquistar esses melhores
padrões de vida (SOLIMANO, 2010). Paradoxalmente, os mesmos países que
aumentam gradativamente o controle sobre a imigração são aqueles que mais
dependem de mão-de-obra pouco qualificada advinda de outros países. Assiste-
se, portanto, ao conflito crescente entre a dependência econômica dos países
ricos frente à força de trabalho estrangeira para a ocupação de cargos de baixa
qualificação profissional e manifestações de descontentamento de determinadas
autoridades e populações locais com o afluxo de imigrantes (SOLIMANO, 2010).
Além da Europa e dos Estados Unidos, é importante notar que a Ásia tem
se tornado destino de maior número de migrantes, atraídos, sobretudo pelas
possibilidades de negócios nas economias emergentes da região, como Índia e
China. Ambos os países também são responsáveis pelo afluxo de imigrantes em
outras regiões, como o continente africano e a Oceania. É interessante notar que,
nesse caso, o catalisador da migração não é a busca por melhores condições de
vida, mas as possibilidades de lucro e de negócios – outro padrão da migração
contemporânea. Relatório da ONU (ONU, 2011) aponta também a permanência
dos deslocamentos massivos no continente africano, que o tornam a principal
preocupação da comunidade internacional quando a questão são os refugiados
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de guerra, os indivíduos apátridas e a violência contra as mulheres ocorrida
nesses deslocamentos (ONU, 2011).
Dentre as principais preocupações das Nações Unidas na temática da
migração está o tratamento dado aos imigrantes nos países de destino, bem como
a integração social e econômica dos imigrantes (ONU, 2011). A dificuldade de
lidar com essas questões começa pela diversidade de legislações nacionais que
versam sobre o tratamento dos imigrantes, assim como os limites de intervenção
das agências internacionais num setor que é, por excelência, associado à
soberania estatal, qual seja o controle das fronteiras e a jurisdição nacional sobre
quem pode, e em que condições, ingressar no país. Um problema adjacente é o da
imigração ilegal, cujos números, oficialmente desconhecidos, tendem a aumentar
na medida em que se torna mais difícil ingressar legalmente nos países
desenvolvidos (SOLIMANO, 2010). Por se tratar de um fenômeno global, a
migração não pode ser tratada unilateralmente. Países-membros na ONU tem
feito esforços cooperativos em busca de soluções comuns.
Os mais otimistas acreditam que a migração pode ter efeitos benéficos
tanto para os países de origem dos migrantes tanto para aqueles que os recebem.
Um dos benefícios diz respeito à troca cultural, ao aprendizado mútuo entre
indivíduos com panoramas de vida diferentes. Outro benefício estaria nas
possibilidades de crescimento econômico, na realização de negócios, ou de
capacitação profissional, de fornecimento de mão-de-obra específica para algum
setor, uma verdadeira troca de capacidades entre povos e nações diferentes
(WEINSTEIN, 2002).
Desafiam essa visão positiva a crescente xenofobia de alguns países, os
preconceitos ocidente-oriente reavivados após os atentados de 11 de setembro
de 2011 e a “Guerra ao Terror” que lhe seguiu, o recrudescimento de legislações
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nacionais que versam sobre imigrantes, além do alarme de grupos populacionais
contra a potencial competitividade de imigrantes a postos de trabalho em seus
países. Certamente essas são dificuldades que contrastam com o atual nível de
circulação de capital e informação, e que precisam ser contestadas em busca de
soluções cooperativas acerca das migrações internacionais.
2. Desenvolvimento da questão
A proteção dos direitos humanos dos imigrantes vem ganhando maior
destaque no cenário internacional devido ao aumento dos fluxos migratórios e ao
conflito de opiniões entre os países sobre a questão. Além disso, há também
conflito de interesse internamente nos Estados, entre as diversas classes sociais.
Os trabalhadores, de um modo geral, veem seus empregos ameaçados pela mão
de obra estrangeira, enquanto os empregadores veem na imigração uma
oportunidade de contratar mão de obra abundante e barata. Muito embora o
fenômeno da fuga de cérebros35 venha crescendo, a maioria dos fluxos de
migrantes ainda é composta por trabalhadores de baixa qualificação.
Atualmente, estima-se que haja 214 milhões de migrantes no mundo
inteiro. Para fins de comparação, a população brasileira é de cerca de 190
milhões de habitantes. Pouco mais de toda essa população, portanto, migra nos
dias de hoje. O percentual de migrantes, porém, tem continuado estável em
comparação com a população mundial. Apesar de, em números absolutos, a
população de migrantes ter crescido, sua parcela em relação à população mundial
35 Fuga de cérebros (em inglês, brain drain) é o fenômeno do deslocamento de profissionais ou pessoas altamente qualificadas de um país para outro, geralmente devido a melhores salários ou condições de vida (ÖZDEN, 2005, p. 2).
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cresceu pouco36. É importante salientar, contudo, que os fluxos migratórios são
concentrados mundialmente, de modo que, nessas regiões, os efeitos sociais,
econômicos e políticos se tornam relevantes e recorrentes no diálogo entre as
nações (IOM, 2013).
Entre as causas da emigração, existem, principalmente, motivos
econômicos e políticos. No primeiro caso, a emigração é vista como uma
oportunidade de receber maiores salários em países mais desenvolvidos ou, até
mesmo, fugir de uma situação de desemprego. No segundo, enquadram-se
aqueles definidos internacionalmente como refugiados, que saem de seus países
de origem fugindo de perseguição política, religiosa, racial ou apenas por fazerem
parte de um grupo social desprivilegiado. Há também outras razões que
fomentam a migração, como a busca por serviços de educação com melhor
qualidade, mas esses não são tão significativos para o regime internacional de
proteção aos direitos dos migrantes. No âmbito da presente sessão do Conselho
de Direitos Humanos, será dada ênfase às migrações motivadas pela busca por
melhores salários e/ou condições de vida, uma vez que o regime de proteção
internacional de refugiados é estabelecido, principalmente, sob a jurisdição do
Alto Comissariado das Nações para os Refugiados (ACNUR).
Bustamante (2002, p. 339) aponta que os imigrantes sofrem de dois
tipos de vulnerabilidade, isto é, uma condição social desvantajosa em relação aos
nacionais o país receptor. Primeiramente, a vulnerabilidade estrutural deriva da
dificuldade dos imigrantes poderem participar no sistema político local. A
vulnerabilidade cultural, por sua vez, deriva de uma série de elementos culturais
36 Passou de 2,9%, há uma década, para 3,1% atualmente, crescendo apenas 0,2 pontos percentuais.
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de significado degradante, como estereótipos e preconceitos que fomentam
sentimentos de xenofobia e discriminação.
Quando se trata da proteção aos direitos dos imigrantes, muitos países
reconhecem oficialmente essa questão como de grande relevância e preocupam-
se em discuti-la, como demonstra a própria decisão da Assembleia Geral de criar
o Diálogo de Alto Nível sobre Migração Internacional e Desenvolvimento em
2006. Existe uma contradição, entretanto, entre a quantidade de resoluções nessa
matéria e os compromissos realmente vinculantes assumidos pelos Estados,
como convenções, leis e medidas adotadas nacionalmente para proteger os
imigrantes. Apesar da Resolução 53/115 da Assembleia Geral pedir aos Estados
que assinem e ratifiquem a “Convenç~o Internacional sobre a Proteç~o dos
Direitos de todos Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias”, os
países desenvolvidos como os da Europa e os Estados Unidos, grandes receptores
mundiais de imigrantes, não a assinaram. De acordo com Bustamante (2002, p.
347), essa convenç~o foi o “mais abrangente corpo de normas j| produzido no
contexto das Nações Unidas sobre o tema”.
Os direitos humanos de imigrantes podem ser analisados em duas
categorias principais: os direitos civis e políticos e os direitos sociais e
econômicos. Enquanto os direitos civis e políticos estão relacionados à liberdade
de expressão e associação, direitos de participação direta e indireta na política,
representação, acesso igualitário à justiça etc., os direitos econômicos e sociais
abarcam o direito a salários iguais por funções iguais, direito à saúde, ao lazer, à
previdência social, bem como direito de acesso ao mercado do trabalho e
proteção dos direitos do trabalhador (VIOLA, 2007, p. 56-57).
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2.1. Direitos civis e políticos
Há raras convenções internacionais que discutem de maneira geral a
questão dos direitos civis. Grande parte dos tratados aborda esses direitos de
maneira fragmentada, defendendo o direito à família, à propriedade privada, ao
reconhecimento jurídico etc. De acordo com Tiburcio (2001, p. 110), os únicos
mecanismos relativamente efetivos que tratam de maneira abrangente dos
direitos civis de imigrantes são a Convenção de Havana sobre Direitos de
Estrangeiros (1928) e o Código de Direito Internacional Privado, também de
192837. Devido ao caráter excessivamente protetivo desses mecanismos, eles não
foram assinados nem ratificados por um número significativo de países.
Nos dias de hoje, o direito de ser reconhecido como pessoa perante a lei
é um dos direitos civis mais básicos internacionalmente. Muito embora, na
maioria das vezes, os imigrantes possam ser oficialmente reconhecidos como
portadores de direitos, eles possuem limitações na capacidade de exercer alguns
direitos. No Brasil, por exemplo, embora imigrantes sejam sujeitos frente à lei, a
Constituição lhes nega a propriedade de companhias de mídia, restringindo sua
capacidade de exercer alguns direitos específicos (Ibidem, p. 115).
Diversos documentos internacionais, vinculantes ou não, também
estabelecem o direito de vida em família38. As políticas imigratórias, entretanto,
tendem a oscilar no nível de facilitação da reunificação de famílias de imigrantes.
37 Esses dois dispositivos, apesar de serem bastante protetivos em relação aos estrangeiros, não tiveram mais do que 15 ratificações cada um (OAS, 2013a, 2013b). O Pacto de Direitos Civis e Políticos, por sua vez, foi muito mais amplamente aceito, excedendo 160 ratificações (UN, 2013a). 38 Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção Europeia (1950), Pacto de Direitos Civis e Políticos, Convenção Americana, Carta Africana (1981), Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).
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A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)39 é a única que garante o
direito de adoção e o direito de reunificação familiar. Essa Convenção enfatiza
que os Estados devem permitir a reunificação de famílias ao garantir vistos e que,
no caso de os pais de uma criança serem expulsos de um país, seu filho deve ser
informado de seus paradeiros.
Em uma análise extensa de decisões de cortes internacionais sobre a
questão, Tiburcio (2001, p. 125) conclui que um estrangeiro expulso de um país
que não o de sua nacionalidade apenas poderá alegar direito à reunificação
familiar se seus familiares são nacionais do Estado onde haverá a reunificação. De
maneira geral, porém, o tratamento dado a crianças adotadas ainda é
determinado na esfera doméstica. Na África do Sul, para exemplificar, apenas
nacionais podem adotar crianças sul-africanas, ocorrendo o mesmo nas Filipinas.
No Reino Unido, ademais, menores estrangeiros adotados conquistam
automaticamente nacionalidade britânica e direito de residência (Ibidem, p. 135).
Assim, existe uma lacuna de instrumentos que protejam de forma clara o direito à
reunificação familiar de imigrantes.
Ainda hoje, imigrantes não possuem direito de aquisição de propriedade
privada em muitos países, bem como não podem herdar bens em território
estrangeiro. Geralmente, as convenções internacionais apenas permitem aos
estrangeiros gozar dos direitos sobre suas propriedades no exterior, mas não a
aquisição de outras. A Convenção Americana, por sua vez, permite a aquisição de
propriedade privada apenas para satisfazer as necessidades básicas de
subsistência (Ibidem, p. 144).
39 Essa convenção foi ratificada por 193 países (UN, 2013b).
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Quando se trata de direitos políticos, existe um grande debate sobre o
que essa categoria engloba. Enquanto alguns autores consideram direitos
políticos apenas o direito de votar e se eleger a cargos políticos, outros
consideram também o direito de se tornar servidor público e/ou possuir
liberdade de discurso político. É bastante comum que os Estados, além de
impedirem o acesso de imigrantes a direitos políticos, ainda os punam por
reivindicar participação na vida política local. (Ibidem, p. 183). De forma
parecida, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu diversas vezes que os
Estados são livres para expulsar estrangeiros por questões de política pública ou
segurança nacional, indicando que imigrantes podem ser expulsos por
praticarem atividades políticas. Essa mesma opinião é compartilhada com outros
autores que consideram que estrangeiros não devem participar da vida política
do país onde residem, pois eles ainda estariam mais “conectados” ao seu país de
nacionalidade. Na França, por exemplo, estrangeiros podem ser expulsos por
atuarem na vida política local, em caso de serem líderes de organizações de
imigrantes ou de se envolverem no futuro do Saara Ocidental. Nesse país, os
estrangeiros são impostos a uma condição de “neutralidade política”, e a quebra
dessa condição pode conduzir à expulsão (Ibidem, p. 186).
No que tange ao direito de votar e de ser eleito, os Estados são unânimes
em garanti-los apenas para seus nacionais. Grécia, Hungria, Índia, Cuba,
Dinamarca, Israel, Mônaco, Noruega, Polônia, Portugal, Suécia, Suíça, Tailândia,
Turquia, Reino Unido e Estados Unidos são exemplos de países, entre outros, que
restringem o direito de voto apenas para seus cidadãos nacionais. Um número
ainda maior de países permite apenas aos nacionais, também, o direito de ser
eleito para cargos políticos no âmbito estadual, municipal e/ou federal. A vida
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política dos imigrantes em seu país de residência, portanto, ainda é bastante
restrita e limitada.
As convenções internacionais e as legislações domésticas tendem a
limitar aos nacionais o acesso a cargos públicos, tanto de natureza civil quanto
militar. Países como Brasil, Argentina, Portugal, Polônia e Noruega, entretanto,
possuem uma abordagem menos danosa ao imigrante, pois permitem sua eleição
a cargos eminentemente técnicos. A discriminação de estrangeiros para tomada
de cargos públicos é uma prática comum em diversos países sob o argumento de
que existe uma natureza política nesses empregos que deve ser resguardada
apenas para nacionais (Ibidem, p. 190-191, 193-194).
2.2. Direitos sociais e econômicos
O tema de direitos humanos é especialmente relevante quando se trata
da proteção dos direitos do imigrante. Quando uma pessoa sai de seu país de
origem, de onde é nacional e possui todos direitos de cidadão, emerge a questão
de como os mesmos direitos serão aplicados ao emigrante em seu país de
destino. Direitos sociais e econômicos, ambos dentro do âmbito dos direitos
humanos, são, bem como os civis e políticos, essenciais para que o imigrante seja
acolhido de forma que possua as condições necessárias de vida e, especialmente,
de trabalho.
Os direitos sociais são aqueles que dizem respeito à integração do
imigrante na sociedade em que chega, tanto sobre a relação com os nacionais do
país quanto sobre o acesso à saúde (atendimento médico assegurado, por
exemplo), à educação e à segurança (VIOLA, 2007, p. 57). Na maioria das vezes, a
legislação nacional é que prevê quais os direitos dos imigrantes nesses âmbitos.
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No Brasil, por exemplo, o SUS (Sistema Único de Saúde) se aplica aos
estrangeiros, desde que tenham residência permanente no Brasil (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2002). Na Alemanha, uma vez que os direitos sociais geralmente são
vinculados ao mercado de trabalho, apenas os trabalhadores imigrantes são
também cobertos pelo seguro saúde (SAINSBURY, 2006, p. 234).
Geralmente, a grande “linha divisória” que se forma para a quest~o da
proteção de direitos não é entre cidadãos e imigrantes, mas entre imigrantes
temporários e residentes permanentes – aqueles que têm residência fixa no país
para onde emigraram, de acordo com os critérios que cada país estabelece.
Segundo Kondo (2001), os imigrantes com residência permanente têm amplo
acesso a serviços sociais40. Para os imigrantes irregulares, por sua vez, os direitos
sociais são, geralmente, negados (Ibidem, p. 234-235)41. Neste ponto vale
salientar a posição de Bustamante (2002, p. 345): é princípio de Direitos
Humanos que todas as pessoas possuem os mesmos, independente de sua
regularidade no país.
Os direitos econômicos que um cidadão qualquer necessita em qualquer
sociedade são, basicamente, acesso ao mercado de trabalho, salários dignos e
seguro desemprego. (VIOLA, 2007, p.57). Se os imigrantes puderem usufruir
totalmente dos direitos econômicos e sociais, a igualdade entre eles e os
nacionais é aumentada, no sentido de ambos terem acesso às mesmas
oportunidades. Isso é positivo do ponto de vista de que se deve preservar os
direitos humanos de qualquer pessoa, independente de sua nacionalidade.
40Vale notar que o mesmo autor também salientou que nos EUA a maioria dos direitos sociais são limitados mesmo para residentes permanentes, enquanto na Suécia eles são concedidos a todos que tem domicílio neste país (KONDO, 2001, p.235). 41Kondo (2001) faz tal afirmação referente a todos os Estado de Bem-Estar Social, aqueles em que o governo mais interfere na sociedade, concedendo saúde e educação gratuitas, por exemplo.
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Geralmente, residentes permanentes têm direito de estabelecer negócios, mas, de
país para país, varia a existência ou não de restrições para a ocupação de certos
cargos. Em geral, as maiores e mais frequentes restrições são para cargos que
envolvem a segurança e a defesa nacional. Em alguns países, o mesmo se aplica
para cargos públicos (KONDO, 2001, p. 237-238).
O artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos42 – que trata
de muitos outros direitos essenciais à dignidade humana, como direito à
instrução, à liberdade, à vida, entre outros - e o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais43 protegem os direitos econômicos e sociais. O
Pacto acima citado obriga os Estados que o ratificarem a garantir direitos sociais,
econômicos e de moradia para todos os imigrantes que morarem em seu país. Ele
garante, entre questões com especial relevância para os imigrantes que buscam
trabalho no exterior, o direito ao trabalho, a um salário digno e não
discriminatório, condições de trabalho adequadas, entre outros. Este pacto foi
adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1996 e ratificado por 160 países44.
Vale destacar que o artigo 2º(3) do citado Pacto impõe uma restrição para a regra
de n~o discriminaç~o: “Os países em desenvolvimento, levando devidamente
em consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional, poderão
42Artigo XXII: Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Íntegra da DUDH disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. 43Documento integral disponível em:http://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20os%20Direitos%20Econ%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf. Último acesso em 17 de fevereiro de 2013. 44 A lista dos países pode ser encontrada em http://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=IV-3&chapter=4&lang=en. Último aceso em 17 de fevereiro de 2013.
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determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos
no presente Pacto àqueles que não sejam seus nacionais.” A justificativa seria
evitar que não nacionais ocupassem setores importantes das economias
emergentes.
Segundo Tiburcio (2001, p.146), o principal problema da implementação
dos direitos econômicos e sociais é a dependência de políticas governamentais
nesses âmbitos, não sendo um problema meramente legislativo. O direito de
trabalhar, por exemplo, é muito mais complexo que qualquer direito civil ou
político, pois envolve custos reais para o Estado em conceder trabalho para os
imigrantes. Em geral, quase todos os países impõem restrições para o exercício
de certas profissões por estrangeiros. Tiburcio (2001, p.150) acredita na ideia de
que o direito ao trabalho é assegurado a todos sob o direito internacional, sem a
possibilidade de discriminação, a menos que esta tenha motivos de segurança
nacional, políticas públicas, moral e saúde pública. Assim, se um Estado impõe
restrições, estabelece preferências para trabalhadores nacionais ou proíbe certas
profissões aos estrangeiros, de forma não justificada pelos motivos citados, ele
estará violando o direito internacional45.
O direito à educação, parte fundamental dos direitos sociais, garante que
todos tenham acesso a instalações educacionais e a uma educação suficiente e de
qualidade. O Estado, portanto, teria o dever de proporcionar e fiscalizar uma
educação de qualidade para todos os que vivem em seu país. (Ibidem, p.158).
Após um levantamento de legislações internacionais, Tiburcio (2001, p. 161)
conclui que a tendência da maioria dos países é assimilar estrangeiros regulares
45A título de exemplo, Tiburcio (2001, p. 155-156) assinala 19 Estados relevantes em que só nacionais tem direito a trabalhar o tem preferências neste âmbito. Estes são Argélia, Cabo Verde, China, Congo, Cuba, Dinamarca, Honduras, Índia, Itália, Jordânia, Libéria, Luxemburgo, Mônaco, Países Baixos, Nicarágua, Portugal, Espanha, Taiwan e Emirados Árabes Unidos.
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
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aos nacionais quando se trata do direito à educação46. Segundo o autor, ademais,
o direito internacional garante o acesso de crianças a escolas primarias (Ibidem,
p. 161 e 163).
O essencial a se ter em mente ao analisar esses direitos, principalmente
os econômicos, é que a visão de quem não os concede é que garanti-los pode ser
retirar o emprego de seus próprios nacionais. Assim, o descontentamento interno
pode ser grande, impactando em questões eleitorais. A concessão de direitos
sociais, por sua vez, também pode trazer problemas para o cidadão do Estado
que recebe o imigrante, uma vez que, por exemplo, um sistema de saúde público
pode tornar-se insuficiente para toda demanda nacional somada à dos
imigrantes. Outro aspecto negativo alegado é que, ao se dar melhores condições
de vida legalmente estabelecidas ao imigrante, sem dúvida o fluxo de pessoas
para esse país tenderá a aumentar, maximizando os efeitos negativos
supracitados. Não há dúvida de que a dignidade humana deve ser preservada,
mas sendo a questão da imigração muito controversa, as políticas devem ser
introduzidas com cautela.
3. Ações internacionais prévias
Apesar de sua relevância desde os períodos anteriores ao intenso
processo de globalização vivido atualmente, o tema da migração internacional foi
deixado de lado durante muito tempo. Nem mesmo a Organização Internacional
46 O autor constatou esse fato para os seguintes países: Austrália, Áustria, Argentina, Bélgica, Brasil, Cabo Verde, Chile, Congo, Costa Rica, Cuba, Dinamarca, França, Gana, Irlanda, Israel, Itália, México, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça, Tailândia, Turquia e Estados Unidos. Em outros países esse direito pertence apenas para nacionais (apesar de, na prática, às vezes, estrangeiros gozarem das mesmas oportunidades): Canadá, China, Hungria, Grécia, Índia, Jordânia, Luxemburgo, Mônaco, Nicarágua e Taiwan.
UFRGSMUNDI
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do Trabalho, a agência mais antiga com a possibilidade de abordagem do assunto,
abordava o tópico em seu plano de ação principal na data de sua criação em
1919, juntamente com a Liga das Nações (NEWLAND, 2005, p.1).
Fora do sistema das Nações Unidas, em 1951, é fundada a Organização
Internacional para a Migração (OIM), com o objetivo inicial de ajudar famílias a
retornarem aos seus respectivos lares na Europa Ocidental após o caos da
Segunda Guerra Mundial (IOM, 2013). Desde então, a organização evolui para, em
1989, ter sua Constituição revisada, estabelecendo funções de proteção e auxílio
a indivíduos no processo de migração e em seu estabelecimento no país
estrangeiro. Apesar de sua ampla missão, a agência não possui poder político ou
fundos suficientes para atuar ativamente no cenário internacional (NEWLAND,
2005, p.8). Atualmente, ela possui projetos demasiadamente específicos e de
gama limitada, centrados apenas em questões regionais.
Em 1994, as Nações Unidas organizaram, no Cairo, a Conferência
Internacional sobre População e Desenvolvimento. Esta tinha o objetivo de
elucidação de uma estratégia que os países deveriam seguir ao lidarem com
diversos tópicos importantes e relacionados entre si, como sustentabilidade e
equidade de gênero. Na ocasião, foi adotado um Programa de Ação, no qual o
tópico da migração internacional é mencionado especificamente no capítulo X
(ONU, 2013a). Apesar de ser um marco por sua inclusão em algo concreto, a
migração estava perdida dentro de uma miríade de outros assuntos. Desta forma,
ainda estava por ser visto algum fórum de discussão que daria ao tema um
tratamento exclusivo.
Com a virada do milênio e a crescente globalização, a questão ressurge
com mais força dentro do sistema ONU e além. O então Secretário-Geral das
Nações Unidas, Kofi Annan, demonstra sua preocupação com o assunto e, em
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
66 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013
2002, ordena a criação de uma comissão independente que fizesse
recomendações de como fortalecer a governança sobre migração internacional,
ou seja, como os países poderiam conjuntamente regular este processo. Com isso,
em 2003, é lançada a Comissão Global para a Migração Internacional (GCIM)
(NEWLAND, 2005, p.2).
Apesar do novo consenso quanto à necessidade desta governança, ocorre
uma falta de coordenação entre as diversas agências e organizações
internacionais. Muito disso se dá pela relutância dos países em aceitar uma
autoridade que está acima deles ditando regras em um assunto tão delicado
como a migração, no qual existem tantas divergências (NEWLAND, 2005, p.3).
Tratados de larga escala que centralizariam este processo, desta forma, acabam
não sendo ratificados, fazendo com que haja lacunas entre as diversas funções da
governança, fragmentadas em diversas agências (NEWLAND, 2005, p.7).
Como exemplo deste fenômeno, apenas pequenos avanços foram feitos
dentro e fora do sistema ONU quanto ao tópico da migração internacional. A
relativamente passiva OIT reacende o debate com a Conferência Internacional do
Trabalho em 2004, cujo tema foi migração. O Conselho de Direitos Humanos, cujo
objetivo é lidar com violações de direitos humanos através de mecanismos
temáticos, decide apontar um Relator Especial para os Direitos Humanos dos
Imigrantes em 1999. O Banco Mundial passa a preocupar-se crescentemente com
a análise de dados coletados sobre imigração. O Acordo Geral de Comércio em
Serviços (GATS), dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC), apesar de
não conferir direitos a indivíduos migrantes, exige que governos reduzam suas
barreiras e facilitem o acesso aos seus mercados. A Iniciativa de Berna, em 2001,
e o Processo de Haia, em 1999, são lançados como fóruns de discussão sobre
migração entre Estados, no primeiro caso, e atores da sociedade civil global
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(ONGs), no segundo. A Assembleia Geral da ONU, desde 2002, tem coletado dados
importantes e monitorado tendências migratórias em sua Divisão Populacional.
Ela convoca anualmente reuniões com outras agências da ONU para discutir
esses dados (NEWLAND, 2005, p.8-12).
Essa última, notavelmente, declarou a necessidade do debate entre os
países membros das Nações Unidas através de um Diálogo de Alto Nível sobre
Migração Internacional e Desenvolvimento, que viria a acontecer em 2006 (ONU,
2013b). Tal evento foi mais um marco para a construção de uma futura
governança, visto que este abordava específica e exclusivamente o tópico da
migração internacional. Um segundo Diálogo de Alto Nível está marcado para o
ano de 2013 (ONU, 2013c).
De todos estes esforços e da crescente percepção do impacto que a
migração internacional tem sobre o mundo globalizado, é criado pelos países
membros das Nações Unidas, no ano de 2007, o Fórum Global sobre Migração e
Desenvolvimento (FGMD). Este conta também com a participação ampla de
membros da sociedade civil global. O fórum tem como objetivo estabelecer o
diálogo informal entre governos e todos outros atores envolvidos na migração,
para que estes possam identificar problemas e lacunas existentes na governança,
estabelecer parcerias e cooperações e, por fim, estruturar uma agenda e apontar
prioridades sobre migração e desenvolvimento. O próximo FGMD dos anos de
2013-2014 ocorrerá em Estocolmo, na Suécia (GFMD, 2013).
4. Posicionamento dos países
Desde o fim das práticas de Apartheid até o começo dos anos 2000,
África do Sul demonstrou uma chamada política de “portas abertas”, período
quando se facilitou a entrada de imigrantes africanos, especialmente aqueles
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
68 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013
oriundos do sul da África, membros da Comunidade para o Desenvolvimento da
África Austral (do inglês, SADC). Em 2005, os membros da SADC, onde se inclui o
próprio governo de Pretória, assinaram o Protocolo sobre Facilitação do
Movimento de Pessoas, documento que dispensaria o porte de visto para entrada
nos países-membros. Até o momento, entretanto, apenas Moçambique o ratificou.
Atualmente, o governo sul-africano preocupa-se com o sentimento público de
que os imigrantes possam roubar os empregos de nacionais e piorar a qualidade
dos serviços sociais providos pelo Estado (KABWE-SEGATTI; LANDAU, 2008, p.
130-132). Cada vez mais trabalhadores do Zimbábue e da Namíbia, por exemplo,
veem na economia sul-africana oportunidades de melhores salários que os de
seus países de origem. Ao mesmo tempo, por outro lado, o governo reconhece a
necessidade de atrair trabalhadores altamente qualificados para atuarem nas
indústrias, considerando que a fuga de cérebros sul-africanos para países com
melhores salários vem reduzindo a qualificação da sua mão-de-obra
(HAMMERSTAD, 2011, p. 4; CRUSH; WILLIAMS, 2005, p. 30).
A Alemanha é o segundo país europeu que mais recebe imigrantes (IOM,
2013a). A Chanceler Angela Merkel, em declaração à imprensa, demonstrou
posiç~o de certa forma xenofóbica ao observar que “o multiculturalismo falhou
completamente”, alegando que os imigrantes deveriam integrar-se mais aos
cidadãos alemães. O comentário surgiu junto com o crescente sentimento anti-
imigração na Alemanha. Merkel afirmou, posteriormente, que a Alemanha precisa
de imigrantes, mas os imigrantes precisam fazer algo para integrar-se na
sociedade, adotando os valores e a cultura alemães (BBC NEWS, 2013). A
imprensa e a elite alemãs, por sua vez, afirmam que a indústria nacional conta
com muitos trabalhadores qualificados imigrantes e que eles são essenciais para
a economia do país (THE WEEK, 2013). Um estudo demonstrou que a maioria
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dos estrangeiros viria à Alemanha devido aos benefícios sociais concedidos (BBC
NEWS, 2013). O país ratificou o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
(PIDCP) (UN TREATY COLECTION, 2013a; Idem, 2013b). Concernente ao respeito
dos direitos sociais e econômicos, a Alemanha ratificou a Carta Social Europeia
(CSE) (COUNCIL OF EUROPE, 2013). Na Alemanha, ademais, cidadãos com etnia
germânica oriundos da Europa Oriental adquirem cidadania imediata (TIBURCIO,
2011).
A Arábia Saudita tem graves preocupações sobre os desafios associados
ao fenômeno migratório. Cerca de um terço da força de trabalho do país é
formada por estrangeiros, que chegaram ao país principalmente na segunda
metade do século XX, devido ao crescimento da indústria petrolífera
(PAKKIASAMY, 2004). A posição saudita está alinhada com os demais países do
Conselho de Cooperação do Golfo, que pretendem diminuir a dependência
econômica da força de trabalho internacional, e capacitar a população nacional
para ocupação de mais postos de trabalho qualificados. Não obstante,a economia
saudita ainda depende, em grande parte, da força de trabalho internacional e os
imigrantes são tratados segundo a legislação nacional, podendo adquirir
cidadania saudita desde 2004, devido aos esforços do Comitê Saudita de Direitos
Humanos e da Associação Nacional de Direitos Humanos, constituídas em 2003
(PAKKIASAMY, 2004).
Recentemente, o governo da Argélia vem implementando políticas no
sentido de controlar imigração e emigração irregular, ao invés de melhorar as
condições de seus trabalhadores no exterior. Essa iniciativa foi fomentada por
pressões da UE devido ao excesso de argelinos imigrantes na Europa e também
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
70 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013
pela associação dos contrabandistas da Argélia com organizações terroristas
(BARTOLOMEO; JAULIN;PERRIN, 2010, p. 9).
A Argentina tem cerca de 4% da sua população total de imigrantes.
Muitos desses estrangeiros são atraídos pelo fato de o país possuir bons padrões
de qualidade de vida47. Como signatária do MERCOSUL, a Argentina também
permite o livre trânsito de pessoas oriundas de países do bloco. A Lei de
Migrações (2003) busca atender e respeitar os direitos humanos de imigrantes
sem distinção entre estes e o resto da população. Além disso, ela procura
regularizar a situação dos estrangeiros que vivem no território argentino,
contribuindo para troca cultural entre os povos para fortalecer o vínculo entre as
nações da região e tentando alcançar o desenvolvimento econômico com o
auxílio dos novos moradores.
O passado da Austrália demonstra como a migração enriqueceu sua
sociedade e contribuiu fortemente para o crescimento econômico e para a
produtividade. Quase metade da população australiana é composta por
migrantes ou por filhos destes. O país continua recebendo grandes quantidades
de migrantes que ingressam por vias legais no país e é capaz de controlar a
pequena proporção de pessoas que chegam irregularmente em suas fronteiras
por vias aéreas ou marítimas (IOM, 2013b).
Em 2009, na Bélgica, criaram-se novas regras de imigração,
regularizando muitos imigrantes. Através dessas, imigrantes que tenham
trabalhado ao menos durante dois anos e meio ou que tenham vivido no país por
cinco anos ou mais podem pedir autorização de residência (DE STANDAARD,
47 O IDH argentino é o segundo maior da América Latina, perdendo apenas para o Chile.
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013 71
2011). Desde o início de 2012, contudo, o governo expulsou mais de mil
imigrantes desempregados, a fim de cortar despesas e conter a crise. Cidadãos
franceses, húngaros e italianos são os mais visados. Não há motivos legais claros,
uma vez que cidadãos europeus teoricamente poderiam viver na Bélgica
(ESQUERDA.NET, 2013). Para repatriar imigrantes ilegais, a Bélgica concluiu
acordos com os países de origem (um acordo a nível da União Europeia, que trate
do retorno dos imigrantes ilegais, está para ser concluído) e espera realizar mais
acordos deste tipo. O governo belga indica que um imigrante ilegal pode escolher
entre repatriação voluntária ou forçada, assumindo que seu país de origem tenha
condições de receber o imigrante de volta (FEDERAL PUBLIC SERVICE FOREIGN
AFFAIRS, 2013). O atual primeiro-ministro, Eliodi Ruppo, tem orientação
esquerdista e é filho de imigrantes italianos (LICHFIELD, 2011). O país ratificou o
PIDESC, o PIDCP e a CSE.
O Brasil tornou-se um destino cada vez mais procurado pelos imigrantes
depois da crise financeira de 2007-2008. Atualmente, há em torno de 4,4 milhões
de estrangeiros habitando o território brasileiro. O país já ratificou o acordo de
livre trânsito de trabalhadores entre os países do MERCOSUL, mas ainda não
assinou a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os
Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias (1990). Desde 2009, o
Governo estuda a criaç~o de um “Estatuto dos Estrangeiros” pelo prisma dos
direitos humanos para garantir a igualdade de tratamento entre nacionais e
estrangeiros, diminuindo as práticas abusivas que ocorrem com os trabalhadores
ilegais no país e promovendo a melhora das relações com seus parceiros.
Botsuana também vem mudando sua política anterior de portas abertas
devido ao número excessivo de imigrantes zimbabuenses indocumentados que
chegaram ao país nas últimas décadas. O fluxo de imigrantes do país vizinho
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
72 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013
promoveu uma onda de xenofobia no país, exigindo uma abordagem mais
restritiva e exclusivista e dificultando os procedimentos de visto (LEFKO-
EVERETT, 2004).
A Bulgária, como Estado-membro da ONU compromete-se com o
tratamento igualitário entre imigrantes e não-imigrantes conforme os princípios
de proteção aos direitos humanos. É de grande preocupação para o governo
búlgaro a questão dos indivíduos apátridas e dos imigrantes ilegais, sobretudo na
Europa oriental (BULGÁRIA, 2012). Dessa forma, o país se dispõe a trabalhar
ativamente em nível nacional, regional e internacional no endereçamento dessas
questões, buscando soluções de longo-prazo tomadas a partir da cooperação
multilateral e, sobretudo, regional, no seio da União Europeia(BULGÁRIA, 2012).
No Canadá, cerca de 18% da população é imigrante, compondo uma
significativa força de trabalho originária, principalmente, da Ásia. O objetivo do
Canadá é atrair indivíduos altamente qualificados a fim de aumentar capital
humano no seu território. Nesse sentido, suas políticas migratórias para
aceitação de novos indivíduos buscam manter um padrão de admissão conforme
critério de qualificação da mão-de-obra, esforçando-se para gerir políticas de
inserção dos novos habitantes no país.
Com sua abertura econômica nas últimas três décadas, a República
Popular da China tornou-se não somente uma importante fonte de emigrantes
como também um destino para migrantes do mundo todo. É estimado que 35
milhões de chineses estejam empregados em outros países. Os principais
destinos de migrantes chineses são Estados Unidos, Canadá, Japão e Cingapura
(IOM, 2013b). Ao mesmo tempo, um número crescente de estrangeiros escolhe
morar na China, tendo o país atualmente 600 mil residentes estrangeiros. Esta
UFRGSMUNDI
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recente corrente migratória tem levado o país a reforçar a patrulha de suas
fronteiras e a fortalecer suas políticas trabalhistas.
O status de Tigre Asiático tornou a República da Coreia (Coreia do Sul)
em um destino popular para a população do Sudeste Asiático. Atualmente,
famílias resultantes do casamento de coreanos com imigrantes encontram
problemas de assimilação e proteção. Além disso, o crescimento recente de
populações norte-coreanas no país é significativo.
Em Cuba, menos de 0,2% dos habitantes são estrangeiros. Sendo Cuba
um país primordialmente de emigrantes, em geral suas leis objetivam
regulamentar a viagem de seus cidadãos para o exterior. Nos últimos anos, a
nação tem reformado sua rígida política migratória. No final de 2012, por
exemplo, o governo retirou a necessidade de autorização de saída da ilha seus
cidadãos, bem como dispensou a exigência da Carta Convite48.
Os Emirados Árabes Unidos estão fortemente comprometidos com os
princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e determinados a
melhorar seu histórico de tratamento doméstico das questões humanitárias, a
fim de fazer diferença no nível internacional (EAU, 2013). Os Emirados Árabes
acreditam que povos e nações precisam de conexões e trocas crescentes, como
pré-requisito para o desenvolvimento, a estabilidade e a prosperidade, e por isso
o tratamento digno dos imigrantes e a receptividade à força de trabalho
estrangeira é um dos compromissos da política externa do país (EAU, 2013). A
cidade de Dubai é um exemplo ilustrativo dos princípios que atualmente
orientam a cultura política dos Emirados Árabes Unidos, uma combinação da
48 A Carta Convite é um resumo do porque está convidando a pessoa, seus motivos, o tempo da permanência e o lugar a onde ficará a pessoa convidada, é um documento de boa fé para a Imigração ou para as autoridades de fronteira.
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
74 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013
permanência de certos preceitos islâmicos tradicionais com a atualização e
modernização necessárias para a plena integração no sistema internacional
(DUBAI, 2012).
A Espanha tem legislações avançadas concernentes aos imigrantes e sua
regularização, como a possibilidade de se registrar no Padrão Municipal, uma
espécie de censo das municipalidades, onde os moradores se inscrevem para ter
acesso aos serviços de saúde e educação gratuitos. A Lei do Arraigo Social,
também, permite ao imigrante em situação regular trazer sua família para a
Espanha depois de um ano (ESTADÃO, 2013b). Mariano Rajoy, primeiro-ministro
espanhol que faz parte do Partido Popular Conservador, tem uma postura rígida
em relação aos imigrantes e afirma que a Espanha, que vem sofrendo com o
desemprego, não tem mais espaço para os mesmos. Um dos movimentos do
primeiro-ministro foi retirar o direito de cuidados de saúde aos imigrantes,
devido à recessão do país. (THE GUARDIAN, 2013; EXPATICA, 2013). O país
também ratificou o PIDESC, o PIDCP e a CSE (UN TREATY COLECTION, 2013a;
Idem, 2013b; COUNCIL OF EUROPE, 2013).
Os Estados Unidos da América têm cerca de 35 milhões de imigrantes
em seu território, sendo a maior parte constituída de asiáticos e latino-
americanos. Os EUA é o país com o maior número de imigrantes no mundo, e os
hispânicos são os maiores propulsores de seu crescimento populacional. Desde
sempre, as leis relativas aos imigrantes foram bastante rígidas quanto à entrada
ilegal no país e quanto à admissão de novos migrantes e suas famílias, política
que se tornou mais evidente ainda no período da Guerra Fria. Após os atentados
de 11 de setembro de 2001, houve uma maior intransigência com o tráfego de
migrantes em direção a seu território, principalmente de populações
muçulmanas. Nos dias de hoje, com a recessão econômica, o atual presidente,
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Barack Obama, busca reformar o sistema migratório norte-americano propondo
intensificar a legalização de parte dos estrangeiros que já habitam o seu país.
A Federação Russa é o país europeu que mais recebeu imigrantes em
2010 (IOM, 2013a). Na Rússia, nos últimos anos, o governo tem simplificado as
regras de entrada e de residência para os profissionais altamente qualificados e
tem tornado mais difícil para outros estrangeiros. Desde o ano passado, por
exemplo, imigrantes com salários inferiores a 2 milhões de rublos ao ano
precisariam realizar um teste de russo para permanecer no país. Outras leis
também conferem tratamento diferenciado para imigrantes com renda maior que
2 milhões de rublos. Existe uma lei de responsabilidade dos proprietários de
imóvel que pode punir os proprietários dos apartamentos em que imigrantes
residam ilegalmente. No início de 2013, pela primeira vez, foi proposto que tal lei
fosse aplicada para conter a imigração ilegal (GAZETA RUSSA, 2013). Vladmir
Putin, presidente da Rússia, já foi acusado pelos ultranacionalistas russos por não
defender o país dos imigrantes (GAZETA DO POVO, 2013), mas sua atitude é de
endossar o reforço da legislação imigratória (VOZ DA RÚSSIA, 2013). Defensores
dos direitos humanos condenam o racismo e a xenofobia na Rússia desde o fim
da União Soviética. Vale salientar que há um grande fluxo de imigrantes do
Cáucaso russo e da Ásia Central para as grandes cidades russas fugindo da
miséria em suas regiões de origem (GAZETA DO POVO, 2013). O país ratificou o
PIDESC, o PIDCP e a CSE (UN TREATY COLECTION, 2013a; Idem, 2013b;
COUNCIL OF EUROPE, 2013).
A França é famosa pela xenofobia de seus habitantes, principalmente da
extrema direita, em relação aos estrangeiros. Sarkozy, ex-presidente, inflamava
esta posição com opiniões xenofóbicas e anti-imigração. Vale ressaltar o polêmico
caso envolvendo a expulsão de ciganos residentes na França em 2010 –
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
76 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013
estimativas indicavam que mais de 15.000 viviam na França, de origem
principalmente búlgara e romena. Em seu “Discurso de Grenoble”, de julho de
2010, Sarkozy deixou claro que os ciganos estariam “na mira do governo francês”
o qual vinha “intensificando projetos polêmicos de medidas repressivas contra os
estrangeiros em geral” (FERNANDES, 2010). Hollande, por sua vez, presidente
desde maio de 2012, de caráter socialista, assumiu o governo com uma política
mais humanística e prometeu mudar a situação, lutando contra o xenofobismo e
outras formas de discriminação (SUL 21, 2013). A França ratificou o PIDESC, o
PIDCP e o CSE (UN TREATY COLECTION, 2013a; Idem, 2013b; COUNCIL OF
EUROPE, 2013).
O Gabão é um Estado-nação multicultural e que recebe anualmente
grande fluxo de imigrantes provenientes, sobretudo, de países vizinhos. Dessa
forma, a migração internacional é uma das grandes preocupações da política
externa do país e também a causa de muitos desafios socioeconômicos e políticos
domésticos (UNHRC, 2012). O Governo do Gabão tem trabalhado intensamente
junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados com relação à
situação de milhares de refugiados provenientes de guerras civis em países
vizinhos, com destaque para aqueles provenientes da República do Congo
(UNHRC, 2012). A República do Gabão acolhe muitos indivíduos apátridas,
refugiados e imigrantes em busca de melhores condições de vida, e tem
trabalhado junto às agência das ONU para solucionar casos de imigração ilegal,
assim como atuar de acordo com s princípios de direitos humanos e os princípios
da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (Genebra, 1951), esforços
desafiadores para um país africano que, por si só, já tem de enfrentar as
dificuldades econômicas e sociais domésticas remanescentes do período colonial.
Entre os países do Centro-Sul Asiático, a Índia é o principal destino de
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migrantes internacionais. Por outro lado, os níveis de emigração indiana vêm
aumentando dramaticamente, com grandes fluxos migratórios com destino a
países vizinhos, Europa e América do Norte (IOM, 2013c). Entretanto, o destaque
se dá para os Países do Oriente Médio, onde os indianos trabalham
principalmente com contratos temporários em projetos de infraestrutura. Fluxos
de estudantes vindos da Índia também são notáveis, sendo o maior grupo de
estudantes estrangeiros nos EUA, caracterizando um fenômeno de “fuga de
cérebros”. O Paquistão é de uma situação similar à indiana, abrigando muitos
imigrantes de países fronteiriços e sendo fonte de largas quantidades de
trabalhadores para o ramo da construção civil de países árabes. Entretanto, a
diferença mais significativa se dá na menor qualificação de seus trabalhadores
em geral. Sri Lanka também é uma importante fonte de mão-de-obra para o
Oriente Médio, porém imigrantes deste país dirigem-se a postos de trabalhadores
domésticos no mercado de trabalho estrangeiro. Isto, consequentemente, implica
uma feminização de sua migração (IOM, 2013b).
Na Itália, o presidente Giorgio Napolitano tem tentado promover
reformas a fim de conceder cidadania às crianças de pais estrangeiros que
nascem na Itália. O presidente acrescentou que tal visão é amplamente
compartilhada por políticos e italianos. Ele reconhece a importância dos
imigrantes para economia do país e afirma que, sem eles, seria mais difícil para o
país pagar suas dívidas. Ele clama por uma Itália que recebe bem os imigrantes
que buscam trabalho, bem como os refugiados (AFRICA NEWS, 2013a; Idem,
2013b). Perto de um milhão de africanos vive na Itália, mais ou menos um quarto
da população imigrante total. A maioria dirigiu-se à região norte do país, atrativa
pela sua indústria e comércio. A crise que assola a Itália, contudo, também afeta
os imigrantes, que têm visto os custos dos impostos aumentarem e empregos
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
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diminuírem, pois cidadãos italianos agora têm estado dispostos a ocupar
empregos que antes apenas imigrantes o fariam – nas fazendas, por exemplo
(DAVIES, 2012). Em 2009 o Human Rights Watch acusou a Itália de violar os
direitos humanos de imigrantes oriundos da Líbia (ESTADÃO, 2013a). Vale ainda
lembrar a grande onda de africanos guinando para a Itália em consequência da
Primavera Árabe de 2011, devido a sua proximidade ao norte da África. Foi
noticiado que a pequena ilha de Lampedusa, com um controle costeiro fraco, teria
recebido mais de 35.000 refugiados até abril de 2012, oriundos da Líbia e da
Tunísia, os quais buscavam melhores oportunidades de trabalho. Muitos fugiram
da Líbia temendo serem abusados pelo regime de Qadaffi, preferindo arriscar a
vida – devido aos perigos do trajeto e a possibilidade de serem mandados de
volta – para chegar à Europa. Alguns africanos não alcançaram seu destino, tendo
sido, ao invés disso, transferidos a um centro de refugiados na Sicília. O Ministro
das Relações Exteriores italiano, durante visita à Líbia, alegou que as soluções
para o problema de imigração deveriam ocorrer no país de origem. A Itália temia
receber uma quantidade de imigrantes com a qual simplesmente não pudesse
lidar (ZAROUG, 2012). O país já ratificou o PIDESC, o PIDCP e a CSE (UN TREATY
COLECTION, 2013a; Idem, 2013b; COUNCIL OF EUROPE, 2013).
No Japão, há mais de dois milhões de estrangeiros registrados, vindos
principalmente da América do Sul, descendentes de colonos enviados
principalmente para o Brasil no início do após a Primeira Guerra, e do restante da
Ásia. Esses trabalham em cargos mais laboriosos, com destaque à indústria
automobilística e na atuação como trainees. O envelhecimento da população tem
sido um fator determinante para a revisão das estritas políticas migratórias do
país e a adoção de uma estratégia de inclusão do estrangeiro na sociedade
japonesa (IOM, 2013b).
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Dentro do contexto da Associação de Nações do Sudeste Asiático
(ASEAN), ambas Malásia e Tailândia são países de origem e destino de
migrantes, inclusive um do outro. Por serem dois dos países mais desenvolvidos
dentro da Associação, e pela facilidade de circulação que esta proporciona, são
considerados muito atraentes para mão-de-obra qualificado de moradores do
Sudeste Asiático, assim como para chineses. Da mesma forma, muitos de seus
nacionais procuram emprego em outros países com ritmo acelerado de
crescimento econômico da região, notavelmente Cingapura e Brunei. São
signatários da Declaração da ASEAN sobre a Proteção e Promoção dos Direitos
dos Trabalhadores Migrantes de 2007, que protege migrantes da ASEAN e
ressalta os direitos fundamentais e a dignidade de cada um destes indivíduos.
O México, por sua vez,tem cerca de 1% de imigrantes em seu território,
sendo um tradicional polo de emigrantes para os Estados Unidos da América.
Aproximadamente 10% desse fluxo, em torno de 11 milhões de pessoas, não está
propriamente regularizado. O governo mexicano reúne seus esforços para
impedir o tráfico sexual e o tráfico de crianças via sequestro. Com a crise
financeira de 2008, houve um retorno significativo de parte da população
mexicana em território americano de volta para sua terra natal.
A Nigéria está localizada em uma das regiões africanas que mais
recebem fluxos migratórios, isto é, a África Ocidental, corredor de passagem
entre o norte do continente e a região subsaariana e entreposto para aqueles que
buscam migrar para o continente americano. Um estudo do Alto Comissariado
para Refugiados demonstra que o fluxo de migração intra-regional entre os
países da África Ocidental é dez vezes maior que o fluxo direcionado para a
Europa, um dos destino preferenciais de migrantes provenientes de outras partes
do mundo (UNHCR, 2008). Por causa disso, a Nigéria possui um órgão
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
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especializado, o Serviço Nigeriano de Imigração, criado em 1958, responsável
pelo endereçamento dos desafios trazidos pelos processos migratórios
contemporâneos, pautados por uma visão securitária (NIGÉRIA, 2011). As
principais causas desse intenso movimento migratório são os conflitos civis e as
diferenças de prosperidade entre os países. Para muitos africanos, a migração se
tornou uma estratégia de sobrevivência, e a região ocidental do continente é uma
das mais procuradas devido à relativa estabilidade e crescimento econômico,
como é o caso da República da Nigéria. Ao mesmo tempo, contudo, a Nigéria
também é origem de muitos emigrantes que vão buscar melhores condições de
vida na Europa ou na América do Norte (UNHCR, 2008). Sendo assim, tanto os
processos de imigração quanto os de emigração são pontos nevrálgicos de sua
política externa. O Governo Nigeriano tem intensa cooperação na questão
migratória com os Estados-membros da Comunidade Econômica dos Países da
África Ocidental (ECOWAS), com os quais partilha os princípios de proteção aos
direitos humanos e de segurança regional; e recentemente desenvolveu-se o
diálogo Euro-Africano sobre imigração, destinado ao enderaçamento dos desafios
relacionada à emigração africana para a Europa (UNHCR, 2008).
A proteção aos direitos humanos é considerada pela Polônia como um
dos pilares das relações internacionais contemporâneas, assim com o a base do
sistema jurídico polonês. A história polonesa envolve períodos de emigração
massiva, sobretudo ao longo do século XX, durante a Segunda Guerra Mundial e a
Guerra Fria, de modo que a questão da diáspora polonesa é um tópico
fundamental na agenda de política externa do país (POLÔNIA, 2012). Por meio do
Senado e do Ministério de Relações Exteriores, o Governo Polonês mantêm-se em
contato com famílias de emigrantes vivendo em outros países, auxiliando esses
cidadãos de diversas formas, inclusive perante os Governos de outros países. Ao
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mesmo tempo, a Polônia é destino de imigrantes de países vizinhos da Europa
oriental, sobretudo da região balcânica, em busca de condições sociais mais
favoráveis. Com relação aos imigrantes, a Polônia segue a política da União
Europeia, que é rígida com relação aos imigrantes ilegais, mas defende e acolhe
indivíduos estrangeiros qualificados em busca da cidadania polonesa,
importantes para a economia nacional (POLÔNIA, 2012). A República da Polônia
é signatária dos principais documentos da ONU associados ao tratamento de
imigrantes e refugiados, os quais são regidos pela ideia de tratamento
equivalente a nacionais e imigrantes, sob os princípios da tolerância, igualdade,
solidariedade e respeito pelas diferenças.
O Reino Unido destaca-se por não fazer parte do Espaço Schengen49, o
que dificulta a entrada de imigrantes europeus no país. O primeiro-ministro
David Cameron, do Partido Conservador, possui uma postura severa em relação
aos imigrantes, impondo um sistema burocrático para a entrada no país. Nos
últimos dois anos, os conservadores tornaram muito mais difíceis a entrada e o
estabelecimento no país dos estudantes, trabalhadores estrangeiros e suas
famílias. A imigração é impopular entre os britânicos, mais do que em qualquer
outro grande país europeu. Para exemplificar, 62% da população acha que a
presença de imigrantes dificulta a busca por empregos, em comparação aos 45%
que é a média europeia (THE ECONOMIST, 2013). O país ratificou o PIDESC, o
PIDCP e a CSE (UN TREATY COLECTION, 2013a; Idem, 2013b; COUNCIL OF
EUROPE, 2013).
Desde sua ascensão a membro da UE, a Romênia possui suas fronteiras
abertas para nacionais de países da Área Econômica Europeia. O excesso de
49Acordo entre países da UE que remove a necessidade de passaporte e controles aduaneiros para cidadãos europeus irem de um país para o outro deste espaço.
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante
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imigrantes romenos tem levantado sentimentos xenofóbicos em países como a
França, mas a entrada na União Europeia também levou o governo da Romênia a
se preocupar com a entrada de imigrantes que queiram adentrar a linha
Schengen (CHINDEA et al, 2008, p. 44-45).
Nas tentativas de se tornar um membro da União Europeia, a Turquia
deveria alterar sua atual política de vistos pouco restritiva para uma muito mais
rigorosa. Muitos países europeus se preocupam com a possível entrada em massa
de turcos para a Europa Ocidental caso a Turquia entrasse na linha Schengen. O
governo de Ancara, entretanto, frisa que a entrada na União Europeia
estabilizaria o país e o tornaria mais próspero, diminuindo os fluxos emigratórios
para a Europa que procuram melhores condições de vida (KIRISCI, 2003).
A República de Uganda reconhece os princípios contidos na Agenda
para o Gerenciamento Internacional da Migração, acordada por diversos países-
membros da ONU em Berna, 2004. Nesse documento, fica evidenciada a
relevância do fenômeno migratório para as relações internacionais
contemporâneas e a necessidade da cooperação multilateral para o tratamento
dessas questões, que são, por natureza, transfronteiriças, e dizem respeito ao
atual estágio da economia mundial, coma internacionalização do mercado de
trabalho (UNGA, 2006). Dentre as medidas propostas pelo Governo de Uganda
está a criação de um marco regulatório internacional, assim como um serviço de
informação sobre o tratamento legal devido aos imigrantes em nível nacional,
regional e internacional (UNGA, 2006). A República da Uganda é receptiva a
imigrantes, sobretudo os que representam força de trabalho qualificada, e ao
mesmo tempo mantêm contato ativo com ugandenses emigrados que podem
contribuir para o crescimento socioeconômico do país graças às experiências
adquiridas em outros Estados-nação, investindo inclusive na repatriação de
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alguns desses cidadãos por meio do programa “Retorno de Nacionais Africanos
Qualificados” - RQAN (UNGA, 2006). Em suma, o Governo de Uganda tem,
fundamentalmente, uma visão positiva da migração, a qual a associa com
potencialidades de desenvolvimento econômico, se tratada com a devida atenção.
Os princípios que guiam a postura da República da Zâmbia com relação
aos imigrantes são a segurança nacional e internacional e o desenvolvimento
socioeconômico sustentável. Da mesma forma que muitos outros países africanos
a Zâmbia vê na migração internacional e na internacionalização da força de
trabalho tendências favoráveis ao seu desenvolvimento econômico. Para isso,
criou, ligado ao Ministério das Relações Exteriores, o Departamento de
Imigração, a fim de facilitar o acesso de pessoas buscando entrar no país por
interesses comerciais, de investimento e turismo (ZÂMBIA, 2013). A República da
Zâmbia é membro da Organização Internacional para a Migração (IOM) e defende
que o gerenciamento adequado da agenda de migração internacional deve
começar com a avaliação do tratamento recebido pelos imigrantes nos países de
destino. Além disso, por se tratar de um problema global (IOM, 2011), o Governo
da Zâmbia defende que a cooperação é o instrumento primordial para lidar com
os liames da migração, e por isso tem trabalho em associação com a IOM, com o
Alto Comissariado da ONU para refugiados, assim como com os países-membros
do Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA) na solução de
problemas como o tráfico de pessoas, os estatuto de refugiados de guerra e a
migração forçada (IOM, 2011).
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Resumo
O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas é o órgão dentro do sistema ONU
responsável por promover e proteger os direitos humanos ao redor do mundo, bem como lidar com
suas violações. A fim de cumprir seu mandato, o CDH pode emitir recomendações em todas temáticas
de direitos humanos. Seu corpo é formado por até 47 membros, todos eleitos diretamente pela
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Assembleia Geral. Esse Conselho foi criado em 2006 para substituir a antiga Comissão sobre Direitos
Humanos e, muito embora suas recomendações não possuam caráter obrigatório, as decisões do CDH
influenciam políticas e direcionam opiniões nos tópicos relacionados a direitos humanos em todo
mundo. O presente artigo orienta os delegados sobre a discussão acerca de aspectos de políticas de
imigração e proteção aos direitos do imigrantena atualidade. Para tanto, se busca compreender as
principais razões que motivam os grandes fluxos migratórios internacionais, como a busca por
melhores condições econômicas. Ademais, os discute-se o estado atual das legislações que garantem
ou restringem os direitos de imigrantes, ora através da privação do acesso ao mercado de trabalho,
ora dificultando o acesso à justiça. Mais do que isso, tenta-se compreender as motivações que
fomentam essas restrições, propondo soluções inteligentes que adequem os atuais tratamentos
internacionais aos padrões mínimos de respeito aos direitos humanos.
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
94 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
Transição energética
Luciana Costa Brandão50
Othon Veloso Schenatto51
Eduardo Dondonis52
Michelle Baptista53
Leonardo Weber54
Lucas Santos55
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) é a
principal autoridade das Nações Unidas responsável pelas questões ambientais,
regionais e globais. Entre os principais objetivos do PNUMA, estão: manter o
contínuo monitoramento do meio ambiente global, alertar os povos sobre
problemas e ameaças ao meio ambiente e recomendar medidas que melhorem a
qualidade de vida das pessoas sem comprometer os recursos naturais das
gerações futuras.
50 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 51 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 52 Estudante do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 53 Estudante do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 54 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 55 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
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Com sede em Nairóbi, no Quênia, o PNUMA conta ainda com seis
escritórios regionais espalhados por todos os continentes. Suas reuniões são
compostas por 58 membros eleitos pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
tendo o mandato de cada membro duração de quatro anos. Mesmo que o
cumprimento de suas recomendações não seja obrigatório, o PNUMA tem uma
forte pressão moral frente a todos os países das Nações Unidas.
Para esta simulação, estarão presentes 25 representantes de países de
grande relevância no cenário internacional e o enfoque se dará sobre a temática
das possíveis alternativas para uma Transição Energética.
1. Histórico
Ao longo da história, muitas formas de energia foram utilizadas pelo
homem para sua sobrevivência. A madeira, uma das mais antigas fontes de
energia conhecidas pela humanidade, foi extremamente importante durante o
Império Romano e, posteriormente, durante a Idade Média (TESSMER, 2002).
Proveniente de árvores e arbustos, a madeira era utilizada para produzir calor,
afastar animais, além de contribuir para a agricultura e a produção de objetos e
ferramentas.
O uso da madeira como fonte energética levou a uma contínua derrubada
de florestas, resultando no esgotamento deste recurso. Essa falta de recursos
arruinou a agricultura romana e seu modelo econômico, sendo um dos fatores
responsáveis pelo fim do Império Romano. Já na Grã Bretanha, onde a madeira
também era muito utilizada até o século XVI, em um período anterior à Revolução
Industrial, sobraram tão poucas árvores que os britânicos foram forçados a
buscar uma nova fonte de combustível: o carvão mineral.
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
96 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, o carvão vegetal - a madeira - foi
substituído pelo carvão mineral como fonte principal de energia. Esse processo
constituiu o que ficaria conhecido como Transição Energética56 da madeira para
o carvão, inaugurando a Era do Carvão - e dos combustíveis fosseis. A mudança
no tipo de combustível que era utilizado pela sociedade acarretou também
mudanças econômicas e políticas.
Nesse sentido, a estrutura das sociedades antigas e medievais começou a
se transformar na medida em que as máquinas foram substituindo a força
humana. Essas máquinas eram movidas pelo carvão e, a partir da segunda
metade do século XVIII, começaram a ser comercializadas por toda a Inglaterra:
com seu território rico em jazidas de carvão mineral, ela se tornava o berço da
Revolução Industrial.
A Inglaterra, como pioneira na Transição Energética, tornou-se a Grande
Potência57 do século XVIII e XIX. Ela não só tinha um território abundante no
combustível da época, o carvão, como também dominava a tecnologia para
construir máquinas e indústrias que utilizavam este combustível. Com base nisso
foi capaz de manter colônias ao redor do mundo, administrando o Império
56 A Transição Energética pode ser entendida como um processo de mudança das principais fontes energéticas utilizadas pelas civilizações. Essa transformação ocorre, de modo geral, acompanhada de outras transições e outras modificações na sociedade e na estrutura produtiva de uma economia, com o surgimento de novas tecnologias e novos hábitos de consumo. A Transição Energética pode ocorrer devido ao esgotamento do modelo energético anterior e/ou pela sua superação por meio da invenção e descoberta de novas alternativas (OLIVEIRA & BRANDÃO, 2011). A passagem da utilização da madeira para o carvão e, depois, do carvão para o petróleo, são dois exemplos de Transições Energéticas que ocorreram nos últimos séculos. 57 A ideia de Grande Potência está relacionada com a capacidade de um Estado exercer maior influência sobre os demais, o que dependeria do poder acumulado por ele. O tamanho do país (do território e da população), o controle sobre os recursos naturais, a grandeza da economia, a capacidade política e a forçam militar seriam os principais critérios para determinar as Grandes Potências (WALTZ, 1979). A Inglaterra teria sido uma das principais Grandes Potências do século XVIII e XIX; já no século XX, esta posição viria a ser ocupada pelos Estados Unidos da América.
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Britânico e exercendo também forte influência política sobre os demais países
europeus.
A Transição Energética da madeira para o carvão e a ascensão da
Inglaterra como potência mundial ocorreu junto com a passagem para a era
moderna e o início do capitalismo industrial. Isso significa dizer que agora o lucro
não era mais adquirido através do comércio, e sim através da produção de
mercadorias. Com o advento das máquinas a vapor, essas mercadorias passaram
a ser produzidas em menos tempo e com menor custo, resultando em um grande
aumento da produtividade. Paralelo a isso, uma grande massa de camponeses
perdeu suas terras, migrando para as cidades, o que resultou em um grande
aumento da população urbana58. A consequência deste fenômeno é uma leva de
homens desempregados e salários muito baixos: como havia muita gente
precisando de trabalho os donos das indústrias poderiam oferecer salários
baixíssimos e mesmo assim alguém estaria disposto a trabalhar jornadas de mais
de 12 horas!
Uma das principais inovações industriais da Era do Carvão foi a invenção
do motor a vapor, o qual representou uma grande alavanca para o progresso da
humanidade, principalmente na área dos transportes. A invenção das
locomotivas e navios a vapor facilitou o transporte de pessoas e mercadorias,
diminuindo o tempo e o custo de locomoção. Canais e ferrovias foram
construídos para suprir as novas demandas e o comércio expandiu muito devido
58A partir do século XVI, parte dos senhores feudais passaram a cercar suas terras, com a finalidade de arrenda-las como pastagem para a criação de ovelhas, e logo expulsam os camponeses. Este processo ficaria conhecido como "política de cercamentos", uma das principais causas da urbanização e industrialização do século XVIII. Na Inglaterra é conhecido pelo termo enclosures. Para saber mais, ver: http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/cercamentos/index.html (USP, 2006).
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às vantagens que essas novas condições proporcionavam. Em 1825 foi
construída, na Inglaterra, a primeira estrada de ferro, consolidando no país a
infraestrutura da Era do Carvão (BRASIL ESCOLA, 2013b). A partir daí, o carvão e
o ferro59 seriam os materiais mais importantes para as nações que quisessem se
inserir na era industrial.
Apesar do progresso proporcionado pela industrialização, é importante
atentar também para os problemas ambientais e de saúde derivados da
exploração e utilização do carvão. Os trabalhadores das minas corriam sérios
riscos de saúde durante a exploração de jazidas, tendo a expectativa de vida
diminuída. Além disso, os centros urbanos começaram a apresentar problemas
ambientais desconhecidos até então, devido à concentração de indústrias e à
poluição liberada pela queima do carvão. A liberação de gases tóxicos e o
aumento na quantidade descartada de resíduos sólidos são alguns problemas que
devem ser mencionados (FONTOLAN, 2010).
Outra transição energética começou a se moldar por volta de 1850,
quando as primeiras reservas de petróleo foram descobertas nos Estados Unidos
da América. O petróleo é, assim como o carvão, um combustível fóssil. Com o
desenvolvimento do motor a combustão interna e com a utilização do aço na
indústria tem-se a Segunda Revolução Industrial, na segunda metade do século
XIX. O motor a combustão interna diferenciava-se do seu antecessor, o motor a
vapor, por permitir a utilização do petróleo como combustível. Na mesma época,
59 A utilização do ferro nos processos industriais e de construção de infraestrutura só foi possível devido ao desenvolvimento de técnicas para separar o carvão do coque, material carbonífero obtido a partir da queima do carvão. Este processo de separação é chamado de coqueficação e foi sua descoberta que permitiu "a ampliação e o aperfeiçoamento da fabricação de ferro, o que constituiu num avanço enorme para a siderurgia, e em uma instância maior, boa parte da Revolução Industrial" (SANTIAGO, 2012).
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a invenção de um processo de baixo custo para produzir aço60 permitiu que
países como Estados Unidos e Alemanha industrializassem suas sociedades com
mais facilidade.
Essa fase foi marcada por um intenso aumento nos fluxos de comércio,
devido ao desenvolvimento das telecomunicações61. Com base no uso intenso do
petróleo houve também o desenvolvimento das indústrias química, elétrica e
siderúrgica (O’SULLIVAN; SHEFFRIN, 2003). Além disso, houve uma nova
explosão populacional que, juntamente à transformação econômica pelas quais o
mundo passava naquela época, aumentou a demanda pela nova fonte de energia,
o petróleo. Assim, o petróleo era utilizado como combustível para os transportes,
movendo os recém inventados automóveis, e também como matéria prima para
produzir alguns dos mais famosos produtos industrializados do século XX: o
plástico e o asfalto. Iniciava-se a Era do Petróleo (PAREJO, 2006).
A utilização do novo combustível não se limitava aos produtos civis. Na
verdade, ele teve grande impacto na indústria militar, principalmente durante o
conflito da Segunda Guerra Mundial. Devido à invenção dos novos motores à
combustão interna, as nações beligerantes substituíram o uso dos trens por
caminhões, que, além de serem mais fáceis de movimentar, não dependiam de
60O "Processo de Bessemer" recebe este nome devido ao seu criador, Henry Bessemer, que descobriu um método barato e acessível em larga escala para transformar o ferro-gusa em aço (MIT, 2003; WELLECK, 1919). Diversos países, como Estados Unidos e Alemanha, detinham em seu território acesso apenas a esta matéria prima e a possibilidade de utilizá-la na industrialização e construção de infraestruturas permitiu que estas nações desenvolvessem melhor sua economia e estrutura produtiva, inserindo-se nas negociações internacionais econômicas e políticas. Pode-se dizer que houve, à época, uma expansão do sistema e do mercado internacional. 61 As invenções no ramo das telecomunicações, como o telégrafo, o telefone e o rádio, serão as responsáveis pelo aumento no fluxo de informação entre países e empresas. As mensagens agora podiam ser enviadas para diferentes continentes em minutos. Antes dessas invenções a mesma mensagem demoraria semanas ou talvez até meses para chegar ao seu destino. Essa "revolução nas comunicações" significou também que compras e acordos comerciais poderiam ser fechados com muito mais rapidez, iniciando a formação de um mercado mundial.
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ferrovias caras para transportar os suprimentos e os soldados. O resultado disso
é, em primeiro lugar, que a Segunda Guerra Mundial foi um conflito muito mais
veloz que as guerras anteriores. Em segundo lugar, demonstrou-se o quão
importante seria, para qualquer nação que quisesse exercer influência no século
XX, dominar o petróleo e suas tecnologias (YERGIN, 1992).
Nesse sentido, os Estados Unidos mostraram-se pioneiros no uso do
petróleo e suas empresas tornaram-se grandes conglomerados62, passando a
dominar grande parte do mercado mundial de petróleo. Ter petróleo era
importante para os EUA, pois significava segurança energética, e era importante
para as empresas, pois significa lucro. Desse modo, o interesse estatal e o
interesse privado nos Estados Unidos iriam, por muitas vezes, andar lado a lado,
com o governo dos EUA defendendo as grandes multinacionais do petróleo em
disputas internacionais.
Nesse novo modelo energético centrado no petróleo, outros atores
internacionais tornavam-se importantes. Além das multinacionais e grandes
corporações petrolíferas de capital norte-americano, havia também aquelas com
origem em outros países, como a holandesa Shell e a britânica BP, ou, British
Petroleum. Entretanto, novos Estados também ganhavam importância, como os
países do Oriente Médio. Irã e Arábia Saudita,por exemplo, tornaram-se do dia
para a noite centros de grande atração e interesse das potências mundiais,
principalmente Inglaterra e Estados Unidos. Isso aconteceu porque seus
territórios eram extremamente ricos em reservas de petróleo e, durante todo o
62O conglomerado é uma forma de organização empresarial em que diversas empresas organizam-se em grandes corporações, dominando as variadas etapas produtivas de um setor ou, até mesmo, de múltiplos setores. A StandardOil, de Rockefeller, foi a primeira delas e daria origem a diversas outras ao longo do século XX, tais como a ExxonMobil, uma das maiores multinacionais do ramo petrolífero (GERBASE & BRANDÃO, 2012; YERGIN, 1992).
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século XX, o controle sobre estas reservas era sinônimo de poder (YERGIN,
1992). Assim, a questão da distribuição geográfica desigual das reservas
petrolíferas, ou seja, sua escassez em certos países e abundância em outros,
torna-se um ponto de debate e disputa internacional.
Gráfico 1: Produção e consumo de petróleo por região do globo, de 1986
a 2011 - em milhões de barris por dia.
Fonte: BP Statistical Review of World Energy, 2012
Em alguns casos, essa discrepância entre quem produzia e consumia
petróleo e quem detinha as reservas levou a conflitos armados. Ao longo do
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século XX, diversas guerras63 foram travadas tendo a ganância pelo petróleo
como um dos motivos, especialmente na região do Oriente Médio (KANASHIRO,
2002). Já em outros casos, a divergência de interesses foi resolvida através de
embates econômicos. Um dos mais relevantes ocorreu com a organização dos
maiores exportadores de petróleo na chamada Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP). Estes puderam utilizar a grande influência que
tinham sobre as reservas do combustível para controlar sua produção e,
consequentemente, os preços do petróleo no mundo todo. As implicações desse
padrão foram as diversas Crises do Petróleo, que começaram em 1956 (SARKIS,
2006) e atingiram o auge em 1973.
Uma alternativa ao modelo dos combustíveis fósseis surgiu na segunda
metade do século XX, com a energia nuclear. Esta era considerada por alguns
como uma potente fonte de energia que não emitia gases poluentes à atmosfera.
Assim, diversos países desenvolveram as tecnologias necessárias e começaram a
utilizar esse tipo de energia64. O seu problema é que, apesar de gerar grande
quantidade de energia, as usinas eram caras e deixavam resíduos altamente
tóxicos, além da possibilidade de causar grandes acidentes (como o de Chernobyl,
na Ucrânia, em 1986, e o de Fukushima, no Japão, em 2011).
No final do século XX os movimentos contrários à utilização do petróleo e
do carvão surgiam em maior quantidade e também se fortaleciam no cenário
internacional como atores de peso. Centrados na ideia de proteção ao meio
ambiente, iam contra o uso de combustíveis fósseis e não-renováveis. Alguns iam
também contra o uso de energia nuclear, enquanto outros viam neste recurso
63 Alguns exemplos que valem ser citados são a Guerra do YomKippur (1973), a Guerra Irã-Iraque (1980-1988) e a Guerra do Golfo (1991). 64 Para regularizar o uso da energia nuclear foi fundada em 1957 a Agência Internacional de Energia Atômica. Para saber mais: <http://www.iaea.org/About/about-iaea.html> (AIEA, 2013).
UFRGSMUNDI
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uma solução de curto prazo (LOVELOCK, 2006; ORSI, 2007). O Clube de Roma65,
por exemplo, focou sua pesquisa em temas ambientais e alertou para o
esgotamento dos recursos ambientais, como o petróleo, devido ao uso
desenfreado destes (MEADOWS et al, 1972). A comunidade internacional
também passou a prestar mais atenção ao assunto, criando várias conferências
para tratar do tema, como a Conferência de Estocolmo (1972) e a Rio-92 (ou
ECO-92, em 1992). Além disso, várias Organizações Não-Governamentais (ONGs)
surgiram para promover a proteção e respeito ao meio ambiente e aos animais,
como o Greenpeace e a Earth Watch.
O alerta para o esgotamento do modelo energético baseado no petróleo
estava dado. Além das preocupações ambientais, que temiam o esgotamento da
natureza devido às consequências do uso de combustíveis fósseis, havia também
o temor de uma crise econômica generalizada, caso o petróleo viesse a esgotar-se
em quantidade, como alguns cientistas previam. A partir do final do século XX,
então, começava-se a pensar em alternativas para o modelo energético atual,
baseado no petróleo, e a possibilidade de uma nova Transição Energética, para
um modelo que não fosse mais dependente de combustíveis fósseis, antes sim,
sustentável.
2. Desenvolvimento da questão
2.1. O Esgotamento do atual modelo energético
Nossa sociedade, nos dias atuais, funciona a partir de um modelo
energético baseado nos combustíveis fósseis. Isso significa que o petróleo, o
65 O Clube de Roma é um grupo de cientistas fundado em 1968 provenientes, em sua maioria, de países desenvolvidos. Eles publicaram um relatório chamado “Os Limites do Crescimento” alertando que o crescimento econômico não poderia seguir indefinidamente, já que um dia os recursos naturaischegariam ao fim por terem sido explorados além dos limites.
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
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carvão mineral e o gás natural são materiais que fazem parte da vida da maioria
dos indivíduos ao redor do planeta. Quando se fala em combustíveis, estamos
falando do material utilizado para mover automóveis, aviões, navios, etc. Mas
estamos falando principalmente da matriz energética de um país.
A matriz energética é o conjunto de fontes e matérias-primas que são
utilizadas para gerar a energia utilizada pelas pessoas no seu dia-a-dia. Além dos
meios de transporte, a energia está presente em praticamente todas as ações que
desempenhamos. Durante o último século e ainda hoje, vivemos baseados em um
modelo energético de combustíveis fósseis, centralizado no petróleo. Ou seja: ao
analisarmos a matriz energética mundial veremos que a maior parte da energia
consumida pelos seres humanos - 83% - é gerada a partir de combustíveis de
origem fóssil, como petróleo, gás natural e carvão (REPSOL, apud IEA 2011).
Gráfico 2: A demanda mundial de energia primária em 2009 e
perspectivas para 2035
Fonte: REPSOL (http://www.repsol.com)
UFRGSMUNDI
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No Brasil, grande parte das residências tem sua energia elétrica
abastecida por usinas hidrelétricas (BRASIL, 2010a). No entanto, a realidade
brasileira é uma exceção. Nos outros países, a energia que chega aos lares é
muitas vezes provenientede usinas termoelétricas (EIA, 2011, p.12), nas quais a
matéria-prima utilizada é, principalmente, o carvão: um combustível fóssil, não-
renovável e extremamente poluente.
Gráfico 3: Geração de energia elétrica por tipo de combustível ao redor
do mundo, de 2008 até perspectivas para 2035
Fonte: EIA, 2011
Além disso, os combustíveis fósseis são muito utilizados nas indústrias,
tornando-se elemento essencial do processo de produção dos bens que
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
106 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
consumimos66. Quando compramos, por exemplo, um sapato novo, estamos na
verdade pagando não só pelo tecido e pelo salário das pessoas que trabalharam
naquele produto, mas estamos pagando também pela energia utilizada para
produzi-lo, para ligar as máquinas envolvidas na fabricação do calçado – e isso
acontece com todos os produtos ao nosso redor.
Um terceiro aspecto do modelo energético atual é que além de
combustível e fonte de energia o petróleo também é uma matéria-prima utilizada
diretamente na fabricação de muitos produtos (NOGUEIRA, 1985). O mais
conhecido deles é o plástico, utilizado na fabricação de garrafas PET, móveis,
equipamentos, carros, etc. Torna-se, assim, muito difícil encontrar algum objeto
ou praticar alguma ação durante o dia em que o petróleo não esteja envolvido
direta ou indiretamente. Essa presença constante do material em todos os
aspectos da vida humana é o que torna o modelo energético atual tão especial – e
o seu esgotamento, tão preocupante.
Vários cientistas questionam a sustentabilidade do modelo energético
atual, baseado nos combustíveis fósseis. Se o petróleo é utilizado em todas as
atividades da nossa vida e não é um bem renovável, a possibilidade de
esgotamento do recurso deve ser considerada como possível horizonte: até
quando poderemos contar com ele? Até quando as reservas de petróleo
existentes fornecerão a quantidade necessária do combustível? E quando elas
começarem a se esgotar, ele vai ficar muito caro? Se o petróleo ficar mais caro,
todas as outras coisas que dependem dele também vão custar mais. Serão os
cientistas e as empresas capazes de desenvolver novas tecnologias para explorar
66 De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia (2011) os combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás natural respondem por quase 78% da energia utilizada nas indústrias ao redor do mundo. Nos países em desenvolvimento, a porcentagem de carvão – o mais poluente dos três materiais – é ainda maior, ultrapassando 30%.
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novas áreas de petróleo ainda não alcançadas pelo homem? Por quanto tempo
esse tipo de investimento será economicamente viável, ou seja, trará lucros para
aqueles que extraem e produzem petróleo?
Nesse caso, a Segurança Energética de praticamente todos os Estados
ficaria em risco (MACHADO et al, 2011). Para Buzan e Waever, todo conceito de
segurança está inevitavelmente ligado à percepção de uma ameaça a algum
objetivo (DHENIN, 2009). No caso da segurança energética, a principal ameaça
seria não se ter os suprimentos energéticos necessários para o funcionamento do
país (em especial o petróleo e o gás natural) garantidos, ou mesmo a
possibilidade de ter eles interrompidos abruptamente. Essa interrupção pode se
dar tanto por fatores econômicos quanto políticos. A questão aqui é que se um
país depende inteiramente de petróleo para manter as atividades da sua
economia e da sua sociedade funcionando, se acontecer qualquer problema
envolvendo este combustível – se ele ficar muito caro ou se esgotar – então toda a
organização deste país estará em perigo. Do mesmo modo, se um país importa
sua energia de regiões instáveis, por conflitos políticos ou militares, ele também
tem sua segurança energética ameaçada. Se algo acontecer no país fornecedor e
este país cortar a exportação de petróleo, o país que importa e depende do
combustível terá problemas para suprir suas demandas nacionais, sejam elas
industriais ou energéticas. Ainda, devemos considerar que os países
fornecedores de combustíveis podem interromper suas exportações, criando
instabilidades nos países importadores, para pressionar esses países a fazer algo
que eles queiram67.
67 A segurança energética de um país vai estar ligada a dois fatores: o primeiro está ligado a quanto o país importa de energia e de quantos países depende para importar, e o segundo diz respeito à quantidade de fontes internas de suprimento energético. Para aumentar sua segurança
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
108 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
Uma das teorias mais divulgadas a respeito de uma possível crise de
escassez permanente de petróleo é o modelo do Pico de Hubbert. Segundo a
fórmula deste modelo, conhecendo o número de reservas e a velocidade da
extração, é possível prever uma data para o esgotamento do petróleo (ROSA;
GOMES, 2004). Hubbert realizou o cálculo para as reservas dos Estados Unidos,
prevendo que a produção de petróleo neste país chegaria ao seu pico máximo por
volta de 1970 e, a partir daí, entraria em longo e desacelerado declínio
(OLIVEIRA, 2005). As previsões mostraram-se corretas. Tal teoria, no entanto,
não é aceita por todos. Os órgãos associados ao governo norte-americano, por
exemplo, questionam sua validade. Aqueles que argumentam a favor da teoria,
por outro lado, alegam que o pico máximo da produção mundial de petróleo já
teria ocorrido por volta de 2005 e, portanto, o atual modelo energético já estaria
em sua fase de declínio (ROSA; GOMES, 2004).
Estimativas indicam, por exemplo, que nas taxas atuais de exploração
dos combustíveis fósseis, em menos de 50 anos as reservas de petróleo serão
completamente consumidas, as de gás natural em cerca de 60 anos, e as de
carvão mineral em até 120 anos (EREC, 2007). Obviamente é difícil de ter certeza
a respeito dessas previsões, principalmente quando se leva em conta que novas
tecnologias podem ser inventadas para facilitar o acesso a novos tipos de
reservas ou que podem ocorrer mudanças nos padrões de consumo e no nível de
preços do combustível (OLIVEIRA, 2011).
internacionalmente, os países podem buscar um número maior de países fornecedores, dependendo menos de cada fornecedor em particular. Já para diminuir sua dependência de importações de combustíveis, os países podem criar políticas internas de diminuição do consumo de energia e de aumento da produção interna de energia, bem como a diversificação dessa produção (WINZER, 2011).
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Outra preocupação em relação ao atual modelo energético – e esta é de
especial importância para este comitê – é o questionamento a respeito da
sustentabilidade ambiental dos combustíveis fósseis. Grande parte da
comunidade científica alega que a utilização exacerbada dos combustíveis fósseis
é uma das principais causas do aquecimento global68 (IPCC, 2007). “A maior
parte do aumento observado na média da temperatura global desde metade do
século XX se deve, muito provavelmente, ao aumento observado das
concentrações de Gases do Efeito Estufa antropogênicos” (IPCC, 2007, p.5-6). O
dióxido de carbono (CO2) é um destes gases e a sua emissão, principalmente
proveniente da queima dos combustíveis fósseis, aumentou rapidamente nos
últimos anos (UNEP, 2009, p. 8).
68 O aquecimento global é a intensificação de um fenômeno natural desempenhado pelo planeta Terra chamado de “Efeito Estufa”. O efeito estufa é respons|vel pela manutenç~o da temperatura propícia à existência de vida na Terra. Gases como o CO2 (dióxido de carbono) estão relacionados a este efeito. No entanto, a emissão desenfreada destes gases provocada pelos seres humanos, muito além dos níveis naturais, tende a superaquecer o planeta, causando o aquecimento global. Combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo, quando queimados para gerar energia liberam enormes quantidades destes gases na atmosfera, intensificando o problema do aquecimento global.
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Figura 4: Tendências na variação das temperaturas e na concentração
atmosférica de CO2, 1850 – 2010.
Fonte: PNUMA, 2012.
O aquecimento global é um problema de ordem ambiental com
consequências severas para a vida na Terra. Entre alguns de seus principais
resultados está a mudança dos ciclos das marés e dos ventos. As estações de
chuva e de seca tornam-se mais instáveis e a temperatura média do planeta tende
a aumentar, causando o derretimento de geleiras, o desaparecimento do Ártico e
o aumento das áreas cobertas por desertos. Ameaça-se, também, o aumento do
nível dos mares, podendo causar destruição em diversas cidades costeiras, como
o Rio de Janeiro. A maior incidência de desastres ambientais, como ciclones
tropicais, tempestades e tornados, também é associada ao aquecimento global
(PNUMA, 2012; UNEP, 2009).
Os combustíveis fósseis para gerarem energia (seja em uma usina que
gera energia elétrica ou no motor dos carros) precisam passar por um processo
de combustão: ou seja, eles são queimados. Este processo químico libera energia,
utilizada por nós, mas também libera na atmosfera diversos gases poluentes,
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como o CO e o CO2 (monóxido e dióxido de carbono). Estes e outros gases são
responsáveis pelo aumento do aquecimento global (RADOVIC, 2006).69 Para se
ter uma noção da gravidade e extensão do problema do aquecimento global,
estima-se que os impactos ambientais e mudanças de ecossistemas advindos com
as mudanças climáticas já causem cerca de 150 mil mortes por ano (EREC, 2007).
Além disso, a queima dos combustíveis fósseis também gera desgaste
ambiental na esfera local. Em cidades grandes, como São Paulo, a grande
concentração de indústrias e o congestionamento de carros e motos tende a
prejudicar a qualidade do ar. Esta organização da sociedade e da economia
centrada na utilização do petróleo e do carvão tende a gerar poluição local
(UNION OF CONCERNED SCIENTISTS, 2002). Os moradores, não raro,
apresentam problemas respiratórios graves advindos da má qualidade do ar
respirado (MMA, 2013) e fenômenos como inversão térmica ou chuva ácida
podem ocorrer com mais frequência (NERY, 2013; BRASIL ESCOLA, 2013;
NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY, 2013).
Ademais, acidentes envolvendo navios petroleiros e o despejo de águas
utilizadas no resfriamento das termoelétricas acabam tendo enormes impactos
sobre os ecossistemas aquáticos. O derramamento de óleo nos mares e oceanos é
um acontecimento extremamente nocivo para os animais e demais seres que ali
vivem, e que tem ocorrido cada vez com mais frequência, ainda que possam ser
prevenidos com a utilização de melhores práticas (COHEN, 1990; GREENPEACE,
2011; GLOBO, 2011). No caso das termoelétricas, a água utilizada nestas
69 O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) reúne milhares de cientistas do mundo todo e é especialista em pesquisas relacionadas ao aquecimento global. Em seus relatórios consta que a Terra passa por um aumento da temperatura que foge dos padrões históricos e naturais, tendo-se 95% de certeza que estas alterações climáticas são causadas pela atividade humana (BRASIL, 2010b).
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112 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
indústrias é superaquecida (pois o processo não é completamente eficiente) e, ao
ser despejada de volta nos rios, lagos ou mares com uma temperatura acima do
normal, acaba prejudicando a vida nestas localidade, modificando as correntes e
atrapalhando o ciclo de migração e reprodução de diversas espécies. Na maioria
das vezes as companhias e usinas acabam não arcando com os custos para
recuperação do ecossistema marinho e estes podem levar décadas para se
recuperar ou até mesmo ficarem danificados para sempre (UNION OF
CONCERNED SCIENTISTS, 2002; INATOMI; UDAETA, 2005).
Todos estes problemas levam os atuais líderes políticos, cientistas e
muitos empres|rios a buscarem soluções “sustent|veis” para seus países e
indústrias. O grande passo nesta direção seria uma transição energética para
uma matriz sustentável. Ou seja, os combustíveis fósseis e principalmente o
petróleo deixariam de ser os principais combustíveis utilizados no mundo,
passando a ocupar uma pequena parcela do consumo de energia ou até mesmo
extinguindo-se o uso dos mesmos. No seu lugar, fontes de energia alternativa
seriam utilizadas, energias que não se esgotassem no longo prazo – renováveis –
ou que não poluíssem a atmosfera. No entanto, este processo desagrada a muitos.
Países que têm sua matriz energética baseada nos combustíveis fósseis e que
necessitam do acesso mais barato a estes materiais para promover o
desenvolvimento de sua nação demonstram grande resistência em abandonar o
atual modelo. Além disso, as companhias multinacionais do ramo petrolífero
teriam seus interesses econômicos afetados perante a possibilidade de abandono
da utilização dos combustíveis fósseis.
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2.2. Alternativas para a transição energética
Os pesquisadores e cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas)70 apontam para os perigos da Mudança Climática e
concordam que a transição para fontes alternativas de energia, com impactos
ambientais menores, se faz fundamental (IPCC, 2007). Fontes alternativas de
energia são aquelas que ainda representam pequeno percentual na matriz
energética mundial, em contraste com as fontes tradicionais - no caso, os
combustíveis fósseis. Entre as mais conhecidas temos a energia nuclear, a energia
hidrelétrica, a solar, a eólica, a geotérmica, a maremotriz, os biocombustíveis e a
biomassa. Ao se pensar nessas fontes de energia alternativas, é preciso atentar
para dois fatores (CYWINSKI, 2010):
· se a fonte é renovável ou não-renovável - ou seja, se é possível se utilizar
dela indefinidamente, ou se seu uso se limita apenas à quantidade disponível de
matéria-prima no ambiente;
· e se é sustentável ou não - aqui devemos levar em conta se os impactos
causados pela utilização da fonte de energia compromete ou ameaça
significativamente o meio ambiente e a vida humana, bem como o
desenvolvimento futuro, e se seu uso é economicamente viável.
Quando se pensa em transição energética, é preciso que se tenha em
mente que existem grandes diferenças entre as necessidades dos países
70 O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é um organismo científico estabelecido em 1988 para prover o PNUMA e outras agências da ONU com informações técnicas e confiáveis a respeito do fenômeno das Mudanças Climáticas, suas causas e consequências, bem como possibilidades de mitigação. Fazem parte do IPCC diversos cientistas do mundo inteiro, que contribuem voluntariamente desenvolvendo relatórios técnico-científicos, com a intenção de montar uma base de informações sem posicionamento político, ainda que politicamente relevante (IPCC, 2013; THE ROYAL SOCIETY, 2005). O mais recente relatório de avaliação do IPCC foi lançado em 2007 (IPCC, 2007).
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desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Os países desenvolvidos são os
maiores consumidores de energia, utilizando-a para garantir um nível de bem-
estar alto para seus cidadãos. Já os países em desenvolvimento possuem uma
demanda crescente por energia, já que eles almejam melhorar significativamente
a qualidade de vida de seus habitantes. No mundo em desenvolvimento, existem
diversas regiões que nem mesmo recebem energia elétrica, e a extensão de
serviços básicos como esse, bem como o aumento da produção nesses países faz
com que necessariamente seu consumo de energia cresça. É importante lembrar
que no ano de 2000 a ONU estabeleceu oito objetivos para o milênio71, e para a
sua consecução, é fundamental que diversos países possam consumir mais
energia.
Assim, a discussão sobre a transição da matriz energética de
combustíveis fósseis para fontes sustentáveis de energia deve levar em conta
essa necessidade dos países em desenvolvimento de aumentar a produção de
energia. Como as tecnologias para produção de energias alternativas são
dominadas pelos países desenvolvidos, e em geral são muito caras, a não ser que
sejam criadas parcerias entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento,
é muito provável que estes se utilizem das tecnologias mais baratas, atualmente
as de combustíveis fósseis, para suprir suas necessidades energéticas. As leis de
propriedade intelectual, que atrapalham e aumentam os custos da difusão de
tecnologias dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento
também contribuem para uma maior dificuldade de transição energética por
esses países. Assim, uma cooperação maior entre países desenvolvidos e em
71 Os oito objetivos são: erradicar a pobreza extrema e a fome, atingir o ensino básico universal, promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o HIV/AIDS, malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental, e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.
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desenvolvimento é necessária para que se consiga fazer uma transição para
fontes alternativas de energia, permitindo o desenvolvimento sustentável dos
países mais pobres.
As energias renováveis em geral apresentam impactos ambientais muito
menores que as produzidas com combustíveis fósseis. Geralmente as tecnologias
para sua produção são muito caras, o que implica em altos custos iniciais, os
quais impossibilitam muitos países de fazerem investimentos nessas áreas. Após
esses custos iniciais, entretanto, em geral é muito barato para se produzir
energia. A seguir, segue uma lista com os principais tipos de energia alternativa e
seus impactos ambientais, bem como seus custos e principais características.
A energia nuclear é obtida através da fissão de átomos de urânio, reação
que libera muita energia, mas também produz lixo radioativo, que oferece muitos
riscos de contaminação. Por se utilizar do urânio, que é um recurso finito, não
pode ser considerado como fonte de energia renovável. Utilizada desde a
segunda metade do século XX, é considerada por muitos países como uma
alternativa viável para substituir os combustíveis fósseis. De fato, a energia
nuclear libera muito poucos gases do efeito estufa e produz uma grande
quantidade de energia, e diversos países, como a França, obtém grande parte de
sua energia elétrica através da energia nuclear.
Muitos países, como a Alemanha e o Japão, decidiram desativar gradual e
completamente suas usinas de energia nuclear. Ainda, poucos países dominam as
tecnologias de produção de energia nuclear, e o desenvolvimento autônomo de
tecnologias por parte de países que não as possuem é visto com suspeita, como
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116 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
no atual caso do Irã72, que poderia estar desenvolvendo tais tecnologias com fins
militares73, assim ameaçando a segurança regional e global.
A energia hidrelétrica é uma fonte renovável de energia que oferece
grandes oportunidades de expansão pelo mundo. Estima-se que menos de um
terço do potencial hídrico mundial seja explorado. Embora não tenha grandes
impactos sobre o efeito estufa, os impactos ambientais de usinas hidrelétricas
também são altos, uma vez que elas desviam para sempre o curso dos rios e
alteram o seu fluxo, alagam grandes áreas, e alguns estudos apontam que sob a
água de vales alagados são produzidas grandes quantidades de gás metano, que
afeta a camada de ozônio. Ainda, deve-se considerar a difícil tarefa de realocar as
comunidades das áreas que serão alagadas. Uma alternativa de menor impacto
são usinas de menor porte.
A captação da luz do sol através de células fotovoltaicas e sua utilização
para geração de energia elétrica ou para aquecimento oferece um potencial
gigantesco para substituir parte da matriz energética atual. A energia solar é uma
energia renovável, sustentável e que, apesar de ter um custo inicial alto, tem um
custo de captação muito baixo. Seus principais custos são os de produção das
tecnologias de captação de energia solar, que utilizam metais raros. Uma vez
instalada a tecnologia, os custos de manutenção são mínimos. Embora
72 O Irã vem desenvolvendo um programa de energia nuclear desde 1995. Porém, desde 2005, os Estados Unidos e Israel afirmam que o programa nuclear iraniano não é destinado apenas para fins pacíficos, tentando colocar sanções contra o país através do Conselho de Segurança da ONU. 73Para evitar que a energia atômica fosse utilizada para fins militares, foi criada a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que fiscaliza a utilização de materiais radioativos na produção de energia. O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (ou Tratado de Não Proliferação, como é chamado) também tem o mesmo intuito, assegurando que armas nucleares (como as usadas em Hiroshima e Nagasaki, na Segunda Guerra) não serão mais produzidas pelos países que o assinaram e, ainda, busca promover o desarmamento, ou seja, a destruição das armas ainda existentes.
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atualmente os custos das tecnologias de captação de energia solar sejam muito
altos, diversos países desenvolvidos, como o Japão e a Alemanha, dão grandes
subsídios para as pesquisas relacionadas à energia solar. Estima-se que em 2015
a energia elétrica solar já possa ser produzida com menos custos que a energia
produzida com combustíveis fósseis, especialmente devido ao aumento constante
nos preços do petróleo (UNCTAD, 2010). Os problemas mais comuns associados
à energia solar são a inconstância da incidência de sol durante o dia e a
ocorrência de fenômenos climáticos como chuvas e nuvens que podem
atrapalhar a sua captação. A energia solar pode ter um grande impacto positivo
nas áreas rurais e regiões periféricas aonde as redes convencionais de energia
elétrica não chegam.
Estima-se que em 2008 a energia dos ventos já gerava mais de 1,5% da
energia elétrica global, e o seu potencial de expansão é muito grande (UNCTAD,
2010). A energia eólica é uma fonte de energia renovável que não produz gases
do efeito estufa e com impactos ambientais mínimos Os rápidos avanços na
produção de aerogeradores (nome dos geradores de energia eólica) têm feito seu
custo cair rapidamente desde o começo do século XXI. Os principais custos são os
de instalação dos aerogeradores, custo que pode alcançar cifras gigantescas,
enquanto os custos de manutenção são muito baixos. A captação de energia
eólica não gera nenhum tipo de resíduo e as terras que ela ocupa podem ser
utilizadas para outros fins, como a agricultura. A instalação de parques eólicos
deve levar em conta a incidência dos ventos sobre a região. China, Estados Unidos
e Alemanha lideram a produção de energia eólica no mundo.
Biocombustíveis são combustíveis fabricados a partir de plantas, em
geral milho, cana-de-açúcar, sorgo, mamona, soja, beterraba, dentre outras, que
podem substituir os combustíveis fósseis. A produção de biocombustíveis pode
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
118 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
garantir uma maior segurança energética por parte dos países, que assim não
dependeriam tanto da importação de combustíveis fósseis. Entretanto, existem
diversos efeitos negativos que derivam da produção de biocombustíveis. A sua
produção exige que diversas plantações e diversos produtos que antes eram
direcionados para a alimentação de parte da população vá para a produção de
biocombustíveis. Tal medida faz com que os preços dos alimentos aumentem, o
que tem efeitos principalmente sobre a segurança alimentar da população mais
pobre 74. Além disso, a produção de biocombustíveis faz pressão sobre o uso da
água e da terra, e ela pode contribuir para a expansão das áreas de agricultura,
contribuindo para o aumento do desmatamento. A produção dos
biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, é altamente concentrada em poucos
países, como o Brasil e os Estados Unidos. Os biocombustíveis ainda são
produzidos em pequena quantidade, não tendo um impacto significativo na
matriz energética mundial.
Já a biomassa é um recurso natural renovável que consiste na matéria
orgânica de plantas, cuja queima produz energia. A produção de biomassa pode
ser feita através de lixo orgânico residencial ou industrial, como restos de
alimentos, serragem, bagaço de cana, ou mesmo de restos não aproveitados de
colheitas (casca de arroz, por exemplo). A biomassa também tem uma liberação
de gás carbônico nula, pois tem um ciclo parecido com o dos biocombustíveis – o
gás carbônico liberado na queima é reabsorvido pelas plantas que depois
fornecerão a matéria-prima para a biomassa. Ela é utilizada em larga escala nos
74 Em 2007, o aumento nos preços do petróleo proporcionou uma expansão na produção de biocombustíveis. Assim, parte da safra de alguns alimentos foi utilizada para produzir biocombustíveis, causando uma diminuição na quantidade de alimentos disponível, aumentando seus preços, e colocando mais de 100 milhões de pessoas pobres em situação de insegurança alimentar, uma vez que, com os preços mais altos, poderia comprar menos alimentos.
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países em desenvolvimento (na África subsaariana, por exemplo, corresponde a
aproximadamente 90% do consumo de energia primária), porém de maneira
ineficiente. Por exemplo, os países em desenvolvimento utilizam muita madeira,
que é um tipo de biomassa, o que causa uma devastação das florestas. Entretanto,
outros tipos de biomassa, como os restos de alimentos, podem ser muito
eficientes para a produção de energia, sem causar grandes impactos ambientais.
A energia maremotriz é gerada através da correnteza do mar. Os estudos
relacionados a tal tipo de energia ainda estão em um estágio inicial, o que
impossibilita sua utilização em larga escala. Já a energia geotérmica é gerada
através do calor do interior da Terra. Em algumas partes do planeta, a crosta
terrestre possui uma espessura fina, fazendo com que ao se perfurar a terra
apenas algumas centenas de metros seja possível aproveitar o calor do magma
terrestre para diversos fins, dentre eles gerar energia elétrica. Essa é uma fonte
de energia renovável com poucos impactos ambientais. Entretanto, seu uso se
limita apenas a algumas regiões, em especial àquelas com atividade vulcânica
forte.
3. Ações Internacionais Prévias
Tendo percebido os efeitos nocivos de um modelo energético baseado no
uso do petróleo e seus derivados, os países nas últimas décadas têm tentado
cooperar, a fim de encontrar novas fontes de energia. Por meio de tratados
internacionais, tentam-se abandonar práticas degradantes e encontrar outras
que proporcionem um desenvolvimento sustentável. A seguir, encontram-se
algumas das conferências e convenções mais significativas para a preservação do
meio ambiente.
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
120 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
3.1. Conferência de Estocolmo (1972)
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano
(conhecida como Conferência de Estocolmo) ocorreu no ano de 1972, em
Estocolmo, capital da Suécia. Dela participaram 113 países, além de instituições
governamentais e não governamentais. Pela primeira vez na história o meio
ambiente foi inserido na agenda internacional como um tópico de relevância,
necessário de ser debatido (SOHR, 2010).
Entre as décadas de 60 e 70, a humanidade passou a perceber os limites
do planeta, a finitude dos recursos naturais. Os países passaram a incentivar
políticas de desenvolvimento menos degradantes – buscava-se o crescimento
sem a exploração inconsciente e insustentável. Assim, na Conferência de
Estocolmo, produziu-se a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, cujos
princípios de responsabilidade deveriam nortear as políticas ambientalistas dos
governos que a assinassem. Além disso, dessa conferência também resultou um
Plano de Ação que convocava os países, a ONU e outras organizações
internacionais a cooperarem a fim de solucionarem problemas ambientais (SÃO
PAULO, 1997).
Durante os dias de discussão, pôde-se perceber um conflito de
perspectivas entre países em situações socioeconômicas distintas. Se, por um
lado, os países desenvolvidos pregavam medidas preventivas imediatas a fim de
evitarem-se desastres naturais, por outro, os países em desenvolvimento
alegavam que certas medidas poderiam encarecer, e até mesmo retardar, seu
desenvolvimento (SÃO PAULO, 1997). A verdade é que o cumprimento das
propostas de proteção e cooperação internacional foi bem mais difícil do que se
supunha. A incerteza quanto à real gravidade dos problemas ambientais, o
desnível de desenvolvimento entre os países e os objetivos traçados – muitas
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vezes inatingíveis – podem ser considerados como elementos que levaram a isso
(PASSOS, 2009).
Ainda assim, a Conferência de Estocolmo foi de grande importância, na
medida em que direcionou, pela primeira vez, a atenção das nações aos
problemas ecológicos. Foi em 1972, por exemplo, que surgiu um organismo
institucional da ONU dedicado ao meio ambiente: o PNUMA. Desde então, o
número de tratados, acordos e convenções referentes a esse assunto têm sido
cada vez maiores – reflexo da sensibilização das sociedades (PASSOS, 2009).
3.2. Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985)
Ocorrida em Viena, capital da Áustria, a Convenção para a Proteção da
Camada de Ozônio contou com a presença de dezenas de países. Tinha como
objetivo proteger o meio ambiente – assim como a própria saúde humana – dos
efeitos maléficos provenientes de modificações na camada de ozônio (DUNOFF ;
RATNER; WIPPMAN, 2006).
Sabendo-se que tais modificações eram causadas por atividade do ser
humano, essa convenção propunha uma redução, ou até mesmo efetiva
eliminação, das emissões de substâncias danosas à atmosfera.
3.3. Protocolo de Montreal (1987)
Como desfecho da Convenção de Viena, foi criado no ano de 1987 em
Montreal, no Canadá, o Protocolo sobre Substâncias que destroem a Camada de
Ozônio. Esse protocolo tinha como meta substituir as substâncias que haviam
sido constatadas como reagentes do ozônio (O3): os clorofluorcarbonetos (CFC).
Os CFCs foram amplamente utilizados na indústria entre as décadas de 70 e 80 –
principalmente em manufaturas de espuma, aerossóis, bombinhas para asma,
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
122 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
esterilizantes e fluidos refrigerantes para geladeiras e ar condicionado
(PROTOCOLO DE MONTREAL, 2011). O consumo desses gases se dava
principalmente nos países desenvolvidos (onde se encontrava 88% do consumo
global), havendo um rápido crescimento nos países em desenvolvimento - a
China, por exemplo, usava 20% mais CFC a cada ano (DUNOFF & RATNER &
WIPPMAN, 2006). Entre os efeitos da destruição da camada de ozônio – e a
consequente maior exposição dos indivíduos aos raios ultra-violata (UV) – estão
o melanoma maligno (câncer de pele), catarata, enfraquecimento do sistema
imunológico e o envelhecimento precoce.
Tendo em vista tais efeitos nocivos, o Protocolo de Montreal propunha,
portanto, uma diminuição gradativa do consumo dos gases CFC em todo o
planeta ao longo da década de 90, além da cooperação entre os países para
atingir esse objetivo. O receio dos países em desenvolvimento que se pôde
observar na Conferência de Estocolmo de que aquele tratado atrasasse seu
desenvolvimento foi amenizado pelo Art. 5º do protocolo: esse artigo concedia
uma extensão de dez anos no prazo de cumprimento das cláusulas do protocolo
para países em desenvolvimento e incentivava a cooperação entre estes e os
países desenvolvidos (UNEP, 1987).
Entretanto, devido às características químicas dos CFCs, estudos feitos
seis meses após o tratado demonstraram que o buraco na camada de ozônio
continuava crescendo em ritmo acelerado. Com isso, em 1990, adicionou-se uma
importante emenda ao protocolo adiantando o prazo de eliminação do uso de
gases CFC para 2001. Também foi criado o Fundo Multilateral para a
Implementação do Protocolo de Montreal (FML), que tinha como princípio
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prestar auxílio aos países em desenvolvimento a fim de que atingissem suas
metas75 (DUNOFF; RATNER; WIPPMAN, 2006).
Os objetivos do Protocolo foram cumpridos e a manutenção das
negociações internacionais têm sido exitosas. Para muitos autores, o Protocolo de
Montreal é tido como o mais bem sucedido tratado internacional de todos os
tempos.
3.4. Cúpula da Terra (1992) e as Conferências das Partes (COP)
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento – conhecida como Cúpula da Terra, ECO-92 ou Rio-92 – se deu
em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Reafirmando os princípios da
Conferência de Estocolmo, tinha como objetivos: a avaliação da gestão ambiental
dos signatários daquele tratado; a transferência de tecnologias não-poluentes a
países subdesenvolvidos; e o estabelecimento de novos níveis de cooperação
entre os países, os setores-chaves da sociedade e os indivíduos – até mesmo para
prever ameaças ambientais e prestar socorro em casos de emergência (SÃO
PAULO, 1997; ONU, 1992).
Foi na Cúpula da Terra que se consagrou o conceito de ‘desenvolvimento
sustent|vel’ – segundo o Princípio 4 da Declaraç~o do Rio, “para alcançar o
desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte importante
do processo de desenvolvimento e n~o pode ser considerado isoladamente deste”
(ONU, 1992). Além disso, na conferência foram assinados cinco documentos: a
Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Agenda 21, os
75 Administrado por um Comitê Executivo e abastecido pelos países desenvolvidos, o Fundo contava ainda com a colaboração de agências internacionais como o PNUMA, PNUD, Banco Mundial, entre outros.
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Princípios para a Administração Sustentável das Florestas, a Convenção da
Biodiversidade e a Convenção sobre Mudanças no Clima.
A Convenção sobre Mudanças no Clima – também conhecida como
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima – buscava
estabilizar a concentração dos gases agravantes do efeito estufa na atmosfera.
Pela cooperação por meio de pesquisas científicas, difusão de tecnologias, etc., os
países desenvolvidos deveriam prestar auxílio aos países em desenvolvimento,
principalmente àqueles mais vulneráveis aos impactos de mudanças climáticas.
As Conferências das Partes (COP) são encontros periódicos de países que
assinaram dois dos tratados da Cúpula da Terra: de Biodiversidade e sobre
Mudanças no Clima – a COP sobre biodiversidade ocorre a cada dois anos desde a
ECO-92, e a sobre mudanças climáticas anualmente desde então. As COP são
responsáveis por manter a implementação das convenções, sob sua revisão e
avaliação permanentes.
Uma das Conferências das Partes de maior relevância foi a COP 3,
ocorrida em Quioto, Japão, em 1997, contanto com a presença de 166 países –
nessa conferência, assinou-se o tratado que ficou conhecido como Protocolo de
Quioto. Esse protocolo contava com compromissos mais rígidos quanto à redução
dos gases agravantes do efeito estufa e responsáveis pelo aquecimento global –
em especial o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O).
Esse compromisso, no entanto, não era homogêneo, havendo distinções entre as
metas de redução de diferentes países. As Partes do chamado Anexo I (países
desenvolvidos) deveriam reduzir suas emissões dos poluentes devidos no
mínimo 5% abaixo do nível constatado em 1990, entre 2008 e 2012 – os países
em desenvolvimento não detinham metas fixadas (UN, 1998). Apesar da adesão
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da imensa maioria dos países, o Protocolo de Quioto não foi ratificado justamente
pelo maior emissor de poluentes do mundo: os Estados Unidos da América.
Outras COP relevantes e famosas foram a Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável (conhecida como Rio+10), ocorrida em
Johanesburgo, África do Sul, em 2002 e a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável (conhecida como Rio+20), ocorrida novamente no
Rio de Janeiro, Brasil, em 2012.
4. Posicionamento dos Países
País mais rico do mundo árabe, a ARÁBIA SAUDITA tem sua economia
baseada essencialmente na extração de petróleo – sendo o segundo país em
reservas (possui 17% das reservas mundiais) e o maior exportador de petróleo
do planeta (EUA, 2013). Membro da OPEP76 desde sua fundação, a Arábia Saudita
tem papel de liderança nessa organização. Por outro lado, o governo saudita
também tem demonstrado grande interesse em investir em fontes renováveis de
energia – devido à enorme quantidade de horas que o país sofre exposição ao sol,
a produção de energia solar tem tido bastante destaque.
Sendo uma das maiores economias do Oriente Médio, os EMIRADOS
ÁRABES UNIDOS (EAU) têm a sétima maior reserva de petróleo do planeta. As
76 Alguns países reunidos neste comitê são membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) e, portanto, compartilham determinados interesses políticos afins, posicionando-se em conjunto em
alguns fóruns internacionais e cooperando entre si, de modo a terem maior poder de barganha perante as
outras nações e conquistar seus objetivos com mais facilidade. A OPEP foi criada em 1960 e tem por objetivo coordenar a política petrolífera de seus países membros, desenvolvendo estratégias de produção e
exportação. Pelo controle dos preços de venda do produto, há uma menor concorrência entre os países
membros da organização, o que proporciona maior lucratividade a todos. Os membros da OPEP têm 75% das reservas de petróleo do planeta e são responsáveis por cerca de 40% das exportações mundiais. Os
atuais doze membros da OPEP são: Angola, Arábia Saudita, Argélia, Catar, Emirados Árabes Unidos, Equador, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria e Venezuela.
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
126 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
exportações de petróleo e gás natural têm um papel importante em sua
economia, principalmente em Abu Dhabi, emirado mais rico do país. Por outro
lado, nos últimos anos, os EAU têm feito esforços a fim de diminuir
consideravelmente a utilização do carbono e transitar para novas formas de
geração de energia – tendo sido relativamente bem sucedidos. Em março de
2013, passou a funcionar a primeira grande usina solar do país (Shams1), um dos
maiores projetos de energia solar do mundo. Até 2020, os EAU têm como meta
produzir cerca de 7% de sua energia através de fontes renováveis (VEJA, 2013).
Segundo maior produtor de petróleo da OPEP, o IRÃ possui cerca de 10%
das reservas de petróleo do planeta – também tem uma enorme reserva de gás
natural, sendo superado apenas pela Rússia (EUA, 2013). Atualmente, o Irã tem
sido altamente criticado pelo desenvolvimento de seu programa nuclear de
geração de energia – muitos países (principalmente os EUA, Israel e países
europeus) têm acusado o Irã de estar, na verdade, desenvolvendo tal tecnologia
para uso de guerra, como na fabricação de bombas atômicas. O governo iraniano
alega que o programa nuclear tem fins pacíficos e que, no momento, é a melhor
alternativa quanto a fontes energéticas.
Também membro da OPEP desde sua fundação em 1960, o IRAQUE é o
quinto país com maiores reservas de petróleo do planeta. Sua economia está
intimamente atrelada à sua venda para outros países – o petróleo chega a mais de
80% do total de suas exportações (o maior comprador de petróleo iraquiano são
os EUA) (EUA, 2013). Além disso, assim como a Arábia Saudita, o Iraque tem
tentado investir na energia solar nos últimos tempos – tendo comprado milhares
de lanternas solares de empresas alemãs.
Historicamente, ISRAEL importa quase a totalidade de sua energia, na
forma de carvão, gás natural e petróleo. Isso está para mudar, pois grandes
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013 127
reservas de petróleo e de gás natural foram descobertas em território israelense,
podendo até transformar o país de importador para exportador de gás natural
(EIA, 2013). Nesse sentido, o Estado de Israel deve posicionar-se contra qualquer
medida que afete a soberania de Israel sobre seus recursos naturais e energéticos
ou o seu desenvolvimento econômico baseado na exploração de combustíveis
fósseis. Apesar disso, Israel também é pioneiro em pesquisa e desenvolvimento
de energia solar (VAGG, 2013), devendo buscar fortalecer seus laços econômicas
com aqueles Estados interessados em importar tais tecnologias.
A ÁFRICA é o continente que reúne o maior número de países em
desenvolvimento do mundo e, por causa disso, a situação energética deles é mais
primitiva, ou seja, ainda usam meios de produção de energia que já foram total
ou parcialmente substituídos em outras regiões. Por isso, boa parte das
populações não tem acesso à eletricidade e ainda usa a queima de biomassa como
fonte principal. Alguns países africanos, como Angola e Nigéria, encontraram
elevado crescimento econômico nos últimos anos através da exportação de bens
primários (principalmente petróleo e produtos agrícolas) e agora se encontram
entre a necessidade de melhorar a distribuição energética no território (o que
seria mais barato usando fontes convencionais, como petróleo e biomassa) e a
transição para meios renováveis e sustentáveis. Uma das soluções usada por
alguns países, ainda em fase de “teste”, é a energia solar, a qual pode ser instalada
em vilas afastadas dos centros urbanos.
Detentora do maior PIB africano, a ÁFRICA DO SUL usa basicamente
carvão, petróleo e biomassa como fonte energética. A empresa pública Eskom
produz 95% da eletricidade do país e ainda exporta energia para países vizinhos,
pelo que recebe críticas, devido à insuficiência que a África do Sul já enfrenta,
agravada por uma crise de abastecimento em 2008 (ALL AFRICA, 2012). Por isso,
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
128 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
o governo vem criando novas leis para incentivar a participação privada no setor,
e ao mesmo tempo diversificar a matriz, com destaque para a energia eólica e
solar.
A ANGOLA é um país membro da OPEP e o nono maior exportador de
petróleo do mundo. O alto crescimento econômico dos últimos anos foi baseado
na alta do preço dos hidrocarbonetos, visto que sua produção responde por 85%
do PIB do país (EUA, 2013). Mais da metade da energia é gerada pela queima de
biomassa e um terço pelo petróleo. Desde 2009, o governo vem investindo em
energia solar fotovoltaica para regiões agrárias.
BOTSUANA, por sua vez, tem sua matriz energética composta pelo uso de
petróleo, biomassa e carvão. Menos da metade da população tem acesso à energia
elétrica e o projeto de prover esse serviço às vilas distantes através de energia
solar ainda não teve resultados significativos. O país não produz petróleo e
importa hidrocarbonetos e eletricidade principalmente da África do Sul
(MBENDI, 2013).
A LÍBIA, 15° maior exportador de petróleo do mundo e membro da OPEP,
gera a eletricidade do país majoritariamente através do petróleo, visto que possui
as maiores reservas do continente. O país possui um vasto potencial para o uso
de energia solar, devido à sua posição geográfica. Após a Primavera Árabe e a
intervenção internacional no país, parte da infraestrutura voltada para a
exportação de petróleo foi destruída, e a reconstrução, assim como os novos
contratos, vêm se firmando com empresas europeias, os tradicionais destinos das
exportações.
Assim como Botswana, aNAMÍBIA é um país altamente dependente da
importação de energia elétrica proveniente da África do Sul, e utiliza
principalmente petróleo, biomassa e carvão. Apesar das hidrelétricas
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013 129
corresponderem a mais de 60% da produção doméstica de eletricidade do país,
sua participação no todo é pequena, já que cerca de 80% da energia total usada
vêm de fora do país (ALL AFRICA, 2012; IRENA, 2013). Por isso, o governo
começou a considerar a expansão da capacidade de hidrelétricas, assim como
investir em energia solar e nuclear. Entretanto, ainda não há nenhum projeto
efetivo sendo implementado.
Outro país membro da OPEP e sexto maior exportador de petróleo do
mundo, a NIGÉRIA, gera 85% de sua energia primária através da queima de
biomassa, sendo o restante suprido por petróleo e gás natural (IRENA, 2013).
Para lidar com o aumento da demanda por energia e o desejo de levá-la às áreas
rurais, o governo pretende manter a primazia das fontes não-renováveis, mas
buscando aumentar gradualmente o uso de outras alternativas. O país tem
potencial para o uso de energia solar, e há políticas de incentivo do uso de etanol
e biodiesel adicionados ao combustível convencional.
O SUDÃO, historicamente um grande exportador de petróleo, vem
empreendendo recentemente e com relativo sucesso propostas de transição
energética para uma matriz mais sustentável. Por meio de parcerias com a Líbia e
o Egito, busca-se aumentar a construção de infraestrutura para produção e
distribuição de energias alternativas na região (AFRICA 21, 2013). Além disso, o
país já começou a utilizar etanol, pretende expandir a produção do combustível
alternativo, em parceria com o Brasil (BAHIA ENERGIA, 2013) e tem planos de
diversificar ainda mais sua matriz energética com a criação de usinas para
produção de energia nuclear (HERBERT, 2012). Apesar disso, a exportação de
petróleo continua sendo uma fonte importante de lucros para o Sudão, onde
grande parte da economia se organiza ao redor da infraestrutura de transporte
do combustível fóssil e de plataformas portuárias de exportação. No entanto, a
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
130 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
grande maioria do petróleo exportado pelo Sudão está localizado no território do
SUDÃO DO SUL, que conquistou a sua independência e tornou-se soberano sobre
seus recursos energéticos em 2011 (REBOUÇAS, 2013; EXAME, 2012). Apesar da
abundância em jazidas de petróleo, o Sudão do Sul é um país pobre, carente de
infraestrutura e de energia elétrica. Desse modo, ações que dificultassem a
exportação de petróleo feita pelo Sudão do Sul seriam extremamente prejudiciais
não só para a economia do país recém fundado, mas principalmente para as
condições de vida da sua população.
O maior membro da OPEP na América Latina, a VENEZUELA, ainda é muito
dependente da produção de petróleo. Além de ser o país com as maiores reservas
de petróleo e gás natural do continente, a Venezuela também apresenta uma
grande capacidade hidrelétrica, capaz de gerar 20 mil megawatts/hora de
eletricidade. No entanto, uma transição energética para fontes de energia
renováveis aparece como um obstáculo à economia venezuelana, pois a
companhia PdVSA (Petróleo de Venezuela S.A), estatal responsável pela
exploração e produção de petróleo no país, é a empresa que mais emprega
trabalhadores, além de contar por 50% da arrecadação do governo e quase 80%
da renda advinda das exportações (EUA, 2013). Nesse sentido, uma transição
energética mundial que diminuísse a demanda pelo petróleo venezuelano
afetaria seriamente a economia do país, não sendo uma opção muito desejável.
O BRASIL é um país que apresenta potencial de liderança na transição
energética para os países emergentes, sendo o precursor do uso de energias
renováveis na América Latina. Com inúmeras bacias hidrográficas, o país
apresenta o maior potencial hidrelétrico na sua região. Já são 403 usinas em
operação e 25 em construção, atendendo aproximadamente a 40% da oferta
interna de energia do país (BARSA, 2013). Ademais, o Brasil é o país mais
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013 131
avançado, do ponto de vista tecnológico, na produção e no uso do etanol como
combustível. O país ainda apresenta um grande potencial solar pouco explorado
devido à cara tecnologia exigida para produção de células fotovoltaicas. No
entanto, a exploração e produção de combustíveis fósseis, especialmente o
petróleo e o gás natural, também ocupa um papel importante na economia
brasileira, especialmente após a descoberta das reservas no pré-sal. Pode-se
dizer que o Brasil posiciona-se de modo favorável à adesão de energias
sustentáveis, desde que isso não interfira na soberania brasileira sobre seus
recursos petrolíferos.
Com o intenso crescimento econômico da ÍNDIA, a demanda interna por
energia tem aumentado, colocando o país no 4º lugar de maior consumidor
energético no mundo (GOMES; CHAMON; LIMA, 2012). Entretanto, o consumo
energético per capita indiano ainda é o menor dentre os países emergentes,
indicando uma forte desigualdade econômica e social entre a população. A
pobreza e a dificuldade de acesso a tecnologias modernas dificultam a transição
para fontes limpas de energia, ainda que haja incentivos do governo para
promover energias sustentáveis, como a biomassa e os bicombustíveis, os quais
já têm uma participação relevante na matriz energética indiana. A Índia
posiciona-se defendendo, como prioridade, o desenvolvimento de sua nação e a
redução da pobreza, e deve ser contra qualquer cláusula que possa prejudicá-la
economicamente.
A REPÚBLICA POPULAR DA CHINA pode ser considerada a maior
consumidora mundial de energia como também a maior emissora de CO2. Isso se
dá pela grande população chinesa, a maior do mundo, aliado ao recente
crescimento econômico do país. Possuidor da terceira maior reserva de carvão
no mundo, o desenvolvimento chinês tem sido baseado, principalmente, em
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
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combustíveis fósseis. Apesar disso, grande parte da população chinesa ainda não
tem acesso à energia, principalmente no meio rural. Desse modo, o principal
objetivo do governo chinês é levar o acesso à energia para estas camadas menos
favorecidas. A inclusão energética da população rural se dá, por vezes, baseada
em combustíveis fósseis, mas também há espaço para projetos de fornecimento
de energias renováveis, principalmente hidrelétrica, solar e eólica. Recentemente
a China finalizou a construção da maior hidrelétrica do mundo, desde 2005, a
capacidade instalada de energias renováveis tem aumentado de tal forma que
hoje os chineses são os maiores produtores mundiais de turbinas eólicas e
painéis solares. Ainda assim, a China preocupa-se prioritariamente o
desenvolvimento de sua nação e a soberania sobre seu território e seus recursos
naturais e energéticos, defendendo a ideia de que os principais responsáveis
pelos danos ambientais são os países desenvolvidos e, portanto, eles que devem
comprometer-se em reduzir as emissões.
Por ser o maior país em extensão territorial do planeta, a RÚSSIA é
extremamente rica em recursos naturais – nos últimos tempos, tem sido
chamada de “superpotência energética”. Seu modelo energético é baseado
principalmente nas usinas termelétricas (67%), hidrelétricas (17%) e nucleares
(15%) – havendo grande mobilização do governo a fim de aumentar o uso dos
dois últimos tipos de usina, além do uso da energia geotérmica (EUA, 2013). Isso
não significa, no entanto, que o país esteja disposto a diminuir a exploração de
combustíveis fósseis: a Rússia tem a maior reserva de gás natural e uma das
maiores de petróleos do mundo. Gás natural e petróleo, juntamente com metais e
madeira, compõem mais de 80% das exportações russas para outros países (EUA,
2013). É de se esperar que a Rússia defenda a utilização dos combustíveis fósseis
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e a manutenção de um modelo econômico baseado nesse tipo de energia, tendo
como prioridade manter suas exportações e seu desenvolvimento econômico.
Na UCRÂNIA,onde ocorreu o acidente na usina nuclear de Chernobyl em
1986, 40% da energia elétrica ainda advém de usinas nucleares. O acidente em
Chernobyl contaminou radioativamente uma área enorme na Ucrânia, na
Bielorrússia e na Rússia, causando a evacuação de 116 mil pessoas de áreas
próximas, além de matar 30 pessoas e causar múltiplos impactos na saúde das
populações que viviam à volta da usina (WORLD NUCLEAR ASSOCIATION, 2012).
Apesar disso, a Ucrânia pretende continuar investindo em tal fonte de energia,
ainda que buscando aprimorar a segurança e eficiência de sua produção. O país
considera tais investimentos necessários para aumentar sua segurança
energética e diminuir sua dependência das fontes de energia da Rússia, de quem
importa grandes quantidades de petróleo e gás natural (WORLD NUCLEAR
ASSOCIATION, 2012). A concretização de parcerias para desenvolver energias
renováveis é uma oportunidade importante para a Ucrânia, que espera basear
20% da sua oferta de energia em fontes renováveis até 2030 (BLACK ; VEATCH).
Ainda que não seja membro da OPEP, o CAZAQUISTÃO tem sua economia
baseada essencialmente na exportação do petróleo. O país possui uma enorme
riqueza em recursos naturais – principalmente petróleo e gás natural, no mar
Cáspio –, chegando o petróleo a representar cerca de 60% de suas exportações
(EUA, 2013). Apesar de seu enorme potencial para fontes de energia mais
sustentáveis (eólica, solar, biocombustíveis, etc.), o governo cazaque afirma que
buscará fontes alternativas de energia somente quando elas se tornarem
economicamente mais vantajosas. Assim, o Cazaquistão deve se posicionar
defendendo a manutenção do modelo energético baseado nos combustíveis
fósseis, mas também buscar parcerias com países desenvolvidos que sejam de
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
134 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013
seu interesse e lhe permita ter ganhos com a transição energética para
combustíveis sustentáveis.
A TURQUIA possui uma matriz energética de grande dependência dos
combustíveis fósseis: 65,3% de sua geração de energia provêm de tal fonte (EUA,
2013). O fato de não ser uma grande produtora desses combustíveis faz com que
a Turquia precise importar cerca de 40% de seu petróleo e 65% de seu gás
natural da Rússia – o que lhe cria um grande laço de dependência para com este
país (BHALLA, GOODRICH ; ZAIHAN, 2009). Além disso, o território turco é de
grande relevância para os países europeus, tendo em vista que é rota do oleoduto
Baku-Tbilis-Ceyhan (BTC), que leva petróleo proveniente do Mar Cáspio ao Mar
Mediterrâneo – diminuindo a também enorme dependência da Europa para com
as importações de petróleo e gás natural russas (BHALLA; GOODRICH ; ZAIHAN,
2009). Por sua localização estratégica (seu território se estende tanto pela Ásia
como pela Europa) e sua identidade cultural singular (é um país islâmico
fortemente ocidentalizado), a Turquia deve buscar se posicionar como líder
regional e importante mediador para as relações entre os países árabes, o Irã, a
Europa e os EUA.
Devido a sua riqueza de recursos naturais e sua posição estratégica no
leste Asiático, a INDONÉSIA é um importante exportador de petróleo, carvão e gás
natural. Na sua matriz energética há a intensa dependência de carbono; porém, o
país já mostra sinais de ascensão à transição para uma energia limpa. As apostas
para que a transição ocorra são as usinas geotérmicas que já têm um papel de
destaque ao país que, com seu potencial, pode se tornar uma superpotência
mundial de energia geotérmica de acordo com o relatório 2011 Global Status
Report. Os biocombustíveis também têm chamado a atenção do governo do país,
o qual lançou em 2006 o primeiro plano nacional de biocombustíveis. Além disso,
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também há incentivo governamental à diminuição dos combustíveis fósseis,
como visto em 2012 com o projeto “Vis~o 25/25”, o qual propõe uma
participação de 25% de fontes renováveis na sua matriz energética até 2025
(WILCOX, 2012).
No MÉXICO, 75% da sua energia é derivada de fontes fósseis, sendo a
principal delas o petróleo (EUA, 2013). Na última década, a devastação social e
ecológica têm influeciado o país a mirar uma transição energética. Em 2010, por
exemplo, a explosão de uma plataforma de petróleo - pertencente a empresa
britânica British Petroleum - no Golfo do México, resultou em um dos maiores
derramamentos de petróleo no mar registrados até então (GLOBO, 2010). Em
2012 foi aprovado no país uma Lei Geral de Mudanças Climáticas que direcionam
as melhores práticas para uma transição à energia verde (MESR, 2013). No
entanto, as relações econômicas do México com os países fornecedores de
petróleo continuam sendo de extrema importância, e uma transição energética
para fontes alternativas poderia prejudicar seriamente os interesses políticos e a
economia do México.
O PARAGUAI passou por recentes conflitos políticos internos com a
deposição de Fernando Lugo em 2012. Desde então, as relações do Paraguai com
os países da região, especialmente Venezuela e Brasil, estão estremecidas. Em
relação à matriz energética, grande parte do consumo de energia no Paraguai
ainda advém de fontes extremamente poluentes, como o carvão mineral e a lenha
(LA NACION, 2012). A transição energética para uma matriz sustentável seria
benéfica ao Paraguai, principalmente se viesse acompanhada de propostas
modernizadoras de sua infraestrutura. Além disso, o país também é um grande
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética
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exportador de energia baseada em fontes renováveis, como a hidrelétrica77, e
poderia se beneficiar de incentivos a investimentos neste setor.
A União Europeia é um bloco econômico e político regional formado por
27 países europeus. Assim, busca harmonizar as políticas destes Estados-
membros em diversas áreas, entre as quais está a questão energética e ambiental.
O principal objetivo da União Europeia para as próximas décadas é promover
uma transição energética que esteja em maior consonância com os desafios
ambientais e de mudança climática. A "Estratégia Energia 2020" busca reduzir as
emissões de carbono através de um aumento da eficiência e desenvolvimento de
novas tecnologias, incluindo a nuclear, focando na parceria com países
emergentes e em desenvolvimento (EUROPA, 2013).
O REINO DA DINAMARCA é líder na União Europeia no uso e defesa de
energias renováveis. O país tenta desenvolver um plano conjunto para a que a
União Europeia fique livre de combustíveis fósseis até 2050. Ainda, o país espera
que até 2020 cerca de 30% de sua matriz energética seja composta por fontes de
energia renováveis, especialmente energia eólica, mas também solar,
biocombustíveis e energia maremotriz (DINAMARCA, 2012). Em 2011, a
Dinamarca foi a maior produtora de energia eólica per capita do planeta,
atendendo cerca de 28% de sua demanda por energia elétrica. O país também
possui reservas de petróleo e de gás natural que são capazes de suprir as
necessidades do país por mais alguns anos, momento em que ele deverá recorrer
às importações de tais fontes de energia (DINAMARCA, 2012).
77A usina hidrelétrica de Itaipú é um exemplo de empreendimento construído em parceria com o Brasil de onde o Paraguai exporta grande quantidade de energia. No entanto, espera-se que ocorra uma revisão no acordo entre os dois países, de modo que seja mais favorável ao Paraguai. Para saber mais, acesse: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/59702-paraguai-diz-que-nao-cedera-energia-a-brasil.shtml
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Em consonância com a União Europeia, a SUÉCIA tem mostrado na última
década um grande empenho em promover uma transição energética em seu país
para uma matriz limpa e sustentável. Suas políticas defendem a remoção dos
subsídios que o governo oferece para exploração de combustíveis fósseis e
também a criaç~o de impostos e taxas “ambientais”, ou seja, cobrando mais caro
daquelas indústrias e empresas que poluem o meio ambiente. O modelo sueco
tem se mostrado de sucesso para uma sociedade desenvolvida com um grande
consumo de energia per capita, sendo que a participação das energias renováveis
na sua matriz energética passou de 33% em 1990 para 48% em 2010, com metas
de ultrapassar os 50% nos próximos anos (SUÉCIA, 2012). Desse modo, a Suécia
tem muito com o que contribuir para o debate, compartilhando experiências
neste processo de transição.
A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA possui uma matriz energética muito
dependente da importação de combustíveis fósseis e de urânio. Cerca de 70% da
sua energia é importada, porém o país está fazendo grandes esforços para
substituir sua matriz energética por energias renováveis e aumentar sua
segurança energética (MORRIS; PEHNT, 2012). O governo decidiu que até 2050 a
matriz energética deve ser composta principalmente de energias renováveis e
geradas no próprio país. Em 2011, mais de 20% de sua energia elétrica já era
produzida através de fontes de energia renováveis (MORRIS ;PEHNT, 2012). A
Alemanha tem realizado grandes investimentos para desenvolver tecnologias de
energia renovável e para tornar a produção de energia com combustíveis fósseis
mais eficiente, e é um dos grandes exportadores de tais tecnologias, com mais de
380 mil pessoas trabalhando no setor de energias renováveis. Desde o desastre
nuclear de Fukushima, o país anunciou que vai desativar todas as suas usinas
nucleares até 2022 (MORRIS ;PEHNT, 2012).
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A segunda maior economia da Europa, a REPÚBLICA FRANCESA é também a
maior produtora e consumidora de energia nuclear do mundo. Ainda que existam
planos de mudar esta situação durante a administração do presidente François
Hollande e promover uma transição energética para uma matriz mais
sustentável, mais de 75% da energia elétrica na França é gerada a partir de
reatores nucleares. O projeto do atual governo é reduzir essa porcentagem para
50% até 2025 (ROSE ;DOUET, 2012). Além disso, o país é também muito
dependente da importação de combustíveis fósseis, especialmente do Oriente
Médio. Sua grande capacidade de P&D (Pesquisa & Desenvolvimento) e o
domínio das tecnologias necessárias para construção de equipamentos como
painéis solares, turbinas eólicas e, principalmente, reatores nucleares, colocam a
França em uma posição favorável para aqueles países que buscam cooperação na
implantação de equipamentos para produção de energia sustentável.
O país que já ocupou a posição de maior potência do globo na época em
que o carvão era a principal fonte de energia, o REINO UNIDO busca, atualmente,
promover uma transição da sua matriz energética para energias mais
sustentáveis. Nesse sentido, o Reino Unido formulou em 2009 o "Plano de
transição para uma economia de Baixo Carbono" (Low Carbon Transition Plan,
tradução livre) que visa reduzir as emissões de CO2 em 18% até 2020 e adaptar
sua matriz energética para que 40% da energia utilizada na geração de
eletricidade venha de fontes não poluentes (CARUS, 2009). A estratégia inglesa se
baseia em compensar os cidadãos por utilizar serviços "verdes" e também
oferecer incentivos e crédito para empresas e setores específicos realizarem a
transição. Além disso, foca-se muito também em aumentar a eficiência na
produção de combustíveis fósseis e nas usinas nucleares, desativando aquelas
que se mostram antieconômicas (ELETROBRAS, 2012). Apesar disso, o Reino
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Unido ainda é muito dependente de combustíveis fósseis e é importante destacar
que algumas das maiores petrolíferas do mundo são de capital inglês, como a
British Petroleum, também conhecida por BP, o que cria uma forte pressão no
governo inglês para que o petróleo continue sendo elemento chave da economia
mundial.
Sendo um país de economia muito desenvolvida, o JAPÃO é um grande
consumidor de energia no cenário mundial, estando entre os três maiores
consumidores e importadores de petróleo. Ainda que seu território não seja rico
em reservas de combustíveis fósseis, a matriz energética japonesa é muito
dependente desse tipo de energia, que tem uma participação de mais de 60% no
consumo total do país. Isso significa que a segurança energética do Japão
depende muito da importação desse tipo de combustível de outros países, - o
Japão importa 84% da energia que consome – principalmente da Arábia Saudita e
dos Emirados Árabes Unidos (EIA, 2012). O país é também um grande
consumidor de energia nuclear, embora após o acidente ocorrido na usina de
Fukushima, em 2011, a utilização deste tipo de energia tenha sido contestada,
existindo o projeto de eliminar a utilização de energia nuclear até 2030
(KAKUCHI, 2013; GIRALDI, 2012). Alguns analistas, no entanto, argumentam que
esse tipo de ação seria insustentável e prejudicaria muito a economia japonesa.
Nesse sentido, uma transição energética para uma matriz mais limpa poderia
favorecer o país, que é um dos líderes em P&D e produção de equipamentos do
setor de energia solar e eólica.
O CANADÁ é o quinto maior produtor de energia no mundo, possuindo
grandes reservas de urânio, de petróleo, de gás natural e de carvão. Seu principal
parceiro comercial são os Estados Unidos da América, para quem vende cerca de
98% de suas exportações de energia (NATIONAL ENERGY BOARD, 2011). É o
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maior produtor mundial de urânio, exportando-o para a Ásia, para a Europa e
para a América Latina, fora os Estados Unidos. O setor energético correspondeu
em 2011 a praticamente 7% do total de riquezas produzidas no país. O país
possui também grandes usinas hidrelétricas, que produzem quase 60% da
energia elétrica do país. Outras fontes utilizadas no país são energia de fontes
termais (geotérmica), solar, eólica e maremotriz (NATIONAL ENERGY BOARD,
2012).
Os ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA são os maiores consumidores de energia
do planeta. Mais de 80% da sua matriz energética depende de combustíveis
fósseis (petróleo em primeiro lugar, seguido de gás natural, e de carvão). Energia
nuclear, hidrelétrica e de outras fontes renováveis complementam a matriz do
país. Em 2008, o país era responsável por 25% do consumo global de petróleo, o
que o torna o segundo país que mais lança gases de efeito estufa na atmosfera,
ficando atrás apenas da China (BANCO MUNDIAL, 2009). O país produz grandes
quantidades de carvão e de petróleo. Entretanto, pelo seu alto consumo, ele
importa grandes quantidades de tais fontes de energia, especialmente petróleo
do Oriente Médio, do Canadá e do México, o que faz com que ele se preocupe
bastante com sua segurança energética (EIA, 2012). Grandes empresas de origem
norte-americana dominam diversas áreas de produção de petróleo ao redor do
mundo, fazendo com que os interesses dos Estados Unidos tenham uma
relevância importante no mercado mundial de energia. O país é o maior produtor
de biocombustíveis do mundo. Durante o mandato do presidente Barack Obama,
colocou-se a meta de que até 2025 cerca de 25% da energia elétrica do país
venha de fontes de energia renováveis, e que 80% das emissões de gases do
efeito estufa sejam eliminadas até 2050 (EUA, 2013b).
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5. Questões para refletir
a) Que tipo de ações podem ser acordadas neste Comitê para incentivar
uma transição energética para uma matriz baseada em energias limpas?
b) Uma das grandes dificuldades apontadas pelos países em
desenvolvimento quando se fala em adotar energias alternativas é o desafio do
desenvolvimentismo. Ou seja, para desenvolver sua nação economicamente e
proporcionar qualidade de vida melhor para seus habitantes, muitos países têm
de utilizar combustíveis fosseis, por serem uma fonte energética mais
economicamente viável - mais barata e mais acessível.
Nesse sentido há um conflito entre preservar o meio ambiente e fornecer
melhores condições de vida para as pessoas. Como esse desafio pode ser
superado? Que ações os Estados podem tomar para minimizar esse antagonismo?
c) Qual o papel do setor privado (empresas e multinacionais) na
transição energética? É possível e/ou desejável desenhar um acordo que preveja
a participação deste setor da economia quando se fala em transição energética?
Quais atitudes ou incentivos os Estados poderiam ter em relação ao setor privado
para facilitar sua colaboração com os planos de uma transição energética para
uma matriz limpa e sustentável?
d) Muitas regiões do planeta ainda não têm acesso à praticamente
nenhuma fonte de energia. Como este Comitê pode garantir que a inserção destas
áreas se dê por meio da utilização de fontes de energia não-poluentes? Quais
ações podem ser tomadas para incentivar os Estados destas regiões,
especificamente, a adotarem modelos limpos?
e) Qual seria a melhor composição para uma nova matriz energética?
Quais combustíveis fariam parte dessemix de energia? Seriam somente fontes de
energia limpas e sustentáveis ou ainda há espaço para os combustíveis fósseis? É
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possível desenhar um modelo universal ou as realidades regionais são
demasiadamente diferentes e particulares exigindo adaptações?
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Resumo
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) é uma agência da
Organização das Nações Unidas (ONU) voltada para a promoção de ações globais relacionadas ao
desenvolvimento sustentável e à proteção ambiental. Criado em 1972, o programa atua em diversas
áreas relacionadas a economia verde, ecossistemas terrestres, governança ambiental e assuntos
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013 155
atmosféricos. Neste artigo irá se discutir o tema transição energética. Durante a sua existência, o
homem utilizou diferentes matérias-primas como fontes principais de energia. Tais matérias-primas
estavam na base do funcionamento da economia mundial, e o controle de tais matérias primas foi e é
uma grande fonte de poder entre os Estados. A partir do final do século XIX, o petróleo se torna tal
matéria prima. Entretanto, o uso amplo e disseminado de petróleo tem causado diversos impactos
ambientais alarmantes. As mudanças na composição da atmosfera causadas pela emissão de gases
derivados da queima do petróleo estão provocando o efeito chamado Aquecimento Global. Tal efeito
ameaça transformar significativamente o clima de diversas regiões do planeta, alterando os ciclos de
chuva, provocando aumento no nível do mar e ameaçando diversos ecossistemas, bem como a vida
humana. Além disso, o petróleo é uma matéria-prima não renovável, e estima-se que as reservas
existentes terminem até o final do século XXI. Assim, a discussão sobre ações para que ocorra a
transição de um modelo energético baseado em produtos de petróleo para fontes de energia
alternativas e sustentáveis, com impactos ambientais menores (como energia hidrelétrica, eólica,
solar, dentre outras) é de extrema importância.
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
156 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
Giovana Esther Zucatto78
João Arthur da Silva Reis79
Marília Bernardes Closs80
Natália Regina Colvero Maraschin81
Osvaldo Alves82
Em Bandung todas as nações chegaram juntas, as nações escuras da África e as [sic]da Ásia.
Alguns deles eram budistas, alguns muçulmanos, alguns cristãos, alguns adeptos de Confúcio, alguns
ateus. Apesar dessas diferenças religiosas, eles chegaram juntos. Alguns eram comunistas, alguns
socialistas, alguns capitalistas. Apesar de suas diferenças econômicas e políticas, chegaram juntos. Todos
eles eram negros, brancos, vermelhos ou amarelos.
Malcolm X
A Conferência Afro-asiática de 195583
, ou, como é mais comumente
conhecida, a Conferência de Bandung, foi um encontro entre líderes de 29 países
que se originou da iniciativa dos Premiês do Paquistão, do Ceilão, da Índia, da
78 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 79 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 80 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 81 Estudante do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 82 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 83 O presente guia está escrito no tempo presente de março de 1955, pouco antes do início da Conferência Afro-Asiática de Bandung.
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Indonésia e da Birmânia –países que compõem o chamado Grupo de Colombo. A
Conferência de 1955 reuniu Presidentes, Premiês, Reis e demais chefes de Estado
por sete dias na cidade de Bandung, na Indonésia. Os países lá reunidos eram
extremamente heterogêneos, apresentando profundas diferenças sociais,
políticas e culturais. Contudo, partilhavam semelhanças históricas: a maior parte
foi colonizada por potências europeias, tendo seu povo submetido pela
dominação estrangeira. Ao mesmo tempo, a despeito das diferenças econômicas,
esses países se encontravam em situação de subdesenvolvimento - uns mais,
outros menos -, e procuravam maneiras de possibilitar seu crescimento sem
aumentar suas dependências, política e econômica, das potências centrais.
Em um mundo bipolarizado pela Guerra Fria, as nações, reunidas em
Bandung, queriam melhor compreender e assegurar seu papel em um sistema
internacional no qual não precisariam, necessariamente, estar ligados a uma ou
outra superpotência. Ansiavam por encontrar maneiras de se fortalecerem
mutuamente: o objetivo maior de todos os líderes era buscar a cooperação, nas
mais diversas áreas, com os outros países ali presentes. As diferenças ideológicas
também marcaram presença, pontuando os diferentes discursos e opiniões sobre
qual seria a maneira mais positiva de se buscar o desenvolvimento nacional e a
cooperação internacional.
Apesar de não ter sido a única conferência a reunir tais países, a
Conferência de Bandung é um ponto de inflexão na história dos países africanos,
asiáticos e da história contemporânea como um todo. Bandung é o embrião do
Terceiro Mundo e do movimento neutralista que busca a Terceira Via dentro da
bipolaridade. Seu significado histórico e seu pioneirismo marcam uma parte
importante da Guerra Fria e seu legado até hoje guia aqueles que buscam o
desenvolvimento independente das grandes potências mundiais.
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
158 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
1. Histórico
O ponto inicial para se compreender os fatores políticos envolvidos na
Conferência de Bandung está muito antes de sua realização. São fatores
estruturais profundos, como o Imperialismo europeu, que buscava, nos
continentes africano e asiático, matérias-primas e mercados para a manutenção e
expansão do sistema capitalista nas metrópoles coloniais. Além disso, deve-se
considerar a emergência de uma nova configuração do equilíbrio de poder
mundial, que, a partir de 1947, passa a ser um equilíbrio bipolar, onde, de um
lado, está a potência capitalista, os Estados Unidos da América, e, do outro, a
potência socialista, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Os Estados Unidos saíram fortalecidos da Segunda Guerra Mundial por
terem sua indústria nacional aquecida devido às vendas de armas e de material
de guerra para os países envolvidos no conflito, além de não terem sofrido com
um conflito dentro de suas próprias fronteiras durante a guerra. Enquanto isso,
seus aliados europeus tiveram de passar por um processo de reconstrução após o
conflito, que destruíra parte significativa de suas indústrias e de suas produções
agrícolas. Portanto, com o fim da guerra, a economia norte-americana passa a se
modernizar de maneira mais rápida que os demais países. Para poder exportar
mais seus produtos, os Estados Unidos tinham interesse no desmantelamento dos
velhos Impérios coloniais, situados na periferia do sistema capitalista, pois se
tornariam potenciais mercados consumidores.
Os Estados Unidos, então, empreendem uma série de esforços para liderar
uma nova ordem econômica mundial. Ainda durante a Segunda Guerra, sediam a
Conferência de Bretton Woods, em 1944, que determinou a criação das
instituições dessa nova ordem econômica. No imediato pós-guerra, os EUA
providenciaram as capacidades econômicas necessárias para o resgate
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econômico dos países capitalistas europeus, por meio do que chamam de Plano
Marshall.
Por outro lado, após 1945, diversos países, sobretudo do leste europeu -
que fora libertado da ocupação nazista por tropas russas do Exército Vermelho-
gradualmente passaram a implantar regimes socialistas ligados à Moscou.
Formava-se uma grande zona de influência russa, em oposição à nova ordem
capitalista do pós-guerra.
Não demorou muito para que os dois sistemas entrassem em choque. Já
em 1947, os Estados Unidos declararam a Doutrina Truman, pela qual deixaram
claro que não aceitariam a transformação de mais algum país sob sua influência
em um país socialista. Em 1949, os Estados Unidos e os países da Europa
Ocidental, assinaram a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN): aliança de defesa mútua, que estabelecia o envolvimento de todos os
membros em auxílio a um membro, caso este fosse atacado.
Os Estados Unidos ainda promoveram organizações e acordos de defesa
mútua em diferentes regiões do globo, o que demonstrava sua intenção de
realizar uma espécie de cerco aos países comunistas. Em 1954, quando os EUA
entravam nos conflitos na Indochina, criava-se, também, a OTASE - Organização
do Tratado da Ásia do Sudeste-, que reunia, além dos Estados Unidos, Austrália,
Nova Zelândia, Grã-Bretanha, França, Filipinas, Tailândia e Paquistão.
Em 1955, surgiria o Pacto de Bagdá. O Pacto de Bagdá iniciou como um
acordo de defesa mútua entre Iraque e Turquia, que logo passou a reunir o Irã, o
Paquistão e a Grã-Bretanha. Pouco tempo depois, também começou a receber o
apoio direto dos Estados Unidos, fortalecendo a aliança ideológica com os países
do ocidente (HOURANI, 2006, p. 475).
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
160 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, surge, também, uma nova
organização cujo objetivo era evitar a eclosão de um novo conflito de escala
mundial: a Organização das Nações Unidas (ONU), que preza por princípios
universalistas como o de resolução pacífica de controvérsias e de
autodeterminação dos povos. A ONU também prima pela descolonização gradual
dos países afro-asiáticos, e, dentro desses princípios universalistas, a organização
clama pelo processo de descolonização de todos os povos que ainda são
subjugados por forças imperialistas.
Ao estabelecer a criação de uma Assembleia Geral, a qual devia ser
formada por todos os Estados soberanos membros da Organização, a ONU dá voz
a todos os países, fundando uma nova forma de convivência entre as nações. Pela
composição democrática, inclusiva e participativa da Assembleia Geral, lá os
países afro-asiáticos podem unir-se para clamar suas vontades e tentar garantir
que novas políticas fossem efetivamente implantadas para lidar com a questão da
descolonização.
Os atuais Estados africanos e asiáticos possuem histórias diversas, e
diversas também são as maneiras como ocorreram as formações de suas
comunidades políticas. Entretanto, a alavanca para suas aproximações
estratégicas no ano de 1955 é o conjunto de deficiências dentro do sistema
capitalista mundial: essas são tão profundas que instigaram países tão diferentes
a buscar uma aproximação. Tanto os países da África como os da Ásia foram
envolvidos por políticas de domínio realizadas por potências estrangeiras, que
mantinham estes Estados subdesenvolvidos e sem a possibilidade de
conquistarem a sua independência.
Na África, o processo de subjugação começou primeiro, iniciando-se
marginalmente no continente ainda no século XV, com a instalação de algumas
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 161
culturas primárias, como o açúcar, e com o estabelecimento de relações
comerciais com reinos africanos. À época, iniciou, também, o lucrativo processo
do tráfico de escravos, os quais primeiramente são enviados aos países europeus,
mas que irão encontrar nas colônias latino-americanas seu principal destino nos
três séculos que viriam a seguir. Segundo Diallo (2009), o processo de
colonização africana foi responsável pela destruição de toda a estrutura social
africana e, portanto, pelo aniquilamento dos processos de desenvolvimento
internos.
Um dos primeiros conflitos que ocorria no começo do processo de
descolonização africana foi a Guerra da Argélia. Já em 1945, uma rebelião em
território argelino fora brutalmente reprimida por tropas coloniais francesas. Em
1954, iniciava-se uma nova luta por emancipação, desta vez mais organizada
fortalecida pelo exemplo de movimentos nacionais de independência vitoriosos e
de apoio internacional ao desmantelamento dos regimes coloniais. A Frente
Nacional de Libertação (FNL) tomava a frente na organização do movimento de
independência. A França intensificou a repressão ao novo movimento de luta
argelino e iniciou-se uma guerra fortemente violenta em 1955. As tropas
francesas utilizavam amplamente métodos de tortura e de guerra psicológica
para quebrar a moral e a resistências das forças envolvidas na luta
anticolonialista (GALEANO, 2001, p. 153). Os países árabes no norte do
continente africano também passaram por movimentos de libertação nacional.
Em 1945, foi fundada a Liga Árabe, por Arábia Saudita, Egito, Iraque,
Jordânia, Líbano, Síria e Iêmen. Apesar da aproximação e do auxílio dos países da
Liga Árabe entre populações árabes, a Liga fracassara em um dos seus primeiros
desafios, com o conflito que sucedeu a criação do Estado de Israel em 1948.
Mesmo com o apoio da Liga, os palestinos não conseguiram fazer frente a Israel
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
162 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
durante o conflito, o que levou a uma grande diáspora e gerou o início do
problema dos refugiados palestinos.
Na Ásia, os movimentos de libertação estão divididos entre os de caráter
socialista e os de caráter nacionalista. Entre as potências imperialistas envolvidas
no continente, está a França, que saíra bastante enfraquecida da guerra mundial e
que precisava, então, ter sob seu controle absoluto seu vasto Império colonial -
que ia das colônias africanas, passando por possessões no Oriente Médio, até as
suas colônias na região da Indochina, no Sudeste Asiático. O palco dos conflitos
era o atual Vietnã, e, em 1954, após a batalha de Dien Bien Phu, os franceses
veem-se finalmente derrotados (VISENTINI, 1988, p. 42). Ainda em 1954, são
assinados os Acordos de Paz de Genebra, que dividem o Vietnã em Norte e Sul e
oficializavam a saída das tropas francesas do teatro de operações vietnamita. É
importante, ainda, ressaltar o auxílio que os comunistas vietnamitas obtiveram
da China e da URSS, entre assessores militares e equipamento para que pudesse
ser travada a luta contra a potência colonialista. A partir desse ponto, o Vietnã do
Sul passa a receber assessoria militar mais intensa do governo norte-americano,
no embrião de um futuro conflito contra o Vietnã do Norte (República
Democrática do Vietnã), comunista.
A Grã-Bretanha buscava uma forma gradual de se retirar dos seus amplos
territórios coloniais, mas, ao mesmo tempo, manter sua influência sobre os
futuros novos países. Dentro deste contexto, em meio aos movimentos por
independência, a Índia se separava da Inglaterra em 1947. O líder deste
movimento foi Mahatma Gandhi, cujas ideias consistiam na pregação da não
violência e na desobediência civil como forma de luta contra a ingerência
britânica. Logo antes da independência formal, em meio aos protestos, as tropas
inglesas deixam a Índia, e emerge uma série de conflitos que viriam a dividir o
UFRGSMUNDI
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país em dois: Índia e Paquistão. A situação delicada que envolve a independência
provoca a reaproximação da Grã-Bretanha com a Índia, e o país logra manter um
determinado grau de influência sobre sua ex-colônia. Apesar da manutenção de
laços com a Grã-Bretanha, a Índia independente logo demonstra uma série de
políticas próprias que irão aproximá-la com os movimentos nacionais de outros
países que também buscam uma terceira via.
Já na China uma guerra civil opôs os nacionalistas (Partido Kuomitang),
liderados por Chiang Kai-Shek e que contavam com amplo apoio norte-
americano, aos comunistas (Partido Comunista Chinês), que tinham, entre suas
lideranças, Mao Zedong e Zhou En-Lai. A guerra civil sobreveio ao conflito
mundial e à expulsão dos japoneses do país e demonstrava as profundas
diferenças entre os dois grupos que disputavam o poder (REIS Fº, 1982, pág. 89).
Em 1949, os comunistas derrotaram o Kuomitang e alçavam-se ao poder. O
Kuomitang invadiria a ilha chinesa de Taiwan, onde instalaram um governo
paralelo, com o nome de República da China. É este governo que mantém a
representação chinesa na ONU e que conta com a ajuda, sobretudo norte-
americana, para continuar a luta contra o governo comunista chinês de Pequim.
Além disso, foi na Ásia onde ocorreu um conflito que poderia ter
encadeado uma nova guerra mundial: a Guerra da Coreia. (FRIEDRICH, 2011).
Desde o fim da Segunda Guerra, a Coreia está dividida em dois países. Em 1950, a
Coreia do Norte, com auxílio soviético, invadia a Coreia do Sul, com a intenção de
unificar a península. O conflito escalaria com o envolvimento de uma ampla
coalizão das Nações Unidas, lideradas por um general norte-americano, Douglas
MacArthur. Do lado dos norte-coreanos, a China entra na guerra pra prestar apoio
através de seu Exército Popular. Após a guerra, a península segue dividida entre a
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Coreia do Norte, comunista, e a Coreia do Sul, que a partir de então passa a
receber amplo apoio dos países capitalistas.
A situação afro-asiática demonstra uma polarização entre dois sistemas
diversos, em um contexto de libertação nacional e eclosão de novos conflitos. Os
países precisam de estabilidade, ao mesmo tempo em que começam a construir
uma nova realidade pós-independência. Muitos, após o grande período de
dominação estrangeira, não mais querem construir suas políticas interna e
externa a partir de um alinhamento com uma nova potência. Inicia-se uma nova
fase de pragmatismo e de busca de novas formas de inserção no sistema
internacional e de desenvolvimento: uma terceira via.
2. Desenvolvimento da questão
Na Conferência de Bandung, diversas questões diretamente ligadas às
realidades dos países presentes vêm à tona. É preciso entender, antes de tudo, a
questão chave que motiva a realização da Conferência: a maior parte dos países
convidados a participar em Bandung foram colônias de potências europeias,
alguns deles, inclusive, ainda atravessam em 1955 o processo de descolonização.
Os movimentos que eclodiram em várias colônias visando à
independência nacional foram possibilitados por alguns fatores. O primeiro deles
é o enfraquecimento dos grandes impérios ultramarinos europeus, uma vez que
as metrópoles, envolvidas nos conflitos mundiais da Primeira e Segunda Grandes
Guerras, foram aos poucos perdendo a capacidade de administrar diretamente
suas colônias distantes, já que estavam totalmente mobilizadas para a guerra.
Cabe notar que muitas colônias foram palcos de conflitos, estando seus destinos,
mais tarde independentes, ligados à sorte da guerra localmente. O que importa
perceber aqui é que os movimentos emancipatórios se fortaleceram com o fim
das Guerras Mundiais e, somados à ascensão de líderes locais, desembocaram em
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 165
diversas nações independentes, com ânsias de consolidar suas soberanias e por
fim aos séculos de submissão às potências europeias.
Entram em voga, assim, diversas outras questões relativas ao passado e
ao futuro dessas nações agora independentes: os direitos humanos e a
autodeterminação - por tanto tempo lhes negados -, as disputas por territórios
que ainda encontravam-se pendentes, os caminhos para o desenvolvimento
nacional e a busca pela inserção internacional. Na Conferência de Bandung, os
líderes desses países, uns emancipados há mais tempo, outros ainda concluindo o
processo, juntam-se para encontrar soluções próprias para problemas próprios.
2.1. As vias para o desenvolvimento nacional
Os movimentos independentistas variaram em caráter nos diversos
países: desde revoluções socialistas radicais até movimentos mais moderados, de
escopo estatal ou clamando por princípios mais universalistas. Mesmo com essas
várias diferenças político ideológicas, os países que se reúnem em Bandung
convergem em dois pontos: estão todos, de sua maneira, lutando pela
independência nacional de seus países e concordam que se deveria buscar uma
nova via, menos desigual, para o desenvolvimento econômico e social de todos.
Duas visões dividemos países em Bandung: há a opinião majoritárias
daqueles que acreditam que o “desenvolvimento” ser| possível na
interdependência com a economia mundial, e aquela dos líderes comunistas, que
pensam que abandonar o capitalismo resultará na reconstrução – com a, se não
atrás da, URSS – de um mundo socialista. Os líderes capitalistas do Terceiro
Mundo [...] acreditam que a construção de uma sociedade desenvolvida
independente implica um grau de conflito com os países ocidentais dominantes.
(AMIN apud HERRERA, 2006. p. 455. Tradução própria)
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
166 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
Os países que seguem a terceira via não configuram um movimento
unificado, divergindo entre si em diversos pontos. Muitos líderes desses países
veem com preocupação a penetração do capital internacional em seus territórios
e entendem que é necessário fazer restrições à participação do mesmo na
economia nacional. Outro ponto sensível é a questão das alianças e parcerias com
as superpotências. Os países que não se alinham com o bloco capitalista ou com o
socialista, estão
“[...]preocupados em preservar a independência
reconquistada, eles se recusavam a entrar no jogo militar
internacional e serem usados como base para o cerceamento
aos países socialistas que a hegemonia norte-americana
tentava impor. No entanto, eles também acreditavam que
negar a inserção no militarismo do Atlântico não implicava
necessariamente ser colocado sob a proteção dos adversários
do Ocidente – no caso, a URSS.”(AMIN apud HERRERA, 2006. p.
455.)
Surge, em meio à discussão sobre capitalismo, socialismo ou mesmo uma
“terceira via”, um novo questionamento: a absorç~o dos Estados b|lticos pela
União Soviética com o fim da II Guerra Mundial,ou a sovietização do Leste
europeu s~o um exemplo de “colonialismo” (ARON, 1955)? Muitos defendem que
expansão soviética no Leste Europeu e na Ásia Central seriam uma forma de
neocolonialismo, com Moscou se impondo sobre os países subjugados de
maneira parecida com a que os países imperialistas ocidentais dominaram as
suas colônias.
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 167
2.2. Direitos humanos e autodeterminação dos povos
No início do século XX, os ideais de autodeterminação dos povos
(capacidade de uma nação se autogovernar e ter sua soberania completamente
preservada), que estiveram na base do processo de unificação da Alemanha e da
Itália, começaram a se difundir para o Leste Europeu e para as colônias. No
entanto, o estímulo a essas ideias era bastante limitado e abarrotado de
preconceito, uma vez que “era bom conceder a autodeterminaç~o aos povos da
Europa Oriental, porque eram europeus e [...] civilizados; mas não era bom
estender esses princípios ao Oriente Médio, África ou Ásia” (KENNEDY, 1989, p.
374-5). Mesmo assim, o ano de 1941 é marcado pelo fortalecimento dos
movimentos nacionalistas da chamada periferia do mundo, com a queda
gradativa dos impérios colonialistas na Ásia e na África, além da “mobilizaç~o das
economias e do recrutamento de mão de obra de outros territórios dependentes,
[...] influências da Carta do Atlântico84 e o declínio da Europa” (KENNEDY, 1989,
p. 375).
Ao mesmo tempo, os horrores da Segunda Guerra Mundial,
especialmente as atrocidades cometidas pelo nazismo, colocaram a questão dos
direitos humanos em evidência. A criação da ONU e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos possibilitaram certa institucionalização nas lutas pelos direitos
fundamentais e pela igualdade em diversas partes do mundo. Nos países
periféricos, o colonialismo e a exploração com o qual a população local convivia
há séculos – suprimindo elementos culturais locais e impondo costumes
84 Carta assinada, em 1941, pelo Primeiro-Ministro inglês, Winston Churchill, e pelo presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. O acordo discorre sobre acordos estabelecidos pelos dois países para o pós-Segunda Guerra Mundial, expondo suas crenças na autodeterminação dos povos, na urgência do fim das barreiras comerciais mundiais e na liberdade dos mares, entre outros pontos. Posteriormente, demais países assinaram a Carta.
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ocidentais – se tornaram elementos explosivos, que vieram a se combinar com os
anseios de autodeterminação, configurando-se como elementos essenciais e
comuns aos diferentes processos de luta por independência. A partir daí,
conceitos distintos de emancipação nacional vão orientar os diversos
movimentos nacionalistas que regeram as mudanças no sistema internacional,
transformando um mundo repleto de impérios coloniais num mundo novo,
composto por inúmeros jovens países que buscam seu espaço no cenário global.
2.3. Os nacionalismos
Os movimentos de busca pela autodeterminação dos povos e de luta pela
descolonização são alavancados por um fator essencial: os nacionalismos
africanos e asiáticos. Segundo Branco (2009), o nacionalismo é uma identidade
comum de um povo, que advêm das suas semelhanças étnicas, linguísticas,
religiosas e, sobretudo, que tem origem em um mito fundador da sociedade.
Hobsbawm (1990, apud Branco, 2009), por sua vez, completa afirmando que o
nacionalismo de um povo surge atrelado às ideias de cidadania e de participação
das massas na ingerência governamental.
Os nacionalismos que impulsionaram os movimentos descolonizatórios
estão fortemente atrelados ao desmoronamento da superioridade do homem
branco, ao amadurecimento de movimentos de libertação nacional – que até
então eram incipientes e que ganharam força no fim da Segunda Guerra Mundial-
e à crescente mobilização e consciência anticolonial dos povos dominados. Houve
grande apoio da União Soviética e da República Popular da China no último
aspecto (VISENTINI, 2007). Dentre todas as formas de nacionalismo e de
identidade cultural, destacam-se as seguintes: pan-africanismo, pan-arabismo e
pan-islamismo; os três são conceitos de cunho social, político e filosófico que
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proclamam a unidade territorial entre Estados que se aproximam em
determinados aspectos.
2.3.1. Pan-africanismo, pan-islamismo e pan-arabismo
O pan-africanismo tem sua origem no século XIX, tendo, após a Segunda
Guerra Mundial, a sua propagação máxima. O conceito busca a união dos povos
africanos ao redor da luta por melhores condições sociais da população e
reafirmação do continente como ator importante internacional. O pan-
africanismo pode ser identificado em diversos outros movimentos de negritude,
regionalistas e federalistas da África, que, em última instância, tinham as mesmas
metas: uma África unida e independente, com uma organização política,
econômica e social em prol do desenvolvimento africano (DIALLO, 2011).
Importa saber também que o pan-africanismo é clamado fora da África,
especialmente em países que já passaram pelo sistema escravocrata, como o
Brasil.
O pan-arabismo, por sua vez, tem origem no desmantelamento do
Império Turco-Otomano e visavaàunião dos povos árabes em um único Estado
Nação, sob um governo central para a consolidaç~o da “Grande Naç~o Árabe”
(FERABOLLI, 2005, p.8). Afinal, a comunidade árabe compartilhava a mesma
história e a mesma cultura. De certa maneira, o pan-arabismo é contrário a uma
presença dominante do Ocidente no Oriente Médio e tem como seu principal
porta-voz o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. Como o pan-africanismo, o
pan-arabismo se fortaleceu nas ideias de autodeterminação dos povos e na busca
pela independência política. Uma das principais consolidações do pan-arabismo
foi a criação da Liga Árabe em 1945.
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
170 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
Por fim, o pan-islamismo é a ideia que professa a união dos Estados
islâmicos. É importante diferenciá-lo do pan-arabismo: enquanto a base do pan-
arabismo é a identidade étnica, o pan-islamismo é baseado na identidade
religiosa dos países. Um dado que é facilmente confundido são os países com a
maior população islâmica: Indonésia, Paquistão, Bangladesh, Índia e Irã são os
Estados com o maior número de cidadãos que professam o Islã, e nenhum desses
países é árabe.
2.4. Problemas regionais
2.4.1. A questão Palestina
A região da Palestina, com o término da Primeira Guerra Mundial,
encontrava-se sob a dominação do Império Britânico, que apoiava a migração de
judeus para a região e a criação de um país para os mesmos. Em 1948, sob os
auspícios da ONU, é organizado um plano para criar um país israelense e um
palestino, entretanto, os segundos se sentiram espoliados com esse acordo, o que
aumentou a tensão entre os dois grupos divergentes e levou Israel a declarar sua
independência unilateralmente. No mesmo ano, os países da Liga Árabe, não
reconhecendo a independência de Israel e as suas novas fronteiras, iniciaram a
Primeira Guerra Árabe-Israelense. O conflito foi vencido facilmente por Israel
(apoiado pelos Estados Unidos e outras potências ocidentais), estendendo seus
domínios originais previstos pelo acordo da ONU(MIDEASTWEB, 2006). A seguir,
inicia-se o processo de tomada das terras palestinas e expulsão das pessoas que
lá habitam. Centenas de milhares de palestinos já se refugiaram em países
vizinhos, resultando em uma verdadeira diáspora, fazendo do povo palestino
uma nação sem território.
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 171
2.4.2. Irian Jaya Ocidental
Irian Jaya Ocidental é um conjunto de ilhas localizado no arquipélago
indonésio e que é alvo de disputas entre Indonésia e Holanda. As relações entre
essas duas nações remonta ao período das grandes navegações, quando as
potências europeias chegaram ao Pacífico. A Holanda explorou diretamente a
região através da Companhia Holandesa das Índias Orientais, estabelecendo lá
sua colônia. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão dominou o arquipélago,
expulsando aos poucos os holandeses e acabando por incentivar, mesmo que
indiretamente, os movimentos de emancipação. Ao fim da guerra, os
nacionalistas declararam a independência da Indonésia, a qual não foi
reconhecida pela Holanda que tentou reestabelecer seu mandato local. As
tensões se agravaram e um conflito teve início, apenas tendo fim em 1949, após
grande pressão internacional pelo reconhecimento holandês da independência
da Indonésia. A região de Irian Jaya Ocidental, no entanto, não foi reconhecida
como parte do novo Estado. Atualmente, Indonésia e Holanda ainda se
encontram em impasse acerca de Irian Jaya Ocidental, com a segunda negando-se
a reabrir as negociações.
3. Ações Internacionais Prévias
Com o final da Segunda Guerra Mundial e com o início da Guerra Fria e
da luta de vários povos por independência, ocorrem importantes mudanças no
cenário internacional e surge, entre os países da África e da Ásia, uma noção de
integração e de busca de autonomia. Nesse contexto, os líderes desses dois
continentes passam a se engajar em iniciativas, tanto sob o escopo da ONU como
de maneira independente, na forma de reuniões, que vão aos poucos definindo os
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
172 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
princípios e a organização do que viria a ser a Conferência de Bandung (KOCHER,
2005).
No final do ano de 1945, os Estados-membros da Liga das Nações se
reuniram na Conferência de São Francisco para criar a Organização das Nações
Unidas. Na Carta da ONU, assinada pelos 51 países fundadores, os objetivos da
organização ficam assim definidos: defender os direitos fundamentais do ser
humano e a igualdade entre nações, garantir a paz mundial, buscar mecanismos
para promover o progresso social e econômico para todos os povos e criar
condições para a manutenção da justiça e do direito internacional (CONHEÇA...,
2013). Para que a ONU pudesse exercer suas múltiplas funções, foram criados
seis comitês principais; um deles, o Conselho de Tutela85, é responsável pela
supervisão e administração de territórios tutelados. O regime de tutela busca
assegurar a igualdade de tratamento entre os membros das Nações Unidas e tem
como finalidade básica fomentar o desenvolvimento político, econômico e social
das regiões sob sua gerência para que essas áreas possam estruturar governos
próprios e atingir a independência (CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945).
Quase simultaneamente à criação da ONU é realizado o Quinto Congresso
Pan-Africano86, em Manchester, Inglaterra. “Neste congresso, pela primeira vez,
durante toda a história do movimento pan-africano, os representantes africanos
eram os mais numerosos e os debates envolveram, essencialmente, a libertação
da África colonizada” (CHANAIWA; KODJO, 2010, p. 897). Dirigindo-se às
potências coloniais, esses representantes demandavam a total independência de
grupos étnicos submetidos ao controle das potências europeias, o fim da
85 Os outros cinco órgãos principais que compõem as Nações Unidas são o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado. 86O pan-africanismo nasceu como um movimento em favor da luta dos negros contra a exploração e o domínio dos brancos e em prol da libertação (CHANAIWA & KODJO, 2010).
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 173
discriminação baseada em raça e em sexo e a libertação da África do domínio
político e econômico dos imperialismos estrangeiros. Esse encontro transformou
o pan-africanismo em uma ideologia nacionalista e unificadora do continente
africano. A independência política passa a ser vista como a primeira etapa para os
povos atingirem a total emancipação econômica, cultural e psicológica
(CHANAIWA ;KODJO, 2010).
Já em 1948, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (DUDH), documento que estabelece direitos individuais,
civis, sociais, econômicos e culturais, inalienáveis, indivisíveis e iguais para todos
(SANCHEZ, 2008). Após as tragédias humanitárias ocorridas na primeira metade
do século XX, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial (temos o
Holocausto como principal exemplo), a comunidade internacional buscou
elaborar um documento que promovesse uma relação amistosa entre os povos e
estimulasse o respeito universal e efetivo dos direitos e liberdades fundamentais
do homem. Alguns dos mais importantes artigos da DUDH colocam os indivíduos
como livres e iguais – independentemente da etnia, sexo ou de qualquer outro
fator –, estabelecem a liberdade de opinião e de expressão, defendem que a
vontade do povo seja a base da autoridade do governo e que essa seja exprimida
através de eleições honestas e com sufrágio universal, e definemque todos têm
direito à educação e a condições de vida dignas (DUDH, 1948). Mesmo sem valor
de coerção, a declaração é base para o direito internacional relativo aos direitos
humanos.
Menos de uma década após a aprovação da DUDH, em 1954, ocorre outro
fato de importância direta para a formaç~o do chamado “espírito de Bandung”: a
assinatura do Acordo Sobre Comércio e Transporte entre Índia e China.
Esboçando as principais estruturas da proposta de nãoalinhamento, os Cinco
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174 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
Princípios de Coexistência Pacífica (o Pan Shila) figuravam no preâmbulo do
acordo e tinham como elementos centrais o respeito mútuo à integridade
territorial e à soberania dos países, a não agressão, a não intervenção em
assuntos internos, o estabelecimento de igualdade e benefícios mútuos e a
coexistência pacífica (VISENTINI, 2004). Esses pontos eram tidos como
orientação primordial para as relações entre países com diferentes sistemas
sociais e sua difusão para o mundo todo era vista como necessária para garantia
da paz (KOCHER, 2005). Posteriormente, esses princípios foram ratificados
também pelos líderes da Birmânia e da Indonésia (VISENTINI, 2004).
Também em 1954 é realizada a Conferência de Colombo, que reuniu
Ceilão, Birmânia, Índia, Indonésia e Paquistão com o objetivo de discutir assuntos
de interesse comum. Entre os elementos de importante repercussão
internacional apresentados nesse encontro estão a noção de comunismo e
anticomunismo como uma justificativa inconsistente para intervenção, um
acordo para condenar qualquer interferência externa em assuntos nacionais e,
por fim, a manifestação de uma posição de neutralismo no contexto mundial.
Ainda em Colombo foi debatida a sugestão de realização de uma
conferência de nações afro-asiáticas, apresentada pelo primeiro ministro
indonésio, Ali Sastroamidjojo, em 1953.Aprovada a proposta, os chefes de Estado
se engajaram na organização de uma reunião para estudar as questões
vinculadas a essa iniciativa (OPCIÓN..., 2005). Nesse encontro preparatório, que
teve lugar em Bogor, Indonésia, os “Cinco de Colombo” se colocaram como
anfitriões da conferência que será realizada em Bandung, e que terá como
objetivos:
Fomentar a boa vontade e compreensão entre as nações da Ásia e África;
estudar e favorecer os seus interesses mútuos e comuns para estabelecer e
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 175
promover a amizade e relações de boa vizinhança; examinar os problemas que
interessam especialmente aos povos da Ásia, por exemplo, os problemas que
afetam a soberania nacional como o racismo e o colonialismo; apreciar a posição
da Ásia e da África e dos seus povos no mundo contemporâneo, bem como a
contribuição que eles podem dar ao fortalecimento da paz e cooperação
internacional (ASIANS..., 1954)
As decisões dos governantes reunidos em Borgor receberam grande
atenção da comunidade internacional, especialmente das nações africanas e
asiáticas. Com essas ações, pode-se perceber a tomada de consciência, por parte
dos povos africanos e asiáticos, do papel que potencialmente poderiam
desempenhar no contexto internacional. Mais do que o fim do monopólio das
relações internacionais por parte das grandes potências, essas atitudes
representam um novo comportamento dos países do Terceiro Mundo,visando
uma política independente e uma união entre países. Como afirmado por Nehru,
primeiro ministro indiano, “a abertura da primeira conferência afro-asiática
impactou todo o mundo com o significado de que, enfim, os países asiáticos e
africanos [...] haviam despertado” (OPCIÓN..., 2005).
4. Posicionamento dos países
De maneira geral, podem-se estabelecer três grandes grupos de interesse
que tenderão a se formar na Conferência. O primeiro é o bloco mais neutralista,
que visa ao fortalecimento de uma posição de equilíbrio entre as duas
superpotências. O segundo grupo é mais favorável ao bloco capitalista, e,
sobretudo, aos Estados Unidos. Por fim, está o bloco vinculado ao socialismo e a
uma aproximação da URSS. Essa classificação, embora ajude a visualizar com
mais clareza a correlação de alinhamentos de interesses na conferência, é muito
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
176 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
geral, sendo necessário um estudo mais concentrado em cada um dos países
(BIDET, 1955).
Em 1949 é fundada a República Popular da China, após uma guerra
civil de mais de vinte anos. Por fim, o Partido Comunista Chinês derrotara o
Kuomintang, partido nacionalista. Sob a liderança de Mao Zedong, o país
embarcou em uma série de profundas reformas sociais, coletivizando terras e
promovendo a criação de indústria de base. A China conhece muito bem as
mazelas do colonialismo, já que sofreu por quase um século da exploração
europeia e japonesa. Além disso, enfrentou uma árdua guerra contra os
japoneses, entre 1931 e 1945, e a guerra civil, que deixou marcas profundas.
Dessa forma, a soberania sobre seus interesses internos é algo prioritário para o
governo chinês. O país tem fortes laços econômicos com a União Soviética, e
chegou a lutar contra os Estados Unidos na Guerra da Coreia, dessa forma
estando alinhado ao bloco socialista. Porém, após o fim da Guerra na Coreia (que
terminou em um empate)e da Guerra na Indochina, a China quer certa
acomodação internacional (VISENTINI, 2008, p.53). Portanto, sua posição será
mais de aproximação com os novos países independentes do que de confrontação
aberta e irrestrita ao bloco capitalista. De qualquer forma, o papel da China é de
grande importância, devido a seu tamanho e potencial, e seu representante,
ZhouEn-Lai, é um dos diplomatas mais conhecidos e habilidosos do mundo.
Afinal de contas, a China decide se colocar como a “voz do Terceiro Mundo”.
Em 1954, teve fim a Guerra da Indochina, conflito onde a França perdeu
suas colônias no sudeste asiático. Dentre essas colônias, havia o Vietnã, que
ganhou sua independência, mas foi dividido em dois países após a Conferência de
Genebra. Ao norte do paralelo 17, a República Democrática do Vietnã,
governada por Ho Chi Minh, líder revolucionário que derrotou a França,
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 177
implantava-se um modelo socialista. Portanto, em 1955, o país passa por uma
série de transformações, com a implantação de reformas agrárias e da
industrialização. O país tem uma série de parcerias com a República Popular da
China, que inspira seu modelo de reformas socialistas, e com a União Soviética, da
qual também recebeu auxílio. Dessa forma, o país tenderá a se alinhar com o
bloco socialista, embora preze pela sua independência e pela unidade do país
acima de tudo (VISENTINI, 2008).
Muito diferente é a situação ao sul do paralelo 17, onde o Vietnã do Sul
sofre forte influência dos Estados Unidos, que lhe presta forte auxílio econômico,
através do plano Vietnã Livre, um auxílio de 250 mil dólares de ajuda anual
(VIZENTINI, 2008). Ngoh Dinh Diem, o primeiro ministro, promove uma
repressão contra os comunistas em seu país, e conta com ajuda dos Estados
Unidos nesse processo. Pode-se esperar, portanto, que este país seja favorável ao
alinhamento com o bloco capitalista (VISENTINI, 2008).
De todos os países da Conferência de Bandung, chama atenção o Reino
da Tailândia, único país asiático que nunca foi colonizado. Isso se deveu
basicamente ao fato de seu território ter ficado entre a Indochina francesa e a
Birmânia inglesa, o que a transformou em um estado-tampão87 entre os dois. A
despeito disso, o reino sofreu influência ocidental e perdeu alguns territórios
para os ingleses e os franceses. Desde 1932, o país se tornara uma monarquia
constitucional. Após a Segunda Guerra Mundial, a Tailândia se converteu em
aliada dos Estados Unidos, tornando-se país-membro da OTASE. Dessa forma, é
esperado um alinhamento com os países que apoiam o bloco capitalista.
87Estado-tampão é uma expressão utilizada para denominar um estado que se localiza no meio de duas zonas em oposição.
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178 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
Também uma ex-colônia francesa, o Reino do Laos estava em uma
guerra de libertação nacional liderada pela guerrilha comunista, conhecida como
Pahet Lao, até os acordos em Genebra, quando foi reconhecido como um reino
plenamente independente. Porém, quem passou a governar o país foi uma
monarquia constitucional, e o Pahet Lao continuou a enfrentar o governo. Para
conseguir resistir à insurgência comunista, o Laos se tornou extremamente
dependente dos Estados Unidos, que bancam cem por cento dos gastos militares
do novo país(VISENTINI, 2008). Por conta disso, e também devido à sua aliança
com o reino da Tailândia, o Laos alinha-se com o bloco capitalista.
O Reino do Camboja foi colônia francesa até 1953, quando obteve a
independência. Embora o país também enfrente uma guerrilha comunista, o
Khmer-Issarak, esta não chega a ser ameaça direta ao regime. Seu primeiro-
ministro, NorodomS ihanuk, foi rei até um mês antes da conferência, quando
abdicou de ser rei para se tornar primeiro ministro. Este, além de representante
do Camboja em Bandung, é uma figura de enorme importância na história
cambojana e um convicto neutralista (VISENTINI, 2008). Tendo relações com
vários países, tanto socialistas quanto capitalistas, o Camboja terá uma firme
posição em favor do neutralismo, e não de um alinhamento com nenhum dos dois
blocos da bipolaridade.
A Birmânia se tornou independente do domínio inglês em 1948 e
passou a ser uma democracia. O país tem problemas internos com conflitos entre
diferentes etnias, o que levou o primeiro-ministro, U Nu, a se apoiar em um
projeto de federalismo budista, buscando usar essa religião como uma
ferramenta política para unir as diversas etnias do país (RIBEIRO, 2012). Com
uma política fortemente nacionalista e neutralista, o país é um dos líderes da
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 179
Conferência de Bandung, e sua experiência com conflitos étnicos internos pode
servir para ajudar a mediar as diversas tendências presentes.
Sem dúvida alguma, a Indonésia é uma das principais lideranças da
Conferência de Bandung. Na realidade, a própria ideia de realizar o evento partiu
do seu ministro de Relações Exteriores. Ainda um país muito jovem, tendo
adquirido sua independência dos Países Baixos em 1949, a Indonésia ainda tem o
território da Papua Ocidental ocupado pelo seu antigo colonizador. Sua posição é
muito pautada pela revolução anticolonial e pelo apoio às independências
nacionais, e, embora o seu presidente, Sukarno, seja do Partido Comunista da
Indonésia, o país é neutralista, não sendo alinhado ao bloco socialista (PITT,
2011).
As Filipinas haviam, primeiramente,sido uma colônia da Espanha, mas
no século XIX passaram ao domínio estadunidense. Em 1946, após a Segunda
Guerra Mundial, o país obteve a independência, embora tenha se mantido muito
dependente dos Estados Unidos. O governo de Ramon Magsaysay, que foi eleito
com apoio norte-americano, é um sólido aliado do bloco capitalista e membro da
OTASE. Portanto, um alinhamento com o bloco capitalista é esperado.
O Japão, embora nunca tenha sido uma colônia, foi ocupado pelos
Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, até 1952. A história japonesa
na realidade é bastante singular, e é diametralmente oposta à da maioria dos
países da conferência. No século XIX o país passou por um processo de
modernização e crescimento chamado de Restauração Meiji, que impediu que o
país fosse colonizado, e, ao invés disso, se tornasse ele próprio uma potência
colonial, conquistando diversos territórios. Tal situação chegou ao extremo na
época da Segunda Guerra Mundial, quando o país, alegando combater o
imperialismo europeu e promover a integração na Ásia, invadiu uma série de
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
180 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
países. Por fim, o país perdeu a guerra e passou a ser ocupado pelos Estados
Unidos. No momento, o primeiro-ministro, IchiroHatoyama, busca adquirir mais
independência dos Estados Unidos e se aproximar da União Soviética e da China
(MAGNO, 2010). Nesse sentido, o Japão adota uma postura neutralista.
O Egito, apesar de ser oficialmente independente da Inglaterra desde
1932, só conseguiu sua soberania nacional com a derrubada da monarquia de
Faruk que reinava com apoio inglês em 1952, através do golpe de estado
encabeçado pelo coronel Gamal Abdel Nasser (VISENTINI, 2007, p.102), que
tornou o país uma república. Nasser é conhecido pelo grande estadista
nacionalista que é, por sua forte eloquência contra o colonialismo, e pela defesa
do pan-arabismo e pan-africanismo(MAZRUI; WONDJI, 2010). O presidente é
responsável por reformas sociais, pelo combate a grupos islâmicos e pela
instituição de um regime laico e modernizador no Egito, além da promoção da
reforma agrária, de melhoramentos na educação e no saneamento egípcios
(VISENTINI, 2012a, p.29). O peso egípcio - por sua importância geopolítica e
geoestratégica, principalmente pela questão do Canal do Suez – é enorme e seu
chefe de Estado, autodeclarado socialista, é um dos nomes mais importantes da
corrente terceiro-mundista.
A Líbia, do século XIX à Segunda Guerra Mundial, foi colônia italiana. A
partir de 1945, entretanto, seu território ficou a cargo de tropas britânicas e
francesas, que reconduziram o rei Idris I ao trono, atual governante do país. Em
24 de dezembro de 1951, a Líbia se tornou um país independente (VISENTINI,
2012b, p.34). Hoje, encaixa-se a Líbia no grupo de países aliados ao Ocidente,
especialmente aos Estados Unidos e à Grã-Bretanha. O país tem bases norte-
americanas e britânicas em seu território atualmente.
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 181
A década de 50 é um período de conturbação histórica na Etiópia: tendo
como chefe de Estado um Imperador que havia promulgado Constituição que lhe
dava poderes divinos e, recém libertado da dominação italiana por tropas
francesas e inglesas durante a Segunda Guerra Mundial, o país passa por um
processo de modernização e reformas políticas. Em 1952, a Eritreia é integrada à
Etiópia como estado federado (VISENTINI, 2012b, p.169). Haile Selassie, atual
governante etíope, é considerado o Deus da religião rastafári e é famoso pelo seu
protesto contra o uso de armas químicas por parte da Itália no povo etíope.
Dentre os demais países, a Etiópia posiciona-se na ala neutralista e
independentista e é preocupada em condenar o colonialismo, apesar de uma
maior concordância com algumas potências, como com a Grã-Bretanha.
A Costa do Ouro atualmente vive uma transição política: o país sofre
com o domínio da Grã-Bretanha desde 1896, quando a potência interviu na
região por fins comerciais e incorporou o território. O comando britânico teve um
caráter progressivamente repressivo, o que culminou na situação atual do país,
com um crescente ganho de consciência nacional em relação ao seu domínio
colonial e situação social. Hoje, o Partido da Convenção para o Povo (CPP)
organiza uma oposição que tem crescido fortemente no Estado (VISENTINI,
2012b, p.91). A Costa do Ouro, entretanto, ainda é hoje uma colônia britânica,
porém o CPP obteve significativas vitórias nos últimos anos: em 1951, o partido
obteve a grande maioria das cadeiras parlamentares do país e, no ano seguinte, o
líder do partido, Kwame Nkrumah, foi eleito o Primeiro Ministro quando ainda
estava preso no país pela administração britânica, preocupada com o carisma do
líder. Nkrumah é um dos grandes nomes da luta contra o colonialismo: adepto da
ideologia da desobediência civil, o Primeiro Ministro proclama o pan-africanismo
e se considera marxista. Sua história e seu inconformismo anticolonial inspiram
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
182 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
inúmeras independências africanas e o Primeiro Ministro é hoje um chefe de
Estado nacionalista e governa buscando a industrialização e a melhora das
condições sociais do povo da Costa do Ouro.
A República do Líbano conquistou sua independência em 1943 e, desde
então, o país continuou a sofrer grande influência ocidental, principalmente da
França. A república libanesa posiciona-se na ala mais pró-ocidental e preocupa-se
em condenar o comunismo soviético.
Em 1920, a Liga das Nações transformou a monarquia árabe da Síria em
um mandato francês. Anteriormente, o país já havia sido diretamente dominado
pela potência europeia, conforme o acordo Sykes-Picot88. Em 1943, entretanto, a
Síria conquistou sua independência total, depois de sua população – estimulada
pela atmosfera que o fim da Primeira Guerra Mundial trouxe - ter se engajado em
uma luta anticolonial contra a França. A partir de então, o país se tornou um
importante ator internacional no Oriente Médio. (GUIMARÃES; ROBERTO, 2012).
Em 1954, o país sofrera com um golpe nacionalista, o que o torna, hoje, um aliado
egípcio no pan-arabismo e da corrente neutralista.
O moderno Reino da Arábia Saudita foi estabelecido em 1932. O Estado
é governado pela dinastia Saud89, que desenvolveu um nacionalismo de oposição
à penetração europeia na região, evitando que o país sucumbisse ao colonialismo.
Ao mesmo tempo, estabeleceu uma aliança que perdura até hoje com os Estados
Unidos, concedendo à empresa petrolífera norte-americana Standard Oil o direito
de comercializar o petróleo extraído em seu território (VISENTINI, 2012a, p.36).
88Acordo assinado em 1916 entre França e Grã-Bretanha acerca das esferas de influência que ambos dividiriam no Oriente Médio. 89Família oriunda do deserto, que se apoia no Wahabismo – a primeira seita fundamentalista islâmica (VISENTINI, 2012a, p.36).
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Portanto, o regime monárquico conservador da dinastia Saud posiciona-se na ala
favorável aos Estados Unidos e que se opõe fortemente ao nasserismo egípcio.
Da mesma maneira, o Irãtem hoje uma monarquia aliada ao ocidente,
especialmente aos Estados Unidos. Xá Reza Pahlevi, chefe de Estado iraniano,
possui o maior e melhor exército dos países muçulmanos,– posicionado a sul da
fronteira soviética- e tem um governo de acelerada modernização econômica,
laico, autoritário e anti-islâmico (VISENTINI, 2012a, p. 38). Em 1953, o Primeiro-
Ministro Mossadeg, responsável pela nacionalização do petróleo, foi derrubado
por um golpe articulado pela CIA90 mostrando a influência dos EUA no Estado
persa. O Irã recentemente assinou o Pacto de Bagdá e, quanto a sua política
externa, segue a linha pró-Ocidente.
Em 1947, a Índia conquistou sua independência da Grã-Bretanha, após
crescente reação interna e pressão externa (VISENTINI, 2011, p. 43), com a luta
de independência encabeçada pelo Partido do Congresso Nacional Indiano,
partido liderado por Mahatma Gandhi até sua morte. A partir de então, o
Primeiro-Ministro passou a ser Jawaharlal Nehru, com a constituição laica e
republicana publicada em 1950. Nehru é um dos grandes nomes da ala
neutralista e terceiro-mundista: segundo Mukherjee (2008), Nehru tem uma
forte e marcante concepção de política externa indiana independente e constrói
uma alternativa internacional que foge de qualquer tipo de colonialismo ou
imperialismo. Jawaharlal Nehru é um crítico enfático às alianças militares
guiadas pelos interesses da União Soviética e dos Estados Unidos, tais como a
OTASE e o Pacto de Bagdá, além de ser um dos grandes líderes da luta contra o
desarmamento das grandes potências. Dessa maneira, Nehru é o grande nome da
90 Central IntelligencyAgency, (Agência Central de Inteligência) dos Estados Unidos.
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
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transição da política externa indiana neutralista para o chamado “neutralismo
positivo”, em que o Primeiro Ministro n~o só se mantém fora das alianças
militares, mas que também trabalha contra qualquer forma de dependência
colonial para a África e para a Ásia. É importante destacar que a Índia tem hoje
importantes tratados de cooperação com a União Soviética.
Juntamente com a Índia, o Paquistão conquista sua independência com
o fim do Império Colonial das Índias britânicas em 1947. O país é hoje a junção
das regiões muçulmanas do subcontinente indiano, e seu território é separado
pela Índia. O Paquistão fazia parte da Índia, porém diferenças, como a religiosa,
foram motivos para o povo paquistanês demandar sua separação. Enquanto o
Partido do Congresso Nacional Indiano foi o grande propulsor da independência
indiana e professava a religião hinduísta, a Liga Muçulmana foi criada em 1906 e
buscava preservar os direitos dos islâmicos. Em função da separação dos dois
Estados, disputas territoriais existem hoje entre Índia e Paquistão acerca das
regiões da Caxemira e Jammu, culminando na guerra Indo-Paquistanesa em
1948. Diferentemente da Índia, o Paquistão construiu sua política com uma maior
inclinação para a cooperação com o Ocidente e uma menor preocupação
independentista. Apesar de tal fato, o Estado paquistanês trabalha durante a
Guerra-Fria para um equilíbrio entre as duas grandes potências e, portanto, pode
ser inserido na corrente neutralista.
Após ter sido território de monarquia indiana, colônia portuguesa e
holandesa e, posteriormente, cedido como colônia à Coroa britânica, o Ceilão
obteve sua independência em 1848 (CIA, 2013). Seu atual Primeiro Ministro é Sir
John Kotelawala, militar que subiu ao poder em 1953. Inserido no contexto da
Guerra Fria, Kotelawala preocupa-se em condenar o que chamava de
colonialismo soviético. Ademais, o Primeiro Ministro busca combater as
UFRGSMUNDI
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dependências coloniais afro-asiáticas, encaixando-se na ala que busca a via
independente de política externa.
A Turquia moderna foi criada em 1923, a partir dos restos do
desmembrado Império Turco-Otomano, com Mustafa Kemal, líder da
independência nacional turca, como primeiro presidente da República. Kemal
empreendeu uma série de reformas sociais e políticas na Turquia (CIA, 2013).
Após a Segunda Guerra Mundial, a Turquia passou a delinear-se como um Estado
com uma política externa pró-Ocidente, aderindo em 1952 à OTAN e,
recentemente, ao Pacto de Badgá. O Estado é hoje um eloquente crítico ao
comunismo soviético e a seu expansionismo.
Após ter sido parte do império Otomano e ocupado pela Grã-Bretanha,
oReino do Iraque obteve sua independência em 1932, tornando-se um Estado
monárquico livre, mas ainda com fortes influências britânicas. O atual rei, Faiçal
II, subiu ao trono em 1939 - com ajuda britânica -, quando ainda não possuía a
idade necessária para reinar. Hoje o reino é um importante aliado de sua antiga
metrópole no Oriente Médio e é membro do Pacto de Bagdá desde fevereiro de
1955. O Reino Hachemita da Jordânia, por sua vez, também passou pelo
domínio da Grã-Bretanha, sob o status de Mandato britânico, até 1946, quando a
monarquia ganhou o caráter que tem hoje. Igualmente, é uma dinastia
conservadora pró-inglesa, em que o atual Rei Hussein destaca-se por sua
rivalidade com os sauditas (VISENTINI, 2012a, p.38).
O Reino Mutawakkilita do Iêmen, ou simplesmente Iêmen,
conquistou sua independência do Império Otomano em 1918. Seu
atual rei, Ahmad ibnYahya, se tornou governante em 1948. Durante a década de
30, o país passou por alguns conflitos territoriais internos e por certas
divergências com a Arábia Saudita. O Iêmen posiciona-se na ala neutralista: além
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
186 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013
de Ahmad ser um importante aliado de Nasser e de seu nacionalismo
independentista, o país tem graves discordâncias com a Grã-Bretanha em função
da soberania de Aden91, que hoje é colônia britânica e é reivindicada pelo Reino
do Iêmen.
O Sudão, que desde o fim do século XIX é palco de disputas territoriais
entre egípcios, franceses e ingleses, passou à condição de "condomínio anglo-
egípcio" no início do século XX. Por volta de 1950, despontou no país um forte
movimento nacionalista, que, em 1953, estabeleceu um governo autônomo
(VISENTINI, 2012b, p.60) e, em 1954, elegeu um parlamento formado apenas por
sudaneses. Apesar dessas alterações no comando nacional, o país ainda mantém
o status de colônia. O atual governante do Sudão é Ismail Al-Azhari, que se coloca
a favor de uma política de independência total de seu Estado e defendendo os
movimentos de libertação africanos. O Sudão possui hoje estreitas relações com a
Índia – a título de exemplo, os sudaneses receberam o auxílio dos indianos para a
condução das eleições para o parlamento de 1954. A experiência colonial comum
levou à convergência de visões acerca de assuntos internacionais e ambos veem
suas relações como um modelo de cooperação entre Estados neutralistas.
(LARGE;PATEY, 2011).
A Libéria tem um processo de formação único na História, já que foi
fundado por escravos libertos. No início do século XIX, os Estados Unidos
decidiram enviar seus escravos alforriados para o continente africano. Entre
1821 e 1847, grupos de escravos libertos migraram para a África Ocidental,
criando uma colônia. O problema é que a região já era habitada por povos locais,
e disputas entre os seus habitantes originais e os recém-chegados marcaram a
91 Cidade portuária e suas imediações. A região é colônia britânica desde 1937.
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História do país. Em 1847, a colônia ficou independente, passando a se chamar
Libéria. Dessa época em diante, o país foi governado pela minoria dos chamados
Americano-Liberianos, que haviam colonizado o país. Embora fossem apenas 5%
da população, conseguiram permanecer no governo, e mantinham uma relação
de grande dependência dos Estados Unidos. Na prática, era quase uma colônia. A
situação mudou radicalmente em 1944, quando William Tubman foi eleito para a
presidência. Ele empreendeu um processo de modernização do país, atraindo
investimentos, aumentando a produção e integrando o país por meio de
ferrovias. Também adotou uma identidade africana para o país, chamando
representantes dos povos originais africanos para o governo. Além do mais,
incentivou a promoção da cultura africana (SURET-CANALE & BOAHEN, 2010, p.
223-226). Dessa forma, se espera que a Libéria assuma uma
posição neutralista na Conferência de Bandung.
O Reino do Afeganistão corresponde à parte do território da Ásia
Central que fez parte das disputas imperialistas entre os impérios inglês e russo
durante o século XIX, o chamando “Grande Jogo”. O Tratado de Rawalpindi
marcou o fim dos conflitos diretos da nação afegã com as potências e
transformou o Afeganistão em um Estado soberano independente. Desde então,
os reis afegãos empreendem políticas de modernização nacional, com ênfase na
educação igualitária e destaque para a abolição da escravidão em 1923, além de
buscar o fim do isolamento internacional do país. É importante ressaltar que o
Reino do Afeganistão não está alinhado a nenhuma das ideologias que dividem o
mundo atualmente, vindo a defender uma posição neutra na Conferência de
Bandung, onde será representado pelo senhor Abdul Rahman Pazhwak.
Governado por uma Monarquia e com o início de um tipo de experiência
democrática, o Nepal chega a Bandung com um novo rei, Mahendra Bir Bikram
Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)
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Shah, que assumiu o trono após a morte de seu pai, o rei TribhuvanShah, em
março de 1955. A maior parte do reinado de Tribhuvan havia sido na verdade
como um rei fantoche, pois o poder de fato repousava na figura do primeiro-
ministro, que era da dinastia rival Rana. A dinastia Rana havia ascendido ao
poder com apoio britânico. O Nepal por essa época era visto como parte de uma
zona de separação dos territórios britânicos (Índia) da China. Essa situação muda
em 1951 quando, após um breve exílio, Tribhuvan volta ao Nepal, com apoio
indiano. Dessa maneira, havia interesses indiano e chinês na política interna
nepalesa: o interesse da Índia deveu-se à intervenção chinesa no Tibete, em
1950; a China, por sua vez, buscava aumentar sua influência e controle sobre a
província tibetana, que faz fronteira com o Nepal, e esse movimento causou
alguma preocupação nas autoridades indianas. A Índia busca, então, através do
fortalecimento da dinastia Shah, fortalecer um governo que fosse seu aliado na
região. Junto com a conquista do poder real por Tribhuvan, emergiu o Congresso
Nepalês, partido formado por correntes que lutavam por participação política e
que sustentou o retorno do rei ao país. Aliado à Índia, o Nepal é um ator
neutralista e incorpora o discurso não-alinhado nas suas relações exteriores.
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Resumo
A Conferência Afro-Asiática ou Conferência de Bandung foi a primeira manifestação do
Terceiro Mundo, com a ideia de não-alinhamento e concepção crítica do papel dos países centrais nas
ex-colônias. Ela aconteceu em 1955, a partir da iniciativa de Indonésia, Índia, Paquistão, Ceilão (atual
Sri Lanka) e Birmânia, contando com a participação de representantes de 23 países asiáticos e 6
países africanos. A Conferência inseriu-se no contexto da Guerra Fria, onde as duas grandes potências
do pós-guerra buscavam expandir suas áreas de influência nos países periféricos. Por outro lado,
crescia o sentimento de necessidade de autonomia nacional nesses mesmos países, que por décadas –
e até séculos – foram assolados pelo colonialismo europeu. Os representantes, assim, discutirão as
alternativas à dominação – ideológica, política e econômica – das potências, as possibilidades de
integração e cooperação entre eles, afastando o espectro do neocolonialismo de Estados Unidos e
União Soviética.
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 193
Organização dos Estados Americanos (OEA)
Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
André França92
Bruna Coelho Jaeger93
Giordano Bruno Antoniazzi Ronconi94
Guilherme Simionato95
Luísa Saraiva96
A OEA foi fundada em 1948 para alcançar, como estipula o Artigo 1º da
Carta, “uma ordem de paz e de justiça, para promover solidariedade, intensificar
a colaboraç~o, defender a soberania, a integridade territorial e a independência”,
através dos pilares de democracia, direitos humanos, segurança e
desenvolvimento, os quais se apoiam mutuamente por meio de uma estrutura
que inclui diálogo político, inclusão, cooperação, instrumentos jurídicos e
mecanismos de acompanhamento. A OEA mantém a preocupação permanente
quanto ao problema das drogas no continente americano. Levando em conta os
efeitos devastadores que os narcóticos podem causar à sociedade, a busca por
92Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 93Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 94Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 95Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 96Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
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soluções conjuntas entre os Estados para a redução da oferta de drogas é um
tópico majoritário e em constante debate na OEA. A fim de garantir que tais
soluções sejam alcançadas, a OEA criou em 1986 a Comissão Interamericana para
o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) da Secretaria de Segurança
Multidimensional da OEA, na qual mantém o Observatório Interamericano sobre
Drogas (OID), bem como seções de Redução da Oferta de Drogas, de
Fortalecimento Institucional e Programas Integrados, entre outras.
1. Histórico
Mais do que uma mera planta utilizada para fins medicinais e para
hábitos alimentares, a coca é um símbolo cultural dos povos indígenas da região
andina, fazendo parte de diversos rituais sociais e religiosos. Até hoje
amplamente consumida em países como Bolívia, Peru e Colômbia, o uso da folha
de coca e seu valor simbólico atravessam os milênios. As primeiras evidências
arqueológicas de seu uso datam de 2.500 a.C. (EL PAÍS, 2011); diversos povos
pré-Colombianos veneravam a folha como milagrosa e os Incas afirmavam que o
Deus Sol havia a criado para matar a sede, acabar com a fome e fazer com que os
homens esqueçam o cansaço (FERREIRA & MARTINI, 2001).
Com a dominação do Império Espanhol sobre as Américas Central e do
Sul, a Igreja Católica buscou proibir o consumo da folha por considerá-la com
“propriedades sat}nicas” (EL PAÍS, 2011). No entanto, por ser indispensável
como suplemento aos índios agora explorados nas minas de outro e prata, esta
determinação não vingou. A coca passou a ter um papel fundamental na
economia colonial espanhola, pois dela dependia a produtividade dos
trabalhadores, tendo em vista suas propriedades químicas energizantes, as quais
possibilitavam que os mineradores tivessem uma jornada de trabalho mais longa
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e com menos comida. Sua fama de substância energizante chegou à Europa no
século XIX, quando produtos como vinhos tintos tratados com folhas de coca
tornaram-se populares, inclusive entre a nobreza (CESENA, 2011).
Devido à sua difusão, ocorre um aumento de pesquisas científicas acerca
da folha de coca. Em 1859, pela primeira vez se isola o
alcaloidebenzoilmetilecgonina, a cocaína. Esta passou a ser amplamente utilizada
como medicamento, tendo como grande propagador de sua fama Sigmund Freud
(FERREIRA & MARTINI, 2001). O psicanalista escreveu, em 1884, um artigo
intitulado Über Coca, propagando os benefícios da cocaína e a denominando
“subst}ncia m|gica”:
“estimulante, afrodisíaco, anestésico local, assim como
indicado no tratamento de asma, doenças consuptivas,
desordens digestivas, exaustão nervosa, histeria, sífilis e
mesmo o mal-estar relacionado a altitudes” (FREUD apud
FERREIRA & MARTINI, 2001, p. 97).
Apesar disso, o boom de popularidade da coca nos países europeus e da
América do Norte se inicia com a invenção da Coca-Cola (1866), que
originalmente continha cocaína em sua fórmula. Seus efeitos revigorantes
fizeram a fama do refrigerante. Os avanços no refino da substância e a ausência
de legislação e regulamentação governamental permitiram à indústria criar
diversos produtos à base de coca: cigarros, balas, pó e até líquidos injetáveis. No
final do século XIX, o hábito de cheirar cocaína se dissemina e se torna popular
entre os trabalhadores, a quem era fornecida como forma de dar energia para os
trabalhos braçais (MEDCLICK, 2010).
No primeiro quarto do século XX, os diversos casos de dependência e a
divulgação de estudos científicos sobre os malefícios da cocaína fizeram diminuir
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
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seu uso. Surgem as primeiras regulamentações e restrições legais, como o
primeiro acordo internacional antidrogas – a Convenção Internacional do Ópio,
de 1912 –, o Harrison Act, de 1914, nos EUA, e o Decreto-lei Federal nº 4.292, de
6 de julho de 1921, no Brasil (FERREIRA & MARTINI, 2001).
Mesmo assim, um novo boom de consumo de cocaína volta a ocorrer na
década de 1970, passando a ser a droga “da moda”. É o momento dos grandes
cartéis de droga colombianos de Medellín e de Cáli, que tornaram famosos
traficantes como Pablo Escobar. Apesar da fama, os cartéis de droga não se
restringiram à Colômbia, espalhando-se por outros países das Américas. Os
Estados Unidos figuravam como um dos principais destinos da cocaína.
O auge dos cartéis de droga nos anos 1980 causou diversos problemas
sociais profundos, com reflexos até os dias atuais. A dominação de grandes áreas
pelo tráfico diminuiu fortemente o poder do Estado. Dessa forma, a população se
viu afastada dos mais diversos bens e serviços públicos, a lei foi substituída pelas
determinações dos chefes dos cartéis e os diversos âmbitos do poder público
foram corrompidos – de juízes a políticos e policiais.
Nesse contexto, os Estados Unidos instituíram a Guerra às Drogas, termo
cunhado pelo então presidente Richard Nixon. Iniciou-se uma política de
financiamento de programas governamentais de combate ao tráfico de drogas,
treinamento de tropas estrangeiras e intervenção militar – no caso do Panamá,
em 1989. A lógica da Guerra às Drogas é o de liquidar o tráfico através da
violência, com ataques diretos aos traficantes e às milícias. Com efeito, milhares
de civis moradores das áreas dominadas pelo tráfico, que acabam por ficar no
meio do enfrentamento, são mortos.
Em 1999, dentro do contexto da Guerra às Drogas, os Estados Unidos
lançam o Plano Colômbia: uma legislação americana específica para auxiliar o
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 197
combate ao tráfico e às guerrilhas especificamente na Colômbia. O plano inclui
milhões de dólares para programas de desenvolvimento social e econômico;
porém, grande parte dessa verba se destina apenas ao treinamento e
modernização dos equipamentos do exército e da polícia colombiana. Apesar de
ter diminuído em 50% a área de plantio de coca na Colômbia, após 10 anos do
plano, 95% da cocaína que chega aos Estados Unidos ainda tem origem naquele
país, segundo estudo do Departamento de Defesa americano. O Plano Colômbia
se mostrou muito mais eficaz em desmantelar os movimentos guerrilheiros
locais, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que haviam se ligado ao
tráfico como forma de se auto sustentar, do que em controlar a produção da folha
(FELIPE, 2012). Entretanto, críticos afirmam que dentre os principais motivos
para a implementação do Plano está o desejo norte-americano de criar bases
militares próprias na América do Sul, a fim consolidar sua área de influência na
região.
Os poucos resultados obtidos nas tentativas de reduzir o consumo de
drogas nos Estados Unidos e na Europa levaram ao questionamento das
estratégias da Guerra às Drogas e de medidas como o Plano Colômbia. Com um
saldo relevante de mortes de civis, passou-se a debater outras formas de abordar
os problemas relacionados às drogas. Atualmente, no âmbito acadêmico e da
mídia, confrontam-se aqueles que lutam pela descriminalização e/ou legalização
das drogas, os que propõem grandes iniciativas de cunho social nas comunidades
fragilizadas pelo tráfico e aqueles que defendem a manutenção das políticas
atuais.
Longe de se alcançar um consenso, o que se percebe é que o continente
americano encontra-se em um momento chave de possível mudança de
abordagem do problema das drogas nas suas diversas áreas: ambiental, social,
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
198 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013
cultural, moral, de saúde e de segurança pública. Cabe, então, à Organização dos
Estados Americanos reavaliar as medidas até então tomadas e buscar uma forma
de combinar respeito e valorização das culturas indígenas dos Andes e
desestímulo ao consumo da cocaína, diferentemente da maioria das abordagens
já citadas, as quais ignoravam os nativos e suas necessidades tanto econômicas
como culturais. Com o recente reconhecimento pela Organização das Nações
Unidas do direito ao povo boliviano de mascar a folha de coca em seu território,
um novo vigor é dado ao debate e fortificam-se posições até então inviáveis
politicamente.
2. Desenvolvimento da questão
2.1. A OEA e o combate à oferta de drogas
O problema mundial das drogas é um fenômeno complexo e dinâmico
que envolve custos políticos, econômicos, sociais e ambientais. É causado por
diversos fatores e apresenta um desafio a todos os países. Devido à sua extensão,
este problema precisa ser abordado de uma forma abrangente, equilibrada,
multidisciplinar e exige, com isso, a responsabilidade comum e compartilhada de
todos os Estados, visto que o problema do narcotráfico transborda as fronteiras
dos países, atingindo todos simultaneamente. Além disso, esta questão é um
desafio global que pode afetar negativamente a saúde pública, a segurança eo
bem-estar de toda a humanidade. As drogas também podem enfraquecer as bases
do desenvolvimento sustentável, dos sistemas jurídicos, da estabilidade política e
das instituições econômicas e democráticas. Neste contexto, a OEA reconhece a
importância dos esforços para enfrentar o problema mundial das drogas, embora
admita a necessidade de reforçar e melhorar as estratégias e ações relacionadas a
este assunto (CICAD, 2011).
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Possuindo uma preocupação permanente quanto ao problema das
drogas, a OEA busca soluções conjuntas entre os Estados para a redução da oferta
de drogas, sendo este, então, um tópico importante e em constante debate na
organização. A fim de garantir que tais soluções sejam alcançadas, a OEA criou
a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) da
Secretaria de Segurança Multidimensional da OEA, na qual mantém a Seção de
Redução da Oferta para concentrar seus esforços na formação de forças policiais
responsáveis pela redução da produção, distribuição e disponibilidade de drogas
ilícitas. A cada ano, mais de mil pessoas são capacitadas pela CICAD para o
enfrentamento das drogas.Ainda, a CICAD mantém o Observatório
Interamericano sobre Drogas(OID), o qual é encarregado de estatísticas,
informações e pesquisas relacionadas ao assunto.
Além disso, a OEA adotou em 2010 a Estratégia Hemisférica sobre
Drogas (CICAD, 2010), a qual considera que, para enfrentar o fornecimento, são
necessárias a criação e a melhora dos mecanismos de coleta e análise de dados, a
fim de desenvolver avaliações que facilitem o criação de políticas públicas nesta
área (CICAD, 2010). Para tanto, é preciso que se realizem estudos e pesquisas que
contribuam para a identificação precoce e o monitoramento de tendências.
Também, é preciso levar em conta o impacto das drogas sobre o meio ambiente.
Ainda, programas nacionais de redução da oferta de drogas de origem natural -
tais como a cocaína - devem incluir medidas de desenvolvimento alternativo,
integral e sustentável para a população, de acordo com a situação de cada país
(CICAD, 2011). Todos esses esforços, deixam clara a necessidade de esforços
conjuntos, baseados na confiança mútua e no compartilhamento de
responsabilidades.
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
200 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013
2.2. A folha da coca, as suas propriedades medicinais e a questão cultural
A planta da coca, pertencente à família Erythroxylaceae, é nativa da
região andina sul-americana. Além de desempenhar um papel importante na
cultura tradicional dos Andes, a planta também apresenta um significativo cultivo
comercial, principalmente na Bolívia e no Peru. A folha da coca conta com 14
alcaloides, mas apenas um deles é mundialmente conhecido e responsável pelo
preconceito contra a planta: a cocaína. Contudo, o teor do alcaloide “cocaína”
presente na folha é baixo - entre 0,25% e 0,77% - e a produção da droga requer
um processo químico complexo. Portanto, o ato de mascar ou beber chá da folha
de coca não provoca os efeitos psíquicos da cocaína, pelo contrário, a folha possui
importantes propriedades medicinais benéficas para o corpo humano quando
exposto a altas altitudes, evitando dores de cabeça, tonturas e enjoos, não
causando de modo algum a dependência química (SILVA, 2006). Dessa forma,
principalmente nos últimos anos, governos de países sul-americanos – como
Bolívia, Peru e Venezuela – têm defendido o uso tradicional da folha de coca, bem
como o uso do seu extrato para a confecção de muitos outros produtos.
A folha de coca é usada tradicionalmente como estimulante para superar
o cansaço e a fome. Historicamente, a coca também foi muito utilizada em casos
de fraturas ósseas devido a seu elevado teor de cálcio e, também, para combater
hemorragias, visto que contém substâncias que contraem os vasos sanguíneos
(SILVA, 2006). Além disso, ela produz uma sensação de vigor com um efeito
parecido ao de beber uma xícara de café. O uso da planta pelas comunidades
indígenas é ainda mais abrangente, sendo ela utilizada para tratamento de
malária, úlcera, asma, problemas no sistema digestivo, além de ser afrodisíaca e
auxiliar a busca pela longevidade. Ainda, a folha de coca, mastigada ou consumida
como chá, é rica em propriedades nutricionais que constituem os outros 13
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alcaloides da planta, tais como nutrientes minerais (cálcio, fósforo e potássio),
vitamínicos (B1, B2, C e E), proteínas e fibras (FUERTES, 2006).
Quanto ao seu uso na esfera cultural religiosa dos povos andinos, a
planta é utilizada, principalmente, para rituais, meditação e adoração a deuses.
Há indícios de que a planta da coca seja cultivada na América do Sul há pelo
menos quatro mil anos, desde as civilizações pré-colombianas. O mascar da folha
de coca é mais comum em comunidades indígenas da região andina,
especialmente na cadeia montanhosa, onde o consumo da coca faz parte da
cultura local, da mesma forma que o consumo do chimarrão no estado brasileiro
do Rio Grande do Sul. Assim, a planta da coca deve ser considerada um grande
símbolo da identidade cultural e religiosa de muitos povos sul-americanos, um
legado deixado por seus ancestrais, de forma que a coca se converte em
suprimento central e espiritual das comunidades andinas.
No que diz respeito à função comercial da planta da coca, destaca-se o
setor alimentício de chás, biscoitos, pães, entre outros; produtos os quais são
amplamente disponíveis nas lojas da região andina e de grande procura,
principalmente turística. Além disso, a coca é utilizada industrialmente na
produção de cosméticos e do refrigerante Coca-Cola, o qual continha cocaína em
sua fórmula original antes da criminalização da droga. Atualmente, grandes
empresas – tais como Enaco AS, Agwa de Bolívia e Coca Shop -, principalmente no
Peru e na Bolívia, mantêm um elevado comércio de diversos produtos feitos a
partir da folha da coca. Por outro lado, a comercialização da folha de coca vai
além da venda de produtos inovadores, visto que se trata também de preservar
as antigas culturas andinas e suas formas de vida. Destaca-se que há uma grande
parcela de pequenos produtores locais que dependem da produção e da venda da
folha da coca como agricultura familiar.
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
202 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013
Nos últimos anos, tem havido um significativo movimento liderado pela
Bolívia com o fim de promover e expandir os mercados legais para a folha de
coca. O movimento é amplamente apoiado pelos governos da Venezuela, Peru e
tem como figura máxima o presidente boliviano Evo Morales, ex-líder sindical
dos cocaleros (trabalhadores nas plantações de coca) no país, eleito
democraticamente em 2005.
A folha da coca foi penalizada em 1961 ao ser incluída na lista de
substâncias sob controle internacional na Convenção Antidrogas(ONU, 1971). Em
julho de 2011, a Bolívia decidiu retirar-se da Convenção Única sobre
Entorpecentes da ONU(ONU, 1961), argumentando que o documento veta o
mascar da folha de coca – a prática denominada acullico. Em janeiro de 2012, o
país solicitou sua readmissão à Convenção, com a condição de despenalização do
acullico (PRENSA LATINA, 2013). Dos 184 países que assinaram a Convenção,
somente 15 se opuseram à readmissão da Bolívia, sendo eles Estados Unidos,
Canadá, Inglaterra, Rússia, Suécia, México, Reino Unido, Irlanda, Japão, Alemanha,
Finlândia, Portugal, Israel, Holanda, França e Itália, alegando que os motivos
apresentados distorcem o espírito do acordo que obrigou os países a erradicar o
hábito de mascar coca (RACISMO AMBIENTAL, 2013).
Apesar disso, em janeiro de 2013, a ONU reconheceu o direito dos
bolivianos de mascarem a folha da coca, dentro das fronteiras do país, sob o
argumento de que é uma prática cultural de grande importância para fins
medicinais e rituais indígenas (CARTA CAPITAL, 2013). Em seu intenso esforço
para conseguir entrar novamente na Convenção com a introdução dessas
mudanças, a Bolívia contou com o apoio da União de Nações Sul-americanas
(UNASUL), da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA), do
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Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e do Fórum Permanente de Assuntos
Indígenas das Nações Unidas. O presidente Evo Morales chamou atenção ao fato
de que a mudança significa também a descriminalização dos produtores da folha
de coca, que deixam de ser encarados como narcotraficantes (CBDD, 2013). A
Nova Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia, de 2007, é a única no
continente a estabelecer que “a folha da coca é patrimônio cultural, recurso
natural renovável da biodiversidade e fator de coesão social, que em seu estado
natural não é um narcótico. A revalorização, produção, comercialização e
industrializaç~o devem ser regulamentadas por lei.” (PUCMINAS, 2007).
Nesse sentido, esse reconhecimento do direito do povo boliviano a
mascar a folha de coca por parte da ONU abriu um precedente importante: até
que ponto deve-se preservar tradições culturais que possam vir a ser usadas
como matéria-prima de narcóticos? Com a retomada desse debate, espera-se
encontrar um ponto de equilíbrio entre a diminuição da oferta das drogas e
preservação de tradições milenares, as quais ainda são vitais para a vida das
populações, visto sua importância econômica.
2.3. A cocaína, os seus efeitos e o narcotráfico
A cocaína, alcaloide derivado da planta da coca, por sua vez, é utilizada
como droga. O seu uso continuado pode causar efeitos devastadores à saúde, tais
como dependência química, hipertensão arterial e distúrbios psiquiátricos. A
produção da droga é realizada através da extração da planta, a qual passa por um
processo químico, chamado refinamento, que inclui a utilização de
solventes como álcalis, ácido sulfúrico, querosene, entre outros (OBID, 2007).
Segundo o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID),
o uso recorrente da cocaína é sucedido por constante agitação, irritabilidade,
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
204 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013
ansiedade, excitabilidade, insônia, alteração na capacidade de atenção e
ulceração nas mucosas nasais, além de, diferentemente de outros narcóticos, a
cocaína provocar uma dependência psíquica devido aos seus efeitos
estimulantes. Como a cocaína tende a perder sua eficácia ao longo do tempo de
uso, fato este denominado “toler}ncia { droga”, o usu|rio tende a utilizar
progressivamente doses mais altas buscando obter, de forma incessante e cada
vez mais inconsequente, os mesmos efeitos sentidos na primeira dose. Dosagens
muito frequentes e excessivas provocam alucinações, ansiedade, agressividade e
paranoia (OBID, 2007). Este ciclo torna o usuário cada vez mais dependente, de
modo a resultar em problemas sérios não só no que tange à sua saúde, mas
também a suas relações interpessoais.
Mesmo sendo uma droga ilícita na maior parte do mundo, a
popularidade da cocaína é muito grande, apesar de seu valor ser considerado
elevado. Nesse contexto, surge uma nova variante mais barata da cocaína: o
crack, que é uma mistura de pasta de cocaína com bicarbonato de sódio. Os
efeitos do crack são quase imediatos, levam cerca de quinze segundos para
chegar ao cérebro e seu efeito tem a duração de aproximadamente quinze
minutos, o que pode levar a obsessão pelo seu uso repetidas vezes (OBID, 2007).
A cocaína e o crack hoje são considerados dois dos maiores causadores de danos
sociais, principalmente pelas questões que estão vinculadas ao tráfico e à
destruição física e moral do indivíduo.
Apesar de incialmente a droga ter sido utilizada devido às suas
propriedades anestésicas, hoje é consensual entre a comunidade médica que os
elevados efeitos autodestruidores do consumo de cocaína são plenamente
justificativos para sua proibição (BAHLS, 2002). Mesmo sendo a folha da coca
legalizada em alguns países da região andina, o refinamento é proibido. Este,
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normalmente, é realizado nos Estados Unidos, maiores consumidores do mundo
não apenas de cocaína, mas de drogas em geral (CARTA MAIOR, 2011). A
produção, distribuição e venda da cocaína são restritas e ilegais na maioria dos
países, tal como regulamentado pela Convenção Única sobre Entorpecentes
(ONU, 1964) e pela Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de
Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas(ONU, 1971). Contudo, o crime
organizado domina o comércio de cocaína e opera em larga escala. A cocaína
cultivada e processada na América Latina é contrabandeada principalmente para
Estados Unidos e Europa. As principais rotas estão na região caribenha e no
México, bem como através do Chile.
Nesse sentido, nasce o debate entre os que pensam que o combate as
drogas deve focar-se na diminuição do consumo de cocaína, preservando, desse
modo, a cultura da folha da coca a fim de que essa atenda às necessidades dos
povos andinos, e os que pensam que o problema reside na oferta da planta,
possibilitando a produção do narcótico. Aqui reside um ponto importante para
entender os debates, visto que, por exemplo, os Estados Unidos, maiores
consumidores mundiais de cocaína, acusam a Bolívia e suas plantações de coca
como negligentes quanto ao problema do narcotráfico, enquanto o país andino
afirma serem necessárias políticas públicas no próprio território norte-
americano a fim de diminuir o consumo da cocaína.
2.4. Os desafios para a conciliação
Devido à grande complexidade que envolve o tema do cultivo da folha da
coca, aliando-se às significativas questões do combate à oferta de drogas no
continente, é preciso reconhecer e destacar os tópicos mais sensíveis que
abrangem tais temas; como a matéria ambiental, a controvérsia da produção
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
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alimentar, os clamores e objeções quanto a uma legalização mais abrangente do
acullico, assim como as considerações sociais quanto à pobreza e à cultura.
Os problemas quanto à questão do meio-ambiente se dão devido ao fato
de que, principalmente na Colômbia, a produção de cocaína acaba resultando em
desmatamentos, bem como em contaminação do solo e da água na sua porção
amazônica (AMBIENTE BRASIL, 2009). A situação é agravada porque no país
existe um intenso combate ao cultivo da coca e à oferta da cocaína, o qual é
fortemente financiado e incentivado pelos Estados Unidos através do Plano
Colômbia. Dessa forma, estima-se que, dos 1600 km² de plantações de coca na
Colômbia que existiam nos anos 1990, atualmente a área já foi reduzida em cerca
de 75%97.
Além disso, a plantação da coca alcança uma extensa área territorial na
região andina, o que muitas vezes acaba sendo alvo de críticas, tais como o
argumento de que se cultiva coca onde se poderiam produzir outros alimentos
significativos para uma grande população pobre, mas que, por outro lado,
proporcionariam um rendimento aproximadamente sete vezes menor aos
produtores locais (PSICOTROPICUS, 2012). Apesar da defesa do uso tradicional
da folha de coca, a ONU, através de seu Programa de Desenvolvimento
Alternativo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODOC),
incentiva a transição para outros cultivos. Principalmente na Colômbia, a ONU
atua em comunidades com forte presença de narcotraficantes e grupos armados
97Segundo um estudo realizado pelo país, para adubar o solo pobre das regiões de selva, a plantação de coca usa até dez vezes mais agrotóxicos do que outros cultivos. Enquanto que, segundo o mesmo estudo, cada hectare (10.000 m²) de plantação resulta em aproximadamente 7,4 kg da droga para ser vendida no varejo e para refiná-la são necessários 647 kg de cimento, 912 litros de gasolina, 8 litros de ácido sulfúrico, 11 litros de amoníaco, além de outros produtos químicos que acabam sendo despejados nos rios ou no solo (SINCHI, 2009).
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que produzem e comercializam a cocaína, através da prevenção do cultivo ilícito
da planta de coca, oferecendo alternativas para o plantio de cultivos lícitos, como
do cacau e do café orgânico.
Além disso, argumenta-se que na Bolívia a extensão do cultivo superaria
em muito as necessidades culturais locais para a utilização da planta, visto que,
segundo estimativas, cerca de 90% da plantação acabaria sendo dirigida à
produção de cocaína, tornando o país o segundo maior produtor mundial da
droga (EXAME, 2012). Por outro lado, também há movimentos sociais que
defendem o uso tradicional da folha, como a Coordenação Latino-americana de
Organizações do Campo, a qual prega: "não às falsas soluções do capitalismo
verde, agricultura campesina já!" (VERMELHO, 2013).
Dessa maneira, tal debate torna-se recorrente: apesar da ONU ter
reconhecido o direito do acullico na Bolívia, acusa-se o país de não incentivar
outros cultivos que não o da coca. Contudo, a Bolívia luta atualmente pela
legalização total e pelo direito de exportar folha de coca, assim como outros
produtos feitos a partir do seu extrato. Esse movimento vem enfrentando
resistência massiva pelos países mais conservadores, os quais alegam que o
aumento das plantações pode ser destinado à produção de cocaína (PRENSA
LATINA, 2013).
Há uma grande parcela da população andina dependente do cultivo da
folha de coca para a manutenção de sua economia, ordem social e práticas
culturais, a qual é fortemente afetada pela proibição da sua principal forma de
sustento. Famílias que tradicionalmente viveram do cultivo da folha de coca são
empurradas para a miséria e muitas vezes acabam assumindo o risco da
ilegalidade para garantir sua sobrevivência.
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
208 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013
As ações de combate às drogas e ao narcotráfico devem se desenvolver
de maneira não agressiva às identidades culturais locais e, assim, o desafio que se
coloca é o de conjugar esse processo sem desrespeitar as práticas e o modo de
vida nativo da região. Portanto, é preciso que se repense a questão da coca e da
cocaína, tendo em vista o aprimoramento do convívio social entre culturas com
valores antagônicos dentro de uma realidade onde a ordem econômica é
dominante.
3. Ações Internacionais Prévias
A Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD)
representa o principal projeto da Organização dos Estados Americanos no
combate à produção, ao tráfico e ao consumo de drogas ilícitas no continente. A
CICAD foi criada em 1986 pela Assembleia Geral da OEA como um fórum político
para fortalecer as capacidades dos países de lidar com o problema das drogas e
estabelecer a cooperação multilateral no âmbito interamericano. Com esse
objetivo, as sessões regulares da CICAD e seus relatórios anuais discutem planos
de ação para o fortalecimento das instituições dos países (governo, exército,
polícia); medidas para o controle e redução da produção e distribuição de drogas;
combate à lavagem de dinheiro; e a evolução feita pelos países no combate aos
narcóticos. Além disso, a CICAD também conduz pesquisas sobre essas
substâncias nocivas à saúde, bem como desenvolve e estabelece padrões
mínimos para a legislação das drogas ilícitas (SECRETARIA GERAL DA OEA,
2006).
A Estratégia Antidrogas no Hemisfério é um documento resultante das
discussões da CICAD durante a Cúpula de Miami de 1996. Esse documento com
caráter recomendatório, não obriga legalmente o seu cumprimento, tem como
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objetivo definir uma pauta de cooperação multilateral entre os países do
continente americano para a adoção de medidas para reduzir a produção e
demanda por drogas, além de visar a implementação de medidas de controle a
ambas (BORBA, 2009). Para reduzir essa demanda, a Estratégia apoia pesquisas e
programas de prevenção, tratamento, reabilitação e reinserção social.
A Estratégia Hemisférica sobre Drogas (HemisphericDrugStrategy) é
uma resolução aprovada no âmbito da 47ª sessão da CICAD, a qual determina os
princípios que devem guiar as políticas nacionais dos membros da OEA e os
projetos desenvolvidos pela comissão para o combate eficaz das drogas no
continente americano. A estratégia apresenta cinco principais áreas de relevância
para o combate às drogas: fortalecimento institucional, redução da demanda,
redução da oferta, medidas de controle e cooperação internacional (CICAD,
2009).
No âmbito do fortalecimento institucional, determina-se que os países
devem estabelecer políticas nacionais antidrogas e realizar avaliações periódicas
sobre seus avanços. Em relação à redução da demanda, a estratégia ressalta a
necessidade de programas preventivos direcionados para os grupos vulneráveis,
programas de tratamento e de reabilitação para as os usuários de drogas, além de
parcerias governamentais com instituições de ensino para a realização de
pesquisas sobre o assunto.
Para a redução da oferta, os Estados devem seguir algumas diretrizes
como desenvolvimento de pesquisas sobre o assunto e implementação de
medidas rigorosas de combate à produção de drogas. Em relação às medias de
combate, os Estados devem fortalecer suas agências nacionais que atuam no
combate ao tráfico de drogas, aumentar a fiscalização em seu território e
desmantelar as organizações criminosas que atuam no tráfico de drogas. Além
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210 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013
disso, a cooperação internacional, por meio do compartilhamento de
informações, pesquisas e trabalhos conjuntos, é uma das diretrizes fundamentais
para o fortalecimento da CICAD e para o combate as drogas no continente
(CICAD, 2009).
Nesses cinco âmbitos estratégicos, é enfatizada a necessidade de
pesquisas prévias sobre qual a melhor forma de atuação na localidade em
questão. Também é ressaltada a necessidade dos países reavaliarem
periodicamente os resultados de suas políticas nacionais antidrogas,
promoverem atualizações nas suas estratégias de abordagem e compartilharem
os dados com os demais membros da OEA.
Projetos de educação preventiva e ação comunitária são considerados
fundamentais para conscientizar as comunidades sobre o uso de drogas, e
recebem forte apoio da CICAD. Para reduzir a oferta de drogas, são desenvolvidos
projetos nas comunidades voltados para o desenvolvimento de opções
econômicas “lícitas, vi|veis e sustent|veis”, tais como o projeto Saúde e Vida nas
Américas (SAVIA), o qual oferece assistência à Colômbia, Equador, Peru e
Uruguai para a implementação de políticas locais de controle de drogas, por meio
da formação de equipes locais (CICAD, 2012).
4. Posicionamento dos países
A Argentina sofre, recentemente, um aumento no narcotráfico e, devido
a isso, tem intensificando medidas de combate às drogas. Recentemente, foi
criado um sistema de vigilância aérea especialmente para o combate ao
narcotráfico (ANTONELLI, 2012). O país incentiva tais medidas regionalmente.
Quanto ao caso da folha de coca, no âmbito jurídico do país, ela não é considerada
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 211
ilegal(lei 23737), visto que o país possui cerca de 500 mil pessoas que usam
folhas de coca no seu dia-a-dia.
Barbados entrou para a rota do tráfico internacional de drogas,
principalmente de cocaína, em 2010 quando facções venezuelanas, como as
FARCS aliaram-se a grupos nacionais. A ilha de Barbados atualmente é uma das
principais portas de entrada de drogas para a região do Caribe, elemento que
contribuiu fortemente para o aumento de dependentes químicos no país e a
elevação dos índices de violência em seu território. Barbados alinha sua posição
de combate ao tráfico de drogas as decisões da OEA, e esforça-se para melhorar
suas capacidades de combate ao tráfico em seu território. Portanto, novos
mecanismos de monitoramento do tráfico nos países e medidas conjuntas de
combate ao tráfico de drogas no âmbito da Organização dos Estados Americanos
são apoiadas por Barbados.
Belize está se tornando recentemente a mais nova rota do tráfico de
cocaína para os Estados Unidos pelos cartéis mexicanos. Com menores
capacidades de monitoramento pelo Estado, Belize está sendo usada como base
para chegada de drogas de avião ou por lancha – evitando as patrulhas
mexicanas. A presença de grandes traficantes tem se refletido no aumento da
insegurança pública e na adiç~o de Belize na “lista negra” de países rota de tr|fico
feita pelo governo dos EUA. Em conjunto com outros países da América Central,
Belize tem seguido o governo estadunidense – através de suas agências
internacionais anti-drogas – no combate ao tráfico. Recebe anualmente apoio
financeiro para a área de defesa; além de receber treinamento e servir de base
para as Forças Armadas americanas para ações marítimas na região.
A Bolívia tem se destacado como um país que defende a prática do
acullico(mastigação da folha de coca) como fator cultural dos povos andinos. O
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governo da Bolívia busca a descriminalização da plantação de coca tanto no
âmbito regional como internacional, argumentando que a folha faz parte da
tradição dos povos indígenas da região (EL REVOLUCIONARIO, 2012). O
presidente Evo Morales apoia a cultura da coca desde seu primeiro mandato e
lutou contra a criminalização da folha de coca feita pela ONU (CARTA CAPITAL,
2012). Em 2013, a organização reconheceu a cultura da coca dentro dos
territórios bolivianos. Agora, o governo tem a intenção de exportar folhas de coca
(PORTAL BRAGANÇA, 2012).
Já o Brasil possui leis que proíbem tanto a produção quanto o uso da
folha de coca dentro de seu território. As iniciativas, ações e programas
brasileiros contra o narcotráfico são conhecidas internacionalmente. Isso se deve
ao fato do Brasil ser um dos maiores consumidores de drogas e de possuir
fronteiras com os grandes produtores de cocaína (Colômbia, Peru e Bolívia).
Embora em Bahamas o combate ao narcotráfico tenha se intensificado,
reside outro problema no país: o fato de este ser um paraíso fiscal, ou seja, um
lugar que possibilita a entrada de grandes somas de dinheiro sem uma devida
fiscalização de suas origens. Vários países acreditam que uma grande parcela do
dinheiro obtido pelo narcotráfico seja enviado para o paraíso fiscal das Bahamas
(DIÁLOGO, 2012).
O Chile vê a plantação da folha de coca como incentivo à produção de
cocaína. Por isso, o uso da folha de coca é considerado ilegal em seu país. Como
exemplo, recentemente, o país prendeu um boliviano que transportava folhas de
coca (AGENCIA DE NOTICIA FIDES, 2012). Contudo, no norte do país, existem
mais de 10 mil pessoas que praticam a mastigação de coca.
A postura do Canadá é semelhante à dos Estados Unidos e à do México. O
país se posicionou contra a proposta da Bolívia na ONU de permitir a produção e
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 213
o uso da folha de coca. Também em ações da OEA, o país mostra uma postura
diferente da dos países sul-americanos (OPINIÓN, 2012), principalmente quando
se trata da folha de coca. Dessa forma, percebe-se que o país não concorda com a
ideia da folha de coca ser um elemento cultural dos povos andinos.
A produção de cocaína na Colômbia é uma das maiores do mundo. O
governo já está há muito tempo em constante luta contra as Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma organização que se financia por meio
da produção da cocaína. Recentemente, a guerrilha e o governo se propuseram a
conversar em Cuba (REDETV, 2012). Lá, as FARC propuseram a legalização da
maconha, da folha de coca e da papoula como um dos planos para a
reorganização das terras. Cabe lembrar que a Colômbia já foi alvo dos planos
estadunidenses de erradicação do narcotráfico e de plantações de coca em 2000.
A presidente da Costa Rica vê a “Guerra Contra as Drogas” como
infrutífera e acredita que a legalização de matérias primas seria um passo mais
eficiente para a diminuição do crime (INFO DROGAS COSTA RICA, 2012). No
entanto, a Costa Rica ainda mantém seu sistema legal: a produção e o uso de
qualquer droga é considerado ilegal.
Recentemente readmitida na OEA, Cuba possui poucos problemas
quanto ao combate interno do tráfico de drogas (PRENSA LATINA, 2012). Pelos
discursos do ex-presidente Fidel e do presidente Raul Castro, a visão de Cuba
quanto ao narcotráfico é de ser uma forma de os Estados Unidos interferirem em
outros países militarmente.
El Salvador é considerado pelos EUA como um dos grandes produtores
de cocaína na América Central, além de ser um importante entreposto nas rotas
do tráfico. O país proíbe o cultivo da planta e busca policiar suas fronteiras para
evitar o fluxo da cocaína. Nesse sentido, El Salvador considera importante a
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
214 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013
integração dos países caribenhos, a fim de se unirem contra os males comuns,
dentre eles, o narcotráfico. Em busca disso, o atual presidente Fones restabeleceu
relações diplomáticas com Cuba, as quais foram rompidas na década de 50 (AFP,
2009).
Os Estados Unidos se destacam como um dos maiores combatentes do
narcotráfico no continente americano. A política dos Estados Unidos é baseada na
erradicação do problema pela raiz: a produção. Dessa forma, existem atualmente
diversos planos de mobilização e de criação de bases militares estadunidenses
em países latino-americanos. O exemplo mais característico seria o Plano
Colômbia, que começou em 2000 e tinha como objetivo enviar soldados
estadunidenses para a região de controle das FARC. O país sempre mostrou uma
postura rígida quanto à folha de coca e se manteve fora de qualquer decisão
relacionada ao uso legal da folha (OPINIÓN, 2012).
Também andino, o Equador considera o consumo de folhas de coca
como ilegal, apesar de ter povos indígenas que possuam a cultura da coca. O país
tem programas de monitoramento de plantações ilícitas de coca.
A posição de Granada mostra-se bastante proativa frente à erradicação
de plantações de folhas de coca no seu território. Recentemente, foi destruído um
cultivo de dez mil plantações de matas da folha pelas Forças Armadas do país
(Inforiente 2013). Em suas leis, o Governo proíbe a plantação de folhas de coca
em seu território. O país é considerado ponto de intercâmbio de drogas dos
países produtores para os Estados Unidos.
A Guiana tem procurado combater o narcotráfico que sai do país e vai
para a Europa, por meio de controles portuários e fronteiriços. O país recebeu
ajuda do Brasil na questão de vigilância e monitoramento. O Sistema de Vigilância
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 215
da Amazônia (SIVAM) auxilia a monitorar áreas fronteiriças e assim diminuir o
tráfico de drogas.
Em 2012, o presidente da Guatemala propôs a legalização de drogas
naturais, reconhecendo que a guerra contra as drogas não diminui o tráfico na
área mesmo com todos os recursos que o país recebeu dos EUA
(TCHEBURAHKIN, 2012).
O Haiti é visto como ineficaz em seu programa antidrogas, embora o
consumo de drogas seja pequeno no país. O governo visa a uma fiscalização, visto
que o Haiti é um ponto de transação de drogas dos países produtores para os
consumidores e, por isso, é considerado como zona estratégica do narcotráfico.
Em Honduras, aumentou a presença militar estadunidense no combate
às drogas, visto que a área costeira do país é um ponto estratégico de envio de
drogas. A cooperação do país com os Estados Unidos implica uma forte ação
armada em suas zonas de narcotr|fico, indicando o car|ter agressivo da “guerra
{s drogas” (FRANK, 2012).
O Panamá faz parte da tradicional rota de narcotráfico de cocaína com
destino aos EUA. Ainda, a renda adquirida através da venda da droga nos EUA
volta para o Panamá para lavagem de dinheiro, visto que o país é um importante
paraíso fiscal da América Latina. Já a folha de coca chegou ao Panamá a partir de
1888 com a construção do Canal do Panamá, obra a qual deixava os
trabalhadores em más condições de saúde, tendo então chegado um grupo de
médicos bolivianos ao país, os quais disseminaram o uso medicinal da planta.
Atualmente, o Panamá adota uma postura de abstenção, ou seja, prefere não se
posicionar abertamente quanto à questão de legalização da folha de coca.
A Venezuela vem apresentando certos desencontros diplomáticos com a
Colômbia devido aos movimentos das FARC entre suas fronteiras. O uso da coca é
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
216 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013
comum no país, visto que há comércio de coca com a Bolívia e o presidente Hugo
Chávez mostrava-se a favor de uma integração regional sem a presença dos
Estados Unidos. Para Chávez, os Estados Unidos usam o narcotráfico na América
do Sul como uma forma imperialista de dominação regional, pensamento que
continua vigente, tendo em vista que o presidente Maduro é discípulo de Chávez.
Por isso, o país possui uma postura mais à favor de organizações regionais como
a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA) e a União das Nações Sul-
Americanas (UNASUL) do que a OEA.
Embora na Jamaica o uso mais comum de drogas seja o da maconha pra
fins culturais e religiosos, esta e outras são consideradas ilegais pelo governo.
Recentemente, houve grandes apreensões de drogas no país, intensificando a
atuação do governo no combate às drogas (DIÁLOGO, 2012).
A situação no México atinge altos níveis de violência do narcotráfico. O
país possui umas das taxas de homicídio relacionadas ao tráfico de drogas mais
altas do mundo. Em 2012, o governo começou a discutir o tema de legalização de
drogas, visto que a “guerra contra os cartéis” n~o estava diminuindo ao consumo
(DUFF, 2012).
Em 2012, foram apreendidas sete toneladas de drogas na Nicarágua,
indicando a forte atuação do governo frente ao narcotráfico. Isso se deve ao
aumento do narcotráfico no país. Embora não existam grandes instalações de
produção, o país serve como rota de passagem das drogas e por isso tem pouca
tolerância no uso de qualquer droga (ESTADÃO, 2012).
Paraguai, da mesma forma que o Brasil, considera a folha de coca como
a matéria prima da cocaína e, por isso, ilegal. Devido às suas fronteiras, as
movimentações de drogas em seu território são altas.
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 217
País andino e de cultura cocalera, o Peru apresenta altos níveis de
produção e consumo, tanto da folha de coca quanto da cocaína. Milhões de seus
habitantes usam a folha de coca em seu dia-a-dia. Contudo, há, da considerável
produção de cocaína no país, uma grande movimentação da droga para fora do
país (TERRA, 2012).
Uma das maiores preocupações da República Dominicana é controle do
tráfico de drogas. O país já apreendeu toneladas de cocaína em 2012, mostrando
a forte atuação do governo frente ao narcotráfico. Cabe lembrar que o país serve
de ponto de transação entre os produtores e a Europa (DIÁLOGO, 2012).
Outro local de crescente importância é o Suriname. Sua exportação da
cocaína e de outras drogas para os Estados consumidores é crescente. Tal
corredor de passagem para as drogas tem recebido grande importância
recentemente.
Trinidad e Tobago apresentam baixos índices de consumo de cocaína e
derivados da coca. Em 2011, o país decretou estado de emergência, com a
intenção de impedir que a onda de violência relacionada às drogas, iniciada em
março do mesmo ano, aumentasse. O governo vê que medidas como a apreensão
de armas são eficazes para diminuir o tráfico de drogas na região (FIESER, 2012).
O governo do Uruguai legalizou a venda de maconha em 2012, indicando
uma postura diferente ao tratamento de drogas consideradas naturais (ATEU,
2012). O país, como Bahamas, é considerado um paraíso fiscal sul-americano
para o narcotráfico.
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Resumo
A Organização dos Estados Americanos (OEA) foi fundada em 1948 para alcançar, como
estipula o Artigo 1º da Carta, “uma ordem de paz e de justiça, para promover solidariedade,
intensificar a colaboraç~o, defender a soberania, a integridade territorial e a independência”, através
dos pilares de democracia, direitos humanos, segurança e desenvolvimento, os quais se apoiam
mutuamente por meio de uma estrutura que inclui diálogo político, inclusão, cooperação,
instrumentos jurídicos e mecanismos de acompanhamento. A OEA mantém a preocupação
permanente quanto ao problema das drogas no continente americano. Levando em conta os efeitos
devastadores que os narcóticos podem causar à sociedade, a busca por soluções conjuntas entre os
Estados para a redução da oferta de drogas é um tópico majoritário e em constante debate na OEA. A
fim de garantir que tais soluções sejam alcançadas, a OEA criou em 1986 a Comissão Interamericana
para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) da Secretaria de Segurança Multidimensional da OEA, na
qual mantém o Observatório Interamericano sobre Drogas (OID), bem como seções de Redução da
Oferta de Drogas, de Fortalecimento Institucional e Programas Integrados, entre outras. Entretanto, o
esforço pela redução da oferta de drogas no continente não pode deixar de lado o caso da plantação
de coca, o qual deve ser considerado como uma questão cultural, principalmente devido aos hábitos
dos povos indígenas de países como Peru e Bolívia. As propriedades da folha de coca são
medicinalmente reconhecidas como analgésico natural e redutor dos males da altitude, além do
mascar da folha ser uma tradição enraizada nessas sociedades, não possuindo propriedades que
causem danos à saúde. Neste mês, a ONU reconheceu o direitos dos bolivianos de mastigarem a folha
da coca, dentro das fronteiras do país, sob o argumento de que é uma prática cultural. Por outro lado,
Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca
224 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013
estima-se que na Bolívia cerca de 90 por cento da plantação acaba sendo dirigido à produção de
cocaína, tornando o país o terceiro maior produtor mundial da droga. Ainda, a imensa extensão total
das plantações ocupam espaços que poderiam ser usados para a produção de alimentos, mas que,
contudo, dariam um rendimento de aproximadamente sete vezes menor aos produtores. Assim,
percebe-se a importância do debate no âmbito da OEA, o qual deve levar em conta o grande problema
social e à saúde que drogas como a cocaína causam, mas sem deixar de lado as tradições culturais do
povo latino-americano.
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013 225
Organização Mundial do Comércio
Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas
Camille Remondeau98
Giovana Esther Zucatto99
Mariana M. S. Bom100
Renata Schmitt Noronha101
A Organização Mundial do Comércio (OMC) é um foro de negociações
multilaterais acerca do comércio internacional. A ela os governos levam suas
preocupações e desavenças comerciais para que sejam negociadas soluções.
Entretanto, embora seja esta a sua principal função, as atribuições da OMC não se
limitam à negociação de regras para o comércio internacional, incluindo também
a implementação dos acordos comerciais existentes e a resolução de
controvérsias comerciais.
Os tratados da OMC102 são bastante complexos, uma vez que incluem um
detalhado sistema de redução de tarifas comerciais, mas é possível sublinhar
alguns princípios que lhes são basilares: a proibição de discriminação comercial,
98 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 99 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 100 Estudante do 9º semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 101 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 102Tratados do sistema da OMC são: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), o Acordo sobre Aspectos de Direito da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, da sigla em inglês) e o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS, da sigla em inglês).
Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas
226 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013
a liberalização gradual do comércio, a concorrência justa e a promoção do
crescimento econômico. A proibição de discriminação comercial subdivide-se em
duas obrigações: a cláusula da Nação Mais Favorecida e a regra de Tratamento
Nacional. Pelo princípio da Nação Mais Favorecida, cada Membro da OMC é
obrigado a conceder a todos os outros Membros tratamento equivalente àquele
concedido à nação mais favorecida por ele nas relações comerciais. Já a
disposição do Tratamento Nacional proíbe que os Estados façam discriminações
entre produtos nacionais e importados.
A criação da OMC data de janeiro de 1995, mas o sistema de regras que
lhe é inerente é muito mais antigo: data de 1948, com a entrada em vigor do
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, da sigla em inglês). Trata-se de um
tratado internacional que regula o comércio mundial e cujo texto foi pouco
modificado desde que passou a vigorar. Os princípios do GATT constituem o
centro das obrigações do sistema da OMC. As negociações deste foro organizam-
se em "rodadas". A rodada mais recente é a Rodada de Doha, lançada em 2001 e
ainda em execução. O foco das negociações está na redução do déficit de
desenvolvimento, dando especial atenção a temas relevantes para os países em
desenvolvimento, como acesso a mercados e agricultura103.
1. Histórico
O comércio internacional, que adquire maiores proporções na era
mercantil e aprofundado nos séculos seguintes, trouxe à tona a concorrência
entre as nações exportadoras de produtos manufaturados e até mesmo de
103Declaração Ministerial de Doha, WT/MIN(01)/DEC/1, adotada em 14 de novembro de 2001.
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gêneros primários. Os governos passaram a buscar maneiras de proteger e
fortalecer a produção interna, principalmente a agrícola, que se manteve como a
base econômica da maioria dos países. Na Inglaterra, por exemplo, vigorou
durante parte do século XIX a Lei dos Cereais, que se baseava em medidas
protecionistas, as quais incentivavam a exportação e limitavam as importações
de cereais caso o preço dos mesmos caísse. A Lei dos Cereais é uma das
legislações mais famosas no que tange ao fortalecimento da produção agrícola
nacional, e só foi revogada após ampla pressão dos parlamentares britânicos em
defesa do livre comércio mundial.
Já no século XX, diversos países exportadores de produtos agrícolas,
grande parte deles nações em desenvolvimento, passaram a buscar a igualdade
no mercado internacional. Houve uma maior defesa do livre comércio como
forma de garantir a comercialização justa de seus produtos, debate que foi
central na Rodada Uruguai do GATT – a qual originou a OMC. Paralelamente,
outros tantos países desenvolveram políticas protecionistas e, em muitos casos,
aumentaram os seus subsídios aos agricultores. Pode-se citar como exemplos de
países os Estados Unidos da América e as nações que fazem parte da União
Europeia, além do Grupo de Cairns, do qual fazem parte tanto países
desenvolvidos como em desenvolvimento.
O governo norte-americano sempre foi um expoente na concessão de
subsídios aos agricultores. Com o advento do New Deal, em resposta à crise de
1929, foram criados diversos meios de incentivo à produção agrícola, como
medidas de apoio às commodities, controle da produção, barreiras à importação,
ordens de marketing para limitar a concorrência, e seguros agrícolas. Quando
Ronald Reagan assumiu o governo, em 1981, a proposta da gestão era diminuir a
concessão de subsídios. Entretanto, a produção agrícola e, especialmente, as
Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas
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finanças rurais, atravessavam um período conturbado, de modo que o Congresso
norte-americano teve que fazer o inverso do defendido pela administração e
aumentar o apoio à agricultura (Edward, 2009). Nem mesmo a Rodada Uruguai
do GATT conseguiu derrubar os subsídios agrícolas nos EUA. De acordo com
Edwards (2009), os parlamentares aumentaram o apoio aos agricultores através
dos subsídios, sendo que, em 2008, aprovaram uma lei que prevê que o governo
comprará o excesso de açúcar importado que possa pressionar o preço do açúcar
nacional.
Os países europeus, por sua vez, sempre foram enfáticos na importância
de proteger a produção agrícola interna, vindo a realizar políticas que faziam o
preço do produto nacional ser até três vezes maior que o valor do similar
importado. A Rodada Uruguai do GATT influenciou a forma como a União
Europeia tratava a produção agrícola de seus países. Influenciada pela busca do
livre-mercado, realizou reformas na Política Agrícola Comum (PAC). Tais
mudanças constituíram basicamente uma redução dos subsídios dados aos
preços dos produtos primários, o que os levou, gradativamente, até os preços
internacionais, além de um deslocamento do montante de recurso, que vieram a
ser economizados (BRUM, 2002).
Em contrapartida ao protecionismo excessivo dos países centrais, 18
nações em desenvolvimento (além de países desenvolvidos como a Austrália e a
Nova Zelândia) criaram, em 1986, o Grupo do Cairns. Os países uniram-se em
busca da liberalização do mercado de produtos agrícolas, lutando pela
diminuição da concessão de subsídios agrícolas nas nações mais desenvolvidas e
pela remoção de tarifas e barreiras alfandegárias que dificultavam o acesso a
esses mercados por parte dos produtos oriundos de países em desenvolvimento.
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Além disso, reafirmaram que “[...] seria necess|rio perseguir os seguintes
objetivos básicos: a) inclusão de todas as medidas que afetassem negativamente
o comércio agrícola; b) rápida e substancial redução nos níveis de apoio para a
agricultura que distorcem o mercado internacional; c) estabelecimento de novas
regras ou disciplinas no GATT para assegurar a liberalização do comércio
agrícola; d) acordo sobre medidas específicas para reduzir as barreiras de acesso;
e) redução de subsídios e todas as outras medidas que têm efeitos negativos
sobre o comércio agrícola mundial; f) tratamento diferenciado e mais favorável
aos países em desenvolvimento”. (DA SILVA, 2002)
A iniciativa do Grupo do Cairns reflete a luta das nações em
desenvolvimento para se tornarem competitivas num mercado bastante
controlado por países que já possuem as suas economias maduras, que se
recusam a abrir seus mercados e que, ironicamente, forçam a entrada de seus
produtos em economias infantes. Assim sendo, é possível perceber dois lados
opostos e conflitantes nas negociações da OMC: países desenvolvidos, baseados
em políticas internas de concessão de subsídios e proteção dos mercados, e
países em desenvolvimento, que buscam espaço para seus produtos no mercado
internacional, o qual ainda está longe de uma situação de concorrência plena.
2. Desenvolvimento da questão
A discussão dos subsídios agrícolas tem grande repercussão no sistema
mundial a partir do encontro de 2008 da Rodada de Doha, quando cresce o
número de países em desenvolvimento dentro da OMC e, sendo assim, sua
respectiva participação nas negociações. Como muitos desses apresentam
vantagens comparativas na produção agrícola e grande parte da população pobre
do mundo vive em áreas rurais, parece lógico que o acesso ao mercado de
Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas
230 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013
produtos agrícolas emerja como um tema central nas negociações de comércio
internacional (ELIOR, 2006).
A título de definição legal, subsídios consistem em contribuições
financeiras ou apoio à renda ou à manutenção preços, feitos pelo governo ou
agencias governamentais, que confiram benefício a um beneficiário específico,
causando dano material à indústria doméstica do país que deseja exportar ao
mercado subsidiado.104 Em outras palavras, existirá um subsídio quando o
governo do Estado A decidir apoiar a indústria doméstica produtora de milho,
por exemplo, conferindo-lhes um apoio a preço no valor de 40. Se a indústria
doméstica de A conseguia antes vender milho no mercado doméstico ao preço de
100; subsidiado, o produto passará a ser vendido no mercado pelo preço artificial
de 60. Isso gera implicações sérias para as indústrias de outros Estados que,
capazes de produzir e transportar milho ao preço de 80 costumavam exportar
seu produto para o mercado interno de A, eis que, de repente, elas, mesmo sendo
mais eficientes em termos econômicos, perdem competitividade no mercado
subsidiado de A.
A questão dos subsídios é pautada ainda pelas regras contidas no Acordo
de Agricultura da OMC, o qual possui três pilares: (1) o acesso a mercados com a
redução de barreiras ao comércio entre membros da OMC; (2) os subsídios
domésticos (apoio interno a produtores, incluindo programas de garantia de
preços para produtores agrícolas), que podem ser permitidos dentro de um
limite que não distorça o comércio internacional; e (3) os subsídios à exportação,
104Artigo VI, Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT); Artigo 1.1, Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (SCM).
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os quais são proibidos exceto se arrolados na lista de compromissos do país105,
caso em que deverão ser diminuídos.
Sob um olhar pouco crítico, a questão dos subsídios agrícolas pode
parecer simples e claramente bipolarizada entre Países Desenvolvidos e Países
em Desenvolvimento – isto é, entre países que costumam apoiar financeiramente
sua produção agrícola interna e países que, grandes produtores agrícolas,
desejam ver seu produto ingressar no mercado interno daqueles primeiros.
Contudo, há outro ponto importante a ser considerado nas discussões: a
segurança alimentar. Não é à toa que a OMC possui uma lista que separa os Países
Menos Desenvolvidos dos países em desenvolvimento.106 Os Países Menos
Desenvolvidos muitas vezes têm o seu abastecimento alimentar dependente da
importação de produtos agrícolas aos preços baixos artificiais gerados pelos
subsídios.107 Dessa forma, a redução dos subsídios agrícolas deve, além de
equilibrar os interesses contrastantes de Países Desenvolvidos e Países em
Desenvolvimento, levar em conta a necessidade de os Países Menos
Desenvolvidos realizarem os ajustes necessários para adaptar o seu
abastecimento alimentar a um mercado internacional com preços mais altos,
protegendo as suas populações das excentricidades do mercado de commodities.
Os países desenvolvidos defendem uma liberalização do comércio
internacional que contemple uma diminuição nas barreiras tarifárias e subsídios
de manufaturados, mas mantêm um protecionismo sobre seus produtos pouco
105 Para países desenvolvidos, corte de 26% no volume ou no valor das exportações subsidiadas e para países em desenvolvimento, corte de 14% no volume ou corte de 24% no valor das exportações subsidiadas. 106 Lista disponível em: http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org7_e.htm. 107 OMC, Decisão Ministerial sobre Medidas contra Possíveis Efeitos Negativos do Programa de Reformas sobre Países Menos Desenvolvidos e Países em Desenvolvimento Importadores de Alimentos. Disponível em: http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/35-dag.pdf
Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas
232 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013
competitivos. Assim, seus manufaturados podem ter maior e mais fácil acesso a
grandes mercados consumidores – como, por exemplo, o Brasil e a Índia – e não
há perda na produção interna dos commodities. Por outro lado, o hemisfério Sul
defende a redução dos subsídios agrícolas no mercado europeu e norte-
americano. Estes países, além de apresentarem vantagens como melhor
infraestrutra e melhor maquinaria, recebem ajuda financeira por parte do
governo, tornando seus produtos mais baratos. Assim, para o pequeno produtor
local brasileiro, por exemplo, torna-se muito difícil competir nesse mercado.
A questão dos subsídios agrícolas é complexa, pois a política interior de
cada país reflete na estrutura econômica e social de outro. No caso dos países em
desenvolvimento, a questão é ainda mais complicada (ELIOR, 2006). Eles exigem
a diminuição dos subsídios na produção de produtos primários, mas defendem
sua proteção nas indústrias nascentes. Conforme representante da Oxfam (ONG
dedicada a incentivar as ações de desenvolvimento e de combate à pobreza) Amy
Barry, “n~o é nada razo|vel e altamente destrutivo esperar que os países em
desenvolvimento operem sem nenhuma proteção contra indústrias estrangeiras
fortes" (FOLHA, 2004).
Em vista de tais diferenças, deve-se ressaltar que a moldura normativa
criada pelos diversos acordos da OMC não gera obrigações idênticas para países
desenvolvidos e em desenvolvimento. O Acordo sobre Agricultura108, por
exemplo, claramente coloca que os países desenvolvidos devem reduzir o seu
suporte a produtores agrícolas domésticos em 20% num período de 6 anos,
enquanto que os países em desenvolvimento devem reduzir o seu suporte a
108 Acordo sobre Agricultura foi negociado durante a rodada Uruguai e entrou em vigor em 1995.
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produtores agrícolas domésticos em 13% num período de 10 anos. Os países
menos desenvolvidos, por sua vez, são isentos da obrigação de reduzir o seu
apoio aos produtores agrícolas domésticos109.
3. Ações Internacionais Prévias
O primeiro documento com alguma referência aos subsídios agrícolas foi
o Acordo Geral de Tarifas e Comércio de 1947 (GATT). No artigo XVI do mesmo,
fica especificado que se houver danos causados por subsídios, as partes devem
negociar a possibilidade de limitações buscando a melhor satisfação de seus
interesses. Além disso, incentiva os países contratantes a evitar o uso de
subsídios à exportação de produtos primários e determina uma data limite (1º de
janeiro de 1958) para cessar o uso de subsídios diretos ou indiretos à exportação
de produtos não primários. Relacionando este artigo com o artigo VI referente ao
antidumping e deveres compensatórios e com o artigo XXIII referente à anulação
ou prejuízo, foi criado o Código de Subsídios durante a Rodada Tóquio em 1979.
Em 1986, começaram as negociações da Rodada do Uruguai, que
duraram até 1994 e tiveram como principal resultado a criação da OMC e do
órgão de solução de controvérsias. Dois dos acordos mais importantes em
relação aos subsídios agrícolas foram criados durante essa rodada: o Acordo
sobre Subsídios e Medidas Compensatórias e o Acordo sobre Agricultura.
O Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC) substituiu
o Código de Subsídios e acrescentou uma série de informações importantes que
não existiam no predecessor. É considerado um grande avanço na
regulamentaç~o desse assunto, pois apresenta uma definiç~o para “subsídio” e o
109 Acordo sobre Agricultura, Artigo 15.
Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas
234 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013
conceito de subsídio específico. O ASMC define subsídio como uma contribuição
financeira, feita por um país ou órgão público dentro do território do país
membro e que confira benefícios. A partir desse acordo, os subsídios são
divididos em “proibidos”, isto é, aqueles que apresentam o objetivo de
desencorajar o comércio internacional e privilegiar os bens domésticos, e
“acion|veis”, ou seja, aqueles que s~o permitidos e só podem ser retirados após a
apresentação de provas de que danos foram causados. A especificidade dos
subsídios é dividida em quatro categorias, sendo elas: empresarial, industrial,
regional e proibido.
O ASMC disciplina o uso de subsídios e regula as ações dos países para
detê-los, já que os países podem recorrer ao Órgão de Solução de Controvérsias
da OMC para remover os subsídios ou reparar seus danos por meio das medidas
compensatórias. Também estabelece os recursos que os Membros da OMC
podem utilizar contra subsídios danosos e os procedimentos a serem seguidos
nesse sentido, além de conter regras procedimentais a serem seguidas pelos
Membros da OMC que desejem aplicar medidas compensatórias (a via unilateral)
e mecanismos de ataque contra determinados tipos de subsídios na OMC (a via
multilateral). De acordo com o ASMC, os países desenvolvidos e em
desenvolvimento apresentam diferentes níveis de tratamento e de exigências.
Por exemplo, o tempo limite exigido para redução de subsídios proibidos é
menor para os países desenvolvidos. Quanto menor seu nível de
desenvolvimento, mais favorável será o tratamento em relação a subsídios.
Ademais, buscando a fiscalização e organização das regras presentes no acordo,
foi criado um comitê específico, que deve ser notificado regularmente pelos
membros quanto aos subsídios.
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Já o Acordo sobre Agricultura é um dos acordos mais importantes que
constituem a OMC, tendo também cláusulas referentes aos subsídios agrícolas. O
acordo sustenta a necessidade de estabelecer um sistema de trocas agrícolas
orientadas pelo mercado, reconhecendo, ao mesmo tempo, a importância de se
levar em conta temas não diretamente comerciais (non trade concerns) como a
segurança alimentar e a proteção ambiental (ABRAMOVAY, 2002). Seu principal
objetivo é trazer mais estabilidade ao comércio internacional e, por meio do
Comitê de Agricultura criado com o acordo, analisar anualmente o crescimento
normal do comércio agrícola mundial no contexto dos compromissos de
exportação de subsídios. Com foco nas reduções dos subsídios à exportação, o
documento apresenta tratamentos diferenciados para os países em
desenvolvimento, além de prever uma flexibilidade limitada em relação ao tempo
para o cumprimento das exigências.
A qualidade polêmica da questão dos subsídios agrícolas e o relativo
insucesso das negociações refletem-se na quantidade de casos levados por Países
Membros ao Órgão de Solução de Controvérsias, o órgão "jurídico" da OMC. No
período entre 2001 e 2012, isto é, no período da mais recente das rodadas de
negociações da OMC – a Rodada de Doha –, seis casos sobre subsídios agrícolas
foram levados ao Órgão de Solução de Controvérsias.
Em 2001, começou a Rodada Doha, que teve como principal foco de
discussões o papel do comércio internacional como promotor de
desenvolvimento e de reduç~o da pobreza. Como afirma Sandra Polónia Rios, “o
mandato de Doha afirma o compromisso dos países membros da OMC com
negociações abrangentes com vistas a melhorias substantivas em acesso a
mercados, redução com vistas à eliminação de todas as formas de subsídios às
exportações e redução substancial em medidas de apoio interno que distorcem o
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236 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013
comércio”. Questões envolvendo barreiras e subsídios agrícolas foram muito
discutidas e foi difícil chegar a um consenso devido às opiniões divergentes entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento.
4. Posicionamento dos países
O Brasil tem dirigido esforços à obtenção de condições mais justas no
comércio agrícola, buscando a extinção dos subsídios à exportação e diminuição
substancial dos subsídios domésticos (apoio interno), pautando seu
posicionamento pelo objetivo de consolidar o acesso de produtos agrícolas
brasileiros aos mercados, notadamente europeu e norte-americano. A postura
brasileira contra os subsídios agrícolas fortaleceu-se com posição de liderança
assumida pelo país no G-20 e a vitória sobre os Estados Unidos em contencioso
sobre os subsídios norte-americanos à produção de algodão110.
Os Estados Unidos, por sua vez, embora tenham concordado em reduzir
seus subsídios agrícolas ao teto de US$ 17 bilhões/ano ao invés dos US$22,5
bilhões da oferta anterior, consideram que o insucesso das negociações acerca
dos subsídios agrícolas se deve à intransigência dos países em desenvolvimento,
que, em troca das concessões agrícolas, não estão dispostos a realizar as
concessões desejadas na área de abertura de mercados para bens não
agrícolas111. Os EUA já tiveram os seus subsídios agrícolas acionados três vezes
perante o Órgão de Soluções de Controvérsias da OMC. Os níveis de apoio aos
produtores, no entanto, diminuíram substancialmente desde a década de 1980,
110Ministério das Relações Exteriores, Balanço de Política Externa 2003/2010. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010 111ICTSD, More Die than Do for Doha Round?. Disponível em: http://ictsd.org/downloads/bridges/bridges11-4.pdf
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alcançando a faixa de 9% da renda agrícola total112. Entre os produtos mais
subsidiados estão o milho e o algodão.
O Canadá, país que faz parte do G-20 e é o maior parceiro comercial dos
Estados Unidos, já manifestou a sua insatisfação com a política de subsídios deste
último, tendo inclusive iniciado um contencioso no Órgão de Solução de
Controvérsias da OMC para discutir a concessão de subsídios agrícolas aos
produtores de milho nos EUA. O Canadá busca promover a concorrência justa
através da eliminação dos subsídios às exportações e redução substancial dos
subsídios domésticos113.
Sendo três dos países que mais se beneficiam dos subsídios pagos pela
Política Agrícola Comum da União Europeia (PAC), França (com €10,3 bilhões ou
19% dos pagamentos), Alemanha (com €7,3 bilhões ou 13,3%) e Itália (com
10,6%)114 opõem-se às propostas de reformas do sistema de subsídios da PAC,
argumentando que é importante conservar a competitividade da agricultura
europeia.115 Os produtores agrícolas da Holanda também se beneficiam dos
pagamentos da Política Agrícola Comum, tendo o percentual de ajuda agrícola
recebido por este país aumentado em 17% entre 2009 e 2010116.
112OECD, United States - Agricultural Policy Monitoring and Evaluation 2011. Disponível em: http://www.oecd.org/document/62/0,3746,en_2649_37401_48710270_1_1_1_37401,00.html 113OMC, Canada - Trade Policy Regime, WT/TPR/S/179 . 114Ministério da Agricultura da República Francesa, Les Dépenses del' Union Européenne em faveur de l'agriculture dês Etats membres en 2009 et 2010. Disponívelemhttp://agriculture.gouv.fr/IMG/pdf/3_CP2010-U-E-3.pdf 115Germany Opposes Attempts to Reform EU Agricultural Subsidies Petra Bornhöft, Christoph Schult and Christian Schwägerlhttp://www.spiegel.de/international/europe/0,1518,737662,00.html 116Ministério da Agricultura da República Francesa, Les Dépenses del' Union Européenne em faveur de l'agriculture dês Etats membres en 2009 et 2010. Disponívelemhttp://agriculture.gouv.fr/IMG/pdf/3_CP2010-U-E-3.pdf
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A Ucrânia possui um baixo índice de apoio interno aos produtores
agrícolas – apenas 3% contra a média de 30% dos países desenvolvidos. O país se
comprometeu, quando da sua entrada na OMC, à não utilização de subsídios a
exportações agrícolas117.
A China anunciou, no início de 2012, que aumentará a intensidade do
seu programa de subsídios agrícolas, o qual continuará, porém, dentro do limite
máximo permitido pela OMC. O país, que ainda enfrenta preocupações no tocante
à segurança alimentar, possuindo certa dependência de importações de
alimentos, pretende tornar-se autossuficiente em produtos estratégicos como
algodão, arroz, trigo e milho118.
O Quênia é contra os subsídios agrícolas estabelecidos pelos países
europeus. Esses subsídios prejudicam o crescimento da economia queniana, que
depende principalmente das exportações, tanto para União Europeia, quanto
para os Estados Unidos, para se desenvolver. Com problemas ligados aos
subsídios à exportação do açúcar, o país já participou como terceiro em
reclamações à UE no órgão de solução de controvérsias da OMC.
Inspirado no Brasil, o Mali estuda a possibilidade de denúncia aos EUA
no órgão de solução de controvérsias da OMC por conta dos subsídios ao algodão.
Os países do Oeste Africano são contrários a essas medidas, que diminuem o
preço pago aos agricultores africanos, deixando-os em uma situação de pobreza.
Chade e Benin, países, assim como Mali, exportadores de algodão,
opõem-se aos subsídios aplicados pelos Estados Unidos e União Europeia que
117OECD, Agricultural Policies in Non-OECD Countries. Disponível em: http://www.oecd.org/dataoecd/11/56/40354956.pdf 118ICTSD, China to Boost Farm Subsidies for Science and Technology. Disponível em: http://ictsd.org/i/news/bridgesweekly/124690/
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têm por efeito distorcer o comércio internacional, já tendo inclusive enviado
proposta à OMC para que os mencionados países congelassem seus subsídios a
níveis baixos119.
A Grécia é um país favorável aos subsídios, sendo auxiliada pela União
Europeia, da qual faz parte. Os agricultores gregos têm direito a uma dedução
fiscal anual calculada como uma porcentagem da receita de exportação. Por causa
desse problema, o país já participou de discussões na OMC com os Estados
Unidos. Além disso, a Grécia também terá que devolver os subsídios agrícolas
concedidos pela União Europeia por terem sido utilizados de forma irregular.
O governo das Filipinas defende a redução dos subsídios agrícolas nos
países desenvolvidos, mas apoia o uso de mecanismos especiais em países em
desenvolvimento para impulsionar suas economias e criar uma chance de
crescimento. Fazendo parte do G-20, luta pelos direitos dos países em
desenvolvimento.
A Tailândia conta com subsídios para seus agricultores e por isso não
pode ser totalmente contra essas medidas. Porém, em busca de seus interesses
nacionais, luta pela abertura dos mercados para produtos de exportação.
Enquanto defende a redução dos subsídios agrícolas nos países desenvolvidos,
implanta tarifas altas para produtos importados e recebe auxílio para os
agricultores nacionais.
A Indonésia é parte do Grupo Cairns, que luta pela supressão total dos
subsídios às exportações agrícolas vigentes nos países desenvolvidos. O
Paraguai também faz parte desse grupo, participando inúmeras vezes no órgão
119ICTSD, Cotton: African Exporters Seek Subsidy Freeze. Disponível em: http://ictsd.org/i/news/bridgesweekly/118590/
Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas
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de solução de controvérsias da OMC contra os Estados Unidos e a União Europeia.
Seus principais motivos de debate foram os subsídios ao algodão e ao açúcar.
O Egito faz parte do G-20, grupo que luta pela redução dos subsídios,
principalmente durante a Rodada Doha. Porém, internamente, o país utiliza
subsídios para produtos específicos em busca de uma maior estabilidade
econômica e política.
Comprometido com os direitos dos países em desenvolvimento, o
Equador é contrário aos subsídios agrícolas. O principal ponto focado pelo país é
que esses subsídios estabelecidos pelos países desenvolvidos prejudicam os em
desenvolvimento e que a comunidade financeira internacional deveria tomar
medidas práticas em relação a este problema.
Os fazendeiros espanhóis e ingleses recebem milhões de euros em
subsídios agrícolas, sendo os mais beneficiados os do Reino Unido. Este tipo de
auxílio à produção agrícola praticado na Europa desde os anos 60 é duramente
criticado pelos países da América Latina, que acusam os europeus de impedirem
o crescimento dos países em desenvolvimento fechando seus mercados. Tanto o
Reino Unido, quanto a Espanha não participaram de nenhum conflito
envolvendo subsídios agrícolas no órgão de solução de controvérsias da OMC.
6. Referências
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UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013 241
BRASIL. Balanço de Política Externa 2003/2010. Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010>.
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FRANÇA. LesDépenses de l’UnionEuropéenneenfaveur de l’agriculturedesEtatsMembresen 9 et 1 . União Europeia, 2010. Disponível em: <http://agriculture.gouv.fr/IMG/pdf/3_CP2010-U-E-3.pdf>.
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__________. United States – Agricultural Policy Monitoring and Evaluation 2011. 2011. Disponível em: <http://www.oecd.org/unitedstates/unitedstates-agriculturalpolicymonitoringandevaluation2011.htm>.
Resumo
A Organização Mundial do Comércio (OMC) é um foro de negociações multilaterais acerca
do comércio internacional ao qual os governos levam suas preocupações e desavenças comerciais e
que também implementa acordos já existentes. As negociações da OMC são chamadas de rodadas,
durante as quais é lançada uma agenda de temas que serão discutidos entre os membros para
firmarem acordos. A última rodada, de Doha, lançada em 2001 e ainda em execução, foca na redução
do déficit de desenvolvimento, dando especial atenção a temas relevantes para os países em
desenvolvimento, como acesso a mercados e agricultura, refletindo um crescimento do número de
Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas
242 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013
países subdesenvolvidos e em desenvolvimento dentro da OMC. É nesse contexto que esse guia
discute a questão dos subsídios agrícolas, que consistem em uma forma de apoio monetário,
concedido por uma entidade (geralmente governamental) a outra (produtores agrícolas), no sentido
de fomentar o desenvolvimento de uma atividade, visando maior competitividade no mercado
internacional assim como a proteção do mercado interno. Dessa maneira, os países desenvolvidos
defendem uma liberalização do Comércio Internacional, uma diminuição nas barreiras tarifárias e
subsídios de manufaturados, mas com um protecionismo de seus produtos pouco competitivos. Já o
hemisfério Sul defende a redução dos subsídios agrícolas no mercado europeu e americano que já
possuem uma melhor infra-estrutra e melhor maquinaria, tornando-se muito difícil competir nesse
mercado injusto com a manutenção da ajuda governamental. Apesar da clara bipolarização dessa
questão, é preciso ainda considerar-se a segurança alimentar, de forma que a redução dos subsídios
agrícolas deve, além de equilibrar os interesses contrastantes de Países Desenvolvidos e Países em
Desenvolvimento, levar em conta a necessidade de os Países Menos Desenvolvidos realizarem os
ajustes necessários para adaptar o seu abastecimento alimentar a um mercado internacional com
preços mais altos, protegendo as suas populações das excentricidades do mercado de commodities.
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 243
Corte Internacional De Justiça
Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
André da Rocha Ferreira120
Fernanda Graeff Machry121
Luíza Leão Soares Pereira122
Michelle Gallera Dias123
1. O Comitê
A resolução pacífica de conflitos é um dos princípios da Organização das
Nações Unidas, estabelecido no Art. 2(3) de sua Carta. Num esforço para
promover tal prática, foi criada a Corte Internacional de Justiça, quando do
estabelecimento da própria Organização das Nações Unidas, na Conferência de
São Francisco, em 1945.
Previamente, no sistema da Liga das Nações, já existia um tribunal
internacional permanente, a Corte Permanente de Justiça Internacional,
considerada a antecessora da atual Corte. O Estatuto da Corte Internacional de
Justiça é, inclusive, baseado no Estatuto da Corte Permanente (Art. 92 da Carta da
ONU).
120 Estudante do 7o semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 121 Estudante do 9o semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 122 Estudante do 9o semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 123 Estudante do 7º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
244 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
A CIJ teve sua primeira audiência pública em 18 de abril de 1945 e
recebeu seu primeiro caso no ano seguinte, trazido pelo Reino Unido contra a
Albânia (Caso Canal de Corfu).
1.1. Organização da corte
A Corte é composta de 15 juízes (Art. 3(1) do Estatuto da CIJ), eleitos
pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para um
mandato de nove anos (Art. 13 do Estatuto da CIJ). Não pode haver na
composição da Corte, ao mesmo tempo, mais de um juiz da mesma nacionalidade
(Art. 3(1) do Estatuto da CIJ). Além disso, o Estatuto da CIJ prevê que as partes de
uma disputa têm direito a ter um juiz da sua nacionalidade na composição da
Corte (Art. 31 do Estatuto da CIJ); se não houver, a parte poderá escolher um juiz
ad hoc.
No entanto, é importante ressaltar que os juízes da CIJ não representam
seus países de origem, e sim são independentes (Art. 2 do Estatuto da CIJ). Eles
são eleitos com base em seu conhecimento jurídico, portanto devem representar
sua visão pessoal sobre o direito internacional em relação às questões em pauta.
1.2. Competência da corte: quem podemos julgar
A Corte tem dois tipos de competência para emitir julgamentos: a primeira
chama-se contenciosa, entre Estados, e a segunda, consultiva, exercida em relação
a pedidos feitos por órgãos da própria ONU ou de suas agências especializadas
(Estatuto da CIJ, Art. 34, para. I e II).
A competência contenciosa busca estabelecer a paz e a segurança
internacionais através resolução pacífica de controvérsias. Ao invés de utilizar o
conflito armado como recurso em uma questão de disputa de fronteiras, por
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 245
exemplo, basta que os Estados concordem em submeter a questão à Corte, que
resolve a questão de maneira imparcial e com base no Direito Internacional. Este
tipo de decisão da Corte é de cumprimento obrigatório aos Estados que se
submeteram à jurisdição dela.
Outro ponto fundamental no Direito Internacional que se aplica à
jurisdição da Corte é o consentimento. Como, nas relações internacionais, todos
os Estados são iguais perante a lei, soberanos, e ninguém pode ordená-los a fazer
algo sem seu consentimento, a Corte somente julgar casos quando os Estados
envolvidos tiverem consentido a ela124.
Esse consentimento pode se dar das seguintes maneiras: através de um
acordo entre as partes que submetem o caso; por meio de uma cláusula incluída
em tratados, dizendo que quaisquer disputas jurídicas advindas de sua aplicação
poderão ser submetidas à Corte; através de uma declaração feita anteriormente e
depositada junto ao Secretário Geral da ONU; e através de um mecanismo
chamado fórum prorrogatorum, segundo o qual um Estado que comparece
perante a Corte, em procedimentos contra si, aceita tacitamente a jurisdição
desta.
Já a competência consultiva é especial e serve para esclarecer pontos de
direito que surjam em relação a órgãos da ONU ou a agências especializadas.
Apesar de não serem obrigatórias, ao contrário das decisões emitidas em relação
à competência contenciosa, tem um grande peso em decisões tomadas
124 Ao contr|rio do Direito interno, em que a relaç~o é ‘vertical’ – o Legislativo “manda” e os demais tem que obedecer à lei –, no Direito Internacional todos os Estados s~o iguais, em raz~o da “igualdade soberana entre os Estados”. Consequentemente, ninguém pode “mandar” neles a n~o ser que eles tenham previamente consentido a agir ou deixar de agir de uma certa forma.
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
246 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
posteriormente e são frequentemente citadas como tendo sido esclarecedoras de
pontos fundamentais do Direito Internacional.
2. Histórico
Em 1979, durante uma manifestação o prédio da Embaixada dos Estados
Unidos da América em Teerã foi invadido por um grupo de estudantes. Nenhuma
força de segurança iraniana foi enviada para intervir ou abrandar a situação,
embora tenha havido pedidos de ajuda da Embaixada às autoridades iranianas. O
corpo diplomático e consular, além do staff não-estadunidense, bem como
visitantes, foi feito refém durante a ação. Com a exceção de 13 pessoas que foram
libertadas nos dias 18 e 20 de novembro de 1979, os demais permaneceram
reféns. Em 29 de novembro de 1979, os Estados Unidos iniciaram procedimentos
na Corte Internacional de Justiça, alegando que a República Islâmica do Irã
violara inúmeras obrigações legais impostas pela Convenção de Viena sobre
Relações Diplomáticas de 1961, pela Convenção de Viena sobre Relações
Consulares de 1963, pelo Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos
Consulares entre Irã e Estados Unidos de 1955, pela Convenção de Prevenção e
Punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional,
incluindo Agentes Diplomáticos, de 1973, pela Carta das Nações Unidas e pelo
costume internacional.
3. Desenvolvimento da questão
3.1. Fatos principais
No dia 4 de novembro de 1979, por volta das 10h30min, a Embaixada dos
Estados Unidos da América em Teerã foi invadida por centenas de manifestantes.
Durante a invasão, oficiais, seguranças e visitantes foram feitos reféns. Apesar
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dos pedidos de ajuda da Embaixada estadunidense ao Governo iraniano,
nenhuma força de segurança foi enviada para aliviar a situação, persuadir os
manifestantes a terminar com a ação ou resgatar os reféns.
Os manifestantes continuaram a manter no mínimo 50 reféns, na sua
maioria agentes diplomáticos e membros do staff administrativo e técnico da
Embaixada, embora tenham libertado 13 reféns nos dias 18 e 20 de novembro de
1979.
Na manhã de 5 de novembro de 1979, os Consulados dos Estados Unidos
em Tabriz e Shiraz foram invadidos, novamente sem qualquer ação de proteção
por parte do Governo iraniano. Devido à suspensão das operações dos
Consulados desde fevereiro, nenhum oficial estadunidense foi feito refém nessa
invasão.
No dia 29 de novembro de 1979, os Estados Unidos da América iniciaram
os procedimentos contra a República Islâmica do Irã na Corte Internacional de
Justiça. Na mesma data, os Estados Unidos fizeram o requerimento para
indicação de medidas provisórias para preservar os direitos de seus nacionais à
vida, liberdade, proteção e segurança; o direito à inviolabilidade, imunidade e
proteção dos oficiais diplomáticos e consulares; e os direitos à inviolabilidade e
proteção de seus edifícios diplomáticos e consulares. Os Estados Unidos pediram
que a Corte indicasse que:
(a) o Governo do Irã libertasse imediatamente todos os reféns de
nacionalidade norte-americana e facilitasse a saída imediata e
segura do Irã dessas pessoas e dos demais oficiais
estadunidenses em condições dignas e humanas.
(b) o Governo do Irã retirasse da Embaixada estadunidense todas
as pessoas não autorizadas pelo Encarregado dos Estados
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
248 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
Unidos no Irã e restaurasse o controle das instalações aos
Estados Unidos.
(c) o Governo do Irã assegurasse que todas as pessoas ligadas à
Embaixada norte-americana e ao Consulado deveriam ser
protegidas e a elas concedida total liberdade dentro da
Embaixada e liberdade de movimento necessária dentro do
Irã para realizar suas funções diplomáticas e consulares.
(d) o Governo do Irã não julgaria qualquer pessoa ligada a
Embaixada ou ao Consulado dos Estados Unidos e evitaria
qualquer ação para implementar qualquer julgamento.
(e) o Governo do Irã não agisse nem permitisse qualquer ação
que pudesse ameaçar as vidas, a segurança ou o bem-estar
dos reféns. (CIJ, 1979b, p.12)
Apesar de o Governo do Irã não ter sido representado na audiência, no
dia 15 de dezembro de 1979, a Corte indicou as seguintes medidas provisórias:
A. (i) O Governo da República Islâmica do Irã
deveria imediatamente assegurar que os edifícios da
Embaixada, da Chancelaria e dos Consulados dos Estados
Unidos sejam restaurados ao controle exclusivo das
autoridades dos Estados Unidos, e deveria assegurar sua
inviolabilidade e eficaz proteção como estabelecido pelos
tratados entre os dois Estados e pelo direito internacional
geral;
(ii) O Governo da República Islâmica do Irã
deveria assegurar a libertação imediata, sem qualquer
exceção, de todas as pessoas de nacionalidade norte-
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 249
americana que estão mantidas na Embaixada dos Estados
Unidos da América ou no Ministério das Relações Exteriores
no Teerã, ou tem estado mantidas reféns em qualquer lugar,
e proporcionar total proteção a todas essas pessoas, de
acordo com os tratados em vigor entre os dois Estados, e
com o direito internacional geral;
(iii) O Governo da República Islâmica do Irã
deveria, a partir deste momento, proporcionar a todo corpo
diplomático e consular dos Estados Unidos total proteção,
privilégios e imunidades que lhes são conferidos segundo os
tratados em vigor entre os dois Estados e segundo o direito
internacional geral, incluindo imunidade de qualquer forma
de jurisdição penal e liberdade e instrumentos para deixar o
território do Irã.
B. O Governo dos Estados Unidos da América e o
Governo da República Islâmica do Irã não deveriam tomar
qualquer ação e deveriam assegurar que nenhuma ação seja
tomada que possa agravar a tensão entre os dois países ou
tornar a disputa existente mais difícil de solucionar. (CIJ,
1979c p. 21)
No dia 9 de dezembro de 1979, uma carta enviada pelo Governo do Irã à
Corte alegava que esta não poderia, nem deveria, julgar o caso, pois a questão dos
reféns era apenas um “aspecto marginal e secund|rio de todo o problema”
envolvendo as atividades entre ambos os países nos últimos 25 anos. Além disso,
alegava que a Revolução Islâmica era uma questão de soberania nacional do Irã.
(CIJ, 1979c, p. 15-16) A Corte recebeu outra carta do Governo do Irã no dia 16 de
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
250 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
março de 1980, a qual continha basicamente a mesma posição apresentada na
carta anterior sobre o caso.
O Presidente da Corte indicou, em 24 de dezembro de 1979, a data limite
de 15 de janeiro de 1980 para a apresentação do Memorial dos Estados Unidos e
18 de fevereiro de 1980 para o Contra-Memorial do Irã. O Memorial dos Estados
Unidos foi arquivado no dia acordado, enquanto o Contra-Memorial não foi
entregue e nenhum pedido de extensão do prazo foi realizado.
Em 7 de abril de 1980, os Estados Unidos interromperam as relações
diplomáticas com o Governo iraniano, além de proibir as exportações dos
Estados Unidos para o Irã. Mais tarde, novas medidas econômicas foram
anunciadas pelos Estados Unidos contra o Irã.
4. Alegações das partes da disputa
4.1. Alegações dos estados unidos
4.1.1. Responsabilidade do Irã pelos atos cometidos na Embaixada
Em seu memorial, os Estados Unidos afirmam que o governo do Irã se
omitiu ao não prover a devida segurança ao seu corpo diplomático e às
instalações da embaixada. Ademais, o requerente alega que o réu foi omisso
quando não cooperou a contento para minimizar ou solucionar a questão
(Memorial dos Estados Unidos, p.156).
Buscando atribuir ao Irã a responsabilidade pelo seqüestro de seus
diplomatas, os Estados Unidos procuraram estabelecer duas modalidades de
responsabilização: a primeira é pela omissão, já que o governo iraniano não teria
dado necessário suporte e segurança ao corpo diplomático estadunidense.
Ademais, os Estados Unidos alegam que, em momento algum, após a invasão da
embaixada, o réu tomou as medidas necessárias para minimizar os supostos
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 251
crimes cometidos pelos estudantes ou sequer deu o suporte necessário para que
alguns direitos básicos, como livre comunicação, fossem respeitados.
O segundo tipo de atribuição de responsabilidade feito pelo governo dos
Estados Unidos diz respeito à posição que os estudantes tiveram, de fato, na
invasão. Os Estados Unidos alegam que o Estado iraniano é responsável não
apenas por ter se omitido antes e no decorrer da invasão de suas obrigações
internacionais. Segundo o governo estadunidense, as atitudes das autoridades do
réu levam a crer que os estudantes estavam agindo em nome do governo e
representando os interesses deste, devendo a invasão ser tratada como um ato
do governo de Teerã (Memorial, p. 154). Para dar suporte a tais acusações, o
requerente faz referências aos discursos do líder espiritual Ayatollah Khomeini e
a alguns discursos dos líderes da Guarda que cercava a embaixada (Memorial, p.
127).
4.1.2. Alegadas violações a normas de direito internacional
Os Estados Unidos alegam que o Irã violou diversas normas contidas na
Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, tanto por omissão, pois o
governo iraniano nada fez para impedir o ataque à embaixada, de modo a falhar
no cumprimento de suas obrigações perante os Estados Unidos, quanto por
comissão, através de apoio, incentivo e patrocínio dos atos dos estudantes. Estes
invadiram as dependências da missão diplomática dos Estados Unidos em Teerã
e fizeram reféns seus agentes diplomáticos e funcionários, os quais permanecem
detidos e impedidos de deixar a Embaixada e de se comunicar com o governo dos
Estados Unidos. Além disso, o governo do Irã é acusado de aprovar o confisco,
revista e publicação de documentos da Embaixada, e de apoiar a ameaça de
utilizá-los como evidência em procedimento legal (Memorial, p. 165). Ainda, os
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
252 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
Estados Unidos alegam que o Irã está tratando sua missão diplomática de forma
discriminatória, visto que nenhuma outra embaixada foi submetida a tais
condições.
É, também, a alegação dos Estados Unidos que o Irã ameaçou violar a
imunidade diplomática de seus agentes, ao manifestar a intenção de submeter os
reféns a julgamento ou de utilizá-los como testemunhas perante algum tipo de
tribunal internacional ou júri (Memorial, p. 163). O governo estadunidense
argumenta que tais violações já estariam ocorrendo, através do apoio do governo
iraniano às acusações criminais contra os reféns, sua aprovação da detenção e
interrogatório dos mesmos e sua declaração de que os reféns serão submetidos a
julgamento e obrigados a testemunhar.
Afirmam os Estados Unidos, ainda, que o Irã violou diversas normas
contidas na Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963. De acordo
com o requerente, foram violadas as obrigações de proteger as instalações
consulares (Arts. 27, 31 e 33), conceder instalações consulares (Art. 28),
assegurar a liberdade de ir e vir dos cônsules e funcionários do consulado (Art.
34), garantir a liberdade de comunicação com o governo estadunidense (Art. 35)
e com os nacionais dos Estados Unidos (Art. 36), bem como a obrigação de não-
discriminação de um consulado em relação aos demais (Art. 72).
Os Estados Unidos alegam que o Irã se omitiu do cumprimento de suas
obrigações perante a Convenção de Prevenção e Punição de Crimes contra
Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos,
de 1973 (Convenção de Nova York), visto que os estudantes responsáveis pelos
ataques à embaixada americana não foram submetidos a processo criminal e nem
foram extraditados. Além disso, os Estados Unidos sustentam que o Irã não foi
apenas omisso, mas também conivente com a prática de tais atos, tendo dado
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 253
suporte moral e financeiro aos estudantes. Dessa forma, o Irã teria violado os
Artigos 4 e 7 da Convenção de Nova York.
Por fim, quando da invasão da embaixada estadunidense em Teerã,
foram feitos reféns dois nacionais estadunidenses, indivíduos privados que não
trabalhavam ou exerciam funções na missão diplomática e no consulado. A
alegação dos Estados Unidos é que o Irã violou o Tratado de Amizade, Relações
Econômicas e Direitos Consulares entre Irã e Estados Unidos de 1955, por ter
falhado em garantir a segurança e a proteção às quais indivíduos faziam jus. Além
disso, ter-lhes-ia sido negado o direito de comunicação com seu próprio governo
e com seus oficiais consulares, previsto nos Artigos II e XIX do referido tratado.
4.2. Alegações do Irã
O Irã não submeteu memorial escrito à Corte Internacional de Justiça,
tampouco compareceu à audiência pública para apresentar seus argumentos.
Contudo, o governo iraniano enviou à Corte duas cartas, em 09 de dezembro de
1979 e 16 de março de 1980, em que argumenta que a Corte não deve conhecer
do caso, devido ao seu conteúdo político. Alega o Irã que a invasão da embaixada
é uma pequena parte de um contexto político maior, e que a questão está no
escopo da soberania iraniana.
Assim, embora o Irã não tenha apresentado memorial, é importante levar
consideração os argumentos contidos nessas cartas, pois se relacionam com a
jurisdição da Corte, visto que esta apenas pode julgar aspectos jurídicos de
disputas.
5. Questões jurídicas envolvidas
5.1. Jurisdição da corte - Podemos julgar o caso?
5.1.1. O que podemos julgar?
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
254 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
No presente caso, estamos diante de uma situação em que uma das partes
(no caso, o Irã) não compareceu perante a Corte. Essa hipótese encontra
regulação no Artigo 53 do Estatuto da CIJ, que determina que, nesse caso, a Corte
deve observar se possui jurisdição para julgar a questão posta, isto é, se pode
decidir sobre o caso.
O Artigo 36 (2) do Estatuto da CIJ estabelece que a Corte tem competência
para julgar disputas a respeito: (a) da interpretação de tratados; (b) de qualquer
questão de direito internacional; (c) da existência de qualquer fato que possa
constituir uma violação de obrigação internacional; ou (d) da natureza e extensão
da reparação a ser feita pela violação de uma obrigação internacional.
Desse modo, para estabelecer sua jurisdição sobre uma determinada
disputa, a Corte deve observar se esta se enquadra dentro das hipóteses
mencionadas.
5.1.2. Podemos julgar um caso se o Conselho de Segurança estiver agindo a
respeito?
O Conselho de Segurança da ONU, na Resolução 457, de 4 de dezembro de
1979, endereçou a questão da invasão da Embaixada, instando os governos dos
Estados Unidos e do Irã a buscar uma solução para o conflito. Na Resolução, o
Conselho de Segurança decidiu que iria continuar a se ocupar da questão.
Posteriormente, uma Comissão foi formada com o objetivo de realizar uma
missão de investigação e de ouvir ambas as partes, visando a uma solução
pacífica do conflito. A questão posta aqui é, assim, se a Corte pode julgar um caso
em que o Conselho de Segurança esteja agindo, e se a existência da Comissão é
um obstáculo à jurisdição da Corte.
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 255
O Artigo 12(1) da Carta das Nações Unidas estabelece que, durante o
exercício das funções do Conselho de Segurança a respeito de determinada
questão, a Assembleia Geral não poderá fazer recomendações sobre o assunto, a
não ser que assim requeira o Conselho. No entanto, não há na Carta nenhuma
norma que diga o mesmo sobre a Corte Internacional de Justiça, a qual é definida
como o órgão judicial principal das Nações Unidas (Artigo 92 da Carta e Artigo 1º
do Estatuto da CIJ). Ao Conselho de Segurança, por sua vez, cabe a função de
manter a paz e a segurança internacionais.
Ademais, a solução pacífica de conflitos é um dos princípios das Nações
Unidas, como estabelecido no Artigo 2(3) da Carta. As formas em que essa
solução pode ocorrer estão listadas no Artigo 33(1) da Carta e são: negociação,
inquirição, mediação, conciliação, arbitragem, acordo judicial, recurso a agências
regionais, ou outros à escolha das partes.
No caso Plataforma Continental do Mar Egeu (Grécia v. Turquia), a Corte
determinou que a existência de uma negociação não eliminava a sua jurisdição,
visto que o Artigo 33 da Carta enumera as formas de solução sem estabelecer
hierarquia entre elas.
5.2Atribuição de responsabilidade - O Irã é responsável pelos atos dos
manifestantes?
Os sistemas jurídicos, de um modo geral, desenvolvem métodos para que
seja feita a atribuição de responsabilidade para atos ilícitos. Em outras palavras,
o que os ordenamentos jurídicos procuram é atribuir ao ato de alguém uma
conexão, uma causalidade, com alguma situação em que a regra fora infringida.
Tal imputação de responsabilidade, no Direito nacional de cada país, é
comumente dividida em penal e civil e pode gerar sanções em até mesmo ambos
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
256 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
os campos; o Direito Internacional, no entanto, não faz essa cisão, mantendo
apenas a atribuição de responsabilidade a Estados (ou Organizações
Internacionais, como a ONU), que violaram alguma obrigação que tinham junto
ao direito internacional, tais como tratados de que são signatários, em uma só
área (HARRIS, 2010). Na opinião consultiva Interpretação de Tratados de Paz
com a Bulgária, a Hungria e a Romênia, por exemplo, a Corte Internacional de
Justiça ponderou que qualquer recusa de um estado cumprir com uma obrigação
imposta por um tratado, envolve um caso de responsabilidade internacional.
A atribuição de responsabilidade a Estados é de suma importância para o
direito internacional, de modo que a Comissão de Direito Internacional da
ONU125 definiu este como sendo um dos 14 tópicos a serem codificados nos
trabalhos da Comissão já em sua primeira sessão no ano de 1949. Até o ano de
1974, a Comissão havia adotado dois Capítulos de artigos relacionados ao tema: o
primeiro trazia quatro artigos acerca dos princípios da responsabilidade de
estados em atos internacionalmente ilegais; já o segundo continha dispositivos
que faziam referência aos atos e como estes atos se relacionavam com a pessoa
do Estado (CDI, 1974). Estes artigos, conhecidos em português como Projeto
Crawford, embora não constituam um tratado internacional, são considerados
uma cristalização do costume internacional, o qual, assim como os tratados, é
uma fonte de direitos e obrigações perante o Direito Internacional126.
125 Mais informações sobre a Comissão podem ser obtidas acessando http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-direito-internacional/ (ultimo acesso em 21/01/2012) e no site oficial da Comissão, disponível em ingles http://www.un.org/law/ilc/ (ultimo acesso em 22/01/2012). 126 As fontes do Direito Internacional são determinados materiais e procedimentos a partir dos quais as normas internacionais são estabelecidas. O Artigo 38 do Estatuto da CIJ estabelece quais são essas fontes: (a) tratados internacionais; (b) costume internacional; (c) princípios gerais de direito; e (d) meios subsidiários, como decisões judiciais e obras de estudiosos renomados. Embora o texto do
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 257
Conforme o Projeto Crawford e a opinião majoritária da doutrina acerca
do tema, existem dois fatores necessários para que um ato ou omissão de um
governo seja caracterizado como contrário ao Direito Internacional: em primeiro
lugar é necessário que o ato ou omissão em questão sejam imputáveis a um
Estado ou Organização Internacional; em segundo lugar, este ato ou omissão
deve ser contrário a alguma obrigação internacional deste estado. Além de estar
contido no Artigo 2 do Projeto Crawford, a Corte Permanente de Justiça
Internacional, predecessora da atual Corte Internacional de Justiça, já havia
delineado semelhante entendimento no caso Fosfatos no Marrocos (Itália v.
França). Na oportunidade, a Corte definiu que se um determinado ato é atribuível
a um Estado e este ato fere um tratado com outro Estado, tal situação geraria
imediatamente um caso de responsabilidade internacional entre os dois estados.
Está claro, portanto, que a imensa maioria da doutrina aponta para a necessidade
destes dois elementos para a caracterização de um ato como ilícito aos olhos do
Direito Internacional.
Portanto, é necessário verificar com que extensão os atos praticados pelo
governo iraniano interferiram na invasão da embaixada estadunidense. Ou seja, a
análise é se a ação do governo através de seus agentes (sejam eles quais
forem127) possui nexo causal com a tomada do prédio e do seqüestro dos
cônsules estadunidenses.
Como referido acima, tanto atos como omissões podem gerar a
responsabilidade de um Estado perante o Direito Internacional. Desse modo,
artigo, não estabeleça hierarquia entre as três primeiras, tratados e costume são considerados as fontes mais importantes, sem que um prevaleça sobre o outro. 127 É regra de caráter consuetudinário no Direito Internacional, também codificada no Projeto Crawford em seu Artigo 4º, que a conduta de qualquer órgão ou pessoa representando um Estado gera responsabilidade para este Estado.
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
258 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
para que ocorra a atribuição a um Estado de um ato internacionalmente ilegal,
não é necessário que este Estado tenha uma posição ativa na questão; essa
responsabilidade pode existir simples omissão do governo em evitar que o
evento ilegal ocorresse. Famoso precedente traçado pela Corte Internacional de
Justiça se deu no caso Canal de Corfu(Reino Unido v. Albânia). Nesse caso em
particular, dois navios de bandeira do Reino Unido colidiram com minas
marinhas, enquanto navegavam pelo Canal de Corfu, causando mortes de alguns
tripulantes. O incidente se deu em águas albanesas e, a partir deste fato, a Corte
concluiu que havia informações suficientes para que Albânia soubesse – ou
tivesse o dever de saber – da presença destas minas no local e que a não-retirada
destas fazia da ré Albânia responsável pelas mortes dos marinheiros britânicos.
Concluiu a Corte: “Em realidade, as autoridades albanesas nada tentaram para
prevenir o desastre. Estas graves omissões envolvem a responsabilidade
internacional da Alb}nia.” (CIJ, 1949, p. 22-23).
A responsabilidade por omissão, no entanto, não se dá em razão de
qualquer inatividade por parte do governo. Ela ocorre quando este deixa de atuar
em algo que era de seu dever de agir e não o fez (SMITH, 2003), como, por
exemplo, retirar as minas submarinas no caso da Albânia. No presente caso, cabe
analisar se de fato o governo do Irã foi omisso na iminência de uma invasão e se
este também foi comissivo durante a ocorrência do seqüestro. Deste modo, é
possível definir se a omissão é atribuível ou não ao governo iraniano, que é
aspecto fundamental para determinação de ilegalidade de um determinado ato.
O princípio que reveste a afirmação dos Estados Unidos é consagrado,
inclusive, no Projeto Crawford, cujo Artigo 8º faz expressa referência ao tema. O
artigo prevê dois tipos de imputabilidade por atos de pessoas, ou grupo de
pessoas, que agem de fato, e não formalmente, em nome de um Estado. Uma delas
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 259
faz menção a situações em que este grupo de pessoas exerce a autoridade de um
governo. O outro tipo de imputação de responsabilidade ao Estado por atos de
grupo de pessoas é quando este grupo de pessoas está agindo em nome deste
Estado. É deste modo que vê o requerente a relação entre os estudantes e o
governo de Teerã: eles, apesar de não serem agentes oficiais do governo,
estavam, de fato, como se agentes do Estado fossem.
Em realidade, este modo de atribuição de culpabilidade, nada mais é que
uma complementação daquele que diz que qualquer ato de órgão ou agente do
Estado gera responsabilidades para este. Nos comentários ao artigo oitavo, há a
qualificação destes agentes como auxiliares do Estado (CDI, 1974). A motivação
desta regra são as ocasiões em que governos contratam pessoas ou companhias
para serviços de caráter militar. Além da contratação de pessoas, a
ratiodestaregra também consiste na maneira com que certos governos atuam
para atingir aos seus fins. Ao invés de utilizarem agentes formalmente ligados ao
estado, os governos usam de meio alternativos aos formais, como mandando
voluntários para outros países com o objetivo de realizar “missões”.
Muito embora este seja um instituto de Direito Internacional que suscite
pouca controvérsia entre os estudiosos, ele não pode ser aplicado em qualquer
situação. Em realidade, a própria Comissão de Direito Internacional deixa claro
que é extremamente necessário estabelecer uma clara conexão entre o grupo de
pessoas e o Estado para que este seja aplicado. Ou seja, o standard de prova
exigido para que se impute ao Estado responsabilidade a atos de terceiros é
bastante rigoroso, devendo estar claro que há, de fato, uma atuação do grupo de
pessoas em nome do Estado, através de uma ordem direta, por exemplo.
Nota-se, portanto, que a atribuição de responsabilidade é processo
complexo e com variadas etapas, sendo necessária atenção em todas estas etapas
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
260 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
sob pena de um Estado ser responsabilizado injustificadamente. No presente
caso, deve-se prestar especial atenção, pois, à primeira vista, em nenhum
momento houve ação direta de agentes do estado iraniano. Por isso, devem-se
verificar cuidadosamente os fatos no intuito de estabelecer se há e em que
medida há responsabilidade do réu pelo incidente na embaixada estadunidense.
5.3. Violações ao direito das relações diplomáticas
Se considerarmos que (1) podemos julgar o caso e (2) a conduta é
atribuível ao Irã, quais violações foram possivelmente cometidas?
5.3.1. As relações diplomáticas e o Direito Internacional
A diplomacia é o modo pelo qual os Estados estabelecem ou mantêm
relações mútuas, comunicam-se um com o outro e realizam negociações políticas
e legais, através de seus agentes autorizados, isto é, os diplomatas. Geralmente,
há o estabelecimento de uma missão diplomática permanente, mais conhecida
como embaixada, de um país no território de outro. Na embaixada, o governo do
Estado acreditante (aquele que envia a missão diplomática) realiza suas funções
estatais no território do Estado acreditado (aquele que recebe a missão
diplomática) (BROWNLIE, 2008).
Quando é estabelecida uma missão permanente, o Estado acreditado
deve tomar algumas medidas para possibilitar o exercício das funções
diplomáticas do Estado acreditante. Um exemplo desse tipo de medida é a
garantia da inviolabilidade da missão diplomática e dos diplomatas, bem como a
garantia da imunidade destes, conceitos que serão desenvolvidos a seguir
(HARRIS, 2010).
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 261
As normas de Direito Internacional que regulam as relações diplomáticas
resultam da prática dos Estados, estabelecida ao longo do tempo. Essa prática
pode ser observada através do conteúdo de legislações nacionais e decisões
judiciais (BROWNLIE, 2008). Hoje em dia, essas normas já foram, em sua grande
maioria, codificadas e estão contidas na Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas, adotada em 1961, na Conferência das Nações Unidas sobre
Intercâmbio e Imunidades Diplomáticas.
Essa convenção contém, entre outras, normas relacionadas à imunidade,
inviolabilidade e proteção das dependências da missão diplomática, da
propriedade relativa ao funcionamento da missão e dos agentes diplomáticos
representando um Estado (HARRIS, 2010). São justamente essas normas que os
Estados Unidos alegam ter sido violadas pelo Irã na invasão da Embaixada
Americana em Teerã. Elas estão contidas, como veremos a seguir, em diversos
artigos da Convenção, cada um deles referindo-se a um aspecto da obrigação do
Estado acreditado, no caso o Irã, de garantir a imunidade, inviolabilidade e
proteção dos agentes diplomáticos e da missão diplomática do Estado
acreditante, no caso os Estados Unidos.
5.3.2. Alegadas violações à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas
A Convenção estabelece, em seu Artigo 22, a inviolabilidade das missões
diplomáticas. Isso significa que as dependências da missão estão protegidas de
interferência externa, o que é fundamental para o seu estabelecimento e
funcionamento (BROWNLIE, 2008). Elas não podem ser invadidas, e agentes do
Estado acreditado não podem adentrar nelas sem autorização. O Estado
acreditado tem o dever de proteger as dependências da missão de qualquer
intrusão ou dano e de evitar qualquer perturbação de sua paz e dignidade.
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
262 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
Ademais, a Convenção determina a inviolabilidade dos arquivos e
documentos da missão, conforme o Artigo 24, isto é, estes não podem ser
acessados por pessoas não autorizadas. O Estado acreditado tem a obrigação de
assegurar essa inviolabilidade, bem como de conceder instalações para o
funcionamento da missão (Artigo 25), garantir a liberdade de movimentação dos
membros da missão em seu território (Artigo 26) e garantir a liberdade de
comunicação e a inviolabilidade da correspondência da missão (Artigo 27). Além
disso, a missão diplomática deve ser tratada de forma não-discriminatória
(Artigo 47), isto é, o Estado acreditado deve tratar da mesma forma todas as
missões nele instaladas. Há a obrigação, ainda, de facilitar a partida, de seu
território, de pessoas com direito a imunidades e privilégios (Artigo 44).
O Artigo 29 da Convenção de 1961 estabelece a obrigação do Estado
acreditado de garantir a inviolabilidade dos agentes diplomáticos do Estado
acreditante, bem como dos demais funcionários da Embaixada, conforme o Artigo
37 da mesma Convenção. Essas pessoas não podem ser sujeitas a qualquer tipo
de prisão ou detenção, e o Estado acreditado, no caso o Irã, deve tratá-los com
todo o respeito, tomando todas as medidas necessárias para evitar ataques à sua
pessoa, liberdade ou dignidade.
A Convenção de 1961 também prevê a imunidade jurisdicional dos
agentes diplomáticos (Artigo 31). Isso significa que os agentes diplomáticos não
podem ser processados e julgados por tribunais locais, isto é, são imunes à sua
jurisdição (BROWNLIE, 2008; HARRIS, 2010). Além disso, os diplomatas não são
obrigados a fornecer evidência, como testemunhas, em nenhum tipo de
procedimento (Artigo 31, parágrafo 2). Essa imunidade estende-se também aos
funcionários das missões e suas famílias, bem como às famílias dos agentes
diplomáticos.
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 263
5.3.3. Alegadas violações à Convenção de Viena sobre Relações Consulares
Além da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, os Estados
Unidos alegam violações por parte do Irã à Convenção de Viena sobre Relações
Consulares, adotada em 1963, devido às invasões dos consulados estadunidenses
nas cidades iranianas de Tabriz e Shiraz, que ocorreram de forma similar à
invasão da embaixada em Teerã.
As funções dos cônsules são, em princípio, diferentes das funções dos
agentes diplomáticos. Por exemplo, eles não gozam da mesma imunidade
jurisdicional à qual os agentes diplomáticos têm direito. A função consular está
historicamente associada ao desenvolvimento do comércio internacional e aos
interesses econômicos dos Estados. Embora suas origens remontem à Grécia
Antiga, a figura do cônsul somente veio a se estabelecer no século XX (ROBLEDO,
2008) e suas funções, atualmente, são bastante variadas. Elas incluem a proteção
dos interesses do Estado acreditante e de seus nacionais, o desenvolvimento de
relações econômicas e culturais, a emissão de passaportes e vistos, o registro de
nascimentos, óbitos e casamentos, e a supervisão de embarcações e aeronaves do
Estado acreditante (BROWNLIE, 2008).
5.3.4. Alegadas violações à Convenção de Nova York de 1973
A Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas que
Gozam de Proteção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos, também
conhecida como “Convenç~o de Nova York” foi adotada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas em 1973. Essa convenção faz parte de uma série de tratados
“anti-terroristas”, negociados no }mbito da ONU, e inclui-se no regime jurídico
dos privilégios e imunidades diplomáticas e consulares (WOOD, 2008).
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
264 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
A Convenção de Nova York prevê a obrigação extraditar ou processar
pessoas acusadas de cometer sérios ataques contra diplomatas, devendo os
Estados signatários cooperar na prevenção e punição de tais crimes (WOOD,
2008).
5.3.5. Alegadas violações ao Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos
Consulares entre os Estados Unidos e o Irã, de 1955
Em 1955, os Estados Unidos e o Irã assinaram o Tratado de Amizade,
Relações Econômicas e Direitos Consulares, a fim de promover relações
amigáveis entre os dois países e seus povos. Através desse tratado, os dois países
são obrigados a garantir a proteção e a segurança dos nacionais de um deles
presentes no território do outro. Em seu Artigo II, parágrafo 4, o tratado
estabelece que os nacionais de uma das partes contratantes devem receber
proteção e segurança constantes quando no território da outra parte, bem como
tratamento humano e razoável, no caso de se encontrarem detidos ou sob
custódia.
Com base nos fundamentos que foram apresentados, os Estados Unidos
alegam que o Irã, através de suas ações e omissões, violou o Direito Internacional
e deve ser responsabilizado por tais violações. Diante do que foi exposto, a Corte
deve analisar as alegações do Autor, procurando aplicar as normas jurídicas
internacionais aos fatos apresentados, de forma a decidir se tais violações
realmente ocorreram.
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5.4. Obrigação de reparar o dano
Se for estabelecido pela Corte que o Irã de fato cometeu violações a suas
obrigações perante o Direito Internacional, é necessário estabelecer o direito dos
Estados Unidos de receber reparação por tais infrações.
É um princípio amplamente reconhecido que um Estado que viola uma
norma internacional fica obrigado a reparar o dano causado. A Corte Permanente
de Justiça Internacional, no caso Fábrica em Chorzów (Alemanha v. Polônia),
estabeleceu que “a violaç~o de uma norma envolve uma obrigaç~o de prestar
reparaç~o da forma adequada”. No caso Canal de Corfu (Reino Unido v. Alb}nia),
a Corte Internacional de Justiça decidiu que um Estado responsabilizado por um
ato ilícito internacional deve pagar a devida compensação ao Estado que sofreu o
dano.
Tal reparação, de acordo com a Corte, deve, na medida do possível,
apagar as conseqüências do ato ilícito e restabelecer a situação anterior ao seu
cometimento (caso Fábrica emChorzów). Essa reparação pode ser feita de
diversas formas: através de medidas que visem a restabelecer a situação
existente antes do ato ilícito, por meio de compensação pecuniária
correspondente aos danos sofridos, ou até mesmo por um pedido formal de
desculpas.
No presente caso, os Estados Unidos pedem compensação pelos danos
sofridos pelo Estado e seus cidadãos. Porém, devido ao caráter contínuo da
situação, que ainda não foi resolvida, não é possível estabelecer, no momento, o
modo como essa reparação deve ser feita e nem a extensão do dano a ser
reparado, razão pela qual os Estados Unidos pedem que isso seja decidido num
momento futuro. Assim, por ora, basta que a Corte estabeleça se há ou não o
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
266 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
direito à reparação, com base na existência ou não de violações a normas de
Direito Internacional.
6. Dos pedidos
Os Estados Unidos pedem à Corte para julgar e declarar:
“(a) que o Governo do Ir~ ao tolerar, encorajar e falhar em prevenir e
punir a conduta descrita nos fatos já mencionados, viola suas obrigações legais
internacionais com os Estados Unidos como estabelecido nos:
- Artigos 22, 24, 25, 27, 29, 31, 37 e 47 da Convenção de Viena sobre
Relações Diplomáticas,
- Artigos 28, 31, 33, 34, 36 e 40 da Convenção de Viena sobre Relações
Consulares,
- Artigos 4 e 7 da Convenção para Prevenção e Punição de Crimes contra
Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos,
- Artigos II (4), XIII, XVIII e XXI do Tratado de Amizade, Relações
Econômicas e Direitos Consulares entre Estados Unidos e Irã, e
- Artigos 2 (3), 2 (4) e 33 da Carta das Nações Unidas.
(b) que nos termos do exposto nas obrigações legais internacionais, o
Governo do Irã está sob uma obrigação imediata de assegurar a libertação de
todos os nacionais estadunidenses atualmente detidos nos edifícios da
Embaixada dos Estados Unidos em Teerã e assegurar que todas as pessoas e
todos os nacionais norte-americanos em Teerã sejam permitidos de deixar o Irã
com segurança;
(c) que o Governo do Irã deve pagar aos Estados Unidos, por sua conta e
no exercício dos seus direitos diplomáticos de proteção aos seus nacionais,
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 267
reparação pelas violações às obrigações legais internacionais do Irã aos Estados
Unidos, em um montante determinado pela Corte; e
(d) que o Governo do Irã submeta às autoridades competentes àqueles
responsáveis por crimes cometidos contra os edifícios e o staff da Embaixada dos
Estados Unidos e contra os edifícios dos seus Consulados.” (CIJ, 1979a, p. 8)
7. Referências
A) Documentos internacionais
Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça, 1945. Disponível (em português) em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm
Convenção de Viena sobre Relações Consulares, 1963. Disponível (em português) em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D61078.htm
Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, 1961. Disponível (em português) em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D56435.htm
Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos, 1973. Disponível (em português) em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3167.htm
Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos Consulares entre os Estados Unidos e o Irã, 1955. Disponível (em inglês) em: http://www.iilj.org/courses/documents/1955USIranTreatyofAmityetcprovisions.pdf
B) Jurisprudência
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Aegean Sea Continental Shelf (Greece v. Turkey), ICJ Reports, 1978.
Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)
268 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Corfu Channel (United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland v. Albania), ICJ Reports, 1949.
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Interpretation of Peace Treaties with Bulgaria, Hungary and Romania (Advisory Opinion), ICJ Reports, 1950.
CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL. Factory at Chorzów (Germany v. Poland), 1927.
CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL. Phosphates in Morocco (Italy v. France), 1938.
C) Documentos
COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. II Yearbook of International Law Commission, 1974.
COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL, Draft Articles on the Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts with commentaries, 2001.Disponível (em inglês) em: http://untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/english/commentaries/9_6_2001.pdf
D) Doutrina
BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. Oxford: Oxford University Press, 2008.
COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL, II Yearbook of International Law Commission, 1974.
HARRIS, David. Cases and Materials on International Law. London: Sweet & Maxwell, 2010.
ROBLEDO, Juan Manuel Gómez. The Vienna Convention on Consular Relations. United Nations Audiovisual Library of International Law, 2008.
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 269
SMITH, Patricia. Omission and Responsibility in Legal Theory. Legal Theory, vol. 9, 2003.
WOOD, Michael. Convention on the Prevention and Punishment of Crimes against Internationally Protected Persons, including Diplomatic Agents. United Nations Audiovisual Library of International Law, 2008.
Resumo
A Corte Internacional de Justiça é um seis órgãos principais da Organização das Nações
Unidas, e seu principal órgão jurídico. Ela foi estabelecida na Conferência de São Francisco, em 1945,
e seu Estatuto é baseado do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional. É composta por
15 juízes, eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança da ONU, que agem de maneira
imparcial e independente em relação a seus países de origem, representando não as posições políticas
destes, mas sua interpretação individual sobre o Direito Internacional. Através de sua competência
para julgar disputas entre nações, e somente nações, a Corte funciona como um meio de resolução
pacífica de controvérsias, uma alternativa ao uso da força, cuja limitação é um dos principais objetivos
da ONU. Apenas as disputas entre Estados podem ser julgadas pela Corte, uma vez que eles são,
tradicionalmente, os principais sujeitos de Direito Internacional. O caso aqui proposto é um dos mais
importantes já julgados pelo tribunal: o caso do Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em
Teerã - comumente chamado de "Reféns em Teerã" -, trazido pelos Estados Unidos contra o Irã. A
situação a ser julgada diz respeito à invasão por manifestantes da Embaixada americana na capital
iraniana e dos Consulados americanos nas cidades de Tabriz e Shiraz, em novembro de 1979. Na
discussão, vamos analisar a possibilidade da Corte julgar esse caso, a responsabilidade do Irã pelos
atos dos manifestantes e as normas que regulam as relações diplomáticas e consulares entre os
países.
Agência de Comunicação
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Agência de Comunicação
Jade Knorre128
Paula Moizes129
Sarita Reed130
Vinicius Fontana131
1. Introdução
Na cobertura de um acontecimento, o jornalista é quem reúne as
informações mais importantes a fim de apresentá-las ao público em forma de
notícia. Desse modo, este trabalho pretende guiar o sujeito no campo do
jornalismo, mostrando parte do universo da profissão, assim como alguns de
seus veículos. Considerando que se constitui em um ofício que se aperfeiçoa não
só com a teoria, mas também com o exercício do dia-a-dia, os textos aqui
apresentados servem de base para pôr em prática as habilidades jornalísticas.
O aluno será introduzido primeiramente ao universo do jornalismo,
mostrando-se o papel do jornalista na sociedade e alguns elementos básicos da
profissão. As seções seguintes apresentam os veículos que serão colocados em
prática na simulação das Nações Unidas: jornalismo impresso, radiojornalismo,
fotojornalismo e webjornalismo.
128Estudante de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, 5º semestre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul 129Estudante de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, 5º semestre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul 130Estudante de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, 8º semestre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul 131Estudante de pós-graduação em Jornalismo Esportivo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 271
2. A profissão
O jornalismo é uma forma de comunicação, útil, em sociedade. Todos os
acontecimentos mundiais e opiniões que eles estimulam constituem o material
básico para o jornalismo. É partir disso que o jornalista irá interpretar os fatos e
informá-los para a sociedade. O papel de “informar” (BOND, 1959) do jornalista
consiste em noticiar sobre todos os acontecimentos, questões úteis e
problemáticas socialmente relevantes. A informação deve ser exata e, na medida
do possível, imparcial.
O ideal de imparcialidade é alcançado pelo jornalista que quer evitar
erros, tendenciosidade, preconceitos e sensacionalismo. A prática da
imparcialidade talvez nunca seja plenamente alcançada por conta de uma série
de fatores, mas ela deve ser buscada. Os jornalistas tardaram a descobrir que as
notícias nunca poderiam ser objetivas, ou seja, o espelho da realidade. A
objetividade pode ser uma meta, mas não uma meta alcançável. Grande parte dos
jornalistas busca ser o espelho da realidade descrevendo fatos verificáveis e
verificados, citando fontes credíveis e contrastando fontes (SOUZA, 2005: 36).
O jornalismo é uma profissão atrativa. Os mitos por trás da profissão, a
sua imagem pública, entre outros fatores fazem do jornalismo uma profissão
cobiçada. Porém, ser um bom jornalista é difícil. A profissão exige grandes
capacidades profissionais, assim como muito conhecimento e uma boa cultura
geral. Atenção à atualidade, domínio dos assuntos, compromissos éticos,
capacidade de relacionamento interpessoal, capacidade de comunicação na
língua materna e em línguas estrangeiras e aptidãona obtenção de informação
correta são apenas algumas das habilidades enumeradas por Souza (2005) que
Agência de Comunicação
272 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013
um bom jornalista deve ter. Para muitos, o jornalismo não é apenas uma
profissão, mas um estilo de vida, por exigir tanto do profissional.
As qualidades de um bom jornalista não ficam por aqui. Um
bom jornalista deve ser curioso, persistente, imaginativo e
ousado. Deve estar disposto a desafiar estereótipos, expor
mitos e mentiras (SOUZA, 2005: 29).
A fim de transmitir uma informação precisa e independente, o jornalismo
precisa de liberdade por parte do Estado e da própria empresa jornalística.
Segundo Bond (1959: 2), “uma imprensa livre n~o pode estar sujeita a qualquer
press~o, seja ela governamental ou social”. Assim, o jornalista com liberdade de
expressão é capaz de redigir um texto livre de pressões externas e o mais
próximo da realidade.
Publicando uma matéria imparcial, o jornalista estará exercendo a sua
funç~o de “orientar” (BOND, 1959). Nossa sociedade est| cada vez mais
complexa, assim, um assunto pode se desdobrar em vários. Desse modo, o
cidadão precisa ser guiado através do emaranhado de informações que o
rodeiam. É papel do jornalista fazer com que chegue ao público não só a notícia,
mas também explicações, interpretações e contextualizações “orientados no
sentido de ajudar o indivíduo a compreender melhor o que lê ou ouve” (BOND,
1959).
Souza (2005) aponta outro significado para o conceito “informar” no
jornalismo. Ele assinala que a principal função do jornalismo, inserida dentro do
conceito de “informar”, é a vigil}ncia e o controle dos poderes. Um jornalista deve
publicar as ações dos agentes de poder, assim como analisar essas ações, expor o
contexto em que se praticam e explicar as suas consequências possíveis. Desse
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 273
modo, significa igualmente “trazer para o espaço público os assuntos socialmente
relevantes que poderiam passar despercebidos” (SOUZA, 2005: 11).
Além isso, o jornalismo também se dedica a entreter o público. O jornal, o
rádio e a televisão buscam através do entretenimento atrair os leitores, ouvintes
e telespectadores. O público precisa de uma distraç~o para suportar os “efeitos
desestabilizantes desta abertura ao mundo” (WOLTON, 2007) que o jornalismo
proporciona. Logo, a solução para fisgá-lo consiste em levá-lo a programas de
qualidade a partir dessa necessidade da banalidade. A diversidade que o
jornalismo apresenta é a própria condição para que o mesmo desempenhe seu
papel de abertura ao mundo.
A variedade também está presente no jornalismo nas aptidões que ele
engloba. Uma grande diversidade de pessoas, com as mais diferentes
competências, é atraída para a profissão do jornalismo, pois ela faz uso dessa
diversidade de talentos. O jornalismo, como um todo, é “uma modalidade de
comunicaç~o social rica e diversificada” (SOUZA, 2005: 12). Em sua extens~o, o
jornalismo não compreende apenas os campos do jornal e da revista, como
também do rádio, da televisão, da revista especializada, do jornal comercial, entre
outros. O jornalismo que se faz na imprensa regional e local é diferente do que se
faz nos grandes jornais e revistas. O jornalismo esportivo é diferente do
internacional, assim como o jornalismo alemão é diferente do jornalismo
brasileiro. São diferenças que fazem os jornalismos diferentes entre si, no
conteúdo, na forma de contar as histórias e de debater as problemáticas (SOUZA,
2005).
Agência de Comunicação
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3. Elementos Básicos
3.1. Pauta
A pauta é um projeto de cobertura de um acontecimento. É o exercício
mais importante que todo aspirante a jornalista deve fazer, segundo Pinto (2009:
59). Para sugerir uma pauta, é necessário seguir etapas. Primeiro, deve-se
examinar se o acontecimento escolhido é uma notícia (ver seção Valores-notícia).
Em seguida, o jornalista deve hierarquizar as informações de sua pauta,
determinando qual será o assunto principal a ser tratado. O profissional precisa
também prever as etapas da apuração, de forma com que sejam listadas todas as
fontes possíveis (ver seção abaixo) que serão usadas na notícia. Por último, é
necess|rio que se antecipe ao m|ximo a ediç~o do material, “[...] imaginar como
será a reportagem, que título ela terá, se há boas imagens para acompanhá-la,
etc” (PINTO, 2009: 59).
3.2. Fontes de informação
Qualquer entidade que possua dados suscetíveis de serem usados pelo
jornalista na sua profissão pode ser considerada uma fonte de informação. Essas
fontes podem ser classificadas de acordo com sua proveniência (internas ao
órgão informativo, externas e mistas) ou de acordo com seu estatuto (oficiais
estatais, oficiais não estatais, oficiosas e informais). Podem ser fontes pessoas,
livros, documentos, entre outras, mas o principal meio de obtenção de
informação são as entrevistas pessoais. Visto a enorme quantidade de fontes
possíveis, é dever do jornalista selecionar as melhores.
As fontes humanas devem ser escolhidas pela sua qualificação para falar
sobre algum assunto, pela sua competência e credibilidade, pela oportunidade e
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pertinência do contato e, obviamente, pela sua disponibilidade para falarem com
o jornalista (SOUZA, 2005: 49).
Quando se trata de um assunto que apresenta muitas variáveis, as fontes
devem sempre ser contrastadas. A relação dessas fontes com o jornalista é de
negociação, na maioria das vezes. O entrevistado tenta divulgar o que lhe
interessa e omitir o que não lhe interessa. O jornalista competente busca fugir
dos significados iniciais que a fonte dá a um acontecimento, mas, acima de tudo, o
profissional deve saber aproveitar as informações que a fonte lhe d| e “as pistas
para encontrar novas informações que a fonte lhe sugere” (SOUZA, 2005: 51).
Além disso, o jornalista deve respeitar, quando possível, o pedido que algumas
fontes podem fazer de não serem identificadas e até mesmo de não divulgar o
que lhe foi dito.
3.3. Valores-notícia
Há dois sentidos para o que é notícia. Em seu sentido amplo, ou lato
sensu, a notícia seria o material de trabalho do jornalista no geral. Segundo
Traquina (2005), é difícil definir fora de seu contexto histórico que tipo de
acontecimento possui valor para o jornalista, porém, ele estabelece alguns
fundamentos do que seria objeto de uma notícia. Se há algum dos seguintes
requisitos, o acontecimento possui potencial para ser objeto de uma cobertura
por parte da imprensa. É o que ele chama de valores-notícia. Resumidamente, são
os seguintes:
Notoriedade: noticia-se algo sobre uma pessoa ou órgão de grande
importância social. Ex: presidentes, cientistas, autoridades oficiais, times
de futebol, universidades.
Agência de Comunicação
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Relevância: são fatos que possuem importância direta na vida das
pessoas. Ex: aumento das passagens de ônibus, novos direitos.
Notabilidade: algo grande em si, fácil de ser percebido por todos. Ex:
manifestações públicas, acidentes de grandes proporções, grandes
espetáculos.
Inesperado: quando determinada coisa foge do padrão. Ex: ataques
terroristas, falecimento de alguma celebridade jovem.
Conflito: quando há violência física ou simbólica,disputas. Ex: troca de
ofensas entre autoridades, brigas em estádios de futebol.
Infração: alguma infração à lei. Ex: desvio de dinheiro, condutas
repreensíveis no trânsito.
A escolha dos assuntos que serão abordados por um jornal segue
critérios como estes, chamados por alguns autoresde critérios de noticiabilidade.
Souza (2005) ainda cita outros valores-notícia, como proximidade, momento do
acontecimento, continuidade e até negatividade. Há muitas listas de valores-
notícia, mas todas elas têm utilidade na construção da agenda do jornal.
Segundo Benetti (2008), o discurso jornalístico possui cinco elementos a
serem considerados: “quem diz e para quem?”, “para que dizer?”, “o que é dito?”,
“em quais condições?” e “a forma de dizer”. Quando o jornalista produz algo, seja
para a televisão, para o rádio, para a internet ou jornal impresso, o profissional
deve ter em conta a responsabilidade que possui ao veicular algo. Ele deve levar
em consideração os valores-notícia, porém não pode levar algo ao extremo. O
jornalismo deve trabalhar para sociedade, para a melhoria dela como um todo,
não devendo favorecer particulares ou a si mesmo. Ao profissional urge ter em
mente que a informação deve ter relevância social, não podendo ser dada a todo
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 277
custo, respeitando a privacidade alheia, o sigilo de suas fontes e, principalmente,
o seu público, não impelindo-o constrangimentos e difundindo inverdades.
Dito isso, tem-se a base para discutir o concreto, o material jornalístico
em si. Basicamente, há três grandes gêneros jornalísticos por excelência: a
notícia, a reportagem e a entrevista.
3.4. Notícia
A notícia, em seu sentido textual, é geralmente um texto curto, que visa à
informação precisa e mais instantânea possível. Aquele fato narrado quase em
cima da hora pelo rádio, a matéria que é veiculada pelos portais de notícia
instantaneamente, o jornal na televisão, todos são exemplos de notícias. Ela deve
possuir o caráter de imediatismo, sendo que o tempo a ser transcorrido entre o
fato e a publicação deve ser o menor possível, sob pena de que todos já saibam o
que aconteceu e a matéria deixe de ser interessante.
Os veículos jornalísticos, ao longo do tempo, criaram rotinas para prever
o imprevisto e o inesperado. Segundo Traquina (2005), o jornalista deve estar
atento para os movimentos insólitos, estando preparado para agir perante a mais
adversa das situações.
3.5. Reportagem
Traquina (2005: 47) aponta que, para prender um tipo de atenção que
demanda tempo e vontade de ler, não apenas de se informar, a reportagem
necessita de “a) realismo gr|fico; b) criaç~o de ambientes, com a utilizaç~o de
palavras concretas e a descrição detalhada para transmitir a sensaç~o de que “se
Agência de Comunicação
278 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013
est| ali”; e c) a utilizaç~o de met|foras, […] úteis para a dramatizaç~o do
acontecimento”.
3.6. Entrevista
A entrevista é considerada um gênero jornalístico apenas quando é
publicada isoladamente ou como parte importante de um texto. A entrevista,
como gênero, deve ser distinguida da entrevista enquanto técnica de obtenção de
informações. Esse modelo consiste em expor as respostas dadas por um
entrevistado às perguntas de um entrevistador, segundo Souza (2005: 172).
4. Jornalismo Impresso
4.1. Histórico
A imprensa surge na Europa nos fins da Idade Média. O panorama
sociocultural da Europa feudal era, segundo Marques de Melo (2003: 35), “(...) do
mais sombrio isolamento rural, onde a ignorância predominava entre servos e
propriet|rios”. As produções culturais, a leitura e a escrita confinaram-se aos
bispados, abadias e mosteiros. No século XI originam-se as feiras, que consolidam
a emergência de um novo grupo social nas cidades. O comerciante passa, então, a
querer melhorar sua produção e a qualidade de seu produto, procurando
desenvolver-se intelectualmente, buscando assim, formas de ampliar sua
atividade mercantil. Para que os jovens pudessem aprender sobre o comércio
emergente, foram criadas as escolas leigas por ricos comerciantes. O comércio
traz a necessidade da comunicação escrita e surge uma classe letrada
independente da Igreja.
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 279
A criação das primeiras universidades é que vai consolidar a formação
dessa nova elite intelectual europeia. Segundo Marques de Melo (2003: 40), “[...]
a efervescência cultural que estimula essas entidades, acentuaria a produção de
livros manuscritos [...]”. A produç~o de livros manuscritos também cresce na
medida em que se fortifica o Renascimento italiano. A procura de livros era
tamanha que os copistas não davam conta de todos os pedidos. Surge então um
comércio editorial. A necessidade da imprensa começa a emergir, também. O
preço do livro manuscrito é elevado, e a imprensa torna-se uma necessidade
social na Europa. Ela vem para atender a inúmeras necessidades: satisfazer as
universidades e movimentos renascentistas, atividades da nascente burguesia,
organizações administrativas eà Igreja. A informação como necessidade das
atividades trazidas pela urbanização gera a imprensa periódica.
A introdução da imprensa na colônia portuguesa acontece só em 1808,
com a vinda família real e a criação de academias, bibliotecas, instituições
científicas, entre outras atividades culturais. O atraso dessa implementação da
imprensa no Brasil se dá por diversos fatores. Um deles é que a natureza feitorial
da atividade desenvolvida pelos portugueses leva em consideração apenas os
interesses comerciais, deixando de lado o desenvolvimento e aperfeiçoamento da
colônia. Não havia ambiente propício para o desenvolvimento de escolas,
bibliotecas, universidades e a imprensa. A predominância do analfabetismo
também ajudou para o atraso da implantação da imprensa no Brasil. Não existia
um público que tinha interesse em livros, assim, não existia a necessidade social
de uma imprensa. A predominância da vida rural no Brasil colônia, precariedade
da burocracia estatal, um mercado interno fraco e o reflexo da censura e do
Agência de Comunicação
280 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013
obscurantismo português no Brasil também levaram ao surgimento da imprensa
no país só em 1808.
A primeira fase autêntica da imprensa brasileira surge com a
necessidade da imprensa para mobilizar a opinião da população brasileira em
favor da Independência e contra a dominação lusa (SODRÉ, 1983). Um tipo de
periódico característico da imprensa pós-Independência é o pasquim. Ele
interessava o público popular e refletia o ambiente agitado da época.
A imprensa no II Império é dividida por Sodré (1983) em três fases:
conciliação, agitação e reformas. Na fase de conciliação (1840), a imprensa se
aproxima com a literatura, com a publicação de romances e folhetins nos jornais.
Na fase da agitação, ocorre a retomada do debate político, nas campanhas de
abolição e República. Em 1870, na fase das reformas, acontecem avanços
tecnológicos, como a criação do telégrafo e do telefone. É nesse período em que
as primeiras agências internacionais de notícias surgem no país.
No período da República a imprensa adquire um caráter comercial. O
processo de urbanização e crescimento dos centros urbanos favorece a circulação
de informações. Nesse período de transformações, a imprensa conheceu
múltiplos processos de inovação tecnológica que permitiram o uso da ilustração.
A qualidade da impressão também melhora. A imprensa começa a se tornar uma
grande empresa, com o crescimento da profissionalização nas imprensas. O
conteúdo dos jornais começa a mudar, aparecendo os artigos, crônicas, entrevista
e reportagens.
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 281
Só em 1970, o jornalismo da Indústria Cultural consolida-se no Brasil.132
A produção cultural da época fica sob o estreito controle do Estado. Para
incentivar o conglomerado empresarial da Indústria Cultural, o regime cria
instituições. Uma colaboração efetiva do regime militar na expansão dos grupos
privados é observada. Consolidam-se organizações como Globo, Abril, Folha e
Estadão. É neste período em que a empresa jornalística passa a ter predomínio
sobre o jornal, e seu conteúdo fica subordinado à lógica empresarial. Assim, a
notícia passa a ser mercadoria.
4.2 O estilo
Ojornalismo impresso impõe o domínio da língua e da sua gramática,
assim como algumas técnicas de redação. Dominar a língua escrita é
imprescindível para um redator. Para isso, é necessário que se pratique a escrita
e leia muito. Apesar disso, saber escrever não é o bastante. É preciso que o texto
fisgue o leitor, mas sem deixar de lado o principal objetivo: manter informados os
leitores. Souza (2005: 90) classifica algumas “regras que fazem do texto
jornalístico um texto informativo capaz de chegar a um grande número de
pessoas”. Uma boa notícia é escrita de forma clara, sem dúvidas ou ambiguidades.
A linguagem do texto também deve ser simples, por exemplo: “entre dois
sinônimos deve preferir-se o mais comum” (SOUZA, 2005: 90). Ao receber a
pauta, o jornalista irá receber também o número de caracteres que seu texto
pode ter, ou seja, o espaço que ele poderá ocupar no jornal. Esse espaço deve ser
respeitado pelo profissional. Além disso, o jornalista deve selecionar as
132 Termo que designa a situação cultural da sociedade capitalista industrial.
Agência de Comunicação
282 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013
informações de sua notícia, deixando de lado as evidências e irrelevâncias
informativas, de modo que o essencial do texto seja imediatamente
compreendido. O autor também destaca que um texto jornalístico deve ser
cativante e agradável, de forma que tenha ritmo para prender o leitor até a última
frase.
O jornal diário e a ideia de síntese consagraram um método de fazer
notícia chamado “método da pir}mide invertida”. Fundamentalmente, consiste
em colocar as informações mais importantes no topo do texto e as
complementares abaixo. Assim, o redator consegue tornar sua matéria mais
sintética, dando de início ao leitor o que é considerado como basilar,
teoricamente prendendo a atenção do receptor para as descrições que vêm
posteriormente.
O primeiro parágrafo, considerado de fundamental importância, é o que
os jornalistas chamam de lide. Para se fazer um bom lide, deve ser possível,
somente com as informações deste, responder às seguintes perguntas: quem?,
onde?, quando?, como? e por que?. Traquina (2005) destaca que a linguagem
jornalística, em especial a notícia, deve possuir certos traços que ajudam na
compreens~o, como “a) frases curtas; b) par|grafos curtos; c) palavras simples;
d) sintaxe direta e econômica; e) a concisão; e f) a utilização de metáforas para
incrementar a compreens~o do texto” (p. 46). Outro elemento importante de uma
notícia é o título. Ele deve ser objetivo e curto, de forma que o leitor compreenda
o que será tratado na notícia logo no título.
Exemplo de notícia de impresso, publicada no Jornal do Comércio em
05/04/2013:
Aumento da passagem é suspenso na Capital
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 283
Uma liminar do Tribunal de Justiça do Estado (TJ/RS) concedida aos
vereadores do P-Sol no fim da tarde desta quinta-feira suspendeu o aumento das
passagens em Porto Alegre. Com isso, o preço da tarifa de ônibus retorna para R$
2,85 e o de lotação para R$ 4,25 até as 19h desta sexta-feira. A decisão foi
anunciada enquanto ocorria uma manifestação no Centro da cidade contra o
reajuste válido desde o dia 25 de março, que passou a tarifa para R$ 3,05 e R$ 4,50,
respectivamente.
“A prefeitura não irá recorrer da decisão. Se o tribunal afirma que é esse o
valor, nós acolheremos”, afirmou o vice-prefeito, Sebastião Melo (PMDB), ao
receber a intimação das mãos dos vereadores do P-Sol Pedro Ruas e Fernanda
Melchiona, na Câmara Municipal. “A prefeitura deve agora informar esta decisão
para as empresas de ônibus”, afirmou Ruas.
A ação cautelar foi ajuizada contra o município de Porto Alegre, a
Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e o Conselho Municipal de
Transporte Urbano (Comtu). As três partes precisam assinar o documento. A
Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) de Porto Alegre informou,
por meio de sua assessoria, que seguirá a decisão que a EPTC e o Comtu tomarem.
5. Radiojornalismo
5.1. Histórico
Há uma série de polêmicas acerca da origem do rádio. Segundo
Rodrigues (2008), a versão oficial é de que a primeira transmissão radiofônica foi
realizada pelo cientista italiano Gugliemo Marconi em 1895. Porém, também há
relatos de que, em 1893, o padre gaúcho Landell de Moura teria efetuado a
Agência de Comunicação
284 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013
transferência de voz por um canal, dois anos antes de Marconi, tornando-se o
inventor extraoficial do veículo.
Conforme Rodrigues (2008), a primeira transmissão civil que se tem
notícia no Brasil ocorreu no dia 6 de abril de 1919, a partir de um estúdio
improvisado na Ponte d'Uchoa, no Recife, pelo radiotelegrafista Antônio Joaquim
Pereira, colocando em funcionamento a Rádio Clube de Pernambuco. Porém, o
fato teve pouca repercussão na época, sendo que a Rádio Clube não funcionava
regularmente, apenas de forma experimental. Foi nos anos 20 que o rádio
demonstrou seu potencial como difusor da cultura e da informação. A primeira
radiotransmissão massiva, considerada como oficial, foi realizada por Roquete
Pinto, considerado o pai da radiocomunicação no Brasil. Em 1922, ele foi
responsável pela famosa transmissão do discurso do presidente Epitácio Pessoa
para a cidade do Rio de Janeiro por meio de uma antena instalada no alto do
Corcovado, em plenas comemorações ao Centenário da Independência. Ele
também criou a primeira emissora com funcionamento regular do país: a Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro, no final de 1922.
A partir dessa data, o rádio não parou mais de crescer. Em 1931 o
Governo Vargas permite a exploração comercial das emissoras. Assim, o veículo
cresce de modo a tornar-se o meio oficial de interlocução entre o Estado e a
Naç~o. Surgem os famosos programas de notícias “Voz do Brasil”, em 1935, e
“Repórter Esso” em 1941, além de diversas transmissões esportivas em tempo
real. J| em 1942, nascem as novelas do r|dio, sendo “Em Busca da Felicidade” a
pioneira, atingindo grandes índices de audiência.
O rádio, juntamente com o jornal impresso, foi um dos veículos de
comunicação hegemônicos até a década de 50. Nessa época, surgia um novo jeito
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 285
de transmitir informação, que em breve estaria em todos os lares: a televisão.
Segundo Prata (2008), foi um momento de crise na radiodifusão, já que aquele
dispositivo aliava o som com a imagem. Contudo, ao contrário das previsões
apocalípticas, a radiofonia permaneceu no cenário da comunicação, inclusive
expandindo suas fronteiras com a melhora na tecnologia. Agora, com a internet, o
rádio passa por uma reinvenção que, segundo Ferraretto, não irá extingui-lo, e
sim explorar as possibilidades trazidas pela web. É o que está ocorrendo com a
difusão de radiowebs e podcasts (ver seção Adaptações do jornalismo impresso,
radiofônico e televisivo à internet), sem prejuízo perceptível à antiga transmissão
por ondas eletromagnéticas. Conforme Ferraretto (2007: 13), o rádio deve:
Buscar complementação nas possibilidades oferecidas pelas
tecnologias que [...] vão sendo introduzidas a cada dia. Acima
de tudo, é necessário recordar aquilo que o faz um veículo
diferente dos demais: a possibilidade de acompanhar o ser
humano em simultaneidade a quaisquer de suas atividades,
oferecendo seja informação, seja entretenimento.
Ou seja, para os que pensavam que a radiofonia iria morrer, ela está
crescendo dentro das novas plataforma e reinventando-se, ficando mais moderna
e adaptado aos tempos multimídia. Seja nos modernos IPhones ou nos
antiquados rádio-relógios, sempre há o charme, a confidencialidade e o
compromisso com o ouvinte que o rádio conquistou em cerca de um século de
história.
5.2. Características do radiojornalismo
A voz, instrumento de comunicação humana por excelência. Enquanto os
demais animais trinam, sibilam e até mesmo imitam, o homem desenvolveu e
Agência de Comunicação
286 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013
aprimorou dispositivos fonéticos para melhor interagir com os demais. Por meio
da fala é possível expressar um sentimento, contar uma história, emitir uma
opinião, além de diversos outros tipos de exposição. A voz possui um
determinado alcance nas situações comuns, limitado pela distância, entre o som
emitido e o ouvido. Contudo, imagine a capacidade da voz de forma ilimitada,
podendo ser ouvida em qualquer canto do mundo, desde que se tenha um
receptor adequado. Eis então o rádio, definido por Meditisch (2001) como sendo
o meio de comunicação que transmite informação sonora em tempo real – se não
for feito de som e não for instantâneo, então não é rádio.
O rádio é um dos primeiros veículos massivos de comunicação, utilizado
por jornalistas em ampla escala devido à praticidade e à instantaneidade de suas
informações. Segundo o censo de 2010 (Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE, 2011), atualmente considera-se que 100% dos
brasileiros tenham acesso à radiofonia através de alguma plataforma, seja
celular, internet ou o próprio. Há 300 milhões de receptores de ondas
radiofônicas no país (IBGE, 2011), o que transforma este veículo no mais
difundido dentro do território brasileiro. Com todo o poder de difusão da
informação trazido pelo rádio, como o jornalista constrói as notícias e quais são
as técnicas para melhor aproveitamento do potencial de tal meio de
comunicação?
Jornalismo e rádio possuem uma estreita relação: o comunicador utiliza-
se das potencialidades do meio para divulgar notícias, opiniões, transmitir
eventos, realizar entrevistas, etc. Enfim, as possibilidades são imensas. A
radiodifusão comporta desde matérias longas, como as reportagens e os
documentários, até programas com matérias curtas e concisas. Cada um dos
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 287
gêneros jornalísticos possuem peculiaridades já abordadas neste trabalho.
Contudo, há determinadas diretrizes para a produção de conteúdo que se
mantêm como base geral para uma comunicação eficaz e franca entre emissor e
ouvinte.
5.2.1. Linguagem
Primeiramente, Meditisch (1999) ressalta que a “linguagem do r|dio é
apresentada [...] como a composição de palavra falada, música, ruídos e silêncios”
(p.121). Ou seja, o silêncio pode conter tanta significação quanto uma frase,
portanto, é necessário que o jornalista possua ideias articuladas e não deixe
grandes espaços para não angustiar ou frustrar o ouvinte. O que mais prende a
atenção do público, muitas vezes, não somente o que se diz, mas a forma que se
diz. Segundo Jung (2004), o segredo de um bom locutor está em criar um padrão
espontâneo de fala, sem impostar a voz como os garbosos narradores de outrora.
Porém, isso não significa desleixo. O emissor deve quebrar um pouco o ritmo de
fala para manter a atenção do ouvinte, mostrando que acredita e se importa com
o conteúdo que está sendo repassado. Falar com calma as palavras, articular
todos os fonemas, destacar palavras-chave e impor ritmo à voz, são boas
estratégias para não transformar uma notícia em algo monótono.
5.2.2. Redação
Pode não parecer, mas escrever é uma das tarefas mais importantes do
jornalista de rádio, além de ser uma das mais desafiadoras. O texto para ser lido
em voz alta possui características distintas do de leitura visual. Ele deve ser
simples, conciso, ter frases curtas, ser próximo da fala e, principalmente, feito
Agência de Comunicação
288 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013
para que o leitor entenda. Klöckner (1997) e Nucci (2006), em seus respectivos
manuais, apontam regras simples, mas que funcionam para a tal tipo de redação:
Preferir sempre a ordem direta: “O médico disse que o paciente deve ser
operado” ao invés de “o paciente dever| ser operado, disse o médico”;
Valorizar a pontuação, destacando sua função fonética, fazendo frases curtas
e com vírgulas suficientes para respirar. Evitar construções longas e sem
pontuaç~odo tipo: “o acusado foi ontem até a DELEGACIA DE POLÍCIA DO
QUARTO DISTRITO para prestar depoimento à delegada FULANA DE TAL
sobre o crime ao qual ele respondia”;
Outra dica é colocar barras após o ponto final e duas ou três no final do
par|grafo: “O VATICANO anunciou hoje o início do Conclave./ A informaç~o
foi dada pela assessoria oficial do País.//”;
Escrever números, nomes próprios e palavras de destaque por extenso e em
caixa-alta: “O jogador NEYMAR, do SANTOS, marcou QUARENTA E DOIS gols
na temporada passada” ao invés de “o jogador Neymar, do Santos, marcou
42 gols na temporada passada”;
Abrir siglas, a não ser que já seja consagrada pelo uso. “O MINISTÉRIO
PÚBLICO DA UNIÃO” ao invés de “o MPU”; “o INSS” ao invés de “o
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL”;
Se for um programa ao vivo, principalmente os de longa duração, retome
algumas ideias para o ouvinte relembrar ou até mesmo para situar o
receptor que chegou “atrasado na conversa”;
A capacidade de improviso é importante, porém o fundamental é preparar-
se para evitar ruídos (falhas) na comunicação;
Exemplo de notícia para rádio:
UFRGSMUNDI
UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 289
LOC- Médicos, técnicos e assistentes sociais do INSS paralisaram as
atividades no Rio Grande do Sul./ Conforme levantamento do Sindicato dos
Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência, cerca de NOVENTA
POR CENTO das agências não abriram hoje./ A categoria exige a abertura de
concurso público para VINTE MIL vagas, além de gratificação por desempenho e
fim do fator previdenciário./ Segundo o presidente do Sindicato, GIUSEPE FINCO,
a paralização deve terminar na QUINTA-FEIRA.///
6. Fotojornalismo
6.1. Histórico
Na metade do século XIX, a fotografia ganhou espaço em meio à crise de
confiança que atingia as imagens manuais. Desenhos e gravuras, em suas funções
documentais, não mais convenciam os cidadãos da sociedade industrial em
expansão. A fotografia se adaptou melhor a realidade da nova época por
assegurar o contato com o referente, além de ser produzida de forma
relativamente mais rápida que as imagens feitas à mão.
A imagem fotográfica ficou estreitamente ligada à mídia impressa entre
os anos 1920 e a Guerra do Vietnã (ROUILLÉ, 2005). No período anterior a virada
do século XX, no entanto, o valor informativo da fotografia era ínfimo, já que as
máquinas ainda não estavam aptas a captar o instante. O longo tempo de
exposição necessário para a captação da imagem fazia com que apenas coisas ou
estados de coisas fossem fotografados. Não havia a possibilidade de fotografar
movimentos. Outra conjunção que dificultava a inserção da fotografia na área da
informação era a impossibilidade de reproduzir as imagens em grandes
quantidades. Avanços técnicos possibilitaram, por volta de 1900, que o instante
Agência de Comunicação
290 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013
pudesse ser capturado e, a partir daí, eventos inesperados, guerras, atividades
esportivas e outros tipos de acontecimento puderam ser fotografados. Pouco
tempo depois, surgiram também as primeiras câmeras fotográficas de pequeno
porte, que tornaram a atividade mais ágil e prática. Mas os progressos técnicos da
câmera precisavam ainda se aliar a algum tipo de procedimento que aumentasse
imensamente a capacidade de difusão das imagens. Após décadas de pesquisa,
verificou-se um avanço nas técnicas de heliogravura133 e do ofsete134, o que
tornou possível, enfim, a reprodução industrial de fotografias através da
tipografia. Apoiado na aliança entre a imagem instantânea e a tipografia, o
fotojornalismo se estabelece na metade de 1920 (ROUILLÉ, 2005).
6.2. Componentes da imagem
O fato da imagem fotográfica se diferenciar das anteriores por ser
tecnológica, imagem-máquina, fez com que acentuassem em demasia o seu
caráter automático. Por muito tempo, acreditou-se que a fotografia era uma
perfeita impressão do real, ou seja, a influencia do homem no processo era
subestimada. Só que o fotógrafo não mostra sem se mostrar (ROUILLÉ, 2005). As
fotos, sempre singulares e subjetivas, se constroem através das escolhas que o
fotógrafo faz entre os diversos elementos de composição de uma imagem. Abaixo,
resumimos alguns desses componentes:
133 Processo pelo qual se grava uma fotografia em uma placa de metal utilizando-se
uma camada de gelatina sensibilizada. 134
Técnica de impressão em que imagens passam de uma chapa metálica para uma
bobina de borracha e daí para o papel.
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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 291
O enquadramento, de acordo com Sousa (2004), é o espaço da realidade
visível representado na fotografia. Ao enquadrar uma cena, o fotógrafo deve
priorizar o que é importante para sua composição, retirando de quadro
elementos que possam desviar o olhar para áreas de menor importância. São
diversas as denominações e as tipologias dos planos de enquadramento. Aqui,
vamos considerar quatro tipos de planos:
Os planos gerais são abertos e tem como principal função ambientar o
observador, mostrando uma localização. São utilizados frequentemente para
imagens de paisagens e eventos de massa como protestos e shows.
Os planos de conjunto são como os gerais, porém mais fechados. Esse
tipo de enquadramento permite a distinção clara de indivíduos ou outros
elementos.
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292 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013
Já nos planos médios, o ambiente não é facilmente identificado. De
forma geral, pode-se dizer que esse plano caracteriza-se pela ação da parte
superior do corpo do personagem, da cintura para cima.
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Outro tipo de plano considerado médio é o chamado plano americano,
no qual o personagem é enquadrado dos joelhos para cima.
O grande plano, por sua vez, enfatiza detalhes como um cadeado, uma
flor ou partes do corpo humano.
O ângulo que a câmera forma com a superfície quando a foto é tirada
também influencia bastante a produção de sentidos de uma imagem.
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Quando a altura da câmera e a do objeto fotografado é a mesma, tem-se o
ângulo normal.
Chamamos ângulo picado quando a tomada é feita de cima para baixo.
Essa angulação tende a desvalorizar o elemento fotografado.
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Já quando a foto é tirada de baixo para cima, o ângulo utilizado é o
contrapicado, que tende a valorizar/exaltar o motivo fotografado.
Um dos princípios mais reconhecidos da fotografia é a regra dos terços.
A técnica consiste em dividir uma imagem retangular em nove quadros, sendo
traçadas duas linhas imaginárias na horizontal e outras duas na vertical.
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Os pontos de cruzamento dessas linhas são polos de atração visual
(SOUSA, 2004). De acordo com a regra, o assunto principal da fotografia deve ser
posicionado sob uma dessas áreas a fim de se formar uma composição
harmoniosa e agradável de se ver. Outra questão importante é que ao posicionar
o tema de destaque fora do centro da imagem, obriga-se o espectador a mover
seu olhar pela fotografia. Isso faz com que ele apreenda melhor o contexto e o
ambiente no qual o assunto principal está inserido.
É importante ressaltar que existem diversos outros métodos de se
fotografar além da regra dos terços. Como apontado por Sousa (2004), a
composição é, de alguma maneira, instintiva.
Nas imagens que ilustram entrevistas, o fotógrafo geralmente busca
evidenciar os detalhes do entrevistado que contribuam para a representação da
sua personalidade. Assim como em outros tipos de fotografia, o ideal é que o
fotojornalista varie as posições, o enquadramento, a iluminação e os pontos de
vista (SOUSA, 2004).
7. Webjornalismo
7.1. Histórico
As primeiras pesquisas sobre rede mundial de computadores, ou seja, a
Internet, surgiram na Guerra Fria. No início, ela era usada apenas para fins
militares ou por estudantes e pesquisadores, até que começaram a comercializá-
la, possibilitando ao usuário comum o uso da rede em suas próprias casas. Em
1991, o engenheiro inglês Tim Bernes-Lee desenvolveu a World Wide Web, o que
possibilitou a utilização de uma interface gráfica e a criação de sites visualmente
interessantes e mais dinâmicos. Com a interface WWW, aumentou
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consideravelmente o número de servidores conectados ao sistema e a Internet
alcançou a população em geral, revolucionando o mundo e principalmente a
comunicação. Aos poucos a tecnologia se desenvolveu e facilitou cada vez mais o
envio e recebimento de mensagens, principalmente por meio do email e chats de
conversa.
Em 2004, surgiu a primeira rede social, o Orkut. A partir de 2005,
surgiram os sites que abrigam vídeos enviados por colaboradores e que logo se
tornaram uma febre, como o YouTube e Google Video. No mesmo ano apareceram
também os primeiros blogs. Com o passar dos anos as redes sociais foram
mudando, se reinventando e se adaptando a realidade da sociedade. Assim,
surgiu o Facebook, o Twitter, entre outros.
Entre tantas novidades, fez-se necessário ao jornalismo uma adaptação
às novas plataformas. Assim como as redes sociais facilitam na divulgação das
notícias, a webauxilia na pesquisa e na busca de informações noticiosas. A
internet exige atualmente uma comunicação multimídia, o que levanta
questionamentos por parte de comunicadores sobre a continuidade do
jornalismo e a convergência de mídias.
7.2. Características do jornalismo online
Independentemente de suas múltiplas definições, o jornalismo online
apresenta algumas características específicas em relação a aspectos que quase
sempre existiram nas mais diversas mídias, em diversos graus. Segundo
Mielniczuk (2001), as características mais interessantes do jornalismo online são:
instantaneidade, interatividade, perenidade (memória, capacidade de
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armazenamento de informação), programação, hipertextualidade, personalização
de conteúdo, customização.
O grau de instantaneidade do jornalismo online é o mais alto entre as
mídias, seguido pelo rádio. A capacidade de transmitir instantaneamente um fato
é o que mais impressiona na web: é muito rápido, fácil e barato inserir ou
modificar notícias nesse suporte. Apesar disso, algumas falhas podem ser
detectadas por conta da rapidez com a qual as notícias são escritas. Muitas vezes
a informação deixa de ser apurada da maneira mais completa e, em alguns casos,
a falta de uma conferência anterior a publicação online provoca a existência de
inúmeros erros de português.
A instantaneidade permitiu que se desenvolvesse a interatividade entre
os usuários da web. As mídias tradicionais sempre tiveram algum tipo de troca de
opiniões, como nas seções de cartas de jornais e TVs e nos telefonemas para
programas de rádio, mas nessa nova fase a interatividade atinge seu ponto
máximo. É possível navegar mais facilmente e escolher para que direção a leitura
vai seguir, tudo isso de forma mais automatizada com a ajuda dos hiperlinks.
“Esta estrutura narrativa exige uma maior concentração do leitor, mas esse é o
objetivo do webjornalismo: um jornalismo feito por meio da interação entre
emissor e receptor” (CANAVILHAS, 2001). O leitor pode também enviar
formulários com comentários sobre uma notícia e ver suas observações
colocadas imediatamente à disposição de outros leitores.
Outro ponto interessante na web é o arquivamento de material: ele pode
ser guardado indefinidamente e o custo de armazenamento de informação é
baixo. Além disso, na web é possível guardar grande quantidade de informação
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em pouco espaço e essa informação pode ser recuperada rapidamente com
ferramentas de busca rápida.
6.3. Adaptações do jornalismo impresso, radiofônico e televisivo à internet
O estilo de texto para a internet deve ser curto, na ordem direta, com
palavras-chave destacadas. O estilo deve ser informal, porque a internet é um
meio de comunicação individual e pessoal, e também porque isso capta a atenção
do leitor e deixando-o informado em poucas linhas sobre as notícias. Devido à
instantaneidade da internet, o leitor pode trocar facilmente o site ou mudar de
página através dos hiperlinks, caso não se sinta satisfeito com conteúdo do texto
ou até mesmo com o tamanho do texto.
A plataforma mais utilizada para transmitir notícias curtas e rápidas são
os sites e as redes sociais como o Twitter (onde se pode escrever no máximo 140
caracteres) ou o Facebook, usadas principalmente por empresas de comunicação
que já se adaptaram ao jornalismo multimídia. Há também os blogs, plataformas
que permitem o uso de textos mais longos com utilização de hiperlinks, fotos e
arquivos audiovisuais e sonoros.
Assim como o jornalismo impresso, as rádios tem se adaptado cada vez
ao sistema da web. É possível transformar uma rádio tradicional em radioweb,
fazendo com que ela ganhe um alcance muito maior em suas transmissões. Assim
como é possível criar uma radioweb de qualidade, tendo apenas a internet como
plataforma, usando os podcasts: arquivos de áudio digital, em geral no formato
MP3, que podem ser descarregados diretamente para os tocadores de mídias. No
caso da mídia televisiva, até mesmo os maiores sites jornalísticos já publicam
matérias em vídeo. No Brasil, o portal de notícias G1, da Rede Globo, dedica uma
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seção inteira aos vídeos exibidos nos telejornais da emissora, além de transmitir,
ao vivo, a programação da Globo News.
A internet permite a utilização conjunta de várias linguagens,
diferentemente do jornalismo tradicional. Na web, o jornalismo pode usar de
diversos tipos de mídia e de formatos de arquivos de computador, como o texto e
hipertexto, áudio e imagem estática (fotos) e em movimento (vídeo). Todo esse
desenvolvimento da Internet deixa margem para discussões sobre o futuro das
mídias convencionais. Para Jenkins (2009), esses múltiplos suportes midiáticos
da internet e o fluxo de conteúdos que se dá por meio deles podem ser
entendidos como convergência, mas essa palavra deve ser usada com cautela.
“Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas,
mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que
imaginam estar falando” (JENKINS, 2009: 29). Ou seja: quem faz a mudança s~o
as pessoas, a convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais
sofisticados que sejam; ela ocorre dentro dos consumidores e em suas interações
sociais com outros.
8. Referências
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Resumo Em 2013, pela primeira vez o UFRGSMUNDI conta com uma Agência de Comunicação. Ela
servirá como um exercício de apuração e difusão de informações sobre a conjuntura dos comitês da simulação. A proposta é que sejam desenvolvidas matérias que serão publicadas em um blog, que será atualizado constantemente, e em um jornal, que será lançado ao final do projeto. A Agência de Comunicação irá abordar os veículos de jornalismo impresso, radiojornalismo, webjornalismo e fotojornalismo. No blog, as postagens serão concisas, uma vez que o tempo de apuração e redação será menor. Além de textos e fotos, na página da Agência também serão postados áudios de entrevistas com os delegados. Já as matérias produzidas para o jornal serão mais longas e elaboradas. Assim, os participantes terão a oportunidade de trabalhar com três diferentes mídias e perceber as particularidades de cada uma delas. O principal meio de coleta de informações será através das
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entrevistas. Os repórteres poderão abordar os participantes dos comitês a fim de obter fontes para suas matérias. Acompanhando, estarão os fotógrafos, que serão responsáveis por registrar o andamento das sessões para ilustrar as matérias. Ao final das entrevistas, os repórteres devem editar as gravações e redigir seus textos que serão publicados no blog e no jornal. Podendo ser rotativas, as funções de repórter e fotógrafo serão imprescindíveis para a cobertura completa e verídica do UFRGSMUNDI.