Guillherme Adolfo Dos Santos Mendes Tese

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    GUILHERME ADOLFO DOS SANTOS MENDES

    EXTRAFISCALIDADE: ANLISE SEMITICA Tese apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Direito da USP, para obteno do grau de doutor, sob orientao do Professor Paulo de Barros Carvalho.

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO USP FACULDADE DE DIREITO DO LARGO DE SO FRANCISCO

    So Paulo 2009

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    SUMRIO

    INTRODUO................................................................................................................................................ 6

    PARTE I: O DIREITO COMO LINGUAGEM ......................................................................................... 16

    CAPTULO 1 SEMITICA ...................................................................................................................... 17

    1.1. LINGUAGEM: IMANNCIA DA CONDIO HUMANA ................................................................................ 17 1.1.1. Culturalismo................................................................................................................................. 18 1.1.2. Geneticismo.................................................................................................................................. 18 1.1.3. Uma posio unificada................................................................................................................. 18

    1.2. SEMITICA ............................................................................................................................................ 19 1.3. SIGNO ................................................................................................................................................... 20 1.4. O TRINGULO SEMITICO ..................................................................................................................... 21

    1.4.1. O significante ............................................................................................................................... 22 1.4.2. O referente.................................................................................................................................... 24 1.4.3. O Significado................................................................................................................................ 26

    1.5. O PROCESSO DE SEMIOSE....................................................................................................................... 27 1.5.1. O signo como unidade lgica da semiose .................................................................................... 28 1.5.2. Os trs nveis do interpretante ..................................................................................................... 30

    1.6. DA SEMIOSE COMUNICAO .............................................................................................................. 34 1.6.1. O cdigo ....................................................................................................................................... 34 1.6.2. O contexto .................................................................................................................................... 36 1.6.3. Inteno........................................................................................................................................ 37

    1.7. O TEXTO COMO UNIDADE DE SENTIDO................................................................................................... 38 1.8. ANLISE FUNCIONALISTA E ESTRUTURALISTA DO TEXTO ..................................................................... 41 1.9. OS PLANOS DE ANLISE: SINTAXE, SEMNTICA E PRAGMTICA........................................................... 42

    CAPTULO II. UM MODELO DE SEMITICA JURDICA ................................................................. 43

    2.1. O DIREITO COMO UM SISTEMA COMUNICACIONAL................................................................................. 43 2.2. O SIGNO JURDICO ................................................................................................................................. 43 2.3. ANLISE DO SIGNO JURDICO ................................................................................................................ 44

    2.3.1. O significante ............................................................................................................................... 44 2.3.2. O referente.................................................................................................................................... 44 2.3.3. O significado ................................................................................................................................ 46

    2.3. AS DUAS SEMIOSES DO DIREITO............................................................................................................. 46 2.3.1. Semiose: do direito positivo ao sistema jurdico.......................................................................... 47 2.3.2. A incidncia como semiose.......................................................................................................... 54

    2.4. OS ELEMENTOS COMUNICACIONAIS DO DISCURSO JURDICO ................................................................. 55 2.4.1. O legislador.................................................................................................................................. 55 2.4.2. O destinatrio: o indivduo e a coletividade ................................................................................ 59

    2.5. EXTRAFISCALIDADE UM FENMENO SEMITICO................................................................................. 61 2.5.1. Conceito de extrafiscalidade ........................................................................................................ 62 2.5.2. Intencionalidade: critrios de aferio ........................................................................................ 64 2.5.3. Outros aspectos relevantes da extrafiscalidade ........................................................................... 66

    CAPTULO III. INTERPRETAO JURDICA E TRADUO.......................................................... 67

    3.1 JURISTA E O ORDENAMENTO CHAMPOLLION E A PEDRA DA ROSETA .................................................. 67 3.2. OS SENTIDOS DE TRADUZIR ................................................................................................................... 68 3.3. TRADUZIR E INTERPRETAR .................................................................................................................... 68 3.4. A REVERSIBILIDADE E O DIREITO .......................................................................................................... 72

    3.4.1. Funes pragmticas diversas entre o texto de partida e o de chegada ...................................... 74 3.5. TRADUO E AS INEVITVEIS ALTERAES SEMNTICAS..................................................................... 74

    3.5.1. Alteraes semnticas intencionalmente empreendidas pelo discurso prescritivo ...................... 77 3.6. CONDIES PARA TRADUO E A INTERPRETAO JURDICA ............................................................... 78 3.7. UM CASO PARTICULAR: A INTERPRETAO ECONMICA ...................................................................... 81

    PARTE II: EXTRAFISCALIDADE E OS TRS PLANOS SEMITICOS ........................................... 84

    CAPTULO IV. ANLISE PRAGMTICA .............................................................................................. 85

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    4.1. O PRIMADO PRAGMTICO..................................................................................................................... 85 4.2. AS DIMENSES PRAGMTICAS .............................................................................................................. 85

    4.2.1. A enunciao ................................................................................................................................ 86 4.2.2. O enunciado ................................................................................................................................. 87 4.2.3. O enunciador................................................................................................................................ 87 4.2.4. O enunciatrio.............................................................................................................................. 88

    4.3. OS DOIS INTRPRETES: ENUNCIATRIO E NO-ENUNCIATRIO.............................................................. 90 4.4. A COMPETNCIA LINGSTICA DO ENUNCIATRIO ................................................................................ 93 4.5. A RECEPO ......................................................................................................................................... 94 4.6. O CONTEXTO PRAGMTICO................................................................................................................... 96 4.7. FINALIDADE E FUNO ......................................................................................................................... 97 4.8. VALORES: A INTENCIONALIDADE JURDICA........................................................................................... 99

    4.8.1. As caractersticas dos valores .................................................................................................... 100 4.9. AS IDEOLOGIAS COMO CORPOS DE VALORES ....................................................................................... 101

    4.9.1. A ideologia liberal...................................................................................................................... 102 4.9.2. A ideologia social....................................................................................................................... 103 4.9.3. A ordem liberal-social................................................................................................................ 104 4.9.4. O Estado interventor comedido.................................................................................................. 106 4.9.5. As duas finalidades interventivas ............................................................................................... 107 4.9.6. Liberdade, interveno e tributao .......................................................................................... 109 4.9.7. Produto e modo de produo ..................................................................................................... 111

    4.10. DE VOLTA A FINALIDADE E FUNO.................................................................................................. 113 4.10.1. Funo extrafiscal e disfuno fiscal ....................................................................................... 113

    CAPTULO V. ANLISE SEMNTICA ................................................................................................. 116

    5.1. A SEMNTICA ..................................................................................................................................... 116 5.1.1 A coerncia como critrio de significao ................................................................................. 117 5.1.2. O modelo gerativo...................................................................................................................... 118 5.1.3. O modelo dialtico ..................................................................................................................... 119

    5.2. SEMNTICA E INTERTEXTUALIDADE ................................................................................................... 119 5.2.1. A intertextualidade intra-sistmica ............................................................................................ 121 5.2.2. A intertextualidade intersistmica .............................................................................................. 122

    5.3. LIMITES DA POTENCIALIDADE SEMNTICA DO DIREITO....................................................................... 124 5.4. AS SUPOSTAS FALHAS SEMNTICAS .................................................................................................... 125

    5.4.1. Ambigidade: fenmeno no-intencional................................................................................... 126 5.4.2. Vaguidade como fenmeno intencional...................................................................................... 127 5.4.3. Extrafiscalidade e vaguidade ..................................................................................................... 134 5.4.4. Vaguidade ingente e estrita legalidade ...................................................................................... 134

    CAPTULO VI. ANLISE SINTTICA .................................................................................................. 145

    6.1. SINTTICA.......................................................................................................................................... 145 6.2. ORDEM: UMA CATEGORIA SINTTICA.................................................................................................. 146 6.3. SINTAXE: O PRIUS FORMULADOR......................................................................................................... 147 6.4. REGRAS DE PRODUO: SEU CARTER SINTTICO .............................................................................. 148 6.5. A LGICA EXPRESSO PREDOMINANTEMENTE SINTTICA ............................................................... 149 6.6. A LGICA JURDICA............................................................................................................................. 151

    6.6.1. Condies formais e verificao emprica ................................................................................. 152 6.6.2. O contexto como pressuposto para a investigao lgica ......................................................... 153 6.6.3. Direito: dois planos de linguagem, duas Lgicas ...................................................................... 154 6.6.4. Valor semntico e conformao lgica...................................................................................... 155 6.6.5. Eficcia: condicionante semntico para o desempenho pragmtico da linguagem prescritiva 159 6.6.6. Tipologia dos condicionantes lgicos ........................................................................................ 160 6.6.7. Relaes lgicas entre enunciados semanticamente completos ................................................. 161 6.6.8. Eficcia e o sentido do ajuste..................................................................................................... 162

    6.7. A LGICA DAS SANES ..................................................................................................................... 166 6.7.1. O espao lgico das sanes...................................................................................................... 169 6.7.2. O reforo direto e indireto do ajuste e os pares denticos......................................................... 171 6.7.3. O positivo e o negativo............................................................................................................... 173 6.7.4. Sanes e os vrios graus hierrquicos do positivo.................................................................. 174

    6.8. EXTRAFISCALIDADE: O TRIBUTO COMO SANO ................................................................................. 176

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    6.8.1. Extrafiscalidade como sano negativa ..................................................................................... 176 6.8.2. Extrafiscalidade como sano positiva ...................................................................................... 179

    6.9. O TEMPO CARACTERIZADOR DA EXTRAFISCALIDADE .......................................................................... 180 6.10. ENUNCIADOS DE BLOQUEIO FUNO EXTRAFISCAL ....................................................................... 182 6.11. EXTRAFISCALIDADE RETRIBUTIVA E REPARADORA........................................................................... 183 6.12. RELAES LGICAS ENTRE FINALIDADE FISCAL E EXTRAFISCAL ...................................................... 185 6.13. RELAES SINTTICAS ENTRE REGRAS E PRINCPIOS ........................................................................ 186

    6.13.1. O lugar sinttico das regras e dos princpios .......................................................................... 191 6.13.2. O consenso principiolgico e a dissenso normativa .............................................................. 192

    6.14. ESTRUTURA SINTTICA DA NORMA EXTRAFISCAL............................................................................. 193

    PARTE III: EXTRAFISCALIDADE E REGIME JURDICO............................................................... 195

    CAPTULO VII: REGIME CONSTITUCIONAL DA EXTRAFISCALIDADE.................................. 196

    7.1. REGIME JURDICO TRIBUTRIO ........................................................................................................... 197 7.2. OS ESCOPOS CONSTITUCIONAIS ........................................................................................................... 198 7.3. A EXTRAFISCALIDADE CONSTITUCIONAL ............................................................................................ 200 7.4. REGRAS MODULADORAS DA EXTRAFISCALIDADE................................................................................ 201

    7.4.1. Regras autorizadoras ................................................................................................................. 201 7.4.2. Regras impositivas ..................................................................................................................... 202 7.4.3. Regras bloqueadoras.................................................................................................................. 202

    7.5. EXTRAFISCALIDADE E REGRAS DE EXIGNCIA FORMAL....................................................................... 203 7.6. PRECEITOS LIMITANTES E ESCOPOS EXTRAFISCAIS .............................................................................. 204 7.7. PRINCPIOS DEMARCATRIOS DA EXTRAFISCALIDADE ........................................................................ 205

    7.7.1. A Legalidade tributria .............................................................................................................. 205 7.7.2. A Irretroatividade....................................................................................................................... 206 7.7.3. A Anterioridade e a Noventena .................................................................................................. 207

    7.8. PRINCPIOS DEMARCADOS PELA EXTRAFISCALIDADE .......................................................................... 208 7.8.1. A Isonomia.................................................................................................................................. 208 7.8.2. Capacidade contributiva ............................................................................................................ 210 7.8.3. O No-confisco........................................................................................................................... 212

    7.9. A COMPETNCIA TRIBUTRIA ............................................................................................................. 213 7.9.1. Competncia condicionada a fins extrafiscais ........................................................................... 214

    7.10. EXTRAFISCALIDADE E COMPETNCIAS REGULATRIAS..................................................................... 214 7.11. AS IMUNIDADES ................................................................................................................................ 215 7.12. BITRIBUTAO EXTRAFISCAL ........................................................................................................... 217

    CAPTULO VIII- INSTRUMENTOS EXTRAFISCAIS INFRACONSTITUCIONAIS ..................... 220

    8.1. CRITRIOS JURDICOS DE AFERIO DA EXTRAFISCALIDADE .............................................................. 220 8.1.1. O uso de palavras de significado intencional ........................................................................... 221 8.1.2. Extrafiscalidade por especialidade ............................................................................................ 221 8.1.3. Extrafiscalidade em razo de critrios no-eidticos da regra de incidncia ........................... 222

    8.2. OS INSTRUMENTOS EXTRAFISCAIS....................................................................................................... 223 8.2.1. Instrumentos pecunirios ........................................................................................................... 225 8.2.2. Instrumentos formais.................................................................................................................. 233 8.2.3. O manejo do prazo de pagamento.............................................................................................. 235 8.2.4. Sanes tributrias e extrafiscalidade ....................................................................................... 236

    8.3. A ISENO .......................................................................................................................................... 237 8.3.1. Iseno e imunidade................................................................................................................... 241 8.3.2. Iseno e no-incidncia............................................................................................................ 242 8.3.3. Iseno e alquota zero............................................................................................................... 242

    8.4. EXTRAFISCALIDADE E AS ESPCIES TRIBUTRIAS ............................................................................... 243 8.4.1. Impostos ..................................................................................................................................... 245 8.4.2. Taxas .......................................................................................................................................... 248 8.4.3. Contribuio de Melhoria .......................................................................................................... 249 8.4.4. Emprstimo compulsrio............................................................................................................ 250 8.4.5. Contribuies especiais.............................................................................................................. 250

    8.5. MODALIDADES EXTINTIVAS E FUNO EXTRAFISCAL ......................................................................... 252

    CAPTULO XIX - A POSITIVAO EXTRAFISCAL ......................................................................... 254

    9.1. MITIGAES AOS PRINCPIOS DA ANTERIORIDADE, NOVENTENA E ESTRITA LEGALIDADE ................... 255

  • 5

    9.1.1. O contedo de condies. ...................................................................................................... 258 9.1.2. Imposto sobre operaes financeiras ......................................................................................... 258 9.1.3. Imposto sobre produtos industrializados ................................................................................... 260 9.1.4. Imposto de importao............................................................................................................... 261 9.1.5. Imposto de exportao ............................................................................................................... 262

    9.2. A TRIBUTAO DO COMRCIO EXTERIOR ............................................................................................ 263 9.2.1. O valor aduaneiro ...................................................................................................................... 270 9.2.2. Importao e entidades imunes .................................................................................................. 273 9.2.3. O preceito extrafiscal de estmulo s exportaes ..................................................................... 275 9.2.4. Imunidade e contribuio social sobre o lucro .......................................................................... 276 9.2.5. Importao, exportao e coerncia dos escopos extrafiscais................................................... 278 9.2.6. Imposto de exportao e desenvolvimento econmico............................................................... 280

    9.3. IMPOSTO DE RENDA............................................................................................................................. 283 9.4. O CRITRIO DA NO-CUMULATIVIDADE .............................................................................................. 284

    9.4.1. Harmonia com a seletividade..................................................................................................... 287 9.5. A TRIBUTAO SIMPLIFICADA DAS ME E EPP .................................................................................... 289 9.6. A TRIBUTAO AMBIENTAL ................................................................................................................ 296

    CONCLUSES............................................................................................................................................ 299

    BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................................... 306

    RESUMO...................................................................................................................................................... 317

    ABSTRACT.................................................................................................................................................. 318

    RIASSUNTO................................................................................................................................................ 319

  • 6

    INTRODUO

    Ao estudar as sanes pecunirias no mestrado, deparamo-nos com dois tipos:

    positivas e negativas. Fixamo-nos nas negativas, pois compunham realmente aquilo que

    ns, sem maiores precises iniciais, pretendamos estudar.

    Esse objeto foi investigado apenas em relao aos seus aspectos lgicos, to-

    somente no que se referia s relaes essenciais entre os componentes de sua estrutura

    conformativa.

    As sanes negativas esto intrinsecamente relacionadas ao par dentico

    proibido-obrigatrio. Se uma conduta proibida, a sua oposta obrigatria. Assim, por

    exemplo, se proibido fumar, igual e necessariamente obrigatrio no fumar. Dessarte,

    essa relao entre condutas opostas empregada pelo legislador ao prescrever sanes

    negativas com o fito de conferir eficcia a uma delas por meio do desestmulo da outra.

    No exemplo anterior, se a conduta desejada a de no fumar, ela

    modalizada como obrigatria, o que conseqentemente modaliza tambm a oposta fumar

    como proibida, qual vinculada uma sano negativa, ou seja, uma conseqncia

    desagradvel ao agente.

    As sanes negativas, a princpio, no guardam relao com as condutas

    conformadas pelo terceiro modal dentico: o permitido. A conduta oposta a uma permitida

    tambm necessariamente permitida. Se uma norma estipular a permisso de fumar,

    necessariamente tambm ter estipulado a permisso de no fumar.

    Assim, uma conduta permitida no poderia ser estimulada por meio indireto

    do desestmulo sancionatrio da conduta oposta, uma vez que esta tambm permitida.

    Ela, porm, poderia ter sua eficcia reforada por meio da imputao de algo

    desejado pelo seu agente; ou seja, pelas sanes positivas ou premiais.

    Se por um lado, as sanes negativas visam garantir a eficcia da imposio

    de uma conduta por meio do desestimulo da prtica da oposta e esto acopladas a regras

    moduladas pelo par obrigatrio-proibido; por outro, as sanes positivas ou premiais

    estimulam a prtica da conduta desejada diretamente e so prprias a se vincularem a

    normas de permisso.

  • 7

    Como j dito anteriormente, fixamos como objeto de estudo no mestrado

    exclusivamente o primeiro tipo de sanes, bem como as estudamos apenas sob o estrito

    critrio de sua estrutura formal.

    Consideramos que seria propcio completar esse estudo das sanes no

    Doutorado com enfoque, portanto, nas positivas. A princpio, julgamos que as sanes

    premiais, na seara tributria, comporiam o prprio conceito de extrafiscalidade, ou seja, o

    tributo (em verdade, suas desoneraes de todo tipo) empregado com a finalidade de

    estimular condutas permitidas.

    Nada obstante, constatamos que o fenmeno ainda mais complexo. O

    estmulo positivo pode, em tese, ser dirigido tambm s condutas obrigatrias, no s s

    permitidas; ademais, pode o tributo desestimular condutas permitidas, o que se quadraria

    no fomento negativo.

    O emprego de sanes, ou seja, a veiculao de regras com a finalidade de

    reforar a eficcia de outras normas fenmeno ainda mais amplo que o inicialmente por

    ns concebido. De toda sorte, consideramos que o conceito de extrafiscalidade abarca

    todos esses aspectos, exceto justamente aquele sobre o qual j havamos nos debruado no

    mestrado: as sanes negativas dirigidas a condutas proibidas. As regras com essa

    compleio so as nicas sanes deonticamente incompatveis com a estrutura das normas

    tributrias; de um lado, as sanes negativas vinculadas a condutas proibidas; de outro, os

    tributos. Todas as demais sanes podem assumir a feio de tributo; e o tributo que

    assume a funo de sano exerce papel extrafiscal.

    Fixado o objeto de estudo a extrafiscalidade como sanes sob a feio de

    regras tributrias , decidimos inicialmente abord-lo sob o mesmo prisma adotado no

    mestrado, qual seja, o da Lgica. No entanto, percebemos que muito pouco da riqueza do

    tema pode ser estudada pela Lgica, ao contrrio do que ocorreu na investigao das

    sanes negativas s condutas proibidas.

    A Lgica parte da viso sinttica um dos trs planos da Semitica. Os

    outros dois so a pragmtica e a semntica, nos quais se localizam os aspectos mais

    intrigantes da extraficalidade: os valores, a intencionalidade das regras, o significado e o

    uso no direito positivo de termos e expresses prprios de outras searas lingsticas, etc.

    Assim, objetivamos estudar a extrafiscalidade segundo as trs abordagens

    semiticas.

  • 8

    No poderamos, contudo, principiar a investigao do objeto sem antes

    possuir slido domnio do mtodo empregado. Iniciamos, portanto, a pesquisa por nos

    aprofundar em conhecimentos semiticos.

    E, nesse ponto, deparamos-nos com uma vasta gama de Teorias. No h

    sequer uma definio consensual do que seja Semitica e qual o seu objeto de estudo. Os

    planos sinttico, pragmtico e semntico compem uma das propostas de estudos

    semiticos, a qual, segundo alguns especialistas, no nem sequer exauriente das

    possibilidades de investigao do fenmeno lingstico.

    Assim, nossa dedicao preliminar foi ao estudo da prpria Semitica, bem

    como ao estabelecimento de quais de suas formulaes tericas sero empregadas e por

    qu.

    Os principais esteios desse mtodo de investigao sero apresentados no

    primeiro captulo, mas haver diversas especificidades aprimoradas ao longo de toda a

    monogrfica com o fito de atender ao propsito de investigar a extrafiscalidade sob o

    preciso enfoque de responder se tal funo deve influir na interpretao das regras

    tributrias e de que forma.

    Nesse passo, a primeira indagao a ser feita se a extrafiscalidade aspecto

    de ndole jurdica e, assim, se tais consideraes so relevantes para a interpretao da

    norma de incidncia tributria.

    Deparamo-nos com duas posies a princpio antagnicas: a que afirma que

    tais consideraes esto fora do mtodo de investigao jurdica e a de que elas devem

    compor seu campo de perquirio.

    A primeira est estampada nas seguintes palavras de Paulo de Barros

    Carvalho, segundo o qual, as questes extrafiscais que levaram o legislador a expedir o

    diploma legal so problemas alheios especulao jurdica1.

    A segunda pode ser encontrada em diversos autores, tais como em Regis

    Fernandes de Oliveira, Professor Titular de Direito Financeiro da USP,

    verdade que o que se passa antes da colocao de dada Constituio momento

    pr-normativo e, pois, visualizado sob outros ngulos do conhecimento humano. Mas

    no se pode negar que as influncias sociais, psicolgicas, religiosas, polticas,

    econmicas, impem sua manifestao no contedo das normas. Todo ato normativo

    1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributrio, p. 532.

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    fruto de colocaes extrajurdicas. Toda norma deflui e filha dos sentimentos

    polticos, das presses econmicas e dos sentimentos sociais que dominam

    determinada comunidade. Ainda que pr-jurdicas, tais manifestaes fornecem

    subsdio para a exata compreenso dos contedos legais. Quanto mais da prpria

    Constituio, que expresso mxima dos sentimentos nacionais e fruto das presses

    da poca e da realidade vivida pela comunidade2.

    Em verdade, a pergunta inicial, deve ser repartida em duas. Primeira: os

    aspectos extrajurdicos devem ser levados em conta na compreenso do direito positivo,

    como aparentemente afirma Regis? Segunda: a extrafiscalidade se configura como aspecto

    extrajurdico ou jurdico?

    H assim quatro possibilidades retratadas no quadro abaixo:

    Extraficalidade Considerao jurdica Considerao no jurdica Aspecto jurdico SIM SIM Aspecto extrajurdico SIM NO

    Se a extrafiscalidade for aspecto jurdico, ela ser relevante para a

    interpretao das normas jurdicas tributrias independentemente de os aspectos

    extrajurdicos serem ou no passveis de considerao jurdica ( por isso que a primeira

    linha da tabela apresenta dois sims). Se, por outro lado, a extrafiscalidade apresentar o

    carter extrajurdico, s ser considerada para a investigao jurdica se tais aspectos

    tambm forem relevantes; do contrrio, no.

    Em suma, a extrafiscalidade s ser apartada do objeto do estudo jurdico se

    ao mesmo tempo for aspecto extrajurdico, e este, por seu turno, for considerado como

    tudo que externo investigao jurdica.

    Em princpio, estipulamos a conjectura de que h dois momentos da

    extrafiscalidade: (i) o jurdico e (ii) o extrajurdico; e s o primeiro compe o objeto do

    estudo jurdico e intervm na interpretao do direito positivo. Nada obstante, cremos ser

    relevante no s distingui-los, mas tambm estabelecer as suas relaes.

    Para atingir esse propsito dividimos a tese em trs partes: (i) o direito como

    linguagem, (ii) extrafiscalidade e os trs planos semiticos, e (iii) extraficalidade e regime

    jurdico, cada qual dividida em trs captulos como segue.

    2 OLIVEIRA, Regis Fernandes. Curso de direito financeiro, p. 39.

  • 10

    No primeiro captulo, apresentamos a Semitica, seu objeto de estudo, seus

    instrumentos metodolgicos, bem como a relevncia de sua escolha como mtodo de

    investigao do direito e, mais especificamente, da extrafiscalidade.

    No h apenas uma Semitica, bem como um nico objeto de estudo. Em

    geral, define-se a Semitica em funo do seu objeto de estudo: o signo. No entanto, nem

    isso consensual. Greimas, por exemplo, entende que a Semitica deve se preocupar com

    as questes relativas significao e, com isso, no s com signos, mas tambm com sub-

    unidades significativas menores e macro-estruturas maiores e mais complexas que os

    signos propriamente ditos.

    Mesmo para a maioria das escolas que colocam o signo como o centro dos

    estudos Semiticos, tambm no h consenso sobre o prprio alcance do signo. H

    correntes mais restritivas, como a de Saussure, que estipula o signo com uma unidade

    arbitrria que est no lugar de algo sobre o qual pretendemos falar. J Peirce atribui um

    alcance mais amplo ao conceito de signo para abarcar, no s os registros arbitrrios, mas

    tudo aquilo que leva uma mente humana a formular interpretaes acerca de um outro

    algo. Por seu turno, Morris, formulador da investigao semitica em planos (pragmtico,

    semntico e sinttico), atribui um campo ainda maior. Enquanto para Peirce, os signos

    sempre esto para seres humanos, para Morris h signos e, portanto, interesse semitico,

    em todos os processos, mesmo entre outros seres biolgicos ou at cibernticos, os quais

    ele denomina organismos.

    De toda sorte, independentemente da Escola, todas alcanam o nosso objeto

    de interesse o direito , uma vez que sua manifestao se d por meio de linguagem e

    esta investigada desde as correntes mais amplas s mais restritas da semitica.

    Nos valeremos, portanto, das formulaes dessas escolas que digam respeito

    linguagem, tais como:

    i) os planos pragmtico, sinttico e semntico (Morris);

    ii) o cdigo como enciclopdia e a competncia lingstica do receptor (Eco);

    iii) o processo de semiose; o signo como unidade lgica desse processo; os

    trs componentes do signo; e os trs tipos de interpretantes imediato, dinmico e final

    (Peirce);

    iv) os fatores determinantes da comunicao e a traduo (Jakobson);

  • 11

    v) o processo gerativo de sentido (Greimas); dentre outros.

    De posse dos instrumentos semiticos selecionados, formulamos no segundo

    captulo uma proposta para a investigao do direito. Uma delas diz respeito segregao

    da investigao em razo dos planos pragmtico, semntico e sinttico, os quais serviro

    para a formulao de trs captulos da tese.

    Pretendemos ainda investigar o signo jurdico e todos os seus aspectos

    (significante, referente e significado) na sua completa composio. Por exemplo,

    postulamos que o direito positivo exerce a funo na semiose jurdica como referente do

    ordenamento, o qual se localiza no significado, outro dos trs stios lgicos do signo.

    Empreenderemos, contudo, uma anlise sob a tica da semiose e dos trs tipos de

    interpretantes de Peirce; o ordenamento como interpretante imediato, a doutrina (ou

    doutrinas, uma vez que, calcados em Eco, consideramos que no possvel a uma s

    pessoa possuir a competncia lingstica completa para a compreenso global de todo o

    texto do direito positivo) como interpretantes dinmicos e o sistema como interpretante

    final, inalcanvel, mas unificador lgico de todo o processo.

    Ainda, no mesmo captulo, buscamos verificar na Doutrina conceitos de

    Extrafiscalidade e os contrapor com aquele objeto de nossas pretenses iniciais, qual seja,

    a extrafiscalidade como a funo que as normas estritamente tributrias exercem de

    reforar a eficcia de outras regras, exceto a de desestmulo de condutas ilcitas.

    Postulamos, em princpio, que a extrafiscalidade se manifesta em dois planos

    distintos: o jurdico e o extrajurdico e a conexo entre os dois realizada por meio da

    intencionalidade.

    Assim como a enunciao, processo de produo do enunciado, deixa marcas

    no enunciado, acreditamos que a inteno do legislador deixa registros na lei, os quais

    demarcam a intencionalidade do ponto de vista jurdico. Tal intencionalidade e, portanto, a

    extrafiscalidade, pode se manifestar por meio de expedientes explcitos, implcitos e

    contextuais.

    No terceiro captulo, estipulamos que a linguagem s pode cumprir sua

    funo, seja ela qual for, desde que o receptor a receba e interprete.

    A interpretao, contudo, pode ser realizada de duas formas distintas: (i) uma

    simples e (ii) uma mais rebuscada, mais desenvolvida. Esta ltima a traduo.

  • 12

    Podemos olhar uma obra de arte e nos emocionar em razo disso; sentir

    deleite, angstia, dio, repulsa, etc. Essa interpretao do tipo simples. A complexa se d,

    por exemplo, no caso de ns explicarmos para um amigo por que a obra nos emociona.

    Nesse caso, a interpretao realizada por meio da traduo de linguagem pictrica para

    verbal.

    Se proferimos uma ordem a um subordinado faa isso, ele a cumpre e

    depois afirma que a cumpriu justamente em razo de termos dito faa isso, ele a

    interpretou, mas de forma simples.

    A princpio, poderamos dizer que a interpretao jurdica deste tipo. As

    leis, decretos, instrues, enfim, toda sorte de diplomas normativos so editados e as

    pessoas os cumprem aps deles tomarem conhecimento com sua imediata leitura.

    Cremos, contudo, que o fenmeno jurdico no se realiza por meio desse tipo

    de interpretao. Ele empreendido necessariamente atravs de uma interpretao mais

    complexa, ou seja, pela transformao de signos em novos signos, o que pode ser chamado

    de traduo.

    Em geral, consideramos que a traduo trata-se da tarefa de transcrever um

    texto de uma lngua para outra. Todavia, na lio de Jakobson, esse apenas um dos seus

    trs tipos, chamado traduo interlingual. H ainda a intralingual ou reformulao na

    qual est inserida a interpretao jurdica e a inter-semitica ou reformulao.

    justamente a interpretao jurdica como fenmeno de traduo que ser

    estudada no terceiro captulo com o fito de unificar todos os aspectos semiticos da

    extrafiscalidade.

    Se a interpretao jurdica pode ser classificada como uma modalidade de

    traduo, podemos utilizar as vrias ferramentas para este fenmeno desenvolvidas pelas

    Cincias da Linguagem, no caso especfico, pela Semitica. Tambm podemos, com os

    devidos cuidados, lanar mo das diversas concluses j alcanadas por outras Teorias,

    mesmo diversas da Jurdica.

    necessrio, porm, precauo. A transposio direta s se legitimaria no

    caso de no haver qualquer peculiaridade da interpretao jurdica em relao a uma

    estipulada Teoria Geral da Traduo.

  • 13

    No h, porm, uma Teoria com esse grau de desenvolvimento capaz de

    abarcar, mediante formulaes abrangentes tais, todo o conjunto de fenmenos de

    reformulao sgnica designado por traduo. O que encontramos foram Teorias que

    tratam de espcies ou gneros de traduo, mas no de todo o seu universo de

    possibilidades.

    Se uma classe possui uma dada caracterstica, suas sub-classes tambm a

    possuiro. Isso autoriza o Cientista a aplicar suas concluses acerca de uma classe s suas

    espcies componentes. Num exemplo, se o pesquisador conclui que os mamferos so

    homeotrmicos, os homens, de igual sorte, o sero.

    Para lanar mo da mesma analogia, no partiremos de uma Teoria j

    desenvolvida acerca de mamferos ou de primatas para investigar as caractersticas

    biolgicas do homem, o qual pertence a essas classes de seres. Utilizaremos, em verdade,

    formulaes j desenvolvidas para smios, gnero prximo, mas diverso da classe dos

    humanos.

    Assim, a despeito de estipularmos ser a traduo um grande gnero de

    fenmenos dentre os quais se enquadra a interpretao jurdica que guardam entre si

    caractersticas comuns, consideramos que as formulaes tericas atuais no se dirigem

    com preciso a todo o fenmeno, mas sim a alguns de seus gneros particulares.

    Dessarte, apesar de extremamente teis, os estudos acerca da traduo no

    sero adotados diretamente como premissas. Deveremos verificar se h peculiaridades da

    interpretao jurdica em relao s modalidades de traduo investigadas no texto que

    tomaremos como base e se tais aspectos de dessemelhana so relevantes.

    Uma das peculiaridades diz respeito diversidade da funo pragmtica do

    texto de partida em relao funo do texto de chegada. Uma poesia em russo traduzida

    para o portugus apresenta a mesma funo emocionar em ambos os textos. J o

    legislador incorpora, ao direito positivo, trechos de camadas lingsticas que no

    apresentam a funo prescritiva. Ademais, a Doutrina, ao interpretar, transforma um texto

    de linguagem prescritiva para descritiva. Esse processo de re-elaborao sgnica com

    modificaes pragmticas no est presente na traduo tradicional, o que impe verificar

    os seus impactos.

    Por fim, verificaremos a sustentao terica da denominada interpretao

    econmica. Estipulamos que se trata de um mtodo equivocado de interpretao,

  • 14

    decorrente da desconsiderao injustificada das mutaes pragmticas entre as linguagens

    do direito positivo e aquelas de onde foram extradas as expresses adotadas pelo

    legislador para formular o seu discurso conformador de condutas inter-humanas.

    Investigamos, no quarto captulo, as dimenses pragmticas da comunicao

    (enunciador, enunciatrio, enunciado e enunciao), especificamente em relao

    manifestao jurdica, e suas conexes com a intencionalidade jurdica e extrajurdica.

    Nesse passo, destacaremos a condio dos intrpretes do direito positivo, os quais se

    classificam em dois grupos distintos: (i) os enunciatrios e (ii) os no-enunciatrios.

    Naquele grupo, quadram-se os operadores do direito e os sujeitos cujas condutas sofrem a

    modulao jurdica; neste, a Doutrina. Consideramos relevante essa distino para a

    interpretao jurdica, uma vez que o enunciador, em tese, no leva em considerao a

    competncia lingstica do intrprete, mas daquele para o qual dirige o ato de enunciao.

    Estabelecemos, ainda, a conjectura de que a intencionalidade jurdica

    corresponde justamente aos valores positivados, os quais se manifestam de forma explcita

    ou implcita.

    Dessarte, um dos principais enfoques do captulo ser o de edificar uma teoria

    de valores luz do fenmeno extrafiscal. Nesse passo, julgamos que os valores se renem

    em corpos maiores de significao: as ideologias. Assim, a funes extrafiscais podem

    atender e, portanto, ser classificadas em funo do seu especfico vis ideolgico.

    No quinto captulo, em parte nos valeremos da Teoria de Paulo de Barros

    Carvalho acerca do processo gerativo de sentido, a qual julgamos ser uma precisa

    aplicao semitica na seara jurdica do Estruturalismo Semntico de Greimas.

    Nada obstante, consideramos que o processo desenvolvido pelo ilustre

    professor diz respeito a uma semntica interna ao discurso jurdico, ou seja, a uma

    intertextualidade intra-sistmica. Cremos, contudo, que merecem investigaes mais

    acuradas os aspectos semnticos relativos intertextualidade intersistmica.

    no plano sinttico de investigao, enfrentado no sexto captulo, que se

    revela a configurao formal das regras veiculadoras de extrafiscalidade, as posies

    sintticas de normas e princpios, as relaes entre escopos de cunho fiscal e no fiscal,

    bem como o completo espao lgico do emprego do tributo com a funo sancionatria.

    No stimo captulo, luz do emprego de regras tributrias com fins diversos

    ao de meramente levar recursos financeiros ao Estado, sero investigadas as disposies no

  • 15

    plano constitucional: princpios tributrios, imunidade, competncia tributria, bem como

    outros ditames e prescries no especficos da seara tributria, como as competncias

    legiferantes de regulao.

    O oitavo captulo dedicado investigao da extrafiscalidade no plano das

    normas inferiores ao degrau constitucional. So investigados os instrumentos mediante os

    quais os escopos constitucionais podem ser perseguidos por intermdio de normas

    atinentes seara tributria.

    No derradeiro captulo, assim como procedemos no mestrado, buscaremos

    empregar as formulaes desenvolvidas para investigar situaes concretas com que nos

    deparamos no direito positivo brasileiro.

    O foco desse procedimento, contudo, no estar nas especficas aparies

    concretas da extrafiscalidade. Sua finalidade, pelo contrrio, ser a de testar, por mais um

    ngulo, a correo e utilidade das concluses tericas.

    Selecionamos diversos temas, dentre os quais, o emblemtico caso dos quatro

    impostos federais (II, IE, IPI e IOF) que excepcionam os princpios da Estrita Legalidade,

    Anterioridade Geral e Nonagesimal.

    A Doutrina que justifica tais excees praticamente unnime ao afirmar que

    elas decorrem das funes extrafiscais a que tais impostos se destinam. Assim, nesse ponto

    perguntamos: que fatores levam os Juristas a esta interpretao?

    Aliado a isso, buscaremos responder outras indagaes, dentre elas: se tais

    impostos excepcionam os princpios acima referidos em razo das suas funes

    extrafiscais, seria constitucional excepcionar os mesmos ditames se o objetivo no tiver

    carter extrafiscal, mas meramente fiscal, como foi o caso do aumento do IOF em razo da

    no aprovao da CPMF?

    Enfim, a teoria que buscaremos desenvolver dever ser apta a investigar casos

    como o acima e a responder as perguntas que surgirem no curso da anlise empreendida.

  • 16

    PARTE I:

    O DIREITO COMO LINGUAGEM

  • 17

    CAPTULO 1 SEMITICA

    verdade permitida apenas uma celebrao breve da vitria, a saber, entre os dois longos perodos em que condenada como paradoxal e desprezada como trivial.

    SCHOPENHAUER, Arthur;

    O mundo como vontade e como representao.

    No h verdade sem linguagem; no h objeto, no h realidade, no h

    sequer seres humanos ns , entes lingisticamente conscientes. Em razo desse axioma,

    o da inevitabilidade lingstica para a compreenso e para a prpria constituio do eu e do

    mundo, a verdade sempre passageira fruto da perene re-elaborao humana, da

    contnua expanso de sua linguagem. A investigao jurdica passa, assim,

    necessariamente pela anlise da linguagem do direito, ainda que de forma inconsciente.

    Preferimos, contudo, a consciente, que intencionalmente adota valiosas contribuies

    provindas dos campos especficos de estudo da prpria linguagem.

    1.1. LINGUAGEM: IMANNCIA DA CONDIO HUMANA

    Em um sem nmero de aspectos, ns nos identificamos com o mundo

    animado e inanimado. Somos constitudos pelos mesmos tomos que formam a Terra;

    possumos idnticas molculas, das mais simples s mais complexas, s de animas, plantas

    e at bactrias. Somos semelhantes, quase idnticos, a muitos desses outros seres; aspectos

    sutis, porm, nos diferenciam, nos conferem a condio humana. Dentre todos, o mais

    decisivo a linguagem. Por isso, afirma Flusser, Ei-la, a lngua, em toda sua imensa

    riqueza. O instrumento mais perfeito que herdamos de nossos pais em cujo

    aperfeioamento colaboram incontveis geraes desde a origem da humanidade, ou,

    talvez, at alm dessa origem. Ela encerra em si toda a sabedoria da raa humana3. Mas,

    de que forma recebemos essa herana?

    3 FLUSSER, Vilm. Lngua e Realidade, p. 36-37.

  • 18

    1.1.1. Culturalismo

    Numa viso culturalista, dada uma certa condio humana biologicamente j

    determinada, as estruturas lingsticas se desenvolveram com base na cultura. A lngua

    carrega todo o processo histrico de uma civilizao. Nas palavras de Flusser, A lngua,

    tal qual a somos, tal qual ela se derramou at ns para formar-nos, o acmulo de toda a

    sabedoria, de todo o esforo criador, de todas as vitrias e de todas as derrotas dos

    intelectos que nos precederam, Todos os nossos pensamentos, dos quais nos compomos,

    carregam a marca de nossos antecessores, tanto em seus conceitos (palavras) como em sua

    estrutura4. O referido autor considera a lngua como processo histrico criador5, isto ,

    Cada palavra, cada forma gramatical no somente um acumulador de todo o passado,

    mas tambm um gerador de todo o futuro6.

    1.1.2. Geneticismo

    Por outro lado, o Geneticismo afirma que a evoluo lingstica se deu com

    base na gentica. Recebemos pelos genes de nossos pais no s a cor dos olhos, o

    formato do rosto, e outras tantas caractersticas morfolgicas , mas tambm a aptido

    lingstica. Esta como a viso para o falco, a velocidade para o guepardo e o veneno

    para a cascavel , numa viso darwiniana, dota-nos de uma vantagem biolgica

    selecionada ao longo de incontveis geraes, do pr-humano ao homo sapiens. A

    linguagem assim como a viso, a audio, a estrutura muscular, etc constitui um rgo

    ou um sistema orgnico constitutivo do corpo biolgico do homem. Nas palavras de

    Chomsky, ...a faculdade de linguagem entra de modo crucial em cada um dos aspectos da

    vida, do pensamento e da interao humanos. Ela , em grande parte, responsvel pelo fato

    de, sozinhos do universo biolgico, os seres humanos terem uma histria, uma diversidade

    e evoluo cultural de alguma complexidade e riqueza, e mesmo sucesso biolgico, no

    sentido tcnico de seu nmero ser enorme7.

    1.1.3. Uma posio unificada

    Enquanto a evoluo biolgica transferida de gerao a gerao por meio de

    marcas genticas, a evoluo cultural conduzida por registros lingsticos, que se

    4 FLUSSER, Vilm. Lngua e Realidade, p. 188. 5 Ibid., p. 196. 6 Ibid., p. 199. 7 CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente, p. 18.

  • 19

    acumulam. H um paralelo, em ambos os casos, entre evoluo e diversidade. Organismos

    biolgicos evoludos so geneticamente mais complexos. De igual sorte, sociedades

    evoludas so diversificadas cultural e linguisticamente. O mesmo se diga do direito. Em

    uma sociedade mais evoluda, apresentar maior complexidade.

    O Universo caminha do simples para o complexo, do homogneo para o

    heterogneo. No incio, s hidrognio. Bilhes de anos se passaram para que, no interior de

    estrelas, a fuso nuclear formasse novos e variados tomos. A multiplicidade atmica

    viabilizou a ascenso a um novo patamar: o da complexidade qumica. Somente quando o

    Universo ascendeu diversidade qumica, foi possvel atingir novo estgio: o da

    complexidade biolgica; a qual, mediante mais um longo processo, gerou um ser dotado de

    aparato orgnico a linguagem capaz de possibilitar mais uma ascenso: a diversidade e

    complexidade cultural. No por acaso, Noam Chomsky encontra similaridades entre a

    qumica e a lingstica, uma vez que estudam como certos elementos simples so aptos

    para edificar estruturas mais complexas8.

    Nesse processo de ascenso da complexidade, vale destacar ainda a conquista

    da linguagem escrita que potencializou ainda mais a diversidade cultural; impossvel

    mediante linguagem exclusivamente oral. nesse contexto que encontramos o direito,

    nosso foco especfico de investigao.

    1.2. SEMITICA

    A linguagem nosso paradigma e a Semitica, o instrumento para dela nos

    aproximar. Numa viso ampla, Winfried Nth afirma que Semitica a cincia dos

    signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na cultura9. Todavia, a

    seguir reconhece, Essa definio no , porm, aceita por todos os estudiosos da rea.

    Vrias escolas da semitica preferem definies mais especficas e restritas10, dentre as

    quais esto as que se preocupam apenas com a comunicao humana, como a Semitica de

    Umberto Eco para quem no h signos na natureza; o objeto de estudo deveria se constituir

    apenas das mensagens intencionais.

    8 CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente, p. 66: A qumica e a lingstica tm muitas semelhanas. Na verdade, elas surgiram mais ou menos ao mesmo tempo meados do sculo XVII , no sentido moderno. Ambas esto estudando como coisas simples formam estruturas complexas. E estamos tentando descobrir quais so essas coisas simples e quais so os princpios de combinao e de interao. 9 NTH, Winfried. Panorama da Semitica, p. 17. 10 Ibid.

  • 20

    As duas principais escolas da Semitica so fundadas pelos estudos de Peirce

    e de Saussure.

    Peirce adota um sentido universal para a sua Teoria, a qual abarca inclusive os

    signos naturais, como o trovo que anuncia a tempestade. Tal abrangncia no

    compartilhada pelos estudos de Saussure, cuja principal preocupao foi a de aferir os

    aspectos diferenciadores entre a linguagem e os demais sistemas sgnicos. Dentre tais

    aspectos est o da arbitrariedade, que assume o centro de sua Teoria. Tambm merecem

    destaque as concepes de sistema e de estrutura lingstica; alm do signo arbitrrio, so

    traos distintivos da linguagem, a manifestao como instituio social e a sua

    imutabilidade.

    Por outro lado, no adotaremos o modelo de signo de Saussure. Cremos ser

    superior o de Peirce, por ser mais amplo e, assim, capaz de abarcar sutilezas que julgamos

    relevantes para o estudo da linguagem jurdica.

    Nessa linha de abordagem, no poderemos olvidar a Escola de Paris, em

    especial Greimas, um dos mais influentes estruturalistas do sculo XX, cujos estudos

    certamente inspiraram significativas contribuies Teoria do Direito, como o processo

    gerativo de sentido da norma jurdica proposto por Paulo de Barros Carvalho.

    1.3. SIGNO

    Nas palavras de Fiorin, podemos encontrar uma singela, mas esclarecedora

    definio de signo: ...as frases so signos, os textos so signos, qualquer produo

    humana dotada de sentido um signo11.

    Todavia, o conceito de signo sobremaneira mais complexo. Como nos

    adverte Lcia Santanella12, s na obra de Peirce so encontrados cerca de uma centena de

    definies do termo signo, muitas das quais aparentemente contraditrias entre si. Em

    verdade, tantas definies tiveram a finalidade de destacar as mltiplas facetas desse

    fenmeno.

    11 FIORIN, Jos Luiz. Teoria dos signos, pg. 60. 12 SANTAELLA, Lcia. A teoria geral dos signos, p.22.

  • 21

    A definio mais singela Signo alguma coisa que representa algo para

    algum, por ser excessivamente simplificadora, ao revs de clarificar o tema, encobre a

    complexidade do fenmeno.

    Essa definio apresenta um erro recorrente: o de que o signo representa algo

    para algum. Tal concepo consta da Teoria de Peirce, mas segundo Santanella em razo

    de ter receio de que sua Teoria, sobremaneira abstrata, seria incompreensvel para a poca.

    Assim, reduziu provisoriamente a preciso com o fim de ser compreendido.

    Nada obstante, o signo apresenta carter independente de qualquer eu

    individual. uma unidade lgica cuja forma se traduz por estar no lugar de.

    Peirce apresenta trs modalidades de signos13: (i) o cone, quando h uma

    relao qualitativa com o seu objeto (ex. uma placa de trnsito, cujo signo similar ao

    formato da curva sobre a qual pretende avisar); (ii) o ndice, quando h uma relao factual

    com o objeto (ex. a fumaa ndice do fogo); e (iii) o smbolo, quando a relao com o

    objeto de carter convencional.

    Apesar de no haver linguagem, nem a escrita, que se manifeste por meio de

    um s tipo de signo (a expresso curva em S, por exemplo, apresenta carter icnico e

    simblico), concentrar-nos-emos nos convencionais, pois o direito positivo

    fundamentalmente simblico. Em razo disso, alm das lies de Peirce, valer-nos-emos,

    dentre outros, das lies de Saussure, uma vez que sua Teoria estabelece o grande modelo

    semitico do sculo XX no peirceano, isto , o Estruturalismo, que se esteia na

    arbitrariedade do signo.

    1.4. O TRINGULO SEMITICO

    Adotamos o modelo tridico de Peirce por ser superior ao didico de Saussure

    ao conceber o objeto como integrante do signo.

    Segundo as lies de Winfried Nth, o signo na formulao tridica

    encontrado j nos estudos de Plato como composto pelos seguintes componentes: (i) o

    nome, (ii) a idia e (iii) a coisa. Para Plato, porm, a idia adquire concretude diversa da

    mera existncia na mente humana.

    13 Em verdade, so vrias as classificaes de signos apresentadas por Peirce. Todavia, para nossos propsitos no utilizaremos todas.

  • 22

    Para os Esticos, o signo tambm se estrutura por meio de trs componentes:

    (i) o significante, (ii) a significao ou significado e (iii) o evento ou objeto. O segundo

    apresenta-se como uma entidade no-corporal, enquanto os demais como entes materiais.

    J os Racionalistas dos Sculos XVII e XVIII apresentavam o signo como

    entidade didica composta por duas entidades imateriais significante e significado.

    Segundo Winfried Nth, Em contrapartida tradio estica, que tinha postulado a

    materialidade desse aspecto do signo, a contribuio revolucionria da semitica de Port-

    Royal est na descrio do significante como imaterial, como idia de uma tal coisa14.

    Essa contribuio d um passo relevante. O signo categoria semitica e,

    portanto, lingstica. Est, assim, por completo num cenrio intersubjetivo. Nenhum de

    seus componentes apresenta materialidade, ou seja, pode ser identificado com algo no

    mundo exterior prpria linguagem.

    O signo corresponde juno de trs aspectos: (o) o referente, (ii) o conceito,

    e o (iii) suporte de significao. Cada um desses aspectos no tem uma realidade fsica.

    No so ontologicamente determinveis, mas apresentam uma relao com coisas

    ontologicamente determinveis: (i) o objeto em si, (ii) os contedos de conscincia, e

    (iii) as marcas grficas.

    Trs so aspectos de uma categoria lingstica e cada qual se relaciona com

    coisas em si. Duas delas so, nas palavras de Popper15, de ontologia de terceira pessoa e

    uma de ontologia de primeira pessoa.

    1.4.1. O significante

    Como nos relata Nth16, so vrias as terminologias empregadas para designar

    esse critrio do signo, tais como smbolo, veculo do signo, significante e expresso.

    Na verdade, o prprio termo signo tem sido empregado de forma ambgua,

    inclusive por Tericos como Peirce: ora para designar a entidade tridica, ora para nomear

    esse de seus trs aspectos.

    O significante originalmente concebido como uma entidade fsica, o que ainda

    adotado por pensadores mais recentes, como Morris17, foi, contudo, a partir da semitica

    de Port-Royal, concebido como uma entidade no material, mas sim mental. 14 NTH, Winfried. Panorama da Semitica, p. 41. 15 POPPER, Karl Raimund. O eu e seu crebro, p. 27. 16 NTH, Winfried. Panorama da Semitica, p. 66.

  • 23

    Esse aspecto a distino entre a entidade fsica e a mental costuma ser

    desprezado no estudo da linguagem. Ignora-se o processo que leva um registro grfico a

    ser identificado pela mente humana como significante.

    Geralmente s nos apercebemos da distino no caso de dificuldades no

    processo mental de elaborao do significante. Podemos constatar que esse um problema

    com que nos deparamos a todo instante. Em geral, no compreendemos as receitas escritas

    por mdicos, mas o profissional da farmcia sim. comum a dificuldade de leitura de

    professores ao corrigirem as provas escritas de seus alunos. No por acaso, nas avaliaes

    escritas dos candidatos a professor da USP, suas redaes so lidas em pblico pelo

    prprio candidato diante da banca examinadora. O mesmo problema (dificuldade na

    constituio mental do significante) ocorre na linguagem oral. A dificuldade de apreender

    uma nova lngua no est apenas nos aspectos sintticos, semnticos e pragmticos, mas

    tambm em compreender quais palavras e frases foram pronunciadas pelos nativos do

    idioma. Por exemplo, para adultos que dominam com desenvoltura a leitura em alfabeto

    latino (que o mesmo da lngua portuguesa e da inglesa), dominar a leitura da lngua

    inglesa processo mais simples que aprender a compreenso em linguagem oral, em razo

    da dificuldade de converter os sons em significantes.

    Nos estudos jurdicos, essa questo lingstica no tem sido investigada pela

    simples razo de que nosso direito escrito, alis, em texto padronizado (graficamente

    mecanizado). Nada obstante, tema que deveria merecer mais ateno especialmente na

    Teoria da Prova, pois sua forma de produo sobremaneira livre em relao a de

    elaborao de diplomas normativos.

    A seguinte passagem de Chomsky ilustra bem a distino entre suporte

    ftico e significante, Suponhamos que a biblioteca tenha dois exemplares de Guerra e

    Paz de Tolstoi e que Pedro pegue emprestado um e Joo o outro. Pedro e Joo pegaram o

    mesmo livro ou livros diferentes? Se atentarmos para o fator material do item lexical,

    pegaram livros diferentes; se focalizarmos seu componente abstrato, pegaram o mesmo

    livro18, mas traz mais uma importante sutileza. O significante no material e tambm

    no mental. Caracteriza-se como uma entidade abstrata e, portanto, intersubjetiva. Alis,

    todos os vrtices do signo possuem essa mesma natureza; da a sua complexidade e a

    17 NTH, Winfried. A Semitica do Sculo XX, p. 30. 18 CHOMSKY, Noam. Linguagem e mente, p. 33.

  • 24

    dificuldade para compreenso. Deixamos, pois, para o tpico sobre a semiose, a

    abordagem mais minuciosa sobre esse ponto.

    1.4.2. O referente

    Tambm h vrias designaes para esse aspecto do signo: objeto, referente,

    coisa; e a mesma dicotomia entre aspecto interno do signo e algo no mundo exterior est

    presente. Nas palavras de Correas, O referente ou denotatum das palavras a parte do

    mundo exterior sobre a qual o emissor do signo acredita poder dizer algo. E prossegue, o

    referente sempre uma construo cultural e no uma coisa ou um fenmeno19.

    Um exemplo interessante a Cidade de Jerusalm. Na verdade, h um objeto-

    em-si, composto por tijolos, argamassa, casas, etc., mas so referentes completamente

    distintos para os povos islmicos (chamado de Al-Quds) e para os judaico-cristos, o que

    gera conflitos, pois no falam sobre o mesmo referente, apesar da identidade do objeto-em-

    si. Num outro exemplo, apanhado do Poeta Octavio Paz, Cada lngua uma viso de

    mundo, cada civilizao um mundo. O sol celebrado em um poema asteca no o sol do

    hino egpcio, apesar do astro ser o mesmo20 (traduo nossa).

    A mesma dicotomia foi constatada por Paulo de Barros Carvalho, Estudando

    o fenmeno da percepo, a Semitica avana no sentido de aprofundar a relao entre o

    sujeito do conhecimento e o objeto que pretende conhecer. H dois tipos de objetos: o

    imediato e o dinmico... O objeto dinmico tem autonomia, enquanto o imediato s existe

    dentro do signo. Mas, uma vez que no temos acesso ao objeto dinmico a no ser pela

    mediao do signo, o objeto imediato, de fato, aquele que est dentro do signo, que nos

    apresenta o objeto dinmico. Este, por no caber dentro de um s signo, pode ser

    representado de infinitas maneiras, atravs dos mais diversos tipos de signos. As

    determinaes do objeto dinmico so infinitas, de modo que os signos, individualmente

    considerados, representariam algumas delas21.

    Tal assertiva de Paulo de Barros Carvalho assenta-se na Semitica de Pierce.

    Nas palavras originais desse Terico, temos que distinguir o Objeto Imediato que o

    Objeto tal como o prprio Signo o representa, e cujo Ser depende assim de sua

    19 CORREAS, scar. Crtica da ideologia jurdica: ensaio scio-semiolgico, p. 47. 20 PAZ, Octavio. Translation: literature and letters, p. 153: each language is a view of the world, each civilization is a world. The sun praised in an Aztec poem is not the sun of the Egyptian hymn, although both speak of the same star. 21 CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurdicos da incidncia, p. 90-91.

  • 25

    Representao no Signo, e o Objeto Dinmico, que a realidade que, de alguma forma,

    realiza a atribuio do Signo sua Representao22. Alis, relevante citar que a

    denominao Objeto Dinmico, ao revs de Objeto Real, foi empregado por Pierce,

    porque tal objeto pode no estar no mundo23. Pode ser real como uma rocha ou uma rvore,

    mas tambm ideal como o crculo e o tringulo, ou mesmo imaginrio como o centauro e a

    sereia.

    Na verdade, s temos contato com o objeto imediato. Temos a convico de

    que o objeto dinmico apresenta essa ou aquela natureza real, ideal e imaginria. Tal

    convico, contudo, jamais se configura como uma certeza apodctica. rvores realmente

    existem? Sereias, de fato, nunca existiram? Tringulos no apresentam concretude?

    Somos inclinados a responder cada uma dessas indagaes com respostas

    taxativas: rvores existem!, sereias no!, e tringulos so entidades abstratas! No entanto,

    podemos formular mais uma: Moiss, lder judeu que libertou seu povo do jugo egpcio e o

    conduziu terra prometida, como narrativa do Velho Testamento, foi realmente um ser

    real ou no passa de um ente imaginrio?

    Se no quisermos enfrentar narrativas de cunho religioso, podemos tambm

    perguntar: e Scrates? Que certeza essa que nos permite afirmar: Scrates existiu!?

    S h uma resposta: o objeto imediato Scrates existe e se relaciona com

    um objeto dinmico supostamente real. O mesmo devemos afirmar quanto aos demais:

    h objetos imediatos que se relacionam com objetos supostamente ideais e imaginrios.

    Segundo, Santaella, o objeto de um signo no necessariamente algo que

    poderamos conceber como um individual concreto e singular: ele pode ser um conjunto ou

    coleo de coisas, um evento ou ocorrncia, ou ele pode ser da natureza de uma idia ou

    abstrao ou um universal. Pode ser qualquer coisa, qualquer que seja, sendo que nada

    a governado por qualquer suposio a priori24.

    Para Peirce (apud Santaella), Um signo pode ter mais de um Objeto. Assim a

    sentena Caim matou Abel, que um Signo, refere-se pelo menos tanto a Abel quanto a

    22 PEIRCE, Charles Sanders. Semitica, p. 177. 23 Ibid., p. 168: Devemos distinguir entre o Objeto Imediato i.e., o Objeto como representado no Signo e o Objeto Real (no, porque talvez o Objeto seja ao mesmo tempo fictcio; devo escolher um termo diferente), digamos antes o Objeto Dinmico que, pela natureza das coisas, o Signo no pode exprimir, que ele pode apenas indicar, deixando ao intrprete a tarefa de descobri-lo por experincia colateral (destaques originais). 24 SANTAELLA, Lcia. A Teoria Geral dos Signos, pg. 15.

  • 26

    Caim, ainda que no a encaremos como deveramos encar-la, isto , como tendo um

    assassino na qualidade de terceiro Objeto. O conjunto de objetos por ser visto como

    compondo um Objeto complexo25.

    Em geral, os signos so estudados como entidades de apenas um objeto

    simples, singelo, particular. Isso, porm, apenas um procedimento simplificador para

    reduzir dificuldades de anlise. Assim, no s palavras, mas tambm frases e textos

    inteiros por maiores que sejam, como uma enciclopdia completa, podem ser considerados

    signos com mltiplos objetos, no caso, com objetos complexos. Em verdade, no h limites

    para a complexidade do objeto; at todo o discurso produzido pelo homem, por todas as

    civilizaes, ao longo de toda a histria, pode ser considerado como um nico signo

    composto por um s referente. Dessarte, o ordenamento como um todo pode ser visto

    como um nico signo, o que ser mais adiante mais minuciosamente analisado.

    1.4.3. O Significado

    Mais uma vez, encontramos vrios nomes para esse aspecto: significao,

    significado ou mesmo interpretao. Peirce adotou esses vrios termos, mas o mais

    consagrado em sua Teoria o de interpretante, ao qual nos deteremos mais adiante.

    Esse vrtice, assim como os anteriores, apresenta uma concepo dicotmica,

    como na seguinte lio de Pierce: Quanto ao Interpretante, devemos distinguir,

    igualmente, em primeiro lugar, o Interpretante Imediato, que o interpretante tal como

    revelado pela compreenso adequada do prprio Signo, e que normalmente chamado de

    significado do signo; enquanto que, em segundo lugar, temos de observar a existncia do

    Interpretante Dinmico, que o efeito concreto que o Signo, enquanto Signo, realmente

    determina26.

    O interpretante dinmico so os contedos de conscincia, enquanto o

    interpretante imediato corresponde ao significado, este sim interior ao signo.

    Desde a mais tenra idade, nossos pais e parentes mais prximos apontam para

    objetos das mais diversas formas e dizem carro vermelho, casa vermelha, caneta

    vermelha e assim por diante. Passamos a identificar algo em comum entre esses mais

    variados objetos e a denominamos por vermelho. Da, compartilhamos com nossos pais e

    com toda a comunidade que compreende a lngua portuguesa esse signo.

    25 SANTAELLA, Lcia. A Teoria Geral dos Signos, p. 34. 26 PEIRCE, Charles Sanders. Semitica, p. 177.

  • 27

    Podemos, sem apontar, mas apenas por meio de um ato de fala, conseguir que

    um outro falante do portugus v buscar um determinado objeto vermelho no meio de

    outros tantos azuis pelo simples fato de compartilharmos o mesmo signo lingstico.

    Essa distino no singela. Somos levados a crer que o conceito subjetivo de

    vermelho exatamente o mesmo para cada um dos indivduos e a tal conceito

    convencionamos vincular a palavra vermelho.

    Vamos imaginar hipoteticamente, porm, que ao nascermos, foi afixado em

    nossa retina um dispositivo tal que, ao observarmos algo vermelho, o artefato transmite ao

    nervo tico o sinal equivalente do azul e ao observarmos o azul o inverso se processa.

    Assim, sempre que visualizarmos um objeto vermelho, veremos azul, mas nossos pais

    diro vermelho. E sempre que observarmos algo azul, veremos vermelho, mas nossos pais

    diro azul. Assim, ainda que no compartilhemos o conceito subjetivo (sensao) do

    vermelho, nem do azul, com nossos pais e nem com as demais pessoas da comunidade

    lingstica, a lngua ser perfeitamente operativa. Nada, nenhum teste lingstico, ser

    capaz de identificar que os aspectos subjetivos de nossa sensao visual diferem dos

    demais atores comunicativos.

    Apesar de os contedos de conscincia diferirem, necessrio para os atos

    comunicacionais serem eficazes, que o emissor e o receptor tenham algo em comum.

    Nunca teremos a certeza apodctica se o contedo de conscincia da sensao de vermelho

    de um dado receptor idntico ao nosso, mas saberemos se ele compartilha o mesmo

    conceito de vermelho se ao ordenar que pegue um dado objeto vermelho dentre outros de

    cores diferentes, ele trouxer o correto. H um conceito de vermelho por ns compartilhado,

    que no se confunde com nossos contedos individuais de conscincia; a est a dicotomia

    do significado.

    1.5. O PROCESSO DE SEMIOSE

    Assim como no trecho de Paz, o significado de uma palavra sempre outra

    palavra. Quando perguntamos, qual o significado desta frase?, a resposta outra frase27

    (traduo nossa); ou na passagem de Santaella, Faz parte da prpria forma lgica de

    27 PAZ, Octavio. Translation: literature and letters, p. 159: ...the meaning of a word is always another word. Whenever we ask, What does this phrase mean? the reply is another phrase.

  • 28

    gerao do signo que ela seja a forma de um processo ininterrupto, sem limites finitos28,

    percebemos que o signo no deve ser compreendido como uma entidade isolada, mas sim

    como uma unidade componente de um todo mais complexo: a semiose.

    A semiose um processo fundamentalmente tridico. No se resolve em

    qualquer das relaes entre pares (significante-significado; significante-referente; ou

    significado-referente). Essa concepo superior para a compreenso do fenmeno sgnico

    e, mais especificamente, comunicacional, no qual est inserido o direito.

    prprio da semiose crescer. Para Santaella, o interpretante realiza o

    processo da intermediao, ao mesmo tempo que herda do signo o vnculo da

    representao. Herdando esse vnculo, o interpretante gerar, por sua vez, um outro signo-

    interpretante que levar frente, numa corrente sem fim, o processo de crescimento29.

    A marcha da semiose jamais chega a termo. Num dado instante, num

    determinado momento histrico, numa fase cultural, a semiose pode at chegar a um fim,

    mas ser sempre provisrio. Diversamente do inseto apanhado pela aranha que ter suas

    partes por ela completamente devoradas, o objeto jamais poder ser completamente

    capturado pela teia da semiose. Aquilo que pensvamos ser definitivo, no nos sacia.

    Veremos a seguir se tratar de parcela de um todo inalcanvel.

    A semiose demonstra a autoreferncia da linguagem, pois nas palavras de

    Santaella, O processo lgico da semiose, especialmente a relao entre objeto e

    interpretante sempre mediada pelo signo, e a introduo do objeto imediato como outra

    inevitvel mediao entre signo e objeto estabelecem uma cadeia regressiva de signos do

    lado do objeto, assim como uma cadeia progressiva de signos do lado do interpretante, de

    modo que os elos contnuos da linguagem se constituem em algo inquebrantvel, para o

    qual no se oferecem sadas30.

    1.5.1. O signo como unidade lgica da semiose

    O signo compe a estrutura lgica da semiose como sua unidade fundamental,

    mas cada um dos aspectos do signo significante, significado e referente tambm so

    signos quando isoladamente considerados. So entidades, portanto, tridicas; e, assim,

    compem os elos da semiose como uma corrente ininterrupta.

    28 SANTAELLA, Lcia. A Teoria Geral dos Signos, p. 18. 29 Ibid., p. 29. 30 Ibid., p. 45.

  • 29

    Como observa Santaella, numa relao tridica genuna, no s o signo, mas

    tambm o objeto, assim como o interpretante so todos de natureza sgnica. Ou seja, todos

    os trs correlatos so signos, sendo que aquilo que os diferencia o papel lgico

    desempenhado por todos eles na ordem de uma relao de trs lugares31.

    O vnculo do signo com o objeto no se d por meio de todos os seus

    aspectos, porque, se assim o fosse, corresponderia ao prprio objeto. signo justamente

    por que no objeto. Uma coisa dizer pegue e estender o brao com uma ma nas

    mos, outra coisa dizer pegue a maa.

    Para exemplificar o processo de semiose e o signo como sua unidade lgica,

    adotemos o signo minha me. H infinitos suportes fsicos possveis MINHA ME,

    minha me, minha me, minha me, minha me etc , alguns dos quais at de

    interpretao (fontica) no imediata, como em minha me; todos, porm, correspondem a

    um nico significante. Esse significante, por si s, tambm um signo, uma vez que

    apresenta um significado e tambm um objeto (o registro grfico).

    Ele, porm, opera para o signo sob enfoque, no como signo que , mas sim

    como significante e se refere a um objeto: a Dona Glria (minha me). Todavia, o que

    esse objeto?

    O objeto uma mulher casada, de estatura baixa e capixaba. Essa resposta,

    com efeito, corresponde ao que realmente a Dona Glria no mundo das coisas? No,

    pois poderamos prosseguir. Casada com quem? Com Seu Manoel. De estatura baixa, mas

    quanto? Um metro e cinqenta e sete centmetros. Capixaba de qual cidade? De Cachoeiro

    do Itapemirim. E assim indefinidamente. A semiose caminha em direo ao objeto por

    meio de um traado ininterrupto de outros signos sem jamais alcan-lo.

    A todo instante posso agregar mais um aspecto semiose na direo do objeto

    para dele me aproximar, sem nele em momento algum tocar.

    O objeto, assim, daquele signo sob enfoque (minha me) no algo no

    mundo das coisas, mas sim um outro signo tambm ou, porque no dizer, toda uma cadeia

    semitica em direo ao inatingvel (mas cognoscvel) objeto dinmico.

    E quanto ao significado?

    31 SANTAELLA, Lcia. A Teoria Geral dos Signos, p. 17.

  • 30

    No o prprio objeto. Evidentemente no o dinmico, mas tambm no o

    imediato. Para o signo sob apreo (minha me), o significado no se apresenta como

    todo e qualquer dos aspectos do objeto (ser capixaba, casada, etc.), mas apenas como uma

    qualidade relacional entre duas pessoas.

    Todavia, posso prosseguir: minha me orgnica? Legal? Ambas? Afetiva?

    As trs coisas, respondo. Mas o quo afetivo? Posso prosseguir uma vez mais. Enfim, a

    cadeia semitica tambm se perpetua em direo ao significado atravs de outros tantos

    signos (infinitos) na direo de um significado final, tambm inatingvel como o objeto

    dinmico.

    O direito sofre o mesmo processo.

    1.5.2. Os trs nveis do interpretante

    Como j visto, o significado tambm apresenta um nvel intra-signo e outro

    exterior, ou seja, ontolgico. So os, na terminologia peirciana, interpretante imediato e

    dinmico. Em verdade, contudo, ao aplicar a mesma dicotomia a esse vrtice semitico,

    Pierce no se deu por satisfeito. Para ele h ainda um terceiro interpretante. Nas suas

    palavras, Uma distino similar pode ser feita em relao ao Interpretante. Mas, em

    relao a esse Interpretante, a dicotomia no suficiente de modo algum32.

    Sua Teoria est esteada num interpretante sob estrutura tricotmica. Alm do

    interpretante imediato, do interpretante dinmico, h, segundo suas convices, o

    interpretante final33.

    Entender a Semitica de Peirce passa necessariamente por compreender o seu

    escalonamento dos interpretantes no processo de semiose. Como destaca Lucia Santaella,

    ... impossvel se chegar a entender a concepo de signo em Peirce sem uma viso

    rigorosa e elucidadora da noo de interpretante34; e prossegue: ...o interpretante no o

    32 PEIRCE, Charles Sanders. Semitica, p. 168. 33 Vale destacar as prprias palavras de PEIRCE, Charles Sanders; Semitica., p. 168: ...suponhamos que eu acorde de manh antes de minha mulher e que, a seguir, ela desperte e pergunte Como que est o dia, hoje?. Isto um signo cujo Objeto, tal como est expresso, o tempo naquele momento, mas cujo Objeto Dinmico a impresso que eu presumivelmente extra do ato de espiar por entre as cortinas da janela. E cujo Interpretante, tal como expresso, a qualidade do tempo, mas cujo Interpretante Dinmico a minha resposta pergunta dela. Mas, alm desse, existe um terceiro Interpretante. O Interpretante Imediato aquilo que a Pergunta expressa, tudo aquilo que ela imediatamente expressa,e que eu enunciei imperfeitamente acima. O Interpretante Dinmico o efeito real que ela tem sobre mim, seu intrprete. Mas a Significao dela, ou o Interpretante ltimo, ou Final o objetivo de minha mulher ao fazer a pergunta, qual o efeito que a resposta ter sobre seus planos para aquele dia. 34 SANTAELLA, Lcia. A Teoria Geral dos Signos, p. 61.

  • 31

    resultado de uma atividade subjetiva. O signo no um ente vazio e passivo dependente de

    um ego individual que, por um ato interpretativo, venha introjetar no signo o que lhe falta,

    isto , o interpretante. Ao contrrio, ele capaz de determinar o interpretante porque

    dispe do poder de ger-lo, ou seja, o interpretante uma propriedade objetiva que o signo

    possui em si mesmo, haja um ato interpretativo particular que a atualize ou no; uma

    criatura do signo que no depende estritamente do modo como uma mente subjetiva,

    singular possa vir a compreend-lo35; ademais Embora essas afirmaes, primeira

    vista, possam soar de maneira aversiva ao leitor (uma vez que elas criam a impresso de

    que o signo uma criatura auto-suficiente que independe do uso que os homens dele

    fazem) no custa lembrar que nascer, para ns, no seno chegar e encontrar o universo

    da linguagem coletivamente j em curso e que este curso no depende de cada uma de

    nossas experincias individuais36; mas a seguir arremata A noo de interpretante no

    significa, porm, que no existam atos interpretativos particulares e individuais37.

    Apesar dessa tricotomia do interpretante ser um dos temas da Teoria de Peirce

    mais complexos, no totalmente compreendido e ainda bastante controvertido, merece

    nossa ateno, pelo menos quanto a pontos de relativo consenso.

    O interpretante imediato aquele visto em potencial. uma significao

    latente do prprio signo. Se no houvesse tal interpretante, o signo no poderia ser

    identificado como tal. O interpretante dinmico o de mais simples compreenso. Trata-se

    dos contedos particulares de conscincia. o interpretante psicolgico. J o interpretante

    final aquele que atinge o mais alto grau de abstrao. Ele corresponde ao significado final

    do processo de semiose; inatingvel, portanto. Todavia, apesar de a semiose nunca o

    atingir; tende para ele.

    Dessarte, a fenomenologia do interpretante no explicada apenas pela

    contraposio entre um aspecto concreto e outro abstrato, pois so dois os interpretantes ou

    significados abstratos; um, como entidade potencial do signo, algo a ele intrnseco; outro,

    como seu resultado final.

    O significado assume, pois, vrios nveis: desde o concreto, que se caracteriza

    como uma imagem mental individual, portanto; at o mais abstrato como ente

    inalcanvel.

    35 SANTAELLA, Lcia. A Teoria Geral dos Signos, p. 63. 36 Ibid. 37 Ibid.

  • 32

    Em realidade, apesar de sua concretude, o interpretante dinmico o mais

    fugaz dos trs, pois depende do especfico ato de interpretao que se perde at para seu

    realizador , e s deixa marcas para outras pessoas em novos suportes fticos. Se de um

    lado, o interpretante dinmico o menos problemtico dos trs, de outro, o mais efmero.

    Numa analogia com a matemtica, a semiose pode ser comparada soma de

    uma progresso geomtrica de termos infinitos com razo menor que um. O interpretante

    imediato equipara-se frmula, os dinmicos a cada uma das parcelas, enquanto o

    interpretante final ao resultado finito, que s determinado por abstrao e nunca pela

    efetiva soma dos termos da PG. Como os smbolos matemticos no carregam contedos,

    mas apenas formas em seu estado puro, o resultado pode ser determinado. O mesmo no se

    diga, no processo de semiose. Como o interpretante final s pode ser inferido por

    abstrao, no possvel aferir seu contedo. abstrao s dado descobrir formas,

    nunca substncias. O interpretante final a derradeira fronteira para a qual os

    interpretantes dinmicos tendem, mas nunca alcanam. Sua existncia compreendida

    como forma, como um limite ideal, mas no h, em nenhum processo semitico particular,

    como determ