Habit Antes e Habtat: a expansão da fronteira

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Habitantes e Habitat: a expansão da fronteira é o segundo de uma série de livros sobre as vivências sociais dos habitantes das periferias. Esses homens e mulheres precisaram sair de suas localidades de origem para tentar "vida nova" em outra periferia.

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Vol. 2Vol. 2Vol. 2

HabitantesHabitantesHabitantesHabitatHabitatHabitat&&&

Reginâmio Bonifácio de LimaMaria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Lelcia Maria Monteiro de Almeida(Orgs.)

Traços históricos e culturais dos bairrosAyrton Senna, Boa União, Boa Vista, Floresta Sul, Invasão da Sanacre, João Paulo II, Plácido de Castro e Sobral

A Expansão da Fronteira

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Editoração Eletrônica: Reginâmio Bonifácio de Lima

Revisão e Correção Histórica: Regineison Bonifácio de Lima

Capa: Reginâmio / Anderson

Diagramação: Anderson F. da Silva

Impresão:GRAF-SET

Impresso no BrasilFoi feito o depósito legal

Copyrigth © 2007 - @ LIMA, Reginâmio B.; BONIFÁCIO, Maria Iracilda G. C.; ALMEIDA, Lelcia M.M. (Orgs.)

Projeto: Sobre Terras e Gentes: Amazônia em FocoLíder de Grupo: Reginâmio Bonifácio de LimaCoordenadoras: Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio, Lelcia Maria Monteiro de Almeida.Pesquisadores: Cleunilde Silva dos Santos, Leila Gonçalves da Costa, Sâmya Teixeira de Alencar, Antônio Vladimir da Silva Barbosa, Regineison Bonifácio de Lima, Pedro Bonifácio de Lima, José Erivan Gomes Cavalcante e Deusimar da Cruz Albuquerque.

H116 Habitantes e Habitat: A Expansão da Fronteira. Reginâmio Bonifácio de Lima, Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio e Lelcia Maria Monteiro de Almeida (Orgs). Rio Branco: Boni, 2007.

v. 2. il.: Coleção Sobre Terras e Gentes

1. História – Ensaio – Ocupação I. Título

CDU: 981 (813.3)

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus Eterno, que nos capacitou e permitiu a realização deste trabalho, dando ânimo em momentos de angústia, cuidando de seus filhos para que pudessem estar bem e concluir esta obra;À nossas famílias, que nos apoiaram em todo o tempo; Aos funcionários da Biblioteca Pública do Acre por tão prestativamente terem gastado seu tempo, auxiliando na pesquisa das referências;Aos amigos do CDIH e da Biblioteca da UFAC pela tamanha presteza com que nos acolheram;Às bolsistas Selyana G. Cavalcante e Thaylinne C. Andrade pelo empenho nos trabalhos, transcrição de DVD's e coleta de dados;Aos colaboradores Maria Alzerina, Ana Iris e Tiago por ajudarem na coleta de dados para a pesquisa;Ao colaborador Jeferson pelo auxilio nas correções dos textos;Às escolas existentes nos bairros pesquisados pelo apoio e prontidão;Aos amigos da Fundação Garibaldi Brasil pela disponibilização do acervo para pesquisa;Aos amigos do Patrimônio Histórico e Memorial dos Autonomistas pelas fotos cedidas;Aos amigos do Setor de Georeferenciamento da Prefeitura de Rio Branco pelos mapas do setor e de cada bairro em específico;Aos amigos da União das Associações de Moradores de Rio Branco;Aos amigos da Federação das Associações de Moradores do Acre;Aos amigos do Setor de Cadastro Imobiliário da Prefeitura pela ajuda com os Boletins de Cadastro Imobiliário;Aos amigos do Departamento de Água e Saneamento do Acre – DEAS, pelo prestativo atendimento e fotos cedidas;A todos os entrevistados que muito contribuíram com a pesquisa;Aos amigos da Miragina por darem crédito e incentivarem a historiografia acreana;A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a conclusão deste trabalho. Muito Obrigado.

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SUMÁRIO

Prefácio ............................................................................ 07

O Terceiro Eixo Riobranquense e o Mundo ................. 09Reginâmio Bonifácio de LimaRegineison Bonifácio de Lima

Vivências e Andanças Fluídas no Bairro Ayrton Senna ... 25José Erivan Gomes CavalcanteMaria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Boa União: A Conquista de um Sonho ......................... 35Regineison Bonifácio de Lima

Trajetórias e Cotidiano no Bairro Boa Vista ............... 51Cleunilde Silva dos Santos

Alinhavando Histórias no Bairro Floresta Sul ........... 63Lelcia Maria Monteiro de Almeida

Invasão da Sanacre: Águas, Vidas e Vivências ............ 79Leila Gonçalves da CostaMaria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

João Paulo II: Lugares, Pessoas e Histórias ................. 91Lelcia Maria Monteiro de AlmeidaAntônio Vladimir da Silva Barbosa

Vivências e Ideais no Bairro Plácido de Castro ........... 99Pedro Bonifácio de Lima

Trajetórias e Experiências no Bairro Sobral ............. 113Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

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Observações Sobre as Religiões dos Moradores ........ 131Deusimar da Cruz AlbuquerqueReginâmio Bonifácio de Lima

Baixada do Sol: Processos de Ocupação no Início do Século XXI .................................................................... 139Lelcia Maria Monteiro de AlmeidaReginâmio Bonifácio de LimaRegineison Bonifácio de Lima

Vivências e Lazer na “Baixada da Sobral” ................ 143Maria Alzerina Bonifácio da SilvaReginaldo Bonifácio de LimaSelyana Gomes CavalcanteThaylinne Cavalcante de Andrade

O Fluxo de Águas no Rio Acre e as Alagações que Atingem o Terceiro Eixo Riobranquense ............ 155Reginâmio Bonifácio de LimaPedro Bonifácio de Lima

Referências .................................................................... 163

Sobre os Autores ........................................................... 167

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Prefácio

Habitantes & Habitat

Elson Martins disse uma vez que o Acre se constrói como sociedade dos povos da floresta, revolvendo o húmus onde florescem as peculiares manifestações de sua identidade original. Ao ler este livro organizado por Reginâmio Lima, Lelcia Almeida e Iracilda Bonifácio e toda a equipe de pesquisadores é isto que sinto. Vejo Rio Branco se construindo como sociedade de “povos da floresta”, mas se construindo desordenadamente, como filhos órfãos, sem “mãe gentil”, sem governo, gente que não podendo continuar na mata verde que tanto ama, acaba migrando para a cidade em busca de tempos melhores que nunca chegam.

Esse grupo de pesquisadores é formado por estudiosos preocupados em revolver todo o húmus da formação destes bairros: Ayrton Sena, Boa União, Boa Vista, Floresta Sul, Invasão da Sanacre, João Paulo II, Plácido de Castro e Sobral. Eles conseguem com pesquisa minuciosa levantar e tirar deste “húmus” as singulares manifestações da identidade original dos habitantes destes bairros.

Falando das origens de cada bairro, da densidade demográfica, da importância do Rio Acre para seus moradores, da religiosidade desta gente e de seus divertimentos de fim de semana, sempre o leitor pode desfrutar de um magnífico painel de todas as peculiaridades destes bairros. A coragem deste segundo volume de Habitantes e Habitat: A Expansão da Fronteira está em mostrar a trama do cotidiano desta gente, que algumas vezes tem apenas água com farinha como alimentação.

O leitor se depara com uma trama tecida em vários artigos, que envolvem detalhes da vida de cada um, retratam a irreverência dos que se sacrificam até o extremo em busca de uma vida melhor, lutando pelo o que lhes é negado: os direitos mais sagrados tais como ter uma casa, uma terra para cultivar, um emprego, comida na mesa e educação, a valorização pessoal e igualdade de condições e

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Apresentação

de respeito em relação aos outros bairros da cidade. O livro tem a ousadia mesmo de mencionar os descasos das

autoridades para com o local, e de que há muitos aspéctos ainda a serem estudados e pesquisados. Tudo o que já foi dito justifica afirmar que este livro é uma maravilhosa oportunidade de oferecer aos acreanos do século XXI imagens e lições de “florestania” e história.

Profª Drª. Margarete Edul Prado de Souza LopesDiretora do Centro de Educação, Letras e Artes/UFAC

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O TERCEIRO EIXO RIOBRANQUENSE E O MUNDO

Reginâmio Bonifácio de LimaRegineison Bonifácio de Lima

Terceiro Eixo na cidade de Rio Branco. Fonte: Setor de Georeferenciamento PMRB.

Estado do Acre tem uma superfície territorial de 153.149,9 km², o correspondente a 3,2% da Amazônia Obrasileira e 1,8% do território nacional. Com um tamanho

tão gigantesco desses, não deveria haver nenhum problema de falta de moradia para qualquer acreano, ou mesmo para aqueles que não são acreanos por naturalidade, mas de coração. Dados do IBGE davam conta de que a estimativa da população acreana para 1º de

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junho de 2006 foi de 686.652 habitantes, isso corresponde a 4,48 2habitantes/km .

De acordo com dados da Prefeitura, o município de Rio Branco tem uma área de 922.300 hectares e população de 290.639 habitantes (IBGE, 2007), sendo a zona urbana da Capital formada por uma área de 10.873 hectares e população de 226.298

1habitantes , ou seja, aproximadamente 20 habitantes/hectare. A distribuição da população do Terceiro Eixo, de acordo com a Prefeitura de Rio Branco, é de 33.908 habitantes, numa área de 6,9955 km², o que corresponde a uma população de 4.847,11

2habitantes/km , ou seja, 48,47 habitantes/hectare. Assim, percebemos que, enquanto a média da zona urbana de Rio Branco é de 20,81 habitantes/hectare, no Terceiro Eixo, o número excede o dobro, com 48,47 habitantes/hectare. Isso porque não estamos levando em conta a área de mais de 100 hectares no bairro Floresta Sul, que não era habitada até maio de 2007, e, hoje, encontra-se em fase de ocupação por cerca de duas mil famílias. Se desconsiderássemos esse “vazio urbano do bairro Floresta Sul”, o número de habitantes por hectare, no Terceiro Eixo Expandido, seria de 56,55 habitantes/hectare, o triplo da média urbana riobranquense.

Na relação de vivências e concepções das sociabilizações no ambiente urbano, podemos verificar que a cidade de Rio Branco, uma das 26 capitais dentre os Estados de nossa República Federativa, tem seu Índice de Desenvolvimento Humano - IDH - muito baixo se comparado às outras cidades do Brasil. Se no IDH de Rio Branco atualmente se apresenta na posição 1.767º do ranking nacional é porque faltam políticas e investimentos voltados para os setores sócio-culturais, governamentais, industriais/comerciais. Evidentemente, não somente nessas três esferas, mas também em todas as que se encontrem seres humanos envolvidos em atividades voltadas para o benefício da sociedade. Isolados ou não, todos interagem em sociedade, e, como seres humanos, merecem respeito.

Se esse IDH fosse medido também por localidades isoladas nas cidades, como estariam os 16 bairros que formam o Terceiro

O terceiro eixo riobranquense eo mundo

1 Dados da Secretaria Municipal de Planejamento/PMRB – 2003.

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Eixo Expandido de Rio Branco? Possivelmente, pelas condições que ainda se apresentam, assim como os demais bairros periféricos desta cidade e do interior deste Estado, com certeza, o resultado para toda essa área periférica seria de um índice menor que o da cidade de Rio Branco.

Se pensarmos Rio Branco em seu IDH correlacionando-a a outras cidades do país, consideramos que deveria ficar, no mínimo, em 26º lugar, na “lanterna das Capitais”. Sabemos que existem outras grandes cidades com boa qualidade de vida, por isso, até aceitaríamos que Rio Branco ficasse entre as 100 melhores. Seria ótimo. Mas, infelizmente, a cidade está em 1.767º lugar, ou seja, muito longe do mínimo aceitável para uma cidade que valorize sua população.

É interessante estudar essas relações em um âmbito maior, vendo a cidade e o local em relação ao país porque podemos retornar um pouco no tempo e compreender a gigantesca crise econômica que o país enfrentava em fins da Ditadura Militar e anos proximamente posteriores. A lógica do discurso na década de 1980 era a seguinte: “a situação está ruim para todos”. Porém, a chamada camada mais pobre da população estava passando por maiores dificuldades que as camadas mais abastadas.

Um exemplo dessa crise foi o que ocorreu em meados dos anos de 1980, quando em cerca de dois anos foram assinados pelo ministro do Planejamento Delfim Netto sete cartas de intenção com o FMI, com sucessivas solicitações de pedidos de retratação porque as metas diante do Fundo Monetário Internacional não foram cumpridas, sendo que destas sete, o FMI recusou exatamente a sétima carta, suspendendo os empréstimos ao Brasil.

O último ano da década, 1989, teve uma inflação acumulada de 1.782,90%. Para exemplificar, resolvemos criar uma “situação hipotética”: se em 1º de janeiro de 1989 uma lata de óleo custasse Cr$ 25.000,00 (vinte e cinco mil cruzeiros), em 31 de dezembro de 1989, essa mesma lata de óleo, do mesmo fabricante, custaria Cr$ 470.725,00 (quatrocentos e setenta mil, setecentos e vinte e cinco cruzeiros), ou seja, 18,82 vezes mais caro num

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período de 365 dias; um verdadeiro absurdo inflacionário. Agora, imagine a força que essa inflação tinha numa relação de custo e consumo entre os habitantes que moravam no centro da cidade, comparados com os que habitavam nas “periferias”. Nas áreas mais afastadas do centro, a situação era ainda mais difícil, pois era comum os comerciantes aumentarem os preços dos produtos pelo fato de já comprarem de “atravessadores”, além da necessitarem aumentar a margem de ganho para continuar suprindo seus respectivos estabelecimentos comerciais.

A década de 1980 foi palco de uma enorme crise econômica no país, e a isto podem ser acrescidos, pelo menos, dois fatores: o final de um Regime Militar decadente, sucedido por um processo de “redemocratização” que não contou com o devido preparo da população para as mudanças políticas e sócio-econômicas. Em suma, a prática diferiu em muito do discurso.

O auge do início da migração para o Terceiro Eixo, no início dos anos 1980, foi marcado por uma inflação acumulada que chegava ao patamar de 4.276,49%. Isso fez com que as populações andantes chegassem ao seu novo habitat completamente à beira da miséria, tornando o sonho da casa própria cada vez mais distante e fantasioso. Para o século XXI, diante de uma moeda como o Real, que já alcançou patamares de solidez e uma inflação mais amena, essa grandeza inflacionária é inimaginável. Atualmente, os índices de inflação oficial não chegam nem perto de 10% ao ano, enquanto a taxa básica de juros varia nas proximidades de 13% ao ano e o risco Brasil está abaixo dos mil pontos. Durante os anos de 1980, entretanto, vivia-se uma “inflação galopante”, com juros exorbitantes e o risco Brasil sempre muito elevado.

A cidade de Rio Branco conseguiu se constituir basicamente desta forma: primeiramente chegava uma pessoa de um seringal, ou de uma colônia, logo depois aqueles que haviam ficado para trás, tinham, como primeiro ponto de referência, a localidade dos que haviam ido primeiro se aventurar na cidade. Embora sabendo das precariedades vividas por aqueles que saíam primeiro, não hesitavam e diziam: “Meu parente está bem, lá na capital. Nós vamos também”.

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Os grandes bolsões populacionais de Rio Branco foram se formando assim: muitos iam para o bairro do Bosque, outros para o Quinze, outros para o Cadeia Velha, outros para o Seis de Agosto, e daí por diante. A cidade foi se remodelando com o passar dos anos, foram surgindo bairros como o Bosque, o qual foi se destacando como um dos mais urbanizados, além de outros bairros e conjuntos habitacionais.

A ordenação na ocupação do solo urbano de Rio Branco apresenta certas peculiaridades, como por exemplo, o Conjunto Tucumã, situado no Distrito Industrial, ao qual alguns até chamavam de “outro município” por ser distante do centro. Esse local tornou-se um conjunto nobre, vários benefícios foram implementados ali pela população e pelos governantes, tais como asfalto, ônibus, saneamento básico, energia elétrica e, recentemente, a construção do Parque do Tucumã. Além disso, o Conjunto Habitacional possui localização privilegiada, por situar-se em frente à única Universidade Federal deste Estado. O que, no final dos anos de 1970, parecia ser um possível prejuízo tornou-se área valorizadíssima, e esse é o sonho de cada habitante dos bairros que surgem, “às margens” do centro da capital acreana.

Uma coisa é certa: é necessário que os governos e os governantes, em todas as esferas, repensem as questões sociais que, pela inexistência de políticas públicas eficientes, degradam a sociedade, cerceiam direitos constituídos e levam grupos a se organizarem e se auto-intitularem sem-teto. Esses sujeitos são, antes de tudo, seres humanos que foram excluídos das políticas de repartição das terras, de reforma agrária, de moradia, de emprego, segurança, saúde, educação, e até mesmo da urbanização de cada cidade.

Em meio a tantas possibilidades e conjecturas é que surgem as chamadas habitações “urbanas” na área do Terceiro Eixo. Sabemos que Rio Branco se constituiu há mais de um século e sua trajetória é bem abrangente, contudo, os índices de populações provenientes da zona rural que vieram para as cidades e constituíram os alargamentos das periferias é muito mais recente.

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Rio Branco passou por vários períodos de expansão, dentre eles, podemos citar a fase do Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, ocorrida durante a década de 1970 e início da década de 1980, na área que compõe os bairros Aeroporto Velho, Bahia, Palheiral, Glória, Pista, Bahia Nova, João Eduardo I e João Eduardo II. Contudo, a expansão dessa localidade não se encerrou por aí, após o ano de 1983 surgiram outros bairros na localidade, como expansão dos primeiros e interdependentes uns dos outros, são os bairros Ayrton Senna, Boa União, Boa Vista, Floresta Sul, Invasão da Sanacre, João Paulo II, Plácido de Castro e Sobral.

Rio Branco está passando por uma “adequação” dos bairros em seus conceitos e estruturas – tanto o conceito de bairro quanto o de estruturas estão sendo construídos pelo projeto de Plano Diretor em Rio Branco. Não tivemos acesso ao critério técnico utilizado pela Prefeitura, para a “reorganização dos bairros”, portanto, quando falamos em bairros, lembramos que ainda não existem bairros legalmente constituídos de fato e de direito na cidade de Rio Branco. O Plano Diretor – que servirá para pôr em prática as novas tomadas técnicas, os estudos sobre as mudanças antrópicas e os estabelecimentos oficiais de fomentação de ocupações das áreas urbanas – ainda não foi posto em prática. A primeira parte dele, apresentada ao público, disponível na página da Prefeitura na internet, não apresentava o critério sócio-cultural, indispensável para qualquer tentativa de se trabalhar com os espaços de convivência humana, por isso, acreditamos que foram refeitos os termos e, pelas pressões sociais, o estudo sócio-cultural está, finalmente, sendo elaborado ao mesmo tempo em que este artigo é escrito.

A Prefeitura estabeleceu uma série de estudos e medidas para construir e implementar o Plano Diretor de Rio Branco. Dentre essas medidas, encomendou o estudo de diversos aspectos da cidade, desde regionais, abastecimento de água e saneamento, até a evolução urbana. A partir desses estudos, surgiram mapas

2oficiais que foram disponibilizados ao público e que serão

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2Disponível em www.riobranco.ac.gov.br. Acesso em 29/07/2006.

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considerados por esta equipe de professores/pesquisadores. Todos os mapas têm a assinatura da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas – SEDOP, e foram confeccionados a partir de dados do IBGE, Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Cadastro Imobil iár io e Setor de Georeferenciamento. Mesmo sendo documentos de consulta pública, teoricamente, abertos a qualquer pessoa interessada, esses mapas têm no seu rodapé, em letras minúsculas, quase ilegíveis, uma declaração que garante os direitos serem reservados às instituições que o produziram. Nos mapas está escrito: “proibida a reprodução total ou parcial sem a prévia autorização dos responsáveis pela execução do trabalho”. Assim sendo, ao estudar Rio Branco, enfatizando o Terceiro Eixo e sua expansão, não poderemos fazer uso de recortes ou exposição de qualquer parte desses mapas para ratificar o que dissermos, mas a comprovação pode ser feita por qualquer pessoa que tenha acesso a eles. Iremos estudar e citar os mapas produzidos pela SEDOP, a partir de dados de 2005 e 2006, sem mostrar os mesmos, por questões de direitos reservados de documentação pública.

Na localidade do Terceiro Eixo são encontradas cinco áreas 3que, segundo a Prefeitura, são áreas de loteamentos . Dessas, três

conjuntos de loteamentos constam no bairro Floresta Sul – com uma área aprovada e cadastrada, outra aprovada, e ainda outra que vai do Floresta Sul até o bairro Plácido de Castro, que foi considerada não aprovado; uma outra área de loteamento não aprovado consta no bairro Boa União. Esse bairro é fruto de um loteamento “desestruturado” que foi executado pelos donos da terra, mas sem infra-estrutura básica, o que fez com que a Prefeitura não o reconhecesse como loteamento aprovado. A última área é a dos bairros João Eduardo I e II, que, segundo a Prefeitura, é um loteamento regularizado e aprovado, contudo, a informação não procede, haja vista ter sido fruto de ocupação, conflitos e prelos judiciais, por estar em terras públicas e privadas, objeto de necessidade de uns e cobiça de outros e que, por fim,

3Loteamentos. Plano Diretor de Rio Branco/PMRB – 2006.

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culminou na morte do líder do bairro, João Eduardo do Nascimento.

O sistema de abastecimento de água na região é insuficiente, uma vez que grande parte da expansão dos bairros Sobral, Boa Vista, Ayrton Senna e Floresta Sul sequer contam com

4rede de água . Se por um lado parece haver precariedade no pouco 5abastecimento de água da Regional , o atendimento do serviço de

esgoto é quase inexistente na área da Expansão. Somente algumas poucas ruas dispõem do serviço de encanamento para escoar os dejetos e águas pluviais.

Ao retratar o tipo de pavimentação física existente nas ruas da localidade percebemos que o Terceiro Eixo Expandido não destoa do restante de outras localidades da Capital: a maior parte de suas ruas é feita de chão batido, sendo parte dos logradouros aterrados com barro piçarrado e apenas algumas ruas principais possuem asfaltamento. Apenas o Bairro Aeroporto Velho dispõe de uma melhor infra-estrutura que os demais bairros da chamada Regional VI.

A localidade do Terceiro Eixo Expandido conta com apenas uma via coletora de ônibus, a Estrada da Sobral, por onde passa o ônibus de mesmo nome. São quatro, as linhas de ônibus disponibilizadas para atender um sétimo da população da Capital. Dos ônibus que fazem o percurso para o local, como Bahia/Palheiral, Ginásio Coberto, Floresta e Sobral, o que atende a maior quantidade de usuários da região é o último.

Mas, nem só de mapas se faz a análise da ambiência ocupacional em uma determinada localidade. É necessária a ida a campo, pesquisa bibliográfica, entrevistas, questionários, tabulações, reuniões com lideranças, concepções de como foi modificado o local desde a chegada dos migrantes.

Durante os meses de março, abril e maio de 2007, executamos a aplicação de questionários nos bairros que fazem parte da expansão do Terceiro Eixo; foram aplicados pouco mais de 4Abastecimento de Água. Plano Diretor de Rio Branco/PMRB – 2006.5 Para melhor implementação do Plano Diretor, Rio Branco foi dividida em VII regionais, sendo a regional VI a que comporta os 16 bairros do que chamamos Terceiro Eixo Expandido, excetuando-se o bairro Floresta Sul, que embora faça limite com a maioria dos outros bairros do Terceiro Eixo, tecnicamente, faz parte da Regional V.

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600 questionários nos 08 bairros que compõem a expansão, além de dezenas de entrevistas com moradores da regional. A metodologia utilizada foi a de perguntas semi-dirigidas em questionário previamente elaborado e aplicado aos “chefes” das residências, sejam eles homens ou mulheres, ou a eles em conjunto com seus familiares. Neste caso, não há a necessidade de o “chefe da casa” ou a “chefe da casa” morar lá 23 anos, nem de ser um dos líderes dos bairros, como no trabalho anterior. Após o questionário, as pessoas que demonstraram conhecer um pouco mais aprofundadamente a história de seus bairros, nos prestaram entrevistas e deram detalhes da formação das localidades. Primamos pela pesquisa por amostragem na aplicação do conteúdo, sendo formulados questionários para serem aplicados em apenas doze por cento dos domicílios da região. O critério para escolha dos domicílios foi o de aplicar em uma residência e passar oito, aplicando na seguinte ou na proximamente anterior. Também utilizamos os mapas e dados sobre as modificações antrópicas recentes na Capital, produzidos pelo Setor de Georeferenciamento da Prefeitura Municipal de Rio Branco, além de fotos aéreas das localidades. Contamos, ainda, com dados da UFAC, do Patrimônio Histórico Estadual, do IBGE e da Biblioteca Pública Estadual.

A história sócio-cultural inglesa, de Paul Thompson, continua sendo o foco metodológico de embasamento da pesquisa, assim como no livro Habitantes e Habitat v. I. A partir desse viés teórico, foram observadas as relação de vivências na comunidade do Terceiro Eixo Expandido, o corpus de estudo/análise foi composto e os ensaios foram produzidos. Todos os artigos têm o caráter de ensaio, embora busquemos que estejam próximos à vivência das gentes e das terras que são os sujeitos de nossas pesquisas.

Neste primeiro momento pretendemos mostrar o perfil geral dos entrevistados nas pesquisas executadas, num momento posterior, os professores que compõem o grupo de estudo Sobre Terras e Gentes: Amazônia em Foco irão expor as impressões que tiveram sobre cada um dos bairros.

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Conforme entrevistas realizadas nos oito bairros, percebemos que mais da metade dos entrevistados têm menos de 40 anos, sendo que dois terços são casados e quase 20% ainda se mantêm solteiros.

Um terço dos moradores que se dirigiram para a Regional é proveniente de outras localidades da cidade de Rio Branco, enquanto 18% vieram de Tarauacá e 16 %, de Sena Madureira. Preocupa-nos o fato de haver uma migração constante dessas duas últimas localidades para o setor, por causar um “esvaziamento” no local de origem e um “inchamento” no local de chegada e assentamento dessas populações. Se compararmos os estudos das localidades envolvidas com dados do IBGE/2000, podemos dizer que existem mais tarauacaenses na cidade de Rio Branco que na zona urbana de Tarauacá. O problema não está apenas na migração continuada de Tarauacá, se o fluxo de migração permanecer, Feijó e de Sena Madureira terão aumentados os seus fluxos de migração para Rio Branco.

A maioria absoluta dos domicílios existentes no Terceiro Eixo Expandido de Rio Branco não comporta somente os entrevistados, mas também suas famílias. As casas são “normalmente” feitas de madeira ou de madeira com uma “puxada pra frente” de alvenaria, alguns até com uma “puxada pra trás”, que serve como área de serviço, para fazer o “lavatório de roupa” e o banheiro interno, em alguns casos.

Dos entrevistados, 17% moram com os pais, numa casinha no fundo do quintal, ou num quartinho dentro da residência. Nesse percentual não estão inclusos os filhos que tiveram relacionamento marital e se desquitaram, separaram ou romperam, regressando para a casa dos pais com os filhos pequenos. Os dados apontados referem-se apenas às famílias nucleares convivendo e habitando juntas.

Dois terços das residências possuem água encanada, embora um terço possua poço semi-artesiano ou cacimba, o que demonstra o fato de que mesmo os bairros estando próximos às Estações de Tratamento de Água I e II, ainda assim, não são

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plenamente assistidos por elas. Cerca de 4% das residências não possuem energia elétrica. O número seria maior se estivéssemos levando em conta a rede elétrica, o que não vem ao caso agora. Mas, cerca de 10 % das residências têm sua energia “puxada de rabicho”.

Quase todos os entrevistados disseram possuir residência própria (ainda que a casa de 17% seja no terreno dos familiares), e 6% moram de aluguel. Moram, em média, 4.2 pessoas por domicílio, sendo que em um quinto das casas tem mais de seis moradores. A maioria dos entrevistados tiveram, em média, quatro filhos, embora um terço tenha mais de cinco filhos e 5% tenha mais de dez filhos. Nem todos os filhos moram com os pais, muitos já se casaram e se mudaram. Contudo, um quarto das residências dos entrevistados conta com, pelo menos, um neto morando junto, sendo a média, dois netos por residência.

Mais de um terço dos entrevistados afirmou que antes de vir para o bairro em que atualmente vive, trabalhava de biscate, autônomo ou vendedor, sendo, em sua maioria, os homens que responderam pertencer a essas profissões. Em contrapartida, quase um terço das mulheres eram empregadas domésticas ou trabalhavam no lar sem remuneração financeira.

Atualmente, um quinto das mulheres afirmam estar desempregadas, trabalhando apenas em casa, enquanto entre os homens aumentou a atividade de trabalho informal como biscates e autônomos.

Ao sair para trabalhar, metade dos entrevistados que possuem filhos os deixam aos cuidados de familiares, e 22% os deixam sós, por não terem com quem deixá-los. Eles disseram que se locomovem, principalmente, a pé ou de ônibus para irem trabalhar (54%), contudo, quase um terço vai de bicicleta (28%) para o trabalho. Apenas 11% dos entrevistados têm moto, e, 7% têm carro; na maioria dos casos, esses veículos foram financiados e ainda se encontram em fase de quitação.

Essas populações que vieram para a chamada Regional VI, mostram índices preocupantes relacionados às ocupações e

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trabalhos remunerados. Apenas 31% têm trabalho fixo, com contrato ou carteira assinada, sendo a maioria desse percentual constituída de funcionários públicos. O número de biscateiros é de 34%, são pessoas que vivem de vendas, trabalho informal, camelôs, carpinteiros, pedreiros, empregadas domésticas, “orelhas secas”, picolezeiros e profissões afins. Além desses que informalmente conseguem trabalho, no momento da pesquisa, cerca de 22% dos entrevistados se encontravam desempregados, sendo que, a maioria não conseguia sequer fazer uns “bicos” para ajudar na renda, sendo sustentados por parentes.

Metade dos moradores do local veio para Rio Branco antes de 1982, sendo que, 90% de todos os entrevistados veio antes de 2000, o que mostra um fluxo contínuo de migração no sentido municípios-Capital, desde a década de 1970. Mais da metade desses moradores afirmaram ter vindo para o bairro em que moram, entre 1999 e 2007, ou seja, migraram para Rio Branco, passaram quase uma década em outros bairros, e, depois vieram para formar a expansão do Terceiro Eixo. Um dado interessante é que quase metade das pessoas que formam a expansão do Terceiro Eixo é proveniente de bairros das proximidades, principalmente do Aeroporto Velho, Glória, Pista, Bahia, Bahia Nova, Palheiral, João Eduardo I e II, a outra metade é formada por pessoas provenientes de outros bairros da Capital (29%), de outros municípios (13%) e, para a nossa surpresa, das colônias adjacentes a Rio Branco (11%). A migração de outros Estados e outros países para a Regional cessou quase que totalmente.

Esses homens e mulheres tiveram seus motivos para migrar. Motivos que nem sempre são fáceis de expressar ou entender. Lágrimas nos olhos, muitos relembram com apreço a localidade de onde vieram e sonham voltar para lá. Por outro lado, há os que saíram e não querem voltar mais. São realidades, vivências e relacionamentos que não podem ser tabulados. Ao tentar expressar através de números apenas congelamos memórias, não sendo possível perceber a fluidez dos acontecimentos proporcionada pelos relatos orais.

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Um quarto dos entrevistados afirmou que a vida no local onde moravam não era boa, era problemática ou muito pior. Eles ansiavam por melhores condições de vida. Nesse mesmo contexto de vivências presentes, quase metade dos entrevistados disse que a vida no local anterior era boa, dava para viver. Nesse ponto percebemos que eles mudaram não por querer de anseio voluntário, mas por uma necessidade maior que a “comodidade” existente.

Quase metade dos entrevistados saiu dos bairros de origem em busca de melhores condições de vida. Um quarto dos entrevistados resolveu sair do bairro onde morava porque casou ou porque morava de aluguel. Quando perguntados sobre o motivo pelo qual escolheram morar no local em que residem atualmente, quase metade dos entrevistados afirmou que a escolha se deu por quererem morar perto da família ou por falta de opção. A maioria absoluta dos entrevistados mudou de bairro com a família nuclear, almejando morar mais próximo dos parentes. Nesse ponto percebemos que não é um membro isolado de uma família que resolveu se mudar. Na maioria dos casos, vários integrantes de uma mesma família se mudaram para a mesma localidade ou localidades próximas. A título de exemplo citemos a família “C”. Uma grande família de Tarauacá. Três de seus membros adultos (com cônjuge e filhos) moram no João Eduardo I, um de seus membros mora no bairro Bahia, dois membros moram no João Eduardo II, dois membros moram no Plácido de Castro e outros tantos espalhados pelos bairros riobranquenses.

Um terço das pessoas diz ter encontrado conflito por terra no local em que chegaram. Não estamos falando da década de 1970, estamos falando de anos próximos, como 2001 e seguintes. Conflitos por terra em pleno século XXI, o que demonstra uma falta de políticas públicas na atividade de estruturação dos lotes e terras urbanas na Capital.

O estudo formal seriado ou a falta dele demonstra como está o “nível educacional” dos moradores da localidade: 16% dos adultos “chefes de família” nunca estudaram, 23% sequer concluíram o segundo ciclo do Ensino Fundamental (antigo primário), 10% concluíram o segundo ciclo do Ensino Fundamental (primário completo), 12% não chegaram a concluir o

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quarto ciclo do Ensino Fundamental (antigo primeiro grau), 13% concluíram o quarto ciclo do Ensino Fundamental (Primeiro Grau completo), 22% concluíram o Ensino Médio (antigo Segundo Grau), 3% concluíram alguma faculdade e 1% fez Especialização. Analisar números é algo muito frio, que pode nos fazer esquecer a realidade. Realidade que pode se mostrar dura e preocupante se olharmos com um pouco mais de atenção: 61% “dos chefes e das chefes de família”, não concluíram o Ensino Fundamental, 74% não concluiu o Ensino Médio, e os que concluíram, em sua maioria, são os jovens que se casaram recentemente e foram morar na localidade. A educação, sem dúvida, não é um ponto forte no local.

Quando perguntados sobre o que gostam de fazer para se divertir, quase dois terços dos moradores afirmaram que quando “sobra algum dinheiro”, gostam de fazer churrasco no final de semana para reunir a família e/ou gostam de jogar bola.

Percebemos que as lideranças de bairro atualmente se articularam melhor em relação à expansão das habitações urbanas na localidade que em relação ao movimento de busca por moradia na década de 1970, mostrando que as novas lideranças e os novos presidentes de bairros, surgem dentre os filhos dos migrantes que vieram para a Capital há décadas atrás.

Ainda há um fluxo intenso de troca de moradia nos bairros da chamada Regional VI. Esse fluxo talvez se dê pela falta de apreço ao lugar em que se chegou ou ainda pelo fato de, em alguns seringais, os seringueiros terem se acostumado à vida de mudança entre colocações e/ou pela falta de posses e, quando a localidade é beneficiada com alguma benfeitoria, as pessoas vendem a casa valorizada, usam parte do dinheiro para comprar uma de “qualidade inferior”, em um bairro mais distante e outra parte destinam, muitas vezes, ao sustento dos filhos que se “juntaram e constituíram família”. Mas essas são apenas possibilidades. Todos esses casos ocorrem com freqüência, contudo, não foi nosso objetivo saber qual ocorre mais, nem dizer por qual motivo as pessoas migram tantas vezes em tão diversas situações.

A atividade de grileiros em terras urbanas parece uma constante em Rio Branco, em quase todos os locais de ocupações e invasões, de assentamentos e loteamentos, parece existirem

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pessoas que buscam apenas o benefício próprio, nem que para isso tenha que expropriar outras pessoas. Na expansão do Terceiro Eixo não foi muito diferente, mais da metade dos entrevistados disse ter sofrido com grilagem nas terras onde atualmente vivem ou conhece algum vizinho que passou por esse tipo de situação.

Essas pessoas gostariam de ter encontrado o bairro em que moram com ruas (32%), saneamento (22%) e segurança (20%). Eles até fazem reuniões da associação de moradores, arrumam a rua, limpam a frente das próprias casas, mas não têm dinheiro para fazer o beneficiamento necessário de “urbanidade” nos bairros – tarefa essa que é dever do poder público nas diversas esferas.

Dois dados antagônicos que nos chamaram a atenção estão presentes em um único questionamento. Quando perguntamos por que não mudaram de bairro quando tiveram a chance, 37% dos entrevistados afirmaram gostar do local, enquanto 39% afirmaram, categoricamente, que ainda não tiveram chance.

É comum presenciar atitudes de espanto e preconceito quando alguém, ao ser perguntado sobre onde mora, responde que mora “na Bahia”, “no João Eduardo”, “no Palheiral”, ou em qualquer outro bairro do Terceiro Eixo. A idéia que muitas pessoas têm, de forma geral, é que naquela Regional, conhecida como Regional VI ou Baixada da Sobral, “só mora gente com três 'P's: “Pobre, Puta e Preto”. O que, além de muito preconceituoso e antiético, não condiz com os dados oficiais fornecidos pela Polícia Militar–PMAC.

Em levantamento realizado pelo Centro Integrado de Operações de Segurança Pública – CIOSP, quanto às ocorrências atendidas no ano de 2006, percebemos que os bairros do Terceiro Eixo representaram apenas 13,65% das 62.502 ocorrências atendidas em Rio Branco.

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Natureza de Ocorrências registradas por bairro de Rio

Branco em 2006

Nome do bairro Ocorrência Percentual Nome do bairro Ocorrência Percentual

Aeroporto Velho

1.260

2,02

João Eduardo I 914 1,46

Ayrton Senna

487

0,78

João Eduardo II 510 0,82

Bahia Nova

384

0,61

João Paulo II 99 0,16

Bahia Velha

304

0,49

Palheiral 267 0,43

Boa Vista

171

0,27

Pista

661 1,06

Boa União

321

0,51

Plácido de Castro 211 0,34

Floresta Sul 769 1,23 Sobral 1.802 2,88

Glória 370 0,59 16 bairros 8.531 13,65

Invasão da Sanacre 1 0,00 Rio Branco 62.502 100,00

Fonte: CIOSP/SEJUSP

Segundo dados da PMAC, o lugar onde se registra o maior índice de ocorrências é no Centro (8,89%), seguido do bairro de classe média denominado Bosque (4,34%) e do Taquari (2,91%). Portanto, é certo dizer que o Terceiro Eixo Ocupacional Expandido de Rio Branco – que representa, na atualidade, 14,98% da população urbana riobranquense, e comporta em sua área 17,14% dos domicílios da cidade – está abaixo da média de ocorrências geradas na Capital acreana.

Essas foram algumas informações que trouxemos para que você possa conhecer um pouco mais a localidade de forma geral. No decorrer dos ensaios, será possível obter informações mais detalhadas sobre cada local específico, bem como sua ambiência ocupacional e as vivências neles estabelecidas. Então, convidamos vocês para um passeio no Terceiro Eixo de Ocupação Riobranquense, um lugar tão especial quanto qualquer outro da Capital Acreana. Propomos a você duas opções: sair e conhecer in loco este tão empolgante lugar ou folhear essas modestas páginas para conhecer um pouco mais da geo-sócio-história dessas populações.

Após ter uma idéia inicial do que é o lugar teoricamente, fica mais fácil conhecê-lo. Em papel ou pessoalmente, desejamos que você tenha uma boa viagem. Fique conosco e boas páginas.

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VIVÊNCIAS E ANDANÇAS FLUÍDAS NO BAIRRO AYRTON SENNA

José Erivan Gomes CavalcanteMaria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

yrton! Ayrton! Ayrton Senna do Brasil!AEra assim que Galvão Bueno sempre encerrava os grandes

prêmios de Fórmula 1 quando o notável brasileiro, maior campeão nacional da categoria, cruzava a linha de chegada. Era uma emoção. Milhões de brasileiros na frente da televisão, torciam ao ver a bandeirada marcando mais uma vitória do “herói nacional”,

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Ayrton Senna. Como esses brasileiros, os moradores de uma localidade que se fazia expansão do bairro Sobral também torciam pelo piloto.

O domingo de 1º de maio de 1994 era para ser mais um feriado do Dia do Trabalhador. Muitas pessoas se acomodavam em frente à televisão, enquanto esperavam o início do Grande Prêmio de Fórmula 1, em Ímola. Milhões de brasileiros torciam por mais uma vitória de Ayrton Senna, que tinha acabado de trocar a McLaren, onde ganhou seus títulos na F-1, pela Williams, a então potência da categoria.

Mas o sonho da vitória foi despedaçado na curva Tamburello. Os brasileiros que acompanhavam atônitos pela televisão não acreditavam no que estava diante de seus olhos. Uma batida a mais de 300 Km/h tirou a vida do tricampeão mundial. A morte de Senna chocou o país.

Assim como a morte do campeão Ayrton Senna consternou também vários brasileiros, marcou de forma definitiva os moradores da expansão do Sobral que, aos poucos começavam a erguer seus casebres, em busca de, um dia, também, serem campeões, de conseguirem uma vitória bem simples: realizar o sonho da casa própria e de proporcionar uma moradia digna para os filhos.

Entre sonhos, tristezas e lutas, os moradores dessa área, na época, recém ocupada, resolveram homenagear Ayrton Senna, por considerá-lo um ícone de vitória, liderança e conquista, dando ao bairro seu nome.

Ayrton Senna, um bairro de vivências e andanças fluidas, cujos sujeitos marcados pelo ir e vir anseiam por melhores condições de vida e buscam um lugar do qual possam dizer legitimamente seu. Suas vivências e andanças são tão fluidas quanto o ciclo de águas que atinge a localidade, quando a água sobe, os moradores saem da localidade, quando as águas baixam, eles retornam a suas casas. Na fluidez das águas do rio Acre se constituem, ainda que parcialmente, as trajetórias de vida desses moradores.

Vivências e andanças no bairro Ayrton Senna

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Foto de moradores próximo a suas residências. Durante as cheias do rio a água quase alcança o teto dessas casas.

O bairro Ayrton Senna tem 299.073 m². Limita-se a norte com os bairros Glória e Aeroporto Velho, a oeste com o Boa União, a sul com o Sobral, sendo que nas partes sul e leste limita-se com o rio Acre.

Para melhor entendimento da realidade do bairro no período de sua formação, realizamos pesquisas junto aos moradores buscando colher dados relativos às condições de vida da população – saúde, educação, lazer, dados sobre as condições sociais e econômicas, saneamento básico, etc. A pesquisa foi realizada a partir do mês de março de 2007, sendo que o critério

adotado para a escolha dos entrevistados foi a amostragem. Nosso objetivo, pois, neste ensaio, é compreender o processo de formação e modificação da ambiência ocupacional do bairro pelos moradores.

Ao realizarmos a pesquisa no local, constatamos que a maioria absoluta dos entrevistados desconhece o dono anterior das terras que formam o bairro. Grande parte dos que declararam

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conhecer o dono, afirmaram que as terras eram pertencentes a particulares, e uma minoria afirmou que seriam de propriedade da Marinha; embora saibamos que, juridicamente, as áreas que estão à margem dos cursos de água pertencem oficialmente a Marinha do Brasil.

Por estar situado à margem do rio Acre, o bairro é um dos primeiros atingidos pelas enchentes. A cota de alerta do rio Acre é de 13,5 m. A essa altura grande parte do bairro já foi atingida, principalmente a área situada mais próxima à margem do rio, bem como, a área norte, que faz limite com o bairro Aeroporto Velho.

Vale ainda ressaltar que, pelo fato do bairro ser bastante atingido nas épocas de cheias do rio Acre, muitas residências são postas à venda. Quando indagamos aos moradores acerca do motivo pelo qual permanecem no local, mais da metade afirmou que ainda não tiveram chance de mudar para outro lugar, o que demonstra que esta é uma população cujas vivências são marcadas por andanças fluidas e uma movimentação muito freqüente devido às alagações.

Queremos destacar também, os percalços vividos por essa população andante, que constantemente têm que se deparar com o sofrimento e a incerteza nos momentos que precedem a invasão de suas casas pelas águas. Após isto, só lhes resta aguardar a ajuda que vem dos órgãos responsáveis pelo translado, segurança e bem-estar. Dentre esses órgãos, os mais atuantes são: Defesa Civil, Exército, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar. Os primeiros moradores que recebem a ajuda conseguem retirar boa parte de seus bens, já os que ficam aguardando socorro não têm a mesma sorte, pois a água avança rapidamente em suas casas, causando prejuízo não apenas material, mas principalmente moral, uma vez que possuir um lugar para abrigar-se é uma necessidade básica de todo ser humano.

Após a longa espera, seja pela ajuda dos órgãos competentes ou pela diminuição do nível das águas durante alguns dias, o destino dessas pessoas é passar um período de tempo incerto nas casas de parentes ou nos abrigos improvisados. Nos abrigos disponibilizados pela defesa Civil, essas populações têm que viver

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aglomeradas, dividindo pequenos espaços com outras centenas de outros desabrigados, tendo em vista que as famílias possuem um grande número de pessoas.

Neste ínterim, acontecem os furtos nas residências atingidas pela inundação. Os criminosos aproveitam-se do fato de o local estar desabitado e da rede de energia elétrica ficar desligada durante esse período para furtar não apenas os bens contidos no interior das casas, mas também retirar as fiações elétrica e telefônica para comercializar no “câmbio negro”.

Além da incerteza sobre o momento em que poderão voltar a seus lares, a população atingida pelas enchentes passa por privações, dependendo da ajuda de órgãos de assistência social para prover suas necessidades, principalmente de alimentação e vestimenta. Um outro problema enfrentado refere-se à educação dos filhos, os quais neste período perdem aula e outros chegam até a perder o ano letivo, contribuindo com o aumento do índice de evasão escolar.

Quanto à população do bairro, quase metade dos entrevistados se concentram na faixa etária dos 25 aos 40 anos; o que nos chama a atenção é o fato de mais de um terço da população ter mais de 40 anos. A maior parte dos moradores migrou para o local no final da década de 1990 e quando chegaram ao bairro tinham mais de 30 anos, ou seja, tratavam-se de pessoas com certa experiência de vida, porém, ainda estavam em busca de moradia própria. Dentre os entrevistados, a maioria absoluta é composta por pessoas casadas e uma parte significativa é composta por viúvos. Um dos principais motivos que levaram essas pessoas a mudar para um bairro desconhecido foi a busca por melhores condições de vida. Outras razões importantes que ocasionaram essa migração foi o fato de que um quinto da população morava de aluguel ou eram recém casados, precisando, portanto, de uma moradia.

Mais de um terço dos moradores afirmou ter tomado conhecimento do local para morar através de parentes; um quarto, através de amigos e outra parte considerável soube porque estava procurando. A escolha do bairro Ayrton Senna por esses moradores

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deu-se, em sua maioria, pelo desejo de permanecerem próximos aos familiares, o que justifica o fato de haver nos bairros adjacentes famílias inteiras morando perto.

Chama atenção o fato de pouco mais de um quinto dos entrevistados ter afirmado que mudaram-se para o bairro por falta de opção. Quase metade dos entrevistados respondeu que, se pudessem, teriam continuado a morar no bairro de onde eram provenientes. A insatisfação com o novo bairro é compreensível, tendo em vista que, por ser um bairro recém-formado, o Ayrton Senna ainda não dispunha, como ainda não dispõe, da infra-estrutura almejada pelos moradores. Ao chegarem ao local, a maioria absoluta afirmou não ter recebido ajuda de nenhuma instituição pública, o que demonstra o total desamparo dessas populações andantes e a falta do mínimo de condições para sobreviver.

Entre as atividades de lazer realizadas pelos moradores ao chegarem ao bairro, destaca-se a participação em cultos religiosos e programações das igrejas, freqüentados por quase um terço dos habitantes do local. A população evangélica do bairro, desde sua formação, vem crescendo, dado o grande número de templos religiosos ali existentes. Dados obtidos mediante a pesquisa, revelam que os evangélicos, em termos quantitativos, correspondem a mais da metade da população. É também significativo o número de pessoas que professam a religião católica, chegando a pouco mais de um quarto dos moradores. Vale ressaltar que um sexto do universo pesquisado é composto por agnósticos, os quais não participam de nenhuma denominação religiosa.

A maioria dos moradores do bairro nasceu no município de Tarauacá, outra parte expressiva nasceu nos municípios de Rio Branco e Brasiléia. A migração de pessoas dos municípios para a Capital não se restringiu às décadas de 1970 e 1980, quando da chegada dos pecuaristas do Centro-Sul do Brasil, o que ocasionou a substituição da economia da borracha pela atividade agropecuária. Vários fatores contribuem para a continuidade do processo de

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migração dessas populações interioranas para Rio Branco, dentre eles podemos citar a busca de emprego, a perspectiva de estudo para os filhos, visando a qualificação profissional, bem como tratamento de saúde. Dentre os aspectos que tornam Rio Branco atraente para essas populações, podemos citar o fato de concentrar as sedes dos poderes legislativo, executivo e judiciário do Estado, o maior número de instituições de ensino fundamental e médio, graduação e pós-graduação, centros técnicos de ensino, maiores oportunidades de trabalho, centros de atendimento hospitalar bem aparelhados.

As migrações do interior para a Capital, em muitos casos, resultam da vinda, de parentes e familiares. Aqueles que permaneceram no interior, ao tomarem conhecimento - por meio de cartas ou mensagens via rádio - das melhorias alcançadas pelos primeiros membros da família que chegaram em Rio Branco, sentem-se atraídos pela possibilidade de melhoria e decidem

Rua do Barro. Foto: Reginâmio B. Lima.

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De acordo com a pesquisa realizada no bairro Ayrton Senna, verificamos que a maioria absoluta dos moradores está inserida no mercado de trabalho informal ou encontra-se desempregada. As condições de vida de muitas dessas pessoas são marcadas por privações, pois a baixa escolaridade e a conseqüente falta de experiência profissional contribuem para sua manutenção no estado de extrema pobreza.

Dentre as funções desempenhadas, muitos atuam em trabalhos braçais, como pedreiros, carpinteiros, ferreiros, “orelhas secas” e auxiliares de serviços gerais. No tocante ao trabalho desenvolvido pelos moradores quando chegaram ao bairro, destaca-se o fato de que mais de um quarto da população encontrava-se desempregada e quase um quinto trabalhava como autônomo, biscate ou doméstica.

Além da baixa remuneração, os moradores do Ayrton Senna enfrentam problemas na hora de se deslocarem aos seus locais de trabalho, uma vez que apenas a Estrada da Sobral e a rua principal do bairro – rua Jatobá – dispõem de pavimentação asfáltica. O poder público atuou pouco nesse local tão necessitado de bem-feitorias, é necessário que sejam tomadas medidas incisivas para que a população que ali reside possa ter melhor qualidade de vida.

Os problemas enfrentados pelos moradores não dizem respeito apenas à infra-estrutura. O bairro é desprovido de rede de esgoto, embora a maioria absoluta seja contemplada com o abastecimento de água e a energia elétrica. Na localidade, existe apenas uma escola pública e um centro de saúde.

Quase totalidade das residências do bairro Ayrton Senna é própria. Quanto aos tipos de edificações, predominam as casas construídas em madeira. Mesmo com a proximidade do bairro em relação à Estação Tratamento de Água da Sobral – ETA I, pouco mais de um terço dos moradores não são beneficiados com esse serviço, precisando recorrer à construção de poços semi-artesianos e cacimbas.

Ao serem perguntados a respeito de como era a convivência com os vizinhos quando chegaram ao bairro, a maioria

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absoluta respondeu que era boa. Com a chegada ao local, os moradores tiveram que estabelecer novos relacionamentos, isto é, uma interação com os demais, o que se deu, de certa maneira, com poucos índices de agressões físicas violentas, visto que os mesmos tinham interesses comuns.

Pelo fato da ocupação do bairro Ayrton Senna ser recente e muitas famílias estarem se assentando no local, ainda não romperam os laços de afetividade com o antigo lugar de moradia. Muitos afirmaram não sentir saudade de nada do que aconteceu no momento da chegada ao bairro, pois a ocupação ainda se encontra em fase de processamento e eles estão enfrentando as dificuldades características da maioria das ocupações ocorridas nas áreas “periféricas”.

É perceptível, também, nas falas dos entrevistados, a falta de sensação de tranqüilidade, o que pode demonstrar o fato de o bairro estar ficando menos calmo que antes. A falta da construção de uma interação com o lugar é indicativo de que a população do bairro Ayrton Senna ainda representa uma população móvel. Ao buscar novas condições de vida, essas pessoas migram para outros lugares. Entretanto, ao se estabelecerem no novo local e perceberem que não terão condições favoráveis para uma vida estável, essas pessoas continuam em trânsito. Já não estão onde moravam e a localidade onde vivem não as faz identificar-se com ela. Ainda buscam um lugar que possam chamar de seu, o que denota o fato de muitos seguirem o fluxo de migração ainda existente no local. É muito provável que eles mudem de residência novamente. E como o piloto Ayrton Senna, em suas andanças, talvez nunca mais os vejamos.

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BOA UNIÃO A Conquista de um Sonho

Regineison Bonifácio de Lima

desenvolvimento de uma sociedade, sem dúvida alguma, é uma das tarefas mais complexas do ser humano. Ao falar Osobre o bairro Boa União, faz-se da complexidade uma

simplicidade de fatos, de vidas, de um pedaço da sociedade riobranquense que mais parece não desistir nunca de seus sonhos e objetivos. Uma grande população, dentro de um bairro muito pequeno, com condições extremas de precariedade em todos os setores.

Perceber traços e características do bairro Boa União e de seus habitantes é o primeiro passo para que possamos ter uma

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maior compreensão sobre os espaços e os motivos pelos quais as populações de outras localidades migraram para ali. Um aspecto muito importante que marca as pessoas nesse local – e porque não dizer também, fundamental – é o fato de se colocar o ser humano como personagem principal de um desenvolvimento de vida e histórias de uma sociedade cheia de desafios.

Nosso objetivo é dialogar sobre a complexidade de adaptação do homem juntamente com sua família, as dificuldades encontradas, os desafios, as persistências e os sonhos de uma casa própria (choupana, coberta de palha, piso de paxiúba e paredes de papelão), ainda que fosse simplesmente, algo fora e bem distante dos moldes de urbanização tão desejados por esta sociedade contemporânea. A urbanização brasileira no século XX, principalmente em suas últimas décadas, foi marcada por importantes impactos que envolveram o aumento da população das cidades e o ritmo bastante acelerado de crescimento capitalista, sobretudo, na área urbana das Capitais.

O bairro Boa União está localizado a Sudoeste da cidade de Rio Branco, capital do Estado do Acre. Segundo dados oficiais da Prefeitura Municipal de Rio Branco, o bairro apresenta atualmente

2uma superfície de 142.894 m , fazendo limite ao norte com o bairro Bahia Nova e Glória, ao sul e leste com o bairro Ayrton Senna e a oeste com o bairro Sobral.

A presente pesquisa sobre o bairro Boa União foi desenvolvida dentro de uma perspectiva historiográfica sócio-cultural, descrevendo os acontecimentos e comentando os fatos, as condições de vida, independente de raça, religião ou ideologia política, como elementos básicos, essenciais e necessários para a constituição de um modo de vida em sociedade, independente do local de onde as pessoas se deslocaram.

As informações trabalhadas a respeito do ocorrido com a população do Boa União, levam-nos à compreensão de que o tempo que é consagrado ou mencionado pela história, através de seus momentos e acontecimentos, relembra ocasiões corriqueiras ao longo dos anos. Datas e épocas na história não são passíveis de

Boa União: A conquista de um sonho

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serem representadas, encenadas ou escritas exatamente como ocorreram, mostrando todos os detalhes. O anseio do historiador é vasculhar as memórias, perceber as singularidades que perpassam as narrativas de pessoas que foram entrevistadas e que nos depositaram a confiança e a honra de podermos descrever a situação em que elas viveram e ainda vivem. Buscamos compor, através dos vários fragmentos de histórias que se cruzam e entrecruzam, um cenário de como foram e de como se configuram as relações de ambiência no bairro Boa União. Todavia, jamais daria para voltar no tempo e trazer para este escrito, todos os acontecimentos vividos, na exatidão como foram, mostrando o dia e hora em que muitas mães deixaram de comer à noite, chegando até a passar fome, para que seus filhos pudessem se alimentar, ou mesmo mostrar os dramas e angústias vividos pelos pais, diante das dívidas, ou pelas saídas dos locais onde viveram.

Olhando o viver de cada habitante do bairro Boa União, verificamos que a mesma em alguns momentos se confunde com a história de outros bairros periféricos desta cidade, como descrito pelas pesquisadoras Lelcia Almeida e Clenilde Santos relataram sobre o bairro da Pista. Um contexto bem semelhante ao que ocorre nos demais bairros do Terceiro Eixo:

É essa dinâmica do viver, do se identificar enquanto sujeitos do passado e transformadores do presente, que faz do Bairro da Pista um local de interação, onde novas famílias surgem, novas casas se constroem e novas amizades acontecem, através das lembranças dos moradores, da alegria de poder contar suas histórias de vida. Os Franciscos, Josés, Raimundos, as tantas Marias evidenciam as passagens transitórias entre o seringal e a cidade; é mais que poder relembrar tantos acontecimentos, é se situar como agente da transformação do próprio bairro no decorrer dos tempos. Essa história coincide com o surgimento de muitos outros bairros da cidade inseridos no contexto dos anos de 1970, um período marcado por uma nova diretriz governamental onde as políticas de

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investimentos estavam voltadas para o “progresso econômico”. “Progresso” esse que nunca chegou. (LIMA; BONIFÁCIO, 2007, p. 54).

A maioria das famílias que se fizeram migrantes, ocuparam esse local por viverem sem condições financeiras. Eram, em sua maioria, chefes de famílias em torno de seus 25 a 40 anos de idade, homens e mulheres que, mesmo sem condições acessíveis para dar um bom conforto para suas famílias, batalharam e se esforçaram para adquirir um lote de terra, uma choupana, um casebre. Cidadãos que vieram em sua maioria com seus cônjuges, transportando em média três filhos a “tira-colo”, como é a forma mais comum de se dizer pela região.

Essas famílias – que para cá vieram na segunda metade dos anos 1980 e de forma mais acentuada nos anos 1990 – não sabiam ao certo como discriminar o nome do bairro. Vários questionamentos surgiram, o mais intrigante deles era se a área de terras que compõem o bairro seria parte de uma expansão do Bahia Nova, do Sobral, ou mesmo do bairro Glória. Mas, por fim, a definição da questão foi resolvida pelos próprios moradores, criando-se um novo bairro, chamado de Boa União.

Rua Boa União: Limite entre o bairro Boa União (à Esquerda) e Sobral (à Direita). Foto: Iracilda G. C. Bonifácio.

Boa União: A conquista de um sonho

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Até os dias atuais, a maioria dos moradores vive um dilema muito sério a respeito da falta de clareza de delimitação do Boa União. Ao adentrarmos a parte sul do bairro Bahia Nova, logo após a parada final do ônibus Bahia/Palheiral e, nas primeiras casas, perguntarmos: “Que bairro é este?”, a maioria absoluta dos moradores respondeu que era o bairro Boa União. Esse fato ocorreu porque os moradores imaginam estar realmente situados no Boa União, e os próprios moradores da área reconhecida do bairro Boa União pela Prefeitura Municipal de Rio Branco imaginam que a área situada próximo parada final da linha Bahia Palheiral também é Boa União.

A questão de limites dentro dessa área é tão interessante, que vai além da capacidade de compreensão de qualquer indivíduo. Um bom exemplo disso é quando um morador liga para a empresa Brasil Telecom solicitando a ligação de um telefone fixo para sua residência. Uma das primeiras perguntas feitas pelo profissional de tele-marketing da operadora é: “Qual o seu endereço?”. E, logicamente, quando esse endereço é fornecido, o profissional diz: “Desculpe-me, senhor, mas esta rua e este número de sua casa não batem com o bairro que o senhor está nos informando. Em nossos registros que foram repassados pela Prefeitura de sua cidade, constam que o senhor não é morador do bairro Boa União e sim do bairro Bahia Nova”.

Se uma operadora de telefone no Centro-Sul do Brasil sabe onde exatamente esse povo mora, porque muitos dos residentes do próprio bairro não o sabem? Se a Prefeitura se omite em fazer um trabalho de mapeamento da área juntamente com os moradores e líderes de cada bairro, então, a questão é mais complicada do que o nosso grupo de pesquisadores esperava.

Pelo menos na área que é oficialmente reconhecida pela Prefeitura desta cidade, algo se torna bastante curioso e por demais interessante: aquela velha lógica do antigo e do novo, o novo que rompe com o velho para formar um novo espaço. A questão dos bairros na cidade de Rio Branco é muito complexa, acentuando-se, principalmente, nas décadas de 1970, 1980 e 1990. A forma como

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vários bairros surgiram foi marcada por conflitos, era uma constante de ocupações, venda de lotes pelos proprietários das terras e, às vezes, vendas dos mesmos lotes que outrora já tinham sido vendidos para novos donatários. Este último caso ocorreu em grande parte do bairro Boa União, exemplo dentre tantos outros bairros situados no Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco e de grande parte da cidade.

Diante disso se torna de difícil compreensão poder se expressar sobre a grandeza extensiva de um bairro periférico, as condições de moradia, saneamento básico, água, luz, asfalto, escolas, posto de saúde, transporte público, esgoto, segurança pública, telefonia privada, pública, comércio e transporte, bens necessários para que um cidadão urbano possa se adaptar de forma mais apropriada.

A decisão dos moradores do Boa União de fundar um novo bairro resultou no rompimento com o velho. Os bairros Bahia Nova, Sobral e Glória já tinham se formado num passado bem próximo, estando em melhores condições de desenvolvimento e tendo, sobretudo, algumas benfeitorias importantes. Entretanto, aquela porção de terra, inerte até então, estava ladeada por bairros já constituídos, sendo mais difícil receberem benfeitorias por parte da Prefeitura se fosse considerada apenas uma expansão de outras localidades. As terras que deram início ao Boa União constituíam um grande cerrado de matas que atravessava a parte final da Bahia Nova, indo até o bairro Floresta Sul. Era, na época de formação, uma área marcada pela indecisão, não apenas quanto ao nome do bairro, mas também pela incerteza e precariedade das condições de vida.

A respeito dessa indecisão, Leila Costa comenta:

O bairro que deveria, dentro do Terceiro Eixo, ser chamado de Boa União era o Bairro João Eduardo II, que sofreu um grande fluxo ocupacional no período de 1979 a 1982, sendo este originado de uma ocupação nas terras do governo que se destinavam à construção de um estádio de futebol. (COSTA. __ In: LIMA; BONIFÁCIO, 2007, p. 65).

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Conforme o trecho acima, a intenção de se formar um bairro denominado Boa União já havia ocorrido no momento da formação do bairro João Eduardo II. Podemos apontar como semelhança entre esses dois bairros não apenas o intento de se dar o mesmo nome, mas principalmente o ambiente conflituoso em que surgiram. Na área hoje denominada João Eduardo II, no início da década de 1980 houve muitos assaltos, e vários crimes, dentre eles, o assassinato de uma moradora do bairro Bahia, chamada Hosana Carneiro.

Essas eventuais circunstâncias causavam um sentimento de inquietação, geravam apreensão e revolta por parte dos moradores, que decidiram desmatar a área. Logo depois, no dia 18 de fevereiro de 1981 ocorreu o assassinato do líder comunitário João Eduardo Nascimento, este era uma espécie de líder no bairro Bahia, Monitor da Igreja Católica e um dos representantes da Comunidade Eclesial de Base. Além disso, este homem era, na localidade, o principal representante da FUNBESA – Fundação do Bem-Estar Social –, entidade da qual havia recebido autonomia para a distribuição de lotes de terra naquelas localidades. Vale lembrar que, no início dos anos 1980, ainda não havia uma configuração exata a respeito da delimitação dos bairros; então, com tão grande onda de violência nas terras que ficavam a oeste do bairro Bahia, os moradores dessa área e os da Bahia resolveram homenagear o líder comunitário, formando, assim, o bairro João Eduardo.

Ao serem ocupadas as terras da parte sul do bairro João Eduardo I, as quais fazem limite com a Rua Campo Grande, os moradores resolveram colocar também o nome do líder comunitário João Eduardo. O bairro passou, então, a ser denominado de João Eduardo II. Devido a tantas violências, esse bairro recém formado não tinha mais razão de se chamar Boa União, como queriam os primeiros residentes da localidade. Assim, ficaram divididos os bairros: o situado ao norte ficou sendo chamado de João Eduardo I e o outro, ao sul, sendo chamado de João Eduardo II.

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A grande dificuldade de escolha de “um nome” para o bairro pelos líderes locais não demonstra a incapacidade desses representantes, mas aponta para a preocupação que os moradores tinham em escolher um nome que representasse bem aquela localidade. O bairro Boa União foi primeiramente chamado de bairro “José Nolasco”, somente depois os moradores chegaram a um denominador comum e escolheram o nome que o local tem hoje. De mesma forma, a interação dos moradores com a localidade fez com que em outros bairros também fossem postos nomes de acordo com a situação verificada. Assim ocorreu na escolha de nome de bairros como o Bahia, que, segundo os moradores, recebeu esse nome por ter sido formado em uma área alagadiça, uma verdadeira baía; com o bairro Glória, nome escolhido pela população por traduzir todo o processo de luta pela terra e sua conseqüente conquista enquanto uma glória alcançada; como o bairro Boa Vista, assim denominado em virtude da vista privilegiada proporcionada pela localização do bairro em uma área elevada.

No caso da escolha do nome “Boa União”, entretanto, revela uma grande contrariedade, haja vista que, se por um lado os moradores buscavam “união e melhores condições de vida”, por outro, o bairro, por algum tempo, constituiu um dos piores cenários de violência de Rio Branco. Isso implica dizer que tamanha intensidade de constrangimento físico e moral para uma localidade tão pequena é “inaceitável”. Essa situação foi gerada, primeiramente por cidadãos infratores que vieram da circunvizinhança e, logo depois, pelos próprios filhos dos ocupantes daquela localidade. Dentre estes, alguns são adolescentes e jovens que entraram no mundo das drogas, estupros, violências e até mesmo assassinatos. Nem todos, mas vários jovens e adolescentes, a saber, a nova geração que surgiu nos últimos 15 anos, fizeram do cenário de seu próprio habitat, algo digno de vergonha, jogando o bairro para uma situação ainda pior, marcada pelo abandono, exclusão social e noticiários de fatos horrendos.

Ainda assim, o sonho de muitos dos habitantes é a paz, a

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prosperidade do bairro, o aconchego da família, o tão amado lar e o acreditar em um mundo melhor. A sociedade do Boa União deseja chegar, de forma satisfatória, pelo menos, próximo das utopias, das representações de ideais em que vigorem normas e instituições políticas altamente aperfeiçoadas, um local em que tudo poderia ser bem melhor, com muito mais acessibilidade. Mas, como disse Thompson: “O processo de escrever história muda juntamente com o conteúdo” (1992, p. 28). Ainda que tais desejos, ou mesmo processos sejam considerados pouco práticos, até mesmo irrealizáveis, brota no coração desses moradores o anseio, a vontade de fazer algo para concretizar o que seria um simples sonho em uma situação real.

Quando os primeiros moradores vieram para o bairro, em busca de abrigo para si e suas famílias, descobriram um local sem nenhuma infra-estrutura, sem água encanada, energia elétrica, esgoto, policiamento, transporte, escola, posto de saúde, enfim, nada. O que encontraram foram varadouros, caminhos pelos quais o gado dos fazendeiros da localidade faziam suas passagens. Estes varadouros eram pequenos caminhos, estreitos e tortuosos, lamacentos nas épocas de chuva, serviam de pequenas estradas, sendo abertos a machado, terçado e motosserra. Ao longo desses caminhos estreitos, que apresentavam curvas irregulares, surgem as primeiras casas, algumas sem paredes, outras com paredes de alumínio, de papelão, algumas com piso de paxiúba, e outras com piso de chão, o teto de alumínio, ou de palha. Neles, meninos e meninas bem pobrezinhos, dormindo ao chão. Apesar das dificuldades, a demarcação de um pequeno lote era o bem mais precioso, tudo isso, devido às necessidades daqueles que ali começaram a se estabelecer. Quanto a essa questão, Thompson afirma:

Uma coisa é saber que as ruas ou campos em torno de uma casa tinham um passado antes que ali tivesse chegado; bem diferente é ter tido conhecimento, por meio das lembranças do passado, vivas ainda na memória dos mais velhos

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do lugar, das intimidades amorosas por aqueles campos, dos vizinhos e casas em determinada rua, do trabalho em determinada loja (Thompson, 1992, p.30-31).

O interessante é que mesmo depois das dificuldades, quando olhamos para esses desbravadores do bairro, podemos perceber que o que Thompson quer afirmar é uma realidade: essas pessoas criam relações íntimas de amor pelo local em que se estabeleceram. Isso, possivelmente, ocorre devido às lutas travadas num processo de vida, numa avaliação quantitativa e qualitativa do que conseguiram ao longo de árduos anos. As dificuldades encontradas na vida fazem com que essas pessoas, após conseguirem um local de moradia, exerçam um apego ao local. É interessante destacar que, quando questionados sobre o porquê de não terem mudado de bairro quando tiveram a chance, dos 26 entrevistados, a grande maioria demonstrou um grande amor pelo local em que vivem. Mas, nessas respostas, vez por outra, há uma mistura de valores entre amor e o fato de terem se acostumado com o local.

Tais valores estão “impregnados no sangue” e “arraigados no coração”, estão constituídos num bom relacionamento com a vizinhança, com os amigos que fizeram ao longo dos anos de moradia no local, no barzinho tomando uma dose de pinga, até mesmo numa lavagem de roupa e possivelmente o medo de mudança, de descobrimento de novos locais. Além disso, podemos citar, ainda, a possível insatisfação de ir buscar de um novo local para morar, o que faz com que esses moradores se questionem e reflitam, voltando à memória aquilo que eles passaram para se estabelecer em seu lar. A relação essencial com o local está apegada com o próprio ser humano; essa relação homem-habitat existente é muito forte, corresponde a uma história de sonhos e realizações, por mais simples ou humilde que seja o estabelecimento.

A dificuldade no momento de se conseguir um lote de terra foi algo lamentável. Dos moradores entrevistados, 48% se referem com grande insatisfação à questão da grilagem no Boa União. De

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norte a sul e de leste a oeste, quase toda a cidade de Rio Branco, e principalmente as autoridades competentes desta cidade, conseguiram ficar de braços cruzados, diante desses acontecimentos. Eram os lotes de terras vendidos para mais de um donatário, algo cruel de se ver.

[...] eu senti na pele o drama de comprar um lote de terra no bairro Floresta Sul, e este não me foi concedido, antes já haviam até tido tramitações do vendedor com outros compradores que também eram inocentes, senti na pele o drama de empenhar o dinheiro em algo que não seria meu, e quando o caso foi para a justiça, consegui receber o dinheiro do terreno, depois de uma espera, e uma tremenda paciência que durou mais de três anos (Entrevista com R. L., realizada por Regineison Lima, 2007).

As migrações tiveram como motivo principal, o que se segue em quase todos os bairros deste estado que são: a busca por “melhores condições de vida”, “o aluguel” e “as doenças”. Quanto ao primeiro fator, implica dizer que as condições anteriores eram bem complicadas, e, possivelmente, um fardo muito pesado para ser carregado. No que se refere ao aluguel, o sonho da casa própria estava declarado no coração de cada habitante que ali chegou com seu cônjuge e média de quatro filhos. As condições de vida eram bastante desconfortáveis financeiramente, levando-se em conta que 11 dentre os 26 entrevistados são autônomos que vivem de biscate, outras 10 pessoas são do lar, não recebendo renda alguma, e outras 02 estão desempregadas. Esses dados representam 88% dos moradores que têm poucas condições financeiras para se manter, quanto mais para pagar aluguel. Outro motivo da vinda para o bairro foi “a doença”, a vinda do interior do estado para a Capital e para o bairro, para ficar um pouco mais próximo dos centros médicos e disporem do atendimento mais especializado, o que ocorre com pouca freqüência nos municípios do interior.

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Rua sem Saída. Esse tipo de rua é comum no Boa União. Foto: Pedro B. Lima.

Diante de muitas lutas e obstáculos, a migração daqueles que partiram para o Boa União foi bastante interessante porque, primeiramente, algumas pessoas se situaram no interior do bairro, viram as condições, transformaram o ambiente, tornaram-no mais agradável, fizeram de si próprios bons vizinhos e bons amigos, daqueles que ali haviam chegado de forma concomitante. Logo depois, quando alguns de seus parentes buscavam moradia em locais da periferia riobranquense, não hesitaram e viram que o melhor era realmente ter que ir para próximo de seus parentes. Esses laços familiares eram, e ainda são, uma constante no bairro, a

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lógica de que “a união faz a força” se concretiza, nesse momento, de forma brilhante. São laços familiares estabelecidos que podem ser vistos até os dias atuais.

A vinda para o bairro se deu através de laços familiares bem intensos; porém, aqueles que chegavam depois, traziam consigo não somente o cônjuge e os filhos, mas também familiares, como irmãos, pais e parentes. Ao que tudo indica, o Boa União conseguiu mesclar muito bem essa sintonia amizade-parentela. Isso é bom, principalmente, para todos conseguirem se solidificar e solidificar a localidade na qual vivem, formando, assim, novos costumes, novas culturas e novos valores de vida.

Quando as pessoas chegaram ao Boa União, seu intuito principal era a construção de uma casa, um local para se estabelecer. Essas casas, logo após sua construção, vão, ano após ano, sendo melhoradas através de reformas domésticas, dentro das condições financeiras de cada morador. No Boa União, assim como em toda a área do Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, o que vai se estabelecer são as casas próprias, que é o principal sonho de consumo, as casas e/ou apartamentos alugados ou cedidos são “disparadamente” uma minoria. A população tenta se estabelecer de forma fixa, criando vínculos ainda mais arraigados com a terra e a localidade. Nos dias atuais, já podem ser vistas pela localidade diversas casas feitas em alvenaria em um bom estado de uso, várias casas de madeira e mistas. Isso tudo tem mostrado que aqueles que chegaram vieram para ficar, estabelecendo relações com o local e laços mais estreitos com a comunidade.

O bairro mesmo a uma distância considerável do rio Acre sofre com as enchentes. Isso porque passa pelo meio do bairro um igarapé, chamado popularmente de Igarapé do Bueiro, que durante o período de chuvas, enche muito e transborda;

A massa de terra que circula o bairro é muito baixa, por isso, fica muito propício para alagar alguns quintais. As chuvas fortes também elevam a quantidade de água no leito do igarapé, com isso, o local fica inapropriado para construção e moradia. O interessante é que o local por onde passa o igarapé faz parte de um dos vazios urbanos da cidade de Rio Branco, cerca de 20% do total de terras que compõe o bairro.

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Muito ainda falta ser feito pelo poder público no bairro Boa União, como escolas, postos de Saúde, mercado alimentício, praça de lazer, linha de ônibus, esgoto, dentre outras conquistas ainda por ser alcançadas.

O problema da falta de moradia aparece em toda a cidade, ora como problema principal, ora relacionado com outros problemas ou mesmo como causa de outros, estendendo-se como falta de uma política habitacional para populações de baixa renda.

O bairro ainda não conta com uma linha de ônibus correndo em seu solo, os moradores que utilizam esse transporte público têm que se locomover de seus lares para pegar a condução na Estrada da Sobral ou no bairro Bahia. A insuficiência da frota de ônibus que atende com o serviço de transporte coletivo, infelizmente, é regra em toda a cidade de Rio Branco. São linhas de ônibus insuficientes, intervalos de tempo muito longos entre um ônibus e outro, superlotação de passageiros, falta de abrigos nas paradas. Motivos de reclamação não faltam, tanto no bairro como em toda a cidade, principalmente o elevado custo da passagem.

O traçado das ruas é, de um modo geral, interrompido, com muitas ruas desordenadas e sem saída. O bairro ainda não tem ruas que apresentem potencial para se tornar referenciais na malha viária, ruas que concentrem qualidade e quantidade significativa de comércio e serviços, a não ser a Estrada da Sobral, que já oferece para a Regional VI uma pequena expressividade comercial.

Dentre algumas conquistas alcançadas, ou parcialmente abrangidas, podemos citar algumas que seguem nos parágrafos abaixo.

O SAERB – Serviço de Abastecimento de Água e Esgoto de Rio Branco tem beneficiado o bairro com água potável. Ainda assim, em algumas poucas ruas por trás da Estrada da Sobral falta tubulação de água. Mas, já existem planos e fomentos para o inicio do ano de 2008, de uma possível melhoria na qualidade do abastecimento de água. Os moradores irão se beneficiar com uma melhor qualidade da rede hidráulica para distribuição de água tratada no bairro e em sua circunvizinhança.

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A Eletroacre tem atendido à população com energia elétrica que funciona 24 horas por dia. Essa população hoje, ao contrário do que ocorreu no início do bairro, quando usavam velas e lamparinas, se beneficia muito da energia elétrica, pois, mesmo com as corriqueiras “quedas de força elétrica”, seu funcionamento tem sido satisfatório. De acordo com os moradores, o que não tem sido satisfatório, são os altos custos das contas de energia elétrica cobrados pela empresa.

Já existe a coleta de lixo no bairro, que tem atendido a população três vezes na semana. Os serviços atendem a todos os moradores, mas, no inverno, dada à precariedade de algumas ruas, levando-se em conta que a maioria delas são apenas piçarradas, existe a dificuldade no acesso para que se faça a devida coleta por parte da empresa responsável.

Existem planos elaborados pela Prefeitura para melhorar a urbanização da localidade. Segundo os moradores, uma das intenções dos governantes é deixar o bairro Boa União mais aprazível. Com essa “modernização”, o bairro receberá várias benfeitorias, dentre elas: esgoto; alargamento na estrutura tubular de água; calçadas; asfalto, uma vez que a maior parte das ruas são apenas piçarradas, dentre outras benfeitorias.

Maria Iracilda Bonifácio (2007, p. 25) afirma que “ao migrar, as pessoas buscam novos lugares, transformam o habitat e se transformam no deslocamento”. Nesse ponto culminante, podemos perceber que nem o espaço físico, nem os moradores, e nem mesmo o meio ambiente permaneceram como estavam, porque ocorreram diversas transformações necessárias à sua sobrevivência. As transformações dos moradores se deram no sentido de terem em comum situações de mudanças, suas trajetórias de vida, e ao novo espaço ocupado, pois passaram por rupturas, novas adaptações e “resistiram” às situações que suas realidades lhes permitiam.

As relações que essas populações estabelecem no local são complexas e intrigantes. Fica, portanto, o desafio para que novas pesquisas sejam feitas no local. Nesse ensaio, buscamos ampliar o

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conhecimento por parte da sociedade sobre a realidade de formação de um dos bairros periféricos mais pobres da cidade de Rio Branco, mostrando que é importante a criação de laços mais estreitos entre o bairro como local de moradia e as pessoas que nele residem. As considerações aqui feitas constituem uma grande oportunidade para que outros moradores de bairros periféricos possam refletir sobre suas andanças e vivências, como também representam um ensejo para que as pessoas que conhecem o Boa União apenas pelos relatos das páginas policiais dos periódicos da cidade possam ver o local além do pré-conceito.

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TRAJETÓRIAS E COTIDIANO NO BAIRRO BOA VISTA

Cleunilde Silva dos Santos

ontextualizar a história de um lugar, dialogando com sonhos e esperanças de gentes na delimitação de seu espaço Cé o que almejamos neste ensaio, tendo como foco, na

ocasião, o bairro Boa Vista. Para isso, foram realizadas entrevistas, aplicação de questionários, registro fotográfico e consulta a órgãos públicos e privados, tendo como foco principal as experiências de vida dos moradores. Desta forma, algumas pessoas da comunidade nos convidaram a ouvir velhas e novas histórias; percorremos ruas, subimos e descemos ladeiras, conhecemos os Joãos, as Marias, que, entre um gole e outro de café, nos contavam sobre o processo

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de ocupação e transformação do bairro, paralelo a suas trajetórias de vidas.

Um exemplo dessas histórias e trajetórias é a moradora R.C, de 62 anos, natural do Amazonas e filha de pais nordestinos, chegou ao Acre por volta de 1970, veio com o marido e filhos. Antes de fixarem residência no local, morou no bairro João Eduardo em companhia de familiares. Em seu relato, ela fala de suas vivências:

(...) Meu marido sabe melhor do que eu dessa história do bairro Boa Vista. Antes de vir para cá, morei no João Eduardo. Em 1984, a gente ficou sabendo que um candidato, não lembro o nome dele, estava dividindo lotes para entregar as famílias que não tinha onde morar; como a gente morava na casa de um tio dele, eu falei para o meu marido: homem, dá o nosso nome lá. Conseguimos esse terreno aqui, vim morar na metade de 1985, tinha poucas casas, uma mata, essas ruas era só lama, hoje melhorou muito. Alguns moradores mais antigos falam até de uma Fazenda Sobral, que existia aqui antes de ser bairro. (R.C., entrevistada por Cleunilde Santos).

O período mencionado pela moradora e que se refere à Fazenda Sobral, faz menção à criação e ampliação das colônias agrícolas e pequenas fazendas desenvolvidas na década de 1940, durante o Governo de Guiomard Santos.

Conforme descrito na obra Estudo do Território do Acre 62004 , a Fazenda Sobral foi adquirida em 1943 pelo Governo

Territorial, que tinha como objetivo aproveitar a mão-de-obra dos seringueiros, em sua maioria, vindos dos seringais para a cidade de Rio Branco, em virtude da falência da atividade da extração do látex da borracha. Esta fase é representada também, pelo plano de colonização que se inicia nos municípios do Território do Acre. O lema era aumentar a produção agrícola viabilizando o seu funcionamento.

Trajetórias e cotidiano no Boa Vista

6 Estudo Geográfico do Território do Acre. Brasília, 2004.

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Esse plano teve sua efetiva implementação somente em 1947, época em que essas terras foram compradas pelo Governo Estadual e divididas em lotes.

Com o passar dos tempos, essas áreas destinadas à agricultura e pecuária, principalmente em Rio Branco, foram transformadas em novos bairros que, a partir da década de 1970, tenderiam a crescer com a vinda de ex-seringueiros em busca de melhores condições de vida na cidade.

O bairro Boa Vista surgiu nesse contexto. Conforme depoimento de nossa entrevistada e matéria jornalística noticiada

7pelo jornal O Rio Branco, de 1990 , sua ocupação com ares “urbanos” iniciou-se em 1984, com o auxilio do Governo Estadual.

De acordo com o levantamento bibliográfico e depoimentos, a atual área do bairro Boa Vista esteve interligada por duas colônias agrícolas: a Fazenda Sobral e Colônia Cunha Vasconcelos, que se separavam pela atual localização da rua Carlos Lopes, estando à esquerda da Estrada da Sobral até a Rua da Torre em direção ao bairro – (Fazenda Sobral); da Rua Carlos Lopes no sentido Centro da cidade até as proximidades da Escola João Paulo – (Colônia Cunha Vasconcelos). Ambas as colônias agrícolas tiveram formas diferenciadas de ocupação.

(....) Meu pai chegou no Acre em 1990 pelo riozinho do Rola, quando chegou nesta área depois da Escola João Paulo, onde agora é o inicio do bairro, ele comprou essas terras do Turco chamado Assem, tenho documentos desta compra, olha aqui (...), aqui próximo a Escola João Paulo até a Rua Carlos Lopes era a Colônia Cunha Vasconcelos, tinha um pouco acima a Fazenda Sobral (...) era, era as Rua da Torre até a Rua Lúcia Assem, e não tinha somente essas colônias, tinhas outras (...) (Entrevista com C.L, de 72 anos, por Cleunilde Santos).

Conforme identificado no Estudo Geográfico do Território do Acre (2004), a Colônia Cunha Vasconcelos foi fundada em 1913 e pensada sem nenhuma orientação técnica. Para lá foram

7 Jornal O Rio Branco, de 25 de abril de 1990.

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encaminhados lavradores, os quais receberam o titulo de colonos. A floresta espessa foi transformada, anos mais tarde, em uma pobre área para pastagem. Esse transporte ao passado se faz necessário, em virtude de apresentarmos as características atuais presentes na comunidade tanto em relação às vivências de seus moradores como em relação ao processo de transformação.

Estrada do Colégio Agrícola, à esquerda o bairro Plácido Castro, à direita o bairro Boa Vista. 2007. Foto: Cleunilde Santos.

O presente bairro é mencionado como um dos menores do

município, sua extensão é de 175.220 m² e situa-se próximo aos

bairros Sobral, Plácido de Castro e Invasão da Sanacre. A origem

do nome Boa Vista, de acordo com alguns moradores, está ligada

ao fato do mesmo estar localizado na parte mais alta da Baixada do

Sol.

(....) Não sei o porquê desse nome, mas eu e algumas

amigas mais antigas, falam do Bairro como uma

Trajetórias e cotidiano no Boa Vista

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parte alta da cidade, dizem até que a torre da Rádio

Difusora Acreana é aqui por isso. Mas a vista e tão

bonita, o nome deve ter saído daí. (Entrevista com

M.S., de 40 anos, realizada em 15.08.07 por

Cleunilde Silva dos Santos).

A fala da moradora é confirmada pela ampla visibilidade proporcionada da rua da torre, tanto dos bairros mais próximos, quanto de partes “centrais” da cidade. Do bairro Boa Vista, avista-se do outro lado do rio Acre o Segundo Distrito de Rio Branco.

Esses recortes históricos relacionados ao bairro, foram identificados e vitalizados pela memória dos seus habitantes, que subsidiados por documentos e registros contribuíram para nos revelar o contexto no qual a comunidade ocupou a área e construiu seu cotidiano. Os apontamentos levantados hoje favorecem o conhecimento que os moradores têm em relação a si e aos outros, exaltando um sentimento de pertencer ao local.

E são justamente as relações que se estabelecem entre vizinhos que contribuem para que o seu João da padaria planeje mais um dia de trabalho, anote no caderno pão e leite, para que algumas famílias possam efetuar o pagamento de suas contas no final do mês, demonstrando as relações de amizade e confiança, prática comprovada na troca de alimentos, favores domésticos, auxílio na construção de casas ou limpeza de terrenos, como ocorria no tempo áureo dos seringais. A moradora F.G., de 49 anos, relata: “O que falta na minha casa eu posso pedir da vizinha, que pode contar comigo quando não tiver também”.

Muitas práticas estabelecidas no cotidiano da localidade foram trazidas na bagagem dessa gente, como hábitos e costumes apreendidos pelos vários lugares em que passaram. É o caso, das parteiras e dos curandeiros, personagens marcantes no início da ocupação do bairro. Por um longo período de ausência do poder público essas pessoas prestavam seus serviços para as comunidades, conquistando laços de amizades duradouros e, como

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conseqüência de tal prestígio, eram considerados como membros das famílias às quais atendiam.

Foram essas e outras adequações de costumes e improvisações a um novo local que os moradores do Boa Vista tiveram que cultivar para conduzirem suas vidas, mantendo antigas práticas, visíveis no trato com os animais criados no quintal, ou na preparação dos almoços realizados por mulheres nos finais de semana para confraternização de familiares e amigos, e porque não, na lida com o canteiro, na utilização da melhor terra, da melhor semente, indispensável para o cultivo de verduras.

Se esses fatores demonstram saberes e fazeres da localidade, a diversão é outro aspecto trabalhado nas narrativas dos moradores, já que a própria temática lembra alegria, risos, igrejas, hinos e músicas. A relação desses componentes vislumbra espaços determinados, um dos apontados é a Praça Governador Joaquim Macedo, inaugurada em 26 de outubro de 2006, localizada no bairro Plácido de Castro. E ainda, a utilização do complexo Poli Esportivo denominado SEJA e o Ginásio Coberto Álvaro Dantas, localizados no bairro Aeroporto Velho. Mas estes não são os únicos lugares de lazer da localidade, já que um jogo de dominó em frente as suas casas, o encontro de vizinhas regadas a um bom papo ou a participação em aniversários foram traduzidos como expressões de divertimento da comunidade.

Se os dados trabalhados até o presente momento, apresentam a diversão da comunidade, outra característica almejada na pesquisa foi perceber a religiosidade dos moradores, representada, principalmente, nas Igrejas Protestantes, Católicas e Espíritas.

Segundo pesquisa realizada na localidade, cerca de um terço dos moradores professa a fé católica e quase um terço professa ser evangélico. Notamos a tendência de crescimento desse último percentual, uma vez que nos últimos anos, aumentou consideravelmente o número de Igrejas Protestantes. Ainda constitui como parte da religiosidade o Centro Ordem Maçônica Rosa Luz – Centro Espírita União do Vegetal, construído em 1980,

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sendo a primeira instituição religiosa a se consolidar no bairro, já que as chamadas “rezas populares” faziam-se presentes desde a origem do local.

Assim, essas particularidades foram possíveis de serem descritas mediante aplicação de questionários e entrevistas, que permitiram também estabelecer o perfil de origem das pessoas ali residentes. Mais da metade veio de outros municípios, principalmente de Tarauacá, Sena Madureira e Cruzeiro do Sul, outros vieram de bairros próximos.

Atualmente, um terço dos moradores tem idades que variam de 25 a 40 anos, a maioria absoluta encontram-se casados. A partir deste pequeno demonstrativo, obtemos dados que indicam que cerca da metade das famílias são compostas de 06 ou mais pessoas, destas também fazem parte os netos, já que na grande maioria são criados e educados pelos avós.

Uma das perguntas direcionadas aos moradores, refere-se à avaliação de suas vidas antes de fixarem residência no local. A maioria absoluta afirmou que tinha uma vida tranqüila, mas o desejo da casa própria sempre os motivou a buscar um lugar permanente, a casa digna de sossego no sentido de proteção e abrigo, com uma boa vizinhança, infra-estrutura e, principalmente, tranqüilidade. Esses anseios sempre os impulsionaram a ir mais além, sobretudo, quando esse desejo estava ligado ao fato de deixarem de pagar aluguel.

Assim sendo, o bairro foi ganhando forma, os primeiros moradores foram delimitando seus espaços e o processo de ocupação foi ganhando vida, ocorrendo de forma mais intensa ente os anos de 1984 a 1990, quando sua população aumentou em 16,60%. Cabia aos sonhos e anseios dessa gente primar por melhores condições de vida, já que nas muitas andanças, essa melhoria se interliga com o desejo de morar próximo a parentes e amigos. Esse motivo é descrito nos questionários pela maioria dos moradores que veio para o bairro em companhia da família, como principal impulsionador da mobilidade das pessoas na demarcação de suas moradias. Eles queriam, justamente, ousar em busca de novas oportunidades.

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Nesta busca, o desempenho de grupos religiosos, enquanto

representações de bairro, exerceu um papel importantíssimo para a

união de pessoas participantes de determinadas igrejas,

propiciando encontros para decisões comunitárias, voltados,

principalmente, para a resolução de problemas ligados à falta de

infra-estrutura.

Na luta por melhores condições, a comunidade

desenvolveu certas adaptações ao novo local, a realidade do bairro

se mostrou inconstante, instigando soluções diante das

dificuldades apresentadas. Aqui se destaca a via de acesso

conhecida como o “trapiche” da rua Carlos Alberto Lopes; a 8mesma foi feita através de mutirão , e se estende por mais de 100

metros até o acesso principal da Estrada do Colégio Agrícola.

Trapiche da rua Carlos Alberto Lopes – 2007. Foto: Cleunilde Santos

Trajetórias e cotidiano no Boa Vista

8 Expressão típica de moradores da região amazônica que traduz uma forma de organização de trabalho coletivo.

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Habitantes & Habitat

Tal implantação se deu porque a rua ocupa uma área constituída de córregos, não favorecendo ao poder público sua pavimentação. Entretanto, a comunidade optou por essa alternativa de locomoção, já que era primordial o acesso para a participação em Igrejas, desenvolver práticas esportivas e, principalmente, irem ao trabalho. O morador E.D., de 27 anos, nos relatou que esta forma de “caminho”, já dura 05 anos e realça que a dificuldade de asfaltar a rua, está relacionada à falta da rede de esgoto.

Se esse é um dos problemas mencionados por parte dos moradores da rua Carlos Lopes, as entrevistas nos possibilitaram conhecer as principais dificuldades e também as qualidades existentes no local. O abastecimento de água foi apontado como algo positivo, já que o bairro comporta em sua área a Estação de Tratamento de Água – ETA Sobral, conhecida no inicio como Sanacre. Segundo depoimentos dos moradores, a prática de repentinas e longas caminhadas com baldes e bacias ao encontro do líquido precioso, era tarefa obrigatória. A antiga Estação de Tratamento – Sanacre, funcionava com a chamada “torneira comunitária”, com o passar dos tempos se implementou no bairro a Estação de Tratamento, a qual conhecemos hoje.

Atualmente todas as famílias têm água encanada em suas casas, mesmo porque a encanação até as residências, na maioria das vezes, fica a cargo dos próprios moradores.

Varias foram as formas e estratégias de vivências desenvolvidas diante dos obstáculos, uma das principais citadas pela maioria dos entrevistados se traduziu na palavra “trabalho”.

Na cidade, as alternativas para os chefes e as chefes de família, com a adequação aos chamados serviços “urbanos”, careciam de uma melhor formação. Os dados coletados na pesquisa revelam que o indicativo de escolaridade em relação aos moradores se apresenta da seguinte forma: um terço concluiu o Ensino Médio, outro terço é composto por pessoas não alfabetizadas e 16% têm apenas o primário incompleto, equivalente ao atual primeiro e

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segundo ciclos do Ensino Fundamental. ficando os nossos entrevistados a desenvolver funções como autônomos, biscates, ambulantes, carpinteiros, pedreiros, vendedores, domésticas, do lar, dentre outras profissões.

Apesar do alto índice de analfabetismo e a baixa escolaridade, essas famílias são conscientes da importância da educação para melhoria na qualidade de vida, incentivando seus filhos para que não passem pelas mesmas dificuldades que viveram no passado e ainda vivem pela falta de formação.

Atualmente o bairro não dispõe de nenhuma escola. O estabelecimento de ensino mais próximo é a escola Ramona Mula de Castro, situada no bairro Invasão da Sanacre e inaugurada em 1990. Não existem escolas de Ensino Médio nas proximidades, a mais próxima é a Escola José Ribamar Batista – EJORB –, que fica no bairro Aeroporto Velho.

O baixo índice de formação escolar acaba revelando as funções exercidas por seus moradores. Esse é um bairro formado, principalmente, por famílias de baixa renda, que são carentes de serviços públicos, tais como: agências de correios, delegacias, bancos e comércios que atendam satisfatoriamente à comunidade.

Mesmo com as dificuldades apontadas, a casa, objeto de apego e concretização de sonhos, foi algo conquistado por essas famílias. Neste sentido, vale ressaltar que a maioria absoluta dos moradores têm casa própria.

As residências do bairro mesclam arquiteturas diversas, casas construídas em madeira, em contraposição às casas de alvenaria que inovam o ambiente. Essas casas oferecem condições regulares e precárias de conservação, em sua grande maioria, com terrenos de podologia íngreme e relevo acidentado, com áreas alagadiças e áreas de sedimentos consolidados.

Várias conquistas se deram ao longo desses 23 anos de história da comunidade, as transformações advindas com as melhorias implementadas no bairro trouxeram luz elétrica,

Trajetórias e cotidiano no Boa Vista

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Habitantes & Habitat

telefones públicos, transporte coletivo e pavimentação de suas ruas. As vias mantêm, apesar do passar do tempo, a preservação de traços históricos referentes, principalmente, às suas nomeações.

O bairro iniciou-se com apenas três ruas, rua do Operário, rua Nabor Júnior e Coronel Gualter. Hoje, é constituído por cerca de 16 ruas, algumas delas destacam-se pelo fato da relação entre seus nomes e antigas famílias proprietárias; são exemplos, a rua Lúcia Assem, nome da primeira proprietária de terras da Colônia Cunha Vasconcelos, a rua Carlos Alberto Lopes, João Amâncio e Travessa Dorela Vasques, todos familiares do segundo proprietário.

Outras ruas têm origem em nomes de personalidades políticas ou de outro fato acontecido na comunidade, caso, da rua Nabor Júnior (Governador da época), rua Coronel Gualter, homenageado por ter contribuído na desapropriação e ocupação da antiga área pertencente à Fazenda Sobral, e ainda a Rua da Torre, homenagem a primeira estrutura montada responsável pela transmissão dos programas da Rádio Difusora Acreana.

E foram estas e várias outras informações, que nos permitiram conhecer partes da história do local, suas transformações e particularidades subsidiaram a elaboração desse ensaio. Através da voz dos moradores do Boa Vista e dos relatos do seu cotidiano, esperamos contribuir para ampliar o conhecimento da população de Rio Branco sobre a constituição do bairro e das trajetórias de suas gentes.

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Habitantes & Habitat

ALINHAVANDO HISTÓRIAS NO BAIRRO FLORESTA SULLelcia Maria Monteiro de Almeida

De um lado e outro Casas De um lado e outro Gentes

Ao meio via Via Verde Um lugar ao todo Lugar-Bairro

Bairro cheio Cheio de gentes Gentes cheias de histórias

Histórias a contar De seus habitantes

De seu habitat(Lelcia Almeida - Migrante e filha de migrantes cruzeirenses)

linhavar histórias, costurar o tecido das informações para que não sejam esquecidas, é nosso objetivo neste ensaio. ANão pretendemos costurar uma história qualquer, ocorrida

em qualquer lugar; mas a história do Floresta Sul, um bairro da

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Alinhavando histórias no bairro Floresta Sul

cidade de Rio Branco, com seus lugares e com os sujeitos que os habitam.

A escolha da expressão “alinhavando histórias” para o título deste ensaio ocorreu por concebermos que os fatos e acontecimentos aqui apresentados não constituem um resgate histórico do bairro, pois acreditamos que isso não é possível, uma vez que, nenhum lugar está sujeito a ser caracterizado ou conhecido a partir de uma única versão histórica. O que nos propomos aqui é realizar uma leitura sobre os fatos e acontecimentos que traduzem segundo os múltiplos sujeitos moradores do lugar as muitas histórias que lhes constituem, conhecendo, através dessas histórias, seus hábitos, valores, comportamentos e as distintas maneiras de viver, de se identificar e de se relacionar com a cidade, com o bairro e uns com os outros.

Quando nascemos, moramos ou adotamos uma cidade para viver, projetamos nela uma história, construímos referências onde mantemos nossa identidade. Essa identidade é construída ao longo do tempo na relação do homem com o lugar. Uma relação que não deve ser esquecida, pois uma cidade que não tem memória é uma cidade sem alma.

Assim como as cidades, são os bairros; cada um possui trajetórias históricas próprias e particularizadas, que precisam ser identificadas. Definitivamente, essa não é uma tarefa fácil se consideramos as dificuldades de identificarmos os fatos e acontecimentos que compõem a história e a “alma” de um bairro.

Na Amazônia, e especialmente no Acre, há um ditado popular que diz: Não fale do que você não conhece. Nesse sentido, a maneira encontrada para tornar “conhecível” a história desse lugar e de seus moradores foi caminharmos pela comunidade. Caminhando e perguntado, foi a forma que nos permitiu traçar contatos, ouvir, ver coisas e gentes diferentes. As muitas gentes com quem conversamos contribuíram para que percebêssemos que a reconstrução da história de um lugar ou de uma comunidade implica partir do principio que a história está presente em todos os

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Habitantes & Habitat

momentos das experiências vividas no dia-a-dia por seus habitantes.

Para compreendermos a “alma” de uma comunidade é necessário que estejamos conscientes de que ela nasce no cotidiano das vidas de seus moradores, na atividade em que trabalham, na família, na escola, na vizinhança e na rua onde residem, estando presente nos seus hábitos, costumes e nas relações que as pessoas mantêm entre si ao longo dos anos.

Então, para conhecermos e entendermos a história desse bairro foi preciso prestar muita atenção, pois os seus lugares estavam repletos de histórias que escapavam aos nossos olhos e conhecimento. E se faltavam a nós documentos escritos suficientes que nos permitissem conhecer melhor o lugar, necessário se fez que alguém nos contasse algumas das muitas histórias que percutem na comunidade.

Nesse chão de antigos roçados, precisávamos colher o “fruto” que nos fornecesse mais informações e nos possibilitasse saber mais sobre esse lugar conhecido por Floresta Sul. Durante a busca, identificamos alguns moradores para realizarmos entrevistas. A cada um dos entrevistados nos apresentávamos, dizíamos quem éramos e o que desejávamos. Alguns nos convidavam a entrar em suas casas, outros, nos atendiam em seus quintais embaixo da sombra de uma árvore há muito plantada.

Realizamos uma, duas, três, quatro (...) mais de vinte entrevistas e com elas alguns dados para iniciarmos nosso trabalho. No entanto, ainda nos faltava encontrar a “fruta”, ou melhor, a “linha” certa para costurar essa história.

Há tempo para todas as coisas, já disse o sábio Salomão. Na última casa em que tínhamos estabelecido que encerraríamos a pesquisa, conhecemos uma pessoa que a gente vê, olha e se interessa por enxergá-la e senti-la. Gente humilde. Seu nome? Maria Helena da Silva, 70 anos de idade, nascida no dia 25 de maio de 1937, ali mesmo, no bairro onde reside. Filha de José Bonifácio

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da Silva, um cearense que veio em 1920 para o então Território do Acre, não para trabalhar na extração do látex, como a grande maioria dos cearenses e nordestinos que para cá vieram, mas na agricultura; ali, onde seus descendentes ainda vivem.

Após os primeiros dados fornecidos, sabíamos que tínhamos encontrado um norte para, quem sabe, entendermos a origem do bairro Floresta Sul. Havíamos encontrado nosso “fruto” de informações, e a “linha” para costurar essa história seria a memória dessa senhora nascida há 70 anos.

Descendente de nordestino - como a maioria dos acreanos - tem na sua estrutura física a marca de sua identidade étnica. Negra de descendência e na pele. Sua estrutura mediana deixa-nos transparecer uma vitalidade, demonstrando ser uma mulher de força, coragem e determinação. Tem ainda, cabelos brancos

9“afros” reafirmando sua negritude, e sorriso aberto, traduzindo a sabedoria de tempos vividos e dificuldades superadas. Essas são algumas das características dessa senhora, que com gestos suaves convidou-nos a entrar em sua casa, o que foi aceito de imediato. Humildemente, pediu desculpas pela “desorganização” da casa, mostrando-se modesta, já que, em nosso julgamento, tudo estava completamente em ordem. Na sala ampla, poucos móveis e em um deles, uma televisão antiga da marca National, colorida, e também uma Bíblia afirmando sua fé. Nas paredes, muitos quadros dos familiares e dos Santos aos quais é devota

Alinhavando histórias no bairro Floresta Sul

9 Dizem-se cabelos afros aqueles que se assemelham aos dos negros africanos. No Brasil é conhecido popularmente e/ou vulgarmente como cabelos “ruins”, “enrolados” e ainda “pichains”.

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Dona Helena em sua cadeira de balanço. Foto: Reginâmio B. Lima.

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Acomodando-se em uma cadeira de balanço, pediu para que fizéssemos o mesmo. Olhou-nos, e quase inocentemente perguntou: “Mas o que é que vocês querem saber mesmo?”.

“Gostaríamos que a senhora nos contasse como ocorreu o surgimento desse bairro, como foi sua vida nesse lugar, do que tem saudade do passado, as mudanças e conquistas que ocorreram no bairro e que necessidades a comunidade ainda possui”.

Como quem sabe o tamanho da “encrenca” das perguntas feitas, abriu um leve sorriso, respirou fundo como quem consome energia para uma longa viagem. Parou, fechou os olhos e os abriu começando a lembrar, tornando a memória um “túnel do tempo”, onde suas reflexões nos remetem a vislumbrar a realidade das coisas. Margeada pelo sentimento das lembranças começou a descrever emoções e confessar saudades:

Olha, no passado o lugar era diferente. Era uma colônia do governo. Era a Colônia Gabino Besouro. Não era como hoje. Tinha poucas famílias. O governo dividiu os lotes e cada colono cultivava sua roça, criava seus bichinhos. (...). Naquele tempo, era outro tempo. Naquele tempo a gente se amava, era muito tranqüilo. Todo mundo se conhecia, não tinha essa violência nem o medo de hoje.

A memória de Dona Helena acabou por nos levar para um tempo e para um lugar que surgiu 29 anos antes que ela nascesse.

10A colônia citada no depoimento foi fundada em 1908 , quando Gabino Besouro era prefeito departamental, originando daí o nome da colônia. Essa foi a primeira colônia implantada com o objetivo de iniciar uma colonização organizada pelo poder público no Território do Acre. Para esse local, foram encaminhados lavradores que receberam o título de colonos.

Inicialmente, a fundação dessa colônia tinha como objetivo o desenvolvimento da agricultura. No entanto, ainda em 1915, sete

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10 Estudo Geográfico do Território do Acre. Brasília: Editora do Senado Federal, 2004.

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anos após sua criação, a pecuária despontava como uma das principais atividades. Fato concretizado em 1951, época em que a colônia tinha uma população estimada em 160 pessoas: 77 homens, sendo 52 maiores de 12 anos de idade e 25 menores; e 83 mulheres, sendo 50 maiores de 12 anos e 33 menores. Nesse período, a colônia já tinha 43 anos de existência e a maioria dos lotes agrícolas já haviam se transformado em pequenas fazendas.

Como aponta a lembrança de Dona Helena, esse tempo, era outro tempo. Na sua fala era o tempo da tranqüilidade, onde todo mundo se conhecia e ninguém corria o risco de ser atacado ou agredido. Era o tempo de sua infância e das brincadeiras, da mocidade e das festas.

No tempo de agora, seus olhos esbarram nas lembranças de outrora, e lembra-se que “a maior dificuldade que se vivia no passado era o transporte. Era uma aventura ter que ir à cidade enfrentando o caminho e a lama para comprar o que a colônia não produzia”. Mas, essa é uma história de antigamente, como bem diz Dona Helena. Uma história da origem do lugar. A nós, a cada instante, é preciso seguir, afinal, precisamos saber como surgiu o bairro Floresta Sul.

Pelos depoimentos da maioria dos entrevistados, e, segundo o jornal O Rio Branco (1990), o bairro surgiu na primeira metade da década de 1980, fruto de tensões e disputas de interesses diversificados. Essa era uma época em que o movimento social de caráter comunitário singularizava-se por ser um forte movimento de reivindicação, e que tinha sua representação pautada na criação de inúmeras associações de moradores. Essas associações serviam para reivindicar os benefícios dos quais as comunidades necessitavam, mas também, como estratégias de interesses políticos partidários.

Como um bairro não é um lugar homogêneo – onde vivem indivíduos, homens e mulheres compartilhando dos mesmos ideais, interesses e experiências – ali também não poderia ser. Os confrontos de interesses e idéias ocorridos nessa época

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desenharam outros rumos para a história do lugar e de seus moradores, dando origem à criação de um novo mapa da área e com ele o surgimento de um novo bairro na cidade de Rio Branco.

Escola Clínio Brandão em 1948. Foto: Irisan.

Atualmente, o bairro Floresta Sul conta com uma área de 984.191m², segundo dados do Setor de Georeferenciamento da Prefeitura de Rio Branco.

De acordo com depoimentos dos entrevistados e matérias 11de jornais , o Floresta Sul é uma área que foi desmembrada do

bairro Floresta, com base na alegação de que o bairro era muito grande e os recursos destinados às associações de moradores também eram muito pequenos para que se pudesse fazer alguma coisa. A partir dessa argumentação, ocorreu a divisão de uma área de mais de 4 mil metros quadrados em dois bairros, Floresta Norte e Floresta Sul, para atender os desejos das duas principais facções políticas existentes no local: o Partido de Mobilização Democrático Brasileiro (PMDB) e o Partido dos Trabalhadores

Alinhavando histórias no bairro Floresta Sul

11 Periódico O Rio Branco, 08 de dezembro de 1978; 20 de março de 1990; e 17 de outubro de 1990.

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(PT). O pretexto era que só através da divisão seria possível que o “progresso” chegasse ao mesmo tempo no bairro inteiro. Interesses políticos surgiram acima dos interesses do bairro e a diretoria foi dividida, com a criação de outra associação com mandato paralelo.

Se outrora o bairro era a expressão da tranqüilidade, a partir de então, se tornou um espaço de disputa de poder, e como toda cidade quer o novo, nesta época, a busca pelo “progresso” virou uma “bandeira de luta”, defendida não só por uma, mas pelas duas facções políticas existentes e rivais.

Entre conflitos e intrigas, o “progresso” foi chegando aos poucos, e assim, o caminho virou rua Rio de Janeiro, que ficou conhecida como Estrada da Floresta, sendo, posteriormente, transformada em Via Verde. Mas essa mudança levou alguns anos e só se concretizou após algumas gestões de governos e de presidentes da associação.

A chegada do “progresso” trouxe consigo profundas mudanças nas maneiras dos moradores verem e viverem o seu cotidiano. Os caminhos de passagem, os antigos espaços típicos de lazer, das trocas de experiências e idéias entre os moradores após o trabalho e nos fins de semana, e onde se promoviam festas, brincadeiras e outras formas de distração, perderam em boa parte a função de gerar e manter a identidade da vizinhança. Com as transformações ocorridas no lugar perdeu-se muito de suas características como ponto de encontros freqüentes e gratuitos, deixando para trás antigos usos que davam à vida dos moradores criatividade e solidariedade.

A rua foi asfaltada, virou via de passagem para veículos de grande porte, e com eles a chegada de intenso movimento e barulho. Nem todos os moradores se acostumaram a essa nova realidade. Os mais antigos destacam que não gostam muito das mudanças, e apontam que, se por um lado a estrada tornou-se um ponto de redução de distâncias, por outro, trouxe consigo o aumento da violência.

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Os fatos descritos acima contribuíram para que muitos dos antigos moradores se mudassem do local em busca da tranqüilidade perdida.

O “progresso”, que chegou à rua principal em conseqüência da construção da Terceira Ponte, via de acesso do Primeiro ao Segundo Distrito com o objetivo de diminuir o trânsito de veículos de grande porte no centro da cidade, não se fez presente nas demais ruas do bairro, que em sua grande maioria mais lembram um misto de “campo-cidade”, constituídas de ruas sem pavimentação com aparência de pequenos “ramais”, dando um aspecto “pacato” que parece ter sobrevivido ao longo dos tempos da antiga colônia que ali existiu.

Antigas e novas características se somam e contribuem para que conheçamos outros aspectos que fazem parte da(s) história(s) do bairro. Aspectos que nos permitem conhecer questões referentes à origem dos moradores, trabalho, habitação e serviços públicos existentes.

Em relação à origem, a maioria dos atuais moradores veio do município de Tarauacá e outros nasceram no próprio município de Rio Branco. Os taraucaenses vieram, principalmente, no período da crise dos seringais, no final da década de 1970 e início de 1980, na esperança de vir para a Capital e terem melhores condições de vida, condições que estavam expressas na conquista de trabalho, saúde e educação para os filhos. Já os riobranquenses se mudaram para o local por dois motivos principais: ficarem próximos a parentes que vivem no bairro ou em bairros próximos, ou ainda para saírem do aluguel.

No que diz respeito à ocupação dos moradores, quase metade tem trabalho fixo; pouco menos de um terço são biscateiros; 17,64% são aposentados e 5,88% não têm trabalho remunerado.

Os dados referentes à questão do trabalho contribuem para entendermos também os aspectos referentes à questão da habitação. Dos atuais moradores, quase totalidade possuem casa

Alinhavando histórias no bairro Floresta Sul

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Habitantes & Habitat

própria, sendo que a predominância é de casas de estrutura mista, construídas em madeira e alvenaria, e que apresentam um estado de boa conservação, seguidas de casas com estrutura em alvenaria, e por último, ou em menor quantidade, casas totalmente construídas em madeiras.

Uma observação interessante referente à questão das habitações construídas totalmente em madeira é que elas são, em sua grande maioria, pertencentes aos moradores mais antigos do bairro, e que estes constituem também o grupo de pessoas mais idosas da comunidade. É como se a estrutura da casa fosse uma forma de manter uma união entre as novas conquistas e antigos valores. Valores culturais que são praticados e percebidos, por exemplo, nos quintais repletos de árvores, flores e canteiros com seus coentros, cebolas, tomates, couves, pimenta de cheiro e pimentas ardosas para molho (malagueta, peito-de-moça, olho-de-peixe), e outros sabores e cheiros herdados de tempos passados e locais não esquecidos.

O bairro não conta com rede de esgoto, nem serviços de saúde, o que acaba por provocar revolta em muitos moradores. Os serviços públicos existentes são caracterizados pela presença de rede de água e de energia elétrica que chegam a quase todas as residências.

Um aspecto importante dentro da comunidade é o referente à educação. O bairro possui uma das escolas mais antigas da cidade de Rio Branco.

12 Essa escola foi inaugurada no dia 02 de junho de 1947 , quando José Guiomard Santos era governador do então Território do Acre. Nesse período, Guiomard Santos tinha como um dos objetivos para o desenvolvimento do Território a valorização de antigas colônias e a instalação de novas. Essa foi a primeira escola rural edificada em alvenaria. Foi construída para que os filhos dos colonos pudessem ter acesso à educação, o que contribuía para a fixação dos pais na área garantindo a permanência de mão-de-obra no lugar.

12 Departamento de Geografia e Estatística – Efemérides Acreanas 1857/1969.

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Recebeu o nome de Clínio Tavares Brandão em homenagem ao gaúcho da cidade de Pelotas do Estado do Rio Grande do Sul, que veio ao Acre juntar-se à causa “revolucionária” acreana.

Vista da Via Verde. 2007. Foto: Lelcia Monteiro de Almeida.

No ano de 2004, a escola passou por uma reforma, sendo ampliada com toda a infra-estrutura necessária para atender à comunidade escolar, que hoje conta com aproximadamente 560 crianças e adolescentes em uma faixa etária de seis a dezoito anos, de 1ª a 8ª série do Ensino Fundamental, e também o Projeto Poronga. A gestão escolar dá-se de forma participativa, onde as idéias são compartilhadas entre alunos, professores e pais e as decisões são coletivas e democráticas.

Em reconhecimento à importância histórica e social da instituição, na perspectiva do Projeto Político Pedagógico implantado e desenvolvido, a escola recebeu da Assembléia

Alinhavando histórias no bairro Floresta Sul

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13Legislativa Moção de Aplauso à equipe gestora pela homenagem realizada no dia 13 de junho de 2007, junto aos moradores do bairro, pela passagem dos 60 anos de serviços educacionais prestados à comunidade escolar.

É de acreditarmos que a ausência da violência no passado apontada por Dona Helena e outros entrevistados, tenha profundas ligações não só com o fato de que quase todos se conheciam, já que trabalhavam, viviam e conviviam na comunidade, mas também, pela presença da escola contribuindo para a formação da cidadania e na preservação de valores da comunidade escolar e dos moradores do bairro.

Assim como antes, o bairro não dispõe de Unidade de Segurança, mas hoje, segundo os próprios moradores, a realidade sobre a tranqüilidade e a violência já não é mais a mesma. A

Escola Clínio Brandão – 2007. Foto: Lelcia Monteiro de Almeida

13 Moção de Aplauso n. 12/2007 – Autoria de Deputada Naluh Gouveia.

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abertura dos loteamentos e o conseqüente crescimento do bairro alteraram a rotina daqueles que se conheciam desde a infância e que passando a conviver com “estranhos” dizem-se temerosos, requerendo do poder público policiamento, expressando a necessidade de segurança.

Mesmo com os receios em relação à falta de segurança apontada, os moradores buscam encontrar caminhos que lhes garantam viver o cotidiano, principalmente, em relação ao lazer. O lazer dos moradores do bairro consiste basicamente, para os idosos, nas visitas a casas de parentes, vizinhos e a ida às Igrejas. Para os mais jovens, rodas de conversas na rua, em casas de amigos, jogo de bola e banhos que existem em bairros próximos.

Os benefícios que ainda faltam na comunidade são os motivadores dos sonhos de seus moradores. São as conquistas alcançadas e as ainda almejadas, que nos permitem dizer que o bairro é muito mais que o conjunto de suas ruas, é também, suas casas, famílias, sonhos distantes e os desejos imediatos de seus habitantes.

A maioria dos idosos reconhece que muitas de suas lutas e necessidades foram vencidas. Hoje a comunidade conta com serviços de água, luz e abertura de ruas, benefícios que foram conquistados com muitas dificuldades, mas também, destaca que ainda faltam “coisas” a serem conquistadas, como saúde, segurança, pavimentação das ruas, lazer para os jovens e mesmo para os idosos.

A quem desejar viver o mistério do bairro Floresta Sul, basta entregar-se, sem julgamento, a suas ruas e seus sentidos, conhecer seus personagens e histórias, de agora e de antigamente, e assim, viver o bairro na plenitude de seus caminhos.

O mistério do bairro é o mistério da vida, e assim como a vida, a sua imagem é a do passado, presente e do futuro. O bairro Floresta Sul, assim como os demais bairros da cidade de Rio Branco, tem muitas historias a contar e muitas necessidades a

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serem supridas, e sua “alma” está nos seus afazeres domésticos cotidianos, expressos na criação dos filhos e netos, nos momentos de festas, de perdas, de fé.

E por falar em futuro, consideramos que memória não é coisa somente do passado, mas também do futuro, por isso, no decorrer da leitura aqui realizada sobre o bairro Floresta Sul, suas gentes e suas histórias, buscamos melhor conhecer e dar a conhecer os saberes e os fazeres de pessoas comuns para que suas histórias não sejam esquecidas.

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INVASÃO DA SANACRE Águas, Vidas e Vivências

Leila Gonçalves da CostaMaria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

Habitantes & Habitat

gua que nasce na fonte serena do mundo, e que abre o profundo grotão... águas que banham aldeias e matam a sede Áda população”. Como diz a música de Guilherme Arantes, a

água é um dos mais importantes minerais utilizados pelo homem. Sua preciosidade não é mensurável em valores exorbitantes como o ouro, a prata, o diamante, ou outros minerais valiosos. O valor da água está no fato de ser essencial ao homem; sem ela, não há vida. Refletir sobre o valor e a preciosidade da água é nosso ponto de partida para podermos pensar as vivências e convivências no bairro denominado Invasão da Sanacre.

Como o próprio nome informa, a formação da ocupação que originou o bairro está intimamente ligada à questão água, mais

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especificamente, à distribuição desse líquido tão importante às casas de milhares de riobranquenses. A criação da Estação de Tratamento da antiga Companhia de Saneamento do Acre – SANACRE – foi o motivo que gerou a ocupação das terras em que o bairro surgiu. O bairro Invasão da Sanacre corresponde à área cuja formação originou-se da ocupação das terras próximas à Estação de Tratamento de Água da antiga Fazenda Sobral. Limita-se ao norte com os bairros Plácido de Castro e Boa Vista, a oeste com o Floresta Sul, a leste com o Sobral e ao sul com o rio Acre.

O nome Invasão da Sanacre, a princípio, parece incoerente para se designar um bairro. O processo natural pelo qual passaram quase todos os bairros existentes em Rio Branco, em sua formação, foi a transformação das chamadas “invasões” em bairros, após a urbanização destas. No caso do Invasão da Sanacre não foi assim, mesmo contando com as vias principais asfaltadas e até mesmo uma escola, os moradores do local ainda não podem dizer que moram de fato em um bairro, mas em uma “invasão”.

O problema, nesse caso, não é a nomenclatura, mas o sentido pejorativo que a palavra “invasão” representa. O “invasor” é aquele que usurpa o que é alheio, agindo em âmbitos que não lhe pertencem, e reivindica para si a posse de algo pertencente a outro.

A extensão habitada do bairro é de pouco mais de dois hectares, embora sua área total seja de 489.353 m². Além de a área habitada ser muito pequena, encontramos, durante a pesquisa feita na localidade, apenas 37 domicílios. Seria mais coerente considerar o Invasão da Sanacre como uma expansão do bairro Sobral, já que o mesmo não apresenta nem espaço suficiente nem características que possam configurar-lhe como um bairro. Ao denominar a localidade de uma “invasão”, temos outro problema: como um bairro devidamente registrado no Setor de Cadastro Imobiliário da cidade pode ter o nome de “invasão”? Mais que isso, como se sentem as pessoas que ali residem quando têm que dizer que, após tanto tempo, ainda moram em uma invasão?

A história do Invasão da Sanacre confunde-se com a própria história do bairro Sobral. Isso ocorre em virtude da

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ocupação de terras adjacentes à Estação de Tratamento da Sanacre ter também se mesclado com a ocupação das terras da antiga Fazenda Sobral. Assim, durante muito tempo, as poucas casas existentes entre os dois locais eram as únicas habitações erguidas. A Fazenda Sobral situava-se na área de terra que está contida entre a rua Francisco José de Oliveira, que segue até a Estação de Tratamento de Água de Rio Branco e adjacências, até o encontro da Estrada da Sobral.

Segundo Lopes (2007), as terras da Fazenda Sobral pertenciam ao casal Pedro e Juricaba, que venderam sua propriedade para o Território Federal do Acre, no Governo de Guiomard Santos. A sede da Fazenda Sobral era uma casa, ainda da época dos antigos moradores. Na fazenda era desenvolvida a pecuária, inclusive com a criação de cavalos de raça, tendo até veterinário para fazer o acompanhamento dos animais. Também era o local onde a “alta sociedade, as equipes de governo se reuniam para comemorar, descansar, festejar. Lá eles bebiam, tomavam banho, matavam bois e faziam churrasco”.

Possivelmente um dos poucos moradores que viram não apenas o Invasão da Sanacre surgir, mas toda a área denominada Baixada da Sobral, e que ainda permanecem morando no local é o senhor L.V.C.. Em entrevista a Reginâmio Bonifácio de Lima, ele relata que chegou à área que hoje constitui o bairro Sobral, ainda em 1960. Em seu relato, ela fala de suas vivências e do processo de mudanças que a área sofreu ao longo dos tempos:

(...) Na fazenda Sobral, passei muitos domingos lá. (...) As famílias sentavam ali, ficavam admirando alguma beleza do rio, né? (...) Então, a Fazenda Sobral tinha, assim, mesmo em frente à beira do rio, umas casinhas redondas, cobertas de telha de barro. (...) As pessoas sentavam ali e ficavam admirando a beleza do rio. Tinha muito gado, era muito divertido dia de domingo. A população da cidade vinha toda praí... tinha acesso, né? Os banhistas... Tinha a Praia do Amapá e tinha a praia também da Fazenda Sobral. (L. V. C., 58 anos, entrevistado por Reginâmio Lima).

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Como se percebe pelo relato acima, o rio é elemento marcante na vida dos antigos moradores. A Fazenda Sobral era local de divertimento da sociedade acreana do antigo Território Federal.

Sede da Fazenda Sobral – 1953: Propriedade do Governo do Território Federal do Acre. Fonte: Acervo Digital IBGE

Anos depois, nessa área, através da Lei n. 454, de 1.º de outubro de 1971, foi autorizada a constituição da Companhia de Saneamento do Estado do Acre S/A – SANACRE, tendo por finalidade realizar estudos, projetos, construção, operação e exploração dos serviços públicos de abastecimento de água potável e de esgotos sanitários.

De acordo com o Sr. Oscar Pereira dos Reis, um dos engenheiros da obra da Companhia, a urbanização do bairro Sobral se deu em decorrência do caminho aberto para a adutora. Teve-se a necessidade de desmatar e cavar por onde a tubulação iria passar, transportando a água tratada do reservatório até o depósito da Volta Seca, e de lá, seria distribuída para os moradores.

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A ocupação das terras na antiga Fazenda Sobral ocorreu durante fins da década de 1970 e princípio da década de 1980, iniciando-se o processo de urbanização da mesma, sendo que, já existiam algumas dezenas de famílias residindo área rural. Em 1989, com o fluxo migratório proveniente principalmente das proximidades do Colégio Agrícola e Rodovia Transacreana, algumas famílias se fixaram no local próximo à Estação de Tratamento de Água, adutora de Rio Branco, entre a Estrada da Sobral e o rio Acre, o que mais tarde viria a se chamar bairro Sobral.

Atualmente, segundo o Setor de Cadastro da Prefeitura, existe uma expansão do bairro Sobral, na margem esquerda da Estrada da Sobral. Contudo, sua formação inicial se deu na margem direita, onde atualmente se situa a escola João Paulo II, na faixa de terras pertencente ao Governo do Estado, onde está localizada a estação adutora de tratamento de água da cidade, indo até a margem do rio Acre.

Com o aumento considerável da população urbana de Rio Branco, após a década de 1960, o poder público percebeu que o serviço de água e esgoto da Capital deveria acompanhar a demanda populacional. Assim, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto do Acre, foi extinto em 1971, sendo criado em seu lugar, a Companhia de Saneamento do Estado do Acre – SANACRE. Conforme disposto no Decreto 302, de 11 de novembro de 1971, que regulamentava a criação da SANACRE, competia à instituição “estudar, projetar e executar obras novas, reformas e ampliações de instalações do sistema de água e esgotos sanitários”. Assim sendo, a Estação de Tratamento de Água da Fazenda Sobral teve o início de sua construção nos primeiros anos da década de 1970. Somente em 1974 as instalações foram inauguradas.

A instalação da Sanacre na área da Fazenda Sobral impulsionou o processo de ocupação da área do atual bairro Sobral. Na foto abaixo, podemos visualizar a área pertencente à Estação de Tratamento de Água da Fazenda Sobral e a ocupação quase inexistente das proximidades:

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Estação de Tratamento de Água da Fazenda Sobral, ainda em construção, em 1973.Foto: Acervo pessoal do senhor Filogônio.

Como se percebe, na parte superior da foto aparece a estrada de terra que dava acesso à Estação de Tratamento de Água da Fazenda Sobral, pelo bairro Floresta. No início da década de 1980, quando abriram a Estrada da Sobral, o acesso passou a ser feito direto ao centro da cidade indo pela Ladeira do Bola Preta.

A Companhia de Saneamento do Estado do Acre – SANACRE, que é uma empresa pública, de economia mista, da autarquia estadual, foi cedida, por tempo indeterminado, ao município de Rio Branco, em 31 de março de 1997. O município assumiu todos os bens e responsabilidades destinados à captação, tratamento e distribuição de água, bem como o sistema de esgotamento sanitário da cidade.

Com a rua aberta para a SANACRE, e pela existência de um festival de praia nas terras do Amapá, do outro lado do rio Acre, muitas pessoas passavam pela Invasão da Sanacre para ir ao local se divertirem. Logo no período de criação desse festival, não existiam ônibus que levassem as pessoas até a praia do Amapá.

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O Festival do Amapá acontecia no período de verão, geralmente durante os meses de agosto e setembro, quando o rio estava com as águas baixas. Durante as décadas de 1980 e 1990, o Festival do Amapá se constituía num dos principais pontos de lazer e divertimento para a população riobranquense.

Banhistas nas praias do rio Acre, no Festival do Amapá. Ao fundo, no canto esquerdo, vê-se a ETA I. Data: Década de 1980. Fonte: Acervo Digital do Memorial dos Autonomistas.

Pessoas das mais variadas idades se deslocavam de várias partes da cidade para aproveitar o lazer daquele local. Lá, crianças, jovens e adultos podiam tomar banho às águas do rio Acre, se bronzear nas areias da praia, jogar bola no campo de futebol, beber, comer, dançar e namorar. Havia também muitos ambulantes que vendiam seus produtos para os banhistas. Eles vendiam melancia, milho, bebidas, comidas, e outros.

As atrações do Festival consistiam em shows de artistas locais e nacionais no início de carreira, como por exemplo, Zezé Di Camargo, que tentava fazer carreira solo como cantor, mas sem nenhuma condição financeira, precisava contar com o apoio do

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radialista e desportista Campos Pereira, que muitas vezes, o hospedava em sua casa.

Havia também torneios e campeonatos de futebol organizados e patrocinados pelo governo do Estado do Acre, através da Fundação Cultural. Os times inscritos nos campeonatos atraíam um grande público, tendo em vista que cada time participante levava a sua torcida.

A área hoje denominada Invasão da Sanacre servia de passagem para muitos banhistas que, para irem aos festivais, passavam pelas terras da ETA I. Era comum ver casais “namorando” em meio às árvores, alguns faziam piqueniques, outros cantavam ao som de violão e cavaquinho “enquanto tomavam uma”. Os festivais atraiam muita gente, mas na margem em que fica a Adutora da Sanacre também ficavam várias pessoas, em busca de proteção dos raios solares.

Já nesse período de fins da década de 1980, o rio Acre apresentava problemas quanto ao seu volume de água. Era comum ver centenas de pessoas atravessando o rio “com água na cintura” para chegar à praia do Amapá.

Muitas das populações que passavam pelas terras da Sanacre foram ficando e se apossando da localidade, cada vez mais aumentando a expansão da Sobral rumo à Estação de Tratamento. Se observarmos bem o mapa, que está contido no início deste ensaio, veremos que quase não aparecem ruas, somente a limítrofe entre a Invasão da Sanacre e os bairros Floresta Sul, Boa Vista e Sobral, na parte de cima. No mapa, perto de onde está escrito o nome do bairro existem quatro ruas perpendiculares que começam no bairro Sobral, e pouco a pouco, vão adentrando no Invasão da Sanacre. Nessas ruas, existem pouco mais de trinta domicílios, ficando os outros poucos domicílios no restante da extensão do bairro.

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Rua da Sanacre – principal rua do bairro Invasão da Sanacre. Foto: Reginâmio B. Lima.

Nesses locais moram homens e mulheres que, para garantir o sustento da família, trabalham de biscate, dependendo sempre das oportunidades que surgem para conseguirem manter suas famílias. Menos da metade tem trabalho fixo. Em sua maioria, são pessoas jovens, que cursaram o Ensino Fundamental. Entretanto, menos da metade deles conseguiu concluir o Ensino Médio.

A religiosidade é um aspecto muito importante na vida dos moradores do Invasão da Sanacre. A escolha da denominação religiosa professada pelos moradores encontra-se dividida quase ao meio, pouco menos da metade dos moradores professa a religião católica e outra igual quantidade professa crença pentecostal, em sua maioria da Igreja Assembléia de Deus. Ainda há os que não professam religião ou são adeptos de outras religiões.

A freqüência nas atividades religiosas costuma dar-se, entre os católicos, uma vez por semana, geralmente na missa do domingo, pela manhã, e entre os assembleianos, semanalmente,

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duas vezes, no culto durante a semana e no domingo. É interessante destacar o grande número de congregações da Assembléia de Deus nas proximidades do bairro, o que tem contribuído para cada vez mais aumentar o número de membros dessa Igreja na localidade.

Todos foram unânimes em afirmar que nunca receberam ajuda de nenhuma instituição ou órgão do governo. Infelizmente, ainda hoje, o bairro tem sido tratado pelo poder público como de fato uma “invasão”. O anseio de quem espera há tanto tempo por melhorias no bairro aparentemente, resume-se em algo bem simples: ver, pelo menos, as ruas asfaltadas. E a motivação é mais simples ainda, a cada ano, os moradores sofrem com os efeitos da poeira e da lama, que a sua época, trazem graves problemas de saúde e dificultam o deslocamento para seus locais de trabalho.

As ruas do bairro que têm pavimentação asfáltica são apenas a Estrada do Colégio Agrícola, que margeia o bairro, fazendo limite com o bairro Plácido de Castro, a Via verde, do trevo da Sobral até a Terceira Ponte e a rua da Sanacre, que vai da intersecção da Estrada da Sobral até a entrada da ETA I.

Todos os domicílios são atendidos com os serviços de água encanada e energia elétrica. A grande dificuldade é o não atendimento do serviço de esgoto na localidade. As residências são simples, tendo casas construídas em madeira, em alvenaria e mistas. O grande fluxo de migrantes para o bairro Invasão da Sanacre concentrou-se em fins da década de 1990 e tem perdurado até os dias atuais. Os moradores que têm se deslocado para o local, em sua maioria, são provenientes de outros bairros do Terceiro Eixo. Há uma espécie de identificação com o lugar e esses laços, muitas vezes, se reforçam com a convivência amigável com os amigos e pela proximidade dos familiares que residem em bairros próximos.

Há uma mobilidade marcante no local. Muitos moradores conseguiram um pedaço de terra para morar, mas venderam a outras pessoas. O interessante é que essas outras pessoas quase sempre são provenientes do bairro Sobral ou do Boa Vista.

Na parte sul do Bairro, próximo à Terceira Ponte, a Prefeitura está construindo uma Central de Abastecimento de

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produtos agrícolas e hortifrutigranjeiros, que se pretende que seja o principal ponto de escoamento no atacado e no varejo da cidade de Rio Branco. As obras de construção já começaram, é possível ver homens e máquinas trabalhando.

Ao olhar para a obra sendo construída nas terras da Invasão da Sanacre percebemos algumas diferenças quanto aos trabalhadores: os técnicos, engenheiros, “pensadores da construção” são quase todos de outros locais da cidade; os braçais, “orelhas secas”, carpinteiros, pedreiros, ferreiros, biscateiros, “seu João do picolé”, “seu Francisco do salgadinho”, “dona Maria da tapioca”, esses são quase sempre moradores dos bairros da localidade. Aqueles, especialistas que pensam o trabalho a ser executado; estes, os executores práticos da construção: um exército de mão-de-obra barata que pode ser encontrada nos 16 bairros da região e disponível para o trabalho temporário que lhes dará a possibilidade de sonhar com o sustento dos filhos, a compra de uma televisão, ou simplesmente, o pagamento da conta efetuada na taberna próxima de casa.

Mas a vida não é só trabalho. Os moradores do Invasão da Sanacre também têm saudades. Muitas são as lembranças do tempo em que foram morar no bairro. Para muitos, uma das maiores é a falta dos familiares que moravam perto. Com a construção da Terceira Ponte, a valorização das terras e o aumento do fluxo de pessoas no local, muitas pessoas venderam suas casas e foram morar em outros bairros. Muitos ficaram pela falta de opção, porque se acostumaram à dinâmica do local, sempre movimentado, outros, porém, permanecem porque gostam do lugar.

Um bairro com nome de invasão. Quem sabe uma invasão que virou bairro? As famílias que encontramos na localidade não têm o título definitivo das terras, como a maioria dos moradores de Rio Branco, e, como esses, se demonstraram pessoas receptivas, que nos aceitam em suas casas e respondem perguntas sobre vários assuntos, inclusive sobre sua situação no local. A grande maioria dos moradores que se encontram no bairro não são invasores, já compraram essas terras de outras pessoas que para lá haviam se

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dirigido. Eles ocupam uma terra que pertence oficialmente ao Estado, mas que há muito estava sem ser utilizada. Então, juntaram-se as terras sem ninguém morando com os migrantes que não tinham terra. É certo que muito do bairro precisa ser revisto, mas já existem os sonhos, e esse é um dos principais elementos para se conseguir alcançar os objetivos. Os moradores daquela localidade sonham com a possibilidade de uma vida melhor, de poder ter um lugar de fato e de direito que possam chamar de seu. As trajetórias e vivências dessas gentes são semelhantes ao curso das águas: deslocam-se de um lugar para outro, levando vida, alegria e esperança e a certeza do renovar contínuo.

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JOÃO PAULO II Lugares, pessoas e histórias

Lelcia Maria Monteiro de AlmeidaAntônio Vladimir da Silva Barbosa

este ensaio, temos o intuito de mostrar de forma sucinta alguns aspectos históricos e a ambiência cotidiana em que Nestão submetidos os habitantes do bairro João Paulo II,

conhecendo um pouco de suas famílias, idéias, emoções e sonhos. As informações aqui contidas foram construídas a partir da realização de entrevistas, aplicações de questionários, levantamento bibliográfico e dos olhares e conhecimentos dos moradores do bairro acerca de seu lugar de moradia.

O bairro João Paulo II, que possui essa denominação em homenagem a Karol Wojtyla conhecido popularmente em todo mundo por Papa João Paulo II, tem uma área territorial de

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289.779m² e sua formação “urbana” inicial ocorreu como extensão do bairro Sobral em meados da década de 1980. Sua extensão territorial parece pequena, mas de lá para cá, já se foram mais de vinte anos de histórias; cada morador que viveu ou vive no lugar, deixou nele suas marcas. Algumas dessas marcas o tempo levou, outras permanecem com ou sem significado para as atuais gerações, e outras ainda, permanecem na memória afetiva das pessoas que usam os lugares do bairro cotidianamente e que carregam os seus significados. Significados que estão presentes na relação existente entre os lugares e as pessoas e que pode ser observada na paisagem, no modo de viver e de ver o mundo.

Falar de paisagem aqui é importante porque é na forma de imagens que o bairro ganha existência na memória de seus habitantes. São nas imagens constituídas de elementos distintos: cores, formas, volumes, localização, e outras, que estão representados os registros e as mensagens do tempo, sendo as imagens formadas como resultado de processos econômicos, políticos e sociais, assim, a imagem existente no bairro descreve o território, sua memória, sua história.

Considerado periferia da cidade de Rio Branco, o bairro João Paulo II passou por várias fases de ocupação, e ao longo dessas fases, a conseqüente transformação de suas imagens e paisagens, que foram provocando, a cada tempo, passado e presente transformações físicas em seu espaço, representativas das necessidades da comunidade.

A primeira fase de ocupação ocorreu em meados da década de 1980, época em que 10,52% dos atuais moradores se mudaram para o bairro. A segunda fase ocorreu dos anos de 1991 a 2000, quando chegaram mais de um terço dos atuais habitantes. O período que vai de 2001 a 2004, corresponde à terceira fase de ocupação, época em que o bairro recebeu um contingente populacional de 15,78%. A quarta fase de ocupação está ocorrendo desde o ano de 2005 até 2007, quando novamente é possível perceber a migração para o bairro de um percentual de mais de um terço dos atuais moradores. Os processos de migração para a comunidade são constantes, se antigamente a maioria vinham

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principalmente das áreas de colônias, hoje ocorre não só desses lugares, mas também de outros bairros da cidade.

O movimento migratório vivido por essas gentes não foi um movimento sem conflito, afinal de um lugar a outro, ou melhor, do campo para a cidade e de bairro a bairro o processo foi dramático, na medida em que esses sujeitos adquiriram e desenvolveram novos hábitos, tendo que se adaptar a uma nova dinâmica em outro lugar. A antiga geografia física de seus espaços e de suas vidas ficaram para traz. No novo bairro, um novo processo os esperava. O lugar era diferente, os ritmos eram outros e diferentes deveriam ser seus comportamentos. No bairro a solidariedade era outra, a cultura era a síntese de dois ou mais lugares.

Rua na parte Sul do bairro João Paulo II, após breve chuva de inverno. Foto: Reginâmio B. Lima.

Os motivos de mudança dos habitantes que foram para o bairro são muitos. Quase todos os moradores saíram de onde moravam em busca de melhores condições de vida e, quando

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chegaram ao local se depararam com uma situação totalmente diferente do que imaginaram. Mais da metade veio para morar perto dos familiares, e 25% saíram de onde moravam porque pagavam aluguel. Destes, a maioria absoluta ficou sabendo da área por informação de parentes que já residiam no local e/ou nas proximidades.

A grande maioria dos moradores é casada, e mais de um terço da população do bairro que são “chefes de casa” estão inseridos na faixa etária entre os 25 e 40 anos de idade, que ao mudar-se para o bairro trouxeram consigo toda a família.

O perfil do trabalho desenvolvido pela população é constituído, em sua grande maioria, de domésticas, trabalhadores autônomos, lavadeiras, pequenos agricultores, biscateiros e trabalhadores do lar. É provável que essa característica do trabalho executado pelos moradores esteja vinculada com a falta de acesso ao ensino formal, nesse sentido, mais da metade dos habitantes não concluiu sequer o Ensino Fundamental. Apesar dessa característica do trabalho desenvolvido, mais da metade dos moradores da comunidade têm trabalho fixo.

Como resultado das várias fases de ocupação do bairro, seu processo de formação e urbanização ocorreu “sem muito planejamento”, o que leva aquele que chega, se não tomar cuidado, a incorrer em um erro muito comum em nossa cidade. O erro de caracterizar o lugar de moradia de muitas pessoas como simplesmente violento e perigoso. O bairro possui uma imagem confusa, mesmo inconveniente para alguns, o que acaba por contribuir para a estigmatização da área enquanto lugar de expressão da violência.

As coisas nem sempre dão a entender, a quem olha, ser delicado, equilibrado, harmonioso, mas ali, tudo tem uma razão de ser, tudo tem um sentido, ou uma explicação. Para compreender é necessário captar os sentidos que os moradores usam, e com os quais criam e recriam o lugar e vão construindo sua paisagem.

Uma rua entre um beco e um “valão”, depois de uma esquina torta, onde os carros só passam de lado, acaba por evidenciar que a grande maioria dos habitantes “não vive” as ruas

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do bairro. Isso ocorre não porque as ruas perderam seu sentido, mas porque seus sentidos nos parecem ainda não encontrados, uma vez que a infra-estrutura existente não lhe são suficientes para atender as necessidades da comunidade, nem tão pouco, para que seus moradores criem para com elas uma estreita relação de afinidade.

As casas foram e são construídas se ajustando conforme os passos dos terrenos, ora constituídos de áreas altas, oras de áreas baixas, e essas, juntamente com os esgotos existentes a céu aberto, fazem com que no período de grande intensidade de chuvas, ruas e quintais fiquem alagados, causando preocupações para os moradores que de pés descalços sobre a lama ou em sacos plásticos de supermercados tentam sair até a rua principal para que consigam pegar o ônibus com destino ao trabalho, deixar os filhos nas escolas ou simplesmente visitar um amigo ou vizinho. Quase dois terços dos moradores têm como principais meios de transporte a caminhada a pé, ônibus e bicicletas, o que favorece para a revolta dos habitantes do bairro.

Loteamento recente na parte norte do bairro João Paulo II. Foto: Reginâmio B. Lima.

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Quase metade dos domicílios do bairro são construídos em madeira, seguidos de um terço de construções mistas e uma porcentagem de 17% em alvenaria – essas, em sua maioria, ficam na Estrada do Colégio Agrícola –, sendo que, quase metade das construções apresenta estado regular de conservação. Apesar de quase totalidade dos moradores possuírem residências próprias, e a maioria absoluta contarem com serviços de água encanada e de energia elétrica, muitos não escondem o desconforto de ter que morar no local.

Mais da metade dos atuais moradores afirma que, se tivessem condições ou pudessem, teriam continuado no local onde moravam antes, alegaram que onde moravam se sentiam bem e já estavam acostumados.

A relação com o bairro pode ser traduzida para parte dos moradores através do depoimento da moradora L.M.que diz:

Se eu pudesse teria continuando no antigo bairro onde morava porque eu nasci lá e as pessoas de lá formavam uma família (...) Quando cheguei aqui tinha 10 anos, agora estou com 23 anos de idade, mas ainda não me acostumei, continuo não gostando do bairro. (...) aqui não existe ajuda comunitária ninguém ajuda ninguém. No passado brincávamos na lama dos esgotos, para as crianças de hoje nem isso, elas acabam vivendo na rua ou dentro de casa brincando de videogame (L. M.. Entrevistada por Lelcia Almeida).

A infra-estrutura, somada aos seus processos de ocupação contribui para que os moradores tenham dificuldades de pontuarem o bairro em que moram. Nesse sentido, muitos ora dizem morar no bairro Sobral, ora no bairro Plácido de Castro, dependendo da proximidade de um ou outro bairro em relação às suas moradias.

A relação que os moradores têm para com o bairro contribui para que conheçamos a própria paisagem da comunidade, que pode

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ser comprovada, por exemplo, pela relação estabelecida dos católicos, que são a maioria no bairro e com a Igreja Católica, através da paróquia e das congregações que estão próximas fisicamente, mas distante no contato, nos desejos e na coletividade. Segundo alguns moradores, isso ocorre não porque os representantes da igreja não estejam presentes, mas porque a comunidade, apesar de convidada, não sente entusiasmo suficiente para se fazer presente.

Apesar da necessidade de mudanças, poucos moradores se animam na busca da superação dos problemas do local. Quase todos os quintais são arborizados, no entanto, nem sempre são limpos, assim como também não o são as frentes dos quintais e da maioria das casas.

É bom que se diga que muitos moradores do bairro, mesmo reconhecendo a profunda falta de infra-estrutura existente representada principalmente na falta de saneamento básico, saúde e segurança, gostam de morar na comunidade e sonham com o dia em que o poder público realizará os benefícios de que necessitam. Enquanto isso não ocorre, as pessoas seguem com um olhar confiante diante de algumas barreiras a serem vencidas.

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VIVÊNCIAS E IDEAIS NO BAIRRO PLÁCIDO DE CASTRO

Pedro Bonifácio de Lima

historiografia acreana é grandiosa do ponto de vista de mitos e lendas, fortes e fracos, “grandes homens” e “não Atão bravos”, vencedores e vencidos. É como se repetisse a

teodisséia persa do Yng Yang, o bem e o mal, contrastantes que se completam e aperfeiçoam. Nesse viés de lutas e conquistas, vencedores e vencidos surgem, nas terras mais ocidentais do Brasil, o “herói” Plácido de Castro, tido pela historiografia oficial como “bravo guerreiro que venceu as tropas inimigas e propiciou um Acre livre”.

Dentre as muitas homenagens dispensadas ao “guerreiro acreano de coração”, expandiu-se de entre as terras da antiga

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Fazenda Sobral, uma ocupação de terra loteada parcialmente, que recebeu o nome do gaúcho Plácido de Castro

Neste trabalho não intentamos estudar o gaúcho Plácido de Castro, tampouco seus feitos, nos deteremos em buscar conhecer um pouco mais sobre a área de terra que é expansão do bairro Sobral e que recebeu o nome desse “ícone” da história acreana. Objetivamos estudar e conhecer a ambiência ocupacional da localidade, visando abordar aspectos históricos, físicos, humanos, sociais, econômicos, bem como as relações interpessoais produzidas por seus habitantes.

Partindo de uma abordagem que visa ao contraste entre o ontem e o hoje, objetivamos expor como se deu a ocupação das terras que formam o bairro Plácido de Castro, desde a sua formação e crescimento até a atualidade, mais especificamente, o período compreendido entre os anos de 1991 e 2000. O bairro Plácido de Castro faz parte do Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, daí nosso intento de comentar a formação do bairro, mostrando seu processo de formação e as transformações ocorridas ao longo dos anos.

O bairro surgiu na primeira metade da década de 1990, como uma expansão do bairro Sobral. Os primeiros migrantes que chegaram ao local eram, em sua maioria, oriundos de outros bairros do Terceiro Eixo. A proximidade em relação à Estrada do Colégio Agrícola contribuiu para que a área situada entre as ruas Adalberto Sena e Tucano recebesse os primeiros moradores, ainda no final da década de 1980.

A necessidade de uma moradia própria impulsionou essas pessoas a saírem dos bairros adjacentes e ocuparem a área em que atualmente se encontra o bairro Plácido de Castro. É interessante destacar o grande número de migrantes nascidos em outros municípios acreanos, os quais chegam a perfazer um total de quase metade dos moradores entrevistados. Em sua maioria, são provenientes dos municípios de Tarauacá e Sena Madureira. Além destes, chegaram para formar o bairro pessoas de diversas áreas da zona rural riobranquense; juntas, essas pessoas foram, a cada dia,

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Vivências e ideais no bairro Plácido de Castro

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tornando o Plácido de Castro seu “lugar” de morada. A mistura de costumes considerados como típicos da “zona

rural” misturou-se ao modo de viver “da cidade”. O resultado foi uma ambiência que agrega tanto características do antigo local de moradia quanto aspectos do novo local em que chegaram. Essa transformação da ambiência ocupacional pode ser visualizada na própria configuração dos pequenos quintais existentes no bairro, em contraste com o agitado vai-e-vem dos automóveis e carros na via principal. É comum observarmos plantações de hortaliças, plantas ornamentais da região e até gêneros alimentícios como mandioca e cana-de-açúcar. As árvores frutíferas são também muito comuns, principalmente, nos quintais de pessoas oriundas de outros municípios acreanos e da zona rural de Rio Branco.

De acordo com moradores, a formação “urbana” da localidade se deu durante o governo de Iolanda Lima, no final da década de 1980. Nessa época, a localidade hoje denominada Plácido de Castro fazia parte do Sobral. Em virtude de interesses de algumas pessoas em se tornar presidentes da associação de moradores, decidiu-se transformar a ocupação das terras que atualmente compõem o Plácido de Castro em um novo bairro. Para resolver o impasse ocorrido com a ocupação das terras, a então governadora Iolanda Lima indenizou o dono da área, sendo doados cerca de 200 lotes, situados na parte sul do bairro, para pessoas que não tinham onde morar. Posteriormente, a parte norte do bairro foi ocupada por pessoas que também necessitavam de moradia, por viverem de aluguel ou em casas cedidas.

A área próxima à Praça Joaquim Macedo é, atualmente, a mais urbanizada do bairro, tendo as ruas que a circundam todas entijoladas. No local onde foi construída a praça, havia um campo de futebol, que vários moradores utilizavam para lazer. Essa área constitui o centro cultural do bairro, concentrando grande número pessoas, tanto do Plácido de Castro como dos bairros adjacentes, que buscam entretenimento na única Praça da região da “Baixada”.

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Praça Joaquim Macedo. Foto: Paulo K. L. Carneiro.

O traçado da maioria das ruas apresenta-se de forma regular, tendo em vista que o bairro é composto, em sua maioria, por terras loteadas. A área que circunda a Praça Joaquim Macedo constitui um loteamento irregular, tendo em vista que, segundo os moradores, a imobiliária encarregada, após várias parcelas pagas pelos moradores, deixou de repassar o dinheiro para o dono dos terrenos. Diante da insegurança da situação, grande parte dos moradores resolveu deixar de pagar as parcelas para aguardar uma posição da imobiliária, o que até o momento ainda não ocorreu. Outros, porém, continuam pagando por seus terrenos, mesmo na incerteza de receberem o título das terras.

O bairro Plácido de Castro se localiza dentro do perímetro “urbano” riobranquense, próximo ao final da “Baixada da Sobral” e início da Estrada Transacreana, e possui uma área de 334.695m², fazendo fronteira ao Norte e a Oeste com o bairro Floresta Sul, a Leste com o bairro João Paulo II e ao Sul com os bairros Boa Vista e Invasão da Sanacre.

Vivências e ideais no bairro Plácido de Castro

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Habitantes & Habitat

A localidade é privilegiada por ter uma praça onde os moradores desse e dos bairros vizinhos se reúnem para atividades de lazer, como praticar esportes, passear, brincar e se divertir. Na praça podemos encontrar uma quadra poliesportiva, um campo de areia, dois parques infantis, duas lanchonetes e uma grande área para passear.

Percebemos ainda, a existência de uma Unidade de Saúde da Família, na qual as pessoas doentes do bairro são atendidas. Apesar de haver essa Unidade no bairro, a mesma, a exemplo da maioria das Unidades de Saúde da cidade, não dispõe de médicos para atuar no serviço público. Além disso, faltam equipamentos para que os enfermeiros e auxiliares de enfermagem trabalhem. O que se percebe é um descaso do Estado em relação à população do bairro, que precisa de serviços médicos.

O bairro não possui escola de Ensino Médio, apenas uma de Ensino Fundamental e uma de Educação Infantil. Nessas escolas, estudam os alunos do bairro e também os dos bairros vizinhos a ela. Quando os alunos concluem o Ensino Fundamental precisam ir estudar em escolas de bairros próximos ou nas escolas do centro da cidade. Quando os pais de família precisam sair para trabalhar e não têm com quem deixar os seus filhos, eles deixam na escola de ensino infantil que fica no bairro.

Após visitar a localidade e verificar os mapas existentes sobre o bairro Plácido de Castro, percebemos que a pavimentação asfáltica existe apenas nas ruas principais do bairro, que são a Estrada do Colégio Agrícola, rua Zilda Rodrigues e parte da rua Maria José Bezerra dos Reis, sendo que a maioria absoluta das ruas apresenta pavimentação apenas com piçarramento. No verão, com a incidência de ventos fortes ou com a passagem dos carros pelas ruas, há um acúmulo de poeira que chega a adentrar as casas. Em contrapartida, no inverno, ou com as chuvas fortes, os moradores sofrem ao precisarem sair de casa e se depararem com a lama.

As principais ruas são as que possuem maior urbanização e são mais movimentadas, como a rua Maria José Bezerra dos Reis, Afonso Pinto de Medeiros e Adalberto Sena. Nessas ruas se encontram a escola municipal, o posto de saúde da família, uma praça e uma escola de educação infantil.

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Uma das várias ruas do Plácido de Castro que estão tomadas pelo mato. Foto: Pedro B. Lima.

O bairro possui aproximadamente 26 ruas, sendo que a maioria não são asfaltadas e em várias delas não é possível o tráfego de carros. A maioria das vias tem ligações entre si em forma de quadra, com paralelas e perpendiculares, sendo que poucas ruas não têm saída. A maioria delas são íngremes devido às características do solo da região e à má conservação das mesmas. A quantidade de capim que existe no meio da rua é muito grande, isso ocorre devido à falta de uma política pública de limpeza regular e aparamento do capim no bairro e ao fato de muitos moradores não zelarem as frentes de suas casas, atrapalhando a convivência com vizinhos pela dificuldade de trafegabilidade. Em algumas vias, as ruas mais parecem varadouros, os moradores são obrigados a passar por caminhos entre o capim para chegarem até suas casas.

O transporte coletivo circula pela via principal de acesso ao bairro, a Estrada do Colégio Agrícola, a localidade aos demais bairros da cidade e ao centro. A maioria das ruas do bairro não oferece condições de trafegabilidade para veículos pesados, tendo

Vivências e ideais no bairro Plácido de Castro

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Habitantes & Habitat

em vista que são ruas piçarradas e várias estão em péssimo estado de conservação, não oferecendo condições de passar nem veículos de pequeno porte.

O meio de locomoção mais utilizado no bairro é o transporte público. Embora o preço das passagens de ônibus não seja condizente com a realidade econômica dos trabalhadores que residem no local, este ainda é o meio de transporte mais utilizado pela população. A falta de boas condições financeiras não permite que muitos moradores comprem um carro ou uma moto para irem ao trabalho, poucas pessoas podem comprar esse tipo de veículo. A bicicleta é muito utilizada entre os moradores para se locomoverem até os seus locais de trabalho, devido ao baixo preço e custo com a manutenção em relação aos outros veículos. Ela também é utilizada para passeio e para as crianças se divertirem.

As ruas que não foram tomadas pelo capim têm um bom acesso, pois as vias de rolamento das ruas têm cerca de dez metros de largura, a maioria dá acesso às demais ruas do bairro. A Estrada do Colégio Agrícola funciona como rua principal do bairro. A rua Maria José Bezerra dos Reis é a segunda rua mais importante e mais movimentada do bairro, por ser uma das principais vias de acesso. Parte dessa rua é asfaltada e o restante é atijolada, é nela que se localiza a única Praça do bairro e a Unidade Saúde da Família Plácido de Castro.

No bairro, não existem calçadas para os pedestres e muito menos calçadas com rampas para pessoas com deficiência. A infra-estrutura das ruas do bairro não atende às necessidades dos moradores.

Segundo dados da Secretar ia Municipal de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas, metade das ruas da cidade de Rio Branco não têm pavimentação e apenas um quarto é asfaltada, havendo também lugares com ruas atijoladas e piçarradas. No bairro Plácido de Castro a situação não é diferente, a maioria das ruas são piçarradas, tendo também algumas ruas com asfalto, tijolos ou sem pavimentação.

No bairro, não há um arborizamento adequado. Não há árvores nas margens das ruas, aquelas que existem no local são as que os moradores plantaram nos próprios quintais, como

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laranjeira, goiabeira, acerola, jambo e mangueiras, essas últimas são as árvores predominantes do bairro.

Na parte norte do Plácido de Castro, existe uma área com bastante floresta, a qual está sendo ocupada por várias famílias. Para construir suas moradias, essas pessoas derrubam a mata com terçados, machados e tocam fogo para fazer a limpeza. Essa ocupação acabou com grande parte da floresta ali existente.

Com a inauguração da Via Verde e da Terceira Ponte da cidade, que ficam próximas ao bairro Plácido de Castro, aumentou a valorização das casas da região. Em se concretizando as mudanças na localidade, e continuando o processo de “urbanização”, as pessoas de menor poder aquisitivo têm vendido as suas casas por um preço melhor para irem morar em um outro local.

Durante o inverno, o rio Acre causa grandes alagações, atingindo diversos bairros de Rio Branco, do Primeiro e do Segundo Distrito. Muitos desses bairros só são atingidos pela “alagação” por causa dos diversos igarapés que atravessam a cidade. O Plácido de Castro se localiza em uma das partes mais altas do Terceiro Eixo e só é atingido pela “alagação” por causa de um igarapé que passa por dentro do bairro. A enchente só atinge o local quando a cota de água do rio Acre chega a 16,00m de água e enche o igarapé, atingindo vários imóveis. Em outros bairros do Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco o processo de inundação acontece mais rapidamente; com 15,00m de cota de água já começa a alagar parte de alguns bairros como Sobral, Invasão da Sanacre, João Paulo II, Aeroporto Velho, João Eduardo I e II, Palheiral, Bahia Velha, Bahia Nova, Boa União e Ayrton Sena.

A “alagação” chega a vários bairros próximos ao rio por causa dos igarapés. Estes são, muitas vezes, transformados em esgotos pelos próprios moradores do bairro que jogam lixo e esgoto doméstico, poluindo-o e atrapalhando o escoamento da água. Com o bairro Plácido de Castro a situação não é diferente, os moradores jogam os resíduos domésticos e lixo dentro do igarapé, que foi transformado em esgoto.

Vivências e ideais no bairro Plácido de Castro

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O igarapé do bairro nem sempre foi poluído. Logo no início da formação do bairro, os moradores se utilizavam de suas águas para tomar banho e para pescar. Às margens do igarapé, as mulheres lavavam suas roupas, as crianças se divertiam nadando, enfim, havia uma forte movimentação em torno do local. Após ter sido transformado em esgoto, o igarapé tornou-se motivo de apreensão, tanto pelas doenças que ajuda a proliferar, quanto pela possibilidade de enchentes que representa.

Assim como vários bairros de Rio Branco, o Plácido de Castro possui um grande vazio urbano, esses vazios costumam ser formados por áreas de florestas ou campos de pastagem dentro da cidade. O vazio urbano que se localiza no bairro Plácido de Castro se encontra com outros situados no Terceiro Eixo, se estendendo pelos bairros Floresta Sul, João Paulo II, Invasão da Sanacre, Sobral, Bahia Nova, Bahia Velha, João Eduardo I e II.

A população do bairro Plácido de Castro, de acordo com pesquisa por amostragem realizada na localidade, é composta por casais, em sua maioria, com quatro filhos. Percebemos, ainda que as famílias residentes no bairro são relativamente grandes, chegando a uma média de pouco menos de seis pessoas por domicílios, contando adultos e crianças.

A maioria absoluta das pessoas mora em residências próprias, normalmente construídas em madeira ou mistas, madeira-alvenaria, em estado regular de conservação. Há, também, muitas pessoas que moram em casas alugadas ou em quarteirões e quando moram em casa cedida, normalmente, o imóvel pertence a algum membro da família.

Pelo fato de ter havido uma urbanização inicial na localidade, o bairro conta com uma rede de água que abastece as casas em dias alternados, o que faz com que quase não existam poços semi-artesianos ou cacimbas. Dificilmente falta água no bairro. As casas que têm poço semi-artesiano ou cacimba os utilizam quando falta água; alguns utilizam diariamente, para suprir as necessidades básicas do lar, evitando, assim, a utilização do serviço de abastecimento de água do SAERB.

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Assim como a água, o sistema elétrico atende a todas as residências, embora quase dois terços não sejam atendidas pelo sistema de tubulação dos esgotos. Não há esgoto na localidade, o esgoto das casas escorre a céu aberto por uma vala aberta no terreno em direção ao bueiro que fica na margem da rua, muitas vezes essas valas abertas passam pela frente de várias casas até chegar ao bueiro, podendo causar vários tipos de doenças entre os moradores.

A maioria das residências conta com sanitário interno, embora seja comum ver “privadas” no “fundo dos quintais”. A maioria dos domicílios é usada para a moradia. Com relação à rede de serviços privados, ainda não existem bancos no local, tampouco hospitais, postos de gasolina e supermercados.

A coleta de lixo é feita por um homem que passa com um “carro de boi” colhendo os detritos e levando até a Estrada do Colégio Agrícola, onde passa o caminhão da empresa responsável pelo serviço de limpeza da Capital. Isso acontece por causa da má condição de trafegabilidade das ruas do bairro. Após ser colocado dentro do caminhão, o lixo é levado para o aterro sanitário da Prefeitura, sendo que a coleta é feita normalmente às terças, quintas e sábados.

Quanto à escolaridade dos moradores, percebemos que o nível de educação formal não é muito elevado. Entre os entrevistados, a maioria concluiu o Ensino Médio, sendo que muitos sequer concluíram o primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental, antigo primário. Vários pais de família tiveram que parar de estudar para criarem os seus filhos pequenos ou para continuarem trabalhando e sustentarem suas famílias.

A média da faixa etária dos entrevistados situa-se entre dezoito e quarenta anos, sendo pessoas ainda novas, em plenas condições para estarem inseridas no mercado de trabalho e sustentarem suas famílias. Muitas dessas pessoas são casadas e moram com o cônjuge e com os filhos, outros são solteiros e moram com seus pais e irmãos.

As populações que compõem o bairro Plácido de Castro saíram de onde moravam por diversos motivos, principalmente,

Vivências e ideais no bairro Plácido de Castro

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em busca de melhores condições de vida, de um trabalho, casa própria para saírem do aluguel, para proporcionar oportunidade de estudo para os filhos, porque casaram ou queriam tentar uma vida melhor em outro lugar.

Rua local do bairro Plácido de Castro. Foto: Reginâmio B. Lima.

Ao se mudarem para o bairro, tentaram vencer as dificuldades da vida, muitos para ficar mais perto de suas família e terem mais condições de ter um futuro melhor. Como muitos não tinham para onde ir e também não tinham boas condições financeiras, juntaram-se com outros que podiam ajudá-los, ainda que com o pouco que tinham, e fizeram do Plácido de Castro sua nova morada. Segundo a pesquisa com os moradores, normalmente, quando uma pessoa se dirigia par ao bairro, ia sozinho ou com o(a) esposo(a).

Dentre os casais entrevistados, foi expressivo o número daqueles que tinham, pelo menos, um filho casado morando na mesma casa com a mulher e seus filhos. Além do filho, muitos

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tinham cerca de um a dois netos morando juntos na mesma casa, e esses filhos casados que moram com os pais contribuem nas despesas do lar. A permanência dos filhos casados junto aos pais se dá, muitas vezes, por não terem condições financeiras de adquirirem um terreno para construir suas casas.

Dentre os moradores do bairro, podemos encontrar pessoas que têm trabalho fixo, a maioria trabalha no centro da cidade como funcionários públicos, trabalhadores de supermercado, lojas e autônomos. Também encontramos pessoas que trabalham por conta própria para garantirem o seu sustento e o de suas famílias, como vendedor de picolé, padeiro, pedreiro, carpinteiro, roçador de terrenos, dentre outros. Essas pessoas que trabalham como biscateiros costumam trabalhar no próprio bairro e em outros bairros da cidade. Mesmo com um grande número de trabalhadores que trabalham no mercado informal, também encontramos muitas pessoas desempregadas que chegam a totalizar quase metade dos entrevistados. Mas essas pessoas não desistem e continuam procurando trabalho, principalmente no centro da cidade.

Em várias casas existem pessoas aposentadas e o salário dessa aposentadoria ajuda no sustento do lar, principalmente nas casas onde os moradores não têm trabalho fixo. A quantidade de pessoas por casa varia de três a seis membros. Normalmente, residem em uma mesma casa os donos, um filho casado e a esposa e os dois netos.

Quando o chefe ou a chefe da família sai para trabalhar, o que em muitos casos dura o dia inteiro, os filhos ficam com a mãe. E quando é o casal que sai para trabalhar os filhos normalmente ficam com os avós ou sozinhos, quando não tem ninguém para cuidar, eles ficam na casa dos vizinhos.

A vida dos moradores antes de irem morar no bairro era boa em questão de tranqüilidade, mas com muito sacrifício para sobreviver, tendo que trabalhar bastante para poderem ter uma melhor qualidade de vida. Tinham que desenvolver atividades como doméstica, pedreiro ou em algum tipo de atividade informal para garantir o seu sustento.

Vivências e ideais no bairro Plácido de Castro

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Os moradores desse bairro quase sempre têm algum parente nos bairros próximos ao Plácido de Castro, irmão, tio, sobrinho, etc. E ficaram sabendo daquela área para morar através de parentes ou amigos que avisaram da ocupação daquelas terras. Segundo os moradores, não houve conflito com homicídios durante a ocupação das terras, os conflitos existentes eram por causa de bebidas ou marginais bagunçando pela rua. A grande maioria desses moradores não sabe de quem eram as terras em que hoje residem, uma grande parcela da população acredita que as terras foram doadas pela ex-Governadora Iolanda Fleming.

Muitos moradores, se pudessem, teriam continuado no lugar onde moravam antes de irem para o bairro, porque acreditavam que lá onde moravam era melhor e já estavam acostumados com o local. Outros passavam tanta dificuldade no local onde moravam como “alagação”, o pagamento do aluguel, a falta de água e problemas para se locomoverem para outras partes da cidade, que preferiram migrar para o bairro. Todos tiveram vários motivos para terem saído do local onde moravam, em busca de melhores condições de vida, quando chegaram ao Plácido de Castro, tiveram que continuar trabalhando ou procurando trabalho mesmo sem ser de carteira assinada.

As famílias que migraram para o Plácido de Castro foram impulsionadas pela expectativa de mudança de vida. Ao se deslocarem para o bairro, acreditavam que, mesmo diante da falta de condições do local recém-ocupado, ali poderiam, um dia, encontrar emprego, casa, escola para os filhos, boa alimentação, lazer, saúde, descanso, conforto. Com as lutas diárias, logo perceberam que não seria fácil realizar essas conquistas. Apesar das dificuldades, não desistiram de sonhar, crendo que a cada melhoria que ia surgindo no bairro, poderiam desfrutar dos sonhos que os levaram a migrar.

A formação e a transformação da ambiência ocupacional no bairro Plácido de Castro revelam mais uma faceta do processo de êxodo rural no Acre. A dinâmica de exclusão social no meio rural levou várias famílias a migrarem para a cidade de Rio Branco

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em busca de oportunidades de sobrevivência. As populações que migraram para o bairro apresentam uma trajetória marcada por vários deslocamentos, muitas andaram de município em município, depois vieram para Rio Branco, se estabeleceram em vários bairros, antes de chegarem ao Plácido de Castro. Os motivos que levaram a essa mobilidade espacial são diversos. Em sua maioria, essas pessoas foram guiadas pelo anseio de encontrar novas e melhores possibilidades de vida.

Vivências e ideais no bairro Plácido de Castro

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TRAJETÓRIAS E EXPERIÊNCIAS NO BAIRRO SOBRAL

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

ovimento, travessia, fronteira, essas são palavras que fazem parte da vida cotidiana dos moradores do Sobral. MAcima de tudo, um local em que as pessoas sobressaem

ao lugar. Falar em Sobral é falar das gentes que ali vivem. Tentar traduzir em palavras o que só se conhece vivenciando é tarefa difícil. Mas, o convite, aqui, é para ir além das palavras, ir além do que se costuma dizer ou ouvir sobre esse bairro.

A vida no bairro Sobral é um intenso vai-e-vem. Cedo, os moradores se encontram nas paradas para embarcar no ônibus que os levará a seus locais de trabalho, geralmente, nas proximidades do “Centro” da Cidade. Quem tem outro destino, ou não dispõe de condições para pagar o transporte coletivo, sai mais cedo, no meio de transporte mais usado no bairro, a bicicleta. Rapidamente o

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trânsito na Sobral se torna frenético, a palavra de ordem para esse que é o bairro mais “populoso” de Rio Branco. O movimento de ir e vir é muito intenso na única via coletora da localidade – a Estrada da Sobral. Tem sempre alguém indo ou alguém chegando. Um caminhão de mudança pára em frente àquela casinha... Sonhos, esperanças e até medo para quem chega. Quem parte, continua a caminhada em busca de uma vida melhor.

Perceber a dinâmica desse tão complexo local requer o exercício de aproximar-se, buscar o novo, conviver, mas também exige distanciamentos e reflexões. Seria possível perceber o lugar unicamente observando dados estatísticos do IBGE ou da Prefeitura? Estaria o Sobral representado nas manchetes dos jornais, que vão passo a passo compondo a histórias dos discursos que circulam em nossa sociedade? Ou ainda, nas teorias acadêmicas ou conversas de botequim e de paradas de ônibus?

A cidade surge a cada fala, a cada gesto, no compartilhar de crenças, costumes e perspectivas apreendidos e socializados por seus habitantes, que criam, recriam e transcriam novas vivências em seu habitat. Diante da complexidade de se discutir as vivências de populações em seu contínuo construir, reconstruir e transconstruir de forma geral – o que não diminui, mas detalha o setor quando focalizamos o olhar sobre a localidade – buscamos, neste ensaio, discutir o processo de formação e transformação do bairro Sobral, a fim de perceber os recuos e avanços dos sujeitos em suas lutas diárias.

Dentre os muitos sujeitos que constituem a cidade de Rio Branco, existem alguns milhares que moram no que se convencionou chamar de Sobral. O bairro originou-se a partir da ocupação das terras da antiga Fazenda Sobral, comprada em 1943 pelo governo territorial para o fomento da pecuária na região. É certo que já havia moradores naquela área, fruto da expansão do segundo ciclo da borracha para a Amazônia ocidental. E, antes deles, os índios já habitavam a região, contudo, neste ensaio focalizaremos o bairro enquanto parte do processo expansivo da cidade.

Segundo moradores da localidade, o nome “Sobral” foi dado por causa de um nordestino que teria homenageado sua

Trajetórias e experiências no bairro Sobral

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cidade natal, Sobral, no Estado do Ceará; outros, porém, afirmam que o nome do bairro resulta da antiga Fazenda Sobral, pertencente ao Governo do Estado (LIMA, 2006). Por esta segunda versão, a partir do ano de 1983, quando da venda de alguns seringais, várias famílias ficaram sem ter onde morar, por isso ocorreu uma intensa migração dessas famílias provenientes de áreas como as do atual Colégio Agrícola e da Estrada Transacreana, o processo de urbanização das terras da Fazenda Sobral começou a ganhar expressividade, intensificando-se com a transformação do ambiente “rural” em ambiente com características de “urbano”.

Uma das áreas do bairro a receber os primeiros moradores foi a que fica entre a Estrada da Sobral e a rua da Sanacre, cujo povoamento surgiu após a desativação da área de um seringal que, foi transformado em Colégio Agrícola. Então, uma leva de migrantes dirigiu-se para a parte situada ao sul do Aeroporto Salgado Filho, para o bairro da Glória e para a Fazenda Sobral.

Bairro Sobral. Ao centro surgiu a 1ª fase de expansão do bairro; à esquerda, a 2ª fase; à direita,a 3ª fase. Foto: Reginâmio B. Lima

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Ao estudar a localidade, percebemos que o bairro Sobral passou por quatro fases de expansão. Não estamos dizendo que ocorreu primeiro isto, depois aquilo, e, após, outra coisa. Houve momentos marcantes de ocupação das terras, que, por sua temporalidade de ocupação, podem ser divididos em quatro momentos, ora distintos, ora concomitantes. No primeiro, as terras entre a Estrada da Sobral e a rua da Sanacre, que até então eram ocupadas por algumas famílias apenas, foram, em grande parte, sendo ocupadas de forma mais intensificada a partir de 1983. A segunda fase de expansão do bairro ocorreu já em fins da década de 1980; a área que fica entre a rua da Sanacre e a margem do rio Acre foi tomada por migrantes que fizeram daquele local seu lugar de moradia.

A expansão teve seu terceiro momento em meados da década de 1990, com o loteamento – ainda que irregular – das terras que ficam entre o limite dos bairros Boa União e Bahia Nova, indo até a área próxima ao encontro da Estrada da Sobral com a rua da Sanacre. Essa, que é a maior área do bairro, está quase toda tomada por construções domiciliares vale ressaltar que essa terceira área de Expansão do bairro Sobral comumente é confundida com o bairro Boa União, já que, tiveram sua “urbanização em forma de loteamentos” quase que ao mesmo tempo. A quarta fase de expansão do bairro se deu por volta de 2003, quando do loteamento das terras que ficam entre os bairros Floresta Sul, Bahia Nova e João Paulo II. Essa área ainda está em fase de construção domiciliar, embora apresente algumas construções de alvenaria e ruas tracejadas.

Vale ressaltar que localidades como o bairro Ayrton Senna, Boa Vista, Boa União, João Paulo II que tiveram a intensificação de sua constituição no mesmo período da segunda fase de expansão do bairro Sobral. De igual forma, o Plácido de Castro e o Invasão da Sanacre também tiveram sua constituição próxima à terceira fase de expansão, tendo feito parte, em algum momento, do bairro Sobral. Contudo, por conflitos políticos e ideológicos, essas localidades foram separadas do Sobral e criados como bairros independentes. O problema, nesse caso, reside no fato de que essa

Trajetórias e experiências no bairro Sobral

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criação não foi aceita de forma oficial, antes, os próprios moradores decidiam e executavam a nomenclatura do local. Daí a grande confusão entre os próprios moradores sobre a delimitação e o nome de seu bairro, e a partir de onde começa o Sobral. Apenas em 2006, em um levantamento efetuado pela Prefeitura, essas localidades foram catalogadas como sendo “bairros” distintos, embora isso não implique oficialização das localidades.

No início da década de 1980 o local começou a ganhar ares de bairro. A população que vivenciou o processo de transformação da Fazenda Sobral em espaço tornado “urbano” re-significou o cotidiano expresso nas relações sociais mantidas anteriormente no campo. Essa transposição de hábitos, teoricamente característicos do campo, para o espaço da cidade, se fez presente em costumes como o cultivo de plantas ornamentais ou medicinais, árvores frutíferas e canteiros de hortaliças no pequeno espaço dos quintais.

As relações de solidariedade ganharam também novo significado no momento em que a população se viu unida por situações que requeriam a busca de seus direitos, no qual era necessário expressar os valores de respeito, de solidariedade, de afetividade, de dignidade. Esses homens e mulheres eram oriundos de vários locais: de outros municípios acreanos, de outros bairros de Rio Branco, e, até, de outros Estados. Os novos moradores que chegaram nas primeiras fases de formação/expansão do nascente bairro Sobral tinham em comum a busca por melhores condições de vida, representada no desejo de terem simplesmente um lugar para morar.

Da população que reside atualmente no Sobral, quase metade é originária de outros bairros da própria cidade de Rio Branco, sendo interessante destacar que a maioria é oriunda de bairros adjacentes que formam o que Lima (2006) chamou de Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco. Na outra metade dos entrevistados, destaca-se a grande quantidade de moradores nascidos no município de Tarauacá. A migração de pessoas vindas desse município para Rio Branco ocorre desde a década de 1970, quando da “grande abertura das portas do Acre” para a implantação

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da pecuária por investidores do Centro-Sul do Brasil. O processo violento de ocupação dos seringais tarauacaenses resultou na venda de uma imensa área de terras, tão grande quanto a atual extensão da “zona urbana” do município de Rio Branco, a investidores do Sul e do Sudeste brasileiro. Com isso, a alternativa que restou à população expropriada foi migrar para a Capital acreana, onde pensavam encontrar melhores condições de vida. A região escolhida por grande parte dos tarauacaenses que migraram para Rio Branco foi a área do Terceiro Eixo Ocupacional, embora seja possível encontrá-los com facilidade nos bairros Cidade Nova – e adjacências – e Tancredo Neves – e adjacências.

As populações do bairro Sobral têm uma característica peculiar, são formadas por pessoas que costumam migrar com grande intensidade. De acordo com os dados da pesquisa realizada em 2007 por essa equipe de pesquisadores, dos moradores que migraram para o local no período de formação, por volta de 1983, apenas 3% permanecem no local. Dos que migraram entre 1983 e 1990, apenas 10% permanece morando no bairro. No período entre 1991 e 2000 concentra-se o maior número de entrevistados que migraram para o bairro, perfazendo um total de mais de um terço dos moradores. Uma outra fase expressiva de migração para o Sobral concentra-se no período entre os anos 2001 e 2007. Nesse pequeno espaço de tempo, mais da metade dos moradores entrevistados passou a morar no bairro, aumentando ainda mais sua povoação, principalmente nos locais que identificamos como sendo a terceira e a quarta fase de expansão do Sobral.

O grande fluxo de pessoas tem contribuído para aumentar o comércio no local. A Estrada da Sobral conta com uma diversidade de estabelecimentos comerciais que vão desde panificadoras, lojas de confecções, fundições, bares, até lan houses. Pela localização do bairro, é comum, nos finais de semana, os moradores visitarem seus amigos e parentes que residem nos bairros próximos.

O Sobral limita-se a norte com os bairros Bahia Nova, Floresta Sul e Boa União; a leste com o bairro Ayrton Sena e com o rio Acre; a oeste com os bairros João Paulo II e Boa Vista; e ao sul

Trajetórias e experiências no bairro Sobral

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com o bairro Invasão da Sanacre e com o rio Acre. O trânsito entre pessoas dos bairros que se situam após a Ladeira do Bola Preta é intenso. Quem mora no Sobral sempre tem um parente ou conhecido logo ali, no Bahia, Palheiral, João Eduardo, Pista. Dado o intenso fluxo de pessoas entre esses bairros, muitos chamam toda a área situada após a ladeira do Bola Preta de bairro Sobral ou Baixada da Sobral.

A delimitação do bairro Sobral oferece grandes dúvidas para seus moradores, uma vez que durante muito tempo se convencionou chamar “Sobral” grande parte dos bairros situados após a Ladeira do Bola Preta. Assim, como muitos moradores desse bairro migraram para formar outros bairros como Ayrton Sena, Boa União, Boa Vista, João Paulo II, Invasão da Sanacre não ficou claro, de início, se o que estava surgindo era uma expansão do bairro Sobral ou um novo bairro.

A Prefeitura de Rio Branco, pretende em seu Plano Diretor, que os 16 bairros que formam o Terceiro Eixo, ou Salgado Filho, ou Baixada da Sobral , ou Baixada do Sol, como se prefira chamar, formem um único bairro. A cidade, assim, passará a ter apenas 50 bairros, e não mais os 184 que existem na atualidade. Com essa atitude, o poder público municipal pretende que os bairros deixem de ser convenção de moradores, ou setores georeferenciados desconhecidos da população local e desprovidos de legislação que os torne válidos, para se tornarem bairros dentro dos parâmetros legais e, com infra-estrutura que permita habitá-los salubremente.

A comunidade residente no Sobral, desde a formação do bairro, enfrentava dificuldades para que seus filhos tivessem acesso à escola. Diante disso, a comunidade passou a se mobilizar e reivindicar junto ao poder público a construção de uma escola para seus filhos estudarem. Conforme informações obtidas em entrevista com o senhor L.V.C. – desde 1960, morador da área em que hoje está situado o bairro Sobral –, no ano de 1981, Francisco José de Oliveira, crente da Igreja Batista Filadélfia, cedeu um quarteirão de madeira que ficava localizado na avenida que hoje tem seu nome, também denominada rua da Sanacre, para que

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fossem instaladas salas de aula. O quarteirão, existente ainda hoje, tinha espaço reduzido, pois possuía apenas um cômodo, onde funcionavam turmas multiseriadas de l.ª à 4.ª série e, assim permaneceu aproximadamente por sete meses.

Local onde funcionou a primeira escola do bairro Sobral. Foto: Maria I. G. C. Bonifácio.

Nesse mesmo ano, o então governador Joaquim Falcão Macedo designou a construção do primeiro prédio da escola em outro local, na mesma rua. O prédio foi edificado em madeira e continha duas salas de aula, uma secretaria, na qual funcionava também a diretoria, dois banheiros e uma cozinha. A escola ficou sob a direção a Senhora Iracy Oliveira da Silva, nomeada pela Secretaria de Educação, permaneceu na direção por três anos. Na administração do governo Nabor Júnior, a escola foi ampliada com mais três salas de aula e mais dois banheiros.

A partir de l984, a escola passou a oferecer da Educação Infantil à 5ª série do Ensino Fundamental. Em l987, o Ensino Fundamental foi ampliado até a 8ª série. Somente no dia l3 de

Trajetórias e experiências no bairro Sobral

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Habitantes & Habitat

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março de l990, foi inaugurado um novo prédio, construído em alvenaria na estrada do Colégio Agrícola, constando oito salas de aula, uma biblioteca, um pátio, uma cantina, uma secretaria, uma sala de acervo tecnológico, dois almoxarifados, uma diretoria, uma sala de coordenação pedagógica, uma sala de professores, uma sala de datilografia e seis banheiros. Apesar da carência de escolas no Sobral, a população é atendida, em sua maioria, por essa escola que atua apenas com o Ensino Fundamental.

Em l997, com a necessidade de vários alunos jovens e adultos voltarem à escola, foi extinto o Ensino Fundamental de 5ª à 8ª série e implantado o Ensino Supletivo de l° grau. Esses estudantes haviam deixado de estudar porque precisavam também trabalhar. Dois anos depois, foi implantado o Telecurso 2000 - 2° grau, a fim de atender à demanda do supletivo l° grau em 2000, todo o supletivo foi substituído pelo Telecurso 2000 Fundamental e Médio. Em março de 2004, foram implantadas duas salas do Projeto Poronga, atendendo à clientela de l4 a l8 anos com distorções de idade série referentes ao Ensino Fundamental.

Além da luta pelo acesso à educação, a luta por moradia sempre esteve presente em Rio Branco e no bairro Sobral se demonstrou de forma latente. Muitos lá chegaram com a esperança de terem, finalmente, um lugar para morar com a família. Apesar de quase totalidade dos domicílios do bairro serem próprios, é, de certa forma, expressivo o número de casas alugadas. Nem todos dispõem ainda de um local que possam chamar de “seu”, gastam o baixo salário que recebem no aluguel ou moram em casas cedidas. Quase não se vêem terrenos disponíveis para a compra e, a cada dia, cresce o número de pessoas no local. O aspecto móvel dessa população e a super-povoação do local, acentuam os problemas de acesso à moradia, principalmente pelas baixas condições financeiras dos habitantes.

O nível de escolaridade dos moradores do bairro Sobral revela a extrema carência dessa população. Quase totalidade dos moradores estudou apenas até o Ensino Fundamental, sendo que desses, quase um quinto nunca estudou. A baixa escolaridade é,

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muitas vezes, responsável pelas dificuldades de se conseguir um trabalho melhor remunerado, como demonstra o levantamento das condições sócio-econômicas realizado pela Escola João Paulo II, junto a grande parte desses moradores, que também são pais da maioria dos alunos do estabelecimento de ensino.

Segundo essa pesquisa, a maioria das profissões exercidas pelos pais dos alunos são: açougueiro, motorista, vigia, mecânico, serralheiro, padeiro, frentista, gari, marceneiro, pedreiro, borracheiro, carpinteiro, segurança e laborista. Entre as mães, as profissões mais comuns são: operadoras de serviços gerais, domésticas, autônomas, comerciantes e secretárias, sendo que quase metade delas ganha apenas um salário mínimo; e quase um terço ganha menos de um salário mínimo, sendo apenas pouco mais de um quarto o número das que recebem acima desse valor.

Os dados constantes no Projeto Político-Pedagógico da Escola dão conta de que, no ano de 2006, funcionaram vinte e quatro turmas, sendo que, no período diurno, funcionaram quatro turmas de 1ª série, quatro de 2ª série, quatro de 3ª série, quatro de 4ª série; e no período noturno funcionaram três turmas de Telecurso Ensino Fundamental e quatro de Telecurso do Ensino Médio, perfazendo um total de 949 alunos atendidos.

O que chama a atenção é que, segundo a pesquisa realizada por esta equipe de pesquisadores, ultimamente, o número de pessoas que concluiu o Ensino Médio tem crescido acentuadamente na localidade, perfazendo um total de cerca de um quinto da população do bairro. O aumento desse índice deve-se ao grande número de jovens que têm sido beneficiados com o oferecimento do Ensino Médio por meio de programas como o Telecurso 2000, o Poronga e o PEEM. Se, por um lado, esses programas beneficiam essa população, por outro, ainda permanece desleal a concorrência desses alunos com outros que cursaram o ensino regular, no que dizer respeito a concursos públicos e vestibulares.

À precariedade de estabelecimentos de ensino no bairro soma-se a carência de atendimento de saúde, pois existe no bairro

Trajetórias e experiências no bairro Sobral

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Habitantes & Habitat

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apenas uma Unidade de Saúde Familiar. A existência de apenas um módulo de saúde no bairro obriga a população a buscar atendimento médico no Posto de Saúde mais próximo, situado no bairro Palheiral, denominado Augusto Hidalgo de Lima, ou ainda no próprio Pronto Socorro da Capital.

Desde o final do ano de 2006, a Estrada da Sobral, via principal de acesso ao bairro, encontra-se em processo de pavimentação e duplicação. Com a desapropriação das terras, várias famílias moradoras da referida via terão que sair da localidade. Isso mexe não apenas com o aspecto estrutural do bairro, mas, principalmente, com o aspecto humano. Há quase trinta anos essas famílias se estabeleceram naquele local, construíram laços de amizade com os vizinhos e apego com o lugar. Mudar bruscamente, a espera de uma indenização que precisará passar por alguns prelos judiciais não parece ser a situação mais confortável para quem construiu ali mais que uma casa para morar, mas um lugar para se viver.

As principais vias de acesso do bairro são a Estrada da Sobral, Estrada do Colégio Agrícola e a Via Verde, que passa pelos bairros Floresta Sul e Invasão da Sanacre, sendo que a primeira liga o bairro ao Centro da Cidade, passando pelo Primeiro Distrito; a segunda, interliga as várias fases de expansão do bairro; e a terceira, faz a conexão do que se pretende ser o “novo centro de Rio Branco” com o Segundo Distrito.

Geralmente, o que conhecemos do Sobral se resume à via principal do bairro. Durante a realização da pesquisa no local, tivemos a chance de vivenciar um dos grandes problemas pelos quais passa a população das ruas transversais sempre que cai uma chuva. Quintais alagados, ruas enlameadas e escorregadias, verdadeiros varadouros a transpor para chegarmos aos moradores. Parece irônico, perguntar como eles gostariam que o bairro fosse. “Pelo menos com ruas!”, diz a maioria deles. Algo tão simples, mas tão distante ainda de ser concretizado, pois onde moram, como eles mesmos dizem, “nenhuma autoridade chega”, “ninguém conhece”, “ninguém sabe que existe”.

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A Estrada da Sobral e a Estrada do Colégio Agrícola são as únicas vias do bairro com pavimentação asfáltica. O asfalto só chegou a essa área devido à necessidade de os técnicos da Sanacre, no início dos anos 1980, chegarem por um caminho mais rápido que a Estrada da Floresta à Estação de Tratamento de Água. Outro fator que contribuiu para o asfaltamento da Estrada da Sobral, foi a necessidade de interligar o centro da cidade à estrada do Colégio Agrícola, para facilitar o escoamento da produção dos colonos por essa via. A maioria das ruas, ainda na atualidade, se encontram sem pavimento, acentuando os problemas de deslocamento dos moradores nos dias de chuva. Das poucas ruas do bairro que receberam piçarramento, podemos dizer que, de significativo, apenas as ruas que compõem o loteamento que fica na divisa com o bairro Boa União, ocupado durante a terceira fase de expansão do Sobral, receberam piçarramento. Em geral, os moradores não contam sequer com as piçarras para amenizar os problemas de tráfego pelas vias do bairro.

A maioria das casas são simples, construídas em madeira. Pelo menos são atendidos com o serviço de distribuição de água, que passa pela rua da Sanacre. Apenas uma minoria dos domicílios, encontrados principalmente na terceira e na quarta fase de expansão do bairro, ainda não foram contemplados com esse serviço. Quase metade da população, além de ser atendida com a distribuição de água pelo Serviço de Águas e Esgoto de Rio Branco (SAERB), possui também poços semi-artesianos e cacimbas. No que se refere ao serviço de energia elétrica, a maioria absoluta da população é atendida, embora na quarta fase de expansão do bairro as casas, em sua maioria, são atendidas por “rabichos” e “gatos”, haja vista os postes por onde passará a rede elétrica na localidade já terem sido colocados, mas os cabos elétricos ainda não foram instalados, bem como os cabos telefônicos.

Quase metade dos entrevistados que residem no bairro possuem faixa etária entre 25 e 40 anos, e cerca de um quinto do percentual total é composto por jovens com menos de 25 anos. Como se percebe por esses dados, a população que hoje habita o

Trajetórias e experiências no bairro Sobral

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Habitantes & Habitat

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bairro Sobral é bastante jovem. Quando indagados sobre o motivo pelo qual não mudaram do bairro, quase um terço respondeu que ainda não tiveram a chance. Trata-se, portanto, de uma população em trânsito, que busca a perspectiva de uma vida melhor, e que, muito provavelmente, estará em breve se deslocando para outros bairros da cidade. A identificação que demonstram com o local de onde vieram ainda é muito forte, pois grande parte declarou desejo de retornar ao local de origem, caso tivessem condições.

Acostumados com o estilo de vida da “zona rural”, grande parte dos novos habitantes do bairro Sobral tiveram que passar por toda uma “reestruturação de vida” gerada com a “urbanização” do local. Essas famílias são compostas, em sua maioria, por casais com uma média de 3,4 filhos, e se mudaram para o local porque tinha a intenção de alcançar melhores condições de vida, impulsionados pela perspectiva de oferecer a possibilidade de continuidade nos estudos e de uma moradia digna para os filhos.

Além do cuidado com os filhos, uma outra preocupação dessas famílias é o cuidado com os netos, uma vez que em metade das residências existe, pelo menos, um neto morando junto, sem contar com o número acentuado de familiares e agregados morando em uma única casa, chegando à média de quatro moradores por casa, embora em várias delas o número passe de dez moradores por residência. Um quinto dos lares é formado pelos donos do domicílio e família, acrescidos de filhos que também constituíram família, e continuaram morando com os pais.

Segundo dados obtidos nas escolas adjacentes ao bairro Sobral, a maioria dos alunos são filhos de pais separados, o que acentua a existência de tantas pessoas morando em uma única casa, pois, muitas vezes, após a separação, as mães dessas crianças voltam a morar com os próprios pais.

A religiosidade do bairro é muito acentuada, dado o grande número de igrejas. Existem no bairro duas congregações da Igreja Católica, além da presença de Igrejas Evangélicas. Dentre essas, destacam-se a Assembléia de Deus, Batista, Universal do Reino de Deus, Igrejas Reformadas, Igrejas em Células e Neo-Pentecostais.

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No bairro também há um centro espírita que atua com seu culto de adoração do tipo “religião da floresta”, com a presença da Ayahuasca.

Os índices mais altos de freqüência dos religiosos nas Igrejas pertencem aos evangélicos da Assembléia de Deus, bem como aos Neo-Pentecostais, perfazendo um total de duas a três vezes por semana. Durante nossa pesquisa junto aos moradores do bairro, constatamos que os católicos, os cristãos de Igrejas Reformadas e Igrejas em Células são os que menos freqüentam as atividades da Igreja, participando apenas de uma a duas vezes por mês. Os cristãos da igreja Universal do Reino de Deus e demais denominações religiosas comparecem às atividades no templo religioso de uma a duas vezes por semana. Já os cristãos batistas participam das atividades na Igreja, em média, duas vezes por semana.

Para um terço dos moradores da localidade a vida antes de migrar para o bairro era boa. Pouco menos de um terço afirmou que a vida era de trabalho e um sexto afirmou que a vida era “normal, dava para viver”.

A carência de áreas de lazer no local e o fato de a maioria da população economicamente ativa passar praticamente o dia inteiro no trabalho justificam o fato de maioria dos entrevistados afirmarem não fazerem nada para se divertir no momento em que chegaram ao bairro. Vale ressaltar que grande parte das pessoas que estão em idade de desenvolver trabalhos está desempregada, o que, ainda que indiretamente, aumenta os índices de inatividade e grupos de pessoas desocupadas “perambulando” pelas ruas do bairro. Grande parte dos entrevistados, porém, afirmou que se divertiam ao reunir-se com suas famílias e ao ir para a igreja, o que demonstra a manutenção dos laços familiares como forma de resistir às adversidades da vida.

Os conflitos de terra e as atividades de grilagem de áreas urbanas tiveram seu momento máximo quando da chegada dos primeiros migrantes ao bairro Sobral. Nas fases de expansão posterior, até pelo fato dos pretensos loteamentos, houve um “certo

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Trajetórias e experiências no bairro Sobral

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controle” das relações estabelecidas quanto à propriedade das terras.

Quarta fase de expansão do bairro Sobral. Foto: Reginâmio Bonifácio de Lima.

As condições de infra-estrutura do bairro constituem o grande eixo das reivindicações dos moradores. Essas populações, que tiveram que se adaptar rapidamente às condições precárias do bairro, gostariam de tê-lo encontrado pelo menos com as ruas pavimentadas ou com o atendimento do serviço de saneamento completo. Basta visitar o bairro em um dia de chuva mais forte para verificar a que esses anseios se referem. São ruas alagadas ou enlameadas, esgotos transbordando, dificuldade até mesmo para sair do próprio quintal – isso em pleno verão, imaginem, no inverno, as dificuldades pelas quais passam esses moradores.

É preciso maior atenção do poder público para essa área. São mais de oito mil pessoas, aglomeradas em uma faixa de terras de aproximadamente 516.073 m². É impossível não perceber que

Habitantes & Habitat

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com uma população tão significativa, ainda se persista em acreditar que o “Sobral”, como muitos costumam “debochar” seja um bairro onde se “desconhece o controle de natalidade”. É fácil falar precipitadamente e preconceituosamente contra os moradores da localidade. Mas quem conhece a carência e as dificuldades de sobreviver em um lugar desassistido pelas condições mínimas de sobrevivência, vê que os moradores do Sobral são cidadãos riobranquenses que apenas desejam ter condições de viver dignamente e cuidar de suas famílias.

A rotina desses moradores, semanalmente, está em muito ligada ao fato de precisarem acordar cedo, encarar uma viagem em um ônibus que, de tantos passageiros, torna-se apertado, e que, de “interessante” tem apenas a alta tarifa. Essas pessoas passam o dia longe dos filhos, sem saber como e com quem estão, muitos ainda têm a preocupação de que o “bico” ou o “biscate” com o qual sustentam a família está perto do fim e novamente passarão uma temporada sem trabalho. Essas são apenas algumas das dificuldades enfrentadas cotidianamente por essas populações que, em muito, se parecem com as demais populações da localidade.

Nas lutas diária, são essas gentes que “fundaram e ainda fundam” a cidade. É através de pessoas como essas que a história de Rio Branco se faz e se refaz para os milhares de “cidadãos” que tornam o bairro Sobral “seu lugar” de moradia. Todos os dias, erguendo seus “tapiris”, avistando em um terreno baldio a esperança e a expectativa de realizar seu sonho de ter um “pedaço de chão” para morar.

A trajetória dos moradores do bairro Sobral emerge de sonhos, expectativas, das lutas pela sobrevivência e das “adaptações” empreendidas. Nosso intento nesse ensaio não foi fazer um tratado sobre o bairro, mas perceber como se dão as relações entre os habitantes e destes com seu habitat. Esse ensaio não esgota as possibilidades de leitura desse lugar magnífico e instigante que é o bairro Sobral. Fica-nos a certeza de que nossa intenção foi bem mais que analisar dados. Buscamos perceber, a partir do fragmentário espelho que compõe as histórias desses

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Trajetórias e experiências no bairro Sobral

Page 131: Habit Antes e Habtat: a expansão da fronteira

habitantes em suas vivências na formação e transformação de seu habitat, que nas condições de saúde, na casa, no aluguel, no processo de ocupação da terra, na educação, no ônibus, na água, na luz existem mais que dados estatísticos, existem valores vivenciados que formam e transformam a vida das pessoas em suas idas e vindas.

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Vista parcial do Terceiro Eixo ou Baixada da Sobral. Foto: Reginâmio B. Lima.

este ensaio, nos ateremos às questões sócio-religiosas dos bairros e como os seus moradores participam das Natividades de suas respectivas igrejas, associações

religiosas ou grupos religiosos.Para obtermos informações que nos levassem a conhecer

melhor os moradores e suas religiões, fizemos pesquisas de campo e entrevistas. A partir dos dados obtidos, foi possível termos um conhecimento inicial sobre os grupos religiosos de maior expressão na localidade.

Os brasileiros são profundamente religiosos e os acreanos não são diferentes. Entretanto, essa religiosidade é caracterizada por ser festiva e carnal, vivenciada de forma teatral, voltada mais

Habitantes & Habitat

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OBSERVAÇÕES SOBRE AS RELIGIÕES DOS MORADORES

Deusimar da Cruz AlbuquerqueReginâmio Bonifácio de Lima

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para as apresentações públicas e coletivas, do que para a solidão do foro interior, no fundo de si mesmos. O conceito “Deus” está presente nos discursos, nas idéias, na cosmovisão, mas dificilmente encontramos consenso quanto a esse conceito.

Sobre a religiosidade dos entrevistados que moram nos bairros Ayrton Sena, Boa Vista, Boa União, Floresta Sul, Invasão da Sanacre, João Paulo II, Plácido de Castro e Sobral, é certo dizer que a maioria é católica (45%), seguida pelos assembleianos – de diversos ministérios da Assembléia de Deus (23%), neo-pentecostais (13%), batistas (6%), agnósticos (6%), Igreja Universal (3%), Igreja em Células (2%), Igreja Reformada – Presbiteriana e Metodista (2%) e outras religiões (7%).

Percebemos que quase metade dos entrevistados disse ser católica ou assembleianos, contudo, o fato de professar uma religião não quer dizer que se compareça com freqüência aos cultos/missas/encontros de sua crença.

Ao fazer uma relação entre o número das pessoas que disseram pertencer a determinada religião com a quantidade de vezes que eles asseveraram ir aos encontros/missas/cultos, percebemos que muitas pessoas professam determinadas crenças, mas vão à igreja apenas uma vez por ano, enquanto outras vão cerca de cinco vezes por semana. Para não prejudicarmos o contexto de estabelecimento de médias a serem traçadas e com o fim de definirmos quantas vezes essas pessoas vão às “igrejas”, traçamos cálculos matemáticos com pontuações distintas para cada resposta de mesma categoria, tabulações distintas para cada item, possibilidades de interações e interlocuções em setores de mesma religiosidade e projeções de curso nos vieses crescente e decrescente de pontos por resposta, tendo como padrão a ida às igrejas uma vez por semana. Assim sendo, numa tabela padrão com 66 variáveis iniciais e sete variáveis base por religião, chegamos a algumas conclusões.

Os membros da Assembléia de Deus, segunda religião mais professada, são os que mais vão à igreja, com seus membros e simpatizantes freqüentando os cultos em média de duas a três vezes por semana. Em alguns bairros como o Sobral a maioria dos

Observações sobre as religiões dos moradores

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entrevistados que se disseram assembleianos vão para as congregações mais de duas vezes por semana, contudo, os que dizem congregar nas sede da área, vão uma vez por semana ou menos.

As igrejas neo-pentecostais de diversas ramificações, crenças e formas de cultos, têm uma constância de seus membros nos trabalhos religiosos, com a freqüência variando de duas a três vezes por semana.

Os membros das Igrejas Batistas, em seus diversos grupos, freqüentam os trabalhos religiosos duas vezes por semana, em média.

Algumas religiões mantiveram o mesmo padrão de resposta quanto à freqüência de seus membros, dentre as maiores podemos citar os Mórmons, Testemunhas de Jeová, Adventistas, Santo Daime e Espírita. Sabemos que são religiões distintas, com crenças e rituais distintos, contudo, pelas respostas que seus participantes e freqüentadores assíduos deram, agrupamo-nas em um único núcleo. Seus participantes e freqüentadores vão às reuniões, em média, de uma a duas vezes por semana.

Os membros da Igreja Universal do Reino de Deus afirmaram ir para o culto semanalmente, variando suas respostas numa média de freqüência de uma vez por semana.

Os entrevistados que disseram participar das igrejas Católica, Metodista Wesleyana, Presbiteriana e Igrejas em Células, afirmaram freqüentar as atividades de culto em suas igrejas numa média de uma a duas vezes por mês. Constatamos que existem grupos de católicos carismáticos que vão à igreja todo fim de semana, às vezes duas ou três vezes na semana; contudo, há grupos que vão apenas uma vez por ano, isso quando vão. Quanto à igreja em Células, a maioria das pessoas reúne-se nas casas uma vez por semana, e raramente congregam no templo. As igrejas Metodista Wesleyana e Presbiteriana foram as que apresentaram o menor índice de participação de seus membros nos trabalhos religiosos, ficando à frente apenas dos agnósticos que, por não crerem em Deus, não vão às igrejas.

Habitantes & Habitat

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Respostas predominantes dos “donos e donas de casa” por assunto e religião:

Fonte: Questionários da Pesquisa realizada no Terceiro Eixo Expandido.

* Pelo fato de os casais serem muito jovens, o número de filhos é menor que nos outros grupos.

Observações sobre as religiões dos moradores

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Religião

Estado Civil

Idade

Filhos

Locomoção

até o trabalho Moradia Escolaridade

Igreja

Casado

68%

26 a 49 anos

63%

3,8 filhos

em média

Bicicleta

46,25%

Madeira

46,25%

Primário

48,4%

Católica

Viúvos

11%

49 anos ou

mais 25,9%

--------

Ônibus

31,45%

Mista

27,45%

Não alfabetizados

20,35

Assembléia

Casado

65%

26 a 49 anos

60%

3,0 filhos

em média

Ônibus

45%

Madeira

45 %

Primário

40%

de Deus

Viúvo

15%

49 anos ou

mais 20%

--------

Bicicleta

40%

Mista

40%

Não alfabetizados

25%

Igrejas

Casado

53%

26 anos ou

menos 43,2%

1,8 filhos em

média*

Ônibus

43,2%

Madeira

71%

Primário

28,4%

Pentecostais

Solteiro

43%

26 a 49 anos

28,4%

--------

Bicicleta

28%

Mista

14,5%

Ensino Médio

28%

Neo-

Casado

61%

49 anos ou

mais 53%

3,8 filhos em

média

Ônibus

46%

Madeira

46%

Primário

46%

Pentecostais

Solteiro

31%

26 a 49 anos

30%

--------

Bicicleta

38%

Mista

30%

Ens. Fundamental

23%

Igrejas

Solteiro

54%

26 a 49 anos

57%

2,8 filhos

em média

Bicicleta

57%

Madeira

71%

Ensino Médio

43%

Batistas

Casado

43%

26 anos ou

menos 28%

--------

Ônibus

28%

Alvenaria

15%

Primário

28%

Outras

Casado

43%

49 anos ou

mais 42,6%

4,5 filhos

em média

Ônibus

57%

Madeira

57 %

Ens. Fundamental

57%

Religiões Viúvo

29%

26 a 49 anos

29% --------

Bicicleta

29%

Mista

28,5%

Ensino Médio

28,5%

Sem

Solteiros

50%

26 a 49 anos

86%

3,0 filhos

em média

Madeira

75%

Ens. Fundamental

62,5%

religião Casado

37%

26 anos ou

menos 12% --------

Alvenaria

23%

Ensino Médio

12,5%

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Ao compararmos as relações sociais estabelecidas pelos moradores a partir de suas religiões, podemos pontuar alguns fatos que se mostraram variados em suas respostas.

O número maior de casados, juntos, “amigados” e congêneres está entre os chefes de família católicos. Enquanto pudemos perceber o maior número de solteiros entre os Batistas, e maior número de viúvos entre os chefes de família pertencentes ao grupo que denominamos de outras religiões (Metodista Wesleyana, Presbiteriana, Mórmons, Testemunhas de Jeová, Adventistas, Santo Daime, Espírita, Umbanda, Quimbanda, etc.).

Percebemos que a idade média dos moradores está entre os 26 e os 49 anos. Sendo que, essa faixa etária corresponde, principalmente, aos que se declararam “sem religião”. Esse dado pode, a longo prazo, fazer com que esse grupo reduza se comparado aos demais.

A média de filhos entre os grupos varia bastante, sendo o grupo denominado “outras religiões” o que tem mais filhos por média de casal, enquanto o grupo que tem a menor média de filhos é o das igrejas pentecostais, por causa do alto índice de casais recém-casados.

O grupo que mais se utiliza de ônibus para ir trabalhar é o de “outras religiões”; entre os que mais utilizam de bicicletas para se locomover até o trabalho, destacam-se os Batistas.

Os que se auto-denominaram sem religião, são os que têm o maior número de casas em madeira, sendo que, dentre as casas de madeira, a grande maioria se destaca por estar em estado regular de conservação. Dentre os da Assembléia de Deus, dois quintos têm casa mista, enquanto um quinto dos sem religião, possui casa de alvenaria.

A escolaridade, de forma geral, ainda é muito baixa em todos os grupos. Contudo, percebemos que entre os casais novos, aumentou o índice de escolaridade, embora uma parte considerável desses novos “chefes de família” tenha estudado em programas de educação de jovens e adultos. Percebemos que os grupos “sem religião” e “outras religiões” são os que abrangem o maior número

Habitantes & Habitat

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de pessoas com o Ensino Fundamental. Dentre os que têm o primário completo ou incompleto, destacam-se os grupos neo-pentecostais e católicos. No grupo dos que possuem o Ensino Médio, ainda que incompleto, destacam-se os Batistas e “outras religiões”. O maior índice de não alfabetizados foi encontrado entre os membros da Assembléia de Deus e da Igreja Católica. De forma geral, podemos dizer que os que mais estudaram em séries do ensino regular são os grupos batistas e de “outras religiões”, enquanto os que menos estudaram nessa modalidade de ensino são os grupos das igrejas Católica e Assembléia de Deus.

Diante dos dados levantados, chegamos à conclusão de que os grupos religiosos estão crescendo e um dos fatos que contribuem para isso é a utilização de vários métodos para alcançar as pessoas. Hoje, a metade dos moradores encontra-se inserida em algum grupo religioso Evangélico e um sexto se diz fora de qualquer grupo; os demais fazem parte do grupo católico. Se os grupos religiosos continuarem crescendo como têm crescido, podemos dizer que mais dez ou quinze anos, os que se dizem sem religião serão em quantidade muito menor do que são atualmente.

Percebemos que os grupos religiosos que no passado não davam tanta importância para os estudos e formação acadêmica de seus membros são os que menos têm em suas membresias pessoas que tenham concluído o Ensino Médio e, muito menos, o Superior. Todavia, aqueles que, desde cedo, deram importância devida à escolarização e à formação acadêmica, têm em sua membresia um número considerável de pessoas que concluíram o Ensino Médio e o Superior.

A maior parte dos membros de alguns grupos religiosos disse não fazer nada para se divertir, a não ser ir para as igrejas. Mas existem membros de diversos grupos religiosos que, para se divertirem, praticam esportes, fazem churrasco, vão à casa dos familiares, visitam amigos, e passeiam em parques. Essas práticas são identificadas, em especial, nos grupos considerados evangélicos. Já os outros grupos, como os católicos e os sem religião, têm essas mesmas praticas em quantidade muito menor.

Observações sobre as religiões dos moradores

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Dentre suas respostas, o que mais se destacou foi o fato de afirmarem que as formas mais utilizadas para se divertirem são as de ir para os bares e festas em casa noturnas.

É necessário que cada ser humano saiba que é importante professar uma convicção, uma crença, independentemente de raça, escolaridade, aparência ou situação financeira. O homem é um ser religioso, ele sente necessidade de adorar algo ou alguém. Dentro em si, tende a buscar por alguém celeste, divino ou sagrado, e, essa busca pode ser norteada por algumas orientações. Não se trata de religiosidade ou práticas enganatórias para satisfazer a mente humana. As diversas religiões têm demonstrado que podem cuidar de interagir com o homem, ligando-o a algo que ele acredite ir além das forças terrenas conhecidas.

Existe a real perspectiva de não estarmos sós no universo. De não sermos os únicos seres pensantes. De existirem outras formas de vida, como descritas nos vários livros religiosos espalhados pelo mundo. O universo foi criado por alguém. Não é obra do acaso ou de uma explosão cósmica.

A influência religiosa na vida cotidiana dos moradores dos bairros que compõem a “Baixada da Sobral” é positiva. Eles buscam concretizar suas perspectivas de vida no pensamento religioso, com isso, tornam-se pessoas mais “espirituais”, que desenvolvem um sentimento de moralidade, respeito e humanidade.

São pessoas que sonham e investem em seus sonhos, planejam e têm esperança de realizar seus planos. O sentimento religioso de cada cidadão os encoraja a resistir às lutas, às trajetórias, à desilusão, às perdas familiares e às decepções com as instituições, sejam elas do âmbito federal, estadual ou municipal; enfim, à falta de credibilidade na política. Todos esses males são encarados por esses sujeitos com perspectivas futuras.

Nas várias formas de religião e de religiosidade, encontram-se alívios e expectativas sobre-humanas. Todas as religiões mostram isso, ora no singular, ora no plural. Que dizermos de tudo isso? É reconfortante saber que esse ser transcendente, conhecedor de tudo, que tem poder para criar existe, e, em Jesus Cristo, podemos chamá-lo de Pai.

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BAIXADA DO SOL Processo de Ocupação no Início do Século XXI

m pleno século XXI, a cidade de Rio Branco ainda convive com constantes processos de ocupação de terras em áreas Eainda não ocupadas. Exemplos desses processos é a recente

Lélcia Maria Monteiro de AlmeidaReginâmio Bonifácio de LimaRegineison Bonifácio de Lima

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ocupação de uma área de aproximadamente cem hectares de terra, localizada no Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, também denominado Regional VI ou Baixada do Sol, como definida pelos órgãos gestores do Município, ou ainda, como popularmente conhecida, “Baixada do Sobral”.

Iniciada no mês de abril do ano de 2007, principalmente por cidadãos, em sua maioria, provenientes dos próprios bairros da Regional: João Eduardo I e II, Aeroporto Velho, Bahia Velha, Bahia Nova, Sobral, João Paulo II, Plácido de Castro, Floresta Sul e outros. Esses ocupantes alegavam, em suas muitas falas, não possuirem uma área de terra onde pudessem construir suas moradias e, com elas, suas vidas.

De acordo com informação dos líderes da ocupação na área, quase duas mil famílias se dirigiram para o local em busca de um lote de terra. Não negam, porém, que em meio a esse significativo número de pessoas, existem muitas que têm onde morar, mas fazem grilagem urbana, pegando seus lotes de terra para depois venderem por um preço abaixo do estabelecido pelo mercado.

Assim como em processos anteriores de ocupação, ocorridos principalmente na década de 1970, em vários bairros de Rio Branco, ao chegarem ao local, essas pessoas utilizaram como estratégias de ocupação da área a construção de centenas de “choupanas” e “tapiris” feitos de palha, lonas e madeira bruta.

A nova ocupação na “Baixada do Sobral” é uma área que não possui grandes condições de infra-estrutura para seus moradores, e essa área em especial não conta com absolutamente nenhum serviço, uma vez que não tem ruas, energia, e nem mesmo água potável, pois, os poucos poços existentes fornecem águas barrentas, amargas e com cheiro desagradável.

Na busca pela terra, e especialmente pela sobrevivência, os ocupantes da área, assim como muitos de seus companheiros do passado, enfrentaram a violência gerida a partir de interesses diversificados que dificultaram as construções de suas moradias e seus estabelecimentos na área, tornando o conflito pela terra no Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco uma realidade em pleno século XXI.

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No dia 06 de setembro de 2007, uma quinta-feira, cinco meses após o início da ocupação da área, oficiais de justiça estiveram no local para reintegração de posse, acompanhados por dezenas de homens dos órgãos gestores do Estado e do Município, bem como dos representantes da Polícia Militar e da tropa de choque da Corporação. Durante a reintegração de posse, foram utilizados equipamentos como caminhões, trator e outros. Eles cumpriram o mandado de reintegração de posse, determinando a demolição das casas e a retirada imediata das famílias da área.

Durante a desapropriação do espaço houve resistência e os ocupantes para impedir a derrubada dos barracos fizeram uma barreira humana. Várias pessoas ficaram feridas, algumas disseram que foram agredidas pelos escudos dos militares quando estavam fazendo um cordão de isolamento.

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O Mandado de Reintegração de Posse em favor de Joana Simões dos Santos foi assinado pelo Juiz de Direito Luís Vitório Comolez, da Vara de Órfãos e Sucessões da Comarca de Rio Branco. A terra em questão faz parte de uma ação de herança da família, que tramita há vários anos no judiciário.

Os ocupantes contestaram a ação judicial, alegando que muitas pessoas moram na terra há vários anos. Se esse fato não é visto como verdadeiro para todos, o Instituto de Terras do Acre – ITERACRE – ratificou o fato de que em três hectares de terras existem habitações que estão lá há mais de 02 anos, sendo que algumas estão há mais de 10 anos, e pelo uso das terras, se tornaram verdadeiros seus donos. Com isso, relembramos a antiga questão do usucapião como modo de adquirir propriedade imóvel pela posse pacífica e ininterrupta durante certo tempo. Apesar da existência da lei, o conflito pela posse da terra na área pode ser comprovado a partir das imagens produzidas por vários jornais de circulação no Estado.

Depois de três tentativas de reintegração de posse e dezenas de “casebres” destruídos, os ocupantes se dirigiram das terras em litígio para a rua que dá acesso ao local. Atualmente cerca de 80 famílias estão acampadas no meio da rua, nas terras próximas ao Campo do Vidal, no bairro Bahia Velha, aguardando providências do poder público, em busca de um lugar para morar. Enquanto isso, ficam expostos ao período das chuvas e ao perigo de viver em uma área insalubre.

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VIVÊNCIAS E LAZER NA “BAIXADA DA SOBRAL

Maria Alzerina Bonifácio da SilvaReginaldo Bonifácio de Lima

Selyana Gomes Cavalcante Thaylinne Cavalcante Andrade

Vista aérea da área do SEJA. Fonte: Memorial dos Autonomistas.

área que compõe as terras que a Prefeitura nomeou como Regional VI, e que Reginâmio Lima (2006) chamou de ATerceiro Eixo, é mais conhecida pelas populações que

14moram fora da localidade como sendo a Baixada da Sobral . Baixada porque grande parte de suas terras são baixas em relação ao restante da cidade, e, Sobral, por causa da Fazenda Sobral que existia na localidade.14 Artigo produzido pelos bolsistas que muito auxiliaram na execução da pesquisa. Após revisão, a equipe de organizadores achou por bem inserir no corpo do texto este excelente artigo que foi escrito de forma concisa e meritória.

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Essa área já contou com o Colégio Aprendizado (próximo ao local em que hoje está situada a Escola Flaviano Batista), com a Fazenda Sobral (próximo a atual Estação de Tratamento de Água – ETA I), com a residência de descanso do governador (próximo ao atual areal que se encontra na rua da Sanacre), com o Bola Preta (casa de diversão que deu nome à conhecida Ladeira de mesmo nome, situada próxima onde, atualmente, é a Vila Militar), o forró (próximo à Escola Tancredo Neves), dentre tantos outros locais. Ainda hoje conta com várias áreas de lazer, esporte, entretenimento, prazer e diversão.

Existem poucas praças na localidade. Os dezesseis bairros que formam o setor, com quase trinta e cinco mil pessoas dispõem de apenas a “Praça da Semsur”, a pracinha do João Eduardo e a Praça Governador Joaquim Falcão Macedo, para que as pessoas possam se entreter. Os poucos campos de futebol situam-se em áreas particulares, contudo, existem áreas em que se podem praticar esporte e lazer, ainda que precariamente.

Na “Baixada” não existem teatros, nem parques urbanos como o “Parque da Maternidade” ou do “Tucumã”. Não existem Memoriais ou casas de shows, aliás, não tem nem agência bancária ou dos Correios. Há apenas duas escolas de Ensino Infantil para atender toda a região. As quadras das escolas estão caindo aos pedaços, o alambrado corroído, as folhas de alumínio reviradas e as arquibancadas precisando de reformas urgentes.

Mas existem pessoas que agem com boa vontade, aproveitando os espaços para desenvolverem as atividades que acreditam serem importantes para seu bem-estar. Mais que isso, acreditam poder influenciar as outras pessoas com suas atividades e anseios por melhorar o viver na localidade. Podemos ver crianças brincando com “petecas”, “pepetas”, “tac-bol” e, nos fins de tarde, a partir das 16 horas, muitos se reúnem nas ruas locais sem-saída, para jogar futebol, brincar de “baleado”, da “manja”, preparando-se para o jantar que logo-logo será servido, após muitas negociações das mães para que algumas crianças tomem banho.

Existem vários locais que se destacam na ambiência urbana da “Baixada da Sobral”: o SEJA, único centro poli-esportivo da

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localidade, o Ginásio Coberto Álvaro Dantas, as praças da Semsur, do João Eduardo e a do bairro Plácido de Castro. Esses locais são muito freqüentados, principalmente o SEJA, cujas dependências, em dias de fluxo intenso da população para a localidade, ficam lotadas, não comportando de forma adequada para lazer, diversão e esporte, o número de pessoas que se dirigem ao local.

No período de verão, com o calor intenso que atinge a Capital acreana, é comum ver banhos improvisados na quebrada do barranco que existe em frente ao Colégio EJORB, na praia da IBRAL, nas redondezas da ETA I, que faz frente à praia do Amapá, além de alguns clubes que possuem açude e são convidativos para um dia de lazer na Estrada da Floresta.

Os fins de semana na localidade, como em toda a Rio Branco, começam às sextas-feiras à noite, com lanchonetes que dispõem de variados tipos de lanches e sucos, sorveterias que não deixam em nada a desejar às do restante da cidade, missas nas diversas igrejas católicas, cultos nas evangélicas reformadas, evangélicas pentecostais, igrejas em células, reuniões espíritas; reuniões para “mirar” através de determinados chás; bares que parecem funcionar diuturnamente, sem fiscalização quanto à idade de seus freqüentadores; prática de jogos como baralho, dominós e outros; botequins, onde se pode comprar uma dose ou uma garrafa inteira; motéis de luxo, semi-luxo e suítes simples; e localidades que reúnem pessoas para dançar e beber (sendo que nesses locais quase sempre existem quartos para que os casais possam ficar mais à vontade).

Aos sábados é comum ver alguns religiosos com suas pastas na mão, sombrinha ou guarda-sol em outra, indo de casa em casa, anunciando as “Boas Novas”. Também é possível ouvir os lindos sons das canções de religiões que atuam com cultos matinais e entoam lindas melodias que fazem pensar nas coisas boas da vida. Por falar em canções, também é corriqueiro ouvir os vizinhos testando quem tem o som mais potente, a cinqüenta metros de distância se ouve muito bem a ambos, embora não seja possível discernir muito bem se é o estilo calipso, axé, dance ou forró que

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está mais alto. Vez por outra, ouve-se uma melodia evangélica, em meio ao potente teste de som. Nesse momento, as donas de casa cuidam de lavar suas roupas, arrumar a casa e fazer o almoço, que será servido próximo ao meio dia. Enquanto isso, crianças correm pelas casas, cachorros latem, pessoas gritam, outras estão acordando após uma noite de cansativo trabalho, e, pesquisadores andam pelos bairros da localidade fazendo entrevistas.

Após o almoço de sábado há como que um alívio de tensões. O ambiente fica mais calmo até perto das quatorze horas, isso se não estiver ocorrendo um churrasco de costela na vizinhança. Costela regada à cerveja em latinha e guaraná da região. As pessoas se acalmam, o bairro se aquieta, os moradores da Regional parecem, finalmente, alcançar por alguns momentos o descanso que necessitam para continuar a luta da semana seguinte. Em breve, começarão a sessão de sábado, o futebol ou os corpos terão tido tempo de processar parcialmente a comida e despender energia para o restante das atividades. Está para começar tudo de novo.

É sábado à tarde. Muitas pessoas se reúnem em frente à televisão, se preparam para ir jogar bola, para continuar os afazeres domésticos, consertar algumas pendências, enquanto alguns estão chegando do trabalho e outros, só retornarão para seus lares ao entardecer. Algumas famílias se dirigem para os banhos, outras vão às praças e áreas de lazer improvisadas, principalmente as crianças, adolescentes e jovens. Algumas escolas permitem que a comunidade use suas quadras, outras não. Aos poucos, os comércios vão fechando suas portas, enquanto as lanchonetes e sorveterias vão abrindo as suas para a clientela que começa a chegar.

Algumas igrejas têm programação para seus fiéis e familiares, enquanto os botecos de esquina viram pontos de encontro de alguns que chegam do trabalho e vão “tomar uma pra arrematar o dia”. Muitas e diversas são as atividades desenvolvidas, incontáveis e imensuráveis: desde algumas senhoras que se sentam no chão de suas casas com os filhos

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pequenos ou os netos no colo, enquanto conversam e catam piolhos; até agitados idosos, ansiosos por ouvidos que estejam dispostos a ouvir seus relatos. Assim, anoitece na Regional VI.

O despertar da noite se depara com adolescentes ávidos por passear na região, ir a botecos, curtir um pouco mais o esporte, a paquera e a azaração, ou simplesmente “dar uma volta” para ver o movimento. Milhares de pessoas se preparam para ir às dezenas de igrejas existentes no local, enquanto outros vão dar um passeio, “tomar uma”, “ver no que a noite dá”. Por volta das vinte horas e trinta minutos até às vinte três horas é comum ver lanchonetes cheias, sorveterias de portas abertas, bares, botequins e locais de diversão imprópria para menores. E, como em todo lugar, também existem pessoas querendo fazer o mal. Há uma música do grupo O Rappa, que representa bem o contexto da idéia de marginalidade e marginalização que se tem da localidade. A música do grupo, que foi escrita pensando em moradores das favelas do Rio de Janeiro, bem poderia ser aplicada aos moradores da regional VI de Rio Branco. A letra da música é assim:

Menos de cinco por cento dos “caras” do localSão dedicados a alguma atividade marginal.E, impressionam quando aparecem no jornalTapando a cara com trapos, com uma Uzi na mão.Parecendo “árabes do caos”, Sinto muito “cumpadi”, Mas é burrice pensar que esses caras é que são os donos da biografia, Já que, a grande maioria daria um livro por diaSobre ARTE, HONESTIDADE e SACRIFÍCIO.

A vida noturna continua, mas a grande maioria das pessoas que havia saído volta para suas casas, preparando-se para o domingo que está para chegar. Enquanto isso, entre uma batida e outra de dominó, um copo e outro de cerveja, risadas e afogamento de mágoas, nasce o domingo.

Dia agitado, mas que começa um pouco mais tarde que os outros. Dia de banhos, futebol, igrejas, diversões, brigas de casais,

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televisões ligadas e muita esperança nos corações. De manhã, as churrascarias improvisadas à beira das ruas assam as carnes e frangos que serão compradas próximo às onze horas, depois dos cultos matinais e da limpeza das residências, hora em que as pessoas fazem suas compras nas feiras improvisadas, já que o mercado Luiz Galvez, o Mercado da Semsur como é mais conhecido, pouco tem a oferecer. São mais de 35 mil pessoas vivendo e convivendo, visitando parentes, andando; o circular de bicicletas é constante, a frota de ônibus é reduzida pela metade, os poucos carros são de visitantes ou de alguns moradores mais abastados da região.

É mais uma semana que se inicia. Muitas das famílias não têm o que comer. Literalmente comem farinha com água. Alguns estão doentes e já programam como irão dormir na fila para agendar uma consulta no único posto de saúde da localidade. Os módulos de saúde são muitos, só faltam os médicos, enfermeiros, funcionários e o remédio – o restante tem. Alguns módulos funcionam, mas a grande maioria não – o que congestiona o Pronto Socorro. As escolas estão de portão fechado, algumas abriram suas quadras para jogar futebol, enquanto nos barrancos e encostas do rio Acre, às margens do rio, como dizem os geógrafos, as pessoas começam a chegar para tomar banho no poluído e quase seco principal rio da Capital.

Na hora do almoço, cada um se arranja como pode. Se em algumas residências há fartura – na medida do possível –, em outras, há falta, e muita falta, de comida.

Assim, preguiçosamente se inicia a tarde de domingo. Preguiça essa que logo se esvai pelo agitar das crianças e das conversas de parentes que não se viam há algum tempo. Os rituais das tardes e noites de domingo são bem parecidos com os de sábado. Com a diferença de que a vida noturna de domingo parece se encerrar às vinte e duas horas, num prelúdio à segunda-feira que se aproxima.

Na localidade, há muitas coisas interessantes para se fazer e, a partir de agora, iremos citá-las de forma mais pontual. Aqui mencionaremos apenas algumas das dezenas de atividades

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interessantes e locais que podem ser visitados. Vamos começar com o Complexo Poli-esportivo Francisco

Matias, mais conhecido como SEJA, por ter pertencido à Secretaria da Juventude do Acre – SEJA. Está localizado na rua Rio Grande do Sul, bairro Aeroporto Velho. Abre às 4h30min da manhã. As pessoas fazem caminhada, os alunos da Escola Áurea Pires fazem atividade de lazer, escolinhas de futebol e o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS – desenvolvem atividades.

No complexo, são realizadas várias atividades como futebol society, futsal, futebol de areia, vôlei de quadra, vôlei de areia, handball, cooper, caminhadas, damas, xadrez, dominó. Também são desenvolvidas atividades de caratê, capoeira, kung fu, Tae kaendo. A área do SEJA dispõe de estacionamento para vinte carros, praça namoradeira, parque infantil, pista para treino de caminhada, com boa infra-estrutura. Essa área é utilizada para andar de bicicleta, caminhar, paquerar, estudar. Uma clientela diversificada utiliza o local todos os dias.

Entrevistamos algumas pessoas na área do SEJA para saber o que tem de bom para fazer no local e as respostas foram muito interessantes por relacionar o esporte e o lazer não apenas a momentos em que se está de folga do trabalho, mas também a uma estrutura social.

Aqui tem de bom o lazer pra população, né? Dos bairros dessa redondeza aqui perto só tem o SEJA pra lazer... e lazer que eu digo é o divertimento. Pra população carente... a população merece o prestígio e o lazer que eles procuram. Se não tivesse essa área o que ia ser das pessoas? Muitos que estão aqui, o destino deles seria o vício, as drogas, a bebida. Essa área é muito importante... Eu acho que se tivesse outros lugares iguais a esse aqui, seria muito melhor (L. C. O. Voluntário no SEJA. Entrevistado por Selyana G.

Cavalcante).

O maior dos problemas do SEJA não é o vandalismo ou

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alguns alunos briguentos que depredam o local, mas a falta de funcionários e de verba para a manutenção do local. Ainda assim, vale à pena conferir esse complexo esportivo.

Ainda no Aeroporto Velho, temos o Ginásio Poli-esportivo Álvaro Dantas, mais conhecido como Ginásio Coberto, onde são realizadas práticas esportivas, jogos escolares e outras atividades correlacionadas aos esportes. Por décadas, esse foi o único ginásio poli-esportivo da Cidade.

Saindo do Ginásio Coberto, passando pelo SEJA, ainda na rua Rio Grande do Sul, encontramos o Centro Cultural Lydia Hammes, mais conhecido como INPA ou torre de controle do Aeroporto Velho. Nesse lugar, atualmente, são desenvolvidos trabalhos sócio-culturais, como dança para os idosos, encontro de grupos da terceira idade, ginástica, artes marciais, exposições culturais, dentre várias outras atividades. A antiga sala de embarque do primeiro aeroporto de Rio Branco foi tombada como patrimônio histórico de Rio Branco e tornou-se um centro de cultura histórica. Além do aconchegante ambiente arborizado do local, pode-se usufruir das últimas catraias da Capital, além de uma belíssima vista de parte da cidade. É só subir as escadas que levam à torre e conferir.

Pouco à frente encontramos a Praia da Ibral, situada no final da rua Rio Grande do Sul. Está localizada por trás da antiga Indústria de Beneficiamento de Borracha ltda., daí o nome Ibral. Lugar onde a comunidade do bairro Aeroporto Velho se encontra, aos finais de semana de verão, para praticar esportes, tomar banho nas águas do rio Acre, encontrar com os amigos e se divertir no Festival de Praia da Ibral.

Ainda no bairro Aeroporto Velho, na Estrada da Sobral, está localizado o Teatro Barracão Francisco Matias, ou “Barracão” como é mais conhecido. Esse é um dos mais antigos teatros de Rio Branco, o nome foi escolhido em homenagem ao artista popular e amante do teatro, Francisco Matias, responsável pelo local até a sua morte. Matias coordenou vários artistas de teatro e juntos realizaram inúmeras atividades culturais e de lazer. Matias era

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carismático e muito popular, um profundo conhecedor das dificuldades de acesso às atividades culturais e de lazer na região da Baixada da Sobral, onde morou e trabalhou até a sua morte.

Como se pode ver, a maior parte das atividades voltadas ao entretenimento está situada no bairro Aeroporto Velho, que teve inicial planejamento da Prefeitura, mas que nunca foi concluído. Além do Aeroporto Velho, outro bairro que se destaca por conter várias áreas de entretenimento e diversão é o Floresta Sul, onde se encontra a Escola de Ensino Fundamental Clínio Brandão, a campeã 2007 do Prêmio de Gestão Escolar. Além de um importante centro de lazer, é nesse local que se encontram as sedes campestres de diversas entidades de classes tais como: SINTEAC, ASSDERACRE, ASSDEPLAC, CLUBE DOS SUBTENENTES E SARGENTOS DA PMAC, chácara dos maçons “Parque das Acácias”, além do conhecido balneário Pôr-do-sol. Lá encontramos também indústrias que geram empregos para a população local, entre elas estão: cerâmica T.J. Barro Vermelho, Cila Laticínios, Fábrica de Refrigerantes Libertador, etc. Existem, nesse bairro, ainda, alguns motéis muito conhecidos na cidade, entre eles: Scorpion Motel, Floresta, Executivo entre outros. Com a construção da “Terceira Ponte” e a construção parcial do Anel Viário de Rio Branco, passando pelo bairro Floresta Sul, a localidade se tornou um importante elo entre os dois distritos da capital, ligando o Novo Distrito Industrial ao antigo. Na localidade, também podemos encontrar o campo da Federação Acreana de Futebol e o segundo maior estádio da capital. Ainda no bairro Floresta Sul encontramos a Casa do Índio, onde diversas etnias existentes no nosso Estado hospedam-se e se reúnem para as suas atividades culturais e de saúde.

Pouco mais à frente, no bairro Invasão da Sanacre, próximo à “Terceira Ponte”, existe o Complexo de Motocross “Amazonrio”, é o point para os praticantes de motociclismo e moto velocidade. Atualmente, é onde são realizadas as provas dos campeonatos amazônico e acreano de motocross.

Na rua da Sanacre está localizado, próximo ao seu término,

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o Forró do “Valdomiro”, um clube bastante conhecido e visitado pelos moradores da vizinhança que gostam de dançar o tradicional forró, xote e baião nos fins de semana, para se descontraírem um pouco. Logo mais à frente, encontramos a primeira e mais importante Estação de Tratamento de Água do município de Rio Branco, a ETA Sobral, construída na década de 1970.

No bairro Bahia Velha, podemos encontrar o CRAS, onde se aprende informática, cursos de variados tipos e se tem acompanhamento social. Entre as ruas Men de Sá e a rua Mauá, está localizada a Casa de Leitura “Matias”, onde todos podem ter acesso a bons livros para ler e viajar na imaginação.

As quatro mais importantes vias da Regional são a Estrada da Sobral, a rua Rio Grande do Sul, a rua Campo Grande e a Estrada da Floresta, onde se encontra o maior número de localidades voltadas ao relacionamento pessoal, comércio, lazer, diversão e cultura.

Ainda existem duas praças que merecem destaque: a Praça

Praça do Mercado Luiz Galvez. Mais conhecida como Praça da SEMSUR. Foto: Stive K. L. Carneiro.

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da Semsur, no bairro Palheiral, e a praça Joaquim Macedo, no bairro Plácido de Castro.

A área onde está situada a Praça da Semsur é muito importante para os moradores do bairro, bem como para os alunos da Escola Serafim da Silva Salgado e para os comerciantes que atuam nas dependências do Mercado Municipal Luiz Galvez. No mercado, são vendidos peixes, frutas, verduras, e carne. Existem restaurantes, eletrônicas, lanchonetes, sorveteria, armarinhos, xerox e “banquinhas de bombons”.

A praça é bastante utilizada por casais que vão namorar e por pessoas que gostam de se encontrar com os amigos e passar um tempo conversando, principalmente nos fins de semana. O coreto da praça é o ponto de encontro dos alunos da Escola Serafim Salgado, EJORB e Heloísa Mourão Marques, que passam pelo mercado Luiz Galvez para ir às escolas ou retornar para suas casas. O coreto também serve de palco para o forró que ocorre nos fins de semana nas dependências da praça, reunindo dezenas de moradores das proximidades ou cultos ao ar livre, realizados pelas igrejas evangélicas.

A Praça Joaquim Macedo, no bairro Plácido de Castro é um local bem diversificado no atendimento aos moradores. Lá existem lanches, sorveterias, play ground, área de ginástica, parque infantil, quadra de salão e quadra de areia. Aos fins de tardes e aos finais de semana, é comum ver crianças, jovens e adolescentes em busca de recreação, esporte e lazer na localidade. Também há os que preferem ir namorar no local, além de grupos de religiosos que gostam de ir cantar louvores na praça aos sábados.

Esses são alguns dos lugares onde se podem encontrar vivências e convivências no Terceiro Eixo Expandido ou “Baixada da Sobral”, como é mais conhecido. Lugares que, na maioria dos casos, não têm a infra-estrutura necessária para o desempenho de atividades diversas, mas que, com a ajuda dos moradores e muita criatividade, se transformam em verdadeiros locais de interatividade.

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Foto do rio Acre com Terceiro Eixo em destaque (parte inferior). Fonte: Memorial dos Autonomistas.

rio Acre está localizado na Bacia Sedimentar Amazônica, situada na Província Amazonas-Solimões. Por ser uma Oárea Equatorial situada em baixas latitudes, possui um

clima quente e úmido (Equatorial). Região de baixa latitude, apresenta médias térmicas mensais elevadas que variam e estão acima dos 24 °C.

Embora as médias térmicas estejam acima de 24 °C em toda a região (exeto porções restritas do planalto das Guianas), o regime de chuvas apresenta diferenças importantes conforme a atuação dos diferentes sistemas atmosféricos. Verificam-se totais anuais superiores a 2.500 mm e ausência de estação de seca

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O FLUXO DE ÁGUAS NO RIO ACRE E AS ALAGAÇÕES QUE ATINGEM O TERCEIRO EIXO RIOBRANQUENSE

Reginâmio Bonifácio de LimaPedro Bonifácio de Lima

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em toda a Amazônia ocidental, onde a presença das BP (baixas pressões) equatoriais é quase permanente. Por outro lado, há uma diagonal subúmida que se estende de Roraima ao sul do Pará, chegando até Rondônia e parte do Acre, cujas médias pluviométricas são menos elevadas, apresentando alternância da estação seca e da chuvosa e caracterizando um clima equatorial subúmido. (ROSS, 1996, p. 103).

Em meio à Região Amazônica, que tem um sistema atmosférico quente e úmido, propícia à alta pluviosidade, o rio Acre está inserido. Uma das características mais comuns do rio Acre são as mudanças de direção do seu curso. A rede de drenagem é bem distribuída, correndo sobre rochas sedimentares, não formando cachoeiras. O rio apresenta forma sinuosa em seu curso de águas, com pequenos trechos retilíneos. A grande quantidade de curvas que o rio apresenta ocasiona a formação freqüente de bancos de areia em seu leito. De mesma forma, o rio Acre transporta grande quantidade de sedimentos em suspensão, o que confere às suas águas uma coloração turva, típica de um rio de “água branca”.

A dinâmica do rio Acre envolve um fenômeno muito comum que é o deslizamento das margens. A erosão não ocorre apenas no “perímetro urbano”, mas também no “rural”, sendo que os impactos na “zona rural”, em alguns trechos, são menores, porque a mata ciliar e a mata de terra firme são mais preservadas, com muitas canaranas adaptadas à umidade, na margem do rio, ajudando a conter a erosão.

Nas enchentes, as margens dos rios ficam saturadas de água. No início da vazante, quando o nível da água começa a baixar, a pressão hidrostática diminui e a água anteriormente retida nas margens é liberada. As margens deslizam, então, de forma rotacional, ou em pacotes, verticalmente.

O rio Acre não é um rio uniforme, ele tem um desnível em seu leito, com algumas partes mais rasas e outras mais fundas. Esse desnível é ocasionado pela retirada de sedimentos realizada pela própria dinâmica do rio. Devido à velocidade e o poder de erosão

O fluxo de águas no Rio Acre

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do fundo do rio, o atrito da água no fundo consegue arrancar muitos sedimentos com facilidade, fazendo “marmitas” gigantes e causando essas deformações.

Durante seu percurso, o rio Acre constantemente realiza um trabalho de erosão, transporte e deposição. Ele ainda não está com o seu canal definido, tem essa mobilidade de meandro e vai deixando ao longo do caminho meandros abandonados, também conhecidos como paleocanais. Pela própria dinâmica do rio Acre é possível que daqui a alguns anos, geologicamente, o rio deixe de contribuir para a vida nesses paleocanais.

15 No rio Acre também ocorre o intemperismo químico, mas, durante a pesquisa, o rio estava cheio e não foi possível observar as reações químicas em suas margens.

O intemperismo que predomina no rio Acre é o mecânico ou físico, por causa da quebra dos barrancos e dos movimentos de

15massas . No rio Acre, o transporte de materiais pelas águas se

processa por suspensão, rolamento e saltação. O depósito do material detrítico e do dissolvido ocorre de modo seletivo. Quando as águas atingem os setores dos vales de menor inclinação, aproximando-se dos chamados níveis de base, onde ocorrem os processos de sedimentação, primeiro são depositados os materiais mais grosseiros e pesados, depois os finos e leves. A ação das águas pluviais e fluviais é marcante nos ambientes de clima temperados e tropicais, onde a água é mais abundante.

As ações produzidas pelo homem interferem no ambiente natural, como os desmatamentos às margens do rio para a extração de madeira ou as queimadas da floresta para a criação de gado; e causam alguns danos irreversíveis ao meio ambiente. Com as constantes queimadas e desmatamentos surgem cicatrizes no solo como os filetes, ravinas e voçorocas, além de intemperismo físico ocasionando as remoções de massa.

É surpreendente a quantidade de áreas desmatadas nas margens do rio Acre, o que acaba desprotegendo o solo e aumentando a erosão e o assoreamento do rio.

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16A erosão provoca remoção de massas em função da água

da chuva que satura o solo, como esse solo saturado não é

consolidado, por efeito de gravidade, ele vem a baixo. O material

removido se desloca barranco abaixo em direção ao rio,

provocando o assoreamento, que já está em estado bastante

avançado. Esses movimentos de massa são mais freqüentes nas

áreas com maior declividade. Nos últimos anos, esse fator tem se

agravado, principalmente na cidade Rio Branco, prejudicando a

população, causando perda de casas, ruas, prédios, etc.O fluxo das águas do rio Acre na Capital acreana e, em

específico, nas áreas baixas como no Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, ocasiona um aspecto que mexe com a vida dos moradores da localidade ano após ano. Quando a cota de alerta do nível das águas do rio atinge a régua na marca de 13,5 metros, no Terceiro Eixo, a área baixa existente na parte norte do bairro Ayrton Senna, a qual faz divisa com o Sul do Aeroporto Velho, bem como a parte norte-noroeste do Aeroporto Velho, ficam parcialmente cobertas pela água.

Um dado preocupante, que ao mesmo tempo chega a intrigar, é o fluxo de águas do rio Acre. A cada oito ou nove anos o rio tem seu leito tomado por uma grande quantidade de águas no “inverno amazônico”. Os moradores mais antigos, que vivem há décadas às margens do rio, dizem que “no ano em que as mangueiras dão muitos brotos em novembro”, intensificando o período de frutificação, esse é o período que o rio alcança os mais altos índices do nível de água ao longo de seu leito.

Em nossa equipe, embora dispondo de dois professores de geografia, não dispúnhamos de geógrafos que estudassem o fluxo e a dinâmica das águas na Bacia do Alto Acre. Não dispomos de trabalhos que falem desse assunto em nossa Capital. O que mais se aproxima e até enseja um estudo de fluxo de águas é o trabalho do

O fluxo de águas no Rio Acre

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16 Os movimentos de massa são fenômenos naturais da dinâmica externa responsável pela modelagem da paisagem. O rio é responsável tanto pela erosão de planaltos e vertentes como pela sedimentação de vales e baixadas, transformando o relevo regional, e, em especial, o relevo local.

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17professor Claudemir Mesquita . As grandes cheias do rio Acre, segundo noticiado em jornais que circularam na Capital acreana nas décadas de 1970 e 1980, como “Varadouro”, “Nós Irmãos”, “O Rio Branco”, além de diversos relatos orais de moradores que viram e sofreram com as alagações, nos fazem pensar na real possibilidade de existência de um fluxo contínuo e periódico de águas, que atinge a cidade de Rio Branco e todas as cidades do Vale do Acre a cada oito ou nove anos.

Houve algumas grandes alagações em Rio Branco, e, nos últimos anos, pelo assoreamento do leito dos rios, o desmate das florestas ciliares e a poluição dos mananciais e fluxos de água que deságuam no rio Acre, vemos crescer, a cada grande alagação, o índice de água que atinge a expandida e “desordenada ocupação” da cidade de Rio Branco.

Um senhor cearense que entrevistamos afirmou que, em 1952, houve um grande alagamento em suas terras, no município de Porto Acre. Em suas palavras: “uma alagação como nunca vi igual”.

Em 1961, no mesmo município de Porto Acre, fala-se de uma grande enchente.

Há registros de que em 1970 houve uma grande alagação que atingiu o Vale do Acre; em 1971, houve uma alagação um pouco menor.

Em 1979 e, novamente, em 1980, houve duas grandes alagações que atingiram o Vale do Acre.

Em 1988 há registros de que outra grande alagação ocorreu também no Vale do Acre. Foi a maior alagação registrada na

18história “urbana” de Rio Branco, até então. O IBGE e a PMRB já haviam mostrado, em seus trabalhos e relatórios, a grande probabilidade de isso ocorrer, mas pouco se fez a respeito.

Entretanto, a alagação de 1997 sobrepujou em quase um metro a de 1988, assim, mostrando o índice crescente e preocupante de assoreamento dos canais e leitos onde fluem as

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17 MESQUITA, Claudemir Carvalho de. As inundações da bacia hidrográfica do rio Acre: alternativas de ocupação. Rio Branco: Seplan, 1996.18 1º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano/PMRB.

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águas dos rios que passam pela Capital. As enchentes não ocorreram apenas no rio Acre, mas também no Antimary, no São Francisco, dentre outros rios e igarapés. Mais da metade de Rio Branco ficou submersa e uma área correspondente a mais de dois terços do município de Sena Madureira também ficou embaixo das águas.Em 2005, houve uma grande alagação que atingiu todo o Vale do Acre, inundando parcialmente várias cidades.Em 2006, o índice registrado de áreas atingidas pela alagação foi um pouco menor, se comparado ao das áreas atingidas na alagação anterior. É como se houvesse uma expansão de volume de águas em determinado período e um recuo durante vários anos, até um próximo alagamento.

Recorte do Mapa de Imóveis e bairros atingidos em 2006 (Cota: 17 metros).Fonte: Setor de Georeferenciamento/PMRB

Bairro Castelo Branco e Bela Vista

Terras não atingidas pelas enchentes

Terras atingidas pelas enchentes

Residências atingidas pelas enchentes

O fluxo de águas no Rio Acre

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Se os dados estatísticos produzidos se confirmarem e as informações coletadas através dos depoimentos dos entrevistados referentes ao ciclo de intensidade de águas estiverem corretos, é muito provável que, ao permanecerem as atuais condições climáticas e pluviométricas, no ano de 2014, Rio Branco passe pela maior alagação de sua história. Assim ocorrendo, algumas áreas – como por exemplo, as que fazem parte da expansão da cidade para a parte baixa do Segundo Distrito da Capital, bem como para as áreas baixas do Primeiro Distrito, com ênfase na Expansão do Terceiro Eixo – ambas atingidas pelo rio Acre – e das áreas próximas aos bairros Cadeia Velha, Adalberto Aragão, e a expansão do bairro São Francisco que se estende rumo ao rio Acre, numa área de incidência do Rio São Francisco – sofrerão grandemente com o aumento das águas.

Precisamos nos alongar por várias páginas, falando do ciclo das águas, para alertar a quem interessar possa e ao poder público sobre o fato de que estudos mais aprofundados precisam ser feitos, e que, a expansão da cidade, não deve se dar rumo ao Igarapé da Judia, haja vista que se o novo Distrito Industrial realmente for instalado onde está programado pelo Plano Diretor, as águas desse igarapé ficarão impróprias para consumo. Além disso, a Estação de Tratamento de Água da Judia não mais terá água para tratar e abastecer o Segundo Distrito, porque o igarapé morrerá. O abastecimento da área ficará drasticamente comprometido, sendo necessário que a ETA II (que ainda não está em funcionamento, mas que tem o dobro da capacidade da ETA I) distribua água potável para a regional do Segundo Distrito.

Enquanto isso, no Primeiro Distrito, as áreas dos bairros do Terceiro Eixo – mais conhecido como Baixada da Sobral –, juntamente com as áreas situadas no Segundo Distrito que são adjacentes ao Taquari, Seis de Agosto e Baixada da Cadeia Velha, representando mais de um terço da população da Capital, sofrerão ainda mais por causa das águas. Eles já sofrem com falta de trabalho, saúde, educação, moradia, falta de bem-estar social. A cada ano, durante alguns meses, sofrem com a tensão de uma

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possível cheia do rio, que ameaça atingir suas residências. Sofrerão ainda mais com o “inchamento” do local pelo grande número de pessoas morando em áreas de terra tão densamente ocupadas, com o aumento do fluxo das águas, tomando suas residências e com o descaso dos governantes para com sua “situação de desgraça”.

Desde muitos anos, são visíveis os transtornos pelos quais passam os moradores desses locais. É de grande importância que haja uma preservação da floresta que margeia o rio Acre, para que haja preservação das vidas de animais e vegetais na localidade, evitando que possa ocorrer situação de desmate, caça e pesca predatória. Também é necessário se implantarem políticas de acesso à moradia e de educação ambiental, para que os moradores próximos às margens do rio e os visitantes não venham a degradar essas áreas. Portanto, é preciso políticas de inclusão social e uma fiscalização mais acirrada para conscientizar e prevenir contra ações de pessoas que queiram tirar proveito predatório dessas áreas alagadiças.

A natureza é capaz de se auto-sustentar. Todos os elementos do ecossistema estão interligados: os seres vivos, animais e vegetais, relacionam-se uns com os outros e com o meio físico. Isto é a reunião e a interação do ambiente físico ou natural com os seres vivos que aí habitam.

A água é um recurso renovável de fundamental importância para a sobrevivência dos seres vivos, ela é necessária para a vida, para a saúde e para a produção de alimentos. É necessário que se desenvolvam ações para assegurar a preservação e a conscientização por parte do Estado, da Prefeitura, do poder público e dos habitantes, para que as gerações futuras também possam desfrutar desses mananciais e viverem com dignidade na localidade que “escolheram” para ser seu habitat.

O fluxo de águas no Rio Acre

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Livros:

Álbum Fotográfico do Território Federal do Acre (1946-1948). D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / w w w . b v . a m .gov.br/portal/conteudo/acervo/digitalizado/index.php?a=descricao&v=64>. Acessado em 23 de nov. 2006. BOSI, E. Memória e sociedade. São Paulo: T.A. Queiroz - Editora da Universidade de São Paulo, 1987.BRANCO, Samuel Murguel. O desafio amazônico. São Paulo. Moderna,1989.CABRAL, Maria da Conceição de Lima; FIGUEIREDO, Maria Lourdes Barbosa; et al. Um estudo de caso do crescimento desordenado da cidade de Rio Branco na década de 70 (1970-1980). Rio Branco: UFAC/DH, 1992.COSTA, João Craveiro. A Conquista do Deserto Ocidental. 2 ed. Rio Branco (Acre): Fundação Cultural do Acre, 1998.DUARTE, Élio Garcia. Conflitos pela terra no Acre. Rio Branco: Casa da Amazônia, 1987.Estudo Geográfico do Território do Acre. Brasília: Editora do Senado Federal, 2004.Governo do Estado do Acre. Histórico da Escola Flaviano Flávio Baptista. Rio Branco: Mimmeo, 2004.IANNI, Octávio. A Ditadura do Grande Capital. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1981.I n f l a ç ã o n a D é c a d a d e 1 9 8 0 . D i s p o n í v e l e m : <http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro.htm>. Acesso em 13 de jun. 2007. LIMA, M.S. B. Movimentos de massas nos bairros barrancos do Rio Acre e implicações sócio-econômicas na área urbana de Rio Branco/ Acre. 1998. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de

REFERÊNCIAS

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Referências

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Entidades:

Biblioteca da UFACBiblioteca Pública EstadualCDIH da UFACFundação Garibaldi BrasilIBGEMemorial dos AutonomistasPatrimônio Histórico EstadualSetor de Georeferenciamento MunicipalDepartamento de Água e Saneamento do Acre - DEAS

SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. SP: Edusp, 2002.SILVA, Adalberto Ferreira da. Raízes da Ocupação Recente das Terras do Acre: movimento de capitais, especulação fundiária e disputa pela terra. Belo Horizonte: UFAC/DH, 1998.SILVA, Renato Nunes da. Migrações internas no Estado do Acre: Rio Branco, um caso de urbanização precoce. Belém: UFPA/Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, 1981.SOUZA, Carlos Alberto Alves de. A História do Acre: novos temas, nova abordagem. Rio Branco: Editor Carlos Alberto Alves de Souza, 2002.TERRA, A. J. T.; SILVA, A. S.; BOTELHO, R. G. M (Orgs.). Conservação dos Solos. Conceitos, Temas e Aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.THOMPSON, Paul. A voz do passado - História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.TOCANTINS, Leandro. Estado do Acre: Geografia, história e sociedade. Rio de Janeiro: Philobiblion; [Rio Branco]: Assessoria de Comunicação Social do Estado do Acre: Banacre, 1984.U r b a n i z a ç ã o . D i s p o n í v e l e m : <http://www.brasilescola.com/geografia/urbanizacao.htm>. Acessado em 12 de jun. 2007.

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SOBRE OS AUTORES:

Reginâmio Bonifácio de Lima - natural de Rio Branco – Acre, é Bacharel em Teologia, pela FATEBOV – RR, e Licenciado em História, pela UFAC – AC. É Especialista em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, pela UFAC – AC; obteve os graus de Mestre e Doutor em Teologia, pela FATEBOM – SP. Atua como Pesquisador e Policial Proerd na Diretoria de Ensino da PMAC, e é professor de Teologia e Metodologia da Pesquisa, no Seminário Teológico Kerigma, em Rio Branco – Acre. Atualmente, cursa Mestrado em Letras/UFAC e lidera o Grupo de Pesquisa Sobre Terras e Gentes: Amazônia em Foco. É o autor de Sobre Terras e Gentes: o terceiro eixo ocupacional de Rio Branco (1971 – 1982); Retorno à Santidade; O Sermão da Montanha;PROERD Rio Branco: Crianças e Adolescentes de bem com a vida; Habitantes e Habitat v.1; e, Ensaio Sobre Fatos e Datas da Congregação Presbiteriana do Bahia; além de vários outros artigos.

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio – natural de Tarauacá – Acre, é Licenciada em Letras/Vernáculo; Especialista em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia. Atualmente, cursa Mestrado em Letras/UFAC. Atua na rede pública estadual de ensino como professora de Língua Portuguesa e coordenadora do grupo de Pesquisa O Discurso nas Redes do Poder. Atua na Faculdade Teológica Batista Betel, como professora de Monografia e no Seminário Teológico Kerigma, como professora de Educação Cristã e de Língua Portuguesa, em Rio Branco – Acre. É autora de Habitantes e habitat v.1; O Imaginário Social nos Jornais de Rio Branco (1900-1999); Sonhos em BVA v 1 e 2; Ideologia e Poder, além de diversos artigos publicados em anais e congressos.

Lelcia Maria Monteiro de Almeida – natural de Cruzeiro do Sul/AC, graduada em História pela UFAC e Especialista em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia. Atua como coordenadora no grupo de pesquisa Sobre Terras e Gentes: Amazônia em Foco. Atualmente, desenvolve trabalhos como Coordenadora do Setor de Acervo na Fundação Cultural Garibaldi Brasil. É autora de

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diversos artigos e capítulos de livros, dentre eles, Osmarino Amâncio: tempo e resistência.

Cleunilde Silva dos Santos – natural do Amazonas, Licenciada em História/UFAC; Especialista em Psicopedagogia/IVE. Atualmente trabalha como Coordenadora de Projetos no Departamento de Patrimônio Histórico do Acre da Fundação Cultural Elias Mansour.

Leila Gonçalves da Costa – natural de Rio Branco – Acre. Licenciada e Bacharela em História. Atualmente é professora em Brasiléia – Acre e Coordenadora de Micro-Rede da Secretaria de Estado de Educação em Epitaciolândia. Publicou, em parceria com Reginâmio B. Lima, o artigo João Eduardo I e II e Ambiência Ocupacional nos bairros João Eduardo I e II.

Antônio Vladimir da Silva Barbosa – natural de Rio Branco – Acre. É Licenciado em Geografia pela UFAC. Atualmente, desenvolve atividades como professor na Secretaria de Estado de Educação. É autor de diversos artigos publicados em Congressos e Seminários.

Regineison Bonifácio de Lima – natural de Rio Branco – Acre. Bacharel e Licenciado em História. Já atuou na rede de ensino particular da cidade de Rio Branco. É escritor e autor de vários artigos publicados em seminários e Anais de Congressos Acadêmicos.

Pedro Bonifácio de Lima – natural de Rio Branco – Acre. Licenciando em Geografia, atualmente, desenvolve trabalhos junto à Secretaria Municipal de Educação. É escritor e autor de vários artigos publicados em seminários e Anais de Congressos Acadêmicos..

José Erivan Gomes Cavalcante – natural de Tarauacá – Acre. É Licenciado em Matemática. Atualmente, desenvolve trabalhos junto à Polícia da Família, pela PMAC.

Deusimar da Cruz Albuquerque – natural de Tarauacá – Acre. Licenciando em Teologia. Atualmente desenvolve trabalhos junto à Congregação Batista do Cordeiro.

Sobre os autores

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FUNDAÇÃO GARIBALDI BRASIL

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