Habitação e Meio Ambiente como Política Urbana

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HABITAÇÃO E MEIO AMBIENTE COMO POLÍTICA URBANA:ESTUDO DAS ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL

EM ÁREAS DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS

Trabalho Final de Graduação

estudanteTatiana Morita Nobre

no USP 2861078/1997

orientaçãoProf.a. Dr.a. Maria Lúcia Refinetti Rodrigues Martins

banca de avaliação

Prof.a. Dr.a. Maria Lúcia Refinetti Rodrigues Martins (FAU USP - orientadora)

Prof. Dr. Jorge Hajime Oseki (FAU USP)

Prof.a. Dr.a. Laura Bueno (PUC Campinas)

Arq. Marussia Whately (Instituto Sócioambiental)

Faculdade de Arquitetura e UrbanismoUniversidade de São Paulo

2004

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Este trabalho representa o fechamento de um ciclo de grande transformação pessoal que foi a vivência na Universidade pública, onde pude, muito felizmente, conhecer e entender o significado e o sentido do público.

Gostaria de agradecer primeiro à Malu Refinetti, que fez parte da minha formação e, sempre muito companheira, orientou minha pesquisa de iniciação ciêntífica e este trabalho final de graduação.

Ao Nelson Baltrussis, que felizmente conheci pessoalmente no meio do desenvolvimento do trabalho e logo se tornou meu crítico e atencioso (e informal) co-orientador.

À Laura Bueno, à Patrícia Samora e à Lilian Nagato pelos atendimentos ao longo trabalho, além do fornecimento de material bibliográfico.

Ao Geógrafo George Felipe Rosner, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo - DUSM, pela explicação detalhada da aplicação da Lei de Proteção aos Mananciais.

À Daniela Motisuke e Giselle Tanaka pelas discussões do grupo de estudo, que foram fundamentais para o embasamento teórico do trabalho.

Ao Willian Itokazu, ao Alexandre e Mariana Suriani, novamente à Daniela Motisuke, ao Silvio e à minha família pela realização da linda maquete topográfica do terreno.

Ao Fernando Figueiredo pelos atendimentos desesperados dos programas gráficos de computador.

À equipe LabHab, por todo o apoio prestado, em especial à Francie, ao André Lopes e à Luciana Ferrara.

À equipe “pesquisa FAPESP” pelas discussões entre pesquisas e experiências complementares na busca pela construção de conhecimento e de respostas para a realidade dos mananciais.

À equipe do Escritório Antena PRIH-Luz, com quem muito aprendi sobre a importância da luta insistente pela construção de uma nova forma de atuação do poder público e de desenvolvimento urbano.

À todos os moradores do Sítio Arizona (Vila do Sol, Vila Nova Cidade, Chácara Bananal I e II) por terem me recebido nesses últimos meses. Em especial, ao Saturnino (“Coleguinha”), à Solange Maria dos Santos Santana, ao Pedro Socorro Bonfim, à Miriam, à Madalena Maria da Silva, ao Joelito José Ribeira e à Maria Célia da Silva pelas conversas e entrevistas. E muito especialmene ao Sr. Marcos Petrônio, por realizar comigo todo o levantamento de campo e por acreditar na possibilidade de melhoria das condições de vida dos moradores do Sítio Arizona.

À Maria das Neves pelas maravilhas de lanches à tarde.

Muitíssimo especialmente à minha mãe Julia, ao meu pai Gedeon, à minha irmã Lela e ao super-companheiro Silvio, por todo o amor que envolve essa família.

AGRADECIMENTOS

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“O mais importante, talvez, nessas preocupações é que as necessidades a que o aprendizado responde sejam algo ainda desconhecido: algo a descobrir, algo a decidir depois. Como se o conhecimento fosse uma negação daquilo que se é e uma contínua descoberta do que poderia ser”.

Ecléa Bosi - Tempo Vivo da Memória

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INTRODUÇÃO

PARTE I

1. A OCUPAÇÃO DAS ÁREAS DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS E AS CONTRADIÇÕES DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL

1.1 A expansão da cidade de São Paulo e o crescimento da informalidade

1.2 A proteção aos mananciais – o marco legal

1.3 O impacto da Lei Lehman

1.4 A regularização na legislação

1.5 O ajuste ao modelo neoliberal e os novos paradigmas do planejamento urbano

1.6 O início do processo de revisão da Lei de Proteção Aos Mananciais

1.7 O Plano Emergencial e o Programa Guarapiranga: a ampliação da infra-estrutura nas áreas de proteção aos mananciais

2. NOVOS INTRUMENTOS URBANÍSTICOS: NOVAS POSSIBILIDADES DE POLÍTICA URBANA PARA AS ÁREAS DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS

2.1 O Estatuto da Cidade e a demarcação das ZEIS em São Paulo

2.2 Lei Especifica da Bacia Hidrográfica Cotia-Guarapiranga

PARTE II

3. EXPERIÊNCIAS DE REFERÊNCIA

3.1 Recife

3.2 Diadema

3.3 Santo André

3.4 São Paulo

3.5 Avaliação das experiências

PARTE III

4. METODOLOGIA

5. DEFINIÇÃO DO LOCAL DE ESTUDO

PARTE IV

6. DIAGNÓSTICO

6.1 A história da ocupação do Sítio Arizona

6.2 O Sítio Arizona hoje

7. PROPOSTA DE POLÍTICA URBANA PARA ZEIS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS

7.1 Especificidade das áreas de proteção aos mananciais

7.2 Associação entre o Plano da Micro-bacia Hidrográfica e o Plano de Urbanização da ZEIS

SUMÁRIO

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8. DIRETRIZES PARA INTERVENÇÃO

8.1 Considerações iniciais

8.2 Diretrizes para a micro-bacia hidrográfica

8.3 Propostas de alternativas para o Plano de Urbanização

8.4 Análise das alternativas e tomada da decisão

9. POSSIBILIDADES DE REGULARIZAÇÃO

9.1 Regularização do quê?

9.2 Propostas de regularização urbanística

9.3 Propostas de regularização fundiária

10. PLANO DE URBANIZAÇÃO DA ZEIS

10.1 Concepção

10.2 Componentes

11. GESTÃO URBANA

11.1 Concepção

11.2 Integração das ações

11.3 Gestão participativa

11.4 Gestão das ZEIS em área de proteção aos mananciais

11.5 A instituição dos escritórios locais - novo sistema de gestão do território

11.6 Gestão interna do assentamento

11.7 Relação com comitê e subcomitês de bacia hidrográfica

PARTE V

12. REFLEXÕES SOBRE SOLUÇÕES DE PROJETOS

12.1 Sistema viário interno

12.2 Saneamento básico

12.3 Habitação

12.4 Serviços e equipamentos sociais

12.5 Áreas livres e de lazer

PARTE VI

13. LIMITES E POSSIBILIDADES DO DESENVOLVIMENTO LOCAL

13.1 Novos paradigmas do planejamento urbano

13.2 Papel das Organizações Internacionais e das Agências Multilaterais de Financiamento

13.3 Qual é o poder do poder local?

14. CONSIDERAÇÕES FINAIS: ZEIS COMO POLÍTICA DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DO URBANO?

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A complexidade dos conflitos sociais, políticos e ambientais que envolvem a ocupação das áreas de proteção aos mananciais é claramente observada pela associação entre a precariedade e a ilegalidade de grande parte dos assentamentos humanos e o sério comprometimento da qualidade das águas que abastecem parte da Região Metropolitana de São Paulo.

Atualmente, existem mais de 1,5 milhão de pessoas morando nas bacias hidrográficas das represas Guarapiranga e Billings, cujo assentamento no território apresenta riscos e carências das mais diversas ordens. A pobreza acumulada é enorme e o processo que a condiciona constitui uma das mais visíveis contradições do modo de produção das cidades do capitalismo periférico. É o que apontam inúmeros estudos (Maricato 2003; Ancona, 2002, Uemura, 2000, LABHAB, 2003, entre outros).

Neste contexto político-econômico, as políticas urbanas voltadas à preservação ambiental evidenciam uma situação contraditória “entre uma retórica conservacionista e práticas concretas que reproduzem formas historicamente predatórias de apropriação dos recursos naturais”. (Ancona, 2002: p. 338) Existe uma enorme distancia entre o discurso e a prática no que diz respeito ao desenvolvimento urbano, sendo este um dos campos de grande manipulação ideológica que envolve todas as classes sociais.

No caso das bacias hidrográficas das represas Guarapiranga e Billings, a instituição de rígidas restrições legais para o assentamento humano com vistas à preservação ambiental e a grande distância em relação ao centro em que há concentração de infra-estrutura, comércio, serviços e empregos, podem ser apontados como as principais causas para a desvalorização dos terrenos no mercado imobiliário formal. Podemos dizer que estes aspectos, aliados à falta de fiscalização do Estado e à falta de políticas habitacionais estruturadoras, tornaram propícia a ocupação destas localidades pela população de baixa renda, que ocorre geralmente por meio de favelas ou de loteamentos irregulares. Maricato destaca que “é notável a tolerância que o Estado brasileiro tem manifestado em relação às ocupações ilegais de terra urbana. (...) Aparentemente constata-se que é admitido o direito à ocupação, mas não o direito à cidade”. (Maricato; 2003: p. 157)

Neste sentido, a ocupação dos mananciais pela população de baixa renda pode ser vista como uma problemática habitacional e de acesso à terra urbana, onde a falta de alternativas habitacionais, via mercado privado ou via políticas públicas, para a população de baixa renda é um dos principais aspectos observados. Soma-se a isso o direcionamento pelo Estado dos investimentos públicos segundo interesses do mercado imobiliário formal. Este, por sua vez, atua como instrumento das classes dominantes, funcionando como legitimador de um modo de produção da cidade baseado na segregação e exclusão sócio-espacial e apresentando uma postura, frente à construção desta imensa periferia, que pode ser considerada “oficial”, logo, “institucional”.

Dessa forma, é necessário entender esta atuação do Estado brasileiro no contexto em que a cidade é simultaneamente palco e agente do desenvolvimento do sistema capitalista. Sob este ponto de vista, o ambiente urbano é, ao mesmo tempo, mercadoria e o espaço de concentração e de exploração do imenso exército de reserva de mão-de-obra barata, ou seja, possui as condições para a completa reprodução do capital. (Villaça, 2001)

Neste contexto, a falta de acesso às alternativas habitacionais foi (e ainda é) um elemento pré-determinado do nosso desenvolvimento econômico, baseado na incapacidade dos trabalhadores de suprirem suas necessidades básicas com o salário que recebem. As condições precárias de moradias de grande parte da população urbana são, portanto, parte inerente do projeto nacional de desenvolvimento do país.

Como destaca Maricato, é necessário reconhecer que “os indicadores de moradias urbanas construídas a partir da invasão de terras mostram que a invasão, espontânea ou organizada, é uma alternativa habitacional que faz parte da estrutura de provisão de habitação no Brasil. Nesse sentido, apesar de ilegal, ela é institucional: é funcional para a economia (barateamento da força de trabalho) e também para o mercado imobiliário privado, e é ainda funcional para a orientação dos investimentos públicos dirigidos pela lógica da extração concentrada e privatista da renda fundiária”. (Maricato; 2001: p. 82)

O tema da precariedade das condições dos assentamentos localizados nas franjas da região

INTRODUÇÃO

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metropolitana ganha a cada dia maior atenção por parte da mídia, seja pelo aumento da violência urbana que já extrapolou (e muito) a barreira da periferia ou pela crescente aproximação da crise de abastecimento de água e de energia, associando, então, esta precariedade às áreas de proteção ambiental. No entanto, tais manchetes vêm à tona associadas a um tom consensual (e ideológico) da falta de planejamento (competência técnica), sem explicitar os conflitos que envolvem este modo de produção da cidade.

Para Whitaker “a radicalização da concentração de renda e da exclusão social tornaram nossas cidades bombas-relógio sociais”, fazendo com que as classes dominantes “se sintam ameaçadas pelo crescente cerco da periferia [grifo do autor], enfim pela cidade que elas mesmas produziram”. Segundo o autor, ou este modelo é revisto, ou chegará a hora em que as classes dominantes terão que “repensar sua conduta para tornarem-se enfim mais justas e democráticas, pois senão o preço a pagar será – ou já está sendo? – o da barbárie urbana”. (Whitaker, 2004)

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Este contexto de grande precariedade urbana e de exclusão social é, principalmente após a abertura política, permeado por intensa mobilização social em torno das reivindicações no campo do direito à cidade e à moradia. Um dos resultados desse processo é a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei Federal (no 10.257/2001), que regulamenta o capítulo da Constituição de 1988 que define que toda propriedade deve cumprir sua “função social”, instituindo um leque de instrumentos urbanísticos que visam produzir uma cidade mais democrática. E, no caso do município de São Paulo, os instrumentos do Estatuto foram amplamente incorporados no novo Plano Diretor Estratégico (Lei Municipal no 13.430/2002) aprovado na última gestão do Partido dos Trabalhadores.

No Estatuto da Cidade, um dos instrumentos que, assume, no contexto do desenvolvimento urbano, importante papel na regularização fundiária, na melhoria dos assentamentos precários e na ampliação da produção de habitação social, são as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, que definem que determinados perímetros da cidade são destinados prioritariamente ao assentamento da população de mais baixa renda.

Em São Paulo foram demarcados diferentes tipos de ZEIS que abrangem desde glebas vazias, favelas e até áreas com infra-estrutura, nas quais é induzida a produção de Habitação de Interesse Social. No entanto, apesar de terem sido demarcadas também em área de proteção aos mananciais das represas Guarapiranga e Billings, a ampla intervenção do poder público nessa região, com vistas à regularização fundiária e efetiva melhoria em infra-estrutura dos assentamentos, será possível apenas após a aprovação das Leis Específicas de cada bacia hidrográfica, em âmbito estadual. Estas Leis proporcionarão uma nova forma de regulação dos assentamentos humanos nessas áreas, buscando enfrentar a relação entre a consolidação da ocupação e a poluição da água das represas. Atualmente, encontra-se elaborado apenas o Projeto de Lei Específica da Bacia-Hidrográfica da represa Guarapiranga, que ainda depende de aprovação da Assembléia Legislativa. Associadas, essas novas legislações urbanísticas permitirão a consolidação de uma nova escala e forma de atuação do poder público nas áreas de proteção aos mananciais.

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A partir deste quadro, este trabalho final de graduação busca investigar as possíveis formas de implementação deste novo arcabouço legal que busca ampliar a capacidade de intervenção do poder público em assentamentos precários localizados em área de proteção aos mananciais que são ocupados pela população de baixa renda, com enfoque no estudo de implementação dessa forma de desenvolvimento urbano que é proporcionada pelo instrumento ZEIS.

Serão investigadas possibilidades de desenho de política urbana por meio da implementação prática dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e da nova proposta de Lei Específica, com vistas à associação entre intervenção, gestão urbana e regularização fundiária. Para isso, serão realizadas propostas de planos de urbanização de modo a problematizar a tomada de decisão sobre as formas de intervenção, assim como levantadas possibilidades de gestão urbana dessas áreas, reconhecidas como ambientalmente mais frágeis, de forma a identificar, neste processo, os limites da regularização fundiária.

Esta análise busca, não apenas identificar as barreiras e conflitos das políticas urbanas que envolvem a intervenção, gestão e regularização dessas ocupações, mas também verificar o quanto este processo implica ou pode implicar na ampliação do direito à cidade e à cidadania e na constituição de uma

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nova forma de produção da cidade, ou seja, de uma efetiva Reforma Urbana.

De modo geral, o trabalho está dividido em seis partes. A primeira consiste na abordagem histórica da ocupação dos mananciais, da formulação da legislação ambiental e de parcelamento do solo urbano, assim como do início da reformulação do arcabouço legal existente, com a aprovação do Estatuto da Cidade, do novo Plano Diretor do Município de São Paulo e da proposta de Lei Específica elaborada para a bacia hidrográfica da represa Guarapiranga, de forma a ressaltar as transformações do pensamento sobre o desenvolvimento urbano.

A segunda parte corresponde ao relato de experiências de referência de política e gestão urbana que tenham abordado a aplicação do instrumento ZEIS nos respectivos municípios. A terceira parte apresenta a metodologia adotada para a realização do estudo de caso e os critérios para a definição do local de estudo.

A quarta parte marca o início do exercício de aplicação prática desses novos instrumentos no território delimitado. O primeiro passo constituiu na realização de um diagnóstico da área. A partir do qual foi proposto um desenho de política urbana para as ZEIS de forma a integrar o Plano de Urbanização, às possibilidades de regularização urbanística e fundiária e de gestão urbana.

Na quinta parte são apresentadas propostas e ponderações sobre soluções de projetos que compõem o Plano de Urbanização. Na sexta e última parte deste trabalho, a partir do exercício prático de estudo da das ZEIS em área de proteção aos mananciais, são propostas algumas reflexões sobre a inserção desses novos instrumentos na construção de um novo processo de produção da cidade que seja mais democrático e socialmente justo. Nesta etapa são abordados temas como a importância das agências internacionais de financiamento e das organizações internacionais, tendo em vista que este novo paradigma de desenvolvimento urbano está, de alguma forma, inserido no contexto mais amplo do desenvolvimento global.

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Este trabalho representa a continuidade, a integração e o aprofundamento de alguns trabalhos desenvolvidos durante a formação universitária. Primeiramente, da pesquisa de iniciação científica, realizada no ano de 2001, “Capacidade governativa de comitê de bacia hidrográfica metropolitana do Alto Tietê“, com apoio da FAPESP, sob orientação do Prof. Dr. Ricardo Toledo Neder, da ESALQ USP; e da pesquisa realizada entre os anos de 2002 e 2003, “Procedimentos institucionais de licenciamento e fiscalização de parcelamento do solo em área de proteção aos mananciais”, também com apoio da FAPESP, como parte do projeto de pesquisa “Reparação de Danos e Ajustamento de Conduta em Matéria Urbanística” do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos – LABHAB FAU USP, sob orientação da Profa. Dr.a Maria Lúcia Refinetti Rodrigues Martins.

Além disso, este trabalho tem como referência a experiência de estágio, entre os anos 2002 e 2004, na implementação do Programa Perímetro de Reabilitação Integrada do Habitat - PRIH, baseada na gestão da ZEIS em área central, da Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano - SEHAB, da Prefeitura de São Paulo e da coordenação do grupo de trabalho sobre ZEIS no “Curso de Capacitação em Desenvolvimento de Projetos Urbanos de Interesse Social”, realizado em 2004, pelo LABHAB FAU USP, em parceria com a Subprefeitura de M’Boi Mirim e a SEHAB/PMSP.

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1.1 A EXPANSÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO E O CRESCIMENTO DA INFORMALIDADE

A história da cidade de São Paulo é marcada, desde de finais do século XIX, por períodos de intenso crescimento populacional. A conjuntura político-econômica assumida pelo Brasil de industrialização (e urbanização) do país, associada à política de grande concentração fundiária e de introdução de nova tecnologia em setores da produção agrária provocou um grande fluxo migratório rumo às grandes cidades, que passaram a propiciar a existência e abundância de mão-de-obra barata e o acesso à infra-estrutura necessária à instalação das indústrias.

O pacto entre burguesia e proprietários rurais garantiu mudanças sem rupturas e a convivência de políticas contraditórias, permitindo que a industrialização brasileira fosse promovida pelo sobre-lucro da produção agrária, propiciando a manutenção das relações de grande concentração fundiária rural, combinada com regimes arcaicos de produção agrícola. Assim, a manutenção das relações políticas do “Brasil arcaico” foi essencial para o desenvolvimento do “Brasil moderno”. (Oliveira, 2001)

Neste período, a cidade de São Paulo passou a concentrar serviços de interesse da elite cafeeira, sofrendo um crescimento urbano acelerado, empreendido, de acordo com Villaça, pela “onda de especulação imobiliária” que “atingiu as proporções de uma corrida, fazendo com que inúmeras chácaras rurais das vizinhanças fossem loteadas”. (Villaça, 2001: p. 192) O autor explicita que este processo de expansão da cidade foi marcado pela consolidação da segregação sócio-espacial, da qual elite já se utilizava para consolidar o seu controle sobre a produção da cidade e da captação de sua mais-valia1.

Villaça destaca que “a segregação espacial das camadas de alta renda surge como o elemento mais poderoso no jogo de forças que determina a estruturação do espaço intra-urbano de nossas metrópoles”. (Villaça, 2001: p. 14) Este processo ocorre por meio do controle do mercado imobiliário, das intervenções do Estado e, inclusive, da construção de uma ideologia2 sobre a cidade que determina a reprodução do padrão excludente. (Villaça, 2001)

A expansão da cidade já não cabia mais entre os limites do “centro histórico”, sendo necessária a ultrapassagem do rio Tamanduateí, para leste; ou do córrego Anhangabaú, para oeste. No eixo leste, constituído principalmente por uma grande várzea, já estavam sendo instaladas as primeiras indústrias ao longo das ferrovias, adequadas às áreas planas. Nesse sentido, a expansão para oeste era mais vantajosa que para leste, sendo, portanto, o eixo de apropriação pelos bairros das classes dominantes. Os lugares mais elevados eram mais valorizados não apenas pela beleza natural, mas principalmente em virtude da salubridade. Dessa forma, as classes de mais baixa renda, juntamente com as indústrias, expandiram-se pela grande várzea.

A partir da segunda metade do século XX, a política de estatal da segunda etapa do crescimento da industrialização do país ocasionou um novo grande impulso ao crescimento da população urbana, que, associado ao forte centralismo político do período, marcou o acirramento e a explosão da exclusão social na metrópole paulista.

A idéia era criar indústrias de base e permitir a instalação de subsidiárias estrangeiras para substituir as importações, motivada pela escassez de produtos industrializados caracterizada principalmente pela conjuntura econômica da Segunda Guerra Mundial. Este novo processo que atinge diretamente a organização territorial das cidades passa a ser fortemente baseado na construção de rodovias, que por sua vez é associada à instalação das grandes empresas no país, como a General Motors e a Ford Motors, em São Paulo. Dessa forma, a expansão da periferia parece não ter mais limite.

Villaça ressalta que “a crescente motorização do país, o crescente aprimoramento das rodovias e o declínio das ferrovias vêm afetando as direções da expansão urbana”, ao assinalar um exemplo do impacto na cidade da inserção do Brasil na economia mundial. “A indústria automobilística pode afetar o espaço urbano das metrópoles do país”. (Villaça, 2001: p. 101)

Grande parte das indústrias instalou-se na região do ABC paulista, impulsionando a ocupação da região sul da cidade, estimulada não só pelos novos conjuntos habitacionais na área, como

1. A OCUPAÇÃO DAS ÁREAS DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS E AS CONTRADIÇÕES DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL

1 O crescimento urbano do período é associado também à instituição da Lei de Terras (Lei federal no 601/1850), em 1850, quando o Estado passa a regular o acesso a terra, estabelecendo que as terras devolutas poderiam ser adquiridas apenas por compra e venda, afastando os trabalhadores da possibilidade de tornarem-se proprietários. (Maricato, 1996)

2 “Entenderemos por ideologia (Chauí, 1981) aquela versão da realidade social dada pela classe dominante com vistas a facilitar a dominação. Essa versão tende a esconder dos homens o modo real de produção de suas relações sociais. Por intermédio da ideologia, a classe dominante legitima as condições sociais de exploração e dominação, fazendo com que pareçam verdadeiras e justas”. (Villaça, 2001: p. 343)

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pela abertura das grandes avenidas como Washington Luis, Ruben Berta, Vinte e Três de Maio e, principalmente, pela retificação do rio e abertura da Marginal Pinheiros pela Cia Light. Neste período, os bairros periféricos, que não tardaram a ocupar as áreas de proteção aos mananciais, tiveram grande crescimento populacional e em extensão, associado à estrutural falta de alojamento para a imensa massa de trabalhadores migrantes que se instalavam na cidade.

Segundo Villaça, na disputa pelas localizações entre as classes de mais baixa renda, saíram melhores os que conseguiram localizações próximas às indústrias e aos demais centros de empregos, restando para os mais pobres as regiões mais desvantajosas da cidade, longe do emprego industrial e longe dos principais empregos formais e informais do terciário. (Villaça, 2001:p. 234)

A expansão periférica caracterizou-se pelo surgimento de loteamentos clandestinos e irregulares pela franja da cidade. O assentamento no território de grande parte das classes mais baixas na formação da grande periferia veio desacompanhado da infra-estrutura necessária, tendo sido construído com a participação do Estado, dos proprietários (e loteadores) e da população pobre, esta, pela evidente falta de alternativas habitacionais. Para Maricato “A regra se tornou exceção e a exceção se tornou regra. (...) A cidade legal caminha para ser, cada vez mais, espaço da minoria”. (Maricato, 1996) A fiscalização, por ser aplicada apenas na cidade legal, aonde interessa para as elites que querem preservar o padrão dos bairros residenciais, era praticamente inexistente nestas áreas de vasta clandestinidade e precariedade urbana. Não eram raros os loteamentos clandestinos desprovidos de qualquer infra-estrutura necessária, como abastecimento de água, coleta de esgoto e de lixo e até de iluminação. Carências sociais que, não raras vezes, tornaram-se objeto de mobilizações eleitoreiras.

Esta situação abriu as portas para um novo desdobramento da histórica política clientelista brasileira, baseada na troca de votos pelo asfaltamento das ruas ou pela expansão da linha de ônibus, sem resolver o problema do assentamento humano precário que é constantemente agravado até os dias atuais.

Além disso, neste período, as iniciativas de produção habitacional para a população de baixa renda estavam diretamente vinculadas à valorização de terras que passavam a receber alguma infra-estrutura

Fonte: SAGMACS e Villaça, 1960. In: Vilaça 2001.

Área Metropolitana de São Paulo: distribuição das classes sociais em 1957

O mapa revela a característica de expansão periférica e de segregação das classes sociais que São Paulo sofre, principalmente, a partir de meados do século XX.

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Fonte: mapas isolados CeSAD-FAU USP In: Uemura, 2000.

(em azul: limite da área de proteção aos mananciais)

Evolução da mancha urbana

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urbana, representando um dos grandes episódios de explícita especulação imobiliária e de apropriação privada dos benefícios oriundos dos recursos públicos.

1.2 A PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS – O MARCO LEGAL

Por muito tempo, a ocupação predatória das áreas de proteção aos mananciais foi ignorada pelo poder público. Apenas em meados da década de 70 que foi efetivamente elaborado todo aparato legal para proteção aos mananciais paulistanos, quando o discurso do planejamento incorporou as preocupações ambientais, momento em que reinava no campo dos planejadores urbanos a idéia de que o crescimento de São Paulo deveria parar. Tratava-se do período dos superplanos como o Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado - PMDI, contratado em 1970; o Plano Urbanístico Básico - PUB ou o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado - PDDI do município de São Paulo (Lei Municipal no 7.688/1971). (Ancona, 2002: p. 174)

A legislação de proteção aos mananciais do Estado de São Paulo foi elaborada e editada entre 1975 e 1977. A Lei Estadual no 898 de 1975 declarou como área de proteção as bacias de todos os reservatórios, existentes e projetados, que integravam o sistema metropolitano de abastecimento de água proposto pelo PMDI, mas dispensou o instrumento da desapropriação como meio de garantir essa proteção, e optou pela imposição de restrições administrativas ao uso do solo por meio dos parâmetros regulados por zoneamento. (Gepam, 2004: p. 18)

Como forma de proteção, esta Lei definiu diversos parâmetros urbanísticos, como condições de uso e de parcelamento do solo, movimentação de terra, coleta, transporte e destino dos resíduos, passagem de canalizações, entre outros aspectos. Além disso, definiu que projetos e execução de arruamentos, loteamentos, edificações e obras, assim como a prática de atividades agropecuárias, comerciais, industriais ou recreativas dependeriam de aprovação do Governo do Estado. Esta mesma Lei incluiu a possibilidade de cassação do licenciamento e de sanções para os infratores.

Apresentada como um instrumento de preservação dos recursos hídricos essenciais ao abastecimento de água da população metropolitana, a legislação dos mananciais não recebeu críticas dos setores organizados da sociedade, durante o período da sua aprovação. Legitimou-se com o apoio dos envolvidos na emergente causa da preservação ambiental. Para Ancona “a abordagem tecnocrática tinha o dom de despolitizar as questões e de apresentá-las equacionadas, ou seja, como passíveis de serem resolvidas pela associação entre domínio técnico-científico e rigor fiscalizatório”. (Ancona, 2002: p. 195)

Do ponto de vista da preservação da natureza, poderia ser considerada correta a abordagem trazida pela legislação, que buscava evidentemente propor formas adequadas de ocupação. No entanto, o processo de ocupação nas Bacias Billings e Guarapiranga iniciou-se e consolidou-se antes da Lei de Proteção aos Mananciais e já apresentava uma tipologia de ocupação que não seguia normas ou padrões mínimos instituídos. As normas elaboradas pouco condiziam com a realidade sócio-econômica existente. É o que explicitam inúmeros estudos. (Martins, 2003, Ancona, 2002, entre outros)

Além disso, a concepção preservacionista divergia das tendências e dos investimentos que tinham presidido o crescimento da metrópole até o momento. Como já foi dito anteriormente, a prática da concentração de investimentos públicos e privados na zona sul da cidade de São Paulo, seja a construção da linha norte-sul de metrô, das obras no rio Pinheiros ou da instalação das indústrias na região do ABC, não condiziam com as propostas de proteção das áreas ambientalmente frágeis. (Ancona, 2002: p. 180)

Segundo Martins, tratava-se de um modelo de desenvolvimento urbano baseado em padrões ideais, em que a idéia do desenvolvimento era tão intensa que “bastaria estabelecer restrições para que esse mesmo desenvolvimento, devidamente condicionado, produzisse o espaço conforme o modo planejado tecnicamente pelos urbanistas”. (Martins, 2001: p. 68)

Além disso, o impacto dos dispositivos restritivos sobre o valor da terra foi desconsiderado na formulação das novas normas. O estabelecimento de rígidas restrições legais à ocupação das áreas produtoras de água contribuiu para a desvalorização relativa dessas terras e os proprietários viam restritas, agora, a possibilidade de maior especulação sobre seu valor. (Ancona, 2002: p. 283)

Segundo esta reflexão, para muitos municípios o impacto da nova legislação foi maior, significando

Lei de Proteção aos Mananciais

A Lei Estadual no 898 foi regulamentada pela Lei Estadual no 1.172 de 1976 que especificou os parâmetros de ocupação. Tratava-se de um modelo teórico de ocupação desejável para a bacia, disciplinando o uso do solo, com a montagem de um sistema institucional de controle da ocupação, densidade demográfica possível e tamanho de lote mínimo e adotou duas categorias de proteção ambiental:

1. As áreas de “primeira categoria”, ou de maior restrição, são as consideradas impróprias ao assentamento urbano, correspondendo aos corpos d’água, às margens dos reservatórios, dos rios e afluentes primários dos reservatórios (áreas non aedificandi), áreas cobertas com vegetação primitiva e áreas com declividade superior a 60%.

2. As áreas “de segunda categoria” são as propícias ao assentamento humano sob determinadas condições estabelecidas pela lei e foram delimitadas a partir de um modelo matemático, com base no cálculo de população equivalente máxima de cada bacia e, conseqüentemente, a densidade equivalente média.

As áreas de segunda categoria foram classificadas de acordo com três faixas de classe, que caracterizam o modelo de delimitação de anéis de densidade demográfica decrescentes:

1. A “classe A” representa o anel central de maior densidade demográfica, a partir da qual a ocupação deveria decrescer. Esta classe é delimitada pela demarcação das áreas urbanizadas existentes na época da promulgação da lei, desde que não correspondesse as áreas de primeira categoria. Constituída por densidades demográficas igual ou maior do que 30 hab./ha, tinham previsão de crescimento de até 50 hab./ha. Nessas áreas, a cota mínima de terreno de é 500 m2.

2. A “classe B” representa o anel intermediário, com foco central em cada Classe A, destinado à expansão urbana (entenda-se homogênea e radial), sendo que sua delimitação é baseada num modelo matemático que tem como variável a área da classe A correspondente. Nestas áreas, dependendo do resultado deste cálculo, a densidade máxima varia entre 34 e 25 hab./ha e o lote mínimo varia de 1.300 a 1.500 m2.

3. A “classe C” corresponde ao restante das áreas de segunda categoria. Trata-se da classe de maior restrição à ocupação, em que não permitida nem instalações de água e esgoto. A densidade admitida, definida também a partir de modelos matemáticos, varia entre 24 e 6 hab./ha., sendo que o lote mínimo varia de 1.750 a 7.500 m2.

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um verdadeiro “congelamento”. Na classificação de 50% do território da Região Metropolitana como áreas de proteção, oito dos municípios metropolitanos ficaram inteiramente inseridos nas áreas de proteção aos mananciais. (Ancona, 2002)

A justificativa para a adoção de tais parâmetros e normas para a ocupação e uso dessas áreas foram os estudos técnicos sobre a capacidade de autodepuração dos recursos hídricos, que segundo Ancona, não consideraram a possibilidade de se aumentar essa capacidade através de sistemas de tratamento de esgotos. “Os limites foram estabelecidos em função da capacidade natural de funcionamento do ecossistema”. (Ancona, 2002: p. 179) De modo geral, a Lei terminou por estimular o oposto de seu objetivo inicial.

Sob o ponto de vista da realidade prática administrativa, a capacidade de aplicação da Lei, pelo sistema de licenciamento e de controle das atividades em áreas de mananciais, foi superestimada e desconsiderada em sua concepção, tanto em relação ao Governo do Estado, quanto aos municípios. Sobre este assunto, Martins ressalta ainda a “incapacidade econômica das instituições públicas em bancar a implementação de tão restritiva legislação que, ao serem elaboradas, não criaram junto à estrutura institucional e dotação necessárias a sua aplicação”. (Martins, 2003: p. 72)

Não tardou muito para ser despertado o interesse de especuladores privados, promovendo e oferecendo lotes em assentamentos precários à população de baixa renda. Sem a devida fiscalização para impedir esta ação ilegal, este tipo de empreendimento se proliferou e estas áreas ambientalmente frágeis foram vastamente ocupadas de forma muito precária. Neste sentido, Maricato destaca que “enquanto os imóveis não têm valor como mercadoria, ou têm valor irrisório, a ocupação ilegal se desenvolve sem interferência do Estado”. Nesse sentido, “A lei do mercado é mais efetiva do que a norma legal”. (Maricato, 1996: p. 26)

Nessas áreas, o recurso da população para a construção de suas habitações é mínimo e há muita improvisação de infra-estrutura e de serviços urbanos. Ferrara, em seu trabalho, descreve minuciosamente os problemas de uma ocupação em área de manancial: “Desmatamento, ocupação de áreas de alta declividade sem cuidados para conter erosões e desabamentos, assoreamento de rios e córregos, poluição difusa decorrente da ocupação urbana, instalação mal executada de fossas, poços de água, ligação elétrica clandestina (“gatos”), esgoto jogado diretamente nos córregos, longas distâncias a serem percorridas a pé para acessar equipamentos e serviços urbanos, são problemas gerados e vividos pelo morador da área de manancial. A extensão de área ocupada com essas características configura o modo de expansão urbana e o “tipo” de cidade que está sendo construída na escala metropolitana. A ocupação dos mananciais é a mais típica expressão da cidade irregular”. (Ferrara, 2003)

A Lei não conseguiu conter a ocupação e deterioração dos mananciais por si só, e, segundo alguns autores (Ancona, 2002; Martins, 2003, entre outros), nem poderia fazê-lo. Além de apresentar um descompasso com a forma e velocidade da expansão urbana, trata-se de uma concepção de legislação que é inócua pela perda de relação com a realidade, seja territorial, administrativa ou jurídica. (Martins, 2003)

Na realidade, a Lei de Proteção aos Mananciais veio colocar a marca da irregularidade na expansão urbana da metrópole, estimulada, de alguma forma, pelas sucessivas anistias proporcionadas pela Prefeitura de São Paulo, instituindo a prática da regularização posterior à ocupação, sem fazer respeitar as normas vigentes. (Grostein, 1987) Além disso, não houve, por parte do Estado, a formulação e concretização de políticas habitacionais capazes de diminuir o déficit de habitações fora dessas áreas.

1.3 O IMPACTO DA LEI LEHMAN

No mesmo período, e com o mesmo espírito desenvolvimentista, foi elaborada a Lei Federal de Parcelamento do Solo (Lei no 6.766/1979), conhecida como Lei Lehman, revista pela Lei Federal no 9.785/1999, que estabeleceu regras válidas para todo o território nacional.

De um modo geral, esta nova Lei estabelece as formas de parcelamento do solo, que pode ocorrer por loteamento ou desmembramento3 e define quais áreas são passíveis de sofrer parcelamento, excluindo, portanto, dessa possibilidade os terrenos com declividade superior a 30%, áreas de preservação ecológica, terrenos alagadiços ou locais onde as condições geológicas não aconselham edificação. A Lei define também os padrões mínimos para os loteamentos. Meio a tais requisitos, está a exigência de lote mínimo de 125 m2, frente de 5 metros, faixa non aedificandi de 15 metros ao longo dos cursos

3 De acordo com a Lei Lehman (Lei Federal no 6.766/79) “loteamento” corresponde à subdivisão de uma gleba que exige nova abertura ou modificação de vias existentes; já o “desmembramento” se refere à que aproveita o sistema viário existente.

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d’água, porcentagem mínima de áreas públicas de 35%.

Dentre as resoluções, é de grande importância as que se referem ao loteador. A Lei institui a criminalização do loteador clandestino, assim como do registro em Cartório de parcelamentos não aprovados pelos órgãos administrativos competentes, e define que o projeto e a execução de toda a infra-estrutura é de sua responsabilidade. Por outro lado, permite que o poder público regularize o parcelamento, caso o loteador não proceda sua adequação às exigências legais, “para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos os adquirentes de lotes”. (Lei Federal no 6.766/1979 - art. 40)

Em relação às competências administrativas, a Lei Lehman define como competência dos Governos Estaduais a anuência prévia para aprovação de parcelamento do solo de glebas localizadas em área de interesse especial, como as de proteção aos mananciais ou quando abranger áreas superiores a 1.000.000 m2, associando, portanto, no licenciamento, governos municipais e estaduais.

Além disso, a aprovação do parcelamento do solo é vinculada diretamente à apresentação da situação fundiária regularizada, incluindo na regulação da forma de ocupação do solo um dos pontos mais críticos do acesso à cidade que é o acesso à propriedade fundiária.

Trata-se de mais um exemplo de um modelo de legislação reguladora bem elaborada e detalhada que acarretou na significativa restrição da oferta de moradias para a população de mais baixa renda. Pode-se constatar que o detalhamento e a rigidez das normas contribuiu para incluir grande parte dos assentamentos existentes à margem da regularidade.

Assim como afirma Maricato: “A legislação detalhista e rigorosa constitui a prática de corrupção e constitui exemplo paradigmático de contradição entre a cidade do direito e a cidade do fato”. (Maricato, 1996: p. 23) O profundo descolamento entre a norma e o fato, discutido pela autora, questiona o projeto de atuação de Estado, ao observar que a “pretensão da cidadania burguesa é de que o Estado se organize para cumprir a norma e puna os que a contrariam. Quando, porém, o contrário predomina e a impunidade ou a punição aleatória se generaliza, estabelece-se um faz-de-conta [grifo da autora] geral das instituições que se estruturam baseadas numa legislação que se diz regulamentadora da globalidade urbana. A construção ideológica da representação do urbano procura ignorar a articulação contraditória entre a norma e a infração”. (Maricato, 1996: p. 21)

Para Ancona, “mantidas e agravadas as condições estruturais que impediam o acesso da população mais pobre à moradia produzida pelo mercado formal, tanto pelo setor público quanto pelo privado, o controle mais rigoroso veio apenas somar-se à pauperização crescente e à elevação do preço da terra, como indutores do grande aumento da população favelada”. (Ancona, 2002: p. 192)

1.4 A REGULARIZAÇÃO NA LEGISLAÇÃO

Reconhecida a vasta ocupação irregular das cidades, tanto a Lei de Proteção aos Mananciais como a Lei Lehman admitiam a regularização de empreendimentos existentes, nos diferentes órgãos competentes, cujo procedimento variava de acordo com o período de ocupação. Os empreendimentos que tivessem sido realizados anteriores às Leis, poderiam ser aprovados com parâmetros diferentes dos exigidos desde que respeitassem às normas vigentes no período. Já os empreendimentos que tivessem surgido em data posterior deveriam ser adaptados às novas normas legais, criando a figura do “empreendimento adaptado”.

Na ocupação das áreas de proteção aos mananciais são numerosos os loteamentos produzidos literalmente à margem de qualquer Lei, implantados após a promulgação da nova legislação. A regularização, possibilitada apenas como a adequação dos parcelamentos às normas, na prática é impossível. Neste sentido, é visível que apenas o estabelecimento de normas regulatórias não é suficiente, e nem poderia resolver na prática os problemas referentes à precariedade e à irregularidade das ocupações.

No entanto, é muito comum observar que, mesmo nos empreendimentos com planta aprovada antes da instituição das novas Leis, a implantação efetiva do parcelamento do solo e das construções tenha sido concluída nas décadas seguintes, ou então, tenham sido realizadas modificações em relação ao projeto inicial, em geral, sem maiores preocupações com a regularidade urbanística ou legal.

É em meio a este conflito que foram, ao longo das décadas seguintes, utilizados outros instrumentos de gestão por parte dos diversos níveis de governo, principalmente o municipal, na busca pela

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ampliação da regularização fundiária. De modo geral, os instrumentos caminham em dois sentidos. O primeiro deles se refere às anistias, não raras vezes praticada, em que o poder público municipal permite a aprovação da ocupação mesmo sem seguir os parâmetros legais. (Grostein, 1987) Um outro instrumento possível caminha no sentido de corrigir o dano causado, quando o proprietário (ou responsável pelo empreendimento) não o fizer4. Trata-se de um acordo extrajudicial entre as diferentes partes que buscam realizar as modificações legalmente.

Na prática, com a interdição do Registro em Cartório de propriedades em loteamentos irregulares, iniciada com a nova Lei Federal, houve uma verdadeira “corrida à regularização” e pela criação das legislações de exceção. Como as condições físicas dos loteamentos eram inferiores ao estabelecido nas novas leis, a grande expectativa dos loteadores na região dos mananciais passou a ser a comprovação de sua implantação antes de 1975.

1.5 O AJUSTE AO MODELO NEOLIBERAL E OS NOVOS PARADIGAMAS DO PLANEJAMENTO URBANO

A partir dos anos 80, começaram a ocorrer transformações da chamada globalização, propiciada por um grande aumento da produção mundial decorrente das novas tecnologias provenientes da informática. Esta mudança passou a permitir a flexibilidade de deslocamento das empresas, que por sua vez passaram a buscar novos mercados. A principal conseqüência para os países do capitalismo periférico foi a constituição de uma política ditada pelos países dominantes para que as fronteiras fossem abertas para a entrada desse capital, assim como das empresas transnacionais.

No Brasil, o agravamento das crises monetária e fiscal implicou no desmonte generalizado dos órgãos públicos, de forma que a adesão a este novo receituário neoliberal foi o modelo adotado para seu enfrentamento. Este ajuste ao capitalismo financeirizado e flexibilizado acarretou na diminuição do trabalho formal e dos salários, que, associado ao agravamento estrutural das condições de intervenções do Estado, proporcionou o aprofundamento das características de exclusão social.

Neste contexto, a priorização da inserção da cidade de São Paulo pelas políticas urbanas num “suposto” circuito internacional de cidades globais colocou novos paradigmas para o acirramento da segregação sócio-espacial no desenvolvimento urbano e nas práticas de planejamento urbano. Os investimentos privados e públicos, seguindo a nova lógica de otimização do ganho de capital, passaram a ser direcionados para áreas “estratégicas” da cidade, com a criação e utilização de novos instrumentos urbanísticos que propiciassem esse ganho. É o caso, por exemplo, das chamadas Operações Urbanas que foram aplicadas nas avenidas Faria Lima e Água Espraiada, por exemplo.

Com este processo, a grande periferia se consolidou como espaço de grave e agora visível violência e barbárie urbana. O aumento da pobreza e da violência no município de São Paulo concentrou-se unicamente nos distritos de menor desenvolvimento, na periferia, onde hoje vive mais da metade dos paulistanos.

Foi nas regiões de maior pobreza que se registrou o aumento mais significativo das mortes violentas, causadas por homicídios ou acidentes no sistema viário. A desigualdade na freqüência e qualidade dos serviços urbanos mostram o quanto a cidade ilegal é cada vez mais discriminada. Nessas áreas, o Estado não faz a mediação dos conflitos por meio de normas sociais minimamente eficazes, o que acarreta na construção de soluções com recursos que cada grupo dispõe, ou seja, a lei (não a norma jurídica) é imposta pelo mais forte. Nesse cenário, como bem mostra a mídia, o poder alcançado pelo tráfico de drogas é significativo.

Atualmente, verifica-se que, enquanto as áreas centrais e de melhor infra-estrutura urbana têm perdido população, o crescimento populacional é mais intenso justamente na mais longínqua periferia e nas áreas ambientalmente protegidas. As condições de vida da maior parte da população da cidade estão cada vez mais precárias. A cidade formal está cara inclusive para setores da classe média e média-alta. Não é de se surpreender que, em meados da década de 90, a ilegalidade tenha atingido 70% dos imóveis do Município de São Paulo. (CASE/SEHAB, In: Maricato, 1996: p. 21)

O quadro de calamidade de grande parte dos assentamentos humanos da região metropolitana é proporcionado pelas constantes degradações das condições de trabalho, de acirramento da espoliação urbana5 e da exigência do capital de direcionamento dos recursos públicos voltados apenas à sua própria valorização. A prioridade das políticas urbanas e ambientais não é o investimento na

4 Tais procedimentos e condições são expressos no Decreto Estadual no 9.714/77, referente à regularização com adaptação das exigências da Lei dos Mananciais e na Resolução SNM no 093/85.

5 Espoliação urbana “é o somatório de extorsões que se operam através da inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo, apresentados como socialmente necessários em relação aos níveis de subsistência , e que agudizam ainda mais a dilapidação realizada no âmbito das relações de trabalho”. (Kowarick, 1993: p. 62)

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reversão da cidade informal e irregular. Verifica-se ainda hoje o surgimento de loteamentos irregulares semelhantes aos dos anos 60 e 70.

1.6 O INÍCIO DO PROCESSO DE REVISÃO DA LEI DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS

O contexto político de debate e aprovação da Constituição Brasileira de 1988, diante do quadro de degradação que vinham sofrendo as áreas de proteção ambiental e da constatação de que a Lei de Proteção aos Mananciais não atingira seus objetivos, é amplamente reconhecida a necessidade de sua revisão e atualização.

Em 1995, o Governo do Estado de São Paulo criou a Comissão Especial para a revisão da Lei de Proteção aos Mananciais (Decreto no 40.225/1995) coordenada pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e integrada pela CETESB, DAEE, SABESP, ELETROPAULO, EMPLASA, CDHU, Secretaria de Economia e Planejamento e Procuradoria Geral do Estado. Esta Comissão não conseguiu formular um novo projeto de Lei que substituísse de fato a Lei, chegando apenas a somar novas diretrizes e normas por meio da Lei no 9.866 de 1997. (Ancona, 2002: p. 301)

Esta nova Lei coloca diretrizes para proteção e recuperação das bacias hidrográficas, através da definição de Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais – APRM, que representam as unidades de planejamento e gestão e podem ser formadas por uma ou mais sub-bacias.

Além disso, são instituídas diferentes Áreas de Intervenção, com diretrizes de uso e ocupação para cada uma delas:

1. As “Áreas de Restrição à Ocupação” que são destinadas à preservação permanente dos recursos naturais;

2. As “Áreas de Ocupação Dirigida” que são destinadas à consolidação ou implantação de usos rurais e urbanos, com a adoção de requisitos específicos para a implantação;

3. As “Áreas de Recuperação Ambiental” cujo uso esteja comprometendo a qualidade dos mananciais, exigindo ações de caráter corretivo. Estas áreas deverão, após a sua correta intervenção, ser classificadas como “Áreas de Restrição à Ocupação” ou “Áreas de Ocupação Dirigida”.

O que há de novo nesta legislação é a busca pela implementação de uma gestão participativa de planejamento e da gestão das bacias hidrográficas, que vise a integração entre setores e instâncias governamentais e a participação da sociedade civil. Dessa forma, institui as Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos – UGRHI, o Comitê e Subcomitês de Bacia Hidrográfica por bacia e sub-bacia hidrográfica, a Agência de Bacia e o Conselho Estadual dos Recursos Hídricos, previstos no Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SIGRH, instituído pela Lei no 7.663 de 1991.

Além disso, nesta Lei foi indicada a realização de um Plano Emergencial para as bacias protegidas pela Lei de Proteção aos Mananciais até que fossem aprovadas suas Leis Específicas que seriam as Leis que substituiriam a atual Lei de Proteção aos Mananciais. (Lei Estadual no 9.866/1997 – art. 47)

Depois de aprovada a Lei, deu-se início à consolidação das novas estâncias de decisão sobre os recursos hídricos. A Bacia do Alto Tietê foi dividida pelo seu Comitê em cinco regiões. As sub-regiões Cotia-Guarapiranga e Billings-Tamanduateí foram os primeiros Subcomitês instituídos, em 1997, por sua reconhecida importância para a zona sul da Região Metropolitana, cuja qualidade da água está muito comprometida. Em 2003 o governo estadual criou a Agência do Alto Tietê, único Comitê Estadual onde isso ocorreu.

A composição do Comitê e dos Subcomitês obedeceu à participação paritária do Estado, dos municípios e da sociedade civil, com direito a voz e voto. A sociedade civil é representada por vários setores: entidades de classe de profissionais, entidades de classe patronais e empresariais, Organizações Não Governamentais, associações comunitárias, associações de moradores, universidades e institutos do ensino superior.

De modo geral, este sistema é bancado principalmente pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos - FEHIDRO, constituído por diversas fontes, dentre as quais recursos orçamentários, empréstimos nacionais e internacionais, a compensação que o Estado recebe em decorrência de aproveitamento hidrelétricos (royalties) e, em especial, a cobrança pelo uso da água6. (Ancona, 2002: p. 298)

No entanto, segundo Ancona, apesar das atribuições do Comitê e dos Subcomitês voltarem-se

6 Projeto de Lei Estadual no 676/2000.

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para a aprovação do PDPA, recomendação de diretrizes, critérios e programas para as políticas de proteção aos mananciais, o principal assunto de pauta dos Subcomitês Cotia-Guarapiranga e Billings-Tamanduateí, desde sua criação, tem sido a destinação dos recursos do FEHIDRO, “que são arduamente disputados entre as entidades da sociedade civil e dos órgãos públicos. As decisões sobre a eleição dos projetos financiados são processos demorados e altamente burocratizados, dos quais todos os atores participam”. (Ancona, 2002: p. 300)

“A quase totalidade dos recursos alocados no setor provém do orçamento estadual, ou das autarquias e companhias que lhe são subordinadas. Os municípios quase não têm poder de interferência nas decisões desses órgãos e os representantes da sociedade civil (...) têm grande dificuldade para participar de debates extremamente técnicos”. Dessa forma, “no que se refere aos objetivos de participação e democratização das decisões, mantém-se o monopólio dos órgãos setoriais estaduais, tanto nas decisões relativas aos grandes projetos e à locação de recursos, quanto nas questões normativas”. (Ancona, 2002: p. 245)

1.7 O PLANO EMERGENCIAL E O PROGRAMA GUARAPIRANGA: A AMPLIAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA NAS ÁREAS DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS

O Plano Emergencial aprovado em 1998, pelo Decreto Estadual no 43.022, possibilitou “a realização imediata de obras emergenciais7 (...) nas hipóteses em que as condições ambientais e sanitárias apresentem riscos à vida e à saúde pública ou comprometam a utilização de mananciais para fins de abastecimento (...) até que sejam promulgadas leis específicas para as Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais – APRMs”. (Decreto Estadual no 43.022/1998)

Na prática, esta proposta ampliava a possibilidade de colocação de infra-estrutura de saneamento e de recuperação ambiental, apesar de não contemplar algum mecanismo que viabilizasse sua execução, sob o ponto de vista financeiro. As obras ficaram a cargo dos órgãos competentes, que tinham diferentes disponibilidades de investimentos e pouca articulação entre si.

Neste contexto, foi elaborado o Programa de Saneamento Ambiental da Bacia do Guarapiranga, posto em prática em 1990, tendo como objetivo principal a recuperação da qualidade da água da represa para o abastecimento. Pois, de acordo com Ancona “em 1991, tinha ocorrido um fenômeno expressivo de floração de algas na represa Guarapiranga desencadeado pelo lançamento de esgotos não tratados”. (Ancona, 2002: p. 296)

Este Programa foi concebido, com a articulação entre a Secretaria Estadual de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras, Secretaria Estadual do Meio Ambiente, CDHU e as Prefeituras de São Paulo, Embu, Itapecerica da Serra e Embu-Guaçú, como um conjunto de obras de saneamento e de infra-estrutura urbana, visando a recuperação da bacia hidrográfica e elaboração de estudos para a definição de uma nova política de preservação. Obteve, em 1990, financiamento do Banco Mundial (BIRD) correspondente a um montante de 262 milhões de dólares, posteriormente ajustados para 336 milhões de dólares.

As primeiras experiências concentraram-se apenas na implantação de infra-estrutura básica. A falta de sucesso dos resultados alcançados fez com que os projetos e obras subseqüentes passassem a incorporar medidas de qualificação urbana, com a adoção de um conceito de melhoria de bairros mais amplo, ou seja, associando a execução de infra-estrutura com a construção de equipamentos públicos, praças, espaços de lazer e ações de capacitação e de educação.

No entanto, as intervenções e obras de saneamento realizadas foram muito pontuais e esparsas. Não houve um tratamento do conjunto de favelas de uma mesma sub-bacia. Isso impossibilitou avaliar a eficiência das obras, bem como a qualidade da água que chega na represa8. (Ancona, 2002; Uemura, 2000)

Além disso, segundo Ancona, “ainda que grande parte das obras programadas tenha sido executada, elas não envolveram a regularização fundiária dos assentamentos. (...) Como a LPM continuava em vigor, definindo a irregularidade da maior parte das áreas objeto do Programa Guarapiranga, criou-se uma situação confusa do ponto de vista legal”. (Ancona, 2002: p. 297)

Uemura afirma que não houve ação integrada dos diversos setores. Os Núcleos de Educação Ambiental foram implementados, porém realizaram atividades isoladamentes e não chegaram a se tornar pontos referenciais, como era almejado. (Uemura, 2000: p. 144) Segundo a autora, é reflexo da tradicional forma de atuação centralizada em que o trabalho integrado é geralmente visto como diluição do poder.

7 São consideradas obras emergenciais “as necessárias ao abastecimento de água, esgotamento e tratamento sanitário de efluentes, drenagem de águas pluviais, contenção de erosão, estabilização de taludes, fornecimento de energia elétrica, prevenção e controle da poluição das águas e revegetação, mas “não implica na regularização das ocupações desconformes à legislação.” (Decreto Estadual no 43.022/1998)

8 “Após seis anos de atuação do programa, as exportações de esgoto, que no início eram de 10,58%, não chegam a 24% do total de resíduos a ser exportado da bacia”. (Uemura, 2000: p. 142)

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Fonte: SIG - Bacia do Guarapiranga, 1996. In: Uemura, 2000.

Programa de Saneamento Ambiental da Bacia do Guarapiranga - Subprograma 1 - Interligação do sistema coletor de esgoto

A leituraatenciosa do mapa mostra a dispersão das intervenções, a desconsideração de inúmeros núcleos de assentamentos humanos existentes.

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2.1 O ESTATUTO DA CIDADE E A DEMARCAÇÃO DAS ZEIS EM SÃO PAULO

A cidade de São Paulo começa enfrentar uma nova realidade de disponibilização de instrumentos urbanísticos para o controle da propriedade urbana da terra e de indução e estímulo à reabilitação dessas áreas degradadas e vastamente ocupadas por assentamentos humanos mais precários e carentes, de forma a priorizar a produção de habitação social.

Se a Constituição de 1988 define, pela primeira vez em textos políticos, que a economia brasileira é capitalista, por se definir como um sistema de direito fundamentado na propriedade privada, ela procura exercer o controle da propriedade por meio do conceito “função social da propriedade” , cuja implementação prática depende da regulamentação legal que foi segurada desde 1983 no Congresso Nacional e teve aprovação apenas no ano de 2001, por meio da Lei federal no 10.257/2001, conhecida por Estatuto da Cidade.

O Estatuto institui, a nível federal, instrumentos jurídicos e políticos como: concessão de direito real de uso, concessão de uso especial para fins de moradia, zonas especiais de interesse social, parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, usucapião especial de imóvel urbano, direito de superfície, direito de preempção, outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, transferência do direito de construir, operações urbanas consorciadas, regularização fundiária, entre outros, que representam uma conquista de décadas de luta de diversos movimentos sociais pela reforma urbana.

De acordo com o Estatuto, as áreas nas quais haverá a aplicação destes instrumentos devem ser demarcadas no Plano Diretor de cada cidade, ou seja, o poder da decisão é remetido à administração local. No recém aprovado Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, Lei Municipal no 13.430/2002, assim como nos Planos Diretores Regionais, foram incorporados os instrumentos do Estatuto da Cidade, colocando uma nova possibilidade de ação do Poder Público no campo do controle da especulação imobiliária, da regularização fundiária e da reabilitação urbana nestas áreas.

Como já foi dito anteriormente, a Zona Especial de Interesse Social – ZEIS é um dos instrumentos que, a princípio, assume importante papel no processo de regularização fundiária, na melhoria dos assentamentos precários e na ampliação da produção de habitação social, ao definir que determinados perímetros da cidade são destinados prioritariamente ao assentamento adequado da população de mais baixa renda.

Definida como “porções do território destinadas, prioritariamente, à recuperação urbanística, à regularização fundiária e produção de Habitações de Interesse Social – HIS ou de Mercado Popular – HMP, incluindo a recuperação de imóveis degradados, a provisão de equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviço e comércio de caráter local” (Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, 2002), a ZEIS representa, atualmente, a abertura para a consolidação de uma nova proposta de política de desenvolvimento urbano que precisa ser analisada com cuidado.

Este instrumento tem como principal função possibilitar a regularização fundiária e a produção de habitacional, por meio da flexibilização dos parâmetros urbanísticos e da indução e estímulo à construção de empreendimentos que incluam Habitação de Interesse Social – HIS. Ou seja, impõe a obrigatoriedade de construção das habitações sociais e oferecem estímulos financeiros e tributários para isso, como, por exemplo, a isenção do pagamento da outorga onerosa do direito de construção.

Sendo estas áreas destinadas prioritariamente à produção e manutenção de habitação social, a ZEIS busca incorporar a cidade clandestina – favelas e assentamentos humanos populares, loteamentos irregulares e habitações coletivas – à cidade legal. Pois, além de estimular a produção habitacional, a ZEIS tem como objetivo permitir a ampliação de serviços, equipamentos e infra-estrutura urbanos nos locais mais carentes de tal estrutura, a melhoria dos espaços públicos e de lazer, e o estímulo ao comércio e serviços de caráter local, de forma a melhorar as condições de vida da população dessas áreas, colocando novos horizontes para a construção de uma cidade mais democrática que respeite e faça cumprir o “direito à cidade”.

Funciona, portanto, ao contrário da forma de regulação do planejamento tradicional que, como

2. NOVOS INTRUMENTOS URBANÍSTICOS: NOVAS POSSIBILIDADES DE POLÍTICA URBANA PARA AS ÁREAS DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS

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Mapa das ZEIS demarcadas no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo

Verifica-se a concentração das ZEIS prioritariamente na periferia da cidade e uma concentração significativa em área de proteção aos mananciais.

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foi visto, mais dificultou do que possibilitou a ampliação do mercado em direção às camadas de mais baixa renda e contribuiu para a consolidação da segregação sócio-espacial e da ilegalidade generalizada. A construção desta nova forma de desenvolvimento urbano trata da busca de uma mudança na concepção de plano e do paradigma do planejamento urbano, que tem cumprido historicamente um papel ideológico mais do que instrumento de orientação da gestão e dos investimentos. (Villaça, 1999)

A concepção básica do instrumento ZEIS é criar áreas especiais que permitem, mediante um Plano de Urbanização, o estabelecimento de um padrão urbanístico próprio para o assentamento, adequado às especificidades locais. Segundo o Instituto Polis, “o estabelecimento de ZEIS significa o reconhecimento da diversidade de ocupações existentes nas cidades”, de acordo com a característica física, política e social local; “além da possibilidade de construção de uma legalidade que corresponda a esses assentamentos e, portanto, de extensão do direito de cidadania a seus moradores”. (Instituto Polis, 2001: p. 158)

No entanto, um dos aspectos mais importantes da legislação de ZEIS é a introdução de mecanismos de participação direta dos moradores no processo de definição dos investimentos e da gestão da política urbana. Um dos instrumentos propostos pela Lei de ZEIS é a criação do Conselho Gestor da ZEIS, “composto por representantes do poder público, moradores e proprietários de imóveis localizado na ZEIS, observada a paridade entre o número de representantes do poder público e da sociedade civil”, sendo o Conselho responsável pela elaboração do Diagnóstico da ZEIS, das Diretrizes e do Plano de Urbanização. (Decreto Municipal no 44.667/2004 – Art. 19 e 22)

A princípio, a instituição da ZEIS, que busca associar desenvolvimento urbano à gestão participativa de forma a direcionar ações e investimentos públicos nas áreas ocupadas pela população de mais baixa renda é ainda uma experiência nova na cidade de São Paulo. Em função dessas características, resultados concretos e interferência no modo de produção da cidade somente serão obtidos com a ZEIS, a partir de muita pressão por parte dos movimentos sociais e de uma vontade política real do poder público.

De acordo com o Plano Diretor, as ZEIS devem ser demarcadas e elaborar seus Planos de Urbanização em conjunto com a população local, ou seja, elas incluem como aspecto fundamental o controle social da prática durante seu processo de elaboração e concretização. Pois como destaca Maricato, não interessa mais “um plano normativo apenas, que se esgota na aprovação de uma lei, mas sim que ele seja comprometido com um processo, uma esfera de gestão democrática para corrigir seus rumos, uma esfera operativa, com investimentos definidos, com ações definidas e com fiscalização”. (Maricato, 2001: p. 117)

O Plano de Urbanização da ZEIS deve ser aprovado por Lei e definirá os parâmetros urbanísticos específicos para cada ZEIS, envolvendo desde projetos de urbanização (infra-estrutura, pavimentação, equipamentos, espaços de lazer), parâmetros de parcelamento do solo, projeto habitacional, até o projeto social (geração de emprego e renda, capacitação, formação).

No Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo foram demarcados quatro tipos de ZEIS, posteriormente detalhados nos Planos Diretores Regionais recém-aprovados pela Câmara, abrangendo desde glebas vazias, favelas e loteamentos precários, até áreas com infra-estrutura consolidada:

1. A “ZEIS 1” refere-se às glebas ocupadas por população de baixa renda, compreendendo as favelas, loteamentos irregulares, empreendimentos habitacionais de interesse social ou de mercado popular.

2. A “ZEIS 2” são demarcações de terrenos vazios, não edificados ou subutilizados.

3. A “ZEIS 3” são áreas com concentração de terrenos ou edificações subutilizadas em áreas já dotadas de infra-estrutura, serviços e oferta de empregos.

4. A “ZEIS 4”, assim como a ZEIS 2, são demarcações em terrenos vazios, não edificados ou subutilizados. No entanto, a ZEIS 4 é especial por corresponder às porções do território inseridas em área de proteção aos mananciais.

Observa-se que todos os tipos de ZEIS incluem a obrigatoriedade e o estímulo à produção de Habitação de Interesse Social. No entanto, tal exigência utiliza de mecanismos diferentes nas diversas áreas que estão inseridas para alcançar tal objetivo. No caso das áreas centrais com infra-estrutura consolidada, o imbate maior, na disputa pelo território valorizado da cidade, é com o

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mercado imobiliário e com os proprietários de terras, que passam a ver limitações para a especulação desenfreada. Na periferia e nas favelas, o instrumento, garante, por outro lado, maior segurança de obtenção da posse.

Além disso, os tipos de ZEIS abrangeram não apenas áreas já ocupadas (ZEIS 1 e 3), mas também áreas constituídas por glebas livres (ZEIS 2 e 4), que enquadram-se nas práticas de novas construções para a produção de habitação social.

No caso das áreas de proteção aos mananciais, a demarcação de ZEIS nas favelas e loteamentos precários representa um avanço no reconhecimento da ocupação dessas áreas como consolidada e da impossibilidade de remoção completa da população moradora.

2.2 LEI ESPECÍFICA DA BACIA HIDROGRÁFICA COTIA-GUARAPIRANGA

Em termos de concepção de planejamento urbano, a Lei Específica caminha no mesmo sentido das ZEIS, ao reconhecer a proposta de adequação das normas e parâmetros à realidade de cada porção do território, ainda de forma a incorporar de modo qualitativo a participação dos diferentes atores, contribuindo para o aumento da aplicabilidade e efetividade da norma.

No caso do projeto de Lei Específica da bacia hidrográfica Cotia-Guarapiranga, o controle do uso do solo, antes realizado por parâmetros urbanísticos rígidos como densidade demográfica, índices de permeabilidade e lote mínimo, passará a ser ponderado por carga de poluição definida para a bacia - Carga Meta Total e Carga Meta Referencial, medidas pelo Modelo de Correlação entre o Uso do Solo e a Qualidade da Água - M-Qual9 – resultados de estudos sobre limites de cargas “suportáveis” pelo reservatório e sobre o limite em que ainda é possível um controle do processo de eutrofisação. (Ancona, 2002: p. 312)

Segundo Ancona, este modelo foi construído com base na análise da poluição das águas, principalmente por cargas de fósforo, relacionado o tipo de uso do solo e a qualidade da água. (Ancona, 2002: p. 311) Tal medida permite estabelecer novos parâmetros urbanísticos mais flexíveis e específicos para cada bacia hidrográfica, além de medidas de compensação. De modo geral o M-Qual é constituído por três módulos:

1. Geração de cargas – Tem como objetivo totalizar as cargas de fósforo geradas pelos diversos tipos de uso do solo e proceder a dedução da quantidade que é lançada no ambiente.

2. Abatimento de cargas por transporte – Analisa o impacto do lençol freático, córregos e rios tributários em relação à carga de poluição que assentamentos mais distantes podem provocar na represa.

3. Abatimento de carga da represa – Analisa a capacidade de absorção das cargas pela própria represa.

Este modelo busca incorporar a melhoria causada pelo afastamento dos resíduos por meio da coleta de esgoto e lixo para fora da bacia ou por meio de tratamento no local. Por isso não é uma legislação que possa ser caracterizada como “permissiva”, pois tem como metas reduzir as cargas poluidoras da represa, reter tendências expansionistas e reverter o quadro de degradação ambiental.

A minuta da nova proposta prevê zoneamento baseado no modelo de ocupação que corresponde à tipologia das Áreas de Intervenção da Lei Estadual no 9.866/1997, incorporando o reconhecimento da ocupação consolidada, partindo da situação real e buscando-se adequar à realidade da bacia.

A ocupação consolidada em área de proteção aos mananciais é demarcada, onde considerada adequada a consolidação, como Áreas de Ocupação Dirigida10. A proposta de Lei, apesar de propor alguns parâmetros urbanísticos mínimos, coloca que estes podem ser flexibilizados por leis municipais de uso e ocupação do solo “desde que sejam mantidas a Carga Meta Total e a Carga Meta Referencial por Município e que atenda a média ponderada”. (Deliberação CBH-AT, no 06/2001 - Art. 21)

Para atingir a Meta da Qualidade de Água, idéia central da lei, utiliza-se como parâmetro a carga de Fósforo total afluente ao reservatório. As cargas-limite estabelecidas para os municípios da bacia são parâmetros para o planejamento de uso e ocupação do solo, que juntamente com ações de preservação e recuperação urbana e ambiental, instalação de infra-estrutura e estruturas de redução à poluição, melhorariam a qualidade da água.

Esta primeira minuta de projeto de lei não se afastou do princípio básico da Lei de Proteção dos

9 Modelo de Correlação entre o Uso do Solo e a Qualidade da Água – MQUAL, constante do PDPA, consiste na representação matemática dos processos de geração, depuração e afluência de cargas poluidoras, correlacionando a qualidade da água dos corpos d’água afluentes ao reservatório, com o uso, a ocupação e o manejo do solo na bacia hidrográfica”. (Deliberação CBH-AT, no 06/2001 - Art. 4o – V)

10 “Áreas de Ocupação Dirigida são aquelas de interesse para a consolidação ou a implantação de usos urbanos ou rurais, desde que atendidos os requisitos que assegurem a manutenção das condições ambientais necessárias à produção de água em quantidade e qualidade para o abastecimento público”. (Deliberação CBH-AT, no 06/2001 - Art. 19)

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No Projeto de Lei é proposta a instituição das seguintes Áreas de Intervenção:

1. As “Áreas de Restrição à Ocupação – ARO” são de interesse para a preservação e é subdividida em três sub-áreas:

- ARO 1 são definidas como áreas de preservação permanente, compreendendo a faixa de 50 metros ao redor do reservatório, faixa de 15 a 30 metros de cada margem dos cursos d’água (dependendo da subárea em que está inserida), faixa de 50 metros ao redor das nascentes, vegetação nativa e áreas com declividade superior a 60%.

- ARO 2 corresponde às áreas de Parques.

- ARO 3 são espaços destinados à regeneração da cobertura vegetal.

2. As “Áreas de Ocupação Dirigida – AOD” são destinadas para a consolidação ou implantação de usos urbanos ou rurais, atendidos os parâmetros legais. Esta área é subdividida em seis subáreas:

- A “Subárea de Urbanização Consolidada – SUC” corresponde às áreas urbanizadas onde já existe ou deve ser implantado sistema público de saneamento. Nessas áreas o coeficiente de aproveitamento básico proposto é 1, com índice de impermeabilização máximo 0,8 e lote mínimo de 125 m2.

- A “Subárea de Urbanização Controlada – SUCt” corresponde às áreas em processo de urbanização, cuja ocupação deverá ser planejada e controlada, garantindo a instalação de saneamento ambiental. Os parâmetros urbanísticos são os mesmos da SUC.

- A “Subárea Especial Corredor – SEC” corresponde às áreas destinadas a empreendimentos comerciais, de serviços e à instalação de indústrias. Os parâmetros urbanísticos são os mesmos da SUC e SUCt, com exceção do lote mínimo que é 1.000 m2.

- A “Subárea de Ocupação Diferenciada – SOD” é destinada à empreendimentos que sejam de baixa densidade demográfica e com predominância de espaços livres. Nessas áreas o coeficiente de aproveitamento máximo é 0,3, o índice de impermeabilização máximo é 0,4 e o lote mínimo é 1.500 m2.

- A “Subárea Envoltória da Represa – SER” corresponde às áreas localizadas ao redor da represa e são destinadas ao lazer ou à valorização paisagística. O coeficiente de aproveitamento máximo é 0,4, assim como o índice de impermeabilização máximo; o lote mínimo é 250 m2.

- A “Subárea de Baixa Densidade – SBD” é destinada à agricultura, cultivo ou criação, bom como ao turismo, desde que sejam atividades de baixa densidade. Nessas áreas o coeficiente de aproveitamento é 0,15, o índice de impermeabilização máximo é 0,2 e o lote mínimo é 5.000 m2.

3. As “Áreas de Recuperação Ambiental – ARA” correspondem às áreas cujos usos e ocupações estejam comprometendo a qualidade ambiental e exigem intervenções de caráter corretivo. Essa categoria pode ser subdividida em duas subáreas:

- A “ARA 1” corresponde aos assentamentos habitacionais de interesse social onde o poder público deverá promover programas de recuperação ambiental.

- A “ARA 2” corresponde às áreas que exigem correção imediata do dano ambiental.

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Mananciais que é adequar o controle de uso do solo à capacidade de depuração de cargas poluidoras, pelo reservatório. Segundo Ancona, a novidade é que a minuta “contemplou a possibilidade de redução das cargas geradas na bacia através de sistemas de tratamento ou afastamento dos esgotos. Em outras palavras, os limites de adensamento não estariam mais restritos à capacidade natural do ecossistema e não seriam mais fixos, na medida em que se introduzia, na equação, a possibilidade de se reduzir o aporte de cargas poluidoras por meios tecnológicos”. (Ancona, 2002: p. 321)

A Lei Específica induz também a gestão participativa e descentralizada, vinculando sempre ao Comitê e Subcomitês de bacia hidrográfica. Além disso, estimula a municipalização do licenciamento ambiental e da fiscalização do uso e ocupação do solo, prevendo a resolução dos conflitos existentes entre diferentes licenciamentos feitos com base em diferentes normas. Tal medida pode ser eficiente com exceção nos casos de empreendimentos de porte significativo11, ou de atividades potencialmente poluidoras.

A regularização fica subordinada ao atendimento de parâmetros urbanísticos e das exigências quanto à instalação de infra-estrutura urbana, sendo este um critério que não pode ser flexibilizado. Soma-se a isso o fato do Projeto de Lei apresentar também a obrigatoriedade da formalização de Termos de Ajustamento de Conduta, com força de título extrajudicial, com objetivo de minimizar os danos causados.

Dessa forma, o Projeto de Lei permitirá a ampliação da intervenção e da regularização de assentamentos em área de proteção aos mananciais e a aprovação de novos empreendimentos que comprovem a redução das cargas poluidoras. Nesse sentido, a possibilidade de intervenção em ocupações das áreas de proteção aos mananciais pode ter um novo desenho a partir da sua aprovação. Resta, no entanto, verificar a interlocução concreta desta nova legislação com a realidade física e fundiária dos assentamentos da população de baixa renda, cujas características de assentamento no território são as mais problemáticas, além de rever e incrementar a capacidade administrativa dos órgãos públicos.

11 “Entende-se por empreendimentos de porte significativo, aqueles que apresentam no mínimo 10.000 m2 de área construída para uso não residencial e 20.000 m2 para uso residencial”. (Deliberação CBH-AT, no 06/2001 - Art. 66 - § 1º)

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3.1 RECIFE

Recife é uma das cidades brasileiras com maior percentual de sua população total habitando favelas, que se espalham por toda a área urbana. Como a maioria das grandes cidades brasileiras, teve seu crescimento acelerado a partir da década de 70, principalmente devido às migrações cidade-campo, aonde a forma de acesso a terra deu-se basicamente através de ocupações de áreas públicas.

Segundo Denaldi (2003: p.74), a partir do final da década de 1970, observa-se um certo direcionamento das políticas urbanas marcadas por tentativas de legalização da ocupação de favelas e viabilização de espaços de participação da comunidade. Em 1983, foram instituídas as ZEIS – Zonas de Especial Interesse Social, no âmbito da Lei Municipal de Uso e Ocupação do Solo (Lei Municipal no 14.511/1983). Tratava-se da primeira experiência de aplicação da ZEIS, que buscava tornar possível a regularização urbanística de um determinado padrão de moradia que a legislação tradicional não admite, pois flexibiliza os parâmetros de ocupação e de desenho urbano exigidos para aprovação.

Destaca-se, neste processo, a importância do papel da Igreja Católica, por meio da Comissão de Justiça e Paz, que, assessorando os movimentos sociais, apresentou projeto de Lei, cujo conteúdo foi quase totalmente incorporado na Lei que institui e regulamenta as ZEIS. (Denaldi, 2003: p. 74)

De acordo com Tsukumo (2002), através do Movimento de Defesa do Favelado - MDF, os moradores de favelas passam a reivindicar a aplicação da Concessão de Direito Real de Uso – CDRU, que, ao ser reinterpretada de forma a permitir a regularização fundiária de assentamentos populares em áreas públicas, passou a ser base para a demarcação das ZEIS. Tal posição partia do princípio de que a terra deveria ser negociada a partir das benfeitorias nela já construídas, no caso, para fins de moradia e em benefício da coletividade. A conjugação dos instrumentos permitiu a consolidação de favelas em Recife, tornando possível investimentos em infra-estrutura viária e saneamento, além de melhorias nas unidades habitacionais.

Em 1987, foi instituído o PREZEIS – Plano de Regularização das ZEIS e criado o Fórum do PREZEIS (Lei Municipal no 14.947/1987), que consolidaram um sistema de gestão visando promover a urbanização das ZEIS12 e criaram mecanismos institucionais de participação das comunidades junto aos órgãos públicos.

“O PREZEIS caracteriza-se como um sistema de gestão do processo de reabilitação das favelas, no qual ficam definidas, além das normas para regularização, as responsabilidades dos agentes governamentais e representações das comunidades interessadas, bem como a institucionalização de arenas de discussão e deliberação sobre os investimentos e políticas voltadas para as ZEIS”. (Denaldi, 2003: p. 75)

Os seis primeiros anos do PREZEIS, correspondentes ao período de 1987 a 1993, foram de estruturação desta política urbana, ressalta Marinho (1999 In: Denaldi, 2003: p. 76). O Fórum do PREZEIS, por exemplo, no início, não era deliberativo, não gerenciava recursos financeiros, não havia sido regulamentado e não contava com apoio técnico necessário. Na prática, o Fórum se constituiu como um espaço político de defesa da posse e de busca pela regularização da terra. Neste período, não se conseguiu gastar os recursos do Fundo.

Na primeira fase do PREZEIS, não foi dada a prioridade à elaboração de planos urbanísticos e projetos executivos de urbanização, e sua inexistência dificultou o dimensionamento dos recursos necessários para a realização das obras. Até 1993, apenas duas ZEIS tinham Planos Urbanísticos. A inadequação dos projetos dificultou a execução das obras e resultou algumas vezes em qualidades não satisfatórias.

De acordo com Denaldi (2003), a partir de 1993, a elaboração de projetos e planos de urbanização é priorizada pela gestão municipal, motivada, em parte, pela perspectiva de captação de recursos no âmbito dos programas federais, como o Habitar Brasil, também financiado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Neste período, de consolidação do PREZEIS, o Fórum passa a deliberar sobre a aplicação dos recursos do Fundo. Registra-se o aprimoramento da gestão – operacionalização, gerenciamento e regulamentação – e o início da execução das obras.

3. EXPERIÊNCIAS DE REFERÊNCIA

12 Essa legislação é complementada por outras leis: Lei Municipal no 15.790/1993, que institui o Fundo Municipal do PREZEIS, Lei Municipal no 16.176/1996 – Lei de Uso e Ocupação do Solo, que amplia a classificação de ZEIS e remete ao PREZEIS a definição dos mecanismos de instituição e regularização das ZEIS, Lei Municipal no 161.113/1995 – Plano de Regularização das ZEIS – PREZEIS, que reformula a Lei do PREZEIS e altera índices urbanísticos e a Lei Municipal no 16.303/1997, que estabelece elementos para regulação dos padrões de construção das ZEIS. (Denaldi, 2003: p. 75)

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“O Fórum reúne lideranças das distintas ZEIS e é nesse âmbito que se busca ampliar a discussão, fazendo com que lideranças deixem de focar apenas o específico de cada ZEIS e passem a conduzir uma política unificada”. (Denaldi, 2003: p. 75)

Neste período, no entanto, as intervenções no âmbito do PREZEIS caracterizam-se, na grande maioria, como obras pontuais, inserida numa estratégia de urbanização gradual dos núcleos. (Denaldi, 2003: p. 76) Um estudo realizado pela PCR/FJN (2001) “mostrou que até 2001 apenas 8,57% das ZEIS eram servidas integralmente por rede de esgoto, 2,86% por drenagem e pavimentação e 42,86% e 48,57% das ZEIS apresentavam a totalidade de seus domicílios com medidores de energia e água, respectivamente”. (Denaldi, 2003: p.77) Na realidade, existia uma pulverização dos investimentos do Fundo do PREZEIS, mesmo que muitas das obras tivessem sido executadas em parceria com a comunidade, em regime de mutirão.

Uma dificuldade encontrada, neste processo, foi a falta de disponibilização de terras para apoio à urbanização, que deve prever possibilidades concretas de reassentamento de moradores de área de risco, pois até então não tinham sido implementadas ZEIS em áreas vazias. Verifica-se que é necessária também a destinação de recursos para nova provisão habitacional.Também pouco se avançou em relação aos processos de regularização fundiária das ZEIS. Até 2001, estava em processo a regularização de apenas cinco ZEIS. As inovações relacionadas com a estruturação de um modelo de gestão participativa não foram acompanhadas de melhorias efetivas das condições de habitabilidade nas ZEIS ou de sua regularização. As flutuações políticas e de mobilização do movimento associado ao baixo volume de investimento em obras de urbanização e a pulverização desses investimentos foram os principais limites encontrados nesta política urbana. (Denaldi, 2003: p. 81)

Para a autora, as diferentes esferas do governo, incluindo o municipal, investiram na urbanização dos núcleos de favela independentemente da sua delimitação enquanto ZEIS, questionando a aplicação efetiva do instrumento de intervenção nas favelas. Os recursos disponíveis não vão direto para o Fundo do PREZEIS e não cobriram o orçamento previsto pelos Planos de Urbanização elaborados. O PREZEIS se configurou como “um programa a mais” ao lado de um conjunto de outros que o governo desenvolve para atender as favelas. O modelo de co-gestão torna-se mais complexo com a sobreposição de novas instâncias de participação, como o Orçamento Participativo, além de outros fóruns específicos sobre a cidade e a habitação. Dessa forma, Denaldi analisa que um desafio é colocar o PREZEIS como uma instância de condução da ação pública em núcleos de favelas ou rever seu papel. (Denaldi, 2003: p. 79)

Atualmente, o município vem investindo na elaboração de projetos e planos de urbanização e percebe-se um esforço para a atualização dos cadastros das favelas, elaboração de diagnósticos e de planos de intervenção global. (Denaldi, 2003: p. 81)

3.2 DIADEMA

O crescimento de Diadema acompanhou o da Região do Grande ABC paulista, que sofreu intenso processo de industrialização e ocupação do território a partir da construção da Via Anchieta (ligação de São Paulo a Santos) em 1947. Na década de 70 a região apresentou crescimento populacional de 541,16%, e já apresentava um grave quadro de loteamentos clandestinos ou irregulares, além de conflitos de ocupação de áreas públicas e particulares.

Segundo Tsukumo (2002), a luta pela urbanização de favelas começa em meados da década de 1980, quando a região do ABC vive um momento de grande organização dos movimentos populares e sindicais. Uma das principais bandeiras de luta dos movimentos era o direito de posse da terra e o repúdio à remoção de favelas, ou seja, de defesa da urbanização das favelas, da promoção de novas unidades habitacionais, além da garantia às comunidades do direito de participação de todas as fases do processo de urbanização.

Ressalta-se que, no caso de Diadema, existiu uma certa continuidade administrativa na gestão municipal, em que a eleição consecutiva de três governos (1983 – 1996) garantiu que a política de intervenção em favelas fosse consolidada e aprimorada. Com a vitória do Partido dos Trabalhadores em 1982, a prioridade de investimento foi invertida de forma a democratizar a gestão da cidade: neste sentido, a urbanização de favelas foi assumida como eixo principal da política habitacional de Diadema, sendo um dos municípios pioneiros na instituição de políticas abrangentes de urbanização de favelas.

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No início, o governo optou por uma intervenção “gradativa” em favelas, com ênfase no parcelamento e no reconhecimento da posse da terra. Dessa forma, criou-se uma estrutura administrativa (Serviço de Urbanização de Favelas), que contava com colaboração da própria população moradora, para a realização do processo de urbanização. (Denaldi, 2003: p. 86) Em 1984, a Câmara Municipal, pressionada por movimentos, assinou a Concessão de Direito Real de Uso - CDRU, por 90 anos, para moradores de 19 favelas situadas em áreas públicas (Lei Municipal no 819/1985), posteriormente instituindo a CDRU em mais outras áreas.

Além disso, foi priorizada a ação de parcelamento do núcleo, sendo esta prática adotada mesmo se a Prefeitura não tivesse condições de executar as obras de infra-estrutura. Foram definidos padrões urbanísticos especiais de parcelamento do solo, como a instituição do lote mínimo de 44 m2 e da largura mínima de vias de 4 metros, posteriormente adotados como referência para outros municípios da região.

Segundo Denaldi, foram realizadas poucas obras de contenção, pavimentação e de drenagem, se for considerado o número de frentes abertas, mesmo que muitas delas tenham sido realizadas em regime de mutirão, com a participação dos moradores. (Denaldi, 2003: p. 86) Mas a organização da população moradora (por meio de associação ou comissão) era uma pré-condição para o atendimento municipal, uma vez que também eram as pressões populares que direcionavam na prática os investimentos públicos.

Antes do início de implantação de um projeto, as famílias eram cadastradas pela Prefeitura, que orientava a definição do tamanho do lote e o tipo de atendimento. Em seguida era realizado o reparcelamento dos lotes, com a abertura de novas vias e vielas. Adotava-se um ou mais lotes-padrão, que representavam a divisão igualitária da terra entre os ocupantes. Para reordenar a ocupação do solo, promovia-se a relocação interna dos barracos que, na maioria das vezes, era executada pela própria família, que reutilizava o próprio material de seu barraco para reconstruí-lo em outro local indicado no núcleo. Tentava-se evitar a destruição das casas de alvenaria, que não eram muitas neste período. Mas, de forma geral, mesmo quando necessária, não se praticava a remoção para viabilizar a urbanização dos núcleos. Com a abertura das vias, promovia-se a implantação de infra-estrutura básica, como redes de água, esgoto, drenagem, pavimentação e, quando necessário, obras de canalização de córregos e contenção de encostas. (Denaldi, 2003: p. 89 e 90)

Nos dois primeiros governos, a maioria dos projetos não era elaborada no nível do projeto executivo. Além disso, era comum a combinação de diferentes modalidades de intervenção no mesmo núcleo de favela para promover sua urbanização: empreiteira, mutirão e mutirão auto-gerido. A segunda gestão do PT (1989 - 1992) deu continuidade ao processo e às ações já estabelecidas e se concentraram na instalação da infra-estrutura e equipamentos urbanos. Neste período, foi criado o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social – Fumapis, constituído apenas por recursos municipais.

A elaboração do Plano Diretor de Diadema, que incluiu as Áreas Especiais de Interesse Social – AEIS, teve início em 1989. Foi encaminhado para a Câmara em 1991, mas por falta de força política e social para aprovação, não foi aprovado, uma vez que também não havia sido realizado debate público com os setores da sociedade. (Tsukumo, 2002)

A terceira gestão consecutiva do PT (1993 – 1996) estabeleceu como uma de suas principais metas a aprovação do Plano Diretor, que deveria ser alcançada com a democratização do debate. Este processo foi fundamental para a aprovação do Plano na Câmara. Foram realizadas mais de 100 reuniões e no dia da votação a Câmara foi ocupada por uma manifestação de mais de mil pessoas a favor da aprovação do Plano.

O processo de discussão e aprovação do Plano Diretor (Lei Municipal Complementar no 25/1994) de Diadema foi muito interessante pela força que os movimentos populares ganharam, sobrepondo os interesses da maioria aos de proprietários de terra e de indústrias, representados por alguns vereadores. (Tsukumo, 2002)

Dessa forma, a AEIS13 em Diadema nasce de uma política consolidada de urbanização e regularização de favelas com o objetivo de ampliar o acesso à moradia por meio do incentivo à produção de moradias populares. A regularização fundiária é obtida através da associação da AEIS com CDRU, considerando que 70% das favelas encontram-se em áreas públicas. A concessão das CDRUs foi outorgada gratuitamente e as obras de urbanização e saneamento não foram cobradas. Dos 200 núcleos de favelas existentes, 144 foram de alguma forma urbanizados, inclusive os localizados em área de proteção aos mananciais.

13 “As Áreas Especiais de Interesse Social – AEIS – são destinadas à implantação de Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social – EHIS e manutenção de habitações de interesse social, e compreendem basicamente:

a) AEIS 1: terrenos não edificados, subutilizados ou não-utilizados, necessários à implantação de empreendimentos habitacionais de interesse social e com reserva de áreas para equipamentos comunitários, de acordo com o Plano de Urbanização;

b) AEIS 2: terrenos ocupados por favelas ou assentamentos habitacionais assemelhados, visando aplicação de programas de urbanização e/ou regularização jurídica de posse da terra”.

“Art 28 - Empreendimento Habitacional de Interesse Social é o empreendimento imobiliário destinado à produção de habitação para a população de baixa renda cadastrada de acordo com Lei Específica com padrões urbanísticos e construtivos a serem definidos em normas específicas.

Parágrafo único – Os EHIS poderão ser promovidos por órgão da administração direta ou indireta e/ou pela iniciativa privada, em especial proprietários de terrenos ou Associações e cooperativas de moradores”.

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Além disso, foram demarcadas AEIS também áreas vazias da cidade, com o objetivo de destinar uma reserva de terras desocupadas para a produção de moradias populares, proporcionando o desadensamento das favelas e a retirada da população de áreas de risco, buscando reverter a lógica da apropriação pelos interesses especulativos.

Segundo Tsukumo (2002), as iniciativas de implementação as AEIS começaram com a negociação da compra das terras com os proprietários, inicialmente com a participação do Executivo Municipal no processo. Após as primeiras experiências, foram se estabelecendo formas de organização popular diretamente ligadas à aplicação das AEIS 1 (áreas vazias), as chamadas Associações de Moradores, que passaram a negociar terras e à promover a produção de novos empreendimentos, inicialmente agindo em conjunto com o Executivo Municipal, e de forma independente, a partir de 1997, com a mudança de gestão.

O Plano Diretor determina também que a Prefeitura elabore e aprove Planos de Urbanização em AEIS considerando padrões específicos de edificação, uso e ocupação do solo, e definindo formas de gestão e participação da população durante todo o processo – delimitação das áreas, implementação e continuidade das AEIS.

Tsukumo (2002) e Denaldi (2003), colocam que, se por um lado, essa política de urbanização de favelas acarretou na melhoria das condições de vida de milhares de habitantes, no aumento da oferta de moradia para a população de renda baixa e no fortalecimento da autonomia e da organização do movimento de moradia; por outro, os benefícios do instrumento foram apropriados pelo mercado imobiliário, sem atender a população de baixa renda, além de produzir espaços de baixa qualidade ambiental, consolidando situações inadequadas de moradia, como núcleos sem áreas livres, habitações na beira de córregos, falta de regularização urbanística, entre outros.

Segundo Denaldi, trata-se do caráter experimental do processo, que confrontou com a insuficiência de recursos financeiros e de equipe técnica, somada à impossibilidade de remoção das famílias para outros locais. Muitas vezes os governos optaram por manter as famílias em lugar inadequado, pela falta de opção para relocação, e promoverem a urbanização, mas esta decisão também consolidou condições impróprias de moradia. (Denaldi, 2003: p. 96 e 97)

Segundo Tsukumo (2002), a abrangência de aplicação do instrumento AEIS foi grande, pois apenas 11% das áreas não foram utilizadas, nem requeridas para a realização deempreendimentos. Esse percentual caracteriza-se por áreas cujos terrenos são de difícil ocupação (devido principalmente à alta declividade) ou áreas cuja compra tornou-se inviável devido aos altos preços exigidos pelos proprietários e imobiliárias. Além disso, 30,54% da área utilizada para a produção de empreendimentos de interesse social não se localizam em AEIS 1, o que demonstra que a produção não se limitou às AEIS delimitadas no Plano Diretor: houve iniciativa de movimentos na compra de outras terras para a produção de habitação.

A falta de envolvimento político dessas assessorias (escritórios técnicos) com a questão da moradia e a falta de compromisso técnico com a qualidade dos assentamentos que projetavam contribuiu muito para os resultados obtidos. Após alguns anos de experiência, associações desenvolveram critérios para a seleção de técnicos. Nesse sentido, a participação da Prefeitura foi de fundamental importância para que o instrumento AEIS 1 funcionasse como idealizado no Plano Diretor. Nas primeiras aplicações do instrumento a ação do poder público mostrou-se fundamental, principalmente na intermediação das negociações de compra de terra.

Em 1996, como um ensaio do último governo que não chegou a ser lapidado, foi criado o programa “Pós-Urbanização”, objetivando integrar ao bairro os núcleos de favela, urbanizados ou não. O programa previa a instalação de um “escritório de campo” que oferecia assistência técnica à autoconstrução, instituição de controle urbano, oficialização das ruas e desenvolvimento de atividades sociais e educativas. (Denaldi, 2003: p. 88)

A partir da 1997, a gestão passou a ser do Partido Socialista Brasileiro - PSB, e, no entanto, a participação da Prefeitura passa a não ser tão cuidadosa quanto deveria, o que explica a maioria das falhas do instrumento. A delimitação das AEIS 1 no zoneamento de Diadema a princípio desencadeou a queda no preço dos imóveis localizados em área especial e valorização dos imóveis em zona industrial. Houve, portanto, aumento da oferta de terrenos para EHIS e retração da oferta de terrenos para instalação de indústrias.

Como resultado final, com a utilização apenas da dotação orçamentária municipal, foram realizadas

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intervenções em 78 núcleos de favelas, num universo de 200 existentes. Desses, apenas 2 empreendimentos tiveram a CDRU registradas em cartório. Sendo que nenhum teve seu parcelamento regularizado, pois, muitas vezes existia a incompatibilidade prevista com a Lei estadual de Proteção aos Mananciais. Dessa forma, os núcleos urbanizados não fazem parte da cidade do ponto de vista jurídico. A Prefeitura encontrou grandes dificuldades para efetivar a cobrança do IPTU, pois é a ainda proprietária dos terrenos, uma vez que as famílias não tiveram posse. Além disso, a faixa de renda familiar atendida pelas AEIS 1 foi predominantemente de 5 a 10 salários mínimos, ou seja, não atingiram a faixa da população mais carente. (Denaldi, 2003)

3.3 SANTO ANDRÉ

No ano de 1989, com a vitória do Partido dos Trabalhadores, foram elaboradas e implementadas as primeiras políticas urbanas municipais que buscaram democratizar o acesso à cidade. Em 1991, é instituída a Lei no 6.864 que cria as Áreas de Especial Interesse Social – AEIS com objetivo de viabilizar a urbanização e regularização das favelas, por meio da ampliação da oferta de habitação social e da redução dos preços dos terrenos. (Denaldi, 2003: p. 135)

Trata-se da consolidação de um “receituário” de planejamento urbano e arcabouço jurídico, que se repete em cidades administradas por partidos de esquerda. Tais propostas envolvem de alguma forma a ampliação da participação popular no direcionamento dos recursos públicos, instituir novas prioridades de investimentos focados para as parcelas mais carentes da população e a busca pela promoção de regularização fundiária e ampliação da promoção de moradia social. (Denaldi, 2003: p. 135)

Entre 1989 e 1992, a Prefeitura elaborou um novo Plano Diretor (Lei Municipal no 7.333/1995) que só foi aprovado na gestão seguinte. O Plano reafirma a instituição das Áreas de Especial Interesse Social – AEIS e articula o instrumento com outros instrumentos urbanísticos como a outorga da Concessão de Direito real de Uso – CDRU e de aparatos legais como a criação do Conselho Municipal de Habitação e do Fundo Municipal de Habitação. Além disso, a ação não se restringiu à instituição dos novos aparatos legais, tendo sido criados programas de intervenção em favelas como “Urbanização Integral” e “Pré-Urb”.

Logo após a instituição das AEIS, é iniciado o processo de constituição da Comissão Municipal de Urbanização e Legalização – COMUL, composta por representantes do governo municipal e por moradores. Esta Comissão é responsável pela elaboração do Plano de Urbanização, que, por sua vez, estabelece o parcelamento e ocupação do solo e a necessidade de execução de obras na área, assim como da intervenção de outros programas. (Denaldi, 2003: p. 175)

No final no processo, no caso dos terrenos públicos, a administração outorga a cada família o Termo de Concessão de Direito Real de Uso – CDRU, que é feito mediante pagamento mensal de valor proporcional ao lote. Em seguida, os termos são encaminhados para averbação em cartório. No caso de ocupação sobre propriedade privada, a Prefeitura oferece assistência jurídica necessária à obtenção do título de propriedade, que se faz mediante negociação direta das famílias com o proprietário. Segundo Denaldi, na primeira gestão municipal, foram realizadas urbanizações de 17 núcleos de favela, mas não se concluiu nenhuma regularização fundiária. Os avanços ficaram restritos ao estabelecimento de normas regulamentadoras.

O Partido dos Trabalhadores vence novamente as eleições apenas em 1997. Neste período são estabelecidos programas chaves para o desenvolvimento urbano mais democrático, como, por exemplo, o Programa Integrado de Inclusão Social – PIIS, que é destinado ao atendimento de núcleos de favela em processo de urbanização, através da integração de diversos programas setoriais (habitação, saúde, educação, geração de renda, entre outros). O desenvolvimento do programa é financiado por recursos do orçamento municipal, estadual e federal, além de receber apoio financeiro dos órgãos internacionais.

Até 2002, não tinha sido concluída a urbanização de nenhuma favela no âmbito do Programa. Tal fato é justificado, segundo Denaldi, por diversos fatores, como o atraso no repasse dos recursos internacionais e a diminuição da capacidade de investimentos municipais, associados à complexidade e o alto custo das intervenções. (Denaldi, 2003: p. 155) “A experiência adquirida no período permite prever que será muito difícil ampliar o desenvolvimento do programa para o conjunto de favelas da cidade”, pois exigirá uma dimensão atualmente inalcançável pelos recursos municipais. (Denaldi,

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2003: p. 158) No entanto, a autora observa que a “eficácia dos programas sociais tende a ser maior nas áreas cobertas pelo PIIS”, pelos benefícios decorrentes da articulação entre os mesmos.

No caso das Áreas de Proteção aos Mananciais, a Prefeitura de Santo André vem procurando encontrar alternativas para intervir nos assentamentos no âmbito do Projeto Gerenciamento Participativo das Áreas de Mananciais de Santo André - GEPAM desenvolvido em parceria com Centro de Assentamentos Humanos da Universidade de British Columbia, por meio de um convênio de cooperação técnica entre o Brasil e o Canadá. (Bueno, 2004: p. 10)

Foi desenvolvida uma metodologia para projeto participativo que buscou, nas etapas de realização do diagnóstico, alavancar o processo de monitoramento das intervenções. De modo geral esta metodologia era baseada em dois eixos:

- Diagnóstico Rápido Urbano Participativo – DRUP14

- Monitoramento Participativo Pós Obra – “Pós-Obra”15

Estes instrumentos têm permitido a participação e o diálogo com a população de baixa-renda, onde o projeto de urbanização está sendo desenvolvido; processo em que participam não só as lideranças e grupos organizados, mas a maioria dos moradores, incluindo jovens e crianças. Seu desenvolvimento consiste nas seguintes etapas de implantação:

- Definição dos indicadores de qualidade baseados nos padrões: de estrutura, processo e resultado;

- Capacitação dos ‘observadores’ (moradores);

- Aplicação da Pesquisa de Observação de Qualidade;

- Avaliação dos resultados (observadores, concessionárias, governo municipal e moradores);

- Monitoramento pelos observadores e Governo Municipal (Bueno, 2004: p. 48)

De modo geral, os observadores foram constituídos pelos próprios moradores que receberam um treinamento especial para se tornarem avaliadores. Os resultados foram discutidos em um fórum do qual fizeram parte os observadores, moradores e a equipe técnica da Prefeitura, e foram encaminhados para as instituições competentes.

“O processo de implantação do projeto promoveu a sensibilização e capacitação dos moradores para avaliar e monitorar a qualidade dos serviços prestados de infra-estrutura. Os moradores também foram informados sobre a que instituição competia a responsabilidade de manter os serviços urbanos executados, inclusive informando sobre a atribuição de departamentos internos estas, de modo a não criar dependência do envolvimento direto do ‘técnico da habitação’ ou, ao contrário, criar uma ponte direta entre os moradores e as instituições ou departamentos prestadores de serviços como acontece no restante da cidade formal”. (Bueno, 2004: p. 48 e 49)

A partir desse processo, o governo municipal mantém um contínuo aprimoramento das ações, reavaliando sua atuação para elevar a qualidade dos serviços de urbanização executados na cidade. “Os observadores da população não foram tratados como fontes de informação, mas como protagonistas da gestão dos resultados”. (Denaldi, 2003: p. 175)

3.4 SÃO PAULO16

O Programa Morar no Centro, desenvolvido pela Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano – SEHAB da Prefeitura de São Paulo, foi promovido pela segunda gestão (2001–2004) do Partido dos Trabalhadores no município. O Programa tinha como objetivo a reabilitação da região central em diferentes aspectos, incluindo o resgate histórico e arquitetônico, através de um viés de inclusão social, com o objetivo de melhorar as condições de vida de quem já reside na área e atrair novos moradores para a região que dispõe de infra-estrutura, como saneamento, transporte, grande concentração de emprego, entre outros aspectos.

Este programa teve origem na proposta de política de desenvolvimento urbano para o centro da cidade de São Paulo, que foi elaborada e entregue pelos movimentos por moradia do centro em conjunto com as ‘Assessorias Técnicas’ no âmbito do Programa, então conhecido como, “Morar Perto”.

Uma das formas de intervenção deste Programa é a atuação em Perímetros de Reabilitação Integrada

14 O DRUP é uma metodologia desenvolvida pela Sociedade Alemã de Cooperação Técnica – GTZ (Deutsche Gesellschaft fur Techniche Zusammenarbeit). (Bueno, 2004: p. 47)

15 Para a concepção do “Pós-Obra”, a “Prefeitura contou, para a metodologia, com o apoio da CERFE – Centro di Ricerca e Documentazione Febbraio 71 – e da Unidade de Gestão do Programa APD financiado pela Comunidade Européia”. (Bueno, 2004: p. 48)

16 Informações obtidas em “Programa Morar no Centro”. Publicação da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano – SEHAB da Prefeitura do Município de São Paulo: maio de 2004; em cartilhas e folders elaborados no Programa PRIH e no texto “Perímetro de Reabilitação Integrada Do Habitat – PRIH: uma experiência de intervenção nas áreas centrais”, enviado pela equipe do Escritório Antena PRIH Luz para o encontro da ANPUR 2005.

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do Habitat – PRIH que se constitui numa nova forma de gestão urbana integrada das áreas centrais. Baseia-se na instalação de Escritórios Antena em territórios delimitados a partir de levantamentos e pesquisas desenvolvidas previamente, em parceria com os movimentos de moradia e as assessorias técnicas, através da identificação de problemáticas e potencialidades urbanas e sociais.

A reabilitação urbana e integrada dessas áreas de intervenção visava a melhoria da qualidade de vida dos moradores e usuários por meio da atuação articulada de produção habitacional, melhoria das condições de habitabilidade de cortiços e reabilitação do patrimônio existente. Objetivos estes a serem alcançados a partir da valorização das potencialidades endógenas, da melhoria ambiental, da construção de identidades coletivas, da inclusão urbana de segmentos de população mais vulneráveis e de baixa renda e do fortalecimento dos atores sociais com a finalidade de reverter o processo de periferização não voluntária da população, a partir da realidade específica do território para o processo de transformação e de desenvolvimento dos Perímetros.

A implementação de Escritórios Antena no âmbito local foi fundamentada na necessidade de estruturação de um diálogo direto com a população para que houvesse uma efetiva apropriação desta “referência territorial”, como instrumento democrático de interlocução, de interpretação e de participação direta, tanto nas fases de identificação das necessidades e demandas, quanto nas fases propositivas do planejamento.

O Escritório Antena, enquanto suporte técnico local, é constituído de uma equipe fixa operacional de profissionais interdisciplinares, com o objetivo de elaborar o Diagnóstico Participativo e o Plano Integrado de Intervenções - PII, concomitante a um processo de articulação e mobilização social dos diferentes atores atuantes no perímetro, visando a constituição do Comitê de Reabilitação do Perímetro, como forma de garantir os futuros processos auto-sustentáveis e de autodeterminação das ações.

O Comitê de Reabilitação é a instância reconhecida oficialmente, instituída por decreto municipal, composto por membros da sociedade civil - moradores, comerciantes, prestadores de serviços e entidades – e do poder público, com o objetivo de detalhar, monitorar e fiscalizar a implementação do Plano Integrado de Intervenções - PII, dando continuidade ao processo de Reabilitação, uma vez terminado o período planejado de atuação do Escritório Antena.

Esquema da gestão urbana implementada pelo PRIH: articulação entre a realidade do território e a demanda da população local pra a construção do Plano Integrado de Intervenções, que está diretamente vinculado ao Comitê de Reabilitação.

O mapa mostra a relação da demarcação das ZEIS com a delimitação dos Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat - PRIHs. Os perímetros resultantes da segunda etapa de levantamento foram indicados como ZEIS nos Planos Diretores Regionais.

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O Plano Integrado de Intervenções - PII corresponde ao conjunto de ações e projetos, definidos por meio de dinâmicas participativas baseadas na construção comunitária da demanda e das necessidades da população e dos agentes locais (moradores, comerciantes, instituições públicas e privadas com sede no bairro).

Além de intervenções no espaço físico, o Plano articula componentes de âmbito social, cultural, econômico e projetos de reconstrução do tecido social e urbano local, visando à reabilitação integrada do perímetro e à melhoria da qualidade de vida dos moradores e trabalhadores locais.

De modo geral, o Plano é constituído por três componentes:

- Plano de Melhoria Ambiental

Projetos relativos à melhoria do espaço público, garantindo a sua acessibilidade, com a finalidade de requalificação do tecido urbano (calçadas, áreas livres, mobiliário urbano, paisagismo), de reabilitação do patrimônio arquitetônico e histórico existente e de melhoria de infra-estrutura existente.

- Projeto de Construção Social

Projeto de ações sócio-culturais que prevê a implementação de uma Escola Experimental de Cidadania, Gestão e Planejamento Urbano e um Programa de Vivência e Gestão Participativa, bem como a implementação de equipamentos para atender à demanda local.

- Programa Habitacional

Projetos de investimentos a serem viabilizados pela Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano - SEHAB para produção de unidades habitacionais a partir da construção de novos empreendimentos, reforma de imóveis existentes e intervenções visando melhorias em imóveis

O mapa do Plano Integrado de Intervenções mostra a iniciativa de integração de intervenções de diversos setores num mesmo território de forma a alcançar a reabilitação urbana de modo mais eficiente.

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encortiçados.

No período de implantação deste programa, encontrava-se em andamento o debate em torno da elaboração do Plano Diretor Estratégico do Município17, em que, pela primeira vez na cidade de São Paulo, buscava-se incorporar a participação ativa da população. Neste processo, o PRIH foi associado à demarcação das ZEIS 318 – Zonas Especiais de Interesse Social na área central, um importante instrumento de reforma urbana que busca incentivar e induzir a produção de unidades habitacionais de interesse social (HIS). Nessas áreas está prevista a aplicação dos instrumentos instituídos no Estatuto da Cidade, lei federal que garante que a propriedade fundiária cumpra sua função social, ou seja, exige que os terrenos e edifícios vazios ou subutilizados tenham utilização compulsória para a produção de habitação social em parte da área construída.

Ao final de 2002, a partir dos relatórios de caracterização urbana e habitacional, da demarcação dos seis Perímetros iniciais19 e da elaboração das diretrizes preliminares para reabilitação integrada de cada Perímetro, foi possível iniciar a implementação dessa nova modalidade de gestão urbana. O primeiro perímetro a ser implementado foi o PRIH do bairro da Luz, com a operacionalização do Escritório Antena.

Formatou-se uma metodologia de trabalho composta por três etapas. A primeira etapa seria definida por um processo de comunicação social e territorial – estabelecimento de canais de troca e de diálogo que fundamentaram as relações e os papéis entre as instâncias do poder público e a comunidade local no processo de reabilitação – complementada pelos levantamentos físicos e ambientais, quantitativos e qualitativos que constituiriam um quadro da realidade local como base para a criação de novas relações territoriais para a reabilitação.

A segunda etapa seria caracterizada por uma série de atividades de mobilização social que visavam à construção de instâncias participativas – propiciando o envolvimento dos segmentos sociais e fomentando a apropriação das discussões coletivas – e pela elaboração de estudos de viabilidade habitacional e de melhoria ambiental, definindo democraticamente as diretrizes para um Plano Integrado de Reabilitação. Por fim, a terceira etapa seria de concretização e realização dos projetos e ações previamente definidos no Plano para a reabilitação do perímetro.

As três etapas da metodologia são interligadas por alguns princípios básicos, entre eles, a participação como condição de eficácia dos processos de decisão, e a busca de soluções sustentáveis, resultantes da valorização dos saberes dos diferentes atores envolvidos. As metodologias também ressaltavam o efeito multiplicador dos canais de comunicação e da democratização do conhecimento técnico necessário para o desenvolvimento local do perímetro. Esses preceitos contribuiriam para a formação de cidadãos participantes e ativos na busca da melhoria da própria vida e do meio urbano em que vivem.

O Plano Integrado de Intervenções – PII do PRIH Luz foi construído de forma participativa com os diferentes atores do Perímetro, por meio de oficinas com vistas à elaboração coletiva do diagnóstico da área e do plano de intervenção, que ocorreu paralelamente ao processo de articulação e mobilização social dos diferentes atores atuantes no perímetro.

Paralelamente, foram consolidadas instâncias participativas no PRIH Luz, como o Fórum de Entidades do PRIH Luz e de representantes da Subprefeitura Sé, o Comitê de Reabilitação do PRIH Luz e a Comissão de Moradores de Cortiço. Por meio do Comitê de Reabilitação, o Escritório Antena formaliza o seu papel de valorizar, interligar e coordenar os representantes locais e do poder público, gerenciando os conflitos e os acordos em busca de propostas para uma melhoria urbana sustentável. É importante ressaltar que a atuação do Escritório Antena estava prevista para um período de dois anos, depois de deixar as instâncias participativas estruturadas, apropriadas pela comunidade e reconhecidas pelos órgãos públicos de competência.

A partir das propostas levantadas, técnicos da SEHAB / PMSP, com a colaboração da Subprefeitura Sé e de empresas e ONGs contratadas, foram desenvolvidos os projetos básicos e elaborada uma previsão orçamentária com vistas à solicitação de um financiamento junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A soma dos orçamentos de cada ação e projeto preliminar contido no PII define o recurso total para a reabilitação integrada do Perímetro comprometido no financiamento do BID.

Até o presente momento, após mais de dois anos de atuação do Escritório Antena PRIH Luz, foram realizados poucos avanços no aprofundamento e desenvolvimento das ações e projetos previstos no

18 Em São Paulo a delimitação das ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social foi efetivada segundo 4 tipos diferentes, entre eles a ZEIS 3. Segundo Decreto municipal de ZEIS nº 44.667/2004, a ZEIS 3 constitui “área com predominância de terrenos ou edificações subutilizadas, situada em área dotada de infra-estrutura, serviços urbanos e oferta de empregos, ou que esteja recebendo investimentos dessa natureza, em que haja interesse público na promoção e manutenção de HIS e HMP e na melhoria das condições habitacionais da população moradora, incluindo equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviço e comércio de caráter local. (Lei Municipal no 13.430/2002)

19 Posteriormente foram demarcados mais quatro perímetros a partir da mesma metodologia descrita acima, resultando num total de 10 Perímetros demarcados na área central da cidade de São Paulo.

17 O Plano Diretor do Município foi aprovado em agosto de 2002 pela Câmara Municipal. (Lei Municipal no 13.430/2002)

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Plano Integrado de Intervenções – PII. Embora a sua institucionalização como um programa público municipal aponte um relativo sucesso, os limites e conflitos que permearam esse processo não foram poucos.

O PRIH representou uma experiência de gestão urbana de áreas centrais que merece uma análise cuidadosa. Como uma experiência que buscou institucionalizar, também sob forma de metodologia de atuação, esta forma de gestão urbana apresenta inovações consideráveis. O contato com a realidade do território de forma a envolver a participação social efetiva alimentou a transformação do poder público, cuja estrutura não estava preparada para a implementação do Programa. Alimentou também a transformação da própria população, buscando seu fortalecimento e sua participação efetiva. Nesse sentido, a atuação do Escritório Antena PRIH Luz teve o sentido de levantar expectativas da população ao invés de abafá-las.

Merece especial atenção a análise do papel atribuído ao PRIH pela gestão municipal. Apesar de ter-se construído com base nas reivindicações dos movimentos sociais, das assessorias técnicas, na vontade e empenho de profissionais da gestão municipal, a conjuntura de pressão social que impulsionou a sua implementação como programa público, não o habilitou como prioritário para a gestão. Com este quadro, o Escritório Antena acabou assumindo um papel – também importante – de disputar recursos para o Programa PRIH (e conseqüentemente para a ZEIS 3) dentro da própria Prefeitura.

Trata-se de uma importante referência de articulação entre a aprovação de normas legais que buscam ampliar o direito à cidade articulada à instituição de programas públicos para a efetivação de uma política urbana publicamente constituída. No entanto, não se pode deixar de considerar que o PRIH Luz na cidade de São Paulo foi (e ainda é) uma experiência pontual cuja possibilidade de ampliação está associada à mudança da histórica forma de atuação do poder público. Trata-se de um início de debate em torno da implementação das ZEIS e dos novos marcos legais que buscam garantir o direito à cidade: Estatuto da Cidade e Plano Diretor.

3.5 AVALIAÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS

Até a década de 1980, a erradicação foi a principal linha de atuação do poder público em favelas. Esta estratégia condizia principalmente com a desocupação de determinadas áreas valorizadas, seguindo os interesses do setor imobiliário, de “limpeza urbana”. (Denaldi, 2003: p. 196) Tornaram-se relativamente conhecidos os impactos negativos dos programas de remoção de favelas, mediante a transferência da população para conjuntos habitacionais localizados na periferia, apesar de ainda praticados por muitas gestões públicas. Além disso, não foram raros os casos em que a maior parte da população removida acabou formando novas favelas nas periferias das cidades.

O início da construção institucional das políticas de urbanização de favelas ocorreu em meados da década de 1980, período de abertura política e de grande mobilização social, quando o tema do acesso à terra urbana tornou-se uma das mais importantes reivindicações dos movimentos sociais. Os governos mais progressistas passaram então a adotar práticas de consolidação e urbanização das favelas, respeitando a tipicidade de ocupação, com a realização de melhorias na própria área, como alternativa de intervenção.

Segundo Denaldi, os municípios de Recife e Diadema foram os pioneiros no estabelecimento de legislação municipal visando promover a urbanização e a regularização de favelas. As legislações de parcelamento e uso do solo passam a reconhecer a existência das favelas e a prever sua consolidação mediante adoção de padrões urbanísticos diferenciados dos aplicados à cidade formal, inclusive por meio da demarcação das Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS ou das Áreas de Especial Interesse Social - AEIS nos respectivos Planos Diretores ou Leis de Uso e Ocupação do Solo. Foi o que ocorreu em Recife, Diadema, Santo André e em São Paulo, como relatado nas experiências.

No início, a intervenção em favelas era caracterizada pela “ação emergencial destinada promover, em algum grau, a melhoria das condições de infra-estrutura, com projetos quase sempre executados in loco e que se atêm, na grande maioria dos casos, aos limites do território ocupado pela favela”. (Denaldi, 2003: p. 196)

A adoção da urbanização como política urbana como era justificada pelo menor custo envolvido na urbanização em relação à produção de novas moradias, uma vez constatada a evidente limitação financeira da população moradora. Além disso, tratava-se de reconhecer os investimentos já realizados pelos moradores nas suas próprias moradias. A ação do poder público se concentrava no

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reconhecimento da posse e na garantia dos direitos sociais mínimos, como o acesso ao saneamento.

Neste período, os primeiros governos que trabalharam com a urbanização de favelas, geralmente da esfera municipal de gestões de partidos de esquerda, não priorizaram a elaboração de projetos e planos urbanísticos para a realização das intervenções: buscavam, de alguma forma, com seus próprios recursos, implementar políticas sociais alternativas para a parcela da população mais necessitada. Para Denaldi, “a falta de projetos e diagnósticos completos contribuiu para que se consolidassem situações inadequadas de habitação e dificultou o dimensionamento de investimentos. Muitas urbanizações acabaram por agravar problemas ambientais”. (Denaldi, 2003: p. 191)

Segundo a autora, na década de 1990, a urbanização de favelas deixa de ser promovida por meio de “programas alternativos” de algumas Prefeituras e passa a ser objeto central de política habitacional de vários municípios e até dos governos estaduais e federais.

Neste período, o projeto (ou plano) da urbanização passa a ser valorizado, o que significa um grande salto na qualidade da intervenção. Denaldi justifica tal mudança também por representar um requisito importante para atendimento das exigências impostas para o acesso a fundos dos programas federais e de financiamentos externos como Habitar Brasil e Habitar Brasil – BID. (Denaldi, 2003: p. 192) Além disso, a existência de planos de urbanização e projetos executivos passou a garantir que intervenções pontuais ou a urbanização gradativa do núcleo fossem orientadas por um plano global integrado de intervenção. As intervenções passaram a ter cada vez mais o entendimento de que o projeto e a intervenção não devem se deter aos limites da favela, que não deve ser tratada como unidade isolada. A associação da urbanização da área com políticas mais amplas passou a ser necessária, orientando as intervenções na direção da integração das favelas à cidade. Dessa forma, passou-se a unificar a abordagem das questões sócio-econômicas, ambientais e urbanísticas. (Denaldi, 2003: p. 191)

Como resultado do processo, até o presente momento, observa-se que, “embora sejam relevantes os resultados alcançados na melhoria das condições de vida, principalmente no tocante aos aspectos de saneamento e saúde, as intervenções não alcançaram a abrangência necessária ou nem sempre promovem a integração da favela à cidade e o acesso da população a uma moradia adequada”. (Denaldi, 2002: p. 194)

Os casos que obtiveram abrangência mais relevante foram, em sua maioria, proporcionados por financiamentos internacionais, ou então pela redução drástica dos parâmetros de urbanização, de forma a diminuir o número de remoções, mesmo que não garantindo condições de moradia adequada. Trata-se de uma das estratégias para alcançar a regularização urbanística. Dessa forma, a maioria das intervenções acaba promovendo a “urbanização possível”. (Denaldi, 2003: p. 195)

Promover a urbanização de favelas, mesmo com a adoção de padrões urbanísticos mínimos, implica um percentual menor de remoção e reassentamento, e implica na diminuição do custo de urbanização e num impacto social menor, além de representar um instrumento de regularização urbanística de uma tipologia de assentamento humano muito aquém do instituído pelas normas vigentes. No entanto, essa medida pode chegar, muitas vezes, à definição de “padrões mínimos muito exagerados”. (Denaldi, 2003) Parece ser necessário o retorno da discussão sobre os padrões mínimos, caso a caso, e a ampliação do debate em torno da concepção de regularização fundiária. Pois, na maior parte dos casos não bastará a redução dos padrões de parcelamento e edificação, ou não será alcançado o acesso a uma moradia digna.

Mesmo antes da aprovação do Estatuto da Cidade, muitos municípios tinham estabelecido instrumentos para a regularização fundiária, como as ZEIS e a CDRU, e, desde o início da década de 1980, os municípios criaram padrões urbanísticos especiais de parcelamento, assim como modelos participativos de gestão. No entanto, “o aprimoramento deste referencial de regulamentação urbanística não foi acompanhado pela instituição de outros mecanismos e instrumentos que efetivamente interferissem no mercado e terras, para ampliar sua oferta e conter sua valorização”. (Denaldi, 2003: p. 196)

A abrangência do atendimento e da qualidade que dela resulta na urbanização e na habitação dependem, entre outros fatores, da produção e financiamento de novas moradias para a população de favelas e da construção, na prática, de um planejamento e gestão urbana inclusiva. (Denaldi, 2003: p. 195) Para isso, é necessário alterar a lógica de formação da cidade ilegal. Nesse sentido, embora só recentemente o Estatuto da Cidade tenha sido aprovado, muito pouco se avançou nesta direção.

Por outro lado, as administrações municipais estudadas apontam experiências interessantes de

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associação de programas de gestão urbana aos instrumentos urbanísticos instituídos por Lei, como é o caso das ZEIS e AEIS. Programas como o Programa Integrado de Inclusão Social – PIIS da Prefeitura de Santo André ou o Programa de Reabilitação Integrada do Habitat – PRIH da Prefeitura de São Paulo apresentam inovações de gestão no campo da política urbana. A instituição de Escritórios Locais, com o objetivo de consolidar um novo diálogo entre o poder público e a população no direcionamento dos recursos públicos para cada “perímetro”, pode acarretar em novos desdobramentos quando criados em área de proteção aos mananciais.

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A análise das possibilidades de urbanização, regularização fundiária e de gestão urbana apresentada neste trabalho foi realizada para uma área específica da cidade de São Paulo, inserida no perímetro de proteção aos mananciais. O presente estudo permitiu a elaboração de reflexões sobre as delimitações que envolvem as diferentes políticas urbanas e a formulação de propostas de aplicação das novas Leis.

Basicamente, o trabalho foi desenvolvido de acordo com as seguintes etapas:

1. Diagnóstico

Constitui uma etapa necessária de conhecimento físico, social e político do território para a formulação das propostas de forma adequada à realidade local. Dados relativos às características físico-ambientais e legislação específica, dentre outros, foram levantados na literatura e por meio de atividades campo e de entrevistas e conversas com a população moradora.

Estas diferentes abordagens objetivaram prioritariamente obtenção de informações como: história da ocupação da área, condições da infra-estrutura urbana, características sócio-econômicas, das habitações, iniciativas de geração de renda, organização da população, identificação das centralidades locais, legislação vigente, entre outros aspectos.

3. Proposta de política urbana para as ZEIS em área de proteção aos mananciais

Nesta etapa foram problematizados os conflitos que envolvem o casamento entre o Plano da micro-bacia hidrográfica (gestão dos recursos hídricos) e os Planos de Urbanização das ZEIS, ressaltando as especificidades das áreas ambientalmente protegidas na formulação da política da ZEIS. Esta etapa foi concluída com a definição do perímetro da ZEIS que será estudado de forma mais aprofundada.

4. Diretrizes para intervenção

A partir das problematizações realizadas na etapa do diagnóstico, foram elaboradas propostas de urbanização da área de acordo com diferentes níveis de intervenção, que acarretam em diferentes demandas por recursos públicos. A relevância desta etapa reside na análise da ponderação dessas alternativas de forma a identificar os conflitos políticos, econômicos, sociais e ambientais que envolvem a “tomada da decisão”.

Esta proposta segue, de alguma forma, a metodologia elaborada pela equipe do IPT coordenada por Moretti (2002) através da pesquisa “Procedimentos para tomada de decisão em programas de urbanização de favelas” na qual foram propostas três etapas de análise. A primeira consiste no “Diagnóstico da situação inicial da favela” em que são identificados os elementos, contendo informações sobre riscos geotécnicos e inundações, características do sistema viário existente, magnitude e distribuição da densidade e ocupação e legislação incidente sobre a área, para a formulação e comparação de alternativas.

A segunda etapa consiste na “Elaboração de alternativas de intervenção” referentes às exigências dos critérios do diagnóstico, que abrangem desde a “intervenção mínima” (implantação de rede de água e de esgoto, a acessibilidade a todas as moradias e a recuperação das áreas de risco), e incorporando novos parâmetros (requalificação do sistema viário, adequação da densidade de ocupação do núcleo, atendimento das restrições legais) até a formulação do que seria a intervenção máxima que corresponderia ao reordenamento físico do núcleo, com demolição de toda a estrutura existente e nova construção.

A terceira etapa consiste na “Análise comparativa das alternativas de intervenção” em que são realizados cálculos de custos estimados para cada alternativa de intervenção, analisados ganhos qualitativos em relação a cada proposta, associado ao número de remoções necessárias, avaliando cuidadosamente as implicações sociais, físicas e financeiras de um programa de urbanização de assentamentos humanos precários.

6. Possibilidades de regularização

Nesta etapa, foram feitas reflexões sobre a regularização urbanística e fundiária, assim como o

4. METODOLOGIA

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levantamento de alternativas legais para cada uma delas, envolvendo o ponderamento do significado político da regularização no contexto físico, social e político atual.

7. Plano de Urbanização da ZEIS

Foram propostos objetivos e componentes que deverão ser contemplados em um Plano de Urbanização em área de proteção aos mananciais. A partir da definição das diretrizes de intervenção foram elaboradas propostas para o Sítio Arizona de projetos que devem envolver o Plano de Urbanização da ZEIS, associando-o à propostas de regularização fundiária e de gestão urbana.

8. Gestão urbana

Foram feitas reflexões sobre as possibilidades de gestão urbana, com base nas experiências de referência e elencadas propostas para a gestão das ZEIS em área de proteção aos mananciais.

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Para a realização do estudo foi escolhida a ocupação do Sítio Arizona, imóvel rural, com 470.503 m2 ou 47,05 ha de área, que envolve as favelas Bananal I e II, Vila Nova Cidade e loteamento clandestino Vila do Sol, localizada no sul do distrito de Jardim Ângela, na Subprefeitura de M’Boi Mirim. Trata-se de uma primeira identificação de localização que deverá trazer reflexões sobre as delimitações da área de estudo, de forma a buscar formas de associação entre os perímetros da micro-bacia, das ZEIS, das favelas e loteamentos.

Esta área foi escolhida principalmente por apresentar grande concentração de estudos e levantamentos já realizados. O distrito do Jardim Ângela, juntamente com os distritos Cidade Tiradentes e Brasilândia, foi objeto de estudos e projetos do Programa Bairro Legal, realizado em 2003, pela Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano – SEHAB da Prefeitura de São Paulo. Neste projeto o Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos - LABHAB FAU USP foi responsável pela elaboração da metodologia de análise, além de realizar o trabalho sobre o Jardim Ângela.

O LABHAB realizou também o Plano Diretor Regional da Subprefeitura de M’Boi Mirim, em 2003, de forma participativa, por meio de reuniões com os diversos atores da área, buscando incorporar e associar, nos debates, as reivindicações dos moradores e trabalhadores locais com a importância da aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade, de forma a alavancar um processo mais amplo de luta para a sua implementação e melhoria da área.

O LABHAB desenvolveu ainda, na Subprefeitura de M’Boi Mirim, o “Curso de Capacitação em Desenvolvimento de Projetos Urbanos de Interesse Social”, em 2004, implementado em parceria com a Subprefeitura de M’Boi Mirim e a SEHAB / PMSP, como resultado da elaboração do Material Didático para a SEHAB. Neste Curso, a autora do presente trabalho atuou na coordenação do Grupo de Trabalho sobre a ZEIS, que buscou, em local escolhido pelo grupo, avaliar as possibilidades de intervenção e regularização por meio da implementação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e no Projeto de Lei Específica da bacia hidrográfica Cotia-Guarapiranga, de forma a elaborar diretrizes para a urbanização da área.

Deste grupo, participava o presidente da Associação de Moradores da Vila Nova Cidade, que indicou a ocupação em que reside, juntamente com a micro-bacia em que está inserida, como objeto de estudo, proposta que foi adotada pelo Grupo. Dessa forma, este trabalho final de graduação busca contribuir com novas reflexões quanto às possibilidades de desenhos de políticas urbanas para área de proteção aos mananciais, com o intuito de alcançar resultados e críticas mais aprofundados.

5. DEFINIÇÃO DO LOCAL

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Centro do Jardim Ângela

Início do “fundão” do Jardim Ângela

Sítio Arizona

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6.1 A HISTÓRIA DA OCUPAÇÃO DO SÍTO ARIZONA

No período em que as margens da represa eram esparsamente ocupadas por chácaras, as ligações de Santo Amaro com Itapecerica da Serra e Embu eram feitas por antigos caminhos rurais: as “estradas” Itapecerica, M’Boi Mirim (Embu-Guaçu). A região do Sítio Arizona era conhecida por bairro Embu-Mirim, ou M’Boy Mirim, e era também praticamente toda ocupada por chácaras.

O sítio era anteriormente conhecido por “Sítio Areião” ou “Chácara Ibicuara”, e recebeu o nome de “Arizona” pelos últimos proprietários, Antônio Lauro Teixeira e Joaquim Simões, em 1963. Nele, conforme conversa com Madalena Maria da Silva, antiga empregada da casa principal e moradora da área até hoje, só existia a casa principal, a cocheira, o pesqueiro, a olaria e a carvoaria, sendo o restante da área era ocupada por vegetação.

A partir da segunda metade do século XX, com o crescimento explosivo da população urbana, a região passou a fazer parte do eixo privilegiado de crescimento da capital em virtude da construção das vias marginais e de todo o parque industrial na zona sul da cidade de São Paulo e de cidades vizinhas. Tais investimentos nesta área da cidade provocaram fluxo cada vez maior de moradores para a região da Guarapiranga e da Billings. A região de M’Boy Mirim passou a fazer parte da imensa periferia constituída prioritariamente pela população de mais baixa renda. Neste período, as altas taxas de crescimento do distrito do Jardim Ângela, que se intensificou em meados da década de 80 e 90, contrastam com as dos distritos centrais, que vêm registrando perda de população.

As antigas estradas, então diversas vezes duplicadas, foram adensadas e a passaram servir de acesso a uma série de loteamentos que se instalariam nas suas margens e até hoje representam os acessos mais importantes dessa região, ao receber centenas de linhas de ônibus e um fluxo excessivo de veículos. No entanto, apesar de proporcionar alguma ligação do distrito com outras áreas da cidade, a ausência de uma malha viária articulada acarretou em impactos negativos sobre a acessibilidade no distrito.

“A configuração urbana da região que cerca a estrada M’Boi Mirim é uma amostra típica de falta de planejamento para regiões periféricas da capital. Simplesmente foi-se deixando adensar as margens da via, que passou a ser o eixo de uma espinha de peixe de grandes proporções, em que um grande número de loteamentos surge sem conexão entre eles, todos ligados somente à M’Boi Mirim. Essa configuração domina a paisagem atual da região, em que a falta de conexão viária entre os bairros satura a M’Boi Mirim. A falta de uma estrutura urbana minimamente planejada e a ocupação desordenada por favelas entre os loteamentos clandestinos, muitas vezes em encostas íngremes e sobre solo pouco resistente, define a paisagem atual do Jardim Ângela”. (LABHAB, 2003: p. 44 e 45)

As antigas estradas acabaram servindo para o transporte intra-urbano de passageiros, e, ao representar a existência de alguma acessibilidade dos moradores para as áreas mais centrais, justifica a utilização dessa região como dormitório. O assentamento concentrado da população de mais baixa renda nesta área da cidade distante dos centros de comércio e serviços e sem nenhuma infra-estrutura urbana expressa o acirramento do processo de segregação sócio-espacial e de espoliação urbana na cidade de São Paulo. Trata-se da típica expansão da periferia urbana no Brasil.

A grande ocupação do Sítio Arizona teve início, em 1989, com realização do loteamento clandestino “Vila do Sol” realizado pela “Jardim Vila do Sol Empreendimentos Imobiliários S/A LTDA”, parece que, coordenada pelo próprio proprietário. De acordo com o depoimento da moradora Solange, o vendedor Antônio Lauro Teixeira Filho, ao realizar as vendas, já alertava os moradores da ausência de realização de qualquer tipo de “benfeitoria”, ou seja, da infra-estrutura necessária para instalação adequada das famílias, ao justificar que tais obras não poderiam ser realizadas por contrariar a “lei de imóvel rural”.

Segundo a moradora, o proprietário tinha aberto processo na Prefeitura para a venda de uma área maior do que a que estava sendo loteada, supostamente, de forma a respeitar a Lei de Proteção aos Mananciais. Mas, na verdade, eram vendidos pequenos lotes irregulares e sem infra-estrutura. Para Solange, “Toninho enganou a Prefeitura e os compradores de lotes na Vila do Sol”.

Na época, o loteamento clandestino Vila do Sol foi quase totalmente vendido, inclusive para famílias

6. DIAGNÓSTICO

Mapa de Aroldo de Azevezo de 1954 identifica os antigos caminhos rurais que seguem sendo os mais importantes acessos à região de Capão Redondo, Jardim Ângela e Campo Limpo.

Mapa mostra o processo de urbanização das áreas de proteção aos mananciais.

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Foto aérea da cidade de São Paulo (trecho selecionado) - 1977Fonte: SEHAB / PMSP

Sítio Arizona

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Foto aérea da cidade de São Paulo (trecho selecionado) - 1996

Fonte: SEHAB / PMSP

Sítio Arizona

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que arrendavam aquelas terras. E hoje, por ser a ocupação mais antiga do Sítio e, por possuir o assentamento minimamente planejado, na divisão de lotes e quadras, corresponde à área mais bem estruturada do Sítio Arizona.

Em julho de 1994, começaram as ocupações do restante do Sítio Arizona, então conhecido por Vila Nova Cidade, correspondendo hoje a uma das maiores favelas do Jardim Ângela. De acordo com o depoimento do morador Marcos, presidente da Associação de Moradores da Vila Nova Cidade, esta primeira ocupação foi realizada coletivamente e de forma organizada por “movimentos de luta por moradia”.

Logo, os proprietários encaminharam cartas à Prefeitura de São Paulo, à Secretaria Estadual do Meio Ambiente e a outros órgãos competentes requisitando a reintegração de posse, além de terem aberto o Boletim de Ocorrência no Distrito Policial da Capital. Como consequencia, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, juntamente com o SOS Mananciais, a Delegacia do Meio Ambiente e a Polícia Florestal, efetivaram o despejo dos moradores da área, ao apreender “mais de quatorze toneladas de material de construção da ocupação e ter desmarcado mais de mil lotes”. (Processo no 1.159/1995)

No pedido de reintegração de posse (Processo no 1.159/1995), os herdeiros José Antônio Teixeira e Maria de Lourdes Teixeira Menniti alegam que tais movimentos recebiam ajuda de integrantes do Partido dos Trabalhadores – PT e das Comunidades Eclesiais de Base, ao justificar a colaboração por ser ”ano político”.

Em março do ano seguinte, as ocupações voltaram a acontecer, novamente de forma organizada e coletiva. Os proprietários encaminharam novos pedidos de reintegração de posse aos órgãos competentes, mas foram informados de que já não havia mais verba, inclusive do SOS Guarapiranga, para procederem com a desocupação. A Prefeitura de São Paulo determinou que “fossem tomadas as providências judiciais cabíveis para a expulsão dos invasores”. (Processo no 1.159/1995)

No entanto, foi requisitado, por meio do então vereador Arselino Tatto, do Partido dos Trabalhadores – PT, um prazo de 240 dias (equivalente a 8 meses) para desocupar o local, visto que “as famílias a serem desabrigadas não possuem condições momentâneas para desabrigar a área”. O pedido foi aceito pela Prefeitura por não possuir “condições de oferecer moradias às famílias a serem retiradas”, mesmo confirmando a não desistência da ação de reintegração de posse. Em julho de 1996, o juiz da 7a vara da Fazenda Pública despachou o pedido de suspensão do processo por 240 dias “a fim de possibilitar a desocupação da área”.

Em janeiro de 1997, os moradores da Vila Nova Cidade organizaram uma manifestação na estrada M’Boi Mirim contra o ato de despejo que estava previsto para o ano. Conforme informado em reportagem “Invasores fecham M’Boi Mirim”, impressa pelo Diário Popular, cerca de 500 moradores da Vila Nova Cidade fecharam a ponte da estrada M’Boi Mirim, única saída da região, que liga o Jardim Ângela a Santo Amaro, contra o ato de despejo, e dispostos a negociar a compra da área, alegando que 4.000 famílias já moravam no local há mais de três anos.

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Ainda de acordo com a reportagem, os manifestantes liberaram a estrada ao receberem recado do vereador Arselino Tatto de que o Secretário da Habitação os receberia na Prefeitura. Desde então, nunca mais houve nenhuma ação de despejo dos moradores da área e esses 240 dias requisitados já somam hoje mais de 10 anos de ocupação.

5.2 SÍTIO ARIZONA HOJE20

Localização e acessibilidade

O Sítio Arizona, faz parte da região do “Fundão” do Jardim Ângela e é delimitado pela estrada M’Boi Mirim, avenida dos Funcionários Públicos e pela propriedade da Cúria Metropolitana ao sul. A estrada M’Boi Mirim é a principal ligação do distrito com as áreas mais centrais da cidade, sendo visível a problemática e restrita acessibilidade do distrito. As ocupações ocorrem prioritariamente ao redor da estrada e de vias secundárias existentes, explicitando a característica “espinha de peixe” descrita pelo LABHAB (2003).

Tais constatações revelam também o quanto a ocupação do Sítio Arizona está parcialmente isolada na malha urbana. O trecho que apresenta maior contato com a Chácara Sonho Azul é a área do Bananal que é isolada internamente por uma grande área de risco no interior da Vila Nova Cidade.

Ao lado da estrada M’Boi Mirim, existe uma grande quadra parcialmente ocupada por venda de material de construção, e um córrego, que representa uma grande barreira de articulação da Vila Nova Cidade com a Chácara Sonho Azul, a Vila Calú, por exemplo. Além disso, a dificuldade e o perigo de cruzamento e percurso de pedestres na estrada M’Boi Mirim já representam uma grande barreira que a mesma representa entre os dois lados de ocupação. Não são raros os casos de mortes na estrada por falta de passeio para pedestres, iluminação na via, existência de muitos buracos, além do fato da estrada ser muito estreita.

Esta região do “Fundão” ou, como os governantes preferem dizer agora, “extremo sul do Jardim Ângela”, corresponde à região do distrito com pior estrutura viária, saneamento básico ou concentração de equipamentos públicos. O setor que não pertence à área ambientalmente protegida é mais densamente ocupado e apresenta maior estruturação de vias secundárias de acesso aos bairros e é rodeado por pontos de centralidade comercial e de serviços. Trata-se da área com melhor infra-estrutura do distrito.

Características semelhantes podem ser observadas no mapa de transporte público, em que a região que não está inserida em área de proteção aos mananciais é mais bem servida de linhas de ônibus, além de concentrar também dois terminais: o Guarapiranga e o Jardim Ângela, construídos nesta última gestão petista da Prefeitura de São Paulo. O terminal Jardim Ângela é localizado exatamente no limite da área de proteção aos mananciais, e juntamente com um hospital municipal, ainda em construção, representa o ponto final de grandes intervenções de melhorias de infra-estrutura urbana por parte do poder público. Na região do “Fundão” apenas a estrada M’Boi Mirim concentra as linhas de ônibus que, em sua maioria, tem ponto final na região, mas que não atendem à toda a ocupação da área. Há grande carência de linhas circulares de ônibus, o que dificulta muito a ligação inter-bairros.

A estrada M’Boi Mirim, da forma que se encontra hoje, não apresenta estrutura física para receber a carga de circulação e acesso aos assentamentos ao seu redor. Até o limite da área de proteção aos mananciais, foi ampliada e estruturada pela última gestão da Prefeitura de São Paulo pelo Projeto Passa-Rápido, mas, a partir deste ponto, a estrada é constituída apenas por duas faixas, sem calçadas e com muitos problemas no asfalto.

Condições naturais

Assim como as demais ocupações do distrito, o Sítio Arizona é caracterizado por possuir relevo muito acidentado, que abrange desde a cota 755 até a cota 835. É muito comum encontrar áreas densamente ocupadas em regiões com declividades acima de 30% e até de 60%.

A ocupação acompanha a topografia natural, ou seja, não foram feitas grandes alterações no relevo natural em virtude do assentamento humano no território, principalmente pela grande dificuldade financeira que têm os moradores e pela ausência de investimentos públicos feitos na área. Por outro lado, é muito comum haver cortes de terrenos realizados lote a lote e que somam um grande número de intervenções.

21 Não foi possível, neste trabalho final de graduação, pela extensão do Sítio Arizona, realizar levantamento detalhado da ocupação Bananal II.

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Sítio Arizona

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Sítio Arizona

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Observa-se que o assentamento no terreno, desde o início da ocupação, por meio da demarcação de lotes foi feito de uma maneira inadequada para a topografia local. As vias principais são divididas em duas categorias: as que cortam as curvas de nível, subindo os morros, muito próxima à forma mais perpendicular (e inclinada) possível; e as mais planas que acompanham o terreno e se mantêm numa mesma curva de nível, geralmente interligando as vias em declive.

Nessa estrutura viária interna os lotes foram divididos, para otimização do uso das “frentes” para as vias planas, de forma a cortar o maior número de curvas de nível, apresentando, em consequência, maior dimensão no sentido de maior declividade. Para a construção das moradias é muito comum haver cortes de terreno lote a lote, que representam uma forma muito perigosa de manejo do solo, se são executados de forma inadequada, e que colocam em risco as vidas dos próprios moradores. Os moradores, por sua vez, não temem e até preferem realizar cortes de terreno para viabilizar a construção da casa mais plana possível.

Nesse contexto, o tempo é um agente agravante dessa situação extremamente dinâmica de corte de terrenos, em que casas são ampliadas e as vias sofrem benfeitorias na transição “de terra” para “de concreto” criando implicações para a estabilidade do solo ao aumentar muito a velocidade da água.

De modo geral, pode-se identificar como principais problemas do manejo que é feito do solo no Sítio Arizona:

- Retirada da vegetação.

- Realização de cortes agressivos.

- Exposição de solos originalmente situados em camadas mais profundas.

- Aterros sem estudo geotécnico.

- Alteração do regime natural de escoamento e infiltração de águas pluviais.

- Introdução de novas fontes de águas superficiais associados a redes de água e de esgotos com vazamentos e a fossas negras e sépticas.

- Deposição de materiais estranhos ao terreno natural, principalmente lixo e entulho caracterizando sobrecargas, principalmente quando encharcados.

- Via executada privilegiando-se o automóvel gera terrenos de difícil ocupação e induz terrapleno agressivo.

- Ampliações sucessivas das construções principalmente em se tratando de técnicas tradicionais geram sobrecarga não ponderadas ao tipo de solo podendo ocasionar a fratura das camadas inferiores e a desestabilização os solos mais superficiais.

Além disso, no Sítio Arizona há uma grande gleba demarcada como “área de risco” pelo poder público e por laudos técnicos realizados pelo Instituto de Pesquisa Tecnológica – IPT USP. Nesta área foi efetivado um vasto desmatamento da vegetação nativa, inclusive nas áreas que possuem maior declividade, que ao receberem os esforços das novas construções, ou do lixo despejado, em períodos de chuva podem sofrer graves desmoronamentos de terra. Contribui para este desastre a grande concentração de efluentes líquidos que são despejados nas vias e no solo, devido à elevada concentração de fossas sépticas e de lançamento de esgoto a céu aberto.

Além disso, no Sítio Arizona existem algumas nascentes e córregos naturais que são contribuintes do rio Embu-Mirim que alimenta a represa Guarapiranga. Atualmente estes córregos estão completamente tomados pelo esgoto das casas, dificultando a determinação da vazão original da água natural.

Saneamento Básico

Abastecimento de água

No início da ocupação a água consumida pelos moradores era proveniente das nascentes (bicas) existentes na área, que eram carregadas em baldes até as casas. Com a poluição do lençol freático e de todas as águas provenientes dos recursos naturais, os moradores passaram a usar clandestinamente a água da SABESP, cuja rede chegava até a estrada M’Boi Mirim e avenida dos Funcionários Públicos.

Após a suposta consolidação da ocupação, a área referente à Vila do Sol passou a receber água da SABESP , por extensão da rede que chega na avenida Funcionários Públicos. Trata-se do único trecho,

Residência estrada M’Boi Mirim

Fonte: Levantamento de campo 2004

Corte de terreno - rua Beira Rio

Fonte: Levantamento de campo 2004

Via com grande declividade - rua Bahia

Fonte: Levantamento de campo 2004

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Delimitação da área de risco pelo IPT USP

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Área de risco

Fonte: Levantamento de campo 2004

Área de risco

Fonte: Levantamento de campo 2004

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Área de risco (vista da rua Beira Rio)

Fonte: Levantamento de campo 2004

Área de risco (descida do Bananal II para rua da Mina)

Fonte: Levantamento de campo 2004

Área de risco (em cima - rua Beira Rio)

Fonte: Levantamento de campo 2004

Área de risco (em cima - rua Beira Rio)

Fonte: Levantamento de campo 2004

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Mata preservada - Área de risco (vista da rua João Paulo)

Fonte: Levantamento de campo 2004

Mata preservada - Área de risco (próximo terreno da Curia Metropolitana)

Fonte: Levantamento de campo 2004

“Buraco do Sapo” - Área de risco

Fonte: Levantamento de campo 2004

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ainda não completo, que possui abastecimento de água. No restante da ocupação, o abastecimento é clandestino, ou seja a água é “roubada” da rede da SABESP pelos moradores.

Na parte do Sítio Arizona ao redor da Vila do Sol, os moradores uniram-se para comprar bombas, e instalá-las em regime de mutirão, para levar água até as casas em todo o morro e foi criada uma Administradora, responsável pelo bombeamento das águas, manutenção das bombas, e cobrança das taxas, de ordem de R$ 10,00 a 15,00 por mês. A pessoa que faz a cobrança e a “pressão” pelo pagamento correto da taxa, conhecido por “Salgadinho”, costuma cortar a água de quem não paga. Trata-se de uma “máfia da água”, que controla o pagamento de cada família que tem acesso à água bombeada, afirma a moradora Solange.

Estas bombas, no entanto, nem sempre funcionam com regularidade. É feito um revezamento de horários entre as áreas para receber a água bombeada, mas, mesmo assim, não é raro faltar água por toda a área, durante dias e até semanas.

Antes da compra das bombas, toda a água era levada para as casas apenas por mangueiras ligadas à rede da SABESP, como é feito até hoje no restante da ocupação. Por isso, o número de mangueiras que se encontra nas vias é muito elevado, pois não há um encanamento que centralize o abastecimento de água nas casas, como acontece pelas bombas da Administradora.

Além disso, não é raro encontrar mangueiras furadas, pois, a falta de um espaço na via destinado exclusivamente à sua instalação, faz com que elas disputem, com os buracos, os locais evitados pelos

Mangueiras e lixo na esquina - estrada M’Boi Mirim

Fonte: Levantamento de campo 2004

Mangueiras na via - rua Saboia

Fonte: Levantamento de campo 2004

Bomba de água - rua João Paulo

Fonte: Levantamento de campo 2004

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carros e caminhões. Os vazamentos causados pelas mangueiras furadas são grandes e constantes, além de provocar enorme desperdiço de água, deixam as vias constantemente molhadas, e se misturam com o esgoto que desce das casas.

Hoje, segundo a moradora Solange, após décadas de experiência em evitar ou melhorar “roubos” de água, funcionários da SABESP passaram a deixar saída de água de fácil acesso para que a instalação das mangueiras seja feita sem grandes danos aos encanamentos da rede e provoque redução nos vazamentos.

Energia elétrica

Assim como a água, no início da ocupação, toda a energia elétrica era utilizada clandestinamente da rede da ELETROPAULO, através dos chamados “gatos”. Segundo o morador Marcos, apenas em 1998, com a privatização da empresa, foi possível realizar um acordo entre a ELETROPAULO, Prefeitura de São Paulo, Governo do Estado, Ministério Público e Associação dos Moradores da Vila Nova Cidade, para a instalação de energia elétrica na área.

A partir de então, foram realizadas reuniões para explicação do projeto e do funcionamento da cobrança de energia elétrica. Pois, neste momento, seria realizada a nomeação de diversas ruas e vielas para, no mínimo, garantir a cobrança da ELETROPAULO. De acordo com o morador, tais reuniões contavam com a presença de mais de mil moradores.

Fiação elétrica - “gatos” - estrada M’Boi Mirim

Fonte: Levantamento de campo 2004

Homem repara fiação - avenida dos Funcionários Públicos

Fonte: Levantamento de campo 2004

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As únicas áreas que não tiveram a rede de energia elétrica estendida foram as áreas de risco. A ELETROPAULO implantou uma linha de instalação da rede mesmo em vielas estreitas. Dessa forma, as casas localizadas em área de risco ou nas margens dos córregos continuaram “roubando” energia das redes oficiais, assim como ocorre com a iluminação pública.

No entanto, segundo conversas com moradores da área, a conta de luz que chega em algumas casas é extremamente alta, chegando, em alguns casos, a custar até R$ 400,00, o que faz com que muitas famílias deixem de pagá-las e volte para a clandestinidade através de novos “gatos”. Além disso, não são todas as famílias que têm condições de pagar contas de luz e de água, mesmo com a cobrança da tarifa normal, em virtude do alto nível de rebaixamento dos salários e da porcentagem de desemprego existente.

Iluminação pública

Poucas são as ruas que tem iluminação pública. A região que concentra tal benefício é a área da Vila do Sol, como já foi dito, que é a mais bem estruturada. O restante dos moradores improvisou, não em todas as vias, iluminação pública por conta própria, por meio dos “gatos”, uma vez que já não pagam pelo consumo. Há, no entanto, áreas desprovidas de qualquer iluminação e são consideradas perigosas durante a noite.

Improvisação da iluminação pública - iniciativa dos moradores

Fonte: Levantamento de campo 2004

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Esgoto

A realidade da destinação do esgoto é a mais difícil e precária, pois não há qualquer tipo de coleta de esgoto na área, fazendo com que todo tipo de resíduo seja despejado em fossas sépticas ou lançados nas ruas a céu aberto, provocando um odor permanente de esgoto na região.

Tais líquidos não demoram a criar percursos pela ocupação e atingir os córregos existentes na região. No levantamento de campo realizado para este trabalho, um dos córregos existentes não foi reconhecido como córrego pelos moradores, referido apenas como “caminho do esgoto”, como outros que existem que, por sua vez, se confundem com córregos.

Além disso, o número de fossas sépticas na área é muito elevado para uma boa depuração natural feita pelo solo, e a fiscalização quanto à sua execução e limpeza não é realizada.

Coleta de lixo

A coleta de lixo é feita no bairro desde 1996 pela Prefeitura de São Paulo, mas o caminhão só chega às ruas que lhe permitem acesso, muitas das quais foram sendo adequadas pelos próprios moradores ao longo dos anos para receber o serviço. Dessa forma, a solução encontrada foi a colocação de caçambas de coleta em pontos determinados da favela.

De acordo com depoimentos dos moradores, a coleta de lixo é realizada três vezes por semana, mas esta freqüência se mostra insuficiente, uma vez que as caçambas ficam completamente cheias horas depois da coleta.

Iniciativa de obra de contenção do esgoto - rua da Carvoeira

Fonte: Levantamento de campo 2004

Iniciativa de direcionamento do esgoto na via - rua 28 de Dezembro

Fonte: Levantamento de campo 2004

Esgoto na avenida dos Funcionários Públicos

Fonte: Levantamento de campo 2004

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Não há coleta seletiva de lixo oficial na área, apesar da existência de muitos catadores de latinha, papelão e outros materiais recicláveis, como em qualquer outra região da cidade. É interessante ressaltar a existência de um projeto de constituição de uma cooperativa de reciclagem. Trata-se de uma das mais recentes iniciativas da Associação de Moradores da Vila Nova Cidade.

Drenagem urbana

Independente de ser período de chuva ou não, é muito comum ter efluentes líquidos nas vias. O fato de todas as casas destinarem seus esgotos para fossas sépticas ou diretamente para as vias e áreas livres, faz com que a presença de efluentes líquidos nas vias seja constante. Dessa forma, as vias localizadas em pontos mais baixos da ocupação acabam concentrando grande volume de esgoto, chegando a formar pequenos córregos, que não tardam a provocar o início de um processo de erosão, e são conhecidos por “voçoroca”, que atrapalham muito a passagens de carros e, às vezes, até de pedestres.

Não se pode deixar de dizer que a existência de esgoto frequente nas vias é um fator significativo da ocorrênciade inúmeras doenças dentre os moradores, particularmente no caso das crianças, que, não raras vezes, entram nos córregos e brincam com a água suja. Além disso, o cheiro de esgoto e de lixo, por vezes, de carniça, é uma constante na região.

Correio

Como não há CEP (Código de Endereçamento Postal) oficial na área, nem ruas oficialmente instituídas, apenas nomeadas, o Correio não entrega correspondências porta a porta. O que ocorre é a instituição de CEP não oficial em três pontos na área que “representam” todos os endereços da região. Trata-se de pontos comerciais – uma loja, um vendedor de materiais de construção e um bar (rua Pablo Bruna, 81, avenida dos Funcionários Públicos, 91, estrada M’Boi Mirim, 10.557, respectivamente) – que recebem as correspondências de todas os endereços e são incumbidos de distribuí-las. O que geralmente ocorre é muita confusão: perda ou extravio de carta ou desordem na organização das cartas.

Houve, por um período, uma tentativa de organizar a distribuição das cartas, em um local apropriado para isso, em que cada residência teria uma “caixinha” e o Correio teria a responsabilidade de distribuir as correspondências por elas. Há alguns anos esta iniciativa foi encerrada dada a impossibilidade de pagamento de aluguel desse espaço por parte de muitos moradores.

Telefonia

De acordo com a moradora Solange, a telefonia entrou na Vila do Sol em 2001. Hoje, a rede de telefone se estende por toda a ocupação, por meio da categoria “extensão de rede”, sem restrição, atendendo as residências em área de risco ou em vielas estreitas. As contas chegam às famílias da mesma forma que o Correio.

Já em relação aos telefones públicos a situação é diferente: há apenas três telefones em toda a área, concentrados no lado mais estruturado da ocupação (em duas farmácias na avenida dos Funcionários Públicos e na padaria da rua Monte Alto).

Sistema viário interno

A ocupação do Sítio Arizona é estruturada em torno de ruas, relativamente largas, a partir das quais foram abertas vielas ou escadarias de acesso às casas localizadas no interior das “quadras”. Em alguns trechos com declividade alta, o acesso às casas chega a ser feito por meio de trilhas.

De modo geral, as “vias principais” tem cerca de 5 metros ou mais de largura, o que permite tranqüilamente a passagem de caminhões (quando a declividade e o piso permitem) e de infra-estrutura de coleta de esgoto e de abastecimento de água. Já a maior parte das vielas têm largura entre 4 e 2 metros, mas existe uma porcentagem significativa de trilhas e vielas com menos de 2 metros de largura, com acesso inadequado às casas às quais ela dá passagem.

A maior parte das vias da área ainda é de terra e não possui quase nenhum manejo no sentido de atenuar as declividades muito altas. A construção das casas foi sendo feita ao longo das passagens

Coleta de lixo - avenida dos Funcionários Públicos

Fonte: Levantamento de campo 2004

Coleta de lixo - estrada M’Boi Mirim

Fonte: Levantamento de campo 2004

Lixeira recém esvaziada - rua Pablo Bruna

Fonte: Levantamento de campo 2004

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(prolongando ou abrindo vias), mas sem a realização de grande movimentação de terra referente à declividade das vias.

Existem trechos de ruas que, apesar de possuir largura razoável, não permitem a passagem de carros ou caminhões devido à sua grande declividade ou a problemas de erosão em pontos específicos. Em muitos casos, o passeio dos pedestres é muito precário.

Em algumas vias, os moradores juntaram recursos para realizar, por meio de regime de mutirão, a passagem de concreto grosso em cima da terra para melhorar as condições de acessibilidade. Em outros casos, este trabalho foi financiado por vereadores ou até por deputados estaduais ou federais na manutenção das políticas clientelistas da troca desses benefícios pontuais por votos21. Além disso, de acordo com o morador Marcos, o trecho mais consolidado da ocupação - referente ao loteamento Vila do Sol e seu entorno - já tiveram algum benefício do Programa Guarapiranga, correspondendo à única área da ocupação que possui asfaltamento.

O fato da concretagem ou asfaltamento das vias ter sido feito de forma fragmentada e pontual, caso a caso, não permitiu a readequação geral das vias do Sítio Arizona. A impermeabilização foi feita sobre a terra nas condições originais, sem um projeto prévio de reestruturação viária. Muitas vezes tais obras são feitas mesmo sobre vielas estreitas e assumem, por isso, um caráter de “consolidação do provisório”.

Nome das ruas

A ocupação do Sítio Arizona começou pelo loteamento clandestino, Vila do Sol, cujas ruas receberam nomes de letras – “A”, “B”, “C”, etc. – que ficaram conhecidas até hoje. Com a expansão da ocupação, as demais ruas foram recebendo nomes por parte dos moradores, que passaram a serem escritas em

Morador faz reparação na rua - avenida dos Funcionários Públicos

Fonte: Levantamento de campo 2004

Colocação de piso inter-travado - rua Presidente Dutra

Fonte: Levantamento de campo 2004

rua D

Fonte: Levantamento de campo 2004

21 É impressionante como esta tática realmente funciona, pois a maior parte dos moradores vota justamente nos vereadores que assumem tais posturas. O voto nesses candidatos se torna uma das únicas alternativas de benfeitorias na área.

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muros ou em placas improvisadas.

Em 1998, com a passagem da rede de energia elétrica pela ELETROPAULO, as ruas, travessas e vielas foram sendo renomeadas pela Prefeitura, que colocou placas “oficiais” nas esquinas. Algumas ruas mantiveram seus nomes originais, dados pelos moradores, mas uma parte delas foi mudada pela Prefeitura. Os moradores tiveram que se adaptar aos novos nomes, o que constitui motivo de reclamação até os dias de hoje.

Apesar da colocação das placas “oficiais” de nome das ruas, estas não são oficializadas pelo poder público municipal, e tampouco possuem CEP instituído.

Habitação

A maior parte das casas do Sítio Arizona é construída de alvenaria, existindo poucos casos de casas com cômodos de madeira. Tal característica é muito comum por todo o território do Jardim Ângela. A imagem das favelas, que antigamente era predominantemente constituída por barracos de madeira improvisados, passou a ser substituída pelo vermelho da alvenaria aparente, confirmando um movimento de consolidação das moradias nas favelas, inclusive pela atuação do mercado imobiliário informal, em que a melhoria no imóvel é um investimento para sua valorização.

O alojamento das famílias se dá principalmente através de lotes, onde são construídas uma ou mais casas, formando, muitas vezes, um pequeno condomínio horizontal. A maior parte dos lotes é estreita e comprida, ao buscar o melhor aproveitamento da “frente” para a “via principal”.

Casas Bahia - chega em qualquer endereço

Fonte: Levantamento de campo 2004

Escadaria - estrada M’Boi Mirim

Fonte: Levantamento de campo 2004

Buracos na via - estrada M’Boi Mirim

Fonte: Levantamento de campo 2004

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Em grande parte das construções, as casas ocupam toda a largura do terreno para aproveitar o terreno que é estreito, restando apenas duas estreitas fachadas que devem proporcionar a ventilação e iluminação de todo o imóvel. Esta tipologia dificulta a aeração e a iluminação adequada dos cômodos. Além disso, é muito comum, nas casas com frente para ruas com acesso a veículos, deixar a área de frente como garagem, geralmente coberta, fazendo com que o cômodo da seqüência não seja bem iluminado nem ventilado.

Esta característica de ocupação do terreno é observada mesmo quando o lote não é tão estreito, parece que, como forma a demarcar o limite da propriedade com a construção. Dessa forma, além de proporcionar má iluminação e ventilação, as construções quase não deixam áreas livres e permeáveis nos lotes.

Também não é raro encontrar construções de três ou mais andares, expandindo em altura a ocupação do terreno. Dessa forma, sempre que possível, é feita a laje de concreto do próximo piso, que logo possibilitará a ocupação de novos pavimentos. O esforço e investimento na construção da laje exigem um número grande de trabalhadores, que geralmente em regime de mutirão, têm ajuda dos vizinhos e parentes. O momento de “concretagem da laje”, ou de “batimento de laje”, como é popularmente conhecida, é tratado também como um momento de festa, motivo de comemoração da comunidade.

Além disso, como já foi explicitado na parte referente às “características naturais”, praticamente a totalidade das habitações é construída em encostas de declividade bastante acentuadas e acarretam, não raras vezes, na má qualidade da habitação, sem contar com o risco de rompimento do terreno. O corte do solo é feito lote a lote pelos próprios moradores, sem a realização de nenhum estudo prévio, e chegam a atingir alturas significativas. Os muros de arrimo nem sempre são suficientes para receber a força da terra e não são tratados com impermeabilizantes, provocando problemas estruturais e de

Pinturas de vereadores por todos os lados - rua 28 de Dezembro e rua Pablo Bruna

Fonte: Levantamento de campo 2004

Viela Padre Cícero

Fonte: Levantamento de campo 2004

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Residência - estrada M’Boi Mirim

Fonte: Levantamento de campo 2004

Casa com jardim - rua C

Fonte: Levantamento de campo 2004

Casas em obra - rua C

Fonte: Levantamento de campo 2004

Nova ocupação - evenida dos Funcionários Públicos

Fonte: Levantamento de campo 2004

Residências de até 3 pavimentos - avenida dos Funcionários Públicos

Fonte: Levantamento de campo 2004

Casa - rua D

Fonte: Levantamento de campo 2004

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umidade na residência.

“No que pese o saber popular na atividade de edificar, o resultado da auto-construção em encostas tende a ser de péssima qualidade. São freqüentes as casas úmidas, em função de problemas de insolação ou de paredes em contato com a terra, assim como se observam, com freqüência, outras patologias, típicas desse tipo de construção, tais como fissuramentos, trincas e rachaduras, quase sempre provenientes de instabilidades de terreno”. (Farah, 1998: p. 142)

No entanto, não é só de más tipologias que é formado o núcleo. Existem casos de boa solução de construção e adequação de casas no terreno. As casas que possuem considerável área livre ao seu redor, geralmente eram as antigas casas das chácaras existentes que conseguiram segurar parte de seu terreno. Existem algumas casas que preservam algum tipo de horta ou jardim no quintal da frente ou da lateral que se mostraram soluções interessantes de ocupação.

Áreas livres e de lazer

Praticamente a unanimidade dos moradores reclama da falta de áreas de lazer para todas as faixas etárias. Para as crianças, as ruas, as lajes e os terrenos vazios acabam sendo os principais locais para brincadeiras. Mas nem sempre são adequados, pois há esgoto passando em quase todas as vias e lixo pelas esquinas e terrenos vazios. Pela falta de espaços destinados ao lazer, as escolas públicas acabam sendo importantes locais de diversão. Além disso, de acordo com os moradores, tanto as igrejas quanto os campos de futebol são os principais espaços de lazer para os jovens e adultos. As igrejas estão presentes por todo o núcleo, mas os campos de futebol, por corresponderem a grandes áreas livres planas, são bastante visados para ocupação.

Quem busca por atividades de lazer, geralmente vai até Santo Amaro ou ao centro do Jardim Ângela geralmente em busca de boates, shoppings ou lojas. A represa, que seria uma alternativa de lazer para todas as faixas etárias, é cada vez mais vista como poluída e espaço de violência.

Para a população de terceira idade, levantou-se a existência de excursões promovidas pelo Posto de Saúde da Família que, juntamente e a ONG Copacabana, para bailes e feiras de artesanato pela região do Jardim Ângela e Santo Amaro, entre outros. Segundo os moradores, os idosos são os que mais sofrem com a falta de lazer na região, associada à dificuldade de locomoção na área. Muitas vezes acabam ficando em casa, ou passeando muito pelas casas dos vizinhos.

Lote à venda - rua B

Fonte: Levantamento de campo 2004

Ocupação de chácara - rua das Palmeiras

Fonte: Levantamento de campo 2004

Chácara - avenida dos Funcionários Públicos

Fonte: Levantamento de campo 2004

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A ocupação do Sítio Arizona deixou algumas grandes áreas livres e outras áreas de ocupação bastante dispersas, mas que coincidem com as áreas de risco e com as margens dos córregos, que estão sendo cada vez mais ocupadas nos últimos anos. Apesar da existência de áreas não ocupadas, o clima é bastante árido pela escassez de arborização nas vias, que se tornam espaços não adequados ao lazer.

Além disso, existem algumas grandes glebas livres ao redor do núcleo, como a propriedade da Cúria Metropolitana, a chácara localizada na avenida dos Funcionários Públicos, que, de acordo com os moradores, é de propriedade de um ex-coronel. A chácara serve de espaço de festas à noite e de recreio durante o dia, com a cobrança de ingresso para o uso da piscina.

Sócio-econômico

Contexto

O distrito Jardim Ângela é conhecido por possuir os piores índices de desenvolvimento humano (IDH) da cidade de São Paulo. No Sítio Arizona, de acordo com o IBGE, o rendimento dos moradores também é alarmante: 56,4% dos moradores ganham até 3 salários mínimos e 19,1% que não possuem renda nenhuma, resultando num total de 75,5% dos moradores em situação crítica. Apenas 6,2% ganham acima de 5 salários, ou seja, representam a parcela que tem alguma condição de participar dos financiamentos habitacionais populares existentes.

O quadro de escolaridade também é ruim. Quase a totalidade dos moradores do núcleo estudou até o ensino fundamental (83,5%), sendo que 10,1% não fizeram nenhum curso, sequer o curso de alfabetização de adultos.

No entanto, a pobreza não se distribui igualmente pelo território: famílias com maior renda, que ocupam áreas com melhor infra-estrutura, convivem com famílias que enfrentam carências generalizadas que ocupam terrenos muito precários no mesmo distrito e na mesma favela. Torres e Marques, ao refletirem sobre a heterogeneidade da periferia, conceituam estes pontos críticos como “hiperperiferias”, ao reconhecer as “múltiplas dimensões da pobreza”. (Torres, 2003)

Se observarmos os dados do IBGE, pode-se constatar que o Sítio Arizona, assim como todo o Jardim Ângela, é composto essencialmente por uma população jovem. Como já é sabido, “a falta de oportunidades de inserção no mercado formal de trabalho restringe as perspectivas de vida e cria um ambiente extremamente favorável para a ação perversa do crime organizado. E dada a precariedade de condições econômicas do distrito, não é surpreendente que essa problemática surja na região com intensidade”. (LABHAB, 2003)

O distrito Jardim Ângela é conhecido principalmente por ser um dos distritos mais violentos da cidade de São Paulo e, ao lado de Cidade Ademar e Marsilac, destaca-se por situar-se dentre aqueles que apresentam a maior taxa de mortes por causa externa. No entanto, estas manifestações de violência não se expressam homogeneamente pelo território. De acordo com o mapa de “violência” parte

Crianças brincam na rua - rua São José

Fonte: Levantamento de campo 2004

Campo de futebol do Instituto Cardeal Rossi da Curia Metropolitana - avenida dos Funcionários Públicos

Fonte: Levantamento de campo 2004

Bananal - rua dos Poetas: vegetação inadequada para encostas

Fonte: Levantamento de campo 2004Chácara que oferece atividades pagas: piscina durante o dia e festas durante à noite.

Fonte: Levantamento de campo 2004

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dos “Biomapas Comunitários” realizados pelo LABHAB através das “Oficinas Situacionais”22 para o Programa Bairro Legal, existem pontos críticos em que ocorre a maior parte dos homicídios e desovas de cadáveres, sem contar as avenidas consideradas criticamente perigosas. (LABHAB, 2003: p. 34 e 35)

A realização destas atividades de pesquisa em campo foi também uma possível forma de identificação das diferentes dimensões que pode assumir a violência no distrito. Pode-se constatar que todo o distrito do Jardim Ângela apresenta “pontos críticos”, sendo que a região não inserida em área de proteção aos mananciais apresenta maior concentração desses pontos, apesar desses também estarem presentes na região do “Fundão”, de forma menos densa.

De acordo com Sr. Marcos, presidente da associação de moradores da Vila Nova Cidade, a violência no núcleo melhorou radicalmente nos últimos três ou quatro anos, pois “houve um tempo em que havia toque de recolher depois das cinco horas da tarde. Tinha de três a quatro homicídios por semana. Não dava para ficar nas ruas, nos bares, todo mundo ficava trancado em casa, com medo”.

Para o morador Joelito, ocorreu um mútuo aniquilamento dos “cabeças” da região. O morador acha que “hoje a polícia está mais forte e presente na favela”. É possível encontrar viaturas constantemente pelas vielas. Confirmando o relato de Joelito, o morador Pedro conta que, “antes a polícia não entrava na favela, hoje ela está mais presente. Já não se ouve mais falar em assassinato, apenas em roubo de carro”.

Papel das associações de moradores

O distrito possui um extenso leque de entidades existentes e atuantes, identificada pelo LABHAB no Programa Bairro Legal (LABHAB, 2003) que configuram a “rede de sobrevivência” que permeia o cotidiano da população. De acordo com o Laboratório, grande parte das entidades que desenvolvem trabalhos de formação cultural é, em sua maioria, organizada por jovens. E é muitas vezes dos

O mapa abaixo é apresentado como uma das possíveis formas de visualização das “múltiplas dimensões da pobreza”. É possível observar a heterogeneidade das manchas, por exemplo, contrastando com o mapa ao lado que se baseia em valores médios por distrito. Este tipo de mapa só é possível ser construído por meio do georeferenciamento.

22 O objetivo da realização dos Biomapas é introduzir os cidadãos participantes e os planejadores locais na utilização da técnica de elaboração de mapas comunitários. A idéia principal era que a população construísse mapas temáticos de seu interesse a partir de pesquisas de campo na cidade, e do conhecimento que já dispõe. “Ao final do processo os mapas geralmente mostram com clareza o conhecimento que a comunidade tem de seu meio ambiente, urbano, social e econômico e, ao mesmo tempo, aumentam o empoderamento de seus membros através da inserção do conhecimento local nos processos de planejamento, implementação e monitoramento. A aplicação e a avaliação preliminar que se tem do uso desta técnica têm mostrado que o uso da ferramenta “base de mapas” e a proposta de que os participantes identifiquem espacialmente onde estão localizados os aspectos importantes da localidade, os problemas e as potencialidades, têm facilitado a identificação de soluções para os problemas locais, têm garantido o apoio e a implicação da população nos projetos desenvolvidos a partir dessa experiência, melhorando a eficiência e a efetividade do planejamento local”. (LABHAB FAU USP, 2003)

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O mapeamento dos pontos críticos de violência, produto das oficinas com a população, é uma outra forma de visualização “múltiplas dimensões da pobreza”. É possível observar a que os “pontos críticos” não se distribui homogeneizadamente pelo território.

Sítio Arizona

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movimentos de juventude que “surgem as expressões mais consistentes”, “da insatisfação com as péssimas condições de vida na periferia”. (LABHAB, 2003)

No Sítio Arizona, foram identificadas duas associações de moradores: a Associação dos Moradores da Vila Nova Cidade e a Associação Beneficente das Famílias Carentes – ASBEFAC.

A Associação dos Moradores da Vila Nova Cidade, atualmente presidida por Antônio Marcos Petrônio, como mencionado anteriormente, foi criada na época do risco de despejo proporcionado pelo pedido de reintegração de posse e teve grande atuação na mobilização dos moradores para os atos que ocorreram no ano de 1996.

Segundo o presidente Marcos, atualmente a associação encontra-se em fase de reestruturação quanto à mobilização dos moradores, que geralmente se fortalece quando é necessário realizar alguma reivindicação ao poder público. Ao longo dos 10 anos de ocupação, foram feitos inúmeros pedidos de ligação de água, de coleta de esgoto, de pavimentação das vias e contenção de encostas, por meio de ofícios e reuniões com diversos órgãos do poder executivo e legislativo, mas nem sempre com respostas positivas.

Atualmente encontram-se em andamento um curso de alfabetização de adultos – MOVA da Prefeitura de São Paulo, aulas de capoeira e ações do PROAF – Assistência à Família, além de trabalhos voluntários, demandas do poder público, entre outras atividades. A associação está buscando ainda apoio, junto à ONG IBEAC e a à Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares - ITCP USP, para formar uma cooperativa de catadores na área e para abrir uma oficina de serralheria e marcenaria no Instituto Cardeal Rossi.

A entidade se sustentava com a colaboração dos associados de, em média, R$ 1,00 por mês, para a elaboração de carterinhas. Atualmente esta prática não se encontra em funcionamento, e a associação só recebe os R$ 12,50 por mês do programa MOVA. Para Marcos, o motivo da desarticulação é a falta de união das pessoas e o descrédito na associação pela falta de respostas do poder público para os problemas da área. Para a moradora Solange, a grande dificuldade está no fato da entidade ter que se organizar e se sustentar sozinha, sem nenhuma ajuda de nenhum orgão ou entidade. “O poder público não dá respostas e a população facilmente se desmobiliza”.

Não foi possível, neste trabalho, entrevistar algum membro da Associação Beneficente das Famílias Carentes – ASBEFAC, que, de acordo com depoimento dos moradores, realiza a distribuição de leite pelo Programa Leve Leite, de cestas básicas e de outras doações que recebe do poder público ou de outras entidades. Foi comentado também que alguns desses produtos, ao invés de serem doados, como foram destinados, são muitas vezes divididos e vendidos.

Comércio, serviços e igrejas

No início da ocupação, não existia comércio na área, então tudo que era necessário para o consumo dos moradores era trazido de outras regiões. Hoje é muito comum encontrar pontos de comércio e serviços por toda a favela. Na maior parte dos casos, a área comercial corresponde ao salão da frente da casa. Mas, muitas vezes essas atividades são realizadas dentro da própria residência, identificadas por uma pequena placa colocada no lado externo da casa.

Há também regiões em que existe maior aglutinação dos pontos comerciais, como na parte mais estruturada da ocupação - área referente à Vila do Sol. É possível observar também que há maior concentração de comércios e serviços nas “vias principais”, em detrimento das vielas e travessas, devido à maior acessibilidade existente e por representarem caminhos importantes para a área. Provavelmente, nessas áreas, “o ponto” foi consolidado e adquiriu maior valor imobiliário. Mas, mesmo que mais dispersas, atividades comerciais e de serviços estão presentes por toda a ocupação.

Apesar do reconhecimento da importância e da necessidade de comercio próximo à moradia, muitos moradores acham que o preço dos produtos é mais caro nos mercadinhos e bares próximos do que nos grandes supermercados que existem no centro do Jardim Ângela. Muitos desses moradores passam a fazer as “compras do mês” nos grandes mercados e centros comerciais mais distantes. Uma outra questão que foi observada é que o número de farmácias ainda é muito pequeno e restrito à área da Vila do Sol, aonde também se localiza o Posto de Saúde.

Além disso, pode-se observar a construção de inúmeras igrejas dispersas por todo o núcleo abrangendo desde a Universal de Deus, batista, evangélica, católica entre outras. Há também um

Reunião da Associação de Moradores da Vila Nova Cidade - novembro 2004 - rua do Campinho

Fonte: Levantamento de campo 2004

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Instituto vinculado à Cúria Metropolitana na avenida dos Funcionários Públicos.

O mesmo ferfil é observado com relação às escolas infantis particulares. São encontradas inúmeras unidades espalhadas por toda a ocupação, com menor concentração apenas nas áreas de risco. Este fato sugere a existência, na área, de grande demanda por escolas infantis.

Em conversa com um dos proprietários de escola, ficou claro que escola particular é “um bom negócio” também na favela. No entanto, esta deve ser flexível para atender a realidade das crianças da região. “Há muitos casos em que as mães necessitam deixá-las o dia inteiro na escola. Apesar de não considerar vantajoso para o negócio, não se pode deixar de atender essas crianças”. Essas escolas também são encaradas como empreendimentos privados que geram valor imobiliário e são vendidos ou trocados dentro do mercado imobiliário informal existente.

Equipamentos públicos

No entorno imediato do Sítio Arizona existem alguns equipamentos públicos. A Escola Estadual Professora Amélia Kerr Nogueira, conhecida por “Amelinha”, a escola EMEI Osório Monteiro e o Posto de Saúde da Família Municipal - PSF, recém implantado pela última gestão da administração municipal petista, são, de alguma forma, estruturadores de novas dinâmicas sociais na região.

O Posto de Saúde da Família, por exemplo, que conta com aproximadamente 20 agentes de saúde que são moradores da área, ofereceu cursos e atividades de formação e de diagnóstico dos problemas da área relacionados à promoção da saúde. Pode-se considerar que esse trabalho é de grande importância para o fortalecimento da população, além de desencadear um processo de conscientização dos próprios problemas de saúde, ambientais e sociais.

Escola Estadual de Ensino Fundamental - “Amelinha” - avenida dos Funcionários Públicos

Fonte: Levantamento de campo 2004

Unidade de Saúde da Família Vera Cruz - rua Pablo Bruna

Fonte: Levantamento de campo 2004

Atividades promovidas pelos Agentes de Saúde - PSF

Fonte: Arquivo Unidade de Saúde da Família - Vera Cruz

Placa anunciando serviços feitos em casa - rua Rafael Alvares

Fonte: Levantamento de campo 2004

Comércio no térreo da residência - rua C

Fonte: Levantamento de campo 2004

Escola infantil particular - rua Pablo Bruna

Fonte: Levantamento de campo 2004

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Locais de referência da população

As referências importantes do bairro para a população variam entre equipamentos e comércios. Foram citados nas conversas: o Instituto Cardeal Rossi, por oferecer cursos e ter um campo de futebol; o pesqueiro; a igreja de Guadalupe, na estrada M’Boi Mirim; a chácara na avenida dos Funcionários Públicos, que é aberta à visitação (paga) e oferece festas à noite; o Clube dos Funcionários Públicos, que dá nome à avenida; a própria represa Guarapiranga; o mercado Vem que é Bom, ao lado do Posto de Saúde; a padaria Menininha; a empresa EPEL, que hoje está vazia; a Escola Estadual “Amelinha” e o Posto de Saúde, que são equipamentos importantes; o “posto do Lago” e “o ponto final do ônibus”.

Além disso, ainda existe o primeiro “casarão” da chácara que possui características arquitetônicas diferenciadas do restante das construções, mesmo das mais antigas: um grande alpendre, rodeado por grandes janelas altas e de madeira, que representa o restante da memória material do período que o terreno era uma grande chácara. Além da fábrica e do pesqueiro, também existentes desde o início da ocupação.

Fundiária

A ocupação formada pela Vila do Sol e pela Vila Nova Cidade corresponde à delimitação de uma única propriedade privada em nome de duas famílias (de José Antônio Teixeira e de Maria de Lourdes Teixeira Menniti) e é considerada rural. Logo após o início das ocupações as famílias entraram com pedido de reintegração de posse (Processo no 1.159/1995).

Além disso, não há indícios de conflitos de propriedade, como é comum haver nessa região, sendo relativamente recente a última transação de compra e venda.

Mercado imobiliário

Segundo o Sr. Marcos, presidente da Associação de moradores, atualmente existe um fluxo muito grande de moradores que deixam e vêm morar no núcleo. Para o morador, esta é a quinta ou sexta troca quase completa de moradores da área. Pois, “dos moradores que participaram da invasão, hoje restam muito poucos”.

Atualmente, a entrada dos moradores hoje no Sítio Arizona ocorre principalmente via mercado imobiliário informal, com exceção dos que ainda se arriscam em cercar terrenos localizados em área de risco.

Segundo Marcos e morador Coleguinha, a propriedade das terras que dá o direito de “venda” das casas e terrenos da área ocorre da forma mais informal possível: ocupação e delimitação (via cerca) de terras.

Hoje, com a existência de inúmeros “proprietários”, o mercado imobiliário presente é intenso. De

Imobiliária - avenida dos Funcionários Públicos

Fonte: Levantamento de campo 2004

Vende-se terreno em encosta íngreme - rua Existente

Fonte: Levantamento de campo 2004

Vende-se casas - rua Bento Rodrigues

Fonte: Levantamento de campo 2004

Locais de referência da população: a primeira casa do sítio, a carvoaria e o pesqueiro

Fonte: Arquivo Unidade de Saúde da Família - Vera Cruz e levantamento de campo 2004

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acordo com Marcos, há pessoas se mudando, saindo e chegando no bairro, todos os dias. Este fato justifica a existência de três imobiliárias na área, além de inúmeras placas espalhadas pela ocupação oferecendo a venda de vários padrões de casas.

De acordo com os moradores, a área está valorizando nos últimos anos. O preço dos imóveis vem aumentando com as melhorias, mesmo que pontuais, que estão ocorrendo no bairro e varia muito de acordo com a necessidade de venda e as condições de compra. Um imóvel com valor de venda de R$ 10.000,00 pode ser comprado até por R$ 6.000,00 ou menos, parcelado ou não, dependendo das condições do comprador. As melhores casas da região, bem construídas, “azulejadas”, não são vendidas por menos de R$ 20.000,00, chegando a valores superiores R$ 30.000,00.

Os “corretores”, geralmente próprios moradores, ganham comissões de cerca de R$ 500,00, dependendo do valor do imóvel. Mas, segundo Coleguinha, como o “contrato” não existe, ou melhor, é “pessoal”, “pela palavra”, o corretor se preocupa em não “entrar numa roubada”, pois poderá ser pessoalmente cobrado posteriormente.

O mercado imobiliário existente não atinge apenas a parcela dos miseráveis da população: são encontrados membros de classe média e “pequenos burgueses” morando na favela. (Kowarick: 1993: p. 47) É o caso de pequenos proprietários de comércio que também não conseguem ser acessar o mercado imobiliário formal.

Além da rotatividade interna do núcleo, a expansão e o adensamento continuam intensos, apesar das remoções pontuais realizadas pela Prefeitura de São Paulo. Andando pela ocupação, observam-se casas em obras por todos os lados, inclusive nas áreas de risco. O crescimento do núcleo ocorre pela ocupação das áreas livres, pela verticalização ou aumento das construções, que chegam a atingir três a quatro andares, ou por adensamento populacional nas construções existentes. Os moradores realizam melhorias e acréscimos constantes nas suas casas cuja ocupação se torna cada vez mais consolidada.

Além disso, observa-se o surgimento de uma nova ocupação na grande área livre existente na avenida dos Funcionários Públicos, ao lado da chácara de recreio, que já soma uma dúzia de moradias. Apesar do risco de despejo, os moradores já estão começando a construir o segundo pavimento de suas casas, o que já representa um investimento grande na consolidação desta área.

Legislação vigente

De acordo com a legislação vigente de Proteção aos Mananciais, a ocupação da área é prevista como expansão (concêntrica) da Classe A que se refere à região da ocupação Vila Calú e Jardim Capela. Dessa forma, a densidade habitacional permitida é maior próximo à estrada M’Boi Mirim, correspondendo a um lote mínimo menor. A densidade, de acordo com a Lei, deveria ir diminuindo com o afastamento desta área e ir se aproximando da ocupação Jardim Vera Cruz. A Classe B, demarcada ao redor da Classe A, permitiria o parcelamento em lotes de 1.500 m2, incluindo uma parte do Sítio Arizona.

O restante da área seria considerado Classe C, ou seja, não seria permitida a instalação de saneamento básico. A ocupação referente à Vila do Sol deveria, de acordo com a Lei, ser a menos densa e com maior lote mínimo, que ultrapassaria os 5.000 m2.

No entanto, um projeto de parcelamento do solo para fins habitacionais de toda a gleba poderia ser feito seguindo os parâmetros de uma densidade média e lote mínimo médio, baseado em cálculos de equivalência. Dessa forma, para o parcelamento do solo do Sítio Arizona ser aprovado teria que ter lote mínimo de 2.740,36 m2 e densidade máxima 17,88 hab/ha.

Além da Lei de Proteção aos Mananciais, deve-se verificar as diretrizes do novo Plano Diretor do Município de São Paulo para a ocupação da área. A gleba foi demarcada como ZEIS 123, inserida na Macrozona de Proteção Ambiental. A nova Lei determina que, nos imóveis que se enquadrarem na definição de ZEIS 1 ou 2, que tenham área acima de 250 m2, “a aprovação de nova edificação ou de reforma, com ou sem aumento de área, com ou sem mudança de uso, deverá observar a destinação de no mínimo 70% do total de área construída computável a ser edificada para HIS; e no máximo 30% para outros usos”.24 (Decreto no 44.667/04 - Art. 3º)

No entanto, “em Área de Proteção aos Mananciais - APM, será dispensado o atendimento às exigências previstas no “caput” deste artigo quando a legislação específica não permitir a aprovação de HIS”. (Decreto no 44.667/04 - Art. 3º - parágrafo 6º)

23 ZEIS 1: “Área ocupada por população de baixa renda, abrangendo favelas, parcelamentos e loteamentos irregulares ou precários, e EHIS promovidos pela Administração Pública Direta e Indireta, em que haja o interesse público em promover a recuperação urbanística, a regularização fundiária, a promoção e manutenção de HIS, incluindo equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviço e comércio de caráter local”. (Decreto no 44.667/04 - Art 2º)

24 No entanto, a obrigatoriedade para a produção de Habitação de Interesse Social é seguida de estímulos econômicos: “Mediante parecer favorável da SEHAB, ouvida a CAEHIS, o proprietário que doar, ao Município, imóvel localizado em ZEIS para fins de promoção de HIS, poderá transferir para outro local o potencial construtivo correspondente ao valor do imóvel doado”. (Decreto no 44.667/04 - Art 5º)

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Mapa de identificação das classes e categorias, segundo parâmetros da Lei de Proteção aos MananciaisFonte: Secretaria do Meio Ambiente do Governo do Estado de São Paulo

Sítio Arizona

Mapa de parâmetros de parcelamento do solo

Fonte: Secretaria do Meio Ambiente do Governo do Estado de São Paulo

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ZEIS - Plano Diretror Regional - Subprefeitura M’Boi Mirim

Sítio Arizona

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A Lei ainda define os parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, sempre observando que, em área e proteção aos mananciais, deve-se respeitar “a legislação estadual pertinente e, quando houver, as Leis Específicas das Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais” (Decreto no 44.667/04 - Art. 5º):

- Coeficiente de aproveitamento mínimo de 0,1 (um décimo);

- Coeficiente de aproveitamento básico de 1,0 (um);

- Coeficiente de aproveitamento máximo de 2,5 (dois e meio), excetuado na Macrozona de Proteção Ambiental definida no PDE onde o coeficiente de aproveitamento máximo será de 1,0 (um);

- Área mínima de lote de 125,00m²

- Testada mínima de 5,00m.

Previsão de futuras intervenções do poder público

A maior parte das intervenções já realizadas pelo poder público consistiram em benfeitorias, geralmente pontuais, realizadas por vereadores e deputados e nunca provocaram uma mudança de qualidade de vida mais ampla para a população moradora. De modo geral, existe a previsão de três grandes intervenções na área, que podem, dependendo da forma de implantação, transformar as características físicas e sociais.

1. Programa Guarapiranga no Jardim Ângela

As ações do Programa Guarapiranga, com orçamento previsto do Plano Emergencial (Decreto Estadual no 43.022/1998), correspondem às obras de “abastecimento de água e esgotamento e tratamento sanitário de efluentes” em um trecho do Sítio Arizona, que não engloba a área de risco. (Proposta GUA 008 do Plano Emergencial)

2. CEU - Centro Educacional Unificado

Foi aprovada, nos Orçamentos Participativos dos anos 2003 e 2004, a proposta de construção de um CEU no terreno da empresa EPEL na avenida dos Funcionários Públicos, mas que ainda não foi iniciada. Há, hoje, grande expectativa por parte dos moradores de encaminhamento de tal proposta, que foi publicamente aprovada pela ultima gestão na Prefeitura de São Paulo.

3. Rodoanel

No trecho sul da micro-bacia hidrográfica está prevista a passagem do Rodoanel25, cuja margem de interferência abrange uma pequena parte do Sítio Arizona. Apesar de se tratar de uma solução de ordenamento do tráfego de veículos e caminhões de toda a região metropolitana, o Rodoanel trará grandes impactos diretos e indiretos nas áreas pelas quais deve passar. A principal preocupação sobre o que ele causará nas áreas de proteção aos mananciais é principalmente quanto à indução à ocupação e adensamento populacional e ao estímulo à atuação do mercado imobiliário, pois significará uma nova redinamização da área.

Os defensores da construção do Rodoanel afirmam que ele terá acesso controlado, pois a via será mantida fechada para não haver possibilidades de novas conexões. Justificam também que os investimentos atraídos serão “ambientalmente compatíveis” com o manancial. Se na teoria isso é previsto, na prática há muitas formas de penetrações informais, como ocorreu na rodovia Airton Senna, por exemplo, e como vem ocorrendo no trecho Oeste já construído26. Além disso, deve-se considerar e aprimorar a capacidade efetiva do poder público de controle e fiscalização dos impactos provocados, caso contrário poderá ser muito danoso à preservação dos mananciais.

Terreno EPEL - indicado para construção do CEU

Fonte: Levantamento de campo 2004

25 O debate atualmente gira em torno do licenciamento que poderá passar a ser feito por trechos. Ainda existem questionamentos se é possível ter uma avaliação adequada do impacto apenas considerando o trecho Sul, pois quando uma via expressa liga duas grandes regiões da metrópole, as tornam um único todo, sendo este o verdadeiro nível de impacto. É necessário, por exemplo, fazer estudo do anel mais geral e aprofundar em cada trecho.

26 Caso seja mesmo construído o trecho Sul Rodoanel nas áreas de proteção aos mananciais, devem ser garantidas proteções ao aumento da ocupação da área, não apenas com barreiras físicas de obra viária, mas através da promoção de usos controlados no entorno da via. O projeto do Rodoanel deve ser entendido como um plano de desenvolvimento metropolitano e não apenas sob o ponto de vista do transporte, pois esta é uma obra que interferirá na orientação do crescimento da região.

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Sítio Arizona

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7.1 ESPECIFICIDADE DAS ÁREAS DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS

São Paulo começa a vislumbrar a ampliação da possibilidade de atuação do poder público na melhoria das condições de vida da população que reside em área de proteção aos mananciais. A demarcação da ZEIS no novo Plano Diretor Estratégico do Município e a provável finalização e aprovação das Leis Específicas das represas Guarapiranga e Billings representam um dos principais marcos legais necessários para essa mudança.

As ZEIS demarcadas em área de proteção aos mananciais no novo Plano Diretor, assim como as Subáreas de Urbanização Consolidada - SUC e as Subáreas de Urbanização Controlada – SUCt, na Lei Específica, adotam grande parte da ocupação dessas áreas ambientalmente protegidas como consolidada, uma vez reconhecida a impossibilidade de remoção completa dos moradores. Nesse sentido, a alternativa apontada é a de urbanização e regularização dos núcleos.

Inicia-se então o processo de articulação das diferentes normas na busca pela consolidação de uma política urbana para intervenção nessas áreas. É importante, neste processo, a identificação das especificidades de uma política de urbanização de favelas e de reabilitação urbana quando tratam de áreas ambientalmente protegidas. Pois, uma vez que as áreas de proteção aos mananciais deixam de ter restrições muito rígidas ao parcelamento do solo, passam então, de acordo com os parâmetros urbanísticos, a ser relativamente semelhantes a outras áreas da cidade.

Neste contexto, ressalta-se a necessidade da identificação da especificidade de metodologias de intervenção em áreas de proteção aos mananciais, que, por serem especiais para a preservação da qualidade da água que abastece milhões de pessoas, devem também ter tratamento especial na intervenção e na gestão urbana, que deve ser mais comprometida com padrões diferenciados do restante da cidade.

A maior parte dos assentamentos em área de proteção aos mananciais são favelas ou loteamentos clandestinos com padrão muito precário de ocupação e terão dificuldades semelhantes aos localizados em outras áreas da cidade em termos de urbanização e de regularização urbanística e fundiária, exigindo a ampliação da política de intervenção.

A atuação do poder público por meio da instituição das ZEIS (ou AEIS) tem sido focada na urbanização de favelas e pouco avanço tem sido observado com relação às, especificidades de atuação em favelas e loteamentos clandestinos em área de proteção aos mananciais, devido às rígidas restrições da Lei de Proteção aos Mananciais. A intervenção do poder público nas áreas ambientalmente protegidas tem sido focada em políticas urbanas desvinculadas da demarcação da ZEIS.

Em área de proteção aos mananciais, o enfoque no monitoramento da qualidade da água é prioritário na estratégia de desenvolvimento urbano. Tem-se adotado, portanto, como unidade de planejamento, as bacias e micro-bacias hidrográficas como uma nova forma de organizar e agir sobre o território e o ambiente construído, explicitando o fato dos mananciais serem de interesse coletivo e serem independentes dos limites territoriais como a divisão de municípios.

Por outro lado, as ZEIS são, geralmente, definidas de acordo com os limites da ocupação, seja da favela ou do loteamento, que na periferia são mais nítidos do que nas áreas mais centrais. Os moradores, de modo geral, se reconhecem pela forma e período de ocupação e se unem, seguindo esta delimitação, para a reivindicação de melhorias urbanas, como saneamento básico e transporte público ou para abertura de processos de regularização na Prefeitura.

É necessária, então, a associação dos Planos de Micro-bacia aos Planos de Urbanização das ZEIS para a construção de uma política urbana voltada à melhoria das condições de vida da população que reside nas áreas de proteção aos mananciais.

7. PROPOSTA DE POLÍTICA URBANA PARA ZEIS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS

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7.2 ASSOCIAÇÃO ENTRE O PLANO DA MICRO-BACIA HIDROGRÁFICA E O PLANO DE URBANIZAÇÃO DA ZEIS

A princípio, por tratar-se de área de proteção aos mananciais, seria mais adequada a realização de Planos seguindo a delimitação da micro-bacia hidrográfica. No entanto, esta delimitação não segue a referência territorial da população, e representaria, portanto, uma imposição do poder público.

Este conflito pode variar caso a caso. A delimitação por micro-bacia pode tanto dividir favelas em dois ou mais Planos de Intervenção, como resultar em perímetros perfeitamente coincidentes. Pode também apresentar conflitos entre diferentes unidades administrativas, municipais ou distritais.

Não se trata, portanto, em adotar a delimitação da micro-bacia de forma rígida, mas de incorporá-la na gestão das unidades de planejamento, devendo, neste sentido, representar a referência central. Para isso, deve ser realizado um grande trabalho de gestão urbana para o casamento dessas unidades de intervenção, que poderão se cruzar, não apenas na delimitação do Plano de Urbanização da ZEIS, mas também nos projetos específicos, como de saneamento básico ou de drenagem urbana, por exemplo.

Neste trabalho, é proposta a adoção do limite do loteamento e da favela para a delimitação das ZEIS que terão elaborados os Planos de Urbanização, mesmo que parte destes esteja inserida em uma ou mais micro-bacias. Deve ser consolidado um trabalho de gestão da ZEIS, que vise a participação ativa da população moradora em todas as etapas de intervenção, o que reforça a necessidade de se respeitar a delimitação que esta pode identificar e se reconhecer, proporcionando o maior fortalecimento do diálogo.

A criação de nova unidade de referência da ocupação, por mais que ressalte a qualidade da área em que estão inseridos, assim como a gestão dos recursos hídricos, poderia gerar muitos conflitos quando se trata de urbanização de assentamentos humanos.

Caso a porção inserida em outra bacia hidrográfica, seja reconhecida pelos moradores, a partir de critérios específicos, como um setor determinado do núcleo, este poderá ter um Plano de Urbanização de ZEIS próprio. Pois, como já foi dito anteriormente, estes conflitos devem ser analisados caso a caso.

A delimitação das ZEIS para a realização dos Planos de Urbanização não substitui a importância da elaboração, também de forma participativa, dos Planos de Micro-bacia, que devem, por sua vez prever a utilização do instrumento ZEIS (e dos respectivos Planos de Urbanização), assim como as diretrizes de intervenção que orientem os Planos. Devem ser identificadas as áreas impróprias à ocupação (áreas de risco, margem de córregos, etc.), das barreiras físicas a serem quebradas (quadras extremamente grandes, conjunto fechado muito grande, avenida de difícil ultrapassagem, etc.), das glebas propícias ao adensamento habitacional e à possível relocação necessária. Além disso, o Plano da Micro-bacia deve, então, definir as delimitações das ZEIS que terão Planos de Urbanização elaborados.

As áreas livres da micro-bacia não estarão vinculadas a nenhum Plano de Urbanização de ZEIS, por não serem demarcadas como tal, mas farão parte das ações previstas no Plano de Micro-Bacia e deverão ser incorporadas na gestão das ZEIS.

Além disso, a realização das intervenções apenas em núcleos demarcados como ZEIS não é suficiente para a melhoria da qualidade de vida na área de proteção aos mananciais. O planejamento e a ação nas ZEIS deve estar associadas a intervenções de caráter estrutural, objetivando a inserção dessa região no conjunto da cidade.

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8.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A realidade do trabalho final de graduação permite a elaboração de apenas reflexões à respeito das possibilidades do desenho final das intervenções e ações previstas para o Sítio Arizona e para a micro-bacia hidrográfica que o envolve. Pois estas propostas, na prática, devem ser concebidas e acordadas num processo amplo de negociação entre os diverentes atores - representantes do poder público, da população, de proprietários, entre outros - e não elaborada apenas por técnicos.

Talvez o aspecto mais importante do instrumento ZEIS seja o processo de negociação social que envolve a construção do Plano de Urbanização por meio de instâncias institucionais de participação, e não apenas o Plano ou as ações em si.

Neste sentido, este trabalho representa, de alguma forma, o olhar do técnico sobre o território e sua realidade social que deverá, posteriormente, ser debatido e modificado: um ponto de partida para a verificação das possibilidades e dificuldades de implementação das ZEIS em área de proteção aos mananciais.

8.2 DIRETRIZES PARA A MICRO-BACIA

A elaboração das diretrizes para a intervenção na micro-bacia deve partir dos seguintes pontos:

- Identificação dos rios, córregos e nascentes e establecimento de metas para a melhoria da qualidade de suas águas;

- Identificação das áreas de risco e indicação de usos adequados à ocupação da área, tendo como referência as características do solo, da inserção urbana e da relação com as ocupações existentes;

- Identificação e qualificação das ocupações existentes e delimitação dos perímetros das ZEIS para a elaboração dos Planos de Urbanização;

- Identificação das áreas livres para provisão habitacional;

- Identificação das áreas livres a serem preservadas, com ou sem atividades extras de uso adequado;

- Propostas de melhoria do sistema viário e da rede de transporte público;

- Propostas de melhoria da acessibilidade urbana, com a identificação de barreiras físicas a serem quebradas e de propostas para o sistema viário local;

- Caracterização geral das obras de infra-estrutura e saneamento básico necessárias;

- Identificação e localização de futuras intervenções públicas ou privadas previstas para a área;

- Propostas de outras medidas de prevenção à futuras ocupações.

Observa-se que a instituição e a implementação das ZEIS é um dos componentes do Plano da micro-bacia, devendo, portanto, estar articulado com outras ações de caráter mais amplo, como, por exemplo, de reestruturação viária, de ampliação da rede de transporte público. No entanto, verifica-se também que a implementação das ZEIS, nesta proposta, é um ponto fundamental para a melhoria da micro-bacia.

8.3 PROPOSTAS DE ALTERNATIVAS PARA O PLANO DE URBANIZAÇÃO

Com base na experiência metodológica elaborada pela equipe do IPT (Moretti, 2002), foram concebidas propostas de intervenção para o Sítio Arizona, que visam subsidiar a tomada da decisão de intervenção na área. Foram então elaboradas alternativas que abrangeram desde o que seria considerada intervenção mínima, até a remoção completa dos moradores do terreno, que representaria a proposta de intervenção máxima. Dentre as opções, são feitos balanços entre a melhoria da

8. DIRETRIZES PARA PLANO DE URBANIZAÇÃO

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qualidade de vida da população, melhoria da qualidade da água da represa e os custos financeiros e sociais necessários para cada intervenção.

Alternativa I

A primeira alternativa, correspondente à intervenção mínima, consiste na remoção de mais de 200 famílias da grande área de risco geotécnico (demarcada pelo IPT) existente no núcleo. Trata-se das áreas com declives muito acentuados e com existência de nascentes e córregos, ambos ocupados por moradia. Nesta proposta, está prevista a relocação dessas famílias nas áreas propícias para adensamento populacional: lotes livres e pequenas chácaras existentes no núcleo que ainda preservam alguma área livre no interior das quadras.

Observa-se que a intervenção mínima no núcleo exigirá um elevado investimento inicial, pela necessidade de grande remoção emergencial, que caracteriza o núcleo como muito problemático e extenso, considerado prioritário para intervenção no Plano de Ação do Bairro Legal, elaborado pelo LABHAB (2003).

Nesta alternativa, deve-se destinar uso adequado à grande área livre que ficará sujeita à nova ocupação. Neste sentido, o menor investimento possível consiste na destinação da área como área de lazer e deve ser submetida à gestão pública de áreas livres e verdes.

Além disso, para garantir a qualidade da água da represa e dos córregos, é emergencial a instalação de saneamento básico, que consiste no abastecimento de água e na coleta e tratamento do esgoto, além do fornecimento de energia elétrica, implantação da coleta de resíduos sólidos, solução de drenagem urbana e a ampliação da iluminação pública para toda a ocupação a ser consolidada do Sítio Arizona.

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Alternativa II

À segunda proposta estão incluídas as intervenções previstas na primeira alternativa, somando ações de alargamento das vias de pedestres, que possuem largura inferior a 2 metros, e de abertura de novas vias, de forma a permitir acesso á todas residências por via coletiva e a ampliação do tráfego de veículos no núcleo, buscando garantir a segurança de caminhos de fuga.

Tais intervenções exigirão cerca de 120 remoções localizadas, totais ou parciais, cujas famílias podem se reinstalar nas áreas propícias para o adensamento populacional, conforme a primeira alternativa.

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Alternativa III

Na terceira alternativa é incluída, a partir das propostas da segunda alternativa, a reconstrução da quadras em que o lote equivalente médio é inferior a 90 m2, tendo em vista o estabelecimento de lote mínimo 90 m2 para regularização urbanística. Trata-se de grande remoção e reparcelamento do solo que exige análise cuidadosa sobre a capacidade de melhoria das condições de habitabilidade das rediências.

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Alternativa IV

A quarta alternativa se refere à proposta de uso da grande área de risco existente no Sítio Arizona, somada às propostas da segunda alternativa. Pelas características naturais dessa porção do território e tendo em vista a probabilidade de reocupação ainda sem estrutura técnica adequada, propõe-se a antecipação pela ação do poder público de ocupação desta área de forma adequada, por meio da realização de projetos e da utilização de tecnologia necessária para o assentamento humano.

O uso habitacional poderia estar integrado com a manutenção de grandes glebas livres associadas à construção de equipamentos e espaços para serviços públicos e privados, que colaborariam no arranjo financeiro da operação e na fiscalização de futuras ocupações da área.

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Alternativa V

A última alternativa consiste na remoção completa dos moradores do núcleo e da recuperação ambiental da área. Como o número de pessoas residentes é bastante elevado, a relocação dos moradores deverá se dar em outra área do Jardim Ângela, pois a micro-bacia não possui glebas suficientes para receber tamanho contingente populacional.

A partir de então deverão ser destinados programas diversos de uso da área, para que não sofra nova ocupação.

Esta proposta seria justificada pela existência de um grande número de nascentes por toda a área e pela dificuldade em dar uso à grande área de risco no interior do núcleo.

8.4 ANÁLISE DAS ALTERNATIVAS E TOMADA DA DECISÃO

As primeiras quatro alternativas consistem basicamente de variações de propostas que se baseiam na consolidação do Sítio Arizona como área de uso prioritariamente residencial, com vistas à preservação da qualidade ambiental. A quinta e última proposta é a única que descarta a possibilidade de consolidação e considera o núcleo impróprio à ocupação para assentamentos humanos.

Considerando a dificuldade de disponibilizar novo local para relocação de toda a população do núcleo, associada às limitações na destinação do uso adequado à gleba que é extensa e possui focos de expansão em diversos pontos da região, considera-se mais adequada à ação do poder público manter o assentamento humano no local, garantindo a adequação à preservação dos córregos e nascentes e evitando manter as condições de risco existentes.

Primeiramente, observa-se que o Sítio Arizona, pela extensão da ocupação e por possuir uma grande área de risco ocupada, exige um grande e necessário investimento inicial, de remoção de mais de 200 famílias, além de assegurar a relocação das mesmas.

A primeira alternativa que representaria a intervenção mínima, apesar de exigir uma grande locação de recursos iniciais, não é suficiente para assegurar a consolidação adequada das habitações, uma vez que não é garantido o acesso adequado às unidades, extremamente importante em casos de fugas emergenciais. A abertura e alargamento de vias exigem mais uma quantidade considerável de remoções (totais e parciais). Por outro lado, a existência de áreas livres e a baixa densidade de trechos do núcleo são fatores favoráveis à relocação das famílias no próprio núcleo.

A terceira e quarta propostas representam o balizamento do nível de intervenção que deve ser feito na área. A terceira alternativa sugere a remoção de uma boa porção do núcleo com o objetivo de diminuir a densidade habitacional de alguns trechos para adoção de lote mínimo (médio) adequado 90 m2. Esta alternativa acarretaria no reparcelamento do solo e a relocação de mais uma grande quantidade de famílias. Visto que é possível encontrar unidades habitacionais adequadas em lotes de 45 m2, pode-se considerar que não é necessária a adoção de um padrão maior, que acarretará na remoção de grande de área já consolidada, além de considerar no custo da operação os investimentos já feitos pelos moradores nas suas próprias residências. Avalia-se que uma análise mais cuidadosa poderá ser feita caso a caso com maior atenção nessas áreas mais densas do núcleo.

A quarta proposta é baseada na reflexão sobre o uso que será dado à área de risco existente no interior do núcleo. Com a necessária remoção, esta grande gleba estará “livre” para receber qualquer destinação, que deve ser cuidadosamente encaminhada, pois, caso se mantenha sem uso específico, provavelmente será ocupada de forma inadequada novamente.

A princípio existem duas grandes possibilidades de uso desta área. A primeira diz respeito à sua manutenção como área livre, sendo transformado em um parque público, que poderia dispor de usos adequados à preservação da área, sem a necessidade de construções nas encostas. Esta proposta exigirá uma gestão pública desta área como um parque público, por exemplo, com fiscalização intensa e atividades de recreação permanentes para que não volte a ser ocupado de forma inadequada. No entanto, o fato do terreno se localizar no interior do núcleo, sem grande interação com as vias principais, definiria um “parque” de interior de gleba, o que também não seria tão atrativo.

A segunda proposta de uso da área consiste numa antecipação da ocupação habitacional de forma adequada, promovida pelo poder público por meio da utilização de tecnologia adequada de construção em encostas. Nesta proposta, a demanda habitacional oriunda das próprias remoções poderá ser sanada no próprio local e articulada com a construção de equipamentos públicos

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necessários, associadas à criação de áreas livres de lazer, que preservariam os córregos e nascentes existentes.

Esta seria a proposta mais adequada para o uso e gestão da atual área de risco, pois, sobre encostas, Farah julga que “se o Estado se antecipasse promovendo ele mesmo a ocupação com critérios adequados, teria menos problemas ambientais, sociais e de segurança geotécnica a curto, médio e longo prazo e conseguiria ainda, junto à população beneficiada, parceiros mais prováveis na preservação ambiental”. (Farah, 1998)

Em todas as alternativas apontadas para a consolidação do núcleo está prevista a manutenção do pesqueiro e da loja de material de construção que existe na entrada do núcleo na estrada M’Boi Mirim como empreendimentos privados que não terão, a princípio interferência do projeto. A desapropriação dos mesmos acarretaria num investimento considerado desnecessário para o poder público. No entanto, estes terrenos, principalmente da loja de material de construção, poderão, futuramente, ser incorporados ao projeto de reocupação da gleba referente à área de risco, acompanhando a tipologia de ocupação proposta e buscando potencializar a relação do núcleo com a estrada M’Boi Mirim.

Por fim, deve-se ressaltar ainda que existe a previsão de destinação de recursos do Programa Guarapiranga para a área, o que já representaria um ponto de partida na busca por financiamentos para as futuras intervenções.

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9.1 REGULARIZAÇÃO DO QUÊ?

A regularidade da ocupação do solo urbano é definida por regras comuns – Leis - que buscam, por princípio, a convivência aceitável em sociedade entre todos os seus membros. Desse modo, as diferentes formas de ocupação do solo urbano podem ser consideradas regulares ou irregulares perante a Lei.

Essa regularidade é menifestada tanto no âmbito fundiário, ou seja, referente à propriedade ou ao direito de uso da terra; quanto no âmbito do urbanismo, ou seja, referente ao parcelamento, ao uso e ocupação do solo e à construção efetiva dos imóveis.

É necessária, neste trabalho, a caracterização dos mecanismos legais que visam a busca da regularização urbanística e fundiária e a identificação dos limites de tais instrumentos quando defrontados com a realidade da ocupação das áreas de proteção aos mananciais prioritariamente pela população de baixa renda, especificamente do Sítio Arizona.

9.2 PROPOSTAS DE REGULARIZAÇÃO URBANÍSTICA

Parâmetros urbanísticos

A regularização urbanística, de acordo com a legislação vigente, é obtida por meio de duas alternativas legais: a adaptação do empreendimento aos parâmetros vigentes ou a flexibilização dos parâmetros urbanísticos de forma a considerar legal, ao menos, parte da ocupação existente.

É no contexto desta segunda possibilidade de regularização que está inserido o instrumento ZEIS, visto como uma das principais alternativas por muitos autores (Bueno, 2000, LABHAB, 2003, entre outros), que, ao definir uma determinada área da cidade “de interesse social”, permite a flexibilização dos parâmetros vigentes. Se, por um lado, a ZEIS cria uma categoria “menos exigente” de cidade, por outro reconhece a impossibilidade de adequação da vasta periferia construída e consolidada às normas vigentes.

No entanto, as experiências de aplicação das ZEIS têm mostrado que muitas vezes são adotados padrões excessivamente mínimos na busca pela regularização urbanística de núcleos de favelas ou de loteamentos precários, consolidando situações inadequadas de moradia. Além disso, foram realmente muito poucos os casos que obtiveram sucesso no processo de regularização.

Dados históricos ressaltam a necessidade da realização de um debate mais amplo sobre as noções de habitabilidade mínima, cuja verificação deve ser feita caso a caso, de acordo com a realidade da ocupação. Isso porque o simples estabelecimento de normas restritivas não assegura a qualidade das habitações. Este debate em torno dos parâmetros mínimos que poderão ser adotados deve necessariamente abordar a efetividade das ações e das normas, caso contrário, não estará mudando as condições de regulação que historicamente têm se mostrado inadequadas.

No caso do Sítio Arizona, a realidade da ocupação apresenta particularidades quanto às possibilidades de regularização urbanística:

1. Possibilidade de reparcelamento do solo:

O fato de que quase a totalidade das moradias serem construídas de alvenaria não permitirá um reparcelamento do solo como seria possível em locais em que grande parte das construções são feitas de madeira.

2. Densidade muito alta:

A ocupação, de modo geral, não apresenta densidades excessivamente elevadas como ocorre em outras favelas do município. Não foram identificadas quadras com lote equivalente médio inferior a 45 m2.

3. Acessibilidade:

9. POSSIBILIDADES DE REGULARIZAÇÃO

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A abertura e alargamento de vielas devem assegurar a acessibilidade a todas as residências por via coletiva e garantir um mínimo de iluminação e ventilação do imóvel, além da segurança de rotas de fuga adequadas. Neste sentido, é necessária a previsão legal de adoção de vias exclusivas para pedestres, já existente na prática, mas não muito comum em projetos de parcelamento do solo, e em legislação específica. Além disso, é importante adoção de dimensões mínimas das vias de veículos, com passagem de dois automóveis em baixa velocidade.

4. Qualidade das construções residenciais:

Em relação às construções, foi explicitado no capítulo referente ao diagnóstico, que existe uma tipologia, relativamente predominante pelo núcleo, que não assegura a ventilação e iluminação adequada dos cômodos. No entanto, não é possível na prática realizar mudanças radicais em cada uma delas, devido à consolidação em que se encontram e a quantidade de investimentos já realizados. A ação relativa à adequação das moradias às condições mínimas de habitabilidade não será feito pelo estabelecimento de normas restritivas, que certamente não garantirá a realização das modificações. Propõe-se que seja oferecido apoio técnico de assessoria, que deverá sugerir pequenas reformas que assegurem a melhoria da qualidade da ventilação e iluminação dos cômodos, em análise caso a caso.

Neste caso, os parâmetros urbanísticos a serem adotados devem ser, na medida do possível, flexibilizados de forma a reconhecer a ocupação existente. A assessoria técnica será mais eficiente do que a instituição de normas restritivas.

5. Declividade:

O principal problema da ocupação se refere ao critério de ocupação de terrenos com grande declividade. A ocupação se consolidou em áreas com declividade acima de 30%, presente em todo o núcleo. Assim como na verificação da qualidade das construções residenciais, a análise da adequação do assentamento em terrenos inclinados deve ser feita caso a caso, por meio de uma assessoria técnica, que deve analisar a qualidade dos cortes de terreno e dos muros de arrimo construídos.

A norma deve evitar a ocupação de declividades quase “inocupáveis” como, por exemplo, acima de 60%, mas não evitará a ocupação das encostas com mais de 30%.

6. Área livre:

O fato de o Sítio Arizona possuir uma grande área de risco ainda pouco ocupada, permite perfeitamente adequar o projeto de parcelamento do solo às exigências de manutenção de áreas livres a serem doadas ao poder público, para a construção de equipamentos públicos e comunitários.

7. Permeabilidade:

O estabelecimento de algum valor relativo à permanência de permeabilidade do solo em cada lote certamente não assegurará que seja cumprido, pois a realidade da ocupação é diversa. Como foi dito anteriormente, é muito comum encontrar lotes totalmente ocupados, sem a manutenção de nenhuma área livre. A permeabilidade deve ser buscada e assegurada apenas nas áreas livres públicas.

A possibilidade de regularização urbanística dessa proposta é associada ao estabelecimento de:

- Lote mínimo de 45 m2;

- Fachada mínima de 4 metros;

- Taxa de Ocupação próxima a 100%;

- Coeficiente de aproveitamento próximo a 3,0;

- Permeabilidade do lote próximo a zero;

- Declividade máxima 60%;

- Recuos frontal, lateral e de fundos zero;

- Largura mínima de vias de pedestres próxima a 2 metros;

- Largura mínima de vias de veículos próxima a 5 metros.

Mesmo com um possível quadro normativo montado, os projetos devem ser estudados e aprovados caso a caso, por meio de um “acordo público” das novas regras propostas e, no caso das áreas de proteção aos mananciais, deve contar também com representantes das Secretarias do Verde e Meio Ambiente. Nesse sentido, é desaconselhável definir um código de obras ou um modelo para as favelas

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e assentamentos irregulares, que indicariam um padrão urbanístico de segunda linha para essa parcela dos cidadãos e mesmo assim não garantiria o cumprimento das normas.

Parcelamento do solo

Além dos parâmetros urbanísticos, é necessário definir a forma de parcelamento do solo que o assentamento estará submetido. Pela extensão da ocupação, existe duas possibilidades de parcelamento: loteamento e condomínio.

A diferença entre as duas formas de parcelamento do solo consiste na destinação das áreas livres públicas / coletivas. No caso do loteamento, estas devem ser doadas ao poder público e registradas em Cartório, de acordo com a legislação vigente. Uma vez de propriedade pública, a manutenção e o controle são assumidos pelo governo. No caso do condomínio, as áreas livres coletivas são de propriedade do condomínio, em que cada família é proprietária de uma fração ideal. Neste caso, os moradores são responsáveis pela manutenção e gestão do local e as exigências urbanísticas são reduzidas.

As duas formas se diferem também na propriedade fundiária: no loteamento, a família é proprietária de um lote demarcado, e no condomínio, a propriedade é baseada na fração da área total.

Certamente existe ocupações que mesclam estas duas formas de parcelamento do solo, como é o caso dos loteamentos que possuem, em determinado trecho, edifícios, cuja propriedade também é baseada na fração de terreno.

No caso dos assentamentos precários ocupados pela população de baixa renda, como é o Sítio Arizona, é muito difícil assegurar que a manutenção dos espaços livres será feita pelos próprios moradores. Nestas áreas, é importante a presença e atuação constante do poder público, principalmente no que diz respeito à manutenção da qualidade das obras, por mais que este pudesse provocar um processo de fortalecimento social da população moradora. Os encargos práticos e onerosos poderão acarretar na nova deterioração do local.

Neste sentido, torna-se mais adequada, sempre que possível, a realização do parcelamento do solo por meio de loteamento, que garantirá a melhor destinação das áreas livres e públicas.

9.3 PROPOSTAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

A propriedade fundiária é um dos pontos mais problemáticos na irregularidade de loteamentos e favelas, onde o acesso dos moradores à terra geralmente ocorre por ocupação (no caso das favelas) de terrenos públicos ou privados; ou por meio da compra irregular de lotes, vendidos por grileiros ou pelos próprios proprietários, mas sem a obtenção de títulos de propriedade. Existem ainda casos juridicamente muito complexos em que conflitos de herança se misturam com processos de usucapião que, por sua vez, são vendidos à margem de qualquer processo juridicamente adequado.

No Brasil, ainda existem dificuldades n identificação do proprietário de muitas terras, assim como de sua localização. Não são poucas as sobreposições de posse de terrenos e confusões entre dados cadastrais, pois o processo histórico de apropriação e organização fundiária é repleto de lacunas.

Recentemente, a instituição do Estatuto da Cidade disponibiliza, a nível federal, novos instrumentos jurídicos que buscam assegurar o reconhecimento de posse da terra e viabilizar a regularização fundiária:

1. Usucapião

O usucapião é um direito assegurado para aquele que utilizar como sua, uma área urbana de até 250 m2, por cinco anos sem interrupção e sem oposição, ou seja, sem pedidos de reintegração de posse, para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietária de outro imóvel urbano ou rural. (Instituto Polis, 2001: p. 167)

2. Concessão Especial para Fins de Moradia

Direito à Concessão de Uso Especial Para Fins de Moradia para família que, até 30 de julho de 2001, utilizou, por cinco anos sem interrupção e sem oposição, terreno de até 250 m2 de imóvel público situado em área urbana, para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietária ou concessionária, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. (Instituto Polis, 2001: p. 177)

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3. Concessão do Direito Real de Uso - CDRU

Direito de uso do terreno, que pode ser celebrado entre proprietário e posseiro, aplicável a terrenos públicos ou particulares, de caráter gratuito ou oneroso, através de termo administrativo averbado em Cartório.

No caso de terrenos públicos, única modalidade de aplicação que se tem notícia, a concretização da CDRU está condicionada a autorização legislativa, avaliação prévia e licitação, na modalidade de concorrência e registro em Cartório de Registros de Imóveis. No entanto, a avaliação e a concorrência pública ficam dispensadas no caso de concessões destinadas à habitação popular. (Instituto Polis, 2001: p. 187 e 188)

4. Direito de Superfície

Com base no Estatuto da Cidade, o proprietário pode conceder o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no Cartório de Registros de Imóveis.

No caso da propriedade urbana ser privada, o Direito de Superfície pode ser concedido para o poder público para que este realize a urbanização e a regularização fundiária. Dessa forma, no contrato de concessão do direito de superfície poderá constar a transferência, feita pelo governo, dos lotes ou da moradia, para os ocupantes da área.

Caso a propriedade seja pública, o poder público poderá conceder diretamente à população beneficiária para fins de moradia, de forma gratuita ou onerosa, desde que justificado o interesse social da operação. (Instituto Polis, 2001: p. 110)

5. Doação com encargo

Caso o terreno seja de propriedade particular, este poderá ser doado ao Município desde que se responsabilize em promover a urbanização e a regularização fundiária da área.

O objeto do presente trabalho, o Sitio Arizona, é um terreno de propriedade particular, que, apesar de ter sido inicialmente ocupado como loteamento clandestino, sofreu invasão seguida de pedido de reintegração de posse, processo que ainda se encontra em andamento na Justiça. Esses fatos não permitem a aplicação do instrumento usucapião, tampouco a Concessão Especial para Fins de Moradia.

Esta situação condiciona a dois caminhos de regularização fundiária. O primeiro consiste na realização de acordo entre proprietário e ocupantes em que o poder público poderá prestar assessoria jurídica aos moradores, orientando a população de baixa renda sobre os instrumentos legais e jurídicos disponíveis para promover a regularização fundiária. Não existem muitos casos de referência entre esta transação, mas o proprietário poderá negociar a concessão do Direito de Superfície ou de Direito Real de Uso, de caráter gratuito ou oneroso.

A segunda possibilidade de arranjo jurídico para a regularização fundiária consiste num acordo prévio relativo à posse ou ao direito de uso entre proprietário e poder público, seguido de acordo entre poder público e ocupantes. O proprietário poderá doar ao poder público o imóvel sob estabelecimento de responsabilidades ao poder público e poderá também conceder o Direito de Superfície ou Direito Real de Uso. Além disso, o poder público poderá realizar uma desapropriação justificada pelo “interesse social” da operação, podendo incluir no cálculo do valor da desapropriação27 a existências de dívidas públicas, como Imposto Rural (IR). Uma vez a propriedade ou o direito de uso em nome do poder público, este poderá ser cedido aos moradores, por meio da Concessão de Direito Real de Uso - CDRU ou Concessão Especial para Fins de Moradia.

No entanto, as experiências de outros municípios revelam que a regularização fundiária, mesmo após a aprovação do Estatuto da Cidade, não é uma tarefa tão simples. Foram poucos os casos que tiveram a CDRU, por exemplo, - instrumento mais utilizado na urbanização de favelas - averbada em Cartório e situação fundiária totalmente regularizada. Trata-se ainda de uma constante busca pela articulação entre diferentes setores para construção de uma política urbana que assegure a regularização fundiária.

A decisão final sobre a melhor alternativa jurídica de regularização fundiária deve ser apontada com a análise cuidadosa dos fatores citados acima, incorporando dados da realidade financeira e política das famílias proprietárias. Geralmente o processo de negociação é longo e pode provocar mudanças no

27 A proposta de desapropriação do terreno pelo poder público merece uma ressalta: no atual contexto político administrativo brasileiro muitas vezes as desapropriações resultam em custos muito elevados, não correspondendo, portanto, à uma política capaz de ampliação significativa, além de acarretar em processos judiciais que podem se prolongar por décadas.

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percurso do processo.

Nesse sentido, tornam-se importantes as iniciativas de criação de programas públicos voltados à regularização fundiária que são tratados de forma intersecretarial e articulado com o Ministério Público, entre os diferentes níveis de governo e a outras modalidades de atuação na área. Nesse sentido, a ZEIS é um instrumento que vem contribuir no processo de melhoria dos assentamentos, pois, apesar da importância do reconhecimento da posse do terreno, a regularização da posse, apenas, não resolve o problema da precariedade urbana e ambiental.

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10.1 CONCEPÇÃO

A instituição da ZEIS como área especial da cidade demarcada como “de interesse social” visa, antes de tudo, a ampliação do acesso democrático à cidade e à moradia digna como direito social. Em áreas ambientalmente protegidas, a preservação da qualidade da água e do meio ambiente e o controle do crescimento urbano também são prioritários.

Dessa forma, o Plano de Urbanização da ZEIS, demarcadas em ocupações precárias localizadas em área de proteção aos mananciais, deve, mais do que instituir novas normas regulatórias para o controle do uso e ocupação do solo, corresponder a uma nova forma de planejamento que seja mais sintonizado com a realidade local (ambiental, física, política e social), que seja mais próximo de um “projeto de intervenção”, com propostas concretas de ação e intervenção (física, ambiental e social), assim como previsão de custos estimados e vinculações orçamentárias.

O Plano de Urbanização deve ter como objetivo a melhoria das condições de habitabilidade do núcleo e da qualidade de vida da população, a regularização urbanística e fundiária, melhoria das condições ambientais e, primordialmente, a melhoria da qualidade da água da represa, dos rios e córregos existentes. Deve-se buscar a inserção das favelas e loteamentos clandestinos no processo de planejamento da cidade, devendo estas áreas serem incluídas na “disputa” por recursos públicos.

Dessa forma, deve ser garantido o acesso à infra-estrutura, serviços urbanos e a equipamentos públicos e comunitários, construção e complementação do saneamento básico e do sistema viário, criação e melhoria das áreas de lazer, melhoria das habitações e provisão habitacional, articulados com programas e ações de geração de renda, de educação, de saúde e da valorização cultural. O Plano deve, portanto, prever a articulação das intervenções físicas e sociais, buscando gerar mudanças na qualidade de vida de seus moradores não apenas no âmbito da habitação e do ambiente construído, mas no campo da ampliação dos direitos sociais. Deve-se reconhecer, dessa forma, o direito à permanência dos moradores no local, buscando garantir o mínimo de remoção necessária.

Além disso, deve-se buscar a manutenção dos valores espaciais locais e a instituição de valores referentes à especificidade ambiental da área, portanto, diferenciados da cidade formal. Neste sentido, é importante manter, sempre que possível, a água com qualidade na própria bacia e micro-bacia hidrográfica, de forma que não acarrete na redução do volume de água da represa, e não ter como primeira e única alternativa a exportação de efluentes para fora da bacia. Trata-se de uma necessidade inerente a essa região da cidade.

A participação direta e ativa da população moradora deve ser um pressuposto básico no desenvolvimento e implementação do Plano através de mecanismos já previstos em Lei, em que o processo de desenvolvimento e implementação do Plano de Urbanização poderá resultar no fortalecimento tanto da própria população moradora como do poder público, ao procurar construir uma nova forma de atuação nas áreas que tiveram histórico abandono das políticas públicas.

10.2 COMPONENTES

O Plano de Urbanização deverá, portanto, ser composto minimamente pelos seguintes componentes:

1. Áreas de risco:

- Identificação das áreas de risco e das possibilidades de uso e ocupação desta porção do terreno, de acordo com análises geotécnicas, buscando a estabilização das encostas, compatíveis com o projeto urbanístico e de edificações.

- Estudo da possibilidade de manutenção da população moradora no local.

2. Sistema viário:

- Identificação dos locais em que é necessária a ampliação ou alargamento de vias de forma a proporcionar acesso adequado a todas as residências e ampliação das vias de circulação de veículos

10. PLANO DE URBANIZAÇÃO DA ZEIS28

28 Este capítulo foi elaborado com apoio do “Termo de Referência para projetos de urbanização de favelas” utilizado por HABI / SEHAB para a contratação de projetos de urbanização de favela no programa Bairro Legal (São Paulo : gestão municipal 2001 – 2004).

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para maior área possível do núcleo, buscando otimizar a coleta de lixo domiciliar e a manutenção das redes de infra-estrutura. Os parâmetros para remoção devem ser discutidos caso a caso.

- Hierarquização do sistema viário, articulando vias exclusivas de pedestres e vias de circulação de veículos.

3. Saneamento básico:

- Implantação ou complementação de rede de distribuição de água, de acordo com as diretrizes da SABESP.

- Implantação ou complementação de rede de coleta e tratamento de esgoto (em sistema separador absoluto) com indicação do destino final, sempre que possível, evitando o transporte através dos lotes.

- A solução de coleta e tratamento de esgoto deve, prioritariamente, buscar manter os efluentes líquidos finais na própria bacia e micro-bacia hidrográfica para não acarretar na diminuição do volume e na alteração qualitativa da água da represa.

- Implantação de sistema de drenagem de águas pluviais com lançamento dos efluentes da rede nos corpos d’água.

- Implementação de soluções de canalização aberta dos córregos, sempre que possível, associados às áreas livres e de lazer.

- Fornecimento de energia elétrica para todas as moradias e ao sistema de iluminação pública, de acordo com as diretrizes da Eletropaulo.

4. Habitação (edificações):

- Identificação do número de remoções necessárias e propostas de tipologias habitacionais para o reassentamento das famílias, sempre que possível, no próprio núcleo.

- Identificação das moradias remanescentes que apresentem condições de insalubridade.

- Realização de propostas de tipologias que poderão contemplar unidades de uso misto (residencial e comercial) ou de uso exclusivamente comercial am áreas delimitadas e destinadas a esse uso, de forma a propiciar a ampliação dos espaços de comércio, trabalho e geração de renda, vinculados às centralidades existentes.

5. Serviços e equipamentos sociais:

- Partindo das necessidades levantadas pelo diagnóstico, identificar as possibilidades de implantação de equipamentos sociais e serviços públicos, localização, proposta de utilização e capacidade de atendimento.

6. Áreas livres e de lazer:

- Apresentação de proposta de paisagismo para as áreas verdes, vias e áreas livres, indicando locais para implantação de áreas esportivas e apontando demais usos adequados.

7. Parcelamento do solo:

- Elaboração de projeto de parcelamento do solo identificando a delimitação do lote ou unidade habitacional referente a cada família, assim como o acesso às residências por via coletiva de largura adequada.

8. Ação social:

- Propostas de ações de mobilização e organização dos moradores para a discussão do Plano de Urbanização.

- Propostas de cursos de capacitação dos moradores voltados a áreas que possam ter vínculo com atividades proporcionadas pela ação do poder público.

- Propostas de integração de políticas sociais existentes nas diversas Secretarias e níveis de governo, como ocorre na experiência da Prefeitura de Santo André: “tudo ao mesmo tempo, no mesmo lugar”.

9. Cronograma:

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- Descrição da estratégia de implantação das intervenções e apresentação de propostas de articulação de etapas, com a descrição das ações no tempo.

10. Orçamento:

- Previsão orçamentária para a realização das intervenções físicas e das ações sociais, incluindo-se o levantamento das possibilidades de captação de recursos.

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11.1 CONCEPÇÃO

A ocupação das áreas de proteção aos mananciais por assentamentos humanos precários exige a formulação de políticas urbanas que articulem a aprovação de normas legais à criação de programas públicos que impliquem na construção de uma gestão urbana específica para essas áreas. Ou seja, apenas a aprovação de uma legislação mais democrática, como o Estatuto da Cidade, ou as Leis Específicas de Bacias Hidrográficas, garante a sua implementação ou a mudança no quadro sócio-ambiental da área. Pois, como afirma Maricato, “o descasamento entre leis, planos e gestão é outra das tradições arcaicas do Brasil, que é preciso superar”. (Maricato, In: Bonduki, 1997: p. 40)

Tem-se observado que no Brasil, historicamente, a simples elaboração de Leis não significa que elas sejam efetivamente implementadas; pelo contrário, muitas delas funcionam na prática como instrumentos de manipulação ideológica e são somadas a muitas outras “engavetadas”. Além da legislação fundiária é preciso democratizar as políticas urbanas, e em especial os investimentos públicos voltados ao urbano. Segundo Maricato, “não é por falta de planos urbanísticos que as cidades brasileiras apresentam problemas graves. Não é também, necessariamente, devido à má qualidade desses planos, mas porque seu crescimento se faz ao largo dos Planos aprovados nas Câmaras Municipais, que seguem interesses tradicionais da política local e grupos específicos ligados ao governo de plantão”. (Maricato, 2000: p. 124)

Nesse sentido, a gestão urbana tem o importante papel de passar para a ação prática as conquistas adquiridas no campo do direito. No entanto, deve ser concebida com especial cuidado, pois é na atuação concreta que acontece a real disputa entre a cidade do capital e a cidade dos direitos pelo direcionamento dos recursos públicos.

No caso das áreas de proteção aos mananciais, a construção articulada de uma política voltada à melhoria dos assentamentos humanos e à preservação da qualidade das águas dos córregos, rios e represas exige a priorização dessa região da cidade no direcionamento dos recursos públicos, a consolidação de um novo sistema de gestão e a sua inclusão no planejamento urbano integrado. É necessária a concepção de uma política urbana que associe propostas relativas à questão habitacional, e ao acesso à terra urbana, à melhoria da qualidade ambiental, que tradicionalmente seguiram caminhos separados. O Estatuto da Cidade, por exemplo, embora não tenha sido concebido para a gestão dos recursos hídricos, pode ser aplicado a esse segmento.

Neste contexto, a demarcação e a aplicação das ZEIS em área de proteção aos mananciais é um dos instrumentos que poderá contribuir para a melhoria da qualidade ambiental da área e dos assentamentos humanos existentes. No entanto, estas são as áreas que representam o front da expansão urbana, e as medidas de implantação de infra-estrutura poderão estimular o adensamento da região. Neste sentido, entende-se que apenas a instituição das ZEIS em área de proteção aos mananciais não é suficiente para assegurar a melhoria da qualidade ambiental da área. A aplicação deste instrumento nesta região da cidade deve ser associada à ampliação da oferta de moradia popular nas áreas mais centrais da cidade, associadas à instituição das ZEIS em outras regiões. Trata-se também da constituição de uma complementaridade entre as diferentes ZEIS.

A ampliação das ZEIS nas áreas centrais, associada a uma política de provisão habitacional “não será suficiente, nem a curto nem a médio prazo, para diminuir a situação de exclusão a que é relegada a população da periferia. As massas deslocadas para as favelas e loteamentos periféricos já uniram seus destinos à orientação pública historicamente deliberada de precariedade das redes de transporte, comércio, equipamentos públicos e infra-estrutura nessas regiões.” (LABHAB, 2003: p. 12)

Dessa forma, é reconhecida a necessidade de consolidação e urbanização dessas áreas. No entanto, a elaboração dos Planos de Urbanização deve estar vinculada a Planos mais amplos de gestão dos recursos hídricos e de ampliação da produção habitacional em toda a cidade e região metropolitana, associados ao aumento da capacidade fiscalizatória dos governos.

11. GESTÃO URBANA

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11.2 INTEGRAÇÃO DAS AÇÕES

A integração entre políticas de diferentes setores é uma das problemáticas mais enfatizadas sobre a forma de atução do poder público. Existem problemas referentes à sobreposição ou conflitos entre funções e ações num mesmo território, às vezes, de um mesmo governo e problemas referentes aos limites administrativos, muncipais regionais, ou distritais, que nem sempre correspondem aos limites das favelas e loteamentos.

É necessário, portanto, um esforço de direcionamento e integração de políticas entre as diversas secretarias, departamentos e níveis de governo, para a formação de uma sinergia para a melhoria de uma determinada área.29 No entanto, esta integração deve ser entendida não apenas como forcalização das diferentes políticas num mesmo território, mas principalmente como articulação das ações e projetos.

No caso do Programa Guarapiranga, foram observados descompassos entre os tempos de impementação das ações, no qual a realização dos projetos das diferentes áreas (habitação, saneamento, educação, etc.), na prática, ocoreu de forma isolada e muito pouco integrada. (Uemura, 2000)

Segundo Uemura, são problemas recorrentes em um Estado que sempre trabalhou segmentadamente e no qual o trabalho integrado é visto como a diluição do seu poder”. (Uemura, 2000: p. 144)

29 O Consórcio ABC é um exemplo de diálogo entre diferentes municípios e setores da sociedade civil.

30 “O número de integrantes do Conselho Gestor será definido em função do número de moradores ou de famílias a serem atendidas na área abrangida pelo Plano de Urbanização, garantido o mínimo de 4 (quatro) integrantes e, nesse caso, a participação do Poder Público por 1 (um) representante da SEHAB e de 1 (um) da Subprefeitura”. (Decreto no 44.667/04 – Art. 22 - § 2º) E “a designação dos representantes da sociedade civil será feita por indicação dos moradores, proprietários, suas respectivas associações e entidades atuantes na área da ZEIS, garantida a comprovação da representatividade da indicação”. (Decreto no 44.667/04 – Art. 22 - § 3º)

31 Para Ancona, “a opção de gestão por bacia hidrográfica, que atende apenas critérios da geografia física, num sistema profundamente alterado pelo intenso desenvolvimento social e econômico, ainda não conseguiu comprovar sua eficiência. Em outras palavras: as dificuldades de integração política entre Estado e municípios, assim como entre as decisões dos diversos órgãos setoriais do Estado, não são facilitadas pelo sistema de regiões, divisões territoriais utilizadas por outros setores da administração pública, e tampouco os próprios limites municipais”. (Ancona, 2002: p. 246)

11.3 GESTÃO PARTICIPATIVA

É importante, como pressuposto da ação prática da política urbana, a implementação de uma gestão que seja participativa, de modo a assumir o compartilhamento de decisões, vinculando escolhas populares à execução de políticas públicas, configurando uma nova (e fortalecida) forma de atuação do poder público no regime democrático. Neste sentido, a participação dos diferentes atores na tomada de decisão conjunta poderá definir a validade, a apropriação e a sustentabilidade de uma determinada ação.

O termo gestão participativa acompanha o quadro de mudança de condução política de gestões democráticas em todo o mundo e vem modificando a legitimidade da representação tradicional, “posto que a forma democrática representativa é insuficiente para dar conta da profunda separação entre governantes e governados na escala moderna”. (Oliveira, 2002)

A gestão participativa, na dimensão urbana, é vista como um meio de envolvimento, fortalecimento dos atores sociais e do poder público, além de permitir que sejam evidenciados conflitos existentes e dar espaço para que sejam trabalhados e enfrentados na sua complexidade. Trata-se da tentativa de “mediação das relações sociais por um espaço não-privado”. (Oliveira, 2002)

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No entanto, existe uma tendência em entender a gestão participativa como um espaço de construção de consensos, de busca de iguais, ao invés de levantar os conflitos existentes e enfrentá-los. A participação, por si só, não é uma referência direta de uma política democrática. Muitas vezes, esses espaços de diálogo podem representar uma “falsa participação”, ou seja, quando nem todos os atores envolvidos têm acento na mesa de negociação social ou quando são manipulados de alguma forma. O caráter de tais experiências deve ser revelado através da análise dos resultados concretos da cidade.

O grande desafio da gestão participativa é criar uma verdadeira alternativa de gestão urbana descentralizada que não trabalhe no sentido de encobrir os conflitos, mas de trazê-los à tona construindo negociações mais democráticas e transparentes, na busca pela construção da cidade dos direitos.

11.4 GESTÃO DAS ZEIS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS

A concepção da ZEIS apresentada no Plano Diretor do Município de São Paulo está associada à implementação de uma gestão participativa, vinculando a atuação da população moradora em todas as etapas de desenvolvimento da intervenção urbana. A principal instância institucional proposta é a formação de Conselhos Gestores, compostos por representantes do poder público, dos moradores e dos proprietários30, sendo o Conselho responsável pela elaboração do diagnóstico, das diretrizes de intervenção e do Plano de Urbanização. (Decreto no 44.667/04) No entanto, é importante que atue também na implementação e no monitoramento das ações, como demonstrou a experiência da Prefeitura de Santo André.

A gestão de áreas de proteção aos mananciais deve ser estreitamente vinculada à gestão da micro-bacia hidrográfica. Dessa forma, a atuação dos Conselhos Gestores das ZEIS nesta delimitação territorial pode ocorrer pela consolidação de um Fórum dos Conselhos Gestores de ZEIS por micro-bacia hidrográfica, composto por membros dos Conselhos que nela estão inseridos. Pois, como mostraram, por exemplo, os projetos de coleta e tratamento de esgoto e de drenagem urbana, a gestão das intervenções não se limitará ao limite da ZEIS, mas abrangerá a gestão da micro-bacia. Esse casamento de gestões é delicado, mas é possível de ser concretizado, com o devido reconhecimento político.31

11.5 A INSTITUIÇÃO DOS ESCRITÓRIOS LOCAIS - NOVO SISTEMA DE GESTÃO DO TERRITÓRIO

É necessário conceber como poderá ser desenvolvida e articulada, na prática, cada etapa de implementação da ZEIS (construção do diagnóstico, das diretrizes e do Plano de Urbanização). Nesse sentido, a experiência da Prefeitura de São Paulo de implementação das ZEIS em áreas centrais, apresentou inovações no campo da gestão urbana por meio da instalação dos “Escritórios Antena”, ou seja, da constituição de um “braço da Prefeitura no território”, formado por uma equipe de técnicos voltados à construção, integração e realização das ações nas ZEIS.

Nesta experiência, o escritório local, entendido não apenas como técnico, mas também como político, foi o principal ator responsável pelo estabelecimento do diálogo entre a população, o poder público, comerciantes e os proprietários, no desenvolvimento e na articulação de todas as etapas previstas para a implementação da ZEIS, fundamental para a construção de uma nova forma de investimento público na área. Este processo de gestão, para ser concretizado, exigiu o direcionamento dos investimentos públicos para a consolidação desta equipe técnica e social voltada exclusivamente a essa porção “especial” da cidade. Essa equipe esteve, na prática, buscando ampliar o debate em torno dos investimentos e da priorização da ZEIS nas estratégias de desenvolvimento urbano.

Além disso, o Escritório Antena buscou estabelecer uma nova relação entre poder público e população, resultando, de alguma forma, no fortalecimento, não apenas da população que passou a ser ouvida e a decidir sobre o direcionamento dos investimentos na sua própria área, mas principalmente do poder público e de sua capacidade administrativa. Trata-se de buscar a construção do conhecimento sobre a área e das possibilidades de melhoria de forma coletiva, partindo do conhecimento que cada grupo possui.

Dessa forma, deve-se buscar reconhecer e trabalhar com a rede de solidariedade já existente, não apenas com o modelo de associação de moradores, mas buscar identificar novas formas

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de organização social não institucionalizadas. A prática participativa exige um grande trabalho de construção de uma nova relação entre o poder público e a população, em que o tempo e a metodologia de desenvolvimento dos trabalhos passa a ser diretamente vinculada com o incremento da capacidade de atuação da população no diálogo e da capacidade do poder público em absorver as novas propostas. Além disso, a necessária continuidade das diversas etapas é uma das peças chaves para que essa relação seja bem sucedida.

No caso das áreas de proteção aos mananciais, a possibilidade de instalação de um escritório local é estratégica no estabelecimento do diálogo entre as diferentes ações e políticas tanto para o território da ZEIS como da micro-bacia hidrográfica. Além disso, pela evidente precariedade em que se encontra esta região da cidade, a necessidade de intervenções é muito grande, e só acarretará na mudança da qualidade ambiental se for bem executada e mantida. Nesse sentido, o arranjo entre os diferentes projetos é delicado e a probabilidade de futuras intervenções por parte dos moradores não é pequena. Trata-se de uma área em expansão da cidade, que deverá receber medidas amplas de congelamento.

Dessa forma, o escritório local poderá prestar assessoria técnica às novas intervenções e às áreas que serão consolidadas, seja, para as residências que realizaram corte de terreno muito acentuado, seja para as novas residências construídas em encostas. Segundo Farah, “depois de consolidados, através da impermeabilização propiciada pela ocupação plena, pela pavimentação das vias e pela implantação de redes de esgoto, os loteamentos tendem ainda a apresentar problemas provenientes das deficiências construtivas das habitações e de seus apêndices. São comuns, por exemplo, as quedas de muros de divisas, os recalques e os desmoronamentos de casas, além dos deslizamentos de taludes ainda expostos”. (Farah, 1998: p. 142)

Para Bueno, o escritório local tem importante papel também na etapa do pós-obra, pois “o importante a considerar é que se não houver manutenção urbana e fiscalização para que não sejam executadas ampliações de casas sobre as redes, as áreas voltarão a se deteriorar, ou seja, as condições de vida da comunidade voltarão a piorar”. (Bueno, 2000: p. 343)

Estas ações podem estar vinculadas às atividades de capacitação da população e de funcionários públicos voltadas para as especificidades técnicas e ambientais da região, assim como para a formação de novos valores referentes à gestão compartilhada na manutenção das melhorias realizadas. Seria a concretização do desenvolvimento e qualificação social através da cidade.

“Um processo de escolarização e de trabalho, através de mutirões remunerados, cooperativas de serviços, educação sanitária e ambiental, certamente pode otimizar a melhoria da qualidade de vida proporcionada pelas obras urbanas (ainda mais aos olhos de quem mora em uma favela). (...) Mas deve-se ter claro que urbanização não é geração de emprego e renda. A prioridade de um projeto de urbanização é fazer obras para melhorar a acessibilidade e o saneamento a comunidade”. (Bueno, 2000: p. 344)

No conjunto, a realização de grandes investimentos públicos na ampliação da infra-estrutura urbana da área, na regularização urbanística e fundiária proporcionará ao poder público uma nova relação com os moradores, que bem informada, poderá tornar também mais viável e eficiente a ampliação da fiscalização na área.

11.6 GESTÃO INTERNA DO ASSENTAMENTO

Este novo processo de gestão pode também ser implementado no cotidiano da vida na favela ou no loteamento. Durante o processo de desenvolvimento das ações e após a implementação das obras, poderiam ser acordadas entre os moradores as normas internas da ocupação - “regras de convivência” - que, diferentemente das normas legais, se remeteriam à realidade direta e específica da população.

Além disso, poderiam ser criados pequenos “condomínios”, por quadras ou trechos, de acordo com a realidade física e social da área, nos quais os moradores ficariam responsáveis por algumas ações, como fiscalização de novas ocupações ou monitoramento das obras, por exemplo. Esta delimitação interna poderia corresponder também à área de atuação dos catadores de lixo remunerados (em caso de vielas que não permitem acesso à veículos), dos “agentes comunitários em habitação”.

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11.7 RELAÇÃO COM COMITÊ E SUBCOMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA

Não está prevista em Lei a articulação da ZEIS (Plano de Urbanização e Conselhos Gestores) com os comitês e subcomitês de bacia hidrográfica. No entanto, em área de proteção aos mananciais, é muito importante que haja uma integração de políticas e essa articulação caminha também no campo da gestão.

Os comitês e subcomitês deverão incorporar, nas discussões e ações referentes à ocupação das áreas ambientalmente protegidas, a utilização do instrumento ZEIS como uma forma de alcançar a melhoria da qualidade ambiental da área. Para isso, deve se considerar necessária a concepção e implementação de políticas voltadas à consolidação dos assentamentos humanos de forma adequada à preservação ambiental, que deve acarretar na mudança tanto da imagem que se tem de uma área considerada “preservada” quanto da forma tradicional de ocupação do solo urbano.

Os comitês e subcomitês poderão monitorar e articular, no que se refere às ZEIS, as diretrizes e ações por micro-bacia, verificando de que forma a soma de intervenções em ZEIS está provocando a melhoria da qualidade das águas dos córregos rios e represas e buscar a melhor integração entre as diversas intervenções.

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12.1 SISTEMA VIÁRIO INTERNO

Acessibilidade

A reestruturação viária depende de outros critérios que não apenas os relativos à acessibilidade adequada de veículos e de pedestres a cada moradia. Primeiramente, deve-se garantir o acesso por via coletiva para todas as residências.

As dificuldades de circulação na área ocorrem em virtude de:

1. Vielas longas e/ou estreitas, sobre a qual devem ser estudadas soluções de alargamento e de articulação com outras vias.

2. Trechos específicos de vias com declividade muito alta, resultado de corte de terreno, que muitas vezes não permite a passagem de veículos. Estes locais foram identificanos, no presente trabalho, como pontos críticos.

3. Escadões que não tiveram construídos os patamares intermediários. Deve-se pensar em soluções, de forma a minimizar riscos acidentes mais graves em caso de quedas.

4. Setores da ocupação com acesso somente para pedestres. Nestas áreas deve-se prever abertura ou alargamento de vias, assim como adequação da declividade para permitir o acesso à veículos. Um padrão referente ao comprimento das vias de pedestres que é utilizado por inúmeras Prefeituras, em termos de urbanização de favelas, é a distância máxima de 60 metros para uma pessoa sair de sua moradia e chegar a uma via de veículos.

A soma dos projetos de acessibilidade proporciona, como resultado a proposta de reestruturação viária do núcleo: identificação das vias a serem abertas, seja por ligação viária ou para garantir acesso às casas que estão no interior das quadras; e das vias a serem alargadas, de forma a permitir acesso a veículos.

12. REFLEXÕES SOBRE SOLUÇÕES DE PROJETOS

Acima: esquema dos “pontos críticos” do sistema viário interno, em que o corte do terreno para a construção da via perpendicular acarretou na acentuação da declividade. Esses casos podem ser resolvidos com “ousadia” projetiva para o sistema viário, como mostra a foto abaixo.

Fonte: Bueno, 200: p. 330.

Escadaria - estrada M’Boi Mirim

Quadra com concentração e habitações acessíveis por vielas estreitas que necessita de alargamento, que deve ser analisado caso a caso.

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Localização das grandes áreas sem acesso à veículos (em vermelho) e da área que não foi possível fazer levantamento (em amarelo).

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Transporte público

Uma vez elaboradas as propostas de reestruturação do sistema viário interno, pode-se prever possibilidades de percurso interno de transporte público, que atualmente se concentra apenas na estrada M’Boi Mirim e na avenida dos Funcionários Públicos.

As características do Sítio Arizona - grande extensão da ocupação e altas declividades das vias de acesso às moradias - exigem a passagem de transporte público pela ocupação.

12.2 SANEAMENTO BÁSICO

Abastecimento de água

O sistema de abastecimento de água deve ser feito pela SABESP, incluindo, portanto, esta porção da cidade nos planos setoriais de abastecimento. No entanto, observa-se pelo relato de experiência dos moradores que é muito comum, que famílias não consigam arcar com o custo do fornecimento. Deve-se, então, prever um sistema de subsídio da tarifas por parte do poder público.

Em casos de assentamentos em terrenos com declividades muito acentuadas, é recomendável a utilização de reservatórios próprios para o núcleo, de forma a manter a frequencia do abastecimento. (Bueno, 2000: p. 329)

Coleta e tratamento de esgoto

Coleta de esgoto

A coleta de esgoto pode ocorrer, de modo geral, por duas formas:

1. Rede convencional: que se refere à coleta de esgoto exclusivamente por via pública que deve permitir acesso à todas as residências do núcleo.

2. Rede condominial: que consiste na formação de “condomínios” de rede de esgoto que passará por dentro dos lotes de forma interligada entre as residências de uma mesma quadra. Neste caso, há uma considerável economia de material e obra.

A rede condominial foi muito defendida nas práticas de urbanização de favelas, por proporcionar redução do custo do empreendimento e por minimizar as obras. No entanto, identifica-se grande dificuldade no controle sobre as alterações da ocupação de cada lote sobre a rede de coleta de esgoto. Novas construções podem acarretar na danificação da rede do “condomínio” e prejudicar os moradores da quadra. (Bueno, 2000)

Para assentamentos humanos, ocupados prioritariamente pela população de baixa renda, a melhor solução, é a coleta de esgoto por rede convencional, mesmo que exija maior disponibilidade de recursos.

No entanto, no caso do Sítio Arizona, verificou-se a existência de casos em que não será possível passar a rede apenas por vias públicas ou coletivas, como por exemplo em vielas cuja entrada está em ponto mais alto do que as residências. Nesses casos, deve-se abrir exceções e permitir a passagem da rede por lotes vizinhos, ao invés de arcar com a compra de pequenas bombas.

Tratamento do esgoto

A rede de captação de esgoto da SABESP termina na estrada M’Boi Mirim e na avenida dos Funcionários Públicos, pois já se encontra em operação em trechos dos núcleos Vila Calú e Vera Cruz. A princípio, mostra-se mais conveniente como solução para a coleta e tratamento do esgoto, a ligação geral das residências à rede existente, que dessa forma, deverá ser ampliada. Esta solução é baseada na retirada e tratamento do esgoto fora da bacia hidrográfica. No entanto, esta medida, se generalizada para os demais núcleos, acarretará numa redução significativa do volume de água que caminha para a represa.

Nesse sentido, parece mais adequado, como uma política para a ampliação do saneamento básico nas áreas de proteção aos mananciais, o tratamento geral do esgoto, sempre que possível, na própria bacia e o despejo da água tratada no reservatório. Trata-se de uma decisão política de gestão delicada.

Desenho explicativo que mostra o movimento de defesa da rede condominial de coleta de esgoto.

Fonte: Bueno, 2000: p. 184.

Demarcação da divisão entre duas micro-bacias em que está inserido o Sítio Arizona. Estas áreas terão destinações diferentes na coleta e tratamento de esgoto.

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Dessa forma, o tratamento pode ser feito de forma pulverizada por micro-bacias hidrográficas, acompanhando o escoamento natural dos efluentes na topografia, que pode assumir investimentos e gestões diferentes de acordo com a realidade dos núcleos.

Propõe-se, então, o tratamento do esgoto do Sítio Arizona nas micro-bacias em que está inserido. Dessa forma, o Plano de Urbanização de cada ZEIS em área de proteção aos mananciais deve entrar em grande sintonia com os Planos de micro-bacia, uma vez que uma mesma ZEIS pode ter duas ou mais destinações diferentes de tratamento do esgoto, de acordo com o número de micro-bacias em que está inserido. Esta opção exige um grande investimento político na gestão da associação entre a delimitação da ZEIS e da micro-bacia.

Nesse sentido, observa-se duas possibilidades de tratamento de esgoto por micro-bacia:

1. Pulverizado por sub-bacias da micro-bacia

2. Unificado para a micro-bacia (todos os assentamentos que forem ligados à nova rede).

Para a implementação da segunda proposta, deve-se ainda verificar a capacidade física, política e econômica dos demais núcleos da micro-bacia de adotar esta forma de tratamento que poderia ser unificada próximo ao rio Embu-Mirim.

É necessário ainda avaliar a possibilidade e adequabilidade de uso das várzeas no processo de tratamento de esgoto. Existem inúmeras experiências de utilização das várzeas inclusive como última etapa do processo de tratamento, podendo abrigar inclusive atividades de agricultura urbana.

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Coleta de lixo

Com a reestruturação do sistema viário, a coleta de lixo porta a porta será feita nas vias em que há acesso a caminhões. Sabe-se, no entanto, que existem vielas em que não será possível a realização da coleta desta forma. Para essas residências, o lixo deverá ser depositado em pontos de entrega.

São conhecidas as experiências que instituíram os “catadores comunitários”, que são moradores da área remunerados para a coleta do lixo nas áreas em que o serviço público porta a porta não é viabilizado.

Além disso, deve haver um acompanhamento periódico da freqüência dos serviços de coleta, que são considerados insuficientes, principalmente quando envolvem operações com pontos de entrega.

A ampliação da coleta de lixo e a melhoria do serviço não podem estar desvinculados de ações mais amplas de destinação dos resíduos sólidos. A coleta seletiva deve ser ampliada para esta região da cidade, com a incorporação das cooperativas de catadores existente (ou a ser formada) no trabalho realizado.

Fornecimento de energia elétrica

A energia elétrica já foi estendida por quase toda a ocupação desde o final da década de 90. A extensão da rede para atender as residências localizadas na parte referente à área de risco deverá ser feita mediante projeto e ação do poder público para a ocupação adequada da área. Além disso, deve-se ampliar o fornecimento de iluminação pública para toda a gleba.

Assim como ocorre no pagamento das contas de água, é muito comum que famílias não consigam arcar com o custo do fornecimento. Deve-se, então, prever um sistema de subsídio por parte do poder público, seja por meio da “tarifa social” ou de outras formas a serem instituídas.

Drenagem

As soluções de drenagem estão articuladas tanto com o direcionamento do percurso das águas pluviais, como das águas de nascentes e córregos.

No caso das nascentes, podem ser observadas experiências de utilização da água em atividades de lazer, incorporando o desenho do percurso nos espaços de convivência da população.

No caso dos córregos, muito tem-se discutido sobre a necessidade ou não da canalização, uma vez que vertentes ambientalistas passaram a defender a adoção de soluções mais próximas da realidade natural do meio ambiente. Para a implantação dessa solução, deve-se observar o conjunto das ocupações, pois a insistência em manter o córrego natural em apenas um núcleo em meio a muitos canalizados não é uma medida que vai acarretar em significativa contribuição à preservação ambiental.

Possibilidades de uso da água nos espaços livres de lazer.

Fonte: Uemura, 2000

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No caso das águas pluviais, as soluções devem articular ações de macro e micro-drenagem, pois, em áreas com declive acentuado, o escoamento nas superfícies pode causar sérios desmoronamento existentes, fato que pode ocorrer mesmo após a realização das obras na área, pois ainda existirão problemas referentes aos cortes de terreno.

Em altas declividades existe também o problema da aceleração do escoamento da água, que acumula muita velocidade em locais íngremes. As soluções de drenagem devem revelar, no espaço urbano, a relação dos danos que a ocupação pode causar com a topografia e com a formação dos córregos, nos termos do projeto de drenagem.

Medidas de redução de velocidade e de contenção provisória das águas pluviais devem estar diretamente vinculadas com os projetos das áreas de lazer, das habitações e da reestruturação viária.

A princípio, as águas coletadas pela drenagem urbana são despejadas nos córregos. Existe, no entanto, grande preocupação com a poluição difusa que caminha com as águas e contribuirá para a poluição das águas da represa. Além das ações de controle de poluição das águas pluviais, deve-se avaliar a possibilidade de realização de tratamento dessas águas na própria micro-bacia hidrográfica, pois, “resolvidos o afastamento e disposição adequada dos resíduos (lixo e esgoto doméstico), a poluição difusa é o maior problema. Há muita dificuldade de controle dos contaminantes produzidos pela atividade urbana – poeira e desgaste de pneus, lixo lançado na via pública, uso de agrotóxicos em paisagismo, lançamento de dejetos na drenagem. Em área de mananciais, deverá haver um cuidado muito maior com relação ao comportamento da população moradora da área da sub-bacia e na eficácia dos sistemas de fiscalização de atividades irregulares que possam produzir poluentes. A ação de regularização/recuperação deverá ser monitorada e fiscalizada visando continuamente auferir os resultados do processo de recuperação”. (Gepam, 2004: p. 24)

Propostas de soluções de articulação entre os projetos para espaços livres associados à micro-drenagem, buscando o desaceleramento da velocidade da água e a sua contenção provisória.

Fonte: Guarapiranga

Proposta de solução de articulação entre os projetos para estruturação da escadaria associados à micro-drenagem, buscando o desaceleramento da velocidade da água.

Fonte: Bueno, 2000: p. 190.

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12.3 HABITAÇÃO

No que se refere à moradia, no Sítio Arizona, o projeto habitacional deve prever ações previstas para quatro diferentes situações:

1. Consolidação e adequação das unidades já construídas;

2. Utilização dos lotes livres;

3. Utilização das pequenas chácaras com áreas livres;

4. Utilização da grande área de risco.

A consolidação e adequação das residências já construídas

Com a generalização da prática de construção de casas de alvenaria em favelas e loteamentos irregulares, tornou-se mais difícil as medidas de reparcelamento do solo. Os investimentos feitos por cada família são significativamente altos e a estrutura urbana é visivelmente mais consolidada. Trata-se também de um processo de incorporação e de valorização da malha urbana da favela, caracteristicamente espontânea, no tecido da cidade legal.

No entanto, apesar de consolidadas, em encostas, como é o caso do Sítio Arizona, a construção implica em grandes cortes de terreno, que associados à prática tipológica das habitações nas favelas, produzem condições de má iluminação e ventilação dos cômodos. Nesse sentido, devem ser implementadas medidas de adequação das unidades construídas, por meio da realização de pequenas reformas que podem acarretar em mudanças significativas na qualidade das habitações.

Utilização dos lotes livres

O projeto de unidades habitacionais para ocupação dos lotes isolados deve prever necessariamente vencimento de declividades variáveis, além da utilização dos lotes por uma ou mais famílias, podendo este se constituir num pequeno condomínio horizontal, como já ocorre na prática. Isso porque é muito comum as pessoas receberem seus familiares na própria casa por tempo determinado ou indeterminado, além de ampliar a construção quando ocorre a constituição de uma nova família, como no casamento da filha ou do filho. Por isso, deve-se prever ações de assessoria técnica e de informação dos moradores.

Propostas de soluções de projeto para ocupação dos lotes livres

Foto ilustrativa da forma inadequada de ocupação de encostas que exige reformas pensadas e realizadas para cada lote ou conjunto de lotes.Fonte: SEHAB/PMSP.

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Utilização das pequenas chácaras com áreas livres

É muito difícil prever se as pequenas chácaras existentes no núcleo permanecerão com a atual metragem de área livre. Muitas delas já estão sendo ocupadas por novas construções, que, por se tratar de áreas com muita declividade, geralmente são precárias e podem acarretar no risco de desabamento de construções vizinhas. Deve-se prever, portanto, propostas de ocupação adequadas dessas porções de terra.

Utilização da grande área de risco

A região considerada de risco sofrerá ampla remoção das casas no estado em que se encontram e será realizada, compreendendo a realização de uma intervenção que articulará a produção habitacional, construção de equipamentos públicos necessários e a criação de áreas de lazer.

Conforme determinado nas diretrizes de intervenção no Sítio Arizona, a área de risco existente no núcleo deverá ser totalmente reestruturada, devendo abrigar as unidades habitacionais necessárias para a relocação das famílias no local, equipamentos e serviços públicos necessários para a região, articulados com criação de espaços de lazer ao redor de grandes espaços livres ao longo do córrego.

Vale a pena ressaltar que todas essas diferentes formas de produção habitacional, seja privada ou de promoção pública tratam de ocupação de encostas, sendo esta uma realidade não restrita a este núcleo, mas ao conjunto das ocupações desta região da cidade.

Trata-se de buscar formas alternativas de atingir os objetivos da legislação em termos de proteção ambiental e a qualidade do assentamento humano, por meio de projetos de edificação e de sua implantação ambientalmente mais adequados, evitando erosões e assoreamento dos corpos d’água. As propostas baseiam-se no entendimento de que a ocupação planejada e criteriosa tem efeitos muito mais positivos sobre o a área do que a postura de apenas proibir a ocupação, e não agir sobre ela pela sua inadequação às normas legais.

Uma das conclusões é a de que é possível salvaguardar ecologicamente, em se tratando de encostas, as áreas de proteção aos mananciais mantendo a ocupação humana. Essa viabilidade depende de manter as propostas inalteradas durante sua execução, pois nenhum planejamento de ocupação de encostas pode ser bem sucedido se ampliações arbitrárias acontecerem. Deve-se ter em conta que ocupação de encosta é possível mas baseia-se num equilíbrio delicado.

Além disso, os projetos das edificações e implantações devem partir do pressuposto de buscar realizar o mínimo possível de alteração do terreno e de impacto sobre o percurso natural das águas de chuva, pois podem afetar o meio ambiente de maneira muito severa e as conseqüências extremamente negativas.

É importante relembrar que, em alguns solos, a configuração das camadas ou que a profundidade de solo confiável está a uma profundidade que exige a utilização de um tipo de fundação mais cara que pode inviabilizar o empreendimento. Para estas avaliações, são necessárias análises de solo, cuja realização não foi possível neste trabalho de graduação.

Outro aspecto que deve ser ressaltado é que, em áreas de elevada declividade natural, são mais adequadas soluções que envolvem estacionamento coletivo. A pior solução para estes casos é o fornecimento de lotes urbanizados de pequenas dimensões com acesso de automóvel particular. Neste caso, tem-se inevitavelmente elevado movimento de terra para implantação das vias e das unidades habitacionais, o que não é aconselhável nessas situações topográficas.

Por fim, é necessário ressaltar que implantações em encostas tendem a envolver custos mais elevados que implantações em terrenos planos. Portanto, é natural que este empreendimento habitacional realizado na atual área de risco do Sítio Arizona seja mais caro que os empreendimentos tradicionais de habitação popular. No entanto, a realização de algumas tipologias habitacionais padrões, produzidas em condomínios rateará o custo de estudos geotécnicos e soluções projetuais feitas em casa residência (lote) isoladamente. (Farah, 1998: p. 178)

Conclui-se que seria muito mais eficiente se as leis atribuíssem mais responsabilidade aos projetistas sendo mais permissivos na análise de propostas não convencionais, buscando enfatizar sempre a intenção primária do texto legal a ser respeitado. Proibir ou restringir, sem a criação de alternativas, tem significado, apenas, de incentivar o inadequado.

Desenho ilustrativo que mostra a construção da ideologia de remodelação da favela segundo tipologias convencionais de parcelamento do solo.

Fonte: Bueno, 2000: 177.

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Para a ocupação de encostras foram feitos estudos de diferentes tipologias de ocupação que resultaram na formação de um quadro comparativo das soluções:

Horizontal: Entrega de lotes terraplenados - Casas isoladas com área livre privada (talude)

Horizontal: Lotes isolados - Casas geminadas com área livre privada (quintal)

Horizontal: Casas sobrepostas - condomínio - sem área livre privada

Vertical: Edifício - condomínio

Pontos positivos:- Maior porção de área permeável- Menor movimentação de terra- Ocupação menos densa- Tipologia semelhante ao restante do assentamento

Pontos negativos:- Difícil controle de novas construções (muito provável que aconteça)- Difícil controle de modificações na habitação (qualidade da iluminação e ventilação)

Pontos positivos:- Porção de área permeável (quintal)- Tipologia semelhante ao restante do assentamento

Pontos negativos:- Difícil controle de novas construções - verticalmente e horizontalmente (muito provável que aconteça)- Difícil controle de modificações na habitação (qualidade da iluminação e ventilação)

Pontos positivos:- Maior controle de novas construções- Maior controle de modificações na habitação (condomínio)- Ocupação densa, concentrada (movimentação de terra concentrada)- Tipologia semelhante com com o restante do assentamento

Pontos negativos:- Menor área permeável

Pontos positivos:- Maior controle de modificações na habitação (condomínio)- Ocupação muito densa, muito concentrada (movimentação de terra concentrada)- Menor movimentação de terra

Pontos negativos:- Dificuldades de gestão do condomínio vertical- Difícil controle de novas construções nas áreas livres- Tipologia contrastante ao restante do assentamento

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Todas as tipologias levantadas neste trabalho possuem características positivas e negativas, que, por sua vez, devem ser ponderadas na busca pela solução mais adequada.

Em caso de terrenos com alta declividade, é importante considerar no projeto das habitações o controle das áreas livres remanescentes. A manutenção de áreas livres privadas, como quintais, pilotis com vegetação, propicia o surgimento de novas construções, extremamente perigosa em caso de encostas, pois é muito difícil ter o controle das cargas no terreno. Dentre as tipologias, é mais adequada a que possibilita menor margem de modificação do projeto original, que deve ser fruto de estudos geotécnicos necessários.

O oferecimento de lotes estruturados, apesar de envolver menor custo, pode acarretar na ocupação inadequada do terreno. Dentre as propostas, o edifício vertical e as casas sobrepostas são as tipologias que não possibilitam grandes mudanças no imóvel, por corresponderem, principalmente, à condomínios verticais, nas quais a família tem como propriedade privada apenas o apartamento.

No entanto, a solução das casas sobrepostas permite a concentração das habitações numa porção do território e prmite maior controle das áreas livres que lhe é inerente. Esta tipologia de ocupação, além de se misturar com as construções do entorno, proporciona melhor utilização das vias de pedestres e permite a utilização da unidade habitacional para outros usos.

Pode-se prever a utilização de variantes desse mesmo projeto para permitir melhor adequação das habitações num terreno com declividades diferentes.

Em terrenos inclinados, os movimentos de terra são quase sempre inevitáveis. Porém vale muito mais a pena realizá-los, tendo em vista a implantação de tipologias urbanísticas e de edifícios efetivamente pensadas para terrenos íngremes. Além disso, as ocupações densas acabam sendo mais adequadas por se transformarem em verdadeiras estruturas de contenção das encostas.

Promoção das habitações

A promoção das unidades habitacionais de interesse social, também prevista pelo instrumento ZEIS, poderá ser viabilizada por diversos setores que poderão, também, atuar de forma articulada. A experiência da Prefeitura de Diadema revela que foram possíveis realizar a construção das unidades pelo poder público, por associação ou por iniciativa privada.

O trabalho de Tsukumo (2002) revela também a importância da articulação das associações com técnicos que são engajados na produção de habitação social com qualidade arquitetônica, o que muitas vezes exige ampliação da capacidade criativa e pesquisa técnica.

A decisão sobre o procedimento de produção das unidades é dependente de uma série de ponderações que envolvem o resultado da negociação com os proprietários, a previsão orçamentária para a gleba. Mas, neste trabalho, é importante ressaltar a relevância de articulação das obras com a contratação de cooperativas de trabalhadores da construção civil, existente ou a ser formada, pelos próprios moradores da área, permitindo vincular a urbanização à geração de emprego e renda para os moradores, que por sua vez, poderiam ser capacitados, juntamente com funcionários públicos, para a produção de técnicas adequadas a áreas ambientalmente sensíveis.

TIPOLOGIA 1 TIPOLOGIA 2 TIPOLOGIA 3

ESCALA 1:250

T1

T2

T3

T3

T3

T1

T2

ESCALA 1:500

Proposta de tipologia habitacional de casas sobrepostas baseada na associação entre três módulos de 1, 2 e 3 dormitórios, de forma a vencer diferentes declividades.

O acesso às unidades é feito por vias secundárias que cruzam as escadas, portanto, não têm acesso à veículos. Este aspecto pode potencializar o uso dessas vias para outros usos.

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12.4 SERVIÇOS E EQUIPAMENTOS SOCIAIS

De equipamentos previstos para a área que engloba o Sítio Arizona está prevista a construção de um CEU no terreno da EPEL, uma das propostas mais votadas no Orçamento Participativo da Subprefeitura de M’Boi Mirim dos anos 2003 e 2004. No entanto, verifica-se que esta localização não é adequada à construção de um grande empreendimento escolar, pois representará o início da ocupação de uma grande área livre que ainda se encontra relativamente preservada, e terá também limitada a capacidade de atração da demanda.

Com a previsão da realização do empreendimento na área de risco no interior do núcleo, que articulará a provisão habitacional com a construção de equipamentos públicos e áreas de lazer, a construção de escolas poderia estar prevista nesta região.

De acordo com as conversas com moradores da área, é necessária a construção de escolas e creches na região, assim como a prestação de serviços como Correio e Farmácia do Povo. No entanto, outros equipamentos foram apontados como importantes para a área, como biblioteca, centro comunitário ou centro cultural, a até de serviços de ordem privada como bancos e padarias.

12.5 ÁREAS LIVRES E DE LAZER

Primeiramente é necessário reconhecer que se trata de uma área especial da cidade em que a presença de grandes áreas verdes na composição do ambiente urbano é um aspecto importante e a ser valorizado. Nesse sentido, a integração entre as grandes glebas livres, as praças públicas (pequenas ou grandes) e as áreas verdes privadas pode ser entendido por um “sistema verde integrado”.

Como foram reconhecidas no diagnóstico, ambiguamente, as ocupações nessas áreas são as mais áridas, por possuírem pouca arborização nas vias e quase nenhuma área livre com vegetação para o lazer. Dessa forma, a realização de uma ampla arborização do núcleo é uma das medidas que não apenas têm caráter de melhoria da qualidade paisagística como de criação de descansos (sombras) para as vias que possuem grande declividade. Seria interessante também que o projeto de arborização, vinculado ao projeto de drenagem, valorizasse a topografia local, identificando os topos de morro e as vias que cortam as curvas de nível e são os privilegiados caminhos para as águas.

Local para construção de praça - rua Rafael Alvares

Fonte: Levantamento de campo

Local para construção de praça - rua Presidente Dutra

Fonte: Levantamento de campo 2004

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13.1 NOVOS PARADIGMAS DO PLANEJAMENTO URBANO

Diante dos questionamentos feitos ao planejamento urbano modernista de caráter homogeneizador, que freqüentemente ignora tanto a necessidade de alterações econômicas estruturais quanto a de atentar às especificidades locais, surge uma nova forma de planejamento que se vincula às noções de desenvolvimento e gestão local participativa. Essa nova forma afirma a importância de pensar as cidades a partir da diversidade de suas escalas e enquanto células importantes do desenvolvimento econômico e urbano, voltando o foco das intervenções para áreas delimitadas do território.

Observa-se que as novas práticas de desenvolvimento urbano que buscam a ampliação do acesso democrático à cidade foram construídas em âmbito local, assim como a normatização dos novos instrumentos urbanísticos que determinam a realização de planos de acordo com a realidade do território. Como visto neste trabalho, é o que propõe o Projeto de Lei Específica da bacia hidrográfica Cotia-Gurapiranga ou o Plano Diretor, através das demarcações tanto das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, como das Operações Urbanas.

Programas de desenvolvimento urbano voltado à realidade local e gestão participativa têm hoje grande importância nas estratégias de desenvolvimento urbano em todo o mundo. Estão presentes em inúmeras práticas de planejamento de cidades brasileiras e latino-americanas, assumindo os mais diversos conteúdos nos diferentes locais em que são aplicados – desde os mais focados na “comunidade” até os mais associados ao “mercado”. Tais práticas, que se multiplicam de forma impressionante, não ficam restritas às grandes cidades; pequenas e médias cidades apresentam número crescente de projetos desta ordem, em centros históricos ou em áreas com patrimônio edificado, zonas portuárias, loteamentos irregulares, e até mesmo favelas.

As reflexões teóricas sobre esta temática, no entanto, ainda são reduzidas e muitas vezes restritas à formulação prática de programas ou ao relato de experiências ditas “bem sucedidas”. Na América Latina, com seu quadro sócio-político-econômico de subdesenvolvimento, com espectro social extremamente amplo, essas experiências ganham especial significado e ambivalência, exigindo uma reflexão cuidadosa.

13.2 PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E DAS AGÊNCIAS MULTILATERAIS DE FINANCIAMENTO

Especialmente a partir da década de 1990, as Organizações Internacionais, assim como Agências Multilaterais de Financiamento, têm assumido um papel importante na difusão e na implementação das políticas de desenvolvimento urbano focadas na realidade local e das práticas de gestão participativa. Estes temas vêm sendo objeto de conferências, reuniões e debates promovido por Organizações como a ONU e a UNESCO, que resultaram em Agendas que têm ampla e profunda difusão em todo o mundo, e na formulação de linhas de financiamento que representam o peso que estes temas têm recebido na última década.

A realização de tais Conferências com enfoque nos problemas urbanos mundiais, como o crescente dano ao meio ambiente, o aumento da violência urbana ou a evidente consagração da concentração e segregação da pobreza no território urbano, revela a atenção especial que as Organizações Internacionais vêm dando ao desenvolvimento urbano.

Não é de se espantar que seja apenas nesta última década do século XX que os temas de desenvolvimento local e gestão participativa tenham recebido especial atenção das Organizações Internacionais. No entanto, esta atenção deve ser analisada com muito cuidado, pois essas Agências e Organizações que acabam assumindo o gerenciamento de políticas públicas em diversos países do mundo, apresentam muita ambigüidade de interesses. Trata-se do aprofundamento do novo receituário neoliberal profundamente arraigado nas estratégias de desenvolvimento urbano.

Evidentemente, tais marcos teóricos (as Agendas, por exemplo) não explicitam e não trabalham com os reais conflitos existentes e que (re)produzem os mesmos graves problemas urbanos que enfrentam. Se,

13. LIMITES E POSSIBILIDADES DO DESENVOLVIMENTO LOCAL

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por um lado, existe uma intensificação e incremento no debate mundial sobre a problemática urbana, por outro, há uma grande superficialização e esvaziamento de questionamentos mais aprofundados.

No Fórum Social Mundial de 2001, que ocorreu em Porto Alegre, a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato fez uma importante crítica a esse discurso global que se coloca como uma verdadeira “receita” para a resolução dos problemas urbanos: “Evidentemente, as grandes conferências da ONU são muito importantes, conscientizam, de alguma forma, a população mundial sobre a gravidade dos problemas sociais, mas nós precisamos tomar cuidado muito com a cooptação que se faz das nossas ONGs, dos nossos movimentos, das nossas prefeituras e dos nossos países para esse discurso que também é global. Pergunto qual é o lugar da esquerda nessas grandes agendas”.32

Além das Organizações Internacionais, pode-se dizer que práticas de desenvolvimento local e de gestão participativa também são fortemente incentivadas pelas Agências Multilaterais de Financiamento, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ou o Banco Mundial (BIRD), tanto em termos de elaboração teórica, quanto em relação à grande alocação de recursos para tais iniciativas.

Estas Agências Internacionais não apenas financiam as ações como apresentam uma grande iniciativa na elaboração conceitual e de gerenciamento das políticas urbanas, certamente trabalhando no mesmo sentido das resoluções originadas nas Conferências das Organizações Internacionais, ou seja, no sentido das formulações universais – verdadeiras “receitas” – para a implementação de políticas com o objetivo de enfrentar os problemas urbanos.

Na realidade, como foi visto nas experiências de referência, as Agências Internacionis representam uma das poucas fontes de recursos existentes para intervenções dessa natureza, acoplado à crescente dificuldade enfrentada pelos poderes públicos municipal, estadual e federal em apoiar financeiramente ações de desenvolvimento local, que envolvam a gestão participativa. Nesse sentido, os financiamentos das Agências atualmente se inserem no rol das poucas possibilidades concretas de implementação de tais políticas urbanas, que integram diferentes ações e atores.

Tais financiamentos, no entanto, vêm acompanhados de critérios de seleção, índices de avaliação e estratégias, formuladas muitas vezes longe de um debate aberto, sob critérios muitas vezes ambíguos. De qualquer maneira, as Agências, assim como as Organizações Internacionais, têm exercido influência cada vez maior, nas últimas décadas, na formulação teórica de programas e de metodologias de tais políticas urbanas.

É necessário avaliar o quanto as políticas de um determinado país são influenciadas pelas “receitas” de tais Agências33. Pode-se observar uma grande evidência de indução ao aumento da interação entre os setores público e privado, da descentralização do poder público, da regulamentação do uso e gestão dos recursos públicos e, no mesmo nível, na privatização de serviços, sob o discurso de “recuperação dos custos dos investimentos”34, o que já revela uma das faces contraditórias dessa prática.

Pode-se dizer que esse quadro de práticas de desenvolvimento local e de gestão participativa revela uma confusão e uma real disputa pelo uso e significado dos termos, que caminha no campo ideológico e não pode ser ignorado, pois, não levar em consideração a diferença política, econômica e social inerente aos termos, significaria abafar ou omitir evidentes diferenças que não são apenas semânticas, mas que expressam uma disputa histórica pelo espaço e pelas políticas urbanas.

Tais programas, entretanto, podem tanto reforçar o grave cenário de desigualdade e segregação social, como abrir efetivamente espaço político para a explicitação dos conflitos existentes na sociedade e representar uma alternativa concreta de gestão e desenvolvimento urbano. Dessa forma, é necessário questionar esse estranho consenso mundial e ter como base a transformação da conjuntura global e a capacidade de implementar, no campo político, uma nova lógica de participação na decisão de políticas sobre o território urbano, uma nova racionalidade que extrapole o campo dos direitos burgueses, com vistas à ampliação dos direitos sociais e a democratização do acesso a cidade.

É muito delicado implementar “receitas” formuladas externamente, aplicando irrestritamente conceitos e diretrizes das Agências e Organizações Internacionais sem levar em consideração a realidade social, política e econômica específica, sob pena de tropeçar na ambigüidade dos discursos.

Nas duas últimas décadas, a América Latina veio se inserindo no rol das experiências de desenvolvimento local e de gestão participativa e vêm sendo foco importante de discussão e intervenção direta das Agências Multilaterais de Financiamento e das Organizações Internacionais. A condição brasileira e sul-americana como um todo de subdesenvolvimento de “exceção permanente”

32 www.comciencia.br/reportagens/cidades/cid04.htm.

33 Sobre este assunto ver Dissertação de Mestrado do arquiteto Pedro Arantes, FAU USP, 2004.

34 Ressaltando apenas o que compete ao capítulo de desenvolvimento urbano e saneamento e ao capítulo de infra-estrutura.

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(Oliveira, 2002) no campo da garantia dos direitos, é um dos entraves mais enraizados para o avanço no campo das políticas de desenvolvimento urbano e econômico, cuja resposta não está nas receitas de planejamento urbano, mas na implementação de uma nova lógica de produção da cidade.

13.3 QUAL É O PODER DO PODER LOCAL?

As experiências de construção de políticas urbanas que visaram a ampliação dos direitos humanos e o acesso democrático às cidades vêm sendo desenvolvidas prioritariamente pelo poder local (municipal), quando geridos por partidos de esquerda. Pois, segundo Francisco de Oliveira, “de alguma maneira foi o acesso interdito aos níveis mais altos do poder, sobretudo com derrotas sucessivas para Presidência da República, que fez as esquerdas voltarem-se para o local, acreditando exercer neste nível uma outra forma de poder e uma outra forma de gestão do Estado”. (Oliveira, 2002: p.21)

Estas práticas de desenvolvimento local, no entanto, também acompanharam uma outra ótica de desenvolvimento urbano. No caso brasileiro, a importação desse modelo de desenvolvimento local e de gestão participativa deu origem a uma combinação perversa: a associação à forma neoliberal de planejamento urbano estratégico, baseada na valorização imobiliária, que acarreta na expulsão das classes mais baixas e no acirramento da segregação sócio-espacial35.

Dessa forma, o desenvolvimento local pode assumir dois enfoques, a princípio, conceitualmente opostos:

1. Seguindo a lógica neoliberal de desenvolvimento do sistema capitalista, em que a ação do Estado é minimizada dando cada vez mais espaço político para a livre ação das corporações econômicas, segundo as quais descentralizar não significa desconcentrar. O desenvolvimento local estará se contrapondo à globalização, pelo contrário, significa seu acirramento.

2. Contrapondo à lógica neoliberal, buscando o fortalecimento do Estado, por meio de novas práticas relacionadas às iniciativas de poder popular e democrático. Entende-se a princípio que a soma de iniciativas locais com este caráter poderá provocar a construção de um novo global.

Nesse sentido, é necessário entender a relação do desenvolvimento local36 com a cadeia de desenvolvimento global. Segundo Francisco de Oliveira, nem todos os locais redefinidos por um poder popular seriam capazes de criar um novo global, pois o global não é uma soma de poderes locais. E a soma de poderes locais com o mesmo sentido não dá como resultado um global anticapitalista, nem anti-neoliberal, nem anti-hegemônico. “O máximo que a cidade-global faz é reforçar o global e não a cidade”. Neste sentido, “o desenvolvimento local não será o elo de uma cadeia de desenvolvimento total, e pode ser tanto uma alternativa como reproduzir a forma estrutural”. (Oliveira, 2002)

Isto não significa que as experiências de desenvolvimento local não devam questionar a instituições do Estado burguês. Pelo contrário, devem buscar a construção de uma nova racionalidade que não a burguesa, entendida como tendência contrária aos processos dominantes, que não possa ser assimilada pelo adversário global, concentrador e antidemocrático.

Esta nova racionalidade, no entanto, também terá seus momentos de desformalização e desregulamentação, e pode significar o desmanche do estado burguês, podendo, ainda, ameaçar a cidadania e os direitos gerados e conquistados por ela. Para Francisco de Oliveira, o desmanche de um Estado que não se constituiu, como é o caso do Brasil, onde a dimensão dos direitos sociais da cidadania está constantemente sob ameaça, corre o risco de reforçar um totalitarismo de “Estado de exceção permanente”, em que nenhum direito é assegurado, deteriorando o próprio conceito de Estado-Nação37. Dessa forma, desenvolvimento local corre o risco de significar a desintegração do Estado do Bem Estar, da cidadania, da democracia.

Por outro lado, só a construção desta nova racionalidade poderá enfrentar esta nova fase de desenvolvimento do capitalismo no mundo, conhecida por globalização. Oliveira ressalta ainda que a construção e o acúmulo de experiências é fundamental para a formação dessa nova racionalidade, a única possibilidade de alcançar a cidadania. Mas, a aquisição dos direitos deve-se dar por meio do conflito, buscando a formação do “indivíduo autônomo, crítico e reflexivo”. Pois, apesar dos direitos situarem-se no campo semântico burguês, “sua apropriação pelo conflito de classes cria um direito para quem não tem”. (Oliveira, 2002)

35 Sobre este assunto ver ARANTES, Otília; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos. A cidade do pensamento único – Desmanchando consensos. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.

36 Francisco de Oliveira afirma que desenvolvimento local é uma noção polissêmica, não sendo, portanto, passível de ser classificado como paradigmática.

37 Francisco de Oliveira ressalta sobre este aspecto a limitação tributário-orçamentária provocada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, instrumento tipicamente neoliberal. Inclui os poderes locais necessariamente no circuito financeiro globalizado (instrumento mais poderoso de controle político e social), liberando a responsabilidade do Estado no nível mais alto. Dessa forma, limitam-se os gastos públicos à lei do valor. (Oliveira, 2002)

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A ocupação das áreas de proteção aos mananciais de forma precária, associada à falta de acesso à terra urbana pela população de baixa renda, tem como principais entraves o controle (a falta de) sobre a propriedade fundiária e, no caso, o modelo de legislação ambiental ainda vigente.

Observa-se que, com décadas de luta, algumas conquistas têm sido alcançadas. A princípio, parece que a ZEIS e o Estatuto da Cidade dão início a uma nova forma de controle da propriedade imobiliária, assim como as primeiras formulações de Lei Específicas das Bacias Hidrográficas das represas Guarapiranga e Billings têm proposto um novo modelo de gestão dos recursos hídricos, consierando a possibilidade de ocupação urbana adequada à preservação ambiental.

No entanto, foi visto que dificilmente a construção, a longo prazo, de políticas urbanas voltadas à realidade municipal, ou seja, referentes ao desenvolvimento local, mesmo que envolvam a gestão participativa, poderão construir uma nova forma de produção das cidades. O desalojamento de grande parte da população brasileira está associado à realidade do desenvolvimento econômico, que por sua vez está diretamente relacionada à noção do global, e não do local, da cidade. Se a provisão habitacional não impedir o contínuo aumento da demanda por habitação, de que forma será possível alterar a produção da exclusão social e da barbárie urbana e alcançar a efetiva distribuição de renda? Bastará a concepção e implementação de novas formas de produção e desenvolvimento da cidade, não subordinadas a racionalidades capitalistas de mercado ou de especulação do solo urbano?

Mesmo com relação às novas normas concebidas, aprovadas ou não, ainda são visíveis os impasses para a construção dessa nova racionalidade. No caso do Projeto de Lei Específica Guarapiranga, uma primeira dificuldade que pode ser apontada é o modo como será feito o controle sistemático da carga de poluição que chega na represa. Há questionamentos sobre a real capacidade administrativa dos municípios em aplicar a nova Lei e ainda em conseguir aplicar (e explicar) o cálculo relativo à Carga Meta. Mais uma vez foi concebido um modelo matemático não acessível ao cidadão comum. Tal postura mantém a lógica da “irregularidade consentida”. (Ancona, 2002: p. 322)

Uma questão que sempre aparece nos debates sobre a urbanização e regularização das áreas de proteção aos mananciais é o impacto que tais investimentos exercerão no mercado imobiliário informal (existente e intenso) e formal (que pode vir a atuar na área). Primeiramente prevê-se que a mudança da legislação ambiental, associada à melhoria da infra-estrutura da área, acarretará na valorização imobiliária dessas áreas, mesmo reconhecendo que há um limite para esta valorização, disponibilizando uma grande quantidade de imóveis passíveis de troca no mercado formal. Sendo estas áreas “receptáculo de contínua acumulação de trabalho humano criador de valor; a tendência é a de que o preço da terra urbana sempre aumente”. (Villaça, 2001: p. 75)

A necessária melhoria da infra-estrutura e da acessibilidade das áreas de proteção aos mananciais para o assentamento minimamente adequado da população moradora certamente provocará um incremento da atuação do mercado imobiliário formal, contribuindo para a ampliação da capacidade de deslocamento que a M’Boi Mirim já possui.

Como coloca Villaça (2001), os produtos a serem trocados no mercado imobiliário são resultantes de suas localizações, que “otimizam as condições de consumo” e são as principais referências para o aumento do “valor” do terreno na cidade sintetizado pelo conceito de localização. A localização, por sua vez, é determinada por dois atributos: rede de infra-estrutura e possibilidades de transporte de produtos, de deslocamento de pessoas e de comunicação. “A capacidade de aglomerar não é um dado da natureza, não é uma propriedade; é um valor de uso produzido. (...) A acessibilidade é o valor de uso mais importante para a terra urbana, (...) revela a quantidade de trabalho socialmente necessário dispendido em sua produção”. (Villaça, 2001: p. 74)

Deve-se admitir que o mercado imobiliário informal e formal continuará atuando nas favelas e loteamentos clandestinos após a intervenção, de forma intensificada. Nesse sentido, deve a ZEIS antecipar a ação do mercado e prever mecanismos para potencializar e direcionar sua ação na melhoria da área? As ZEIS podem funcionar bem com o mercado lucrando com a operação?

Estas reflexões questionam a capacidade política e financeira do Estado em realizar as intervenções,

14. CONSIDERAÇÕES FINAIS: ZEIS COMO POLÍTICA DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DO URBANO?

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que devem necessariamente ultrapassar a tradição de atuação através de “programas pilotos” e ampliar a ação na busca pela universalização da política urbana mais democrática nas áreas ambientalmente protegidas, pois a melhoria da qualidade ambiental não será alcançada apenas com as políticas pontuais e dispersas, como ocorreu no Programa Guarapiranga. (Uemura, 2000; Ancona, 2002)

Deve-se prever o direcionamento de recursos públicos necessários, a serem debatidos e disputados publicamente, para garantir obras nessa região da cidade que afeta a qualidade de vida de toda a Região Metropolitana. Nesse sentido, a instituição de um Fundo das ZEIS, como ocorreu na experiência da Prefeitura de Recife, é uma das alternativas apontadas. Mas não serão apenas de recursos municipais que será alcançada uma verdadeira melhoria dos assentamentos precários nos mananciais, por mais que priorizem as áreas ambientalmente protegidas. O montante de recursos necessários será atingida somente pela mudança radical de direcionamento dos recursos públicos.

No entanto, se a ZEIS promove uma nova forma de controle da propriedade imobiliária, seria adequado que toda a cidade fosse demarcada como ZEIS? Esta proposta, não ausente nos debates sobre o instrumento, estaria contrariando a sua própria concepção inicial que consiste na determinação de um padrão de cidade destinado às classes mais baixas.

A construção do instrumento foi baseada na capacidade concreta de melhoria das condições de vida das classes de baixa renda, entendida no contexto político-econômico brasileiro. Trata-se da amenização do quadro sócio-econômico da maior parte da população e da busca pela construção de uma nova forma de produção da cidade, mas ainda não representando esta nova forma.

Com isso, a instituição das ZEIS não deve estar dissociada de medidas mais estruturadoras como a criação de um Fundo Nacional de Habitação e de Políticas Habitacionais acessíveis à classe mais baixa.

A ZEIS, através das práticas transformadoras a nível local, poderá buscar construir novas racionalidades de planejamento e produção da cidade e ser uma das iniciativas de práticas de transformação social através do urbano, na busca pela construção social do Estado-Nação brasileiro e não no seu desmanche, apesar de não ser suficiente para evitar essa deterioração. É preciso muito esforço e muita luta para que ao menos estes instrumentos consigam ser aplicados de forma eficiente, visto que, no contexto neoliberal, é visível o encolhimento da capacidade administrativa.

Esta análise permite concluir que a luta de classes precede à questão ambiental, podendo ser esta última um instrumento de manipulação ideológica da classe dominante. Segundo Ancona, “nada autoriza as conclusões dos ambientalistas que as contradições ambientais poderiam subordinar, ou preceder, a luta de classes. Ao contrário, parece haver mais evidências no sentido de que os problemas ambientais, entendidos como problemas de escassez, servem justamente para aprofundar a exclusão e a dominação, numa sociedade dividida em classes, com as classes médias lutando para preservar suas vantagens”. (Ancona, 2000: p. 340)

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“A existência concreta dos desequilíbrios ambientais cuja origem está no pacto distributivo sustentado pelas classes dominantes, terá de ser enfrentada no campo da política, nas lutas pelo poder e pela distribuição de riqueza”.

Ana Lúcia Ancona, 2000

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