(Heloísa Alberto Torres) Obituário

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GAZETA CULTURAL ANO I – N o 02 - Itaboraí, Fevereiro de 2004 Heloísa Alberto Torres A presente edição da Gazeta Cultural foi inteiramente dedicada à memória da Prof a Heloísa Alberto Torres, uma das pioneiras da Antropologia brasileira, grande incentivadora da preservação histórica e da produção artística nacional. Por sua vontade, em prol do resgate da memória regional, o antigo sobrado colonial, de sua propriedade, foi convertido em 1995 no principal centro cultural de Itaboraí: a Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, situada na Praça Marechal Floriano, 303, Centro, Itaboraí-RJ. Cesar Augusto Ornellas Ramos Historiador GAZETA CULTURAL EXPEDIENTE: Cesar Augusto Ornellas Ramos – Editor Pesquisa & Redação: Cesar Augusto Ornellas Ramos Dalva Soares dos Santos Maria José da Silva Fernandes Publicação mensal sem fins lucrativos. Distribuição interna – Tiragem: 500 exemplares Contatos: Tel. ( 21 ) 2610-3007 E-mail: cesarornellas @hotmail.com Heloísa Alberto Torres “ Uma antropóloga não costuma ser notícia social, por maiores que sejam os seus méritos, e Heloísa os tinha em medida alta. Amava mais os índios e seus vasos, urupemas e ritos, do que o fugidio destaque nos salões. Os meios científicos estrangeiros a reverenciavam, enquanto muita gente por aqui veria nela, quando muito, a zelosa diretora do Museu Nacional, tratando de interesses da instituição nos labirintos burocráticos. Mas isso foi há muito tempo, tempo de Capanema no MEC. A funcionária aposentou-se e foi viver no seu cantinho arborizado de Itaboraí. ” Carlos Drummond de Andrade Jornal do Brasil, 03 de março de 1977 Heloísa Alberto Torres nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 17 de setembro de 1895, filha do sociólogo itaboraiense Alberto de Seixas Martins Torres ( 1865-1917 ) e da santista Maria José Xavier da Silveira ( 1868-1949 ), tendo apenas dois irmãos: Maria Luísa Alberto Torres ( 1892-1985 ) e Alberto Torres Filho ( 1900-1957 ). Socializada na tradição educacional francesa, passou parte da infância na cidade de Petrópolis, então capital do Estado do Rio de Janeiro, durante a gestão de seu pai como Presidente do mesmo Estado ( 1897-1900 ). Aluna interna do Colégio de Notre-Dame de Sion, naquela cidade serrana, aperfeiçoou seus conhecimentos lingüísticos e humanísticos, dominando com esmero o francês e o inglês. Na adolescência, viajou três vezes à Europa, em companhia de seus pais, quase perecendo durante um naufrágio ocorrido no estuário do Tejo, em Lisboa, em 1907. Influenciada pelos referenciais ideológicos positivistas, cultivados por seu pai, republicano histórico, admirador de Auguste Comte e Benjamin Constant, Heloísa conviveu desde a tenra idade com personalidades do universo político e intelectual brasileiro, membros do círculo de amizades paternas: Quintino Bocaiúva, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha, Thomás da Porciúncula, Rui Barbosa, Alberto de Oliveira, dentre outros. Contudo, duas amizades de família inspiraram sua carreira profissional: Edgar Roquette-Pinto e o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Em 1918, quase um ano após o falecimento de seu pai, Heloísa ingressou no Museu Nacional como assistente do Prof. Roquette-Pinto, iniciando sua brilhante trajetória acadêmica e administrativa, com apenas 23 anos. Profundamente ambientada no contexto das coleções etnográficas e de História Natural existentes no venerando Paço de São Cristóvão, residência imperial convertida em museu à partir de 1892, Heloísa tornou-se professora substituta da Divisão de Antropologia, Etnografia e Arqueologia da

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  • GAZETA

    CULTURAL

    ANO I No 02 - Itabora, Fevereiro de 2004

    Helosa Alberto Torres

    A presente edio da Gazeta Cultural foi inteiramente dedicada memria da Profa Helosa Alberto Torres, uma das pioneiras da Antropologia brasileira, grande incentivadora da preservao histrica e da produo artstica nacional. Por sua vontade, em prol do resgate da memria regional, o antigo sobrado colonial, de sua propriedade, foi convertido em 1995 no principal centro cultural de Itabora: a Casa de Cultura Helosa Alberto Torres, situada na Praa Marechal Floriano, 303, Centro, Itabora-RJ.

    Cesar Augusto Ornellas Ramos Historiador

    GAZETA CULTURAL

    EXPEDIENTE:

    Cesar Augusto Ornellas Ramos Editor

    Pesquisa & Redao: Cesar Augusto Ornellas Ramos Dalva Soares dos Santos Maria Jos da Silva Fernandes

    Publicao mensal sem fins lucrativos. Distribuio interna Tiragem: 500 exemplares Contatos: Tel. ( 21 ) 2610-3007 E-mail: cesarornellas @hotmail.com

    Helosa Alberto Torres

    Uma antroploga no costuma ser notcia social, por maiores que sejam os seus mritos, e Helosa os tinha em medida alta. Amava mais os ndios e seus vasos, urupemas e ritos, do que o fugidio destaque nos sales. Os meios cientficos estrangeiros a reverenciavam, enquanto muita gente por aqui veria nela, quando muito, a zelosa diretora do Museu Nacional, tratando de interesses da instituio nos labirintos burocrticos. Mas isso foi h muito tempo, tempo de Capanema no MEC. A funcionria aposentou-se e foi viver no seu cantinho arborizado de Itabora.

    Carlos Drummond de Andrade Jornal do Brasil, 03 de maro de 1977

    Helosa Alberto Torres nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 17 de setembro de 1895, filha do socilogo itaboraiense Alberto de Seixas Martins Torres ( 1865-1917 ) e da santista Maria Jos Xavier da Silveira ( 1868-1949 ), tendo apenas dois irmos: Maria Lusa Alberto Torres ( 1892-1985 ) e Alberto Torres Filho ( 1900-1957 ).

    Socializada na tradio educacional francesa, passou parte da infncia na cidade de Petrpolis, ento capital do Estado do Rio de Janeiro, durante a gesto de seu pai como Presidente do mesmo Estado ( 1897-1900 ). Aluna interna do Colgio de Notre-Dame de Sion, naquela cidade serrana, aperfeioou seus conhecimentos lingsticos e humansticos, dominando com esmero o francs e o ingls. Na adolescncia, viajou trs vezes Europa, em companhia de seus pais, quase perecendo durante um naufrgio ocorrido no esturio do Tejo, em Lisboa, em 1907.

    Influenciada pelos referenciais ideolgicos positivistas, cultivados por seu pai, republicano histrico, admirador de Auguste Comte e Benjamin Constant, Helosa conviveu desde a tenra idade com personalidades do universo poltico e intelectual brasileiro, membros do crculo de amizades paternas: Quintino Bocaiva, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peanha, Thoms da Porcincula, Rui Barbosa, Alberto de Oliveira, dentre outros. Contudo, duas amizades de famlia inspiraram sua carreira profissional: Edgar Roquette-Pinto e o Marechal Cndido Mariano da Silva Rondon.

    Em 1918, quase um ano aps o falecimento de seu pai, Helosa ingressou no Museu Nacional como assistente do Prof. Roquette-Pinto, iniciando sua brilhante trajetria acadmica e administrativa, com apenas 23 anos. Profundamente ambientada no contexto das colees etnogrficas e de Histria Natural existentes no venerando Pao de So Cristvo, residncia imperial convertida em museu partir de 1892, Helosa tornou-se professora substituta da Diviso de Antropologia, Etnografia e Arqueologia da

  • referida instituio, aprovada em primeiro lugar, por concurso pblico, em 02 de setembro de 1925. No ano seguinte seria promovida a professor-chefe interino da mesma Diviso, sendo efetivada no cargo em 1931.

    Defensora da pesquisa de campo como procedimento bsico para a produo do conhecimento, empreendeu em 1930, como emissria do Museu Nacional, uma expedio cientfica Ilha de Maraj, no Par, com o objetivo de estudar a cermica marajoara, realizando vrias escavaes arqueolgicas, resultando na localizao e anlise de vrios mound-builders na regio amaznica.

    Tamanha foi a repercusso da expedio de Helosa aos confins da Ilha de Maraj, tanto no meio cientfico como no contexto da imprensa da poca, que a mesma acabou inspirando inclusive obras de fico, no gnero de aventura, bem ao gosto dos anos 30. O principal romance inspirado na trajetria de Helosa foi No pacoval do Carimb , de autoria de Bastos de vila, publicado em 1933, no qual a herona era a Profa Lcia de Abreu, pesquisadora do Museu Nacional.

    Defensora ardorosa dos direitos da mulher, Helosa participou ativamente da mobilizao nacional pelo voto feminino, em 1932, ano marcado pelas agitaes polticas oriundas da Revoluo de 1930, mantendo duradoura relao de amizade com Berta Lutz, liderana do movimento feminista brasileiro.

    Alm das pesquisas realizadas no Par, que resultaram na publicao de artigos em revistas especializadas, projetando Helosa no cenrio da comunidade cientfica brasileira, como especialista em tranados e cermica marajoara, a mesma tambm efetuou, em 1933, expedies para a localizao de enterratrios indgenas na regio de Arraial do Cabo, litoral fluminense, deixando entretanto poucos registros publicados sobre o empreendimento. De 1934 a 1941 foi membro do Conselho das Expedies Artsticas e Cientficas no Brasil.

    Em 1935 ocupou pela primeira vez, interinamente, o cargo de Vice-Diretora do Museu Nacional, funo que exerceria nas mesmas condies em 1936 e 1937, ano em que foi promovida categoria de Naturalista, classe L, com atividades de docente superior. Helosa foi empossada como Diretora do Museu Nacional em 1938, nomeada pelo Presidente Getlio Vargas, permanecendo no cargo at 1955.

    Desempenhando funes decisrias no Museu Nacional, por mais de duas dcadas, Dona Helosa ( tal como era designada no trato pessoal ) consolidou a imagem de incansvel pesquisadora e diligente administradora. Viabilizando parcerias acadmicas internacionais, a mesma manteve farta correspondncia com personalidades como Franz Boas, Paul Rivet, Ralph Linton, Charles Wagley, Alfred Mtraux, Robert Murphy, Claude Lvi-Strauss, William Lipkind, Buell Quain, Ruth Landes, dentre outros, estabelecendo

    convnios, trocando informaes cientficas e potencializando oportunidades institucionais. Cultivou ainda inmeros discpulos, dentre eles Eduardo Galvo, Maria Jlia Porchet e Luiz de Castro Faria.

    Assim sendo, utilizando seu carisma pessoal, aliado ao seu prestgio intelectual e ampla rede de amizades, muitas delas herdadas de seu pai, Helosa conseguiu criar condies para o desenvolvimento de vrios projetos nas reas de Antropologia, Etnografia e Arqueologia no Brasil, estimulando expedies cientficas e, segundo Luiz de Castro Faria guiando os pesquisadores visitantes atravs da intrincada burocracia, que exigia o registro de estrangeiros e uma permisso especial para realizar expedies. ( Apud: Mariza Corra Antroplogas e Antropologia, UFMG, 2003, p. 142 ).

    Em termos de sua carreira acadmica, podemos ressaltar que Helosa foi professora contratada de Antropologia Social da extinta Universidade do Distrito Federal, entre 1935 e 1938, tendo sido destituda da regncia docente por fora da legislao que impedia a acumulao de cargos pblicos. Exerceu ainda funes como professora catedrtica de Antropologia e Etnografia da Faculdade de Filosofia do Instituto Lafayette ( atual UERJ ), sendo tambm membro da comisso examinadora do concurso para provimento da cadeira de Antropologia e Etnografia da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil ( atual UFRJ ).

    Cientista de renome internacional e com vasta experincia em pesquisas de campo, Helosa foi inmeras vezes designada para representar o Brasil em congressos e conferncias no exterior, com destaque para o exerccio das seguintes representaes:

    Delegada do Brasil ao Congresso de Americanistas, Buenos Aires ( Argentina ), 1932.

    Delegada do Brasil Comisso Cientfica para a criao do Instituto Internacional da Hila Amaznica, Belm ( Par ), 1947.

    Delegada Plenipotenciria do Brasil Conferncia de Iquitos ( Peru ), para a Conveno do Instituto Internacional da Hila Amaznica, 1948.

    Delegada Plenipotenciria do Brasil la Reunio da Comisso Interina do Instituto Internacional da Hila Amaznica, Manaus ( Amazonas ), 1948.

    Presidente da Comisso Interina do Instituto Internacional da Hila Amaznica, por voto unnime dos nove pases signatrios da Conveno de Iquitos, 1948.

    Delegada Plenipotenciria do Brasil quarta sesso da Conferncia da UNESCO, Paris, 1949.

  • Delegada do Brasil ao Colloquium Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, Washington, 1950.

    Alm das atividades desempenhadas em cargos comissionados e de representao diplomtica, Helosa pertenceu a diversos conselhos e entidades culturais, tanto no Brasil como no exterior, a saber:

    Membro do Conselho da Inter American Society of Anthropology and Geography, com sede em Los Angeles ( Califrnia USA ).

    Membro da American Anthropological Society, com sede em Nova York ( USA ).

    Membro da Society Women Geographers, com sede em Washington ( USA ).

    Membro honorrio da Califrnia of Sciences, com sede em So Francisco ( USA ).

    Membro do Comit Executivo do International Council of Museums ( ICOM ), com sede em Paris ( Frana ).

    Membro do Instituto Histrico de So Lus ( Maranho ).

    Membro do Instituto Histrico de Ouro Preto ( Minas Gerais ).

    Presidente honorria da Sociedade Entomolgica do Brasil.

    Alm das funes executivas e consultivas acima, a mesma ainda foi scia-fundadora da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres ( SAAT ), agremiao cultural criada no Rio de Janeiro, em 10 de novembro de 1932, com o objetivo de resgatar e difundir as idias sociais e polticas do socilogo Alberto de Seixas Martins Torres ( 1865-1917 ). A referida entidade possua em seus quadros personalidades como o jornalista Barbosa Lima Sobrinho, Edgar e Mauro Roquette-Pinto, Flix Pacheco, o jovem jornalista Roberto Marinho ( atual Presidente das Organizaes Globo ) e Juarez Tvora, este ltimo, integrante da Revoluo de 1930 e presidente da SAAT em 1936.

    Paralelamente s suas atribuies no Museu Nacional e no exerccio de atividades docentes em instituies de ensino superior, podemos destacar a expressividade de Helosa no esforo para a fundao e gesto do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional SPHAN, em 1937. Especialista no estudo da cermica, tranados e adornos indgenas, muito contribuiu para os estudos referentes ao acondicionamento de acervos museolgicos dessa natureza. Compartilhando dos ideais de preservao da memria nacional, preconizados pelo grupo de

    intelectuais liderados por Rodrigo de Mello Franco de Andrade, pioneiro na formulao de uma poltica nacional de patrimnio histrico e artstico, D. Helosa foi convidada, em 1937, pelo ento Ministro da Educao e Sade, Gustavo Capanema, para assumir a chefia do SPHAN, tendo sido por longo tempo membro do Conselho do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.

    Em virtude de suas propostas consistentes no campo da museologia, Helosa foi nomeada, em 1959, para o cargo de Presidente da Congregao Nacional do International Council of Museums ( ICOM ), organizando sucessivamente trs congressos nacionais de museus, no Rio de Janeiro, So Paulo e Salvador, respectivamente.

    Aps o suicdio do Presidente Getlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, resultando na ascenso de Joo Caf Filho Presidncia da Repblica, segmentos importantes da intelectualidade brasileira foram sendo alijados de funes decisrias em vrios nveis da estrutura administrativa do Estado, fato que gerou inmeros conflitos institucionais. Filha de um republicano histrico, ex-Presidente do Estado do Rio de Janeiro e que faleceu como o mais jovem ministro do Supremo Tribunal Federal, socializada na lgica do exerccio administrativo do Estado Novo ( 1937-1945 ) e do ps Segunda Guerra Mundial, Helosa no tardou a ser exonerada, pelos representantes da nova ordem, de seu cargo de Diretora do Museu Nacional, em 04 de junho de 1955.

    Pesquisadora devotada s artes e ao imaginrio indgena, bem como empenhada na questo da valorizao cultural e social das comunidades indgenas no Brasil, aps sua exonerao do Museu Nacional, Helosa foi nomeada para a presidncia do Conselho Nacional de Proteo ao ndio ( CNPI ), em 1959, sucedendo com orgulho o Marechal Cndido Mariano da Silva Rondon, a quem muito admirava. Como resultado das atribuies do cargo, foi designada como Assistente do Ministrio do Interior para Assuntos Indgenas, em 1967 e, no ano seguinte, para integrar o Grupo de Estudos para a unificao dos rgos de Assistncia aos ndios.

    Como Presidente do CNPI desenvolveu o Plano de Organizao e Desenvolvimento de Comunidades Indgenas, contemplando os campos econmico, educacional e sanitrio, lanando as bases para a formulao de uma poltica indigenista brasileira. Contando com a colaborao de sertanistas como os irmos Cludio e Orlando Villas-Boas e do jovem antroplogo Darcy Ribeiro, empreendeu discusses sobre o Estatuto do ndio, enfatizando a questo dos limites da tutela do Estado sobre os povos indgenas.

  • Com a criao da Fundao Nacional do ndio FUNAI, em 05 de dezembro de 1967, Helosa foi convidada para dirigir o Departamento de Estudos e Pesquisas DEP, na referida fundao, ltimo cargo oficial que exerceria em sua vida, contando j 72 anos de idade.

    As relaes de Helosa com o Municpio de Itabora-RJ se iniciaram em princpios da dcada de 1960. Residindo no decorrer das dcadas de 1940 e 1950 na companhia de sua irm Maria Lusa Alberto Torres, num amplo apartamento situado na Rua Paissand, 228, no bairro do Flamengo, Rio de Janeiro, aps sua exonerao como Diretora do Museu Nacional, em 1955, a mesma comeou a considerar a possibilidade de transferir sua residncia para uma localidade do interior fluminense, em busca de tranqilidade.

    Aps algumas visitas terra natal de seu pai, o povoado de Porto das Caixas, distrito de Itabora-RJ, as irms Torres localizaram na sede municipal um sobrado colonial decadente, situado na Praa Marechal Floriano Peixoto, no 303 ( antigo no 13 ), no corao da antiga Vila de So Joo de Itabora, na poca ( 1962 ) vivenciando o auge da citricultura. No velho sobrado, construo de fins do sculo XVIII e princpios do sculo XIX, haviam sido instaladas outrora, sucessivamente, uma escola, uma colchoaria, uma oficina de sapateiros e a maior agncia funerria da regio, atividades muito distintas das funes anteriores do imvel, elegante residncia senhorial durante a primeira metade do sculo XIX. Concludas as negociaes preliminares com o proprietrio, o Capito Pedro Marques Rosa, as filhas de Alberto Torres adquiriram o precioso casaro em 19 de agosto de 1963, iniciando logo em seguida a restaurao do prdio histrico.

    Contando com o apoio tcnico de profissionais do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional SPHAN, coordenados pelo arquiteto Augusto Carlos da Silva Telles, Helosa comandou com sensibilidade e determinao as obras de restaurao e adaptao do velho casaro da praa. Concludos os trabalhos, em 1966, as irms Torres transferiram sua residncia para o sobrado colonial de Itabora em 1967, trazendo consigo vasto acervo bibliogrfico, seus arquivos particulares e uma extensa coleo de mobilirio Oitocentista.

    Em Itabora, longe do burburinho da cidade, a venervel antroploga cultivava suas leituras, produzia pareceres e textos cientficos, bem como recebia ocasionalmente a visita de professores, pesquisadores e estudantes universitrios, em busca de suas orientaes, mantendo ainda sua correspondncia internacional. Engajada na causa da preservao da memria e da difuso cultural, Dona Helosa procurou incentivar as manifestaes folclricas regionais, tendo sido eleita Presidente do Conselho Municipal de Cultura, em 1973, tendo presidido as solenidades do lo centenrio de

    criao da Biblioteca Popular Itaboraiense e da abertura da 1a Exposio Municipal de Produtos e Animais Vivos, ocorridas entre 06 e 08 de dezembro de 1973.

    Cidad consciente da importncia do acesso informao como condio essencial de promoo social, Helosa contribuiu para a fundao de uma biblioteca pblica, instalada nas dependncias da Cmara Municipal de Itabora em 1974, reunindo expressivas obras de autores itaboraienses. Infelizmente, a biblioteca em questo, denominada Biblioteca Helosa Alberto Torres, foi inteiramente descartada pelo poder pblico, no decorrer da dcada de 1980.

    Helosa Alberto Torres empreendeu diversas pesquisas, orientando tambm inmeras dissertaes e teses, deixando, entretanto, um farto material indito, nas reas de Antropologia Fsica, Etnografia e Arqueologia Indgena. Em contraste com sua vasta produo acadmica, podemos observar que a mesma publicou poucos trabalhos, com destaque para os seguintes:

    Cermica de Maraj Conferncia realizada na Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Typ. Brasil Social, 1929. 22 p. il. ( Srie do Salo de 1929 ).

    Contribuio para o estudo da proteo ao material arqueolgico e etnogrfico do Brasil IN: Revista do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. No 01, Rio de Janeiro, 1937.

    Arte indgena da Amaznia. IN: Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Publicaes Avulsas, No 06, Rio de Janeiro, 1940.

    Museums of Brazil Ministery of Foreign Affairs Rio de Janeiro, 1953.

    Verbetes reas Culturais brasileiras e O ndio , integrantes do captulo Antropologia Cultural do Brasil, Enciclopdia Delta-Larousse, Rio de Janeiro, 1964.

    Depoimento sobre Rodrigo de Mello Franco de Andrade. IN: A Lio de Rodrigo. DPHAN, Rio de Janeiro, 1970.

    Numa noite quente de vero, Helosa Alberto Torres foi acometida por uma insuficincia respiratria aguda, vindo a falecer s 20:40 h, no dia 23 de fevereiro de 1977, aos 81 anos de idade, no sobrado colonial da Praa Marechal Floriano Peixoto, na companhia de sua irm, tendo sido sepultada no mausolu da Famlia Torres, no Cemitrio Municipal de Porto das Caixas.

    ( Texto extrado do artigo Helosa Alberto Torres: uma histria de vida , de autoria do historiador Csar Augusto Ornellas Ramos, 2003 )