Hemenêutica

14
CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, São Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. São Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221 HERMENÊUTICA EM MOVIMENTO: A TAREFA DA INTERPRETAÇÃO Fábio César Junges * RESUMO: O presente texto se movimenta numa complexidade de ser em que a história da hermenêutica não pode ser separada da hermenêutica desta mesma história. Em movimento do início ao fim numa circularidade hermenêutica, os intérpretes estão sempre envolvidos por aquilo que interpretam. Não apenas os autores clássicos são interpretados por um processo argumentativo, mas os próprios intérpretes são interpretados no processo de compreensão dessa trajetória histórica em que alguns se tornam clássicos. PALAVRAS-CHAVE: Hermenêutica. Linguagem. História. 1 Introdução Para falar de hermenêutica é preciso ter presente o debate hermenêutico moderno. Por isso, o desenvolvimento a seguir será realizado a partir do pensamento de Adorno, em concomitância com a constituição da hermenêutica na filosofia contemporânea. Este recurso se faz ainda mais necessário e se coloca praticamente como uma exigência em virtude de Adorno não se constituir, historicamente, parte deste debate. Quando se fala em hermenêutica, Adorno não figura entre os considerados pensadores clássicos deste modelo de se fazer filosofia e se compreender no mundo. Há que se dizer, no entanto, que a intenção não é de que enquadrar Adorno dentro de determinada perspectiva ou vertente hermenêutica. Toda filosofia de Adorno é justamente uma rejeição às identificações, aos sistemas, às sínteses acabadas. Enquadrá-lo numa perspectiva seria uma violência com a filosofia de * Doutorando em Teologia pela Faculdades EST, São Leopoldo, com o apoio do CNPq. Professor da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões e do Instituto Missioneiro de Teologia, Santo Ângelo. Contato: [email protected]

description

Livro

Transcript of Hemenêutica

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    HERMENUTICA EM MOVIMENTO:

    A TAREFA DA INTERPRETAO

    Fbio Csar Junges*

    RESUMO:

    O presente texto se movimenta numa complexidade de ser em que a histria da hermenutica no pode ser separada da hermenutica desta mesma histria. Em movimento do incio ao fim numa circularidade hermenutica, os intrpretes esto sempre envolvidos por aquilo que interpretam. No apenas os autores clssicos so interpretados por um processo argumentativo, mas os prprios intrpretes so interpretados no processo de compreenso dessa trajetria histrica em que alguns se tornam clssicos.

    PALAVRAS-CHAVE: Hermenutica. Linguagem. Histria.

    1 Introduo

    Para falar de hermenutica preciso ter presente o debate hermenutico

    moderno. Por isso, o desenvolvimento a seguir ser realizado a partir do

    pensamento de Adorno, em concomitncia com a constituio da hermenutica na

    filosofia contempornea. Este recurso se faz ainda mais necessrio e se coloca

    praticamente como uma exigncia em virtude de Adorno no se constituir,

    historicamente, parte deste debate. Quando se fala em hermenutica, Adorno no

    figura entre os considerados pensadores clssicos deste modelo de se fazer filosofia

    e se compreender no mundo.

    H que se dizer, no entanto, que a inteno no de que enquadrar Adorno

    dentro de determinada perspectiva ou vertente hermenutica. Toda filosofia de

    Adorno justamente uma rejeio s identificaes, aos sistemas, s snteses

    acabadas. Enquadr-lo numa perspectiva seria uma violncia com a filosofia de

    * Doutorando em Teologia pela Faculdades EST, So Leopoldo, com o apoio do CNPq. Professor

    da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses e do Instituto Missioneiro de Teologia, Santo ngelo. Contato: [email protected]

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    209

    quem sempre resistiu ao sistema. Portanto, a tarefa mais de apontar contribuies

    da filosofia de Adorno para o debate hermenutico. Esta, contudo, ter que ser

    desenvolvida com a resistncia adorniana e na perspectiva de sua resistncia.

    2 A tarefa do pensamento

    Muitos so os elementos que so colocados para a hermenutica a partir do

    pensamento filosfico de Adorno. A interpretao, neste sentido, vive um perptuo

    paradoxo. No um paradoxo instantneo, mas este se perpetua ao longo de toda

    a sua tarefa. Em que consiste este paradoxo? De que deva proceder interpretando,

    com pretenso de verdade, sem possuir a chave segura para tal1. A interpretao

    no definitiva; antes de chegar ao final do processo, com um resultado definitivo, o

    pensamento continuamente deve recomear2, justamente onde tem encontrado

    algum resultado.

    por causa desta perspectiva que se pode falar em hermenutica em

    Adorno. H, neste caso, uma clara proximidade do pensamento de Adorno com o

    aforismo nietzscheano sobre fenmenos morais: no existem fenmenos morais,

    mas uma interpretao moral dos fenmenos3. Mas, neste caso, a reflexo no se

    revelaria como um crculo vicioso ou um perspectivismo extremado? Se a tarefa da

    reflexo fosse se resumir interpretao num eterno paradoxo, ento a resposta

    possivelmente seria positiva. A interpretao, no entanto, no realizada de

    qualquer modo, mas com pretenso de verdade.

    Enquanto em no poucos pensamentos ps-modernos a questo da

    verdade tem sido relegada ao esquecimento, Adorno a coloca no centro. O que

    importa na interpretao o assegurar das condies sociais vigentes ou a

    verdade? No se pode entender a pretenso de verdade como tentativa de se

    chegar realidade mesma, enquanto adequao do pensamento realidade. Esta

    justamente a crtica adorniana aos projetos ontolgicos e idealistas, com o

    pressuposto de que o ser adequado e acessvel ao pensamento. A verdade

    1 Adorno realizou o intento de esclarecer a si mesmo uma reconstruo interpretativa da realidade

    mediante dez Teses sobre a linguagem do filsofo, ADORNO, Theodor W. Thesen ber die Sprache des Philosophen. In: ADORNO, Theodor W. Gesammelte Schriften, v. 1. Berlim: Suhrkamp Verlag e Digitale Bibliothek, 2003, 2003. p. 366-371, formuladas na mesma poca da preleo sobre A atualidade da filosofia.

    2 ADORNO, Theodor W. Die Aktualitt der Philosophie. In: ADORNO, v. 1, 2003, p. 334.

    3 NIETZSCHE, Friedrich. Alm do bem e do mal. Petrpolis: Vozes, 2009, p. 82.

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    210

    precisa ser entendida como pretenso de se chegar realidade correta e justa4,

    enquanto questionadora das condies sociais injustas vigentes. No dizer de

    Mueller, aqui Adorno se afasta de um relativismo e de um pragmatismo que

    escamoteiam a pergunta pela verdade, que parte da compreenso clssica da

    filosofia5.

    A interpretao da realidade com pretenso de verdade se dar sem uma

    chave hermenutica certa. No h nenhuma chave hermenutica segura para se

    chegar verdade. O no possuir a chave segura no , contudo, privilgio somente

    da filosofia. No adianta, tambm, recorrer ao idealismo ou ao sociologismo

    filosfico, pois o primeiro escolheu umas grandes demais; no entraram de maneira

    alguma no olho da fechadura, e o segundo as escolhe muito pequenas; a chave

    entra, mas a porta no se abre6. Ao invs de uma chave certa, so dado apenas

    indcios fugazes e evanescentes. A tarefa reflexiva justamente a interpretao

    destes indcios fugazes e passageiros. Onde podem ser encontradas tais

    indicaes? Adorno responde de vrios modos esta pergunta, como prprio do seu

    pensamento dialtico negativo. Sua resposta se encontra na continuidade da citao

    acima, enquanto metfora do tecelo que no ignora os menores dos fios da

    histria.

    A histria da filosofia outra coisa no que a histria de tais entrelaamentos; por isso lhe so atribudos poucos resultados; por isso continuamente deve-se comear de novo; por isso no pode ela prescindir do mais insignificante fio que o tempo passado entrelaou e, quem sabe, complete a trama que poderia transformar as cifras em um texto

    7.

    No h, portanto, uma realidade ou um sentido por detrs da realidade que

    exige uma interpretao, mas entrelaamentos, razo pela qual so dados poucos

    resultados ou quando estes se apresentam, percebe-se que continuamente

    preciso recomear, uma vez que o primeiro achado apenas um sinal que a

    desafia a decifrar. A tarefa interpretativa destes entrelaamentos no poder negar

    sequer o mais insignificante fio que o tempo entrelaou, pois justamente o mais

    insignificante de todos pode ser aquele que completa a trama, pode ser a chave e a

    soluo do problema. O que h, portanto, so cifras que desafiam a interpretao e

    4 ADORNO, Theodor W. Die Aktualitt der Philosophie. In: ADORNO, v. 1, 2003, p. 325.

    5 MUELLER, Enio R. Filosofia sombra de Auschwitz: um dueto com Adorno. So Leopoldo:

    Sinodal/EST, 2009, p. 34. 6 ADORNO, Theodor W. Die Aktualitt der Philosophie. In: ADORNO, v. 1, 2003, p. 340.

    7 ADORNO, Theodor W. Die Aktualitt der Philosophie. In: ADORNO, v. 1, 2003, p. 334.

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    211

    configuram o pensamento de Adorno como interpretao do mundo das coisas em

    seu carter de cifra8.

    A subjetividade do seu pensamento [de Benjamin] inclinava-se mais para diferena especfica; o momento idiossincrtico de seu prprio intelecto, o que ele tinha de singular voltar-se para aquilo que, no modo tradicional de filosofar, seria considerado ocasional, efmero e totalmente insignificante confirma-se nele como a via de acesso ao obrigatrio. A frase de que no conhecimento o mais individual o mais universal ajusta-se-lhe inteiramente

    9.

    A tarefa interpretativa dos indcios fugazes que se esfumam aproxima-se da

    noo de Benjamin10 sobre a tarefa do cronista dos acontecimentos da histria. O

    cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os

    pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser

    considerado perdido para a histria11. Narrar os acontecimentos, sem distinguir

    entre os grandes e os pequenos a tarefa do cronista que no considera nada do

    que um dia aconteceu, mesmo o mais fugaz e passageiro, como sendo perdido para

    a histria. Ainda em outra passagem das teses sobre a histria, onde Benjamin

    descreve o Angelus novus da histria, v-se grandes aproximaes com Adorno

    sobre a tarefa da filosofia. relevante lembrar aqui a interpretao de Paulo

    Schneider sobre a nona tese da histria de Benjamin:

    a condio humana descrita como o anjo apavorado da 9 Tese de Sobre o conceito de Histria, que j sempre faz parte do que v e desaprova a ponto de ser sem poder alar o seu vo para algum alm onde seriam apresentadas as garantias da fundamentao absoluta ou grande novo incio sem as ingerncias do que j foi produzido em termos de sentido

    8 MLLER-DOOHM, Stefan. En tierra de nadie. Theodor W. Adorno: una biografa intelectual.

    Barcelona: Herder, 2003, p. 223. 9 ADORNO, Theodor W. Caracterizao de Walter Benjamin. In: COHN, Gabriel. Theodor W.

    Adorno. So Paulo: tica, 1986, p. 189. 10

    Adorno recebeu grande influncia dos escritos de Benjamin. Segundo Mller-Doohm, Benjamin inclusive escreveu uma carta a seu amigo Gershom Sholem queixando-se de que Adorno teria feito prprias, em vrias ocasies, suas ideias e suas descobertas. Em carta de Benjamin a Adorno de julho de 1931 ele pede a Adorno, caso fosse publicada sua preleo inaugural, que fizesse referncia introduo do seu livro sobre o barroco alemo. Adorno se defendeu argumentando que havia coincidncias fundamentais entre os dois e que no poderia simplesmente se ignorar, cf. MLLER-DOOHM, 2003, p. 220-221. Cabe ainda ressaltar que, com exceo do texto da preleo, no publicada naquele contexto, em todos os demais escritos Adorno fez as devidas referncias ao pensamento de Benjamin, que passou a ser [para Adorno] mais importante do que Kracauer; viam-se durante as estadas de Benjamin em Frankfurt e de Adorno em Berlim, cf. WIGGERSHAUS, Rolf. Escola de Frankfurt: histria, desenvolvimento terico, significao poltica. Rio de Janeiro: Difeel, 2002, p. 114.

    11 BENJAMIN, Walter. Magia e tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura.

    So Paulo: Brasiliense, 1994, p. 223.

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    212

    objetivado e instaurado historicamente e de que faz parte. A libertao, ao contrrio disso, inicia-se vendo e indicando a catstrofe

    12.

    Quando o anjo da histria olha para o passado, ao invs de ver um

    encadeamento de acontecimentos, ele v um amontoado de runas sobre runas e

    gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos13. O modo

    como Adorno v anloga tentativa, apesar de frustrada, do anjo da histria, isto

    , de acordar os mortos e juntar os fragmentos, no se esquecendo do menor deles,

    do menor fio que o tempo entrelaou. A interpretao de Schneider da nona tese de

    Benjamin sobre o conceito de histria se aproxima em boa medida ao que Adorno

    aponta em Dialtica negativa como condio da liberdade do pensamento. L

    onde o pensamento se projeta para alm daquilo a que, resistindo, ele est ligado,

    acha-se a sua liberdade. A necessidade de dar voz ao sofrimento condio de

    toda verdade14.

    Quem interpreta, quando procura atrs do mundo dos fenmenos um mundo em si, que lhe serve de base e o sustenta, se comporta como algum que quisesse procurar no enigma a reproduo de um ser que se encontra detrs, que o enigma reflete, em que se deixa sustentar; enquanto que a funo para a soluo do enigma iluminar como um relmpago a sua figura e faz-la emergir, e no teimar em ir at o fundo do enigma e assemelhar-se a ele. A autntica interpretao filosfica no aceita um sentido que j se encontra pronto e permanente por detrs da questo, e sim a ilumina repentina e instantaneamente e, ao mesmo tempo, a consome

    15.

    A histria mostra que, no poucas vezes, procurou-se um mundo por detrs

    da realidade ou um sentido inerente aos processos histricos. Adorno rechaa para

    bem longe este tipo de pensamento. Tal tentativa se aproxima da atitude de querer

    encontrar um ser por detrs de um enigma que se exige ser solucionado, quando a

    funo da soluo de enigmas justamente o contrrio, ou seja, com o encaixe da

    menor das peas, fazer aparecer a figura a um s golpe, consumindo repentina e

    instantaneamente a questo que desafiava soluo. A autntica interpretao no

    procura um sentido pronto e permanente, mas faz com que os sinais indecifrveis se

    transformem em texto, nunca se esquecendo de que o que preciso ser

    12

    SCHNEIDER, Paulo Rudi. A contradio da linguagem em Walter Benjamin. Iju: Uniju, 2008, p. 443.

    13 BENJAMIN, 1994, p. 223.

    14 ADORNO, Theodor W. Dialtica negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 24.

    15 ADORNO, Theodor W. Die Aktualitt der Philosophie. In: ADORNO, v. 1, 2003, p. 335.

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    213

    interpretado incompleto, contraditrio e fragmentrio e grande parte dele pode

    estar entregue a cegos demnios16.

    3 O ensaio como ideia de interpretao

    Apesar de j assinalado vrias vezes o carter fragmentrio dos escritos de

    Adorno, com sua recusa a todo sistema de pensamento, preciso realizar uma

    reflexo mais pormenorizada sobre esta questo. A forma com que Adorno expressa

    o seu pensamento intrnseca a sua compreenso de interpretao. Para ele, a

    clareza de um texto est facilmente para o totalitarismo e para o sistema, perdendo

    sua potncia criadora. Essa uma das razes de seus escritos serem

    linguisticamente difceis e muitos em forma de ensaio. No acidental o fato de

    Adorno publicar muitas de suas ideias em ensaios e aforismos ao invs de tomos

    volumosos to caractersticos da filosofia alem, dedicando-se inclusive a escrever

    sobre O ensaio como forma, onde afirma que

    O ensaio no deixa que lhe prescrevam o mbito da competncia. Ao invs de executar algo cientfico ou produzir algo artstico, o seu esforo ainda espelha a disponibilidade infantil, que, sem escrpulos, se entusiasma com aquilo que outros j fizeram. O ensaio reflete o amado e o odiado, ao invs de conceber o esprito como uma criao a partir do nada, segundo o modelo de uma ilimitada moral do trabalho. [...]. Ele no comea com Ado e Eva, mas com aquilo de que quer falar; diz o que lhe ocorre, termina onde ele mesmo acha que acabou e onde nada mais resta a dizer: assim ele se insere entre os despropsitos. Seus conceitos no se constroem a partir de algo primeiro nem se fecham em algo ltimo

    17.

    A escrita aforstica, em fragmentos e em ensaios prprio da ideia de

    interpretao18. Adorno no tem interesse nas snteses acabadas e muito menos em

    chegar ao solo ontolgico da realidade em questo. O que importa a realidade, em

    seus entrelaamentos, que exige ser interpretada, considerando os seus menores

    16

    ADORNO, Theodor W. Die Aktualitt der Philosophie. In: ADORNO, v. 1, 2003, p. 334. 17

    ADORNO, Theodor W. O ensaio como forma. In: COHN, 1986, p. 168. 18

    Os demais integrantes da Escola de Frankfurt tambm tiveram o carter de escrita aforstica, inclusive Benjamin talvez tenha sido o mais radical de todos, o que explica o comentrio de Jay. Embora Adorno e Marcuse fossem menos relutantes a publicar seus escritos em livros completos, tambm resistiram tentao de converter esses livros em exposies filosficas sistemticas e positivas (JAY, Martin. La imaginacin dialctica: uma historia de la Escuela de Frankfurt. Madrid: Taurus, 1989, p. 87). Neste sentido, Adorno se aproxima de tantos outros filsofos no sistemticos para alm da Escola de Frankfurt, como o caso de Nietzsche e Foucault. Este ltimo, por exemplo, em Arqueologia do saber, reflete sobre esta opo ironicamente: mais de um, como eu sem dvida, escreveu para no ter mais fisionomia. No me pergunte quem sou eu e no me diga para permanecer o mesmo: uma moral de estado civil; ela rege nossos papeis. Que ela nos deixe livres quando se trata de escrever (JAY, 1989, p. 87).

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    214

    fios. Trata-se da renncia de procurar um quadro fechado e ordenado do

    pensamento, dentro do qual todas as coisas so dotadas de sentido e

    intencionalidade19. Isto requer a disposio para retornar vida mesma e ali tentar

    ouvir o que ela diz. Trata-se de um ato de coragem e condio para toda verdade,

    pois o mundo das coisas mesmas um mundo danificado, cuja profunda

    desesperana poucos olhos esto dispostos a encarar filosoficamente.

    O ensaio tem que conseguir que a totalidade brilhe por um momento em

    um trao escolhido ou encontrado, sem que se afirme que ela esteja presente20.

    Adorno sempre usa vrias designaes para o exerccio interpretativo, rodeando os

    conceitos com outros conceitos em diferentes tentativas de formar constelaes, at

    que a figura aparea (no um conceito)21. O exerccio interpretativo de Adorno

    justamente fazer com que, a partir de diversas designaes da realidade, fazer

    brilhar a centelha hermenutica por um momento em um trao escolhido ou

    encontrado.

    Neste contexto, cabe uma aproximao do pensamento de Adorno com o de

    Benjamin, uma vez que a tese de Benjamin sobre Origem do drama barroco

    alemo, escrita em 1925, portanto, seis anos antes de A atualidade da filosofia,

    exerceu grande influncia sobre o pensamento de Adorno. Em 1931, quando

    assumiu seminrios de estticas na Universidade de Frankfurt como professor no

    titular, Adorno trabalhou com seus alunos especialmente a tese de Benjamin que,

    por ironia da histria, no foi aceita quando, em 1925, Benjamin queria, por meio

    dela, tornar-se assistente na Universidade de Frankfurt, considerada

    incompreensvel, por Cornelius e Horkheimer22. Para Mller-Doohm, o que atraiu

    Adorno na tese de Benjamin foi o prefcio epistemolgico da obra, onde tratada de

    modo eloquente a questo da verdade23. Para Benjamin, a verdade expressa um ser

    no intencional e, portanto, se encontra para alm do sujeito e a seu poder de

    disposio.

    19

    JUNGES, Fbio Csar; JACOBSEN, Eneida. Condies para um pensar justo e responsvel: contribuies de Theodor Adorno. In: XVI SIIC 2010, Santiago. ACTA do XIV Seminrio de Integrao de Pesquisa e Ps-graduao: sustentabilidade, biodiversidade e avanos tecnolgicos. Santiago: EDIURI, 2010, p. 57.

    20 ADORNO, Theodor W. O ensaio como forma. In: COHN, 1986, p. 180.

    21 MUELLER, 2009, p. 71, nota de rodap 142.

    22 WIGGERSHAUS, 2002, p. 113.

    23 MLLER-DOOHM, 2003, p. 217.

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    215

    Segundo Benjamin, o contedo da verdade somente pode ser captado imergindo de maneira mais precisa nos detalhes particulares de um estado de coisas concreto. [...]. Mais tarde, a partir da elaborao de sua preleo inaugural, Adorno fez totalmente sua a inteno de definir a verdade como um ser no intencional. Em posteriores obras filosficas procurou precisar esta posio, posicionando-se contrrio tanto filosofia da conscincia quanto emprica, e a elabor-la como teoria de uma experincia no reduzida

    24.

    Para Benjamin, o caminho verdade vedado justamente ao logos de

    inteno definidora e, para no se perder nesse caminho de queda livre, a reflexo

    interrompe a continuidade de conceito a conceito para voltar prpria coisa. Por

    isso, sua crtica, tal como Adorno, a todo sistema, e sua proposta alternativa de

    tratado, de crnica, de narrativa. O sistema exige conexo argumentativa, de modo

    que a verdade aparece em forma de proposio. O tratado ou a narrativa, apesar de

    tambm ter que fazer uso de conceitos25, procura metodicamente o desvio: nisso

    consiste a natureza bsica do tratado. Incansvel, o pensamento comea sempre de

    novo, e volta sempre, minuciosamente, s prprias coisas. Esse flego infatigvel

    a mais autntica forma de ser da contemplao26.

    A narrativa, em seus desvios, nunca poder apresentar a verdade num

    flego s, mas apenas, aps muitas tentativas, a soma dos caminhos faz surgir a

    imagem requerida. O tomar flego da reflexo significa precisamente interromper o

    fluxo da inteno de instrumentao e de comunicao de algo de fora, e assim

    voltar-se ao encontro das coisas mesmas, em que o sujeito e o objeto esto

    intrnseca e diretamente conjugados. Benjamin compara esse mtodo com um

    mosaico, e com essa imagem procura distanciar-se da figura do sistema. Tanto o

    mosaico como a contemplao justapem elementos isolados e heterogneos, e

    nada manifesta com mais fora o impacto transcendente, quer da imagem sagrada,

    quer da verdade27.

    As metforas de Adorno sobre o tecelo que no ignora o menor dos fios e o

    solucionador de enigma que encaixa a menor das peas e faz saltar, a um s golpe,

    24

    MLLER-DOOHM, 2003, p. 218. 25

    Conforme Adorno, o carter de adivinhao e de certa enigmtica que ele mesmo [Benjamin] emprestou aos aforismos de Einbahnstrasse (e que marca tudo o que ele chegou a escrever) tem o seu fundamento neste paradoxo [da possibilidade no impossvel]. Mesmo assim, interpret-lo e decifr-lo, com os nicos meios de que dispe a filosofia os conceitos foi sua motivao exclusiva para mergulhasse em reservas no mltiplo, cf. ADORNO, Theodor W. Caracterizao de Walter Benjamin. In: COHN, 1986, p. 200.

    26 BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemo. So Paulo: Brasiliense, 1984, p. 50.

    27 BENJAMIN, 1984, p. 50-51.

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    216

    a soluo do mesmo, so anlogas e adquirem maior eloquncia na aproximao

    com a metfora da constituio do mosaico de Benjamin. As metforas so

    constitutivas do pensamento de ambos os autores. A tese defendida por Schneider

    de que em Benjamin a contradio da linguagem o ponto focal a ser considerado

    para a compreenso da atividade filosfica28 tambm se inscreve para a atividade

    de pensamento de Adorno. O uso de metforas, de imagens e de conceitos

    diferenciados para expressar o mesmo contedo torna o pensamento de ambos os

    autores complexo, mas condio da prpria tarefa de pensamento por eles

    descrita: a soluo de enigma num relmpago e na montagem do mosaico em sua

    fragmentao caprichosa de partculas.

    4 A atualidade de cada interpretao

    Explicitamente, como j assinalado na introduo, Adorno no denominou o

    seu pensamento de hermenutica. Vrias razes poderiam ser elencadas por tal

    recusa. A primeira delas, que se apresenta como a mais significante, Adorno no

    circunscreve o seu pensamento dentro de categorias determinadas, pois renuncia a

    conceitos gerais invariveis29. Pelo contrrio, ele apresenta elementos singulares e

    dispersos em diferentes ordenaes, e a leitura ter que junt-los em uma figura, da

    qual salta a resoluo da questo, ao mesmo tempo em que a mesma desaparece.

    Nesta perspectiva, Adorno, no seu exerccio interpretativo, realizou uma verdadeira

    ascese para no circunscrever seu pensamento dentro de um quadro fechado e

    ordenado, razo pela qual praticamente impossvel enquadr-lo, o que o torna

    atual em cada interpretao.

    Outra razo que se coloca de sua recusa pela denominao de seu

    pensamento de hermenutica parece resultar de sua posio crtica a Heidegger,

    uma das principais referncias da hermenutica contempornea30

    . Outra razo,

    ainda, encontra-se no texto Para o estudo da filosofia, de 1955. A questo da

    verdade no pode ser adiada por consideraes hermenuticas preliminares,

    quando elas no devem ser esquecidas31. Adorno v que a hermenutica tem se

    ocupado com consideraes preliminares, adiando a pergunta pela verdade que,

    28

    SCHNEIDER, 2008, p. 299. 29

    ADORNO, Theodor W. Die Aktualitt der Philosophie. In: ADORNO, v. 1, 2003, p. 339. 30

    MUELLER, 2009, p. 59. 31

    ADORNO, Theodor W. Zum Studium der Philosophie. In: ADORNO, v. 20/1, 2003, p. 323.

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    217

    como j visto, central no seu pensamento. Aqui pode haver uma aproximao com

    Gadamer, especialmente com Verdade e mtodo32, que representa um movimento

    de resistncia aos rigorosos procedimentos cientficos das cincias naturais33 com

    suas preocupaes exageradas com as questes de mtodo, esquecendo-se do

    essencial: a verdade.

    Colocadas as principais reservas de Adorno no se autodenominar de

    hermeneuta no sentido contemporneo do conceito, pode-se ver em que sentido ele

    se aproxima da hermenutica contempornea. A inteno est longe de querer

    enquadr-lo nesta ou naquela perspectiva. A tentativa de apenas procurar

    vestgios textuais, e no jogar e brincar com os seus conceitos em constelaes

    diversas esperar que a centelha hermenutica, em um s instante, configure seu

    pensamento interpretativo como prxima vertente filosfica contempornea,

    denominada de filosofia hermenutica34. Em uma preleo de 1960 so dados

    primeiros indcios dessa aproximao.

    Existem motivos que, claro, procedem to profundamente do curso da histria, daquilo que no passado a gente chamava de esprito da poca, que fazem com que tais coisas em comum se impem mesmo por sobre extremas diferenas de posies. Uma dessas coisas em comum , certamente, o conceito de filosofia como interpretao (Deutung) ou, como se tem costumado chamar na Escola de Heidegger, levado adiante por Dilthey, de passagem para a hermenutica, a qual, no entanto, como tal entrementes tem se estabelecido academicamente e acabou sendo fundida com uma prima philosophia no estilo antigo

    35.

    Esta passagem revela que Adorno v uma aproximao de seu projeto com

    a filosofia hermenutica. Esta no se deve a intenes explcitas do autor. So

    devidas ao curso da histria ou ao esprito da poca que se estabelecem apesar

    das mais extremas diferenas de posies. Estas extremas diferenas de posies

    32

    GADAMER, Hans-Georg. Verdade e mtodo: traos fundamentais de uma hermenutica filosfica. Petrpolis: Vozes, 1997.

    33 ADAMS, Adair; JUNGES, Fbio Csar. Hermenutica e conscincia histrica em Gadamer.

    Missioneira, Santo ngelo, n. 57, p. 9-24, jun. 2010, p. 24. 34

    Na medida, portanto, em que aqui se fala em filosofia hermenutica as demais acepes contemporneas da mesma so, de antemo, rechaadas, dentre elas, a hermenutica tcnica e a hermenutica filosfica. Dentre outros textos que fazem estas mesmas distines, podem ser lembrados como referncias Stein e Ruedell. STEIN, Ernildo. Intrepretacionismo: a tradio hermenutica diante de duas novas propostas. In: REIS, Rbson Ramos dos; ROCHA, Ronai Pires da (Orgs.). Filosofia hermenutica. Santa Maria: UFSM, 2000. RUEDELL, Alosio. Da representao ao sentido: atravs de Schleiermacher hermenutica atual. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

    35 ADORNO, Theodor W. Zur Lehre von der Geschichte und von der Freiheit. In: ADORNO, Theodor

    W. Nachgelassene Schriften. Herausgegeben vom Theodor W. Archiv, v. 4/13. Frankfurt: Suhrkamp, 1993, p. 182.

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    218

    sugerem que seja em referncia a Heidegger. Apesar de toda crtica de Adorno a

    Heidegger, ele admite que tenha, afinal, uma proximidade entre os dois projetos. Em

    que sentido, ento, revela-se uma proximidade? Uma dessas coisas em comum ,

    certamente, o conceito de interpretao. Os dois projetos filosficos, portanto,

    situam-se na passagem da filosofia da conscincia para a hermenutica.

    Apesar da proximidade de ambos, Adorno apresenta uma ressalva. A

    passagem da filosofia para a hermenutica tem se revelado como uma prima

    philosophia no estilo antigo. O problema a crescente ontologizao da

    hermenutica, o que Adorno historicamente criticou em Heidegger. Apesar da

    proximidade com o projeto filosfico de Adorno, em Heidegger se v o problema ou

    a questo hermenutica se circunscrever na passagem da epistemologia

    ontologia, isto , tem-se uma nova ontologia que se volta contra a ontologia

    tradicional36. Adorno v possibilidades para uma filosofia hermenutica, desde que

    ela renuncie a possibilidade de ser uma nova prima philosophia e passe a olhar as

    pequenas coisas e faa surgir de dentro do detalhe a centelha hermenutica37.

    A hermenutica foi proscrita. E com razo: porque ela limitou os contedos da msica ao permetro da diversidade das experincias subjetivas [...]. No entanto, na crtica da hermenutica, como na do subjetivismo como um todo, tem-se procedido muito sem cuidado e, portanto, perdeu-se a verdadeira objetividade. Pois a msica, como performance vazia, foi cortada de todos os seus contedos. [...]. A genuna hermenutica deveria aprender a compreender pergunta e resposta a problemas e solues tcnicas como linguagem daquilo que brilha por meio da msica, sem se desvanecer nela como sua expresso subjetiva

    38.

    A crtica de Adorno hermenutica no se d somente por sua crescente

    ontologizao, mas tambm quando a mesma subjetivizante. A crtica

    hermenutica musical destri qualquer interpretao da msica como reproduo

    potica de contedos psquicos39. Trata-se de uma crtica ao modo de

    Schleiermacher e de Dilthey compreender a hermenutica, com suas tentativas de

    reconstruo da inteno dos autores das obras. O problema da hermenutica,

    portanto, est na separao entre a msica e seus contedos, tornando-a

    performance vazia. A autntica hermenutica precisa rodear o contedo com

    36

    JUNGES, Fbio Csar. Da epistemologia ontologia: a hermenutica como deslocamento de questionamento em Heidegger. Via Teolgica, n. 17, p. 149-168, junho de 2009, p. 154.

    37 ADORNO, Theodor W. Einleitung zu Emile Durkheim, Sociologie und Philosophie. In: ADORNO,

    v. 8, 2003, p. 269. 38

    ADORNO, Theodor W. Musikalische Aphorismen. In: ADORNO, v. 18, 2003, p. 20. 39

    ADORNO, Theodor W. Schubert. In: ADORNO, v. 17, 2003, p. 24.

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    219

    perguntas e respostas ao ponto de brilhar a fasca hermenutica. A tarefa, portanto,

    da autntica hermenutica de fazer saltar a centelha hermenutica, acionando

    todo um processo interpretativo.

    5 Concluso

    Movimento aps movimento, com a aproximao de diversos conceitos que

    formaram constelaes de pensamento, esperou-se fazer saltar a centelha

    hermenutica: a ideia de interpretao de si. A prpria forma do argumento

    pretendeu se aproximar do modo como Adorno compreende o exerccio

    interpretativo. Com o exerccio de interpretao, esperou-se apenas o cintilar, vez

    por outra, da centelha hermenutica e de modo evanescente. Na medida em que se

    desprendia uma dessas fascas, iluminava-se a tese esboada de modo

    paradigmtico na introduo.

    Mas ao mesmo tempo em que a centelha se desprendia e iluminava

    repentinamente a questo, tambm ela se desfazia e mantinha na penumbra o que

    havia sido iluminado. Trata-se da prpria exigncia do exerccio interpretativo

    conferido por Adorno. Realidade, interpretao, verdade e chave interpretativa so

    os conceitos que permitiram formar algumas constelaes de pensamento. O

    pensamento ainda tem chances, enquanto interpretao da realidade, com

    pretenso de verdade, sem possuir a chave segura para tal. Os elementos

    singulares espalhados, os mais insignificantes fios de sua filosofia, neste sentido,

    precisaram ser considerados, pois, inclusive o menor deles, quando colocado em

    diferentes arranjos com os demais, fez saltar, mesmo que instantaneamente, a

    soluo do enigma.

    Portanto, o rompimento do pressuposto dos grandes projetos passados

    exige uma razo responsvel, a partir de dois movimentos de pensamento: o

    primeiro crtico, enquanto renncia de chegar totalidade da realidade, e o segundo

    positivo, enquanto preservao da esperana de uma vez se chegar a essa

    realidade certa e justa40. Ao pensamento, nesta perspectiva, so dados apenas

    indicaes passageiras daquilo que est a. Interpretar os entrelaamentos

    histricos dessas indicaes, nisso consiste a grande tarefa do pensamento, ao

    40

    MUELLER, 2009, p. 38

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    220

    invs de querer desenvolver, a partir de si mesma, o conceito de realidade e de

    toda realidade41.

    A interpretao da realidade exige um olhar audacioso para as pequenas

    coisas. Exige que se olhe para dentro das brechas, das fissuras da realidade

    enclausurada e sufocada pelo sistema. Essas fissuras, no completamente

    encobertadas pelo sistema enquanto tal, revelam sinais, cifras, fios insignificantes da

    histria a partir dos quais possvel espiar a realidade de um modo diferente, sem

    que a mesma seja igualmente enclausurada em um novo projeto ontolgico ou

    idealista. Essas fissuras, portanto, so indcios de que existe outra realidade

    possvel e sua interpretao indcio da atualidade do pensar hoje.

    6 Referncias

    ADAMS, Adair; JUNGES, Fbio Csar. Hermenutica e conscincia histrica em Gadamer. Missioneira, Santo ngelo, n. 57, p. 9-24, jun. 2010.

    ADORNO, Theodor W. Caracterizao de Walter Benjamin. In: COHN, Gabriel. Theodor W. Adorno. So Paulo: tica, 1986.

    ________. Dialtica negativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

    ________. Die Aktualitt der Philosophie. In: ADORNO, Theodor W. Gesammelte Schriften, v. 1. Berlim: Suhrkamp Verlag e Digitale Bibliothek, 2003.

    ________. Einleitung zu Emile Durkheim, Sociologie und Philosophie. In: ADORNO, Theodor W. Gesammelte Schriften, v. 8. Berlim: Suhrkamp Verlag e Digitale Bibliothek, 2003.

    ________. Musikalische Aphorismen. In: ADORNO, Theodor W. Gesammelte Schriften, v. 18. Berlim: Suhrkamp Verlag e Digitale Bibliothek, 2003.

    ADORNO, Theodor W. O ensaio como forma. In: COHN, Gabriel. Theodor W. Adorno. So Paulo: tica, 1986.

    ________. Schubert. In: ADORNO, Theodor W. Gesammelte Schriften, v. 17. Berlim: Suhrkamp Verlag e Digitale Bibliothek, 2003.

    ________. Thesen ber die Sprache des Philosophen. In: ADORNO, Theodor W. Gesammelte Schriften, v. 1. Berlim: Suhrkamp Verlag e Digitale Bibliothek, 2003.

    41

    ADORNO, Theodor W. Die Aktualitt der Philosophie. In ADORNO, v. 1, 2003, p. 339, p. 336.

  • CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, So Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. So Leopoldo: EST, v. 1, 2013. | p.208-221

    221

    ________. Zum Studium der Philosophie. In: ADORNO, Theodor W. Gesammelte Schriften, v. 20/1. Berlim: Suhrkamp Verlag e Digitale Bibliothek, 2003.

    ________. Zur Lehre von der Geschichte und von der Freiheit. In: ADORNO, Theodor W. Nachgelassene Schriften. Herausgegeben vom Theodor W. Archiv, v. 4/13. Frankfurt: Suhrkamp, 1993.

    BENJAMIN, Walter. Magia e tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. So Paulo: Brasiliense, 1994.

    ________. Origem do drama barroco alemo. So Paulo: Brasiliense, 1984.

    GADAMER, Hans-Georg. Verdade e mtodo: traos fundamentais de uma hermenutica filosfica. Petrpolis: Vozes, 1997.

    JAY, Martin. La imaginacin dialctica: uma historia de la Escuela de Frankfurt. Madrid: Taurus, 1989.

    JUNGES, Fbio Csar. Da epistemologia ontologia: a hermenutica como deslocamento de questionamento em Heidegger. Via Teolgica, n. 17, p. 149-168, junho de 2009.

    ________.; JACOBSEN, Eneida. Condies para um pensar justo e responsvel: contribuies de Theodor Adorno. In: XVI SIIC 2010, Santiago. ACTA do XIV Seminrio de Integrao de Pesquisa e Ps-graduao: sustentabilidade, biodiversidade e avanos tecnolgicos. Santiago: EDIURI, 2010.

    MUELLER, Enio R. Filosofia sombra de Auschwitz: um dueto com Adorno. So Leopoldo: Sinodal/EST, 2009.

    MLLER-DOOHM, Stefan. En tierra de nadie. Theodor W. Adorno: una biografa intelectual. Barcelona: Herder, 2003.

    NIETZSCHE, Friedrich. Alm do bem e do mal. Petrpolis: Vozes, 2009.

    SCHNEIDER, Paulo Rudi. A contradio da linguagem em Walter Benjamin. Iju: Uniju, 2008.

    STEIN, Ernildo. Intrepretacionismo: a tradio hermenutica diante de duas novas propostas. In: REIS, Rbson Ramos dos; ROCHA, Ronai Pires da (Orgs.). Filosofia hermenutica. Santa Maria: UFSM, 2000. RUEDELL, Alosio. Da representao ao sentido: atravs de Schleiermacher hermenutica atual. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

    WIGGERSHAUS, Rolf. Escola de Frankfurt: histria, desenvolvimento terico, significao poltica. Rio de Janeiro: Difeel, 2002.