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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CAEPE 2011
MONOGRAFIA (CAEPE)
O Programa Nuclear da Marinha
e sua Contribuição para o Desenvolvimento Nacional
Código do Tema: 04/237
CMG ALEXANDER CESAR HENRIQUES
2
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
ALEXANDER CESAR HENRIQUES
O PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO NACIONAL
Rio de Janeiro 2011
3
ALEXANDER CESAR HENRIQUES
O PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO NACIONAL
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Prof. Eng° Simon Rosental
Rio de Janeiro 2011
4
C2011 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institu-cional da ESG _________________________________
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Henriques, Alexander Cesar. O Programa Nuclear da Marinha e sua Contribuição para o Desenvolvimento Nacional / Capitão-de-Mar-e-Guerra Alexander Cesar
Henriques. Rio de Janeiro: ESG 2011.
64 f.: il.
Orientador: Prof. Eng° Simon Rosental Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2011.
1. Programa Nuclear da Marinha. 2. Gestões Estratégicas e Tecnológica. 3. Efeitos de Diversificação e Arraste Tecnológico. 4 Desenvolvimento Nacional. I. O Programa Nuclear da Marinha e sua Contribuição para o Desenvolvimento Nacional
À minha esposa Laura e aos meus filhos
Alexander, Andressa e Amanda, fontes de
inspiração e tesouros da minha vida.
Dedico este trabalho, como forma de
eterno amor e toda ternura.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por todas as maravilhas que operam em mim, iluminando-me na grande
trajetória da vida.
Aos Meus pais, Augusto Cesar e Neusa, pelo carinho e dedicação empenhados a
minha formação educacional e de valores, que muito contribuíram para tornar
realidade esta inesquecível experiência de realizar o Curso de Altos Estudos de
Política e Estratégia (CAEPE) da Escola Superior de Guerra.
Ao meu orientador Prof. Engº Simon Rosental, pela maneira cordial e abnegada com
que aportou importantes contribuições a este Trabalho de Conclusão de Curso.
A um dos percussores do Programa Nuclear da Marinha e referência nacional do
conhecimento na área nuclear, CMG (RM1-EN) Leonam dos Santos Guimarães,
pela prestimosa atenção e apoio de material bibliográfico.
Se apenas com idealismo nada se consegue de prático, sem essa força propulsora é
impossível realizar algo de grande
Álvaro Alberto da Motta Silva, Almirante
RESUMO
O estudo do Programa Nuclear da Marinha, quanto às suas motivações iniciais de
implementação, concepções estratégicas e evolução ao longo dos mais de 30 anos
de existência, constitui um interessante exame dos ensinamentos de gestão,
persistência e dedicação. Fruto do amadurecimento do pensamento estratégico à
época, com a precisa análise das conjunturas, indicando cenários que inviabilizavam
o programa nuclear oficial, o PNM materializava uma política de proporcionar o
Brasil um desenvolvimento da tecnologia atômica de forma independente e
genuinamente nacional. Para tanto, a “grande estratégia” de manter o PNM na
condição de paralelo e confidencial fora das atenções internacionais e mesmo de
opositores nacionais, orientando um programa de complexidades múltiplas, pode ser
considerada a principal chave para os sucessos alcançados pelo programa. O
domínio da tecnologia nuclear com o fim de propulsar um submarino irá elevar o
Poder Naval brasileiro a uma situação de conferir ao País uma capacidade de
defesa proporcional às novas projeções do País no concerto internacional. No
entanto, os benefícios com o PNM não se encerram com o submarino, mas se
estendem em imensuráveis ganhos que podem ser percebidos pelas cinco
expressões do Poder Nacional: a política, a econômica, a psicossocial, a militar e a
científico-tecnológica. Portanto, o PNM vem desempenhando um papel de inconteste
relevância para o fomento do binômio defesa-desenvolvimento.
Palavras chave: Programa Nuclear da Marinha. Estratégias da Marinha. Gestão
Tecnológica. Efeitos de diversificação e de arraste tecnológicos. Desenvolvimento
Nacional.
12
ABSTRACT
The study of Navy Nuclear Program (NNP), the motivation behind its initial
implementation, strategic concepts and evolution in over 30 years of its existence,
constitute an interesting test of teaching of management, persistence and dedication.
A product of mature strategic thinking at the time, combined with precise analysis of
the situations, with scenarios by nuclear officials indicating impracticability of the
programme, NNP materialized to provide a policy that enabled Brazil to develop
atomic technology that is independent and genuinely national. To this end, the "grand
strategy" of keeping the NNP in a parallel and confidential condition out of
international attention and even out of attention of national opponents, guiding the
program’s multiple complexities, could be considered the key to the successes
achieved by the program. The field of nuclear technology for naval propulsion in
nuclear powered submarine will elevate the Brazilian Naval Power to a situation that
will confer on the country a defense capability commensurate with its new projections
in the international arena. However, the benefits from the NNP do not end with the
nuclear powered submarine, but extends immeasurably to gains that could be
achieved by the five expressions of National Power: politics, economic, psycho-
social, military and scientific-technological. The NNP, has therefore, played an
undeniable relevant role of stirring up binomial defense-development
Keywords: Navy Nuclear Program. Naval Strategy. Technology Management.
Diversification and spin-off technology effects. National development.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Representação do PNM sob a forma do Triângulo de Sábato....................31
Figura 2: Representação do PNM sob a forma do Hélice Tripla................................54
Figura 3: Quadro do Ciclo do Combustível Nuclear..................................................A-1
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIEA Agência Internacional de Energia Atômica
AJB Águas Jurisdicionais Brasileiras
CC Capitão-de-Corveta
CF Capitão-de-Fragata
CNEN Comissão Nacional de Energia Nuclear
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COGESN Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento do Subma-rino Nuclear
CTA Centro Tecnológico da Aeronáutica
CTMSP Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo
END Estratégia Nacional de Defesa
END Estratégia Nacional de Defesa
ESG Escola Superior de Guerra
FHC Fernando Henrique Cardoso
IME Instituto Militar de Engenharia
INB Indústrias Nucleares do Brasil
IPEN Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
ITA Instituto Tecnológico da Aeronáutica
LABGENE Laboratório de Geração de Energia Núcleo-Elétrica
LARE Laboratório Rádioecológico
LEI Laboratório de Enriquecimento Isotópico
LEPLAC Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira
MCT Ministério da Ciência e Tecnologia
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MIT Massachusetts Institute of Technology
NUCLEP Nuclebras Equipamentos Pesados S/A
ONU Organização das Nações Unidas
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PAEMB Plano de Articulação e Equipamento da Marinha
PDN Política de Defesa Nacional
10
PNB Programa Nuclear Brasileiro
PNM Programa Nuclear da Marinha
Prosub Programa de Desenvolvimento de Submarinos
SNB-01 Primeiro Submarino Nuclear Brasileiro
TIAR Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
TNP Tratado de Não-Proliferação
UO2 Dióxido de Urânio
USEXA Unidade Piloto para a Produção do Hexafluoreto de Urânio
USP Universidade de São Paulo
ZEE Zona Econômica Exclusiva
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13 2 ANÁLISE DO PERÍODO HISTÓRICO PRECURSOR DO PROGRAMA
NUCLEAR DA MARINHA ............................................................................ 15 2.1 MALOGRADAS EXPERIÊNCIAS NACIONAIS DE OBTER A
TRANSFERÊNCIA DA TECNOLOGIA NUCLEAR ....................................... 15 2.1.1 Primeiro acordo internacional ................................................................... 15 2.1.2 Alternativas de aproximação com países europeus e o despertar
para uma nova consciência político-estratégica ..................................... 16 2.1.3 Retrocesso à trajetória de esforços para o domínio da tecnologia
nuclear ......................................................................................................... 17 2.2 A CRIAÇÃO DO PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO E A
INGERÊNCIA EXTERNA ............................................................................. 17 2.3 SUBSERVIÊNCIA DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS ..................... 19 2.4 PROCESSO DE AMADURECIMENTO POLÍTICO-ESTRATÉGICO
COMO ALICERCE AO PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA .................. 19 2.4.1 Reaproximação estratégica com a Europa e o Acordo Brasil-
Alemanha .................................................................................................... 20 2.4.2. O papel das elites político-militares em torno da recusa do Tratado
de Não-Proliferação Nuclear (TNP) ........................................................... 21 2.4.3 As novas conjunturas impostas à Marinha .............................................. 22 2.4.4 Crise do petróleo e a criação da NUCLEBRAS ........................................ 23 2.4.5 A opção de um programa nuclear “paralelo” e as Forças Armadas ...... 24 2.4.6 Entre as Forças, por que a Marinha? ........................................................ 25 2.4.7 Cenários desafiadores às iniciativas do programa a ser conduzido
pela Marinha ................................................................................................ 26 3 PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA (PNM) .......................................... 29 3.1 A CRIAÇÃO DO PNM ................................................................................... 29 3.2 CONCEPÇÕES ESTRATÉGICAS DO PNM ................................................ 29 3.2.1 Parcerias estratégicas da Marinha com segmentos técnico-
científico-industriais .................................................................................. 30 3.2.2 Contribuição estratégica do exterior, uma oportunidade para o
PNM .............................................................................................................. 32 3.2.3 Lições extraídas com a Guerra das Malvinas .......................................... 33 3.2.4 A importância das elites nacionais para o PNM ....................................... 33 3.2.5 A “grande estratégia” do PNM .................................................................. 34 3.2.6 Alguns dos reveses durante a travessia do PNM ................................. 34 3.2.7 A reformulação da “grande estratégia” do PNM e os seus efeitos
iniciais não alcançados ......................................................................... 36 3.2.8 A retomada do PNM à agenda do governo ............................................... 37 3.2.9 Amazônia Azul e os seus reflexos para o PNM ....................................... 39 3.2.10 O PNM frente à Estratégia Nacional de Defesa (END) ............................. 40 3.2.11 A atual situação do PNM ............................................................................ 41 3.2.12 Perspectivas de futuro para o PNM .......................................................... 42 4 O ESCOPO DO PNM ................................................................................... 46 4.1 AS METAS INTERMEDÁRIAS DE CAPACITAÇÃO DO PNM .................... 46
12
4.1.1 Ciclo do combustível .................................................................................. 48 4.1.1.1 Enriquecimento do urânio ............................................................................. 48 4.1.1.1 Hexafluoreto de urânio (UF6) ....................................................................... 49 4.1.2 Laboratório de Geração de Energia Núcleo-Elétrica (LABGENE) ......... 50 4.1.3 Infraestrutura .............................................................................................. 51 5 O PNM EM CONTRIBUIÇÃO AO DESENVOLVIMENTO NACIONAL ........ 52 5.1 O PERÍODO SIGILOSO DO PNM E A ESTRUTURAÇÃO DO
AMBIENTE COOPERATIVO ........................................................................ 52 5.2 A ABERTURA DO PNM E O AMADURECIMENTO DOS AGENTES
DESENVOLVIMENTISTAS .......................................................................... 53 5.3 OS FENÔMENOS DA DIVERSIFICAÇÃO E ARRASTE
TECNOLÓGICO ........................................................................................... 54 5.4 BENEFÍCIOS DO PNM EM RELAÇÃO ÀS EXPRESSÕES DO PODER
NACIONAL ................................................................................................... 55 6 CONCLUSÃO............................................................................................... 57 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 63
ANEXO A – CICLO DO COMBÚSTÍVEL NUCLEAR .................................. 65
13
1 INTRODUÇÃO
O esforço empreendido pela Marinha do Brasil, na busca do domínio da
tecnologia do submarino nuclear, constitui-se a materialização de um planejamento
estratégico, traçado por militares e cientistas, há mais de trinta anos, cujos ideais de
ver um Brasil possuidor de um Poder Naval equiparado às suas aspirações de
projeção no cenário internacional, ainda permanecem vivos.
No entanto, os avanços obtidos com o Programa Nuclear da Marinha (PNM)
e as suas decorrentes contribuições ao desenvolvimento nacional não devem ser
observados isoladamente, mas sim como um produto do próprio amadurecimento do
pensamento estratégico do País. Com efeito, pode-se notar que tal programa não foi
criado por força de um Decreto ou outro ato institucional, mas sim de uma
confluência de fatores, reunindo as lições depreendidas com as experiências
passadas e as necessidades de alterar os cursos das ações, frente às análises das
perspectivas futuras.
Neste processo evolutivo, surge o PNM com o propósito de ser conduzido no
formato “paralelo” e sigiloso, como uma política de contornar os diversos
antagonismos que os ostensivos projetos oficiais vinham sofrendo, com o fim de
impedi-los em seus prosseguimentos. A partir desta decisão, que definitivamente
mudaria os rumos do desenvolvimento da tecnologia nuclear no País, a Marinha
seria submetida a grandes desafios, diante do enfrentamento de complexas e
variantes conjunturas nacionais e internacionais. Sem embargo, do exame das
medidas adotadas frente a estas extremas dificuldades e às seguidas soluções de
continuidade, presentes em diferentes oportunidades, destacam-se os mais
interessantes aspectos relacionados ao estudo do PNM.
Assim, ao procurar melhor entender o dimensionamento desta perseverança
para a consecução do objetivo final de conferir ao Brasil a tecnologia do submarino
nuclear, igualmente, torna-se imprescindível examinar a trajetória de ajustes nas
estratégias conduzidas pela Marinha, com base em diagnósticos e cenários
oportunos e bem avaliados.
Destarte, o PNM contempla uma fascinante história de brasileiros
abnegados e dedicados a transformar um sonho em realidade, de alçar um Brasil
forte e soberano, capaz de assegurar os seus próprios desígnios, para esta e futuras
gerações.
14
As conquistas logradas com o PNM, como o domínio do ciclo do
combustível, fazem do Brasil integrante do seleto grupo de países, que detém tal
tecnologia sensível, de natureza essencialmente estratégica. Contudo, as
contribuições para o desenvolvimento nacional, oriundas da tecnologia do programa,
são bem mais amplas. O próprio estudo do PNM constitui-se uma importante
referência a outras iniciativas de empreendimento científico, com significativos
efeitos à contribuição do desenvolvimento nacional. Em paralelo, com a análise de
um programa desta envergadura estratégica, explorando os ditos efeitos de
diversificação e arraste de disseminação de tecnologias a diferentes segmentos do
País e os seus benefícios resultantes, relevante seria trazer o tema nuclear à
discussão da sociedade brasileira.
Por todas as mencionadas abrangências envoltas ao PNM, este Trabalho de
Conclusão de Curso (TTC) procurará analisá-lo como referência de gestão
estratégica e sua decorrente contribuição ao desenvolvimento nacional.
Com foco a atender tal propositura, a estruturação do TTC será formada por
esta presente introdução, seguida de 5 capítulos e uma parte dedicada à conclusão.
Especificamente, em relação à composição dos capítulos, ter-se-á:
O primeiro estará voltado para a análise do período histórico precursor do
PNM, percorrendo as malogradas experiências nacionais de obter a transferência da
tecnologia nuclear, o papel das elites político-estratégicas nesta trajetória, até as
conjunturas que pavimentaram a origem do programa conduzido pela Marinha.
O segundo trará as concepções estratégicas iniciais do PNM, parcerias com
segmentos técnico-científico-industriais, alguns reveses durante o seu transcurso, os
resultados das estratégias posteriores, chegando à situação atual do programa e
suas perspectivas de futuro.
O terceiro deverá detalhar o escopo do PNM, com vista a apresentar sua
partição por metas intermediárias de capacitação. A fundamentação deste capítulo
está no sucesso e peculiaridades de tal formatação, considerada no campo da
gestão de tecnologia, um modelo de referência para grandes projetos.
E, finalmente, o quarto examinará os efeitos da diversificação e do arraste
tecnológico e suas contribuições ao desenvolvimento do País, bem como, explorará
alguns ganhos decorrentes do PNM a todas expressões do Pode Nacional.
15
2 ANÁLISE DO PERÍODO HISTÓRICO PRECURSOR DO PROGRAMA
NUCLEAR DA MARINHA
2.1 MALOGRADAS EXPERIÊNCIAS NACIONAIS DE OBTER A
TRANSFERÊNCIA DA TECNOLOGIA NUCLEAR
A um primeiro passo, para o entendimento das circunstâncias históricas que
o Brasil estava inserido e que determinariam de forma contundente a concepção
estratégica do Programa Nuclear da Marinha, parece fundamental antes voltar às
malogradas experiências brasileiras em tentar alcançar atalhos ou abreviaturas no
processo de obter a tecnologia nuclear, por transferência das potências que a
dominavam.
Neste sentido, destacam-se as diferentes fases que caracterizaram a
condução dos muitos acordos e projetos relacionados à área nuclear, que embora
totalizem um saldo de insucessos, até meados da década de 70, constituíram
importantes aportes históricos, para que finalmente alicerçassem políticas e
estratégias adequadas, cujos resultados atualmente podem ser apurados com o
PNM.
2.1.1 Primeiro Acordo Internacional
Como marco inicial à empreitada brasileira, movida pela aspiração e
entendimento de que àquela tecnologia manifestada em forma de duas bombas
lançadas sobre o Japão, seria instrumento de imponderável poder e que passaria a
balizar a nova ordem mundial, cita-se o primeiro acordo celebrado, em 1945, com os
Estados Unidos. Acompanhando tanto entusiasmo, a frustração de forma imediata
se fez presente, visto que o compromisso estadunidense de instalar reatores
nucleares no Brasil, em contrapartida deste fornecer minérios radiativos, jamais se
concretizou. Assim, remonta desta época, as percepções iniciais de que os
interesses brasileiros na trajetória do domínio desta sensível e estratégica tecnologia
contariam com adversidades extremas e que não seriam logrados a partir de uma
simples transferência externa.
16
2.1.2 Alternativas de aproximação com países europeus e o despertar para
uma nova consciência político-estratégica
Após as frustradas experiências com os Estados Unidos, novas alternativas
foram disparadas pelos seguidos governos no Brasil, como as empreendidas junto à
França e Alemanha, em 1953, ambas com objetivo de trazer ao País reatores de
enriquecimento de urânio. Igualmente, estas ações não alcançariam sucesso. A
França terminou negando ao Brasil o acesso à tecnologia de enriquecimento de
urânio e a Alemanha, embora tivesse acolhido as aspirações brasileiras, foi impedida
de transferir os três reatores construídos secretamente para este fim. No entanto,
embora tais iniciativas tivessem sido frustradas, atribuem-se aos esforços dos
integrantes destas duas comitivas os gêneses dos ideais para o desenvolvimento de
uma tecnologia nuclear, essencialmente nacional. Isto porque, pela primeira vez,
concentraram-se os maiores especialistas no assunto, que não se destacavam só
pela reconhecida competência técnica, mas, sobretudo, por possuírem elevada
capacidade de análise político-estratégica para o Brasil, o que passaria a constituir o
pavimento para todo o processo sequente do domínio tecnologia nuclear.
Um destes brasileiros que integrava como chefe da comitiva à Alemanha,
era o Almirante Álvaro Alberto, um nacionalista inveterado, cujo papel na defesa dos
interesses brasileiros se fez marcante no exterior, frente às Nações Unidas,
principalmente, pelo posicionamento contrário ao Plano Baruch1. A desafiadora
postura do Brasil de se opor a estratégia dos Estados Unidos de garantir sua
supremacia mundial e áreas de influência, por meio fundamentalmente do seu poder
atômico e alinhando-se em termos de contraposição ao tratado com a União
Soviética, principal ator do bloco comunista, indicavam a solidificação naquela
oportunidade de uma elite política e científica independentista, com ótica ao
desenvolvimento do País dentro de um processo autônomo.
1 Plano Baruch - assegurava aos EUA o monopólio da tecnologia e das matérias-primas nucleares no mundo ocidental. O Brasil, representado pelo almirante Álvaro Alberto, juntamente com a União Soviética, são os únicos países a oporem-se ao que seria, entre outras medidas, a criação de uma autoridade mundial responsável pela gestão de todas as reservas de urânio do mundo e assim controlar todo processo de enriquecimento.
17
2.1.3 Retrocesso à trajetória de esforços para o domínio da tecnologia
nuclear
Infelizmente, este período de avanços obtidos com a formulação de uma
nova consciência político-estrátégica voltada para uma autonomia tecnológica
nuclear foi interrompido, com a morte de Vargas e a seguida exoneração, em agosto
de 1954, do Almirante Álvaro Alberto da presidência do então Conselho Nacional de
Pesquisa, autarquia do qual era fundador e que viria a ser o atual Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Neste ponto dos acontecimentos, marcando o fim da fase nacionalista,
segundo os estudiosos das evoluções do tema nuclear no País, a condução dos
esforços para a obtenção desta tecnologia migrou do setor científico e passou a ser
regido pelo diplomático, muito mais permeável a junções de governos, organizações
e grupos de interesses estrangeiros em relação à política externa brasileira. Iniciava-
se assim a fase diplomática, que teria como os primeiros marcos a celebração de
dois acordos, em 1955, com os Estados Unidos: o Acordo de Cooperação para o
Desenvolvimento de Energia Atômica com Fins Pacíficos; e o Programa Conjunto
para o Reconhecimento e a Pesquisa de Urânio no Brasil. Desprovidos de
fundamentação técnica, com o parcial alijamento da comunidade científica à época,
tais acordos resultariam momentâneos retrocessos do País à trajetória de alcançar a
tecnologia nuclear.
2.2 A CRIAÇÃO DO PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO E A INGERÊNCIA
EXTERNA
A posse de Juscelino Kubitschek, em 1956, resultaria em uma interessante
reconvocação de políticos e cientistas à discussão do tema nuclear. Esta nova
ordem de mobilização, promovendo inclusive a promulgação de uma política
nacional, com os fins específicos ao desenvolvimento da energia Nuclear, foi por fim
materializada pela criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). A
importância de tal comissão para aquele momento nacional se traduziu no
pioneirismo de concentrar todos os esforços e recursos, antes dispersos e
desarticulados, para a internalização e desenvolvimento da tecnologia nuclear no
País. Com vista a esta missão, surgiu a CNEN e por isso a sua criação é, também,
18
considerada o marco inicial do Programa Nuclear Brasileiro (PNB). Sem embargo,
pode-se dizer que o papel principal da CNEN, em relação ao Programa Nuclear da
Marinha, seria jogado, cerca de vinte anos depois, quando por meio da
intermediação desta instituição foi possível arregimentar os potenciais técnico-
científicos formados no País, em prol da Marinha para conduzir o seu programa
sigilosamente autônomo. Referente ainda a estes presentes parênteses, sobre os
destacados benefícios ao País atribuídos à CNEN, citam-se os seus primeiros
projetos de estabelecimento de estoques estratégicos de minérios de urânio, nióbio
e tório, cujos efeitos podem ser avaliados, com os próprios levantamentos
prospectivos atualmente mapeados.
Por outro lado, a então política externa brasileira referente à defesa, pelo
conjunto de compromissos assumidos, assimilava o pensamento apregoado pelos
Estados Unidos, de que estes seriam responsáveis pela proteção do sistema
capitalista internacional, enquanto os seus aliados, sobretudo, na América Latina
deveriam se ocupar dos “inimigos” internos, infiltrados na sociedade e
disseminadores da ideologia comunista. Neste entendimento nacional, em 1960, o
Brasil acompanhando a maioria dos países latinos-americanos aceitou os termos do
Tratado de Tlatelolco2, o qual trazia no seu cerne a conversão das Américas Central
e Sul em regiões desmilitarizadas. Mesmo na tomada do governo pelos militares,
1964, os períodos iniciais seguiram esta doutrina estadunidense, preocupando-se
pelo ambiente interno e relegando o externo ao seu poderoso aliado. Portanto, até
mesmo o aparato e capacidade militar do Brasil passavam a ser delineados por esta
conjuntura, ditada pelos Estados Unidos, que incentivavam tal situação pelo amplo
oferecimento de vantagens no fornecimento de equipamentos e cursos de
aperfeiçoamentos e adestramentos.
2 O Tradado de Tlatelolco é o nome convencionalmente dado para o Tratado para a Proibição de
Armas Nucleares na América Latina e o Caribe. Neste Tratado, os estados concordam em proibir e prevenir teste, uso, manufatura, produção ou aquisição por todo modo de quaisquer armas nucleares, além de receber, guardar, instalar, movimentar ou possuir tais armas. Foi assinado e ratificado por todas as 33 nações da América Latina e do Caribe e entrou em vigor em 25 de Abril de 1969,A exceção foi Cuba, o último país a ratificá-lo, em 23 de outubro de 2002
19
2.3 SUBSERVIÊNCIA DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS
Dentro de tal contexto, o rol operativo da Marinha e a Força Aérea passou a
se restringir à patrulha do Atlântico Sul. No caso específico da Marinha, o emprego
do Poder Naval mantinha-se sob a subordinação doutrinária estabelecida pelos
Estados Unidos, que fixava o foco às operações anti-submarino, para as águas
jurisdicionais brasileiras (AJB), acompanhando a estratégia da Segunda Guerra
Mundial.
Somente no terço final da década de 60, os altos dirigentes políticos e
militares brasileiros começaram a se manifestar abertamente quanto à situação de
assimetria e distanciamento tecnológico, que era observada em relação às países
considerados desenvolvidos. Os resultados destas novas avaliações da conjuntura
mundial conduziram o início de uma decisiva reorientação político-militar, que
passaria a estabelecer decorrentes estratégias, principalmente, dirigidas ao
segmento científico-tecnológico. A representação deste posicionamento pode ser
observada, quando em 1971, o País adquiriu um reator nuclear da Westinghouse3,
por meio de um acordo com os Estados Unidos, no que viria a se tornar a primeira
unidade da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, conhecida como Angra I. No
entanto, a importância de tal feito para as reais aspirações brasileiras foi
considerada modesta, visto que o contrato de compra representava apenas uma
simples aquisição de equipamento, sem qualquer transferência de tecnologia.
2.4 PROCESSO DE AMADURECIMENTO POLÍTICO-ESTRATÉGICO COMO
ALICERCE AO PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA
Avançando no tempo e chegando à posse do governo Geisel, em 1974, tais
pensamentos reformistas já se encontravam bem amadurecidos, alguns destes,
frutos de profundos estudos formulados por expoentes analistas geopolíticos à
época, como Therezinha de Castro e Carlos de Meira Mattos. Igualmente,
importante neste processo, cita-se a participação da Escola Superior de Guerra, ao
juntar os mencionados teóricos da geopolítica brasileira a outros estudiosos, que
entendiam o Brasil ser possuidor de todo potencial, capaz de romper o modelo
3 Westinghouse Electric Corporation, fundada em 1886, é uma organização multinacional, possuindo
desenvolvimento tecnológico em diversas áreas energéticas.
20
vigente de subserviência, resgatando novos horizontes para o desenvolvimento
interno e maior projeção internacional.
A recusa brasileira ao Tratado de Não-Proliferação4 (TNP), seguramente,
constitui-se um notório marco desta nova orientação político-militar, demonstrando o
entendimento de que a tecnologia nuclear passava a ser um elemento chave para o
processo de mudanças desenvolvimentistas do País. A relevância atribuída ao
domínio de tal tecnologia sensível pode ser bem representada pelo próprio General
Meira Mattos (1979, p.125):
[...] Não resta dúvida de que o domínio completo da tecnologia do átomo irá permitir o desenvolvimento do segredo da fabricação de bombas. Mas não é esse o fim que perseguimos e sim o de sustentar o nosso desenvolvimento e assegurar o bem-estar das gerações futuras.
Nestes termos, as entrelinhas parecem traduzir as novas aspirações do
governo brasileiro, que absolutamente não descartaria o emprego militar da
tecnologia nuclear, sinalizando assim uma direta afronta à geopolítica estadunidense
para o continente americano, quanto à possibilidade de um país, justamente dentro
da sua área de influência, surgir como mais um ator dotado de poderio atômico. Por
outro lado, mostrava-se patente de que a iniciativa de buscar diminuir o amplo atraso
técnico-científico, imposto por este alinhamento com os Estados Unidos, pós-
Segunda Guerra Mundial, dentro de uma forma essencialmente autônoma, não seria
possível sem estruturar novas parcerias, fora do eixo americano.
2.4.1 Reaproximação estratégica com a Europa e o Acordo Brasil-Alemanha
Destarte, sob direta condução do presidente Geisel, uma desafiadora
guinada no rumo da política externa do País passaria a ter como foco uma maior
reaproximação com a Europa, mais especificamente com as potências regionais:
Inglaterra, França e Alemanha. Embora a bandeira por esta inovadora empreitada
tivesse por fundamento a procura de oportunidades de incrementar a participação do
4 Tratado de Não-Proliferação - TNP, que passou a vigorar a partir de 1970, assegura somente aos
Estados "nuclearmente armados" a manterem os seus artefatos bélicos atômicos, exigindo dos demais o compromisso de renunciarem definitivamente a tecnologia de tais armamentos e a submissão, inclusive, dos seus projetos científicos na área nuclear a inspeções invasivas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Classificam-se como os Estados "nuclearmente armados" aqueles que tiverem fabricado ou explodido uma arma nuclear ou outro artefato explosivo nuclear antes de 1 º de janeiro de 1967, ou sejam, Estados Unidos, Rússia (que sucedeu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), Reino Unido, França e China.
21
Brasil junto ao mercado europeu e ao mesmo tempo favorecer os investimentos
internos, que pudessem ser capitados daquele continente, atualmente, reconhece-se
por estudos a documentos históricos, até pouco tempo sigilosos, que o interesse
principal se pautava no tema nuclear. Corroborando com tal análise, expressa
Corrêa (2010, p.39): “[...] a fim de fugir do cerco dos Estados Unidos quanto à
política de não-proliferação nuclear, Geisel optou por fortalecer a política e a
economia do Brasil buscando parcerias e contratos estratégicos na Europa”
Nesta estratégia, um extremo cuidado diplomático parecia fazer sentido,
vista à preocupação de não macular as relações do País com os Estados Unidos, o
que resultaria pesadas ingerências políticas destes para bloquear quaisquer
pretensões do Brasil, remetendo-o a um completo isolamento internacional.
Entre os três países sondados, a Alemanha foi a única a sinalizar
favoravelmente à proposta brasileira. Deste modo, o Brasil conduziu as sensíveis e
difíceis negociações, principalmente, pelo distanciamento da capacidade nacional
em relação ao nível de desenvolvimento do setor científico germânico. No entanto,
com notável habilidade, logrou-se firmar, em 1975, o aspirado acordo bilateral.
Embora o caráter especial destas negociações, a rapidez do processo promoveu
surpresa na comunidade internacional, que só passou a conhecer o acordo após o
seu firmamento. A reação pela “audácia”, termo Ipsis literis empregado pelo
presidente Gerald R. Ford, Jr., para qualificar a atitude do governo brasileiro, foi
instantânea e se fez materializada pelo reinício de uma estrema pressão para a
adesão ao TNT e para o cancelamento do acordo.
2.4.2 O papel das elites político-militares em torno da recusa do Tratado de
Não-Proliferação Nuclear (TNP)
Certo é que esta nova visão do Governo Geisel de buscar novas parcerias
estratégicas, em especial, na área nuclear, concentrou significativo apoio dos
militares, que então compunham os altos cargos da administração federal,
polarizando um forte sentimento nacionalista. Justamente, em função desta coesão
das elites político-militares do País, houve a devida sustentação governamental de
manter-se contrário às gestões estadunidenses, para que o Brasil se tornasse
signatário do TNP e abdicasse do acordo com a Alemanha. A base para tal
relutância estava na análise de que a tecnologia nuclear passava a ser considerada
22
fator essencial, sine qua non, de projeção do Brasil no sistema internacional,
portanto, não poderia se aceitar qualquer comprometimento que viesse a limitar a
consecução deste objetivo.
O aspecto interessante de destaque é que tal importância depositada pelos
militares brasileiros, sobre a tecnologia nuclear, atribuindo-lhe capital relevância à
base de poder do País, encontrava embasamento nas próprias premissas
proclamadas por Henry Alfred Kissinger5 (1957), em seu livro, “Nuclear Weapons
and Foreign Policy”, com a ideia central de que poderia haver um mundo com várias
potências nucleares – equilíbrio do terror, pelo poder.
2.4.3 As novas conjunturas impostas à Marinha
Em paralelo e fruto deste amadurecimento do pensamento político-
estratégico brasileiro, a segunda metade da década de 70, marcaria a Marinha por
profundas transformações de suas doutrinas e estruturas organizacionais. A
readequação do Poder Naval brasileiro às novas conjunturas, sobretudo,
conformadas por meio da ampliação das águas jurisdicionais brasileiras (AJB) de 12
para até 200 milhas6, ratificada em 1973, pela III Conferência das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar. Por consequência, a urgência de formulações de estratégias
voltadas à salvaguarda das novas fronteiras marítimas, delimitadas por linhas
imaginárias, diferentes das terrestres que são demarcadas por marcos ou acidentes
geográficos, passou a constituir tópico de principal preocupação do governo federal.
Ademais, as riquezas que indicavam existir nas AJB, vislumbradas pelas
perspectivas das explorações iniciais de petróleo na plataforma continental,
aumentavam o tom da preeminência do estado brasileiro de fazer-se presente e
demarcar os seus interesses junto à comunidade internacional.
No entanto, a questão da extensão marítima não surgiu isoladamente. Nesta
mesma época, suscitava no País um estrondoso aumento da frota da Marinha
Mercante, com índices inéditos, fazendo alcançar patamares de segundo produtor
mundial de navios. Os investimentos no setor naval, para a reversão do quadro de
5
Henry Alfred Kissinger - Diplomata, secretário e conselheiro dos Estados Unidos da América, tendo
exercido forte influência na política externa daquele país, sobretudo entre os anos de 1968 e 1976.
6 Embora a extensão marítima já fosse considerada pelo Brasil desde 25 de março de 1970, com a
promulgação do Decreto-lei n.º 1.098, esta unilateralidade não era reconhecida pela comunidade internacional e, por esta razão, também, não gerou o devido convencimento da sociedade braileira em torno de tal condição.
23
dependência parcial dos fretes internacionais para uma situação de auto-sustentável
no transporte marítimo, foram aportados por planos desenvolvimentistas, que
traziam no seu escopo incentivos à toda cadeia de indústrias e centros de pesquisa,
com extensões de abrangência ao Poder Naval.
2.4.4 Crise do Petróleo e a criação da NUCLEBRAS
Coincidentemente, em 1973, o levante da crise petrolífera internacional
passaria a afetar as principais potências mundiais e impactaria fortemente o Brasil,
que possuía a sua matriz energética altamente deficitária em relação a combustíveis
fósseis. Os efeitos da crise representariam uma ameaça sobre os programas de
desenvolvimento em pleno curso, exigindo do governo federal saídas estratégias
para contornar tais dificuldades. Entre estas, foi a criação das Empresas Nucleares
Brasileiras (NUCLEBRAS), sinalizando uma vez por todas às políticas impeditivas
internacionais e aos segmentos céticos nacionais, que a opção brasileira pela
energia nuclear era uma realidade e que nesta deveriam se concentrar os esforços
da nação.
Pode-se dizer que a idealização da estatal, NUCLEBRAS, tenha sido fruto
de mais uma reorientação político-estratégica do Brasil no seu esforço para alcançar
o domínio da tecnologia nuclear, sem qualquer aspiração de afetar o equilíbrio da
dissuasão nuclear, então, vigente pela Guerra Fria. No entanto, nesta oportunidade,
o cenário mundial atravessava sensíveis e complexos momentos, regidos pelas duas
superpotências atômicas, Estados Unidos e União Soviética, com base na fase de
maior escalada dos seus arsenais nucleares. Ao seu turno, o Brasil sob governança
do militares despertava no ambiente externo uma série de críticas, aglutinando um
contexto de dúvidas e desconfianças sobre a condução da sua política doméstica.
Portanto, sob este cenário, qualquer movimentação ou ação de maior envergadura
no trato da tecnologia nuclear seria percebida como ameaça e despertaria reações
internacionais duras e imediatas.
Que alternativas então existiam? A desistência da tecnologia nuclear para
fins militares, restringindo-se seu desenvolvimento para o campo civil, sob a gestão
da NUCLEBRAS, ou partir para um programa “clandestino”, “paralelo” ao oficial?
24
2.4.5 A opção por um programa nuclear “paralelo” e as Forças Armadas
A opção por um programa de desenvolvimento da tecnologia atômica de
forma autônoma e independente dos demais setores nacionais, inclusive da própria
empresa governamental, que justamente nascera para desenvolver o Programa
Nuclear Brasileiro, concentrando a transferência de informações, de técnicas e de
serviços associada às atividades nucleares, representava uma decisão estratégica
de elevadíssimo risco.
A princípio, este programa deveria ser desenvolvido no formato “paralelo” e
sem subordinação à NUCLEBRAS, que fora estruturada dentro do Ministério de
Minas e Energia. Ademais, por esta empresa representar os interesses do Brasil em
relação ao tema nuclear, sobretudo, no exterior, com ênfase ao acordo com a
Alemanha, passou a mesma sofrer instantaneamente pressões das agências e
instituições congêneres das potencias nucleares. Com efeito, as consequências pela
continuidade do status quo do programa gerido pela NUCLEBRAS, envolto em
cláusulas restritivas de acordos e regulamentações, já eram percebidas e traduziam
a sua ineficácia como instrumento em alcançar os reais interesses do País.
Sem embargo, o fato contribuinte para a concepção da implementação de
um programa “paralelo” foi a forte pressão internacional para o Brasil assinar a Lei
de Salvaguardas, inclusive da Alemanha, a sua mais próxima e quiçá a única aliada.
Tal Lei de Salvaguardas, por conter termos ainda mais restritivos que o próprio TNP,
fez com que o processo de se buscar a tecnologia nuclear de forma autônoma
ganhasse maior pujança. Neste sentido, o segmento militar era o único capaz de
conduzir tal empreitada, de maneira sigilosa e afastada da própria sociedade
brasileira, que nesta oportunidade já experimentava a abertura política e a oposição
do partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB) aumentava sua projeção de
criticas e resistência às ações do governo militar.
As três Forças Armadas demonstraram interesse no desenvolvimento
científico na aérea nuclear, exigindo assim uma partição das etapas de capacitação
a cada uma destas. O Exército ficaria a cargo dos esforços de construir um reator de
pesquisa de pequeno porte; a Aeronáutica seria responsável pelo processo atômico
de enriquecimento de urânio à laser; e a Marinha assumiria o desenvolvimento da
tecnologia de enriquecimento de urânio por ultracentrifugação, com posterior
25
edificação de uma usina em escala industrial e, finalmente, caberia a esta construir
um submarino nuclear.
2.4.6 Entre as Forças, por que a Marinha?
Não obstante, entre as instituições militares, a Marinha representava o
melhor ambiente para consecução deste programa “paralelo”, visto que somente a
esta caberia alcançar um produto final, o submarino, de empregabilidade direta à
Esquadra, capaz de agregar valor estratégico de inconteste grandeza ao Poder
Naval. A majoração desta capacidade pela Marinha, também, ganharia maior
relevância nas expressões políticas e militares, frente às visões estratégicas
elaboradas, ainda na década de 60, por Meira Mattos e Therezinha de Castro, e que
permaneciam bem vigentes à época. Nestas concepções estratégicas, o Atlântico
Sul configurava como espaço geoestratégico de suma importância para o futuro do
Brasil e, por conseguinte, traziam a Marinha para um papel de destaque entre as
demais Forças.
As expectativas de avanço e revigoramento da Marinha em assumir
tamanha responsabilidade fizeram com que o seu Ministro, Almirante Esquadra
Geraldo Azevedo Henning, e o Almirantado evoluíssem em suas tratativas sobre o
desenvolvimento nuclear dentro da Força, para discuti-las, diretamente, com o
Presidente Geisel.
Em decorrência desta confluência de interesses, do Presidente Geisel e da
Marinha, e por uma consciência clara de que a importação desta tecnologia sensível,
no seu mais completo âmago, qual seja, a internalização de “cérebros” jamais
ocorreria na realidade, criavam-se, assim, as motivações iniciais necessárias para o
Programa Nuclear da Marinha, com as aspirações centrais de dotar o País de um
meio naval, genuinamente nacional, de propulsão nuclear e sobre o qual passaria a
estar alicerçado a nova estratégia do Poder Naval, para a defesa das águas
jurisdicionais brasileiras.
26
2.4.7 Cenários desafiadores às iniciativas de um programa a ser conduzido
pela Marinha
Contudo, os diagnósticos já bem definidos pelas amplas análises dos
antecedentes, conferidos pelos minuciosos estudos do histórico das muitas
tentativas de acessar à transferência da tecnologia nuclear, e dos ambientes interno
e externo que configuravam naquela época, permitiram a elaboração de uma
consubstanciada fase política, com formulação de todos tipos de cenários que
poderiam ser encontrados pelo, ainda, projeto do Programa Nuclear da Marinha.
Com efeito, sem se deixar ofuscar pelo entusiasmo da importante
empreitada que significava o programa, os mencionados estudos indicavam muitos
desafios que, instantaneamente, seriam apresentados, alguns ainda na etapa
preliminar.
a) A tentação pela rapidez e economia de adquirir um navio nuclear pronto.
Como primeiro desafio, transparecia o desejo do aproveitamento do produto
alemão pela Marinha, instigando a esta uma antiga tentação: obter “algo pronto”,
com transferência de materiais, técnicas e procedimentos, que pudesse ao final se
concretizar em um meio naval, sob a forma de aquisição bem mais rápida e com um
custo razoavelmente definido. Por outro lado, o desafio de formar um quadro de
técnico-científico, genuinamente nacional, capaz de dotar o Brasil de especialistas
na área nuclear se mostrava próximo ao inalcançável, quanto mais lograr o
desenvolvimento de navios propulsados por meio de energia atômica. Ademais, a
situação se mostrava mais complexa com a transferência de todos os institutos de
pesquisas nucleares, antes subordinados à Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN), para a empresa estatal, NUCLEBRAS, e isto implicava que os novos
diretores técnicos das organizações subsidiarias a esta deveriam ser, por força do
acordo, necessariamente, alemães. Portanto, o que se observou foi uma
degradação das pesquisas nos ditos institutos nacionais, que passavam a ser
associados aos centros científicos estrangeiros, a que pertenciam os diretores das
subsidiárias NUCLEBRAS. Tal cenário, então vigente, de certa forma intensificado
por ingerências destes próprios dirigentes alemães, indicava muito fortalecida a
opção de repetir a escolha do “algo pronto”. Esta adversidade em função da
insuficiência da capacidade técnico-científica, genuinamente nacional, foi logo
percebida pela Marinha, provocando amplos debates no âmbito interno da Força.
27
Assim, fruto desta conjuntura, em setembro de 1976, a NUCLEBRAS
chegou a reunir-se com as principais autoridades e especialistas alemães da área
nuclear, com foco especial em trazer o tema propulsão naval para as negociações,
que já tramitavam entre aqueles interlocutores. O local desta reunião não poderia ser
mais propício, do que a bordo de um navio mercante alemão, de nome Otto Hahn,
dotado de propulsão nuclear, e, por demais, tendo a presença de representantes do
próprio estaleiro construtor do navio. Os impulsos para a seleção daquela opção se
completavam com o “pacote” de oferecimentos rotulados como vantajosos à Marinha
do Brasil. A partir deste arranjo de propostas “fáceis”, decorre o primeiro ensaio de
dotar a Marinha de um navio auxiliar de pesquisas oceanográficas, pelo princípio da
oportunidade, a reboque dos grandes investimentos que estavam sendo
direcionados à Petrobras, por efeito ainda das medidas de atenuação da crise
mundial do petróleo.
b) A sedução de ampliar e modernizar a Marinha por transferência de
meios modernos dos Estados Unidos.
O outro desafio que passava a constituir mais uma ameaça à incipiente
estratégia de um programa independente “paralelo” à cargo da Marinha, começou a
suscitar justamente a partir de uma parcela da sua oficialidade. Nesta mesma época,
primeira metade da década de 70, seduzidos pela transferência de navios e
submarinos, ocorrida como parte do acordo de assistência militar vigente com os
Estados Unidos, e por serem estes meios considerados bem mais modernos que os
existentes no acervo da Força, alguns almirante brasileiros se convenceram que a
Marinha deveria definitivamente renunciar à aventura nuclear. Em pensamento
oposto, outros oficiais, entre estes e na sua maioria, Capitães-de-Mar-e-Guerra,
formavam um corpo resistente à continuidade do modelo estadunidense, que
insistiam em manter a Marinha do Brasil como elemento subserviente à estratégia
naval dos Estados Unidos, desenvolvendo um papel secundário de defesa das
linhas de comunicações no Atlântico Sul, conforme os termos do Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca7 (TIAR).
7 O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (em inglês: Inter-American Treaty of Reciprocal
Assistance; conhecido pela sigla TIAR ou como Tratado do Rio, é um tratado de defesa mútua celebrado em 1947 na cidade do Rio de Janeiro entre diversos países americanos. O princípio central do acordo é que um ataque contra um dos membros será considerado como um ataque contra todos, com base na chamada "doutrina da defesa hemisférica". O TIAR entrou em vigor em 3 de dezembro
de 1948.
28
c) A condução de um programa nuclear “paralelo” sem interferir com a
política externa brasileira.
Por fim e, seguramente, o mais complexo desafio de superação, seria a
inserção da Marinha no desenvolvimento tecnológico nuclear e não levantar maiores
pressões e desconfianças da comunidade internacional. Neste sentido, os
problemas seriam irradiados para o próprio Programa Nuclear Brasileiro, com
resultados desastrosos se a Alemanha também impelida pelas potencias atômicas
viesse a se afastar do Brasil, deixando sucumbir todos os entendimentos e
investimentos, que já tinham sido aportados ao Programa conduzido pela
NUCLEBRAS.
d) Os dilemas e os riscos envolvidos.
Aduzindo estes desafios ao ingresso da Marinha para o desenvolvimento da
tecnologia nuclear, interessante se faz notar que os mesmos dilemas, de quase vinte
e cinco anos passados, parecem com os atuais problemas decisórios, configurados
pelas opções em adquirir navios usados, por oportunidade de ofertas de outras
marinhas, a preços módicos, para manter o quantitativo de meios do Poder Naval,
ou partir para o ganho da qualificação técnico-científica, em construir os seus
próprios navios a um custo imprevisível e sujeito a variações do orçamento.
No entanto, há de se considerar uma especial ressalva para esta analogia
comparativa entre o tempo passado e o atual, qual seja, a opção que se
apresentava naquela oportunidade aos chefes navais para o desenvolvimento
nuclear autônomo representava “navegar em águas” muito mais desconhecidas e
obscuras, do que qualquer outra situação observável nas experiências recentes dos
dias presentes.
Como exposto, o cenário que se apresentava no fim da década 70, era
constituído de complicados e multifacetados desafios e, ao mesmo tempo, exigia
uma decisiva posição do governo brasileiro, quanto ao papel da Marinha do Brasil no
contexto nuclear.
29
3 PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA (PNM)
3.1 A CRIAÇÃO DO PNM
Enfim, em que pese o ano de 1979 constar como referência da criação do
Programa Nuclear da Marinha, pode-se afirmar que esta data só possui cunho
histórico. Na realidade, antes mesmo da autorização deliberada pelo Presidente
Geisel à solicitação do Ministro Almirante Henning para a inicialização do
desenvolvimento de um submarino de propulsão nuclear, de concepção nacional, a
Marinha já tinha visualizada a sua parcela de responsabilidade no processo. A
demonstração disto, é que em 1976, com a anuência do Presidente Geisel, a
Marinha enviou aos Estados Unidos um Capitão-de-Corveta (CC), do Corpo de
Engenheiros Navais, Othon Luiz Pinheiro da Silva, a fim de realizar um curso de
engenharia nuclear na renomada instituição, “Massachusetts Institute of Technology”
(MIT). Dois anos após, ao retornar ao Brasil, o CC Othon apresentou um relatório
centrado nas viabilidades de desenvolver, nacionalmente, um projeto para a
construção de um submarino de propulsão nuclear, fora do alcance da percepção
dos demais países e organizações estrangeiras. Com base exata neste relatório, é
que a Marinha definitivamente decidiu retirar o tema nuclear, com viés militar, do
campo da idealização e torná-lo realidade. A importância de frisar tal observação
vem na necessidade de demonstrar que o Programa Nuclear da Marinha não nasceu
por força de um Decreto ou outro ato institucional, homologado no ano de 1979, mas
sim de um processo em que abnegados brasileiros, seguidores dos seus ideais de
ver um Brasil grande e soberano, aceitaram os riscos e enfrentaram os desafios
3.2 CONCEPÇÕES ESTRATÉGICAS DO PNM
Como base no exposto, as opções estratégicas da Marinha para a
elaboração do seu projeto básico tinham como um dos pilar o aspecto técnico-
científico e este estava alicerçado no Engenheiro Naval Othon, então promovido ao
posto de Capitão-de-Fragata (CF), quando do início das suas atividades no PNM.
Também cabe a este notável oficial e cientista, a avaliação de que o
enriquecimento do urânio à laser, cujo desenvolvimento começou a ser conduzido
pela Aeronáutica, não era viável para o propósito de produzir material físsil na
30
quantidade que Marinha iria requerer em seu submarino. Tal parecer, sugerindo
abdicar do processo à laser, para o qual, inicialmente, o CF Othon se encontrava
engajado no Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA), e persistir no método da
ultracentrifugação, foi aprovado pela Marinha e resultou em um importante ajuste
estratégico para o incipiente programa. A retidão por tal diagnóstico e,
principalmente, a oportunidade deste ter ocorrido ainda bem no início das ações,
economizando elevados custos se esta reorientação fosse posterior, ficaram
ratificados pelos sucessos quantificados no tempo presente, coroando a
ultracentrifugação como melhor método, concebido mundialmente, de
enriquecimento de urânio.
3.2.1 Parcerias estratégicas da Marinha com segmentos técnico-científico
industriais
Logo que se iniciaram as atividades do PNM, a elevada percepção do CF
Othon conduziu-o a buscar parcerias estratégicas junto a alguns setores nacionais
expoentes nos conhecimentos correlacionados à área nuclear. Entre estas parcerias,
destacam-se as formadas com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de
São Paulo (IPT) e a mais importante com o Instituto de Pesquisas Energéticas e
Nucleares (IPEN), localizado no campus da Universidade de São Paulo (USP).
Ambos os institutos guardavam entre si uma fundamental situação de não serem
subordinados à NUCLEBRAS e, portanto, não estariam ao alcance das atenções e
restrições internacionais e nacionais.
Com relação à USP, a parceria foi facilitada pelo acordo que a Marinha
mantinha com aquela instituição, desde 1956, e deste modo já havia um estreito
relacionamento com as suas principais faculdades e departamentos de
desenvolvimento de tecnologia.
Fruto deste ambiente de parcerias, em 1980, a Marinha e o IPEN já focados
para o enriquecimento do urânio por ultracenrifugação instalaram um departamento
no interior do campus da USP, com o fim específico de coordenar o PNM. Ao
mesmo tempo, um relevante aliado passaria a fazer parte das parcerias, qual seja, a
Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), não exatamente com aporte
científico, mas, sobretudo, com alocação de recursos financeiros e interlocutor com
31
determinados segmentos de pesquisas e com a própria NUCLEBRAS,
representando o programa nuclear “oficial”.
Com o fenomenal arranjo de parcerias, firmava-se o estruturante eixo
estratégico, unindo dois pontos: o primeiro representando o governo, por meio do
PNM, com a alocação intensiva de capital, e em outro a universidade, com a
capacidade científica e tecnológica. Na sequência, unir-se-ia à esta base um
pequeno grupo de indústrias, arregimentadas por um processo altamente seletivo
dentro de suas especificidades, que viessem a contribuir com o programa. Para
tanto, o posicionamento do centro de coordenação do PNM no interior do campus da
USP, favoreceu a aglutinação destas indústrias, que na sua quase totalidade eram
sediadas na Grande São Paulo.
Enfim, o pólo industrial mais expressivo do País, posicionado no entorno do
núcleo do PNM, passaria a constituir o terceiro ponto, somado aos outros existentes
definidos pelo governo e universidade. Desta maneira, estariam formadas as
engrenagens motrizes do programa, que juntas são representadas de forma análoga
pelo Triângulo de Sábato8 (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 2000), assim conhecido
no campo da gestão de tecnologia. Adaptando tal representação gráfica, tem-se o
diagrama a seguir:
Com grande peso, é conferida à esta estratégia da triangulação: Marinha,
Universidades e Indústrias a razão da superação dos muitos desafios submetidos ao
PNM, que se desencadeariam em diferentes tipos e complexidade, conforme as
seguidas alternâncias das conjunturas.
8 Triângulo de Sábato tem origem a partir da conferência “World Order Models Conference”, realizada
na Itália, em 1968, pelos argentinos Jorge Sábato e Natalio Botana, e passou a ser referência de vários estudos no campo da Gestão de Tecnologia. Tais teóricos defendiam que um programa de substituição de importações eficiente deveria levar em conta a necessidade constante do setor produtivo em aprimorar seus processos e seus produtos, para isso seria necessário que houvesse nos países da América Latina uma infraestrutura científica e tecnológica articulada com o setor produtivo e com o governo. O modelo descrito passou a ser conhecido como "Triângulo de Sábato".
Figura 1: Representação do PNM sob a forma do Triângulo de Sábato Fonte: O autor (2011)
Governo - Marinha
Universidade Indústria
32
Em suma, com a base estratégica de parcerias, houve uma sinergia de
potencialidades entre os partícipes do processo, promovendo significativos
progressos extensivos não só ao PNM, mais em grande parte ao País, pelas novas
tecnologias desenvolvidas.
3.2.2 Contribuição estratégica do exterior, uma oportunidade para o PNM
Outra contribuição que não se poderia omitir pelo vultoso apoio prestado ao
PNM, na sua fase inicial, viria justamente do exterior, onde antes só se esperavam
ameaças. A origem desta oportunidade veio da Argentina, após o seu envolvimento
na Guerra das Malvinas, contra a Grã-Bretanha, em 1982.
Em que pese as rivalidades do Brasil e Argentina, as pressões dos Estados
Unidos contra as pretensões dos dois principais países sul-americanos de
acessarem à tecnologia nuclear, colocaram-os em uma situação estratégica de
apoio mútuo. Neste sentido, antes mesmo do envolvimento da Argentina na guerra,
havia alguns movimentos de cooperação entre os programas nucleares oficiais
daquele país e o Brasil. Em paralelo, um segundo efeito era observado, em
decorrência das mesmas ingerências estadunidenses, qual seja, de um maior
estreitamento de ambos os países com a Alemanha, que auferiu de tal modo
incrementar sua influência na região sul-americana. A síntese desta conjuntura pode
ser bem apurada, segundo o registro de Girotti (apud CORRÊA, 2010, p. 82)
O paradoxal é que foi em função da posição norte-americana que estes programas nucleares entraram em uma fase de aceleração. Errados ou omissos, os EUA empurraram a Argentina e o Brasil para a busca de sócios mais flexíveis e que tivessem em condições de vender com rapidez a ansiada tecnologia do átomo.
A esta época, coincidente com o início da estruturação do PNM, certo é que
a Argentina possuía o seu programa nuclear bem mais avançado que o Brasil,
alcançando mesmo uma capacidade tecnológica de desenvolve-la para fins bélico.
Nestes termos, a Argentina passava a ser interessante aliada na área nuclear e,
ademais, fora do eixo dominante dos Estados Unidos.
Com a eclosão da Guerra das Malvinas, esta aproximação com o Brasil
tornar-se-ia ainda mais acentuada, graças à repulsa argentina frente ao
posicionamento estadunidense favorável à Grã Bretanha, mantendo-se contrários às
suas causas para o conflito, que se pautavam na própria obra criada pelos Estados
33
Unidos: o TIAR. No entanto, o que selaria tal união entre Brasil e Argentina, foi a
inversão de apoio da Alemanha, verificada no terço final do conflito, passando para
lado britânico, em função dos seus compromissos com a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN), da qual já era signatária.
3.2.3 Lições extraídas com a Guerra das Malvinas
No pós-Guerra das Malvinas, além dos efeitos advindos da solidificação de
uma base de relacionamento político-ecônomico-tecnológico com a Argentina, o
PNM experimentaria outras circunstâncias impactantes à sua dinâmica evolutiva. A
primeira seria a definitiva descrença em relação à eficácia do TIAR, deixando a lição
de que os assuntos alusivos à defesa nacional deveriam ganhar maior atenção do
Brasil, reduzindo a dependência externa de recursos militares.
A segunda viria da própria atuação do submarino britânico de propulsão
nuclear, durante as operações no conflito, cujo êxito terminou consagrando esta
arma de guerra, como meio estratégico de inestimável valor e seu emprego foi
decisivo para o conhecido desfecho bélico.
3.2.4 A importância das elites nacionais para o PNM
O resultado de tais circunstâncias, pós-Guerra das Malvinas, no seio da elite
político-militar brasileira e em especial da própria Presidência da República, já sob a
responsabilidade do General Figueiredo, foi imediato e materializou-se em forma de
manter o apoio político e financeiro ao PNM, a um nível equiparado do antecessor
presidente Geisel.
O destaque destes episódios envoltos ao desenvolvimento e emprego
da tecnologia nuclear, não obstante, encontra interesse para demonstrar que as
conjunturas no campo das Relações Internacionais são efêmeras e movidas,
sobretudo, por interesses nacionais dos atores partícipes.
Neste diapasão, é de fundamental importância que o País possua uma
elite com capacidade de acompanhar e interpretar continuamente as conjunturas do
ambiente interno - solidificando os pontos fortes e retificando os fracos, bem como,
do externo - resgatando as oportunidades e blindando as possíveis ameaças. Foi
exatamente dentro de tal concepção que a Marinha, na condução do seu programa
34
“paralelo”, soube suplantar as dificuldades iniciais e dar continuidade a sua evolução
de conquistas.
3.2.5 A “grande estratégia” do PNM
Enfim, de todas as análises que possam ser extraídas das estratégias bem
sucedidas aplicadas ao programa nuclear “paralelo” comandado pela Marinha, uma
especificamente merece amplo destaque. Trata-se da “grande estratégia’”, que criou
o PNM fora da esfera oficial, fazendo-o progredir, de forma paralela, por meio de
ampla liberdade de manobra facultada a seus coordenadores e, ao mesmo tempo,
mantendo-o vinculado, pontualmente, a seletivos e restritos setores governamentais,
universitários e industriais.
A difícil decisão política no passado pode, no tempo presente, ser avaliada
pelos sucessos alcançados pelo PNM, com repercussões desenvolvimentistas para
muitos segmentos da sociedade brasileira. Sem embargo, a eficácia da estratégia
aplicada ao PNM pode ser melhor percebida, quando este se compara ao programa
nuclear desenvolvido pela Argentina. Assim, embora aquele país tivesse partido
antes e logrado patamares superiores ao próprio Programa Nuclear Brasileiro, o
quadro mudaria com a implementação do PNM. Isto se deve, segundo estudiosos no
tema, ao fato da Argentina não ter conseguido criar um programa “paralelo”, aos
moldes da Marinha, e sim mantido um único programa oficial. Portanto, se a
estratégia para a criação do PNM não fosse efetivada, o resultado não teria sido
semelhante ao da Argentina?
3.2.6 Alguns dos reveses durante a travessia do PNM
Os programas nucleares “paralelos” a cargo das Forças Armadas, em
especial o coordenado pela Marinha viriam, em oprtunidades posteriores, sofrer
duros reveses. Entre as alternâncias de políticas e investimentos, originadas de
diferentes setores envolvidos direta ou indiretamente com o PNM, inclui-se a própria
Marinha, que em variadas administrações e ocasiões impôs distintos graus de
priorização ao programa.
Dentro deste perfil de variâncias, dignos de comento, são os registros dos
períodos em que o PNM experimentou circunstâncias extremamente difíceis, que
35
quase o levaram à sua extinção. Estes infelizes marcos são referenciados aos
governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Ao período do Collor, devem-se as ações de adesão ao Consenso de
Washington9, com as suas raízes neoliberais e que traziam no seu bojo, entre outras
tratativas, a redução dos programas tecnológicos conduzidos pelas Forças Armadas.
As dificuldades ao PNM vieram na forma de desmantelamento de importantes
indústrias de elevada tecnologia, que operavam na órbita do programa, e de conferir
publicidade negativa, com levante da opinião pública contra o desenvolvimento das
atividades das Forças Armadas, em relação à área nuclear. Especificamente, quanto
a este aspecto de jogar a sociedade nacional para uma avaliação distorcida dos
programas militares, citam-se as marcantes imagens do Presidente Collor jogando
uma pá de cal sobre um túnel cavado no Campo de Provas Brigadeiro Velloso,
pertencente à Aeronáutica, localizado na Serra de Cachimbo, no Estado do Pará.
Para tanto, apoiou-se na bandeira de que os militares estariam se preparando para
conduzir testes de detonação de armamentos nucleares. As consequências
propagandísticas com uso da mídia em geral, também, tiveram os efeitos no campo
externo, quais sejam, de chamar e despertar a atenção da comunidade internacional
para os programas nucleares “paralelos do País” e de demonstrar aos Estados
Unidos o comprometimento pelo alinhamento brasileiro aos seus preceitos
estabelecidos por Washington.
Ao presidente Henrique Cardoso, recaem a continuidade das políticas
neoliberais e os efeitos devastadores sobre a indústria e setores científicos e
tecnológicos. Determinado em transferir ao poder civil estruturas governamentais,
antes sob controle castrense, como foi o caso das próprias Forças Armadas, que
passariam a ser subordinadas a um único e novo ministério, o da Defesa, FHC
alcançava lançá-las ao segundo escalão do governo e ao mesmo tempo ampliava a
sua gerência política sobre as mesmas. Os resultados do afastamento dos centros
de decisões e o deslocamento dos interesses das Forças a uma avaliação,
estritamente, econômica e financeira do governo foram materializados em forma de
9 Consenso de Washington - conjunto de medidas que se compõe de dez regras básicas. Formulado
em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras situadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do “International Institute for Economy”, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento, então passando por dificuldades.
36
cortes e redução sem precedentes para as instituições militares. Por conseguinte, os
efeitos tronaram-se muito impactantes ao PNM, conduzindo-o a uma situação crítica
de sobrevivência. No campo dos Recursos Humanos empregados ao PNM, pode-se
afirmar que, muito além das defasagens remuneratórias em comparação com as
pagas por outras áreas no mercado, a desmotivação com a percepção da falta de
apoio e o desinteresse do governo federal com o programa, promoveu uma retirada
em massa do pessoal cientista, civis e militares, das equipes que compunham os
diferentes projetos. O desincentivo ao desenvolvimento nuclear pelos militares seria,
finalmente, ratificado pela concordância do FHC em aderir ao TNP, no ano de 1998,
passando então a quase inviabilizar a continuação do PNM.
3.2.7 A reformulação da “grande estratégia” do PNM e os seus efeitos
iniciais não alcançados
Durante o trânsito pelas mencionadas adversidades, a “grande estratégia”
do PNM de conduzi-lo no formato paralelo e sigiloso seria aos poucos desintegrada.
Desafortunadamente, este processo de abertura do PNM à sociedade civil ocorreu
de forma distorcida, ao traduzi-lo como sinônimo de algo marginal, que corria nas
mãos dos militares, sem o controle do poder público, de maneira alheia à vontade
nacional.
Uma nova “grande estratégia” seria então formulada pela Marinha, durante a
gestão do Ministro Almirante Mauro Cesar. Neste sentido, era retirar o rótulo do PNM
de “paralelo” e levá-lo ao âmbito de nacional, sob a bandeira de que aquele
programa, pelo vulto que representava ao desenvolvimento do País, deveria ser de
responsabilidade de toda a nação. Esta tenaz estratégia de alteração de foco para o
PNM pode ser perfeitamente compreendida, pelas palavras do Almirante Mauro
Cesar (apud GRIPPI, 2006, P.27-28):
A Marinha, ainda senhora, absoluta dos avanços nucleares conquistados pelo Brasil, em especial o enriquecimento do urânio com centrifugas abrasileiradas, rejeita a denominação de seu projeto de programa paralelo, e, depois de gastar mais de 600 milhões de dólares nas pesquisas e desenvolvimento da ultracentrifugação de urânio no Brasil, reorienta seu programa de enriquecimento de urânio para programa de propulsão de submarino nuclear, tentando alocar o projeto no orçamento oficial do governo e acabar, pelo que parecia, com a movimentação de contas secretas no exterior.
37
A Marinha com os seus escassos recursos e desgastada sem apoio político,
encontrava-se exaurida e não conseguia mais conduzir o PNM com orçamentos
restritos à própria Força.
A perseverança de tal quadro, com esporádicos espasmos de pequenas
recuperações, alternando-se com retrocessos, exigiu da Marinha um esforço
extraordinário para manter o PNM, entre os anos de 1995 a 2006, em um estado
vegetativo. Nestes termos, fazendo-se uma referência analógica à área da medicina,
ao descrever tal condição como aquela onde estão presentes somente sinais vitais,
o PNM foi mantido latente, sem registros de progressos consideráveis.
Desta maneira, com a inocuidade da nova estratégia, não logrando alçar o
seu programa ao acolhimento nacional e verificando que os objetivos de avanços do
mesmo não eram mais possíveis, a Marinha se voltou para uma gestão de
intramuros, adotando medidas para manter, estritamente, a continuidade de
operacionalização, sobretudo, dos núcleos de memórias, nos projetos ainda ativos,
com o mínimo de dispêndio de recursos.
3.2.8 A retomada do PNM à agenda do governo
Os efeitos da nova reorientação estratégica para o PNM só viriam a ser
sentidos em tempos recentes, mais precisamente a partir de 2004, segundo ano de
governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. As pretensões da Marinha de
conduzir o PNM a nível de governo, como um programa de responsabilidade deste,
encontraram conjunturas favoráveis para prosperar.
No ambiente interno, os “apagões”, ocorridos, em 2002, um pouco mais de
um ano antes da assunção do Lula, resultaram no racionamento de energia,
principalmente, na região sudeste e despertaram para a sociedade nacional o
descaso com o planejamento energético e a estagnação que se encontrava o
sistema, a níveis próximos aos existentes no fim dos governos militares. Com efeito,
o PNM ganharia novo enfoque e importância, quanto às suas possíveis
contribuições em projetos de ampliação da capacidade energética do País, a partir
da matriz eletronuclear. Neste contexto, o PNM propriamente dito representava um
ponto forte ao enfrentamento da questão e que deveria ser então potencializado pelo
governo. Ao reverso, constituía uma fraqueza do País a sua dependência externa de
certos processos, atinentes à fabricação dos combustíveis nucleares das usinas
38
Angra I e II. Portanto, estas duas realidades promoveriam uma revigorante
motivação política, que alavancaria o PNM através da oportunidade que se
apresentava à Marinha em apoiar as Indústrias Nucleares do Brasil10 (INB), para que
a produção de urânio enriquecido passasse a ser totalmente nacional.
Referente ao campo externo, o ato terrorista sobre as torres do “Word Trade
Center” promoveria nos Estados Unidos uma retomada de ênfase do poder militar na
sua diplomacia, sob o rótulo de guerra ao terror. Dentro de tal quadro, um forte
recrudescimento de pressão estadunidense seria disparado contra todos os
programas de desenvolvimentos de tecnologias nucleares, em curso por países não
inclusos no “clube atômico”. Com a avaliação de que tais atividades poderiam se
constituir ameaças aos EUA, na possibilidade de virem a ser acessíveis por grupo
terroristas, determinados países passariam a ser objetos de maiores ingerências
internacionais, em especial da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Defendendo a acepção de que todo o mundo era responsável na luta contra os
“inimigos invisíveis”, o Brasil entre outros estaria forçado a assinar os protocolos
adicionais ao TPN, cujos termos incluíam a ampliação dos números de instalações
nucleares a serem submetidas a inspeções intrusivas, programadas ou não, por
parte da AIEA. As repercussões destas ações foram imediatas sobre o PNM, em
função da sua condução militar e do passado clandestino, e, por conseguinte,
instigava uma resposta a nível nacional, quanto à salvaguarda do seu patrimônio
técnico-científico conquistado com o programa. Isto posto, pode-se analisar por fim
que as resistências adotas pelo governo brasileiro, manifestadas pela recusa de não
aderir os protocolos adicionais ao TPN, possuem um enorme significado, visto que
representam uma mudança positiva do pensamento estratégico do País, resgatando
preocupações com a Defesa Nacional e seus primeiros garantes, que são as Forças
Armadas.
À luz das duas conjunturas vertentes, do interior e exterior, o PNM voltaria a
ser amplamente discutido no meio político e ganharia inédita notoriedade na
sociedade civil. Desta forma, o PNM retomado aos trâmites extra Marinha e, com
isso, aumentaram-se os argumentos de investimentos e custeios por parte dos
10 INB – Empresa brasileira de economia mista, vinculada à Comissão Nacional de Energia Nuclear -
(CNEN) e subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Criada em 1988, a INB sucedeu a Nuclebrás e, em 1994, tornou-se uma única empresa ao incorporar suas controladas Nuclebrás Enriquecimento Isotópico S.A. (Nuclei), Urânio do Brasil S.A. e Nuclemon Mínero-Química Ltda, absorvendo suas atividades e atribuições.
39
demais órgãos da União, atingindo assim, embora que tardios, os efeitos da nova
estratégia de transpor para o programa a sua abrangência e dimensionamento
nacional.
3.2.9 Amazônia Azul e os seus reflexos para o PNM
Com objetivo de chamar a atenção da sociedade brasileira para as águas
jurisdicionais do País, promovendo a sua imensa fonte de recursos e importância
aos interesses nacionais, cunhou-se a ideia chave, Amazônia Azul, fazendo uma
analogia de dimensionamento e soberania à região brasileira da floresta amazônica.
Pode-se dizer que se tratava de uma comparação audaciosa, pois no fundo
pretendia-se criar um espelho de algo tangível, como as riquezas da biodiversidade
e dos recursos minerais pertencentes à “Amazônia Verde”, inseridas em limites
fronteiriços perfeitamente delineados, com algo intangível, como recursos
submersos ou linhas de comunicações marítimas da “Amazônia Azul”, dentro de
uma extensão sem limites físicos definidos. Destarte, com tal associação de
“Amazônias”, o seu idealizador, o Almirante Guimarães, então Comandante da
Marinha, também pretendia despertar o apoio nacional para a Força, quanto à sua
responsabilidade constitucional de salvaguarda deste patrimônio.
O chamamento da nação para as questões das águas jurisdicionais
brasileiras, tema que antes era restrito a fóruns específicos da esfera militar e
universitária, alcançou democratizar a discussão, mobilizando a opinião pública,
também, em torno do assunto defesa e o papel da Marinha neste contexto. Com
efeito, logo iria se descortinar a real situação do Poder Naval brasileiro, que se
mostrava totalmente insuficiente para o fim constitucional que se propunha.
Analisando a ação da Marinha, em promover as riquezas e,
simultaneamente, apresentar-se como incapaz de zelar pelas mesmas, a primeira
vista podia parecer incoerente e até imprópria, visto que alimentava a cobiça externa
e degradava qualquer percepção de dissuasão. No entanto, em que pese a noção
da depreciação dissuasiva da Marinha, neste ponto, o importante era direcionar o
foco para segmento político, com apoio da sociedade, apontando a esse uma
necessidade urgente de estruturar um Poder Naval equilibrado e dimensionado às
perspectivas que se aspiravam para o País.
40
Em uma igual direção de reclamo às precariedades operacionais da
Marinha, o Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira, conhecido
por sua denominação LEPLAC11, cujo propósito era assegurar ao Brasil uma
extensão marítima além da Zona Econômica Exclusiva (ZEE)12, seria suscitado e
ganharia notoriedade no meio político e científico. Como o seu maior incentivador
deste programa, a Petrobras, fruto dos seus interesses de garantir maiores limites
legais aos campos de extração petrolífera, apoiaria política e economicamente os
esforços de reaparelhamento da Marinha.
Diante de tais projeções de responsabilidades e como manifestação da
própria vontade nacional, decorrentes de amplos debates entre diferentes
segmentos da sociedade, em 2005, era promulgada a nova Política de Defesa
Nacional (PDN), ratificando os interesses crescentes do Brasil em relação ao
Atlântico Sul, assim expresso no Decreto que a homologou, nº 5.484, de 30 de junho
de 2005, in verbis:
No Atlântico Sul, é necessário que o País disponha de meios com capacidade de exercer a vigilância e a defesa das águas jurisdicionais brasileiras, bem como manter a segurança das linhas de comunicação marítima.
3.2.10 O PNM frente à Estratégia Nacional de Defesa (END)
À luz da orientação da Estratégia Nacional de Defesa (END)13, o PNM, até
então adormecido em seu estado vegetativo, teria os seus mecanismos de retorno
ao seu rumo e força de avanço acionados. Neste documento, de mais alto nível
político-estratégico do País, ainda no seu prefácio, traz a reorganização das Forças
Armadas e a enumeração de diretrizes estratégicas relativas a cada uma das
Forças, destacando o papel destas para os três setores decisivos para a Defesa
Nacional: o cibernético, o espacial e o nuclear.
11
Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC) é o programa do Governo
Brasileiro, instituído pelo Decreto n° 98.145/1989, cujo objetivo é estabelecer, no seu enfoque jurídico, o limite da Plataforma Continental além das 200 milhas da Zona Econômica Exclusiva (ZEE), em conformidade com os critérios estabelecidos pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), que foi assinada e ratificada pelo Brasil. 12 Zona Econômica Exclusiva (ZEE) é uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente,
com extensão até de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial" (CNUDM, art. 57). A Convenção garante ao Estado costeiro "...direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo..." (CNUDM, art. 56, par. 1, alínea a). 13
Estratégia Nacional de Defesa, homologada pelo Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008.
41
A definição estabelecida pela END, especificamente, atribuindo à Marinha a
área nuclear, entre os mencionados campos de desenvolvimento, centraliza
significativa relevância ao PNM. Na realidade, ao alçar as questões de defesa na
agenda nacional e de formular um planejamento de longo prazo para a defesa do
País, a END vem formalizar, dentro do mais amplo estado de direito democrático, a
vontade na nação associada ao tema Defesa Nacional e desta resulta para o PNM a
sua inédita legitimidade de propósitos e existência.
Este empuxo ao programa ganharia ainda mais potência com as
descobertas das enormes reservas de petróleo na camada denominada pré-sal, que
se estende ao longo do litoral do Espírito Santo até Santa Catarina. O combustível
para este novo arranque do PNM viria não só pelos significativos aportes de
recursos financeiros do governo federal, mas, sobretudo, por uma onda de otimismo
da Marinha, que a fez, imediatamente, por-se em movimento para a retomada de
estudos e projetos antes suspensos por força das insuficiências de investimentos.
3.2.11 A atual situação do PNM
O reflexo desta nova pujança ao PNM seria percebido nos termos do acordo
militar Brasil-França, como parte dos entendimentos alusivos à aliança estratégica
celebrada entre estes dois países, em 2009.
A França representava para o Brasil a opção mais favorável fora da
influência estadunidense, a fim de encaminhar as suas aspirações de reformulação
do ordenamento político e econômico do sistema internacional. Neste escopo, citam-
se as iniciativas brasileiras de liderar ao lado da Índia as gestões do G-2014 que, na
forma de atuar em bloco, objetiva concentrar esforços dos países em
desenvolvimento, na busca de ganhar maior projeção de seus interesses. No
aspecto político, os pleitos do Brasil estão concentrados na proposta de reforma do
Conselho de Segurança da ONU, que inclui a ampliação do número de membros
14 G20 - Grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores
economias do mundo mais a União Europeia. Foi criado em 1999, após as sucessivas crises financeiras da década de 1990. Tal grupo visa favorecer a negociação internacional, promovendo a discussão entre os países mais ricos e os emergentes sobre questões políticas, relacionadas à promoção da estabilidade financeira global O peso econômico e a representatividade do G-20 conferem-lhe significativa influência sobre a gestão do sistema financeiro e da economia mundial.
42
permanentes, com a justificativa de conferir a esta uma atualização necessária, que
possa melhor representar as novas realidades mundiais.
Por sua vez, os franceses parecem indicar que os seus interesses pelo País
estão pautados nas expectativas positivas de crescimento econômico brasileiro, fator
este considerado estratégico e que vem se demonstrando consistente pelos
pesados investimentos estrangeiros. Maior penetração, assim, no mercado
ascendente do Brasil passa a ser de fundamental importância para a diplomacia
francesa, orientada, sobretudo, em buscar para o país sustentabilidade política e
econômica, ao conferir alternativas às dificuldades crescentes que vem assolando a
União Européia.
Sob essa cobertura da aliança franco-brasileira, o tema defesa converge
atenções especiais, dada a confluência de motivações que o desenvolvimento de
projetos comuns poderia agregar aos interesses dos dois países. Novamente, as
propostas do Brasil e França se somam e indicam ser cooperativas. O Brasil
compreende que as suas aspirações de projeção no sistema internacional passam
antes por uma necessidade de estruturar suas Forças Armadas, como elemento sine
qua non de apoio a todas as suas vertentes da política externa. Como então atender
esta demanda, na proporção e tempo de sustentar os anseios do País? Quiseram as
conjunturas, que a França, como potência militar e referência de domínio
tecnológico, fosse a resposta deste questionamento.
Examinando pelo lado francês, grandes empresas fabricantes de sistemas e
equipamentos militares, como a Dassault Aviation, a DCNS e a Eurocopter,
encontraram no acordo com Brasil uma promissora oportunidade de constituírem
bases operacionais de futuras filiais e mercado de importação dos seus produtos.
Além disto, a concordância do governo francês, quanto às exigências brasileiras
para que as negociações no campo militar fossem conduzidas conjuntamente com
as respectivas transferências de tecnologias, em um sistema de parceria, foi de
suma relevância para consecução do acordo. A fundamentação desta transferência
de tecnologia foi assim expressa, pelo presidente Sarkozy (apud CORRÊA, 2010, p.
182): “Se a França aceita transferir a tecnologia militar é porque estamos
conscientes de que o Brasil tem um grande potencial para promover a paz e
segurança, assim como tem um grande potencial econômico e político.”
Com este discurso, a pergunta que se faz suscitar é: qual o verdadeiro
interesse francês ao estender as transferências de tecnologias para àquelas que
43
envolvem o desenvolvimento nuclear? Segundo conhecimento obtido junto ao
Ministério da Defesa, o tema nuclear foi incluído nas negociações como um
condicionante para que os demais itens pudessem ser discutidos.
Ainda, no que refere à anuência da França em transferir tal tecnologia,
segundo Corrêa (2010), encontra argumentação em uma estratégia daquele país,
que ao mesmo tempo, procura fortalecer o seu poder político e ampliar o
internacionalismo das suas indústrias de defesa, angariando uma posição de
destaque no restrito e seleto mercado bélico mundial.
Enfim, pode-se avaliar que diante de uma combalida União Européia, em
função dos graves problemas econômico-financeiros de alguns de seus membros,
não há perspectivas da manutenção de investimentos em defesa. Os resultados
nefastos afetam as bases industriais de material militar, principalmente, daqueles
países europeus mais desenvolvidos em tecnologia bélica, de tal ordem que, por
possuírem na sua maioria somente o governo como cliente contratante e comprador,
terminam pressionando o setor político a buscar soluções no campo internacional.
Inserida neste processo de transferência de tecnologia militar, dentro da
concepção de parceria, novas perspectivas alavancariam o PNM, ao contemplar a
construção no Brasil, em uma primeira fase, de quatro submarinos convencionais da
Classe “Scorpène” e, em uma etapa posterior, de um casco de submarino capaz de
comportar uma planta nuclear, com os respectivos dispositivos sensoriais que o
equipam. Neste Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), a Marinha
contará com o apoio da renomada empresa DCNS, a mesma responsável pela
construção de submarinos convencionais e nucleares na França.
Quanto a este faseamento, a Marinha pretende solidificar a tecnologia de
construção de submarinos, ampliando sua capacidade técnico-industrial, agora com
a construção de cascos maiores ao que até então fabricava, como os do projeto
IKL15. Uma vez alcançado esta qualificação, a Marinha espera estar pronta a
acompanhar e absorver a experiência da construção do aspirado casco, que virá a
constituir o futuro submarino de propulsão nuclear brasileiro. Em paralelo, a Marinha,
por meio do seu programa nuclear, terá por meta a construção do reator gerador de
energia deste primeiro submarino, denominado pela sigla SNB-01.
15 Classe IKL reune submarinos de propulsão diesel-elétrica projetados pela Ingenieur Kontor Lubeck
(IKL). Serviu de base ao projeto nacional da Marinha, com as Classes Tupi e Tikuna.
44
A construção de submarinos em território nacional, ainda, resultará na
implementação de um novo estaleiro e uma base para operá-los. Tal área para
comportar tais instalações já foi selecionada, sendo a sua localização na baía de
Sepetiba, na cidade de Itaguaí-RJ, próxima à fábrica de estruturas metálicas
pesadas da Nuclebras Equipamentos Pesados S/A (NUCLEP), que também é
partícipe do programa. Ademais, a região de Sepetiba conta com toda a
infraestrutura fabril, industrial e técnica naval do Rio de Janeiro, possui logística
facilitada pelo porto nas proximidades, além de ser uma região circunvizinha a Angra
dos Reis, onde estão as únicas usinas nucleares brasileiras, e assim reduzem os
riscos de resistências de natureza política sobre a presença de meios nucleares,
como o novo submarino sediado na área.
No momento, com as obras iniciadas, os alicerces das novas instalações
vão ganhando forma, cumprindo exatamente o cronograma, rigidamente, controlado
por metas e programas de custeios. Para gerenciar o gigantismo e a complexidade,
que representa a construção do submarino nuclear, em parceria com a França, foi
criada uma estrutura militar, especificamente, para cuidar deste tema. Esta nova
organização trata-se da Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento do
Submarino Nuclear (COGESN), subordinada à Diretoria Geral de Material da
Marinha.
3.2.12 Perspectivas de futuro para o PNM
Como exposto, muito se avançou no PNM, alcançando resultados
expressivos, vista a conquista da tecnologia do ciclo completo do combustível
nuclear, cujos feitos já posicionam o Brasil em um destacado papel no concerto
internacional. Contudo, os recentes incentivo ao PNM, com a “alavancagem”
originada do acordo militar Brasil-França, conformam novas expectativas, com
promissores horizontes. O ciclo da construção dos quatro submarinos “scorpène” e,
finalmente, chegar ao SNB-01 tem uma extensão até os primeiros anos da década
de 2020, conforme estabelecido pelo citado acordo.
Contagiada pelo entusiasmo das primeiras fases da parceria com a empresa
francesa DCNS e, sobretudo, pelas expectativas da economia brasileira de
sustentação do crescimento e desenvolvimento nacional, a Marinha anunciou ano
passado, 2010, o seu Plano de Articulação e Equipamento da Marinha (PAEMB).
45
Neste documento registra a intenção da Força em constituir até 2047 uma frota de
seis submarinos nucleares e mais vinte convencionais, quinze novos e cinco
revitalizados. Perseguindo este acervo, com seus torpedos e mísseis, o Brasil
contará com o maior Poder Naval dissuasório do hemisfério sul. Em termos de
capacidade estratégica, significa dizer que a Marinha estará capacitada, com
elevada eficiência, a negar o uso do mar ao longo de toda sua extensão das águas
jurisdicionais brasileiras, protegendo os interesses do País de qualquer incursão
externa hostil.
Para Sepetiba, em Itaguaí-RJ, onde todo programa franco-brasileiro ganha
materialidade, a Marinha também planeja transferir em um futuro, ainda não previsto,
o Comando da Força de Submarinos, a fim de constituir junto com os meios
operativos um complexo unificado, facilitando toda estrutura de comando, controle e
logística.
Naturalmente, estes planos estratégicos, alguns com metas de longa
duração, de até trinta e cinco anos, devem contemplar, além das instalações, meios,
equipamentos e tecnologias, a formação de profissionais, qualificando-os a
tripularem, projetarem e manterem os novos engenhos e estruturas de apoio técnico-
científico. Neste sentido, a Marinha já vem implementando um projeto piloto de
qualificação de um grupo de oficiais e praças, nas instalações de ARAMAR16, em
Iperó-SP. Tal contingente selecionado por rigorosos processos, no que se referem
aos seus atributos pessoais e profissionais, será empregado em estreitos
intercâmbios com especialistas franceses, distribuídos por diversas áreas que
compõem o acordo. O propósito do projeto é a criação de um corpo de instrutores,
que venha no futuro ministrar todos os cursos necessários à nova era nuclear.
Em consequência, as etapas que estruturam o escopo do PNM deverão ter
as suas metas de desenvolvimento atendidas, visando o acompanhamento dos
avanços na construção do submarino, de tal modo que este casco, ao fim, possa
estar recebendo todos os seus sistemas e equipamento prontos e comissionados
para a instalação a bordo.
16
ARAMAR, forma como é conhecido o Centro Experimental da Marinha do Brasil, localizado no Município de Iperó, no Estado de São Paulo. A denominação ARAMAR vem da composição de ARA a partir de “Araçoiaba”, nome de um morro naquela área e que em tupi-guarani significa “onde o sol se esconde” ou “esconderijo do sol”, mais a terminação MAR, representando Marinha.
46
4 O ESCOPO DO PNM
Novamente, ao propor a secção do programa em metas intermediárias de
capacitação, centradas no ciclo do combustível, na geração de energia núcleo-
elétrica e na infraestrutura de apoio, verifica-se a genialidade dos iniciadores do
PNM, em especial do Almirante Othon. Ademais, desta estratégia parece depender a
preeminente necessidade do sincronismo entre a construção do casco do submarino
e a prontificação dos seus sistemas e equipamentos, sobretudo, os relacionados à
propulsão.
As metas de intermediárias de capacitação, que na realidade compõem o
próprio escopo do PNM, são consideradas formatações modelares de gestão
tecnológica, expostas como referência em muitos trabalhos no ramo da gerência de
projetos. Por esta razão, o exame do escopo do PNM torna-se interessante, à
medida que se busca verificar como os desafios técnico-científicos definiram as
próprias metas intermediárias e como estas terminaram articuladas para a
superação de tais demandas.
4.1 AS METAS INTERMEDIÁRIAS DE CAPACITAÇÃO DO PNM
Como anteriormente exposto, a “grande estratégia” de concepção do PNM
pautava-se na sua manutenção à margem do programa oficial, onde o requisito sigilo
era fixado como fator de capital importância. As conseqüências do vazamento das
atividades do PNM eram as maiores preocupações dos segmentos político-militares
que governavam o País. Por outro lado, a manutenção da confidencialidade se
apresentava como fator de complicada solução. A primeira vista, o problema
abarcava variáveis incompatíveis e que de alguma forma deveriam ser
equacionadas, sob a pena de inviabilizarem, definitivamente, o próprio PNM. Neste
foco, era impositivo assegurar o sigilo, em que pese as vulnerabilidades de
exposição representadas pelas necessidades de interação com determinados
setores técnico-científico-industriais fora da “blindagem” do programa, de
movimentar vultosos recursos e de gerenciar um empreendimento dessa magnitude,
com muitas pessoas envolvidas.
47
Assim, para enfrentar tamanho desafio, partiu-se para um planejamento
estratégico de segregar o PNM, em distintas áreas de objetivos, ou metas
intermediárias de capacitação.
Em uma forma simplista, para se alcançar o submarino nuclear, levou-se em
consideração uma cultura antiga e bem difundida, de que quando um problema é
complexo, deve este ser antes dividido, para análises e controles mais eficazes das
partes e, depois de equacionadas, juntadas para a formulação da solução final.
A questão então era que metas intermediárias seriam perseguidas?
O raciocínio dedutivo indicava ser a tecnologia do combustível, pois não
adiantaria ter um submarino, sem a sua fonte de energia. Por consequência,
pertenceria ao detentor da posse deste combustível a autorização do submarino
operar ou não. Com esta compreensão, era mandatória a contemplação do projeto
de desenvolvimento do ciclo do combustível incluso no PNM. A importância desta
capacitação para o Brasil já era perfeitamente avaliada, conforme se mostrava as
intenções do programa celebrado com a Alemanha. Nestes termos, apontam as
palavras de Guimarães (2003, p. 11):
[...] a principal motivação brasileira para a assinatura do acordo foi a necessidade de se dominar essa tecnologia, já que a importação de centrais nucleares, principal objeto comercial do acordo não era bloqueada naquela época, e continua não sendo.
Portanto, pode-se avaliar que dentro do escopo do PNM, o ciclo do
combustível, mais especificamente a etapa do enriquecimento isotópico do urânio,
seria o maior desafio tecnológico a ser vencido.
Em uma outra vertente do PNM, teria como objeto o desenvolvimento da
planta propulsora deste submarino nuclear, cuja maior complexidade se concentrava
no reator. Embora o nível de dificuldade tecnológica para o projeto e construção
deste reator, do seu controle e equipamentos periféricos fosse significativo,
principalmente, por seus requisitos de segurança para o emprego no submarino,
havia certa convicção de que tal meta poderia ser lograda, sem maiores
impedimentos. Esta sensibilidade era decorrente dos conhecimentos já adquiridos
com os projetos das usinas nucleares contratadas, através do acordo com a
Alemanha. A própria citação de Guimarães, acima disposta, confirma esta avaliação.
Para promover este desenvolvimento, a Marinha construiu o Laboratório de
Geração de Energia Núcleo-Elétrica (LABGENE), onde um modelo de toda planta
48
propulsora deveria ser concebido, com sua composição e dimensionamento exatos
ao que seria instalado no futuro casco do submarino nuclear.
Por fim, o escopo do PNM contaria com uma parte de infraestrutura, cujo
propósito, em síntese, seria de apoiar as duas vertentes do PNM, antes citadas.
4.1.1 Ciclo do combustível
4.1.1.1 Enriquecimento do urânio
O quadro disposto no anexo A confere todos os processos, que compõem o
denominado ciclo do combustível. Como se observa, o ciclo se inicia com extração
do minério de urânio em suas minas, percorre diferentes etapas de processamentos
físico-químicos até o produto final, dióxido de urânio (UO2), estar encapsulado em
forma de pastilhas.
Focando a atenção sobre a etapa de enriquecimento do isótopo do urânio,
tem-se o mais importante avanço tecnológico do PNM. Esta conquista possui marco
histórico de 1988, quando foi inaugurado o Laboratório de Enriquecimento Isotópico
(LEI), compondo a primeira fase de uma Usina de Demonstração, com máquinas
operadas por ultracentrifugação, projetadas e construídas no País.
Em que pesem todas as dificuldades e restrições que ameaçaram a sua
própria continuidade, os desenvolvimentos da tecnologia do enriquecimento do
urânio operados pelo PNM não cessaram e podem ser mensurados pela quantidade
de ultracentrifugação já produzidas, ou pelas inovações técnico-científico, que
atribuem a estas máquinas uma elevada eficiência de funcionamento.
O nível de proficiência das ultracentrifugas brasileiras, que alinham alta
produção e baixo consumo de energia, é tido como um expoente no campo
tecnológico do enriquecimento de urânio e traduz uma inconteste vantagem
comparativa em relação a outras máquinas, atualmente, operadas pelos demais
países. Esta posição de destaque é ainda de maior projeção, quando se tem o
desenvolvimento desta tecnologia aliado às grandes reservas de urânio em território
nacional. Neste ponto, o Brasil junta-se aos dois únicos países, Estados Unidos e
Rússia, que gozavam de tal situação, ou seja, de possuir a tecnologia e vultosas
reservas do minério.
49
Os benefícios apurados com o domínio do ciclo do combustível extrapolam
os interesses do próprio PNM e revestem-se de valores inestimáveis para todo o
País. Nesta linha, enfatiza-se o acordo celebrado no ano 2000, entre a Marinha, que
coube construir, instalar e manter as ultracentrífugas e as Indústrias Nucleares do
Brasil (INB), responsáveis por operá-las no seu campo fabril em Resende-RJ. Para o
Brasil, representa uma gradual redução da dependência externa em relação ao
fornecimento urânio enriquecido, gerando substancial economia nacional de divisas.
Embora as contribuições ao País, no que tange o domínio tecnológico do
ciclo do combustível, possam ser dimensionadas pelo fator econômico, julga-se que
as maiores relevâncias repousem sobre os aspectos políticos e militares.
Exatamente, nestas duas expressões do Poder Nacional, a independência
tecnológica mais será percebida, como instrumento de projeção do País no cenário
internacional.
4.1.1.2 Hexafluoreto de Urânio (UF6)
Em que pese os desenvolvimentos alcançados com a tecnologia de
enriquecimento do urânio pelo PNM, alguns efeitos colaterais não desejados
também foram gerados. Um destes foi a restrição que a Marinha passou a contar em
obter no mercado internacional o Hexafluoreto de Urânio (UF6), insumo para
alimentação das ultracentrífugas. Tal composto químico por não exigir em seu
processo de fabricação tecnologias mais avançadas, de conhecimento considerado
aberto, tem cotação comercial, como qualquer outro item na cesta de exportações
dos países produtores. No entanto, esta situação seria alterada pelo fato do seu
novo emprego militar, diferenciado do destino padrão de geração energética pelas
usinas nucleares.
Deste modo, somando-se a muitas outras medidas de superação dos
obstáculos, adotadas durante a condução do seu programa, a Marinha decidiu partir
para a construção da unidade de produção de UF6, a fim de remover de forma
definitiva todos os entraves que pudessem significar dependência externa.
50
Segundo o Almirante Bezerril17, esta nova instalação em ARAMAR,
denominada Unidade Piloto para a Produção do Hexafluoreto de Urânio (USEXA),
foi projetada para uma produção de 400 ton/ano. Infelizmente, por restrições
orçamentárias, a sua capacidade teve que ser reduzida a 40 ton/ano, quantidade
suficiente para atender a demanda da Marinha, como insumo do seu combustível
nuclear para o submarino (informação verbal).
A USEXA terá o seu funcionamento efetivado em quatro diferentes fases,
com a primeira produção prevista para setembro do corrente ano e as demais
espaçadas em seis meses, até a plena operação em dezembro de 2012. Com esta
etapa conclusa, o País alcança a completa independência de todo o ciclo e confere
à Marinha a irrestrita liberdade de manobra, quanto aos seus interesses de emprego
do combustível nuclear.
4.1.2 Laboratório de Geração de Energia Núcleo-Elétrica (LABGENE)
Como antes exposto, na outra vertente do PNM, tinha-se o desenvolvimento
do LABGENE, a partir do qual a Marinha, em um primeiro objetivo, buscaria o
desenvolvimento da capacidade de projeto e construção de usinas nucleares. Para
tanto, os esforços foram coordenados e direcionados para metas intermediárias,
com focos às áreas de projeto do núcleo dos reatores, termohidráulica de alta
pressão e equipamentos a vapor, com propósito final da concepção de um reator de
potência de pequeno porte.
Atualmente, estas metas intermediárias estão todas concluídas, de acordo
ainda o Almirante Bezerril, faltando somente a montagem das barras de controle do
reator, que já foram adquiridas na Áustria e devem ser brevemente instaladas no
mesmo. Exceto tais barras, que tiveram a sua necessidade de obtenção externa,
não por limitações tecnológicas, mas em função de certas impropriedades dos
compostos minerais, existentes nas reservas nacionais, que constituem a sua
matéria-prima, todas as metas foram integralmente logradas por competência
técnico-científica genuinamente brasileira.
17
Vice-Almirante (EN) Carlos Passos Bezerril, atual Diretor do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, por ocasião da sua apresentação ao Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), ocorrida em ARAMAR, dia 04 de agosto de 2011.
51
Como um segundo objetivo, o LABGENE terá por propósito projetar,
construir, testar e comissionar uma planta propulsora, que possa servir de exato
modelo e de referência para todos os experimentos, antes de montar o arranjo a ser
destinado ao embarque no submarino. Igualmente, a modelagem integral do sistema
de propulsão do submarino nuclear, incluindo o seu principal item, o próprio reator,
até os menores acessórios de controle e operação, terá por finalidade verificar a
adequação do projeto, quanto a alguma interferência não prevista, desenvolver
conhecimento em relação às possibilidades e limitações da planta nuclear projetada
e adestramento de equipes que irão operá-la a bordo do submarino.
4.1.3 Infraestrutura
Não menos relevante, destaca-se a parte do PNM que tem por base fornecer
toda a infraestrutura de apoio requerida pelas outras duas metas do programa,
desenvolvidas no âmbito dos laboratórios LEI e LABGENE. À luz deste propósito,
houve a necessidade de construir extensas ligações de redes de água e energia,
com os respectivos sistemas de interconexões, diversas edificações e seus
interiores, operacionalizando equipamentos de segurança, de tratamentos dos
esgotos e efluentes industriais, bem como, de monitoração e de controle do meio
ambiente. Uma parcela significativa desta infraestrutura e sobre a qual recaí uma
contínua preocupação na condução do PNM tem referência no âmbito ambiental.
Trata-se do Laboratório Rádioecológico (LARE), que se tornou um ícone de
reconhecimento pelos institutos oficiais e algumas organizações não-
governamentais de preservação do meio ambiente, afiançando uma convivência
segura das atividades desenvolvidas em ARAMAR com as comunidades localizadas
nos seus entornos.
52
5 O PNM EM CONTRIBUIÇÃO AO DESENVOLVIMENTO NACIONAL
5.1 O PERÍODO SIGILOSO DO PNM E A ESTRUTURAÇÃO DO AMBIENTE
COOPERATIVO
Embora o PNM tenha se iniciado no formato sigiloso, é fato de que a
Marinha desde os primórdios reconhecia a necessidade de institucionalizar a sua
gestão frente ao programa e interagir com os demais setores nacionais, de origem
técnico-científico-industrial, em que pese estas relações serem de ordem controlada
e seletiva. Neste sentido, compreenderam os idealizadores do PNM que o mesmo
não teria condições de prosperar de forma isolada. Absolutamente, não havia como
a Marinha constituir uma capacidade paralela, que pudesse substituir a já existente
no País, representada pelo empreendedorismo das indústrias e os “cérebros” das
universidades.
Fruto de tal entendimento e baseada na aproximação com a comunidade
científica e acadêmica paulista, que remontava desde os trabalhos no Instituto de
Física da Universidade de São Paulo (USP), iniciados logo após a Segunda Guerra
Mundial, a Marinha alicerçou o formato cooperativo do seu programa, sediando
fisicamente a coordenadoria do mesmo, anexo às estas instalações da USP. Por
demais, a opção da Marinha de não seguir o modelo de formação dos seus
engenheiros por meio de uma instituição própria, como os adotados pelo Exército
com o Instituto Militar de Engenharia (IME) e a Força Aérea com o Instituto
Tecnológico da Aeronáutica (ITA), fazendo da USP a sua escola congênere,
determinaria um grau de profundo conhecimento a nível departamental e mesmo
pessoal com aquela Universidade. Desta maneira, a “grande estratégia” do PNM
fundada na manutenção do sigilo estaria garantida pelo trâmite pontual, após todo
um processo de amadurecimento da confiança mútua.
Na sequência, esta relação Marinha-USP buscaria suas extensões sobre o
ambiente industrial, que pudesse suprir determinadas demandas do PNM,
desonerando-o em recursos financeiros e tempo no desenvolvimento de produtos,
que se encontravam disponíveis, ou factíveis de serem construídos no País. Neste
aspecto, o parque industrial de São Paulo como o maior e mais avançado
tecnologicamente, também, favorecia a coordenação do PNM na localização
selecionada, no interior do campus da USP.
53
A partir desta triangulação dos agentes, governo (Marinha), Universidade e
Indústria, fenômeno estruturante denominado triângulo de Sábato, como antes
exposto no item 3.2.1, passaria a balizar todas as etapas do PNM, vindo a
fundamentar as superações dos desafios e os êxitos alcançados.
Por fim, parece interessante examinar que forças de coesão experimentam
os três agentes no contexto do PNM. Indubitavelmente, esta aglutinação sintetiza
uma confluência de interesses, diferentes em tipo e grau e ao mesmo tempo
cooperativos e sinérgicos. Portanto, neste processo, a união dos participantes tem
por princípio a junção de variados esforços, que isoladamente não teriam
capacidade de produzirem os mesmos efeitos, como os operacionalizados em
parceria.
5.2 A ABERTURA DO PNM E O AMADURECIMENTO DOS AGENTES
DESENVOLVIMENTISTAS
No entanto, pode-se avaliar que em uma fase posterior, iniciada com a
abertura do PNM, deixando os seus entornos de confidencialidade, uma
intensificação e diversificação na forma de interação dos agentes do triângulo
indicariam uma transformação para um modelo denominado Hélice Tripla. Segundo
Etzkowitz e Leydesdorff (2000), teóricos da Gestão da Inovação, este novo modelo
representaria um fenômeno natural de evolução bem sucedida, a partir do processo
estruturado na triangulação de Sábato. Ainda os mesmos autores postulam que
neste estágio, as relações desenvolvidas pelos três agentes se desdobram em um
sistema dinâmico de cooperação, pelo qual não há mais limitações bem definidas de
suas atribuições originais. Assim, uma eventual debilidade no que tange às
responsabilidades de qualquer agente tenderá a ser compensado pelos demais
participantes do processo e, no caso inverso, os possíveis avanços individuais
deverão também ser compartilhados, com resultados benéficos a toda estrutura.
Atualmente, com base nesta mencionada teoria, é possível entender o PNM
como ainda não tendo atingido um grau pleno no modelo Hélice Tripla, cujo
esquema representativo pode ser visualizado a seguir.
54
A justificativa para tal análise encontra fundamento no próprio passado
recente do programa. Durante o período, entre 1995 a 2006, em que a Marinha se
viu em dificuldades de aportar os recursos necessários ao programa, conduzindo-o a
uma sobrevivência vegetativa, nenhum dos dois outros partícipes do processo,
Indústrias e Universidades foram capazes de continuarem a suprir os requerimentos
para mantê-lo avançando.
Por outro lado, a suspensão temporária dos investimentos ao PNM também
demonstrou que não foi suficiente em desmantelar a estrutura vinculante técnico-
científico-industrial, que orbitava entorno do programa. Isto significa dizer que já
havia se consolidado uma interação dos três agentes, capaz de transpassar por
aquelas dificuldades e retornar aos seus papéis anteriores de parceiros solidários.
Ampliando-se a presente análise, é notória a situação especial das indústrias
neste contexto de parcerias. Diferente da Marinha e das universidades, que
possuem sua continuidade de sobrevivência garantida por recursos,
especificamente, direcionados aos seus custeios e investimentos, que de certa
maneira independem do próprio êxito dos seus programas desenvolvidos, as
indústrias têm como base de sua existência as forças que movem os mercados.
Deste modo, a retirada de recursos do agente Marinha, normalmente, impactaria as
indústrias associadas ao programa nuclear, podendo alcançar níveis de redução que
inviabilizaria o próprio negócio das mesmas. No entanto, embora algumas indústrias
tenham experimentado o destino da sucumbência, ao longo das diferentes crises
orçamentárias do PNM, outras buscaram novos segmentos de mercado, para além
da sua linha de produtos e serviços originais.
5.3 OS FENÔMENOS DA DIVERSIFICAÇÃO E DO ARRASTE TECNOLÓGICO
Neste processo citado no item anterior, onde algumas indústrias parceiras
do PNM conseguiram alcançar novos mercados, diferentes dos ramos de negócios
Figura 2: Representação do PNM sob a forma do Hélice Tripla Fonte: O autor (2011)
Governo
Marinha
Univer-
sidade
Indús-
tria
55
para os quais foram criadas, a literatura especializada denomina diversificação. Tal
fenômeno é comum e bem amplo nas economias mais desenvolvidas e tem como
alicerce a disseminação de experiências e avanços tecnológicos aos parceiros
estratégicos, a partir dos grandes programas governamentais, aos moldes do PNM.
A estreita associação e o amadurecimento das relações cooperativas das indústrias
com esses programas passam a ser determinantes para que as mesmas conquistem
as necessárias tecnologias diferenciais, garantes de competitividade e inserção em
novos mercados.
Assim, explica-se mais um importante efeito do PNM, que ao repassar
tecnologias a seus parceiros indústrias, também, habilitam os mesmos a
flexibilizarem suas estruturas organizacionais, fazendo-os a ocupar segmentos de
mercados, alguns destes antes reservados unicamente a instituições estrangeiras,
por possuírem determinadas capacidades excludentes de concorrência. Portanto,
seja por elevação do cabedal tecnológico da indústria nacional e o avanço do seu
setor de pesquisa e desenvolvimento, ou pela ampliação de mercados com
correspondente aumento de competitividade, o PNM também se destaca como
fomentador do desenvolvimento do País.
Em paralelo ao efeito da diversificação, que algumas indústrias foram
submetidas, um outro fenômeno reconhecido como “spin-off”, com tradução
acadêmica para o português, como “efeito de arraste”, igualmente se fez suscitar
com o amadurecimento das atividades do PNM. Embora ambos os efeitos tenham
seus gênesis a partir das capacidades tecnológicas desenvolvidas pelo programa da
Marinha, a diversificação se difere do arraste, pois este último os benefícios estende-
se a outros setores técnico-científico-industriais não originalmente vinculados como
parceiros, que passam então a interagir em função dos ganhos mútuos decorrentes
dos desenvolvimentos alcançados.
5.4 BENEFÍCIOS DO PNM EM RELAÇÃO ÀS EXPRESSÕES DO PODER
NACIONAL
Os próprios ganhos advindos com os efeitos da diversificação e arreste
tecnológico, a partir do PNM, constituem imensuráveis benefícios ao
desenvolvimento nacional. As indústrias concorrentes a tais processos passam a
56
integrar parcelas restritas do mercado, que se caracterizam por suas operações em
avançadas tecnologias, aplicadas a produtos e serviços de elevado valor agregado.
Os resultados multiplicadores destas indústrias são diversos e estendem-se
de diferentes formas e dimensões. Por exemplo, do investimento na formação de
uma mão-de-obra, suficientemente qualificada, promovem-se elevações às
competências profissionais do País, gerando maiores rendas e dinamismo
econômico de um modo geral. Neste contexto, melhores expectativas psicossociais
alcançam a sociedade nacional, que podem ser percebidas pela elevação da auto-
estima do povo, irradiando a sensação de segurança e bem-estar comum.
Igualmente, positivos são os progressos técnico-científicos do País, que
passam a ser impulsionados pelos avanços do PNM, com a natural imposição de um
continuado esforço em pesquisas e desenvolvimentos.
No aspecto político, o fato do País dominar tecnologias sensíveis confere ao
mesmo uma projeção estratégica no concerto internacional, alterando o
ordenamento de poder nos fóruns de discussões e negociações, em direto proveito
dos interesses nacionais.
Por fim, ao lado das muitas aplicabilidades no campo civil, a energia físsil,
também, é capaz de ser empregada em proveito da expressão militar,
potencializando o seu poder em contribuição à Defesa Nacional. Neste diapasão, o
PNM em seu objetivo de construir um submarino de propulsão nuclear estará na
realidade sedimentando o binômio defesa-desenvolvimento. Portanto, ao formar e
mobilizar conexões com as universidades e indústrias, certo é que o programa da
Marinha traduz com perfeição a intrínseca relação entre estes dois conceitos, defesa
e desenvolvimento, bem como, conduz a um entendimento de que os unem em
estreita interdependência. A concepção de que um não existe sem e outro e vice-
versa e que ambos se encerram dentro de uma avaliação de serem perenes, ou
seja, que perpetuam ao longo da evolução das sociedades humanas, induz-se a
análise de que defesa e desenvolvimento devam ser percebidos como “sinônimos”.
Tal assertiva parece fundamentada na própria história, de modo que não há
registros em nenhum pólo de poder político, econômico e militar que tenha se
estabelecido sem uma base em sua indústria de defesa.
57
6 CONCLUSÃO
Ao percorrer a trajetória histórica precursora do PNM, resgatando as
tentativas que o Brasil traçou com vista à obtenção da tecnologia nuclear, sem
contudo alcançar a amplitude dos efeitos desejados, é possível extrair interessantes
considerações. A primeira destas trata-se da própria natureza de um
empreendimento de desenvolvimento nuclear, que por sua extensão de
complexidade e tempo deve ser conduzido como um Objetivo de Estado. Assim,
entende-se que todas as expressões do Poder Nacional: política; militar; econômica;
científica e tecnológica; e psicossocial fossem mobilizadas entorno da consecução
desse objetivo.
Portanto, ao trazer a discussão as iniciais experiências malogradas de obter
a transferência tecnologia nuclear, tem-se a notória observação de que o País não
conseguiu concentrar todas as mencionadas expressões de Poder. Embora,
houvesse firme determinação dos segmentos político-militar e disposição de dirigir
suficiente esforço econômico às iniciativas de obtenção da tecnologia nuclear, faltou
o apoio da sociedade nacional, que de certa forma foi mantida alienada do assunto,
e as capacidades técnico-científicas não estavam preparadas para o
desenvolvimento que se pretendia.
As muitas críticas que são ainda formuladas, quanto à ineficiência do Brasil
daquela época, resultando em continuados insucessos de lograr a tecnologia
nuclear, em que pese os vultosos recursos aportados, como se pode verificar com o
acordo com a Alemanha, não parecem algumas justas. Na oportunidade, as mesmas
concepções nacionalistas que criaram as empresas estatais, da família “bras”,
também originaram a NUCLEBRAS, responsável em conduzir o Programa Nuclear
Brasileiro e, para tanto, guardava o propósito de concentrar todos os esforços para
as suas metas de consecução.
Então, pode-se avaliar que os governos e as elites à época erraram no
diagnóstico e partiram para políticas inadequadas? Talvez, sim, seja essa a
justificativa mais plausível para os diminutos avanços na área nuclear, constatados
nas duas décadas 50 e 60. No entanto, atribuir responsabilidades por tais resultados
à falta de preparo ou competência das classes político-militares, dirigentes ao longo
dos mencionados anos, não pode assim ser considerado. A explicação vem com o
exemplo da Petrobras. Alguém ousaria julgar que tal empresa foi um equívoco?
58
Na realidade, desde o pós-Segunda Guerra Mundial, o Brasil aspirava se
projetar no concerto internacional, juntando-se aos demais países que formariam a
cúpula da governança global. A urgência de assumir tal posição remetia o fim da
subserviência do País à política externa dos Estados Unidos e a busca de aliados
alternativos. Para a composição dessa estratégia, a reaproximação com a Europa,
em especial com a Alemanha, era a mais favorável e, ademais, constituía a melhor
opção para a obtenção do desenvolvimento da tecnologia nuclear. Desta forma,
imaginava-se a possibilidade de abreviar esse processo, por simples importação de
tal capacidade na área atômica, tida como essencial à conotação de poder, que por
fim sustentaria a elevação do País ao status internacional que planejava. O fato da
tecnologia nuclear não operar sob mecanismos ortodoxos e comuns de
transferência, o que as experiências demonstrariam, posteriormente, não retiram as
referências de alta determinação e abnegação daqueles brasileiros, nacionalistas e
comprometidos com as causas do País.
O enfrentamento das pressões internacionais diante da recusa da não
adesão ao TNP e de todas as adversidades a posteriori impostas às pretensões
brasileiras para a área nuclear, perseverando o animus mesmo sem a motivação dos
resultados esperados, constituiu um importante legado ao País. Com efeito, uma
lição de imensurável valor foi transmitida a gerações seguintes de políticos, militares
e cientistas, os quais juntos conseguiram perceber que a tecnologia nuclear deveria
ser tratada de maneira especial e que o seu domínio somente seria possível de
forma autônoma e independente do exterior.
Por outro ângulo, a maior relevância do alcance desta nova consciência
seria a convicta consolidação de que a importação de materiais, técnicas e
procedimentos, por mais que fosse revestida de sedutoras facilidades e vantajosas
condições de aquisições, a mesma jamais atenderia aos anseios de um
desenvolvimento genuinamente nacional. Em consequência, aludi-se a esse período
uma profícua fase de amadurecimento do pensamento estratégico brasileiro,
suficientemente, estruturado para abandonar as tentações das transferências do
produto acabado, dentro da acepção do “algo pronto”, e partir para a formação de
uma massa própria de “cérebros”, capacitada para alavancar a expressão científica
e tecnológica do País.
Destarte, parece inconteste que esse estágio de maturação se traduziu em
significativos efeitos ao desenvolvimento nacional, de forma que permite a devida
59
menção do tema nuclear, que ainda nos primórdios da sua discussão no País,
estabeleceu-se como importante fonte de inspiração e ensinamentos
pavimentadores dos passos seguintes que seriam projetados.
Entre esses ganhos, destaca-se a habilidade das elites político-estratégicas,
alinhadas e regidas pela própria Presidência da República, a cargo do General
Geisel, em analisar as conjunturas presentes com crescentes antagonismos aos
interesses nacionais, em relação à questão nuclear. No ambiente externo, as
ingerências das potências atômicas, junto com algumas organizações internacionais,
ofereciam fortes pressões contra o programa oficial que o País conduzia. A própria
governança militar do Brasil parecia contribuir para uma maior fluidez das
desconfianças, quanto aos seus reais propósitos em relação a aspirações do
domínio nuclear. Reforçando estas dificuldades, no âmbito interno, aflorava um
encrudescimento de criticas e resistências às ações do governo militar, fruto de uma
incipiente oposição partidária, mas que ganhava projeção com o processo de
abertura política.
Assim, com vista aos cenários prospectivos que delineavam uma
continuidade de inexpressíveis resultados, seguidos de um inevitável esgotamento
dos esforços, uma decisiva política seria formulada pelo governo, que alteraria o
curso da trajetória de desenvolvimento da tecnologia nuclear no País. Esta se
pautaria na instituição de um programa nuclear “paralelo”, com a decorrente
estratégia de mantê-lo fora das atenções internacionais e dos próprios setores
nacionais, inclusive da empresa governamental, NUCLEBRAS, que nascera para
conduzir o programa nuclear oficial.
Neste ponto, com referência ao sigilo secreto requerido às atividades do
programa “paralelo”, as Forças Armadas transpareciam como as únicas instituições
capazes de geri-lo. Com este entendimento, a opção pela Marinha se tornou a mais
indicada, visto que a mesma mantinha um estrito acompanhamento das conjunturas
e alinhava-se à desesperança em relação a transferências tecnológicas por acordos.
Da mesma forma, a Marinha reconhecia que o submarino de propulsão nuclear
poderia reverter os pontos fracos de um Poder Naval não compatível com as suas
atribuições, em relação às águas jurisdicionais expandidas até 200 milhas, e muito
menos capacitado de instrumentalizar as aspirações geopolíticas do País de
projeção sobre Atlântico Sul.
60
Exatamente, sob a confluência destes interesses e reunindo lições de
experiências passadas, observa-se que o PNM surgiu de uma política centrada no
recomeço, visto que o programa oficial se encontrava em uma situação que não
havia mais como retornar ou contornar. Portanto, o PNM não tem a sua criação
atribuída à força de um Decreto ou outro ato institucional, mas sim de uma sólida
consciência, que pode por fim ser avaliada pela firmeza na superação dos desafios,
que desde cedo colocariam à prova o vigor dos alicerces do programa.
O critério essencial do alto sigilo obrigou que as operações iniciais do PNM
fossem tratadas de uma forma cirúrgica, ou seja, cada passo deveria ser muito bem
estudado e os seus possíveis efeitos analisados à exaustão. Não obstante, tal
precisão parecia surreal, pois um programa desta magnitude e complexidade, que
exigiria um intenso intercâmbio de informações entre diversas áreas, sem contar o
elevado montante de recursos direcionados fora do orçamento nacional autorizado,
tornava o PNM invariavelmente vulnerável, quanto à sua confidencialidade.
Acrescente-se a esta tendência de publicidade o fato de que o produto final, o
submarino propriamente dito, reúne incontáveis itens para a sua composição e que
estes teriam origem no mercado externo e interno, permeando assim a difusão do
conhecimento do seu projeto em uma escala incontrolável. Como então desenvolver
o PNM, reconhecendo que o seu “vazamento” representaria pesadas consequências
político-militares ao Brasil, inclusive vindo a comprometer o próprio programa oficial?
Basicamente, sob este questionamento de risco, nortearam-se as concepções
estratégicas do PNM. Enfim, foi com base neste questionamento de risco que as
concepções estratégicas do PNM foram norteadas e, com tempo, tornar-se-iam
referências de muitos estudos no campo da gestão de tecnologia.
Na realidade, atribui-se o sucesso do PNM a sua “grande estratégia’ pautada
no desenvolvimento “paralelo” e no resultante sigilo. A partir desta orientação, as
parcerias estratégicas da Marinha com os segmentos técnico-científico-indústriais
foram estabelecidas, de forma a se valer das expoentes capacidades existentes no
País. Isto explica a Marinha ter selecionado o local do seu centro de coordenação do
seu programa no interior do Campus da USP, em São Paulo, que, igualmente,
beneficiava a aproximação com o maior pólo industrial instalado no Brasil. Desta
triangulação, seria formada a base estruturante do PNM, unindo a Marinha com o
aporte intensivo de capital, as pesquisas acadêmicas das universidades e o
empreendedorismo das indústrias.
61
Novamente, na articulação de tal arranjo, colocando-o em operação com
impressionante precisão e rigoroso critério de seleção dos partícipes do programa,
destaca-se a genialidade do Almirante Othon. A este oficial da Marinha detentor de
notória formação científica, aditam-se as suas elevadas competências gerenciais,
que o fazem responsável em grande parte pelo vencimento de muitas barreiras, que
para os mais céticos classificavam como insuperáveis.
Para tanto, foram essenciais as alternâncias de estratégias, oportunas e
consonantes com as evoluções dos cenários, inclusive no contundente repasse do
PNM, da esfera secreta para o domínio público. Neste diapasão, aduzem-se às
espetaculares tratativas da Marinha em conduzir o PNM para a discussão na
sociedade nacional, ressaltando que a continuidade do programa dependia do seu
acolhimento e sustento pelo setor governamental. O êxito da estratégia de
reposicionar o programa a nível de objetivo de estado, finalmente, parece se
conformar com a homologação da END, definindo o desenvolvimento nuclear com
um dos setores decisivos para a Defesa Nacional. Por meio deste instrumento legal,
de mais alto escalão político-estratégico, a Marinha obteve do estado,
definitivamente, a completa legitimação de suas atividades nucleares, o que em
termos gerais representa a convergência de todas as expressões do Poder Nacional,
na consecução do dito objetivo.
As consequências desta reorientação do PNM, também, serviram como
impulso ao recente acordo militar Brasil-França, a partir do qual se espera absorver
significativos avanços relacionados aos projetos da construção de cascos de
submarinos de propulsão nuclear. Com efeito, o PNM pode ser percebido muito além
de um vetor capaz de conferir ao País uma arma de expressivo valor estratégico,
dimensionando o Poder Naval para as novas aspirações e projeções brasileiras no
concerto internacional.
Assim, o PNM desde os primórdios constitui um instrumento fomentador do
desenvolvimento nacional, sobretudo, graças à instituição das metas intermediárias
de capacitação. Por meio destas metas, foi possível estimular avanços técnico-
centíficos das universidades e indústrias, pela própria exigência de se qualificarem
às parcerias com o PNM. Com a maturação destas relações, os efeitos de
diversificação e de arraste tecnológico das indústrias nacionais habilitaram as
mesmas a operarem em novos mercados estrangeiros, antes considerados como
inalcançáveis por envolverem intensivos e diferenciais avanços tecnológicos.
62
Enfim, ao observar os ganhos advindos com o PNM, tem-se que os
benefícios obtidos podem ser identificados em todas as expressões do Poder
Nacional, que inseparáveis e de forma una, ratificam a transposição do Brasil da
“periferia” e “terceiro-mundista” para se configurar como um dos atores de maior
relevância estratégica no mundo atual.
Em face do exposto, enaltece-se o PNM como exemplo de gestão,
perseverança e dedicação para outros programas, que por muitas vezes não saem
das suas pranchetas de planejamento, enfatizando a concepção de que, quando se
há vontade e compromisso, tudo é possível para este País chamado Brasil.
63
REFERÊNCIAS
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MineraçãoBeneficiamento
Yellow-cake
ConversãoYellow-cake
Em Uf6
Enriquecimentodo Urânio-235
Reconversãodo UF Em UO
6 2
Usina Nuclear
SubmarinoNuclear
Fabricação DePastilhas
Fabricação De Elementos
CombustíveisDisposiçãoPermanente
Prospecção
308
U(Yellow-cake)
Cascata deUltracentrífugas UF
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2
PastilhasDe Uo
2
VaretaCombustível
ElementoCombustívelNúcleo
ArmazenamentoDos Resíduos
CICLO DO COMBUSTÍVELM
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