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HERALDA PEREIRA BARRA O RESGATE DAS BRINCADEIRAS NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO 1º CICLO BRASÍLIA – DF Agosto 2007

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HERALDA PEREIRA BARRA

O RESGATE DAS BRINCADEIRAS NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO 1º CICLO

BRASÍLIA – DF Agosto 2007

HERALDA PEREIRA BARRA

O RESGATE DAS BRINCADEIRAS NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO 1º CICLO

Monografia apresentada à UNB, como parte das exigências parciais para a conclusão do curso Manifestações dos Esportes, do Programa Segundo Tempo, sob a orientação do professor Ricardo Donizete Ribeiro e do professor Mario Fernandes Zanraz Bueno.

UNIVERSIDADE DE BRASILIA - UNB BRASÍLIA – DF

agosto 2007

(...) O estímulo da inteligência deve ser promovido com a prática de esportes

múltiplos, com a popularização de jogos tradicionais (torneios internos de pipa,

bolinha de gude e outros) com a ‘viagem para outras culturas através da

descoberta de alguns de seus folguedos’, com programas que disciplinem,

sitematizem e saibam avaliar o aprimoramento do tato, do paladar, do olfato, da

atenção, com atividades teatrais e circenses como jogos mímicos diversificados,

mas principalmente com a plena aceitação, por parte de pais e educacores, do

tado de que a educação integral do corpo é possível e plausível até mesmo para

harmonizar melhor o desenvolvimento mental.

(Antunes, 2002, p.52)

RESUMO

Este estudo tem por objetivo trazer reflexões sobre o fenômeno lúdico nas práticas de Educação Física no sentido de propiciar o resgate das brincadeiras na comunidade onde os aprendizes estão inseridos. Além disso, tem a intenção de contribuir com o processo de transformação da Educação Física em suporte para a comunidade apresentar seus valores culturais através de seus educandos do 1º Ciclo e ao mesmo tempo trabalhar a corporeidade com prazer, visto que é um trabalho bastante lúdico. As intensas buscas no universo do conhecimento, sua socialização e conexões têm gerado novos caminhos e estimulado significativos estudos no campo da formação sócio-educativo-cultural. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e um trabalho de campo em uma escola municipal de Belo Horizonte, focalizando o plano curricular de Educação Física e conversando com os profissionais da área dessa escola.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 6

1 QUESTIONAMENTOS A RESPEITO DO LÚDICO.............................................. 9

2 BRINCAR, BRINQUEDO, BRINCADEIRA, JOGO, LÚDICO,..............................2.1 CONCEITUAÇÃO...............................................................................................

2.2 AS CINCO CONCEPÇÕES BÁSICAS SOBRE A ACEPÇÃO DO LÚDICO NO

CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO.............................................................

2.2.1outras Abordagens ..........................................................................................

2.3 RESGATE DAS BRINCADEIRAS NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA.........

2.3.1 Construindo e Organizando Espaços para Brincadeira de Faz-De-Conta......

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23

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3 DIRETRIZES METODOLÓGICAS DA PESQUISA.............................................. 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA.....................................................................

3.2 Discussão dos Resultados.................................................................................

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CONCLUSÃO........................................................................................................... 33

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................ 36

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INTRODUÇÃO

As brincadeiras trazem, ao longo do tempo, uma série de valores. Elas

foram selecionadas de forma natural por diversas gerações, sofrendo adaptações

à época e ao meio onde são usadas.

O aprendizado dessas brincadeiras na Educação Física contribui de forma

significativa para o desenvolvimento do educando. Sua relação com a construção

da oralidade e da escrita é inevitável, pois proporciona um resgate do contexto

real do aprendiz e de seus familiares. Além disso, elas proporcionam trabalhar a

corporeidade porque ao expressá-las com todo seu sentido, utiliza-se a expressão

corporal. O assunto deste trabalho é o resgate das brincadeiras nas aulas de

Educação Física. Nele serão destacadas as influências desse resgate dessas

brincadeiras nas práticas de Educação Física aproveitando para trabalhar o

corpo.

Está provado que um aluno emocionalmente envolvido com o conteúdo

aprende mais. Quando o conteúdo tem um significado importante na sua vida, a

aprendizagem se torna viva, real, algo encantador. Despertar emoções é uma

forma de fazer os estudantes prestarem atenção. Estar atento é abrir as portas

sensoriais, lingüísticas e cognitivas para o novo conteúdo. A construção de uma

prática que considere a realidade da comunidade na qual a Escola está inserida,

suas crenças e valores, bem como a valorização da cultura trazida pelos alunos e

seus familiares foram fatores que desencadearam os questionamentos da

presente pesquisa.

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Percebe-se que o viés cultural subjacente à seleção de conteúdos se

acentua pela falta de correspondência entre a universalização da escola e a falta

de transformação dos conteúdos e práticas pedagógicas, para dar acolhida à

diversidade colocada por uma população tão heterogênea como a encontrada no

sistema escolar, especialmente, na Escola Pública. Este estudo obtém

relevância social, econômica e cientifica uma vez que poderá beneficiar a

diversos grupos e populações, sobretudo a pesquisada, a clientela da escola de

nossos dias.

Tal como se configura está coorte se constituiu e historicamente tornou-se,

de forma inevitável, passagem obrigatória para todas as camadas sociais, porque

concentra sobre si uma multiplicidade de demandas sociais e significações.

O que se aprende informalmente no mundo, através do convívio social, por

via oral ou por imitação. Esse estudo tem relevância social e econômica porque

poderá beneficiar a população pesquisada, bem como, servir de subsídios para

políticas públicas municipais.

Esse trabalho monográfico é uma Investigação que tenta responder se a

principal dificuldade encontrada no estabelecimento das interações no processo

de formação dos alunos do 1º Ciclo de Formação na instituição em estudo está

relacionada ao tratamento didático dado ao estudo do tema. O trabalho é uma

tentativa de responder aos objetivos se o processo de formação do professor para

lidar com o lúdico, refletir se essa situação do docente auxilia ou dificulta o

trabalho com o tema. Esse trabalho descreve também como são tratadas as

brincadeiras, destacando a importância desse tema no cotidiano escolar.

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Os alunos se habituaram a ter aulas em que os esportes e jogos sempre

tiveram grande ênfase em detrimento de atividades que fazem parte da cultura

brasileira como jogos e brincadeiras.

O conteúdo esportivo, apesar de introduzido na escola com objetivos

ideológicos, se bem trabalhado com coerência, competência e alguns cuidados

com a competitividade e a seletividade, pode desenvolver capacidades e

habilidades motoras; condicionamento físico-orgânico; capacidade de raciocínio;

formação de valores e comportamentos, que reforçam a moral; a sociabilização;

tomadas de decisão; auto-superação, perda da timidez; motivação e auto-

realização.

Nesse sentido, é uma reflexão sobre as práticas pedagógicas sobre

práticas escolares planejadas inserindo o lúdico nos conteúdos curriculares,

sociais e culturais, de forma a atender melhor à diversidade demandada pelos

alunos inseridos nessa prática. Dessa maneira, o contexto lúdico estimula os

alunos a se interessarem pelo saber, pela construção de conhecimentos e

favorece o diálogo, a cooperação, o espírito crítico, a solidariedade e a

criatividade, além disso, facilita o ensino-aprendizagem.

Levando em conta esse exposto, optou-se por discorrer acerca da

importância do tema Educação Física e brincadeiras que foi delimitado para O

RESGATE DAS BRINCADEIRAS NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO 1º

CICLO com os seguintes tópicos: 1QUESTIONAMENTOS A RESPEITO DO

LÚDICO, 2 BRINCAR, BRINQUEDO, BRINCADEIRA, JOGO, LÚDICO 3

DIRETRIZES METODOLÓGICAS DA PESQUISA.

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1 QUESTIONAMENTOS A RESPEITO DO LÚDICO

O trabalho teórico e a prática docente na Educação Básica com aprendizes

que se encontram no período denominado pré-operatório por Piaget (1978, p. 39),

trazem, à tona, algumas questões como:

Por que o jogo simbólico acontece?

O que possibilita que a criança brinque?

Este trabalho investigará tais questionamentos, através de pesquisas

embasando-se nos autores que abordam o jogo simbólico como a construção de

conhecimentos como Piaget (1978), VIGOTSKY (1988), Leontiev (1991),

Bettelheim (1989), Huizinga (1993) entre outros.

Com o desenvolvimento da capacidade simbólica do pensamento, o jogo

simbólico pode ser considerado a atividade principal da criança, pois, através

dele, ela faz acomodações, avança em suas condições de pensamento. O jogo

simbólico trabalha com o que é visível, com a parte material do signo utilizado

para representar o significado conferido pela criança ao brincar. É claro que essa

liberdade de conferir significados aos objetos é subordinada aos significados reais

dos mesmos, pois suas propriedades impõem resistências.

De acordo com Huizinga (1893, p. 49), a criança brinca e essa brincadeira,

em determinado momento, acaba. Ela joga e brinca dentro da mais perfeita

seriedade, mas sabe que o que está fazendo é um jogo, sabe que só está

fazendo um faz-de-conta.

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No convívio com as crianças, vê-se claramente o quanto brincar é natural

na vida delas e, para que isso aconteça, não é necessário muito mais do que

propiciar-lhes espaço. Nesse espaço, elas expressam sua forma de pensar,

organizar, desorganizar, destruir e construir o mundo onde podem de modo

simbólico mostrar seus sentimentos, vontades e fantasias.

Cabe ao professor possibilitar e até criar espaço para que a criança brinque

e, por meio dessa brincadeira, cresça e desenvolva, cada vez mais, a

capacidade simbólica de seu pensamento sendo a ponte entre o universo

interior da mesma e a cultura. Isso significa dizer que ao brincar, também se

aprende. O profissional da educação deve propiciar jogos de diversas naturezas:

semântica, Matemática, Geometria, Corpo em Movimento, Dinâmicas de Grupo.

Esses podem compreender cartas enigmáticas, caça-palavras, cruzadinhas, jogo

dos erros, sinonímia, antonímia, conhecimentos gerais, figuras geométricas,

percepção visual, labirinto, dominó, dama, vareta, amarelinha, dinâmicas,

atividades psicomotoras entre outros.

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2 BRINCAR, BRINQUEDO, BRINCADEIRA, JOGO, LÚDICO 2.1CONCEITUAÇÃO

Na cultura brasileira, os termos brincar, brincadeira, brinquedo, jogo e

lúdico estão repletos de diferentes significações muitas vezes contraditórias, até

mesmo no meio profissional. O significado dessas palavras desdobra-se de

acordo com o seu uso no dia-a-dia da vida e na história cultural de cada um.

Dependendo da situação, elas têm um mesmo sentido ou sentidos diferenciados.

Num primeiro desdobramento, embasando-se em Cascudo (1984, p.45),

elas estão carregadas de sentidos em torno das dicotomias útil x não-útil,

responsável x irresponsável, sério/produtivo x não sério/produtivo. Brincar e

brincadeira são sinônimos de mentira de coisa não séria, de coisa sem valor

intelectual e coisa que não deve ser levada em consideração, sendo encontradas

em frases como as seguintes: Com o futuro não se brinca. É brincadeira!, Você

está brincando, não é? Parece brincadeira. (como algo fácil e realizado em

esforço), Deixa de brincadeira. O mesmo acontece com o termo brinquedo: o

futuro do seu filho não é brinquedo. Educação não é brinquedo.

Dessa maneira, ecoam no fundo dessas expressões preconceitos

marcados pelas relações de desdém, de poder e de valores pejorativos na

relação trabalhar/seriedade X brincar/ não-seriedade.

A palavra jogo tem um campo muito amplo de utilização: fala-se em jogo

social, jogo político, jogo sexual, jogo esportivo, jogo lúdico, jogo educativo entre

outros.

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Segundo o mesmo Cascudo (1984, p.48) foi no século XX, por intermédio

da divulgação pedagógica, que ela foi tomada como sinônimo de brincadeira

infantil. O lúdico ganhou, nos últimos anos, a conotação de prazer, de algo que se

realiza sem conflitos, com facilidade e contentamento simplista. O adjetivo passou

a ser usado para caracterizar situações em que não estão presentes o conflito, a

ansiedade ou a tensão. Aliás, esse emprego é muito comum na perspectiva

pedagógica escolar – quanto não se fala de uma educação lúdica!

Num segundo desdobramento, os termos em questões também são

usados das mais variadas formas. Porém, no campo dos estudos e das

experiências do brincar, os conceitos e usos dessas expressões estão numa outra

perspectiva, ou seja, em oposição aos significados de mentira e de não-sério,

expostos anteriormente.

Outros autores caracterizam ora distintamente, apontando diferenças, ora

indistintamente, apontando semelhanças. Huizinga e Callois são autores que têm

obras básicas quando nos referimos ao brincar. Callois (1990, p.65) e Huizinga

(1993, p.33) propuseram algumas características para a identificação desses

fenômenos, que denominaram estado de brinquedo: atividade voluntária,

improdutiva, com regras acordadas e seguidas obrigatoriamente, e imbuída de

conteúdo imaginário, fictício. Acrescentam-se a essas características a

intencionalidade, a significação, o simbólico, a consciência e o rito.

A intencionalidade é o sentido que aquele que brinca dá à brincadeira.

Significação e simbólico caracterizam-se pelo que é possível perceber nas ações

por intermédio dos gestos, da fala ou das próprias relações estabelecidas por

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aqueles que estão brincando. Há uma significância na atitude lúdica, pois quem

brinca diz alguma coisa e esse dito está repleto de conteúdos da existência

humana. Para Huizinga (1993, p. 79) “(...) no jogo existe alguma coisa em jogo,

que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido á ação.

Todo jogo significa alguma coisa (...)” (Huizinga, 1993, p.4). A consciência é o

estar presente no instante da brincadeira, é saber que se está brincando. Porém,

esse estado não é fixo, pois muitas vezes o brincante é ofuscado pelas

circunstâncias, sendo ora arrebatado de sua lucidez, ora trazido novamente a ela,

não implicando isso uma desconexão de si mesmo. No estado de brinquedo há

uma constante mobilidade que leva a um contínuo entrar e sair do campo da

brincadeira. Rito é o encadeamento das ações − estruturas que possibilitam a

repetição do fenômeno que acontecem no início, no desenrolar e nas finalizações

das brincadeiras.

Etimologicamente, brincar vem de brinco + ar; brinco vem do latim

vinculu/vinculum, ‘laço’, através das formas vinclu, vincru, vrinco

(FERREIRA,1975, p. 286 e CUNHA, 1994, p.124). Brincar é, portanto, nessa

perspectiva, uma atitude, um gesto de ligação ou vínculo com algo em si mesmo

e com um outro.

O brincar também é um ato de estar descobrindo, escolhendo, recriando; é

uma metáfora da criação. Criação no sentido genuíno, de espelho do gesto

criador do universo, como o termo lila, que em sânscrito quer dizer: “(...) jogo,

brincadeira. Mais rica de sentidos do que as palavras correspondentes em nossa

língua, ela significa brincadeira divina, o jogo da criação, destruição e recriação, o

dobrar e desdobrar do cosmos.” (NACHMANOVITCH, 1993, p.13.).

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Nesse aspecto, a atitude de quem brinca não é de simples prazer e de fácil

contentamento, é um viver a tensão das escolhas, dos conflitos, dos limites, do

fazer e desfazer das ações e imaginações em que o brincante experimenta o

equilíbrio e o desequilíbrio, o contraste e o semelhante, a união e a desunião.

Para existir o brincar precisa haver quem brinca, um ‘objeto’, um tempo, um

espaço e um conjunto de mecanismos que ‘regulam’ uma determinada ação. Há

um fluxo complexo na relação brincar/brincante que pode ser observado no

universo singular do indivíduo ou no universo dos grupos, sendo que o brincar

em grupo é uma atividade social dirigida pelas decisões internas daqueles que

dizem sim ao ato de brincar e pelos acordos estabelecidos por aqueles que

brincam. Brincando, busca-se alguma coisa em si mesmo e na relação com o

outro, dando-se um sentido e uma intencionalidade àquilo que se faz.

Na perspectiva de Bettelheim (1989, p.157):

A brincadeira refere-se às atividades caracterizadas por uma liberdade total de regras, envolvimento solto da fantasia e pela ausência de objetivos fora da atividade em si.

(...) os jogos são competitivos, exigem a utilização dos instrumentos da atividade do modo para o qual foram criados e não como a imaginação ditar, sendo os objetivos externos ás atividade em si.

Apesar de ele considerar que na brincadeira há uma liberdade total de

regras, não há brinquedo ou jogo sem regras. Em ambos, há regras e o grau de

definição dessas regras é que é diferenciado. As brincadeiras são orientadas por

regras livres, semi-estruturadas, e o desenvolvimento da ação é definido pelo

rumo dado pela fantasia. Ao passo que os jogos são claramente delimitados,

constituindo-se de instrumentos que traçam os rumos e as condutas dos

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jogadores. É o jogo uma ação dotada de estrutura claramente, definida e

delimitada, e a brincadeira uma estrutura pouco delimitada, em que as regras são

mais flexíveis, embora sejam percebidos que a própria flexibilidade das regras é

fator delimitador e orientador de ações.

Piaget (1978, p.67) ressalta que: Se por um lado, revisitar os termos nos

faz ter leituras e abordagens menos tendenciosas diante do tema, por outro lado,

o uso comum desses termos remete ao status das palavras. Brincadeira sugere

algo muito menos sério do que jogo e tem conotações permeadas de

preconceitos, muitas vezes atrelados ao conceito que se tem de mundo infantil.

Jogo tem um sentido mais sério. Assim, chamar de jogo o que poderia ser

chamado de brincadeira, significa mudar o status vocabular.

O termo jogo também pode ser compreendido como um arcabouço mais

generalizado e não dirigido somente á semelhança com as brincadeiras. Todo o

construtivo social – leis, regulamentos e toda a sorte de acordos sociais – está

envolvido numa das características do universo dos jogos. Huizinga (1993, p.39)

fez uma leitura contundente sobre o jogo como elemento da cultura, identificando-

o em vários segmentos da vida humana, desde o campo artístico aos campos

jurídico, religioso e da guerra. Além do mais, jogo pode ser também o movimento

estabelecido entre os sujeitos em qualquer situação.

O termo brinquedo é usado tanto para o objeto – suporte lúdico – como

para a ação de brincar. Assim, o fenômeno que se desencadeia como brincadeira

também é chamado de brinquedo.

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O lúdico, de acordo com Huizinga (1993, p. 41), é o campo da ilusão e da

simulação e, para Schiller (1995, p.89), é o impulso mantenedor- impulso lúdico –

da tensão entre a natureza no humano e a humanidade na natureza. Por natureza

entende-se aquilo que biologicamente constitui o homem, e por humanidade

aquilo que homem constrói a partir de suas experiências com a natureza: a

cultura. Huizinga (1993, p.54) e Callois (1990, p.78) mencionam uma espécie de

luta contra a morte nos jogos, semelhante á estrutura agonística do universo do

eterno conflito entre opostos que é o princípio último da existência, atração e

discórdia (Empédocles), (HUIZINGA, 1993, p.31); o Yang dos chineses; Eros e

Thanatos (FREUD, 1948, p.124 ); impulso sensível e impulso formal (SCHILLER,

1995, p. 198); princípio de oposição musical e regra e transgressão (BONDER,

1998, p.94).

2.2 AS CINCO CONCEPÇÕES BÁSICAS SOBRE A ACEPÇÃO DO LÚDICO NO

CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO

O lugar do lúdico que os brasileiros herdaram está fundado em cinco

concepções básicas, construídas no decorrer de nossa História Cultural do

País. A primeira diz sobre a frivolidade – descanso de uma atividade, é a

descontração e o relaxamento que brincar pode provocar. Nesse aspecto, estão

envolvidos dois elementos que são contraditórios: de um lado o lúdico, não tem o

valor de um ideal, pois é a atitude daqueles que se deleitam sem

responsabilidade e, por outro, é o movimento que produz relaxamento para uma

posterior ação produtiva. A Segunda concepção diz sobre o caráter de escape da

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intensidade da vida – brinca-se para fugir de si mesmo, para evitar o contato com

as profundezas, enganando-se a si próprio. A terceira diz respeito ao valor poético

e estético que contém o lúdico-vertente, fundada no Iluminismo e principalmente

no Romantismo. A Quarta liga o sentido lúdico à inventividade – construção e

desconstrução de uma realidade - sendo a apropriação dos restos culturais pelos

brincantes, principalmente crianças. Para a Quinta, ligada á Psicanálise, o brincar

não se opõe ao sério, mas sim à realidade. Nessa perspectiva, a brincadeira é

uma espaço/tempo que acontece fora da ordem da vida, é um momento em que o

simulacro e a fantasia estão presentes. Nela está aquilo que o homem gostaria de

ser e de viver, sendo concebida numa esfera pautada pelo desejo.

Por fim, os termos em questão estão repletos de significações herdadas da

cultura brasileira usual. Revisitá-los deveria ser uma atitude constante de

qualquer interessado no tema, pois, os educadores trazem em seus discursos e

práticas elementos fundados nos universos em que foram formados. É possível

perceber que tais ações e reflexões rastros dessas concepções que ajudaram a

construir atuais concepções de brinquedo. Se o docente der conta desse

percurso, saberá localizar suas heranças pedagógicas e conceituais e, assim,

provocar movimento em suas maneiras de pensar e agir.

2.2.1 Outras Abordagens

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‘Piaget (1978, p. 79) ressalta que o pensamento pré-operatório que

aparece com maior evidência a atividade representativa. A aquisição da

linguagem possibilita maior comunicação com o meio e as reconstituições

lingüísticas de ações, como diz saber, “surgem concomitante à reprodução de

situações ausentes, através da brincadeira simbólica e da imitação”.

Com relação à interação com o meio, o aprendiz começa a interagir com o

mundo que o cerca, repleto de objetos utilizados pelos adultos aos quais ele não

tem acesso, porém um mundo que ele precisa conhecer e compreender. Segundo

Leontiev (1991 p.122): “uma criança que domina o mundo que a cerca é uma

criança que se esforça para agir neste mundo”. Para tanto, ela utiliza objetos

substitutos, atribuindo a eles significados diferentes daqueles que esses

normalmente possuem; afinal, não dirige um automóvel, mas uma cadeira pode

facilmente tomar o lugar do automóvel em sua brincadeira.

O autor ressalta ainda:

A criança aprende a agir numa esfera cognitiva. Ao invés de agir numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos (...) ocorre divergência entre os campos do significado e da razão. No brinquedo, o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das idéias e não das coisas. (LEONTIEV 1991, p.141):

Para VIGOTSKY (1988, p. 43) “o objeto do brinquedo retém seu

significado, isto é, uma vara permanece uma vara para criança, mas adquire no

jogo um sentido lúdico.” Essa etapa é importante como viés de aprendizagem,

pois o significado é de fundamental importância no contexto do aprender.

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Citando Bettelheim (1988, p. 85) evidencia-se que a brincadeira é

importante também para a construção da autonomia da criança:

Nenhuma criança brinca espontaneamente para passar o tempo... Sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos, problemas, ansiedades. É a necessidade de experimentar papéis, funções sociais, de agir como adulto. O brinquedo simbólico passa a ser a memória aliada à imaginação. A criança desempenha um papel, quando assume um personagem e pode realizar ações que representam as próprias ações desse personagem, ao mesmo tempo em que estabelece ralações com essas ações. Ela pode já ter visto, ouvido falar sobre um cavalo, mas nunca montou em um, mas já viu alguém fazê-lo e o faz usando uma cadeira emite sons, movimenta-se. Não reproduz o cavalo e o jóquei que viu, mas ambos em geral. Tal atitude tem um objetivo. Afinal, o que ela quer mesmo é montar num cavalo, entretanto nunca montou num.

Para Vigotsky (1988, p. 52), “as crianças não procuram no brinquedo uma

forma de evasão, desejam explorar e conhecer melhor o real, criando-o e

recriando-o à sua maneira’”. Mas, “apesar de não objetivar a evasão ou a fuga da

realidade, essa”, segundo Huizinga (1993, p. 98), ocorre para uma esfera

temporária de atividade com orientação própria, onde leis e costumes da vida

cotidiana perdem a validade.

No jogo, o alvo não é o resultado, mas a ação em si mesma, o processo

em que se insere. Esse processo é considerado por Leontiev (1991, p. 166)

atividade principal por que: “Ocorrem as mais importantes mudanças no

desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos

psíquicos que preparam o caminho da tradição da criança para um novo e mais

elevado nível de desenvolvimento”.

Esse jogo possui regras que determinam aquilo que vale ou não vale

dentro do mundo temporário que ele delimita; assim, a criança aprende a se

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subordinar às regras das situações que reconstrói e isso aliado à renúncia de agir

sob impulsos imediatos são meios de atingir o prazer máximo. O mesmo autor

(1991, p. 187) afirma que “(...) o atributo essencial do brinquedo é uma regra e

torna-se um desejo (...)” Aquele que ousa desrespeitar ou ignorar as regras é um

desmancha-prazeres, pois destrói o mundo do jogo e precisa ser expulso. O

respeito a essas regras exige um grande autocontrole por parte da criança, pois

ela se vê frente a um conflito entre essas e o que faria se pudesse agir

espontaneamente.

O jogo é uma atividade voluntária, fascinante e cativante, carregada de

ritmo e harmonia. Se for “sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo no máximo

ser uma imitação forçada” conforme afirma Huizinga (1993, p. 76). A criança não

brinca quando ou como o adulto quer: no ambiente escolar, ela precisa sentir-se à

vontade para brincar. Além disso, precisa de materiais variados, adequados e

organizados de forma clara e acessível, de local apropriado ao desenvolvimento

de sua imaginação, de ter o adulto como elemento integrante das brincadeiras

(observador, organizador, personagem) e mediador entre a criança e o

conhecimento, além de ter, é claro, o jogo incorporado ao currículo como um todo.

O jogo simbólico precisa ser visto como um: recurso pedagógico de construção de

conhecimento pelas crianças e como instrumento de organização autônomo e

independente das mesmas.

A situação de jogo permite que condições da ação se modifiquem, a

imaginação permite que se use uma cadeira como carro e um pauzinho como

chave, porém a situação real e conhecida da criança (por exemplo, guiar um

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carro) exige que conteúdo e seqüência correspondam a essa realidade. Assim,

primeiro cria o seu carro, depois liga o carro, sai para passear: “uma criança

não imagina uma situação de brinquedo”, informa Leontiev (1991, p. 174).

Assim, aquele menino que olha o trem que o outro mostra, pode não ver ali

um trem e, sim, um pedaço de madeira. Isso ocorre porque além dele não estar

brincando, esse trem poderia tão somente ser, para ele, o simples pedaço de

madeira, sem maior significado. Semelhante a isso são aqueles objetos do mundo

real e que não podem representar nada mais, pois “nem todo objeto pode

representar qualquer papel na brincadeira, outros, sim”.

Para Vigostsky (1988, p. 85), um dos elementos fundamentais para o

desenvolvimento da inteligência é a transmissão cultural de uma geração a outra.

Segundo Piaget (1978, p. 55): “a partir dos cinco/seis anos de idade, as

crianças estão entrando na etapa do raciocínio operatório e do pensamento

abstrato.” Essa fase apresenta o desenvolvimento da linguagem conceitual

socializada. Portanto, essas etapas são importantes para ajudar a estruturar e

construir a personalidade do aprendiz. Conseqüentemente, o jogo e a brincadeira

constituem-se de fundamentais estratégias para a construção de saber,

assimilação de regras, respeito e participação coletiva.

O objetivo deste trabalho é analisar como as atividades citadas acima

estão sendo desenvolvidas nas escolas de ensino fundamental e, principalmente,

se ocorrem de forma satisfatória e eficiente. (LE BOULCH, 1987, p. 32).

Dentro desses conteúdos, pode haver uma integração entre a Educação

Física e a Pedagogia no sentido de que a finalidade principal das duas áreas,

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como já foi dito anteriormente, é a formação global do indivíduo em todos seus

aspectos. Conteúdos como a recreação, os jogos, as brincadeiras além da própria

psicomotricidade, podem ser trabalhados em conjunto por pedagogos e

profissionais de Educação Física, numa troca de conhecimentos específicos de

cada área, numa integração que só vem a trazer benefícios para ambos os lados,

para a Educação e, principalmente para o aluno. (SOARES, 1992, p. 53).

O brincar tem, hoje, sua importância reconhecida por estudiosos,

educadores, organismos governamentais nacionais e internacionais. A

Declaração Universal dos Direitos da Criança (aprovada na Assembléia Geral das

Nações Unidas em 1959), no artigo 7º, ao lado do direito à educação, enfatiza o

direito ao brincar: “Toda criança terá direito a brincar e a divertir-se, cabendo à

sociedade e às autoridades públicas garantir a ela o exercício pleno desse

direito”. (CONFEF, 2000).

Brincadeiras há muito ofuscadas pela televisão são recuperadas pelas

escolas, para promover o encontro entre as crianças e colocá-las em contato com

a cultura brasileira. (MATTOS, 1999, p. 67). O resgate das brincadeiras antigas

tem sido uma preocupação de diversas escolas em todo Brasil. As brincadeiras,

de uma forma geral, ajudam a educar a criança para o convívio, especialmente as

que misturam participantes de várias faixas etárias, especialmente através da

Educação Física. As tradicionais ainda permitem que se conheçam aspectos

importantes da cultura do país. (BRASIL, 2000).

2.3 RESGATE DAS BRINCADEIRAS NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

23

Rizzi e Haydt (1987, 210) propõem, também, como atividades que

favorecem a socialização, os brinquedos cantados tradicionais que, segundo os

autores, têm como objetivo favorecer o relacionamento em grupo – Ciranda

Cirandinha; A Canoa Virou; Atirei o Pau no Gato, Pirulito que Bate Bate entre

outros.

Também podem ser utilizados diversos jogos infantis, sendo citados pelos

mesmos autores alguns exemplos adaptados a essa situação, como:

• Arranje um par

De mãos dadas, as crianças formam pares, com exceção da professora. Inicia-se o jogo correndo em pares e, ao sinal combinado, todos deverão largar as mãos, devendo, em seguida, arranjar outro par, inclusive para a professora. Conseqüentemente, no jogo sempre ficará um participante sem par.

• Chamada na roda

Formar um círculo, ficando um participante no centro segurando uma bola. A criança que estiver no centro diz o seu nome e joga a bola para outra criança. A que pegar a bola vai para o centro da roda e repete o procedimento inicial (diz seu nome e novamente joga a mesma para outro colega) e assim por diante.

• Variação no jogo

A criança no centro da roda diz o nome de um colega que já conhece, do circulo, jogando-lhe a bola. Aquele que foi chamado deve pegar a bola e ir para o centro da roda e repetir o mesmo procedimento.

• Passa a bola

Todos sentados em círculo, um aluno de posse de uma bola passa-a de mão em mão, no ritmo de uma canção que as crianças saibam, ou tenham aprendido. Quando terminar a música, quem estiver com a bola deverá dizer o seu nome.

FRITZEN (1988, 109) também cita um exemplo de jogo – descrito a

seguir - que possibilita a socialização da criança ao grupo:

• Agarre o par

Em uma sala, as crianças deverão formar pares e a professora deverá estar com uma vassoura, ou qualquer outro tipo de objeto, como, por

24

exemplo, um boné. Ao contar até três, todos trocarão de par e a professora deverá procurar um par, entregando o objeto a um aluno. Quem estiver com o objeto deverá iniciar a contagem realizando o mesmo procedimento anterior.

Esses exemplos constituem-se em sugestão e nada impede que sejam

adaptadas ou criadas novas atividades lúdicas, com o objetivo de favorecer a

adaptação e socialização do aprendiz, no inicio do processo de escolarização. O

que não deve acontecer é que os professores responsáveis por essa fase deixem

de possuir um plano de atuação pedagógica com o educando que se encontra

nessa situação.

2.3.1 Construindo e Organizando Espaços para Brincadeira de Faz-De-Conta.

A escolha de brinquedos e a organização de espaços adequados para

estimular brincadeiras constituem, hoje, preocupações de educadores e

profissionais de instituições infantis.

Entre eles, destaca-se Fritzen (1988, 149), que sugere critérios para uma

adequada escolha de brinquedos, de modo a garantir a essência da brincadeira.

Esses critérios são:

• O valor experimental - os brinquedos devem permitir a

exploração e a manipulação; • O valor da estruturação - os brinquedos devem constituir-se em

objetos simbólicos que dão suporte à construção da personalidade infantil;

• O valor de relação – os brinquedos devem oportunizar à criança o contato com seus pares e adultos, com outros objetos e com o ambiente em geral, para propiciar o estabelecimento de relações;

• O valor lúdico – os brinquedos devem ser passíveis de avaliação, para que ponham em evidência as qualidades que venham a estimular o aparecimento da ação lúdica.

25

A tais critérios são acrescidos questionamentos relativos à idade,

preferências, capacidades, projetos de cada aluno e uma constante verificação da

presença do prazer e dos efeitos positivos da brincadeira. Há que se considerar

ainda que o brincar não é inato, mas uma aquisição social. Dessa forma, o

educador atento ensina a criança a utilizar o brinquedo. Ao aprender os múltiplos

usos dos objetos, ele está sendo preparado para a expressão criativa.

O mesmo autor alerta para a necessidade de analisar componentes de

situações lúdicas como: disponibilidade de materiais, nível de verbalização entre

adultos e crianças e aspectos educativos e corporais para estimular brincadeiras.

O suporte material deve incluir locais apropriados, com a disposição de

brinquedos sugestivos, de temáticas que facilitem a entrada no imaginário e

dispostos de modo acessível às crianças. A verbalização do professor deve incidir

sobre a valorização de características e possibilidades dos brinquedos e possíveis

estratégias de exploração. Enfim, o professor deve oferecer informações sobre

diferentes formas de utilização dos brinquedos, contribuindo para a ampliação do

referencial infantil.

A dimensão corporal não pode estar ausente. Na relação com objetos,

solicitam-se o corpo, as emoções e os sentidos. O educador deve, também,

brincar e participar das brincadeiras, demonstrando não só o prazer de fazê-lo,

mas estimulando as crianças para tais ações. Finalmente, o caráter educativo

coloca o brinquedo na ordem de meios e recurso que consideram desejos,

necessidades de expressão e outros valores exigidos para a implementação de

um projeto educativo.

26

Entre as atividades que requerem a utilização de brinquedos, destaca-se o

faz-de-conta, também conhecida como simbólica, de representação de papéis ou

sócio-dramática. Pesquisadores como Piaget (1978, p.96) e Vigotsky (1988, p. 63)

assinalam a relevância dos objetos no aparecimento da função simbólica.

A constituição de representação e da linguagem, em torno de 2 ou 3 anos,

permite à criança alterar o significado dos objetos, dos eventos, a expressar seus

desenhos e fantasias e assumir papéis presentes no contexto social.

É importante registrar que o conteúdo do imaginário provém de

experiências anteriores adquiridas pelas crianças. Idéias e ações construídas

pelas mesmas provêm de processos interativos integrados ao mundo social,

incluindo amigos, família e o círculo de relacionamento, currículo da escola, idéia

discutida em classe ou divulgada pelos meios de comunicação, histórias infantis,

materiais e experiências vivenciadas no cotidiano.

A importância dessa modalidade de brincadeira justifica-se pela aquisição

do símbolo. É alterando o significado de objetos, de situações, e cirando novos

significados que se desenvolve a função simbólica, o elemento que garante a

racionalidade ao ser humano. Ao brincar de faz-de-conta a criança está

aprendendo a planejar, a relacionar eventos, a ter iniciativa na organização do

roteiro da brincadeira, a relacionar-se com parceiros e a criar símbolos. Dessa

forma, o brincar propicia o desenvolvimento da autonomia, da independência, da

linguagem e a construção de símbolos. Entretanto, para que se penetre no

imaginário, alguma s condições são necessárias: seleção e disposição de objetos

que estimulem o brincar.

27

A brincadeira ocorre quando estímulos externos, como por exemplo, uma

boneca colocada junto a um berço, sugere à criança, em torno de seus três anos,

brincar de fazer o bebê dormir. É a junção de tais objetos (berço e bebê) que faz

emergir na consciência infantil o episódio (assumir o papel da mãe que faz o bebê

dormir) que integra o cotidiano da criança dos tempos atuais. Assumir papéis

sociais – como o de uma mãe que coloca o filho (boneca) para dormir no berço ou

vai para o fogão fazer o almoço, de um médico que examina o paciente, com o

uso de estetoscópio, ou de um motorista, que transporta passageiros em ônibus.

Essas brincadeiras mostram a importância de objetos (brinquedos) que adquirem

significados na configuração do espaço estimulador de temáticas de faz-de-conta.

As dificuldades enfrentadas no cotidiano de creches e turmas de Educação

Infantil colocam em risco a disponibilidade de brinquedos e a organização de

espaços que facilitem as brincadeiras, por inevitáveis dificuldades financeiras.

Para superar tais problemas, sugere-se a construção de brinquedos com caixas

de leite. A partir de tais materiais, é possível construir camas, mesas, cadeiras,

sofás, fogões, armários, pianos, geladeiras, carros, trens entre outros. Enfim, tudo

o que a imaginação e criatividade do docente puderem conceber.

3 DIRETRIZES METODOLÓGICAS DA PESQUISA 3.1 Caracterização da Escola

Antes de discorrer sobre a pesquisa propriamente dita, é conveniente

salientar as bases teóricas utilizadas por algumas escolas da Rede Municipal de

28

Educação de Belo Horizonte (RME), principalmente as pertencentes à Gerência

de Educação do Barreiro (GEREDB) cuja ênfase está voltada para a

Psicopedagogia. Devido ao grande número de escolas dessa Rede, que utiliza

essa metodologia, opta-se por discorrer sobre a experiência da área de Educação

Física na Escola Municipal Cônego Sequeira.

A referida Instituição Escolar situa-se na Escola Municipal Cônego sequeira

– Rua Flor de Prata, 40 – Bairro Mineirão, periferia de Belo Horizonte –

pertencente a Gerência de Educação do Barreiro – GEREDB. Atende a uma

clientela de 1500 alunos, distribuídos nos seus três turnos. A filosofia de trabalho

é as Escolas Plurais, cujos Ciclos de Formação compreendem o 1º, 2º e 3º Ciclos

do Ensino Fundamental.

O conhecimento e o saber não são apreendidos pelo sujeito de forma

neutra. Dentro do dele há uma luta entre o desejo de saber e o desejo de não-

saber. Esse processo acaba por estabelecer para o aprendiz determinadas

posições à priori da assimilação e incorporação de quaisquer informações e/ou

processos formativos. Elas se refletem tanto no plano consciente quanto

inconsciente. Diante do uso de brincadeiras e jogos, o aprendiz pode se assimilar

seu saber em uma abordagem lúdica.

A escola tem como diretriz a ênfase na concepção de que a educação

lúdica é uma forma espontânea, agradável que auxilia o desenvolvimento da

inteligência do aluno, apurando suas emoções, fortalecendo sua vontade, sua

individualidade e sua socialização.

29

Em sua grande maioria os alunos pertencem à classe média e baixa, reside

no próprio município em bairros de Belo Horizonte próximos à Escola, sendo que

a Prefeitura Municipal fornece condução para o translado de alguns alunos

matriculados na mesma que estudam em outras unidades.

Os aprendizes são atendidos com livros didáticos pelo programa FAE.

Quanto às verbas que destinadas à Instituição são verbas da caixa Escolar, da

FAE e da Ação Pedagógica (PAP) para alfabetizar alunos.

Os alunos de o Ensino Regular Noturno não possuem livros concedidos

pela FAE. Convém, ainda, ressaltar que existem alunos dos três Ciclos que são

bastante carentes e por isso são assistidos pelos programas: Bolsa Escola, BH

Cidadania, Caixa Escolar entre outros.

A comunidade escolar não é muito participativa e atuante; comparece com

maior freqüência, geralmente a festas, mas nas reuniões pedagógicas e entrega

de resultados somente alguns participam.

O Projeto Político-Pedagógico foi construído coletivamente pelos

professores, coordenação pedagógica, direção, funcionários, colegiado e por

alguns representantes mais interessados da comunidade escolar.

Atualmente, a Escola construiu um Projeto de Ação Pedagógica (PAP) e

para viabilizá-lo a SMED disponibilizou uma verba conforme já explicada para

atender à demanda da alfabetização e do letramento.

3.2 Discussão dos Resultados

30

O trabalho de campo foi realizado através da observação de aulas, bem

como dos planos curriculares, sobre os quais se fizeram anotações para a

confecção desse trabalho monográfico.

Fica evidente que, apesar de todos os desafios enfrentados, a Escola

Municipal Cônego Sequeira, ao trabalhar com a Educação Lúdica em todas as

áreas do conhecimento, com ênfase na Educação Física, mostra avanços em seu

sistema de avaliação, adotando as modalidades processual, formativa e

diagnóstica para averiguação da aprendizagem e para possível reestruturação

das ações pedagógicas futuras.

Quanto ao plano curricular, a inclusão da Educação Lúdica tem sido um

fator de destaque na construção do saber do aluno, bem como um recurso de

inserção social. Nesse sentido, o plano inclui brinquedos e brincadeiras,

adivinhações, tipos populares, maneiras de viver, trabalhar, cantos, cantigas de

roda, parlendas, contação de causos, coreografias tradicionais da comunidade,

festas cíclicas, pula cordas, cabra-cega, pegador entre outros. Grande parte das

brincadeiras e informações culturais é extraída dos próprios participantes para

valorizar e conhecer os hábitos e costumes da comunidade, pois sendo os

portadores, os alunos podem ver significado no que aprendem e percebem a

dimensão da vida social do contexto onde vivem.

O currículo de Educação Física é constituído das modalidades de esporte,

ginástica e recreação.Nessa Instituição, o lúdico impulsiona sensibiliza atitudes de

cordialidade rompendo com os continuuns que levam à violência no contexto

escolar. Através da brincadeira, o aprendiz recria todas as suas potencialidades e

31

recupera sua liberdade tanto em face das determinações do sentido quanto em

face das determinações da razão. Pode-se afirmar, então, que essa “disposição

lúdica suscitada pelo belo é um estado de liberdade para o homem” (SCHILLER,

1995, p. 16).

É assim que se percebe o valor do lúdico, inserido no contexto da prática

pedagógica da Escola Municipal Cônego Sequeiro, resgatando brincadeiras

populares e tradicionais, o que também, implica na presença do prazer e da

alegria, além de estar intimamente ligado ao sentimento de liberdade.

Nesse sentido, percebemos que o lúdico incluído nas práticas da Escola

encontra a capacidade criadora do aluno e provoca as formas de se manifestar na

vida. Assim, essa estratégia supõe-se a instauração do conflito, residindo então,

seu poder revolucionário e transformador.

Portando, pode-se compreender que o ser humano se desenvolve e se

transforma pelo impulso lúdico e adota uma nova postura existencial, que afirma

sua cidadania com dimensões criativas que expressam o ser pleno.

Conseqüentemente ele deixa de existir simplesmente para se (re) criar no devir,

alcançando a sua liberdade e autonomia de ser, perfil indispensável ao cidadão

do século XXI.

32

CONCLUSÃO

Para o aluno, principalmente do 1º Ciclo, o brincar é uma forma básica de

expressão, parte integrante do fazer e do viver. Por meio da brincadeira, ela

estabelece suas relações primeiras com o mundo, com a realidade. É também

uma das formas de compreender o não-brincar. O jogo simbólico, o faz-de-conta,

o uso constante da imaginação e do lúdico favorecem o desenvolvimento do

processo reconstrutivo da linguagem, do pensamento lógico e da inteligência

emocional, pois, por meio do simbolismo, o aprendiz pode interpretar

acontecimentos, resolver conflitos e lidar com sentimentos tais como medo, raiva

e desejos. Brincar é, portanto, dar novos significados à realidade e percepções.

Pode-se ver na brincadeira uma articulação para trabalhar o currículo. Nesse

sentido, a Educação Física tem a possibilidade de trabalhar as brincadeiras em

uma abordagem pedagógica. Na brincadeira o educando recria e repensa sua

cultura e comparando-a com outras.. Ao assumir papéis, o aprendiz tenta

entender e interpretar as atitudes e os comportamentos e costumes culturais.

Para brincar, no entanto, ela precisa manter certo distanciamento do

adulto, criando um tempo e um espaço psicológicos em que se manifesta mais

livre e espontaneamente. O papel do adulto nessas situações, é o de oferecer-lhe

um clima seguro, ameno, confortável, harmonioso, em que haja o mínimo de

interferências procurando compreender o que ocorre e observar suas reações nos

jogos para perceber reflexos de como o mesmo pode estar percebendo o mundo

dos adultos e de seus pares. Essa forma de trabalho garante ao aluno o direito de

brincar para aprender de aprender brincando, de brincar para comunicar-se e

33

relacionar-se com outras pessoas através do lúdico e ao mesmo tempo conhecer

sua cultura.

O mundo do saber é um mundo de múltiplas linguagens, de diferentes

formas de expressão. O mundo de conhecimentos inumeráveis. Assim é preciso

ganhar nesse contexto bons caminhos para nele aventurar-se em um jogo, uma

mágica, uma fantasia, uma forma de trabalho, um aprender e um crescer

constantes.

A Educação Básica falha quando não tem nem busca competência para

garantir o direito de o aluno aprender, associando essa aprendizagem às mil

faces da imaginação da utopia, do sonho, da esperança e da recriação e da

reinvenção da vida.

Nessa fase de escolarização, brincar, viver, aprender são palavras que

significam uma e a mesma coisa. Para todo aprendiz do Ensino Básico, não só a

alfabetização, mas todo processo de escolarização deveria ser tempo de

aprender, sem perder o sabor do brincar, de ser feliz e da vivência lúdica.

Por essa razão, brincar é uma realidade cotidiana na vida do aluno, e para

que brinque é suficiente que não seja impedido de exercitar sua imaginação. A

imaginação é um instrumento que lhe permite relacionar seus interesses e suas

necessidades com a realidade de um mundo que pouco conhece; é o meio que

possui para interagir com o universo dos adultos, universo esse que já existia

quando ele nasceu e que só aos poucos poderá compreender. A brincadeira

expressa a forma como ele reflete, ordena, desorganiza, destrói e reconstrói o

mundo à sua maneira. É, também, um espaço onde pode expressar, de modo

34

simbólico, suas fantasias, desejos, medos, sentimentos agressivos e os

conhecimentos que vai construindo a partir das experiências que ele vive.

Portanto, as atividades lúdicas favorecem os aspectos cognitivos e

socialização dos aprendizes, de forma criativa, desenvolvendo o imaginário e a

personalidade deles. E nesse tocante a Educação Física tem muito a contribuir.

Conseqüentemente, o simples ato de brincar desenvolve nos alunos as

cumplicidades espontâneas, fazendo com que eles descubram o lúdico para que,

através do real e do imaginário, possam verdadeiramente reconstruir a realidade.

Ainda, convém ressaltar que a Escola Municipal Cônego Sequeira, ao

utilizar a estratégia metodológica lúdica para a construção do conhecimento,

aponta uma direção correta para a aprendizagem, o resgate da cultura e a

socialização no 1º Ciclo.

35

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