Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

106
5/16/2018 Herkenhoff-ComoAplicaroDireito-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 1/106 •JOÁO BAPrISTA HERKENHOFF Professor e pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em Direito pela PUC-RJ. Livre-Docente. Pós-doutoramento na Universidade de Wisconsin, com passagem pela "New York University" e estágio na ONU. Pós-doutoramento na Universidade de Rouen ( F r a n ~ a ) . P a r t i c i p a ~ a o na 21" Sessao do Instituto Internacional de Direitos do Homem ( F r a n ~ a ) e no Congresso Internacional Isl8mico - Crismo ( F r a n ~ a ) . Membro atual, um dos fundadores e primeiro presidente da Comissao " J u s t i ~ a e paz" da Arquidiocese de Vitória. Um dos fundadores e primeiro presidente da A s s o c i a ~ a o de Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo. Membro do Instituto dos Advogados do Espírito Santo, da Academia Espírito-santense de Letras, da A s s o c i a ~ a o "Juízes para a Democracia", de Sao Paulo, e do Centro "Heleno Fragoso" pelos Direitos Humanos, de Curitiba. Advogado, Promotor de J u s t i ~ a , Juiz do Trabalho e Juiz de Direito. COMO APLICAR O DIREITO CA LUZ DE UMA PERSPECfIVA AXIOLÓGICA, FENOMENOLÓGICA E SOCIOLÓGICO-POLÍTICA) 3 " e d i ~ a o Revista, ampliada e atualizada FORENSE Rio de Janeiro 1994

Transcript of Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

Page 1: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 1/106

•JOÁO BAPrISTAHERKENHOFF

Professor e pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo.Mestre em Direito pela PUC-RJ. Livre-Docente. Pós-doutoramento

na Universidade de Wisconsin, com passagem pela "New York University"e estágio na ONU. Pós-doutoramento na Universidade de Rouen ( F r a n ~ a ) .

P a r t i c i p a ~ a o na 21" Sessao do Instituto Internacional de Direitos do Homem ( F r a n ~ a ) e no 2° Congresso Internacional Isl8mico - Crismo ( F r a n ~ a ) . Membro atual,

um dos fundadores e primeiro presidente da Comissao " J u s t i ~ a e paz"da Arquidiocese de Vitória. Um dos fundadores e primeiro presidente

da A s s o c i a ~ a o de Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo.Membro do Instituto dos Advogados do Espírito Santo, da Academia

Espírito-santense de Letras, da A s s o c i a ~ a o "Juízes para a Democracia",de Sao Paulo, e do Centro "Heleno Fra goso" pelos Direitos Humanos,

de Curitiba. Advogado, Promotor de J u s t i ~ a , Juiz do Trabalho e Juiz de Direito.

COMO APLICAR ODIREITOCA LUZ DE UMA PERSPECfIVA AXIOLÓGICA,

FENOMENOLÓGICA ESOCIOLÓGICO-POLÍTICA)

3 " e d i ~ a o Revista, ampliada e atualizada

FORENSERio de Janeiro

1994

Page 2: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 2/106

H546c

85..()9()6

1" e d i ~ a o - 19792a e d i ~ o o - 19863" e d i ~ i i o - 1994

© Copyright

Joáo Baptista Herkenhoff

CIP-Brasil. C a t a l o ~ a o - na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros. RJ.

Herkenhoff. Jo áo BapUstaComo aplicar o direitc" ; (a luz de urna paspectiva axiológi

ca. fenomenológica e sociológico-política) I Jooo Baptista Herke-

nhoff. - 3' ed., rev., ampL e atualizada. - Río de Janeiro ; Ed.Forense. 1994.

Inclui referencia s bibliográficas e apendice.

1. J ~ a (Ciencia do direito). 2. Direito -Interpreta~ á o e c o n s t r u ~ a o . 3. Direíto - Filosofia. 1. Título.

CDD-340.1

. Proibi.da a r e p r o d ~ total ou parcial. íncluindo a r e p r o d u ~ i í o de apostilas apartir deste bvro, de qualquer forma ou qualquer meio eletrfmico ou medinico, inclusive através de processos xerográficos, de fotocópia e de g r a v a ~ , sem permissao expressa do Editor. (Leí n° 5.988, de 14.12.1973.)

h A v i o l a ~ de direito autoral constitui c r i ~ , passível de pena de d e t e n ~ o de

tres meses a um ano, ou multa. Se houver r e p r ~ l i o , por qualquer meío, da obra intelectual, no todo ou em parte, sem a u t o r i z a ~ a o expressa do autor, com intuito de lucroa pena será de reclusiío de um a quatro anos, e multa. Incorre na mesma pena q u e ~ vende, etlpOe avenda, aluga, introduz no país, adquire, oculta, empresta, troca ou teme ~ depósito, com intuito de lucro, obra intelectual, importando assim v i o l a ~ o de direlto autoral. Na p r o l ~ a o de s e n t e n ~ a condenatória, o juiz determinará a d e s t r u i ~ i í o da

p r o d u ~ a o ou r e p r o d u ~ a o criminosa. (Art. 184 do Código Penal brasileiro, com nova red a ~ a o dada pela Lei n° 8.635, de 16.03.1993.)A EDITORA FORENSE nao se responsabiliza por conceitos doutrinários, con

c e ~ ó e s ideológicas, referencias indevidas e possíveis d e s a t u a l i z a ~ ó e s da presenteobra. Todos os pensamentos aqui exarados sao de inteira responsabilidade do autor.

Reservados os direitos de propriedade desta e d i ~ a o pela

COMPANHIA EDITORA FORENSEAv. Erasmo Braga, 299 - 1°, 2° e r andares - 20020-000 - Río de Janeiro-RJ

Rua Senador Feijó, 137 - Centro - 01006-001 - Sao Paulo-SPRua Guajajaras, 1.934 - Barro Preto - 30180-101 - Belo Horizonte-MG

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

SUMÁRIO

(Os números referem-se as páginas.)

Principais Trabalhos do Autor

Apresentaráo da 3D

ediráo . . .

Comentários sobre este Livro, Publicados ao Ensejo da Primeira

e Segunda Ediróes. . . . . . . . . . . . .

Livros Capixabas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ., . . .

Urna Porta para o Homem no Direito Criminal . . . . . . . . . .

Trecho do Comentário do Professor Plauto Faraco tkAzevedo

Capítulo1

INTRODU<;:ÁO

1. D e f i n i ~ a o do Trabalho e sua Importancia .. . .

2. Estrutura Adotada . . . . . . . . . .

3. Objetivos Teóricos Perseguidos

Capítulo 11

HERMENÉUT ICA E APLICA<;:ÁODO DIREITO

4. Henneneutica: Conceito e Aspectos Gerais .. . . . . . . . . .

5. Lei como Fonna de C o m u n i c ~ a o Humana . . . . . . . . . . .

6. Henneneutica, I n t e r p r e t a ~ a o , A p l i c a ~ 1 i o e I n t e g r a ~ a o do Direito

7. E v o l u ~ a o da Henneneutica em Prol de um Direito Centrado noHomem e no Povo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Capítulo II I

IX

XIII

xvnXXI

XXIII

. XXVII

1

2

5

6

7

10

MOMENTOS (OU PROCESSOS) DA INTERPRETA<;:ÁO JURÍDICA

8. Conceitos e Espéc ies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Page 3: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 3/106

VI JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

9. Momento (ou Processo) Literal Gramatical ou Filológico.

10. Momento (ou Processo) Lógico ou Racional ...... .

11. Momento (ou Processo) Sistemático ou Orgaruco .... .

12. Momento (ou Processo) Histórico ou Histórico-evolutivo

13. Momento (ou Processo) Teleológico

14. Momento (ou Processo) Sociológico

Capítulo IV

ESCOLAS HERMENEUTICAS

15. Conceito e Divisao . . . . . . . . . . . . . . .

16. Escolas de Estrito Legalismo ou Dogmatismo.16 .1 - Escola da Exegese . . . . . . . . . . . . . . . . . .16.2 - Escola dos Pandectistas . . . . . . . . . . . . . . .16.3 - Escola Analítica de Jurisprudencia . . . . . . . . .

17. Escolas de Rea¡;:ao ao Estrito Í..egalismo ou Dogmatismo .

17.1 - Escola Histórica do Direito . . .17.1.1 - Escola Histórico-dogmática17.1.2 - Escola Histórico-evolutiva . . . . . . .

17.2 - Escola Teleológica. . . . . . . . . . . . . .

18. Escolas que se Abrem a urna Interpreta¡;:áo mais Livre .....18.1 - Escola da Livre Pesquisa Científica . . . . . . . . . . . .18.2- Escola do Direito Uvre . . . . . . . . . . . . . . .18.3 - Escola Sociológica Americana . . . . . . . . . . .18.4 - Escola da JurisprudSnciade Interesses ....... . . . . . .18.5 - Escola Realista Americana . . . . . . . . . . . . . . . . . . .18.6 - Escola Egológica. . . . . . . . . . . . . . .18.7 - Escola Vitalista do Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Capítulo V

A APLICA<;AO DO DIREITO NUMA PERSPECTIVA AXIOLÓGICA,FENOMENOLÓGICA E SOCIOLÓGICO-POLÍTICA

19. Urna Tríplice Perspectiva na Aplica¡;:áo do Direito . . . . . . . . . .

20. A Aplica¡;:ao do Direito numa Perspectiva Axiológica " . . . . . .20.1 - Pertinencia da Perspectiva Axiológica na Aplica¡;:ao do Direito20.2 - Argumentos Contrários ~ Vertente Axiológica na Aplica¡;:ao

do Direito. Recusa Preliminar desses Argumentos . . . . . . . .

15

17

19

21

24

27

31

34353738

40

4042

42

44

46485159636569

74

81

8282

83

COMO APLICAR O DlRElTO

20.3 - A Posi¡;:ao da Doutrina em face do Temada Valora¡;:ao daLei pelo Juiz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

20.3.1- A Valora¡;:ao da Lei pelo Juiz na DoutrinaBrasileira ... .20.3.2 - A Valora¡;:ao da Lei pelo Juiz na Doutrina Estrangeira .... .20.3.3 - Valora¡;:ao da Lei pelo Juiz: C o l ~ ó e s Complementares

20.4 - A Crítica Valorativa da Norma e o Sistema Jurídico Brasí1eiro. . . .20.5 - Fundamenta¡;:ao Teórica para a Aplica¡;:áo

Axiológica do Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20.5.1. - Condi¡;:óes Metodológicas que Devem Presidir aAplica¡;:lio

Axiológica do Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20.5.2 - Condi¡;:óes Ideológicas que Devem Orientar a A p l i c ~ o

Axiológica do Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20.5.3 - Condi¡;:óes Éticas relativamente aos Magistrados que tem de

pressupor a Aplica¡;:ao Axio16gica do Direito . . . . . . . . . .20.5.4 - A Hegemonia do Juiz na Vida do Direito, Observadas as

Condi¡;:óes que se Colocam . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

21. A Aplica¡;:ao do Direito numa PerspectivaFenomenológica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

22. A Aplicacao do Direito numa PerspectivaSociol6gico-política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22.1 - A Essencialidade da A p l i c a ~ Sociológico--política

doDireito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22.2 - O Agasalho ao Direito e aCultura PopuJar como Fundamento de

urna Postura Sociol6gico-Política . . . . . . . . . . . . . . . . . .22.3. - Obje¡;:óes a C o n c e ~ a o Extensivada A p l j ~ Sociológico-Política

doDireito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22.4 - Refuta¡;:ao das Obje¡;:óes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

22.4.1 - A Lei ante o Caso Singular e a M u ~ Social . .22.4.2 - O Conteúdo Subjetivo e Político Inerente a toda

Senten¡;:a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22.4.3 - A Supremacia do Valor Justi¡;:a sobre o Valor

Seguran¡;:a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22.4.4 - Se o Juíz Falha. nao é a Leí que o Salvará . . . . .22.4.5 - A Representatividade Popular dos Juízes . . . . .22.4.6 - A Escola do Direito Justo, Magnaud e o Posicionamento

Assumido neste Livro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22.4.7- Condi¡;:óes para a Utiliza¡;:ao dos Recursos da Informática

Capítulo VI

CONCLUSAO

23. Os Objetivos que este Livro Pretendeu Alcan¡;:ar

VII

8485899192

93

93

94

95

96

96

100

100

101

106107107

109

112115115

120123

125

Page 4: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 4/106

VIII JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

24. Síntese das Perspectivas Propos tas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

25. C o n s i d e r a ~ o e s Complementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

25.1 - A M o d e r n i z a ~ a o e a D e m o c r a t i z a ~ o da J u s t i ~ a como Requisitos

~ ~ ~ ~ ~ ~ : ~ ~ ~ ~ ~ C ~ . d ~ ~ ~ ~ l . ~ t ~ ~ e . n ~ i ~ ~ s ~ . q ~ ~ ~ ~ e a25.1.1 - A Realidade da J u s t i ~ a no Brasil e o Imperativo

d e M u d a n ~ a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

25.1.2 - Medidas em Favor daM o d e r n i z a ~ a o ,

Melhoria eD e m o c r a t i z ~ a o

do Aparelho Judiciário .

25.1.3 - O Poder das Minorias · c ~ ~ ; I ~ s ~ ~ n ~ ' .Transformador. . . . . . . . . . . . . . . . . .

25.2 - A J u s t i ~ a , o Juiz e a L i b e r t a ~ a o do Oprimido ..25.2.1- A J u s t i ~ a como Instrumento de L i b e r t a ~ a o 25.2.2 - A S a l v a ~ a o do Direito pela Arte do Juiz :

25.2.3 - Em Busca de um Direito da L i b e r t a ~ a o .

APENDICE

Entrevista c?:!cedida pelo Autor ao Jornal A Gazeta, de Vitória, po r

Ocaslao do Lanfamento da 1" Edifao deste Livro . . . . . . .

Referencias Bibliográficas . .

Indice Alfabético da Matéria .

125

127

127

127

128

133

133

133

134

135

139

165

173

1" ~

PRINCIPAIS TRABALHOS DO AUTOR

I-LIVROS

l. Na Tribuna do Ministério Público. Cachoeiro de Itapemirim, Editora Mwjo, 1965.

2. Pela Justifa. em Sao José do Calfado. Sao José do C a l ~ a d o / E S , 1971. Impresso na Escola de Artes Gráficas da Uniao dos Lavradores de Vala do Souza.

3. Considerafoes sobre o Novo Código de Processo Civil. Porto Alegre, Ajuris,

1974 (prémio André da Rocha, ano de 1973, conferido pela A s s o c i a ~ a o de Juízes doRio Grande do Sul-lo lugar em Concurso Nacional de Monografias).

4. A FUnfao Judiciária no Interior. Sao Paulo, Resenha Universitária, 1977.

5. Como Aplicar o Direito (a Luz de urna Perspectiva Axiológica, Fenomenoló

gica e Sociológico-Política). Río, Forense, 1979 (l " e d i ~ a o ) , 1986 (2" e d i ~ a o , revista,

ampliada e atualizada) e 1994 (3" e d i ~ a o , novamente revista).

6. Uma Porta para o Homem no Direito Criminal. Rio, Forense, 1980 oa edi

~ a o ) e 1988 (2" e d i ~ a o , corrigida e acrescida).

7. 1.000 Perguntas: Introdufao aCiencia do Direito. Rio, Editora Río, 1982.

8. Como Participar da Constituinte. Petrópolis, Editora Vozes, 1985 (l " e 2-

e d i ~ s ) , 1986 (3- e d i ~ o atualizada, 4", 5" e 6" e d i ~ o e s ) . 9. Introdufao ao Estudo do Direito (a partir de perguntas e respostas). Campi-

nas, Julex Livros, 1987.

10. Constituinte e Educafiío. Petrópolis, Editora Vozes, 1987.

11. Crime, Tratamento sem Prisao. Petrópolis, Editora Vozes, 1987.

12. Dilemas da Educafáo - dos Apelos Populares aConstituifáo. Sao Paulo,

Cortez Editora/Autores Associados, 1989.

13. Direito e Utopia. Sao Paulo, Editora Académica, 1990 (l " e d i ~ a o ) e 1993

(2" e d i ~ a o ) . 14. Instituifoes de Direito Público e Privado. Sao Paulo, Editora Académica, 1992.

15. o Direito dos Códigos e o Direito da Vida. Porto Alegre, Sérgio AntOnioFabris Editor, 1993.

16. Para Gostar de Direito. Sao Paulo, Editora Académica, 1994.

11 - TRABALHOS INSERIDOS EM OBRAS OU

PUBLICA<;OES COLETIV AS

17 .. .A F u n ~ a o Judiciária no Interior: Pesquisa Sócio-jurídica Empíric a" .I n So

ciologia e Direito - Leituras Básicas de Sociologia Jurídica. Organizadores: Cláu dio

Souto e Joaquim Falcao. Sao Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1980.

Page 5: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 5/106

x JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

18. "Magistrados do Interior - O Papel do Juiz na Sociedade Brasileira Interiorana" . In RevistadaOM, Seccional do Riode Janeiro. Río, n° 16, Z' quadrimestre de 1981.

19. "Juiz, Jurisprudencia, J u s t i ~ a " . In Conceitos sobre Advocacia, Magistratura, J u s t i ~ a e Direito. Organizador: B. Calheiros Bomfim. Rio, E d i ~ O e s Trabalhistas,1983.

2O."Constituinte".ln A Universidade Santa Úrsula debate os Grandes Temasda Nova República. Coordenador: Herbert José de Souza. Río, Servi¡;o Gráfico da

Universidade Santa Úrsula, 1985.21. "Depoimento" .In O Direito Achado na Rua. Organizador: José Geraldo deSousa Júnior. Brasilia, Editora Universidade de Brasília, 1987.

22. Verbete " S e n t e n ~ a " . In Digesto do Processo, volume 5. Dire¡;ao geral: Jacyde Assis. Rio, Companhia Editora Forense, 1988.

23. "Crise na F o r m a ~ a o do Jurista e na Ciencia do Direito". In Ensino Jurídico- OAB: Diagnóstico, Perspectivas e Propostas. Cornissao de Ciencia e Ensino Jurídico da OAB (Paulo Luiz Neto LObo, coordenador; José Geraldo de Sousa Júnior e Roberto A. R. de Aguiar, relatores). Brasília, Conselho Federal da OAB, 1992.

III - PRINCIPAIS MONOGRAFlAS E OUTROSTRABALHOS JURÍDICOS PUBLICADOS EM REVISTAS

24. "Da Necessidade de Regularnentar o Trabalho do Preso das Cadeias do Interior, no Futuro Código das Execu¡;oes Penais" Revista dú Conselho PenitenciárioFederal. Brasília, Conselho Penitenciário Federal, ano X, n° 30, julho a dezembro de1973.

25. "Procedimento Sumaríssimo no Novo Código de Processo Civil. AlcanceSocial. Significa¡;ao Maior do que a Prevista. RepercussOes na Organizar,:.il' Judiciária". Informativo Semestral da A s s o c i a ~ á o dos Magistrados do Espírito Santo. Vitória, ano 2, n° 3,8 de dezembro de 1973.

26. " C o n s i d e r a ~ o e s sobre o Novo Código de Processo Civil". Revista Ajuris.Porto Alegre; ano 1, n° 1, julho de 1974.

27. "Pela Institui¡;ao da Justi¡;a Agrária". Revista da Ordem dos AdvogatllJS doBrasil. Rio, ano VI, n° 15,janeiro-abri l de 1975.

28. "Por urna Visao Sociológica do Direito". Revista Litis. Rio, ano J,VI :.

m,junho de 1975.29. "A Corre¡;ao Monetária nos Processos Judiciais !ndependentemente de

Leis Específicas". Revista Ajuris. Porto Alegre, ano II, nO 4, julho de 1975.30. "Visao Sociológica do Direito". Revista da A s s o c : a ~ á o dos Magistrados do

Espírito Santo. Vitória, ano 5, nOs 6 e 7,1975.31. "A Polícia das C o n s t r u ~ o e s e os Direitos da Crian¡;a". Revista de Informa

~ á o Legislativa. Brasília, ano 13, n° 49, janeiro-mar¡;o de 1976.32. "O Novo Código de Processo Civil". Revista Forense. Rio, ano 72, vol.

254, abril-maio-junho de 1976.33. "Novo Código e o Poder Judiciário". Revista Ajuris. Porto Alegre, ano m,

n° 7, julho de 1976.34. "Aspectos Sociológicos da Fun¡;ao Judiciária, nas Comunidades Interiora

nas". Arquivos do Ministério da J u s t i ~ a . Rio, ano 34, n° 141,janeiro-mar¡;0 de 1977.

COMO APLICAR O DIREITO XI

35. "O Poder Político do Judiciário". Revista da Ordem dos Advogados doBrasil. Rio, ano IX, vol. IX, n° 24, janeiro- abril de 1978. . . ,

6. "Os Direitos Humanos e a Paz". Revista de I n f o r m a ~ á o Legislativa. BrasI-lia ano 15 n° 60, outubro-dezembro de 1978.

, 37. : Os Direitos Humanos e sua Prote¡;ao Jurisprudencial" . C o l e ~ á o Encontroscom a C i v i l i z a ~ á o Brasileira. Rio, n° 7, janeiro de 1979.

38. "Lei OrgarlÍca da Magistratura: urna Visao Crítica". Revista Ajuris. Porto

Alegre, ano VI, n° 16,julho de 1979. . .39. "Violencia, Lei e Direito". Revista de Cultura da UmveTSldade Federal doEspírito Santo. Vitória, ano VI, n° 18, ~ u t u b r o - p o ~ e m b ~ o ? e 1980. . " .

40. "Direitos do Homem. Direltos do Indio. Dlfeltos da Farru11a . ~ e v l s t a daOAB, Seccional do Rio de Janeiro. Rio, ano VII, vol. XX, n° 15, l° quadnmestre de

1981.41. "Reforma dos Códigos e Reforma do Poder Judiciário". Revista Forense.

Rio, ano 77, vol. 275, julho-agosto-setembro de 1981. . .42. "A Importancia da Constituinte na Perspectiva das Classes Opnrrudas e de

seus Aliados". Revista da Adufes. Vitória, ano 1, nO 2, julho de 1985.43. "Crime, Tratamento sem Prisao". Revista Agora. Vitória, setembro de

1987. P , l'44. "A Nova Constitui¡;ao e a E d u c a ~ a o " . Revista de Cultura Vous. etropo IS,

ano 82, vol. LXXXII, n° 2, julho-dezembro de 1988. _45. "O Ofício de Jurista a Servi¡;o de um Projeto Popular de T r a n s f o r m a ~ a o So-

cial" . Revista do Instituto dos Advogados do Espírito Santo. Vitória, ano 1, n° 1: 1990:46. "Direitos Humanos como Aspira¡;ao Popular" . Revista da Academia Espl

ri.to-santense de Letras. Vitória, e d i ~ a o comemorativa dos 70 anos de funda¡;ao daAcademia , 1991. .

47. "Ensino Jurídico e Direito Alternativo: ReflexOes para um Debate". ReVistade Direito Alternativo. Sao Paulo, Editora Academica, n° 2, 1993.

Page 6: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 6/106

APRESENTAC;ÁÜ DA 3a EDIC;ÁÜ

É altamente estimulante ter sido convidado pela EditoraForense para rever e atualizar a 3a e d i ~ a o que nosso livro Como

Aplicar o Direito está a l c a n ~ a n d o . Ternos recebido cartas e telefonemas dos mais diversos Esta

dos do Brasil, onde nosso livro tem sido lido e discutido. Ternostambém participado de debates em várias cidades brasileiras. Nessasocasioes ternos tido oportunidade de examinar com professores eestudantes as diversas questoes que este texto propoe.

Após a 2a e d i ~ a o , nosso livro mereceu c o n s i d e r a ~ o e s do

Professor Plauto Faraco de Azevedo que se estenderam por trespáginas de sua excelente Crítica aDogmática e Hermenéutica

Jurídica. Achamos útil integrar. urna pequena parte do texto naspáginas iniciais do presente livro, além da referencia no seguimento da obra.

Também tivemos acolhimento favorável as teses, que preconizamos, nas obras publicadas por Rui Portan ova, Antonio BentoBetioli e Cláudio Souto. As remissoes sao feitas, neste volume, noslocais próprios.

Nao me parece que os pontos polemicos que o livro suscita

tenham serenado. E isto é bom. A discussao e a divergencia saoessenciais ao progresso do saber humano, do Direito inclusive.

A pretensao desta 3a e d i ~ a o já estava presente nas e d i ~ o e s anteriores do livro: contribuir com modesta parcela para o debateem tomo de urna teoria da interpreta<;ao e a p l i c a ~ a o do Direito.

Seguindo a metodologia científica que me pareceu adequada,procurei estudar o fenomeno da a p l i c a ~ a o do Direito e apresenta¡,cerno conclusao, a tese da conveniencia de ser o Direito aplicadoa lt z de urna multiperspectiva, ou seja, axiológica, fenomelógicae sociológico-políticamente.

Page 7: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 7/106

XIV JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

Este livro destina-se, numa primeira vertente, a jUÍzes, advog ~ d o s , . membros do Ministério Público e assessores jurídico-admi?lstratIvos. Em ~ u t r a s palavras: destina-se, em primeiro lugar,a q u ~ l a s pessoas duetamente en vol vidas com a quesHio do Direito,sua mterpreta<;ao e aplica<;ao. Destina-se também aos estudantes

que se preparam, no Curso de Direito, para o exercício futurodessas fun<;6es.

N urna segunda vertente, seria altamente gratificante para mimencontrar leitores entre estudiosos, profissionais e militantes deoutras áreas - sociólogos, políticos, jomalistas, teólogos, cien i staspolíticos, artistas, líderes populares.

Na perspectiva do livro, o tema da interpreta<;ao do Direitonao se encerra no círculo dos especialistas.

O Direito nao deve ser um labirinto no qual só possampenetrar aqueles que tenh51m a senha da inicia<;ao. É preciso que oPOyO assuma a História. Nessa luta pela participa<;ao, haverá op o ~ o de conquistar as chaves de todas as portas que sempreestIveram fechadas para ele, inclusive a do Direito.

A interpreta<;ao e a aplica<;ao do Direito envolvem aspectoséticos e políticos que o saber jurídico sozinho nao é capaz deenfrentar.

Aliás, a questao central desta obra é urna destas que nao podeser resolvida por urna visao concentrica de Ciencia do Direito: Ojurista, inclusive o juiz, é um servo da lei ou um servo do Direito?

Entendemos que o juiz e os demais profissionais do campo

jurídico sao servos do Direito.. .A é t i ~ a ~ o o f í ~ i o judicial manda que o juiz esteja a servi<;o do~ ~ r e : t o . Slgn!ficatIvamente, na magistratura comum, o cargo deJUlZ e denommado "Juiz de Direito".

O advogado peticiona por direitos, luta por direitos privadoso ~ P?r direitos públicos. Em q u a l q ~ e r hipótese, no entanto, contnbUl para a constru<;ao do mundo do Direito.

Penso que o novo Estatuto da Advocacia aborda muito bem

a matéria.No capítulo que cuida da ética da profissao, diz o anteprojeto

em debate que o advogado deve considerar-se defensor da Justi<;a

COMO APLICAR o DIREITO xv

e do Direito. Tem-se como i n f ~ a o disciplinar advogar contraliteral d i s p o s i ~ a o da leí, salvo se a conduta tem pronunciamentojudicial anterior para escusá-Ia, ou se o fundamento da rebeldía éa inconstitucionalidade ou a i n j u s t i ~ a da lei (art. 35, inc. VI, doanteprojeto elaborado pela Ordem dos Advogados do Brasil).

A lei deve servir ao Direito. Porém nem sempre cumpre opapel que a justifica e legitima.

No interior da presente obra podemos ver opiní6es que subordinam a lei ao Díreito. Neste sentido, conferir as c i t a ~ 6 e s e análisesque fizemos das posi<;6es de Homero Freire, Plauto Faraco deAzevedo, Tristao de Athayde, José Aloysio Ribeiro de Souza,LuizFernando Coelho, Pontes de Miranda, Triepel, Eduardo Couture,Gaudemet, Theodor Stemberg, Carnelutti, Karl Larenz e váriosoutros juristas e pensadores brasileiros e estrangeíros.

A meu ver, a questao fundamental resume-se no seguínteponto: quando há um atrito entre a leí e o Direito, tem-se urna

questao ética, um choque de valores, e nao urna questao meramente jurídica e muito menos urna quesmo meramente legal.Busque-se, sem dúvída, primeiramente examinar o caso a decidirsob a luz de urna visao hermeneutica aberta. Fa<;a-se uso dasdiversas possibilidades da interpreta<;ao sociológica, histórica,teleológica etc. Na maioría das hípóteses, verificaremos que a lei,interpretada com sabedoria, pode ajustar-se a valores de Justi<;a.Sobretudo quando se trata de leis discutidas e elaboradas noEstado-de-Direito, em clima de debate e participa<;ao popular.

O bom intérprete encontra quase sempre caminhos para harmonízar a roupagem da lei com o bem comum e as exigencias deJusti<;a que devem ser seu escudo., Mas, ainda assim, devemos considerar a possibilidade da

j:xisrencia de leis contra o Direito. Nesta situa<;ao, como última eIranscendente razao, cumpre proclamar que as decis6es valorativasnao estao no domínio da lei; estao no domínio da Ética.

Entre dois valores - a Ética nos guia - devemos decidir pelovalor de maior hierarquia. Entre o culto da lei e o culto do Direito,o valor de maior hierarquia é o culto do Direito.

JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Page 8: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 8/106

..,

COMENTÁRIOS SOBRE ESTE LIVRO, PUBLICADOS AOENSEJO DA PRIMEIRA E SEGUNDA EDI<;OES

Como Aplicar O DireitoJoao Baptista HerkenhoffRío de Janeíro, Forense, 1979'

Osny Duarte PereiraDesembargador e autor de numerosas

obras sobre economia e política.

Já conhecido dos leitores d e ~ t á Revista, g r a ~ a s a seu excelenteestudo sobre Os Direitos Humanos e sua Proter;iío Jurisdicional,publicado no n° 7, p. 229, emjaneiro de 1979, época muito oportuna, o Dr. Joao Baptista Herkenhoff, renomado Juíz em Vitória,~ I b r i n d a o público brasileiro, especializado, ou nao, com um livrocompacto em d e m o n s t r a ~ a o de cultura e em ensinamentos a juristas, a sociólogos, a parlamentares e a quantos sentirem curiosidadeem conhecer os magistrados em suas e l u c u b r a ~ 6 e s íntimas, em

busca do exercício correto de suas tarefas.Por ser um juiz moderno, familiarizado com os problemas

sociais e políticos de sua época, devorador de livros e imbuído da

vontade de ser justo, íntegro, culto e humano, obviamente, seuestudo, embora embriao para urna tese de concurso adocencia deI n t r o d u ~ a o ao Estudo de Direito, tipos de trabalhos em que oscandidatos buscam agradar os examinadores e para isso escondem-

* Comentário publicado na c o 1 e ~ i i o "Encontros com a C i v i l i z a ~ ¡ ¡ o Brasileira", Rio, n° 20,

fevereiro de 1980, vol. 1Il,nO

2, ps. 220/222.

Page 9: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 9/106

XVIII JoAo BAPTISTAHERKENHOFF

se tanto quanto possível em temas anódinos. Seu estudo, repita-se,é escrito com a paixao dos que cultivam a J u s t i ~ a , como urnabandeira para sua existencia.

O autor nao se perde em sonhos de conseguir a J u s t i ~ a pura,mas aceita que, dentro das contingencias das estruturas estratifi<-:a

das de nos so País, muito se poderá fazer, para mitigar ai n j u s t i ~ a

social imperante.É claro que para urna sociedade onde a visao do justo nao é

comum e identica para todos os seus integrantes, o posicionamentodo juiz toma-se polemico. O magistrado, por dever de ofício, naopode julgar contra a lei, ainda que sob os mais nobres e humanitários propósitos. Acontece que o legislador, por mais contrário que'se apresen e, por vezes, as a s p i r a ~ 6 e s populares e aos 'interessesdos humildes e dos perseguidos, ·ele e s f o r ~ a - s e por vestir suasi n t e n ~ 6 e s com o manto sIa Democracia, da Ordem jurídica e justa

da Liberdade. Assim, por exemplo,ao

lado dos Atos Institucionais,declarava-se em vigor as C o n s t i t u i ~ 6 e s que proclamavam os maisimportantes direitos humanos. Para interpretar um Código Civilextremamente conservador e anti-social, como o de 1916, a Lei deI n t r o d u ~ a o de 1942, em seu arto 5°, determina que, "na a p l i c a ~ a o da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e as

exigencias do bem comum". Essas c o n t r a d i ~ 6 e s do legisladorencontradas, sejam nas leis constitucionais, sejam nas ordinárias,possibilitaram a magistratura nacional humanizar inúmeros institutos de Direito e atribuir aos textos, através da jurisprudencia,sentido, muitas vezes, diametralmente oposto a vontade dos queos redigiram. O papel do juiz inteligente, íntegro e humano édesvendar os caminhos para que a lei injusta se tome justa,armando raciocínios lógicos e suscetíveis de ganhar, pela culturae pela autoridade moral, o apoio do juiz conservador e equivocadodos escal6es superiores. Na doutrina, há inúmeros autores embotados pela d e f o r m ~ a o do tecnicismo jurídico, mas há, em muitomaior número, os que explicam os institutos da ciencia jurídica,pelo prisma do humanismo, do equilíbrio e de urna ordem maisjusta para a sociedade. Pesquisar esses textos, como fez Herkenhoff, divulgá-Ios, repetindo-os nos arrazoados, nos pareceres e

COMO APLICAR O DIREITO XIX

nas s e n t e n ~ a s é dever dos que buscam exercer a profissao comdignidade.

Há no li vro de Herkenhoff muitos conceitos dos quais se podedivergir. Nao se deve reconhecer ao juiz direito de julgar contra alei nem de falsear os fatos, para produzir urna decisao, a seu ver,

justa. Direito na sociedade em que vi vemos é o ordenamentocontido na lei. Muito importante para a comunidade é que o juizpreserve sua autoridade, através de probidade também dos raciocínios para aplicar a lei, envólucro do Direito. O juiz (nao) é odireito tomado homem, como afirmara Calamandrei, numa frasedestinada a colher efeito de retórica, na Itália de Mussolini, em quenao havia nem Poder Judiciário nem Direito. Nao pode o juiz, compatemalismo, gerar na comunidade a perigosa c o n v i c ~ a o de queas leis sao boas e que seus intérpretes, por vezes, nao prestam.Como bem assinala o Autor, numa de suas conclus6es, "o oprimido deve ser agente de sua própria l i b e r t a ~ a o ... Ap r o p o r ~ a o que ooprimido possa ter p a r t i c i p a ~ a o na feitura da lei, a leí pode viabilizar r e i v i n d i c a ~ 6 e s dos oprimidos e representar urna s u p e r a ~ a o \las s i t u a ~ 6 e s de opressao".\ Como se ve, o livro agita temas fascinantes e exp6e tudo numalinguagem clara e assimilável como o enredo de um bom romance.Demonstra coragem, pureza de sen imen os e leva o leitor a ummundo importante, oculto nos bastidores dos tribunais.

Page 10: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 10/106

LIVROS CAPIXABAS

Joao Baptista Herkenhoff,

Como Aplicar o Direito, ForenseRio de Janeiro, 1979·

Renato Pacheco

Trata-se da tese com que oA,

brilhantemente, foi aprovadono recente concurso para livre-docente, patrocinado pelo Centro\de Ciencias Jurídicas e Económicas da Universidade Federal doEspírito Santo. Sobre o mérito indiscutível do trabalho, melhor doque eu, falou a douta Banca Examinadora, composta dos eminentesmestres, Drs. Hariolus Amancio Pereira, Machado Paupério, HelioTornaghi e Desembargadores José Vieira Coelho e Cristalino deAbreu e Castro. Objetiva, o distinto magistrado, ensinar estudantes, advogados, membros do Ministério Público e da Magistraturaa aplicar o Direito a uz de urna multiperspectiva, tanto valorativa,quanto existencial, social e política. Analisa o conceito de herme

neutica e os processos da mesma, suas escolas, através do tempo.O capítulo V é como o cerne do trabalho, em que o A deu mais desi. Seguem-se as conc1us6es e alentada bibliografia. O leitor,principalmente o nao leigo, pode discordar de muitos dos conceitosemitidos pelo A, principalmente aqueles mais eivados de paixao,ou emocionalismo circunstancial, porém tem de concordar que nosencontramos diante de um texto de um real e bem formado doutorem Direito.

* Comentário publicado no jornal A Gazeta, de Vitória, e d i ~ ¡ ¡ o de 4 de outubro de 1979.

Page 11: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 11/106

UMA PORTA PARA O HOMEM NO DlREITO CRIMINAL'

Joao Baptista HerkenhoffRio de Janeiro, Forense, 1980

Homero Junger Mafra**

, "Contudo, Osistema legal vigente pode ser menos desumano,\menos distante do povo, através da arte e da consciencia do juiz.

Ou se terá um Direito mais justo, pela atua9aO do juiz, ou naose terá nada. Em outras palavras: se o juiz falhar na sua missao dehumanizar a lei, de estabelecer o ajustamento entre os valores da

lei e os valores do povo -, muito pouco ou nada restará de útil,socialmente útil, na lei" .

(Joao Batista Herkenhoff, Como Aplicar o Direito.)

Se em Como Aplicar o Direito Joao Baptista Herkenhoff tra9aas linhas teóricas de seu pensamento como magistrado, em Urna

Porta para o Homem no Direito Criminal ele mostra que o direitopode e de ve ser reinterpretado, adaptando a norma aos valores do

povo.Esta mesma preocupa9aO é do juiz Álvaro Mayrink, tal vez onome mais conhecido da gera9ao de novos juízes que buscam, pelafor9a de suas senten9as, tentar fazer voltar a cren9a do povo noJudiciário.

* Nao obstante se trate de comentário sobre outro livro do autor, é aqui incluído porque fazreferencia a Como Aplicar o Direito e mantém conexao com temas debatidos nesta obra.Publicado na Revista de CuLtura da Universidade FederaL do Espírito Santo, ano VI, n° 18,

outubro/novembro de 1980.

** Advogado, Professor na Universidade Federal do Espírito Santo.

Page 12: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 12/106

XXIV JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Confesso que nao esperava em Uma Porta para o Homem no

Direito Criminal apenas a p u b l i c a ~ a o das s e n t e n ~ a s que, quandojuiz em Yila Yelha, teve ocasiao de realizar. Todos os que sabíamosdo l a n ~ a m e n t o do livro esperávamos que, além das s e n t e n ~ a s , oprofessor Joao Baptista Herkenhoff nele fizesse inserir os funda

mentos teóricos em que se baseou para estabelecer o "ajustamentoentre os valores da lei e os valores do povo" . Desta forma, teríamospossibilidade de ver discutida a validade ou nao da a p l i c a ~ a o danorma supralegal, no Direito Penal.

Em recente entrevista a O Pasquim, o juiz Álvaro Mayrinkafirma que: "A J u s t i ~ a Brasileira, pela sua própria t r a d i ~ a o , éconservadora e, dentro do aspecto conservador da j u s t i ~ a , é óbvioque somos urna minoria". Refere-se ele aos juízes que tentam,dentro de urna visao sociológica, adaptar a lei aos valores do nossotempo, tornando, com isso, a j u s t i ~ a menos estática, fugindo do

dogmatismo, rompen do com o positivismo. Infelizmente, a imensamaioria de nossos magistrados nao procura localizar o texto legaldentro de nossa época. Apegando-se ao texto, muitas vezes superado, representam um papel de guardiao do status qua pois a leibeneficia, nitidamente, a camada privilegiada da p o p u l a ~ a o .

Ao apresentar seu livro, diz Herkenhoff:"Nenhum juiz, mais que o de primeira instancia, é testemunha

tao rente da t r e p i d a ~ a o social, é vizinho tao próximo da miséria eda doro Se abdica da sua missao de atualizar e humanizar a lei, denegar sua a p l i c a ~ a o ao caso concreto que foge da a b s t r a ~ a o docomando genérico, de retificar rumos jurisprudenciais que considera inadequados avida que geme cá em baixo, esvazia-se, emmuito, o papel social do magistrado."

. E o que prega, J oao Hefkenhoff realiza. Em urna s e n t e n ~ a quenao consta no livro porque mais recente, vai contra a súmula doSupremo Tribunal Federal, ao conceder habeas corpus, em casode i d e n t i f i c a ~ a o criminal, por entender, ao contrário daquela Corte,que a i d e n t i f i c a ~ a o criminal de quem já é civilmente identificadoconstitui constrangimento ilegal. Ao assim proceder, retoma anterior o r i e n t a ~ a o do Supremo, mais liberal, que mais tarde veio a serrevogada. Esta decisao restabelece, pelo menos na área sujeita asua j u r i s d i ~ a o , a o r i e n t a ~ a o liberal que merece predominar.

COMO APLICAR O DIREITO xxv

Talvez, a s e n t e n ~ a que melhor reflita a o r i e n t a ~ a o de JoaoHerkenhoff seja a que concede habeas corpus a presidiário egressoda Penitenciária na véspera. Ao fundamentar sua decisao, ensinao magistrado:

"Yadio é quem se entrega aociosidade, sendo válido para otrabalho, é quem nao trabalha por p r e g u i ~ a , exc1uído, lamentavel

mente, do alcance do artigo o play-boy, o p r e g u i ~ o s o rico porquea lei brasileira se divorciou do ensinamento de Paulo Apóstolo:

'Quem nao quer trabalhar, nao coma' , aceitando, como lícito,ser parasita, contanto que se tenha dinheiro."

Mas a grande importancia do livro está no fato de que traz adiscussao, para todos os que lidam com o direito, a f u n ~ a o do jurista.

Qua,o papel do jurista quando alguém, infringindo a lei, naoinfringe ~ regras de seu grupo?

Nesta pergunta, na resposta a ela, define-se o jurista. Cabe aele o papel de mecanicamente aplicar o texto legal ou é sua f u n ~ a o , l a n ~ a n d o a luz sobre o texto, decidir com os valores que traz o réu?

Joao Baptista Herkenhoff, que é finalista, isto é, julga o dolopela a ~ o , entendendo que a culpabilidade é um juízo de valor, sótendo sentido a norma em termos de relevancia social, responde,nas 231 páginas de seu livro, a esta pergunta. Em suas s e n t e n ~ a s , busca observar a s i t u a ~ a o do réu, adequando a norma a ealidadeem que vive aquele que, pretensamente, a violou.

Esta a l i ~ a o maior do livro. Um livro corajoso, onde o autornao tem medo de renovar e, renovando, atingir privilégios ou

des sacralizar o direito.Se a nova g e r a ~ a o de advogados compreender a importanciadestas l i ~ 6 e s , o direito deixará de ser instrumento de d o m i n a ~ a o para ser, efetivamente, fator de m u d a n ~ a .

Neste sentido, no Espírito Santo, Joao Baptista Herkenhoffaprofunda as l i ~ 6 e s de um reduzido grupo de magistrados quesempre entenderam que, em todos os campos, as páginas doprocesso nao sao apenas um texto frio, porque neles pulsa osentimento humano. Repensando e adequando o direito as suasverdadeiras e reais f u n ~ 6 e s , entendendo como Camus, "que da lei

Page 13: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 13/106

XXVI lOAO BAPTISTA HERKENHOFF

se prevalecem os opressores, mas o direito é dos oprimidos" , JoaoHerkenhoff produz obra notável, que deve ser lida e discutida por

todos aqueles que acreditam poder ser o direito fator de transfor

m a ~ a o .

\

TRECHO DO COMENTÁRIo DO PROFESSOR PLAUTO

FARACO DE AZEVEDO, EM SUA OBRA CRÍTICA ADOGMÁTICA E HERMENÉUTICA JURÍDICA, PS. 69 A 76.

"A s u p e r a ~ a o do positivismo jurídico é indispensável a ons

t r u ~ a o de urna hermeneutica material no direito que permita transp a r e ~ a m e se evidenciem os interesses em questao, demandando,

inequivocamente, o p ~ 5 e s , que sup5emjuízos valorativos sobre osdados de fato e de direito das s i t u a ~ 5 e s em que se manifestam.

Nessa perspectiva o trabalho do jurista e do juiz precisa sercriativo. E o juiz, "para exercer urna f o r ~ a progressista dentro da

sociedade, tem que ser aberto ao mundo, tem que se e s f o r ~ a r porampliar urna cultura multidisciplinar. Jamais pode ser homem de

urna ciencia só. Jamais poderá ser umjuri sta apenas, no sentido deespecialista do direito"(Joao Baptista Herkenhoff, Como Aplicaro Direito, ps. 158-9). Se tiver se preparado para ser criativo, naoprecisará esperar passivamente a m o d i f i c a ~ a o das leis para exercer

na sua plenitude suas f u n ~ 5 e s , até porque, como é fartamente

sabido e vivenciado pelo POyO e pelos juristas brasileiros, nao sepode identificar a m u l t i p l i c a ~ a o das leis ao progresso do direito.Antes conduz aquela ao casuísmo gerador do cipoal legislativo

inconsistente, em que se esfumam e confundem os direitos edeveres dos cidadaos, semeando a perplexidade e complicando otrabalho do juiz.

A criatividade do juiz nao exclui ou afasta a s e g u r a n ~ a jurídica. A este respeito pode-se perceber o acerto da perspectivaapontada por J oao Baptista Herkenhoff, propugnando por urnaa p l i c a ~ a o sociológico-política do direito, que "nao erige o subjetivismo como preceito, porque nao determina que o juiz imponhaseus valores pessoais na s e n t e n ~ a . Pelo contrário, alerta-o sobre a

necessidade de procurar traduzir o sentimento de j u s t i ~ a da comu-

Page 14: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 14/106

XXVIII JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

nidade ( ..), incentiva sua capacidade de capta<;ao da alma do POyO,

aponta, como repositórío de julgamentos, nao apenas os livros dedoutrina e a cataloga<;ao da jurisprudencia, mas a vida, o jornal, acronica do dia, o rosto da rua, o perfil dos barracos, as filas deonibus, os caminh6es que conduzem os operários, as crian<;asfamintas"(Herkenhoff, Como Aplicar o Direito, p. 113).

Sem dúvida, a percep<;ao e o sentimento da vida e da situa<;ao.do POyO pelos magistrados fortalecerao a seguran<;a jurídica, amenos que seja essa associada aos interesses de uns poucos edissociada dos interesses da maioria. "Jamais se poderá, em nomeda seguran<;a, consagrar a in usti<;a ou justificar a senten<;a contráría ao bem comum" (Herkenhoff, ibid., p. 115). O juiz tem quemanter-se dentro do sistema jurídico, mas "a legisla<;ao estatal éapenas o núcleo estável, a linha de referencia do ordenamentojurídico positivo do Estado. A legisla<;ao é estática; o ordenamentoé dinamico" , propiciandG recursos para que o juiz decida em paz

de consciencia (Herkenhoff, ibid., p. 171).Recusar decididamente, por inadmissível, o subjetivismo ju

dicial, nao importa em assumir urna ideologia da seguran<;a que aidentifique com o imobilismo social. A esse respeito bem ponderaJoao Baptista Herkenhoff que, "nessa visao de mundo, há urnaúnica tensao - a ordem e a desordem, a lei e o desrespeito a ei.Prevale<;a a ordem e a lei e o mundo estará salvo. Quem identificaEstado-Ordem-Lei-Justi<;a nao aceita o acolhimento de qualquerDireito que nao seja o estatal, nem a absor<;ao, pelo jurista, dosreclamos de Justi<;a do POyO, do clamor das grandes massas,

quando esses reclamos nao tem o beneplácito expresso do legislador. Esta é urna percep<;ao míope da realidade social... Faz tabula

rasa da tensao entre a ordem estabelecida e a ordem desejada"(Herkenhoff, Como Aplicar o Direito, p. 116).

O caminho da seguran<;a jurídico-social acha-se exatamenteno adequado encaminhamento dessa tensao imanente ao processohistórico. Ter a ordem estabelecida como inquestionável e, logo,imutável, leva a subestimar as for<;as sociais em ascensao e muta<;ao, conduzindo adesconformidade entre o processo histórico e oprocesso legal que nele se insere."

COMO APLICAR O DIREITO XXIX

(Plauto Faraco de Azevedo, Crítica aDogmática e Herme-neutica Jurídica. Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor,1989).

TRECHO DE OUTROS COMENTÁRIOS PUBLICADOS NAIMPRENSA

"Joao Baptista Herkenhoff, em Como Aplicar o Direito,cuja segunda edi<;ao (Forense, 186 páginas) é, a rigor, livrointeiramente novo, defende, entre outros,·um ponto a ser meditado: seria desejável a participa<;ao popular na Justi<;a. A obra

convoca juízes e juristas para a tarefa de desmistifica<;ao do

pretenso papel de harmonía social da Justi<;a numa sociedadedesarmonica e visceralmente opressora." (Walter Ceneviva, Folha

de Sao Pauto , 19/10/1986.)"Em sua segunda edi<;ao, com trechos inteiramente reescri

tos, lan<;a a Forense a obra Como Aplicar o Direito, de autoria doDr. Joao Baptista Herkenhoff. O livro tenciona contribuir naconstru<;ao de urna teoria da aplica<;ao do Direito, com a experiencia de magistrado e pesquisador de seu autor, com a conscienciado teor político inerente a toda senten<;a." (O Norte, de JoaoPessoa, 30.01.1987.)

"O autor, Juiz de Direito com pós-doutoramento nas Universidades de Wisconsin e New York e estágio nas Na<;6es Unidas,erigiu esta absorvente e importante obra a uz de urna perspectivaaxiológica, fenomenológica e sociológico-política." (Jornal de

Letras, do Rio de Janeiro,janeiro de 1987.)"Urna pesquisa teórica, que trata de problemas relacionadoscom a hermeneutica, a interpreta<;ao e a aplica<;ao do Direito, saiem edi<;ao da Forense: Como Aplicar o Direito, de Joao BaptistaHerkenhoff." (Jornal do Brasil, 20.10.1979.)

"Nao obstante outras obras, no Brasil e no exterior, já tenhamtratado longamente da matéria, o enfoque deste livro (Como Apli-

car o Direito) é original, como originais sao algumas de suascontribui<;6es." (O Dia, Rio de J aneiro, 04.11.1979.)

"Como Aplicar o Direito, do mestre Joao Baptista Herkenhoff, é urna pesquisa relacionada com a henneneutica, contém

Page 15: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 15/106

xxx JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

p e r q u i r i ~ 6 e s que se elevam ao campo da Teoria Geral do Direito,num enfoque original." (Boletim de Informat;iio Fiscal, de JoaoPessoa, m a r ~ o de 1980.)

"O cachoeirense Joao Baptista Herkenhoff, filho de meusantigos mestres dona Aurora e professor Alfredo Herkenhoff,irmao de Paulo e Pedrinho, é urna das c a b ~ a s mais lúcidas da

magistratura capixaba e dele somente se pode esperar coisa boa.(A propósito do livro Como Aplicar o Direito.) Quanto a a t u a ~ a o na difícil missao de julgar, o juiz Herkenhoff tem provado, ao longodos anos, saber conciliar a difícil missao de interpretar a lei comprincípios de pura humanística." (Elimar Guimarii.es, Jornal daCidade, de Vitória, 15.09.1979.)

"A importancia de Como Aplicar o Direito resulta, que r deaspectos teóricos eminentes na Teoria Geral do Direito, quer deaspectos práticos ligados ao exercício das profiss6es jurídicas."(Arlon José de Oliveira, "Ordem Jurídica", Jornal da OAB do

Espírito Santo, f e v e r e i r o - m a r ~ o de 1980.)"O Dr. Joao Baptista Herkenhoff, que jáexerceu a judicaturaemSao José do C a l ~ a d o , acaba de escrever duas excelentes obras: Uma

Porta para oHomem no Direito Criminal e Como Aplicar o Direito."(A Voz do Povo, de Bom Jesus do Itabapoana, RJ, 21.02.1981.)

"U m dos mais cultos juízes do Espírito Santo, além deprofissional hábil e corretíssimo, o juiz Herkenhoff enriquece aestante jurídica capixaba com urna visao cultural do Direito." (ODiário, de Vitória, 16.09.1979.) ~

"O livro Como Aplicar o Direito faz urna análise da a p l i c ~ a o do Direito no Brasil. Defende um posicionamento teórico noexercício da magistratura. Mostra urna postura a ser adotada noexercício da J u s t i ~ a . Interessa nao só a magistrados, advogados,mas aos estudantes das Ciencias Humanas. " (A Tribuna, de Vitória,18.09.1979.)

"E m Como Aplicar o Direito, Herkenhoff coloca o jurista eo juiz diante da realidade do tempo. Joao Baptista descreve ap o s i ~ a o do juiz. Comenta a representatividade popular dos magistrados. Prop6e m o d i f i c a ~ 6 e s no sistema de recrutamento, parafacilitar o desempenho, pelos juízes, da missao de traduzir aspira-

COMO APLICAR O DIREITO XXXI

~ 6 e s populares. O professor Herkenhoff frisa que os presidentesdos Tribunais deveriam ser eleitos por um colégio eleitoral do qualparticipassem representantes da J u s t í ~ a de primeira instancia e docorpo de advogados. A j u s t i ~ a como instrumento de l i b e r t a ~ a o mereceu profundas análises do professor Herkenhoff." (A Gazeta,de Vitória, 04.11.1979.)

OUTRAS OPINIÓES

"Impressionou-me. no seu Como Aplicar o Direito, principalmente a a p r e c i ~ sobre o bom juiz Magnaud, que a críticaapressada nao compreendeu. que os reacionários combatem e queos juízes de uniforme mental acham rebelde e herético. Benditossejamos Galileus!" (Doutor José de Aguiar Dias, advogado no Ríode Janeiro e escritor.)

"Com a acentuada v a l o ~ o sociológico-política da aplica

~ á o do Direito, o seu trabalho (na 2a e d i ~ a o ) é ainda mais importante para fundamentar a v o c ~ a o participativa de nossos estu

dantes e a o r i e n t ~ a o para a conscienciada f u n ~ a o social de nossosjuristas. O Direito como instrumento de o r g a n i z ~ a o social da

liberdade emerge na sua análise que rompe os limites da f o r m a ~ a o tradicional, positivista, de nossas faculdades." (Doutor José Geraldo. de Souza Júnior, professor na Universidade Nacional deBrasília, autor de numerosos livros e conselheiro federal da OAB.)

"Seu livro Como Aplicar o Direito é trabalho de luminosamissao, a do Professor e a do Juiz. Fico particularmente gratificadocom sua atitude avessa a um legalismo estreito, o que é particularmente importante vindo da pena de um juiz." (Doutor CláudioSouto, autor de numerosos livros e professor na UniversidadeFederal de Pernambuco.)

"Tenho buscado em seu livro Como Aplicar o Direito atualizadas conc1usOes ao responder, na Consultoria Legislativa e Parlamentar de Minas, quest6es que exigem i n t e r p r e t a ~ 6 e s condizentescom o momento por que passamos." (Doutora Maria HelenaDamasceno e Silva Megale, professora na Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais.)

Page 16: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 16/106

XXXII JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

"Cumprimento-o pelo seu livro Como Aplicar o Direito,

excelente trabalho, de grande clareza didática, que vem preencher

uma.lacuna." (Doutor Luiz Fernando Coelho, professor na Universldade Federal do Paraná e autor de inúmeras obras.)

"Direito nao é Matemática. Ciencia humana joga com graus

de p r ~ b ~ b i l i d a d e , tudo vai depender da f u n d a m e n t a ~ a o . A lógica

do Dlrelto nao é a lógica da Física. O seu livro é científico clarodidático." (Doutor Paulo de Mello Freitas, magistrado e p r ~ f e s s o ; em Minas Gerais.)

"Concordo plenamente em que o julgador, ao aplicar a lei,

q ~ e . é o direito prometido, e elaborar a jurisprudencia, que é oduelto realizado (Pereira Lira), deve levar em conta o meio social

em que vive, o destinatário de sua decisao, jamais se afastando da

i d é i ~ . de realizar a verdadeira j u s t i ~ a . " (Doutor Chrispim SilvaAraujo, professor na Universidade Federal de Goiás.)

"O tema Direito C) J u s t i ~ a foi tratado com desassombrada

c o e r ~ ~ c i a . ~ e n a é que a estrutura do Poder Judiciário nao permitaaos jUlZeS julgar, f o r ~ a n d o - o s a cumprir urna rotina deformatória

do exercício da magistratura." (Doutor Antonio F. Rodrigues dos

S a n t o ~ , membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, professorna Umversidade Gama Filho e da PUC-RJ.)

"Tanto pela clareza como pela profundidade, agradou-me o

seu Como Aplicar o Direito. Na c o n d i ~ a o de professor de Herme

neutica Jurídica, tenho desenvolvido pesquisa nesse plano de

estudo, o que me habilita, até certo ponto, a avaliar o seu livro que,

sem favor algum, enriquece a literatura jurídica nacional. " (Doutor

Paulo Nader, magistrado, escritor e professor na UniversidadeFederal de Juiz de Fora.)

"Co,,!o Aplicar o Direitoé um magnífico trabalho, que digni~ c a a magIstratura nacional, infelizmente tao pouco chegada a esse

tipo de reflexao, indispensável para que se eleve a ltura da missao

de distribuir j u s t i ~ a , coisa que se nao confunde com a servidao aexpressao 1 i t e r a ~ da !ei." (Doutor Lenine Nequete, magistrado,

professor na Umversldade Federal do Rio Grande do Sul e autorde vasta obra jurídica.)

\ '\

COMO APLICAR o DIREITO XXXIII

"Gostei muito de seu trabalho sobre Como Aplicar o Direito.

A leitura me deu, mais urna vez, a ocasiao de por em dúvida asj u s t i ~ a s do direito, ou os direitos da j u s t i ~ a , dúvida essa que, porduas vezes, me fez trancar matrícula em faculdades de ciencias

jurídicas. Voce tem tanto de poeta quanto de juiz: poeta é aqueleque vi ve sonhando com um mundo melhor, e a incompreensao

que o cerca é mais ou menos a mesma, em qualquer tempo elugar. " (Geir Campos, poeta brasileiro, nascido em Sao José do

C a l ~ a d o , ES.)"O território da Teoria Geral do Direito sempre nos despertou

o maior interesse. Como Aplicar o Direito é c o n t r i b u i ~ a o original,valiosa e que receberá, por certo, a melhor acolhida." (DoutorRonaldo Cunha Campos, escritor e professor na Universidade

Federal de Uberaba.)"Compartilho de seu entusiasmo e ficaria gratificado em ler

outras obras suas (além de Como Aplicar o Direito), para melhor

conhecer-Ihe o pensamento.É

muito importante para todos osjuristas conhecer a experiencia judicante." (Doutor FrancescoChimenti, advogado no Rio de Janeiro e professor.)

"Adquiri dois exeroplares de seu livro Como Aplicar o Di-

reito, para ofertar a dois de meus filhos, uro já formado e outro

ainda estudante de Direito. Suas obras enriquecem qualquer biblio

teca, pela facilidade que tero no manejo das letras jurídicas e pelas

curiosas e corajosas p o s i ~ 6 e s tomadas sobre pilares de inteligente

f u n d a m e n t a ~ a o . " (Doutor Otávio Ferreira Cardoso, advogado em

Belo Horizonte e professor de Direito.)

"Seu livro Como Aplicar o Direito é notável sob todos osaspectos. Quisera ver seus colegas de magistratura coro essa mes

ma coragem, seguindo seu exemplo." (Doutor Sandro Chamon doCarmo, advogado ero Vitória, conselheiro da OAB e ex-Secretário

da J u s t i ~ a . ) "Sou estudante de Direito, na cidade de Varginha, MG, e

quero parabenizá-lo pela autoria do livro Como Aplicar o Direito."

(José Moraes Filho, estudante.)

Page 17: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 17/106

Capítulo 1

INTRODUC;Ao

1. Definiftlo do trabalho e sua importancia

o presente trabalho é urna pesquisa teórica que trata deproblemas relacionados com a hermeneutica, a i n t e r p r e t ~ a o e aa p l i c ~ a o do Direito.

Sua importancia resulta, quer da p o s i ~ a o eminente do assuntonas p e r q u i r i ~ 6 e s da Teoria Geral do Direito, l quer dos aspectos

práticos ligados ao exercício das profiss6es jurídicas.Nao obstante outras obras, no Brasil e no Exterior, já tenham

tratado longamente da matéria, o enfoque desta monografia é

original, como originais sao algumas de suas c o n t r i b u i ~ 6 e s .

2. Estrutura adotada

Dividi o presente estudo em seis capítulos:- o primeiro - esta i n t r o d u ~ a o - , para situar as quest6es que

serao desenvolvidas;

- o segundo, em que trato de quest6es genéricas ligadas ahermeneutica, a i n t e r p r e t ~ a o e a a p l i c a ~ a o do Direito, e ondetermino por apontar o salto que julgo deva ser dado pelo aplicador

A teoria da i n t e r p r e ~ a o é tema da Teoria Geral do Direito. Esta é um conhecimento

epistemológico, portanto filosófico, que constitui o centro da I n t r o d u ~ ¡ ¡ o a Ciencia do

Direito.

Fernando Fueyo Laneri observa que a i n t e r p r e t a ~ ¡ ¡ o jurídica é estudada em variados ramos

do Direito. Contudo, "s u puesto preciso se encuentra en la Doctrina General del Derecho".

Cf. Fernando Laneri Fueyo. Interpretacióny Juez. Santiago de Chile, Universidad de Chile y

Centro de Estudios ' Ratio luris" . 1976. p. 161.

Page 18: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 18/106

2 lOÁo BAPTISTA HERKENHOFF

do D i r ~ i t o , fazendo do homem julgado e das aspira<;6es sociais ocentro Inspirador da Hermeneutica, ponto que é retomado e desenvolvido no quinto capítulo;

- o terceiro, que cuida dos momentos (ou processos) da

interpreta<;ao jurídica;

- o quarto, que versa, abreviadamente, sobre as escolas

hermeneuticas. Estas sao frutos da disputa entre concep<;6es doDireito e posi<;6es em face do labor hermeneutico;

- o quinto, através do qual procuro explicitar urna visao

hermeneutica que nasceu da experiencia pessoal, conjugada com

a reflexao sobre doutrinas e autores, buscando resolver a angústia

de distribuir Justi<;a, em choque com dogmas que era precisodeslindar e discutir;

- o sexto, em que procuro concluir a visao teórica, elaborada

no curso da disserta<;ao, e explicitar os requisitos estruturais que

podem tomar possível o·papel que o livro destina ao juiz.

As considera<;6es gerais sobre a Hermeneutica servem de

prepara<;ao aos capítulos seguintes. Dos processos de interpreta

<;ao, da posi<;ao dos juristas em face da aceita<;ao exclusiva ou da

primazia de urna ou outra técnica, ou critério hermeneutico, emer

gem as escolas hermeneuticas. O estudo destas permite aquilatar a

evolu<;ao do pensamento jurídico no que se refere a nterpreta<;ao

e aplica<;ao do Direito, bem como compreender o alcance e os

limites da contribui<;ao deste estudo ao tema de que cuida.

3. Objetivos teóricos perseguidos

!e?to cooperar na elabora<;ao de urna doutrina da aplica<;ao

do DlreIto, fundamentando urna percep<;ao sedimentada no exer

CÍcio da magistratura trabalhista e comum durante cerca de trinta

a?os. A expressao teórica dessa práxis seria um Direito aplicado,

slmultaneamente, sob a perspectiva axiológica, fenomenológica e

sociológico-política.

A perspectiva axiológica afirma que o juiz é portador de

valores de que impregna suas senten<;as. Há de ser o varao digno

COMO APLICAR o DIREITO 3

que julgue o povo com retidao e veja sempre a Justi<;a a servi<;o do

homem.A perspectiva fenomenológica levará o julgador a descer ao

homemjulgado, buscar seu mundo, compreender suas circunsHln-

cias.A perspectiva sociológico-política possibilitará ao juiz a pes-

quisa dos valores do povo, a identifica<;ao do seu sentimento dojusto, a considera<;ao do homem comum, o desempenho de urna

fun<;ao renovadora e progressista, a rente da lei.As tres perspectivas vao afinal embasar urna visao humanís-

tica do ofício judicial.Essa visao humanística, a meu ver, é a única que pode

possibili tar a liberta<;ao da lei.De outra forma, o sacerdote e o levita continuarao a passar de

largo, deixando sem socorro o ferido de Jericó - homem, masdesconhecido -, que nao entra na fórmula, que nao está compreen

dido no elenco das pessoas que se devem ajudar.

2

2 Cf. Artur Paoli, Diálogo da Liberta,áo, I."boa, Edi .6es Paulistas, 1973, p. 22.

Page 19: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 19/106

CapítuloTI

HERMENEUTICA E APLICAC;Ao DO DIREITO

4. Hermeneutica: conceito e aspectos gerais

Hermeneutica, na sua ace¡J\:ao mais geral, é a i n t e r p r e t a ~ a o do sentido das palavras. 1

Esse sentido das palavras, que cabe a Hermeneutica interpretar, restringe seu campo alinguagem verbal

texcluído, assim, o

conceito amplo de linguagem, aquele que abarca "todas as formasque servem a propósitos comunicativos".2

A palavra hermeneutica provém do grego hermeneúein, in-

terpretar, e deriva de Hermes, deus da mitologia grega, considerado o intérprete da vontade divina. 3

No Organon, de Aristóteles, encontramos o mais remoto

emprego do vocábulo hermeneutica, tal como o traduziu TheodorWaitz, em 1844.

Grande prestígio ganhou a Hermeneutica quando se intensificou o interesse pela i n t e r p r e t a ~ a o das Sagradas Escrituras. Issoocorreu, especialmente, a partir do século XVI, com Mathias

Flacius lllyricus.A Hermeneutica afirma-se como disciplina filosófica em

1756, ano em que Georg Friedrich Maier escreve urna obra,defendendo sua importancia no campo da e s p e c u l a ~ a o . 4

Cf. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário da lingua Portuguesa, Río,

Nova Fronteira, la ed., p. 719.

2 Penn a, AntOnío Gomes, CorrumicClfáo e Linguagem, Río, Fundo de Cultura, 1970, p. 24.

3 Ver Paulo Nader, Introduráo ao Estudo do Direito, Río, Forense, 1982, p. 314.

4 Ce. Naylor Salles Gontijo, Introduráo ii Ciencia do Direito, Río, Forense, 1969, ps. 289/290.

Page 20: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 20/106

6 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Segundo H e i d ~ g g ~ r , a Hermeneutica é o estudo do compreender. C o m p r e e n ~ e r sIgmfica compreender a significa9ao do mundo.a m ~ n d o conSIste numa rede de rela90es, é a possibilidade derela90es. Pode-se organizar o mundo matematicamente; pode-sec o n c e b ~ r o mundo teologicamente; pode-se interpretar o mundocomo lmguagem, que é o que interessa ao hermeneuta. Entao o

m , u n d ~ .se toma dizível, o mundo é convertido na linguagem quenos utIlIzamos.

A Hermeneutica é sempre urna compreensao de sentido: buscaro ~ r q u ~ me fala e o mundo a partir do qual ele me fala; descobriratrás da lmguagem o sentido radical, ou seja, o discurso.5

Heidegger, Husserl e os demais filósofos da corrente fenomenológica entendem que só se possa compreender o homem e omundo a partir de sua facticidade.

6

Dentro dessa concep9ao, toda hermeneutica é urna metafísicaurna ontologia fenomenológica. '

~

5. Lei como forma de comunicaciío humana

A lei.é u ~ a f o ~ a de c o m u n i c ~ a o humana. Forma imperativade c o m u m c ~ a o , destmada a regular a conduta de um grupo social ee m a n ~ de um homem, de um grupo de homens, de urna c1asse, ouda totalidade do grupo social, para traduzir os interesses absolutos da

c1asse minoritária dominante, numa sociedade de opressao i l i ~ t a d a , ou p ~ expressar solU90es de compromisso, numa sociedade onde osdornmados t ~ n h a m p o s s i b i l . i d ~ e de f ~ r valer sua fOf9a, ou paraestabelecer a I g u ~ d a d e e.o dIreIto de todos, numa sociedade que tenha

superado, ou esteJa em VIas de superar, qualquer forma de d o m i n ~ a o e e x p l o r ~ a o .

A h e ~ e n e u t i c a ~ u r í d i c a é parte desse processo de c o m u n i c ~ a o . DaVId Berlo a s ~ m a l ~ a presen9a de seis elementos no processo

completo de comumca9ao: a fonte, o codificador, a mensagem, ocanal, o decodificador e o receptor.?

5 Cf. Martin Heidegger, El Ser y el Tiempo. México, Fondo de Cultura Económica, 1951.

6 ce. M. Medeau·Ponty, Fenonu!fIologiada Percepfiio, Rio, Freitas Bastos, 1971, p. 5.

7 Cf. David Bedo, O Processo da Comunicufiio, Rio, Fundo de Cultura, 1968, p. 36.

COMO APLICAR O DIREITO 7

Creio adequado utilizar O esquema de David Berlo paradissecar o processo de comunica9ao que se efetiva através da lei.Teremos, entao: como fonte, o legislador; como codificador, apalavra escrita; como mensagem, o conteúdo da lei; como canal,o pergaminho, o jornal ou o livro no qual se fa9a o registro do textolegal; como decodificador, a leitura; como receptor, a pessoa a

quem a lei é dirigida, a qual opera o processo de decodifica9ao.Embora a lei seja codificada, normalmente, através da palavra

escrita, urna e x c ~ a o a egra sao os sinais de transito, que obrigam sobsan9ao, com características de lei, e que nao se limitam ao uso da

palavra escrita mas apelam também para o desenho.A palavra sob a forma escrita (em oposi9ao a orma oral) é,

modernamente, o código obrigatório para o legislador.No Brasil, a lei entra em vigor quarenta e cinco dias depois

de oficialmente publicada, salvo disposi9ao contrária.8

Na prática, porém, a palavra escrita nao é o único nem o

principal veículo de comunica9ao entre o legislador e o receptor.a rádio e a televisao noticiam a promulga9ao dás leis antes de suapublica9ao na imprensa oficial. E depois de ter sido a lei publicadao conhecimento de sua existencia também chega ao receptor

oralmente, pela circula9ao verbal da notícia.A comunica9ao será tanto mais fiel quanto menor número de

fatores, nas diversas etapas do processo, influírem na altera9ao da

mensagem que a fonte pretenda transmitir ao receptor.No caso da comunica9ao através da lei, a fonte deve cuidar

da fidelidade amensagem, no momento da codifica9ao. Contudo,

desprestigiada, modernamente, a idéia de que o intérprete deveriadescobrir e revelar a vontade, a inten9ao do legislador, o processo

hermeneutico parte da mensagemjá codificada.

6. Hermeneutica, interpretaciío, aplicac;iío e integraciío do direito

A expressao hermeneutica j urídica é usada com diferente

extensao, ou acep9ao, pelos autores.

8 Cf. arto IOdo Decreto-Lei n° 4.657. de 4 de setembro de 1942.

Page 21: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 21/106

8 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Com freqüencia, ve-se hermeneutica jurídica usada como

sinónimo de i n t e r p r e t a ~ a o da lei.9 Outras vezes, é dado aos vocá

bulos um sentido amplo, que abrange a i n t e r p r e t a ~ a o e a aplica~ a o . l O

Carlos Maximiliano distingue Henneneutica e I n t e r p r e t a ~ a o . A Hermeneutica é a teoria científica da arte de interpreta!. Terrt porobjeto

"o estudo e a s i s t e m a t i z a ~ a o dos processos aplicáveis para

determinar o sentido e o alcance das express6es do Direito" 11

A i n t e r p r e t a ~ a o é a a p l i c a ~ a o da Hermeneutica.12

Ainda Carlos Maximiliano observa que

"interpretar urna expressao de Direito nao é simplesmente

tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é, sobretudo,

9 Miguel Reale fala em hermeneutica ou interpretafiío do Direito. Cf. Lifoes Preliminares de

Direito, Sao Paulo, Saraiva, 1976, p. 273. Paulino Jacques usa como sinónimos interpre-

tafiío da lei, hermeneutica ou exegese jurídica. Cf. Curso de Introdufiío ao Estudo do

Direito, Rio, Forense, 1978, p. 154. A. L. Machado Neto, que se refere a dois sentidos mais

amplos da expressao, afirma que, no sentido restrito, hermeneutica é sinónimo de

i n t e r p r e t a ~ a o , que o terna tradicionalmente arrolado como específico da hermeneutica

jurídica é o da i n t e r p r e ~ a o , seus processos e sua técnica. Cf. Teoria Gual do Direito, Rio,

Tempo Brasileiro, 1966, ps. 233 e 234. Também Naylor Salles Gontijo identifica Herme

neutica Jurídica e I n t e r p r e t a ~ i i o do Direito. Cf. Introdufiío tI Ciencia do Direito, Rio,

Forense, 1969, p. 291. Da rnesma forma, A. B. Alves da Silva. Cf. Introdufiío tI Ciencia do

Direito, Rio, Agir, 1956, p. 270.

10 Paulo Dourado de Gusma o entende que a Hermeneutica Jurídica é a "parte da ciencia do

direito que trata da i n t e r p r e t a ~ o e a p l i c a ~ i i o do direito". Cf. Introdufiío ao Estudo do

Direito, Rio, Forense, 1978, p. 253. Machado Neto, nurna prirneira extensao do conceito, ve

a hermeneutica abrangendo a i n t e r p r e t a ~ a o , a i n t e g r a ~ a o e, q u i ~ á , a própria a p l i c ~ a o . Num

sentido ainda mais amplo, identifica Hermeneutica Jurídica como Teoria da Técnica

Jurídica, ou seja, a parte da Teoria Geral do Direito cujo horizonte temático é a lógica

jurídica material, em o p o s i ~ a o a Teoria Geral do Direito stricto sensu, cujo horizonte

temático é a lógica jurídica formal. Cf. A . L. Machado Neto, Teoria Geral do Direito, Rio,

Tempo Brasileiro, 1966, ps. 26 e 233.

11 Carlos Maximiliano, Hermeneutica e Aplic afiío do Direito, Rio, Freitas Bastos, 1975, p. 13.

12 Paulo Nader, que também distingue os conceitos, diz que a hermeneu tica é teórica e visa a

estabelecer princípios, critérios, métodos, o r i e n ~ a o geral. Já a i n t e r p r e ~ a o é de cunho

prático, aplicando os ensinarnentos da hermeneutica. Ver Paulo Nader, Introdufiío ao Estudo

do Direito, Rio, Forense, 1982, p. 314. No mesmo sentido, cf. Secco, Orlando de Alrneida,

Introdufiío ao Estudo do Direito, Rio, Freitas Bastos, 1981, p. 185.

COMO APLICAR O DIREITO 9

revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a urna

decisao reta." 3

Interpretar é apreender ou compreender os sentidos implícitos

nas normas jurídicas.14 É indagar a vontade atual da norma e

determinar seu campo de incidencia. É expressar seu sentido

recorrendo a signos diferentes dos usados na f o r m u l a ~ a o original. 15

A i n t e r p r e ~ a o é tarefa prévia, indispensável a a p l i c a ~ a o do

Direito.-. A a p l i c a ~ a o do Direito consiste em submeter o fato concreto

J norma que o regule. . ..A a p l i c a ~ a o transforma a norma geral em norma mdIvIdual,

sub forma de _ ~ ~ n . t e n ~ a ou decisao administrativa .

16

Quando para o fato nao há norma adequada, o aplicador

preenche a lacuna, através da i n t e g r a ~ a o do Direito.

13 Carlos Maximiliano, ob. cit., p. 22. Ao termo "interpretafiío das leis" Carlos Maximiliano

prefere "interpretJJfiío das expressoes do Direito" porque nao se interpretam apenas ~ leis,

mas também o Direito Consuetudinário, os decretos, regulamentos em geral, aVIsos e

portarias ministeriais, i n s t r u ~ ó e s e circulares de autoridades administrativas, u.sos e d e . c i s ~ s judiciárias, contratos, testamentos e outros atos jurídicos, ajustes e contratos mtemaclOnrus,

c o n v e n ~ O e s interestaduais e intermunicipais.

14 Cf. Luís Eduardo Nieto Artera, La InterpretJJción de las Normas Jurídicas, Bogotá, Edicio

nes Tiempo Presente, 1976, p. 72.

15 "Interpretar un enunciada quiere decir ordinariamente expresar su sentido recurriendo a

signos diferentes de los usados para formularlo originalmente." Roberto José V e ~ e n ~ o , Curso de Teoría General del Derecho, Buenos Aires, Cooperadora de Derecho y CIenCiaS

Sociales, 1976, p. 404. Adverte Sonia Maria S. Seganfreddo que o trabalho interpretativo

nao se limita a decifrar os sinais que os sentidos percebem mas, também, visa a c r i a ~ a o ee l a b o r ~ a o intelectual, que conduz o intérprete a novas s i t u a ~ O e s quando d e s e n ~ h a . osentido de urna expressao. Cf. Sonia Maria S. Seganfreddo, Como Interpretar a Lel. RIO,

Editora Rio, 1981, p. 14.

16 Num sentido ampl0, nao haveria a p l i c a ~ i i o do Direito apenas nestas duas hipóteses.

Entendendo como Kelsen que a a p l i c a ~ o é a f o r m u l a ~ a o da norma particular, a partir da

norma geral, haveria a p l i c ~ a o constitucional quando a C o n s t i t u i ~ a o é aplicada ao se

proceder a sua reforma, a p l i c ~ legislativa quando se aplicam as d i s p o s i ~ O e s . ~ a C o n s t i t u i ~ o para elaborar as leis, a p l i c a ~ o jurisdicional ou administrativa quando é o JUlZ

ou o administrador quem aplica a C o n s t i t u i ~ o , a lei ou o contrato ao caso particular, e

mesmo urna a p l i ~ o voluntária quando as partes se adaptam ao disposto na C o n s t i t u i ~ ¡ ¡ o enas leis. O termo tem, neste trabalho, o sentido restrito de a p l i c a ~ a o jurisdicional ou

administrativa Para o conceito de a p l i c a ~ o do Direito, segundo Hans Kelsen, cf. Teoria

Pura do Direito, Coimbra, Armenio Amado, 1974, ps. 324 a 327.

Page 22: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 22/106

10 loÁo BAPTISTA HERKENHOFF

A i n t e g r a ~ a o é o processo de preenchimento das lacunasexistentes na leí. l

Na i n t e r p r e t a ~ a o , parte-se da lei, para precisar-Ihe o sentido

e o alcance. N a i n t e g r a ~ a o , parte-se da inexistencia de leí.

Se existe a norma, o aplicador, gros so modo, enquadra o fato

na norma.N a pesquisa da r e l a ~ a o entre o caso concreto e o texto

abstrato, entre a norma e o fa to' social, a tarefa do aplicador,

sobretudo a do juiz, nao se resume, contudo, a um mero silogismo,

no qual fosse a lei a prenllssa maior, o caso, a premissa menor, e a

s e n t e n ~ a judicial, a conc1usao.

A liberdade maior ou menor do juiz, no julgar, a irrestrita

submissaoa ei ou o abrandamento dessa submissao, em diferentes

graus, marcam posturas ligadas as diversas escolas hermeneuticas.

7. Evoluf(iio da hermeneutica. Em prol de um direito centradono homem e no povo

Vejo a e v o l u ~ a o da Hermeneutica, em geral, e da Hermeneu

tica Jurídica, em particular, refletindo a e v o l u ~ a o das idéias sobre

o homem e seu papel no mundo: de urna p r e o c u p a ~ a o em investigar

a vontade do legislador,17 entendido como ser onipotente, passou

se para a p o s i ~ a o , mais liberal, de pesquisa da própria lei, como

17 Paula Batista via como elementos da i n t e r p r e t ~ a o o gramatical, o lógico e o científico. Este

último é aquele que presta ao elemento lógico "as premissas e dados para, sob a dupla

r e l a ~ a o das palavras e dos pensamentos e por meio de legítimas conseqüencias, nao só

atingir o sentido normal, e sem defeitos, como adotar, dentre os sentidos possíveis, o que

exprimir, com maior s e g u r a n ~ possível, a vontade do legislador." (Cf. Paula Batista,

Compéndio de Hermenéutica Jurídica, Sao Paulo, Saraiva, 1984, ps. 10 e 11.)

O Barao de Ramalho entendia que o estudo da hermeneutica jurídica devia preceder ao de

todo direito positivo, "por isso que como todo o direito precisa ser entendido para ser bem

aplicado quando reduzido a leis, segue-se que o primeiro estudo do jurisconsulto consis te em

conhecer perfeitarnente as regras segundo as quais se deve apoderar o pensamento do legis

lador para genuinamente aplicá-las." (Cf. Barao de Ramalho, Cinco lifoes de Hermenéutica

Jurídica, Sao Paulo, Saraiva, 1984, p. 91.)

-,

COMO APLICAR O DIREITO 11

produto social, fruto da consciencia jurídica do povo, segundo seu s

pregoeiros.18

O novo salto que penso deva ser dado, corajosamente, pelo

aplicador do Direito, sobretudo pelo juiz, imp6e que este nao seenc1ausure na sua ciencia, causadora de rigidez perceptiva, masque se abra as outras ciencias, aEconomia, aPolítica, aSociologia,

a Psicologiél, e que se deixe tocar pela influencia das correntesfenomenológica e existencialista, bem como das escolas socioló

gicas.

18 Afirma José Maria Martin Oviedo que a doutrina atual submete a revisao as teorias

subjetivas (vontade do legislador) e objetiva (vontade da lei) que a doutrina clássica

construiu, a respeito da i n t e r p r e t ~ a o . Inclina-se a doutrina atual por um sincretismo, tanto

metódico quanto técnico, com um certo predominio da i n t e r p r e t ~ a o objetiva e

destacando-se, entre os elementos do processo interpretativo, a ratio legis, que postula a

prevalencia do resultado interpretativo mais adequado a finalidade da leL Cf.Formación

yAplicación del Derecho, Madrid, Instituto de Estudios Políticos, 1972, p. 149.

José Maria Rodrigues Paniagua entende que, entre as posturas polemicas (teoria da interpre~ subjetiva e da i n t e r p r e t ~ a o objetiva), o melhor caminho para o esclarecimento

científico é a a c e i ~ do que Ulna e outra teoria possam ter de verdadeiro. Cf. Ley e

Derecho, Madrid, Editorial Tecnos, 1976, ps. 90 e 91.

Manuel de Andrade diz que para a escola tradicional, subjetivista, psicológica ou histó

rico-filológica a lei deve ser entendida e aplicada conforme o pensamento e a vontade do

!!?gislador.Opondo-se a essa, a nova c o n c e p ~ o "abstraindo do legislador, encara a lei apenas, em si

meslna a querendo interpretar, por maneira que o sentido legal prevalente terá de ser um

sentido objetivo, como que radicado na pr6pria leL" (Manuel A. Domingues de Andrade,

Ensaio sobre a Teoria iÚJ lnterpretafiío lÚlS Leis, Coimbra, ArInenio Alnado - Editor.

Sucessor, 1978, ps. 14 e 15.)

Page 23: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 23/106

Capítulo IIIMOMENTOS (OU PROCESSOS) DA INTERPRETAf;Á.O

JURÍDICA

8. Conceito e espécies

Processos de i n t e r p r e t a ~ { i o sao os recursos de que se vale ohermeneuta para descobrir o sentido e o alcance das express6es doDíreito.

A i n t e r p r e t a ~ a o incide sobre a lei e as demais express6es doDireito, e nao sobre o próprio Direito

.A lei é a forma, o pireito é o conteúdo: a i n t e r p r e t a ~ a o recaísobre a forma, buscando o conteúdo. Já a a p l i c a ~ a o é do Direito:

ante o fato concreto a tarefa do aplicador, revelado o conteúdo daleí, sua substancia, é fazer prevalecer esse conteúdo.

A lei nao evolui. Segue co m passo tardo a m u d a n ~ a social. ODireito, entretanto, pode acompanhar as t r a n s f o r m a ~ 6 e s economÍcas, políticas e sociais. Ao intérprete e ao aplicador cabe responderao desafio de qinarp.izar a lei, para que nao seja f o r ~ a retrógrada

dentro da sociedade.Como observou Emmanoel Augusto Perillo, o conteúdo dalei é inteiramente vago, dentro de sua e s q u e m a t i z a ~ a o lógica; sema í n t e r v e n ~ a o do hermeneuta, a lei morre no tempo.l

Os processos de i n t e r p r e t a ~ a o sao também chamados elementos de i n t e r p r e t a ~ a o , métodos ou modos de i n t e r p r e t a ~ a o , fases oumomentos da i n t e r p r e t a ~ a o ou critérios hermeneuticos.

cc. Emmanoel Augusto Perillo, "Henneneutica e l n t e r p r e t a ~ a o " . In Revista do Curso de

Direito da Universidade Federal de Uberliindia, Uberlandia, vol. 7, n° 1, l° semestre de

1978, ps. 95- 98.

Page 24: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 24/106

14 loÁn BAPTISTA HERKENHOFF

Os processos de interpreta¡;ao nao ocorrem ao intérpretenuma ordem sistemática, mas numa síntese imediata.

Esse caráter unitário da atividade hermeneutica aconselha quese encarem os processos de interpreta¡;ao como momentos doprocesso global interpretativo, de preferencia a conceituá-Ios comométodos. .

Por reconhecer que o processo interpretativo nao obedece aurna ascensao mecanica das partes ao todo, mas

"representa antes urna forma de capta¡;ao do valor das partes,inserido na estrutura da lei, por sua vez inseparável da estrutura dosistema e do ordenamento,,,2

Miguel Reale propugna por urna hermeneutica estrutural.C. H. Porto Carreiro define-se por um método hermeneutico

dialético, que"abrange a realidade como um todoe, como um todo, a examina,

procurando tudo quanto existe na letra e no espírito da lei.,,3

Embora haja varia¡;5es terminológicas, de um autor paraoutro,4 se queremos buscar o máximo de abrangencia e pormeno-

2 Miguel Reale, Li¡:iies Preliminares de Direito, Sao Paulo, Saraiva, 1976, p. 286.

3 ce. Carreiro, C. H. Porto. Introdu¡:iío II Ciencia do Dirá/o, Rio, Editora Rio, 1976, p. 250:

"Consideramos que o único método hermeneutico verdadeiramente válido e eficaz é o

dialético, que abrange a realidade como um todo e, como um todo, a examina, procurando

desvendar tudo quanto existe na letra e no espírito da lei. E nisso estao incluídos: 1. O

conteúdo seml1ntico dos vocábulos, naquilo que há de histórico nas v a r i ~ O e s ideológicas,

compreendendo o que significam as palavras para a c1asse que ditou a nonna juódica; 2. O

conteúdo /ágico da i n s e ~ a o da regra nesta (e nao em outra) lei considerando que seus artigos

devem exprimir um todo, que repele matéria estranha aversada pelo legislador; 3. O exame dascondi¡:iies his/áriclLf que ditaram, naquele (e nao em outro) momento, sua feitura, ou seja, o

estudo da oportunidade histórica da lei, para que se vislumbrem os fatos geradores da norma

criada, sua extensao e sua fmalidade; 4. O estudo das condi¡:jjes socio/¡}giclLf que ressaltaram os

interesses de c1asse a serem protegidos, orientando o aplicador da lei no conhecimento do tipo de

conflito que se deseja evitar, solucionar ou minorar.

4 Naylor Salles Gontijo c1assifica os métodos de i n t e r p r e t a ~ a o em dois grupos. Seriam

métodos maiores,o axiológico (que se utiliza dos juízos de valor para a i n t e r p r e t a ~ a o do

Direito), o lógico (que se serve do fato para subir até a norma, porque entende o Direito

como completivo da conduta social) e o de i n t e g r a ~ a o dialética (que consiste na a t u a l i z a ~ a o normativa dos valores em urna condicionalidade fática). Seriam métodos menores o

gramatical, o sistemático, o histórico, o declaratório, o extensivo, o restritivo, o evolutivo e o

ab-rogante. Cf. Naylor Salles Gontijo, In/rodu¡:iío aCiencia do Direito. Rio, Forense, 1969,

ps. 308 e segs. Luís Alberto Warat alinha como métodos de i n t e r p r e t a ~ a o : o gramatical, o

COMO APLICAR O DIREITO 15

riza¡;ao, podemos enumerar como momentos (ou processos) dei n t e r p r e t a ~ a o os seguintes:

- momento (ou processo) literal, gramatical ou filológico;

- momento (ou processo) lógico ou racional;

- momento (ou processo) sistemático ou orgrulico;- momento (ou processo) histórico ou histórico-evolutivo;- momento (ou processo) teleológico;- momento (ou processo) sociológico.

9. Momento (ou processo) literal, gramaticaloufilológico

O momento (ou processo) filológico estabelece o sentidoobjetivo da lei com base em sua letra, no valor das palavras, noexame da linguagem dos textos, na c o n s i d e r a ~ a o do significadotécnico dos termos.

Forma de c o m u n i c ~ a o humana que se utiliza da linguagem

verbal, a lei é urna rea1idademorfológica e sintática. Essa circunstanciatorna inafastável a u t i l i ~ a o do processo gramatical de i n t e r p r e ~ a o . A i n t e I p r e ~ a o exclusivamente filológica, ou a preferencia pela exegese verbal, ou mesmo a idéiade que se deva partir, progressivamente,do processo gramatical para atingir depois a compreensao sistemática,lógica, teleológica ou axiológica dos textos é que constituem p o s i ~ 5 e s doutrinárias ultrapassadas. Certamente, foi com vistas a esses desvioshermeneuticos que Recaséns Siches qualificou a i n t e r p r e ~ a o literalcomo irracional e inútil.s

--,---- --exegético (Bonnecase e Proudhon), o comparativo (lhering, na segunda fase), o científico(Geny e Planiol), o da Escola do Positivismo Sociológico (Duguit), o da Escola de Direito

Livre (Erlich, Kantorowicz), o teleológico (Heck), que se desdobra no teleológico em sentido

estrito e no da jurisprudencia de interesses, o da Escola do Positivismo Fáctico (Cohen e A1f

Ross), o da Escola Egológica (Cossio) e o tópico-retórico (Viehweg). a. Warat, Luís Alberto.

Mitos e Teorias na InterpreÚlfiío dos Leis. Porto Alegre, Editora Síntese, 1979, ps. 75 e segs.

5 "Espanto sa tonteóa" , segundo suas palavras. Cf. Siches, Luís Recaséns. Nueva Filosofia de

la Interpretación del Derecho, México, Editorial Porrúa, 1973,p. 182.

Gustav Radbruch coloca a questlío nestes termos: "A i n l e r p r e ~ o jurídica nao é pura e

simplesrnente um pensar de novo aquilo que já foi pensado, mas, pelo contrário, urn saber

pensar até o fim aquilo que já c o ~ o u a ser pensado por urn outro. Sem dúvida, ela parte da

i n t e r p r e t a ~ a o filológica da lei; mas para ir rnais além dela." Gustav Radbruch, Filosofia do

Direito. Coimbra, Armenio Amado, 1974, p. 231.

Page 25: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 25/106

16 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

A i n t e r p r e ~ a o filológica deve perseguir o conteúdo ideológico

dos vocábulos, descobrir o que de subjacente existe neles, com vistas

a urna compreensao semantica das palavras usadas na lei.6

No uso do processo filológico, deve o intérprete estar adver

tido de que nem sempre a palavra é fiel ao pensamento, afora as

impropriedades de r e d a ~ a o , freqüentes nas leis. Sempre é precisoencontrar o que se acha implícito por trás das palavras.

As palavras empregadas pelo legislador devem ser interpre

tadas em conexao com as demais que constituem o texto.Deve-se atentar para o uso' da palavra no local em que foi

redigida a lei ou a matéria a ser interpretada.A pesquisa filológica há de interligar:"se e harmonizar-se com

os demais processos, pois,"desde Saussure, nao se tem mais urna compreensao analítica

ou associativa da linguagem, a qual também só pode ser entendida

de maneira estrutural,em c o r r e l a ~ a o

com as estruturas em u t a ~ 6 e s

sociais."8

Essa visao estrutural da linguagem desautoriza o entendimento dogmático das palavras da lei e imp6e o entendimento histórico.9

A língua é um patrimonio comum, arsenal coletivo, institui~ a o . A fala é a escolha individual, a o ~ a o entre as possibilidadesde expressao que se apresentam na língua.

A lei é a fala do legislador, revelando a p e r c e p ~ a o da pessoaoudo grupo de pessoas que elaborou a lei, mas, também, sem dúvida, a visao da época.

Cada época tem urna visao da realidade.

A c o n s i d e r a ~ a o desses aspectos nao pode ser ignorada pelohermeneuta.

6 Carlos Santiago Nino assinala como tendencia da nova Ciencia do Direito o desprender-se,

na i n t e r p r e t a ~ a o , dos mitos derivados do "realismo verbal" para atender lis modernas

técnicas de análise semantica e sintática. ce. Carlos Santiago Nino, Notas de Introducción al

Derecho, Buenos Aires, Editorial Astrea, 1975, vol. 4, p. 151.

7 Ce. A. B. Alves da Silva, IntrodUfiio ii Ciencia do Direito, Río, Agir, 1956, p. 277. Id., Carlos

Maximiliano, Hermeneutica e Aplicariío do Direito, Rio, Freitas Bastos, 1965, p. 122.

8 Miguel Reale, Ür{Jes Preliminares de Direito, Sao Paulo, Saraiva, 1976, p. 288.

9 ce. Paulo Dourado de Gusmao, Introduriio ii Teoria do Direito, Rio, Freitas Bastos, 1962,

p.168.

"

COMO APLICAR O DIREITO 17

Se o intérprete possuir conhecimentos de filologia, lingüísticae filosofia da linguagem/o poderá utilizar-se, com proveito, doauxílio desse processo.

10. Momento (ou processo) lógico ou racional

O momento (ou processo) lógico baseia-se na i n v e s t i g a ~ a o da ratio legis. Busca descobrir o sentido e o alcance da lei, sem oauxílio de qualquer elemento exterior, aplicando ao dispositivo umconjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimoa ógica geral. Funda-se no brocardo - Ubi eadem ratio, ibi eademlegis dispositio, ou seja, ali onde está o racional, ali está a cOITeta_

d i s p o s i ~ a o .legislativa. Procura a idéia legal que se encontra sublitteris, partindo do pressuposto de que a razao da lei pode fornecerelementos para a compreensao de seu conteúdo; de seu sentido ede sua finalidade. Numa lei, o que interessa nao é o seu texto, maso alvo fixado pelo legislador.

O elemento lógico empregado nesse processo de interpreta~ a o é o fornecido pela lógica formal. 11

A ratio legis consagra, necessariamente, os valores jurídicosdominantes e deve prevalecer sobre o sentido literal da lei, quando

em o p o s i ~ a o a este.O,processo lógico permite que a i n t e r p r e t ~ a o alcance elevado

padrao de rigor e s e g u r a n ~ a . Contudo, como sublinha F l ó s c o l ~ U ! ª _ .!'lóbrega,

"o processo tem o grave inconveniente .de esyaziar a lei de

todo o conteúdo humano, de tratá-Ia em termos de precisao matemática, como se fosse um teorema de geometria." 12

Também Carlos Maximiliano censura o processo afirmandoque, da p r e o c u p a ~ a o de reduzir toda a Hermeneutica a brocardos,a conseqüencia é multiplicarem-se as regras de i n t e r p r e ~ a o , gerandoa sutileza, incompatível com a s e g u r a n ~ a jurídica pretendida 3

10 ce. c. H. Porto Carreiro, Introdu¡:iio ii Ciencia do Direito, Rio, Editora Rio, 1976, p. 229.

11 Ce. Orlando"de Almeida Secco, Introduriio ao Estudo do Direito, Rio, Livraria Freitas

Bastos, 1981, p, 180.

12 J. F1óscolo da Nóbrega, Introduriio ao Direito, Rio, José Konfino, 1972, p. 206.

13 Ce. Carlos Maximiliano, Hermeneutica e AplicariUJ do Direito, Río, Freitas Bastos, 1965, p. 137,

Page 26: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 26/106

18 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

Recaséns Siches considera o processo lógico imprestável naaplicac;ao do Direito. A lógica formal, de tipo puro, a priori, só éadequada na análise dos conceitos jurídicos essenciais. Para tudoque pertence aexistencia humana - a prática do Direito, inclusive

- impoe-se o uso da lógica do humano e do razoável (lógicamaterial).14

Carlos Coelho de Miranda Freire adverte que o raciocíniojurídico nao se regula por urna lógica do necessário. Nele dominaum procedimento fundamentado em silogismos retóricos, que sao

concluídos a partir de premissas prováveis. 15

André Franco Montoro pensa que o jurista usa habitual

mente a lógica em suas sentenc;as, petic;oes, pareceres etc., sebem que· nem sempre o fac;a de forma consciente. Todas as

vertentes da Lógica, segundo sua opiniao, desde a lógica clás

sic a até a lógica simbólica, a lógica da linguagem, a lógica

deontica e a lógica 00 concreto (incluindo-se, nesta última

designac;ao, a lógica do razoável, da argumentac;ao, da controvérsia, nova retórica e tópica) tem aplicac;ao na tarefa herme

neutica. 16

Wilson de Souza Campos Batalha observa que o rigor lógico,

na interpretac;ao e aplicac;ao das normas jurídicas, é simples apa

rencia. Há em toda interpretac;ao e aplicac;ao ingredientes estimativos, emocionais e irracionais.

Embora a sentenc;a - prossegue - revista-se de forma silogís

tica, a conclusao, freqüentemente, precede as premissas.17

C. H. Porto Carreiro acha que, modernamente, a exegese

racional voltou a merecer atenc;ao, urna vez que pode fornecer

14 ce. Luís Recaséns Siches, Nueva Filosofia de la Interpretación del Derecho, México,

Editorial POITÚa, 1973, ps. 281 e segs.

15 Carlos Coelho de Miranda Freire, Influencia da Doutrioo Jurídica nas Decisoes Judiciárias,

Joao Pessoa, Uniao Cia. Editora, 1977, p. 56.

16 André Franco Montoro, Estudos de Filosofia do Direito, Sao Pau10, Editora Revista dos

Tribunais, 1981, ps. 126 e segs.

17 Cf. Wilson de Souza Campos Bata1ha, Introdufiio ao EstuCÚJ do Direito, Rio, Forense, 1981,

ps.314esegs.

COMO APLICAR O DIREITO 19

informac;oes sobre as razoes sociais da lei, isto é, sobre o Direito

que, em dado momento, se cristalizou em regra jurídica.Por isso, ao lado da ratio legis, aprofundou-se o exame da

occasio legis, como elemento histórico capaz de revelar ao intér

prete as condic;oes sociais que deveriam ter influenciado na reda

c;ao da lei.O processo lógico, ou racional, reformulado, poderá p ~ n e t r a r

no espírito histórico da lei, retirando daí as razoes que a d l ~ ~ a m , sua finalidade imediata e os motivos do momento que presldlram

a ua feitura.18

Observada essa advertencia, creio que o processo lógico pode

ser empregado com utilidade.

11. Momento (ou processo) sistemático ou organico

O momento ou processo sistemático considera o caráter estrutu

ral do Direito, pelo que nao interpreta isoladamente as normas.Ve cada regra legislativa como"parte do inteiro organismo dos princípios de determinado

regime ou sistema de direito positivo. ,19

Consiste na"adaptac;ao do sentido de urna norma ao espírito do sistema." 20

Carlos Maximiliano fixa diretriz para o uso do processo:"Examine-se a norma na íntegra, e mais ainda: o Direito todo,

referente ao assunto. Além de comparar o dispositivo com outrosafins, que formam o mesmo instituto jurídico, e com os referentes

a institutos análogos; forc;a é, também, afinal por tudo em r e l a ~ a o com os princípios gerais, o conjunto do sistema em vigor." 21

18 Cf. C. H: Porto Carreiro, IntrodufiioaCiencia do Direito, Rio, Editora Rio, 1976, p. 234.

19 Benjamín de Oliveíra Filho, Introdufiio a Ciencia do Direito, Río, José Konfino, 1973,

p.289.

20 Paulo Dourado de Gusmao, Introdufiio ao Estudo do Direito, Rio, Forense, 1978, p. 271.

21 Carlos Maxímílíano, Hermeneutica e AplicUfiio do Direito, Río, Freítas Bastos, 1965, p.

142.

Page 27: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 27/106

20 lOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Nos países de Constituic;ao rígida, importante é ter presente

a s u p r e ~ a c i a . ~ o s d i s p o s i ~ i v o s constitucionais, em comparac;aocom os dISpOSItIVOS da leglslac;ao ordinária.

. Quando se a ~ o t ~ , ~ o m o se faz, por longa tradic;ao, no Brasil,o s I ~ t ~ m a d.e constItUlC;oes pormenorizadas, exaustivas, regulando~ a t e n ~ a t m e ~ t e s aos mais di,:ersos campos do Direito, indispen

savel e o cotejo de qualquer dISpositivo que se queira interpretarcom o que, a respeito, disponha, específica ou genericamente aConstituic;ao Federal. '

. O processo sistemático tem a func;ao de preservar a harmoniado SIstema legal, zelar por sua coerencia.

~ s s ~ objetivo d ~ v e ser perseguido nao apenas pelo controleconstItucIOnal das leIs: também entre normas de igual hierarquiao princípio deve ser invoct;tdo.

A meu ver, assiste razao a Cavalcanti Lana, em voto vencidoque proferiu no 10 Tribunal de Alc;ada do Río de Janeiro:

"Tem a jurisprudenciaum papel que nao está suficientementee s ~ l ~ c i d o e e s t . u d ~ d o : o de pre.servar a harmonia do sistema legal.Nao e ela mera mterprete da lel e nem se unifica, em homenagemaos casos análogos, a fim de garantir a isonomia das decisoes. Sua

func;ao mais importante é a de zelar pela coerencia do sistema.Argumenta-se que esta coerencia é dada pelo controle constitucio

nal d ~ leis, .na? h a ~ e n d o como invocá-Io entre normas de igualm a g ~ l 1 t u d e hIerarquIca. Mas o argumento deixa ao juiz urna pobrefunc;ao - transforma-oem computador destinado a processar os dadosque o legislador, em desavisada hora, entendeu de lhe propiciar. ,2 2

22 "Ist o vem ocomndo" - prossegue o voto - "com a malsinada d e n u n c i ~ a o vazia. ( .. ) Para

chegar a e1a, partiu o legislador da falsa premissa de que o Sistema Nacional de H a b i t a ~ o constituiu-se em um exito tiio grande que somente excentricos e pouco numerosos milionários se

dao ao luxo do a1uguel, quando todos, por menor que lhes seja a renda familiar, tem acesso acasa propria o engano é ledo, a realidade é outra ( ..) Por tais raz1ies, a partir de agora,

embora aparentemente contra legem, mas a f e i ~ o a n d o ao espírito maior do sistema que se

tornou tradicional do intervencionismo contratual por i n s p i r a ~ o do bem comum, voto no

sentido d ~ negar, peremptoriamente, reprise que imotivada seja." (Voto vencido do juiz

Cavalcantt Lana, na A p e l ~ a o Cível n° 68.408, julgada pela 3" Cfunara do 1° Tribunal de

A l ~ d a do Rio de Janeiro./n Litis, Rio, ano 1, vol. IV, dezembro de 1976, ps. 155-157.)

COMO APLICAR O DIREITO 21

Integra o processo sistemático o recurso ao Direito Comparado,ou seja, aconfrontac;ao do texto, sujeito aexegese, com leis congeneresde outros países, especialmente daqueles que exerceram influencia naconstrw;ao do instituto jurídico que se investiga.

Nas matérias alcanc;adas pela Declarac;ao Universal dos Di

reitos Humanos, é necessário ter presente esse documento supranacional, quer quando se acolhe a doutrina que sustenta sua

auto-aplicac;ao ao Direito intern023- posic;ao que julgo acertada-,

quer, pelo menos, como fonte subsidiária.

O processo (ou momento) sistemático possibilita urna compreensao larga da lei. A mens legis - que parecia muito precisa - ,

após a confrontac;ao do texto interpretado com outras normas deigual ou superior hierarquia, com os princípios gerais do Direito,com o Direito Comparado, pode restringir-se, ampliar-se, ser,enfim, iluminada por urna visao enriquecedora, que urna interpretac;ao meramente lógica tornaría impossível.

12. Momento (ou processo) histórico ou histórico-evolutivo

O momento (ou processo) histórico leva em conta as idéias,

os sentimentos e os interesses dominantes, ao tempo da elaborac;aoda lei. A lei representa urna realidade cultural que se situa na

progressao do tempo. Urna lei nasce, obedecen do a determinadas

aspirac;oes da sociedade ou da classe dominante da sociedade,traduzidas ,pelos que a elaboram, mas o seu significado nao éimutável. E necessário verificar como a lei disporia se, no tempo

de sua feitura, houvesse os fen6menos que se encontram presentes,no momento em que se interpreta ou aplica a lei.

A lei, observa Paulo Dourado de Gusmao,

"nao é elaborada para um corpo social moribundo, mas paraum corpo social vivo, em desenvolvimento, com épocas de crise ecom épocas de estabilidade. "2 4

23 Cf. Karel Vasak, "A Longa Luta pelos Direitos Humanos", in O Correio da UNESCO, Rio,

ano 6, n° 1, ps. 29·32.

24 Paulo Dourado de Gusmao, lntroduftlo ao Estudo do Direito, Río, Forense, 1978, p. 265.

Page 28: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 28/106

22 JoÁo BAPTISTA HERKENHOFF

Fundamenta esse processo henneneutico a convic<;ao de queo Direito é produto histórico, heran<;a cultural, cria<;ao da vidasocial, capaz de adaptar-se a todas as condi<;Oes e exigencias novas,fruto da comunidade, e nao resultado da vontade do legislador. Daí

o realce que seus corifeus deram a tradi<;ao e ao costume imemorial.O processo histórico-evolutivo considera que a lei nao tem"conteúdo fixo, invariável, nao pode viver para sempre imo

bilizada dentro de sua fónnula verbal, de todo impenneável as

rea<;Oes do meio, as muta<;oes da vida. Tem de ceder as imposi<;oes

do progresso, de entregar-se ao fIuxo existencial, de ir evoluindoparalela a sociedade e adquirindo significa<;ao nova, a base dasnovas valora<;oes. ,25

O intérprete busca descobrir a vontade atual da lei (voluntas

legis), e nao a vontade pretérita do legislador (voluntas legislato-

ris), vontade que deve sempre corresponder as necessidades econdi<;oes sociais. "

O elemento histórico permite apreender as linhas gerais daevolu<;ao jurídica, as transfonna<;Oes que sofreram os institutos no

decurso do tempo, os tra<;os comuns na sucessao das leis, tra<;osque estao a indicar o que existe de pennanente, em meio a multiplicidade e variedade dos dispositivos.

No processo (ou momento) histórico-evolutivo, socorre-se ointérprete da pesquisa dos documentos históricos do Direito, quaissejam, dentre outros, os projetos e anteprojetos de lei, mensagense exposi<;oes de motivos, debates parlamentares, pareceres, relatórios, votos, emendas e justifica<;Oes. Esses documentos nao tem

for<;a vinculativa, pois a lei, urna vez sancionada, desgarra-se doautor ou autores, porém, de qualquer fonna, constituem subsídioapreciável para o estudo das razoes históricas da lei.

Consideram-se aqui também a história do direito anterior,

especialmente a história do instituto de que faz parte a lei, a históriado dispositivo ou nonna submetida a exegese, bem como os fatose circunstancias que deram causa a leí.

25 1. F1óscolo da Nóbrega, Introdufuo ao Direito, Rio, José Konfino, 1972, p. 203.

COMO APLICAR O DIREITO 23

No processo histórico-evolutivo, como no processo lógico eno sistemático, o intérprete mantém-se dentro das balizas da lei,nao se admitindo aí a interpreta<;ao criadora, a despeito ou amargem da lei. Justamente por isso, os apologistas deste processoreputam-no valioso, porque, sem colocar o intérprete contra oscódigos, pennite a evolu<;ao jurídica: concilia o princípio da lega

lidade com as transfonna<;oes sociais.A utiliza<;ao, na Fran<;a, do processo histórico-evolutivo pos

sibilitou atualizar o Código de Napoleao (Código Civil), com a

ado<;ao, pela jurisprudencia, de institutos da maior relevancia

como a teoria da responsabilidade civil por riscos criados, a teoria

da imprevisao (que pennitiu a revisao judicial dos contratos) e a

teoria do abuso dos direitos.Sem negar o valor da História, no conhecimento das institui

<;oes sociais, C. H. Porto Carreiro entende, contudo, que é funda

mental dar-Ihe tratamento dialético, abandonando a simples

rela<;ao cronológica dos fatos, para submete-Ios a urna análiseinfra-estrutural que conduza a real apreensao de urna realidade em

movímento. SÓ se refazendo a História, nas suas bases e nos seus

conflitos, é possível chegar-se a esse resultado.26

A enfase dada pelo processo histórico de interpreta<;ao ao

exame dos materiais legislativos merece a crítica desse mesmo

autor. Essas peltas tem a finalidade de mistificar a opiniao pública,

pois o verdadeiro objetivo da lei - a garantia dos privilégios de

, da sse - nunca é confessado.27

26 Cf. C. H. Porto Carreiro, Introdufuo ¡¡ Ciencia do Direito. Rio, Editora Rio, 1976, p. 240:

"quando sabemos que a superestrutura social está indissoluvelmente ligada a urna base

economica dada, que lhe fomece a forma específica para seu conteúdo próprio, ternos de

concluir que essa base infra-estrutural origina a superestrutura que lhe deve com:sponder. A

aparente autonomia da superestrutura tem levado aqueles que examinam as coisas pela

aparencia e nao pela essencia a erros palmares. Assim, quando a Escola Histórica exalta o

valor do costume, como fonte precípua da lei, nao se preocupa em indagar as causas

geradoras do consuetudinário. Torna o costume como está e sobre ele levanta o edificio

histórico de urna i n s t i t u i ~ o jurídica. "

27 Id . ib., ps. 241-242.

Page 29: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 29/106

24 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Georges Ripert também produziu veemente libelo contra ainsinceridade das e x p o s i ~ 5 e s de motivos.28

Aliás, já os Estatutos de Coimbra preveniam que"se nao devem seguir, e a b r a ~ a r cegamente as raz6es indica

das na lei; antes pelo contrário se deve sempre trabalhar pordescobrir a verdadeira razao dela.,,29

Desprezada a postura estática, meramente descritiva, e assumida a postura crítica, de aprofundamento da realidade, dialética,o momento histórico é de grande valía no trabalho henneneutico.

13. Momento (ou processo) teleológico

O processo ou momento teleológico busca a finalidade da lei.O fim da lei, numa primeira abordagem, é garantir interesses, combase em v a l o r a ~ 6 e s económicas, políticas, sociais e morais dominantes.

A lei nao explicita ós interesses que defende, nem as valora

~ 6 e s que a fundamentam. Cabe ao hermeneuta pesquisá-los, comvistas a descobrir o fim da lei, o resultado que a mesma precisaatingir em sua a t u a ~ a o prática, assegurando a tutela do interesse,para a qual foi estabelecida, ou de outro que deva substituí-lo.

A i n t e r p r e t a ~ a o teleológica visa, em princípio, adescobertados valores a que a lei tenciona servir.J()

A pesquisa teleológica deve buscar o objetivo atual dasd i s p o s i ~ 6 e s , amedida que interesses emergentes possam ser enquadrados no texto primitivo.

Dentro da perspectiva oferecida pela teoria do valor e da

cultura, Miguel Reale diz que

28 Cf. Georges Ripert, Les Forces Créatrices du Droit, Paris, Libraire Genéral de Droit et de

Jurisprudence, 1955, ps. 71 e segs.

29 Cf. Carlos Maximiliano, Hermenéutica e Aplica¡:ao do Direito, Rio, Freitas Bastos, 1965, p.

160.

30 Hans Reichel coloca a questao assim: "S e em um caso particular, a lei opéíe-se ao

pensamento e ao fim do Direito, pode ser ordenado que ao postulado do pensarnento jurídico.

que se acha sobre a lei, se outorgue maior f o r ~ a que 11 existencia sem vontade da lei

apóstata." Hans Reichel, La Ley Y la Sentencia, Madrid, Editorial Reus, 1921, p. 146.

COMO APLICAR O DIREITO 25

"fim da lei é sempre um valor, cuja p r e s e r v ~ a o ou atualiza~ a o o legislador teve em vista garantir, armando-o de s a n ~ 6 e s , assim como também pode ser fim da lei impedir que ocorra um

desvaloro Ora, os valores nao se explicam segundo nexos decausalidade, mas só podem ser objeto de um processo compreensivo que se realiza através do confronto das partes com o todo e

vice-versa, iluminando-se e esclarecendo-se reciprocamente,como é próprio do estudo de qualquer estrutura social." 31

Assim, na c o n c e p ~ a o de Reale, toda i n t e r p r e t a ~ a o jurídicaé teleológica: funda-se na consistencia axiológica do Direito.

O Direito brasileiro sufragou, amplamente, a i n t e r p r e t a ~ a o teleológica ao estatuir o arto 5° da Lei de I n t r o d u ~ a o ao CódigoCivil Brasileiro:

"N a a p l i c ~ a o da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que elase destina e as exigencias do bem comum."

Embora colocado na Lei de I n t r o d u ~ a o ao Código Civil, es sedispositivo nao se aplica apenas a i n t e r p r e t ~ a o do Código Civil:é urna diretriz básica do ordenamento jurídico.

Divergem os autores no entendimento do alcance que deveter o artigo 5° da Lei de I n t r o d u ~ a o ao Código Civil Brasileiro.

Entendem alguns32 que o bem comum a que a lei se destina,é aquele que a norma, objeto da i n t e r p r e t a ~ a o , está orientada asatisfazer. Outros33 pensam que deve o juiz atender as exigenciasúltimas e gerais do bem comum, afastando a incidencia da lei aocaso concreto, quando dessa incidencia resulte o b s t r u ~ a o aqueledesiderato.

Comentando esse artigo escreveu Oscar Tenório:

31 Miguel Reale, Li¡:cies Preliminares €k Direito, sao Paulo, Saraiva, 1976, p. 286.

32 CC. Alípio Silveira, Hermenéutica no Direito Brasileiro, Sao Paulo, Editora Revista dos

Tribunais, 1%8, 1° vol., p. 168.

33 CC. Rogério Gordilho de Faria, " A p l i c a ~ o do arto So da Nova Lei de I n t r o d u ~ ao Código

Civil" in Revista da Faculdatk de Direito da Bahia, Salvador, vol. XX, ano de 1946, pS. 61

a 67; J: Pinto Antunes, "A I n t e r p r e ~ das Leis do Trabalho", in Revista €k Direito Social,

vol. IV, n° 21, outubroldezembro de 1943, pS. 212-213; 1. A. Nogueira, "O Til da Lei", in

Gazeta Judiciária, Rio, ano XIX, n° 298, 1° de janeiro de 1946, p. 1; Osear Ten6rio, Lei €k

lntrodu¡:éio ao Código Civil Brasileiro, Rio, Bors6i, 19S5, ps. 162 a 168, C. H. Porto

Carreiro, lntrodu¡:éio aCiencia do Direito, Rio, Editora Rio, 1976, pS. 265 a 267.

Page 30: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 30/106

26 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

"O direito positivo brasileiro preferiu caminho mais seguroe menos difícil. Deu ao juiz a missao de, na a p l i c a ~ a o da lei,apreciar a sua finalidade social e as exigencias do bem comum.Confiou ao juiz a mis sao de vencer os óbices criados por leis prenhes

de individualismo. Instaurou-se o governo dos juízes sem que possamos falar, entretanto, em oligarquia ou ditadurajudiciária."34

C. H. Porto Carreiro nao ve, com otimismo, a efetiva aplica- .~ a o do artigo 5° daLei de I n t r o d u ~ a o ao Código Civil, encontrando

um conflito entre o artigo e o sistema jurídico-político-economicoem que está inserido:

"Nao especificando as fronteiras dos 'fins sociais' a que se

destina a lei, deixa a critério do juiz o ex ame da questao. Mas, qual

espada de Damocles, pendente sobre a c a b e ~ a do julgador, estao •os princípios gerais do Direito, garantidores do status quo e dasvigas mestras do regime. Teoricamente, o uiz tem liberdade de

pesquisar os 'fins sociais' aa lei, perquirindo, como filósofo e como

sociólogo, a verdadeira ratio legis. No entanto, ao faze- lo, há elede esbarrar, fatalmente, com os institutos jurídicos preestabelecidos (e que nao podem ser por ele mudados), que tem de ser

seguidos e mantidos, sob pena de ser apontado como urna a m e a ~ a a s e g u r a n ~ a nacional. ,35

Penso que, realmente, a i n t e r p r e t a ~ a o teleológica - sufragada,sem r e s t r i ~ 6 e s , pelo Direito Brasileiro - arma o Judiciário degrandes poderes e de i n ~ r e d á v e l missao política.

De independencia e coragem os juízes sempre precisarao,caso q u e ~ r a m ser úteis ao povo, e nao dóceis instrumentos dad o m i n a ~ a o

de poucos. Independentes e corajosos, ao aplicarem

34 Osear Tenório, Lei de Introduriio ao Cádigo Civil Brasileiro, Rio, Borsói, 1955, p. 162.

35 Prossegue: "E s e g u r a n ~ a nacional é preceito que visa a m a n u t e n ~ a o de urna situa<;:ao

vigente, mesmo que esteja ela panda de conflitos sociais. Qualquer reforma deve partir de

cima para baixo, de governantes para governados, como urna espécie de outorga de direitos.

As .r e i v i n d i c a ~ O e s , que tem sentido inverso, podem ser interpretadas como perigosas ao

sistema jurídico e ao regime político. O mesmo ocorrerá ao aplicador, que der i n t e r p r e t a ~ a o diversa as leis vigentes, ainda que fundamente sua decisao com base nos 'fins sociais' a que

elas se destinam. Afinal, a que se destinam elas? A mudan<;:a social? A a m p l i a ~ a o de

direitos? Nao eremos." C. H. Porto Carreiro, Introduriio aCiencia do Direito, Rio, Editora

Rio, 1976, ps. 266-267.

COMO APLICAR O DIREITO 27

teleologicamente o Direito, tendo em vista as exigencias da finalidade social e do bem comum, os juízes nao poderao obscurecerque o bem comum é, até etimologicamente, felicidade coletiva?bem geral, e nunca o individualismo, a opressao, que urna lel

particular ou artigo de lei consagrar.

14.Momento (ou processo) sociológico

O momento (ou processo) sociológico conduz a i n v e s t i g a ~ a o dos motivos e dos efeitos sociais da lei.

36Leva a aplicar os textos

de acordo com as necessidades contemporaneas, com olhospostos no futuro, e nao no p a s s a ~ o . ~ o n s i d e r a .a conscienc!ajurídica da coletividade,37 as a s p l f a ~ o e s do melO. Atende asconseqüencias economicas, 'políticas e sociais da exegese. Ve

o sistema jurídico como subsistema do sistema social, e nao como

sistema autonomo.38

36 Na opiniao de Carlos Santiago Nino, "requer-se, cada vez rnais energicamente, que os

juristas justifiquem as solu<;:Qes que prop5em, mostrando que suas conseqüencias sao

preferíveis as demais s o l u ~ O e s possíveis, em vez de manter num plano secundário a

p o n d e r a ~ a o axiológica das s o l u ~ O e s propostas, detrás dos argumentos supostarnente lógicos

tendentes a mostrar que a interpreta<;:ao escolhida se infere das normas legais". Carlos

Santiago Nino, Notas de Introducción al Derecho, Buenos Aires, Editorial Astrea, 1975,

vol. 4, p. 147.

37 Diz Karl Engisch: "O jurista, se quer dar incidencia prática a idéia do Direito (fare-la

vingar), há de prest ar ouvido atento avoz do 'espíri to objetivo'. E le precisa de saber o que as

'necessidades atuais' imperiosamente exigem, quais as idéias supralegais que reclamam

considera<;:ao e estao suficientemente arnadurecidas para serem juridicamente aplicadas.

"Engisch Karl, Introduriio ao Pensamento Jurídico, Lisboa, Funda<;:ao Calouste Gulbenkian,

1977, p. 324.38 Carlos Maximiliano afirma que "o bom intérprete foi sempre o renovador insinuante,

cauteloso, as vezes até inconsciente, do sentido das disposi<;:Oes escritas - o sociólogo do

Direito". Contudo, coloca-se numa posi<;:ao defensiva ante a i n t e r p r e ~ á o sociológica,

afirmando' dever-se apelar para os fins sociais com reserva e circunspec<;:lio, a fim de evitar

o risco de fazer prevalecerem as tendencias intelectuais do juiz sobre as decorrentes dos

textos, e até sobre as dominantes no meio em que ele tem jurisdi<;:lio, como sucedeu em

Fran<;:a, com o magistrado Magnaud." Cf. Carlos Maximiliano, Hermeneutica e Aplicariio

do Direito, Rio, Freitas Bastos, 1965, ps. 171-172. Nao aconteceu isso na Fran<;:a. As

senten<;:as de Magnaud mereceram o apoio popular, conforme documentadamente se

comprova no livro de Henry Leyret. Cf. Henry Leyret Las Sentencias del Buen Juez

Magnaud, Bogotá, Editorial Temis, 1976. Ver, também, na mesma obra, o prólogo escrito

por D. Diez Enriquez, especialmente a p. X.

Page 31: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 31/106

28 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Segundo Machado Neto, sao objetivos pragmáticos do pro

cesso sociológico de i n t e r p r e t a ~ a o : a) conferir a aplicabilidade da norma as r e l a ~ 6 e s sociais que

lhe deram origem;

b) estender o sentido da norma a r e l a ~ 6 e s novas, inexistentes

ao tempo de sua c r i ~ a o ; e) temperar o alcance do preceito normativo, a fim de

faze-Io corresponder as necessidades reais e atuais de caráter

socia1.39

O intérprete deverá conhecer a conexao do fenómeno jurídico

com os demais fenómenos sociais, o que reclama a c o o p e r a ~ a o daEconomia, da Sociologia, da Ciencia Política, da Psicologia So

cial, da Antropologia etc. Para a d e c l a r a ~ a o do sentido atual da

norma, para a d e t e r m i n a ~ a o da vontade genérica da lei, será

importante o estudo sociplógico do ambiente histórico, das condi

~ o e s de vida, dos ideais, valores e exigencias sociais dominantes.4o

Para C. H. Porto Carreiro o processo sociológico visa a"perscrutar a lei como um produto organico que tem capaci

dade de evoluir por si mesma, segundo a possibilidade de evolu<;aoda própria sociedade."41

Conforme opiniao desse autor, para que a i n t e r p r e t a ~ a o so

ciológica alcance seus resultados deve indagar os motivos primá

rios que ditaram a feitura da lei, os interesses protegidos pela

norma, a forma que se deu a essa p r o t e ~ a o e a mane ra pela qual

deve e la funcionar. O processo sociológico precisa ser reformula

do, em termos de urna Sociologia integral e completa, a base deu ~ a realidade dialética.42Homero Junger Mafra observa que pode alguém infringir a

lei, sem infringir as regras de seu grupo.

39 Ce. A. L. Machado Neto, Teoria Geral do Direiro, Rio, Freitas Bastos, 1962, p. 162.

40 Ce. Pau10 Dourado de Gusmiio,/ntrodufiio el Teoria do Direito, Rio, Freitas Bastos, 1%2, p.

169.

41 C. H. Porto Carreiro, /ntrodufiio el Ciencia do Direito, Rio, Editora Rio, 1976, p. 243.

42 Id., ib., p. 247.

COMO APLICAR O DIREITO 29

Em face dessa situa<;ao - pergunta - , cabe ao jurista o papel

de, mecanicamente, aplicar o texto legal, ou é fun<;ao sua, lan<;ando

a luz sobre o texto, decidir com os valores que traz o réu?Discutindo a questao, opta pela segunda alternativa, adotando

a opiniao da corrente finalista do Direito Penal, que julga o dolo

pela a<;ao e entende que a culpabilidade é um juízo de valor, só

tendo sentido a norma em termos de relevancia social.

Essa posi<;ao, que vai ao encontro do motivo social da lei,

sufraga exegese tipicamente sociológica.43

Theodor Sternberg afirma que o jurista nao deve ser, ordma

riamente um repetidor escolar de senten<;as, ao qual somente em

ocasiao ~ s p e c i a l fosse permitida urna livre ~ r i a < ; a o ; ao c o n ~ á r i o , por sua profissao deve ser um pensador social e so excepcIOnal

mente deve estar acorrentado a lei.44

Renato José Costa Pacheco parte da averigua<;ao de que, na

situa<;ao de mudan<;a social em que nos e n c o n ~ r a ~ o s , a lei éinadequada a dire<;ao da vida social. N ~ caso brasIlelro, .em que a

taxa de mudan<;a é desigual, diante da dlferen<;a entre melo urbanoe meio rural bem como entre as diversas regioes do país, mais que

ilusória é a f'ic<;ao jurídica da igualdade de todos perante a lei.Em face desse quadro, refIete o autor sobre o papel do juiz

frente a mudan<;a social. Examina as posi<;oes de Mário Moacir

Porto, que quer urna magistratura criadora, legiferante, finalística,

intervencionista, e de Mário Guimaraes, para quem a magistratura

compete velar pela tradi<;ao jurídica. Entre os dois extremos f i ~ a - s e Renato Pacheco no que ele denomina mediania virtuosa. Dlante

da perplexidade que a mudan<;a traz, pede que se de ao magistrado

independencia, autoridade e responsabilidade, exi.gindo-se dele

dignidade. Neste período de intensa mudan<;a SOCial, quando se

verifica a inadequa<;ao da lei frente as modifica<;oes surgidas com

43 Homero Junger Mafra, Comentário ao \ivro "Urna Porta para o Homem no Direito

Criminal", in Revista de Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, n° 18,

outubro/novembro de 1980.

44 Theodor Sternberg, Introducción a la Ciencia del Derecho, México, Editora Nacional, 1967.

p.I64.

Page 32: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 32/106

30lOAO BAPTISTA HERKENHOFF

velocidade e c o ~ n p l e x i d a ~ e jamais observadas, o juiz deve procurar ad:quar a lel a nova s l t u a ~ a o social, atuando como sociólogoem a ~ , a o , como pensador social.4s

E a c o n c e i t u ~ a o do Direito como fato social atinente ac ~ n ~ u t a humana em sociedade - diversamente das c o ~ c e p ~ 6 e s de? ~ r e l t o c o m ~ valor, ou Direito como norma -, que dá base teóricaa m t e r p r e t a ~ a o e a p l i c a ~ a o jurídico-sociológica.

O processo sociológico, com teor político - como se tentarád e m o n s ~ r a r nos dois últimos capítulos deste trabalho -, nao éapenas Importante como um processo de i n t e r p r e t a ~ a o , mas naverdade, deve ser o processo principal, na a p l i c a ~ a o do D i r e i t ~ .

A ~ lado d ~ ~ m a perspectiva fenomenológica, que permiteharmomzar ? D l r e l ~ o ~ o ~ o homem - um Direito para o homem-, a perspectiva soclologlca poderá ensejar o reencontro do Direitocomopovo. .

45 Cf. Renato José Costa Pacheco " J ' M dan S . " .ab'l/ '01' h de ,UIZ e u ~ OClal ,I n Revista Forense Río vol 210

n 1II81 Jun o 1965, ps. 422-424. ' , . ,

1 :

Capítulo IV

ESCOLAS HERMENEUTICAS

15. Conceito e divisiio

A hermeneutica, num sentido amplo, é contemporanea dopensamento jurídico. l

Diversas escolas jurídicas da Antigüidade tocaram em problemas henneneuticos: no mundoárabe, a Escola Hanifita, a Escola Malequita, a Fscola Chafeíta e a Fscola HambalitaA Escola Hanifita surgiu na Pérsia, foi adotada por vários POyOS árabes e teve longainfluencia no Império Otomano. Foi fundada por Abu Hanifa (699-767). Atribuíapredominancia ¡¡ eqüidade, como fonte do Direito, e ampliava assim a atividade racional dojuiz. A t r a d i ~ a o devia passar a segundo plano, subordinada ao princípio da i n t e r p r e t a ~ a o analógica.A Escola Malequita, que teve como fundador Malek ben Anas (713-795), desenvolveu-se naEspanha árabe, no norte da África (Tunísia, Argélia, Marrocos e Alto Egito) e na Áfricainterior m u ~ u l m a n a . Opondo-se aos hanifitas, procurou restringir a importancia da eqüidade,como fonte do Direito, para considerar, como principal critério de i n t e r p r e t a ~ a o , o consentimento unanirne. Já que a maioria das t r a d í ~ O e S tinham surgido em Medina, o consenso

das opiniOes vigentes nessa cidade é que seria ponderado. A escola também r e a l ~ a v a asdecisOes jurídicas e o conceito de utilidade pública, que introduzíu.A Escola Chafeíta, criada por Abu Abdalah Mohamed ben Idris as Chafei (767-82\),a l c a n ~ u grande prestígio entre os POyOS árabes. Desenvolveu a idéia do consentimentogeraI, já introduzido pelos malequitas, entendendo, porém, que deveria ser o de toda acomunidade m u ~ u l m a n a , e nao apenas o da cidade de Medina. Segundo a escola, ai n d a g a ~ a o mais importante no Direito seria a da causa, ou raíz, da norma jurídica, recursoque permitia resolver questOes imprevistas.A Escola Hambalita, que se espraíou pela Síria, Mesopotanua e Arábia, foi fundada porAhrned ben Hanbal (780-855). Contrariando as outras escolas jurídicas m u ~ u l m a n a s , pregouo apego ¡¡ t r a d i ~ a o e ¡¡ letra da lei, rejeitando o recurso ¡¡ eqüidade. (Cf. Paulo Jorge de Lima,Dicionário de Filosofia do Direito, Sao Paulo, SugestOes Literárias, 1968, ps. 76, 93, 94, 97e98.)

Page 33: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 33/106

32 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

Somente O ritualismo da vida primitiva - pondera MachadoNeto - poderia prescindir de alguma i n d a g a ~ a o interpretativa, nomomento de aplicar o costume imemoriaF

Entre os romanos, quest5es de i n t e r p r e t a ~ a o dividiram osjuristas.

É, contudo, depois da p r o m u l g a ~ a o dos códigos de Napoleao,

especialmente o Código Civil, que a hermeneutica jurídica a1can-~ a r á relevo. Surgem, entao, as escolas hermeneuticas, como conseqMncia teórica da disputa entre os diversos métodos ou técnicasde i n t e r p r e t a ~ a o do Direito.

3

2 A. L. Machado Neto, Teoria Geral do Direito, Rio, E d i ~ O e s Tempo Brasileiro, 1966, p.238.

3 Escolas hermeneuticas, isto é, escolas jurídicas que se distinguem justamente pelo

posicionamento, em face de questOes interpretativas, só surgem a partir dos códigos de

Napoleao. Antes do século XIX, diversas escolas cuidaram de problemas hermeneuticos,

mas só o fizeram incidentalménte. Além das escolas já citadas na nota n° 66, podem ser

lembradas:a) a Escola dos Glosadores, ou Escola de Bolonha (séculos XI a XIII), fundada por Imério

(aprox. 1055-1125), na Itália, e aque pertenceram Francesco Accursio (1182-1260), Porcio

Azon (?-1230), Búlgaro, Martino Gosia, Ugo e Jacopo da Porta Ravenata. Fundava-se na

i n t e r p r e t a ~ a o gramatical, sem qualquer e s f o r ~ o crítico, do Corpus Juris Civilis de Justiniano,

através de glosas ( a n o t a ~ O e s marginais ou interlineares) acrescentadas aos textos estudados.

A r e c e p ~ a o do Direito Romano, nessa época, teve como causas o aparecimento da burguesia

(gerando novas e mais complexas r e l a ~ 6 e s jurídicas, que o costume e os códigos bárbaros

nao estavam aptos a regular) e a necessidade de fortalecimento do poder real, princípio que

encontrava apoio no direito romano-bizantino. O labor dos glosadores desenvolveu-se

principalmente na Escola de Bolonha, estendendo-se depois para outros pontos da Itália e da

Europa;

b) a Escola dos Comentaristas, também chamada dos Pós-Glosadores, Tratadistas, Esco

lásticos ou Bartolistas (século XIII a XV). Consistiu na tentativa de adaptar o DireitoRomano, que os glosadores restauraram, as novas r e l a ~ O e s económicas e sociais da

sociedade feudal. Os comentaristas acrescentaram a p r e c i ~ O e s próprias aos textos romanos,

adotando o método lógico da dialética escolástica, a1ém de procurarem aplicá-Io na prática.

Pertenceram a esta escola Jacques de Révigny (?-1296), seu iniciador, e Pierre de

Belleperche (7-1307), na F r a n ~ a ; Cino de Pistoia (1270-1336), Jacopo de Belviso (1270-1335),

Bártolo de Sassoferrato (1313-1357), Pietro Baldo degli Ubaldi (1319 ou 1327-1400) e

Giasone del Maino (1435-1519), na Itália;

e) a Escola da Culta Jurisprudencia, ou Escola Culta, ou Escola dos Humanistas (séculos

XVI a XVIII), fundada pelo italiano Andrea Aiciato (1492-1550) e que teve como principais

representantes: Guillaume Budé (1467-1540), Jacques Cujas (1522-1590), Hughes Doneau

(1527-1591), F r a n ~ o i s Hotman (1524-1590), F r a n ~ o i s de Connan (1508-1551), Bemabé

Brisson (1531-1591), F r a n ~ o i s Baudouin (1520-1573), Antoine Favre (1557-1624), F r a n ~ o i s

COMO APLICAR O DIREITO33

Essas escolas - nota Eduardo García Máynes - partem dec o n c e p ~ 5 e s distintas da ordem jurídica e do sentido do laborhermeneutico. Refletem as doutrinas que seus defensores profes-

sam sobre o Direito em gera1.4

Nesta mesma linha de idéias, Tércio Sampaio Ferraz Jr.,

depois de observar que o d e s e ? v o l v i m ~ n t o de t é c ~ i c a s ~ e interpret a ~ a o do direito é bastante anugo, subhnha que, so no seculo .XIX,a i n t e r p r e t a ~ a o passa a ser objeto de reflexao, tendo em vlsta a

c o n s t i t u i ~ a o de urna teoria.5

• •

Tomando como baliza o maior ou menor apnslOnamento do

intérprete ou aplicador do Direito a ei, parece-me que se podem

dividir as escolas hermeneuticas em tres grupos:a) escolas de estrito legalismo ou dogmatismo;

4

5

Douaren (1509-1559) e Charles Annibal Fabrot (1580-1659), na F r a n ~ a ; Ulrich Zasio

(1461-1536) e Gregor Meltzer (1501-1532), na Alemanha; Antonio A g u ~ t í n (1516-1586), na

Espanha; Denis Godefroy (1549-1622), naS u í ~ a ;

e Gian VincenzoG ~ v m a

(1664-1728), naItália. Em c o n t r a p o s i ~ a o aEscola dos Comentaristas, estudava o Dlrelto Romano de forma

erudita, transformando-o em direito histórico, cuja i n t e r p r e t a ~ a o era feita a uz das ~ o n t ~ s originais, com o auxílio da Filologia, da História, da L i t ~ r a t u r a e do estudo da o r g a n l z a ~ a o social da Antigüidade; .d) a Escola dos Feudistas (século XVI), surgida na F r a n ~ a , sob a chefia de Charles . D u m o ~ h n (1500-1566) e integrada, dentre outros, por Guy C o q u i ~ l e ( 1 5 2 3 ~ 1 ~ 0 3 ) , A n t o m ~ L o ~ s e l (1536-1617) e Etienne Pasquier (1529-1615). Procurou umficar o d\relto c o m u ~ , h ~ ~ - I o da desordem das i n s t i t u i ~ O e s feudais e da incoeréncia dos costumes díspares. Asslm reJeltou,

quer o método de a d a p t a ~ a o das i n s t i t u i ~ O e s romanas ( E s c o l ~ dos : o ~ n t a r i s t a s ) , quer o

estudo histórico-crítico do Direito Romano (Escola da Culta Junsprudenc\a);

e) a Escola Holandesa (séculos XVII e XVIII), que apareceu nos Países . B ~ x o s , corno

extensao da Escola da Culta Jurisprudencia. Também procurava estudar o Dlrelto Romano

como direito histórico, como critério crítico, dirigido, contudo, predominantemente,

aprática

jurídica, numa r e a ~ a o apostura excessivamente teórica da Escola da Culta Jurisprudencia.

Foram seus principais representantes: Amold Vinnen (1588-1657), Jacobus Maestert

(1610-1657), Ulrich Huber (1636-1694), Johann Voet ( I ~ 7 - 1 7 1 4 ) , . Gerhardt Noodt

(1647-1725), Laurens Theodor Gronow (1659-1710), Antome Schultmg (1659-1734),

Comelius von Bynkershoeck (1673-1743), Johannes Jacobus Wissenbach (1607-1665) e

Everhard Otto (1685-1756). -(Paul0 Jorge de Lima, Ver Dióonário de Fi/osofia do Direito, Sao Paulo, Sugestoes

Literárias, 1968, ps. 76 e segs.)

Cf. Eduardo García Máynes, Introducción al Estudío del Derecho, México, Editorial POITÚa,

1978, p. 33 I.Tércio Sampaio Ferraz Júnior, A Ciencia do Direito, Sao Paulo, Editora Atlas, 1977, ps. 68 e 69.

Page 34: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 34/106

34 loÁo BAPTISTA HERKENHOFF

b) escolas de r e a ~ a o ao estrito legalismo ou dogmatismo;c) escolas que se abrem a urna i n t e r p r e t a ~ a o mais livre.

6

16. Escolas de estrito legalismo ou dogmatismo

Sao escolas presas a um estrito legalismo ou dogmatismo a

Escola da Exegese, a Escola dos Pandectistas e a Escola Analítica

6 C ~ l ~ s ~ a x i m i l i a n o toma como referencia a vontade do legislador e, em conseqüencia, ve a

e ~ l s t ~ n c l a : . a) de um sistema tradicional de hermeneutica, cujo postulado é a a p l i c a ~ a o do

Dlrelto hOJe de acordo com a vontade do legislador d.e ontem; b) de um sistema evolutivo,

que tem o Direito como e l a b o r a ~ a o espontlinea da consciencia jurídica nacional, um dos

produtos espirituais da comunidade, e nao obra do arbítrio de um; c) de um sistema misto

que, na i n t e r p r e t a ~ a o e a p l i c a ~ a o do Direito, busca descobrir nao só o que o legislador quis,

mas também o que quereria, se vivesse no meio atual. Cf. Carlos Maximiliano, Hermeneutica e

Aplica{:iio do Direito, Rio, Freil9S Bastos, 1965, especialmente ps. 56 e segs.

Luís ~ e . r n a n d o Coelho agrupa as escalas hermeneuticas segundo quatro o r i e n t a ~ o e s : a) a

dogmatlca, que abrange: a Escola da Exegese; a Escola da Jurisprudencia Conceitual, em

suas versoes, a germanista e a romanista (Escola dos Pandectistas); a Escola Analítica de

Jurisprudencia; b) a fmalística, que compreende: a Jurisprudencia Teleológica, a Jurisprudencia

de Interesses e a Escola de Livre Pesquisa Científica; c) a sociológica, que abarca a Escola de

Direito Livre e a Escola de Jurisprudencia Sociológica; d) a realista, que se desdobra no

Realismo Jurídico norte-americano e no Realismo Jurídico escandinavo, com vertentes na

Espanha, na Itália e na Inglaterra. Cf. L. Fernando Coelho, Lógica Jurídica e lnterpretariio

das Leis, Rio, Forense, 1979, p. 67.

R. Limongi Franra divide os sistemas interpretativos em tres grupos:

a) o dogmático exegético ou jurídico-tradicional, subdividido em duas o r i e n t a ~ 1 i e s , a extremada

e a moderada;

b) o histórico-evolutivo;

c) o da livre p ~ s q u i s a ou Iivre c r i a ~ a o do Direito, subdividido em duas o r i e n t a ~ 1 i e s que

entende que seJam a romlintica e a científica. (Cf. F r a n ~ a , R. Limongi, Elementos de

Hermeneutica e Aplicariio do Direito, Sao Paulo, Saraiva, 1984, ps. 33 e segs.)

Carlos Campos ve duas tendencias, na doutrina da i n t e r p r e t a ~ a o - a hermeneutica tradicional

e o movimento doutrinário de livre pesquisa. Inclina-se pela primeira:

"A melhor a p r e c i ~ , o melhor método de t r a d u ~ de realidade do Direito é o que o subtrai ao

a r b í ~ o , a a p r e c i ~ o unilateral do seu conteúdo. Os sentimentos de s e g u r a n ~ , de o r i e n t a ~ a o no

sentido dommante, que excluem essas a p r e c i ~ 1 i e s unilaterais ou individuais, sao essenciais ao

Direito e constituem o seu aspecto mais importante de realidade.

A Hermeneutica Tradicional, pelo seu próprio aspecto, pelo seu método de revestimento, de

c o ~ t r o l e , de rigidez, de maior s e g u r a n ~ a , mais concordante ao Direito, parece, assim, o

metodo de maior c o n j u g a ~ ¡ ¡ o com a realidade jurídica e com o sentido dominante de

r e a l ~ d a d e . " (Cf. Carlos Campos, Hermeneutica Tradicional e Direito Científico, Belo

Honzonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1970, p. 202.)

COMO APLICAR O DIREITO35

de Jurisprudencia, todas surgidas no século XIX, na F r a n ~ a , Ale

manha e Inglaterra, respectivamente.As tres encamam a p r o j e ~ a o , na hermeneutica, do positivismo

jurídico que: .a) na F r a n ~ a , conduziu ao culto da vontade do legislador e ao

culto dos códigos, considerados sem lacunas;b) na Alemanha, sob o influxo do historicismo jurídico, nao

subordinou o Direito ao legislador, mas construiu urna teoria dodireito positivo que, partindo das normas singulares, tentou esta

belecer as n o ~ 6 e s jurídicas fundamentais;c) na Inglaterra, reduzindo o Direito aos precedentes judiciais

e a ei, independentemente de um juízo ético, caracterizou-se por

ser urna análise e urna s i s t e m a t i z a ~ a o do direito positivo, com o

objetivo de estabelecer os conceitos jurídicos.

16.1 Escola da Exegese

Era constituída pelos comentadores dos códigos de Napoleao,

principalmente o Código Civil de 1804. .Fundava-se na c o n c e p ~ a o da p e r f e i ~ a o do sistema normatIVO,

na idéia de que a l e g i s l a ~ a o era completa e de que, na generalidade

da lei, encontrava-se s o l u ~ a o para todas as s i t u a ~ 6 e s jurídicas.Conseqüencia desse entendimento era afirmar Bugnet que

nao conhecia o Direito Civil, pois só ensinava o Código de N apoleao,

enquanto Demolombe fixava como divisa, como profissao de fé:

"les textes avant tout!"

AEscola da Exegese via na lei escrita a única fonte do Direito,expressao mesmo do Direito Natural. Adotava, como m é t ~ d o de

i n t e r p r e t a ~ a o , o literal, orientado para encontrar na p e ~ q U 1 s a .dotexto a vontade ou i n t e n ~ a o do legislador (mens leglslatons).

Somente quando a linguagem fosse obscura ou incompleta, o

intérprete l a n ~ a r i a mao do método lógico. A f u n ~ a o do jurista

consistia em extrair plenamente o sentido dos textos legais para

apreender o significado deles. Negava valor aos ~ o ~ t u m e s A e r ~ p u -diava a atividade criativa, mínima que fosse, dajunsprudencla.

Page 35: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 35/106

36 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Os mais extremados representantes da escola entendiamC O ~ O B l o n d e a u ~ q u ~ , . em face de situa\=oes nao previstas p e l ~ l e g ~ s l ~ d o r , d ~ v e n a o JUlZ abster-se de julgar. Outros, porém, menosr a d l c a I ~ , aceIta.vam, nessas hipóteses, o uso da analogia comomecamsmo de mtegra\=ao do Direito.

Aftalión, Olano e Vilanova destacam, como característica da

Escola d ~ ~ ~ e g e s e , um p ~ s i t i ~ i s m ? avalorativo, estatal e legalista.E s s ~ posItIvIsmo avaloratIvo IdentIfica todo o Direito com o direitopOSItIVO.

7

R a z o e ~ ~ i ~ t ó r i c a s , políticas, económicas e psicológicas explicam o pOSItIvIsmO legal acentuado a que chegou a Escola daExegese:

a) a legisla\=ao sobre a qual se ergueu foi produto da burguesía,c l a s ~ e . r e c e n t e m ; n t ~ chegada ao poder e ciosa de que seu direito .exphcItava o propno direito natural;8

b) a legisla\=ao nal20leónica vinha de ser editada e, comosempre ocorre, tendem os códigos a ser tidos, pela época em quesurgem, como obra completa e acabada;9

.c) o racionalismo do século XVIII, que alcan\=ou o séculos e . g u ~ n t e , gerou o amor da simetria, da constru\=ao lógica que, noDIfeIto, e n c o n ~ a sua expressao maior nos códigos;

d) a doutl":ma da i r r e s t r ~ t a separa\=ao dos poderes (o juiz é op o r t a - ~ o ~ da leI- ~ o n t e s 9 U l e u ) , fruto da desconfian\=a do homemburgues, tomava mtoleravel que penetrasse o Judiciário na esfera

7 E n r i q u e ~ . Aftalión, Fernando Garcia Olano e José Vilanova, Introduccián al Derecho,Buenos AIres, Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales, 1975, p. 876.

8 E s c r e v ~ u N i ~ t ? Arteta: "sin la instauración de la economia capitalista y sin la promulgación

del códIgo C I ~ ~ la Escuela de la Exégesis no habria existido." a. Luis Eduardo Nieto Arteta.

~ InterpretCU:lOn.de las N o ~ J u r í ~ i c a s , Bogotá, Ediciones Tiempo Presente, 1976, p. 9.

9 El. h e c h ~ , hlstónco de la c ~ ( h f i c a c l ó n conduce a la identificación del derecho y la ley. La

co<hficaclOn es el supuesto hIstórico de la Exégesis." Cf. Luis Eduardo Nieto Arteta ibO p r ó p ~ o Napoleao tinha urna visao de eternidade, relativamente a seu códi go:' :'Mi nha

v e r d a d e ~ r a ~ I ó r i a nao está em ter ganho quarenta batalhas; Waterloo apagará a l e m b r a n ~ a de

tantas vltónas .O q ~ e nao se apagará, o que viverá, eternamente, é o meu Código Civil." Cf.

Ralph Lopes PinhelfO, HistlÍria Resumida do Direito. Rio, Editora Rio, 1981, p. 88.

10 "El burgués es un hombre receloso y profundamente desconfiado. Por eso las competencias

d e . l ~ s órganos del ~ t a ~ ~ burgués de Derecho son unas competencias normadas, es decir,

sUJeltas a las reglas Jundlcas que señalan su contenido y su alcance." Cf. Luis Fernando

Nieto Alteta, ib., p. 56.

COMO APLICAR O DIREITO37

do Legislativo através de urna interpreta\=ao das leis que nao fosse

rígida, literal.Foram representantes da Escola da Exegese, todos com obras

publicadas, dentre outros, os franceses Jean Charles Demolombe(1804-1887), Raymond Troplong (1795-1869), Victor Napoleón

Marcadé (1810-1854), Charles AntoineMarieBarbeAubry (1803-

1883), Charles Fréderic Rau (1803-1877), Marie P i e ~ e GabrielBaudry-Lacantinerie (1837-1913), o belga Fran\=Ols Laurent(1810-1887) e o alemao Karl Salomone Zachariae (1769-1843).

Zachariae, nao obstante alemao, ensinou o Código de Napo

leao na Universidade de Heidelberg, quando as províncias a es

querda do Reno foram anexadas a Fran\=a. Escreveu sobre o Código

de Napoleao um tratado (1808) que veio a ser a primeira sistema-

tiza\=ao do Direito Civil frances.A Escola da Exegese perdurou durante grande parte do século

XIX. Baudry-Lacantinerie foi o último grande representante da

Escola. Sua obra principal (Traité Théorique et Pratique de DroitCivil, 1900), escrita em colaborac;ao com outros juristas, já reflete

tendencias inovadoras.A influencia da Escola da Exegese ainda hoje está presente

nos setores reacionários do pensamento jurídico.ll

16.2. Escala dos pandectistas

Como a Escola da Exegese, foi também manifestac;ao do

positivismo jurídico do século XIX. . .

Considerava o Direito como um corpo de normas pOSItIVas.Conferia primado a norma legal e as respectivas técnicas de

interpretac;ao. Negava qualquer fundamento absoluto ou abstrato

a idéia do Direito.A. falta, na Alemanha, de códigos como os de Napoleao, os

pandectistas construíram um sistema dogmático de normas, usan-

II A respeito da Escola da Exegese, ver: Paulo Jorge de Lima, ob. cit., ps. 82 e 83. Ver também

Luiz Fernando Coelho,l.ógica Jurídica e Interpreta¡;áo das Leis. Rio, Forense, ps. 88 e segs.

Page 36: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 36/106

38 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

do como modelo as i n s t i t u i ~ o e s do Direito Romano, cuja reconst i t u i ~ a o histórica promoveram.

Dedicaram-se ao estudo do Corpus Juris Civilis, de Justiniano, especialmente a segunda parte desse trabalho, as Pandectas,

onde apareciam as normas de Direito Civil e as respostas dosjurisconsultos as questoes que lhes haviam sido formuladas. Onome da Escola advém desse interesse pelas Pandectas.

A Escola dos Pandectistas rejeitava as doutrinas jusnatural istas dos séculos XVII e XVIII e valorizava os costumes jurídicosformados pela t r a d i ~ a o .

Essa a t e n ~ a o aos usos e costumes levava os pandectistas aurna i n t e r p r e t a ~ a o do texto legal mais elástica do que a preconizadapela Escola da Exegese.

Foi Windscheid quem colocou o problema da i n t e r p r e ~ a o em

termos de " i n t e n ~ a o poss!vel do legislador", nao no seu tempo, masna

épocaem

que se processasse o trabalho interpretativo.Se

o textoda lei comportas se duas i n t e r p r e ~ O e s , seria lícito optar por aquel aque realizas se um objetivo diverso do pretendido pelo legislador,levando em c o n s i d e r ~ a o fatos supervenientes.

Essa c o l o c a ~ a o representou, na época, um progresso.Dentre os principais representantes da Escola dos Pandectis

tas podem ser citados: Bernhard Windscheid (1871-1892), ChristianFriedrich Von Glück (1755-1831), Alois Von Brinz (1820-1887),Heinrich Demburg (1829-1907) e Emst Irnmanuel Von Bekker

(1827-1916).12

16.3. EscoZa Analítica de, Jurisprudencia

Também m a n i f e s t a ~ a o do positi vismo jurídico, a Escola Analítica de Jurisprudencia entendia que o Direito tinha por objeto

12 Ver: Paulo Jorge de Lima, Ob. cit., ps. 90 e 91. Luiz Fernando Coelho, úígica Jurídica e

Interpretafiio das Leis, Rio, Forense, 1979, ps. 95 e96.

COMO APLICAR ODIREITO 39

apenas as leis positivas, nao lhe interessando os v ~ o r e s ou conteúdo ético das normas legais. Afirmava John AustJ.n, fundador da

Escola: . . ." A ciencia da jurisprudencia ocupa-se com lels pOSItIVas ou,

simplesmente, com leis em sentido estrito, sem considerar a sua

bondade ou maldade." 13 •

Segundo John Austin ( 1 7 9 0 - 1 ~ 5 9 ) , os p ~ o b l e m a s r e ~ a c . l O n a ~ dos com o Direito estao compreendldos em tres campos distIntos.

a) a jurisprudencia geral ou filosofia do direito p o s i t i ~ o , que

trata .da e x p o s i ~ a o dos princípios gerais comuns aos diversos

sistemas jurídicos positivos; . .b) a jurisprudencia particular, que CUIda do estudo das lels

vigentes num determinado país; , . ' .c) a ciencia da l e g i s l a ~ a o , situada nos domIniOS da EtJ.ca, que

abrange os princípios que o legislador deve ter em conta para

elaborar leis justas e adequadas.14

O Direito está, dessa forma, completamente s ~ p a r a ~ o da

Ética. O jurista ocupa-se das leis positivas, sejam as lels p ~ l c u l a res de um Estado, sejam os princípios gerais comuns . a ~ s diversossistemas jurídicos. Nao considera se sao justas ou Injustas suasp r e s c r i ~ o e s . Ao legislador ou ~ o f i ~ ó s o f o é que i n ~ e r e ~ ~ ~ .os

aspectos morais das normas. Nao ha c o ~ ~ c ? n f ~ n d r r o .dlrel!?positivo", estudado pelos Juristas, e ~ , dlrelto Justo ou Ideal ,objeto das reflexoes do l e g l s l ~ d o r o ~ fIl.osofo .

. AEscolaAnalítica de Junsprudencla colocou seu fundamento

na análise conceitual. Entendia que o conceito nada.mais eraq ~ e

a r e p r e s e n t a ~ a o intelectual da r e a l i ~ a d e . A s ~ i I ? ' a reahdade podena

ser integralmente conhecida atraves da anállse dos conceltos que

a representavam.

13 John Austin, Lectures on Jurisprudence or the Philosophy 01 Positive Law, L o n ~ ~ s , 1 8 ~ 9 , vol. 1, p. 176. Apad Paulino Jacques, Curso de Introdufiio ao Estado do Dlrelto, RIO,

Forense,1978,p.326. . .14 Cf. paulo Jorge de Lima, Dicionário de Filosofia do Direito, Sáo Pauto, Sugestiíes Llterárias,

1968, ps.74 e75.

Page 37: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 37/106

40 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

A única fonte do Direito eram os costumes acolhidos echancelados pelos tribunais.

A escola tentou sistematizar e unificar o direito consuetudinário (essa foi sua c ~ ) l l t r i b u i ~ a o , numa perspectiva histórica), comolhos postos na reabdade inglesa, onde nao se adotou urna constit u i ~ a o rígida e se fundou toda a estrutura jurídica no costume. 15

17. Escolas de r e a ~ i i o ao estrito legalismo ou dogmatismo

. P a r e c e - ~ e que ~ e possam considerar como escolas que reaglram ao estnto legalIsmo ou dogmatismo, abrindo novo s horizon

t e ~ a,C:iencia do ~ i r e i t o , a Escola Histórico-Dogmática, a EscolaHlstonco-Evolutlva e a Escola Teleológica.

. A Escola Histórico-Dogmática opos:-se a literalidade interpretatlva chamando a a t e n ~ a o para o elemento sistemático, inerenteao caráter organico do Direito. A Escola Histórico-Evolutiva avan

~ o u !llais ainda, recusando o raciocínio formal adotado peloss e g U I ~ o r e s da Escola Histórico-Dogmática e propugnando pela

pesqUIsa a posteriori do sentido da lei. A Escola Teleológica

c ? m b a t e ~ , quer o método dedutivo-silogístico, quer a jurispruden

CIa conceltual dos pandectistas e dos adeptos da Escola Histórico

Dogmática: ~ r o p u g n ~ n d o por urna i n t e r p r e t a ~ a o que se inspirassemenos na loglca e mrus no caráter finalístico do Direito.

17.1. Escola Histórica do Direito

,S u ~ g i u ~ a A l e m a ~ h a ,

em princípios do século XIX. Opos-seas . d < : . u t r ~ n a s J u s n a t u ~ a l ~ s t a s dos séculos XVII e XVIII. Negava ae x ~ s t e n c l a de um }?lrelto Natural com pressupostos racionais eumversalmente valIdos. Proc1amava a historicidade do Direito

cuja origem e fundamento repousavam na consciencia nacional ~ nos costumes jurídicos oriundos da t r a d i ~ a o . 16

15 Ver também: Luiz Fernando Coelho, úígica Jurídica e Interpretafiío das Leis. Rio. Forense,

1979, ps. 97 e segs.

16 Como observa Luiz Fernando Coelho, a Escola Histórica do Direito insere-se no contexto

global do Romantismo do século XIX que se insinuou nas artes e na filosofia e que

COMO APLICAR O DIREITO41

Podem ser resumidos, como postulados básicos da Escola

Histórica do Direito, os seguintes:10) o Direito é um produto histórico, e nao o resultado das

circunstancias, do acaso, ou da vontade arbitrária dos homens;

20) o Direito surge da consciencia nacional, do espírito do

povo, das c o n v i c ~ 5 e s da comunidade pela t r a d i ~ a o ; 3°) o Direito forma-se e desenvolve-se espontaneamente,

como a linguagem; nao pode ser imposto em nome de princípios

racionais e abstratos;40) o Direito encontra sua expressao inconsciente no costume,

que é sua fonte principal;50) é o povo que cria o seu Direito, entendido como povo nao

somente a g e r a ~ a o presente, mas as g e r a ~ 5 e s que se sucedem. O

legislador deve ser o intérprete das regras consuetudinárias, com-

pletando-as e garantindo-as através das leis. .A Escola Histórica surgiu no apogeu do neo-humamsmo,

quando o Direito era tido como pura c r i a ~ a o racional. Foi c o n ~ r i -b u i ~ a o sua ter retirado o Direito da perspectiva abstrata do racIO-

nalismo, fundada em exercícios de lógica e díalética, para urna

perspectiva histórica, rente a vida real.Pertenceram a escola os alemaes Gustav von Hugo (1764-

1844), seu iniciador, Friedrich Karl von Savigny (1779-1861), sua

principal figura, Georg Friedrich Puchta (1798-1846), J ohann Frie

drich G6schen (1778-1837), Karl Friedrich Eichhom (1781-1854),

Joseph K6hler (1849-1919), o ingles Henry James Summer Maine

(1822-1888) e o frances

17

Raymond Saleilles (1855-1912).Nao obstante os princípios geraís que caracterizaram a

Escola Histórica do Direito, ela pode ser subdividida em duas

desembocou nas concepyóes que faziam da evoluyao histórica o ponto de partida de toda

filosofia . Cf. Luiz Fernando Coelho, úígica Jurídica e Interpretafuo das Leis, Rio, Forense,

1979. p. 93 ( l' ediyao da obra).

17 Heruy Maine e Joseph KtiWer sao também estudados na Escola da Jurisprudencia Etnológica,

enquanto Raymond Saleilles é por alguns incluído na Escola do Direito Livre.

Page 38: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 38/106

42 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

outras, cujas diretrizes hermeneuticas diversas sao examinadas nositens seguintes. 18

17.1.1. Escola Histórico-Dogmática

A Escola Histórico-Dogmática foi o primeiro desdobramento

da Escola Histórica do Direito. Teve como principais representantes Savigny, Puchta, Hugo, Goschen, Eichhorn e Henry Maine.

Ficou também conhecida como Escola Histórica Alema.

No terreno da Hermeneutica, a Escola Histórico-Dogmática

representou um a v a n ~ o , comparativamente as escolas anteriores.

O intérprete nao se devia ater a letra da lei para dela extrair s o l u ~ 5 e s para os casos, usando o processo meramente lógico: também o

elemento sistemático devia ser utilizado, de modo que se pudesse

reconstruir o sistema o Q ~ a n i c o do Direito, do qual a lei mostravaapenas urna face.

Afirmando que o POYO era o criador do seu Direito, indicava

ao intérprete, nao obstante, pesquisar a i n t e n ~ a o do legislador,representante da consciencia coletiva.

Quando o pensamento da lei aparecesse em contraste com o

que o intérprete considerasse expressao da consciencia coletiva do

pOYO, no momento de ser aplicada a lei, deveria optar pela revela~ a o direta dessa fonte mais profunda do Direito.

. A Escola da Exegese supunha a plenitude e p e r f e i ~ a o da lei

escnta. AEscola Histórico-Dogmática entendeu que essa plenitude

sóp o d e r i ~

ser encontrada no sistema do Direito Positivo.

17.1.2. Escola Histórico-Evolutiva

A Escola Histórico-Evolutiva, também conhecida como Es

cola Atualizadora do Direito, teve em Saleilles e Kohler seus vultosprincipais.

18 Ver Paulo Jorge de Lima, Dicionário de Filoso[m d" Direito, Sao Paulo, Sugestíies Literárias,1968, ps. 94 e segs.

COMO APLICAR ODIREITO 43

Contrapós-se a e s t r a t i f i c ~ a o da Escola His.tórico- D o g ~ á ~ c a , através da s u p e ~ a o de seus métodos pela pesqUIsa a poster,,?rl ?O

sentido da leí. A igidez do raciocínio formal adotado p e l ~ 'pnmerracorrente da Escola Histórica, os seguidores da Escola Histonco-Evolutiva acrescentaram - o que foi um passo adiante - certa medida de

f u n ~ a o criadora, de modo que o Direito. p U ? e s ~ a c o m p ~ a r as

t r a n s f o r m ~ 5 e s sociais. Nao obstante, devena o mtérprete ou aplicadormanter se no ambito da leí.

Entendia a escola que alei deveria ser consideradacom<: p o r t a d o ~ de vida própria, de maneira que c o r r e s : ~ x m ~ e s s e na? apenas as n e c ~ s s l -dades que lhe deram origem, mas também as n e c e s s l ~ e s s u ~ r v e r u ~ n -tes. Observasse o intérprete nao apenas o que o legIslador qUlS, poremtambém o que quereriase vivesse a época da a p l i ~ a o da lei; adaptasse

a velha lei aos tempos novos, dando v i ~ ao,s ~ ó d i g o s . ..,Saleilles achava que as normas jUndlCas estavam SUjeltas a

lei geral da e v o l u ~ a o . Caberia ao juiz c o ~ c i 1 i a r a i ~ é i a de ~ e g r a coma idéia de

e v o l u ~ a o , conservando a VIda da lel atraves de

sua

a d a p t a ~ a o a realidade e as m u d a n ~ a s sociais.Kohler observou que o pensamento da lei é todo e qualquer

pensamento que possa estar nas suas palavras, sendo possívelretirar delas dois ou dez pensamentos.

Os princípios da i n t e r p r e t a ~ a o devem .p0ssibilitar, dentre ospensamentos possíveis, encontrar o verdaderro. .

Dentre os vários possíveis pensamentos da lel, deve ser

preferido aquele mediante o qual a lei e x ~ e r i o r i ~ e o se?tido maisrazoável, mais salutar e que produza o efelto mrus b e n ~ f i c o .

Deve-se preferir a i n t e r p r e t a ~ a o merce da qual a lel apresente

a estrutura inais conseqüente e organicamente correta, tomando em

c o n s i d e r ~ a o o encadeamento das diversas leis do país.Se ainda assim nao se consegue um resultado seguro, deve-se

recorrer as a s p i r ~ 5 e s e p r e o c u p ~ 5 e s da lei, aos fins que buscouatingir, as i n t e n ~ 5 e s e desejos que agitavam o meio no tempo em quefoi a lei editada. 9

19 Cf. Joseph KGhler, Lehrbuch des Bürgerlichen Recht, vol. l°, ps. 124-127. Apud Alípio

Silveira, Hermeneutica no Direito Brasileiro, Sao Paulo, Revista dos Tribunais, 1968, 1°

vol., ps. 99-100.

Page 39: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 39/106

44JoAo BAPTISTAHERKENHOFF

17.2. Escala Teleológica

o Teleologismo Jurídico, sendo urna teoria do Direito, étambém urna escola hermeneutica.

Seu fundador foi o jurisconsulto alemao Rudolph Von Ihering(1818-1892).

Adepto do positivismo jurídico do século XIX, Ihering acresceu aos postulados da Escola Histórico-Dogmática as teorias organo-evolucionistas do seu tempo.

Pregou Ihering que o Direito, como organismo vivo, é produ

to ~ a luta, e nao de um processo natural, segundo pretendiaSavlgny. O paralelismo entre o Direito, de um lado, e a língua e a

arte, de outro, devia ser recusado. Falso mas inofensivo, como

c o n c e ~ a o histórica, esse paralelismo, como máxima política,encerrava urna heresia funesta, urna vez que, num terrreno em que

o homem deveria empénhar todas as suas f o r ~ a s , com plena

consciencia dos objetivos, ele o induziria a crer que as coisas searranjam por si,

"que o melhor que se tem a fazer é permanecer inativo eaguardar confiante aquilo que o pretenso manancial do Direito, a

consciencia nacional do Direito, há de trazer paulatinamente a uzdo dia. , ,20

Toda história do Direito é história de lutas; todo direito foiadquirido pela luta. O Direito supoe luta, quer para sua c r i a ~ a o , quer para sua defesa:

. :0 ~ m do direito é a paz, o meio de atingi-Io, a luta. Enquantoo duelto tlver de contar com as agressoes partidas dos arraiais da

i n j u s t i ~ a - e isso acontecerá enquanto o mundo for mundo - nao

poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta - urna luta dos

povos, dos govemos, das classes sociais, dos indivíduos. "2 1

Segundo Ihering, da mesma forma que todas as a ~ o e s huma

nas tem urna finalidade, também no Direito tudo existe para um

20 Rudolph von Ihering, A Lula pelo Direilo, Rio, Editora Rio, 1978, p. 10.21 Id., ib., p. 1.

COMO APLICAR O DIREITO 45

fim, sendo O mais geral a garantia de c o n d i ~ 5 e s de existencia dasociedade. O fim é o criador do Direito.

A luta e o fim sao elementos decisivos na f o r m a ~ a o e trans-

f o r m a ~ a o do Direito. ... ,O interesse é o motor do Direito. A fmahdade do Duel to e a

p r o t e ~ a o de interesses. Sendo opostos o ~ interesses, c a ? ~ ao Direi,to

conciliá-Ios, com a predominancia dos mteresses SOClatS e altrUlS-

taso Para essa s u b o r d i n a ~ a o dos interesses individuais aos interesses sociais, é necessária a c o a ~ a o , exercida pelo Estado.

Os direitos nao surgiram como c o r p o r i f i c a ~ a o de urna vontade jurídica abstrata, e sim para assegurar os interesses da vida,

satisfazer suas necessidades, realizar seus fins.

No campo da hermeneutica, Ihering criticou o m é ~ o d o dedutivo-silogístico. Combateu a jurisprudencia conceptualIsta desen

volvida quer pelos pandectistas, quer p e l o ~ d . i s ~ í p u l o s da E ~ c ~ l a Histórico-Dogmática. Pretendeu sua s u b s t 1 t U l ~ a o por urna Juns

prudencia que se guiasse pelos r e s u l t a d o ~ , invocando o cru:áterfinalístico do Direito: nao é a vida que eXIste para os conceltos,mas os conceitos é que existem para a vida. Nao é a lógica que t ~ m direito aexistencia, mas o que a vida reclama, o que as r e l a ~ o ~ s sociais e o senso de j u s t i ~ a exigem, pouco importando que seJalogicamente necessário ou logicamente i m p o s s í ~ e l . . .

Ihering condenou o processo das c o n s t r u ~ ~ e s a prlOTl e dasd e d u ~ o e s geométricas. Verberou os que p r e t e n d l ~ , ~ m nome ~ a lógica, fazer da jurisprudencia a matemática do dlrelto. Investm

contra os processos dialéticos da Escola H ~ s t ? r i c o - D o . g I l ! á t i c a e ovalor excessivo que atribuiu ao elemento 10glCO no Duelto.

Pregou que as regras jurídicas e as s o l u ~ ~ e s q u ~ c o ~ s ~ g ~ a m sao determinadas pelo fim prático e pelo fim soctal das m s t 1 t U l ~ o e s . O método próprio do Direito é o teleológico, urna vez que a ~ s s ~ o do Direito é adaptar os meios ac o n c e p ~ a o dos fins, na r e a l l z a ~ a o dos interesses sociais.

A c o n s t r u ~ a o jurídica deve respeitar o conteúdo das regras

positivas, mas os conceitos do legislador nao sao o b ~ i g a t ó r i o s parao intérprete. O legislador deve abster-se de construIr, sob pena deinvadir os domínios do jurista e da ciencia. Respeitado o conteúdoda lei, a liberdade da jurisprudencia deve ser ampla.

Page 40: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 40/106

46 lOAO BAPTISTA HERKENHOFF

A introdur;ao da idéia de finalidade prática e social, na interpreta<rao jurídica, foi o grande tributo que a escola ofereceu aevolur;ao da hermeneutica.

Fora da Alemanha, o maior representante da Escola Teleoló

gica foi o jurisconsulto belga Van Der Eycken, que advogou pes

quisasse o intérprete, inicialmente, o fim social da espécie sob

exame, apreciado, em caso de dúvida, em confronto com urnahierarquia de fins secundários, que convergem para o fim supremo:

a felicidade social realizada pelos equilíbrios.22

18. Escolas que se abrem a uma interpretacao mais livre

Podem ser alinhadas, como escolas que se abrem a urna

interpreta<rao e aplica<rao mais livres do Direito: a Escola da Livre

Pesquisa Científica, a Escola do Direito Livre, a Escola Socioló-"

gica Americana, a Escola da Jurisprudencia de Interesses, a Escola

Realista Americana, a Escola Egológica e a Escola Vitalista do

Direito.23

A Escola da Livre Pesquisa Científica derrubou o mito da

plenitude lógica da lei e demonstrou a supremacia da livre pesquisa

científica do Direito sobre o método, entao vigente, de rebuscar na

abstrar;ao dos conceitos a resposta para os silencios da lei.

22 Cf. Mário Franzen de Lima, Da Interpretac;oo Jurídica, Rio, Forense, 1955, p. 45. Ver

também: Luiz Fernando Coelho, Lógica Jurídica e Interpretac;oo das Leis, Rio, Forense,

1979, ps. 10l e segs.

23 "Ante la rigidez de algunos de los métodos tradicionales y ante las injusticias evidentes a

que podían conducir, numerosos filósofos y juristas han destacado desde fines del siglo

pasado los inconvenientes que un uso dogmático cerrado en esos métodos podía suscitar.

Han propugnado el reconocimiento de un mayor margen de libertad interpretativa en los

órganos de aplicación. Entre esas escuelas, cuyos fundamentos metódicos suelen ser muy

ecléticos, se cuentan las llamadas 'escuelas del derecho libre', la 'escuela da la libre

investigación científica', el 'realismo jurídico' y otros. Lo que interesa destacar en estas

orientaciones es que en ellas se hace explícito el carácter político de los supuestos métodos

interpretativos: no se trata de conocer el derecho, sino de hacer derecho." Roberto José

Vemengo, Curso de Teoría General del Derecho, Buenos Aires, Cooperadora de Derecho y

Ciencias Sociales, 1976, p. 415.

COMO APLICAR O DlREITO 47

A Escola do Direito Livre abalou a certeza em que se

imaginava estar alicen;ada a ordem jurídica positiva, demons

trou que a aplicar;ao do Direito é informada por urna pautaaxiológica e realr;ou o papel criador e inovador da funr;ao

judicial.AEscolaSociológica Americana demonstrou que o Direito

é mais produto da evolur;ao dos fatos sociais, na precariedadedo humano, do que a materializar;ao de arquétipos eternos, mais

experiencia que lógica, mais utilitarismo que racionalismo.

A Escola da Jurisprudencia de Interesses sublinhou que a

investigar;ao dos interesses em jogo, e nao a lógica, é que deve

orientar a Hermeneutica.A Escola Realista Americana contribuiu para demonstrar

a existencia de um abismo entre a concepr;ao teórica de urna

justir;a impessoal e inflexível e a realidade de urna justir;a feita

de homens, na qual o juiz, com suas idéias e personalidade, é a

figura decisiva.A Escola Egológica pOs a descoberto a verdadeira essencia

da decisao judicial, que opera um conhecimento por compreensao,

pelo qual o juiz e os litigantes compartem algo em comum e onde

está presente a intuir;ao emocional do julgador. Outrossim, desven

dou o mecanismo dos julgamentos ao perceber que o juiz, ao

aplicar a lei, p6e o sentido axiológico, iniciado na lei, na conduta

que interpreta, ao mesmo tempo em que extrai um sentido da

conduta. O objeto da interpretar;ao nao é a norma, porém a conduta

humana.A Escola Vitalista do Direito - ao proclamar que a funr;ao

jurisdicional escapa a qualquer criar;ao legislativa, nao pertence a

ela, nao pode ser colocada dentro dela - alforria o mister de juiz e

confere-Ihe imensa responsabilidade. Inova ao conceituar o méto

do da aplicar;ao do Direito, demonstrando que nao se deve guiar

pela lógica formal, apta aanálise dos conceitos jurídicos funda

mentais, porém desastrosa para o trato dos problemas humanos,

que reclamam urna lógica própria, a lógica do humano e do

razoável.

Page 41: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 41/106

48 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

18.1. Escola da Livre Pesquisa Científica

. ~ Escola da Livre Pesquisa Científica (Libre Récherche

SClentifique) s\}rgiu na F r a n ~ a sob a i n s p i r a ~ a o da F r a n ~ o i s Gény(1861-1959). E também conhecida pela d e n o m i n a ~ a o de "EscolaCientífica Francesa" .

Foi em 1899 que Gény publicou Méthode d'[nterprétation et

Sources en Droit Privé Positif, motivo pelo qual esse ano éapontado como marco de c r i a ~ a o da escola.

Gény combateu o espírito legalista do positivismo jurídico, o.abuso das c o n s t r u ~ 6 e s sistemáticas da hermeneutica tradicional o

fetichismo da lei e a c o n c e p ~ a o de sua plenitude lógica, d e m o ~ s -trando que a lei é insuficiente para cobrir todos os fatos sociais. A

~ p l i c a ~ a o de métodos puramente racionais, no campo do direito,

t I ? ~ a conduzido a f a l s i f l c a ~ a o da realidade, cuja apreensao global

~ o e.~ o s s í v e l

através de urnao p e r a ~ a o

complementar, de naturezamtuItIva.

~ E ~ c o l a d ~ Livre Pesquisa Científica surgiu para superar asd ~ ~ c l e n c l a s da m t e r p r e t a ~ a o segundo os métodos da Escola Histone o-Evolutiva.

Na? concordava Gény que devesse o intérprete procurard e s ~ o b n r a i n t e n ~ a o possível do legislador, como se este vives se

na epoca da a p l i . c a ~ a o da lei. Achava que a lei só tem urna i n t e n ~ a o : aquela que motIvou seu aparecimento. O intérprete devia manter

se ~ e l ~ essa i n t e n ~ a o , reproduzi-Ia no momento de aplicar a lei.

O sIgmflcado da lei nao deveria sofrer a influencia do momentoh i ~ t ó r i c o em que fosse interpretada. Verificando, contudo, que a

l ~ l , na sua p u r ~ z a originária, nao correspondia aos fatos superve

m ~ n t e s , cumpna reconhecer a existencia de lacunas na obra legislaova, lacunas que por outros meios deviam ser supridas.

O dire!to nao e.stava contido todo na lei; esta, dispondo para? futuro, nao podena prever todas as s i t u a ~ 6 e s . A lei era a mais

Importante fonte do Direito, mas nao a única. Ante lacunas da lei

d:ve?a o intérp.rete recorrer a outras fontes (o costume, a j u r i s p r u ~ dencla, a doutrma), e nao f o r ~ a r a lei para que desse s o l u ~ 6 e s a

1)

COMO APLICAR o DIREITO 49

casos nao previstos. Se as fontes suplementares fossem insuficien

tes, caberia ao próprio aplicador do Direito criar a norma, como se

fosse legislador. Nessa tarefa deveria proceder a"livre investiga~ a o científica do Direito". Nao se tratava de procurar urna regra

jurídica já escrita, que pudesse ser invocada por analogia, mas, sim,

de descobrir, através da pesquisa científica dos fatos sociais, a regra

jurídica adequada.Como disse Gény,"a lei, nao cobrindo todo o campo do Direito, é por vezes

incuravelmente muda. Toma-se inútil ( ..) arrancar-Ihe um sentidoartificial. Nesses casos, só a livre pesquisa científica pode propiciaros elementos de s o l u ~ a o , porque vai buscá-Ios, nao na a b s t r a ~ a o dos conceitos, mas na n o ~ a o de justo objetivo - vale dizer, na razaoe na consciencia - e nas realidades sociais. Assim, o sentido da leideve ser pesquisado nela, mas também fora dela, se preciso for:Par le Code civil, mais (aussi) au delil du Code civil ." 24

A "livre pesquisa científica" é assim denominada:a) porque o intérprete está liberto de toda influencia exterior,

nao está submetido a nenhum texto legal ou fonte do Direito(pesquisa livre);

b) porque se funda em critérios objetivos, nao é arbitrária(pesquisa científica).

A livre pesquisa científica visa a constituir"urna espécie de direito comum, geral por sua natureza,

subsidiário por seu ofício, a fim de suprir as lacunas das fontesformais e dirigir todo o movimento da vida jurídica." 5

A teoria de Gény parte dac o n s i d e r ~ a o

de que o Direito éconstituído por duas séries de elementos: os "dados" e os "construídos" .

O dado (le donné) compreende todos aqueles elementos naocriados pelo legislador, mas elaborados pelo fluxo da existencia

24 F r a n ~ o í s Gény, Méthode d'lnterprétation et Sources en Droit Positif, París, 1899, tomo 11, p.

230. Apud Roberto Piragibe da Fonseca, lntrodufOO ao Estudo do Direito, Río, Freítas

Bastos, 1975, p. 14l.

25 Mário Franzen de Lima, Da lnterpretafiio Jurídica, Río, Forense, 1955, p. 70.

Page 42: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 42/106

50 JoÁo BAPTISTA HERKENHOFF

humana, como resultantes da natureza e da experiencia social: elesse imp6em ao intérprete e também ao legislador.

O construído (le construit) é o a r c a b o u ~ o das normas que ojurista constrói a partir do dado. É produto da vontade humana.Sao elementos dados, dentre outros: o clima, o solo, as c o n d i ~ 6 e s geográficas em geral; os fatores económicos, culturais, demográficos, raciais; os sentimentos morais e religiosos; as c o n d i ~ 6 e s históricas, as t r a d i ~ 6 e s do pOYO; as idéias do justo e do injusto; odireito natural, derivado da natureza mesma das coisas, reveladopela razao; e o ideal de direito, os princípios jurídicos que deveriamderivar da i n t u i ~ a o a ace de urna s i t u a ~ a o histórica determinada.

A "livre i n v e s t i g a ~ a o científica do Direito" está compreendida na segunda série de e l e m e n t o ~ , isto é, os "construídos": com

base nos dados, o juiz, em face das omiss6es da lei, estará investidoda f u n ~ a o de elaborar "a norma jurídica, imbuído dos mesmos

propósitos que orientariam o legislador se fossechamado

a regulara questao sob exame.Deveriam orientar a "livre pesquisa" tres critérios: o princí

pio da autonomia da v o n t a d e ~ a ordem e o interesse p ú b l i c o ~ o justo

equilfbrio dos interesses privados opostos.A "livre pesquisa" deveria ter limites, conforme Gény enten

deu: o juiz estaria autorizado a decidir praeter legem. A "livre

i n v e s t i g a ~ a o " só teria cabimento no caso de lacuna das fontesformais e nao quando a norma fosse considerada injusta ou desastrosa sua a t u a ~ a o .

A "livre pesquisa científica" inova na medida em que completa ou integra o sistema existente, mas nao lhe alte ra o significadofundamental.

As idéias de Gény exerceram influencia e encontraram seguidores em todo o mundo. Até hoje suas teses sao seguidas por

inúmeros juristas. Na F r a n ~ a de sua época, Percerou, Naquet,Lambert, Ballot-Beaupré, dentre outros, acolheram os postuladosde sua escola.

A grande c o n t r i b u i ~ a o de Gény foi a de ter investido a f u n ~ a o judicial de muito maior dinamismo e criatividade, através do

COMO APLICAR ODIREITO 51

exerCÍcio da missao de integrar o Direito, suprindo suas lacunas:superada ficava a imagem do juiz, mero intérprete da lei, pesquisador unicamente da vontade do legislador. 26

18.2 Escala do Direito Livre

Sob a d e n o m i n a ~ a o de Escola do Direito Livre, ou Escola do

Direito Justo, abrigam-se tendencias mais moderadas, ou maisradicais, de insubmissao a déia de que a lei, ou o próprio sistema

jurídico, contém todo o Direito ou monopoliza as a s p i r a ~ 6 e s , valores e dados que devem ser sufragados pelos juízes, na aplica~ a o do Direito.

AEscola do Direito Livre (Freirecht) surgiu na Alemanha, em

1906, com a p u b l i c a ~ a o do livro Der Kampfum die Rechtswissens-

chajt, A Luta pela Ciencia do Direito/7 por Hermann Ulrich

Kantorowicz (1877 -1940), sob o pseudónimo de Gnaeus Flavius.28

Os antecedentes teóricos da Escola do Direito Livre podem

ser encontrados na Escola Histórica, no ponto em que proclamava

surgir o Direito do espírito do pOYO, bem como na Escola da Livre

Pesquisa Científica, cujo postulado de busca do Direito, fora dasfontes formais, a Escola do Direito Livre levou as últimas conseqüencias.

Sao também apontados como precursores daEscola: Adickes,por causa da crítica e revisao que realizou na teoria das fontes do

Direito; Schlossmann, que colocou sob a dependencia essencial dv

sentimento jurídico toda e qualquers o l u ~ a o

de direito; e sobretudoRudolf Stammler (1856-1938) e Paul Magnaud.

26 Ver Luiz Fernando Coelho, Lógica Jurídica e Interpretar{jo das Leis, Rio, Forense, 1979, ps.\05 e segs. Ver, tarnbém, a2' ediyiío deste livro (Forense, 198\).

27 Há traduyiío para oespanhol, "La Lucha por la Ciencia del Derecho", incluída no volumeLa Ciencia del Derecho - Savigny, Kirchrnann, Zittelman y Kantorowich, Buenos Aires,Losada, 1949.

28 Gnaeus Flavius, escriba e ribuno romano. Segundo Pomponius, revelou ao POyO as leis dasactiones, ou seja, o ormulário judicial, cujo conhecimento era privilégio dos pontífices.

Page 43: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 43/106

52 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

. S ~ m l e r inspir,?u .a Escola .do. Direito Livre, ao negar aposslbIlldade de eXIstencIa de um dlrelto natural, válido para todosos tempos e lugares, e ao afirmar que o Direito seria sempre urnatentativa de direito justo.

A tese de Stammler, quanto a existencia de um "direitojusto", ao lado do "direito legal", e de um direito natural com

conreúdo variável, abalou o positivismo jurídico.O :'direito justo"? ~ g u n d o Starnrnler, deveria ser perseguido

~ l ~ leglslru:I0r e pelo JUlZ; por este, através da livre a p r e c i ~ a o dodírelto, mediante regras, contudo, que deveriam ser observadas.

Entendía Starnrnler que a a p l i c ~ a o prática do Direito realiza-sepor ~ e i o de ~ e d u ~ ~ s jurídicas, ou seja, derivando os juízos dasprerntssas gerrus. E VI a duas classes de d e d u ~ 6 e s jurídicas:

a ~ ~ ~ e d u ~ 6 e s Juríd!cas mediatas, necessárias quando um prob ~ e ! l l a J u ~ d i c o especIal ~ a ~ e . ser julgado atendendo as normas espeClruS c ~ n t I d a s n.as .regras Jundlcas formuladas tecnicamente e que umdeterrntnado Dlrelto estabelece como definitivas;

b) as d e d ~ ~ ? e s jurídicas imediatas, que implicam juízos baseadosnum Dlfelto fundamentalmente justo.

~ s .normas a serem aplicadas nas s e n t e n ~ a s sao sempre norm ~ h . ~ t ~ d a s , .que respondem a princípios do Direito justo e queestao )a dlspostas para a a t u a ~ a o do juiz, o qual faz escolha dentrediversas possibilidades.29

As principais obras de Stammler foram publicadas entre 1896e 1922.

Paul Magnaud, presidente do modesto tribunal frances de

C ~ a t e a ~ - Thierry, .chamado por seus compatriotas de "o bom juiz",

nao sera caractenzado com acerto como a expressao pragmáticada ~ s c o l a do Direito Livre, segundo pretendem alguns autorés.

Mrus exato será considerá-Io como precursor da Escola, pois suas

s e n t e n ~ a s sao anteriores a p u b l i c a ~ a o da obra de Kantorowicz.3()

29 Rudolf Starnmler, El Juez, México, Editora Nacional, 1974, ps. 42 e 76.

30 Na obra lAs Sentencias del Buen Juez Magnaud, de Hemy Leyret, Bogotá, Editorial Temis,

1976, estiio reunidas s e n t e n ~ a s de Magnaud proferidas entre os anos de 1887 e 1903.

COMO APLICAR O DIREITO 53

Magnaud orientou seus julgamentos por juízos de solidariedade e humanidade. Privilegiou o direito a vida como o mais

importante. Por isso absolveu Luísa Ménard, que furtou um paopara matar a própria fome e a de sua mae porque

"o juiz pode e deve interpretar humanamente os inflexíveispreceitos da lei."31

Deu p r o t e ~ a o social aos deserdados e aos fracos; procurourealizar na ordem jurídica a igualdade que a natureza e o indivi

dualismo subtraem ageneralidade dos homens; atacou os privilégios e os abusos dos poderosos.

Segundo a opiniao de Roberto Piragibe da Fonseca, embora

a obra de Magnaud estivesse inspirada em i n t u i ~ 6 e s e pressentimentos muito corretos, carece de j u s t i f i c a ~ a o teórica. Observou

que se Magnaud afastava-se da lei, nao o fazia por desobedienciaao Direito Positivo, mas para realizar urna melhor j u s t i ~ a . 32

Recaséns Siches assinala que Magnaud conseguiu tomar

manifesta a i n j u s t i ~ a de critério de certas leis, em considerandosmodelares. Pensa que suas s e n t e n ~ a s contribuíram nao tanto para

resolver o problema da i n t e r p r e t a ~ a o e da f u n ~ a o judicial, porémcomo um testemunho detonador desse problema.33

Machado Neto viu, no "bomjuiz", um precursor dajurispru

dencia trabalhista. 34 A leitura de suas s e n t e n ~ a s , em matéria dedireitos dos trabalhadores, convence da justeza da o b s e r v a ~ a o . 3 5

A Escola do Direito Livre reagiu contra o princípio da plenitude lógica ou organica do Direito Positivo, bem como combateua "jurisprudencia dos conceitos", aquela que, nas lacunas da lei,

se perdia em conceitos abstratos.

31 Henry Leyret, lAs Sentencias del Buen Juez Magnaud, Bogotá, Editorial Temis, 1976, p. 11.

32 Roberto Piragine da Fonseca, Introdufiío ao Estudo do Direito, Rio, Freitas Bastos, 1975, p.

142.

33 Luis Recaséns Siches, Nueva FilosofUl de la Interpretación del Derecho, México, Editorial

POITÚa, 1973, p. 53.

34 A. L. Machado Neto, Teoria da Ciencia Jurídica, Sao Paul0, Saraiva, 1975, p. 93.

35 Henry Leyret, ob. cit., ps. 127 e 157.

Page 44: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 44/106

54 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Entendia que O Estado deformava em proveito próprio odireito social, advindo daí a tensao permanente entre a ordemestatal e a ordem social.

36

A tese fundamental da Escola do Direito Livre é a de que o

Direito nao é, nem deve ser, c r i a ~ a o exclusiva do Estado. Por

conseguinte, a lei nao é aúnica fonte de Direito e o juiz nao deve

ser inteiramente submisso a ela.A vida social é mais rica do que a norma, a realidade movi

menta-se em contínua emergencia.

A e l a b o r a ~ a o , i n t e r p r e t a ~ a o e a p l i c a ~ a o do Direito devem serconfiadas a i n v e s t i g a ~ a o científica, a pesquisa sociológica.

Segundo observa Recaséns Siches, ainda que Kantorowicz

nao tenha desenvolvido sua c o n c e ~ a o com claro rigor, parece que

entende por Direito Livre as c o n v i c ~ 6 e s . p r e d o m i n a n t e s , que tem

as pessoas de certo lugar e em certo tempo, a respeito do que éjusto, c o n v i c ~ 6 e s que real e efetivamente regulam a conduta dessas

pessoas.37

Em matéria de hermeneutica, Kantorowicz fundamenta-se no

método de Bártolo de Sassoferrato (1313-1357) que, em p r e s e n ~ a da espécie, aconselha que se busque a s o l u ~ a o segundo a j u s t i ~ a , e só depois as fontes motivadoras da s o l u ~ a o encontrada. 8

A Escola do Direito Livre apresentou duas tendencias princi

pais: a moderada, advogando a cria«;ao da norma jurídica, pelo juiz,

somente quando este se encontrasse di ante de urna lacuna nas

fontes de Direito - eco, na Alemanha, da Libre Récherche Scien-

tifique; a extremada, pretendendo essa c r i a ~ a o , também quando a

norma aplicável fosse considerada injusta. A corrente radical ficouconhecida como Escola do Direito Justo.

Eugen Ehrlich (1862-1922), o representante máximo da cor

rente moderada, que deu embasamento sociológico as idéias cen

trais da Escola, viu a existencia de um direito da sociedade,

36 Ce. 1. FIóscolo da Nóbrega, Introdu¡;:iioao Direito, Rio, José Konfino, 1972, p. 215.

37 Luis Recaséns Siches, ob. cit., p. 54.

38 Roberto Piragibe da Fonseca, ob. cit., p. 142.

COMO APLICAR O DIREITO 55

independente do direito legislado, constituído por i n s t i t u i ~ 6 e s básicas (matrimonio, famI1ia, posse, contrato, sucessao), anterio

res a toda e qualquer f u n ~ a o legislativa. Esse direito da sociedade

deveria prevalecer sobre o direito legislado, nas decis6es judiciais.

Entendía Ehrlich ser facultado ao juiz estabelecer livremente

urna solu«;ao própria, com base em estudos sociológicos, quando dos

textos legais nao fosse possível inferir urna solu«;ao que correspondesse ao fato sob exame, de maneira adequada e justa.

Percebe u Ehrlich, como assinala Recaséns Siches, que é ao

juiz que compete decidir qual dos interesses em jogo, que se dao

num litígio sub metido a sua jurisdi«;ao, corresponde ao tipo de

interesse previsto pela lei, em termos gerais, como digno de

p r o t e ~ a o , assim como decidir se o ataque é, ou nao, da mesma

espécie prevista na lei.Sucede que a vida é incomparavelmente mais rica que os

conceitos e tipos contidos nas normas jurídicas gerais: os interes

ses, na realidade, apresentam urna variedade de matizes diferentes

entre si, em número tao grande e em varia«;6es tais, q'!e nenhuma

norma jurídica, ou conjunto de normas jurídicas, poderia jamais

expressar. Isto suscita para a f u n ~ a o judicial graves dificuldades

lógicas.A norma jurídica geral nao pode produzir nada mais do que

os comandos que contém, previamente, em termos abstratos. Por

mais explícita e lógica que seja, nao pode ir além disso.39

Gustav Radbruch (1878-1949), outro adepto da Escola do

Direito Livre, em sua ala moderada, afirmou que a interpreta«;ao

nao se dirige ao já pensado, nao consiste em pensar, posteriormen

te, o já pensado em um momento anterior; diversamente, é pensar

o sentido objetivamente válido do preceito jurídico.Assim entendendo a tarefa hermeneutica, pensa que deva ser

conferida ao intérprete certa margem de liberdade, a fim de que

supra as lacunas da lei e reconcilie o POyO com o direito prático.

39 Luis Recaséns Siches, ob. cit., ps. 51 e 52.

Page 45: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 45/106

56 loÁo BAPTISTA HERKENHOFF

Kantorowicz é O representante maior, ao lado de Emst Fuchs,da corrente mais radical da Escola.

Segundo sua visao hermeneutica, se o texto de lei é unívocoe se sua a p l i c a ~ a o ao caso concreto nao produz urna s o l u ~ a o que

fira os sentimentos da comunidade, vale dizer, se nao viola o

"Direito Livre" o juiz deve decidir com apego a orma legislativa.

Mas o juiz pode e deve prescindir da lei, quando se encontrenas s i t u a ~ o e s seguintes:

a) se lhe parece que a lei nao oferece urna s o l u ~ a o carente dedúvidas;

b) se lhe parece, segundo sua honrada c o n v i c ~ a o , que nao é

verossírnil que o poder estatal existente, no momento do fato,

haveria de ditar a r e s o l u ~ a o que se depreenderia da lei.

Em ambos os casos, o juiz deverá prolatar a s e n t e n ~ a que,

segundo sua c o n v i c ~ a o , teria sido decretada pelo atual poder doEstado, se es se poder tivesse pensado no caso concreto.

Se o juiz nao for capaz de formar essa c o n v i c ~ a o , entao seinspirará no "Direito Livre" 40

As decisoes contra legem Kantorowicz via como um mal,contudo inevitável.

Para Kantorowicz, nao caberia aCiencia jurídica limitar sua

atividade apenas ao domínio do que já é conhecido. Também seria

tarefa sua constituir-se em fonte produtora de regras, pesquisadorae criadora de direito.

Via Kantorowicz, como ideais do Direito Livre:

a) a popularidade da jurisprudencia viva;

b) sua e s p e c i a l i z a ~ a o a cargo de profissionais;c) sua imparcialidade;

d) a própria j u s t i ~ a , que reclama liberdade, personalidade ecompetencia. 41

40 Id., ib" ps. 56-57.

4\ Cf. Mário Franzen de Lima, ob. cit., ps. 84-85.

COMO APLICAR O DIREITO 57

Para Kantorowicz, quer o legislador, quer o juiz nao agemmovidos apenas pela inteligencia, mas também pela vontade: na

s e n t e n ~ a , o juiz escolhe o princípio que melhor embasa suadecisao.

Ernst Fuchs (1859-1929) profligou o fetichismo da lei escrita,o culto dos conceitos e das c o n s t r u ~ o e s lógicas, assinalando que o

ideal, que deve orientar o Direito, é a busca daj u s t i ~ a

material, enao a c o n s t r u ~ a o exata.Oscar Bülow observou que, nao raramente, pela f o r ~ a das

coisas e insuficiencia das fórmulas, o juiz é obrigado a decidircontra a lei. 42

Os mais diversos autores da Escola do Direito Livre (Ernst

Fuchs, Eugen Ehrlich, Hermann Kantorowicz, Rumpf) de sta

caram ser o juiz mais importante do que a lei, dependen do a boa

a d m i n i s t r a ~ a o da j u s t i ~ a , fundamentalmente, das c o n d i ~ o e s depersonalidade, competencia e cultura dos magistrados.

Também ac o l a b o r a ~ a o

da Psicologia e das Ciencias Sociaisem geral, no trato dos problemas do Direito, foi defendida pelaEscola (Fuchs, Kantorowicz).

A Escola do Direito Livre teve o aplauso irrestrito, ou comreservas, de alguns, e a c o n d e n a ~ a o , ou crítica desfavorável, deoutros.

Radbruch qualificou-a como o mais vigoroso sinal de vida daciencia jurídica depois de Ihering. Hellwig e Sternberg aprovarama Escola, nas suas tendencias moderadas. H. Lévy-Bruhl condenou-a, por privilegiar as c o n v i c ~ o e s pessoais do juiz, gerandos o l u ~ o e s diferentes para um mesmo litígio e enfraquecendo ac o n f i a n ~ a do POyO no Poder Judiciário.

Em síntese, a Escola mereceu aplausos:a) enquanto valeu como protesto contra a jurisprudencia

conceitual;b) enquanto pretendeu encorajar a a ~ a o criativa do juiza ace

das lacunas do sistema jurídico;

42 Cf. Mário Franzen de Lima, ob. cit., p. 80.

58

Page 46: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 46/106

loAo BAPTISTA HERKENHOFF

c) pelo fato de ser rica de sugest6es, abrindo perspectivasimprevistas para a vida do Direito;

ti) por ter contribuído para a e v o l u ~ a o do Direito, ao justificar

as decis6es praeter legem, que vieram a ser consagradas peloCódigo s u í ~ o e por outros, posteriormente;

e) por ter valorizado o papel do juiz na a p l i c a ~ a o do Direito;

f) por ter colocado o caso concreto numap o s i ~ a o

superior ac o n d i ~ a o de generalidade, que é inerente a norma jurídica;

g) poter r e a l ~ a d o a p o n d e r a ~ a o da realidade e dos valoressociais, na a p l i c a ~ a o do Direito;

h) por ter abalado a certeza em que se acreditava estara l i c e r ~ a d a a ordem jurídica positiva;

i) por ter despertado o jurista para a p r e o c u p a ~ a o com urna

tabela axiológica informativa da i n t e r p r e t a ~ a o e a p l i c a ~ a o doDireito.

As censuras a Escoia recaíram nos seguintes aspectos, em

resumo:a) incentivaria o subjetivismo e o arbítrio judicial;b) poderia conduzir a urna ditadura togada;c) constituiria urna a m e a ~ a a ordem;

ti) invalidaria a s e g u r a n ~ a , a certeza, a estabilidade, a unidade

e a objetividade, que deveriam constituir características do Direito;e) d e s m o r o n a r i ~ as garantias jurídicas.43

Kantorowicz respondeu as críticas que foram e n d e r ~ a d a s aEscola.

C o m e ~ o u por negar a veracidade dos apregoados méritos da

J u s t i ~ a impessoal, que a Escola do Direito Livre estaria a m e a ~ a n -do. Afrrmou que sao ideais irrealizáveis: a) ser toda decisaofundada na lei; b) ser o juiz o executor fiel da lei; c) serem todos

43 Cf. Roberto Piragibe da Fonseca, ob. cit., p. 142; Paul0 Dourado de Gllsmao, Introdu¡:iio aTeoria do Direito, Rio, Freitas Bastos, 1962, ps. 160-162; J. Flóscolo da Nóbrega, ob. cit., p.

216; Mário Franzen de Lima, ob. cit., ps. 89-92; Miguel Reale, ob. cit., ps. 283-285; Naylor

Salles Gontijo, ob. cit., p. 306; André Franco Montoro, Introdu¡:iio aCiencia do Direito, Sao

Paulo, Revista dos Tribunais, 2° vol., ps. 132 e 133.

COMO APLICAR O DIREITO 59

os casos decididos exclusivamente pela lei; ti) ser sempre motivada

qualquer decisao; e) ser sempre objetiva, restritamente científica e

isenta de paixao a s e n t e n ~ a judiciária.

Quanto aos perigos de arbítrio judicial e incerteza do Direito,

resultantes dos postulados do Direito Livre, acreditava que o

hipotético mal é evitado pela pluralidade dos julgadores e pelo

duplo grau de j u r i s d i ~ a o . A Escola do Direito Livre sacudiu verdades estabelecidas e

representou um progresso no pensamento jurídico. Abriu perspec

tivas para a Ciencia do Direito e investiu a f u n ~ a o judicial de maior

responsabilidade e importancia, r e a l ~ a n d o o papel criativo inerente

a ela.

18.3. Escola Sociológica Americana

Surgiu nos Estados Unidos, na primeira metade deste século,

tendo, como corifeu, Roscoe Pound, e principais integrantes OliverWendel Holmes, seu precursor, Benjamim Nathan Cardozo e Louis

Brandeis.

Foi um movimento paralelo a Escola do Direito Livre, na

Alemanha, e a Escola da Livre Pesquisa Científica, na F r a n ~ a . Partindo da c o n s i d e r a ~ a o de que o Direito é essencialmente

mutável, condicionado as v a r i a ~ 6 e s da vida social, a Escola pre

tendeu substituir as c o n c e p ~ 6 e s de caráter racionalista, no campo

do jurídico, por procedimentos empíricos e utilitaristas.

Os conceitos fixos e imutáveis, os padr6es eternos de j u s t i ~ a nao sao apropriados para compreender a realidade do Direito,submetida ao evolver dos fatos sociais e a relatividade do humano.

O Direito é um instrumento de c i v i l i z a ~ a o . Cabe-Ihe servir a

melhoria da ordem social e econ6mica. Reclama do jurista um

trabalho consciente e criador.Repercussao hermeneutica desse posicionamento é a com

preensao de que o juiz deve interpretar as normas, procedendo a

correta p o n d e r a ~ a o valorativa das realidades sociais. A lógica

desempenha papel secundário. Ante um caso a decidir, o juiz

COMO APLICAR O DIREITO 61

Page 47: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 47/106

60 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

formula juízos de valor e escolhe a solu<;ao, dentre as diversas

possibilidades que a ordemjurídica oferece.44

Por es se motivo, Roscoe Pound (1870-1964) diz que

"a ciencia do direito é urna ciencia da engenharia social quetem de haver-se com a parte desse campo, suscetível de se realizarpor meio da regula<;ao das rela<;Oes humanas através da a<;ao da

sociedade políticamente organizada. ,4 5

Influencia notável sobre a Escola Sociológica Americanaexerceu a "lógica experimental", do fIlósofo pragmatista JohnDewey, que é, por esse motivo, considerado, de certa forma, comoligado a essa corrente.

Dewey afrrmou que a lógica dedutiva deve ser abandonada, .

como instrumento principal e decisivo, para chegar a senten<;a

judicial. Deve ser substituída por um tipo de lógica que, em vez de

partir dos antecedentes, tenha seu centro de gravidade na conside

ra<;ao das conseqüencias. Os princípios jurídicos gerais devem ser

considerados somente como hipóteses de trabalho e, nessa condi<;ao, necessitam ser constantemente verificados sob o critério de

exame dos efeitos que produzem, ao serem aplicados as situac6es

concretas.46

Defendendo as vantagens da Justi<;a judiciária, ou seja, da

Justi<;a ministrada por especialistas judiciais, Roscoe Pound tra<;a'

os contornos da teoria hermeneutica de sua Escola.

Diz que a Justi<;a judiciária"combina as possibilidades de certeza e flexibilidade melhor

do que qualquer outra forma de ministrar justi<;a. Proporciona a

certeza mediante o treinamento do juiz no desenvolvimento lógicoe na exposi<;ao sistemática de materiais autorizados para decisao.

44 o posicionamento hermeneutico da escola choca-se com a visao da funlrao judicial como

fun\;3o lógica: "Nao se pode consentir aautoridade judicial que se preocupe com os efeitos

que podem provir da apliC3\;ao exata da lei." (Pascuale Fiore, Interpretación de las Leyes,

Madrid, Editorial Reus, 1927, ps. 550-551.)

45 Roscoe Pound, Justifa conforme a Lei, Silo Paulo, Ibrasa, p. 32.

46 Ioho Dewey, "Logical Method and Law", in Comell Law Review, X, 1924, apud Luis

Recaséns Siches, ob. cit., ps. 82-83.

Garante O desenvolvimento, permitindo O exame científico de

pontos de partida recebidos para o r a c ~ o c í n i o j u r í d ~ c o , com ~ e f e -rencia a casos concretos, e a corre<;ao de preceltos medIante

extensao ou restri<;ao, pela experiencia de aplica<;ao e do ~ r o ~ e ~ s o gradual de inclusao e exclusao, com fundamento em pnnclplos

• ." 7raClOnalS .

Objetivando urna justa elabora<;ao e individualiza<;ao de ~ o r -mas jurídicas, Roscoe Pound formulou um programa que consIdera adequado para a "jurisprudencia sociológica", fundado nos

seguintes pontos: . , .., _1°) investiga<;ao sobre os efeltos SOCIalS das mstltUl<;oes e

doutrinas jurídicas; .2°) prévio estudo sociológico das realidades atUalS para a

prepara<;ao da tarefa legislativa;3°) estudo dos meios adequados para fazer com que os pre-

ceitos jurídicos tenham eficácia na realidade;. ._

4°) história jurídica . sociológica pru:a ~ ~ e n g u a r a s l t ~ a < ; a o social na qual se produzlU urna norma Jundlca, com o ~ l m deinformar se essa norma jurídica é digna, ou nao, de sobrevlver;

5°) estudo do método jurídico, isto é, dos fatores ~ s i ~ o l ~ g . i c o s e de outra índole e dos ideais que atuam sobre a fun<;ao JUdICIal;

6°) reconhecimento da importancia máxima de encontr,?I u ~ a solu<;ao justa e razoável para os casos concretos, tanto.n? am?ltodo Direito Privado, quando no do Direito Penal e AdmInIstrativo;

7°) estabelecimento de um Ministério d ~ J.usti<;a e n c a r r ~ g a d o de redigir projetos de lei, com o fim de comglf os anacromsmos

que persistem no campo do Direito Privado;

8°) esfor<;o para tornar de fato mais eficaz a realiza<;ao dosfins do Direito.

48

Benjamin Cardozo (1870-1938) observou que, n ~ conduta

judicial, há processos mentais conscientes e s u b c ~ n . s c l e n t e s : os

subconscientes exercem muitas vezes um papel decIsIVO.

47 Roscoe Pound, ob. cit., p. 94.

48 Cf. Luis Recaséns Siches, ob. cit., p. 78.

Page 48: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 48/106

62 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Analisando suas próprias experiencias judiciais, Cardozo observou que utilizava quatro métodos para proferir suas s e n t e n ~ a s : o da progressao ou d e d u ~ a o lógica, o de buscar i n s p i r a ~ a o na linhade desenvolvimento histórico de urna i n s t i t u i ~ a o jurídica, o deater-se aos dados dos costumes e das c o n v i c ~ o e s sociais vigentese o de inspirar-se em c o n s i d e r ~ O e s de j u s t i ~ a e bem-estar social.

O último consisteem

tomar emc o n s i d e r a ~ a o

esses valores dej u s t i ~ a e bem-estar social, encadeados com um conscienciosoestudo sociológico dos interesses que se contrap5em no pleito.

Para Cardozo, esse método nao é apenas um último, que seacrescenta os anteriores. Muito mais que isto, deve ser o critériopara decidir qual o método a empregar ante o caso concreto, poisafinal o objetivo do Direito é a j u s t i ~ a e o bem-estar social.Nenhuma norma que, em seu resultado prático, se afaste dessafinalidade pode ter justificada sua existencia.

Cardozo nao ptega, entretanto, a desobediencia do juiz ao

Direito Positivo. Os ideais deJ u s t i ~ a

e bem-estar social, a que serefere, orientarao o julgador na sua tarefa de resolver até queponto as normas existentes serao interpretadas extensiva ourestritamente.49

Oliver Holmes (1841-1936) observou que a vida real doDireito nao tem consistido em lógica, mas sim em experiencia. As

necessidades sentidas em cada época, as teorias morais e políticasdominantes, as i n s t i t u i ~ O e s em que a a ~ a o política se tem inspirado(quer as confessadas explicitamente, quer as inconscientes), ospreconceitos que os juízes, como a generalidade das pessoas,

alimentam - tem tido maior importancia do que os silogismos, nad e t e r m i n a ~ a o das normas jurídicas. 0

Algumas idéias básicas resumem a c o n t r i b u i ~ a o da EscolaSociológica Americana para a e v o l u ~ a o do pensamento jurídico: orealce ao sentido de mutabilidade do Direito, a c o n s i d e r a ~ a o darelatividade do humano, a importancia da p o n d e r a ~ a o das realida-

49 cr. Luis Recaséns Siches, ob. cit., ps. 70 e segs.

50 cr. Lujs Recaséns Siches, ob. cit., p. 43.

,r COMO APLICAR O DIREITO 63

des sociais nos julgamentos, a r e v e l a ~ a o de que a prática do Direitoé mais experiencia e menos lógica e, finalmente, a c o n s t a t a ~ a o dap r e s e n ~ a de processos subconscientes na tarefa judicial.

18.4. Escola da Jurisprudencia de Interesses

Surgiu na Alemanha, no primeiro quartel do século XX, tendosua figura máxima na pessoa de Phi1ipp Heck (1858-1943) e outrosrepresentantes ilustres em Max Rümelin (1861-1931), Paulo Oertman eStampe.

É princípio básico da escola que a i n v e s t i g a ~ a o dos interesses,e nao a lógica, é que deve presidir ao trabalho hermeneutico.

Disse Philipp Heck que toda decisao deve ser entendidacomo urna d e l i m i t a ~ a o de interesses contrapostos e como urnaestimativa desses interesses, conseguida através de juízos eidéias de valor.

Ao editar urna lei, o legislador colima proteger os interessesde um determinado grupo social. As normas jurídicas constituemassim juízos de valor a respeito desses interesses. O juiz, quandoprofere s e n t e n ~ a , deve, ante o caso concreto, descobrir o interesseque o legislador quis proteger, isto é, que interesse dos grupossociais antagónicos deve prevalecer, ou mesmo, se esses interessesdevem ser sobrepostos pelos da comunidade como um todo.

A s o l u ~ a o de um litígio deve ser enfrentada como a diagonal de um paralelograIllo de f o r ~ a s , cujos lados sao os interessesem disputa. A missao do juiz é proceder ao cálculo dos interesses

em conflito: indagar os "interesses causais da lei" e privilegiar o;,direito socialmente mais adequado ao caso. Ao contrário da orient a ~ a o tradicional, que se atinha sobretudo aos conceitos jurídicos, a Escola da Jurisprudencia de Interesses prepondera, naa p l i c a ~ a o do Direito, os interesses em jogo: o objetivo deve sera s o l u ~ a o justa, aquela que melhor se adapta as peculiaridadesdo caso.

Nao aceita a escola que o juiz possa criar uma nova ordemjurídica, como pretendiam, segundo Heck, os partidários de Kan-

COMO APLICAR O DIREITO65

Page 49: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 49/106

64 loAo BAPTISTA HERKENHOFF

torowicz: compete-Ihe colaborar com a ordemjurídica vigente, no

sentido de efetivar os ideais e valores que a inspiraram. 51

A Escola da Jurisprudencia de Interesses parte de duas idéias

fundamentais:

l a) O juiz está obrigado a obedecer ao Direito Positivo. A

f u n ~ a o do juiz consiste em proceder ao ajuste de interesses, em

resolver conflitos de interesses, do mesmo modo que o legislador.A disputa entre as partes apresenta-Ihe um conflito de interesses.A v a l o r a ~ a o dos interesses levada a cabo pelo legislador deve

prevalecer sobre a v a l o r a ~ a o que o juiz pudesse fazer segundo seucritério pessoal;

2a) as leis apresentam-se incompletas, inadequadas e até

contraditórias, quando confrontadas com a riquíssima variedadede problemas que os fatos sociais vao suscitando, no decorrer dosdias. O legislador deveria esperar do juiz nao que obedecesse literale cegamente as palavra&,da lei, mas, pelo contrário, que expandisseos critérios axiológicos nos quais a lei se inspira, conjugando-oscom os interesses em conflito. A f u n ~ a o do juiz nao se deve limitara subsumir os fatos as normas: compete-Ihe também construirnovas regras para as s i t u a ~ 6 e s que a lei nao regulou e, ainda,corrigir as normas deficientes. Em suma, o juiz deve proteger atotalidade dos interesses que o legislador considerou dignos dep r o t e ~ a o ; e protege-los, em grau e hierarquia, segundo a estimativado legislador.52

Max Rümelin chama a a t e n ~ a o para o fato de que o fim último

de toda l e g i s l a ~ a o consiste em regular de modo apropriado as

r e l a ~ 6 e s inter-humanas. O legislador procura realizar esse propó

sito por meio da d e l i m i t a ~ a o das várias esferas de interessesprotegidos, valorando os diferentes interesses opostos a luz da

idéia do bem comum. O juiz deve guiar-se menos pelas palavras e

51 Cf. Paulo Jorge de Lima, oh. cit., ps. 83 e 130; A. L. Machado Neto, Teoria Geral do

Direito, ps. 240-241; Paulo Dourado de Gusmao, Introduráo ao Estudo de Direito, Rio,

Forense, 1978, p. 478; Roberto Piragibe da Fonseca, ob. cit., p. 143; Luis Recaséns Siches,

ob. cit.. p. 59; Fernando Fueyo Laneri, Interpretación y Juez. Santiago do Chile, Universidad

de Chile y Centro de Estudios. Ratio Juris, p. 101.

52 Cf. Luis Recaséns Siches. ob. cit.. p. 62.

mais pelas estimativas do legislador. Nos c ~ o s em que ~ u r g e m conflitos de interesses que nao foram preVIstos pelo l e g l s ~ a d ? r , nem em termos gerais, deve o juiz basear-se em suas p r o p r ~ a s estimativas, guiando-se, quanto possível, pela pauta das conVlC-

~ 6 e s sociais vigentes em sua época. 3 . .A Escola da Jurisprudencia de Interesses c o n t n b u l U ~ p':'fa

proporcionar urna compreensao melhor da yu:efa hermeneutlca

sobrelevando o interesse, na a p l i c a ~ a o . do J ? l r : l ~ o , e mostrando asupremacia desse valor sobre os conceltos Jundlcos.

Demonstrou que bem mais importante do que obter urna

supo sta i n t e r p r e t a ~ a o autentica d, : lei é p r ~ o ~ u p a r - s e com as c o n ~ seqüencias sociais das i n t e r p r e t a ~ o e s posslvels, optando por aque

la i n t e r p r e t a ~ a o cujos efeitos sao melhores.54

18.5. Escola Realista Americana

Ala extremada da Escola Sociológica Americana, a Escola

Realista Americana eclodiu também na primeira metade desteséculo e teve suas principais figuras em Jerome New Frank \1889-

1957) Karl Nickerson Llewellyn (1893-1962), John Chlpman

Gray, 'Underhi ll Moore, Herman Oliphant, Walter W. Cook e

Charles E. Clark.Partindo de um extremo realismo, a Escola . d e ~ e ~ ; ~ l v e urna

desmistificadora análise psicológica da f u n ~ a o J U ~ l c l a ~ l a ~ o m afinalidade de comprovar a p r e s e n ~ a de f a t o r ~ s l : r a c I . o n a ~ s , . de

natureza efetiva, que em vao a teoria da a p h c a ~ a o stloglstlca,

lógica, impessoal da lei procura encobrir. . . ' .

Na verdade, a s e n t e n ~ a j u d i c i a l nao segumao p ~ o c e ~ s ~ 10glCO(das premissas ir conclusao), mas o pr?cesso 5pslcologlCO (da

conclusao aprocura de premissas convementes).

53 Id. ib • p. 63. - . R' F54 Ver também Luiz Fernando Coelho, Lógica Jurídica e Interpretarao das LeIS. 10, orense,

1979. ps. 104 e segs. (1' e d i ~ o da obra). , .

A. l- ~ he ou Calamandrei Cf Piera Calamandrei. Eles. os JUlzes. VIstos por

55 mesma conc u_ o e g . .

Nás. os Advogados. Lisboa, Livraria Clássica, 1977. p. 144.

COMO APLICAR O DIREITO67

Page 50: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 50/106

66 lOAO

Razoes emocionais é que orientariam os julgamentos. Em

conseqüencia, a ciencia do Direito seria urna aposta sobre o quedecidirao juízes e tribunais, mera suposierao do que virá a ser a

sentenera.Centrando seu interesse nas decisoes judiciais, seus procedi

mentos e processos, na atividade dos juízes, a Escola Realista

Americana obscurece a visao do Direito como sistema de normasjurídicas.

O que dizem as leis e os regulamentos, os precedentes jurisprudenciais e os costumes efetivos poderao constituir fontes de

presunerao para vaticínios prováveis, contudo nao subministramurna resposta absolutamente segura, porque o Direito real e efetivoserá aquel e que sobre o caso proposto resol va o órgao jurisdicional.

As normas muito pouca influencia exercem sobre o direito criado

pelos tribunais. Daí a importancia de estudar o comportarnento dosmagistrados, onde estaria o cerne do verdadeiro Direito. O Direitoseria sobretudo reflexo'"da realidade social, resultado da conduta

dos POYOS e dos homens, especialmente os juízes.O que interessa aos realistas é averiguar o Direito efetivamen

te real. Este nao é nem o que aparece declarado nas regras legisla

tivas nem o que os juízes declaram como base de suas sen eneras,

mas de fato aquele que os juízes criam, independentemente do que

exponham nas suas decis5es.56

Observou Frank que, segundo a idéia predominante, o Direito

seria geral, uniforme, contínuo, igual e puro. Mas isto, segundo ele,nao é verdadeiro: a experiencia mostra o contrário. Para qualquer

pessoa, o Direito certo sobre urna determinada situacrao é somente asentenera que um tribunal pronuncia sobre aquel a situaerao, atetandoexclusivamente aquele caso particular.57

56 Cf. Luis Recaséns Siches, ob. cit., ps. 93, 96 e 97; A. L. Machado Neto, Teoria Geral do

Direito, citada, ps. 241-242; Paulo Jorge de Lima, ob. cit., ps. 112 e 162.

57 Veme ngo opiie-se a est a conce¡>\:ao, nos seguintes tennos: "La interpretación, encamada en

el fallo judicial, es un hecho bruto y singular, de la historia del mundo. Adoptando esta

exageración, s610 cabria hacerse cargo de la existencia de ese hecho bruto y, eventualmente,

tratar de sistematizar el repertorio que de su clase hagamos, buscando, en el material

inorgánico que los jueces producirian, circunstancias recurrentes que sirvieram como

O Direito é mutável e tem urna dimensao essencialmente

plástica, de adaptaerao a novas situaeroes e ~ i r c u n s t a n c i a s . Daí ter o juiz que formular a norma, amda que comumente o

faera sob a aparencia de interpretar velhas normas. . . .Noutro trecho, sublinha Frank que a personahdade do JUlZ

constituí fator decisivo na sentenera. . .Para que o Direito tivesse plena uniformidade, c ~ n t I ~ U l d a d e

e certeza, seria necessário que todos os j u í z e ~ f o s s e ~ IgUaIS, c o ~ identicos hábitos e mente estereotipada. Mas ISSO sena aconselha

vel? _ indaga Frank. E responde ~ e g a t ~ v a m e n ~ e " a f i ~ a n ? o que,para servir melhor a ustiera, convem seJam os JUlzes mtehgentes,

sensíveis e ilustrados, o que gera menos certeza, seguranera e

uniformidade. - ,A dimensao de incerteza, no Direito, prossegue Frank, nao e

um mal catastrófico, mas constitui urna das dimensoes que torna

poss ívelo alcance de urna maior Justiera e também o progresso do

Direito. . " .A

Frank reconhece que existem normas JundIcas geraIs e v ~ ~ a s mesmas urna funerao importante. Nega, . contudo, 9ue o dIreItoefetivo, produzido pelos tribunais, C?nSIsta exclUSIvamente em

conclusoes extraídas das normas gerrus.Pensa Frank que sobre o juiz influem, dentre outros: .os

seguintes fatores: a educacrao g e ~ a l e j u r í ~ i c a , os v í n ~ , ~ . d o . s f a m ~ l ~ a -res e pessoais, a posierao econoffilca e SOCIal, a e x p e n ~ n c I a poh!ICae jurídica, a filiaerao e opinHio política, os traeros mtelectuaIs e

temperamentais. . . . . .O juiz cría sempre o DueI t? efeuvo,. amda que haJa n o ~ a s

gerais preexistentes. Tem de reVIsar e r ~ a J u s t a r as regras preeXIS-tentes para que o caso proposto se enCaIxe nelas. . .

Tem sido muito exagerado o grau de seguranera que o pIreIto

pode proporcionar. !em sido t ~ b é m exagerados os benefICIOS da

certeza, asim como os males da mcerteza.

criterios de clasificación." R. J. Vemengo, La Interpretación Jurídica, México, Universidad

Nacional Autónoma de México, 1977, p. 114.

JoAo69

Page 51: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 51/106

Nao é verdade que exista plena certeza, nem sequer nossistemas legislados rígidos.

Há urna miopia em querer dissimular o caráter essencialmenteplástico e mutável do Direito.

O realce de nossa época - pondera Frank - recai sobre a

mudanc;a, sobre o encaminhamento da mudanc;a num sentido

progressivo, mais do que sobre a seguranc;a.

58

Llewellyn distinguiu as "regras no papel" e as "regras efeti

vas" .

Há regras que ficam apenas no papel, que de fato nao sao

tomadas em conta pelos juízes.

Há outras normas formuladas em leis, regulamentos e precedentes que o juiz pretende tomar em considerac;ao, que o juizmenciona como fundamento para sua sentenc;a, mas que na realidade nao segue, ou segue apenas de modo parcial.

Gray notou que o legislador só emite palavras, as quais entramem ac;ao efetiva unicamente através das sentenc;as dos tribunais.Claro - disse ele - que há limites para a faculdade judicial deinterpretac;ao; mas esses limites sao vagos e nao estao definidoscom precisao.

Frank, na posiC;ao mais extremada, via a livre interpretac;aojudicial como o verdadeiro canal da criac;ao do Direito, reconhecendo nesse processo criativo um grande valor social, nao obstantea inseguranc;a e incerteza conseqüentes.

O desejo de um direito estável, de urna ilusória certezajurídica representaria, segundo Frank, um complexo de origeminfantil, qual seja, o de nao ter superado a necessidade de um pai

autoritário: buscavam as pessoas, no Direito, inconscientemente,um sucedaneo a infalibilidade e firmeza que, quando crianc;as,atribuíam ao pai.

Llewellyn, mais moderado, reconhecia que as regras jurídicas

influenciavam na formaC;ao das sentenc;as, mas nem de longetinham a importancia que lhes atribuíam as corren es tradicionais.

58 Cf. Luis Recaséns Siches, ob. cit., ps. 101 e 102, 104 e lOS, 108 e 111.

COMO APLICAR O DIREITO

A nota comum aos autores da Escola é urna atitude ~ é t i c a arespeito da descriC;ao tradicional da conduta real e efetlva dos

tribunais.59

• • • -

A Escola Realista Americana contnbulU p a r ~ dar urna V l S ~ O mais autentica da vida jurídica, derrubando p a d r o e ~ como o ~ .euniformidade e generalidade do Direito, i m p e s s o a h ? ~ d e do jUlZ

tc Em seu lugar mostrou que o Direito tem, na plastlcldade, urnae . , . ' nos a norma e ocaracterística essenclal, que a sentenc;a e m ~ . d de que a

recedente e é mais o juiz com toda a. sua umam, a ,~ e g u r a n c ; a jurídica é precária, mas que a mseguranc;a e o prec;o do

progresso.

18.6. Escala Egológica

A Teoria Egológica do Direito, do jurista arg.en!ino ~ a r l ~ s Cossio considera que o objeto a ser conhecido pelo j u n ~ t a ;ao s ~ o as n o r ~ a s porém a conduta humana f o c a l i z ~ d a a partir e.cer o

angulo p a ~ i c u l a r . Da mesma maneira que o.objeto dOIc o n h ~ c : ~ ~ -

to do astronomo sao os astros, e nao as lels de K ~ p er e e _ '. com os qUalS os astros sao

porque estas sao apenas concel os , . b' t dconhecidos assim também, na Ciencia Dogmatlca, o o ~ e o o

c o n h e c i m e ~ t o do jurista nao sao as normas, mas a c o n ~ u t ~ ~ u m a ~ a em sua interferencia intersubjetiva, porque as n o ~ m a s h u n ? ~ c a s ~ ~ somente conceitos com os quais aquel a conduta e con eCI a co

conduta (iO • , . dC o ~ o esclarece Cossio, para entender a T e o r ~ a Egologlca o

Direito, é preciso partir das c l a s s i f i c a ~ 6 e s .dos obje!os, e l a b ? ~ a d a pela filosofia contemporanea - objetos ldeals, naturalS, metaflSlcos

e culturais. . A . A . ( que naoOs objetos culturais sao realS e tem e X I s t e n c l ~ A o. .

ocorre com os objetos ideais), encontram-se na e x p e n e n c I ~ (dIversamente dos objetos ideais e metafísicos) e sobre eles po em ser

Cf Luis Recaséns Siches, oh. cit., ps. 94, 95 e 98. .59. . T ' E 1'" , del Derecho y el Concepto Jurídico de L1berllld, Buenos60 Carlos COSSIO, la eorlll !(O O!(IW .

Aires, Abeledo-Perrot, ps. 50-51.

71

Page 52: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 52/106

70 JoÁo BAPTISTA HERKENHOFF

proferidos juízos de valor (em c o n t r a p o s i ~ a o aos objetos ideais enaturais). .

Nos objetos culturais há sempre um substrato e um sentido.O substrato é empírico. O sentido só existe intelectualmente, comovivencia psicológica de alguém.

O objeto cultural exige um conhecimento por compreensao,

no qual o su eito toma partido no problema, estando dentro do dadoque se quer conhecer. Esse conhecimento é circular, urna vez queparte do substrato para o sentido, retomando ao substrato, paravoltar ao sentido e, assim, indefinidamente, em forma circular, atéque o espírito queira deter-se, sentindo-se satisfeito com o resultado obtido.

A esse método de conhecimento deu Cossio a d e n o m i n a ~ a o de empírico-dialético: empírico, porque corresponde ao modo de

ser do substrato e do sentido enquanto dados reais, pertencentes ao

mundo da experiencia; dialético, pela forma circular do conheci

mento que vai e vem, do substrato ao sentido.Em f u n ~ a o da natureza do substrato, os objetos culturais,

segundo Cossio, podem ser mundanos (quando o substrato é

material) e egológico (quando no substrato há urna conduta

humana).

O Direito é um objeto natural egológico por ter sempre, emseu substrato, urna conduta.

Deve ser estudado com o método das ciencias culturais, ométodo empírico-dialético, fundado em um ato de compreensao.

Quando o juiz profere uma s e n t e n ~ a , exercita um conheci

mento por compreensao. Parte das circunstancias do caso (substrato) para vivenciar o seu sentido expresso na lei, como se tivesse

a e s b o ~ a r a s e n t e n ~ a . Volta depois e reconsidera o caso a fim deverificar se a primeira conc1usao corresponde ao sentido, ou se

escapou alguma coisa. Depois regressa ao substrato, com umaidéia

mais clara do sentido do caso. E assim procede, indefinidamente,

até satisfazer-se com a compreensao que a l c a n ~ o u do caso.

A ciencia jurídica é normativa nao porque tenha por objeto

normas, mas sim porque o jurista pensa através de normas.

COMO APLICAR o DIREITO

A norma estabelece o sentido jurídico da conduta: é ~ e c e . s s ~ ria para distinguir urna conduta lícita da ilícita. A ~ a a I . n t ~ I ~ a o quando se trata de apreender imediatamente a e s s e n c ¡ a . d o ) ~ n d I ~ ~ na conduta, enquadrando-a na categoria das condutas j U n d I ~ a ~ .

Discorrendo sobre a p o s i ~ a o do juiz em ~ a c e do ~ I ~ e I t o , Carlos Cossio coloca alguns pontos que ele consIdera capItrus.

A c r i a ~ a o judicial da s e n t e n ~ a exige do juiz_um comporta

mento com sentido. Há, pois, na raiz de sua a t u a ~ a o urna t ~ m a d a de p o s i ~ a o , urna i n t u i ~ a o e m o c i o ~ a l , um . a t ~ de c o m p r e e n s ~ o s ~ m o qual aquele sentido nao podena ~ o ~ S t l t u I r - s e . Esse sentIdo e a

j u s t i ~ a ou i n j u s t i ~ a , percebIda pelo j ~ I Z , no ato mesmo de s e n ~ e ~ ciar, no qual o juiz e as pessoas mteressadas na sua deCIsaocompartem algo vital em comum. . " .

A c r i a ~ a o judicial da s e n t e n ~ a mostra, com eVIdencIa, que o

juiz nao é um ente estranho ao Direito e separado dele, de modo

que pudesse mirá-Io adistancia. .O Direito nao é algo terminado e fixo para ser aplIcado

quando chega o caso, assim como se ~ s s e ~ t a o ~ e ~ o sobre o lacre.

Da própria estrutura conceptual que Impoe a 10gIca d ~ dever-ser

resulta que - se as senten<;as integram a c r i a ~ a o ~ o r m a t I v a em queconsiste o ordenamento jurídico - o juiz, como cnador da senten<;a,está dentro e nao fora, do ordenamento.

Em .c¿nseqüencia, o juiz nao ve o Direito como concluído e

feito, porém como algo que se está f a : e ~ d o constantemente. ,E mais: o juiz nao apenas ve o DueIto c o m o , a l ~ o ~ ~ e se e s ~ a

fazendo constantemente, mas como algo que o propno jUlZ contn-

b . f ~ ulU para que se a<;a. .É inútil toda tentativa de querer extrrur da norma legal, por

dedu<;ao, a razao de ser jurídica da senten<;a. A razao. de ser j ~ r í ~ i c a está em que o juiz trata de compreeender o sentIdo de justI<;a,solidariedade, ordem etc., que a lei indica.

63

61 CL Paulo Dourado de Gusmao,/ntroduriio ii Teoria do Direito, citada, ps. 275 e segs.

62 Carlos Cossio, ob. cit, ps. 113-115.

63 Apud Luis Recaséns Siches, ob. cit, p. 113.

Page 53: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 53/106

72 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Noutro passo, assinala Cossio que aplicar a lei é enfocar urna

conduta a partir do angulo da lei, ou seja, pOr um sentido - o sentido

axiológico iniciado na lei - na conduta que se considera. Mas, de

forma paradoxal, é também o contrário, é também extrair um

sentido da conduta que se considera.64

Nao é a lei o que se interpreta, mas a conduta humana

mediante a lei.Essa a f I r m ~ O de Carlos Cossio revoluciona a hermeneutica,65

urna vez que sempre se entendeu que a i n t e r p r e t a ~ a o jurídica

incidiria sobre a norma.66

64 Id. ib., p. 1I2.

65 "Enten dendo o Direito como conduta, Carlos Cossio como que vira pelo avesso a

henneneutica, ao considerar que a i n t e r p r e t a ~ a o é da conduta e nao da lei ou da nonna, que

esta é apenas o estilo de pensamento do jurista, regulado por urna lógica do dever-ser. A

norma é, aqui, o com o que, o ilfstrumento lógico mediante o qual é interpretada a conduta.

Se a conduta é objeto da Ciencia do Direito, é esta que tem de ser interpretada mediante a

nonna

"Essa i n t e r p r e t a ~ o da conduta se há de fazer mediante a norma. Somente a norma, como

fonte do direito, poderá transformar a i n t e r p r e t a ~ jurídica da conduta, a v a l o r a ~ a o jurídica,

pois, em urna v a l o r a ~ o conceitualmente emocional. Se o juiz procedesse a essa v a l o ~ i i o de

modo livremente emocional, isto é, sem atendimento as fontes do direito, teríamos o império

da subjetividade e, pois, da i n s e g u r a n ~ . Isso ocorreria se o juiz julgasse apenas segundo sua

consciencia. Há, todavia, um velbo brocardo jurídico - do qual a c o n c e ~ a o egológica vai

buscara sentido profundo - segundo o qual o juiz deve julgar de acordo com sua ciencia e

consciencia. O tenno consciencia refere, aí, o imprescindível elemento emocional ou

valorativo, enquanto que a ciencia aí referida é o conhecimento das fontes do direito

(conceitual), ou seja, daquelas instiíncias de intersubjetividade (a objetividade que nessa

matéria estimativa é comunitariamente possível), mediante as quais a i n t e r p ~ a o jurídica

da conduta logra f o ~ a de c o n v i ~ . " A. L. Machado Neto, Teoria da Ciencia Jurídica,

citada, ps. 95, 157 e 158.

66 Comentando o pensamento de Cossio, adverte Machado Neto que, ao dizer que o sentido

está na norma,

"nao se suponha que está nos textos legais, ou em outea qualquer instiíncia nonnativa ou

fonte de Direito, e, pois, apartado da realidade do fato da conduta que se pretende conceituar,

pois sendo nonna o juízo que pensa a conduta em sua liberdade, ela se integra com a

conduta, por ser a conduta humana, racional e, como tal, pensada Se o estilo lógico de

pensar a conduta, se o juízo capaz de pensá-la é a norma, e se a conduta por ser humana é

racional - razao vital - a conduta se integra da sua própria r e p r e s e n t a ~ o - a norma. Porque

o Direito é conduta compartida, o sentido jurídico de um especial fato de conduta é co-posto

pelo agente, pelo legislador, pela comunidade e pelo intérprete".

Quanto ao intérprete,

"Atuará como porta-voz do entendimento comunitário na medida em que logra a necessária

COMO APLICAR O DIREITO73

Há O uiz de interpretar a conduta, e nao a norm,a, i n t e r p r e t ~ a conduta mediante a norma. Nao se ~ ~ t a de u m ~ ~ n t e r p r e t ~ ~ a ? livremente valorativa, poi s que conduzma ao dOmmIO?a subJetl

vidade do julgador, porém de urna i n t e r p r e , t a ~ a o conceltualI?ente

valorativa: o elemento valorativo ou emocIOnal dec?rre de Julgar

de acordo com a consciencia; o e l e m ~ n t o c o n c e l ~ a l .refere o

conhecimento das fontes do direito, medIante as quals a mterpre-t a ~ a o logra f o r ~ a de c o n v i c ~ a o . " '

O juiz, segundo Cossio, ha de mterpretar a lel segundo sua

cienc ia e consciencia. " ' dNao obstante, a teoria dos metodos mterpretatlvos p ~ e t e n e

suprimir a consciencia do juiz, substituindo-a por urna recelta que,

sobreposta a ei, tornarla esta pronta para resolver todos os casos

concretos. ' fa l .Essa pretensao fundamenta-se em dOlS p r ~ s s ~ p o s t o s s ~ s . a) o de crer que a lei é o Direito, de que ha lel fora do o b ~ e t ~

do conhecimento, quando, na verdade, a lei é um conselho, nao eo Direito; D' ,

b) o de acreditar que o juiz é um ente externo ,ao, ,uelto,

quando pelo contrário, é imanente ao orden amento J u n d ~ c o , ao

, . ' art' própna obraponto de ser indubitável que o Dlrelto, em p e, e a

d' ' 67

o JUlZ. 1 ' ,O juiz deve escolher, dentro do genero l e g ~ , _a e s p e c ~ e com

que sentenciará ao realizar dialeticamente sua eleu;ao das Clrcuns-

~ . d 0 68tanClas ocas , , - d ' ,.

A teoría egológica - acentua Carlos ~ O S S I O - n a o ~ a ao JUlZ

nenhum novo poder, mas limita-se a, teoncamente, por a descoberto um poder que o juiz sempre teve, como beI? o s a b e ~ todos

que conhecem a prática do Direito, O intelectuahsmo dommante,

em sua forma de empirismo e racionalismo, sustentado por urna

. - ara ue sua v a l o r a ~ a o nao seja subjetiva, mas objetiva, nao sejaf o ~ de c o n v l c ~ O p q. . a l" A L Machado Neto, Teoria Gerallivremente emocional, mas conceltualmente emOClOn. . .do Direito, citada, ps. 246 e 248.

67 ApudLu is Recaséns Siches, ob. cit., ps. 113 e 1I4.

68 Apud Luis Recaséns Siches, ob. cit., p. 117.

74

Page 54: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 54/106

lOAO BAPTISTA HERKENHOFF

ideo ogia de s e g u r a n ~ a capitalista, é que tem ocultado a exis

tencia e a natureza desse imenso poder que o juiz possui, ao

apresentar os magistrados como automatos si logísticos dos preceitos legais.69

.

Sobre as qualidades pessoais do juiz, cuja exigencia decorre

de seu relevante papel, assinala Carlos Cossio que o Direito

reclama que se dediquem amagistratura somente aqueles que seconsomem no estudo do Direito, movidos por urna superior voca

~ a o para os valores jurídicos. Se o Direito é urna realidade humana

da qual o juiz participa e para cuja c r i a ~ a o o juiz contribui com

suas vivencias, compreende-se que nao é indiferente para a reali

dade dessa realidade, nem o saber do juiz, nem sua sensibilidadepara a v a l o r a ~ a o jurídica.70

Podem ser citados como seguidores da Escola Egológica,

dentre outros, Enrique Aftalión, Fernando Garcia Olano, Luís

Eduardo Nieto Arteta, José Vilanova e A. L. Machado Neto.

A visao hermeneutica de Carlos Cossio - e aí estará talvez oseu principal mérito - pos a nu o mergulho do juiz no Direito,

realidade humana de que participa e para cuja c r i a ~ a o contribui

com suas vivencias. O Direito é a própria obra do juiz, no seu ofício

de ciencia e consciencia. E o juiz, no julgar, interpreta nao a norma,

porém a conduta humana, porque as normas jurídicas sao apenas

conceitos com os quais a conduta é conhecida como conduta.

18.7. Escala Vitalista do Direito

Luis Recaséns Sic hes (1903-1977), pensador espanhol, nas

cido na Guatemala, que viveu grande parte de sua vida e morreu

no México, é criador de recente escola hermeneutica, que decorre

de sua própria visao do mundo jurídico, exposta na "Teoria Vitalista do Direito ".

69 ce. Carlos Cossio, oh. cit., p. 168.

70 Id., ib.

COMO APLICAR O DIREITO 75

Para Recaséns Siches, o Direito nao é o fenomeno da natureza

física ou psíquica, nem puro valor, mas fat? ~ i s t ó r i c o . O Direito é forma de vida humana obJetlvada. . .

A vida nao é urna obra acabada, mas tarefa que se A C O ~ S t l ~ U l momento a momento. Nesse processo criativo, cuja e s s ~ n c . l a e o

ato de decisao, o homem l a n ~ a mao d ~ m e c a n i s I ? o ~ ' p ~ l q U l C O : efisiológicos, tendo em vista motivos e fms. Essa e a vIda auten-

tica", individual, que transforma o mundo. .

A "vida autentica" objetiva-se em atos, obras, objetos - a

"vida humana objetivada". .

Os instrumentos de trabalho, as obras d ~ arte, as t ~ ~ r . I a s científicas, as regras morais, os c ~ d i . g o s -;, cnados pela vIdaautentica" - sao a "vida humana o b J e t l v a ~ a . . .

Fruto dos atos humanos, as "obras" (vida humana o b J e ~ I vada)

sao formas abstratas de vida, estruturas c r i s t a l i ~ a d a s da vIda hu

mana, despersonalizadas, a d i s p o s i ~ a o de t o ~ o s ? mdependentes da

"vida autent ica" (vida individual) que as obJetIvou.Como c r i a ~ a o da "vida autentica" e sinal de sua passagem no

mundo as "obras" tem sentido e finalidade.71

. S i ~ h e s aplicou ao Direito a lógica da r a z ~ o . v i t ~ l ? de Ortega

y Gasset, segundo a qual a razao f í s i c o - m a t e m a t l ~ a e mcapaz, de

apreender a realidade radic,al da ~ i d a hurr:an.a, S? compreensIvelatravés da razdo vital, que e a razao da propna vIda:

Pensa Recaséns Siches que a norma deve ser m t e r p : e t ~ d a eaplicada circunstancialmente, ou seja, considerando a v a n ~ ~ a ? dacircunstancia (razao histórica), desde quando a norma fOl cnada

até quando venha a ser aplicada. . . .Urna norma jurídica é um p e d a ~ o d ~ v I d ~ ~ u m a n a objetivada

que, na medida em que esteja vigente, e reVIvIda de ~ o d o atual

pelas pessoas que a cumprem e pelas p e ~ s . o a s 9ue a a p l ~ c a m , e q ~ e ao ser revivida deve experimentar m o d I f I c a ~ a o ~ a r ~ a J u ~ t ~ r - s ; asnovas realidades em que é revivida e para as quaIs e reVIVIda.

71 ce. Paulo Dourado de Gusrnlio, Introdu¡:üo ti Teoria do Direito, citada, p\¡. 281 e 282.

72 Ce. Luis Recaséns Siches, oh. cit., ps. 135 e 276; A. L. Machado Neto, Teoria da Ciéncia

Jurídica, citada, p. 96.

COMO APLICAR O DIREITO77

Page 55: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 55/106

76 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

Para Recaséns Siches a f u n ~ a o jurisdicional escapa a qualquer

c r i a ~ a o legislativa, nao pertence a ela, nao pode ser colocada dentro

dela. Assim, quando o legislador pretende dizer aos juízes como

interpretar a lei, suas palavras, nesta matéria, resultarao necessa

riamente inoperantes.

O legislador, dentro do funbito de sua competencia, templenos poderes para ditar normas gerais; mas a f u n ~ a o jurisdicional

é urna coisa diferente, e só pode ser da competencia do órgao que

a e x e r ~ a autorizadamente.

Quando o legislador se pronuncia sobre matéria que nao

compete al e g i s l a ~ a o , quando ordena um método de i n t e r p r e t a ~ a o , quando invade o campo hermeneutico, esses ensaios científicos

estao colocados no mesmo plano das opini6es de qualquer teórico,

nao tem f o r ~ a de mando.73

Na a p l i c ~ a o do Bireito, nao há a uniformidade lógica do

raciocínio matemático, porém flexibilidade há para o entendimento razoável do preceito. 74

A lógica formal, de tipo puro, a priori, que é adequada na

análise dos conceitos jurídicos essenciais (direito subjetivo, dever

73 Cf. Luis Recasén s Siches, ob. cit., ps. 181-183. Em contrário é a opiniao de Alessandro

Groppali: ••As nonnas de i n t e r p r e t a ~ a o da lei, mais do que simples critérios lógicos dirigidos

ao prudente arbítrio dos magistrados, representam verdadeiras normas jurídicas, que, por

isso, vinculam a sua atividade lógica e a vontade, indicando-lhes os meios a dotar e os fins a

conseguir." (Alessandro Groppali, Introdufáo ao Estudo do Direito, Coimbra, Coimbra

Editora, 1978, p. 230.)

74 "N o hay posibilidad efectiva de gobernar al juez com reglas rigurosas. La naturaleza de su

funcción, la personalidad del juez, la realidad social, la justicia del caso concreto, y otros

factores, de larga enumeración, lo desatarán siempre de las fuentes oficialmente proclamadas

y de las mentadas reglas sagradas de interpretación ( .. ) La fuerza de convicción de la

sentencia, que es al propio tiempo necesidad en la perspectiva de las partes en el litigio, del

orden social y aun de la moral, se logrará matormente cuando un buen juez haya conjugado

equilibradarnente, y razonablemente, las fuerzas (de producción) del Derecho del modo aquí

entendido, la seguridad jurídica y la justicia del caso concreto. ( .. ) La lógica judicial importa

una razonable creación judicial del Derecho, y en esto se involucran circunstancias

sociológicas pertenecientes al total ámbito de ala cultura: políticas, económicas, psicológicas.

etc." (Fernando Fueyo Lanneri, Interpretación y Juez, Santiago de Chile, Universidad de

Chile y Centro de Estudios Ratio Juris, 1976, p. 163.

jurídico, pessoa jurídica, r e l a ~ a o jurídica), é imprestável na apli-

c a ~ a o do Direito. , . . ,Tudo que pertence aexistencia humana (a p ~ a t I c ~ do Dlfelto,

inclusive) reclama a lógica do humano e do razoavel, Impregnada

de critérios valorativos (lógica material). .A v a l o r a ~ a o do juiz é a soma dos val?res. da l e g a l l d ~ d ~

positiva mais asv a l o r a ~ 6 e s

sociais, mais as estimativas pessoals. ,I n s ~ i r a d o no "logos de lo humano", o juiz nao s: preocupara

em a l c a n ~ a r urna decisao matematicamente certa, porem razoavel,

al d· . t 76

V e lzer, JUS a. " , dA s o l u ~ a o "razoável", contudo, nao é contrana a or em

jurídica, porém fiel a ela, urna vez que b u s c ~ , ~ o funbito ~ a o ~ ~ e m . 'd ' a dar ao caso concreto a s o l u ~ a o malS justa posslvel. . R ~ -jun IC , 78 - - b t t 1caséns Siches, como ele próprio adverte, nao p r o p ~ e ~ su s ~ ~ -~ a o de critérios objetivos pela opiniao p e s s ~ a l ou subjetI v ~ ~ o jUlZ.

Sustenta que o juiz - , ao determinar qual seja aA

n o ~ m a a p l ~ c a v e l ao

. guIar ao decidir se urna norma em aparencIa aphcavel devecaso sm , , . , alser, todavia, rejeitada porque produziria ~ f e i , t ~ s c o n t r ~ l O s as v 0-

r a ~ 6 e s em que está inspirada a o r d ~ ~ . j U n ~ I C a pOSItiva - , deve

ater-se a critérios objetivos. Estes c n t e n o ~ sao s o b ~ e t u d o as valo

r a ~ 6 e s que inspiram a ord emjuríd ica positiva, consIderada em s ~ a totalidade,ou seja, tomando em conta nao somente os textos legals

" . eira e José Frederico Marques identifieam a p r e s e n ~ da "lógica do r a z o á v ~ l " no

75 ~ I . P ~ ~ : ~ l ~ i de I n t r o d u ~ ao Código Civil brasileiro. Cf. A1ípio Silveira, Hermeneutlca do

Direito Brasileiro, citada, vol. 1, ps. 85 e 86. . . .76 "Cuando experimento que los métodos de la lógica formal tradIcIonal son I D c a p a c ~ ~ e darme la solución correcta de un problema jurídico, o que me llevan a. un r e ~ u o

t d arbitrariedad un capncho, SIDO que. admisible frente a esos métodos no opongo un ac o e ,ID , . t de un tipo diferent e que es precisamente el que nos pone enopongo un razonarrueno' 1contacto con la solución correcta. Ese razonamiento que n o ~ hace e n c o ~ t r a r o que

b seamos la solución correcta, la solución justa, es la razón aphcable al caso, es la. razónu ' . d ' I roblema En cambio la otra lógica, la físico-matemáltca, se

que nos perrrute omlDar e p . , . é S· h b. de dar I l ' n correcta al caso planteado." (LUIS Recas ns IC es, o .

muestr a IDcapaz a so UCI

cit., p. 133.) b ' 1 1 82' Luis77 Cf. Roberto Piragibe da Fonseca, ob. cit., p. 144; Alípio Silveira, o . Clt., vo . ,p . ,

Recaséns Siches, ob. cit., ps. 23-24.

78 Luis Recaséns Siches, ob. cit., p. 310.

79

Page 56: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 56/106

78 JoÁo BAPTISTA HERKENHOFF

e regulamentares, nem sequer tomando-os em conta, em primeiro

lugar, mas atendendo principalmente as v a l o r a ~ 5 e s em que a ordem

jurídica se baseia, num determinado momento, e aos efeitos práti

cos que ditas v a l o r a ~ 5 e s devem produzir sobre o caso concreto.

Estes critérios sao, além disso, as c o n v i c ~ 5 e s sociais vigentes no

momento, as quais condicionam, circunscrevem e impregnam a

ordem jurídica positiva. Entre esses critérios figura também ai n t e r p r e t a ~ a o razoável (portanto, nao arbitrária) para o caso singu

lar e a idéia das exigencias de j u s t i ~ a vigente na sociedade, na

época concreta em que se vive.

Siches afirma que sua doutrina procurou dar urna j u s t i f i c a ~ a o teórica ao que os juízes vem fazendo com consciencia turva, para

que continuem a faze-lo, mas agora com consciencia c1ara.79

As o b j e ~ 5 e s de que sua teoria hermeneutica pudesse derrubar

a s e g u r a n ~ a j u r í d i c a , responde Recaséns Siches que, se a s e g u r a n ~ a é um dos mais fortes móveis da vida social, nao é o único dos

móveis que operam nela.

Urna das antinomias do Direito consiste precisamente em que

deve servir, de um lado, aos propósitos de certeza e s e g u r a n ~ a , e,

de outro, as necessidades suscitadas pela m u d a n ~ a social e pelos

desejos de progresso.

O Direito deveria ser sempre um ensaio de direito justo. Mais

flexível, o Direito seria também mais compatível com a vidahumana e seu ineditismo.

Outrossim, também pondera Recaséns Siches que s e g u r a n ~ a absoluta nao há na vida humana, pelo que nao tem sentido pedir

tal s e g u r a n ~ a ao Direito.80

A doutrina de Recaséns Siches traz grandes ac1aramentos aosproblemas hermeneuticos. Principia por afirmar a autonomia daf u n ~ a o jurisdicional, que escapa a qualquer disciplinamento legislativo. Coloca depois que, na a p l i c a ~ a o do Direito, nao tem vali

mento a lógica formal, urna vez que tudo que pertence a xistencia

79 Id., ib., ps. 22-23.

80 Id., ib., ps. 16 e 303.

.;¡

COMO APLICAR O DIREITO

humana imp5e a lógica do humano e do razoável, i m p r ~ g . n a d a decritérios valorativos, apta a c o n s i d e r a ~ 5 e s circunstancHlls. Tocafinalmente no problema da s e g u r a n ~ a jurídica, trincheira dos que

pugnam por um direito matemático, afirmando que na? h ~ s e g ~ -r a n ~ a absoluta na vida humana, pelo que nao tem procedencia pedu

tal s e g u r a n ~ a ao Direito.

Page 57: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 57/106

Capítulo V

A APLICA(:ÁO DO DIREITO NUMA PERSPECfIVA AXIOLÓGICA, FENOMENOLÓGICA E SOCIOLÓGICO-POLÍTICA

19. Urna tríplice perspectiva na aplicafiio do Direito

O presente capítulo - que pretende trazer ao tema da monografia a síntese da contribuic;ao pessoal do autor - defende a tesede que o juiz, ao aplicar o Direito. de\'c fazé-Io, simultaneamente,sob tres perspectivas: axiológica, fenomenológica e sociológico

política:á) na perspectiva axiológica, o juiz ajusta a lei a seus valores,a sua consciencia, a seu mundo;

b) na perspectiva fenomenológica, ajusta a lei ap e r c e p ~ a o da

pessoa julgada;c) na perspectiva sociológico-política, promove a abertura da

lei ao fato social; deixa de perceber apenas o subsistema jurídicoe nele situar-se, para apreender, mais amplamente, todo o sistemasocial e neste atuar. Assume o caráter político inerente a todasentenc;a.

Essa nossa proposta mereceu o aplauso e o enriquecimento deilustres doutrinadores brasileiros, em obras recentemente publicadas.

PIauto Faraco de Azevedo percebe como acertada a perspectivade nossa análise e ve a superac;ao do positivismo jurídico comoindispensável a onstruc;ao de urna hemleneutica material no Direito.SÓ esta permite que se evidenciem os interesses em quesillo, em facedos quais imp6em-se juízos valorativos sobre os dados de fato e dedireito das situac;6es em que se manifestam. 1

Plauto Faraco de Azevedo, Crítica el Dogmática e Hermeneutica Jurídica, Porto Alegre,Sérgio Antonio Fabris Editor, 1989, ps. 73-74.

Page 58: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 58/106

82 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

Rui Portanova nota, com acerto, que nossa realidade nao é

aquela que embasou grandes teorias do passado, embora os efeitos

de tais saberes ainda se reflitam sobre nós. Daí ser necessário

corrigir e atualizar os grandes pensamentos, quando nao se adap

tam aos desafios do tempo presente. Dentro desta linha, subscreve

explicitamente a proposta de a p l i c a ~ a o axiológica, fenomenológi

ca e sociológico-jurídica do Direito que examina, exaustivamente,

e acresce com novas p e r c e p ~ 6 e s . 2

20. A a p l i c a ~ i i o do Direito numa perspectiva axiológica

20.1. Pertinencia da perspectiva axiológica na a p l i c a ~ i i o do Direito

Vejo a pertinencia da perspectiva axiológica fundamentando

a a p l i c a ~ a o do Direito, a partir das seguintes c o n s t a t a ~ 6 e s : a) o juiz é portador de valores, de que sempre impregna suas

s e n t e n ~ a s ; b) os critérios axiológicos acompanham o ofício do juiz: nao

apenas naqueles casos em que, expressamente, a lei defere a

s o l u ~ a o a d i s c r i ~ a o judicial, como naqueles outros em que, dentro

de dispositivos expressos, a margem de d i s c r i ~ a o é ampla ou,

naquelas outras hipóteses, em que aescolha do dispositivo a aplicar

é também axiológica;3

c) a s e n t e n ~ a do juiz, em qualquer s i t u a ~ a o , tem conteúdo

axiológico, subjetivo, político;

2 Rui Portanova, M o t i v a ~ ¡ ¡ e s Ideológicas da Sentenfa, Porto Alegre, Livraria do Advogado,

1992, ps. 60, 74, 83,92,93,94,99 e 143.

3 "La verdad jurídica es una verdad estimativa porque la experiencia jurídica es una experiencia

estimativa e axiológica, la cual, por ser también una experiencia de liberdad, es una

experiencia variable."(Luis Eduardo Nieto Arteta, ob. cit.,p. 67.)

"La función judicial consiste un una serie de valoraciones y ( .. ) es, por lo tanto, un juicio

basado en la axiologia, en la filosofía de los valores. El juez, al dictar una sentencia, debe

efectuar una serie de valorizaciones: valorizar las normas, valorizar las conductas, valorizar

los interesses etc." (Carlos Ducci Claro, Interpretación Jurídica, Santiago, Editorial Jurídica

de Chile, 1977, p. 60.)

COMO APLICAR O DIREITO 83

d) poderia parecer que, quanto mais buscasse penetrar na inteli

gencia da norma, como editada, estaria o juiz fugindo de um julga

mento subjetivo. Mas esta f i x a ~ a o na norma também é um

posicionamento ideológico, político, nitidamente conservador;

e) o juiz, aprisionado a ei, serve as f o r ~ a s da c o n s e r v a ~ a o , tanto quanto serve as f o r ~ a s do progre ss o e da r e n o v a ~ a o o juiz que

assuma, com honestidade, urna pauta axiológica e urna visao

sócio-política de compromisso do Direito com o povo, nao com os

privilégios.

20.2. Argumentos contrários avertente axiológica na a p l i c a ~ i i o do Direito. Recusa preliminar desses argumentos

Colocam-se argumentos contrários a v a l o r a ~ 6 e s fundadas na

pauta axiológica do juiz.

Afirma-se que ele nao pode transcender a norma. Como

homem, pode discordar da j u s t i ~ a da norma. Nao obstante, de verá

aplicá-Ia ao caso que lhe incumbe julgar.

Ve-se urna incompatibilidade entre o mister de filósofo e o mister

de juiz: estaría instaurada a arbitrariedade se as s e n t e n ~ a s ficassem

subordinadasas v a l o ~ 6 e s decorrentes da consciencia do juiz.

Visualiza-se o direito como sendo composto de duas partes

estanques, urna lógica - ciencia das normas -, outra axiológica -

ornamento do Direito -, matéria a ser cultivada pelos que gostam da

e s p e c u l ~ a o , mas fora da seara propriamente jurídica.4

Conclui-se, entao, que o juiz deve subordinar-se a norma,ainda que sob o peso de dramas íntimos.5

4 PIauto Faraco de Azevedo exp6e ,essa ciSiío, que considera pretensamente científica. (Cf.

PIauto Faraco de Azevedo, ob, cit., p. 110,)

5 Expressiva, dentro desta c o n c e p ~ i í o , a p o s i ~ i í o de Ferrara:

"Decerto o juiz nem sempre pode dar s a t i s f a ~ i í o as necessidades práticas, limitando-se a

aplicar a lei; alguma vez se encontrará em momentos trágicos de ter de sentenciar em

o p o s i ~ i í o ao seu sentimento pessoal de j u s t i ~ e de eqüidade, e de aplicar leis más, Tal é,

porém, o seu dever de ofício," (Cf, Francesco Ferrara, Interpretafiio e A p l i c a ~ i i o das Leis,

Coimbra, Arménio Amado-Editor, Sucessor, 1978,p.

174.)

COMO APLICAR O DIREITO 85

Page 59: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 59/106

84 JoÁo BAPTISTA HERKENHOFF

Nao me parece que o império da norma possa ser levado taolonge.

Nunca deverá o juiz decidir com a norma contra o que, emconsciencia, acredite ser a j u s t i ~ a . 6

AIguns autores distinguem, radicalmente, os sistemas dec r i a ~ a o judicial do Direito e os sistemas de Direito legislado paraafirmar que, somente nos países que integram o primeiro grupo,seria admissível urna maior liberdade criativa do juiz.7

Nao me parece que a r e s t r i ~ a o proceda.

20.3. A posiCilo da doutrina emface do tema da valoracilo da leipelojuiz

Muitos autores, na doutrina brasileira e estrangeira, admitem,em grau maior ou menor, a v a l o r a ~ a o da lei pelo juiz.

No Brasil, podemos arrolar as opini6es de Roberto Piragibeda Fonseca, Eliézer Rosa, Homero Freire, Oscar Tenório, OsnyDuarte Pereira, José Geraldo de Sousa Júnior, Plauto Faraco deAzevedo, Tristao de Athayde, Cláudio e Solange Souto, CavalcantiLana, José Aloysio Ribeiro de Souza, Roberto Lyra Filho, Luiz

Fernando Coelho, Pontes de Miranda, Luís Alberto Warat, HelenoCláudio Fragoso e C. H. Porto Carreiro.

Na doutrina estrangeira, podemos citar Giuseppe Maggiore,Helmut Coing, Triepel, Eduardo Couture, Jean Gaudemet, TheodorSternberg, Paul Vrnogradoff, Francesco Camelutti e Karl Larenz.

Advirta-se que, em alguns casos, sao muito diferentes as

perspectivas em que se colocam os pensamentos aqui agrupados.

6 Em p o s i ~ a o oposta, coloca-se Maury R. de Macedo que entende deva o juiz aplicar sempre a

lei, mesmo que injusta:

"Paradoxalmente, seria até conveniente que se e1evasse o número de absurdos oriundos do

fiel cumprimento da lei, exatamente para provocar r e a ~ O e s inevitáveis, justas e capazes de

ensejarem mais pronto atendimento do legislativo as a s p i r a ~ O e s do povo." (Cf. Maury R. de

Macedo, A Lei e o Arbítrio aLuz da Hermeneutica, Rio, Forense, 1981, p. 228.)

7 Ver, nesta linha, Daniel Coelho de Souza, Introdufiío ii Ciencia do Direito, Sao Paulo,

Saraiva, 1980, p. 393. Ver também Rubem Rodrigues Nogueira, Curso de lntrodu¡;iío ao

Estudo do Direito, Sao Paulo, José Bushatsky, 1979, ps. 116 e segs.

20.3.1. A valorapio da lei pelo juiz na doutrina brasileira

Roberto Piragibe da Fonseca distinguiu, com rigor, o extra

legal e o antijurídico:"urna s o l u ~ a o extralegal pode ser antijurídica e pode nao ser.

Será, quando a lei vigente coincidir com o bem comum, mas nao

será quando tal coincidencia nao se verificar. Ora, neste últimocaso, é ser realmente vítima do 'fetichismo da lei' supor que

nao existe n u a n ~ a entre submissao a ei, de um lado, e v. g., um

despotismo aluidor de direitos, de outro lado, porque, na reali

dade, entre urna coisa e outra situa-se urna imperiosa ordem

metajurídica, reclamada pelo bonum commune, que por ser

derrogadora da lei vigente, nem por isso pode ser tachada de

despótica. Ordemjurídica é categoria, mas lei vigente é acidente.

Assim, momento há, de fato, em que no apelo paradoxal a urnas o l u ~ a o extralegal poderia residir a melhor e mais eficiente defesa

da ordem jurídica, bem mais precioso, nao cabe dúvida, que um

'legalismo' impotente e desmoralizador capaz de conduzir dada

sociedade ao pior dos piores, isto é, a narquia, a urna desordem

nao apenas derruidora da lei corrompida, em que tantos pensam,

mas denegadora do próprio Direito, em que entretanto poucos

parecem pensar. ,8

Eliézer Rosa adverte:"Nao é o legal que importa, mas o jurídico."E assim entendendo, com o lastro de sua obra em favor da

h u m a n i z a ~ a o do ofício de juiz, convida os magistrados a"realizar o Direito, apesar da lei.,,9

Observou Homero Freire:"A lei revela o D i r e i t o ~ mas nem sempre o faz bem; padece

da imperfectibilidade humana." 10

8 Roberto Piragibe da Fonseca, ob. cit., ps. 144-145.

9 Eliézer Rosa, Dicionário de Processo Civil, Sao Paulo, José Bushatsky, 1973, ps. 261-262.

10 Homero Freire, "A J u s t i ~ e o Tempo" in Jurídica, Rio, n° 117, ps. 200 e segs.

COMO APLICAR O DIREITO 87

Page 60: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 60/106

86 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Oscar Tenório ve O juiz com a missao de superar o individualismo consagrado pela lei, no cotejo crítico dos textos a face dobem comum, cotejo que exige, necessariamente, v a l o r a ~ a o , axiologia. ll

Orienta Osny Duarte Pereira:"O papel de juiz inteligente, íntegro e humano é desvendar

os caminhos, para que a lei injusta se tome justa, armando raciocínios lógicos e suscetíveis de ganhar, pela cultura e pela autoridade moral, o apoio do juiz conservador e equivocado dos escal5essuperiores. "12

José Geraldo de Sousa Júnior ve a p r e s e n ~ a do jurista naestratégia do projeto de poder popular, aproveitando as contradi~ 6 e s dos sistemas normativos estabelecidos, para obrigar o reconhecimento, através de sua própria legalidade, de alguns interessesdas c1asses populares. 3

Plauto Faraco de Ázevedo defende a s u b o r d i n a ~ a o do juiz ao

Direito, e nao a lei. Pede que a eqüidade mitigue o direito positivo,com veemente p r e s e n ~ a , em face da mobilidade do processohistórico. Afirma que a r e t i f i c a ~ a o do justo rigorosamente legal éum poder inseparável da f u n ~ a o judicante. Observa que a s o l u ~ a o dos pleitos judiciais freqüentemente p6e o juiz diante de escolhastipicamente filosóficas. Demonstra que a pretendida neutralidadedo juiz é impossível e que a s e n t e n ~ a sempre serve a determinadosvalores. 14

Comentando s e n t e n ~ a do juiz Eduardo Mair, que se negou adecretar a prisao de um septuagenário, como depositário infiel,

escreveu Tristao de Athayde:"Quando o juiz deixa de aplicar o rigor literal da lei devidoas circunstancias dos fatos, nao está ofendendo a lei mas cumprin-

I1 Osear Tenório, Lei de lntrodu fiio ao Cádigo Civil Brasileiro, Rio, Borsói, 1955, p. 162.

12 Osny Pereira Duarte, "Como Aplicar O'Direito (comentário ao livro)", in Encontros corn aCivilizaflÍo Brasileira, Rio, n° 20, fevereiro de 1980, vol. I1I, n° 2.

13 José GeraIdo de Sousa Júnior, Para urna Crítica d" Eficácia do Direito, Porto Alegre, SérgioAntonio Fabris Editor, 1984,p.138.

14 Plauto Faraco de Azevedo, Justifa Distributiva e Aplicafiio do Direito, Porto Alegre, sérgioAntonio Fabris Editor, 1983, ps. 63, 112, 117 e segs.

do-a em seu espírito e em sua eqüidade, e, portanto, na r e l a ~ a o justa entre os meios e os fins. "15

Cláudio e Solange Souto defendem a tese de que, na práticaforense, busque o juiz explicitar, como regra de direito, aquela queesteja em consonancia com o sentimento humano universal dej ~ s t i ~ a ' (algo i n r r : i n s e ~ a m e n t e justo) e com dados de ciencia empí

nca (algo de raclOnalldade comprovável).16Essa postura requererá, f o r ~ o s a m e n t e , a a p r e c i a ~ a o da lei em

face de urna pauta axiológica que configure o sentimento humanouniversal de j u s t i ~ a , a que se referem os autores.

Cavalcanti Lana entende que o juiz nao pode ficar a reboquedo legislador desavisado e insensível.17

José Aloysio Ribeiro de Souza pensa que o juiz deve ter meiosde solucionar casos submetidos a julgamento, sem aprisionamentoa dispositivo legal iníquo. 18

Roberto Lyra Filho prop6e que o jurista explore as contradi~ 6 e s do ordenamento jurídico estatal para desentranhar dele oselementos que f a v o r e ~ a m a práxis progressista. 19

Luiz Fernando Coelho afirma que a resistencia as leis injustasdeve c o m e ~ a r pelos juízes.20

15 Tristao de Athayde, "Princípios e Casos", in Jornal do Brasil, Rio, e d i ~ a o de 7 de m a r ~ o de1980, p. 11.

16 Cf. Cláudio Souto e Solange Souto, Sociologia do Direito, Sao Paulo, Livros Técnicos eCientíficos Editora S. A., 1981, ps. 106 e segs.

17 Ver voto vencido, na A p e l a ~ a o Cível n° 68.408, julgada pela 3' Cfunara do 1° Tribunal de

A l ~ a d a do Rio de Janeiro, in Litis, Rio, ano 1, voL IV, dezembro de 1976, p. 156.18 José Aloysio Ribeiro de Souza, "Comentário sobre voto do juiz Cavalcanti Lana, em

Matériade Denúncia Vaz ia", in Litis, Rio, ano 1, vol. IV, dezembro de 1976, p. 159.

19 Roberto Lyra Filho, "Problemas Atuais do Ensino Jurídico", in IV Encontro Paraense deEstudos Jurídicos, OABIPA, IIha do Mosqueiro, 14.08.81, Conferencia, Brasília, EditoraObreira, apud José Geraido de Sousa Júnior, Para urna Crítica da Eficácia do Direito, PortoAlegre, Sérgio Antonio Fabris, 1984, p. 136.

20 •' ~ e n h u m segmento da sociedade tem maior poder de pressionar o Fstado do que os magistrados,

JlOlS eles, encarregados do exercício da j u r i s d i ~ o , estilo aptos a empregar os argumentos retóricosque o próprio ~ utiIiza ~ impor os seus objetivos, só que em sentido inverso, recusando-se,por. exemplo,. a aplicar urna lel que repugna aconsciencia do magistrado, ou zelando para que osefeltos negaI1vos de urna leí injusta nao possarn se concretizar." O. Luiz Fernando CoelholntrodufiíoaCrítica do Direito, Curitiba, Livros HOV, 1983, p. 76. '

88 JoÁo BAPTISTA HERKENHOFFCOMO APLICAR O DIREITO 89

Page 61: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 61/106

o mesmo autor observa que a ordem jurídica nao resulta

apenas da p r e s e r v a ~ a o da hierarquia das normas de direito (coe

rencia formal) e da r e g u l a ~ a o nao contraditória dos dados da vida

social (coerencia material). A ordem jurídica imp5e ainda a coe

rencia axiológica, isto é, a h a r m o n i z a ~ a o de v a l o r a ~ 5 e s indepen

dentes que i m p e ~ a m a prevalencia de v a l o r a ~ 5 e s normativas

contrárias aos princípios gerais do direito.21

Ainda Luiz Fernando Coelho, numa revisao de seu itinerário

intelectual, explica que sua caminhada e n d e r e ~ a - s e a um

"realismo crítico muito mais preocupado com a sociedade,

com o homem comum que sofre, ri, chora, emociona-se e cuja

primeira opc;ao existencial é ser feliz.,,22Nao obstante es se "homem comum" deva ser o centro do

Direito, ele é, contraditoriamente, escondido pela Ciencia e pela

Filosofia do Direito, "S4)b as categorias, conceitos e classificac;5es

elaborados pelo senso comum teórico dos juristas." 3

Defende Luiz Fernando Coelho que o jurista assuma o con

teúdo ideológico do direito, para conciliá-Io com o compromisso

da reconstruc;ao social. 4 Dentro desse quadro realc;a "os movimen

tos de ascensao dos grupos oprimidos em sua luta contra a opressao

e almejando a l i b e r t a ~ a o . ,,25

21 Luiz Fernando Coelho, Lógica Jurídica e Interpretariio das Leis, Rio, la ed., Forense, 1979,ps. 227 e 228 oa edi¡;ao).

Nesta mesma obra, p. 63, o autor advoga "exerrra o jurista um papel transformador do direito

vigente e da sociedade, por meio do direito".

Nessa perspectiva o direito deixa de ser "o lugar da manutenrrao dos privilégios de urna

classe ou estamento, ou outros grupos microssociais",

para converter-se em "esparro de luta, o lugar da conquista dos direitos e da dignidade

humana".

22 Luiz Fernando Coelho, Lógica Jurídica e Interpreta¡:iio das Leis, Rio, Forense, 1981, 2-

edirrao revista, p. XXI.

23 Id., ib.

24 Luiz Fernando Coelho, Teoria Crítica do Direito, Curitiba, Livros HDV, 1987, passim.

25 Idem, p. 10.

Pontes de Miranda afirma que a s u b o r d i n a ~ a o do juiz é ao

Direito, nao a ei, por ser possível a lei contra o direito. 26

Luís Alberto Warat diz que, no trabalho jurídico, os juízes eoutros profissionais do Direito sao fortemente influenciados pelosenso comwn teórico. Esse senso comum teórico, diversamente dateoria científica, baseia-se em valores, fundamenta-se em critériosmorais que orientam a compreensao dos dados com os quais laboram

os j uízes. 27No campo do Direito Penal, Heleno Cláudio Fragoso diz que

é tendencia dominante hoje substituir os conceitos meramenteformais, por conceitos materiais e valorativos. 28

C. H. Porto Carreiro reconhece que tem o juiz a t r i b u i ~ a o de

proceder avalorac;ao da lei, eis que o arto 5° da Lei de Introduc;ao

ao Código Civil nao especifica as fronteiras dos fins sociais que o

juiz tutela. Contudo, nao acredita que, mí prática, esse dispositivo

legal tenha meios de subsistir dentro do sistema jurídico conserva

dor e excludente.29

20.3.2. A valorac¡iío da lei pelo juiz na doutrina estrangeira

Giuseppe Maggiore sustenta que, quando o juiz tempera origor da lei, num caso particular, ou lhe nega aplicac;ao,em hipótesede patente iniqüidade, nao viola, mas segue a vontade do legislador: nao se pode presumir que o legislador tenha querido a injus-

26 Pontes de Miranda, ComentáriosaConstituirdo de 1946, 4- ed., Rio, Borsói, 1963, vol. 1lI,

p.158.

Nelson Saldanha adverte que

"e m nosso século, sobretudo depois da segunda guerra e a propósito do nazismo, novame nte

se entendeu que a norma positiva nao é tudo, e que há um direito supralegal." (Cf. Nelson

Saldanha, Legalismo e Ciéncia do Direito, Sao Paul0, Atlas, 1977, p. 145.)

27 Luís Alberto Warat, Mitos e TeorÚlS na lnterpreta¡:iio da Lei, Porto Alegre, Editora Síntese,

1979, ps. 19·21.

28 Mas adverte: "E m caso algum, porém, pode a idéia de antijuridicidade material servir para a

i n c r i m i n ~ o de fatos nao expressamente previstos, ou seja, nao formalmente antijur ídicos."

Cf. Heleno Cláudio Fragoso, "Antijuridicidade", in Revista Forense, Rio, vol. 208,

outubroldezembro de 1964, p. 26.

29 C. H. Porto Carreiro, 1ntrodurIÜJaCiéncia do Direito, Río, Editora Rio, 1976, ps. 226/227.

90 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR O DIREITO 91

Page 62: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 62/106

tic;a, mesmo num caso único; seria admitir a destruic;ao do própriofundamento da ordem jurídica. 0

Helmut Coing pensa que, na ética do ofício judicial, o deverde decidir conforme a justic;a tem precedencia sobre os demaisdeveres. Assim, deve o juiz decidir com Justic;a inclusive contra oDireito Positivo. 31

Triepel coloca:

"A lei nao é sagrada; só o Direito é sagrado.,,32Eduardo Couture ensina que, quando a lei e a Justic;a entram

em conflito, deve o juiz ficar com a Justic;a.

Gaudemet diz que se afere o valor da norma jurídica pela suaaplicac;ao prática, pela possibilidade de responder as exigencias

fundamentais de justic;a, auxiliando a socorrer os frac os e constrangendo os poderosos a obediencia. 33

Theodor Sternberg disse que, no terreno do Direito estável da

lei e do Direito Consuet\ldinário, urna decisao é justa porque é deDireito. No terreno do Direito móvel, científico, urna decisao é

Direito porque é justa.34

Vinogradoff, na senda da doutrina aristotélica da epiquéia,nota existir um poder de adaptac;ao capaz de assegurar flexibilidade

ao processo jurídico, ditando, por vezes, decisoes contrárias a tododireito formalmente elaborado e reconhecido, porém intrinsecamente justas.35

30 Cf. Giuseppe Maggiore, "L'equita e il suo valore nel Diritto", in Rivista Internazionale di

Filosofia del Diritto, 1923. Apud Alípio Silveira, ob. cit., vol. 1, p. 170.

31 A propósito das c o n d i ~ 6 e s postas por Helmut Coing para o exercício desse dever, cf. Helmut

Coing, Fundamentos de Filosofía del Derecho, trad. por Juan Manuel Mauri, Barcelona,

Ariel, 1961, ps. 251, 252. Apud Plauto Faraco de Azevedo, Justi¡:a Distrib utiva e Aplica¡:iio

do Direito, Porto Alegre, Sérgi o Antonio Fabris Editor, 1983, ps. 121 e 122.

32 ApudHomero Freire, "A J u s t i ~ a e o Tempo", in Jurídica, Rio, n° 117, ps. 200 e segs.

33 Jean Gaudemet, "Études Juridiques et Culture Historique", Archives de Philosophie du

Droit, París, 11-21, 1959, apud P1auto Faraco de Azevedo. Justi¡:a Distributiva e Aplica¡:iio

do Direito, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1983, p. 109.

34 Theodor Stemberg, Introducción a la Ciencia del Derecho, México, Editora Nacional, 1967,

p.175.

35 Paul Vinogradoff , Introducción al Derecho (Common Sense in Law), México, Fondo de

Cultura Económica, 1957. Apud Plauto Faraco de Azevedo, Justira Distributiva e Aplica¡:iio

do Direito, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1983, p. 91.

Camelutti disse que se o legislador tem as insígnias da soberania, o juiz tem as suas chaves. No cotidiano forense, o ordinárioé que os julgamentos contenham, em dose maior ou menor, acorrec;ao da lei. A luta do Direito acaba por ser urna luta entre olegislador e o juiz.

Partindo dessa constatac;ao, advoga Camelutti que se de maisliberdade ao juiz, reclamando-se dele a correspondente dignidade.

Assim, poderá o juiz, em contato com o homem vivo (que naoé o homem abstrato do legislador), alcanc;ar a visao suprema queé a intuic;ao da Justic;a.

36

Karl Larenz afirma que"o jurista, se nao quer ser infiel a sua profissao, nao pode

entender o Direito positivo, no seu conjunto, senao como urna via(entre várias possíveis) de realizar a maior justic;a possível.,,37

20.3.3. Valorafiío da leí pelo juiz: colocafoes complementares

Carlos Santiago Nino pensa que já se vislumbra, na atualidade, urna ciencia jurídica que recusa a aceitac;ao acrítica da legisla

c;ao e pretende converter-se em árbitro supremo da forc;a obrigatória das leis.

38

Alberto Vicente Fernandez nao está entre os autores quesufragam a tese da valorac;ao expressa da lei pelo juiz. Contudo,pragmaticamente, observa que os juízes logram superar as disposiC;6es rígidas da lei ou sua evidente injustic;a através da interpretac;ao dos fatos: quando urna lei lhes repugna, recorrem a urna

valorac;ao severa das provas. 39

Manoel Gonc;alves Ferreira Filho nao se filia a corrente queadmite a possibilidade, dentro do Direito brasileiro vigente, do

36 Francesco Camelutti, Arte do Direito, trad. de Pinto de Aguiar, Salvador, Livraria Progresso

Editora, 1957, ps. 69 e segs.

37 Karl Larenz, Metodologia da Ciencia do Direito, Lisboa, F u n d a ~ O O Calouste Gulbenkian,

1969 ( t r a d u ~ á o de 1000 de Sousa Brito e José Antonio Veloso), p. 398.

38 Cf. Carlos Santiago Nino, La Ciencia del Derecho y la Interpretación Jurídica, Buenos

Aires, Editorial Astrea, 1975, p. 150.

39 Cf. Alberto Vicente Femandez, Función Creadora del Juez. Buenos Aires, Abe1edo Perrot,

1970, p. 73.

92 JOAO BAPTISTA HERKENHOFFCOMO APLICAR O DIREITO 93

Page 63: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 63/106

exercício, pela magistratura, de um papel crítico e corretivo dalegalidade posta. Contudo, entende que representaria a p e r f e i ~ o a -mento das i n s t i t u i ~ o e s vir a ser outorgada ao Judiciário a faculdadede julgar as normas vigentes, anulando-as, se injustas.40

No Anteprojeto da Lei de I n t r o d u ~ a o ao Código Civil, deHaroldo Valladao, estabelece-se a i n t e r p r e t a ~ a o da lei na base dobem comum, d a j u s t i ~ a social e da eqüidade.41

Numa visao mais ampla do tema, que transcende meramenteo jurídico, diz Artur Paoli:"A lei é imobilizada; a história é c r i a ~ a o contínua, é dinamis

mo renovador permanente e, portanto, rotura constante de esquemas, se os queremos medir através de um esquematismo moral. Orelativismo é o medo terrível dos fariseus de todos os tempos.Mataram e matarao sempre os profetas, porque a profecia c o m e ~ a com a d e s t r u i ~ a o de urna lei fixa, permanente, inteira em todas assuas partes, e até nas suas i n t e r p r e t a ~ o e s . ,,42

Nao se perca de 'vista o ensino bíblico, onde se r e a l ~ a ocomprornisso do juiz com a J u s t i ~ a :

"Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portaspara que julguem o povo com retidao de J u s t i ~ a . ,,43

20.4. A crítica valorativa da norma e o sistema jurídico brasileiro

A crítica valorativa da norma encontra, a meu ver, respaldono sistema jurídico brasileiro, em face do arto 5a da Lei de Introdu~ a o ao Código Civil.

Desde que se entenda, como creio acertado, deva o juiz, naa p l i c a ~ a o da lei, atender as exigencias últimas e gerais do bem

comum, abre-se, por essa porta, o caminho para a crítica valorativadas normas jurídicas pelo juiz, urna vez que a própria p e r c e p ~ a o do bem comum é urna p e r c e p ~ a o axiológica.

40 ce. ManoeI G o n ~ a l v e s Ferreira Fdho, A Democracia Possível, Sao PauIo, Saraiva, 1974, p. 107.41 CC. HaroIdo Valladao, "Lei Geral de A p l i ~ o das Normas Jurídicas", in Revista Forense,

Rio, vol. 208, outubroldezembro de 1964, p. 12.

42 Cf. Artur Paoli, Diálogoda libertafiio, Lisboa, E d i ~ O e s Paulistas, 1973, p. 22.43 Deuteronomio 16,18.

20.5. FundamentGfiio teórica para a a p l i c a ~ i i o axiológica do Direito

A aplicac;:ao axiológica do Direito, pelo juiz, é inevitável epode ser humana e socialmente útil.

É inevitável porque o juiz, queira ou nao queira, conscienteou inconscientemente, está, a todo instante, trabalhando com urnatabela axiológica, filosofando. 44

Será humana e socialmente útil, se observadas certas con dic;:oes metodológicas, ideológicas e éticas.

20.5.1. Condiroes metodológicas que devem presidir aaplica-

rilo axiológica do Direito

A aplicac;:ao axiológica do Direito nao nega que o juiz devemanter-se dentro do sistema jurídico. Desapareceria aquele mínimode seguranc;:a jurídica, sempre desejável, se cada juiz pudesse, semjustificativa, a seu talante, transformar-se em legislador. Estaría, sem

dúvida, instaurado o regime da arbitrariedade judicial. O que se afirmaé que o juiz tem urna grande cota de arbítrio, sem sair do sistema legal.A norma é apenas a linha de referencia, o núcleo central do

ordenamento jurídico. Nao se desprezará esse núcleo, como matéria-prima do labor sistematizador do cient ista do Direito. Mant idoesse núcleo central, sao, entretanto, amplíssimas as possibilidadesvalorativas e criativas do juiZ. 45

44 Em pesquisa sócio-jurídica empírica que realizei, no Espírito Santo, verifiquei, entrevistandotodos os juízes do interior, que o julgamento com preponderiincia de fatores exclusivamentelegais tem presen\(a inexpressiva nos resultados: 7,9% dos respondentes. Contudo, o julgamen toem que preponderam os fatores legais junto com outros (psicológicos, sociológicos, humanos)tem a maior freqüencia observada: 68,4% dos respondentes. As respostas em que foi declarada apreponderiincia de fatores sociológicos ou humanos, ou de ambos, aparecem com a freqüenciade 21,0%. Prevalecem, assim, nos julgamentos dos respondentes, os fatores legais, unidos aoutros fatores, sobretudo humanos. (Cf. Joao Baptista Herkenhoff, O Direito dos Cúdigos e o

Direito da Vida, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris, 1993, ps. 147 e 148.)

45 "A l e g i s l a ~ a o estatal é apenas o núcleo estável, a linha de referencia do ordenamentojurídico positivo do Estado. A legisla\(ao é estática; o ordenamento é dinamico. A legisla<;:ao

é formal; o ordenamento é a legisIa\(ao in acto e in concreto, a substancia da vida socialintegrada na lei pela interpreta<;:ao exigida segundo os fins éticos da convivencia ( .. ). MiguelReale, Teoria do Direito e do Estado, Sao Paulo, Martins. 1972, p. 312.

94 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR O DIREITO 95

Page 64: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 64/106

Por isso, em nenhuma hipótese, estará o juiz obrigado a

sentenciar conforme a norma, ainda que com drama íntimo. Haverá

sempre recursos para que o juiz, sem sair do sistema jurídico,

sentencie em paz de consciencia usando, com criatividade, sua cota

de arbítrio e seu poder jurisdicional em homenagema rimazia dos

valores humanos, que lhe cabe preservar.

A a p l i c ~ a o axiológica que se defende nao erige o subjetivismo

como diretriz, mais do que seria subjetivo o julgamento, adotando-se outra o r i e n t a ~ a o no julgar.46

20.5.2. Condicoes ideológicas que devem orientar a aplicacaoaxiológica do Direito

Todo intérprete é, embora. nao o queira, um filósofo e um

político da lei, como disse Eduardo Couture.

Defendo urna ideologia progressista, como a melhor escolha

axiológica que o juiz pode fazer.A lei é estática; o Direito é dinamico. A lei estabiliza r e l a ~ 6 e s sociais, garantindo o predomínio da classe e dos grupos que mais

influíram na sua e l a b o r a ~ a o ; o Direito é história.

Papel extremamente conservador, pobre papel, estará reser

vado a um corpo de magistrados, servos da lei.

Papel político e social progressista, a t u a ~ a o em favor dos

deserdados da lei, eco dos apelos de J u s t i ~ a de um povo que se

organiza e que busca ser agente de sua própria 1 i b e r t a ~ a o : só urna

J u s t i ~ a que nao fuja de afirmar valores poderá desempenhar esse

papel, cumprir essa a t u a ~ a o , fazer ressoar esse eco.

46 Plauto Faraco de Azevedo adverte que nao é adrnissível a preponderancia da subjetividade

do juiz em face do problema suscitado pela lei injusta. Deve o juiz consultar o seu

sentimento ético, com o cuidado de náo se afastar das c o n c e ~ O e s sociais dominantes.

Aconselha esse autor que o juiz considere os dados objetivos emergentes da vida social,

integrados, porém, pelos dados subjetivos, pelo critério e f o ~ á o pessoal do julgador.

Plauto Faraco de Azevedo, ob. cit., ps. 124-127.

r20.5.3. Condicoes éticas, relativamente aos magistrados, quetem de pressupor a aplicacao axiológica do Direito

Urna tabela axiológica fundamenta-se, obviamente, na

própria pessoa do juiz, no estofo humano e moral que possua.

Nao apenas quando se defende a a p l i c a ~ a o axiológica do Direito,

mas, em qualquer hipótese, há de ser um grupo de escol o dos

magistrados. Há de se fazer cuidadosa s e l e ~ a o dos postulantes acarreira. Há de se exigir um estágio probatório antes de lhes conferir

garantias. Há de se manter instrumentos permanentes de disciplina,

tomando possível colocar em disponibilidade, por p r o v o c ~ a o do

Ministério Público, da OAB e de outros órgaos, e por decisao de um

órgao especial credor de respeitabilidade e i s e n ~ a o , os juízes que nao

se mostrem portadores do padrao moral, que é de ser exigido de tais

homens. Há de se lhes garantir a independencia. Há de se lhes subtrair

a toga da influencia dasf o r ~ a s

político-partidárias.

47

47 o que nao fez a Lei Orgfuüca da Magistratura Nacional, cujo arto 81, § 1°, subordina, na

prática, a r e m o ~ a o de juízes, na J u s t i ~ a dos Estados, aos donos do poder local, aos coronéis

do interior.

A Lei Organica da Magistratura Nacional dispiie,no arto 81, § 1°:

"A r e m o ~ a o far-se-á mediante escolha pelo Poder Executivo, sempre que possível, de nome

constante de lista tríplice, organizada pelo Tribunal de J u s t i ~ a e contendo os nomes dos

candidatos com mais de dois anos de efetivo exercício na entrancia."

A lei federal estendeu a todo o país um vício que havia em pouquíssimos Estados da

F e d e r a ~ a o e que era amplamente criticado.

Na prática, o dispositivo esdrúxulo de algumas o r g a n i z a ~ i i e s judiciárias locais, agora

federalizado, vinha obrigando magistrados, que quisessem r e m o ~ a o para determinadas

comarcas, a obter do chefe político local urna carta de r e c o m e n d a ~ a o mediante a qual o

govemador assinava o respectivo ato.

Lamentável desrespeito ao Poder Judiciário!

Pior do que isso só mesmo ressuscitar a Lei Constitucional n° 5, de 12 de agosto de 1903, do

Estado de Minas Gerais, que instituiu o Tribunal de R e m o ~ i i e s de Juízes, órgáo fulminado

pelo Supremo como inconstitucional. A propósito desse tribunal ver Lenine Nequete, O

Poder Judiciário no Brasil a partir da Independencia, Porto Alegre, Sulina, 1973, vol. n,pS. 17 a 28.

96 JOÁo BAPTISTA HERKENHOFFCOMO APLICAR O DIREITO 97

Page 65: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 65/106

20.5.4. A hegemonia do juiz, na vida do Direito, observadas ascondifoes que se colocam

~ s ~ e g u ~ ~ d o s esses pressupostos, a hegemonia do juiz, na vidado DIreIto, Ja de si inafastável, passa a ser socialmente útil edesejável.

Por tudo isso, mal inspirada, retrógrada, ociosa e inútil é a

d i s p o s i ~ a o hermeneutica sufragada pelo art. 25, inc. 1, da LeiO r g a n ~ c a da M a g i s t r a ~ u r a Nacional dizendo que é dever do juiz~ u m p n r e fazer ~ u m p n r com exatidao as d i s p o s i ~ 6 e s legais: malInspIrada e retrograda porque recua a Escola da Exegese estab e l e c e ~ d o um paralelismo entre a ética do ofício judicial e o

cumpnment? e ~ a t . o .das d i s p o s i ~ 6 e s legais; ociosa e inútil porque a tarefa JunsdIclOnal, o modo de exerce-Ia, como disse Re

c ~ s é n s Siches, é d ~ competencia do órgao judicial. A disposi~ a o , no caso, tem SImples f o r ~ a de conselho, mal-avisado conselho que deve ceder a cfiretriz bem mais sábia do art. 5° da Lei

deI n t r o d u ~ a o

ao Código Civil Brasileiro:"na a p l i c a ~ a o da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que elase dirige e as exigencias do bem comum. ,4X

21. Apl icafao do Direito numa perspectiva fenomenológica

Conforme define M. Merleau-Ponty,

"a fenomenologia é o estudo das essencias, e todos os problemas, segundo ela, tornam a definir essencias: a essencia dap e r c e p ~ a o , a essencia da consciencia, por exemplo. Mas a fenomenologia é também urna filosofia que substitui as essencias na

48 o artigo encontra semelhanc;:a com dispositivo vigente em Portugal, antes da Revoluc;:ao dosCravos.

Dentro da concepc;:ao ideológica do fascismo portugues, que a Revoluc;:ao de 25 de abril de

1974 derrubou, dispunha o Código Civil de 1966, no arto 8°,2: "O dever de obediencia a ei

nao pode ~ ~ r afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito

legisla tivo. Igual deterrninar,:ao constava do Estatuto Judiciário. (Cf. Jacinto Femandes

Rodrigues Bastos, Das Leis, sua Interpretariio e Aplicariio, Lisboa, impresso na TipografiaGuerra, 1967, p. 33.)

existencia e nao pensa que se possa compreender o homem e omundo de outra forma senao a partir de sua facticidade."49

A primeira tentativa de a p l i c ~ a o da fenomenologia ao Direito

foi feita por Adolf Reinach (1883-1916), jurista e filósofo alemao.

A doutrína de Adolf Reinach partía da p r o p o s i ~ a o de que o

Direito, como as demais coisas, possui urna essencia que perma

nece intata, nao obstante asd i s p o s i ~ 6 e s

do direito positivo, mesmoquando este se choca com aquela essencia. Seria, pois, preciso,

através da i n t u i ~ a o , apreender essa essencia para conceber urna

teoria apriorística do Direito.50

Discípulos de Hans Kelsen tentaram urna a p r o x i m a ~ a o entrea Teoría Pura do Direito e o método fenomenológico. Outrossim,

49 M. Merleau-Ponty, Fenomenologia da Percepfi io, Rio, Freitas Bastos, 1971, p. 5.

Acresce M. Merleau-Ponty:

"O mundo fenomenológico é, nao o ser puro, mas o sentido que transcende a ntersec;:ao denúnhas experiencias e a intersec;:1ío de núnhas experiencias com as do outro, pela engrenage m

de urnas sobre as outras, ele é pois inseparável da subjetividade e da intersubjetividade que

fazem sua unidade pela retomada de minhas experiencias passadas em minhas experiencias

presentes, da experiencia do outro na minha." (lb., p. 17.)

"Ainda urna vez, é evidente que nenhurna relac;:ao de causalidade é concebível entre o sujeito

e seu corpo, seu mundo ou sua sociedade. Sob pena de perder o fundamento de todas as

minhas certezas, nao posso duvidar do que me ensina minha presenc;:a em mim mesmo. Ora,

no momento em que me viro para mim mesmo para me descrever, entrevejo um fluxo

anonimo, um projeto global onde nao há ainda 'estados de consciencia', nem, com mais

razOes, ainda, qualificac;:iies de nenhuma espécie. Nao sou para rnim mesmo 'ciumento' , nem

'curioso', nem 'corcunda" nem 'funcionário'. É freqüente o ficar-se espantado que o

enfermo ou o aleijado possam se suportar. É porque eles nao sao para eles aleijado ou

moribundo. Até o momento do estado de coma, o moribundo é habitado por urna

consciencia, ele é tudo o que ve, ele tem esse meio de escape. A consciencia nunca pode

objetivar-se em consciencia-de-aleijado ou consciencia-de-enfermo, e, mesmo se o velho se

lamenta de sua velhice ou o enfermo de sua enferrnidade, eles só podem fare-Io quando se

comparam com outros ou quando se veem pelos olhos dos outros, isto é, quando tem de si

mesmos urna visao estatística e objetiva, e seus lamentos nunca sao inteiramente de boa-fé:

voltado ao centro de sua consciencia, cada um se sente além de suas qualificac;:iies e com o

golpe se resignam."(Ib., p. 437.)

50 O ser fixo, apriorístico e essencial do Direito nao se confunde com o Direito Natural da

antiga doutrina, que se pretendeu ideal absoluto para padrao da lei positiva, com abstrac;:l1o da

realidade. Outrossim, essa essencia do Direito nao intentava substituir o direito positivo mas

apenas oferecer·lhe um fundamento conceptual. (Cf. Paulo Jorge de Lima, Dicionário de

Filosofia do Direito, Sao Paulo, Sugestiies Literárias, 1968, p. 217.)

98 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR o DIREITO 99

Page 66: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 66/106

as raízes ideológicas da Teoria Egológica do Direito, segundo opróprio Carlos Cossio, estao na fenomenologia de Husserl, noexistencialismo de Martin Heidegger e na Teoria Pura do Direito,de Kelsen.

Nao é a essencia do Direito o que pretendo aqui discutir. Nemé o enfoque desses autores que tenciono adotar, quando reclamo a

aplica9ao do Direito dentro de urna perspectiva fenomenológica.

Compreender o homem a partir de sua facticidade, da condi-

9ao humana, comprometida com urna situa9ao nao escolhida ..

Buscar a volta as "coisas mesmas" ... Tentar reencontrar a verdade

nos dados originários da experiencia .. Descer ao homem julgado,

a sua pauta de valores, e fugir da violencia de exigir que o homem

julgado suba a pauta dos valores do juiz, ou dos que fizeram a lei,ou daqueles para os quais a lei foi feita ..

Estes sao os desafios e inquieta96es que me preocupam.

Urna pessoa pratica "um crime em determinada comarca do

interior. O juiz da respectiva jurisdi9ao examina o caso e declara-secompetente. Ao concluir pela própria competencia, o juiz ingressano campo geográfico da pessoa.

Se o indivíduo que vai ser julgado furtou o toca-fitas de um carro,

quebrando o vidro do veículo, e o magistrado enquadra sua conduta

como delituosa - tipificada pelo arto 155, § 4°, inc. 1, do Código Penal

(furto qualificado) -, estará vendo o indivíduo como a lei o descreve.Nao ingressou ainda no campo fenomenal.

Mas se, ao interrogar o acusado, o juiz procura pesquisar sua

vida, seu mundo, suas circunstancias, se busca, a partir dele,

compreender o ato que praticou, se desee a suas motiva96es, aíentao, e só aí, estará entrando no campo fenomenal. O indivíduo

que está sendo julgado é urna matriz de percep96es e sentimentos:o julgador ve os motivos que operam nele.

Esse campo fenomenal revelará ao juiz um universo!

Para o indivíduo que tem um bra90 amputado, o bra90 naoexiste geograficamente, mas existe fenomenologicamente.

O toca-fitas que, legalmente, foi furtado, fenomenologica

mente pode pertencer ao menino rico, sem carinho, ou ao menino

pobre, agredido pela publicidade comercial. Num caso ou no outro,

a conduta praticada nao encontra correspondencia com aquelafriamente descrita pela lei.

Os comandos da lei nunca consideram o campo fenomenal.

E nem poderiam faze-lo, pois o campo fenomenal é individual.

Mas urna Justi9a que pretenda libertar, e nao escravizar, que nao

se preste ao papel de sustentar privilégios e exacerbar o abismoentre as classes sociais (enquanto nao conquistarmos o mundo da

igualdade), terá de penetrar no campo fenomenal.

Para a lei, todos sao iguais. Ingenuo engano. Os homens sao

desiguais. Urna estrutura de opressao cria e alimenta as desigual

dades. Dessa constata9ao há de partir toda tentativa de um Direito

justo: aprecia9ao desigual, ante a desigualdade social e a desigual

dade humana.

SÓ urna pessoa, assumindo urna perspectiva fenomenológica,na arte e na ciencia da aplica9ao do Direito, pode vencer a mudez

e a insensibilidade da lei: o JUiZ.51

Disse Calamandrei que"O juiz é o direito tomado homem. ,5 2

A visao fenomenológica permite que o Direito, de fato, se

tome homem - Direito transmudado em homem: já nao é Direito,

que generaliza e uniformiza; mas homem, capaz de compreender,

sentir, participar, comungar.

A perspectiva fenomenológica, ao lado de urna considera9ao

axiológica, que veja a Justi9a sempre a servi90 do Homem, aju

dando-o na conquista de novas formas de ser, em vista da realiza-

9ao cada vez mais plena de si mesmo, solidariamente com toda a

51 "Os litígios submetidos ao juiz envolvem toda a sua pessoa, concitando sua coragem e

responsabilidade. Para bem desempenhar suas f u n ~ 6 e s , é preciso que nelas ponha toda sua

experiencia vivencial, que Ihe há de pennitir por-se na s i t u a ~ ¡ ¡ o do outro, ao mesmo tempo

que dela se destaca, através de a g u ~ a d a p e r c e p ~ ¡ ¡ o dos problemas individuais e sociais de seu

tempo." (Cf. PIauto Faraco de Azevedo, Justira Distributiva e Aplicar(jo do Direito, Porto

Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1983, p. 21.)

52 Ver Piero Calamandrei, ob. cit., p. 30. Ver a o b j e ~ ¡ ¡ o de Osny Duarte Pereira, no comentário

que escreveu a l' e d i ~ ¡ ¡ o deste livro, transcrito no início deste volume.

lOO JOAO BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR O DIREITO 101

Page 67: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 67/106

coletividade humana,53 poderá dar f u n d a m e n t a ~ a o teórica ao hu

manismo que muitos juízes já possuem54 mas que, com pejo, nao

revelam, sob o temor de serem tidos, depreciativamente, como"bonzinhos" .

22. A aplicar;iio do Direito numa perspectiva sociológico-política

22.1. A essencialidade da aplicar;iio sociológico-política do Direito

. A a p l i c a ~ a o sociológico-política do Direito pressup6e urnam t e r p r e t a ~ a o também sociológico-política da norma que regerá aespécie concreta. Mas é, justamente, em face do "caso concreto",do Direito como fato social, que se imp6e a a p l i c a ~ a o sociológico-po lítica.

Urna coisa é a i n t e r p r e t a ~ a o abstrata da norma, num artigoou livro doutrinário. Owtra coisa é o julgamento do caso, envolvendo o homem e a dramaticidade da vida, a uz da norma e das

diretrizes do sistema legal.Na primeira hipótese, também o sociológico e político estará

p r e s e n ~ , quando o intérprete serve de elo entre a linguagem da lei (deum l e ~ l s l a d o r , ~ yezes, pretérito) e a linguagem das a s p i r ~ 6 e s enecessldades SOClaIS, emergentes do tempo e do e s p ~ o nos quais seprocessa a atividade doutrinária de i n t e r p r e t ~ a o .

Na segunda hipótese, contudo, é que nao apenas se reclamaráa ponderar;iio do sociológico-político (como na i n t e r p r e t a ~ a o ge-

53 "A história, contra toda perspectiva essencialista e fixista, nao é desenvolvimento de

virtualidades preexistentes no homem, mas a conquista de novas formas, qualitativarnente

distintas, de ser homem, em vista da r e a l i z a ~ a o cada vez mais plena e total -de si mesmo

solidariamente com toda a coletividade humana." (Gustavo Gutiérrez, Teo[ogia da

Libena(:iio, Petrópolis, Vozes, 1976, p. 40.)

54 Na pesquisa sócio-jurídica empírica que realizei no Estado do Espírito Santo, perguntando

aos juízes que fatores preponderavarn, nos julgamentos que proferirarn, responderarn: fatores

humanos (7,9%); fatores legais e humanos (39,5%); fatores sociológicos e humanos (2,6%);

fatores legais, sociológicos e humanos (10,5%); fatores legais, sociológicos, psicológicos e

humanos (2,6%). Somente 34,2% dos juízes nao declinararn os fatores humanos corno

motivadores de suas s e n t e n ~ a s . (Cf. Joao Baptista Herkenhoff, O Direito dos Códigos e o

Direito da Vida, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris, 1993, ps. 147 e 148).

nérica), mas a consciencia de que, em face do caso concreto, aa p l i c ~ a o deve ser sobretudo sociológica e política, para fazer frente:

a) ao ineditismo da vida, que extravasa a previsibilidade legal;

b) ao desafio de ajustar a lei a J u s t i ~ a do caso;c) aespecificidade de certos fatos, que fogem ao enquadra-

mento legal;d) a m u t a ~ a o social;

e) anecessidade de humanizar e socializar a lei;1) ao atendimento das demandas sociais da J u s t i ~ a , nao ouvi

das ou mal ouvidas pelo legislador;g) ao surgimento de novas necessidades humanas;h) aconveniencia de adaptar a lei a ealidade local e a sua

pauta de valores;i) a c o n s i d e r a ~ a o das conseqüencias da decisao judicial, no

sistema social como um todo;j) a p o n d e r a ~ a o do político dentro do jurídico.A meu ver, a a p l i c a ~ a o do Direito, pelo juiz, ou será urna

a p l i c a ~ a o sociológico-política, ou será urna a p l i c a ~ a o extremamente nociva aos homens, sujeitos a julgamento, e a omunidade,

regida por tal j u r i s d i ~ a o .

22.2. O agasalho ao Direito e a cultura popular como funda

mento de uma postura sociológico-política

A base teórica para a a s s u n ~ a o de urna postura sociológicopolítica, na a p l i c a ~ a o do Direito, é a visao do Direito como "fato

social" .O sistema jurídico nao é um sistema fechado, mas aberto,

penetrado pelo conjunto do sistema social. A decisao judicial naose isola, nao se iIha: é condicionada pelos diversos fenomenossociais, a c o m e ~ a r pelo economico, e atua para além do sistema

jurídico.De outra parte, o Direito, visto como "fato social", nao se

esgota nas d e f i n i ~ 6 e s dogmáticas do monismo jurídico: Direito éo que, realmente, ocorre na sociedade. Conseqüencia dessa perc e p ~ a o do jurídico é dar guarida ao Direito popular e a ultura que

o informa.

102 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR o DlREITO 103

Page 68: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 68/106

o legislador nao tem o monopólio do Direito. A lei nemsempre revela o Direito. Pelo contrário, muitas vezes consagraprivilégios, gera9ao sobre gera9ao.

Partindo de diferentes perspectivas, muitos autores verificaram a evidencia da pluralidade de ordenamentos.

Pontes de Miranda viu a antinomia entre o "direito dos

juristas" e o "direito do povo". 5

Maria Sylvia de Carvalho Franco constatou, em pesquisa querealizou, a divergencia entre os princípios impostos pela lei e osobservados pela p o p u l a ~ a o em geral. 6

Miranda Rosa surpreendeu a existencia de um folclore jurídico capaz de dar as manifesta96es do Direito algumas dimens6esnao expressas na lei. 57

Roberto Lyra Filho rebela-se contra a visao estreita dofenómeno jurídico, como aquele decorrente apenas do direitopositivado, e alarga sua análise, na considera9ao dos ordena

mentos plurais conflitantes, que advem da sociedade c1assista.58

Daí normas jurídicas diversas, no direito estatal e no direito dosespoliados, formando conjuntos competitivos de normas. 59

Em pesquisa que realizou, numa favela do Rio de Janeiro,Boaventura de Sousa Santos verificou que a p o p u l a ~ a o faveladaconsiderava-se fora do direito oficial, a partir da consciencia quetinha da ilegalidade da própria moradia, pelos padr6es do direitodo asfalto. Contudo, essa popula9ao acreditava na existencia deum outro direito, para além dos códigos e muito mais justo do queestes, a luz do qual a condi9ao de pobreza seria avaliada e com-

55 E proclamou que existem costumes nao só excedentes do domínio territorial, comolimitativos e de algum modo corretivos das soberanias. (Cf. Pontes de Miranda, Sistema de

Ciencia Positiva do Direito, Jacinto Ribeiro dos Santos, 1922, vol. n, p. 492.)56 Cf. Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens Livres na Ordem Escravocrata, Sao Paulo,

Editora Ática, 1974, ps. 1I3, 1I4, 122, 126, 149 e 153.

57 Felippe Augusto de Miranda Rosa, "As Dirnensoes do Direito Processual: AIgumasReflexOes Oportunas", in Litis, Rio, vol. 1, outubro de 1974, p. 171.

58 Roberto Lyra Filho, Para um Direito sem Dogmas, Porto Alegre, Sergio Antonio FabrisEditor, 1980, p. 19.

59 Roberto Lyra Filho, O que É Direito, Sao Pau1o, Editora Brasiliense, 1982, p. 73.

preendida a luta dos habitantes pelo direito a h a b i t a ~ a o , comreconhecimento dos demais direitos dos favelados.

60

José Geraldo de Sousa Júnior chama a aten9ao para o avan90crescente do papel de organiza96es sociais que se formam nointerior da sociedade civil e que criam o direito.

61

José Eduardo Faria observa que a simples edi9ao de normas

jurídicas pelo Estado nao impede que determinados segmentossociais criem urna espécie de legisla9ao paralegal.62

Robert Shirley,63 Florestan Fernandes,64 Fernando de. A : e ~ e -do 65 Gilberto Freyre,66 Oliveira Viana67 constataram a eXIstenCia,

no' Brasil, de urna pluralidade de ordenamentos j u r í ~ i c ? s . Os próprios juízes, conforme pesquisa que reallzel no Estado

do Espírito Santo, acolhem e confessam que acolhem. v ~ o ~ e s ecostumes locais, mesmo contra legem: relevando o p n ~ c l p l < : daobrigatoriedade do conhecimento da lei diante d; c ~ r t a s sltua90es,quer no crime, quer no cível; usando a a d v e r t e n ~ I a , a amea9a e

outras medidas preventivas, em vez da pena, dIante de certosdelitos; negando a p l i c a ~ a o a lei quando contraria usos e c ~ s t u m e s ; privilegiando a realidade local até mesmo contra a lel; ~ a n d o validade a contratos, mesmo sem estar revestidos das f o r m a h ~ a d e s legais, em certas circunstancias; recebendo .recurso: e ~ a ~ a o dedespejo, com efeito suspensivo, quando o efelto da lel sena apenas

60 Boaventura de Sousa Santos, "Notas sobre a História Jurídico-social de Pasárgada". In

Cláudio Souto e Joaquim Faldio, Soci%gia e Direito, Sao Paulo, Livraria Pioneira Editora,

1980, ps. 109 e segs. .

61 José Geraldo de Sousa Júnior, Para uma Crítica da Eficácia do Direito, Porto Alegre, SergtoAntonio Fabris Editor, 1984, ps. 25 e segs.62 José Eduardo Faria, Soci%gia do Direito (Crise do Direito e Práxis Política, Rio, Forense,

1984,p.71. .63 Robert W. Shirley, The End of a Tradition - Culture Change and Deve/opment In the

Município ofCunha , Sao Pauto, Brazi/, New York, Columbia U n i ~ e r s i t y Press, 1?71. .64 Florestan Fernandes, Mudam;:as Sociais no Brasi/, Sao Paulo, Dlfusao Europém do Llvro,

1960, p. 149.65 Fernando de Azevedo, A Cultura Brasi/eira, Sao Paul0, E d i ~ o e s Melhoramentos, 1964,

p.167.66 Gilberto Freyre, Casa-Grande & Senza/a, Rio, José Olympio, 1975, p. 194 . . .67 Oliveira Vianna, Evo/urao do Povo Brasileiro, Sao Paulo, Companhm Editora NacIOnal,

1938, p. 88.

104 loAO BAPTISTAHERKENHOFF COMO APLICAR ODIREITO 105

Page 69: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 69/106

devolutivo, em face do grau de cultura da parte e da deficiencia desua defesa; dando ampla p r o t e ~ a o ao posseiro, realizando reformaagrária por via judicial, com olhos na s i t u a ~ a o local; dando flexibilidade ao Direito nacional, nas r e l a ~ 6 e s de fanulia, nas r e l a ~ 5 e s agrárias e em outros casos, diversamente do que deve ocorrer nasr e l a ~ 5 e s comerciais, onde o apego ao Direito nacional é indispen

sável; utilizando meios dea ~ a o

fora do processo; considerandopúblico o caminho em que passa casamento ou enterro; relevandoprazos, em certos casos etc.68

Há um Direito latente na alma do pOVO.69

Há urna cultura popular que a chamada cultura universitáriamuitas vezes despreza, em nome de um elitismo, que é apenasdominio de classe.

O povo formula o seu Direito. O povo tem a consciencia doque é justo e injusto, copsciencia que a pressao ideológica sobreele exercida nao conseguiu destruir. Esse senso crítico remanescente, esse "núcleo de bom senso" é, aliás, a semente que podepermitir a l i b e r t a ~ a o da d o m i n a ~ a o .

A lei seria tanto mais justa, quanto mais consagrasse essesvalores populares, e é tanto mais injusta quanto re flete interessese valores importados ou quanto, dentro do próprio país, privilegiaa vontade de grupos e o dominio de classe.

Quando o homem do povo ve mercadorias compradas a prazosaírem de urna residencia, removidas por oficiais de J u s t i ~ a , sob oimpério de um mandado judicial, porque o comprador atrasou-senuma ou duas p r e s t a ~ 5 e s , e o vendedor é amparado pela cláusulade " a l i e n a ~ a o fiduciár ia" , nao acha ele que aquela decisao judicialé justa.

68 Cf. Jo3o Baptista Herkenhoff, ob. cit., p. 110.

69 Carlos Santiago Nino, vivendo noutro país, com base noutra realidade cultural, opina que épreciso deixar de lado certos preconceitos sobre as verdadeiras fontes do Dire'to paraanalisar, fundamentalmente, através das decisOes judiciais, quais sao a< pautas que recebemefetiva a p l i c ~ a o . Este amplo critério mostrarla que muitas das normas tomadas por válidasnao sao objeto de reconhecimento pelos órgaos de a p l i c a ~ a o , enquanto outras, informais, temr e c e ~ a o geral. (Carlos Santiago Nino, ob. cit., p. ISO.)

Da mesma forma, a resistencia oposta a despejos em massa,por p o p u l a ~ 5 e s pobres, que proclamam o seu direito de morar,demonstra o sen so de j u s t i ~ a do povo, colidindo com urna visaoprivativista e anti-social da propriedade, que está na mente demuitos juristas.70

Na Comissao Justifa e Paz, da Arquidiocese de Vitória,inúmeras vezes ouvi habitantes da periferia, ocupantes de terrenospopularmente conhecidos como de invasao, afirmarem que Deusdeu a terra para todos e que morar, nesses terrenos, era justo, sendoinjusto e contra a vontade de Deus a expulsao dos moradores.

A cultura popular preserva os valores nacionais de um povo.A cultura "a cademica", sofrendo violencia colonialista, esmaga acultura popular, desnacionaliza o povo, anula sua identidade.

Nao se quer negar aqui a existencia de certos valores universais, nem também a utilidade de participar cada povo do patrimoniocomum das c i v i l i z ~ 5 e s , nem, outrossim, o inafastável fenomeno dainfluencia das comunidades nacionais urnas sobre as outras, quer no

nÍvel regional, quer no nível de globo terrestre.Mas o que se contesta é a supressao dos valores autóctones,a submissao desses valores a urna pauta de d o m i n a ~ a o internacional, a abertura a nfluencia externa sem a p r e s e r v a ~ a o daquilo que,por ser popular, é autenticamente nacional.

Os bispos latino-americanos, reunidos em Puebla (1979), denunciaram a m a r g i n a l i z a ~ a o e a d e s t r u i ~ a o dos valores pertencentes aantiga e rica t r a d i ~ a o do Continente, a agressao e a d e f o r m a ~ a o dasculturas locais por influencias externas dominantes, ou por l i m i ~ 5 e s alienantes de formas de vida ou valores importados. 7

!

70 José Geraldo de Sousa Júnior informa: "Mais de urna vez", a tribuna da Comiss1io de DireitosHumanos, na OAB-DF, foi ocupada por setores populares da periferia do Distrito Federal,proclamando e reivindicando o direito de moradia. Mais de urna vez, na qualidade de

membro da Comiss1io, fui incumbido de acompanhar reunié'íes, encontros e até s i t u ~ s deconflito, nos quais estes setores subalternos, caracterizados como grupos ou c\asses naestrutura de p r o d u ~ o , permaneciam inarredáveis, na a f i r m ~ o de direito de morar em facedo Direito Positivo vigente, estatal, apresentando-o quase que como um contra direito dodimito de propriedade." (Cf. José Geraldo de Sousa Júnior, " F u n d a m e n t a ~ o Teórica doDireito de Moradia", in Direito e Avesso, Brasília, ano 1, n° 2, julho/dezembro de 1982, p. 14.)

71 Cf. Evangeliza¡:iio no Presente e no Futuro da América Latina, Conc\usoes da Conferenciade Puebla, Sao Paulo, E d i ~ O e s Paulinas, 1979, § 28, p. 37.

106 JOAO BAPTISTA HERKENHOFFCOMO APLICAR O DlREITO 107

Page 70: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 70/106

Paulo Freire notou que"Como m a n i f e s t a ~ a o de conquista, a invasao cultural conduz

a inautenticidade do ser dos invadidos. O seu programa respondeao quadro valorativo de seus atores. A seus padr5es, a suas finalidades. "7 2

Pode e deve o juiz tentar descobrir o Direito vivido pelo povo.

Para o desempenho deste trabalho, há de ser um cientista e umartista. Cientista para, a luz dos dados da Economia, da Sociologiae da Política, entender que o Direito nao é um departamento ilhado,dentro da estrutura social, razao pela qual a s e n t e n ~ a judicial naose pode desligar do contexto social global. Artista, cheio de podercriador, com sensibilidade humana e antenas ligadas a alma dopovo, para sentir e traduzir suas a s p i r a ~ 5 e s .

22.3. O b j e ~ j j e s a c o n c e p ~ i i o extensiva da a p l i c a ~ i i o sociológico-política do Direito..

Enquanto o método sociológico é entendido em limites Parcimoniosos, levando o juiz a aplicar o texto, de acordo com asnecessidades contemporaneas, como obreiro do progresso, masdetendo-se num meio-termo discreto, para tirar todas as d e d u ~ 6 e s exigidas pelo meio social, porém compatíveis com a letra da lei,como quer Carlos Maximilian073

- essa p o s i ~ a o é aceita semreparos de maior autoridade.

A divergencia doutrinária ocorre quando, em nome de urnaa p l i c a ~ a o sociológico-política, pretende-se dar ao ju iz o poder deafastar a incidencia da lei ao caso concreto, singular.

Ante essa pretensao de extensao do poder judicial e doslimites da a p l i c a ~ a o sociológico-política do Direito, op5em-se asseguintes o b j e ~ 6 e s :

a) ao legislador é que cabe o papel de compatibilizar o Direitocom o fato social, através de reformas legislativas;

b) a ampla a p l i c a ~ a o sociológico-política do Direito pretendeerigir o subjetivismo do juiz como princípio, rasgando-se todo um

72 Pauto Freyre, Pedagogia do Oprimido, Rio, Paz e Terra, 1977, p. 179.

73 Carlos Maximiliano, ob. cit., p. 62.

patrimonio de pensamento, que pretendeu fazer do Direito uminstrumento de s e g u r a n ~ a ; .

c) a extensao do poder judicial poderia ser socialmente útil,partindo do pré-requisito da existencia de um corpo de juízesaltamente qualificados, mas seria um desastre em face de juízesmenos preparados;

d)os juízes nao sao eleitos pelo povo, para poder invocar urnasupo sta capacidade de traduzir a s p i r a ~ 5 e s populares; . .

e) a tese esconde a pretensao de reviver a Escola do DlfeItoJusto, já ultrapassada pelo crivo do debate científico, e r e s s u s c i t ~ "o bom Juiz Magnaud", cujo posicionamento foi duramente CrI-

ticado, combatido e vencido pelo bom senso;j) a tese tenciona um movimento contra a história, p o ~ s a . f a ~ e

da m u l t i p l i c a ~ a o dos casos judiciais e da necessidade de dIstrIbUIrJ u s t i ~ a rápida, já se imp5e urna providencia inversa a p r e t e n ~ i d a , qual seja, a u n i f o r m i z a ~ a o dos casos e a s e n t e n ~ a por melO de

c o m p u t a ~ a o eletronica.22.4. R e f u t a ~ i i o das o b j e ~ j j e s

Todas as o b j e ~ 6 e s sao, a meu ver, refutáveis, como se tentarádemonstrar a seguir.

22.4.1. A lei ante o caso singular e a m u d a n ~ a social

É ao legislador, sem dú vida, que cabe a e l a b o r a ~ a o da lei. Mas

a lei, por sua generalidade, fixa apenas a diretriz geral. Jamais teráa lei a possibilidade de apanhar a multiplicidade das s i t u a ~ 6 e s davida. A tarefa do legislador termina na e d i ~ a o da lei (Recaséns).Quando se trata de aplicar o Direito, nao é o legislador que ensinaráao juiz como faze-Io.74

74 Op6e-se a esta p o s i ~ a o Jónatas Milhomens, que, com Ernest Zitelman, considera ~ nonnasde a p l i c ~ a o , inclusive as herrneneuticas, como um superdireito. (Cf. J6natas Milhomens,Hermeneutica do Direito Processual Civil, Rio, Forense, s/data, p. \O.)

108 JOÁO BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR O DIREITO 109

Page 71: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 71/106

Essa missao cabe ao próprio juiz, pois que a func;ao jurisdicional escapa a qualquer criac;ao legislativa. Nao cabe ao juizrevogar a lei, mas pode afastar a aplicac;ao di ante do caso concreto,quando a aplicac;ao resultaria em injustic;a, feriria a conscienciajuríd ica do povo, o sentido de "justo" do julgador e da comunidade.

Na generalidade do comando, termina a lei sua func;ao. Por

mais que, pormenorizadamente, preveja excec;6es a egra geral, olegislador nao esgotará, explicitamente, as excec;6es que devem seradmitidas. Outrossim, a lei acompanha sempre, com passo tardo,as mudanc;as sociais.

Caberá ao juiz, como cientista do Direito, como sociólogo,no desempenho de um poder político, fazer a justic;a do casoindividual, vencendo, quer a insensibilidade da lei para acudirsituac;6es particulares imprevistas, quer seu atraso para adaptar-sea mergencia dos fatos novos.75

75 S. Belaid demonstrou, amplamente, que o papel criador e nonnativo é inerente ao juiz,partindo da c o n s t a t ~ a o de que a verdadeira natureza da f u n ~ a o jurisdicional fundamenta seupoder criador: o pod er jurisdicional é poder político. Examinou o au tor os principais aspectosda f u n ~ a o criadora e nonnativa do juiz: na salvaguarda e no acabamento da ordem jurídica;na a d a p t a ~ a o da ordem jurídica a e v o l u ~ a o dos fatos; no a p e r f e i ~ o a m e n t o jurídico, comoagente que deve ser do Direito Natural: "L e juge apparait comme un Pouvoir socialautonome, qui a pour mission, non pas seulement d'appliquer les regles de Droit émises parle Législateur mais plus généralement de régler les litiges qui naissent entre les sujets deDroit. Dans I'accomplissement de cette fonction indispensable et irréductible aux autresfonctions de I État, le juge exerce nécessairement un Pouvoir créateur et ordonnateur certainqui atteint le différentes rnanifestations de la vie sociale et marque profondément tous l e ~ aspects de I'ordonnancementjuridique. Dans ce sens du mot, au meme titre que l'on parle

de Pouvoir Législatif ou de Pouvoir gouvernemental" . Cf. S. Belaid, Essai sur le PouvoirCréateur et Normatif du Juge, Paris, Librairie Générale du Droit et de Jurisprudence,1974, p. 339.José Puig Brutau prova, exaustivamente, que a jurisprudencia exerce f u n ~ a o criadora dodireito, do direito que "a cada instante, a sociedade reclama para a nonnalidade de suavida". (Cf. José Puig Brutau, A Jurisprudencia como Fonte do Direito, T r a d u ~ a o de LenineNequete, Porto Alegre, Ajuris, 1977,passim.)

Na prática judiciária brasileira, a n e g a ~ a o de ser a jurisprudencia fonte formal do direito émeramente academica, em face da evidencia da c r i ~ a o do direito pelos tribunais.Fernando Pinto, colhendo casos aqui e ali, arrola inúmeros exemplos de c r i a ~ a o do direito,pelos tribunais brasileiros. A jurisprudencia precedeu o legislador, em refonnas progressistas,especialmente em matéria de Direito de Fanuña (Cf. Fernando Pinto, Jurisprudincia, Fonte

Formal do Direito Brasileiro, Rio, Freitas Bastos, 1977, ps. 91 e segs.)

A missao de humanizar e atualizar a lei, de negar sua aplicac;ao

ao caso que foge da abstrac;ao do comando genérico cabe, e s ~ i ~ -mente, ao juiz da primeira instancia, vizinho e testemunha da ~ ~ s t i a e da dor que os processos refletem apenas palidamente. Se o JUlZ quevive o fato abdica des se papel, esvazia-se, em muito, sua func;ao

humana e social.

22.4.2. O conteúdo subjetivo e político inerente a toda s e n t e n ~ a A aplicac;ao sociológico-política do Direito .nao p . r e ~ e n d e

erigir o subjetivismo como regra, mais do que sena subjetivo ojulgamento, adotando-se outra orientac;ao no julgar.

76,

A sentenc;a do juiz, em qualquer hipótese, tem c o n ~ e u d o subjetivo e político. Já o disse Couture quando afirm.ou que mterpretar é ainda que inconscientemente, tomar partIdo por urnaconcepc;ffo do Direito, por urna c o n c e p ~ a o d o . m u n ~ o . e da vid,a:

77

Elias Diaz denuncia a falsa neutrabdade ldeologlca e pobhcada func;ao judicial e propugna por urna intervenc;ao do juiz na

transformac;ao democrática da legislac;ao.78

76 "E n rigor, la única manera de conseguir una absoluta y perfecta intersubjetividad en la

valoración consistiría en erigir en juez - intérprete, aplicador del derecho a la coletividadtoda, que actuaría en cada caso de presencia, como ocurría con lis coros en la tragedia g r i e ~ a (. .) Pero aunque no sea posible demonstrar deductivamente la objetividad de una valoraciónjudicial y sea necesario reconocer, una vez más, que la valoración sólo p u ~ d e expresarse ~ ~ v é s de la subjetividad del intérprete, esto no significa, en modo alguno, el tnunfo de las posIcionessubjetivistas, porque así como la perfecta intersubjetividad de una valoración es una especie deconcepto límite, tambiém cabe decir lo mismo de una valoración que pretenda ser puramentesubjetiva" er. Enrique R. Aftalión, Fernando Garcia Olano e José Vilanova, Introducción al

Dereclw, Buenos Aires, Cooperadora de Derecho yOenc ias Sociales, 1975, ps. 505/506.77 "Interp retar é, ainda que inconscientemente, tomar partido por urna c o n c e p ~ a o do Direito, oque significa dizer, por urna c o n c e p ~ a o do mundo e da vida. Interpretar é dar vida a urnanonna. E sta é urna simples p r o p o s i ~ a o hipotética de urna conduta futura. Assim sen do, é um

objetivo ideal, invisível Gá que o texto escrito é a r c p r e s e n t a ~ a o da nonna, mas nao a próprianonna) e suscetível de ser percebido pelo raciocínio e pela i n t u i ~ a o . O raciocínio e a i n t u i ~ a o , todavia, pertencem a um determinado hornem, e por isso, estao prenhes de subjetivismo. Todointérprete é, embora nao o queira, um filósofo e um político da lei." er. Eduardo Couture,Interpreta¡;:{jo das Leis P rocessuais, Sao Paulo, 1956, p. 23, apud Alipio Silveira, o Papel do

Juiz na Aplica¡;:{jo da Lei, Sao Paulo, Editora Universitária de Direito, 1977, p. 74.78 Elias Diaz, Legalidad-Legitimidad en el Socialismo Democrático, Madrid, Editorial Civita,

1978, passim. apud, José Geraldo de Sousa Júnior, Para uma Crítica da Eficácia do Direito,

Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1984, p. 27.

110 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

'1

COMO APLICAR O DIREITO 111

Page 72: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 72/106

Plauto Faraco de Azevedo censura aqueles que, pretendendorigor lógico, neutralidade científica, sao, na realidade, fiéis servidores da ordemjurídica vigente.79

Poderia parecer que, quanto mais buscasse penetrar na inteligen

cia da norma, como editada, estaría o juiz fugindo de um julgamento

subjetivo. Mas essa f i x a ~ a o na norma também é um posicionamento

ideológico, político, nítidamente conservador, pois a lei nao evolui, alei garante o status quo, enquanto o Direito pode ajustar-se as trans

forma«;6es sociais, a mergencia de novas for«;as, de novas classes que

assumam um maior poder no choque dos interessesem disputa. Ojuiz,

aprisionado a ei, sem sensibilidade para descobrir o Direito, serve as

for«;as da conserva«;ao e da rea«;ao, tanto quanto pode servir as for«;as

do progresso, da r e n o v a ~ a o , o juiz-sociólogo.

Ambos sao políticos, porque nao exige julgamento que nao

seja político. ~ A aplica«;ao sociológico-política, como preconizada neste

livro, nao erige o subjetivismo como preceito, porque nao determina que o juiz imponha seus valores pessoais, na s e n t e n ~ a . Pelo

contrário, alerta-o sobre a necessidade de procurar traduzir o

sentimento de justi«;a da comunidade, obriga-o a fazer ciencia,

incentiva sua capacidade de capta«;ao da alma do povo, aponta,

como repositório de julgamentos, nao apenas os livros de doutrina

e a cataloga«;ao da jurisprudencia, mas a vida, o jornal, a cronica

do di a, o rosto da rua, o perfil dos barracos, as filas de onibus, os

caminh5es que conduzem operários, as crian«;as famintas.

Surpreendemos inúmeras contradi«;5es dentro do sistema nor

mativo. De um lado, a lei legitima a opressao; de outro, proclamaa igualdade de todos, os direitos humanos, a justi«;a social. O

mesmo sistema legal, que proclama valores humanistas, instru

mentaliza valores anti-humanos.

O papel do hermeneuta, o papel do jurista, a ace das contra

d i ~ 5 e s da lei, implica urna op«;ao política.

79 Plauto Faraco de Azevedo, Justifa Distributiva e Aplicafiio do Direito, Porto Alegre, Sergio

Antonio Fabris Editor, 1983, p. 84.

A meu ver, está aí um grande desafio a ser enfrentado pelos

juristas progressistas: explorar essas c o n t r a d i ~ 6 e s ; selecionar osvalores humanistas e dar for«;a a esses valores; exigir que os valoreshumanistas, teoricamente proclamados, dernagogicamente proclama

dos, sejam efetivados e cumpridos; colocar-se do lado do povo,

ajudando-o no processo de autoconscientiza«;ao; comprometer-se, de

sua cátedra que nunca é neutra, com a luta popular.Dois expedientes podem prevenir eventual subjetivismo ar-

bitrário na aplica«;ao do Direito:

a) o sistema do duplo grau de j u r i s d i ~ a o ; b) a obrigatoriedade da motiva«;ao da senten«;a.

No sistema legal brasileiro, nao existe a instancia única. O

poder criativo que se abre ao juiz, abre-se ao Judiciário, como

poder do Estado. Se o juiz decidisse sem recurso, sua pesquisa do

Direito poderia ser "pessoal". Criar-se-ia o domínio do arbítrio.

Em face do sistema de recursos, o poder do juiz é um poder

do Estado, nao de um homem apenas. Eventual d e f o r m a ~ a o doDireito, em vez de busca do Direito, pode sempre ser revista pela

instancia recursal.

A dupla instancia r e f o r ~ a as possibilidades de exercício eficaz

de urna magistratura criativa, científica, sociológica, política.

Disse, a propósito, Angel Latorre:

"Esta fun«;ao criadora da jurisprudencia, ao interpretar as leis,

levanta a dificuldade duma possível diversidade de critérios, que

nao só prejudicaria a seguran«;ajurídica, mas que, além disso, faria

depender a solu«;ao do caso dos critérios pessoais do juiz. Na

realidade, este risco está salvaguardado pela existencia dum tribunal superior ( .. ), cuja missao essencial é, precisamente, a deunificar a interpreta«;ao do Direito e evitar, ou ao menos diminuir,essas diferen«;as de critériO.,,80

A motiva«;ao da senten«;a também previne eventual arbítrio

porque obriga o juiz a explicitar a f u n d a m e n t a ~ a o do seu conven

cimento.

80 Cf. Angel Latorre, IntrodufOO ao Direi to, Coimbra, Livraria Alrnedina, 1974, p. 110.

112 loXo BAPTISTA HERKENHOFFCOMO APLICAR O DIREITO 113

Page 73: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 73/106

Será inerente a urna s e n t e n ~ a , que busque traduzir o Direito,

motivar sua conclusao.

22.4.3. A supremacia do valor Justira sobre o valor Seguranra

A s e g u r a n ~ a jurídica é sempre invocada, quando se fala em

alargar a missao criativa do juiz. A lei traduziria essa s e g u r a n ~ a . 810afastamento da lei poria em perigo tal valor. Sem dúvida, urna dasf u n ~ 5 e s do Direito é preservar a s e g u r a n ~ a . Contudo, a J u s t i ~ a éum valor superior a este. Jamais se poderá, em nome da s e g u r a n ~ a , consagrar a injustü;a ou justificar a s e n t e n ~ a contrária ao bem

comum.82

Nao se nega que as r e l a ~ 5 e s jurídicas precisam de gozar

de um teor de s e g u r a n ~ a . Sobretudo as r e l a ~ 5 e s comerciais, nas

hipóteses em que os contratantes sejam de igual poder economICO.

Contudo, a s e g u r a n ~ a nao pode ser elevada a categoria devalor supremo, em detrimento da J u s t i ~ a , valor maior.

Com razao, no en sino bíblico, a s e g u r a n ~ a nao é um valor

autonomo, mas tem urna base axiológica: "O produto da j u s t i ~ a será a paz, o fruto da eqüidade, perpétua s e g u r a n ~ a " (Isaías 32, 17).

A s e g u r a n ~ a que a lei, fundamentalmente, garante é a segu

r a n ~ a das classes que fizeram a lei, ou tiveram papel preponderante

na sua feitura.

Se, num caso de despejo, o juiz dá guarida ao proprietário do

imóvel, estará dando s e g u r a n ~ a aos que investiram em imóveis,

por causa das leis de p r o t e ~ a o a propriedade. Mas onde fica a

s e g u r a n ~ a do inquilino, a s e g u r a n ~ a da famIlia, i n s t i t u i ~ a o social

81 A plurissignifica"ao das normas jurídicas, por si só, conforme Kelsen demonstrou, toma o

ideal da seguran"a jurídica realizável apenas aproximativamente. Cf. Hans Kelsen, TeoriaPura do Direito, Coimbra, Armenio Amado, 1974, p. 473.

82 "O princípio da certeza do Direito, posto em razáo dos valores da ordem e da paz, nao pode

ser motivo de injusti"a, nem é incompatível com a c o n c e ~ a o dinruruca da ordemjurídica.' ,

(Miguel Reale, Teoria do Direito e do Estado, citada, p. 313.)

que goza de p r o t ~ a o constitucional com muito maior amplitudedo que a propriedade?

Bem observa Cláudio Souto que a e d u c a ~ a o jurídica conven

cional conduz o juiz a urna parcialidade real quanto aos efeitos da

a t u a ~ a o do Poder Judiciário. Se a missao do juiz é aplicar regras,

e nao criá-Ias, terá de aplicar regras que beneficiam, sem impar

cialidade, os detentores do poder economico e do poder político,muito mais amparados pela lei do que os outros membros da

sociedade. 83

Segundo Radbruch, o homem de Direito que vive a J u s t i ~ a , que tem sua visao do mundo fundada na J u s t i ~ a , é idealista e

progressista; o que vive a s e g u r a n ~ a é positivista e conservador.84

Os ideólogos da s e g u r a n ~ a tem da ordem estabelecida urna

visao simétrica: a lei explicita valores inquestionáveis - família,

propriedade, sucessao, contrato, ordem pública, bons costumes.

(Família enquanto sustentáculo da propriedade.)

A lei organiza as divergencias, cerceia o egoísmo, coíbe ascondutas criminosas.

Se a lei é, assim, tao sábia, outro papel nao tem as autoridades,

os juízes, inclusive, do que fazer prevalecer a lei, repelindo os atos

injurídicos dos recalcitrantes.

Nesta visao de mundo, há urna única tensao - a ordem e a

desordem, a lei e o desrespeito a ei. P r e v a l e ~ a a ordem e a lei e o

mundo estará salvo.

Quem identifica " E s t a d o - O r d e m - L e i - J u s t i ~ a " nao aceita o

acolhimento de qualquer Direito que nao seja o estatal, nem aa b s o r ~ a o , pelo jurista, dos reclamos de J u s t i ~ a do povo, do clamor

das grandes massas, quando esses reclamos nao tem o beneplácito

expresso do legislador.

83 Cláudio Souto, Ciencia e Ética no Direito - Urna Alternativa de Modernidade, Porto Alegre,

Sérgio António Fabris Editor, 1992, p. 57.

84 Cf. Paulo Dourado de Gusrnáo, lntroduriío ii Teoria do Direito, Rio, Freitas Bastos, 1962,

ps.256-257.

114 JoAo BAPTISTA HERKENHOFFCOMO APLICAR O DIREITO 115

Page 74: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 74/106

Esta é urna percepC;ao míope da realidade social. Obscurecea tensao entre o Direito estatal e o Direito social. Faz tabula rasa

da tensao entre a ordem estabelecida e a ordem desejada.85

Ignora o conflito entre o mundo dos direitos do homem e doshomens sem direitos,86 oprimidos por opressores. Desconhece apluralidade de ordenamentos jurídicos,87as peculiaridades regio

nais, a existencia de um Direito nao-formal, ao lado do Direitoformal, fatos que derrubam o mito da unidade do Direito.Antonio Bento Betioli, ao citar este nosso Como Aplicar o

Direito, na obra que escreveu, bem demonstra ter percebido o fiode nossa tese, que ele tem a oportunidade de enriquecer com suasreflexoes. Destaca sua concordancia com a nossa proposta dequestionamento da ordem, "quando a ordem é tao-somente o que

. f di" 8a c1asse dommante ordena, urna seguranfa em avor e a guns .A aplicaC;ao sociológico-política pode estabelecer urna maior

aproximac;ao entre o Direito e o fato social. Pode minimizar atensan entre o Direito estatal e o Direito social, reduzir o abismo

85 "Ancorado na positividade imediata da Ordem" - observa Marilena Chauí - "o positivista

dissimula a s i g n i f i ~ a o social de seu conceito chave, isto é, que em sociedades divididas em

classes a 'oroem' é apenas o que a classe dODÚnante ordena" Cf. Marilena Chauí, "Roberto

Lyra ou Da Dignidade Política do Direito", in Direito e Avesso, Brasília, ano 1, n° 2,julho-dezembro de 1982.

Roberto A. R. de Aguiar coloca, com muita propriedade:

"Nao há como evitar a escolha de urna visao que respalda a permanencia da ordem

constituída, ou aquela que, movida pela e s p e r a n ~ a , pretende urna ordem meIhor." (Cf.

Roberto A. R. de Aguiar, O que é J u s t i ~ a , Sao Paulo, Editora Alfa-Omega, 1982, p. 68.)

Na mesma linha dialética, situa-se Cid Silveira:

"Em face da tendencia, que todo ser humano tem, por suap e r f e i ~ a o ,

é natural que ospertencentes as carnadas dODÚnadas se constituam, em maior ou menor parte, de

descontentes. Sao os que aspiram a um sistema social mais perfeito." (Cf. Cid Silveira,

Direito e Estado. Rio, Editora C i v i l i z a ~ a o Brasileira, 1977, p. 102.)

86 Antinomia de que Trismo de Athayde fez título de livro.

87 Cf. Edgard de P r o e n ~ a Rosa, que diz:

"Nao há um ordenarnento, mas urna pluralidade de ordenarnentos jurídicos. A d i f e r e n ~ a entre o ordenamento estatal e os demais está, apenas, no grau de o r g a n i z a ~ a o e f o r m a l i z a ~ a o , bem mais acentuado naquele." (Edgard Lincoln de P r o e n ~ a Rosa, "O Caso 'Bóia-fria': urna

Abordagem em Sociologia Jurídica", in Direito e Avesso, Brasília, ano 1, n° 2, julho-dezembro

de 1982, p. 65.)

88 Antonio Bento Betioli, l n t r o d ~ i i o ao Direito - L i ~ { í e s de Propedeutica Jurídica, Sao Paulo,

Hermes Editora, 1989, p. 281.

entre os símbolos do legislador e os do povo, contemplar a multiplicidade de culturas, dentro do Brasil. Tudo isso contribuirá paraa seguranc;a do Direito, seguranc;a, contudo, em favor de todos, enao apenas em favor de alguns.

22.4.4. Se o juizfalha, nao é a lei que o salvará

A existencia de um corpo de juízes, altamente qualificado,

nao é indispensável apenas quando se reconhece carregar o ofício

de juiz, dentro de si, um poder criativo. Em qualquer situaC;ao,juízes nao qualificados constituem um desastre. Nao é a lei vara

de condao que conduz o mau timoneiro a porto seguro. O mau juiz,

mau pela ausencia de cultura e tirocínio, mau pela carencia de quali

dades humanas e morais, estará sempre impossibilitado de administrar

Justic;a. Feliz a comunidade na qual a jurisdiC;ao está entregue a

consciencias limpas e límpidas. Infeliz o POYO que nao pode confiar

nos seus juízes. Se o juiz falha, nao é a lei que o salvará.Disse-o lapidarmente Couture:

"Da dignidade do juiz depende a dignidade do Direito. O

Direito valerá, em um país e num momento histórico determinados, o que valham os juízes como homens. ,89

22.4.5. A representatividade popular dos juízes

Verdadeiramente, os juízes nao sao eleitos pelo povo. A

qualificaC;ao exigível do postulante ao cargo parece-me que é mais

bem apurada através de concurso público de títulos e provas. Nao

creio que se devesse optar pelo sistema de eleiC;ao de juízes, para

assegurar tivessem eles urna representatividade popular. Contudo,

penso que, mesmo nao eleitos, os juízes possam traduzir aspiracroes populares.

89 Eduardo 1. Couture, l n t r o d u ~ i i o ao Estudo do Processo Civil, trad. de Mozart Victor

Russomano, ps. 87-88, apud Francisco Raitani, Prática de Pmcesso Civil, Sao Paulo, Saraiva,

1968, 1° vol., ps. 9-10.

116 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR O DIREITO 117

Page 75: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 75/106

Seriam, a meu ver, convenientes a l t e r a ~ 6 e s na estrutura judi

ciária para facilitar o desempenho, pelos juízes, da rnissao de

traduzir a s p i r a ~ 6 e s populares, dentro do princípio básico de que

"todo poder emana do POyO e em seu nome é exercido".

Deveria ser constitucionalmente modificado o sistema de

e l e i ~ a o dos Presidentes dos Tribunais, escolhidos, atualmente,

apenas por seus pares. Ou se adota o sufrágio universal para aescolha dos Presidentes dos Tribunais, como defende Arruda Cam

pOS,90 ou, pelo menos, deve-se ampliar o colégio eleitoral para o

provimento dessa f u n ~ a o , a fim de que participem do processo

seletivo representantes da J u s t i ~ a de primeira instancia e do corpo

de advogados.No caso dos Tribunais de J u s t i ~ a dos Estados e do Supremo

Tribunal Federal, o respectivo Presidente nao é apenas o Presidenteda Corte, mas o chef de um dos Poderes do Estado, o que justificaa a m p l i a ~ a o dos colégios que elegem os titulares de tais f u n ~ 6 e s , ou mesmo a escolha pelo sufrágio universal.

Um Presidente de Tribunal eleito por colégio mais amplo, ou

pela generalidade dos cidadaos, estaria mais aberto as a s p i r a ~ 6 e s coletivas.

o sistema de rodízio, na presidencia dos tribunais - que é ooposto da abertura aqui defendida - , institucionaliza a rotina eimpede a descoberta das qualidades de l i d e r a n ~ a exigíveis de quem

quer que dirige.Para rejuvenescer os tribunais, aproximando-os também das

a s p i r a ~ 6 e s modernas, a cada dia emergentes num grupo social,

seria conveniente a p r e s e n ~ a temporária, nos mesmos, de juízes deprimeira instancia, a exemplo do que ocorre nos Tribunais Regio

nais Eleitorais. Fixar-se-ia a f r a ~ a o obrigatória dessa p r e s e n ~ a eproibir-se-ia a r e c o n d u ~ a o .

Imp6e-se que haja também a f i x a ~ a o de um período máximo

de permanencia do magistrado nos tribunais, para que neles nao se

eternizem pessoas e grupos.

90 Arruda Campos, A Justira a Serviro do Crime, Brasília, Horizonte Editora, 1979, p. 48.

Deve ser democratizado o acesso a f u n ~ a o judiciária, como

c o n d i ~ a o de urna J u s t i ~ a mais popular.91

Essa d e m o c r a t i z a ~ a o exige:

a) a d e m o c r a t i z a ~ i i o do ensino universitário, que só serárealmente a 1 c a n ~ a d a dentro de urna sociedade que se democratizeglobalmente;

b) a d e m o c r a t i z ~ a o dos cursos de p r e p ~ a o para ingresso namagistratura, com oferecimento de bolsas para candidatos pobres, ecom o arejamento de tais cursos, através da ampla discussao de idéias

e doutrinas, sem qualquer espécie de censura ou policiamento;c) a supressiio dos preconceitos contra o ingresso da mulher

e do negro em todos os escal6es da magistratura;

d) a r e a l i z a ~ a o de concursos transparentes, honestos, rigorosamente igualitários, na Ju s t i ~ a , de modo a eliminar toda e qualquer

possibilidade de protencionismo, afilhadismo ou nepotismo nass e l e ~ 6 e s ;

e) a a m p l i a ~ i i o da p a r t i c i p a ~ i i o popular na J u s t i ~ a , com oa p e r f e i ~ o a m e n t o , a m o d e r n i z ~ a o e a d i l a t ~ a o de competencia do júri,

e com corajosas experiencias de J u s t i ~ a leiga - prática, rápida, gratuita- , funcionando no local dos conflitos, para conciliar e julgar causasmenos complexas, dentre outras medidas.

Há o juiz de ser também um homem aberto ao mundo:92 abertoa interesses multíplices, informado sobre todas as coisas, estudioso

91 "Pode-se, desde logo, tolher a expectativa de urna j u s t i ~ a imparcial, se os critérios de

escolha dos juízes conduzirem a urna j u s t i ~ a de classe, da classe dominante, espelho do

Executivo forte ou dominante. Neste caso, o Judiciário, nao refletindo os anseios do POyO,

poderá se lhe impor, mas jamais granjeará seu respeito." (Cf. Plauto Faraco de Azevedo,

Justira Distributiva e Aplicariío do Direito, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor,

1983, p. 64.)

92 A Lei Orgfinica da Magistratura Nacional criou a injustificável v e d a ~ o de o magistrado

"exercer cargo de d i r e ~ a o ou técnico de sociedade civil, a s s o c i ~ o ou f u n d a ~ a o , de

qualquer natureza ou finalidade, salvo de a s s o c i ~ a o de classe e sem r e m u n e r a ~ a o " (art. 36,

inc. 11). Na visao do incauto legislador, o juiz é um pária, um homem que nao assume

responsabilidades pecante a vida comunitária. A que péssimo exemplo se obriga o juiz,

sobretudo no interior, onde os juízes, por longa t r a d i ~ a o , exercem l i d e r a n ~ nas mais diversas

atividades sociais e culturais!

O dispositivo extravasava os limites balizados pelo arto 112, parágrafo único, da C o n s t i t u i ~ a o entao vigente que, ao fixar diretrizes para a Lei Orgfinica da Magistratura Nacional, mandou

118 lOAO BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR O DIREITO 119

Page 76: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 76/106

nao apenas do Direito, mas da Sociologia, da Economia, da Política, participante da vida da comunidade.93

Como adverte Plauto Faraco de Azevedo, o magistrado naose deve fechar no código e no exoterismo lógico-formal.

Ao contrário, deve abrir-se ao mundo.A época moderna, a interpenetra'tao do jurídico, do economi

co, do político, do social está a exigir juízes que sejam homens domundo. Nao se pretenderá o juiz que perca o conceito moral deque deve desfrutar. Mas esse conceito é alcan'tado e mantidoatravés de urna vida correta, nao exigindo urna postura exteriorsolene que dificulta o acesso do povo ao juiz e estabelece urnarela'tao de domina'tao frente acomunidade.

o juiz de Antares, retratado magistralmente por Érico Veríssimo,94 é urna figura anacronica. Nao é o juiz que merece, nos diasde hoje, o respeito e a estima das comunidades.95

A possibilidade de tniduzirem os juízes as aspira'tóes popu

lares está diretamente ligada aorigem social dos magistrados e a

que se respeitassem as garantias previstas na C o n s t i t u i ~ a o ou dela decorrentes. Urna dessasgarantias era o direito de a s s o c i a ~ o (art. 153, § 28) e o direito conseqüente de usufruir, nasa s s o c i a ~ O e s , da elegibilidade.A d i s p o s i ~ a o legal, além de discriminatória e anticívica, é flagrantemente inconstitucional.Também o ensino de 2° grau, no qual os juízes prestavam inestimáve1 concurso, principalmenteno interior, foi, lamentavelmente, proibido aos magistrados pela ernenda constitucional n° 7, de13 de abril de 1977.A C o n s t i t u i ~ o de 1988, felizmente, abrandou a d i s p o s i ~ a o restritiva. Hoje nao vigora maisessa p r o i b i ~ o .

Cidades há, no interior do Brasil, que tem até hoje seus ginásios,g r a ~ a s

ao apoio demagistrados. E quanto isso elevou o prestígio da j u s t i ~ aos olhos do povo!

93 "A rnagnitude do papel que deve desempenhar o juiz dificilmente poderia ser exagerada.Envolve todos os seus conhecimentos - do direito objetivo e das regras que norteiam suai n t e r p r e t a ~ a o e a p l i c a ~ a o , e da vida, sob seus múltiplos aspectos: psicológicos, sociológicos,históricos, políticos, geográficos, filosóficos, importando estes últimos nao somente em urnac o n c e p ~ o da existencia e do mundo como do próprio Direito, de sua f u n ~ a o , fins esignificado humano." (Cf. Plauto Faraco de Azevedo, Justifa Distributiva e Aplicafiio do

Direito, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1983, p. 61.)94 Trata-se do Dr. Quintiliano do Vale. Cf. Érico Veríssimo, Incidente em Antares, Porto Alegre,

Globo, 1971, especialmente p. 417.95 Mas parece ser o juiz o que a Lei Orgiinica da Magistratura Nacional pretende ressuscitar.

classe que integram, bem como a deologia e a f o r m a ~ a o culturale profissional.

Q u ~ t ? aorigem social dos juízes, na pesquisa sócio-jurídica9ue reahzel e a que já me referi, apurei que a grande maioria dosmtegrantes da magistratura analisada procede da classe médiaprovém do interior, de sedes de municípios e do próprio E s t a d o . 9 ~ . ,. Qua!lto a

i ~ e o l o g i a - entendida como sistema organizado deldelas CUjO sentido político nao está previamente determinado97

-

concluiu-se que é assinalada por moderado conservadorismo, zelopela o r ~ e m , senso de legalidade, preferencia pelo formal e solene.

Cn?u,-se ~ m a ~ s c o l a de conservadorismo e verificou-se que,tanto os jU1ZeS hberrus e reformistas quanto os juízes muito conserva~ o r e s c o ~ ~ t i . t u e . m ~ n o r i a , estando a grande maioria numa p o s i ~ a o mtermedlana, mdlcadora de moderado conservadorismo.98

. Lan'ta-se c.omo hipótese que a magistratura do Espírito Santoseja representativa do país.

A.s ~ l a s s e s médias brasileiras - das quais os juízes fazem parte- , tradICIonalmente conservadoras, estao emergindo, na atualidade, para posi'tóes progressistas.99 As atitudes assumidas pela OAB,através de seu s órgaos nacionais e locais, dao a medida desse fatohistórico.

É possível que parcela cada vez mais ampla de magistradossofra a influencia do conjunto dos bacharéis.

Além dos fatores assinalados - a vida austera e sem luxo quelevam, a passagem de longos anos pelo interior sentindo a realidade do povo, OO a convivencia diuturna com o drama humano - tudoisso pode levar os juízes a traduzirem aspira'tóes populares, ~ i n d a que pelo povo nao sejam eleitos para a fun'tao que desempenham.

96 Cf. Joao Baptista Herkenhoff, O Direito dos Códigos e o Direito da Vida, Porto Alegre,Sérgio Antonio Fabris, 1993, ps. 134 a 139.

97 O emprego do tenno nao é o da d e f i n i ~ o marxista nem o da d e f i n i ~ a o mannheimiana.98 Cf. O Direito dos Códigos e o Direito da Vida. ps. 144 a 166.

99 Ver, neste sentido, entrevista de Dalmo de Abreu Dallari concedida aRevista IstoÉ, e d i ~ a o de 6 de julh o de 1977, ps. 36 e segs.

100 No caso dos magistrados de carreira da J u s t i ~ dos Estados.

120 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR ODIREITO 121

Page 77: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 77/106

Membros da classe média, os juízes poderao ser urna classepara si e nao apenas urna classe em si. Assumindo a conscienciade classe, como outros segmentos da classe média estao fazendo,concluirao os magistrados que nenhum vínculo justifica o servic;oas classes dominantes, a integrac;ao ideológica a mentalidade delas:

impoe-se resistir a alienac;ao.Bem mais nobre é o desempenho do papel histórico de se por

do lado do povo, fugindo do anátema bíblico:"A i daqueles que fazem leis injustas, e dos escribas que redigem

sentenc;as opressivas, para afastar os pobres dos tribunais, e denegar direitos aos fracos de meu povo." 101

22.4.6. A Escola do Direito Justo, Magnaud e o posicionamento

assumido neste livro

A aplicac;ao sociológico-política do Direito, como aqui defen

dida, identifica-se com algumas linhas da Escola do Direito Justo,

ramo extremado d a Escola do Direito Livre:a) quando proclama que o povo conhece o Direito vivo, o

Direito que reputa justo;b) quando afirma que cabe a Ciencia Jurídica encontrar esse

Direito;c) quando diz que esse Direito deve ser buscado nao só nos

textos, mas na vida.Os seguintes princípios pretendem afirmar urna peculiaridade

a aplicac;ao sociológico-política, como a entendo:

a) o de que a valorizac;ao da cultura popular decorre do

reconhecimento do direito de auto-expressao do povo, da crenc;aque deve ser ele agente de sua própria história; 102

101 Isaías, 10, 1-3.

102 "Dizer a palavra nao é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens.

Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho ou dize-la para os

outros, num ato de p r e s c r i ~ a o , com o qUal rouba a palavra dos demais." (Paulo Freire,

Pedagogia do Oprimido, cit., ps. 92-93.)

b) o de que a busca das raízes populares da cultura é a buscatambém da identificac;ao nacional dessa mesma cultura;

c) o de que tem os magistrados, no entrechoque das forc;associais, um papel político, que deve ser o de defesa das classesmarginalizadas, e nao o de sustentac;ao do status quo, com servic;oda magistratura as classes dominantes;

ti) o de que a busca do Direito justo, de or igem popular, nao

deve ser arbitrária e subjetiva, mas científica, fazendo-se necessária a ajuda da pesquisa sócio-jurídica, dentro de critérios metodológicos rigorosos, para que se descubra a consciencia de "justo"

do povo e se confira a coincidencia ou o desajuste entre os valoresdo povo e os valores da lei. Os valores do povo devem ser ponderadospelo juiz, quer para trabalhar dentro da escala de discric;ao que lheabre a lei, quer mesmo para refugar os valores da lei, com a aberturaconcedida por um uso científico e adequado da Hermeneutica,quando em flagrante desacordo com os valores do pOVO;103

e) o de que há de exercer o juiz urna atuac;ao de mudanc;asocial, a frente da lei, urna vez que esta estabil iza as relac;oes sociaise é forc;a conservadora;

f) o de que há de ter o juiz consciencia da globalidade dosfenomenos sociais, para nao cometer-o equívoco de encarar osistema jurídico como um sistema autonomo, que se pudesse isolar

das e ~ t r u t u r a s economicas, políticas, sociais.E de se refutar estejam ultrapassadas as teses básicas da

Escola do Direito Justo, bem como sua realizac;ao pragmática,

através de Magnaud, o "bomjuiz".

103 Na pesquisa "O Direito dos Códigos e o Direito da Vida" verifiquei que quanto amaneira de

perceber os crimes mais graves, os juízes mostram-se mais tradicionalistas e conservadores

do que as comunidades interioranas, urna vez que nestas, muito mais que entre juízes, sao

r e a l ~ a d o s como bens maiores, tutelados pelo Direito Penal, aqueles desvinculados de valores

de t r a d i ~ a o e c o n s e r v ~ a o . Foram considerados como desvinculados dos valores de t r a d i ~ o e c o n s e r v a ~ a o os crimes: que sao considerados graves em qualquer sistema político e

económico; cuja v a l o ~ a o nao parece tilo sujeita as m u t a ~ O e s de tempo; que defendem bens

cuja tutela, pelo Estado, é indelegável; que privilegiam a pessoa humana. Esses tipos de

crirnes sao os que as pessoas do POyO, diferentemente dos juízes, consideram como os de

maior gravidade. Cf. ]oao Baptista Herlcenhoff, O Direito dos Códigos e o Direito da Vida,

ps. 167 e segs.

122 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR O DIREITO 123

Page 78: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 78/106

Nao obstante a Escola do Direito Justo e Magnaud tenhamadversários ferrenhos, tem também defensores.

E parece que o mundo atual, sufocado pela técnica, pelau n i f o r m i z a ~ a o , pela m a n i p u l a ~ a o , mais do que nunca apela para ohumanismo, só possível, na r e a l i z a ~ a o do Direito, através de urnaprocura apaixonada da J u s t i ~ a , esteja, ou nao, consagrada nos

textos da lei. .

A r e a l i z ~ a o , em 1977, na Bélgica, de um Congresso ~ t e ~ a c l o -nal do Direito Processual Civil, sob os auspícios da UruversldadeNacional de Gante, tendo como tema central "Por urna J u s t i ~ a comAspecto Humano", revela essa tendencia bastante atual.

104

Dionísio Díez Enriquez, no prólogo da obra de Henry Leyretsobre as s e n t e n ~ a s de Magnaud, observa que os c o m p a ~ i o t a s deMagnaud chamavam-no d ~ bom juiz, p o r ~ u e teve ~ vutude desatisfazer os anelos de J u s t l ~ a de um povo Ja desconfiado dela.

E na defesa da o r i e n t a ~ a o adotada por Magnaud, em suas

s e n t e n ~ a s , afirma Díez Endquez: . .,

" A c r i a n ~ a , a mulher, o trabalhador, o deserdado, o m d ~ v l d u o asilado sao fundamentalmente vítimas de nosso estado socIal, e aJ u s t i ~ a exige que se tenham em c?nta essas . i n f e r i o r i d a d e ~ , P,ru:afavorecer aos que as padecem, realizando, aSSlm, na ordem Jundl-

, d h "lOOca, a igualdade que a natureza e o egOlsmo o ~ omens negam.Também, entre nós, Edgard de Moura Blttencourt coloca-se

na defesa de Magnaud, dizendo: . ."Foi ele quem deu forma e sentido ah u m a n i z a ~ a o da lelo FOl

quem chefiou a revolta contra as a p l i c a ~ 5 e s s i m ~ t r i c a s do texto.Foi ele quem criou o princípio, que nao pode fugu do comportamento de todos os magistrados dignos desse nome, segundo o qual,

para bem compreender o drama das partes, deve o juiz descer ousubir até o nível de suas c o n d i ~ 5 e s . "

104 "La jurisprudencia, como fuente principal del derecho, evitando su c r i s ~ a l i z a c i ~ n , c ~ n s t i ~ e la prueba de cómo ya no procede inclinarse ante el dogma de la omnIpotencia ~ e g ¡ s l a t l v a para permanecer indiferente o impasible frente a una norma que se separa de la Idea de la

mayor humanización del derecho." (AlbertoG. Spota, El Juez, el Abogado y la Formación

del Derecho a través da la Jurisprudencia, Buenos Aires, Depalma, 1976, p. 73.)

105 Henry Leyret, Las Sentencias del Buen Juez Magnaud, Prólogo de D. Díez Enriques.

Bogotá, Editorial Temis, 1976, p. VIII.

Por tudo isso, pensa Moura Bittencourt que"o fenomeno Magnaud nao foi simples meteoro, senao pere

ne lua a iluminar os magistrados de todos os tempos." 106

22.4.7. C o n d i ~ o e s para a u t i l i z a ~ a o dos recursos da Informática

A a p l i c a ~ a o do Direito, como defendida neste livro, nao se

op5e a possibilidade de u t i l i z a ~ a o , pelo Poder Judiciário, dosrecursos da Informática de modo que possa um juiz do Amazonasorientar seu julgamento pelo que decidiu, em caso perfeitamenteanálogo, um juiz do Rio Grande do Sul. 107

Esses subsídios da c o m p u t ~ a o eletronica sao viáveis, enquantosejam apenas subsídios. Parece-me que, ao fornecer subsídios para umjulgamento, termina a máquina seu papel. Se o p r e c e d e n t ~ a J u ~ t a - s e , inclusive pela c o n d i ~ a o das partes, ao novo caso, pode Ilummar ojulgamento a ser proferido. Se a s i t u a ~ a o nao é identica, se aspectosparticulares devem ser ponderados, o juiz afasta o precedente e profere

decisao que vai criar um novo precedente. Enquanto se encara oprecedente, a jurisprudencia, como adjutório, seu c o n h ~ c i ~ e n t o ~ ú ~ i l . Recursos tecnológicos que tomem os precedentes, a JunsprudencIa,de uso operacional mais eficaz, colaboram na boa a p l i c a ~ a o da Justi9a.Se, entretanto, a jurisprudencia passa a funcionar como f o r ~ a reaClO-nária - por um vezo de a aplaudir sem crítica, ou de a recepcionar sema t e n ~ a o aemergencia de s i t u ~ 5 e s sociais novas e a p o n d e r ~ a o decasos que devem ser subtraídos ageneralidade das s i t u a ~ 5 e s - , seupapel é nocivo aboa J u s t i ~ a : a tecnologia, entao, amplia os malefíciosde urna tal postura ideológica.

C o m p u t a ~ a o eletronica de s e n t e n ~ a s e acórdaos, para socorrer

o juiz, nas suas reflex5es, é urna providencia útil, e nao se c h o ~ a com o posicionamento que defendo, desde que se encare a POSSI-bilidade de levantar precedentes como um auxílio que nao dispensao estudo de cada caso, com liberdade, independencia, inteligenciae criatividade.

106 Edgard de Moura Bittencourt, O Juiz, Rio, Editora Jurídica e Universitária, 1966,p. 304.

107 Sugestao para a p r o g r a m a ~ a o de dados a expensas da Uniao foi defendida por Mario Boa

Nova Rosa. Cf. A Gazeta, de Vitória, e d i ~ a o de 17 de outubro de 1973.

Page 79: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 79/106

Capítulo VI

CONCLUSÁO

23. Os objetivos que este livro pretendeu alcanfar

Este trabalho c o m e ~ o u por conceituar a Hermeneutica Jurídica, bem como a i n t e r p r e t a ~ a o , a a p l i c a ~ a o e a i n t e g r a ~ a o doDireito.

Foram vistos os diversos processos de i n t e r p r e t a ~ a o , com aprévia advertencia de que devem ser considerados como momentos do processo global interpretativo, em face do caráter unitárioda atividade hermeneutica.

Estudaram-se as escolas hel1Iléneuticas, divididas em tresgrupos, tomando como baliza o maior ou menor aprisionamentodo intérprete ou aplicador do Direito a lei: escolas de estritolegalismo ou dogmatismo; escolas de r e a ~ a o ao estrito legalismoou dogmatismo; escolas que se abrem a urna i n t e r p r e t a ~ a o maislivre da lei.

Tentei depois dar ao tema a contribui¡;ao maior de minhasreflex6es, fruto simultaneo da vivencia como juiz e do labor dopensamento como estudioso da Teoria Geral do Direito. Nestee s f o r ~ o , propus e defendi a conveniencia de ser o Direito aplicadosob urna tríplice perspectiva: a axiológica, a fenomenológica e asociológico-política.

24. Síntese das perspectivas propostas

As tres perspectivas propostas neste livro, como orientadorasda a p l i c a ~ a o do Direito, fundem-se, afinal, numa perspectivahumanística.

126 JOAO BAPTISTA HERKENHOFFCOMO APLICAR o DIREITO 127

Page 80: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 80/106

Pretende-se urna visao axiológica que fundamente um juízocrítico da lei, conducente a decis5es conformes com a Justicra.

Partindo-se dos pressupostos de que os juízes sejam pessoas

dignas, selecionadas segundo princípios éticos aceitos pelo senso

comum, e de que se lhes assegure a independencia - é a hegemoniados critérios axiológicos, nos julgamentos, que permitirá seja o

Direito "a arte do bom e do justo".

Como arte do bom e do justo, o Direito nao poderá serinstrumento de dominacrao, a acirrar a injusticra, a desigualar aindamais os homens, a oprimir os oprimidos. Será, pelo contrário, um

Direito a servicro do homem e de sua libertacrao.A perspectiva fenomenológica também contribuirá para a huma

nizacrao da lei: é descendo ao homem julgado, a ua pauta de valores,é reconhecendo a desigualdade economica e cultural vigenteem nossasociedade, é tentando compreender a individualidade de cada ser, seumundo, suas percepcr5es", seus condicionamentos, é penetrando nocampo fenomenal- que o juiz vencerá a frieza da norma jurídica, para

lhe transmitir o sopro davida

Finalmente, também a perspectiva sociológico-política desaguará numa visao humanística da lei.

Perscrutando o Direito e a cultura popular, buscando assimilaros valores da multidao, aceitando a existencia de um Direitonao-formal e lhe dando guarida, vendo o Direito como fato social,reconhecendo o caráter político inerente a toda sentencra e optandopelo oprimido, na escolha inafastável- o juiz, mais perto do povo,estará mais perto do Homem.

Esta posicrao preserva a neutralidade do juiz ante as partes,

como tais, porém, nega a possibilidade de neutralidade em face dos

valores jurídicos , dos valores políticos e economicos que os informam e dos conflitos de classe subjacentes.

Dentro da concepcrao que defendo atuam: como estímulospropulsores da aplicacrao, os valores do julgador, as percepcr6es dohomem julgado e as estimativas sociais; como ponto de convergencia, a pessoa humana.

A linha de raciocínio desenvolvida coloca no centro da vidado Direito: como operador, o juiz; como destinatário, o homemjulgado, sua vida, sua liberdade, sua individualidade, seus motivos.

Ir

1;,

,:liI

o homem, destinatário da justicra, é também seu agente: deveele própr io tomar consciencia de sua dignidade, de seu s direitos,lutando por sua própria libertacrao.

25. Consideraroes complementares

Duas orden s de consideracr6es complementares parecem-me

necessárias a fim de concluir o que se colocou nesta monografia:la) aquelas consideracr5es que se referem as relacr6es entre o papel

que este livro ve destinado ao juiz e a realidade da Justicra no Brasil;2°) aquelas que se relacionam com a missao do juiz, dentro

de urna perspectiva mais ampla que, em face de urna sociedade deopressao, ve a libertacrao do oprimido como processo histórico deluta e de conquista.

25.1. A modernizariío e a democratizariío dajustira comorequisitos para o desempenho eficaz do papel interven-

cionista que cabe amagistratura

25.1.1. A realidade da Just ira no Brasil e o imperativo demudanru

Em pesquisa sócio-jurídica que realizei, verifiquei que era

mau o conccito da Justicra junto aopiniao pública. Nao viam osrespondentes que ricos e pobres fossem tratados com igualdadepela Justicra, nem percebiam a Justicra ao alcance do povo. l

A pesquisa foi realizada no Espirito Santo em 1976. Na sua primeira versao mimeografada

foi intitulada Afunt;iio judiciária nas comunidades interioranas. Em 1977 foi publicada pela

Editora Resenha Universitária com o título: Afunriio judiciária no interior. Em 1993, recebe

a sua terceira versao e o seu terceiro título: O Direito dos Códigos e o Direito de Vida.

Revelou que 40,4% dos entrevistados, no interior, e 68,4%, na Capital, viam ricos e pobres

nunca, ou só raramente, sendo tratados com igualdade pela Justiya. Apenas 24,1% dos

respondentes, no interior, e 5,3%, na Capital, disseram que ricos e pobres sao tratados

sempre, com igualdade, pela Justiya

No interior, 60,7% dos respondentes viam a Justiya ao alcance do POyO, enquanto que, na

Capital, essa cifra descia para 38,6%. (Cf. Joao Baptista Herkenhoff, O Direito dos Códigos

e o Direio de Vida. Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris, 1993, ps. 67 e segs.)

128 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR ODIREITO 129

a

Page 81: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 81/106

Melhor que o conceito da J u s t i ~ a , como i n s t i t u i ~ a o , era o

conceito dos juízes, como tais.2

A pesquisa nao foi replicada e nao tenho elementos para

formar c o n v i c ~ a o a respeito da s i t u a ~ a o atual.Minha hipótese é de que as pessoas do POyO nao ernitem hoje

julgamento mais favorável a respeito das i n s t i t u i ~ O e s judiciárias.Se este livro atribui, como se viu nos capítulos anteriores, um

papel sumamente relevante ao juiz, para ser conseqüente deve defender m u d a n ~ a s substanciais e profundas na o r g a n ~ a o da J u s t i ~ a

. dentro do país. Nao pode o juiz desempenhar a contento a rnissao quelhe cabe, se persistirem as estruturas esclerosadas vigentes.

25.1.2. Medidas emfavor da modemizafilo, melhoria e demo-

cratizafilo do aparelho judiciário

Urna série de medidas sao necessárias para que se tenha urna

J u s t i ~ a melhor e mais popular.

A d e m o c r a t i z a ~ a o do ensino universitário, o acesso cada vezmaior de todas as camadas do POyO as faculdades, o amplo e livredebate dos temas políticos nas universidades, a p a r t i c i p a ~ a o dosjovens na vida nacional, a supressao de todas as tutelas - indevidase intoleráveis - sao fatores para a f o r m a ~ a o de quadros academicossadios e populares, dos quais deverao ser retirados os futuros

magistrados.3

2 17,7% dos entrevistados, no interior, e 42,1%, na Capital, disserarn que nunca, ou só

raramente, ricos epobres sao tratados com igualdade pelos juízes. 37,8% dos respondentesno interior, e 22,8%, na Capital, afirmaram que ricos e pobres sao tratados sempre comigualdade, pelos juízes.65,3% dos entrevistados, no interior, e50,9%, na Capital, viam os juízes ao alcance do POyo.Cf. Joao Baptista Herkenhoff, ob. cit., ps. 66 e egs.

3 A rimeira edi<;ao deste livro ~ a i u em 1979, após adefesa pública da tese de docencia-livre,precedida da entrega de seu texto aVniversidade, em plena vigencia do Ato Institucional n° 5.

As tutelas indevidas e intoleráveis sao aquelas que advinham da ditadura militar entaovigente. A eda<;ao original émantida, como advertencia para o aso de outras tutelas que sequeirarn estabelecer, sempre indevidas e ntoleráveis, com qualquer nome que venham, sobque pretexto venham, porque pretextos nao faltam e nunca faltaram, nem mesmo naAlemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, no Chile de Pinochet, na África do Su!'

de cuidadosos concursos, transparentes e limpos.4

. Em t?das as etapas da s e l e ~ a o , quer aquelas ligadas as provasmtelectuaIs, quer as que se destinam a verificar as c o n d i ~ 6 e s morais e de personalidade, deve haver p a r t i c i p a ~ a o da OAB, bem

m a ~ s efetiva do que a vigente, que é apenas simbólica. Ninguém

malS do que a classe de advogados, por meio de seus órgaos

representativos (conselhos locais e conselho federal), tem condi~ 6 e s de fazer ressoar nos tribunais as exigencias do pOYO, quanto

a juízes selecionados segundo critérios sábios e retos.

Critérios de procedencia política dos postulantes, vetos de

natureza ideológica, informes secretos de organismos secretos

- nao sao procedimentos apropriados para a s e l e ~ a o de magis

trados.

Os informes secretos de organismos de i n f o r m a ~ a o do regime

estavam em plena vigencia quando apresentei minha tese de do

cencia-livre, primeira versao desta obra. Mantenho a r e d a ~ a o original (la e d i ~ a o , p. 94), como testemunho de que a palavra derepúdio foi dita no momento exato, perante minha universidade e

a comunidade. Como as práticas ditatoriais sempre podem a m e a ~ a r qualquer pOYO, é preciso fortalecer a consciencia democrática.

Assim, os liberticidas nao cometerao seus crimes sem a censura

de, pelo menos, urna parte da opiniao pública. Condenados pela

História nao tenho dúvida de que estes sempre serao.

Realizados os concursos, as n o m e a ~ 6 e s devem seguir a or

dem rigorosa de c l a s s i f i c a ~ a o .

Depois que o juiz entra no quadro, é preciso desatrelar acarreira da influencia da pequen a política.

4 De muita valia sao os cursos de prepara<;ao para acarreira de magistrado, que deveriam sersempre gratuitos, estipendiados pelo Poder Público pelo menos para os canditados pobres.Oconhecimento da Deontologia Jurídica, especialmente dos princípios ligados a própriaética da fun<;ao judiciária, deveria integrar o lenco das matérias exigidas.Vm inquérito sobre a vida do candidato, a exigencia de assinaladas virtudes humanas emorais ede requisitos de personalidade sao condi<;Oes indispensáveis.

130 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

As p r o m o ~ o e s , no quadro, deveriam ser precedidas de con

COMO APLICARO DIREITO 131

Page 82: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 82/106

curso público de títulos e de provas. Desses concursos deveria

participar, com peso considerável, a OAB, pelas mesmas razoes já

assinaladas, que justificam a p r e s e n ~ a da c1asse de advogados no

processo de recrutamento de juízes.

Os concursos buscariam apurar a operosidade do juiz, sua

residencia na Comarca,5 o cuidado de suas s e n t e n ~ a s , sua dedica

~ a o aos estudos, seus escritos e p u b l i c a ~ o e s , cursos de a p e r f e i ~ o a mento que tenha freqüentado, seu comportamento moral, social e

humano etc., etc.Para acesso aos tribunais, por merecimento, deveria ser exi

gido o requisito de a t u a l i z a ~ a o intelectual do juiz, nos últimos

cinco ou dez anos anteriores a nvestidura. ( p u b l i c a ~ a o de livros,

ou concurso para o magistério universitário, ou curso na Escola

Superior da Magistratura, ou cursos de p ó s - g r a d u a ~ a o , ou fatossemelhantes). •

Adotados critérios predeterminados, eficientes, honestos,

igualitários, democráticos, o sistema de p r o m ~ 6 e s alternadas por"antiguidade e merecimento", deveria ser substituído por duas pro

m ~ 6 e s por merecimento, seguindo-se a terceira por antiguidade.6

Quanto a r e m o ~ a o de juízes, deveria ser mero ato de rotina,

por simples critério de antiguidade, através de r e s o l u ~ o e s baixadas

pelos presidentes dos tribunais.

5 A grande maioria do povo acha que o juiz deve residir na Comarca. Na pesquisa que realizei,

tanto no interior quanto na Capital, os respondentes manifestaram-se neste sentido, atravésdas percentagems de 90% e 84,5% respectivamente. Cf. O Direito dos Códigos e o Direito

de Vida, ps. 121 e segs.

6 Discutindo os critérios de promoyao de juízes, nota Mário Guimaraes que o critério de

antiguidade preserva melhor a independencia do magistrado, enquanto o critério de

merecimento pode permitir a escolha dos melhores. Quanto ao inconveniente das p r o m o ~ O e s postuladas pelos próprios interessados, pensa o autor que o mal pode ser obviado pelos

próprios desembargadores e conselhos disciplinares. Cf. Mário Guimaraes, O Juiz e a

Funriío Jurisdicional, Rio, Forense, 1958, ps. 117 e segs.

Suponho que o concurso, a partir de critérios preestabelecidos, em vez de escolhas

arbitrárias, é o me\hor remédio contra protecionismos e i n j u s t i ~ a s por parte do órgao que vá

decidir sobre as promoyoes.

Preceitos constitucionais devem impedir o nepotismo nostribunais. 7

O contínuo a p e r f e i ~ o a m e n t o cultural e humano dos juízes éimperati vo para que se alcance urna j u s t i ~ a melhor. Abertura amplade oportunidades de crescimento cultural através de cursos econgressos, estímulo ao estudo e a p u b l i c a ~ a o de trabalhos, intercambio de experiencias - sao medidas e e s f o r ~ o s para o objetivo

aprimorador.A J u s t i ~ a , como posta atualmente, está mal equipada, malinstalada, juízes com excesso de trabalho, processos acumulando.

A a c u m u l a ~ a o de s e r v i ~ o impede o juiz de realizar urnamagistratura criativa, pois estimula a rotina. O juiz é transformadoem máquina de emitir despachos e s e n t e n ~ a s .

Seria necessário simplificar as formas processuais, facilitar oencerramento liminar de processos criminais (a exemplo do que ocorrenos processos cíveis com o julgamento antecipado da lide),8 descri-

7 Imp5e-se que seja proibido participem, na v o ~ o de listas de p r o m ~ de magistrados,

desembargadores e outros juízes integrantes de tribunais, cujos parentes sejam candidatos aescolha

Nao deve ser tolerado que tenham assento, num mesmo tribunal, conjuges e parentes

consangüíneos ou afins em linha reta, bem como em linha colateral até o terceiro grau. O arto

128 da Lei Orgíinica da Magistratura Nacional, inovando, limitou o alcance do preceito

moralizador, ao estabelecer que a p r o i b i ~ a o é apenas de assento na mesma Turma, Camara

ou S e ~ a o . 8 Como juiz, apliquei, analogicamente, o Código de Processo Civil para por termo a processo

penal:

"Dentro de um apego a igidez da forma, o processo teria de ser integralmente instruído para

só entao ser proferida a s e n t e n ~ a . A i n t e r p r e t a ~ á o literal, na espécie, conduz, porém, a uma i n j u s t i ~ a Nao tem sentido impor ao acusado todo o drama de um processo, o percurso de todo o seu

labirinto, descrito nas páginas imortais de Kajlm, quando aprimeira vista resulta a convicyao

de inépcia da denúncia, reconhecida pelo próprio promotor de j u s t i ~ a , urna vez que o

processo foi iniciado por um erro de conta no cálculo da idade da ofendida.

O Código de Processo Civil tem remédio para pOr cobro, célere, a emanda temerária. O Código de

Processo Penal, que tutela direitos humanos bem mais sagrados do que aqueles tutelados pelo

Código de Processo Civil, nao imaginou fónnulas legais com o mesmo objetivo.

Mas nao será por imprevidencia do legislador que o juiz ficará de b r a ~ o s amarrados,

condenado a máxima fulminante dos romanos: summum jus, summa injuria. (Cf. Joao

Baptista Herkenhoff, Uma Porta para o Homem no Direito Criminal, Rio, Forense, 1980, pS.

135-136.)

132 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR O DlREITO 133

Page 83: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 83/106

l 1 } i n ~ l i z a r condutas, modernizar os s e r v i ~ o s forenses, colocar atecmca e ? progresso dentro do aparelho judiciário, ampliar oquadro de jUIZeS e pessoal auxiliar segundo critérios científicos dea d m i n i s t r a ~ a o .

Seria desejável a a r n p l i ~ a o da p a r t i c i p ~ a o popular na J u s t i ~ a Com coragem e criatividade, muitas experiencias de tribunais

leigos poderiam ser realizadas, no julgamento de matérias que nao

exijam a p r e s e n ~ a do juiz togado.9

O júri, a p e r f e i ~ o a d o e modernizado, deveria ter competenciamais extensa.

Também seria preciso haver alguma forma de controle dopOYO sobre o Poder Judiciário. 1O

Imp6e-se vencer os preconceitos contra a p r e s e n ~ a da mulhernos quadros da magistratura. As r e s t r i ~ o e s contra a mulher diminuÍram mas nao acabaram. Há tribunais onde nao há urna únicamulher.

A ausencia da mulher, nos diversos escaloes da J u s t i ~ a nao

apenas atenta contra o direito de possÍveis postulantes. Atinge todaa p o p u l a ~ a o feminina, que se ve violentada sob o julgamentoexclusivamente de homens.

Um processo contínuo de novas experiencias, de autocríticade debate público deveria buscar o melhoramento permanente d ~ J u s t i ~ a , r e c h a ~ a n d o - s e o imobilismo, a rotina, o conservadorismo,

9 Boaventura de Souza Santos pensa que a j u s t i ~ a infonnal ou comunitária controlada peloEstado requer certa dose de p a r t i c i p a ~ a o popular para funcionar eficazmente. As refonnasque visem a esse objetivo contem assim um elemento potencialmente libertador que,

contudo, só pode ser ele próprio libertado através de um movimento político autonomo dasclasses dominadas. Cf. Boaventura de Souza Santos, "O Direito e a Comunidade", in

Direito e Avesso, Brasília, ano n, n' 3, janeiro/julhode 1983, ps. 139 e segs.

10 "O juiz ( .. ) nao é eleito pelo POyO e, urna vez instituído no cargo, fica imune a todo equalquer controle por parte da sociedade. Seus abusos e desvios, só, por eles próprios, juízes,podem ser corrigidos, mas o que a experiencia mostra é que se cria um sentimento dea u t o p r o t e ~ a o institucional, que bloqueia, mesmo os melhores intencionados, no efetivoexercício do poder disciplinar que Ihes é deferido. Daí ser indispensável, em benefício daprópria credibilidade do Poder Judiciário e de sua legitimidade política, submete-Io acontroles similares aqueles previstos constitucionalmente para o Poder Legislativo e para oExecutivo." cr. J. J. Calmon de Passos, "Entrevista", in A Gazeta, Vitória, e d i ~ a o de 21 denovembro de 1984, p. 12.

a fal ta de criatividade que sufocam a máquina judiciária e impedema J u s t i ~ a de exercer qualquer papel progressista dentro da sociedade brasileira.

25.1.3. O poder das minorias como instrumento transformador

Amargem das estruturas e das cúpulas, acredito na possibili

dade de a g l u t i n a ~ a o , em nÍvel nacional, de juÍzes e outros juristasque compartilhem de urna visao transformadora do mundo e queacreditem possam contribuir para aproximar o Direito do pOYO -um Direito a servi<;o das maiorias, a s e r v i ~ o das profundas mudan~ a s que o país reclama.

Em todas as i n s t i t u i ~ o e s , creio que possa haver urna missao,que se poderia chamar de profética, a ser assumida pelas minorias.Ainda que essas minorias nao f a ~ a m prevalecer seu credor e seusvalores, a existencia delas, corno a voz de todas as vanguardas, temum papel político da maior importancia. As minorias abraamicas,

a que se refere Hélder Camara,11 ou gedeónicas, corno quer PedroCasaldáliga,12 constituirao sempre urna p r o v o c a ~ a o , as consciencias, um questionamento ao secularmente estabelecido, um fermento revolucionário. SÓ essas minorias sao capazes de entenderas maiorias silenciadas, reduzidas a c o n d i ~ a o de minorias pelaf o r ~ a que lhes cala o clamor da J u s t i ~ a .

25.2. A Justira, o juiz e a libertariío do oprimido

25.2.1. A Justira como instrumento de libertariío

o oprimido deve ser agente de sua própria l i b e r t a ~ a o . UrnaJ u s t i ~ a paternalista nao se ajusta a essa visao. Urna J u s t i ~ a abertaao oprimido viabiliza urna l i b e r t a ~ a o parcial, ou seja, a s u p e r a ~ a o das i n j u s t i ~ a s que possam ser vencidas com o instrumental legalexistente. A busca da J u s t i ~ a , pelo oprimido, implica c o n s c i e n t i z ~ a o de sua c o n d i ~ a o de oprimido. A J u s t i ~ a posta pelo opressor nao

II Dom Hélder Camara, o Deserto é Fértil, Rio, C i v i l i z a ~ a o Brasileira, 1975, p. 15.

12 Dom Pedro Casaldáliga, A Guia de Gedeiío, Petrópolis, Editora Vozes, 1982, p. 9.

134 JOAO BAPTISTA HERKENHOFFCOMO APLICAR O DIREITO 135

Page 84: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 84/106

pode servir ao oprimido. A J u s t i ~ a nao pode estar vinculada aoopressor. Urna J u s t i ~ a popular pode ser libertadora, na medida emque a l i b e r t a ~ a o possa ser feita através do instrumental legal. Commais freqüencia, a lei sanciona a opressao. A. p r o p o r ~ a o que ooprimido possa ter p a r t i c i p a ~ a o na feitura da lei, a lei pode viabilizar r e i v i n d i c a ~ 6 e s dos oprimidos e representar urna s u p e ~ a o dass i t u ~ 6 e s de opressao. Será o caminho da l i b e ~ a o pela pressao.

Como a lei, a J u s t i ~ a pode ser veículo de l i b e r t a ~ a o dosoprimidos, desde que os oprimidos possam ter acesso gratuito aostribunais, voz perante a J u s t i ~ a , advogados vinculados acausa dal i b e ~ a o , juízes nao comprometidos com os opressores. Urna J u s t i ~ a assim pode representar um importante papel de l i b e r t a ~ a o dooprimido pelo caminho da nao-violencia. Será a nao-violencia dosoprimidos vencendo a violencia institucionalizada dos opressores.

Para que a J u s t i ~ a nao seja a j u s t i ~ a dos opressores, é precisoque ela seja independente. J u s t i ~ a sem garantias é J u s t i ~ a subordinada ao mandonismo, aos poderosos do dia, ao capricho dos

áulicos. J u s t i ~ a independente é J u s t i ~ a com possibilidade de serJ u s t i ~ a do pOYo.

Correlata a ndependencia dos juízes é a independencia dosadvogados, a garantia do livre exerCÍcio da profissao. 13

25.2.2. A salvariío do Direito pela arte do juiz

Nao se defende a idéia de que o atual sistema jurídico, mesmoa p e r f e i ~ o a d o , seja satisfatório para que o juiz, por meio de urnai n t e r p r e t a ~ a o humanística, realize a J u s t i ~ a .

R e c o n h e ~ a - s e que toda urna l e g i s l a ~ a o individualista, consa~ o r a de privilégios, arcaica, antipovo, martiriza as grandes maionas, ~ o r r e n t a n d o - a s a um círculo vicioso de miséria insuportável,g e ~ a o sobre g e r ~ a o .

Fique claro que para imperar a J u s t i ~ a , elementos outros, maisprofundos, sao requeridos, a c o m e ~ a r por urna nova f o r m u l a ~ a o das r e l a ~ o e s economicas, urna vez que a i n j u s t i ~ a básica decorre

13 Como apropriadamente ressaltou Dalmo de Abreu Dallari. (Cf. Dalmo de Abreu Dallari, O

Renascer do Direito, Slio Paulo, José Bushatsky, 1976, p. 84.)

das r e l a ~ o e s de e x p l o r a ~ a o , tanto em nível nacional quanto em

nível internacional e, as vezes, em ambos os níveis concomitantemente, por f o r ~ a de a l i a n ~ a s espúrias.

Observou, com agudeza, Osny Duarte Pereira, comentandoeste livro, na sua 1 e d i ~ a o :

"Nao pode o juiz, com paternalismo, gerar na comunidade aperigosa c o n v i c ~ a o de que as leis sao boas e que seus intérpretes,

por vezes, nao prestam." 14

Afirmamos, contudo, que o sistema legal vigente pode sermenos desumano, menos distante do pOYO, através da arte e da

consciencia do juiz.Ou se terá um Direito mais justo, pela a t u a ~ a o do juiz, ou nao

se terá nada. Em outras palavras: se o juiz falhar na sua missao dehumanizar a lei, de desce-Ia ao homem julgado, de fazer a leiturada lei a partir dos autentico s valores da cultura popular, de exploraras c o n t r a d i ~ o e s do sistema legal em favor das maiorias deserdadaspela lei, nada restará de útil, socialmente útil, na lei.

25.2.3. Em busca de um Direito da libertariío

Este livro, ao ser reescrito para a 3a e d i ~ a o , termina com reflex6es que nao concIuo, reflex6es que tiveram sua semente em outrasreflexoes, e que já foram expressas, na sua g e s t a ~ a o e desenvolvimento, quer na 1 e 2a e d i ~ o e s desta obra, quer em outras publica~ 5 e s , 15 reflexoes vivenciadas e sofridas, na prática do Direito, como

14 Osny Duarte Pereira, "Como aplicar o Direito (comentário ao liv ro)", in C o l ~ o Encontros

com a Civilizafiio Brasileira, Rio, nO 20, fevereiro de 1980, vol. I1I, n° 2, p. 221.15 Cf. Jolio Baptista Herkenhoff, "Pela I n s t i t u i ~ da J u s t i ~ a Agrária", Revista da Ordem dos

Advogados do Brasil, Rio, ano VI, vol. 15, janeiro-abril de 1975.ldem, Como Aplicar o Direito, Rio, Forense, 1979, ps. 69, 70, 77,80 a 82, 87,90 a 94 ( l'

e d i ~ l i o ) . ldem, Urna Porta para o Homem no Direito Criminal, Rio, Forense, 1980 (1" e d i ~ l i o ) e 1988(2" e d i ~ l i o ) , passim.

ldem, "Tarefas do Intelectual e do Jurista na Realidade Contemporlinea do Bra sil", Ordem

Jurídica (jornal da OAB-ES), Vitória, ano 11, n° 8, f e v e r e i r o - m ~ o de 1980.Idem, "Violencia, Lei e Direito", Revista de Cultura da Universidade Federal do Espírito

Santo, Vitória, n° 18, outubro-novembro de 1980.ldem, "Direitos do Homem. Direitos do índio. Direitos da Fanuña", Revista da OAB.

136 JoAo BAPTISTA HERKENHOFFCOMO APLICAR O DIREITO 137

Page 85: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 85/106

JUlZ, e na prática da luta, ao lado do povo, como membro da

Comissao J u s t i ~ a e Paz, da Arquidiocese de Vitória. 16

Há um desafio para juízes e juristas em geral que se queiramcolocar ao lado das maiorias oprimidas, como colaboradores doprojeto histórico das c1asses populares.

Como fruto desta a l i a n ~ a , delineia-se um novo papel no qual

se verá:juízes e juristas aceitando a p r o v o c ~ a o de urna nova leiturada lei, de urna d e s m i s t i f i c a ~ a o de seu pretenso papel de harmoniasocial numa sociedade desarmonica e visceralmente opressora;

juízes e juristas recusando a suposta neutralidadeda lei e de seusagentes, neutralidade que cimenta e agrava as i n j u s t i ~ a s estabelecidas; 7

juízes e juristas comprometidos com o futuro, nao com opassado, com a busca apaixonada da J u s t i ~ a , nao com as comodasa b d i c ~ 6 e s , com a C O n l ¡ t r u ~ a o de um mundo novo, nao com adefesa de estruturas que devem ser sepultadas;

juízes e juristas atentos aos gemidos dos pobres, insones anteo sofrimento das multid6es marginalizadas;juízes e juristas que morram de dores que nao sao suas, 18profetas

da E s p e r a n ~ a , bem-aventurados por terem fome e sede de J u s t i ~ a ; juízes e juristas que nunca lavem as maos, em tributo a

omissao, mas que d e s ~ a m ao povo, que sejam povo;

Seccional do Rio de Janeiro, Rio, ano VII, vol. XX, n° 15, 1° quadrimestre de 1981.Idem, "O Pensamento Utópico e o Direito", Ordem Jurídica (jornal da OAB, S e ~ o do

Espírito Santo), Vitória, ano 111, n° 14, junho de 1981.Idem, f.()(JI Perguntas: Introdru;iio ii Ciencia do Direito, Rio, Editora Rio, 1982, ps. 261 e segs.

16 Sao reflexiies que pretendo ampliar em outro livro, se tiver a oportunidade de escreve-l0.Itlem, Iivros e artigos publicados posteriormente, relacionados nas páginas iniciais desta obra.

17 "Nií o existe terceiro neutro, só existe urna idéia de J u s t i ~ que se vai sedimentando na história eque está a s e r v i ~ de urna ordem posta, e outra idéia de j u s t i ~ que está a s e r v i ~ da c o n t e s ~ , da m u d a n ~ Mais simplesmente, existe uma j u s l i ~ do opressor e outra do oprimido." ce.

Roberto A. R. de Aguiar, O que é Justifa, Sao Paul0, Editora AIfa-Ómega, 1982, p. 72.

18 "Esta sensibilidade, que é urna antena delicadíssima, captando p e d a ~ s de todas as dores do

mundo, e que me facá morrer de dores que nao sao minhas'" (Do poema "Fraternidade", deNewton Braga. Cf. Newton Braga, Poesia e Prosa, Rio, Editora do Autor, s1ano, p. 29.)

juízes e juristas, operários do canto; 9 crentes da utopía que af o r ~ a do povo constrói;

juízes e juristas que se recusem a colocar amarras, impedirvoos, compactuar com m a q u i n a ~ 6 e s opressivas;

juízes e juristas que abram as janelas ao Amanha e construam, semse deter ante martírios que lhes impuserem, o Direito da l i b e r t ~ a o .

19 "Operário do canto, me apresentoSe m marca ou cicatriz, limpas as maos,minha alma limpa, a face descoberta,aberto o peito, e - expresso documento -a palavra confor me o pensamento."Cf. Geir Campos, Operário do Canto, Rio de Janeiro, Antunes & Cia., 1959, p. 3.

Page 86: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 86/106

APENDICE

Entrevista concedida pelo autor ao jornal A Gazeta, de Vitó-ria, por ocasiao do l a n ~ a m e n t o da 1 e d i ~ a o deste livro.·

* Foi publicada na e d i ~ a o de 7 de outubro de 1979.

Page 87: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 87/106

JOAO BAPTISTA HERKENHOFF:

JUIZ ACOMODADO ESTÁ SERVINDO As FORC;ASSOCIAIS DOMINANTES

O Juiz de Direito Joao Baptista Herkenhoff tornou-se conhecido da p o p u l a ~ a o da Grande Vitória no início de 1975, quando aimprensa divulgou a s e n t e n ~ a pronunciada por ele no julgamentoda empregada doméstica Neuza Fernandes, que ficou presa tresmeses por ter sido denunciada apolícia por sua patroa que acusaraNeuza de ter furtado 150 cruzeiros. Eis a íntrega da s e n t e n ~ a :

"Considerando o pequeno valor do furto; considerando o

minúsculo prejuízo sofrido pela vítima que, a rigor, se o Cristo naotivesse passado inutilmente por essa terra, em vez de procurar apolícia por causa de 150 cruzeiros, teria facilitado a ida da acusadapara Governador Valadares, ainda mais porque ela havia reveladosua i n a d a p t a ~ a o a esta cidade, certamente i n a d a p t a ~ a o maior nopróprio lar, por causa do padrasto; considerando que a acusada équase urna menor, pois mal transpos o limite cronológico da

irresponsabilidade penal; considerando que o Estado processa urnaempregada doméstica que lesa seu patrao em 150 cruzeiros, masnao processa os patroes que lesam seus empregados, que lhes

negam salário, que lhes furtam os mais sagrados direitos; considerando que o cárcere é um fator criminogenico e que nao se podemais tolerar que autores de pequenos delitos sejam encarceradospara nessa universidade do crime adquirirem, aí sim, intensa periculosidade social; relaxo a prisao de Neuza Fernandes, determinandoque saia deste Palácio da J u s t i ~ a em liberdade. Lamento que aJ u s t i ~ a nao esteja equipada para que o caso seja entregue a urnaassistente social. Se assistente social nao tenho, tenho o verbo, eacredito no poder do verbo, porque 'o verbo se fez carne e habitouentre nós'."

142 JoÁo BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR O DIREITO 143

Page 88: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 88/106

Joao Baptista Herkenhoff é autor dos seguintes livros: ComoAplicar o Direito, A Funfiio Judiciária no Interior, O Ensino deOrganizafiio Social e Política do Brasil na Escola de Grau Médio,Na Tribuna do Ministério Público, Considerafoes sobre o NovoCódigo de Processo Civil (este premiado no Rio Grande do Sul com

o premio André da Rocha). P u b l i c ~ 6 e s nas revistas: Encontros coma Civilizafiio Brasileira, Revista da Ordem dos Advogadosdo Brasil,

Revista Forense, Revista Ajuris, Revista Litis, Revista de InformafiioLegislativa do Senado Federal.

Ele concedeu entrevista aos repórteres AmyIton de Almeida,Julio Fabris, Glecy Coutinho e Tinoco dos Santos.

TINOCO - Para c o m e ~ a r , o senhor fale alguns aspectos da suavida, do início de sua vida.

HERKENHOFF - Eu rtasci em Cachoeiro de Itapemirim, modéstia aparte. Estudei em Cachoeiro até o curso médio, depois,

fiz o curso de Direito na Faculdade de Direito do Espírito Santo,casei-me etc.

TINOCO - Depois, veio para Vitória?

HERKENHOFF - Nao. Vim para Vitória recentemente. Fiqueiem Cachoeiro até meu ingresso na carreira de Juiz, em 1966.

TINOCO - O Curso de Direito, o senhor fez lá ou em Vitória?

HERKENHOFF - Direito eu fiz em Vitória, a faculdade de Cachoeiro é recente. Meu curso de Direito eu fiz aqui, ficava nacasa de meu tio, Augusto Lins, irmao de minha mae.

TINOCO - O senhor nao disse o ano em que nasceu.

HERKENHOFF - 1936.

AMYLTON - O Senhor foi professor, nao?

HERKENHOFF - Eu ainda sou professor. Desde muito tempo,desde os 17 anos de idade. Exerci o magistério ininterruptamenteaté hoje. Na carreirajurídica, eu fui advogado, depois fui promotor de j u s t i ~ a .

TINOCO - Em Cachoeiro?

HERKENHOFF - No Estado, fui promotor substituto, nao che.guei a ter urna comarca minha porque logo saí da f u n ~ a o de promotor. Vi que nao era minha v o c a ~ a o . Fui Juiz do Trabalho edepois ingressei na j u s t i ~ a comum. Eu preferi esta.

JULIO - Qual a razao de o senhor ter optado pela j u s t i ~ a comum?

HERKENHOFF - A J u s t i ~ a do Trabalho é urna j u s t i ~ a especializada. Na J u s t i ~ a do Trabalho, resolvem-se as questoes especificamente trabalhistas. Na j u s t i ~ a comum, eu achava que iriaabarcar urna realidade humana e social bem mais ampla. Nissonao vai nenhum demérito a J u s t i ~ a do Trabalho, mas achei que aj u s t i ~ a comum seria bem mais ampla, e me daria urna r e a l i z a ~ a o maior. Como juiz, em 1976, no dia em que meu filho fez 5 anos,passei a juiz de Vitória. Atualmente sou juiz da la Vara Criminalde Vila Velha. Entao, na carreira de juiz, passei por 16 comarcasno interior do Espírito Santo.

TINOCO - Além da parte profissional, fale sobre a farrulia.

HERKENHOFF - Somos 11 irmaos, urna irma morreu antes domeu nascimento e um irmao morreu num acidente, Pedrinho,que iria ser Secretário de E d u c a ~ a o . Morreu alguns anos atrás.Os outros estao em Cachoeiro, em Vitória tenho um irmao, eurna irma no Estado do Rio.

TINOCO - Tem alguém mais na J u s t i ~ a ?

144 JoAo BAPTISTA HERKENHOFFCOMO APLICAR o DIREITO 145

Page 89: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 89/106

HERKENHOFF - Nao. Além de mim, só meu avó do lado materno, que também era juiz. Tenho um irmao que é advogado, eum tio também.

TINOCO - Na familia nao existe assim urna espécie de tradic;ao em ser juiz ..

HERKENHOFF - O precedente de profissao jurídica seria esseavó, pai de minha mae, que foi juiz. E que exerceu influencia sobre mim, porque eu tinha bastante estima e urna admirac;ao muito grande por ele.

TINOCO - O que o senhor apreendeu da atuac;ao dele como juiz?

HERKENHOFF - Eu já o conheci aposentado, mas era o secretário dele quando crianc;,!. Ele já nao lia muito bem e eu lia paraele, e gostava muito de dar essa ajuda.

TINOCO - Textos jurídicos?

HERKENHOFF - Textos jurídicos e outros. No final da vida,na velhice, ele se entusiasmou muito pelos ideais pacifistas, e inclusive escreveu sobre isso um livro, O Sol do Pacifismo. E eu limuita matéria de Sociologia, Direito Internacional e me lembrode que a figura dele marcou muito minha infancia.

TINOCO - Como era o nome dele?

HERKENHOFF - Pedro Estellita Carneiro Lins. Esse entao foio precedente de profissao jurídica. O meu irmao mais velho também é advogado, e eu sou o irmao mais novo.

JULIO - Em Cachoeiro, os Herkenhoff sao conhecidos assimcomo urna familia de tradic;ao cultural?

HERKENHOFF - É .. porque ternos urna escola, e é a escolamais antiga de Cachoeiro, o mais antigo estabelecimento de ensi-

..

no médio. Foi fundada em 1932. E meus irmaos, sobrinhos sededicam muito a isso ..

AMYLTON - O senhor lanc;ou agora um livro de Direito, baseado numa tese acho que inédita. Que nao existe um julgamentosem axiologia, sem um posicionamento do juiz. Que o juiz deve

se posicionar mais sobre o meio ambiente da pessoa julgada,suas condic;6es sócio-económicas. O senhor poderia explicar melhor es se posicionamento, como o senhor chegou a isso?

HERKENHOFF - Deveria, primeiramente, a respeito desta ohservac;ao, dizer, sem nenhuma modéstia, mas simplesmente comrigor científico, poderia dizer que nao oferec;o urna coisa absolutamente inédita. Eu acredito que tal vez o que haja de contribui~ a o minha, neste trabalho escrito, seja mais reunir muita coisa eencaixar minhas idéias, e, no final, o produto acabado é meuporque ele representou algum a v a n ~ o . Mas é muito difícil vocedizer assim, até que ponto, isso é quase que mais um trabalhopara a crítica, do que para a gente mesmo proclamar, porque nascoisas que escrevemos, que pensamos, existe influencia de muitas corren tes, de muitas escolas, de muitos autores, entao fica atéum pouco difícil dizer até que ponto e em que medida houvec o n t r i b u i ~ a o pessoal.

JULIO - Quais as ...

TINOCO - L i c e n ~ a , olha, eu acho que é melhor ele falar sobre

a tese que a gente colocou.

HERKENHOFF - Exatamente, depois eu responderia ao JulioFabris.

AMYLTON - Eu estou querendo dizer inédito porque o posicionamento do senhor como juiz, nessa época que a gente vive,é que é inédito. Nessa época de obscurantismo jurídico e científico. Entao eu acho que o senhor adotando esse posicionamentoele é inédito nesse sentido. O senhor concorda?

146 loAo BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR o DIREITO 147

Page 90: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 90/106

HERKENHOFF - Eu diria que entendi o seu conceito de inédito, e entendi porque voce diz inédito. Mas a o b s e r v a ~ a o que euqueria fazer é a de rigor científico. A gente nao está querendo dizer que descobriu a pólvora. Sofri muitas influencias. O trabalh<.?

como um todo é urna c r i a ~ a o . Mas nao é urna c r i a ~ a o do nada. Eurna c r i a ~ a o que vem de muitas coisas, para mim, é urna c r i a ~ a o e até nesse ponto vira inédito, porque esse trabalho que acabo deescrever nao foi resultado apenas de estudo. Ele foi mais resultado de vivencia do que de estudo. Realmente esse trabalho, o falode escrever esse trabalho resolveu para mim um problema existencial. Foi fruto de urna reflexao de longa data. Esses dogmas ..

de .. a p l i c ~ a o do direito .. discutidos .. em obras c1ássicas porautores de nomeada, essas idéias nao me satisfaziam como juiz ..Sentia que era preciso .. realizar urna j u s t i ~ a mais liberta .. urnaj u s t i ~ a nao apenas ciencia mas arte, e .. queria encontrar urna exp l i c a ~ a o teórica para isso. E o direito é urna ciencia, e como

ciencia ela tem de ter metodologia, de modo que .. eu nao possoser um julgador arbitrário e dizer: eu julgo assim porque eu quero julgar assim, eu tenho de ter urna f u n d a m e n t a ~ a o teórica parao meu trabalho, como qualquer outro profissional tem de ter urnaf u n d a m e n t ~ a o teórica. Se eu nao tenho urna f u n d a m e n t a ~ a o téorica para o trabalho que eu realizo, o meu trabalho é um trabalhoempírico. Toda a f u n d a m e n t a ~ a o téorica que havia nao me satisfazia. E nao realizava a minha consciencia de juiz; entao eu proferi as vezes julgamentos, no início de minha carreira, e mesmorecente mente, que eram resultado de minha consciencia, maspara os quais nao tinha urna f u n d a m e n ~ a o completa. Entao eudava determinadas s e n t e n ~ a s mas nem sempre tinha urna explic a ~ a o e f u n d a m e n t ~ a o acabada para essas s e n t e n ~ a s . E o trabalho agora vindo a p u b l i c a ~ a o resolveu o problema para essaangústia existencial. Eu acredito que esse trabalho, pelo menoshoje, responde teoricamente a essa visao de j u s t i ~ a . Esse trabalhohoje teoricamente justifica posicionamentos que eu venho adotando na minha prática judiciária. Esse trabalho, se nao tiver ne-

nhum mérito, a mim ele me satisfaz intelectualmente eexistencialmente. E foi a resposta teórica encontrada e aí é o cer-

t.

ne de sua pergunta. A resposta encontrada é de que .. como opróprio subtítulo da tese diz, a a p l i c a ~ a o do direito deve ser realizada concomitantemente sob urna tríplice perspectiva: perspectiva axiológica, perspectiva fenomenológica, perspectivasociológico-política. Entao a perspectiva axiológica. Nós encontramos nas bibliotecas inúmeros livros que dizem o seguinte: O

juiz nao tem valores, os valores do juiz sao os valores da lei, ojuiz simplesmente explicita numa s e n t e n ~ a os valores do legislador. O juiz é ideologicamente neutro. Entao, dentro dessa posi~ a o muito comoda, o juiz simplesmente nao tem de fazernenhuma espécie de o p ~ a o . Os valores sao da lei e ele nao temnada com isso. Entao dentro dessa visa9 havia sentido para a seguinte confissao: Eu lamento dar essa s e n t e n ~ a , essa s e n t e n ~ a éinjusta, mas eu tenho de me render a ei. Ora, eu sempre acheimuito estranho que um juiz após dar urna s e n t e n ~ a dec1arasseque cometeu urna i n j u s t i ~ a . Que deu urna s e n t e n ~ a injusta e ape

nas se defendia dessa conc1usao dizendo que tinha de se render alei. Entao eu comecei a pensar nisso aí, pensei muito, e pareceque a lei tranqüilamente, em qualquer sociedade, é o fruto dasc1asses dominantes naquela sociedade. A lei é o produto acabadodas f o r ~ a s ... sociais imperantes. O sociólogo Georges Ripert desenvolveu o tema com absoluta autoridade. Entao, quando o juizdiz que nao tem valores, diz que o julgamento dele é neutro, eleestá assumindo valores bastante nítidos, ele está assumindo valores de c o n s e r v a ~ a o , porque a lei estabiliza as r e l a ~ 6 e s sociais. Alei as vezes dificulta as r e l a ~ 6 e s sociais, porque as m u d a n ~ a s sociais se processam antes da lei. A m u d a n ~ a social está sempreadiante da lei em qualquer campo das r e l a ~ 6 e s humanas. Para citar apenas um exemplo, no Brasil, a c o n d i ~ a o da mulher: depois,muito depois que a mulher adquiriu o direito de reger sua vida,depois que se emancipou é que veio recentemente o estatuto damulher casada. Entao muito depois da mudanc;a social é que vema leÍ. E em inúmeros outros campos a lei está sempre a reboqueda mudanc;a social. Entao o juiz, que se posicione caudatário dalei, ele exerce dentro da sociedade um papel conservador, um papel reacionário. Nao seria somente conservador, seria reacioná-

148 JO.6.0 BAPTISTA HERKENHOFF COMO APLICAR o DIREITO 149

Page 91: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 91/106

rio, ele estaria sempre se opondo as m u d a n ~ a s sociais. E o juizque subscrevesse essa tese de que os valores do juiz sao os valores da lei, teria, ao agir assim, assumido urna p o s i ~ a o profundamente conservadora. Entao já estaria negada a idéia de que o juiznao tem valores. O juiz sempre tem valores. Ou de um jeito oude outro ele sempre tem valores. Nós ternos um grande juristasul-americano, Eduardo Couture, que diz que "todo julgamentoé político". Realmente, todo julgamento tem um teor político, eentao refleti que o juiz sempre tem valores, toda s e n t e n ~ a é marcada por valores. e acho que o juiz tem de ter simplesmente asinceridade e estar na p o s i ~ a o cientificamente verdadeira e reconhecer essa impossiblidade de s e n t e n ~ a neutra, sem valores. As e n t e n ~ a será sempre marcada por valores e acho muito certo.Acho que o juiz tem de ter seu s valores, na s e n t e n ~ a ... ele os afirma sempre, a novidade é r ~ c o n h e c e r que afirma, e como pode afir-

mar valores de c o n s e r v ~ a o pode também afIrmar valores dem u d a n ~ a . Porque dizer que nao tem valores é simplesmente bandearpara os valores de conserva¡;ao.

TINOCO - Para complementar sua resposta a respeito de influencia eu queria perguntar entao até que ponto o juiz teria independencia para assumir valores de mudan¡;a.

HERKENHOFF - Evidentemente existem difIculdades, mas éum desafio a nteligencia, acriatividade e acoragem do juiz. Ao b j e ~ a o que voce levanta é realmente urna dificuldade. Mas naome parece que seja urna difIculdade intransponível. O juiz podeassumir urna fIlosofia progressista e pode desempenhar, a meuver, um papel progressista dentro de urna sociedade. Para exerceresse papel progressista, o desafio que lhe será apresentado aparecerá na medida de cada situa¡;ao, na emergencia de cada problema. Talvez nao pudesse ser urna regra geral. E como o juizresponderia esse desafIo de ser urna for¡;a progressista dentro dasociedade? A gente poderia tal vez fIxar urnas balizas gerais. Umjuiz para exercer urna for¡;a progressista dentro da sociedade temde ser aberto ao mundo, tem de se e s f o r ~ a r por ampliar sempre

¡..

urna cultura multidisciplinar. Jamais pode ser um homem deurna ciencia só. Jamais poderá ser um jurista apenas, no sentidode especialista do direito. Tem de ser sociólogo, cientista político, economista, enfim ele tem de se abrir a interesses e aproblemas os mais diversos a fim de que sua judicatura sejaprogressista. Essa poderia ser urna das balizas para que o juizexercesse o papel progressista que entendo que ele deva adotar.

JULIO - As próprias leis nao teriam de ser mudadas, para queo juiz pudesse ter mais liberdade na hora de aplicá-Ias?

HERKENHOFF - Nao me parece que exista necessidade deurna m u d a n ~ a nas leis para que o juiz tenha mais liberdade deaplicá- las.

TINOCO - O senhor disse que obviamente as leis sao um produto da classe dominante. Como é possível o juiz ser indepen

dente diante desse fato? Aí entraria a pergunta, nao serianecessário modifIcar as leis?

HERKENHOFF - Exatamente. O papel do juiz está em debate,ele está no meio de um embate de for¡;as sociais. O juiz que estátranqüilo no seu canto, está servindo as for¡;as sociais dominantes. Na medida em que ele assume a consciencia da possibilidadee do dever de exercer um papel político dentro da sociedade ..essa política no sentido rigoroso, técnico .. no momento em queele assume a consciencia de que pode e deve exercer um papel

político, fará mudan¡;as sociais a despeito das leis. Amedida quehá a emergencia de determinadas classes, amedida que o poderde determinadas classes se faz mais forte, isso terá de obviamente influir nas leis. Para citar um exemplo atual. No momento em

que o operariado entra em greve e se acirram as lutas por melhoria de salários; no momento em que há urna emergencia das for¡;as trabalhistas deste país, esse fato terá de for¡;osamente influirno sistema global do País, entao há mudan¡;as nas leis. É urnaconseqüencia das m u d a n ~ a s sociais, e as mudan¡;as sociais terao

150 lOAO BAPTISTA HERKENHOFF

de afetar as leis. Mas acho que essa era a o b j e ~ a o da Glecy, se

COMO APLICAR O DIREITO 151

Page 92: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 92/106

para desempenhar um papel progressista o juiz precisa dependerdas m u d a n ~ a s de leis, se um papel progressista exige o placet dolegislador, ou se o juiz já poderia exercer um papel progressistasem o placet do legislador. Eu acredito que é urna p o s i ~ a o hermeneutica, é urna p o s i ~ a o do juiz diante da lei. Parece-me que ojuiz pode exercer um papel progressista independente da lei. Ele

nao precisa do beneplácito da lei para exercer um papel progressista. O Judiciário é um poder do Estado. No próprio ambito dodireito brasileiro, há aberturas para que o judiciário e x e r ~ a o papel progressista que as vezes vem exercendo. Afirmo isso semprejuízo do reconhecimento da necessidade da a m p l i a ~ a o dos di-reitos das maiorias espoliadas, no campo da lei.

JULIO - As leis sao suficientemente flexíveis para que o juiztenha liberdade?

HERKENHOFF - Eu acredito que pelo menos poderia haverum campo de a t u a ~ a o renovadora muito mais amplo do que oque é ocupado. Há pesquisas sociológicas feitas nao só no Brasilmas em outros países mostrando a tendencia do judiciário paraurna a c e i t a ~ a o , por exemplo, da jurisprudencia. Há urna pesquisa, feita por um alemao chamado Ralf Dahrendorf, mostrandoque lá na Alemanha os juízes tendem a julgar de acordo com ajurisprudencia dominante. Há urna tendencia da maioria dos juízes para acolher a jurisprudencia dominante. Nada obriga os juízes a acolher a jurisprudencia dominante. Nem mesmo a

chamada súmula do Supremo Tribunal Federal obriga. O juiznao está obrigado a decidir de acordo com a súmula. O juiz podeexercer um papel crítico da jurisprudencia dominante. Vou citarum exemplo: já entrou na súmula da jurisprudencia dominanteque a i d e n t i f i c a ~ a o criminal é obrigatória. Qualquer um de voces, se atrope ar urna pessoa, mesmo que a pessoa entre debaixodo carro, e venha a ser ferida, será aberto um inquérito contravoceo Voces serao processados, as fichas de voces irao para ocomputador e, conforme seja a c a t a l o g a ~ a o das fichas, voces po-

derao ser vizinhos de fichas de um assaltante a mao armada commais de 20 ~ s s a l t o s . Tedio i d e n t i f i c a ~ a o criminal compulsória. OSupremo Tnbunal acolheu isso por súmula. A tendencia dos juízes é acolher nao só a súmula mas também ..

GLECY - Quer dizer que alguém que atropela urna pessoa, ca

sualmente, pode ser vizinho de ficha de Michel Frank?

HERI.ffiNHOFF - Isso é a i d e n t i f i c a ~ a o criminal compulsória.De mmha parte recuso-me a decidir de acordo com a súmula. Euacho urna terrível violencia obrigar o indivíduo a ser criminal

~ e n t : . i d e ~ t i f i c ~ ~ o p o r q ~ e ~ s t á simplesmente respondendo a ummquento, IdentifIcado cnmmalmente na fase de inquérito, nem éprocesso ainda. Ora, isso é apenas para citar um exemplo, param o ~ t r a r que a ~ é mesmo no ambito da jurisprudencia que temmalOr solIdez, julgamentQs que foram incluídos numa coisa cha

mada súmula do Supremo, ou seja, síntese das decisoes do Supremo - mesmo diante de urna súmula, o juiz nao precisa se

render, ele p e ~ a ~ e c e ~ m . a b e r t ~ p a r ~ refletir sobre sua s e n t e n ~ a ~ buscar com paIXao a j u ~ t J ~ a : Al esta o choque entre o valor just I ~ a e o valor s e g u r a n ~ a jundlca. S e g u r a n ~ a e j u s t i ~ a sao valoresque se ~ p o e I ? Se. quiséssemos buscar mais s e g u r a n ~ a quereríam?s mals umformldade. Decisoes mais previsíveis. Mas esse desejo de decisoes mais previsíveis, mais uniformes, choca-se como ~ .ideais de ~ u s t i ~ a . Porque a j u s t i ~ a tem de compreender o inedltIsmo da vIda, a m u d a n ~ a contínua da vida. A vida é dinamis

mo, a ~ i d ~ é m u d a n ~ a , a vida é ineditismo, a vida é variedade.Para atmglr esses valores e ter direito a esses valores terá de ses a ~ r i f i c a r a s e g u r a n ~ a . Entre a j u s t i ~ a e a s e g u r a n ~ a , entre essesdOlS v . a l o ~ e s eu ~ e inclino tranqüilamente pela j u s t i ~ a . Acho ov_alor j u s t I ~ a mUlto mais importante que o valor s e g u r a n ~ a . Entao, re.tomand,o a p ~ r g u n t a do Fabris, eu acho que as leis seraoconqUIstadas a ~ e d l d a q u ~ o povo participa do pr,ocesso político .. ele .acertara, ele atuara na m u d a n ~ a das leis. A medida queu ~ a socledade se democratize, que as f o r ~ a s populares se orgamzem, essas f o r ~ a s populares terao poder para exercerem in-

152 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

fluencia na feitura das leis e isso é absolutamente benéfico urna

COMO APLICAR O DIREITO 153

Page 93: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 93/106

sociedade em que as leis sejam feitas por r e p r e s ~ n t a n t e s do povo.Com a p a r t i c i p ~ a o de toda a sociedade civil. E altamente benéfico que numa sociedade os mais diversos grupos se organizem einfluam na feitura das leis. As leis nao podem ser privilégio deurnas poucas pessoas, as leis nao podem ser de cima para baixo.Entao, tanto mais sadia será urna sociedade quanto nela maisparticipa o povo na feitura das leis. Nao somente através de seusrepresentantes eleitos, mas também através de urna sociedade civil estruturada, organizada, associac;5es de classes, associac;5esde bairros, enfim todas as forc;as vivas na sociedade devem atuarna e l a b o r a ~ a o das leis. Mas por si SÓ, mesmo sem essa mudanc;ada lei, o juiz pode as sumir um papel progressista. Dentro daabertura existente no Direito brasileiro, hoje, por exemplo, parece-me que o juiz possa exercer um papel muito mais criativo,muito mais progressista do que aquele que lhe seria imposto porurna estrutura conservadora.

JULIO - Eu queria lembrar o caso Aézio, lá do Rio. O juiz Mélic Urdan suplantou as normas tradicionais e tomou posic;ao ...

HERKENHOFF - Perfeitamente. Eu acho que a p o s i ~ a o deleestá certa, porque há um princípio de direito aí, e nisso está a artede julgar. . Ele, na verdade, vitalizou um preceito constitucionalque diz que "nenhuma lesao de direito individual pode ser subtraída a a p r e c i a ~ a o do Poder Judiciário" . No momento em que oMinistério Público, quer dizer, o promotor, fosse dono da a ~ a o penal, a tal ponto que a vontade de um promotor, simplesmente,a vontade do Ministério Público fechasse a possibilidade da ac;ao

penal, estaria se tomando letra morta o princípio constitucionalque diz que "nenhuma lesao de direito pode ser subtraída ao Poder Judiciário". O artigo que contraria esse preceito constitucional é um artigo fascista. Nao se pode admitir que esteja na maodo govemo abrir processos contra alguém. Se o govemo, o Ministério Público (embora o promotor seja independente, mas ochefe do Ministério Público é um cargo de c o n f i a n ~ a do Poder

Executivo) .. entao se o promotor deixa de apresentar denúncia ..no caso, o p r ~ m o t o r pede arquivamento... do inquérito, o juiz

nega esse ~ r q U l v a m e n t o , o processo sobe para o Procurador-Geral da JustIc;a, que é alguém de confianc;a do Poder Executivo. E0_ P r o c u r a . d ? ~ - ~ e r a l da Justic;a diz que quer o arquivamento. Enta? o ~ J ~ d l c l a r l ~ tem de se dobrar a esse pedido, contrariando op n ~ c ~ p l o constitucional que diz que "nenhuma lesao de direitomdl,:'ldual pode ser subtraída a a p r e c i ~ a o do Poder Judiciário".E ~ t a o . es se e x ~ m p l o é um exemplo típico de que dentro do própno sistema l e ~ a l , a t ~ ~ m e n t e , existem aberturas que propiciam~ n . c o n : r a r ~ o l u C ; o e s cnatIvas para as s i t u a ~ 5 e s . E aparentemente o]UIZ nao . t I ~ h a outro. caminho a nao ser aquele tra-di-ci-o-nalmen-te VIVido por rrulhares de pessoas. Por que ficou notória adecisao desse juiz? Porque ela quebrou toda urna tradiC;ao masquebrou certo.

TINOCO - Eu queria perguntar o seguinte. Depois de vivermosnum período autoritário, como o senhor ve o relacionamento entre os dois poderes, executivo e judiciário?

H E R ~ N H O F F . - Bem, devo reconhecer que a devoluc;ao das~ a r a n t I a s da. magIstratura representa um grande passo. As garanh ~ da m a ~ l s t r a t u r a nao sao garantias dos juízes simplesmente.~ a o g a r ~ a n h a s do povo. Quando o juiz é vitalício, quando ele émamovlvel, quando os seus vencimentos sao irredutíveis elenao tem e s s ~ g a r a n t i ~ ~ a r a ele. Ele tem essas garantías 'parae x e r ~ e ~

com mdependencla a sua profissao, para nao sofrer persegUlc;ao do g o v e ~ o .. A naooobservancia das garantías do judiciárioestava no Ato InstituCIOnal n 5. A supressao dessas restric;5es já re-

~ r e s e n t a um progresso. Mas se por um lado a devoluC;ao das garanhas da magistratura já representa um progresso, que foi todaurna luta da sociedade civil, para esse avanc;o democrático,por outro lado, lamentavelmente, a Lei Organica da Magistraturaestabelece um retrocesso quando diz que um juiz para se remo~ e r de . u ~ comarca para outra depende da vontade do Executivo. Émadmlsslvel que um juiz para se remover dependa do govemo.

154 JoAo BAPTIST A HERKENHOFF

Ora, isso é a submissao ao poder político. O juiz para mudar de

COMO APLICAR O DIREITO 155

norma administrativa e leva urna multa. Se em conseqüencia

Page 94: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 94/106

comarca tem de depender da boa vontade do senhor feudal local.O chefe político local, o coronel, nao deixa o governador colocarno seu feudo, na sua regiao, um juiz que nao seja do agrado dele.Isso é um terrível retrocesso em termos históricos.

AMYLTON - Ele acha que o Código Penal Brasileiro está de

acordo com a s i t u ~ a o do País e acha que as leis devem ser fortes?

HERKENHOFF - Eu nao quero me manifestar sobre o casoAézio. A minha m a n i f e s t a ~ a o é sobre o Ministério Público terdireito, o direito de requerer o arquivamento do inquérito. Euquero fazer essa ressalva porque eu nao c o n h ~ o o caso Aézio, anao ser o que dizem os jornais e revistas. Eu nao tenho elementos para me manifestar sobre o caso Aézio e nem poderia me manifestar porque é um caso entregue a um outro juiz, um colegameu. Eu me manifesto sobre o princípio do Ministério Público

requerer o arquivamentodo

inquérito, acho que isso fere' o princípio constitucional sobre o qual nós falamos, que nenhuma lesao individual pode ser subtraída ao Judiciário. Agora, quanto apergunta do Amylton sobre o Código Penal, se a lei forte é fatorde s e g u r a n ~ a , me parece que, inicialmente ..

GLECY - Existe lei forte, ou lei mal ou lei bem aplicada?

HERKENHOFF (pensativo) - Bem, se eu vejo o Código Penalcomo benévolo ou como rigoroso. Eu vejo o Código Penal com

inúmeras d i s t o r ~ 6 e s . Vejo setores da vida social inteiramentedesguarnecidos de r e g u l a m e n t a ~ a o jurídica. E setores da vida social excessivamente guarnecidos de tutela penal. Para citar umexemplo: um empresário que omite providencias de s e g u r a n ~ a , regras de s e g u r a n ~ a , e provoca acidentes de trabalho nao comete

nenhum crime. Norma do Ministério do Trabalho estabelece quedeterminado tipo de s e r v i ~ o exige determinado equipamento des e g u r a n ~ a ... Se o empresário, porque aquele equipamento é muito caro, deixa de adquiri-Io, ele simplesmente transgride urna

dessa omissao, dessa falta de equipamento, o empregado morre,o patrao nao comete nenhum crime. Nao existe no Brasil a defin i ~ a o , como crime, da omissao de p r e c a u ~ a o de s e g u r a n ~ a dotrabalho. Ora, parece-me que é extremamente anti-social naoprovidenciar para os empregados equipamentos previstos em lei.E parece que o Código Penal, se fosse feito para a maioria, pre

veria como crime um procedimento dessa natureza. Porque nóssabemos que o Direito Penal é regulado por um princípio geral,que nao há crime sem d e f i n i ~ a o legal. SÓ é crime aquilo que a leidiz que é crime. Entao es se tipo de conduta extremamente antisocial nao é crime. Quer dizer que é mais negócio pagar a multado que comprar o equipamento.

GLECY - Isso vem mais urna vez afirmar que as leis sao feítasem benefício dos poderosos porque pobre nao é empresário.

HERKENHOFF - Perfeitamente, eu concordo com voceo A leipredominantemente é feíta de acordo com o modelo sócio-economico vigente em um País. Beneficia a minoria se se trata deum país em que a minoria está no poder e beneficia a maioria sea maioria está no poder. Por exemplo, no que tange a acidente detrabalho, omissao de p r e c a u ~ a o de acidente tinha de ser crime.

Mas nao é. Por outro lado, nós ternos urna c o n t r a v e n ~ a ó chamada vadiagem. A lei define a vadiagem: "vadio é quem, nao tendo recursos, nao trabalha". O rico nao está incurso no crime de

vadiagem. Nao é vadio. SÓ o pobre é vadio. Ora, isso é um ab

surdo. Em qualquer sociedade onde se tenha um conceito éticode trabalho, em que se visualize o trabalho como um dever de todos, nao trabalhar será crime ou c o n t r a v e n ~ a o para todo mundo,nao haverá d i s c r i m i n a ~ a o como aqui.

Entao voltaremos a pergunta do Código, mais ou menos

rigoroso. Crimes economicos que estao aí, crimes contra o povo

que estao aí e que nao sao nem previstos como crimes. Os crimes

contra o povo sao muito mais graves do que os crimes contra urna

156 lOAO BAPTISTA HERKENHOFF

pessoa só. Nao sao crimes enquanto nao definidos como crimes,

COMO APLICAR O DIREITO 157

GLECY - E um País onde se sabe que certidao de idade, que é

Page 95: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 95/106

sao condutas anti-sociais.

TINOCO - Que crirnes economicos o senhor definiría como críme?

HERKENHOFF - A ~ a m b a r c a m e n t o de mercadorías para aumentode p ~ o e muitos procedimentos que existem aí de ganhar dinheiro

sem trabalhar. Sao condutas anti-sociais, que nao sao definidascomo crímes. Entao o Código Penal devería ser repensado para definir o crirne. Redefinir as condutas anti-sociais e definir como crímesaquelas condutas que trazem c o n t u r b ~ a o social. Entao a gente veríaque tería de repensar o Código Penal.

JULIO - Eu queria voltar aquela s i t u a ~ a o de vadiagem. Quemseria vadio entao?

HERKENHOFF - Pelas d e f i n i ~ 6 e s das leis brasileiras só é va

dio o pobre. O rico nao é passível dac o n t r a v e n ~ a o

de vadiagem.Pela lei só é vadio quem nao tem recursos e nao trabal ha, quem érico e nao trabalha nao é vadio. Isso é um absurdo. O trabalho éurna o b r i g a ~ a o social, haja vista que Paulo, em urna de suas epístolas, diz: "Quem nao trabalha, nao come." Mas realmente hád i s c r i m i n a ~ a o .

TINOCO - E essa história de nao ter documentos e ser presopor isso?

HERKENHOFF - Isto é um absurdo e urna violencia porquenao existe nenhuma lei no Brasil que diga que nao ter documentos seja um crime ou c o n t r a v e n ~ a o . Ter documentos é urna coisaque ajuda as pessoas a se identificarem, mas ninguém é obrigadoa ter documentos. Além disso, se nos d e b r u ~ a r m o s diante da realidade social... tirar documentos custa dinheiro, tirar documentosrepresenta perda de tempo e tirar documentos é urna conduta queestá acima da cultura vigente em largas faixas da p o p u l a ~ a o . Entao é um inominável abuso prender qualquer pessoa por falta dedocumentos.

um documento fundamental, um percentual enorme de pessoasnao tem porque nao possui dinheiro para se registrar. Aliás, certidao de idade deveria ser gratuita.

HERKENHOFF - Perfeitamente. Estou de pleno acordo.

TINOCO - Eu gostaria de fazer urna pergunta, como o senhorve a burocracia na J u s t i ~ a e essa tentativa do govemo no sentidode desburocratizar? E como a burocracia afeta a J u s t i ~ a ?

HERKEENHOFF - A J u s t i ~ a é excessivamente burocratizada.Inúmeros atos praticados num processo poderiam ser praticadossem qualquer i n t e r v e n ~ a o do juiz. E simplesmente nada andasem a assinatura do juiz. Qualquer papel para entrar dentro deum processo depende do despacho do juiz. A única e x c e ~ a o quese abre é na J u s t i ~ a do Trabalho, onde o trabalhador vai a juntade c o n c i l i a ~ a o , apresenta queixa verbal, e o empregador é citadopara comparecer a urna audiencia, e no dia da audiencia é que ojuiz vai tomar cont'}-to com o processo. Até aquela hora o processo andou sem ele. E urna e x c e ~ a o na estrutura judiciária brasileira. O Poder Executivo é muito menos burocratizado que oJudiciário.

TINOCO - Quais sao as conseqüencias da burocracia na Justi~ a c o m u m ? HERKENHOFF - Primeiro, a lentidao dos processos, que é

dos maiores males da J u s t i ~ a . J ~ dizia Rui Barbosa que " j u s t i ~ a tardia é d e n e g a ~ a o de j u s t i ~ a ' , . E o formalismo, sao os processoskafkianos.

JULIO - É a quesüio que as vezes um indivíduo é preso e ficameses na prisao esperando a lentidao dos processos. Esperandoum simples despacho.

158JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

É A Dalva Ramaldes urna vez foi fazer urna reportha:

¡1I 1

COMO APLICAR O DIREITO 159

exemplo, quando chegar urna c o m u n i c a ~ a o de prisao (a Consti

Page 96: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 96/106

LECYG -. . rapaz que estava preso agem num presIdIo e e n c o ~ t r o u um

dd·nho de pilha. Foi

haVla rouba o um ra 1 .quase um ano porque . dela que é advogado, para 11-preciso que ela apelas se para o pal ,bertar o rapaz.

Há muitos casos e sao necessárias providen

H E R K E ~ H O ~ - : d máquina judiciária para evitar esses procias de dmamlzaetaO ablemas.

. d d com a realidadeAMYLTON - Isso só acontecena. ~ acor osocial e a mobilizaetao das foretas soctalS.

TINOCO - Qual foi o objetivo do. s:nh?r ao. b?aixar:em: s ~ ~ ~ ~ ~

ria em Vila Velha a respeito das pnsoes llegals. O q

pretendeu?

KENHOFF _ Pretendi que o Judiciário exereta urna rigoroHER . - es Eu estava constatando urnasa fiscalizaetao sobre as dPnso. .: s ilegais? Constatando a per-

uantidade muito grande e pnsoe . .~ a n e n c i a de indivíduos presos por tempo mUlto longo.

TINOCO - Para a v e r i g u a ~ o e s ? , b so mas em casoS em

HERKENHOFF - As vezes so proces, l·b d de até. . ·te f i a n ~ a Ou mesmo 1 er a

que a própria lelo v I ~ e ~ ~ e per;lfalta de ~ m advogado ficava presosem f i a n ~ a . E o mdlvl .uo ~ f. stabelecendo nenhuma inovaaté 3 meses. A portana nao Ol e. 1~ a o , foi simplesmente dinamizando o SIstema lega.

TINOCO _ E outra providencia da portaria foi em r e ~ ~ ~ ~ e ~ prisoes que só podemser praticadas em flagrante, ou co

judicial?. . - o que nós fi-

KENHOFF - Mas isto já é da C o n s t l t U l ~ a ? , HER . . d.d ncretas para va11dar, tornar res-zemos foi d m a m l z ~ me

d1 ~ o c ~ s t i t u i ~ a o das leis. Entao, por

peitados os preceltos a '

t u i ~ a o obriga a autoridade policial a comunicar as prisoes) ... sedentro de um processo eu perceber a omissao do cumprimentoimediato des se de ver, sinto-me na p o s i ~ a o de responsabilizarquem tiver descumprido essa obrigaetao. Mas a portaria nao serefere expressamente a isso. A portaria estabelece que toda vezque a polícia comunicar urna prisao, o juiz daría vista daquela

comunicaetao ao defensor público. Essa portaria foi fruto de umdiálogo inclusive que eu ti ve com o defensor público de minhavara. Entao toda vez que chegasse urna comunicaetao de prisao,iria para a mao do defensor público. O defensor público imediatamente requereria fianeta se fosse o caso, liberdade sem fianetase fosse o caso, habeas corpus se fosse o caso. Enfim ele se colocava imediatamente em defesa do preso. Essa mesma portaríadeterminou expediente para controle de prazo. Feita a comunicaetao de prisao aJustieta, a polícia tem 10 dias para mandar o inquérito. Se nao mandar o inquérito dentro de 10 dias, a prisao éilegal, entao o defensor público entra com o habeas corpus.

Também fruto de entendimentos havidos com o defensor público. A portaria visou a medidas para impedir prisoes ilegais e prolongamentos de prisao. Agora essa portaria beneficia os pobres,porque os que tem recursos procuram seus advogados. Normalmente os que vivem mofando, nas prisoes, sao os que nao temninguém por eles. Sempre requisito a preseneta do preso, ao tomar conhecimento de urna prisao. O preso visto pelo juiz, só poreste fato, já está mais protegido contra eventuais torturas.

AMYLTON - A Comissao de Justieta e Paz, nesse tempo que

ela existe, o que conseguiu de objetivo? Por que o senhor participa dela?

HERKENHOFF - O que me levou a participar da Cornissao deJustieta e Paz foi um comprornisso de fé. Vejo a fé como tendourna dimensao política: a dimensao política é inerente a é. Dentro dessa dimensao política o homem de fé deve atuar na construetao de estruturas sociais que salvaguardem os direitos dohornern. Nao é possível admitir um destino eterno para o hornern, nao é possível aceitar seja o hornem irnagern e sernelhaneta

160 JOÁo BAPTISTA HERKENHOFF

de Deus, e conciliar essa visao de homem com urna realidade se:

COMO APLICAR o DlREITO 161

a norma, ainda que com drama íntimo. Haverá sempre recursos,

Page 97: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 97/106

cial onde ele é despejado de seu barraco como se fosse um bI-cho. Como pode o homem eterno ser maltratado, ~ o r t u r a d o , preso injustamente, ser d i s c r i m i n a d ~ , ter fechado para SI o acessoaos bens da terra, que nao foram feltos apenas p ~ r a alguns, maspara todos? Convocado para a Comissao ~ e J u s t I ~ a e paz pelosBispos de Vitória, f a ~ o parte del a e a presIdo como urna conse

qüencia de minha fé.

AMYLTON - E como funciona a Cornissao de J u s t i ~ a e paz?

HERKENHOFF - As a ~ 6 e s da Comissao de J u s t i ~ a e paz atéagora foram as seguintes, em síntese: a luta ao lado ~ o p o ~ o ~ o n -tra os despejos em massa; luta a favo! ~ a s p o p ~ l ~ ~ o e s atmgldaspelas enchentes; a p o i ~ as g r ~ v e s o ~ e r . a n , a s ; a p ~ I o ~ c a ~ p a n ~ 1 a .daanistia ampla, geral e Irre§tnta; repudIo as pnsoes I ~ e g a I s e a VIO-

lencia contra o povo; solidariedade para C O l ~ os. extlados; l ~ t a _ aolado do índio em favor de suas terras; sohdarledade ~ c n ~ t a ~ s perseguidos pelo compromisso com a causa ~ o povo; aJuda mdI-vidualizada a pessoas que procuram a ComIssao. ~ e m p r e assurnindo essas p o s i ~ 6 e s ao lado do povo, sem paternahsmo.

TINOCO - Agora o senhor poderia retomar as teses do livro.

HERKENHOFF - Bem, retomando as teses fundamentais donosso livro, vejamos .. a perspectiva axiológica qu.e ? e f e ~ d e m o s deve presidir aos julgamentos. Afirma-se que o JUlZ ?ao. podetranscender a norma. Como homem, pode discordar da J u s t I ~ a da

norma. Entretanto de verá aplicá-Ia ao caso concreto que lhe incumbe julgar. Nao se nega que o juiz deve-se manter dentro ?O

sistema jurídico. Desapareceria aquele mínimo de s e g u r a n ~ a . JU-

rídica, sempre desejável, se cada juiz pudesse, sem q u a l q ~ e ~ JUs-tificativa séria, transformar-se em legislador; nesta hlpotese,afoito legislador. A l e g i s l a ~ a o estatal.é ~ p ~ n a s o ~ ~ c l e o estável, alinha de referencia do ordenamento Jundlco pOSItIVO do Estado.A l e g i s l a ~ a o é estática; o ordenamento é dinamico. ~ m nenhumahipótese, entretanto, estará o juiz obrigado a sentenCIar conforme

dentro do sistema jurídico para que o juiz procure sentenciar empaz de consciencia. É a perspectiva axiológica que permite a val o r a ~ a o da lei pelo juiz.

TINOCO - Agora a outra perspectiva de que fala o livro.

HERKENHOFF - A a p l i c a ~ a o do direito numa perspectiva fe-nomenológica visa a compreender o homem a partir de sua cond i ~ a o humana, comprometida com urna situac;ao nao escolhida.Tentar reencontrar a verdade nos dados originários da experiencia. Descer ao homem julgado, a sua pauta de valores, e fugir daviolencia de exigir que o homem julgado suba apauta dos valores do juiz, ou dos que fizeram a lei, ou daqueles para os quais alei foi feita. Estes sao os desafios e inquietac;6es que me preocupam.

Se alguém pratica um crime na minha j u r i s d i ~ a o , que é o

município de Vila Velha, ao concluir pela minha competenciaingresso no campo geográfico da pessoa. Se o indivíduo que voujulgar pratica um crime de lesao corporal e eu simplesmenteenquadro seu ato como delituoso (art. 129 do Código Penal), estouvendo o indivíduo como a lei o descreve. Mas se, ao interrogar oacusado, procuro pesquisar sua vida, seu mundo, suas circunstancias, se procuro compreender seu ato a uz de seus valores, se d e s ~ o as suas m o t i v a ~ 6 e s , aí, e só aí, ingressei no campo fenomenal. Oindivíduo que estou julgando é, entao, um perceptor: vejo osmotivos que operam nele. O campo fenomenal revela ao juiz umuniverso. No caso de crime de lesao corporal, se o autor do delitoé um homem simples, que conviva diuturnamente com a violencia,a visao fenomenológica entrará em choque com aquela friamentedescrita pela lei: será injusta a s e n t e n ~ a que nao considere o mundodo réu.

Um e s f o r ~ o para entender o mundo do réu vem sendo desenvolvido há muitos anos por um famoso juiz do Rio, Eliézer Rosa,que, além de juiz, é autor de vários livros. E Eliézer Rosa absolveuum jovem pobre, que furtou urna bicicleta, porque verificara, nocurso do processo, que o jovem carregava dentro de si urna grande

162 JoAo BAPTISTA HERKENHOFF

frustra<;ao por ter desejado a vida toda urna bicicleta e nunca ter

COMO APLICAR O DIRElTO 163

em que a periculosidade do criminoso, em liberdade, nao pode

Page 98: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 98/106

podido comprar urna. A bicicleta tinha sido deixada, descuidadamente, no meio-fio da rua, e o rapaz, ao ve-la assim tao a jeito,cedeu ao desejo de possuí-Ia. O juiz nao disse na senten<;a, porém,na verdade, o que fez foi considerar o campo fenomenal: fenomenologicamente, a bicicleta pertencia ao rapaz da mesma forma que,fenomenologicamente, o bra<;o amputado pertence apessoa que,

geograficamente, nao tem o bra<;o. Nao tem bra<;o para os outros:para ele, existencialmente, temoOs comandos da lei nunca consideram o campo fenomenal e

individual. Urna justi<;a que pretenda servir ao homem, e naoesmagá-Io, que pretenda libertar, que se negue a sustentar privilégios,terá de penetrar no campo fenomenal. SÓ o juiz, assumindo urnaperspectiva fenomenológica, pode vencer a insensibilidade da lei.

AMYLTON - Falta a per.spectiva sociológico-política.

HERKENHOFF - A perspectiva sociológico-polític,a promove

a abertura da lei ao fato social. O juiz nao atuará apenas no subsistema jurídico, porém, mais amplamente, no sistema social.

Essa perspectiva defende a idéia de que todo juiz nao apenastem de ser um sociólogo, mas de que a aplica<;ao do Direito pelojuiz ou será urna aplica<;ao sociológica e política, ou será urnaaplica<;ao extremamente nociva ao homem julgado e a omunidaderegida por urna tal jurisdi<;ao.

TINOCO - O advogado Vinícius Bittencourt em seu livro recentemente lan<;ado diz que a história da pena é a história de sua

aboli<;ao. Que a história da pena chegou ao fimo O senhor concorda com isso?

HERKENHOFF - Concordo com essa afirma<;ao do eméritocriminalista Vinícius Bittencourt. A pena de prisao, por exemplo, encerra, em si mesma, urna incoerencia: nao é possível socializar segregando. "Prisao nao cura, corrompe." Esse é o títulode um livro de Gyles Playfair e Derrick Sington, e encerra urnagrande verdade. Porque a prisao corrompe, porque degrada, somente pode ser aceita em casos extremos; ou diante de hipóteses

ser suportada sem grave perigo para a coletividade, e a prisao éum mal ~ e n o r ; . ou quando o crime tenha provocado profundac o n t u r b a < ; a ~ SOCIal e a prisao imediata possa contribuir para minorar essa sItua<;ao an6mala.

GLECY - O que é que o senhor chama de conturba<;ao social?

HERKENHOFF - Um homicídio frio, por exemplo, praticadona pra<;a pública, numa cidade do interior, provoca grande conturba<;ao social.

. .Em qualquer hipótese, porém, a prisao precisa respeitar ad I g m ~ a d ~ do ser humano: pris6es que sao jaulas, pris6es onde hajaprorruscmdade de pessoas, pris6es onde o indivíduo é torturadoconstituem um fulminante libelo contra o sistema social e p o l í t i c ~ que as tolera.

. . A p r i ~ a o deve s ~ r ~ u b s t i t u í d a por outros tipos de penas: a maismdIcada e a prescfl<;ao de trabalho gratuito em benefício da

: ~ l e t ~ v i ~ ~ d e , pena mais aconselhável do que a multa, pois a multae mSlgmfIcante para os ricos, enquanto o trabalho iguala ricos epobres.

Page 99: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 99/106

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AFrALlÓN, Enrique R. OLANO, Fernando Garcia e VILANOVA, José. Introduc-

ción al Derecho. Buenos Aires, Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales,1975.

AGUIAR, Roberto A. R. de. O que é Justir;:a. Sao Paulo, Editora Alpha-Omega, 1982.

ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Ensaio sobre a Teoria da Interpretar;:iio das

Leis. Coimbra, Armenio Amado - Editor, Sucessor, 1978.

ANTUNES, J. Pinto. "A I n t e r p r e t a ~ a o das Leis do Trabalho". In Revista de Direito

Social, vol. IV, n° 21, outubro/dezembro de 1943.

ARTETA, Luís Eduardo Nieto. La Interpretación de las Normas Jurídicas. Bogotá,Ediciones Tiempo Presente, 1976.

ATHAYDE, Tristao de. "Princípios e Casos". In Jornal do Brasil. Rio, e d i ~ a o de 7de m a r ~ o de 1980.

AZEVEDO, Fernando de. A Cultura Brasileira. Sao Paulo, E d i ~ 6 e s Melhoramentos,1964.

AZEVEDO, Plauto Faraco de. Justir;:a Distributiva e Aplicar;:iio do Direito. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1983.

______ Crítica aDogmática e Hermenéutica Jurídica. Porto Alegre, SergioAntonio Fabris Editor, 1989.

BASTOS, Jacinto Fernandes Rodrigues. Das Leis, sua Interpretar;:iio e Aplicar;:iio. Lisboa, impresso na Tipografia Guerra, 1967.

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Introdur;:iio ao Estudo do Direito. Rio, Forense, 1981.

BATISTA, Paula. Compéndio de Hermenéutica Jurídica. Sao Paulo, Saraiva, 1984.

BELAID, S. Essai sur le Pouvoir Créateur et Nor matif du Juge. Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1974.

BERLO, David. O Processo da Comunicar;:iio. Rio, Fundo de Cultura, 1968.

BETIOLl, Antonio Bento. Introdur;:iio ao Direito - Lir;:oes de Propedéutica Jurídica.

Sao Paulo, Hermes Editora, 1989.

BITTENCOURT, Edgar de Moura. O Juiz. Rio, Editora Jurídica e Universitária, 1966.

166 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

BRAGA, Newton. Poesia e Prosa. Rio, Editora do Autor, s/ano.

COMO APLICAR O DlREITO 167

F ARIA, Rogério Gordilho de. ,. A p l i c a ~ a o do Artigo 5° da Nova Lei de I n t r o d u ~ a o ao

Page 100: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 100/106

BRUTAU, José Puig. A Jurisprudencia como Fonte do Direito. Porto Alegre, Ajuris.T r a d u ~ a o de Lenine Nequete.

CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, Vistos por Nós, os Advogados. Lisboa, Li-vraria Clássica, 1977.

CÁMARA, Dom Hélder. O Deserto é Fértil. Rio, C i v i l i z a ~ a o Brasileira, 1975.

CAMPOS, Arruda. A Justi{:a a Servi{:o do Crime. Brasília, Horizonte Editora, 1979.CAMPOS, Carlos. Hermeneutica Tradicional e Direito Científico. Belo Horizonte,

Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1970.

CAMPOS, Geir. Operário do Canto. Rio, Antunes e Cia., 1959.

CARNELUTTI, Francisco. Arte do Direito. Salvador, Livraria Progresso Editora,1957. T r a d u ~ a o de Pinto de Aguiar.

CARREIRO, C. H. Porto. Introdu{:iío aCiencia do Direito. Rio, Editora Rio, 1976.

CASALDÁLlGA, Dom peero.A Cuia de Gedeiío. Petrópolis, Editora Vozes, 1982.

CHAUI, Marilena. "Roberto Lyra ou Da Dignidade Política do Direito". In Direito e

Avesso. Brasília, ano 1, na 2, julho/dezembro de 1982.CLARO, Carlos Ducci. Interpretación Jurídica. Santiago, Editorial Jurídica de Chile,

1977.

COELHO, L. Fernando. Lógica Jurídica e Interpreta{:iío das Leis. Rio, Forense, 1979(la e d i ~ a o ) e 1981 (2" e d i ~ a o ) .

______ Introdu{:iío aCrítica do Direito. Curitiba, Livros HDV, 1983.______ Teoria Crítica do Direito. Curitiba, Livros HDV, 1987.

CONFERENCIA DE PUEBLA, Conc\usóes da. Evangeliza{:iío no Presente e no Futu-

ro da América Latina. Sao Paulo, E d i ~ ó e s Paulinas, 1979.

CONSELHO FEDERAL DA OAB. Novo Estatuto da Advocacia e da OAB. Brasília,

Assessoria de Imprensa do ConseIho Federal da OAB, 1992.COSSIO, Carlos. La Teoría Egológica del Derecho y el Concepto Jurídico de Liber

tad. Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1964.

DALLARI, Dalmo de Abreu. "Entrevista". In Isto é. Sao Paulo, e d i ~ a o de 6 de julhode 1977.

______ O Renascer do Direito. Sao Paulo, José Bushatsky, 1976.

ENGISCH, Karl. Introdu{:iío ao Pensamento Jurídico. Lisboa, F u n d a ~ a o CalousteGulbenkian, 1977.

FARIA, José Eduardo. Sociologia do Direito (Crise do Direito e Práxis Política). Rio,Forense, 1984.

Código Civil" . In Revista da Faculdade de Direito da Bahia. Salvador vol. XX,1946.

FERNANDES, FIorestan. Mudan{:as Sociais no Brasil. Sao Paulo, Difusao Européiado Livro, 1960.

FERNANDEZ, Alberto Vicente. Función Creadora del Juez. Buenos Aires, AbeledoPerrot, 1970.

FERRARA, Francesco. Inrerpreta{:iío e AplicQ{:iio das Leis. Coimbra, Armenio Amado Editor, Sucessor, 1978.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Ciencia do Direito. Sao Paulo, Editora Atlas,1977.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Ungua Portuguesa.

Rio, Nova Frontelra, 1" e d i ~ a o . FERREIRA FILHO, Manoel G o n ~ a l v e s . A Democracia Possível. Sao Paulo, Saraiva,

1974.

FlORE, Pascuale. Interpretación de las Leyes. Madrid, Editorial Reus, 1927.

FONSECA, Roberto Piragibe da. IntrodU{:iio ao EsIUIÚJ do Direito. Rio, Freitas Bas

tos,1975.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. "Anti juridicidade". In Revista Forense. Rio, vol. 208,outubro/dezembro de 1964.

FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. SaoPaulo, Editora Ática, 1974.

FRAN<;A, R. Limongi. Elementos de Hermeneutica e Aplica{:iio do Direito. Sao Paulo, Saraiva, 1984.

FRElRE, Carlos Coelho de Miranda. Influencia da Doutrina Jurídica nas Decisoes

Judiciárias. Joao Pessoa, Uniao Cia. Editora, 1977.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio, paz e Terra, 1977.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio, José Olympio, 1975.

GONTIJO, Naylor Salles. IntrodU{:iio aCiencia do Direito. Rio, Forense, 1969.

GROPPALI, Alessandro.lntrodufiio ao Estudo do Direito. Coimbra, Coimbra Edito-ra,1978.

GUIMARÁES, Mário. O Juiz e a F unfiio Jurisdicional. Rio, Forense, 1958.

GUSMÁO, Paulo Dourado de. Introdu{:iio ao Estudo do Direito. Rio, Forense, 1978.______ Introdufiio aTeoria do Direito. Rio, Freitas Bastos, 1962.

GUTIÉRREZ, Gustavo.Teologia da Libertafiío. Petr6polis, Vozes, 1976.

168 JOÁO BAPTISTA HERKENHOFF

HECK, Philipp. El Problema de la Creación del Derecho. Barcelona, Ediciones Ariel,

COMO APLICAR O DIREITO 169

MACEDO, Maury R. de. A Lei e o Arbftrio el Úll. da Hermeneutica. Río, Forense,

Page 101: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 101/106

1961.

HEIDEGGER, Martin. El Ser y el Tiempo. México, Fondo de Cultura Economica,

1951.

HERKENHOFF, Joao Baptista. A FUTlfiio Judiciária no Interior. Sao Paulo, EditoraResenha Universitária, 1977. ._ _ _ - = ~ , . o Direito dos Códigos e o Direito de Vida. Porto Alegre, Sérgio Anto-

nio Fabris Editor, 1993."Tarefas do Intelectual e do Jurista na Realidade Contemporinea doBrasil';. In Ordem Jurídica (Jornal da OAB-ES). Vitória, ano n, n° 8, feverei-

r o I m a r ~ de 1980. .. "O Pensamento Utópico e o Direito". In Ordem Jurídica (Jornal da

---O-A-B-,S ~ a o do Espírito Santo). Vitória, ano IlI, n° 14, junho de 1981.

lHERING, Rudolf Von. A Lula pelo Direito. Río, Editora Río, 1978.

ISA(AS. Livro do Profeta IsaCas. Apud Bfblia SagratÚl. Versao do Padre AntOnio P.e-

reira de Figueiredo, Sao Paulo, Editora das Américas, 1950, vol. 7.

JACQUES, Paulino. Curso de IntrodUfiio ao Estudo do Direito. Rio, Forense, 1978.

KANTOROWlcz. Herman. "La Lucha por la Ciencia del Derecho" . In lA Ciencia

del Derecho. Savigny, Kirchmann, Zittelmann y Kantorowicz, Buenos Aires,Losada,1949.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armenio Amado, 1974.

LANA, Cavalcanti. "Voto vencido na A p e l a ~ a o Cível n° 69.408, julgada pela 3" Camara do 1° Tribunal de A I ~ a d a do Rio de Janeiro" .In Litis. Río, ano 1, vol. IV,

dezembro de 1976.

LANERI, Fernando Fueyo. Interpretación y Juez. Santiago de Chile, Universidad deChile y Centro de Estudios' Ratio luris", 1976.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciencia do Direito. Lisboa, F u n ~ o Calouste Gulbenkian, 1969. ( f r a d u ~ a o de Joao de Souza Brito e José Antonio Veloso.)

LATORRE, Angel.lntrodufiio ao Direito. Coimbra, Livrarla Almedina, 1974.

LEYRET, Henry. lAs Sentencias del Buen Juez Magnaud. Bogotá, Editorial Temis,

1976.

LIMA, Mário Franzen de. Da Interprettlfiio Jurídica. Rio, Forense, 1955.

LIMA, Paul0 Jorge de. Dicionário de Filosofia do Direito. Sao Paulo, SugestOes Literárias, 1968.

L YRA F lLHO, Roberto. Para wn Direito sem Dogmas. Porto Alegre, Sergio AntonioFabris Editor, 1980.____ ~ . O que é Direito. Sao Paulo, Editora Brasiliense, 1982.

1981.

MACHADO NETO, A. L. Teoria Geral do Direito. Río, Tempo Brasileiro, 1966.____ ~ . Teoria da Ciencia Jurídica. Sao Paulo, Saraiva, 1975.

MAFRA, Homero Junger. "Uma Porta para o Homem no Direito Criminal (comentário ao Iivro)" .In Revista de Cultura da Universidatk Federal do Espírito San-to. Vítória, n° 18, outubrolnovembro de 1980.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermeneutica e Aplictlfiio do Direito. Río, Freitas Bastos,1965.

MÁYNES, Eduardo García Introducción al Estudio del Derecho. México, EditorialPoma, 1978.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologiada Percepfiio. Río, Freitas Bastos, 1971.

MILHOMENS, Jonatas. Hermeneutica do Direito Processual Civü. Río, Forense,sldata.

MIRANDA, Pontes de. Sistema de Ciencia Positiva do Direito. Río, Jacinto Ríbeirodos Santos, 1922, 2 vols.

_____ Comenlários el Constituifiio de 1946. 4" ed., Río, Borsói, 1963.

MOISÉS, Deuteronomio. Apud Bíblia SagratÚl. Versao do Padre Antonio Pereira deFigueiredo. Sao Paulo, Editora das Américas, 1950, vol. 2.

MONTaRO, André Franco. Introdu:fiio el Ciencia do Direito. Si o Pauto, Revista dosTribunais, 1977, 2 vols.

_____ Estudos de Filosofia do Direito. Sao Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1981.

NADER, Paulo.ln.trodu.fiio ao Estudo do Direito. Río, Forense, 1982.

NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário no Brasil a Partir da Intkpendincia. PortoAlegre, Sulina, 1 973, 2 vols.

NlNO, Carlos Santiago. "La Ciencia del Derecho y la Interpretación Jurídica" . In No-tas de Introducción al Derecho. Buenos Aires, Editorial Astrea, 1975, vol. 4.

NÓBREGA, J. Flóscolo da. Introdufiio ao Direito. Río, José Konfino, 1972.

NOGUElRA, J. A. "O Til da Lei" .In Gauta Judiciária. Río, ano XIX, n° 298, 1° dejaneiro de 1946.

NOGUElRA, Rubem Rodrigues. Curso de IntrodUfiio ao Estudo do Direito. Sao Paulo, José Bushatsky, 1979.

OLIVEIRA FlLHO, Benjarnin. Introdu:fiio el Ciencia do Direito. Rio, José Konfino,1973.

OVIEDO, José Maria Martin. Formación e Aplicación del Derecho. Madrid, Institutode Estudios Políticos, 1972.

170 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

PACHECO, Renato José Costa "Juiz e M u d a n ~ a Social". In Revista Forense. Rio,vol. 20, abriVjunho de 1965.

COMO APLICAR O DIREITO 171

------:-::--:---. "O Direito e a Comunidade". In Direito e Avesso. Brasília, ano lI,

Page 102: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 102/106

P ANIAGUA, José Mar ia Rodriguez. Ley y Derecho. Madrid, Editorial Tecnos, 1976.

PAOLI, Artur. Diálogo da Libertafáo. Lisboa, E d i ~ ó e s Paulistas, 1973.

PASSOS, J. J. Calmon de. "Entrevista" .In A Gazeta. Vitória, e d i ~ a o de 21 de novembro de 1984.

PENNA, Antonio Gomes. ComunicQfáo e Linguagem. Rio, Fundo de Cultura, 1970.

PEREIRA, Osny Duarte. "Como Aplicar o Direito (comentário ao livro) " . In Encon-tro com a Civilizofiio Brasileira. Rio n° 20, fevereiro de 1980, vol. 1II, n° 2.

PERILLO, Emmanoel Augusto. "Hermeneutica e I n t e r p r e t a ~ a o " . In Revista do Cursode Direito da Universidade Federal de Uberúlndia. Uberliindia, vol. 7, n° 1, 1°

semestre de 1978.

PINHEIRO, Ralph Lopes. História ResumiiJa do Direito. Rio, Editora Rio, 1981.

PINTO, Fernando. Jurisprudencia, Fome Formal do Direito Brasileiro. Rio, FreitasBastos, 1977. •

PORTANOVA, Rui. MotivQfoes Ideológicas da Sentenfa. Porto Alegre, Livraria do

Advogado, 1992.POUND, Roscoe. Justifa Conforme a Lei. Sao Paul0, Ibrasa, 1976.

RADBRUCH, Gustav. Filosofía do Direito. Coimbra, Armenio Amado, 1974.

RAITANI, Francisco. Prática de Processo Civil. Sao Paulo, Saraiva, 1968, 2 vols.

RAMALHO, Barao de. Cinco Lifoes de Hermeneutica Jurídica. Sao Paul0, Saraiva,1984.

REALE, Miguel. Lifoes Preliminares de Direito. Sao Paulo, Saraiva, 1976.

______ Teoría do Direito e do Estado. Sao Paulo, Martins, 1972.

REICHEL, Hans. La Ley Y a Sentencia. Madrid, Editorial Reus, 1921.

RIPERT, Georges. Les Forces Créatrices du Droit. Paris, Librairie Général de Droit et

de Jurisprudence, 1955.

ROSA, Eliézer. Dicionário de Processo Civil. Sao Paulo, José Bushatsky, 1973.

ROSA, Felipe Augusto de Miranda. "A s Dimensóes do Direito Processual: AlgumasReflexóes Opor tunas". In Litis. Rio, vol. 1, ano 1, outubro dt: 1974.

SALDANHA, Nelson. Legalismo e Ciencia do Direito. Sao Paulo, Atlas, 1977.

SANTOS, Boaventura de Souza. "Notas sobre a História Juódico-social de Pasárgada". In Sociologia e Direitó. Souto, Cláudio e Joaquim Falcao. Sao Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1980.

SECCO, Orlando de Almeida.lntrodufáo ao Estudo do Direito. Rio, Livraria FreitasBastos, 1981.

SEGANFREDDO, Sonia Maria S. Como Interpretar a Leí. Rio, Editora Rio, 1981.

SICHES, Luis Recaséns. Nueva Filosofía de la Interpretación del Derecho. México,Editorial Porrúa, 1973.

SILVA, A. B. Alves da Introdufiio aCiéncia do Direito. Rio, Agir, 1956.

SILVEIRA, Alípio. Hermenéutica no Direito Brasileiro. Sao Paulo, Editora Revistados Tribunais, 1968, 2 vols.----__ O Papel do Juiz na Aplicafiio da Leí. Sao Paul0, Editora Universitária de Direito, 1977.

SILVEIRA, Cid. Direito e Estado. Rio, Editora C i v i l i z a ~ a o Brasileira, 1977.

SHlRLEY, Robert W. The End of a Tradition - Culture Change and Development in theMunicípio ofCunha. Siío Paulo, Brazil, New York, Columbia University Press, 1971.

SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Para urna Crítica da Eficácia do Direito. Porto

Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1984.-----=---,. " F u n d a m e n t a ~ a o Teórica do Direito de Moradia". In Direito e Aves-

so. Brasília, ano 1, n° 2, julho/dezembro de 1982

SOUTO, Cláudio e SOUTO, Solange. Sociologia do Díreito. Sao Paulo, Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1981.----__ Ciencia e Ética no Direito - Urna Alternativa de Modemidade. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1992.

SOUZA, Daniel Coelho de. Introdufiio a Ciéncia do Direito. Sao Paulo, Saraiva,1980. .

SOUZA, José Aloysio Ribeiro de. "C omentári o sobre Voto Vencido do Juiz Cavalcanti Lana, na A p e l a ~ a o Cível n° 68.408, julgada pela 3" Cfunara do 1 Tribunal

de A l ~ a d a do Rio de Janeiro". In Litis. Rio, ano 1, vol. IV, dezembro de 1976.

SPOTA, Alberto G. El Juez. el Abogado y la Formación del Derecho a través de laJurisprudencia. Buenos Aires, Depalma, 1976.

STAMMLER, Rodolf. El Juez. México, Editora Nacional, 1974.

STERNBERG, Theodor. Introducción a la Ciencia del Derecho. México, Editora Nacional, 1967.

TENÓRIO, Oscar. Lei de IntrodUfiio ao Código Civil Brasileiro. Rio, Borsói, 1955.

VALLADAo, Haroldo. "Lei Geral de A p l i c a ~ a o das Normas JuÓdicas". In RevistaForense. Rio, vol. 208, outubro/dezembro de 1964.

172 JOÁO BAP11STA HERKENHOFF

VASAK, Karel. ••A Longa Luta pelos Direitos Humanos". In O Correio da UNESCO.Rio, ano 6, nO 1.

Page 103: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 103/106

VERÍSSIMO, Érico. Incidente em Amares. Porto Alegre, Globo, 1971.

VERNENGO, Roberto José. Curso de Teoría General del Derecho. Buenos Aires,Cooperadora de Derecho y Ciencias SOCiales, 1976.

______ La Interpretación Jurídica. México, Unversidad Nacional Autónomade México, 1977.

VIANNA, Oliveira. EvolUfiio do Povo Brasileiro. Silo Paulo, Companhia Editora Nacional, 1938.

W ARAT, Luís Alberto. Mitos e Teorias na Interpretafiio das Leis. Porto Alegre, Editora Síntese, 1979.

ÍNDICE ALFABÉTICO DA MATÉRIA

(Os números referem-se aos parágrafos. Quando se trata de notas de rodapé.a circunstdncia é mencionada.)

A

Advogado, independencia do - e J u s t i ~ a popular, 25.2.1

Analogia e i n t e g r a ~ á o do Direito, 6; 16.1A p l i c a ~ á o axiológica do Direito, funda

m e n t a ~ á o teórica para a, 20.5A p l i c a ~ á o

do Direito- conceito de, 6; 8;- e p r o g r a m a ~ á o de dados, 22.4.7;- numa perspectiva axiológica, 3;

19; 20 e seguintes; 24;- numa perspectiva fenomenológica,

3; 14; 19; 21; 24;- numa perspectiva sociológico-polí

tica, 3; 14; 19; 22 e seguintes; 24.A p l i c a ~ á o sociológica do Direito

- o b j ~ ó e s a c o n c e ~ á o extensiva da,22.3;

- r e f u t a ~ á o das o b j e ~ ó e s a c o n c e p ~ á o extensiva da, 22.4.

A p l i c a ~ á o sociológico-política do Direito- essencialidade da, 22.1;- objetivos da, 22.1.

Axiologia e a p l i c a ~ á o do Direito, 3; 14,nota 36, cap. IlI; 18.2; 18.3; 18.4;18.6; 20 e seguintes; 24.

B

Bem comum, exigencias do - e a p l i c ~ á o da lei, 13; 18.4; 20.4.

C

Ciencia do Direito, conceito de, 18.3.Ciencia jurídica como árbitro da f o r ~ a

obrigatória das leis, 20.3.3.C o d i f i c a ~ i l o da lei

- através da palavra escrita, 5;

- através do desenho, 5.C o m u n i c a ~ á o através da lei, 5.C o n d i ~ ó e s éticas para a a p l i c a ~ á o axiol6-

gica do Direito, 20.5.3.C o n d i ~ ó e s ideológicas para a a p l i c a ~ á o

axiológica do Direito, 20.5.2.C o n d i ~ ó e s metodológicas para a aplica

~ á o axiológica do Direito, 20.5.1.Conduta, i n t e r p r e t a ~ á o da - mediante a

lei,18.6.Conteúdo político da s e n t e n ~ a , 22.4.2.Conteúdo subjetivo da s e n t e n ~ a , 22.4.2.Corrente finalista do Direito Penal, 14.

Costume como fonte do Direito, 16.3; 18.1.C r i a ~ á o judicial do Direito, sistemas de- e liberdade criativa do juiz, 20.2.

Critérios hermeneuticos, 8.Crítica valorativa da norma, a - e o siste

ma jurídico brasileiro, 20.4.Cultura Popular

- agasalho a - como fundamento deurna postura sociológica, 22.2; 24;

- e valores nacionais, 22.2; 22.4.6;- leitura da lei a partir dos valores

da, 22.2; 25.2.2;

174 JO..\O BAPTISTA HERKENHOFF

- v a l o r i z a ~ a o da - e direito de autoexpressao do POyO, 22.4.6.

- natural, 16.1; 16.2; 18.2;- o - numa sociedade classista, 22.2;

COMO APLICAR O DIREITO 175

- de estrito legalismo, 16;- de r e a ~ a o ao estrito legalismo, 17;

- e Ética, 14;- e fenomenologia, 7; 21;

Page 104: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 104/106

D

Decisóes contra legem, 18.1; 18.2; 22.2;22.3; 22.4.1; 22.4.6.

Decisóes praeterlegem, 18.1; 18.2.Decisóes secundum legem, 18.1.D e c 1 ~ Universal dos Direitos do Ho-

mero e i n t e r p ~ a o jurídica, 11.D e m o c r a t i z a ~ a o do ensino universitário e

j u s t i ~ a popular, 22.4.5.Desigualdade dos homens e a p l i c a ~ a o do

Direito, 21; 24.Direito

- a s e r v i ~ o do homem e de sua liber-~ o , 2 4 ;

- centrado no homem e no POyO, 7;- como arte do bom e do justo, 24;- como c r i ~ o do POyO, 17.1; 17.1.1;- como forma de vida humana obje-

tivada, 18.7;- como objeto cultural egológico,

18.6;- como produto da 1uta, 17.2;- como produto histórico, 12; 17.1;- da sociedade e direito legislado,

18.3;- desenvolvimento espontaneo do,

17.1; 17.2;- dos juristas e direito do POyO, 22.2;- e consciencia nacional, 17.1;- e Economia, 7; 14; 22.2;-eexperiencia, 18.3;

- e fenomenologia, 21;- e interesse, 17.2; 18.2; 18.4;-elei ,8 ;

- e l i b e r t a ~ a o do homem, 24;- e luta de classes, 20.1; 20.3.1;

22.1; 22.4.3; 24;- e paz, 17.2;- e Polí tica , 7; 22.2;- e Sociologia, 7; 14; 18.2; 22.2;- justo, 16.3; 18.2; 18.7;-legislado, sistemas de - e liberdade

criativa do juiz, 20.2;

- popular, agasalho ao - como fun-damento de urna postura sociológica, 22.2.

Direito amoradia, 22.2.Direito Comparado e i n t e r p r e t a ~ o , 11.Direito da L i b e r t a ~ a o , 25.2.3.Doutrlna como fonte do Direito, 18.1.

Doutrina daa p l i c a ~ a o

do Direito combase no efetivo exercício da Magistratura, 3.

Duplo grau de j u r i s d i ~ a o e s e g u r a n ~ a jurídica, 18.2; 22.4.2.

EElementos construídos no Direito, 18.1.Elementos dados no Direito, 18.1.Elementos de i n t e r p r e t a ~ a o , 8.Eqüidade, o juiz e a, 20.3.1.Escola Analítica de Jurisprudencia, 16.3.

Escola Atualizadora do Direito, 17.1.2.Escola Chafeísta, 15, nota 1, cap. IV.Escola Científica Francesa, 18.1.Escola da Exegese, 16.1.Escola da Jurisprudencia de Interesses,

18; 18.4.Esco1a da Jurisprudencia Etnológica,

17.1, nota 17, cap. IV.Escola da Livre Pesquisa Científica, 18;

18.1; 18.2; 18.3.Escola do Direito Justo, 18.2; 22.4.6.Escola do Direito Justo, Magnaud e o po-

sicionamento adotado neste livro, 22.4.6.

Escola do Direito Livre, 18; 18.2; 18.3.Escola dos Pandectistas, 16.2.Escola Egológica, 18; 18.6.Escola Hambalita, 15, nota 1, cap. IV.Escola Hanifita, 15, nota 1, cap. IV.Escola Histórica do Direito, 17.1; 18.2.Es )la Histórico-Dogmática, 17; 17.1.1.

Escola Histórico-Evolutiva, 17.1.2; 18.1.Escola Malequita, 15, nota 1, cap. IV.Escola Realista Americana, 18; 18.5.Escolas hermeneuticas

- conceito de, 15;

-divisliodas,15;

- e e v o l u ~ a o do pensamento jurídico,2;

- e liberdade no julgar, 6;- que se abrem a urna i n t e r p r e t a ~ a o

mais livre, 18.

Escola Sociológica Americana, 18; 18.2.

Escola Teleológica, 17.2.Escola Vitalista do Direito, 18; 18.7.Estrutura deste livro, 2.Exegese jurídica ou hermeneutica, 6, nota

8, cap. 11.

Exegese verbal, 9.

F

Fases da i n t e r p r e t a ~ a o , 8.Felicidade social e i n t e r p r e t a ~ a o , 17.2.Fenomenologia e a p l i c a ~ a o do Direito, 3;

21.Filologia e i n t e r p r e t a ~ a o jurídica, 9.Filosofia da 1inguagem e i n t e r p r e t a ~ a o ju

rídica,9.F i n s s o c i a i s n a a p l i c ~ o d a l e i , 1 3 ; 17.1.2.Formas processuais, s i m p l i f i c a ~ í i o das,

25.1.2.F u n ~ í i o jurisdicional, caráter da, 18.7;

22.4.1.

HHermeneuta, papel do, 8.

Hermeneutica- aspectos gerais da, 4;- caráter unitário da, 8;- como abrangente da i n t e r p r e t a ~ í i o ,

i n t e g r a ~ í i o e a p l i c ~ í i o da lei, 6;- como estudo do compreender, 4;- como i n t e r p r e t a ~ í i o da lei, 6;- conceito de, 4; 6, notas 9 e lO, cap.

11;

- e bem-estar social, 18.3;- e Ciencias Sociais, 18.2;-e Economia, 7; 14;

- e j u s t i ~ a , 18.3;- e linguagem verbal, 4;- e metafísica, 4;- e Política, 7;- e p o n d e r ~ í i o valorativa das reali-

dades sociais, 18.3;- e postura crítica, 7;

- e Psicologia, 7; 18.2;- e Psicologia Social, 14;- e Sociologia, 7; 14; 18.2;- estrutural, 8;- e v o l u ~ a o da, 4; 7;

- método dialético de, 8;- na c o n c e p ~ í i o de Heidegger, 4;- ou exegese jurídica, 6, nota 9, cap.

11;

- tradicional, 15, nota 6, cap. IV.Hist6na, tratamento dialético da

- e i n t e r p r e t ~ a o , 12.Humanismo e a p l i c a ~ í i o do Direito, 3; 7;

18.2; 21; 22.1; 22.4.6; 24.

1

Igualdade perante a lei, 21.Incerteza, dimensíio de - n o Di reito,

18.5.I n t e g r a ~ í i o do Direito, 6; 16.1.I n t e n ~ í i o do Legislador, 16.1; 17.U.

I n t e r p r e t a ~ í i o das expressóes do Direito,6, nota 13, cap. 11; 8.

Interpreta\(íio jurídica- conceito de, 6;

- e a s p i r a ~ ó e s sociais, 22.1;- e conseqüencias sociais, 18.3; 18.4;

18.7;- elementos da, 7, nota 17, cap. 11;

-eTeoriaGeraldoDireito,l,nota1;

- e t r a n s f o r m a ~ ó e s sociais, 17.1.2.I n t e r p r e t a ~ í i o sociológica do Direito e

a p l i c a ~ í i o sociológica do Direito, 22.1.Intérprete

- corno porta-voz do entendimento comunitário, 18.6, nota 66, cap. IV;

- e i n t e n ~ í i o do legislador, 5;

116 JOÁO BAPTISTA HERKENHOFF

- e vontade do legislador, 5. - o - e a rea1idade da j u s t i ~ a noBrasil, 25; 25.1.1;

COMO APLICAR O DIREITO 177

L e g i s l a ~ i i o estatal como núcleo central doordenamento jurídico, 20.5.1.

Lingüística e i n t ~ jurídica, 9.

Livre investiga\(ao científica do Direito,

Page 105: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 105/106

J

Juiz- acúmulo de s e r v i ~ o do - e rot ina,

25.1.2;- a p e t f e i ~ o a m e n t o cultural do, 25.1.2;

- as a l v a ~ a o

do Direito pela arte do,25.2.2;- a s e r v i ~ o do POyO, 22.4.5; 22.4.6;- como artista, 22.2;- como cientista, 22.2; 22.4.1;- como homem aberto ao mundo,

22.4.5;- como sociólogo, 14, nota 38, cap.

IIl; 22.4.1; 22.4.2;- cultura do, 22.4.5;- e a s p i r a ~ ó e s populares, 22.4.5;- e c o n t r a d i ~ ó e s do sistema legal,

20.3.1; 22.4.2;- e critérios axiológicos, 20.1 e se

guintes;- e dramas íntimos no sentenciar,

20.2,20.5.1 ;- e equilíbrio social, 22.4.1;- e exercício do magistério, 22.4.5;- e fins sociais da lei, 13;- e i n t e g r a ~ a o do Direito, 18.1;- e m u d a n ~ a social, 14; 18.5; 18.7;

22.4.6;- e o mundo das pessoas julgadas,

21; 24;- e poder popular, 20.3.1;- e s e g u r a n ~ a jurídica, 20.5.1;- hegemonia do - na vida do Direito,

20.5.4:- independencia do, 25.1.2;- mister do - e mister do filósofo,

20.2; 20.3.1;- o - e a descoberta do Direito vivi-

do pelo povo, 22.2;- o - e a insensibilidade da lei, 21;- o - e a l i b e r t a ~ a o do oprimido, 25;- o - e a luta popular, 22.4.2;- o - e a p a r t i c i p a ~ a o na vida da co-

munidade, 22.4.5;

- o - e as c1asses dominantes, 22.4.5;22.4.6;

- o - e as maiorias oprimidas, 25.2.3;- o - e um Direito mais justo, 25.2.2;- papel conservador do, 7; 14; 22.4.2;- papel do - em favor dos deserda-

dos da lei, 20.5.2; 25.2.3;

- papel político do, 22.4.1; 22.4.2;22.4.6;- papel progressista do, 7; 14; 18.5;

20.5.2; 22.4.2;- p a r t i c i p a ~ a o do - na vida da comu

nidade, 22.4.5;- subjetivismo do, 20.5.1;- qualidades pessoais do - na admi-

n i s t r a ~ a o da j u s t i ~ a , 18.2; 18.5;18.6; 22.4.4;

- que falha: nao é a lei que o salvará,22.4.4;

_ representatividade popular do,

22.4.5.Juízes- controle da idoneidade dos, 20.5.3;

25.1.2;- e juristas como profetas da Espe

r a n ~ a , 25.2.3;- escolha dos - e j u s t i ~ a popular,

25.1.2;- ideologia dos, 22.4.5;- origem social dos, 22.4.5.

Jurisprudencia como fonte do Direito,18.1.

Jurisprudencia sociológica, 18.3.J u s t i ~ a como instrumento de l i b e r t a ~ ,

25.2.1.J u s t i ~ a humana, requisitos estruturais de

urna, 25.1.2 e seguintes.J u s t i ~ a , supremacia do valor - sobre o va

lor s e g u r a n ~ a , 22.4.3.Justo legal, o juiz e a r e t i f i c ~ do, 20.3.1.

LLegalidade, princípio da - e transforma

~ ó e s sociais, 12.

L e g i s l a ~ i i o paralegal, 22.2.Lei

- a f u n ~ i i o da - termina na generali-dade do comando, 22.4.1;

- a - ante o caso singular, 22.4.1;- a p l i c a ~ a o da - injusta, 29.3.1;- como forma de comunica\(ao hu-

mana,5;,- conceito de, 9;- d i n a m i z a ~ a o da, 8;- e Direito, 8; 20.5.2;- e J u s t i ~ a , 20.3.1;- e I i b e r t a ~ a o , 3; 21; 25.2.1;- e m u d a n ~ a social, 22.4.1;- e predominancia de classes, 21;

22.4.3;- injusta e valora\(iio das provas, 20.3.3;- injusta, o juiz e a, 20.2.1;-Iacunas da, 6; 18.1; 18.2;- papel conservador da, 22.4.2;

- pretenso papel de harmonia socialda, 25.2.3.Lei Organica da Magistratura

- e cumprimento exato das disposi~ ó e s legais, 20.5.4;

- e nepotismo na J u s t i ~ a , 25.1.2,nota 3, cap. VI;

- e r e s s u r r e i ~ do juiz de Antares,22.4.5;

- e s u b o r d i n a ~ a o do juiz aos donosdo poder local, 20.5.3, nota 47,cap. V; 25.1.2;

- e v e d a ~ a o da presidencia de associa ~ ó e s , 22.4.5, nota 92, cap. V;

- e v e d a ~ a o do magistério de 2° grau,22.4.5, nota 92, cap. V.

Liberdade no julg ar e escolas hermeneuti-cas,6.

L i b e r t a ~ a o do oprimido, 25.2.1.Libre Récherche Scientifique, 18.1; 18.2.Língua e fala, 9.

Linguagem- conceito amplo de, 4;- c o n c e p ~ a o estrutural da, 9;- verbal e hermeneutica, 4.

18.1.Lógica

- dedutiva e a p l i c ~ a o do Direito,18.3;

- do humano e do razoável, 10; 18.7;- experimental e aplica\(iio do Direi-

to, 18.3;

- formal ei n t e r p r e t a ~ a o ,

10, 18.7;- material e interpreta\(ao, 10; 18.7.

MMagnaud, s e n t e n ~ a s de, 14, nota 38, cap.

I1I; 18.2; 22.4.6.Mens legislatoris, 16.1.

Métodos de i n t e r p r e t a ~ a o , 8.

Minorias, poder das - como instrumentotransformador, 25.1.3.

Missao política do Judiciário, 13.M o d e r n i z a ~ a o e d e m o c r a t i z a ~ a o da Justi

~ a , como requisito para o desempenhodo papel intervencionista que cabe amagistratura, 25.1 e seguintes.

Modos de i n t e r p r e t a ~ a o , 8.Momentos da i n t e r p r e t ~ a o , 8.Mulher, p r e s e n ~ a da - na magistratura,

22.4.5; 25.1.2.

NNecessidades sociais e a p l i c a ~ a o do Di

reito,7.

Negron a j u s t i ~ a ,

o, 22.4.5.Neutralidade da lei e seus agentes, suposta,25.2.3.

Neutralidade do juiz ante as partes, 24.Norma jurídica como núcleo central do

orden amento, 20.5.1.Norma jurídica e lei geral da e v o l u ~ o ,

17.1.1.

o

Objetivos teóricos des te Iivro, 3; 23.

178 JOAO BAPTISTA HERKENHOFF

Occasio legis e i n t e r p r e t a ~ á o , 10.

Ofício judicial, visáo humanística do, 3.

- conceito de, 8;

- e escolas hermeneuticas, 2;

CoMO APLICAR O DlRElTO 179

Teoria da responsabilidade civil por ris-cos criados, 12.

Teoria subjetiva da i n t e r p r e t a ~ á o , 7, nota18, cap.lI.

Page 106: Herkenhoff - Como Aplicar o Direito

5/16/2018 Herkenhoff - Como Aplicar o Direito - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/herkenhoff-como-aplicar-o-direito 106/106

Oprimido como agente de sua própria li-

b e r t a ~ o , 25.2.I.Ordem e desordem, visáo simétrica de,

22.4.3.Ordem estatal e ordem social, 18.2; 22.4.3.Ordenamentos jurídicos, pluralidade de,

22.2; 22.4.3.

p

P a r t i c i p a ~ á o popular na j u s t i ~ a , 22.4.5;25.1.2.

Perspectiva axiológica na a p l i c a ~ á o doDireito, 3; 20.1; 24.

Perspectiva fenomenológica na a p l i c a ~ á o do Direito, 3; 21; 24.

Perspectiva humanística na a p l i c a ~ á o doDireito, 24. ~

Perspectivas axiológica, fenomenológicae sociológico-política na a p l i c a ~ á o do

Direito, síntese das, 24.Perspectiva sociológico-política na apli

c a ~ á o do Direito, 3; 22; 24.

Pesquisa sócio-jurídica e busca do Direi-to popular, 22.4.6.

Plano deste livro, 2.

Plenitude lógica do direito positivo, 18.2.Política e a p l i c a ~ á o do Direito, 3; 22.

Positivismo e hermeneutica, 16.1; 16.2;

16.3; 17.2; 18.2.Presidentes dos Tribunais, a m p l i a ~ á o do

colégio para escolha dos, 22.4.5.Processo de c o m u n i c a ~ á o , elementos do,

5.Processo filológico, 9.Processo gramatical, 9.Processo hermeneutico a partir da mensa-

gem codificada, 5.

Processo histórico,12.

Processo histórico-evolutivo, 12.

Processo literal, 9; 16.1.

- espécies de, 8.

Processo sistemático, 11; 17.1.1.Processo sociológico, 14; 22.3; 22.4.2.Processo teleológico, 13; 17.2.P r o g r a m a ~ á o de dados e a p l i c a ~ á o do Di-

reito, 22.4.7.

R

Ratio juris e i n t e r p r e ~ á o , 18.1.Ratio legis e i n t e r p r e t a ~ á o , 7; 10.

Regras do grupo, infringencia da lei seminfiingencia das, 14.

R e l a ~ ó e s de e x p l o r a ~ á o a nível nacional e internacional como j u s t i ~ a básica, 25.2.2.

R e p r e s e n t a ~ á o popular dos juízes, 22.4.5.Resistencia as leis injustas, 20.3.1.

sS e g u r a n ~ a e Direito, 18.5; 18.6; 18.7;

22.4.3.Sentido mais razoável da lei, 17.1.2.Sentimento humano universal de Justiya,

10.3.1.Sistema evolutivo de hermeneutica, 15,

nota 6, cap. IV.Sistema jurídico como subsistema do sis

tema social, 14; 22.4.6.Sistema legal, harmonia do, lI .Sistema misto de hermeneutica, 15, nota

6, cap. IV.Sistema tradicional de hermeneutica, 15,

nota 6, cap. IV.Sociologia e a p l i c a ~ á o do Direito, 3.

T

Teoria do abuso dos direitos, 12.

Teoria do valor e da cultura, 13.

Teoria Egológica do Direito, 18.6; 21.Teoria Geral do Direito, 1, nota l.

Teoria Geral do Direito e I n t r o d u ~ o aCiencia do Direito, 1, nota l.

Teoria mista da i n t e r p r e t a ~ á o , 7, nota 18,

cap. 11.

Teoria objetiva da i n t e r p r e t a ~ á o , 7, nota18, cap. 11.

Teoria Vitalista do Direito, 18.7.

Tribunais, p r e s e n ~ a temporária de juízesda primeira instancia nos, 22.4.5.

v

VolunJas legis, 12.

Voluntas legislatoris, 12.

Vontade atual da lei, 12.