HILÁRIO FRANCO - UTOPIAS MEDIEVAIS - APOIO

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Reviews / Resenhas 135 uma "ponte" que leve de uma lingua a outra, nada mais que uma ajuda para ler 0 original. Resta-me chamar a atencao para a excelente introducao de Moema Parente Augel, a organiz ado ra do livro. Trinta pa- ginas relatam a hist6ria do negro no Brasil e sua posicao atual na sociedade brasileira. Eno tavel 0 sentido critico , sem muit a condescendencia, com que Moema Parente Augel comenta os poemas apresentados. Encerra 0 livro uma p equena biobi- bliografia de cada autor da ant ologia. PhilippeHumble Universidade Federal de Santa Catarina Hilario Franco Jr. As Ut opias Medievais . Sao Paulo, Editora Brasiliense, 1992. Qua is as utopias que acompa nharam 0 homem medieval? o aut or nos indica varias: a da alternativa/ a heresia; a da pa z /o claustro; a da simplicidade/ 0 bucolismo; a da igualdade jur idi ca /Robin Hood; a da autonomia /G uilherme Tell, que sao apen as urn inicio de abordagem e ja apontam para 0 pos- slvel reconhecimento da nossa porcao.'medieval. Incentivo a reflexao nao falta a medida que par ticipa mos do enfoque das utopias mais marcant es, que ocupam os capf- tulos centrais do livro: a da abundiincia/ a Cocanha; a da justica / 0 Milenio: a do sexo / a And roginia e a utopia-matriz/ o Paraiso. o aut or destaca inicialmente a preocupacao do homem medieval com a constante arneaca da fome. A falta de uma agricultura planejada, as dificuldades de transporte entre uma regiao e outra , agravadas pela existencia dos pedagios que 0 sistema feudal impunha, alem do desconhecimento de rneto- dos de conservacao dos alimentos causavam periodicamente longos peri odos de carestia, que atingiam principalmente as cama das rnais pobres, mas nao deixavam de afetar tambern os individ uos da s outras classes sociais. E a fome, quase uma Fragmentos 00 1. 4 11 1> 2, pp. 135-138

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uma "ponte" que leve de uma lingua a ou tra, nad a mais queuma ajuda para ler 0 original.

Resta-me chamar a atencao para a excelen te introducaode Moema Parente Augel, a organizadora do livro. Trinta pa­ginas relatam a hist6ria do negro no Brasil e sua posicao atualna sociedade brasileira . Eno tavel 0 sentido critico , sem muitacondescendencia, com que Moema Parente Auge l comenta ospoemas apresentados. Encerra 0 livro uma pequena biobi­bliografia de cada autor da antologia.

PhilippeHumbleUniversidade Federal de Santa Catarina

Hilario Franco Jr. A s Utopias Medievais. Sao Paulo, EditoraBrasiliense , 1992.

Quais as utopias que acompanharam 0 homem med ieval ?o autor nos indica varias: a da alternativa/ a heresia; a dapa z/o claustro; a da simplicidade/ 0 bucolismo; a da igualdadejur idi ca/Robin Hood; a da autonomia /Guilherme Tell, quesao apenas urn inicio de abordagem e ja apontam pa ra 0 pos­slvel reconhecimento da nossa porcao.' med ieval.

Incentivo a reflexao nao falta a medida que participa mosdo enfoque da s ut opias mais marcantes, que ocupam os capf­tulos centrais do livro: a da abundiincia / a Cocanha; a dajustica / 0 Milenio: a do sexo / a Androginia e a utopia-matriz /o Paraiso.

o autor destaca inicialmente a preocup acao do homemmedieval com a constante arneaca da fome. A falta de umaagricultura planejada, as dific ulda des de transp orte entre umaregiao e outra, agravadas pe la existencia dos pedagios qu e 0

sistema feudal impunha, alem do desconhecimento de rneto­dos de conse rvacao dos alimentos causavam periodica mentelongos periodos de carestia, que ating iam principalmente ascamadas rnais pobres, mas nao deixavam de afetar tam bern osindivid uos da s outras classes sociais. E a fome , qu ase uma

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cons tante, era ainda 0 menor dos males se comparado acares­tia e a peste, "daf a busca de solucoes simb6licas e imagina­rias" (p. 26) . Milos e lendas p opulares medievai s saomani festacoes da presen~a constante da utopia da abundancia,que esta tarnbern relacionad a a ideia primordial do Para isoTerres tre cris tae, no qual 0 homem, sem trabalho e sem sofri­mento, teria lido tudo a sua disp osicao e comida em abun­dancia, Na citacao de urn dos contos de Boccaccio podemosvisualizar urn lugar onde "as vinhas eram atadas com sa lsi­chas", urn pa to podia ser comprado com urn dinh eiro, "se viauma montanha de qu eijo parrnesao ralado" e corria urn rio devinho "do melhor que se bebeu" (p, 47). Inversao tota l, por­tanto , da realida de do homem med ieval.

A segunda grande ut opia liga-se a outro grave problemavivido pelo homem na Idade Med ia: a just ica. Como afirma 0

autor, "os elementos socia lmente rnais hu mildes (...) ficavaminev itavelmente a rnerce de nobres, clerigos e funciona riosreais ou feudais, mu itas vezes donos de grande au tonomia ede grande cupidez" (p. 54). Mais complexa, pois, que a primei­ra, a utopi a do Milenio envolve a crenca de "urna fase de paz,abunda ncia e justica" (p. 57) qu e acon teceria na terra trazendofelicidade ao homem antes do fim do mundo e da possivelbern-aventuranca da sa lvacao celeste pos-Iuizo Final. 0 au torbusca as origens dessa crenca e suas diversas versoes medie­vais envolvendo a vinda do Anticris to e as especulacoes sobreos sinais indica livos do fim do mundo, alern de levantar aquestao das iruimeras profecias/heresias nas quais 0 elementosubjacente ea expectativa desse momenta de paz e justica.

A androginia, utopia do sexo, e abordada no capituloseguinte e apresenta-se rnais fragmentada e de certa formamenos acessivel em suas concepcoes originais, ja que a docu­mentacao foi "produzida majoritariamente por homens em urnambi ente machista e mesmo mis6gino" (p . 81). Misoginia am­piamente defendida pel os eclesias ticos que rapidamente qui­seram se afasta r da posslvel ide ia da androginia ligada afigu rade Adao, Se Eva foi lirada de Adao eporque este conlinha emsi os doi s princfpios. E se a origem da pa lavra sexo reforca aideia da separacao, a uniao dos sexos tenderia a reunificar 0

que foi separado, da f 0 extase. Daf tambern 0 fato de a Igrejanao ap rovar 0 ato sexua l pu ro e simples e pretender sanli ficar

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a unia o atraves do sacramen to, que ao mesmo tem po fortaleciaa supremacia rnasculina, tentando apagar "0 mil o do an­drogino que implicava 0 feminino igualado e un ido ao mascu­lino" (p , 82). Exemplos extraidos da literatura sao encontradosna mil ologia celtica, com Merlin, nos seculos XII/ XIII comTristao e Isolda, que "longe da civilizacao qu e fragmenta 0 serhumane, tornavam-se um so" (p. 97), em Dante, qu e reencon­tra Beatriz no Paraiso, nas lendas sobre a papisa Joana , nascronicas sobre Joana d 'Arc.

Sexo e religiao, sexo e historia, sexo e sexos, a utop ia dosexo "como ins trumento de edenizacao" (p. 109) estava pre­sente no discur so dos clerigos e nas narrativas populares: osprimeiros tentando estabelecer categorias hierarquicas, os ou­tros buscando se libertar social e sexualmente.

Por fim, 0 autor se detern na utopia que de certa formaesta na origem de todas as outras: a do Paraiso, que representabasicamente a existencia do lugar em que 0 homem encontra­ria beleza e fartura, teria sempre saude, estaria em harmoniacom a natureza, teria a seu alcance a imortalidade e acima detudo, a unidad e com Deus. E isto significa reverter a ideia dopecado original, sair da condicao de faminto e doente, deixarde se perceber fraco e mortal. Em suma, retornar a um cstagioque sempre lhe /nos foi negado. A utopia do Para iso repre­senta, pois, a macro inversao de toda a realidade medieval, detoda a realidade humana.

Impossivel ler As utopias medievais sem ressaltar qu e 0

autor utiliza muilas obras Iiterarias como fonte de sua pesqui­sa: II Tesoretto de Bru ne tto Latini , La Chanson de Roland, ADioina Commedia de Dante Alighieri, II Milione de Marco Polo,as Contos de Cantuaria de Geoffrey Chaucer, II Decameron deGiovanni Boccaccio, os livros de fabulas da Idade Media .Como indicacao das areas de interesse, pois , na contra-capa,dever iam certamente figura r Litera tura/Estudos literarios, jaque existe uma con tinua correlacao entre histcria Zutopiazlite­ratura.

o leilor que se sent ir distante dessas areas espedficasencontra ra de qu alquer forma bons motivos para enfrentar 0

desafio de conhecer as utopias como quem Ie uma historia daqual volenti 0 nolenti tod os fazemos parte.

A descricao minuciosa e ao mesmo tempo abra ngente que

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o autor faz das diversas manifestacoes do pensamento huma­no durante 0 pe rfodo medieval, a busca das origens dos milose das aspiracoes d o homem med ieval permite pressentir um aliga<;ao muilo rnais nitida en tre passado e presente, entre me­dieval e contempo raneo. A cornecar pelas utopi as.

Maria Teresa ArrigoniUniversidade Federal Santa Catarina

DOSTOI EVSKI DIRETO

Memorias do Subsolo , de Fi6dor Dostolevski. Traducao, apre­sentacao e notas de Bori s Schnaiderna n. Sao Paulo, EdiloraPauliceia, 1992.

Sao pou cas ainda as lingu as das quais se traduz direta­mente pa ra 0 portugu es brasileiro . No entanto, nos ul tirnosanos tern aumentado 0 ruimero de traducoes de ling uas ou trasqu e os costumei ros espanhol, frances, Ingles e italian o. Urnpioneiro deste movimento animado r, que fornece armas parao for ta lecimento da cultura naciona l, e Boris Schnaiderrnan,qu e agora nos en trega rnais urn precioso volume. Este livroinclu i alem do celebre "Mem6 rias do Subso lo", os sur preen­dentes "0 Croco di le" e "Netas de Inverno sobre Impressoesde Verao" .

As "Mem6rias do Subso lo" ja eram razoavelmente co­nhecidas no Brasil , atra ves de trad ucoes ind iretas . 0 texto,dramatico po r excelencia, ganha agora urn sabor ma is russonesta traducao que mostra fortes marcas do orig ina l. Assirn,os longos paragr afos d o texto russo sao mantidos, contra ria­mente ao qu e acontece, por exemplo, na versao suavizada deRuth Cuimara es (in Os rnais brilhantes Con tos de Dostoiewski,Rio, Edicoes de Ouro, 1966). As 50 cuidadosas no tas de rod apetarnbern oferecern ao leil or atento instrurnentos pa ra recons-

Fragmmtos volA n° 2, pp. 138-139