História da Deficiencia Prof. Dra. Ester Maria de Magalhaes- Carolina Matos MG

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES E CENTRO DE CIENCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO HUMANA Carolina de Matos Nogueira A HISTÓRIA DA DEFICIÊNCIA: tecendo a história da assistência a criança deficiente no Brasil. Trabalho de Conclusão da Disciplina História da Assistência a Infância no Brasil - apresentado ao Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana do Centro de Educação e Humanidades – Centro de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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Dissertação sobre as pessoas portadoras de deficiências

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROCENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES E CENTRO DE CIENCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO HUMANA

Carolina de Matos Nogueira

A HISTÓRIA DA DEFICIÊNCIA: tecendo a história da assistência a criança deficiente no Brasil.

Trabalho de Conclusão da Disciplina História da Assistência a Infância no Brasil - apresentado ao Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana do Centro de Educação e Humanidades – Centro de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Coordenadora Profª. Drª. Esther Maria de Magalhães Arantes

Rio de JaneiroJaneiro

2008

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A HISTÓRIA DA DEFICIÊNCIA: tecendo a história da assistência a criança deficiente no Brasil.

Carolina de Matos Nogueira

INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é realizar um breve levantamento histórico da “História da

Assistência a Criança Deficiente no Brasil”, desde os primórdios até ao Brasil de hoje.

Objetivando compreender as formas de exclusão destas crianças pelas sociedades

daquela época.

Na história da humanidade, o deficiente sempre foi vitima de segregação, pois a

ênfase era na sua incapacidade física, e, em sua anormalidade. Até o século XV crianças

deformadas eram jogadas nos esgotos da Roma Antiga. Na Idade Média, deficientes

encontram abrigo nas igrejas, como o “Quasímodo” do livro o Corcunda de Notre

Dame, de Victor Hugo, que vivia isolado na Torre da Catedral de Paris. Na mesma

época os deficientes ganham uma função: Bobos da Corte. Martinho Lutero defendia

que deficientes mentais eram seres diabólicos que mereciam castigos para ser

purificados. Já, no século XVI a XIX, as pessoas com “Deficiência Físicas e Mentais”

continuam isoladas do resto da sociedade, mas agora em asilos, conventos e albergues.

Surge o primeiro hospital na Europa, mas todas as instituições dessa época não passam

de prisões sem tratamento especializado e nem programas educacionais com currículos

adaptados para esta clientela.

Neste sentido, este texto se propõe a ampliar os estudos deste período histórico

em relação a outras deficiências e todos os movimentos que surgem no século XX em

defesa da “Assistência a Criança Deficiente no Brasil”.

TECENDO A HISTÓRIA DA ASSITÊNCIA A CRIANÇA DEFICIENTE: o

contexto histórico.

Professora de Educaçao Física da APAE de Pará de Minas – MG; Especialista em Educação Física Escolar, Treinamento Esportivo, Personal Training e Educaçao Física Adaptada, Coordenadora Estadual da área de Educaçao Física, Desporto e Lazer da Federação das APAES do Estado de Minas Gerais e Gerente de Projetos na área de Educaçao Física, desporto e lazer da Federação Nacional das APAES, Professora colaboradora da Universidade de Itaúna - MG; Pesquisadora associada ao Núcleo de Pedagogia Institucional (NUPI) da UERJ e aluna especial do Programa de Mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ.

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Refletir a história implica em desfazer-se do costumeiro entendimento

relativizado de que todas as atitudes e formas de uma sociedade são espontaneamente

naturais, para compreendê-la enquanto produto de escolhas culturais que atendam as

necessidades dos homens, num determinado contexto, numa determinada época,

fundada no pressuposto de que o homem ao produzir sua vida, produz e satisfaz a cada

dia novas necessidades.

Sendo assim, na antiguidade as relações econômicas que definem a relação do

homem com a sua realidade eram representadas pela agricultura, pela pecuária e pelo

artesanato. A terra e o rebanho eram abundantes, de posse familiar, para os membros da

classe da nobreza. Os valores sociais eram atribuídos aos senhores, enquanto que aos

demais, não cabia atribuição de valor, contando com sua condição de subumanos.

A deficiência, nessa época, inexistia enquanto problema, sendo que as crianças

portadoras de deficiências1 imediatamente detectáveis, onde a atitude adotada era da

“exposição”, ou seja, ao abandono, ao relento, até a morte. (ARANHA, 1979;

PESSOTI; 1984).

Na idade média, a sociedade passa a se estruturar em “Feudos”, mantendo ainda

como atividade econômica a agricultura, a pecuária e o artesanato. Com o advento do

Cristianismo, a organização sócio-política da sociedade muda de configuração para

Nobreza, Clero (guardiões do conhecimento e dominadores das relações sociais) e

Servos, responsáveis pela produção. Pois o diferente não produtivo (deficiente) adquire,

nessa época, “status” humano e possuidor de uma alma. Assim a custodia e o cuidado

destas crianças ou até mesmo adultos deficientes passam a ser assumidas pela família e

pela igreja, apesar de não terem nenhuma organização na provisão do acolhimento,

proteção, treinamento e ou tratamento destas pessoas.

Neste contexto histórico são momentos importantes e que marcam a história da

assistência da criança deficiente, a “Inquisição Católica” e a “Reforma Protestante”.

Onde, as estruturas sociais eram definidas por leis divinas, sob domínio da Igreja

Católica, em que qualquer idéia ou pessoa que pudesse atentar a esta estrutura teria de

ser exterminada. A inquisição religiosa bem cumpriu seu papel, quando sacrificou como

hereges ou endemoniados milhares de pessoas, entre elas loucos, adivinhos, alucinados

e deficientes mentais.

1 O termo Portador de deficiência aparece aqui por causa da citação no texto, mas hoje em dia é correto falar pessoas com deficiência.

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Na “Reforma Luterana”, o tratamento dado aos imbecis, idiotas e loucos não se

diferencia muito da inquisição católica, eles permanecem com uma rigidez ética

carregada de culpa, porém com responsabilidade pessoal. “Nestes a concepção de

deficiência variou em função das noções teológicas de pecado e de expiação. A

explicação reside na visão pessimista do homem, entendido como uma besta demoníaca,

quando lhe vem a faltar à razão ou ajuda divina”. (PESSOTI, 1984, p.12).

Caracterizada como fenômeno metafísico e espiritual a deficiência foi atribuída

ora a desígnios, ora a possessão pelo demônio. Por uma razão ou por outra, a atitude

principal da sociedade com relação ao deficiente era a de intolerância e de punição,

representada por ações de aprisionamento, tortura, açoite e outros castigos severos.

Na idade moderna, o homem passa a ser entendido como animal racional, que

trabalha planejando e executando atividades para melhorar o mundo dos homens e

atingir a igualdade através da produção em maior quantidade. A apologia era o método

experimental. Valorizam-se a observação, a testagem, as hipóteses. Encaminham-se

esforços para descobrir as leis da natureza relegando-se a plano secundário as

discussões sobre as leis divinas.

Com o surgimento do método cientifico inicam-se estudos em torno das

tipologias e com elas a mentalidade classificatória na concepção das deficiências,

decorrentes do modelo médico, impregnadas de noções com forte caráter de patologia,

doença, mediação, tratamento....

“A fatalidade hereditária ou congênita assume o lugar da

danação divina, para efeito de prognóstico. A individualidade ou

irrecuperabilidade do idiota é o novo estigma, que vem substituir

o sentido expiatório e o propiciatório que a deficiência recebera

durante as negras décadas que atenderam a medicina, também

supersticiosa. O médico é o novo árbitro do destino do deficiente.

Ele julga, ele salva, ele condena.” (PESSOTI, 1984, p.68).

Na idade contemporânea, o problema crucial é o próprio homem na sociedade.

Não é o método de pensar dedutivo, não é a associação entre fé e razão, não é trabalho,

não é a técnica, mas sim o homem na sociedade o conteúdo central do questionamento

deste período. Com base nesta compreensão, as atitudes para com os deficientes se

modificam nesta nova sociedade, na medida em que vão sendo oferecidas oportunidades

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educacionais e de integração social até chegar aos dias atuais, em que sua integração se

efetiva ou está em vias de se concretizar. 2

Embora a fase clinico/assistencialista não possa ainda ser considerada como

passado, o presente vê crescer e se fortalecer ideais da ética contemporânea: integração

e direitos. O homem passa a ser pensado através das relações que mantém com outros

homens na sociedade.

Após este breve passeio sobre a história da assistência a criança com deficiência,

devemos pensar em como tais concepções históricas eram encaradas pelos intelectuais e

pela sociedade brasileira e qual era o seu comportamento.

A HISTORIA DA ASSISTÊNCIA A CRIANÇA DEFICIENTE: tecendo o

contexto brasileiro a partir do seu descobrimento.

Neste tópico, procuraremos contextualizar a historia da assistência à criança

deficiente no Brasil da época do descobrimento até o Brasil de hoje, tendo como pano

de fundo as questões do paradigma da inclusão social.

Em 1500, época do descobrimento do Brasil, já havia no Ocidente o

desenvolvimento da filosofia, da teologia e da ciência, que tornarem-se valores culturais

e atitudinais de pensar o homem como ser humano. Ao aportarem em terras brasileiras

os portugueses que traziam consigo tais valores, causam uma grande ruptura e um

grande desconforto para os povos indígenas, que sofreram com esta ruptura. Como

também, sua cultura, tradição e civilização a ponto de meados do século passado toda a

sua população quase serem extintas no Brasil.

Pois a nação indígena do Brasil era composta de diferentes povos, com

diferentes línguas e que até mesmo guerreavam entre si. E nós com nossa ignorância

não sabíamos que existia ou até ignorávamos a existência desta cultura. Mas nessa curva

de extermínio, nada mudou. Ao contrário, teve como reação a resistência, o suicídio, a

invasão de terras e assim por diante. Pois a terra, a mata, os animais, para o índio eram

sagrados. E o mais importante à liberdade de se andar por toda esta terra era de

fundamental importância para este povo.

Com o processo de colonização, toda essa civilização e sua cultura são

violentamente exterminadas. E, como conseqüência obrigadas a seguir e se adequar a

uma nova cultura, a uma nova religião.

2 Percebemos que neste momento histórico o que esta sendo descrito, é, o Paradigma da “Integração” e não o da “Inclusão”.

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Em 1549, chega ao Brasil o primeiro governo geral, a monarquia e com isso os

jesuítas, que são os dois poderes da época, um poder absolutista (pois a igreja sustentava

a monarquia e esta a igreja.). Os jesuítas tinham como característica o sistema militar e

logo se impuseram como um empreendimento comercial. Neste sentido, nossa

colonização foi de exploração e não de povoamento. A idéia principal, era vir para o

Brasil, ficar bastante ricos e voltar para Portugal. O poder era soberano, poder de vida e

morte, um poder de poder matar do que deixar viver. O rei mostrava e colocava o seu

poder na hora em que mandava executar e matar alguém. Qualquer infração era

considerada como lesa majestade e hoje como lesa sociedade.

“[...] A forma secreta e escrita do processo confere com o

princípio de que em matéria criminal o estabelecimento da

verdade era para o soberano e seus juízes um direito absoluto e

um poder exclusivo. [...] o rei quereria mostrar com isso que a”

força soberana” de que se origina o direito de punir não pode em

caso algum pertencer à multidão. [...] Diante da justiça do

soberano, todas as vozes devem-se calar”. (FOUCAULT, 1987,

p.32-33)

O condenado tinha que passar pelo suplício3, não tinha direito de defesa, de

falar, mas sim o direito de confessar e passar por um ritual que culminava com uma

produção de sofrimentos. “O suplício penal não corresponde” a qualquer punição

corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a

marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente a

exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle.

Nos “excessos” dos suplícios, se investe toda a economia do poder”. (FOUCAULT,

1987, p.32)

Neste sentido, Portugal não se interessou no primeiro momento pela

colonização. Mas, num segundo momento, aproveita da presença dos jesuítas para

realizar uma colonização em primeiro lugar para o Rei; em segundo lugar para a Igreja e

em terceiro para o povo do seu País. Imagina-se naquela época, que eles tinham a

verdade como absoluta, e os índios como não tinham nem lei, nem rei, já não eram

considerados. Mas, vistos sim, como selvagens e não civilizados, neste caso ou

3 Suplício significa: dura punição corporal, imposta ou não por uma sentença; Pena de morte, ou ainda, Pessoa ou coisa que aflige muito; tortura (Mini Dicionário Escolar de Língua Portuguesa- Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).

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tornavam-se seus inimigos, ou seus escravos. Os índios eram julgados como seres

inferiores, o pressuposto difundido por eles era o da desigualdade.

Nesta época a configuração familiar portuguesa era a seguinte: o Pater tinha sua

família, mulher e filhos quem violasse contra estes ele matava só que ele tinha o direito

de vida. Sem dúvida algo dos suplícios prevaleceu, por algum tempo, na França, a

sobriedade das execuções. Os parricidas4 - e os Regícidas5, a eles assemelhados – eram

conduzidos ao cadafalso6, coberto por um véu negro, onde, até 1832, lhes cortavam a

mão. Assim, restou apenas o ornamento do crepe7, tal como aconteceu.....”

(FOUCAULT, 1987, p.16)

Neste contexto não se encontra o pressuposto da igualdade, e nem do termo

criança e sim o filho de família, a criança legítima de legitimo casamento, onde a única

forma legitima de união era o casamento e não se aceitava outro tipo. O casamento era

considerado como indissolúvel (até os dias de hoje a Doutrina Cristã considera o

casamento como indissolúvel), a honra da família, a virgindade dos filhos (filhos

legítimos; de legitimo matrimonio) e isso só foi abolido na constituição de 1988, onde o

pai pode registrar o filho que não era de seu casamento.

O pai tinha direito de vida e morte de seu filho e a igreja não poderia interferir,

até mesmo quando se indicasse a filha ou filho para o casamento. Assim, a educação

que começava a ser valorizada não tinha tanta importância para os pais, pois eles não

deixavam seus filhos irem para a escola, consequentemente o Estado não tinha como

interferir.

Neste contexto entra em cena o “Exposto”, que não era o órfão, ele apenas não

era acolhido pela família e sim depositado no banco da praça, na roda e não se falava de

abandonado (termo que começa a ser usado recentemente), mas, sim, em enjeitado pela

família e não acolhido. Pois a igreja via como solução, tal enjeitamento, para não dar

direito ao aborto. Ela preferia que a criança não fosse morta e achou um jeito, através de

suas casas e propriedades que estas crianças fossem deixadas nesses locais nos quais a

igreja estava presente achando uma maneira de dar solução para o problema. Mesmo

que a criança fosse achada num banco, por exemplo, quase morrendo, ou já, morta ela

ainda, assim, era batizada, pois o importante, na missão da igreja era salvar a sua alma.

4 Parricidas – quem comete parricídio; Parricídio – assassinato do próprio pai.5 Regícidas – quem prática regicídio; Regicídio – assassinato do Rei ou Rainha.6 Cadafalso – Patíbulo; Patíbulo – estrado ou lugar onde os condenados sofrem pena capital.7 Crepe – Tecido fino em geral transparente; fita ou tecido negro usado em sinal de luto.

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Em 1730, em Vila Rica, havia a irmandade de Santa'Ana, que previa no artigo 2º

de seu estatuto “uma casa de expostos e outro para desvalidos” (SOUZA, 1995, p.29),

surgida para cuidar de órfãos e crianças abandonadas. Neste sentido, as Santas Casas de

Misericórdia. Seguindo a tradição européia transmitida por Portugal, que atendiam

pobres e doentes, devem ter exercido importante papel. Surgiram no Brasil desde o

século XVI, em Santos (1543), Salvador (1549), Rio de Janeiro (1552), Espírito Santo

(provavelmente em 1554), São Paulo (provavelmente em 1599), Olinda e Ilhéus (1560),

Porto Seguro (também fins do séc.XVI), Sergipe e Paraíba (1604), Itamaracá (1611),

Belém (1610), Iguaçu (1629) e Maranhão (data incerta, primeiras referencias do Padre

Vieira em 1655), (MESGRAVIS, 1976, p.38)

A Santa Casa de Misericórdia cuidava também do hospital, da casa dos expostos

e do hospício. As pessoas achavam que quando as crianças eram expostas que os padres

e madres tratariam e educariam-nas da melhor forma possível. (O que observamos neste

funcionamento da Santa Casa é o surgimento de uma classificação destas crianças,

como: Oblato – crianças largadas e que eram entregues para uma determinada ordem

religiosa); Órfão de Si – órfão que ocupavam legitimamente o número, que se referia a

criança de direito; Agregados – órfãos de escravos que lá estavam; Órfão Extra

Numerário – que estava à espera de um número; Órfão Pelo Amor de Deus – que não

tinham número algum e estavam esperando um número; Pensionista – alguém que

pagava para manter a criança lá, esta classe existia, pois havia as pessoas que pagavam

para criação desses órfãos.

Com a criação das “Rodas dos Expostos”, a primeira em salvador, em 1726; a

segunda no Rio de Janeiro, em 1738; e terceira em São Paulo, no ano de 1825, e a Lei

de 1828. Ordenando tal iniciativa as províncias, este processo poderia ter facilitado a

entrada de crianças com alguma anomalia, ou cujos responsáveis não os desejavam ou

estavam impossibilitados de criá-los, por vários motivos. Em meados do século XIX,

algumas províncias mandaram vir religiosas para a administração e educação dessas

crianças: irmãs de caridade de São Vicente de Paula, religiosas de Dorotéia, Filhas de

Santana, Franciscanas de caridade (MORAES, 2000). Assim, havia possibilidade de

não só serem alimentadas como também de até receberem educação.

No primeiro relatório sobre a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo,

Francisco Martins de Almeida (TYP. de JORGE SUCLER, São Paulo, 2ª ed. 1909,

p.23. In. MESGRAVIS, 1976, p.184). Escreveram: “ignoto como se havia a Santa

Casa com seus órfãos”. “Pode se supor que muitas dessas crianças traziam defeitos

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físicos ou mentais, porquanto as crônicas da época revelavam que eram abandonadas

em lugares assediados por bichos que muitas vezes as mutilavam ou matavam”. O

abandono da infância tem sido procedimento antigo entre nós, tanto que já no final do

século XVII, há pedido de providencias ao rei de Portugal feito pelo Governador da

Província do Rio de Janeiro, Antonio Paes de Sândi, “contra atos desumanos de

abandonar crianças pelas ruas, onde eram comidas por cães, mortas de frio, fome e

sede”. (MARCÍLIO, 1997, p.59).

Em 1913, Basílio de Magalhães escrevia que no século XIX, “por nenhum dos

meios usuais de comunicação de pensamento não se cuidou em nossa pátria, da infância

degenerada, quer atingida por “anomalias” lesionais do cérebro, quer da combalia por

anomalias ou traumas menos graves (MAGALHAES, 1913, p.11)”. “[...] No entanto, a

sociedade de então já se protegia juridicamente do adulto deficiente na constituição de

1824 (Titulo II, artigo 8º, item 1º). Privando do direito político o incapacitado físico ou

moral.” (BARCELLOS, 1933). E o atendimento ao deficiente, provavelmente, inicou-

se através das “Câmaras Municipais” ou das “Confrarias Particulares”.

Em 1808, com a vinda de D. João VI, ou seja, da Família Real, o Brasil Colonial

teve que receber toda a corte (imagina as colônias recebendo a corte em seus bordeis e

assim por diante) para que essa corte se instalasse, foi quebrado o Paradigma Colonial,

ou seja, o Brasil Colônia, já não existia. Estas transformações se dão com abertura dos

Portos, a Criação da Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro, a de Direito em São

Paulo, a criação da Biblioteca Nacional, Banco do Brasil, e, etc. Consequentemente

começa um processo de urbanização, uma modernidade que vai de 1500 a 1808.

No Brasil colônia, não existe o conceito sobre criança e muito menos sobre a

assistência a criança com deficiência. Não existia criança e sim tipos de criança, filho de

família legitima e filho de legitimo matrimonio. E, mais a literatura só comentava sobre

órfãos meninos, e as meninas? Onde estavam? Foi aí que já no Segundo Império que D.

Pedro II, resolveu fazer o recolhimento pelas desvalidas (meninas que ficavam órfãs e

não tinha para onde ir). Como não existia nessa época o direito a saúde, a moradia e etc.

Ficavam-se especulando as causas pelas mortes dos órfãos, tais como peste, epidemias,

mães de leite que não cuidavam direito e assim por diante. O que existia nessa época era

o direito a esmola que lhe eram dadas, o sistema caritativo predominava, por exemplo

todo imposto que fosse recolhido a mais, era repassado para a igreja, como também

existiam as doações.

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A partir de um determinado momento começa a se fazer estatísticas da Casa da

Roda, onde eles tinham que justificar o número de crianças de acordo com a verba

recebida para aquela instituição. Em determinado momento o índice de mortalidade era

de 90%, com isso a qualidade do atendimento destas casas tinham que começar a

melhorar, mas para que isso acontecesse foram realizadas diversas experimentações em

cima da alimentação: caldinho, mamadeira, amas de leite e etc. A Casa da Roda era só

para criancinhas, pois quando estas voltavam, por volta dos 4 anos de idade eram

encaminhadas para outros lugares.

Ao nos propormos a contextualizar a história da assistência à criança com

deficiência, tendo como pano de fundo as questões da inclusão desta criança na

sociedade do Brasil Colônia, percebemos que ela é relegada completamente ao 2º plano,

pois como vimos, no Brasil Colônia nem sequer o conceito de criança existia,

principalmente o da criança com deficiência, o que se tem na realidade é algumas

descrições de crianças (adultos) que apresentavam alguma anomalia cerebral, ou doença

mental, não existia uma política de atendimento e nem de tratamento destas crianças.

O que nos cabe questionar após este breve passeio sobre a história da assistência

a criança com deficiência no Brasil Colonial, é como esta sendo encarada estas questões

no Brasil do século XX? Quais foram as mudanças em relação a estas crianças? Como

elas são vistas hoje? Quais são as políticas que envolvem a compreensão e o tratamento

destas crianças com deficiências? Em que pé está a história da assistência a criança com

deficiência no Brasil do século XX?

No século XX, os Portadores de deficiências passam a ser vistos como cidadãos

com direitos e deveres de participação na sociedade, mas sob uma ótica assistencial e

caritativa. A primeira diretriz política dessa nova visão aparece em 1948 com a

Declaração Universal dos direitos Humanos. “Todo ser Humano tem direito a

educação”. Nos anos 60, pais e parentes de pessoas deficientes organizam-se. Surgem as

primeiras criticas a segregação. Teóricos defendem a normalização, ou seja, a

adequação do deficiente a sociedade para permitir sua integração. A Educação Especial

no Brasil aparece pela primeira vez na LDB 4.024, de 1961. a lei aponta que a educação

dos excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação.

Já, nos anos 70, os Estados Unidos avançam nas pesquisas e teorias de inclusão para

proporcionar condições melhores de vida aos mutilados da Guerra do Vietnã. A

Educação Inclusiva tem inicio naquele país via Lei 94.142, de 1975, que estabelece a

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modificação dos currículos e a criação de uma rede de informações entre escolas

bibliotecas, hospitais e clinicas.

Em 1978, pela primeira vez, uma emenda a Constituição brasileira trata do

direito da pessoa deficiente: “É assegurada aos deficientes à melhoria de sua condição

social e econômica especialmente mediante educaçao especial e gratuita”.

Nos anos 80 e 90, declarações e tratados passam a defender a inclusão em larga

escala. Em 1985, a Assembléia Geral das Nações Unidas lança o Programa de Ação

Mundial para Pessoas Deficientes, que recomenda: “Quando for pedagogicamente

factível, o ensino de pessoas deficientes deve acontecer dentro do sistema escolar

normal”. Em 1988, no Brasil, o interesse pelo assunto é provocado pelo debate antes e

depois da Constituinte. A nova Constituição, promulgada em 1988, garante atendimento

aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Já, em 1989,

a Lei Federal 7.853, no item da Educação, prevê a oferta obrigatória e gratuita da

Educação Especial em estabelecimentos públicos de ensino e prevê crime punível com

reclusão de um a quatro anos e multa para os dirigentes de ensino público ou particular

que recusarem e suspenderem, sem justa causa, a matrícula de um aluno.

No ano de 1990, a Conferencia Mundial sobre Educação para Todos, realizada

em março na cidade de Jomtien, na Tailândia, prevê que as necessidades educacionais

básicas sejam oferecidas para todos (mulheres, camponeses, refugiados, negros, índios,

presos e deficientes) pela universalização do acesso, promoção da igualdade, ampliação

dos meios e conteúdos da Educação Básica e melhoria do ambiente de estudo. O Brasil

aprova o Estatuto da Criança e do Adolescente, que reitera os direitos garantidos na

Constituição: atendimento educacional especializado para portadores de deficiência

preferencialmente na rede regular de ensino. Em 1994, mas precisamente em junho do

referido ano, dirigentes de mais de oitenta países se reúnem na Espanha e assinam a

Declaração de Salamanca, um dos mais importantes documentos de compromisso de

garantia de direitos educacionais. Ela proclama as escolas regulares inclusivas como

meio mais eficaz de combate à discriminação. E determina que as escolas devem

acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais,

sociais, emocionais ou lingüísticas. E, em 1996, fechando este ciclo de propostas e

desenvolvimento que a Educaçao Especial ou mais precisamente que a história da

assistência à infância conquistou. Vem a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases, nº

9.394, que se ajusta a legislação federal e aponta que a educação dos portadores de

necessidades especiais deve dar-se preferencialmente na rede regular de ensino.

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Neste Sentido, Reconhecemos que trabalhar com classes heterogêneas que

acolhem todas as diferenças traz inúmeros benefícios ao desenvolvimento das crianças

deficientes e também as não deficientes, na medida em que estas têm a oportunidade de

vivenciar a importância do valor da troca e da cooperação nas interações humanas.

Portanto, para que as diferenças sejam respeitadas e se aprenda a viver na diversidade, é

necessário uma nova concepção de escola, de aluno, de ensinar e de aprender.

(MIRANDA, 2003)

Assim, a efetivação de uma prática educacional inclusiva não será garantida por

meio de leis, decretos ou portarias que obriguem as escolas regulares a aceitarem os

alunos com necessidades especiais, ou seja, apenas a presença física do aluno deficiente

mental na classe regular não é garantia de inclusão, mas sim que a escola esteja

preparada para dar conta de trabalhar com os alunos que chegam até ela,

independentemente de suas diferenças ou características individuais. (MIRANDA,

2003)

Portanto, a literatura evidencia que no cotidiano da escola os alunos com

necessidades educacionais especiais inseridos nas salas de aulas regulares vivem uma

situação de experiência escolar precária ficando quase sempre à margem dos

acontecimentos e das atividades em classe, porque muito pouco de especial é realizado

em relação às características de sua diferença. (MIRANDA, 2003)

Enfim, as questões teóricas do processo de inclusão têm sido amplamente

discutidas por estudiosos e pesquisadores da área de Educação Especial, no entanto

pouco se tem feito no sentido de sua aplicação prática. O como incluir tem se

constituído a maior preocupação de pais, professores e estudiosos, considerando que a

inclusão só se efetivará se ocorrerem transformações estruturais no sistema educacional.

(MIRANDA, 2003).

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CONCLUSAO

Hoje o movimento de assistência à criança com deficiência é uma realidade,

muitos foram os movimentos como descritos acima que lutaram pelo direito da Pessoa

Deficiente, muitas foram às conquistas e as derrotas. E muito, ainda, há para se fazer,

lutar, conquistar, recuar, perder e assim por diante, o que não podemos, é, perder de

vista o conceito do “Sujeito Histórico” e das “Relações Sociais” que ele estabelece com

o seus pares, seja deficiente (crianças, jovens, adultos ou idosos), sejam as minorias e

assim por diante. O Movimento de Inclusão é muito mais abrangente do que

imaginamos, pois neste paradigma estão inseridos as minorias e seus pares. A

deficiência, ou melhor, a História da Assistência à Criança com Deficiência é só um

pequeno recorte, neste amplo pano de fundo que é a Inclusão Social.

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REFERENCIAS

ARANHA, M.S.F. Integração Social do Deficiente: Análise Conceitual e Metodológica.

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