História da Educação - RHE - n. 19

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ASSOCIAÇÃO SUL-RIO-GRANDENSE DE PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NÚMERO 19 Abril – 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe SEMESTRAL História da Educação Pelotas n. 19 p. 1-310 Abril 2006

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Volume completo do n. 19 da revista História da Educação - RHE.

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ASSOCIAÇÃO SUL-RIO-GRANDENSE DE PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

NÚMERO 19 Abril – 2006

Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe SEMESTRAL História da Educação Pelotas n. 19 p. 1-310 Abril 2006

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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

ASPHE Presidente: Maria Helena Câmara Bastos

Vice-Presidente: Maria Stephanou Secretário: Claudemir de Quadros

Conselho Editorial Nacional Dra. Denice Cattani (USP) Dr. Dermeval Saviani (UNICAMP) Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara (UFPel) Dr. Jorge Luiz da Cunha (UFSM) Dr. José Gonçalves Gondra (UERJ) Dr. Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG) Dr. Lúcio Kreutz (UNISINOS) Dr. Maria Teresa Santos Cunha (UDESC) Dra. Maria Helena Bastos (PUCRS) Dra. Marta Maria de Araújo (UFRGN)

Conselho Editorial Internacional Dr. Alain Choppin (INRP, França) Dr. Antonio Castillo Gómez (Univer. de Alcalá – Espanha) Dr. Luís Miguel Carvalho (Univer. Técnica de Lisboa) Dr. Rogério Fernandes (Univer. de Lisboa)

Comissão Executiva Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara Profa. Dra. Eliane Teresinha Peres

Consultores Ad-hoc Dra Giana Lange do Amaral Dr. José Fernando Kielling Dr. Jorge Luis da Cunha Dra. Beatriz Daudt Fischer

Editoração eletrônica e arte final da capa Flávia Guidotti [email protected]

Imagem da capa Johannes Verneer. Mulher em Azul - 1662. Rijksmuseum, Amsterdã.

História da Educação Número avulso: R$ 15,00 Single Number: U$ 10,00 (postage included).

História da Educação / ASPHE (Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação) FaE/UFPel. n. 19 (Abril 2006) - Pelotas: ASPHE - Semestral. ISSN 1414-3518 v. 1 n. 1 Abril, 1997 1. História da Educação - periódico I. ASPHE/FaE/UFPel

CDD: 370-5

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Sumário

Apresentação ............................................................................................ 5

Um exemplo de pesquisa sobre a história de uma disciplina escolar: a História ensinada no século XVI

Annie Bruter; Tradução de Maria Helena Camara Bastos ...................... 7

Igreja, religião e ensino elementar antes das leis de laicização européias: um reexame crítico de suas relações

Pierre Caspard; Tradução de Maria Helena Camara Bastos................. 23

Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896-1934): hegemonia política na construção da universidade

Marília Costa Morosini; Maria Estela Dal Pai Franco ......................... 39

Educação, Religião e República: repercussões dos debates entre Católicos e Republicanos no Triângulo Mineiro-MG (1892 -1931)

Carlos Henrique de Carvalho; Wenceslau Gonçalves Neto ................... 59

Leituras de anarquistas brasileiros na primeira década do século XX

Dagoberto Buim Arena........................................................................ 89

Caubóis e Caipiras. Os land grant colleges e a Escola Superior de Agricultura de Viçosa

Maria das Graças M. Ribeiro ............................................................ 105

A fotografia e a pesquisa em História da Educação: elementos para a construção de uma metodologia

Elisa dos Santos Vanti ....................................................................... 121

O conceito "Exclusão" na literatura educacional brasileira: os primeiros 25 an os (1974-1999)

Avelino da Rosa Oliveira ................................................................... 131

Resenha ................................................................................................ 161

Alfa betto: Autobiografia Escolar de Frei Betto

Gilse H. M. Fortes............................................................................. 163

Parte II.................................................................................................. 167

Apresentação ........................................................................................ 169

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A disciplina História da Educação na formação de professores: desafios contemporâneos

Clarice Nunes ................................................................................... 173

A Disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1942 -2002)

Maria Helena Camara Bastos; Fernanda de Bastani Busnello; Elizandra Ambrosio Lemos ................................................................ 181

Aspectos da trajetória da disciplina História da Educação no curso de Pedagogia do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria: temas clássicos e ordem cronológica

Claudemir de Quadros ...................................................................... 213

A disciplina de História da Educação na Faculdade e no Centro Universitário La Salle

Miguel Alfredo Orth .......................................................................... 229

O Ensino de História da Educação na UNIJUI

Anna Rosa Fontella Santiago............................................................. 243

A História da Educação no curso de pedagogia da Universidade de Passo Fundo: aportes na história recente em busca de novas perspectivas

Rosimar Serena Siqueira Esquinsani .................................................. 253

Historia da Educação e a formaçã o do professor na UNISINOS

Flávia Obino Corrêa Werle; Berenice Corsetti ................................... 263

Apontamentos sobre a disciplina História da Educação na Universidade da Região da Campanha – URCAMP (1959-2001)

Regina Quintanilha Azevedo; Clarisse Ismério; Marilene Vaz Silveira ............................................................................................. 275

O ensino de História da Educação na História da Faculdade de Educação da UFRGS: primeiras aproximações

Maria Stephanou............................................................................... 293

História da Educação no Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pelotas

Elomar Tambara ............................................................................... 301

Orientações aos colaboradores............................................................... 309

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 5, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Apresentação

Este número da revista “História da Educação” reveste-se de um significado especial pois representa uma homenagem à Associação Sul-Rio-Grandense de História da Educação no momento em que a mesma completa 10 anos de existência. Esta associação é a mantenedora deste periódico, e com denodo e muito sacrifício tem conseguido manter seu alto padrão de qualidade, atestado, fundamentalmente pela qualidade dos artigos nela publicados.

Neste número mais uma vez, temos o prazer de apresentar trabalhos de investigadores caracterizados como de excelência tanto em nível nacional como internacional. De modo que somos gratos a todos que colaboraram com seus textos para este número e esperamos ter suas contribuições em outras edições desta revista.

Neste número, em substituição ao tradicional “documento’ que publicamos em todos os números anteriores estamos publicando um dossiê sobre o ensino de história da educação nos cursos de pedagogia no Rio Grande do Sul. Estes trabalhos foram, em sua maioria, apresentados no XI Encontro Sul-Rio Grandense de Pesquisadores em História da Educação realizado na Unisinos em S. Leopoldo.

Temos a convicção que a leitura desta revista será de muito proveito a nossos associados, assinantes e ao público interessado em história da educação.

A comissão executiva

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 7-21, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Um exemplo de pesquisa sobre a história de uma disciplina escolar: a História ensinada no século XVII1

Annie Bruter Tradução de Maria Helena Camara Bastos

Resumo

Partindo de uma breve análise das condições, nas quais se estabeleceram as visões (divergentes) do surgimento da disciplina escolar « história », em curso hoje na historiografia francesa, este artigo propõe-se recolocar a questão na longa duração, remontando os colégios de humanidades do Antigo Regime, mostrando que a própria noção de «disciplina escolar » não é pertinente para descrever seu ensino, analisando certas transformações (sócio-políticas, técnicas, culturais...) que conduziram a constituição da história como matéria autônoma de ensino para as elites no fim do século XVII.

Palavras-chave: História; Ensino; Século XVII.

Resumée

Partant d’une brève analyse des conditions dans lesquelles se sont mises en place les visions (divergentes) de l’apparition de la discipline scolaire « histoire » qui ont cours aujourd’hui dans l’historiographie française, cet article se propose de replacer la question dans la longue durée en remontant aux collèges d’humanités de l’Ancien Régime et en montrant que la notion même de « discipline scolaire » n’est pas pertinente pour décrire leur enseignement, puis en survolant certaines des transformations (socio-politiques, techniques, culturelles…) qui ont abouti à la constitution de l’histoire en matière autonome d’enseignement pour les élites à la fin du XVIIe siècle.

Mots-clés: Histoire; enseignement; XVIIe siècle.

1 Título em francês: “Un exemple de recherche sur l’histoire d’une discipline scolaire: l’histoire enseignee au XVIIe siècle”. Especialmente escrito para ser publicado no Brasil.

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A idéia de que os conhecimentos de qualquer ordem que nós dispomos são o resultado de uma construção humana - não o fruto de uma revelação ou de uma reminiscência - é atualmente amplamente admitida, pelo menos entre os pesquisadores que produzem esses conhecimentos; a idéia de que as disciplinas escolares pelas quais esses conhecimentos chegam às jovens gerações são também o produto de um trabalho coletivo, de um conjunto de atores do sistema educativo, que tem dificuldade em conquistar o direito de cidadão na França. Freqüentemente, vistos como cópias das ciências eruditas mais ou menos simplificadas para serem usados pelos alunos, as disciplinas escolares não foram por muito tempo apreendidas pelos historiadores do ensino senão de maneira teleológica, em função das teorias científicas e das concepções pedagógicas que eram as da sua época. É principalmente o caso dos historiadores que tiveram uma grande influência na França no início da IIIª República - época de importantes reformas no ensino em todos os níveis (primário, secundário e superior), como de Gabriel Compayré2 e de Émile Durkheim3: tratava-se bem mais de dar uma genealogia à nova pedagogia que desejavam implantar do que restituir seu sentido original às práticas de ensino do passado, das quais desejavam precisamente se descartar. Ora, a seus trabalhos a história do ensino por muito tempo permaneceu tributária na França no século XX.

O ensino da história encontrava-se em uma posição absolutamente especial como objeto historiográfico: por ser considerado instrumento essencial de formação patriótica e cívica na pedagogia dessa época, só podia voltar-se ao seu passado celebrando sua própria instauração, rejeitando nas trevas do atraso mental as instituições de ensino que não lhe atribuíram o lugar de destaque que devia, segundo ele, ser o seu. No âmbito da rivalidade entre ensino laico e ensino confessional - que marcou profundamente, como já sabemos, a vida política e científica do início da IIIª República -, a questão histórica a ser resolvida era, portanto, saber se o ensino da história tinha nascido nos colégios do Antigo Regime - essencialmente controlados pela Igreja4 - ou nos estabelecimentos

2 Gabriel Compayré, Histoire critique des doctrines de l’éducation en France depuis le XVIe siècle, Paris, Hachette, 1879, 2 vol. in-8°. 3 Émile Durkheim, L’Évolution pédagogique en France (avec une introduction de M. Halbwachs), Paris, Presses universitaires de France, 1938, 2e éd. 1969, 403 p. (curso sobre história do ensino na França proferido por Durkheim na Sorbonne em 1904-1905 e reprisado nos anos seguintes até a guerra). 4 É a tese defendida pelos historiadores das grandes ordens dedicadas ao ensino Oratorianos ou Companhia de Jesus: Paul Lallemand, Histoire de l’éducation dans l’ancien Oratoire de France, 1888, réimp. Genève, Slatkine – Megariotis Reprints, 1976, 474 p.; François de Dainville, La Naissance de l’humanisme moderne, 1940, réimp. Genève, Slatkine Reprints,

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originários da Revolução Francesa (escolas centrais, liceus). Semelhante questão, sobre a qual muito se escreveu, não podia chegar a nenhuma conclusão. Os materiais disponíveis são de fato interpretados de diversas maneiras: se definirmos o ensino de história que se tem provando que a história está presente, e mesmo superabundante, nos colégios do Antigo Regime, se definirmos essa disciplina como conjunto de conteúdos, eles demonstram ao contrário, que ela não existia se tivermos uma concepção administrativa da disciplina escolar como entidade regida por disposições regulamentares (um programa, exames, horários, etc.). Um outro fator de incerteza para a interpretação da documentação: durante muito tempo, houve a falta de atenção às especificidades dos colégios do Antigo Regime, como se esses fossem, conforme a uma norma geral, semelhante àquela que, pouco a pouco, se impôs nos estabelecimentos públicos do século XIX. Enquanto em alguns colégios, justapunham-se uma estrutura propriamente escolar; isto é, um conjunto de classes que correspondiam às normas de um plano de estudos, e um pensionato que funciona de maneira bem mais flexível, vindo de encontro aos desejos das famílias; completando-se, assim, a formação dada nas classes através de ensinos especiais5. Ora, no quadro desses ensinos, de certa forma particulares, se desenvolveu uma pedagogia da história prenúncios da de hoje.

Na história do ensino na França, portanto, a renovação da problemática que aconteceu no fim do século XX – outra época de perturbações profundas do sistema educativo francês – transformou os termos da questão de duas maneiras diferentes. De uma lado, foi colocado o problema do papel social desempenhado pelos estabelecimentos escolares (seguindo o exemplo da sociologia crítica da educação, que se desenvolve nos anos 1960), diversos estudos revelaram a coexistência, por muito tempo ocultada, de diferentes tipos de educação em certos estabelecimentos do Antigo Regime, em particular nos que reuniam um colégio de prestígio e um pensionato aristocrático6 - como La Flèche e Louis-le-Grand no que diz respeito aos estabelecimentos jesuíticos, Juilly e Vendôme para os que eram

1969, XX-390 p.; du même, « L’enseignement de l’histoire et de la géographie et le “Ratio studiorum” » (1954), art. repris dans François de Dainville (Marie-Madeleine Compère éd.), L’Éducation des jésuites, Paris, Les Éditions de Minuit, rééd. 1991, pp. 427 – 454 5 Mark Motley, Becoming a French Aristocrat. The Education of the Court Nobility, 1580 – 1715, Princeton, Princeton University Press, 1990, X – 241 p. 6 Duas sínteses sobre esse tema: Marie-Madeleine Compère, Du Collège au lycée (1500 – 1850). Généalogie de l’enseignement secondaire français, Paris, Gallimard/Julliard, 1985, coll. « Archives », 286 p.; Dominique Julia, Huguette Bertrand, Serge Bonin, Alexandra Laclau, Atlas de la Révolution française. 2. L’enseignement, 1760 – 1815, Paris, Editions de l’Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, 1987, 105 p.

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mantidos pelos oratorianos. Por outro lado, alguns trabalhos levantaram o problema da historicidade das próprias disciplinas. Redefinindo-as como produções coletivas das instituições de ensino (e não mais como reflexo simplificado de conhecimentos), André Chervel pode assim mostrar, em um artigo pioneiro7, que a própria noção de disciplina escolar é uma noção recente, que apareceu precisamente ao mesmo tempo em que as reformas de ensino que foram implementadas na virada do século XIX-XX. Essa reformulação permitiu relançar a questão da história do ensino histórico em novos termos e perguntar não somente em que momento apareceu um ensino de história semelhante ao de hoje, mas também em que consistiam a história e seu ensino antes desse momento.

Essa questão foi objeto de uma pesquisa empreendida, em primeiro lugar, no contexto de uma tese de didática da história8, retomada em uma jornada de estudos sobre o ensino das humanidades clássicas, organizada por André Chervel e Marie-Madeleine Compère no Service d’histoire de l’éducation do INRP9 -esse estudo resultou em uma obra sobre a história ensinada no século XVII10. Embasada em materiais diversos, compreende tanto os planos de estudos em vigor e os exemplos de “lições-modelos” propostos aos professores na época, quanto tratados sobre a educação e os resumos de história utilizados para fins pedagógicos (condição atestada por testemunhos da época e a confusão seguidamente feita entre os resumos do Antigo Regime e os “manuais” de hoje era de natureza a deturpar a interpretação do material documental). O campo geográfico abarcado é a França, não por desinteresse pela comparação nesse domínio, mas porque as fontes mais facilmente acessíveis, no contexto de uma pesquisa necessariamente limitada no tempo, são as fontes francesas.

Sem retroceder ao aspecto historiográfico da questão, tentaremos resumir aqui os principais resultados dessa pesquisa, centrando-nos em dois pontos: o caráter “não-disciplinar” do ensino dos colégios do Antigo Regime e a maneira pela qual a história era ali tratada; a evolução dos “usos” da história no século XVII e, conseqüentemente, o aparecimento de

7 André Chervel, « L’histoire des disciplines scolaires: réflexions sur un domaine de recherche », Histoire de l’éducation n° 38, Paris, INRP, mai 1988, pp. 59 – 119; repris in André Chervel, La Culture scolaire, Paris, Belin, 1998, pp. 9 – 56. 8 Annie Bruter, Les Paradigmes pédagogiques. Recherches sur l’enseignement de l’histoire au XVIIe siècle (1600 – 1680), Université Paris VII, décembre 1993, 426 p. 9 Uma parte das comunicações apresentadas durante essa jornada foram publicadas no número temático Les Humanités classiques, Histoire de l’éducation n° 74, Paris, INRP, mai 1997, 253 p. 10 Annie Bruter, L’Histoire enseignée au Grand Siècle. Naissance d’une pédagogie, Paris, Belin, 1997, 237 p.

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novas práticas de ensino dessa matéria. Em síntese, se tentará construir um ensaio para contribuir a uma reflexão sobre o processo de longa duração – ou seja, a constituição de um campo de saber em disciplina escolar.

A História em um ensino “não-disciplinar”

A própria natureza do material documental legado pelas práticas escolares do século XVII – planos de estudos, lições-modelos e obras pedagógicas – e a impossibilidade de interpretá-lo através das categorias regulamentares pelas quais definimos hoje a disciplina escolar (horários, programas, etc.) orientou a pesquisa em uma primeira etapa: antes de qualquer tentativa de apreensão do lugar da história propriamente dita, no ensino dos colégios, é preciso esclarecer os princípios e os fins desse ensino, que não havia nenhum motivo a priori de supor idênticos aos de hoje.

Se o século XVII (ao menos na primeira metade) é realmente uma época de vigoroso crescimento escolar, que viu a expansão dos colégios humanistas iniciada no século precedente11, a demanda educativa a qual atendiam essas instituições se distinguia em diversos pontos das de hoje. Retomando a si a ambição integradora, a da retórica antiga12, os estudos humanistas pretendiam conciliar em uma mesma visão três finalidades que nos acostumamos a separar claramente: uma finalidade prática de domínio da linguagem, uma finalidade cognitiva de aquisição de conhecimentos, uma finalidade religiosa de acesso à ciência e à virtude. São esses três objetivos que encontramos simultaneamente presentes no programa de estudos, inteiramente constituído de textos vindos da Antigüidade, como nos procedimentos de ensino: tratava-se, antes de mais nada, de levar os alunos a exprimirem-se através de inúmeros exercícios, orais ou escritos. Esse treinamento intensivo, fundado no estudo de textos-modelos propostos à imitação, visava assegurar o domínio das línguas antigas (ou, em todo caso, do latim; a voga do grego no século XVI não continuou no século seguinte) ao mesmo tempo em que assegurava o das técnicas – retórica e filologia – que tornavam os alunos eloqüentes e capazes de ascender ao saber: esse era, de fato, criado como corpus textual, seja ele profano, textos antigos, ou de livros sagrados. Atendendo ao mesmo tempo às necessidades da Igreja da Contra-reforma, que procurava formar 11 Cf. Marie-Madeleine Compère, Du Collège au lycée…, op. cit. 12 Sobre essa questão, ver Marc Fumaroli, L’Âge de l’éloquence. Rhétorique et « res literaria » de la Renaissance au seuil de l’époque classique, Genève, Droz, 1980, 882 p.

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pregadores, e às necessidades dos príncipes para os quais se recrutava o aparelho administrativo, necessitando de homens aptos a manejar a linguagem. Esse programa de estudos foi apoiado pelas autoridades da época, laico e eclesiástico, e adotada pelos indivíduos ou grupos que aspiravam fazer carreira, na Igreja ou no Estado.

Constatamos que o nosso regime epistemológico é muito estranho, busca suas raízes na Antigüidade, que sustenta tal concepção de ensino – a qual recorria, explicitamente a dois grandes professores antigos, Cícero e Quintiliano. Fundada sobre o primado da língua (instrumento de poder e meio de comunicação entre Deus e os homens) e sobre o respeito da escrita (pelo qual as palavras inaugurais, as da Revelação, foram transmitidas desde a criação do mundo), essa epistemologia considera o saber como um dado a ser decifrado, o acesso ao conhecimento como um ato de leitura13. Por isso, a necessidade dessa etapa preliminar para chegar ao conhecimento que era o estudo das línguas e dos textos antigos: o ensino das humanidades.

Por sua pretensão integradora – formar o vir bonus dicendi peritus, homem de bem que sabe falar – assim como pelo lugar central que dava aos textos, tal ensino só podia ser “não-disciplinar”. A explicação dos textos antigos, ponto de partida das aprendizagens, necessitava realmente recorrer a conhecimentos de ordem muito diversas – gramaticais e filológicos, mas também geográficos, históricos, etinológicos, até mesmo botânicos, zoológicos ou mineralógicos – ao mesmo tempo que a capacidade de ressaltar as sentenças e máximas de ordem retórica, moral ou política que devem enriquecer o discurso do orador: tudo isso era considerado como conhecido pelo regente único de cada classe. Reciprocamente, as produções dos alunos chamados a reutilizar o vocabulário, as expressões, os conhecimentos de belos pensamentos descobertos nos autores estudados, deviam testemunhar sua amplitude a incorporar palavras e idéias em um conjunto textual harmonioso.

A prioridade dada à finalidade retórica do ensino não significa, no entanto, que o ensino humanístico não se preocupa em transmitir conhecimentos (esse objetivo está explicitamente inscrito, por exemplo, em certas versões do mais célebre dos planos de estudo da época, o Ratio studiorum jesuíta14): também não se pode falar ou escrever sem conteúdo.

13 Sobre a longa duração dessa concepção de acesso ao conhecimento como lectio, ver Eugenio Garin, trad. française L’Éducation de l’homme moderne. La pédagogie de la Renaissance, 1400 – 1600, rééd. Paris, Fayard, 1995, coll. « Pluriel », pp. 66 – 70. 14 A versão definitiva da Ratio studiorum jesuíta, a de 1599, foi recentemente objeto de uma reedição acompanhada duma tradução francesa: Ratio studiorum. Plan raisonné et institution des études dans la Compagnie de Jésus, Paris, Belin, 1997, 314 p. Fazemos aqui referência às

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Mas esses conhecimentos, não sendo estudados por eles mesmos, não eram objeto de uma exposição sistemática, salvo a título recreativo, no contexto do que se chamava então o erudito (um espaço de tempo voluntariamente deixado ao regente para repousar e fazer com que os alunos descansem da austera disciplina da explicação de textos)15: eram dados à medida da leitura dos textos, em função dos conteúdos a serem explicados. É assim que conhecimentos que dizem respeito, para nós, à história – o desenrolar de certos acontecimentos, a descrição das instituições ou dos costumes de uma certa época – podiam ser apresentados no momento da explicação de uma poesia ou de uma obra oratória de Cícero... Inversamente, a leitura dos historiadores antigos, que faziam parte dos programas das classes (na classe de humanidades, principalmente, mas também em outras classes) oportunizavam não tanto o estudo dos acontecimentos mas o dos procedimentos de escrita próprios ao historiador: mais que a própria história tratava-se conforme as finalidades gerais - as do ensino das humanidades, de aprender como escrever.

Quanto aos conhecimentos necessários à compreensão das obras históricas estudadas, tendo em vista o conteúdo militar-político das obras dos historiadores antigos, consistiam principalmente em conhecimentos geográficos que permitiam ter uma idéia do teatro das operações e seguir o desenrolar dos combates descritos. A cronologia era considerada como um acessório do estudo desses textos históricos - a linguagem da época costumava unir à cronologia a geografia sob a expressão “os dois olhos da história”. A ciência cronológica era de toda maneira, na época em que foram criadas as instituições de educação humanistas (isto é, no século XVI), um campo de pesquisa extremamente “preciso”, exigindo uma vasta cultura filológica e científica, que não devia ser exposta em classe16. Ainda não se dispunha, mesmo se desejassem ardentemente conhecimentos que permitissem reconstituir a sucessão dos acontecimentos relacionados pelos textos antigos. O único meio de datação, pouco preciso, de que dispunham os regentes humanistas era efetivamente a filologia, na medida em que essa procede por comparação entre os diversos estágios de uma língua (o latim,

instruções mais detalhadas da primeira versão da Ratio, a de 1586, consultável em Ladislaus Lukàcs, Monumenta paedagogica Societatis Jesu, Rome, Institutum Societatis Jesu, t. I – VII, 1965 – 1992, t. V, p. 151. Ver também as instruções de P. Orlandini, Circa il modo de legger dell’humanista (1582 – 83), ibid. t. VI, p. 520. 15 Não conhececendo publicações especificadamente consagradas à essa questão, permito-me indicar minha obra L’Histoire enseignée au Grand Siècle…, op. cit., pp. 61 – 71. 16 Ver Anthony Grafton, Joseph Scaliger. A Study in the History of Classical Scholarship. II – Historical Chronology, Oxford, Clarendon Press, 1993, 766 p.

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nesse caso) no curso de sua evolução17 - o que reconduz outra vez à necessidade de um domínio tão aprofundado quanto possível dos textos escritos nessa língua.

Imaginamos, portanto, a impossibilidade, em um tal contexto de um “curso” de história que consistiria em uma apresentação seguida dos acontecimentos – do mesmo modo que um “ curso” de qualquer matéria que fosse, na medida em que se estudasse em prioridade textos. Daí a proposição de ver no ensino das humanidades, um ensino por definição “não-disciplinar”; e isso não devido a uma incapacidade dos regentes da época em criar um outro, mas em virtude dos princípios que tinham presidido a sua organização. Foi assim que as instâncias dirigentes da Companhia de Jesus refutaram a proposição feita por muitos de seus membros de criar um curso de história, conforme o modelo praticado por seus rivais protestantes; não porque elas recusassem a história em si, mas porque romperiam com o respeito aos textos antigos, base de sua pedagogia18.

Também vemos que o material documentário utilizado em tal ensino oferece amplitude à interpretação, já que seus conteúdos, na medida em que dizem respeito quase que exclusivamente às realidades tratados pelos textos antigos, são exclusivamente históricos: trata-se de palavras, de fatos, de pensamentos vindos da Antigüidade. Entretanto, essas palavras, fatos e pensamentos não chegam aos alunos de maneira ordenada pois os textos são escolhidos em função de seu grau de dificuldade lingüística, não obedecendo à ordem cronológica. Assim, não podemos pretender que os alunos dos colégios do Antigo Regime saiam totalmente despojados de conhecimentos históricos: eles tinham, ao contrário, um conhecimento da Antigüidade bem mais profundo que os alunos e mesmo os professores atuais de história. Mas esse saber histórico era desordenado e, sobretudo, lacunar, porque ignorava quase tudo o que chamamos hoje de Idade Média - sem falar da época em que viviam os alunos.

Esse fato pode escandalizarnos? Isso não teria mais sentido senão o de se indignar com teorias científicas que estiveram em voga antes das nossas. A história, para os regentes dos colégios humanistas, não era um conjunto de conhecimentos, o produto de uma pesquisa fundada sobre uma

17 Ver Donald R. Kelley, Foundations of Modern Historical Scholarship. Language, Law and History in the French Renaissance, New York/London, Columbia University Press, 1970, 321 p. 18 Cf. François de Dainville, « L’enseignement de l’histoire et de la géographie… », art. cit.; para uma discussão da tese sustentada nesse artigo, ver Annie Bruter, « Entre rhétorique et politique: l’histoire dans les collèges jésuites au XVIIe siècle » in Les Humanités classiques, Histoire de l’éducation n° 74, op. cit., pp. 59 – 88.

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metodologia regrada: a palavra não designava um domínio particular do saber – todo o saber, na época, era tido como vindo do passado, portanto como história – mas um ramo da retórica, definido por um modo específico de escrita, o modo narrativo. Só eram, conseqüentemente, considerados como historiadores aqueles que soubessem usar esse modo com talento, em bom latim ou em bom grego – o que desqualificava os cronistas medievais19. Não se tratava, então, na época de “ensinar história” segundo o sentido atual do termo: conforme as concepções pedagógicas e científicas da época, os alunos deviam ler os historiadores antigos, pois se procurava na leitura elementos para ensinar a arte de escrever, graças à qual a França disporia um dia, ao menos esperavam, de historiadores dignos desse nome que ela ainda não tinha...

“Usos” e pedagogia da história no século XVII

O paradoxo é que esse ensino das humanidades eclodiu no momento em que as concepções mudaram, procedentes de uma época mais antiga (a da cultura manuscrita da Renascença), da cristalização sob a forma de modelo pedagógico - mas não é próprio a todo sistema educativo, por definição encarregado de transmitir o que vem do passado, atrasar o que diz respeito à sociedade que o envolve? Poderíamos aqui mencionar brevemente alguns fatores dessa mudança, enumerando sucessivamente o que, na realidade, se relaciona de maneira muito mais complexa.

Um primeiro fator de mudança situa-se, bem entendido, no plano político. A vitória da fidelidade monárquica sobre os vínculos de dependência confessional, que põe fim às guerras de religião20; o triunfo do absolutismo e a paroquialização da vida mundana e cultural do século XVII21 focalizam, de agora em diante, o interesse sobre a história nacional, vista através da história das dinastias reinantes e de sua corte. Paralelamente, se manifesta uma evolução do sentimento religioso: a importância cada vez maior acordada às práticas – portanto aos costumes –

19 Ver Arnaldo Momigliano, « Ancient History and the Antiquarian », 1950, trad. française « L’histoire ancienne et l’Antiquaire » dans Arnaldo Momigliano, Problèmes d’historiographie ancienne et moderne, Paris, Gallimard, 1983, pp. 244 – 293. 20 Myriam Yardeni, La Conscience nationale en France pendant les guerres de religion (1559 – 1598), Louvain/Paris, Nauwelaerts/Béatrice-Nauwelaerts, 1971, 392 p. 21 Ver Roger Chartier, « Trajectoires et tensions culturelles de l’Ancien Régime » in André Burguière et Jacques Revel (dir.), Histoire de la France. Les formes de la culture, Paris, Éditions du Seuil, 1993, pp. 307 – 392.

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como critério de ortodoxia confessional22, leva a acentuar fins moralizadores da educação, em que o aprofundamento do esforço de aculturação religiosa iniciado no século precedente, no âmbito da rivalidade entre Reforma e Contra-Reforma23, induz o recurso à narração histórica como meio de fazer interiorizar, desde a infância, as verdades e os valores transmitidos pelo catecismo24. No plano cultural, enfim, o progresso da produção impressa a coloca à disposição de um público cada vez mais vasto, que se estende, a partir dali, além do círculo dos “doutos” para os quais a leitura era uma atividade quase profissional25: o uso de uma literatura mais mundana, mais atraente e de mais fácil acesso que a literatura latina e grega, ao mesmo tempo que uma especialização acrescida de gêneros.

Ora, todos esses fatores se encontram com uma outra mutação, dependendo ela do plano científico. O saber fundamental da época, do nosso ponto de vista, é a elaboração de uma linha de tempo única sobre a qual se ordenam os fatos até então dispersos, conhecidos através dos textos antigos e medievais26. É essa aquisição da ciência “cronológica” da Renascença, que os resumos de história - que parecem cada vez mais numerosos durante o século, em latim27 e em francês28 - pretendem vulgarizar. A utilização dessa linha de tempo dá aos estudos históricos um novo modo de apreensão dos fatos (por ordem de sucessão cronológica e

22 Michel de Certeau, « L’inversion du pensable. L’histoire religieuse du XVIIe siècle » (1969) et « La formalité des pratiques. Du système religieux à l’éthique des Lumières (XVIIe – XVIIIe) » (1973), artigos retomados em Michel de Certeau, L’Écriture de l’histoire, Paris, Gallimard, 1975, pp. 131 – 152 et 153 – 212. 23 Jean-Claude Dhôtel, Les Origines du catéchisme moderne d’après les premiers manuels imprimés en France, Paris, Aubier, 1967, 472 p. 24 Claude Fleury, Catéchisme historique, Paris, Vve G. Clouzier, 1683, 2 vol. in-12, t. I: Petit Catéchisme; Fénelon, De l’Éducation des filles, 1687 (a edição consultada é a de Paris, P. Aubouin, 1696, in-12, 272 p.). 25 Ver Henri-Jean Martin, Livre, pouvoirs et société à Paris au XVIIe siècle (1598 – 1701), 1969, rééd. Genève, Droz, 1999, 2 vol., 1091 p. 26 Anthony Grafton, Joseph Scaliger…, op. cit.; D.J. Wilcox, The Measure of Time Past. Prenewtonian Chronologies and the Rhetoric of Relative Time, Chicago/London, The University of Chicago Press, 1987. 27 Só mencionaremos aqui os dois mais célebres entre cuja utilização com fins pedagógicos é atestada, que são também os mais antigos: l’Epitomae historiarum libri X do jesuíta Torsellini, que apareceu pela primeira vez em Roma em 1598, que podemos consultar na edição de Lyon, J. Cardon e P. Cavellat, 1620, in-12, p. lim., 640 p. e index; e o Rationarium temporum… de P. Denis Petau, Paris, S. Cramoisy, 1633, 2 t. en 1 vol. in-12. 28 Há desde o início a coexistência de duas séries de resumos de história, uma em latim, outra em francês. O estudo de suas relações e a maneira em que o francês se impôs através das edições sucessivas ainda está a ser feito.

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não mais por contiguidade, temática ou geográfica). Fornece, pelas referências temporais que estabelece, um instrumento de aprendizagem que faltava até então (as datas...). Coloca, assim, mais claramente em evidência as lacunas na exposição dos acontecimentos, incitando completá-las; contribuiu, desse modo, para transformar a noção do tempo, dando uma visão linear... todas coisas que, sem atacar, destroem profundamente o respeito sempre proclamado dos historiadores da Antigüidade.

Assim, vemos manifestar-se ao longo do século, através da literatura de vulgarização histórica e dos projetos ou tratados sobre a educação, aspirações a um outro tipo de relação com o passado que não seja o do ensino humanista: uma relação mais natural, mais direta, que contorna o obstáculo da aprendizagem das línguas antigas e exige o acesso a um passado mais próximo e mais acessível. A tradução dos autores antigos, se não for novidade, conhece então outra idade do ouro: os “belos infiéis”29 colocam esses autores ao alcance dos leitores (e das leitoras) que não foram obrigados às disciplinas austeras de aprendizagens humanistas. A oferta de obras históricas se diversifica: produções humanistas, que continuam sua carreira florescente, compêndios de história e histórias mais ou menos romanescas30, destinados a um público maior e menos informado.

Paralelamente, se afirma cada vez mais explicitamente a necessidade de conhecer a história de seu país em um movimento, aliás não isento de contradições – as mesmas que vimos surgir no fim do século XVII, a respeito da educação do príncipe cristão, apresentada como modelo a ser seguido mas reservado ao poder e aos que são destinados por natureza; isto é, por seu nascimento31. Ora, a história mantinha nesse modelo um lugar central, como complemento indispensável das matérias “teóricas” necessárias à formação principesca que eram a moral e a política: era a história que estava destinada a fornecer os exemplos, ilustrando os preceitos abstratos que constituíam essas ciências. Essa história necessária aos príncipes englobava-se bem à história antiga, não se isolava: devia fornecer aos futuros governantes modelos mais próximos deles do que os heróis da

29 Roger Zuber, Les « Belles infidèles » et la formation du goût classique, 1968, rééd. Paris, Albin Michel, 1995, coll. « Bibliothèque de l’Évolution de l’humanité », 521 p. 30 Sobre a “fusão” entre história e romance na segunda metade do século XVII, ver Bernard Magné, Crise de la littérature française sous Louis XIV: Humanisme et nationalisme, Lille, Atelier de reproduction des thèses Lille III, 1976, 2 vol., 1026 p., multigr. 31 Annie Bruter, « Des arcana imperii à l’éducation du citoyen: le modèle de l’éducation historique au XVIIIe siècle », apresentado no colóquio organizado pela Société française d’étude du dix-huitième siècle et la Société italienne d’étude du dix-huitième siècle, com l’UMR LIRE (CNRS n° 5611 – Université Stendhal – Grenoble I), « L’Institution du Prince au XVIIIe siècle », Grenoble, 14 – 16 octobre 1999, a ser publicado nas Atas do colóquio.

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Antigüidade, bem como conhecimentos positivos (militares, genealógicos, diplomáticos, econômicos, etc.) sobre os assuntos do reino, isto é, sobre o presente ou o passado próximo. Uma nova pedagogia da história surge, assim, conjugando a aprendizagem da cronologia com o curso dialogado no qual o aluno escuta e discute o relato dos acontecimentos, que deverão ser em seguida redigidos: tal é, ao menos, a pedagogia descrita pelos preceptores dos príncipes no fim do século XVII32. Quanto aos primeiros “manuais escolares” de história, não provêm da educação principesca33, mas das pensões aristocráticas onde se ministravam os cursos particulares de história pelos “chambristes”34.

Os preceptores dos príncipes não publicam suas obras sem fornecer uma advertência sobre a inconveniência que teria para as “pessoas comuns” pretender o mesmo saber que os príncipes. Concede-se ao homem comum somente um “uso moral” da história destinada a ensinar os malefícios das paixões: o “uso político” desta é reservado aos príncipes e aos “Grandes”35. Compreendemos, vendo a história assim colocada como disciplina central da educação ao mesmo tempo que subtraída ao comum dos mortais, o seu estatuto marginal, inacessível no último século do Antigo Regime. Era objeto de um ensino, sobre o qual encontramos vestígios através de resumos explicitamente destinados à juventude36, de exercícios

32 Charles-Bénigne Bossuet, « De l’instruction du Dauphin, Lettre au pape Innocent XI » (1679) dans Œuvres complètes, Bar-le-Duc, par des prêtres de l’Immaculée Conception de St-Dizier, 1863, t. XII; Claude Fleury, Traité du choix et de la méthode des études, Paris, P. Auboin, P. Émery et C. Clousier, 1686, in-12, 365 p.; Géraud de Cordemoy, « De la nécessité de l’Histoire, de son usage, & de la manière dont il faut mêler les autres sciences, en la faisant lire à un Prince » dans Divers traités de métaphysique, d’histoire et de politique, Paris, Vve de J.-B. Coignard, 1691, in-12, VI-292 p 33 É, por exemplo, o caso, citando somente o mais célebre, de Instruction sur l’Histoire de France & Romaine par demande & réponses, Avec une explication succincte des Métamorphoses d’Ovide, & un Recueil de belles Sentences tirées de plusieurs bons Auteurs, Paris, A. Pralard, 1687, in-12, em que o autor, Le Ragois, era preceptor do Duque de Maine. 34 Faltando lugar para uma bibliografia completa, mencionaremos: Nouveaux Élémens d’histoire et de géographie à l’usage des pensionnaires du Collège de Louis le Grand du jésuite Buffier, 2ème éd. Paris, M. Bordelet, 1731, 2 partes em 1 vol. in-12. Os resumos do Padre Berthault, regente à Juilly: Florus Francicus, Paris, J. Libert, 1630, in-24, 279 p.; Florus Gallicus, Paris, J. Libert, 1632, in-24, 324 p.; Florus Gaulois ou l’abrégé des guerres de France, t. I, Paris, J. Libert, 1634, in-8°, 298 p., são talvez oriundos dos cursos desse pensionato que a tradição historiográfica considera como o primeiro a ter ministrado o ensino de história, mas a prova da utilização desses resumos para fins pedagógicos não existe. 35 Annie Bruter, « La “confiscation” de l’histoire: l’éclatement des usages de l’histoire au XVIIe siècle » in Henri Moniot et Maciej Serwanski, L’Histoire et ses fonctions. Une pensée et des pratiques au présent, Paris/Montréal, L’Harmattan, 2000, pp. 27 – 46. 36 Os resumos da época precedente visavem um público bem mais definido.

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públicos37, até mesmo de redações dos alunos38. Mas, excetuando as instituições inovadoras que foram as pensões particulares e as escolas militares, esse ensino não foi, em geral, integrado ao currículo escolar - a história continuava sendo um tipo de matéria facultativa sob a responsabilidade das famílias. Explica-se, assim, a insistência em reclamar sua introdução nos colégios no século XVIII39, quando há provas da existência de seu ensino na época; mas é o estatuto desse ensino que persiste impreciso, por causa de seu caráter marginal, não-normatizado.

Somos levados, assim, a distinguir duas coisas normalmente confundidas no discurso sobre a educação (pelo fato de seguirem agora juntas, a saber, pedagogia e escolarização - chamamos aqui pedagogia toda tentativa intencional de transmissão de um saber). Se a história do ensino histórico mostra que houve a invenção de uma pedagogia da história, com seus procedimentos e seu material específico na segunda metade do século XVII, mostra também que essa invenção se fez fora do âmbito propriamente escolar: é no espaço mais flexível da educação principesca ou do pensionato aristocrático que se elaboraram métodos e instrumentos de uma instrução histórica autônoma, independente da leitura dos historiadores antigos, procedendo a uma apresentação contínua dos acontecimentos - da criação do mundo até a época contemporânea.

O estudo das resistências à integração dessa história autônoma ao currículo escolar, e os fatores que terminaram impondo-a junto das humanidades clássicas, ultrapassaria muito os limites temporais desse artigo, pois levaria ao debate sobre a educação do século XVIII e a Revolução, sobre os liceus do século XIX. Contentar-nos-emos em assinalar que a introdução da história no ensino dos liceus e colégios do Império e da Restauração (mencionada nos programas desde 180240, a história é dotada de um horário específico e de um programa embrionário em 181441, de professores “especiais”, em certos liceus, pelo menos a partir de 181842) não

37 Ver por exemplo Pierre Jean de Berulle répondra sur l’histoire chronologique de l’Église… Au Collège de Louis le Grand, le Vendredi 8 avril 1707, à quatre heures après midi, Arch. S.J. Vanves, É Pa 30 – 7. 38 O curso de Bossuet sobre Charles IX redigido para o príncipe herdeiro foi publicado por Régine Pouzet sob o título Charles IX, récit d’histoire, Clermont-Ferrand, Adosa, 1993. 39 Ver, por exemplo, o artigo « Collèges » da Enciclopédia, no qual D’Alembert se queixa « do pouco caso dado ao estudo da História nos colégios », Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des Arts, des Sciences et des Métiers, t. III, Paris, 1753. 40 Philippe Marchand (éd.), L’Histoire et la géographie dans l’enseignement secondaire. Textes officiels. T. 1: 1795 – 1914, Paris, INRP, 2000, textes 4, 5, 6, pp. 95 – 96. 41 Ibid., texte 12, pp. 101 – 103. 42 Ibid.,texte 15, pp. 109 – 110.

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poderia ser feita tão rapidamente, se os professores não dispusessem de um mínimo de material pedagógico já elaborado. Ora, uma parte pelo menos desse material pedagógico, remonta aos preceptores dos príncipes do fim do século XVII, como Fleury ou Le Ragois, cujas obras conhecem, ao longo do século XIX, uma carreira que só se extinguiu com as reformas republicanas43.

***

A primeira das reflexões, de ordem mais geral, pela qual gostaríamos de encerrar esse artigo, concerne à temporalidade própria da história das disciplinas escolares. André Chervel abordou o problema, assinalando a longa duração dos processos de criação e de funcionamento de uma disciplina44. No mesmo sentido - e contra uma certa tradição historiográfica, que vê na aparição do ensino da história no século XIX uma criação ex nihilo do poder político -, esperamos ter mostrado que a constituição da história em matéria “ensinável” foi um fenômeno de longa duração, cujas premissas são encontradas bem antes da época de seu “nascimento” oficial, e que continuamos em realidade, bem além: a emancipação da história como disciplina plenamente autônoma, ensinada por professores especializados, só foi conseguida na virada do século XIX para o XX45. Então, sobre a base de uma experiência pedagógica já multi-secular, mesmo se ficou muito tempo reservada a uma minoria, o ensino da história pode-se tornar, nessa época, o instrumento por excelência da integração patriótica e cívica dos alunos46 - instrumento cujas incertezas, que cercam o futuro do Estado-Nação, questionam atualmente a sua própria finalidade.

Essa longa duração da formação de uma disciplina escolar está ligada à complexidade de um processo, cujos múltiplos componentes

43 Ver Martin Lyons, Le Triomphe du livre. Une histoire sociologique de la lecture dans la France du XIXe siècle, Paris, Promodis, 1987, pp. 85 – 104. 44 « L’histoire des disciplines scolaires… », art. cit., pp. 30 – 31. 45 Philippe Marchand (éd.), L’Histoire et la géographie…, op. cit., pp. 75 – 84. 46 De uma abundante bibliografia, destacarei aqui somente dois artigos que fizeram sucesso: Jacques et Mona Ozouf, « Le thème du patriotisme dans les manuels primaires », 1962, republicado em Mona Ozouf, L’École de la France, Paris, Gallimard, 1984, pp. 185 – 213; Pierre Nora, « Lavisse, instituteur national. Le “Petit Lavisse”, évangile de la République », in Pierre Nora (éd.), Les Lieux de mémoire. I – La République, rééd. Paris, Gallimard, 1997, coll. « Quarto », pp. 239 – 275.

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tentou-se mostrar. Entraram, de fato, em jogo diversos fatores - cada um com seu ritmo próprio de evolução. Os objetivos da educação, por exemplo, mudam no decorrer do tempo: se ficaram, durante o período considerado aqui, dominados pela finalidade retórica, pudemos vê-los enfraquecer de uma maneira que acentuou o alcance moralizante da leitura dos historiadores antigos para todos os alunos; ao passo que era confiscado o “uso político” da história, decretado monopólio dos príncipes na época do absolutismo triunfante. Mas, bem antes dessa etapa, ocorrem outras transformações pelas quais se cortou em profundidade a relação com o passado, isto é, com o ensino humanista: transformações técnicas, econômicas e sociais, progresso da escrita e da imprensa, desenvolvimento dos aparelhos administrativos, ampliação do público de leitores, transformações científicas, metodológicas e pedagógicas levadas, no que diz respeito à história, à elaboração de uma cronologia unificada, à renovação do modo de leitura dos historiadores e à experimentação de novos métodos de ensino.

Sobre essa complexidade gostaríamos de insistir para finalizar, a fim de lutar contra o risco de uma leitura evolucionista, vendo na pesquisa aqui apresentada uma tentativa a mais para conferir uma “origem” ao ensino da história atual. É, ao contrário, a inter-relação constante que pensamos poder revelar entre expectativas e ambições culturais e sociais, concepções e meios científicos, técnicos ou pedagógicas, que faz da história das disciplinas escolares um campo de pesquisa tão vasto quanto apaixonante para explorar, nessa época de mudanças de nossa sociedade que questiona cada dia mais os sistemas educativos que herdamos do passado.

Annie Bruter é Pesquisadora do Service d’histoire de l’education – URA CNRS 1397/Institut National de Recherche Pédagogique. Paris/França

Maria Helena Camara Bastos é Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Pesquisadora do CNPQ.

Recebido em: 10/08/2005 Aceito em: 15/01/2006

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 23-37, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Igreja, religião e ensino elementar antes das leis de laicização européias: um reexame crítico de suas

relações1 Pierre Caspard

Tradução de Maria Helena Camara Bastos

Resumo

Este artigo propõe um reexame do lugar ocupado pela religião no ensino elementar na época moderna, no seu conteúdo, no seu controle, nas suas grandes finalidades e nos seus objetivos pedagógicos concretos. A reflexão diz respeito a um caso específico: o das escolas de vilas de um cantão suíço, francofone e de religião reformada (calvinista), estudadas do século XVI ao século XIX. Mostra uma grande imbricação dos aspectos religiosos e laicos nesse ensino e um crescimento muito antigo da importância dos segundos, bem antes das leis de laicização da metade do século XIX, que terão, sobretudo, por objetivo a fundação da República baseada em uma noção ampla de cidadania. Essa conclusão poderia se estender de forma mais extensiva, apesar de certas especificidades, aos países católicos ou luteranos da Europa moderna.

Palavras-chave: Religião, Laicidade, Suíça, Estado, Igreja, Época Moderna, Pedagogia cristã, Aprendizagens elementares, Racionalismo, Humanismo

Resume

Cet article propose un réexamen de la place tenue par la religion dans l’enseignement élémentaire à l’époque moderne, dans son contenu, son contrôle, ses grandes finalités et ses objectifs pédagogiques concrets. La réflexion porte sur un cas précis: celui des écoles villageoises d’un canton suisse, francophone et de religion réformée (calviniste), étudiées du XVIe au XIXe siècle. Elle montre une imbrication forte des aspects religieux et laïcs dans cet enseignement et un accroissement très ancien de l’importance des seconds, bien avant les lois de laïcisation du milieu du XIXe siècle, qui auront surtout pour but de fonder la République sur une notion de citoyenneté élargie. Cette conclusion pourrait largement s’étendre, malgré certaines spécificités, aux pays catholiques ou luthériens de l’Europe moderne.

Mots clés: Religion – Laïcité – Suisse – Etat – Eglise – Epoque moderne – Pédagogie chrétienne – Apprentissages élémentaires – Rationalisme – Humanisme.

1 Título original “Eglise, religion et enseignement elémentaire avant les lois de laïcisation européennes: un réexamen critique de leurs rapports”. Autorizado especialmente pelo autor para publicação nesta revista.

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A reflexão sobre a educação e sua história é naturalmente binária. Avança antagonismos frontais, princípios inconciliáveis, rupturas heróicas. A religião encontrou-se assim colocada no centro dos esquemas de interpretação da educação, em dois momentos de sua história comum. No século XVI, a Reforma, seguida da Contra-Reforma em países católicos, é considerada como o acontecimento fundador de um ensino elementar de massa. “Os protestantes aprenderam a ler a partir de Calvin”, pode-se escrever para sublinhar a profundidade dessa ruptura2. No século XIX, ao contrário, os governantes dos Estados laicos ou republicanos atribuíram massivamente à organização religiosa sobre o ensino popular a causa de seus atrasos e insuficiências: cabia de agora em diante às leis de laicização passar a escola da sombra para a luz.

País de confissão majoritariamente reformada, o cantão suíço de Neuchâtel é objeto, em ambos momentos, de discursos realmente conformados. Vejamos o que Aimé Humbert, primeiro diretor de Educação Pública do governo radical estabelecido pela Revolução de março de 1848, diz ao apresentar seu projeto de lei sobre a instrução pública, que será votado em março de 1850. Ele enuncia inicialmente, como uma evidência histórica, que a Reforma deu um “elã salutar” às escolas, “rompendo os entraves de Roma, permitindo a todos os cristãos a leitura das Sagradas Escrituras”; mas continua afirmando que essas escolas, criadas com um objetivo de puro doutrinamento religioso, somente habituavam os alunos “a recitar sem compreender, a falar sem refletir, a aprender para esquecer, sem nenhum aproveitamento para o desenvolvimento de seu julgamento, e menos ainda para sua memória, que tinha sido cansada, atordoada”3. O governo republicano podia colocar, enfim e pela primeira vez, a razão das crianças no centro da instrução elementar.

Esse discurso, de alguma maneira dá início à vulgata que é ainda hoje pregnante4, mas que merece um sério reexame. Nossa intenção é

2 Furet F., Ozouf J.: Lire et écrire. L’alphabétisation des Français de Calvin à Jules Ferry. Paris 1977, 2 vol. 3 Bulletin officiel des délibérations du Grand Conseil, 21 novembre 1849. Em sua ação como Diretor da Educação Pública, A. Humbert testemunha um espírito infinitivamente mais pragmático e matizado que possa supor o manequeísmo de seu discurso. 4 Por exemplo: “Os alunos são habituados a repetir, copiar e recitar sem nenhum raciocínio”. Schwitzguébel-Leroy A.: Le système scolaire neuchâtelois vers la fin de l’Ancien Régime. In: Histoire de l’université de Neuchâtel, t.1 Hauterive, 1988, pp. 40-41; ou ainda para a Suíça em seu conjunto: Capitani F. de: “A Igreja vê no ensino elementar o melhor meio de manter a ortodoxia na população […]. Aprendem de memória, a compreensão dos textos é secundária”. In: Nouvelle histoire de la Suisse et des Suisses, t.2. Lausanne 1983, p. 145. O estudo citado de A. Schwitzguébel-Leroy oferece uma excelente apresentação do sistema escolar de Neuchâtel

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mostrar que o papel da religião no ensino, antes de sua laicização por via legislativa, é objeto de uma tríplice distorção na memória e na história da educação. Essas distorções superestimaram o papel da instituição religiosa na impulsão e no controle do ensino, como na definição de seu conteúdo. Menosprezam os princípios e os objetivos da pedagogia adotados nas escolas elementares. Subestimam, enfim, as profundas transformações ocorridas bem acima das leis escolares que balizaram o século XIX. Esse reexame será operado o mais próximo possível do terreno escolar, pela análise do funcionamento efetivo das escolas e do papel dos principais protagonistas do ensino dispensado durante três séculos. A questão das relações entre sagrado e secular poderá assim aparecer de uma maneira diferente da sua quando abordada unicamente no terreno dos princípios, das doutrinas e das idéias, onde os protagonistas da história se situam o mais frequëntemente para justificar sua ação.

1 A Reforma, a Igreja e os Pastores

As exigências formuladas pela Reforma em matéria de instrução das crianças são bem conhecidas5. Desde o século XII, a Igreja tinha repousado a fé em um conhecimento intelectual, que devia ser então objeto de um ensino. Os reformadores aumentaram essa exigência incluindo a leitura pessoal da Bíblia, o que induzia um ideal de domínio generalizado da leitura pelos cristãos. Este objetivo se encontra de forma plena nas Ordonnances ecclésiastiques de Neuchâtel, de 1564, que recomendam a todos os pais e mães que instruam seus filhos para que possam motivar sua fé, e preconizam para tal a criação de escolas6.

Não podemos, no entanto, limitar-nos a deduzir a afirmação de um princípio a evolução que posteriormente conhecerá a instrução das crianças. O ideal afirmado pela Reforma foi de fato atingido muito progressivamente. Até o fim do século XVII, numerosas crianças foram admitidas à comunhão, sacramento ao qual acendiam somente na idade

nos anos de 1830-1840, incluindo desenvolvimentos sobre as posições oficiais da Classe dos Pastores concernente ao ensino. 5 Em uma abundante bibliografia, uma das obras de referência em língua francesa é: Chartier R., Compère M.M, Julia D.: L’éducation en France, du XVIe au XVIIIe siècle. Paris 1976, bem como o capítulo consagrado por D. Julia à “Une catéchisation de masse” in: Becchi E., Julia D. (Dirs): Histoire de l’enfance en Occident de l’Antiquité au XVIIe siècle, Paris 1998. 6 Boyve J.: Annales historiques du comté de Neuchâtel et Valangin, Berne et Neuchâtel 1854-1859, Vol. 2, p. 123-124.

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aproximada de 16 ou 17 anos7, em Neuchâtel, sem o domínio da leitura de textos tão difíceis quanto o Antigo e o Novo Testamento. Os primeiros casos confirmados de recusa ostensiva contrária à admissão de crianças por causa do iletrismo, por parte de um pastor, não são encontrados senão no início do século XVIII, multiplicando-se posteriormente8. Isso conduz, não à diminuição da importância dos ideais educativos formulados de início, mas à obrigação de compreender o ritmo e as modalidades com que foram concretamente atingidos.

Deste ponto de vista, convém questionar inicialmente o papel da Igreja de Neauchâtel como instituição. Sua história é bem conhecida, marcada por alguns tempos fortes como a ação de Guilhaume Farel, companheiro próximo de Calvino, a de Jean-Frédéric Ostervald, teólogo reputado em toda a Europa no século XVIII, depois, mais anedóticos, mas fortemente mediatizadas, as altercações de Jean-Jacques Rousseau com a Venerável Classe dos Pastores9. Em um principado que, da Idade Média a 1848, teve uma grande independência, ao mesmo tempo em relação aos seus príncipes (franceses ou prussianos) e em relação a Confederação helvética, a Classe dos Pastores, cujo decano é um primus inter pares, desempenhou um papel de corporação que defendia os interesses materiais e morais de seus membros, face ao Estado e às comunas, tentados a ignorar seus direitos e prerrogativas ou usurpá-los. Também defendeu uma certa ortodoxia doutrinal, regulou a formação, o recrutamento e a carreira de seus membros, unificou a liturgia, resolveu ou deu um parecer sobre as questões pastorais relativas às paróquias e manteve, enfim, relações intelectuais com outras Igrejas protestantes, especialmente as de Genebra, Berna, Bâle (Suíça) e Montbéliard (França).

No domínio escolar, a intervenção a mais recorrente da Classe dos Pastores diz respeito ao controle que exerce, ou pretende exercer, sobre a nomeação dos regentes. Mas, enquanto que, nos primeiros tempos da Reforma, esses eram muitas vezes eles próprios pastores ou diáconos, a função foi totalmente laicizada durante o século XVII, o poder de nomeação

7 Caspard P.: Examen de soi-même, examen public, examen d’Etat. De l’admission à la Sainte-Cène aux certificats de fin d’études, XVIe-XIXe siècles. In: Histoire de l’éducation, mai 2002, p. 17-74. 8 Em 1731, o pastor de Verrières escreve “que não depende de mim não receber as crianças para comungar enquanto não souberem ler”, e só aceita efetivamente algumas condicionalmente. Cf. Caspard P., art.cit, p. 56. 9 Robert, M., Hammann G.: L’Eglise dans la société d’Ancien Régime. In: Histoire du Pays de Neuchâtel Hauterive 1991, t. 2. De la Réforme à 1815, p. 271-315. Hammann G.: Eglises et communautés religieuses. In: Histoire du Pays de Neuchâtel Hauterive 1993, t. 3 De 1815 à nos jours, p. 219-255.

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voltou às comunas que pagavam seus salários. A aprovação da Classe era igualmente necessária, em razão das funções da Igreja que eram exercidas, aliás, pelos regentes (ler a Bíblia e dirigir o canto no templo, recitar as preces em certas circunstâncias). Mas as comunas sustentavam que, para a regência da escola stricto sensu, elas tinham liberdade total para recrutar ou para demitir quem desejassem. Casos de conflito chegavam de tempos em tempos à Classe, que apelava eventualmente ao Conselho de Estado de Neuchâtel, cujos pareceres iam preferencialmente no sentido do direito das comunas10.

Isso não impedia as autoridades comunais de trabalhar, na grande maioria dos casos, em harmonia com o pastor do lugar, o consultor das questões escolares e associando às visitas anuais à sua escola onde desempenhava seguidamente o papel de examinador. Mas, diferentemente dos países católicos ou luteranos, a Classe não exercia, como instituição, nenhuma autoridade hierárquica sobre o andamento das escolas, principalmente não tinha nenhum direito de visita, de inspeção nem mesmo de simples informação.

É, portanto, o contexto das comunas e das paróquias, campo de ação dos pastores, que aparece como o mais pertinente para uma análise do papel desempenhado pela Igreja no desenvolvimento da instrução elementar. Desse ponto de vista, a Reforma efetivamente marcou uma ruptura que, em diversos aspectos, teve incidências maiores na educação.

A primeira foi, a partir de então, a profunda inserção dos pastores em seu meio. Antes da Reforma, os padres de Neuchâtel estavam seguidamente ausentes e, em muitos casos, não havia nem mesmo vigário para atender sua paróquia11. Eles dependiam de uma autoridade hierárquica distante, os bispos de Lausanne ou de Besançon, que visitavam raramente sua diocese. A Reforma mudou essa situação. A partir de agora, o pastor reside na sua paróquia, de onde só pode ausentar-se excepcionalmente ou por motivo justificável. Ele é apoiado por um Conselho dos Anciãos, eleito pelos paroquianos, e não há mais superior hierárquico, exceto a autoridade coletiva da Classe, da qual é membro. A antiga função do clérigo de ensinar se encontra pois assegurada por uma maior interação com a população; essa interação funcionando, é essencial sublinhar, em um duplo sentido. O pastor, apoiado nos Anciãos, pode promover de forma mais eficaz a instrução na sua paróquia12. Mas, inversamente, os paroquianos podem 10 Archives de l’Etat de Neuchâtel (AEN): Actes de la Classe, XVIIe-XIXe siècles. 11 Quadroni, D.: L’Eglise dans la société médiévale. In: Histoire du Pays de Neuchâtel Hauterive 1989, t. 1 De la préhistoire au Moyen Age, p. 243-262. 12 No exemplo citado na nota 8, o pastor tem o cuidado de precisar que suas exigências “receberam o consentimento dos Anciãos, de forma unânime”.

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exigir que ele não perca seu interesse por essa função, que não é necessariamente considerada por cada pastor como a mais gratificante, se comparada à prédica, ao acolhimento dos pensionistas ou às atividades literárias, teológicas, científicas ou corporativas nas quais não é raro se investirem.

Desde o fim do século XVII, temos o exemplo de muitas paróquias que cobram dos seus pastores suas tarefas de instrução, dispensando-os de alguns sermões anuais em benefício de horas de catecismo suplementares, contabilizando com desconfiança as que são realmente efetuadas, para ver se o cômputo é bom, ou solicitando lhes lembrar, com mais firmeza, as suas obrigações educativas às famílias obstinadas13. No final do século XVIII, os pastores dedicam assim, anualmente, mais de uma centena de horas ao catecismo e à preparação de catecúmenos à confirmação, bem mais que a predicação no templo.

Uma segunda ruptura induzida pela Reforma concerne ao estatuto matrimonial dos padres. Que não sejam mais obrigados ao celibato ou a uma concubinagem vergonhosa diz respeito à educação de várias maneiras. O fato dos pastores terem, a partir de agora, o encargo de uma família, às vezes numerosa, incita-os, para atendê-la, a exercer atividades complementares a suas funções pastorais, visto que a secularização dos bens da Igreja amputou as rendas atribuídas às paróquias. Segundo o pastor Frène, que escreveu, no fim do século XVIII, que ele não era pastor “senão durante um quarto do meu tempo”14, proporção sem dúvida próxima a de muitos outros pastores que deixaram ou não testemunhos de seu emprego de tempo. Ora, a principal dessas atividades complementares é o ensino dado de forma privada, através de lições particulares, de acolhimento de pensionistas, até mesmo a organização de verdadeiros pensionatos. Esse ensino excede em muito o da religião ou do catecismo, para abordar um grande leque de matérias profanas. A atividade de ensinar pode, aliás, ser exercida de forma bem mais eficaz pois as esposas dos pastores, e até mesmo uma ou outra de suas filhas, podiam ajudá-los, segundo uma prática realmente corrente na época moderna, incluindo aqui os regentes encarregados do ensino comunal15.

Embora, antigamente presente nas polêmicas anticatólicas, podemos reconhecer também uma parte de verdade na idéia segundo a qual 13 Caspard P.: art.cit. 14 Frêne T.-R.: Journal de ma vie. Ed. par A. Bandelier, Porrentruy et Bienne 1993. 15 É, por exemplo, o caso de um dos primeiros grandes pensionatos, fundado pelo pastor de Montmollin após a década de 1740. Sobre o papel das esposas de regentes, ver: Caspard P.: La maîtresse cachée. Aux origines de l’institutrice publique, 1650-1850. In: Annales Pestalozzi, 3, à paraître.

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ser casado e chefe de família dá aos pastores uma sensibilidade mais fina às questões educativas, e uma maior familiaridade com a experiência de seus paroquianos nesse domínio, particularmente no que se refere à educação das meninas. Deste ponto de vista, não se constata em Neuchâtel nenhum traço de neurose sexual tão presente nos discursos – senão nas práticas – católicas em matéria de co-educação dos sexos, o que manifestadamente contribuiu a dar às meninas um nível de instrução não muito distante daquele conferido aos meninos, até mesmo superior em certas áreas16.

Em última análise, a participação dos pastores na função de professores é múltipla. Na própria idéia dos reformadores – Lutero, Calvino, Farel – a escola elementar não era senão uma instituição educativa entre outras, mas particularmente destinada às crianças cujos pais não tinham competência ou tempo necessário para instruí-las eles mesmos, a primeira dessas condições agindo menos devido ao elevado nível de instrução da população. De fato, o dispositivo da instrução oferecido às famílias, mesmo modestas, não cessou de ampliar-se com o tempo. No século XVIII, compreendia, ao lado da escola e da igreja, diversas formas de pensão familiar, em Neuchâtel mesmo ou no exterior, lições e cursos particulares sobre diversas matérias e, enfim, práticas de autodidática ou de instrução familiar e doméstica17.

Em um dispositivo tão variado, a ação do pastor era ela mesma multiforme. A catequese era seu campo reservado, mas a leitura (comentada) da Bíblia, as orações, o canto dos salmos, a prolongavam até a escola e a família. Inversamente, o pastor participava de diversas maneiras do ensino das matérias profanas, com suas próprias crianças, seus pensionistas, ministrando aulas particulares ou pela sua competência na escola pública do lugar. Daí essa grande imbricação de ensino profano e religioso dado pelo pastor ou marcados por sua intervenção. Da Reforma às leis de laicização, um dos seus símbolos foi o exame condicionando a admissão dos alunos à ratificação da promessa de batismo e comunhão. Esse exame verificava tudo ao mesmo tempo, a instrução religiosa das crianças e um certo número de competências intelectuais: ler, compreender, memorizar, reformular, induzir e deduzir... As próprias modalidades do

16 Assim, em 1853, entre 10.600 meninos e meninas, o desempenho das meninas é um pouco melhor em leitura e em escrita, muito melhor em ortografia, em resumos de leitura e em composição francesa. Fonte: AEN, D.I.P. Rapport du Département de l’Instruction publique, 1853. 17 Caspard P.: Pourquoi on a envie d’apprendre. L’autodidaxie ordinaire à Neuchâtel, XVIe-XIXe siècles, in: Histoire de l’éducation, mai 1996, p. 65-110; Id: Les changes linguistiques d’adolescents. Une pratique éducative, XVIIe-XIXe siècles. In: Revue historique neuchâteloise, janvier 2000, p. 5-85.

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exame não colocavam em confronto dois atores, mas três: o pastor que examina os catecúmenos no templo, as crianças que eram examinadas, mas também os paroquianos, vindos em massa para avaliar, ao mesmo tempo, as performances dos jovens da vila no momento em que eles se preparavam para tornarem-se “adultos”, e a maneira com que o pastor desempenhava sua missão de instrução. Esta convergência de finalidades, laicas e sacras, em um exame que era um rito de passagem social, abrindo-se para um sacramento maior da religião cristã, leva a interrogar mais detalhadamente o ensino dispensado nas escolas elementares.

2 A instrução religiosa e sua pedagogia

Que o ensino ministrado nas escolas comunais – protestantes ou católicas – do Antigo Regime tinha um conteúdo e finalidades essencialmente religiosas está gravado em uma vulgata particularmente compacta, que preconiza que seja o regente de escola somente o “auxiliar” do pastor ou do padre, que exerça sua função sob a “férula” da Igreja, que o ensino que ele ministra vise essencialmente a formação de “bons cristãos18”, que os métodos empregados (ditos catequéticos) visem restituir, sem discussão, as verdades da fé. É sobre essa vulgata que Aimé Humbert se referiu em seu discurso de 1849, e que percorre, ainda hoje, uma boa parte da historiografia. Isso conduz à interrogação sucessiva sobre os conteúdos, os objetivos e os métodos do ensino elementar.

a) Os conteúdos

Os conteúdos do ensino elementar são determinados pelas comunas, soberanas nesse campo como nos outros aspectos das questões escolares. Os programas são periodicamente rediscutidos, enriquecidos ou definidos, e às vezes apresentados por escrito19, após serem discutidos e votados em assembléia dos habitantes da comuna. O pastor é naturalmente associado à reflexão sobre o programa de ensino, menos para garantir o

18 Visão levada aos extremos limites quando explica a presença do cálculo no currículo pelo fato de que “todo bom cristão reformado deve conhecer os rudimentos para administrar seus bens conforme os mandamentos de Deus”...! Hammann G., L’Eglise…, art.cit., p. 227. 19 Caspard P.: Une source de l’histoire du temps scolaire à l’époque moderne: les règlements d’écoles. In: Compère M.M. (Dir.): Histoire du temps scolaire en Europe. Paris 1997, p. 241-254.

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espaço da religião, que pouco contestadas, do que em razão de seu alto nível de instrução, e que o torna um especialista apreciado e dedicado.

Mas avaliar a parte do conteúdo religioso nos programas é mais complexo do que parece. Se considerarmos os diferentes ramos de ensino apresentados, total ou em parte, no currículo das escolas comunais, na primeira metade do século XIX20, é possível distinguir entre eles três grupos, desse ponto de vista. Inicialmente, aparece o que a lei de março de 1850 chama de “ensino religioso propriamente dito”, isto é, as verdades da fé, tais como contidas e apresentadas nos diferentes catecismos em uso, de livre escolha de cada paróquia. A partir dos anos 1730, é o catecismo de J. F. Ostervald que será o mais divulgado, sem ser no entanto o único21. A religião está igualmente presente em um conjunto de outras aprendizagens, as quais fornecem tudo ou parte da matéria e do conteúdo. É o caso da leitura feita das Passagens extraídas do Novo Testamento22, o texto integral do Antigo e sobretudo do Novo Testamento; da recitação, dita também memorização ou “decorada”, em que o Catecismo e as Passagens serão solicitadas até a metade do século XIX, até mesmo depois; do canto, em que os Salmos de Davi e os Cânticos fornecem o essencial da matéria; da história sagrada, eventualmente acompanhada da geografia sagrada (da Palestina). Os exercícios de escrita e de cópia, enfim, dizem respeito seguidamente a textos piedosos ou morais. Ao contrário, a religião está totalmente ausente de uma terceira categoria de ensinos: o cálculo, a aritmética, a ortografia, a gramática, o desenho, o alemão, a escrituração comercial, os trabalhos de agulha para as moças, a história e a geografia do cantão, da Suíça, da Europa (que pode, entretanto, incluir a história da Reforma) e do mundo, bem como a composição francesa, cujos assunto são sempre profanos, as vezes morais, mas sem abordar as questões de fé ou de dogma.

Esse currículo só é ensinado de forma completa nas vilas maiores, nas outras se restringem às matérias principais. Mas o movimento geral de enriquecimento do currículo elementar desde a Reforma é de fato destacável: enquanto no século XVI, ele ainda se centra na religião, na

20 Caspard P., Examen…, art.cit., p. 28: Tableau de l’enseignement religieux dans le curriculum des écoles communales, 1601-1828. 21 Barthel P.: Jean-Frédéric Ostervald l’Européen, 1663-1747. Novateur neuchâtelois. Genève 2001. 22 Ostervald J.F.: Recueil des passages du Nouveau Testament. Qui servent à établir les vérités et les devoirs de la religion chrétienne. Neuchâtel 1734. Essa pequena obra tão famosa e divulgada que jamais foi chamada de outra maneira que sob o nome de Passagens.

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leitura e no canto23; a partir do século XVII, acrescenta-se a escrita, a aritmética e a ortografia; depois, durante o século XVIII, a gramática, a geografia, a história, a análise gramatical e o desenho, e enfim, na primeira metade do século XIX, as outras matérias listadas acima. A lei de março de 1850, que impõe pela primeira vez um programa obrigatório de instrução elementar a todas as comunas do país, repetirá essa lista, acrescentando a instrução cívica, e reduzindo pois o ensino religioso “propriamente dito”, confiado ao único pastor, sem que possa ser imposto aos professores elementares24. Essa última medida suscitou naturalmente a oposição de uma parte da Classe dos Pastores, mas admitia-se que resultava de um processo de marginalização do ensino religioso no currículo da escola elementar, resultado natural de seu contínuo enriquecimento há três séculos.

b) As grandes finalidades do ensino

O enriquecimento do currículo jamais suscitou uma franca oposição por parte da Classe e dos pastores, mesmo se alguns dentre eles, politicamente conservadores, pudessem julgar que se dispensava às crianças um ensino “acima de suas condições”. Mas o sentimento mais expresso era a satisfação diante “da extensão tomada quase por toda a parte pelo campo do ensino”, a constatação que “as escolas continuam a avançar na rota onde entraram, a desenvolver e estender o campo de seus estudos”25.

Esse amplo consenso entre a Igreja e as famílias repousava sobre uma adesão partilhada em duas grandes finalidades simultaneamente atribuídas à instrução. A primeira era que a criança possa tornar-se cristã “por conhecimento e por escolha”, pois a fé não se transmite e o batismo, por si só, não torna ninguém cristão. Tornar-se cristão resulta portanto de um ato individual, efetuado com toda autonomia por uma criança que deve ser beneficiada, para isso, com a instrução necessária. A segunda finalidade era de permitir à criança tornar-se, por sua instrução, “útil para si mesma e para a sociedade”. De essência laica, esse princípio se encontra também nas injunções paternas como nos escritos dos reformadores, como de Guilhaume Farel que proclama, em 1534, “seja qual for o estado em que homem se encontre, a ciência e o conhecimento de muitas coisas lhe

23 Cf. o regulamento da escola de Saint-Blaise en 1619, publicado em Caspard P.: Une source…, art.cit., p. 250-252. 24 Segundo a lei de março de 1850; a de junho de 1861 a reintroduz nos programas, mas torna-se facultativa após a lei de 1872. 25 AEN, D.I.P. 1, Rapports sur l’éducation publique de 1844 et 1845.

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servirá”26, o que não representa senão uma expressão do ideal humanista e enciclopédico da Renascença. No primeiro lugar desses conhecimentos úteis vem certamente a leitura, mas está longe de ser considerada somente como uma ferramenta que dá acesso a um conhecimento pessoal das Escrituras; ela abre também, e indissociavelmente, a todas as “ciências e conhecimentos” úteis ao homem em sua vida social, portanto à própria sociedade. A conjunção dessas duas finalidades explica que o enriquecimento do currículo das escolas elementares, do século XVI ao século XIX, não suscitou antagonismos maiores entre seus componentes laicos e religiosos. A religião, aliás, ali conservou seu lugar, de maneira absoluta, senão relativa.

c) A pedagogia, entre memória e julgamento

A pedagogia adotada nas escolas elementares do Antigo Regime foi seguidamente reduzida à forma catequética, isto é, a um encadeamento de perguntas e respostas a serem citadas de cor. De fato, o lugar dos procedimentos de catequese é bem reconhecido. O próprio Calvino deu um dos primeiros exemplos disso no seu Catecismo de 154327, apressadamente redigido e julgado rapidamente de maneira descuidada; em Neuchâtel, ele sofreu logo a concorrência de outros28. Nas matérias profanas, essa forma de catecismo pôde igualmente ser adotada, por exemplo, nos manuais de geografia em uso no fim do século XVIII29. De maneira mais geral, as sociedades antigas, e, portanto, suas escolas, davam uma importância real à memória, à recitação, ao aprender “de cor”, mas dá-se uma visão excessivamente reduzida desse interesse, quando concluímos que as crianças eram levadas a “repetir sem compreender”.

Compreender o conteúdo de um texto é, evidentemente e bem ao contrário, o centro de uma injunção feita à criança de “explicar a razão” de sua fé, seja qual for, por outro lado, a capacidade que realmente é sua de satisfazer a um exercício tão difícil. Calvino dá – entre muitos outros – o exemplo dos tesouros pródigos da pedagogia para fazer compreender um certo capítulo do seu catecismo30. Théodore de Bèze solicita que os alunos

26 Farel G.: Sommaire et brève déclaration, 1534. Réed. Neuchâtel, 1980. 27 Calvin J.: Le catéchisme de l’Eglise de Genève, 1542. 28 Vuilleumier H.: Notice historique sur les catéchismes qui ont été en usage dans l’Eglise du pays de Vaud depuis le temps de la Réformation, Lausanne 1888. 29 Ostervald S.F.: Cours élémentaire de géographie ancienne et moderne et de sphère, par demandes et réponses. Neuchâtel, 1ère éd: 1757, 10e éd: 1800. 30 Calvin J.: Deux congrégations et exposition du catéchisme, Genève 1563, réed. Paris, 1964.

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aprendam e cantem os Salmos que traduziu com inteligência, “como homens”, e não somente de memória, “como pássaros”31. Tais testemunhos são inúmeros, podem até mesmo serem encontrados em escritos de modestos habitantes de vilas que lembram de forma sábia, em 1802: “Por que aprendemos? Não é para reter palavras, é para melhor compreender”32.

Essa exigência de compreensão se encontra tanto nas matérias profanas quanto nas religiosas, o exercício do “julgamento” e da “inteligência” são enaltecidos de forma similar em todo o ensino elementar. A pedagogia das Luzes, que tende privilegiar o ensino “por princípios” em relação ao ensino “por rotina” acentua ainda essa exigência, favorecendo a invenção de procedimentos ou de exercícios identificados com uma aprendizagem mais dedutiva: a popularidade da gramática testemunha isso e sua introdução massiva nas escolas das vilas de Neuchâtel onde, desde o início do século XIX, está presente em quase metade dos programas33.

A importância dada a essa pedagogia da compreensão pode ser sistematicamente avaliada através do balanço da visita de inspeção a que se submete o conjunto de escolas de Neuchâtel – em torno de 250 – no final do ano escolar de 1850-51; isto é, o último que viu essas escolas funcionarem, no essencial, segundo as modalidades do “Antigo regime escolar”, como começou-se então a denominá-lo34. Os relatórios dos comissários do governo enviados para prestar contas ao Departamento de Educação pública, não podem ser julgados excessivamente indulgentes com o Antigo Regime, pois seus autores foram todos escolhidos entre os simpatizantes da República. Eles dão uma imagem interessante dos princípios pedagógicos aplicados pelos regentes e dos objetivos que os comissários julgam atingidos, ou não, em cada uma das matérias ensinadas, sejam elas profanas ou religiosas.

O critério que a maioria dos relatórios coloca em destaque é a maneira pela qual os alunos testemunham sua inteligência, seu julgamento, sua capacidade de raciocinar, seja quando do exame ou dos seus trabalhos ao longo do ano, que mostram aos examinadores no dia de visita. Isso é válido para a grande maioria das matérias ensinadas e examinadas: leitura, gramática, análise, aritmética, geografia, história, recitação, composição francesa. Em todas essas matérias, incluindo a história sagrada e a recitação,

31 Cité dans Caspard P.: Examen…, art.cit., p. 27. 32 Ibid, p. 44. 33 Caspard P.: L’orthographe et la dictée: problèmes de périodisation d’un apprentissage, XVIIe

- XIXe siècles. In: Le Cartable de Clio, Lausanne 2004, p. 255-264. 34 AEN, DIP 25 IX à XIII: Rapports des commissaires du gouvernement sur les visites des écoles en 1851.

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quando dizem respeito aos textos religiosos, se reencontra a oposição entre a memorização e a verdadeira compreensão, a primeira sendo totalmente estigmatizada quando não acompanhada da segunda. Só escapam a esse critério a escrita, os trabalhos de agulha, o desenho e o canto, que são julgados a partir das qualidades de cuidado, de elegância ou de exatidão, cujos autores testemunham.

Ao contrário, o critério de compreensão vale também para as provas de religião, quando essa matéria consta do exame35. São desprezadas pelos comissários, as respostas dadas de cor, sem julgamento, o espetáculo lamentável “dos alunos que recitam sua religião como papagaios, que demonstram nada compreender”, dando assim a impressão que, para o pastor que os instruiu e os interroga, a religião é “simplesmente uma questão de memória, e não de ciência”. Esse último termo mostra que, para os comissários, a religião não é uma matéria totalmente à parte, que deve ser ensinada exigindo da criança o mesmo exercício de julgamento e de reflexão das demais matérias profanas e, isso, mesmo se envolver “sentimento, coração, convicção”, qualidades igualmente apreciadas nas respostas dos alunos.

Resumindo, podemos dizer que os comissários estão satisfeitos com a pedagogia cujos efeitos observam nas escolas, sendo que em torno da metade dessas são julgadas sob esse ponto de vista de boas a excelentes, as outras estão divididas igualmente entre médias ou medíocres, e fracas ou nulas36. Sua satisfação é menor para o exame da religião do que para as outras matérias, mas transparece freqüentemente, como julga este comissário “interessante ouvir as crianças deduzirem com muita propriedade as conseqüências práticas que se pode tirar de um grande número de fatos contados no Livro Divino”.

***

A República de Neuchâtel fez da modernização do sistema escolar um dos seus objetivos maiores. A laicização do conteúdo de ensino, tal qual, não constitui senão uma parte secundária dessa política. Confiar o ensino religioso “propriamente dito” ao único pastor, fora do programa de ensino obrigatório assegurado pelos professores primários, só prolongava

35 A lei de março de 1850 prevê que um exame e um relatório especial sejam feitos pelos pastores e enviados ao DEP, mas as práticas são ainda hesitantes, e a prova de religião continua muitas vezes a figurar no exame geral. 36 Caspard P.: Etude à paraître.

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uma evolução anterior; o secretário da Classe reconhecia, alguns anos antes, que não resultava de um grande propósito, mas de uma infinidade de vontades particulares”37. Sob o mesmo impulso, o currículo continua a se enriquecer, suscitando em 1854 a criação oficial de um ensino primário superior ou secundário moderno, já existente de fato, ao passo que a multiplicação e a diversificação dos exercícios escolares contribuíam bem mais à atividade reflexiva dos alunos.

A ruptura a mais significativa visada pela política de modernização da escola residiu fundamentalmente na vontade dos republicanos em resolver o problema político criado pela evolução demográfica e sociocultural do país38. A partir do século XVIII, aumentou em todo o cantão a presença de minorias religiosas, católicas, judaicas, dissidentes. Ao contrário, as corporações comunais, que tinham se fechado no século XVI, pretendiam conservar a total direção de suas escolas, porém, muitas delas agora eram freqüentadas por uma maioria de crianças de origem simples, de confissões diversas, e privadas dos direitos cívicos. Os republicanos se propuseram então como objetivo minorar ou suprimir o papel dos corpos intermediários (Igrejas, comunas) para privilegiar o debate de dois atores: o Estado e o cidadão39.

No ensino, a Pátria – com seus dois níveis, o cantão de Neuchâtel e a Confederação Helvética – torna-se assim a nova figura do coletivo, que cada cidadão devia conhecer e amar, e especialmente o futuro cidadão: o Aluno, figura também nova da criança escolarizada. É por isso que foi introduzido o ensino da instrução cívica, acrescido do da história e da geografia do cantão e da Confederação; enquanto que os novos livros de leitura ofereciam paisagens, riquezas e heróis do país para serem admirados, e que os cantos populares ou patrióticos (como Ranz des vaches, cantado em dialeto) permitiam aos alunos manifestar o entusiasmo que lhes inspiravam. Em um contexto europeu de aumento dos nacionalismos, a laicização da escola de Neuchâtel se caracteriza menos como uma vitória frontal sobre a religião ou a Igreja nacional, do que como o adiantamento, 37 AEN, Actes de la Classe, Rapport du 18 février 1846. 38 Caspard P.: “Reflektieren Spiegel? Bausteine zu einer vergleichenden Betrachtung der unentgeltlichen und entkonfessionalisiert en Pflichtschule in Frankreich und in der Schweiz” in: Criblez L., Hofstetter R., Magnin C. (Dir.): Eine Schule für die Demokratie. Berne, P. Lang, 1999, p. 433-454. 39 Sobre os problemas institucionais e políticos analisados em longa duração como em curta duração nos anos fundadores da República, ver dois números especiais da Revue historique neuchâteloise: Des chartes de franchise à la nouvelle constitution: une histoire des institutions neuchâteloises, juillet 2002, et Révolution neuchâteloise, 1848-1998, juillet 1998, ainsi que Christ T., Riard S.: Du réduit communal à l’espace national. Le statut des étrangers dans le canton de Neuchâtel, 1750-1914. Hauterive 2000.

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aliás parcial e negociado, de muitas autoridades locais e fragmentadas, buscando uma autoridade central única, isto é, como um alargamento das formas antigas do laos40.

Pierre Caspard é diretor e pesquisador do Service d’Histoire de l’éducation / Institut National de Recherche Pédagogique – França.

Maria Helena Camara Bastos é Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Pesquisadora do CNPQ.

Recebido em: 15/01/2006 Aceito em: 20/02/2006

40 Laos = Povo (Nota da tradutora)

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 39-57, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896-1934): hegemonia política na construção da universidade*

Marília Costa Morosini Maria Estela Dal Pai Franco

Resumo

O texto resgata a trajetória da Escola de Engenharia de Porto Alegre (E.E.) em seus primórdios - 1896-1922 - e como Universidade Técnica (U.T.) - 1922-1934. A análise qualifica a E.E. como uma instituição científica ímpar para a época pela sua hegemonia com o Estado do Rio Grande do Sul e pela sua face universitária com aproximações à idéia de universidade moderna, cujas funções privilegiam a pesquisa. Foram utilizados princípios de análise de conteúdo sobre fontes de informação normativas, de ocorrências, livros, revistas e jornais.

Palavras-chave: Escola de Engenharia de Porto Alegre; história da educação.

Abstract

The paper presents the historical path of the Porto Alegre School of Engineering (E.E.) in its early times - 1896- 1922 – and as Technical University (T.U.) – 1922 – 1934. The analysis characterizes the School of Engineering as a peculiar scientific institution, to its time, for its political hegemony with the State of Rio Grande do Sul and for its university feature, connected to the idea of modern university, whose functions focuses on research. Various documents were analyzed: legislative, factual, books, periodicals and newspapers.

Key-words: Porto Alegre School of Engineering; history of education.

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Introdução

A Escola de Engenharia de Porto Alegre (E.E.) foi o pilar do ensino superior no Rio Grande do Sul (RS) e gênese da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Congregava características incomuns para o ensino superior brasileiro à época dominado pelas escolas de formação de bacharéis, inspiradas no modelo francês-napoleônico de faculdades voltadas ao eruditismo e à profissionalização. A E.E., inicialmente orientada por modelo universitário alemão e, após, americano, caracterizou-se pela interligação entre os diferentes graus de ensino, pela descentralização de suas atividades no Estado e pela produção e divulgação do conhecimento produzido.

O (PRR) Partido Republicano Riograndense dominava o cenário político do estado e constituía-se na forma superior de organização (MACCIOCHI, 1977, p.64) da concepção positivista. Sob tal perspectiva, a ciência e o governo dos sábios, cuja ordem levaria ao progresso do Estado, desempenhavam um papel preponderante para a construção do capitalismo. É então criada a E.E. que representa a manutenção da hegemonia do grupo no poder, a qual não se restringe à dominação pela coerção, mas estende-se à formação do consenso, para a qual se faz imprescindível a função educativa (GRUPPI, 1980).

Este trabalho tem como objetivo resgatar a trajetória da E.E. em seus primórdios e em seu desenvolvimento para Universidade Técnica, qualificativo dado à E.E. nos Estatutos de 1922, abarcando o período de 1896-1934. Objetiva-se revelar as ligações entre a E.E. e o Estado e sua face universitária.

1 O Estado do rs e a Escola de Engenharia

Durante a República Velha (1890-1930), a realidade brasileira e, mais precisamente a riograndense, reflete a busca de inserção no processo global de internacionalização do capitalismo, pela via monopolista. Tal postura exigia a adoção de uma moral ética - a do valor trabalho - e um estado "científico" forte - ditadura científica -, centralizador e com hegemonia dos setores mais avançados do capital. Um Estado que além de "celeiro do País" (PESAVENTO, apud DACANAL, 1989:194), forçasse a modernização. Tal estado, na virada do século, se concretizou apoiando-se

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no Partido Republicano Riograndense (PRR), sob novo grupo de atores políticos. O PRR aproximou-se do

[...] moderno Príncipe (Partido Político) que deve e não pode deixar de ser o propagandista e o organizador de uma reforma intelectual e moral, o que significa criar o terreno para o desenvolvimento ulterior da vontade coletiva - deve estar ligado a um programa de reforma econômica; (GRAMSCI, l984, p.13).

No RS, a concepção positivista Comteana corporificou-se no PRR e não se restringiu ao caráter de religião da humanidade Quanto a questão da ciência, considerada a investigação do real, do precisamente determinado e do útil, seu desenvolvimento marcava a passagem do poder espiritual para mãos de sábios e cientistas e do poder material, para industriais.

A E.E. pode ser considerada a obra mais grandiosa do espírito positivista no RS, com íntima e estreita relação entre o Estado-RS e a escola pela: identidade de princípios, reconhecimento da importância do Estado, concessão de auxílios financeiros e desempenho de funções políticas concomitante às acadêmicas na E.E.. No que tange à identidade de princípios entre a E.E. e o Estado do RS, a concepção positivista de sociedade está presente em diversos estatutos que orientam a escola.

Em relação ao reconhecimento da importância do Estado para a E.E. a forma predominante é a dos elogios dirigidos à figura dos Presidentes do Estado: Dr. Carlos Barbosa (Ata n.º 100 de 31/11/1912) e Dr. Borges de Medeiros (Ata n.º 139 de 07/04/1917). É comum que os Institutos da E.E. homenageassem os políticos do Estado, através de sua nominação. Ao lado dos elogios aos membros do governo, é destacada a concordância na concepção de técnica, bem como a relação de dependência da E.E. ao Estado do RS.

A estreita relação se manifesta também pela concessão de auxílios financeiros do Estado do RS. A E.E. dispunha de auxílios provenientes das Intendências, assim como de particulares e de empresas. Entretanto, através dos relatórios da E.E, sabe-se que a Lei nº 72 de 28 de novembro de 1908 concedia ao Instituto Técnico Profissional um auxílio, pelo prazo de dez anos a contar de primeiro de janeiro de 1911, proveniente da arrecadação da taxa profissional de 2% (lei orçamentária de apoio ao ensino técnico) posteriormente, como auxílio ao Instituto de Agronomia e Veterinária.

A estreita relação E.E. - Estado RS projeta-se, também, no desempenho de funções políticas, no executivo e/ou no legislativo, por professores, concomitante às funções acadêmicas e/ou administrativas na escola. (Quadro 2).

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As características anteriormente apontadas da Escola de Engenharia de Porto Alegre levam-nos a concordar com Gramsci (1985, p.136), pois

Não é aquisição de capacidades diretivas, não é a tendência de formar homens superiores que dá a marca social de um tipo de escola. A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nesses grupos uma determinada função tradicional diretiva ou instrumental.

A íntima relação entre Estado e E.E. que existiu no RS não é verificada na esfera da União. Naquele momento o RS é um Estado poderoso e tem voz diante da Nação. Genro (apud DACANAL, l980:105) afirma que as relações do RS com o poder central não eram estáveis, com diferentes blocos de poder diferenciados no comando.

No plano das ingerências financeiras as concessões do Estado-União à Escola são oscilantes, e podem ser divididas em dois momentos. Até 1910, há reclamos por parte da Escola, do não envio de verbas da Federação. Após esta data são reportados alguns elogios aos representantes gaúchos na União, mas poucos à ajuda financeira. A partir de 1911, começa a surgir o registro do envio de verbas federais (Ata n.º 96, de 31/1/1911).

No plano das ingerências acadêmicas embora o Instituto Júlio de Castilhos seguisse o programa do Ginásio Nacional havendo, inclusive, a presença de fiscal federal em suas dependências, Parobé, Diretor da Escola, externa seu descontentamento à dependência federal quando afirma buscar livrar-se do fatal código de ensino e da praga dos institutos equiparados (E.E., Relatório do Diretor, 1910:III).

Ao analisar a gênese da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Franco; Morosini (l993) também destacaram a autonomia acadêmico-administrativa consentida da E.E. perante a União, a partir da comparação entre o determinado pelas reformas federais (Decreto n.º 8659 de 05/4/1911 que institui a liberdade de ensino às faculdades e Decreto n.º 11530 de 18/3/1915 que faz retornar a fiscalização federal) e o concretizado na E.E.

2 Escola de Engenharia de Porto Alegre - Universidade Técnica

No período de 1896 até 1922, a E.E. atravessa diversas fases (UFRGS, 1971). A primeira delas, de 1896 a 1906, é definida como fase primordial e de consolidação, implantando-se os cursos de agrimensura, de engenheiro de estradas e de engenharia civil; a segunda, de 1906 à 1911, corresponde à fase pioneira da expansão, pois nesse primeiro ano é criado o Instituto Técnico Profissional, posteriormente batizado de Parobé e mais 3

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Institutos: Astronômico e Meteorológico, Eletrotécnico e Agronômico e Veterinário; de 1911 a 1917, segue-se uma nova fase de consolidação; a quarta fase, de 1917 a 1921, é a fase de extensão do ensino técnico profissional elementar e médio, das áreas industrial e agrícola, fundando neste período, em pontos estratégicos no interior do Estado, 3 escolas industriais elementares, dotadas de patronatos; 4 estações de Agricultura e Criação, com os respectivos patronatos; 3 estações de Zootecnia, dispondo cada uma de patronato e 39 estações de Meteorologia. Foram criados, ainda, em 1920 o Departamento de Saúde, o Curso de Química Industrial, o Departamento Comercial, Industrial e Financeiro (CIF) e o Ensino Ambulante. Cabe destacar os seguintes aspectos: 1) estratificação do ensino em vários níveis, visando a infra-estrutura que serviria de base à comunicação do conhecimento tecnológico; 2) interiorização do ensino, pela criação de instituições de ensino teórico-prático, em pontos estratégicos e em cidades do interior do Estado (Caxias do Sul, Rio Grande, Santa Maria, Bento Gonçalves, Cachoeira do Sul, Santa Rosa, Bagé, Alegrete, Júlio de Castilhos); 3)Seleção e promoção de talentos oriundos da camada social de poucos recursos econômicos, através da criação de seções de patronato e da possibilidade de ascensão vertical no sistema de ensino.

Quadro 1 - Quadro comparativo dos Cursos, E.E., Estatutos de 1922 e 1929.

INSTITUTOS (Ano de Criação)

IDENTIDADE DA E.E NOS ESTATUTOS DE 1922 E 1929

ENGENHARIA (1897) Seção de Engenharia Civil que visava preparar engenheiros civis JÚLIO DE CASTILHOS (1900)

Seção de Ensino Primário e Preparatório que visava dar educação fundamental, primária e secundária

ASTRONÔMICO E METEOROLÓGICO (1908)

Seção de Estudos e Ensino de Astronomia, Física e Meteorologia que visava o ensino e a prestação de serviços em astronomia, física e magnetismo terrestre.

PAROBÉ (1906) Seção de Ensino Secundário e Superior, Técnico e Profissional de Mecânica, de Arte e Ofícios que visava formar mestres e contramestres

BORGES DE MEDEIROS (1909)

Seção de Ensino Superior de Agricultura e Veterinária que visava preparar engenheiros agrônomos e veterinários

EXPERIMENTAL DE AGRICULTURA

Seção de Estudos e Serviços Experimentais de Agronomia e Agricultura que visava estudos físico-químicos do solo, seleção de sementes e preparo industrial dos produtos agrícolas.

ESCOLA INDUSTRIAL E ELEMENTAR (1917)

Seção de Ensino Primário, Médio e Técnico-Profissional de Mecânica, Artes e Ofícios que visava preparar operários e aprendizes.

MONTAURY (1908)

Seção de Engenharia Mecânica, Elétrica e Química Industrial que objetivava preparar engenheiros montadores mecânicos e eletricistas e

Seção de Engenharia Mecânica e Elétrica que objetivava preparar mecânicos eletricistas. (1929)

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químicos industriais. (1922) ZOOTECNIA (1909)

Seção de Estudos e Serviços de Zootecnia, de Ensino Médio e Secundário cujo objetivo era preparar capatazes rurais. (1922)

Seção de Estudos e Serviços de Zootecnia, de Ensino Médio e Secundário de Agricultura e Veterinária cujo objetivo era preparar técnicos rurais. (1929)

ESTAÇÃO ZOO-TÉCNICA (1922). PINHEIRO MACHADO (1929)

Seção de Ensino Primário de Agricultura e Zootecnia que objetivava preparar operários e capatazes rurais. (1922)

Seção de Ensino Primário de Agricultura e Zootecnia que objetivava preparar operários rurais. (1929)

QUíMICA INDUSTRIAL(1927)

Seção de Ensino e Química Analítica e Industrial que objetivava preparar químicos analistas e industriais, estudos e trabalhos sobre indústrias químicas. (1929)

EDUCAÇÃO DOMÉSTICA E RURAL (1929)

Seção de Ensino e Serviço do Lar Doméstico e Rural que objetivava preparar condutoras do trabalho doméstico e rural. (1929)

Fonte: Escola de Engenharia. Estatutos: Porto Alegre: Officinas Graphicas da Escola de Engenharia de Porto Alegre, 1922, 1929.

Na Escola de Engenharia:

Construíram um sistema de ensino superior iluminado por parâmetros universais pois para os professores da Escola a concepção de curso era o do ensino vigente no mundo, porque eles estudaram nas universidades alemãs e americanas mandaram para lá nossos técnicos para estudar o ensino nesses países. (SOARES, 1986, p.22).

Esta concepção de ensino-pesquisa era acompanhada de divulgação do conhecimento produzido na revista EGATEA (existente até 1934). Constituía-se (BOSI, A. 1995) em uma coletânea bimestral de estudos e pesquisas e destinava-se a ser,

[...] uma publicação de interesse geral para o Rio Grande do Sul, cujo progresso pretende ser colaboradora e comentadora. Assim sendo, os assuntos que ocuparão proeminente lugar são os que a esse progresso se relacionam.[...]São absolutamente excluídos todos os assumptos de caracter pessoal e de caracter didático puramente. (E.E., RELATÓRIO DO DIRETOR, 1914, P. 18-20).

É importante ainda ressaltar que, nesse mesmo relatório, são descritas pesquisas experimentais, a maioria realizada nos laboratórios do Instituto de Agronomia e na Estação Experimental tal qual uma análise comparativa da entrada e saída d’água do Rio Guaíba, bem como testes

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zootécnicos buscando a correlação entre alimentação e estado físico de animais.

A fim de atender as funções descritas, a E.E. executa, a partir de 1911, uma política de atração de professores estrangeiros para trabalharem na Escola. Nesse ano, é registrada a presença de 13 professores especialistas estrangeiros no Instituto de Agronomia e Veterinária e mais sete em outros institutos. A grande maioria destes eram europeus. Em 1913, são registrados 30 professores estrangeiros presentes na Escola. Ao iniciar a 1ª Guerra Mundial este intercâmbio é interrompido (E.E., RELATÓRIO DO DIRETOR, 1918: VII, VIII).

Aspectos como os mencionados mostram que a E.E., desde os seus primórdios, assumiu a orientação de atender diversas áreas de conhecimento ligadas ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e se aproximou da concepção de universidade moderna pela sua estruturação, formato e funções. Os Estatutos de 1922 e relatórios da época qualificam-na como Universidade Técnica:

A Escola de Engenharia de Porto Alegre é uma Universidade Técnica. Seu fim é propagar no Rio Grande do Sul e no Brasil a mais moderna e eficiente educação técnica, profissional e industrial, baseada em uma real educação primária e preparatória. O seu programa conduz o indivíduo do mais modesto ao mais elevado grau de ensino técnico" (E.E. ESTATUTOS, 1922, ART. 1º).

O uso do termo “universidade” no discurso oficial sucede uma estruturação concreta que se aproxima da idéia de universidade, o que denota a cultura antecipativa da instituição. Em que pese o fato de a U.T. ter sido formalmente instituída nos Estatutos da E.E. de Porto Alegre, de 1922, a denominação prevalente continuou a ser a de Escola, até 1931, quando foi autorizada a mudança de nome pelo Decreto do Governo Provisório da República nº 20272, de 3.8.1931, sendo oficializada pelo Decreto nº 4929, de 20.1.1932 (Ata n.º 147, da Sessão do Conselho de Administração, de 26/3/32)1.

[...] caso venha a ser uma realidade a mudança do grande nome da Escola de Engenharia de Porto Alegre, para Universidade Técnica do Rio Grande do Sul, se faça uma reforma de verdade, assentada em moldes liberais, ponderada,... e assegurando antes de tudo, a liberdade aos institutos componentes, para poderem os seus

1 Nos documentos consultados (Atas do Conselho Universitário, Congregação, Conselho de Administração, Relatórios, entre outros) até 1931, prevaleceu referência à Escola de Engenharia e não à Universidade Técnica. A estruturação, no entanto, se aproximava dos moldes universitários até mesmo pela instituição do Conselho Universitário, a partir de 1922, órgão normativo e articulador das várias unidades.

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dirigentes e professores trabalharem sem receio. (E.E., ATAS DA CONGREGAÇÃO DO INSTITUTO DE ENGENHARIA 1929-1934:12-133).

Em resumo, pode-se configurar a seguinte trajetória da E.E. de Porto Alegre em sua transição para Universidade Técnica:

1922 - Pelos Estatutos da E.E. de 1922, Art. 1, a E.E. de Porto Alegre é qualificada como Universidade Técnica;

1922 - Relatório do Departamento Central da E.E. reconhece a transição para U.T.;

1922 - Estatutos 1922 se aproximam da idéia de Universidade;

1931 - Decreto Federal 19851, de 11/4/31, que dispõe sobre o Ensino Superior no Brasil e abre possibilidade para criação de Universidades, dando preferência ao Sistema Universitário;

1931 - Decreto Federal 20272, de 3/8/31, autoriza a mudança de nome de Escola de Engenharia de Porto Alegre para Universidade Técnica do RS;

1932 - Decreto Estadual 4929, de 20/1/32, oficializa a Universidade Técnica do RS;

1932 - Decreto Federal 21080, de 24/2/32, transfere para a Universidade Técnica as cotas de custeio conferidas à Escola de Engenharia de Porto Alegre.

Na visão de Franco e Morosini (1993), o interregno de quase uma década entre a inserção do nome da U.T. nos Estatutos da Escola de Engenharia de Porto Alegre, de 1922 até as discussões de 1931, que culminaram na aprovação da mudança de nome pelo Estado-União, pode ser entendido sob diferentes prismas.

1. advém das raízes e trajetória da E.E. cujos fundadores, no transcurso de 30 anos, construíram uma instituição forte, marcante pelos seus feitos, pela sua função de pesquisa, pela formação de seus docentes e pelas edificações que refletiam o requinte da arquitetura da época. A E.E. refletiu uma história introjetada na vida da instituição, mas que a transcendia, pois estava inserida na vida da comunidade riograndense.

2. denominação U. T. tal qual consta dos Estatutos de 1922, é uma tentativa de formalizar o que já estava sendo construído paulatinamente, ao longo da trajetória da E.E..

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3. influência exógena sobre a E.E. A influência francesa, atuante na sociedade brasileira na década de 20, repercutiu na estruturação e na ação da E.E. Mas não se pode omitir a influência alemã, manifestada, inclusive, no termo "Universidade Técnica".

4. (o mais incisivo) autonomia e poder conferidos à E.E., na medida em que era braço hegemônico do Estado-RS. Tal poder legitima-lhe a introdução do nome U.T. nos estatutos centralizadores, mas, ao mesmo tempo, a sua dependência ao Estado-União, faz com que continue a denominar-se como Escola até o reconhecimento formal, em 1931.

3 Face universitária da Escola de Engenharia

A E.E. apresenta pontos de aproximação com a concepção de universidade moderna nas suas funções finalísticas. A E.E., também se aproxima da idéia de universidade moderna, ao se preocupar com a qualificação de seus docentes2 e buscar articulações internacionais.

No que se refere à estrutura político-administrativa, a E.E. apresenta como pontos tangenciais com a concepção de universidade moderna e/ou departamentos, a estrutura administrativo-decisória, a relativa autonomia das unidades universitárias quanto à receita e à despesa e quanto ao seu funcionamento, a não duplicação de meios e, finalmente, o oferecimento semestral de alguns cursos.

No que diz respeito à estrutura administrativo-decisória, de 1922, a E.E. foi organizada com um Conselho Universitário, uma Presidência, um Conselho de Administração, um Conselho de Instrução ou Técnico, Departamentos e Institutos. Três departamentos dinamizavam a Escola administrativamente: Departamento Comercial, Industrial e Financeiro; Departamento Central e Departamento de Saúde. Através de

2 Em 1920, foram contratados 7 professores e técnicos estrangeiros. Foram também enviados professores e formandos para cursos nos Estados Unidos e Europa, especialmente Alemanha. "Excelente tem sido, entre nós, o resultado apresentado, por este modo de preparar competências" (Relatório do Presidente da E.E. ao Conselho Universitário, 1922: XII). Em1922, havia onze alunos diplomados se aperfeiçoando fora do país e 28 profissionais estrangeiros atuando na administração e no ensino técnico, com tal importância reconhecida "Não só para o ensino como para as investigações das riquezas do nosso país e para prática da administração" (Relatório de Presidente da E.E. ao Conselho Universitário, 1922: XI). Ressaltam-se características que poderiam ser precursoras do Programa Institucional de Capacitação Docente (PICD), da CAPES.

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seus institutos a E.E. possibilitava o desenvolvimento de funções de ensino, pesquisa e extensão.

Em relação ao segundo aspecto, que denota aproximação com a concepção de departamento, hoje vigente, observa-se que as "secções" de ensino tinham relativa autonomia, atuando como verdadeiras faculdades, uma vez que possuíam para cada "secção" um corpo docente, elaboravam seus critérios de seleção para docentes e discentes. Cada "secção" organizava sua receita e despesa para entrar no orçamento da Universidade e era administrada por um Diretor nomeado pelo Presidente da Escola (E.E., ESTATUTOS DE 1929, ART. 96).

O terceiro aspecto, a não duplicação de meios, guarda aproximação com o princípio que hoje rege a concepção de departamento sendo sinalizado na assertiva de que, Os professores do Instituto são nomeados pelo presidente da Escola, mediante concurso, quando não forem técnicos ou chefes de serviço em exercício na Escola, ou professores de outros institutos. (E.E., REGULAMENTO DO INSTITUTO MONTAURY, 1923, ART.88). Tal aspecto aliado ao que se observa em relatórios dos Institutos ao Conselho Universitário, indicam a presença do princípio da não duplicação de meios. Um mesmo docente seria responsável por dada área do conhecimento socializada entre os vários institutos que a incluíam no seu currículo.

O quarto ponto tangencial com a universidade moderna é o funcionamento semestral de alguns cursos, se bem que distanciados da concepção de crédito, hoje amplamente difundida.

Ao discutir os pontos tangenciais com a universidade moderna, uma prática vigente merece uma menção especial: todos os diretores de departamentos enviavam um relatório minucioso ao Presidente da Escola, anualmente. Também procediam, assim, Institutos e Estabelecimentos. Tais trabalhos eram congregados num relatório do Presidente, apresentado ao Conselho Universitário.

O qualificativo de "Universidade Técnica" para a E.E. poderia ser identificado com a matriz profissional de organização universitária que expressa a função do ensino para formação profissional. Mas ele é, também acompanhado pelo qualificativo da busca de conhecimento, que expressa a função de pesquisa e de extensão, pela socialização do conhecimento para comunidades extra-universitárias.

A Escola de Engenharia é reconhecida pelos Governos Federal e Estadual pela sua competência no ensino. Este reconhecimento é observado quando procuram premiá-la através de recursos e de manifestações públicas quanto à competência e pela inserção de representantes em órgãos educacionais decisórios superiores da União. A premiação por meio de

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recursos ocorre através do Decreto Legislativo nº. 4384, de 8 de dezembro de 1921, quando o Governo estabelece um prêmio para a Escola pelos serviços prestados nos seus vinte e cinco anos de atividades, mas também visando estimular a expansão de suas atividades. A premiação através de reconhecimento público pode ser observada no relato da Ata nº. 46, da Sessão do Conselho de Administração, de 31/10/25.

Na Ata nº. 49, da Sessão do Conselho de Administração, de 30/1/26, encontram-se os indicativos da premiação através da inserção nos órgãos decisórios. O Presidente comunica que, devido ao bom desempenho da E.E. na realização dos exames preparatórios, estão reservados à Escola dois lugares no Conselho Superior de Ensino: um destina-se ao vice-presidente eleito da Escola; o outro será preenchido por eleição.

Aliado ao reconhecimento pelo ensino ministrado na E.E., cabe mencionar a variedade e amplitude de cursos nela oferecidos, que abarcavam desde o ensino fundamental até o ensino superior. Além dos institutos citados no quadro 1, a E.E. agregava a Escola Industrial Elementar (1925:82A). Mais tarde, em 1929, a criação do Instituto de Educação Doméstica reitera a preocupação. (GODOY, 2000)

Resumindo, pode-se dizer que a aproximação da idéia de universidade através do ensino se revela pela diversidade de cursos oferecidos nos diferentes institutos mesmo que fossem direcionados às áreas técnicas e não humanistas. Pesa, também, a competência da Escola construída no entrelaçamento das diversas aproximações analisadas, pois interferem nas relações com o Estado-União. As premiações através de recursos e de reconhecimento público assim o atestam. Não se pode omitir, também, a significativa contribuição da E.E., na formação de pessoal, para a comunidade riograndense, que, desde sua fundação até 1929, teve 25936 alunos matriculados e 1033 formandos, nos diversos níveis e modalidades oferecidos na instituição.

A segunda das atividades da E.E. que a aproxima da idéia de universidade pelo conhecimento é a pesquisa. É interessante se registrar que a preocupação com a pesquisa perpassa mais de uma unidade da U.T. Está presente no Laboratório Carlos Chagas que integrava o Instituto Borges de Medeiros, bem como nos Institutos Experimental de Agricultura e Astronômico-Meteorológico.

A título de exemplificação, cabe explicitar atividades desenvolvidas no Instituto Borges de Medeiros, através do Laboratório Carlos Chagas. O referido Instituto era considerado como um verdadeiro Instituto de ensino e pesquisa, desenvolvendo trabalhos em diferentes áreas agropecuárias. Realizava diagnósticos de moléstias infecciosas de animais, preparava vacinas e respectivas instruções de aplicações, estudava parasitas

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buscando o tratamento tanto para animais como para plantas, aprofundava o conhecimento de processos fermentativos para indústrias de lacticínios e de vinhos, desenvolvia processos biológicos de melhoria do solo. As experiências agrícolas eram registradas em planilhas, publicadas em relatórios, nos quais a identificação de canteiros, a cultura antecedente e os processos de adubação estavam explicitados; também eram registradas as datas da semeadura e da colheita com os respectivos índices de produção total e por hectare, por tipo de semente, entre outros (Relatório do Instituto de Zootecnia da EE, 1923).

A preocupação da E.E. com a construção do conhecimento e com sua disseminação manifestava-se, respectivamente, na exigência de trabalho final que o aluno defendia perante uma comissão e na publicação dos conhecimentos produzidos na mencionada Revista EGATEA, coletânea de estudos originais, de pesquisas e observações valiosas, que muito contribuem para solução dos problemas da ciência, da arte e da produção brasileira e rio-grandense de modo principal. (E.E., RELATÓRIO, 1923).

A face universitária da E.E. se manifestou, também, através da socialização do conhecimento com inúmeras atividades de extensão realizadas, refletindo preocupação com o desenvolvimento econômico do Estado, com a ascensão cultural da população, com nítida visão antecipativa da vinculação entre cultura e o patamar científico-tecnológico de uma sociedade. É depreendido a partir do Serviço Ambulante da E.E., do oferecimento de cursos noturnos e dos estudos orientados para o desenvolvimento agropecuário e agroindustrial.

4 Escola de Engenharia: hegemonia política e construção da Universidade

O presente texto analisou a E.E., desde sua fundação, em 1896, passando por sua transformação em Universidade Técnica, em 1922, e constituindo-se em um dos pilares básicos da Universidade de Porto Alegre, (UPA), em 1934, e posteriormente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, em 1950. Destaca-se a E.E. como uma instituição científica ímpar para a época pela sua hegemonia com o Estado do Rio Grande do Sul e pela sua face universitária moderna, privilegiadora da pesquisa. O panorama histórico-social do RS se caracterizava pelo predomínio de um governo forte e dominante, apoiado pela Constituição Estadual de l891. Governo que se centralizava na busca da modernização pela inserção do Estado no capitalismo internacional, através de uma

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proposta social coesa baseada nos princípios comteanos e na prática da leitura de Júlio de Castilhos sobre o positivismo.

Não basta a tomada do poder (função de força) para completar a função hegemônica. É necessária uma revolução social e moral permanente (MACCIOCCHI, 1977) apoiada numa complexa rede com funções educativas e ideológicas. Neste contexto, a E.E., no período estudado, contribuiu para a hegemonia do Estado positivista gaúcho através da manutenção do poder do grupo castilhista (corporificado politicamente no PRR - Partido Republicano Riograndense), pela criação de condições de consenso e capacitação da classe dirigente que objetivava a consolidação do modo de produção capitalista no Estado.

A E.E., como construtora da hegemonia do grupo positivista no poder, apresenta uma concordância doutrinária que a torna parte ideológica e instrumental do Estado. A unidade de princípios entre o PRR e a Escola, os constantes elogios da Escola aos membros do governo gaúcho, a sustentação financeira da Escola pelo Estado e a presença de figuras proeminentes ocupando posições concomitantemente no setor educacional e no setor legislativo e/ou executivo assim o atestam.

Quadro 2 - Concomitância de funções na E.E. e em instâncias governamentais, 1896 – 1922.

NOME ESTADO (Função)

ESCOLA DE ENGENHARIA (Função)

João José Pereira Parobé

· Constituinte da Província do RS (1891) · Secretário de Estado - Obras Públicas (1897) · Deputado Estadual - PRR (1909-1911)

· Diretor (1897-1915)

João Simplício Alves de Carvalho

· Deputado Estadual (1901) · Deputado Federal (1908-1912) · Secretário da Fazenda (Governo Getúlio Vargas - 1930)

· Fundador da E.E · Professor - Conselho Escolar (1898-1915) · Diretor Eleito (1915-1922)

Gen. Manoel Theophilo Barreto Vianna

· Constituinte (1891) · Deputado Estadual (1897-1928)

· Professor - Conselho Escolar (1898-1915) · Diretor Interino (1915-1922)

João V. de Abreu · Deputado Estadual (1905-1909) · Fundador da Escola (1896) · Professor - Conselho Escolar (1896-1910)

Luiz Englert · Constituinte (1891) · Deputado Estadual (1899-1912)

· Professor - Conselho Escolar (1909-1920) · Diretor do Instituto de Engenharia

Cândido José de . Secretário da Fazenda Gov. Fed. . Professor - Conselho Escolar

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Godoy (1909) Juvenal Octaviano Müller

. Vice-Presidente do Estado (1907-1908)

. Professor - Conselho Escolar

Fontes: Escola de Engenharia de Porto Alegre. Atas do Conselho Escolar. Porto Alegre: 1908-1922. Manuscrito. Escola de Engenharia de Porto Alegre. Estatutos. Porto Alegre:1896, 1898, 1912, 1917. RIO GRANDE DO SUL. Assembléia Legislativa. “Annaes” - 1935. Porto Alegre: Imprensa Official, 1936.

Por outro lado, a hegemonia que se desenvolveu entre Estado-RS e E.E. interfere na relação entre Estado-União e E.E. Está no cerne a questão de identidade de princípios e coesão em nível de RS, o que faz com que a E.E. coloque em prática a concepção positivista de cursos técnicos, diferente do restante do país, e que obtenha reconhecimento da União. Convém lembrar que o ensino superior, mesmo que permitida a iniciativa privada, era responsabilidade do governo central.

O presente estudo também mostrou que a E.E., como U.T., apresenta aproximação com a Universidade Moderna, em sua estrutura político-administrativa e em suas funções finalísticas que tratam do conhecimento. A aproximação da idéia de universidade pela estruturação político-administrativa ocorre pela autonomia das unidades universitárias, pela não duplicação de meios e pelo funcionamento semestral. A aproximação da idéia de universidade pelo conhecimento ocorre pela diversidade de áreas em que o ensino é ministrado, pelo interesse em desenvolver pesquisas vinculadas às necessidades da comunidade e pelo desenvolvimento de atividades de extensão. Quanto ao ensino, os cursos oferecidos eram de áreas diversas se bem que técnicas. A articulação teoria-prática e a produção de trabalhos atesta a importância dos liames ensino e construção do conhecimento. Outro aspecto que se ressalta é a marcante preocupação com a educação feminina (GODOY, 2000). O preparo de condutoras de trabalhos domésticos e rurais era gratuito, consentâneo à orientação positivista de valorização da mulher como geradora e educadora de filhos. No que se refere à pesquisa é de se destacar a produção dos institutos caracterizada pela precisão de registros e controles e orientada para o atendimento de necessidades econômico-sociais da época, marcadamente as agropecuárias. Nota-se o embrião de ações que visam a formação de nova geração de pesquisadores através de produção de final de curso e de atividades para disseminar a produção para a comunidade acadêmica através da revista EGATEA.

Finalmente, cabe lembrar o momento que veio se desdobrar na criação da Universidade de Porto Alegre (UPA). Vivia-se o afloramento das condições iniciais do processo de industrialização. Não era mais a E.E. como U.T., mas a UPA, com multidiversidade de campo que viria atender condições.para o enfrentamento científico-tecnológico. Sob tais reflexões é

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que se entende a nostalgia de Soares (1971) ao afirmar que depois que os remanescentes da Escola de Engenharia de Porto Alegre passaram a integrar a Universidade Porto Alegre, a unidade de comando não mais se restabeleceu (SOARES, 1971, p.23). No interior desta nova universidade a E.E. deveria encontrar sua via revitalizadora. Ao mesmo tempo em que a U.T. fenecia, estavam sendo criadas condições para a emergência da UPA.

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Marília Costa Morosini é doutora em Educação, pós doutora no LLILAS – Institute of Latin American Studies, Universisity of Texas, pesquisadora 1 CNPq, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.

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Maria Estela Dal Pai Franco é doutora Ciências Humanas e professora titular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Colaboraram os bolsistas FAPERGS/CNPq: A. L. Simioni, A. L. da Silva, L. F. Beneduzi e M. L. Palhares

Recebido em: 25/01/2006 Aceito em: 20/02/2006

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 59-88, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Educação, Religião e República: repercussões dos debates entre Católicos e Republicanos no Triângulo

Mineiro-MG (1892-1931) Carlos Henrique de Carvalho

Wenceslau Gonçalves Neto

Resumo

Trata-se de um estudo que buscou caracterizar as particularidades percebidas através dos debates entre católicos e republicanos no interior do Brasil, mais especificamente na região do Triângulo Mineiro, no período compreendido entre 1892 a 1931, tendo nos jornais da época a principal fonte documental da pesquisa. Buscou-se, ainda, compreender as articulações do regional com o nacional, como forma de ter um quadro histórico mais abrangente, não apenas em relação ao conflito, mas também perceber as concepções e dimensões de educação que eram propostas pelos dois grupos em disputa.

Palavras-chave: Educação, Imprensa, República, Igreja Católica e Liberalismo.

Abstract

This is a study who objectives to identify the singularities found in the debates between Catholics and Republicans in Brazil, more specifically in Triângulo Mineiro`s area, from 1892 to 1931, using the newspapers as the documental sources for this investigation. We try to comprehend the relations from local to national for a complete historical panoramic, not just about conflicts but also realizing the educational ideas and dimension considered by both groups.

Key-words: Education, Press, Republic, Catholic Church e Liberalism.

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Introdução

A periodização definida para o presente estudo (1892-1931) acompanha o processo de discussão e implantação do ensino público na região do Triângulo Mineiro, na qual privilegiamos os municípios de Uberabinha1 e Uberaba2 bem como o aparecimento das primeiras manifestações favoráveis e contrárias a essa forma de ensino na imprensa regional. Foi de suma importância, para a definição desse período, a identificação dos seguintes jornais: O Popular (1892), Tribuna do Povo (1893), Correio Catholico (1895), Cazeta de Uberaba (1898) e Lavoura e Comercio (1899); todos esses jornais circularam na cidade de Uberaba. Já no município de Uberabinha foi possível encontrar os jornais: A Republica (1897), O Progresso (1907), Paranayba (1914), A Tribuna (1919) e Triângulo Mineiro (1926), escopo documental esse que subsidia a análise que realizamos sobre os debates entre os católicos e republicanos na região do Triângulo Mineiro, no período acima referido.

No interior desses marcos referenciais o Brasil enfrentará toda sorte de adversidades e procurará caminhos que lhe permitam superar tanto as mazelas herdadas do império como definir os contornos de sua identidade republicana. Em seu início era necessário não apenas defender e garantir a continuidade da República, mas também formar uma ideologia que permitisse a todos enxergarem-se como cidadãos, responsáveis e empreendedores de uma nova era. E para a consolidação deste receituário a educação é chamada à cena para preparar a população para esta nova realidade. Os fatos, contudo, não permitiram à nascente República colocar a difusão da educação no rol de suas realizações. Maria Elizabete S. P. Xavier observa que

No Brasil, entretanto, os limites da realidade concreta, expressos na parca diversidade da atividade econômica nacional, na simplicidade das formas de produção exigidas pelas formas de dominação capitalista vigentes e na extremada concentração de privilégios, parecem ter-se imposto sobre as ilusões de ascensão ocupacional via

1 CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar. A configuração do Grupo Escolar Júlio Bueno Brandão no contexto republicano (Uberabinha-MG 1911 – 1930). Uberlândia, UFU, 2002 (Dissertação); GATTI, Giseli Cristina do Vale e INÁCIO FILHO, Geraldo. História e Representações sociais da Escola Estadual de Uberlândia (1929-1950). Educação e Filosofia. Uberlândia: EDUFU, Vol 18, Número Especial – Maio de 2004, pp. 69-104. 2 OLIVEIRA, Sirlene de Castro. Embates entre o ensino religioso e o ensino laico na imprensa de Uberaba – MG (1924-1934). Uberlândia: UFU (Dissertação de Mestrado), 2002.

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ascensão escolar. E os ideais liberais da escola ‘redentora’, promotora de progresso individual e social, móvel do desenvolvimento econômico, acabaram por se traduzir na acanhada defesa da ampliação do sistema tradicional que produzia elites dominantes3.

Se a realidade desmentia, isto não impedia, no entanto, que a ideologia da educação fosse amplamente difundida e fizesse parte do imaginário da população. São exatamente estas representações que temos encontrado de forma quase onipresente nas publicações dos jornais e revistas e que norteiam os libelos em favor da educação, da difusão do ensino (principalmente público) e da confiança depositada no futuro a cada nova escola que era aberta na região.

É neste contexto que a Igreja Católica iniciou um movimento de reação contra os princípios da República, em vista de seu caráter laico; havia ainda muitos prelados e clérigos saudosistas da época imperial, quando a instituição eclesiástica gozava de uma série de privilégios, por ser o catolicismo a religião oficial do país4. Esta preocupação é externalizada por Dom Sebastião Leme, arcebispo de Olinda, em sua Carta Pastoral de 16/07/1916, através da qual expressa os meios para enfrentar os problemas que atingem a Igreja Católica no Brasil, ao preconizar a importância da pregação, da evangelização do trabalhador, da leitura, da instrução religiosa no lar e, acima de tudo, nas escolas. Portanto, conforme argumenta Tristão de Athayde (Alceu de Amoroso Lima),

o ideal pedagógico, da realidade e do método, é condição prévia de ordem e harmonia necessária à ciência da educação. E só assim poderemos chegar a uma pedagogia integral, que não sacrifique o equilíbrio fundamental entre a ordem natural e sobrenatural das coisas. E o caminha da pedagogia católica, a meu ver, deve ser justamente o estudo acurado de todos os métodos novos, introduzidos pela pedagogia moderna, de todos os fatos revelados pela psicologia experimental ou pelas experiências seculares do tema à luz de uma filosofia verdadeiramente católica da vida. E o sentido que damos aí ao termo católico é tanto de substantivo como de adjetivo, isto é, tanto de doutrina da verdadeira posição do homem na vida histórica, como da universalidade, integralidade de

3 Capitalismo e Escola no Brasil: A Constituição do Liberalismo em Ideologia Educacional e as Reformas do Ensino (1931-1961). São Paulo: Papirus, 1990, p. 61. 4 O Estado, para os católicos, está para a pessoa e não a pessoa para o Estado. A razão de ser do Estado é a de vir ao encontro das necessidades do individuo e da família, por si só insuficientes para atender todas as solicitações do Bem Comum. Nesse sentido, deve-se submeter a Igreja, pois os interesses da ordem espiritual superam os da ordem temporal. Para este grupo, mesmo que a religião católica não seja a oficial do Estado, ela se constitui na religião nacional, em razão do Brasil ter nascido, crescido e educado sob a égide do cristianismo. Cf. ATHAYDE, Tristão. Debates pedagógicos. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1931.

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sua expansão.5

Contradizendo a pregação católica, os republicanos acusam-na de manter um posicionamento de total inércia frente a um dos problemas mais graves do país naquele momento, ou seja, o combate ao analfabetismo do povo brasileiro. A esse respeito, Jorge Nagle faz as seguintes colocações:

(...) a Igreja Católica foi acusada de não colaborar para o combate ao analfabetismo apesar de possuir recursos e organização para isso. Ainda mais, o Catolicismo no Brasil, como ocorreu em outros países, foi culpado de ser um fator de analfabetismo, pois, nas nações em que vingou, se encontram os maiores índices de população analfabeta. Disso tudo, decorre o grande dever do Catolicismo no Brasil: exercer, no máximo, o papel educativo que lhe cabe, mas sem procurar enfraquecer e desvirilizar o povo brasileiro, com o emprego de noções e teorias.6

Por outro lado, os republicanos ganham legitimidade pelo apoio, quase que incondicional, dos positivistas7 e liberais8, cuja às doutrinas obtiveram grande aceitação nos estratos sociais das elites, as quais procuraram incentivar o espírito cívico, em torno do ideal republicano9, encontra posição ao pensamento conservador da Igreja Católica, que se apresentava contrária ao processo de secularização da sociedade brasileira levada adiante pela Primeira República.

Percebe-se, então, que o período republicano é caracterizado pela luta ideológica entre liberais e católicos no Brasil10, a qual se propagou por todo o território, alcançando até mesmo as pequenas cidades do interior do país. É na tentativa de identificar como esses conflitos se materializaram em localidades distantes dos grandes centros que nos propomos desenvolver este estudo, com o objetivo de compreender a expressão de valores morais

5 ATHAYDE, Tristão. Debates pedagógicos. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1931, p.19. 6 NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU, 1976, p. 106. 7 Cf. CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998 e CARVALHO, Carlos Henrique e CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar. O positivismo e o pensamento educacional de Durkheim. Educação e Filosofia. Uberlândia: Vol. 14, nº27/28 jan/jun e jul/dez 2000, pp-81-90. 8 Cf. PAIN, Antônio. O liberalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995. 9 Cf. PAIM, Antônio (org). Plataforma política do Positivismo ilustrado. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981; CARDOSO, Vicente Licínio. À margem da História da República. Tomos I e II. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981. 10 Cf. CURY, Carlos R. Jamil. Ideologia e Educação Brasileira: Católicos e Liberais. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1984.

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católicos e, republicanos, devido ao contexto aqui tratado; tem na imprensa da cidade de Uberabinha o lugar privilegiado para procurar entender as dimensões de como esses conflitos ideológicos se configuraram através das propostas educacionais que foram publicizadas por meio dos jornais. Isto porque conseguiam velar estas suas posições, ao passarem a idéia de que eram defensores da verdade, ideal supremo das luzes11. A imprensa12 se colocava fora do poder político, mas de forma aparente, para se colocar enquanto intérprete do povo, da sua opinião. A República era recuperada pela imprensa como o espaço da visibilidade, da transparência, da verdade. Ela mantinha seus olhos voltados para o povo e cobrava este mesmo posicionamento do governo e dos governantes, que eram tidos como aqueles que não queriam enxergar.

11 CAPELATO, Maria Helena, Imprensa, uma mercadoria política. História e Perspectiva. Uberlândia: nº 4, jan/jun, 1991, p. 132. 12 VIDAL, Diana Gonçalves & CAMARGO, Marilena Jorge Guedes de. "A imprensa periódica especializada e a pesquisa histórica: estudos sobre o Boletim de Educação Pública e a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília: v.73, nº 175, p. 408. CATANI, Denice Bárbara. Informação, Disciplina e Celebração: os Anuários do Ensino do Estado de São Paulo. Texto apresentado na XVI Reunião Anual da ANPED, Caxambú, MG, 1993. Publicado na Revista da Faculdade de Educação, v. 21, n. 2, jul./dez. 1995, p. 9-30; Educadores à meia-luz: um estudo sobre a Revista de Ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo – 1902-1919. São Paulo: FEUSP, 1989, tese de doutorado; A imprensa pedagógica periódica e a constituição do campo educacional paulista. SBPC/Anais, 1992; A imprensa periódica educacional: as revistas de ensino e o estudo do campo educacional. Educação e Filosofia, Uberlândia, MG, 10(20):115-130, jul./dez. 1996; CATANI, Denice Barbara e BASTOS, Maria Helena Câmara (Org.). Educação em Revista: A imprensa periódica e a História da Educação. São Paulo: Escrituras, 1997. ARAUJO, José Carlos Souza, et alii. Educação, Imprensa e Sociedade no Triângulo Mineiro: a revista A Escola (1920-1921). História da Educação, Pelotas, RS, 2(3):59-94, abril 1998. BASTOS, Maria Helena Câmara. O novo e o nacional em revista: a Revista do Ensino do Rio Grande do Sul (1939-1942). São Paulo: FEUSP, 1994, tese de doutoramento; As revistas pedagógicas e a atualização do professor: a Revista do Ensino do Rio Grande do Sul (1951-1952). In. CATANI, Denice Bárbara e BASTOS, Maria Helena Câmara (Org.), 1997; Apêndice- “A imprensa periódica educacional no Brasil: de 1808 a 1944". In: Educação em Revista. A imprensa periódica e a História da Educação. São Paulo: Escrituras, 1997. NÓVOA, Antônio. A imprensa de educação e ensino – repertório analítico (séculos XIX e XX). Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1993; A imprensa de educação e ensino: concepção e organização do repertório português. In: Denice Barbara e BASTOS, Maria Helena Câmara (Org.), 1997; GANDINI, Raquel. Intelectuais, Estado e Educação: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 1944-1952. Campinas: Unicamp, 1995. GONÇALVES NETO, Wenceslau et alii. Educação e Imprensa: análise de jornais de Uberlândia, MG, nas primeiras décadas do século XX. Revista de Educação Pública, 1997, Cuiabá, nº 6. NÓVOA, Antonio "A Imprensa de Educação e Ensino: concepção e organização do repertório português". In: (Org.) Denice CATANI et alli. Educação em Revista- A Imprensa Períodica e a História da Educação. São Paulo: Escrituras, 1997, p.31.

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De acordo com Capelato13, os “jornalistas” da época tinham uma missão pedagógica: ensinar os cidadãos a atuar politicamente, e, ao mesmo tempo, impedir que se rebelassem. Ou seja, tinham uma dupla função: criticar e controlar os abusos do poder, cego, de um lado e segurar as “massas” revoltadas de outro lado. Daí considerarem-se superiores. Sua missão educadora e política, neste sentido, seria conscientizar, disciplinar, transformar o povo bronco em cidadãos conscientes e ordeiros14. Exatamente por esta riqueza implícita aos conteúdos informacionais, é que os periódicos locais foram privilegiados durante o desenvolvimento desse trabalho.

Quanto à opção por uma história local e regional15 isto não quer significar um menosprezo ou uma oposição à história geral. A idéia de se trabalhar com uma imprensa local, praticamente inexplorada enquanto fonte histórica, apenas nos faz pressupor novas interpretações. Ou seja, nos depararmos com determinados artigos, inéditos, que nos obrigaram a questioná-los também de forma mais profunda. Entender como a educação era pensada, as preocupações que se tinha sobre ela, quem levantava problemas a ela relacionados, quais saídas eram propostas, do quê ou de quem dependia colocar em prática esta ou aquela solução, e isto tudo em 13 Cf. CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP, 2ª edição: 1994. 14 CAPELATO, Maria Helena. Op. cit., p. 134. 15 No século XX, a historiografia francesa rompe com a tradição positivista do século XIX, considerando que as realidades criadas pelas experiências da atividade humana não podem ser somente analisadas a partir de seus aspectos globalizantes, mas, também, dentro das suas particularidades e singularidades sociais, objetivando conhecer, não só o projeto vitorioso, bem como outros projetos que não conseguiram se sobressair no espaço social. Inicia-se um processo de renovação das análises históricas, com a escola dos ANNALES. Criada em 1929, pelos historiadores Lucien Febvre e Marc Bloch, ela possibilitou a abertura de novas fronteiras interpretativas, pois ampliou o campo das fontes documentais, não aceitando apenas, como documento, os escritos oficiais, como propugnava a tradição positivista. Em suma, “esta escola, critica severa de idéias, tradicionais e preconceitos elitistas, chamou a atenção para novos grupos sociais e propiciou oportunas associações interdiciplinares entre historiadores e estudiosos de Economia, Sociologia, Psicologia, Biologia e Demografia”. Assim, em função desse novo referencial, multiplicam-se estudos relacionados à História local, que passam a ser objeto “de monografias sobre regiões especificas podem nos conduzir muito mais longe; podem servir para destruir muitas das concepções gerais que em tempos passados apareceram tão vigorosas”. Cf. GOUBERT, Pierre. “História Local”. História e Perspectiva. Uberlândia: nº 6, EDUFU, 1992, pp-51-52. Cf. também SILVA, Marcos da. “A história e seus limites”. História e Perspectiva. Uberlândia: nº 6, EDUFU, 1992, pp-59-65, onde autor faz uma fecunda discussão sobre a importâncias e as limitações da História local e regional, destacando que é a partir desses espaços que “ocorrem experiências vivências pelos grupos dominantes, englobando paisagens, relações pessoais, memória familiar e de grupos de convívio em etapas etárias, condição sexual, profissão, escolaridade, tradições e práticas associativas, dentre outras possibilidades”. pp-60-61.

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localidades que tinham pouca importância (se formos pensar no âmbito nacional) naquele contexto; as respostas para estas perguntas e outras ainda, se somadas, desvelaram um outro Brasil, uma outra Minas Gerais, um outro Triangulo Mineiro e outra Uberaba e Uberabinha, estas também estavam amalgamadas por conflitos ideológicos entre católicos e republicanos que repercutiam como uma verdadeira caixa de ressonância, daquilo que grassava no contexto dos grandes centros urbanos do país.

São novos sujeitos e novas problemas que, por sua vez, vão compor outros caminhos para se entender a História da Educação no Brasil. Trata-se de desnudar outras experiências e outras visões que também não deverão servir simplesmente para compartimentar a história, mas sim acrescentar outros elementos à sua compreensão. A educação torna-se tema geral, inclusive na Primeira República, mas que pôde ser tratado a nível local, justamente para mostrar a presença das peculiaridades entre os debates que envolveram católicos e republicanos no interior do Brasil, como ainda suas diferenças, suas individualidades e, por que não, para promover comparações com outras localidades, com outras regiões.

Sobre a importância dos jornais locais John Wirth os caracteriza da seguinte forma:

A imprensa local foi outro marco do regionalismo mineiro. De maneira geral, um jornal de cidade pequena continha notícias políticas e anúncios comerciais numa edição semanal de menos de 500 cópias. Geralmente pertencia ao chefe político do local, cujo domínio era disputado por um chefe rival com sua própria imprensa. Fica evidente que os jornais desempenharam uma função primordial na política local. Como foro para o debate verbal, a imprensa deu às celebridades locais um meio de sustentar a violência em nível menor, sem tiroteios ou assassinatos (...) os números de jornais (quase sempre efêmeros) dedicados à literatura e ao humor estavam em segundo lugar dentre as publicações de interesses especializado, depois da imprensa religiosa. A imprensa foi um pilar para a política, comércio e cultura no centro de gravidade do estado, a nível local.16

Por isso, a importância de se compreender esses jornais, pois eles expressaram as reflexões, os modos de pensar, os pontos de vista, enfim, as idéias gerais, que circularam nesse meio de comunicação (imprensa escrita) na Primeira República, sobre o ensino; divulgando as concepções católicas e republicanas que circularam nas cidades de Uberaba e Uberabinha.

16 WIRTH, John D. O fiel da balança: Minas Gerais na Federação Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 131.

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A imprensa como fonte de pesquisa

Os estudos que utilizam a imprensa como referência para a compreensão da realidade brasileira, nos últimos tempos, têm se desenvolvido muito nos meios acadêmicos, notadamente na área de História. Como demonstram os estudos desenvolvidos por Ana Maria de Almeida Camargo, ao fazerem importantes reflexões acerca da utilização da imprensa como fonte para o trabalho do historiador, pois

o jornal, principalmente quando formativo, é um tipo de documento que dá aos historiadores a medida mais aproximada da consciência que os homens têm de sua época e de seus problemas; mesmo quando informativo, não está livre de manifestações críticas e opinativas, e omissões deliberativas (...) A imprensa como um meio de expressão das mais diferentes tendências reivindicatórias apresenta os problemas como foram vistos e sentidos pelos participantes – coloridos, portanto, pela própria vivência da situação17.

A conjugação da informação jornalística com a metodologia histórica tem se mostrado produtiva para ambas as áreas. Tanto a imprensa ganhou na forma de tratar suas informações e no enriquecimento de sua própria história, como a história propriamente dita encontrou um novo manancial de dados, a partir do qual pode ampliar seu ângulo de visão e promover interpretações mais abrangentes e que consigam reproduzir de forma mais eficiente a dinâmica social18. Da mesma forma, também no campo educacional têm surgido importantes trabalhos que tomam como objeto de estudo a imprensa educacional, dando um grande contributo tanto em termos de percepção da realidade como de demonstração metodológica de novas formas de se compreender a educação através da utilização de outras fontes de informação. O universo da imprensa é ricamente diversificado, permitindo múltiplas

17 CAMARGO, Ana Maria de Almeida. A imprensa periódica como objeto de instrumento de trabalho: catálogo da hemeroteca Júlio de Mesquita do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1975.(Dissertação). 18 Conferir, por exemplo, Arnaldo D. Contier, Imprensa e Ideologia em São Paulo, 1822-1842: Matizes do Vocabulário Político e Social, Petrópolis, Vozes, 1979; Maria Rosa Duarte de Oliveira, João Goulart na Imprensa: de Personalidade a Personagem, São Paulo, Annablume, 1993; Maria Helena R. Capelato & Maria Lígia Prado, O Bravo Matutino (Imprensa e ideologia no jornal “O Estado de São Paulo”). São Paulo, Alfa-Ômega, 1980; abordando a realidade mineira, cf., por exemplo, Maria Céres P. S. Castro et alii. Folhas do Tempo: Imprensa e Cotidiano em Belo Horizonte, 1895-1926. Belo Horizonte: UFMG, 1997; Wenceslau Gonçalves Neto e Henrique Carvalho Lobato, "Modernização da Agricultura e Imprensa: Uberlândia, MG, 1966-1971", Anais, Vol. 1, III Congresso Brasileiro de História Econômica, Niterói, ABPHE/UFF, outubro 1996, pp. 76-93.

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aproximações, mas as que mais têm se destacado são aquelas que tratam especificamente das publicações voltadas diretamente para as questões educacionais. Este veio tem se mostrado excepcional para o aprofundamento de questões relativas à prática docente, aos métodos e técnicas utilizados nas escolas em épocas distintas, a nuances da organização dos profissionais da educação, e também em momentos mais recentes retrata em parte os debates em torno das laicização do ensino e da reação de grupos ligados ao pensamento católico. Por outro lado, esses periódicos retratam, principalmente, o trabalho docente e vão além da interpretação da lei, da crítica ou defesa de políticas governamentais, da presença ou omissão do Estado. Denice Barbara Catani sintetiza muito bem o alcance do estudo da imprensa especializada:

De fato, as revistas especializadas em educação, no Brasil e em outros países, de modo geral, constituem uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do campo educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho pedagógico e o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico das disciplinas, a organização dos sistemas, as reivindicações da categoria do magistério e outros temas que emergem do espaço profissional. Por outro lado, acompanhar o aparecimento e o ciclo de vida dessas revistas permite conhecer as lutas por legitimidade, que se travam no campo educacional. É possível analisar a participação dos agentes produtores do periódico na organização do sistema de ensino e na elaboração dos discursos que visam a instaurar as práticas exemplares19.

Além do exposto, António Nóvoa acrescenta algumas reflexões que não podem ser esquecidas quando se utiliza a imprensa, particularmente a educacional, como fonte de informação para a compreensão da História da Educação:

Estamos na maior parte das vezes, perante reflexões muito próximas do acontecimento, que permitem construir uma ligação entre as orientações emanadas do Estado e as práticas efetivas na sala de aula. Apesar da diversidade da imprensa, pode afirmar-se que os escritos jornalísticos se definem pelo seu caráter fugaz e imediato, inscrevendo-se freqüentemente numa lógica de reação a acontecimentos ou a idéias, a normas legais ou a situações políticas. A imprensa é, talvez, o melhor meio para compreender as dificuldades de articulação entre a teoria e a prática: o senso comum que perpassa as páginas dos jornais e das revistas ilustra uma das qualidades principais de um discurso educativo que se constrói a partir dos diversos actores em presença (professores, alunos, pais,

19 “A Imprensa Periódica Educacional: As Revistas de Ensino e o Estudo do Campo Educacional”, op. Cit., p. 117.

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associações, instituições, etc.) 20.

Estas duas passagens são indicativas da importância de se ampliar o horizonte de estudo da História da Educação, incorporando-se a imprensa periódica especializada neste contexto. Não apenas se promove um arejamento na pesquisa histórico-educacional, com saudáveis conseqüências para a área, como se projeta a imprensa como um campo extremamente promissor para este fim. Contudo, como já alertamos, a imprensa enquanto campo é marcadamente variada e a aproximação pela via das publicações especializadas é apenas uma das possibilidades, mas não a única, ainda que talvez a mais importante. A comprovação deste valor não pode fixar a atenção dos historiadores apenas a este viés, mas inclusive, projetá-lo para a ampliação das opções que a imprensa apresenta, tanto em análises específicas como complementação ao que se apreende da imprensa especializada.

Ao lado das questões políticas, econômicas, culturais, sociais e de cunho religioso, os problemas relacionados à educação recebem, ao longo de todo o período pesquisado, destaque especial no noticiário. Se estas informações perdem em densidade especificamente educacional, já que muitas vezes são produzidas por leigos, que não acompanham diretamente as teorias e a prática educacional, ganham em densidade interpretativa, pois vêm carregadas do cotidiano da comunidade, onde suas análises ou descrições visam ao envolvimento e à busca de soluções para os problemas conjuntos dessa comunidade. Portanto, se o historiador estiver devidamente munido do aparato teórico e dominando os fatos do contexto histórico, são configuradas as informações jornalísticas, constituindo-se em fonte inigualável para o estudo da História da Educação, contribuindo para a ampliação da compreensão do processo de expansão da educação, da difusão de concepções educacionais, dos usos políticos, das lutas dos diferentes estratos sociais pela educação.

As informações sobre educação, constantes dos jornais e revistas, relacionadas à cidade de Uberabinha21, tornam-se, desta forma, em elementos-chave para a compreensão da História da Educação, das práticas

20 “A Imprensa de Educação e Ensino: Concepção e Organização do Repertório Português”. In: Denice Barbara Catani e Maria Helena Camara Bastos, op. Cit., p. 13. 21 Cf. CARVALHO, Carlos Henrique de, GONÇALVES NETO, Wenceslau e ARAUJO, José Carlos Souza. Discutindo a História da Educação: a imprensa enquanto objeto de análise histórica (Uberlândia-MG, 1930/1950) ARAUJO, José Carlos Souza e GATTI JUNIOR, Décio (orgs) Novos temas em história da educação brasileira: instituições escolares e educação na imprensa Campinas, SP: Autores Associados; Uberlândia – MG EDUFU, 2002 pp: 67-89; GONÇALVES NETO, Wenceslau e CARVALHO, Carlos Henrique de. O nascimento da educação republicana: princípios educacionais nos regulamentos de Minas Gerais e Uberabinha (MG) no final do século XIX. GATTI JÚNIOR, Décio e INÁCIO FILHO, Geraldo (orgs). História da educação em perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas investigações. Campinas, SP: Autores Associados; Uberlândia – MG EDUFU, 2005 pp: 263-294.

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educativas, das relações político-educacionais, das transformações sócio-culturais e da conformação/alteração das representações sociais aqui existentes, entre outros elementos possíveis de análise.

Evidências do debate entre Católicos e Republicanos

Sabemos que, a partir da Constituição de 1891, a educação (sobretudo a popular) veio sendo considerada pelos líderes republicanos como fator fundamental para que o novo regime político fosse consagrado22. Ou seja, segundo eles, os problemas nacionais somente seriam solucionados, fornecendo-se educação à população. Estas idéias eram baseadas no positivismo de Durkheim23, onde, para que o indivíduo conseguisse se integrar numa sociedade, ele necessariamente teria que ser educado para isso. Apesar do entusiasmo republicano inicial, o ensino acabou não sendo alvo de muita atenção24, devido ao fato de que esta nova fase não chegou a alterar suficientemente as estruturas de poder. Este acabou reforçado, nas mãos da oligarquia regional, e nisso, quem não pertencia à camada dominante, mesmo tendo militado pela República, passou a ser alvo de repressão, devido a suas idéias progressistas e de contestação ao poder vigente. A essa altura o entusiasmo pela educação foi perdendo forças.

O Brasil não organizou o seu próprio sistema nacional de ensino, a partir do final do século XIX, quando o acesso à escola (devido o contexto das sociedades modernas que então exigiam o ingresso da população numa cultura letrada) passava a ser considerado dever do Estado e direito de todo cidadão. A universalização do ensino e a conseqüente erradicação do analfabetismo não estava entre as prioridades da União. O Estado Nacional desobrigou-se desse dever, sendo que durante todo o Império e Primeira República, a educação básica esteve sob a responsabilidade das Províncias e, posteriormente, dos Estados Federados25.

22 WEREBE, Maria José Garcia. Grandezas e Misérias do Ensino no Brasil. São Paulo: Ática, 1997. 23 DURKHEIM, Émile. A Evolução Pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 24 SUANO, Helenir. A Educação nas Constituições Brasileiras. FISCHMAN, Roseli. (Coord.) Escola Brasileira: temas e estudos. São Paulo: Atlas, 1987. 25 Segundo Saviani, uma preocupação com a questão da educação a nível nacional, só veio a acontecer após a Revolução de 1930. Cf. SAVIANI, Dermeval. Educação no Brasil: Concepção e Desafios para o Século XXI. HISTEDBR on-line, Campinas, n.3, jul. 2001. Disponível em <http://www.unicamp.br/~histedbr/indexhisted.html>. Acesso em 19 fev. 2002.

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Cada Estado, ao por em prática as reformas do ensino, seguiam uma orientação que não condizia com a original. Daí não se conseguir visualizar um só sistema nacional de educação26. Haviam vários. No entanto, não se pode considerar esta descentralização de poderes, a responsável nem pela falta de um plano nacional de ensino, nem pelos problemas inerentes ao sistema escolar. Na verdade, houveram diversos outros fatores que contribuíram para tal situação na 1ª República. Por outro lado, afirmar que uma centralização do poder resolveria tais problemas, também não teria fundamento.

Uma outra questão em voga, devido o advento da República, era a separação entre Estado e Igreja. A laicidade do ensino público foi estabelecida em detrimento do ensino confessional, mantendo-se assim até a Constituição de 1934. Ou seja, a partir da proclamação da República, o ensino tende a perder a influência religiosa. Segundo Capelato, a liberdade de pensamento reivindicada nas escolas, significava a não introdução do ensino religioso27. Se a idéia era configurar uma nova mentalidade, moderna, por isso mesmo laica e fundamentada na razão, a influência da religião deveria ser combatida, pois ligava-se ao tradicional, ao que se estava querendo suprimir. Justificava-se a superação do “velho” (concepções e dogmas propugnados e perpetuados pela Igreja Católica), com as perspectivas otimistas que o “novo” prometia (uma nova realidade social, cuja âncora seria uma educação de bases científicas e filosóficas). Já para Werebe, “embora o estabelecimento da laicidade da escola pública representasse, até certo ponto, um golpe para a Igreja, na realidade a orientação católica de todo o ensino manteve-se nas suas concepções e objetivos”28. Essas questões podem, também, serem encontradas nos jornais da então Uberabinha republicana, refletindo não apenas a profusão desse debate, mas a preocupação de alguns setores locais de estarem participando dessas discussões que ocorriam em âmbito nacional. Prova disso são os artigos publicados pelos jornais O Progresso e A Tribuna, como os que se seguem:

(...) Si a civilisação fez o desenvolvimento da sciência, das bellas artes e da literatura, é porque não pode haver civilisação sem o conhecimento do justo, do agradável e do necessário. E como pode o homem pensar sobre o que lhe importa de mais necessário a

26 SUANO, Helenir. A Educação nas Constituições Brasileiras. FISCHMAN, Roseli. (Coord.) Escola Brasileira: temas e estudos. São Paulo: Atlas, 1987, p.172-173. 27 Cf. JACOMELI, Mara Regina Martins e XAVIER, Maria Elisabeth. A consolidação do liberalismo e a construção da ideologia educacional liberal no Brasil. LOMBARDI, José Claudinei (org). Temas de pesquisa em educação. Campinas (SP): Autores Associados, 2003. 28 WEREBE, Maria José Garcia. Op. cit., p.40.

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conhecer? Como discernir os direitos e os deveres do indivíduo, da família, da sociedade religiosa e da sociedade civil? Como observar as regras do honesto, do justo, do bem e cumprir os seus deveres para com Deus, para com os seus semelhantes e para consigo? Jamais poderá ser bom cidadão, jamais poderá amar a sua pátria o homem ignorante, razão por que affirmo que sem instrucção não pode haver civilisação, não pode haver progresso.(...)29

(...) A religião, a pátria e a família reclamam a instrucção da nossa mocidade que, uma vez instruida é como uma nau embandeirada prestes a fazer vella em mar bonançoso, onde encontraremos as bazes do direito social, o princípio de auctoridade, a constituição da família e o amor da pátria tendo por guia a religião.(...)30

Como se observa, as idéias de progresso, civilização, pátria, liberdade, próprias do ideário republicano, em alguns momentos, na cidade de Uberabinha, caminhavam junto às concepções tradicionais da Igreja Católica. Posteriormente, quando se propunha numa nova reforma para o ensino, a restauração da educação católica nas escolas, lia-se artigos com o seguinte teor:

A expulsão do catechismo das escholas em um paiz quasi que na sua totalidade catholico, qual o Brasil, representa a mais perigosa ameaça contra a harmonia da familia brasileira. O Brasil, catholico desde os primeiros actos do seu descobrimento, jamais se devêra sujeitar a essa tam nefasta medida posta em pratica pelo nosso governo republicano, medida prejudicialissima, que já deu, como era esperado, os tristissimos fructos que já infelicitaram a nossa Patria, cuja regeneração parece uma utopia, em vista da intensidade dos males provindos da educação sem Deus, expulso das escholas primarias como elemento de desordem! (...) E sendo a eschola o principio da felicidade de um povo, quando é ella moldada nos sãos principios de uma bôa educação intellectual, moral e religiosa, è ella mesma a infelicitadora do mesmo povo, quando não completa, rigorosamente, aquella excellente trilogia. Agora, depois de dados os fructos da educação sem Deus, parece que, à uma representação de catholicos mineiros, o governo restaurará a disciplina do catechismo nas escholas primarias públicas, tornando-a obrigatoria nos collegios particulares. Embora algum tanto tarde, pois que o mal já se apoderou do corpo, regosijmo-nos sinceramente com o gesto sympathico e consolador de tal medida, mormente si der os fructos que, confiados somente em Deus, seja-nos permitido esperar, para felicidade da terra da Sancta Cruz. Deus que nos ouça neste angustioso momento, fazendo das escholas o logar predilecto para o ensinamento de sua divina religião, unica que nos pode redimir de

29 P.M. A Instrucção da Mocidade. O Progresso. Uberabinha, p.3, n.4, 20 set. 1908. 30 P.M. A Instrucção da Mocidade. O Progresso. Uberabinha. p.1-2, n.6, 09 out. 1909.

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tantos males que nos tem perseguido!...31

Que mal seria esse que já havia se apoderado do corpo, fruto de uma “educação sem Deus”? Segundo um Mestre-Escola na época, tratava-se da criminalidade:

Suprimidos do ensino e educação da mocidade os inflexos do christianismo, o unico que possue o poder maravilhoso de refrear e domar as paixões humanas, e exposta essa mocidade às escolas do vício, isto é, ao mao exemplo ou escandalo que, em todas as partes ora se patenteia, o que ha de ser o futuro destes nossos pequenos, agora, que tudo facil e indelevelmente lhes grava no animo?! Ha de ser o que a experiencia já vem nos mostrando com os factos que, cada dia, se desenrolam entre nòs, onde ninguem ignora o desenvolvimento espantoso da criminalidade. (...) Ahi temos a colheita dos fructos que houvemos plantado! Ahi temos a consequencia logica de nossa desidia para com os nossos filhos; da escola neutra, officialmente implantada em nossa terra e tolerada pela profunda indifferença e mortal inercia de nós, catholicos brasileiros, que sò nos contentamos com o ficar na immensa, na louvável maioria! Meus bons collegas, considerae que uma bôa parte cabe-nos na regeneração de nossa Patria; porque optimo campo de acção se nos depara. E diante d´esses grandes infortúnios, muito lamentavel seria tambem a nossa desidia, si nós, que tomamos o encargo tão importante, quão espinhoso de ministrar os primeiros conhecimentos humanos à pequenada, deixássemos de ensinar-lhes, igualmente, o caminho da verdadeira felicidade, fundado na pratica da sublime e incomparável doutrina do Divino Martyr do Golgota. Mãos á obra, pois, camaradas! E catecismo no caso!32

E a quem o autor de tal artigo culpa pela então situação? Os culpados seriam os pais, por não terem se posicionado contra a “escola neutra”, “sem Deus”. E a quem caberia, segundo o autor, a busca pela regeneração dos filhos “devassos”, “covardes”, “medrosos”, “criminosos”, enfim? Caberia aos professores, aos “Mestre-Escolas”. A idéia era que todos, de uma maneira geral, atirassem longe a inércia, sendo realmente responsáveis perante Deus e perante a Pátria. Uma sugestão era que ajudassem a propagar um jornal católico:

(...) Mas, não é só estarmos de accôrdo, é preciso que sejamos catholicos de acção; a propaganda da imprensa catholica, - indispensavel nos tempos hodiernos, segundo Pio X – heis ahi, por exemplo um grande campo, para nós. Leiamos e propaguemos A

31 X. Restauração do Ensino Catholico nas Escholas. O Progresso.Uberabinha. p.1, n.10, 12 jun. 1910. 32 ESCOLA, Mestre. Consequência Logica. O Progresso.Uberabinha p.2, 12 out. 1912.

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UNIÃO, único jornal catholico da capital de Nossa Patria; (...)33

Sobre o ensino religioso nas escolas públicas, Honorio Guimarães34 expressava seu pensamento nos seguintes termos, manifestando suas concepções em relação às funções do professor na escola pública:

Eis pois como o professor tem as suas funções. A sua representação official prolonga-se ate onde elle for, penso desta maneira. Dada, pois a faculdade de ensinar a religião, em qualquer parte onde elle o fizer, fará oficialmente. E´ a sua posição de mestre que, sem violência, levara o alumno as lições de doutrina. Basta que o menino saiba que indo a Igreja, agrada ao mestre, para que, sendo um bom menino, um discípulo extremoso, não falte as aulas do cathecismo. Pergunto, isto se dando, não estará o professor exorbitando de suas funções, abusando do seu prestigio official e moral, por impor suas idéias a sociedade em que convive? (...) Outro argumento: Que se dirá de um professor que ande pelas ruas e praças de sua localidade, as des horas, tardes momentos de noites mortas, violão aos braços, dedilhando versos a pallida visão dos seus amores? – Que este professor não e, na significação do termo proprio; se o fosse guardaria a compostura das suas funções. E o mesmo dir-se-a de um rapaz que seja, por exemplo, um colletor? Não. Mais feliz do que nos, elle pode cantar ao violão e deleitar-se nas serenatas, porque não tem prolongada consigo, a representação official, que temos nos com os outros. Portanto, si o professor tem, acompanhando-o a representação de seu cargo, em qualquer ocasião; se elle ensinar religião o faz officialmente, porque, quando não o seja, pode-se presumir, que, devido a sua força moral sobre os meninos, elle consegue traze-los ao ensino da doutrina. Isto estaria, peço permissão para dize-lo, a prevaricação moral do professor, o abuso de confiança no cargo que exerce.35

Claro está, que pelo menos este redator e os simpatizantes de suas idéias, não eram favoráveis a que se misturasse religião com educação. É interessante ainda neste discurso, perceber a questão da representação do professor, enquanto exemplo de moral e bons costumes. No entanto, percebe-se na fala de Guimarães, uma privação de algo que ele e outros

33 ESCOLA, Mestre. Que bonita educação! Que bello procedimento! O Progresso. Uberabinha p.1, n.15, 31 out. 1914. 34 CARVALHO, Carlos Henrique. República e Imprensa: As influências do Positivismo na concepção de Educação do professor Honorio Guimarães (Uberabinha-MG 1905-1922). Uberlândia: EDUFU: 2004. 35 GUIMARAES, Honorio. Discurso com que Honorio Guimarães, secretario e membro da Commissão de Bases do Congresso dos professores reunido pela segunda vez em Belo Horizonte refutava os argumentos do congressista José Polycarpo de Figueiredo, sobre o ensino religioso nas escolas. O Progresso. Uberabinha, p.1-2, n.172, 28 jan. 1911.

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jovens apreciavam: a música. O professor, então, para ser exemplar de uma boa conduta, deveria abnegar de certos prazeres. Semelhante ao sacerdócio de que vai se falar mais adiante.

Neste importante estabelecimento realizou-se (...) a festa de encerramento do presente ano lectivo, tendo sido feita a entrega dos diplomas a 34 alumnos que terminaram o curso primario.(...) S. exc. revm. como zeloso pastor desta diocese, lamentou sinceramente a ausência da imagem de Jesus Christo no salão do Grupo Escolar, não comprehendendo porque se persistisse na continuação dessa lacuna em desaccordo com as ideas dos brasileiros, lacuna essa todavia amparada pela constituição da Republica.36

Por outro lado, há discursos veiculados nesta região do Triângulo Mineiro, através da imprensa, em que pode se perceber os ideais republicanos sem nenhuma influência do catolicismo. Percebemos algo diferente com relação ao que se transcreveu anteriormente, por meio do Gazeta de Uberaba, o qual trazia impresso em 1909 uma nota informativa, feita pelo proprietário e professor de um educandário particular, no seguinte teor:

Nota – Previna-se aos srs. paes de familia que no Externato não se ensina religião de especie alguma.37

Resta saber se era ou não uma grande maioria da população que aderia a tal posicionamento ideológico. Ou se notas deste teor eram publicadas no sentido de evitar cobranças por parte de pais de alunos que acreditassem na necessidade do ensino religioso. Havia, certamente, em cada localidade, aquelas figuras mais tradicionais e em contrapartida os favoráveis a transformações.

Uma das explicações pode ser encontrada, por exemplo, nas filiações partidárias dos responsáveis pelos veículos de comunicação aqui trabalhados, e igualmente na “força” ou “fraqueza” dos opositores das idéias então prevalecentes. Em Uberabinha, de mesmo teor, lia-se o seguinte:

(...) Sob as bandeiras da crença anti-deístas e anti-christãs, muitos desastres tem se realisado, é certo: mas sobre o lábaro do Christianismo também Ignácio de Loyola corrompeu muitas gerações e sucessivos desastres tem se originado em toda a parte do mundo. (...) O Brasil, a republica brasileira, que recebe impostos do

36 Grupo Escolar: A festa de domingo – os discursos, a nossa impressão, outras notas. Lavoura e Commercio. Uberaba, n. 1519, ano 15, 17 dez. 1913, p.1. 37 CHAVES, João Augusto. Externato Chaves. Gazeta de Ueraba, Uberaba, ano 31, n.3.500, 20 mar. 1909.

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catholico, do protestante, do espírita, do atheu, do positivista, e mantem o ensino publico com o respeito a liberdade de cada um, nacional, ou estrangeiro, que aqui vive a Liberdade, igualdade e fraternidade, sob o lemma sublime e santo de Ordem o Progresso.38

Com relação ao (des)interesse pelo ensino dos filhos, devemos esclarecer que, na Primeira República, grande parte da população ainda vivia no campo. E mesmo com o êxodo incipiente para os centros urbanos, era notável o desinteresse geral pelo ensino. Ainda não se compreendia que “benefícios” a escolarização poderia oferecer. Na zona rural, claro, não havia no que aplicar de imediato o que se aprendia, e esta idéia parece ter sido transposta para as cidades, vinda com os migrantes camponeses. Em Uberabinha, o clamor quanto à importância da educação, direcionava-se, por fim, à mocidade:

(...) Hoje me consagro a vós visando o vosso porvir repleto de luzes. Não permitaes que eu lucte sosinho; deveis reclamar, também de vossos paes a vossa instrucção; deveis reclamar com insistência a instrucção para vossos espíritos como o melhor thesouro, como a melhor herança, porque esse thesouro e essa herança nem a morte vol-os pode roubar.(...) Pedindo a instrucção, pedireis tudo quanto purifica, exalta e aperfeiçôa a alma humana.39

(...) Ao todo matricularam-se nesta cidade 187 creanças, cujo numero poderia ser ainda maior se não fosse a condemnavel incuria de alguns paes que preferem ver seus filhos crescerem envoltos nas trevas da ignorancia, atirados ao lodaçal da vagabundagem, a fazel-os frequentarem as escolas, fonte do saber que é a luz preciosa que guia o homem na sociedade.40

Na mesma direção, Guimarães já havia observado (em 1909) sobre a importância da educação no estado de Minas Gerais:

Minas procura resurgir pela escola, vae recebendo o impulcionamento que a administração dos últimos governos tem lhe facultado. A instrucção tem se desenvolvido e aperfeiçoado, com um progresso rapido e yanke. Convem pois que o governo tome consideração o problema até agora esquecido – o de tornar obrigatório o ensino. Não será exclusivamente os membros do professorado quem convença o pae de familia á necessidade desse bem. E´ preciso convencel-o a convencer-se se não for possivel, obrigal-o a convencer-se. Muitas vezes a bôa logica deixa de existir

38 GUIMARAES, Honório. O Progresso, n. 173, anno IV, 4 fev. 1911, pp.1-2. Tratou-se de um discurso em que Honório Guimarães, secretário e membro da Comissão do Congresso dos Professores, reunidos em Belo Horizonte, refutava os argumentos do congressista José Polycarpo de Figueiredo, sobre o ensino religioso nas escolas. 39 P.M. A Instrucção da Mocidade. A Tribuna. Uberabinha. p.1-2, n.6, 09 out. 1920. 40 Ensino Primário. A Tribuna. Uberabinha, p.1, n.11, 27 jan. 1923.

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para ter lugar o cumprimento de uma obrigação que a lei impõe. Cumpri-la é mais facil do que pedir por favor.41

Uma diferença é perceptível entre os dois grupos (católicos e republicanos), a respeito do sentido da educação, havendo toda uma preocupação com relação a adaptar uma vontade (seja da população em geral, seja do redator ou de simpatizantes do então órgão de propaganda em particular), local e/ou regional às idéias e pensamentos inerentes a uma política nacional. Ou seja, queria que se partisse do governo, medidas mais enérgicas com relação a uma obrigatoriedade do ensino. Só assim, vislumbravam um avanço em termos de escolarização, fator relevante para a concretização do regime republicano. Já na fala dos católicos o que se percebe, através dos periódicos, era a necessidade da educação enquanto purificação, enquanto herança, a mais valiosa, enquanto luz que viria extirpar as trevas, a vagabundagem, a criminalidade. Expressões cabais da ausência de Deus no âmbito escolar, segundo as assertivas do discurso católico.

Considerações Finais

As questões aqui apresentadas denotam o universo de elementos articulados à um plano de ação voltado para uma efetiva intervenção sobre o meio social e, principalmente educacional. De um lado, os aspectos fundamentais das estratégias católicas de organização e mobilização das forças conservadoras, que buscam preservar a situação anteriormente existente. A definição de tal intervenção comportará o enfrentamento de questões inerentes ao conjunto de transformações pelo qual o Brasil passava naquele momento. No âmbito de tais questões, há o esforço em articular a estabilidade dos princípios morais católicos, expressos nos diversos artigos publicados pelos jornais.

Em contraposição ao ideal católico encontram-se os princípios republicanos de educação, considerada um fator de promoção social capaz de promover o enquadramento dos indivíduos à sociedade. Nos jornais, havia um forte apelo para a criação de escola, porque seria através da instrução que se atingiria o mais alto patamar de progresso e civilidade, ao contrário daquilo que os ideólogos católicos propugnavam, ou seja, os princípios do catolicismo não deveriam interferir na formação escolar das crianças, futuros cidadãos da República.

41 A Obrigatoriedade do Ensino. O Progresso. Uberabinha, p.1, n.77, 14 mar. 1909.

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Portanto, os artigos publicados pelos jornais expressão um difícil equilíbrio entre a força da tradição, que transforma toda ação educacional em uma secular obra de apostolado, e a viabilidade do moderno, no caso a República, concebida como elemento mobilizador de novas potencialidades no campo educacional.

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Carlos Henrique de Carvalho é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Email: [email protected] ou [email protected].

Wenceslau Gonçalves Neto é doutor em História pela FFLCH da Universidade de São Paulo. Professor do Instituto de História e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em História da Universidade Federal de Uberlândia. Email: [email protected].

Recebido em: 16/09/2005 Aceito em: 20/01/2006

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 89-103, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Leituras de anarquistas brasileiros na primeira década do século XX

Dagoberto Buim Arena

Resumo

No Rio de Janeiro, em 1906 foi criada a Confederação Operária Brasileira, e posteriormente, o seu jornal, A Voz do Trabalhador, editado entre 1º. de julho de 1908 e 9 de dezembro de 1909 (1ª. Fase); e entre 1º. de janeiro de 1913 e 8 de junho de 1915 (2ª. Fase), ambas sob o controle dos anarco-sindicalistas, Este artigo relata pesquisa realizada com o objetivo de verificar quais materiais de leitura eram recomendados por esse jornal, em sua primeira fase e as razões que motivavam essas recomendações. Os dados, organizados cronologicamente, indicam que as recomendações de materiais de leitura nasciam da necessidade criada nas relações das confrontações entre Capital e Trabalho.

Palavras-chave: leitura de anarco-sindicalistas; jornais anarco-sindicalistas; educação anarco-sindicalista.

Abstract

In Rio de Janeiro, in 1906 the anarchistic- syndicalists created the Brazilian Worker Confederation and the journal A Voz do Trabalhador which was published from July 1st., 1908 until December, 9th. 1909 and between January 1st., 1913 and June 8th., 1915. The investigation which is presented in this summary contains the references to the objects of reading and the recommendations contained in the journal in its first period. The remarks related to the reading and their registered objects according to the edition in chronological order certify that the materials for reading and the reading produced by the workers, happened due to the necessity created in the social relations which were born in the confrontation between Capital and Work.

Key-words: anarchistic-syndicalists’s reading; anarchistich-syndicalists’s journals; anarchistic-syndicalists’s education

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Introdução

As investigações sobre o movimento anarquista no Brasil, e em especial, sobre a sua manifestação nos sindicatos operários, conhecida como anarco-sindicalismo, foram objeto de preocupação de estudiosos brasileiros nas ciências humanas, de modo geral, na segunda metade do século XX, mas na Educação essas investigações foram produtivas nas décadas de oitenta e de noventa, principalmente pela organização dos arquivos, na Universidade Estadual de Campinas, pertencentes ao militante e jornalista anarquista, descendente de alemães, Edgard Leuenroth (1881-1968). Em 1985, a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo com base nesses arquivos e nos materiais do Archivio Storico Del Movimiento Operaio Brasiliano, de Milão, Itália, publicou edição fac-símile da coleção de edições do jornal A Voz do Trabalhador, editado pela Confederação Operária Brasileira (C.O.B.), entre 1908-1915, no Rio de Janeiro.

Este trabalho procurará destacar registros, nessa coleção de A VOZ DO TRABALHADOR, sobre os materiais de leitura recomendados pelos anarco-sindicalistas e manifestações sobre locais de leitura para operários e seu incentivo, como necessidade fundamental para o desenvolvimento do tripé de princípios do movimento: educação, propaganda e rebelião. Para isso, todavia, o desenvolvimento deste artigo cuidará, rapidamente, do nascimento do movimento anarquista no Brasil, da fundação da Confederação Operária Brasileira; da criação do jornal A VOZ DO TRABALHADOR, seus objetivos e sua importância para a unificação dos anarco-sindicalistas do Brasil. Como instrumento de propaganda, por suas páginas, eram anunciados eventos político-culturais, organização de ações educativas, formais ou informais, e recomendações de leitura necessárias para a expansão do movimento com o objetivo de promover a rebelião. As manifestações culturais e os materiais de leitura utilizados pelos operários serão localizados nas edições do jornal, com o objetivo de indicar o tipo de leitura recomendado pelos operários anarco-sindicalistas brasileiros entre os anos na primeira metade do século XX, cujas conclusões poderão apontar a leitura como necessidade para compreender as relações econômicas e sociais no começo do século XX, como contraponto à hegemonia do pensamento burguês. Esta é a tese deste trabalho: a da leitura como necessidade de uma comunidade, nas relações que mantém com outras comunidades, utilizada como ferramenta de compreensão e de posicionamento político.

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O movimento anarco-sindicalista no Brasil

O desenvolvimento industrial do país nas primeiras décadas do século, sustentado pela mão-de-obra européia, principalmente formada por portugueses, italianos, espanhóis e alemães, trouxe também a expansão do pensamento político-econômico contra o Capital, cujos representantes destacados eram os socialistas e os anarquistas. Entre os libertários, a influência do sindicalismo francês desencadeou a elaboração de um movimento conhecido como anarco-sindicalismo, cujo objetivo era a negação de cooperativas e partidos políticos, como estratégias de luta contra o Capital, e recomendar a organização dos operários em sindicatos que constituiriam a organização para a destruição do Estado, do capitalismo, e âncora para a construção de um novo mundo (BIONDI, 2005; GHIRALDELLI, 1987).

Um dos fundamentos do movimento era o que chamavam de ação direta, isto é, a promoção de greves, motins, rebeldias no interior das fábricas, dirigidas contra todos os que participam da organização burguesa de sociedade, tanto indivíduos quanto instituições. As experiências com as lutas européias trazidas principalmente pelos italianos, que eram a maioria na Argentina, Uruguai e Brasil, contaminaram os anarquistas sul-americanos.

O movimento anarquista ao evoluir para o anarco-sindicalismo elaborou também as idéias a respeito das finalidades da educação operária; destacou o papel da propaganda no processo revolucionário contra o estado burguês, e, por essa razão, organizou eventos de natureza cultural e promoveu a expansão da circulação de jornais, panfletos, livros, revistas e outros materiais impressos. Nesse ambiente de cultura, de educação, de propaganda e de rebelião foram criadas as condições para a fundação da Confederação Operária Brasileira (C.O.B.) e seu jornal A VOZ DO TRABALHADOR.

A C.O.B. e A VOZ DO TRABALHADOR

As disputas entre socialistas e anarco-sindicalistas, no Rio de Janeiro pelo controle do movimento operário e dos sindicatos resultou na negação, pelos últimos, dos congressos anteriores promovidos pelos socialistas, e a convocação de um grande encontro nomeado como Primeiro Congresso Operário, realizado em 1906. O artigo primeiro dos estatutos da

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Confederação Operária Brasileira, recém-fundada, aponta, entre outras finalidades, a de

estudar e propagar os meios de emancipação do proletariado e defender em público as reivindicações econômicas dos trabalhadores, servindo-se para isso de todos os meios de propaganda conhecidos, nomeadamente de um jornal que se intitulará A Voz do Trabalhador (A Voz..., 01set. 1913, n. 38, p. 1).

A propaganda necessária para a expansão do movimento e da criação das condições para rebeliões exigia criação e circulação de jornais, panfletos, revistas e livros, portanto, todos os meios de propaganda conhecidos. Deste modo, a leitura desses materiais vincular-se-ia ao segundo princípio defendido pelo movimento: a propaganda, e, articulada a ela, a educação.

A Educação em A VOZ DO TRABALHADOR

A VOZ DO TRABALHADOR tornar-se-ia, desde o primeiro número, divulgador do pensamento educacional dos educadores anarquistas europeus e da criação das escolas operárias pelo Brasil. Apesar de Robin (1837-1912), Faure (1858-1942) e Mella (1861-1925) expressarem com maior clareza as idéias da educação anarquista, foi o espanhol Ferrer (1859-1909) quem mais influenciou os brasileiros, interessados em defender e reproduzir os princípios e as experiências da Escola Moderna (ARENA, 1991). Criou a Liga Internacional para a Educação Racionalista da Criança e por ela publicou L`École Renovée, na França e a Scuola Laica, na Itália. Perseguido na Espanha, exilou-se na França. Posteriormente, de volta à Espanha, foi preso e fuzilado pela monarquia em 1909. Em novembro de 1909, a ação de propaganda estimulava a leitura de uma publicação sobre a vida desse educador, dirigida para todos os operários:

Ferrer. A comissão contra a reação espanhola publicou um número único explicando a ação do saudoso camarada no campo da pedagogia moderna. É uma obra de valor, que ninguém deve deixar de ler. Por nosso intermédio podem ser feitos pedidos para este número (A VOZ..., 15 nov.1909, ano II, n. 20, coluna 1, p. 4).

A preocupação com a educação dos militantes e de seus filhos manifestava-se pela tentativa de criação de escolas do povo, como alternativa à escola para o povo, na tradição burguesa, cuja elaboração deu-se nas lutas entre operários e burgueses na segunda metade do século XIX. As experiências de formulação de escolas criadas, dirigidas e fundamentadas na produção de conhecimento necessário para a luta de

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classes aconteceram nas ruas e nas fábricas desse século, durante os processos revolucionários e, como afirma Foucambert (2004, p.6)

Uma escola só pode exercer o papel que se espera dela, como instrumento de libertação, ao romper com o modelo que se desenvolveu explicitamente na Europa no final do século XIX para encerrar a era das revoluções e para concluir a domesticação de seu proletariado, modelo que ela impôs ao mundo através do empreendimento colonial e depois adotado pelas burguesias nacionais ao longo de seu processo de autonomia.

Apoiados neste princípio de entender a educação como instrumento de emancipação do trabalhador, os anarco-sindicalistas organizaram suas próprias escolas, com a colaboração dos educadores cujas experiências tinham sido realizadas na Europa, para, de certo modo, alimentar o movimento iniciado na Comuna de Paris, em 1871, como sugere, atualmente, Foucambert (2004, p. 6):

É preciso retomar o trabalho no momento em que os proletários da Comuna de Paris (1871) perdem a esperança de uma escola do povo e têm que se submeter à escola para o povo que quer a burguesia. É desse ponto que é preciso recomeçar, da mesma forma que recomeçaram os pioneiros da nova educação e, sobretudo na França, Célestin Freinet.

A Propaganda e a leitura

Amparados por uma rede internacional de informações, os militantes de melhor formação intelectual, entrincheirados nas redações dos jornais dos trabalhadores, recebiam e difundiam materiais de leitura específica para o fortalecimento do movimento e articulavam eventos para encenação de peças teatrais, conferências, ações diretas nas fábricas e festas-baile. O obstáculo maior era o analfabetismo historicamente produzido pela necessidade de a criança buscar o trabalho ao invés da escola, mesmo a burguesa. Outras estratégias eram utilizadas, de tal modo que os alfabetizados liam os jornais e folhetos em voz alta nos locais de trabalho ou na sede dos sindicatos para que a maioria, formada por analfabetos pudesse compreender as idéias e os métodos de luta.

A ação de propaganda expandia-se, entretanto por outras áreas da cultura e do entretenimento. Juntamente com o movimento pela expansão da educação operária, como contraponto à educação burguesa, os anarco-sindicalistas reuniam-se em grupos educativos, recreativos de teatro, musicais e até grupos futebolísticos, um dos quais criou o Libertário F.C., em Santos, SP, que disputou o campeonato estadual (BIONDI, 2005). As

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atividades educacionais realizavam-se, muitas vezes, nos locais em que funcionavam Centro de Estudos Sociais que tinham como objetivo fundamental a difusão do movimento e de seus princípios por meio das manifestações artísticas musicais, teatrais e literárias, principalmente. Nesses locais, além das programações, havia mesas de leitura à disposição dos operários até às 22 horas. Aos domingos, aconteciam as Sessões de Propaganda Científica. (KASSICK; KASSICK, 2005).

Essas sessões e todas as demais atividades de propaganda tinham o objetivo de satisfazer o princípio da ação direta constituída por

atividades de propaganda e educação, destinadas a despertar nas massas a consciência das contradições sociais a que estão submetidas, fazendo com o que desejo e a consciência da necessidade da revolução surja em cada um dos indivíduos. Pode-se dizer que a principal fonte da ação direta foi a da propaganda, através dos jornais e revistas, assim como da literatura e do teatro (GALLO, 2005, p. 2).

A moção aprovada no 2º. Congresso Operário, realizado em setembro de 1913, enfatizava a necessidade de a propaganda ser realizada por todos os meios possíveis, entre eles, a divulgação de materiais de leitura:

Este Congresso aconselha aos sindicatos e às classes dos trabalhadores em geral, tomando como princípio o método racional e científico, promova a criação e vulgarização das escolas racionalistas, ateneus, revistas, jornais, promovendo conferências e preleções, organizando certames e excursões de propaganda instrutiva, editando livros, folhetos, etc. (AS RESOLUÇÕES, 1913, coluna 4, p. 4).

Eventos noturnos eram muito utilizados pelas organizações sindicais com o intuito de oferecer oportunidades para a formação da consciência do trabalhador, por palestras; pela arte engajada, com apresentações de peças teatrais e por atividades de congraçamento e lazer, pela oferta de bailes.

Materiais de leitura em A VOZ DO TRABALHADOR entre 1908 e 1909

Na primeira edição, na coluna destinada a notícias de modo geral, há uma convocação, dirigida para os ladrilheiros, concitando-os a lutar pela permanência da conquista da jornada de 8 horas, e, para isso, seria preciso

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promover a instrução da categoria, e, para evitar o contra-ataque da burguesia, anunciavam a existência de

uma sociedade onde todos podem se reunir e combinarem os melhores meios para combater o mal a tempo, trocarem idéias e executá-las. Qualquer sócio que desejar instruir-se tem aulas noturnas para si e seus filhos, e uma regular biblioteca à sua disposição (A VOZ..., 01 jul. 1908, ano I, n. 1, coluna 4, p. 3).

A biblioteca, supostamente, teria acervo de livros, revistas e jornais orientados para a formação intelectual do trabalhador, como instrumento de propaganda, com o objetivo de orientar a ação direta na organização sindical e na luta no interior das fábricas. Por um outro caminho, comentários assinados por René Chaughi (1870-1926), anarquista francês, propunha a ampliação da instrução para combater a ignorância pregada pela Igreja, mas fazia essa recomendação aos republicanos e à educação, ao propor que

bastaria dar instrução a todas as crianças indistintamente até a idade de vinte anos e assegurar a sua subsistência durante esse tempo. Uma geração de homens e mulheres educados nas teorias científicas modernas estaria pouco inclinada a entregar seu dinheiro aos padres (CHAUGHI, R., 1908, coluna 1, p. 2).

A proposta da educação integral e a sua universalização até aos 17 anos, proposta pelo colunista, não foi colocada em prática durante o século XX no Brasil. Entretanto, a educação considerada informal era organizada em encontros periódicos, com o sugestivo nome de Festa Mensal, com programação em três partes, aos sábados, como a do cartaz abaixo reproduzido, em que a primeira parte era constituída por uma conferência sobre Educação Popular; a segunda, com apresentação de peça de teatro cujo tema era a vida dos militantes operários durante uma greve em 1903; e a terceira, com baile familiar, fechando o evento.

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(A VOZ..., 01 ago. 1908, ano I, n. 3, coluna 2, p. 4).

A edição n. 5, de 22 de novembro de 1908, trazia muitos anúncios de revistas, jornais e livros que poderiam ser adquiridos pelos trabalhadores, por intermédio do próprio jornal ou por livrarias indicadas. As publicações, destinadas à formação do operário militante, como instrumento de propaganda para a ação direta, podem ser assim categorizadas: 1. Livros, 1.1. romance – A mãe, de Maximo Gorki; 1.2. crônicas – Notas de um anti-alcoolista, de Mauricio de Medeiros; 1.3. políticos – Evolução, Revolução e Ideal Anarquista, de Elisée Reclus; Bases

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do Sindicalismo, de Emilio Pauget; A Peste Religiosa, por João Most; O Comunismo Anárquico, de Piotr Kropotkin (1842-1921); O Sorteio Militar, por César Mendes. 2. Revistas: 2.1.Educação – La Scuola Laica, de Francisco Ferrer; 3. Folheto: A Jornada de 8 horas – Folheto editado pela Luta Proletária; 4. Jornais e revistas com periodicidade variada, de diversos países: do Brasil: La Lotta Operária; A Terra Livre; La Bataglia (São Paulo); A Luta (Porto Alegre), da Argentina: La Protesta (Buenos Aires); do Peru:Los Parias; El Hambriento; do Uruguay: La Emancipación; La acción obrera; Despertar (Montevideo); do Paraguay: La Rebeldia; Despertar (Assunción) e de muitos outros de paises europeus e da América do Norte. (A VOZ..., 22 nov. 1908, ano I, n. 5, colunas 3-5, p. 4).

O processo de edição e troca de livros, revistas e jornais entre países da Europa, América do Norte e América do Sul, em língua vernácula de cada país, permitia a orientação geral para todos os trabalhadores, sem que houvesse obstáculos criados pela falta de domínio da língua do país que recebia os imigrantes europeus. Os livros eram, quase todos, de autoria de expoentes do anarquismo internacional, com exceção de A Mãe, de Gorki (1868-1936), recomendado pelo teor revolucionário, enfatizado pelo anúncio: “Recomendamos a leitura deste extraordinário romance no qual Gorki pinta magistrais cenas da vida dos revolucionários russos” (A VOZ..., 22 nov. 1908, ano I, n. 5, coluna 4, p. 4).

Na edição n. 6, de 29.11.1908, outros livros eram anunciados, além dos jornais, revistas e livros anteriormente apontados: de Elisée Reclus (1830-1905), El Hombre y la Tierra, fascículos semanais de 32 páginas com gravuras; de Francisco Ferrer, L´Ecole Renovée, com os seguintes comentários, em francês: Revue pour l´élaboration d´um plan d´éducation moderne. Extension internationale de L ´École Moderne de Barcelone; do holandês Cristhian Cornelissen (1864-), A Caminho da Sociedade Nova – interessante obra que devem ler todos os operários que desejarem instruir-se na questão social; de Paulo Eltzbaeher, As Doutrinas Anarquistas – interessante e utilíssima obra para todas as pessoas que se preocupam o estudo da questão social. Nela o autor expõe as doutrinas dos mais salientes representantes do anarquismo: Willian Godwin, Proudhon, Max Stirner, M. Bakunin, P. Kropotkin, Benjamin Tucker e L. Tolstoi (A VOZ..., 29 nov. 1908, ano I, n. 6, colunas 1- 4, p. 6).

Os panfletos e folhetos, materiais de impressão e de circulação rápidas eram os mais difundidos porque atendiam às demandas conforme os acontecimentos políticos, sociais ou sindicais, mas todas as obras – livros, revistas, jornais ou panfletos recomendados para a leitura - tinham objetivo definido de instruir o trabalhador, criar as condições para seu desenvolvimento intelectual com o intuito de preparar a rebelião. Trata-se

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de uma manifestação esclarecedora a respeito da leitura como necessidade, associada ao prazer de conhecer os pensamentos de natureza científica, na área das ciências humanas, mas não apenas ao prazer do deleite literário. A esse respeito, um anúncio, na mesma edição, apontava: Livros em Espanhol. Antonio Domingues tem sempre um variado sortimento de livros de Sociologia, Literatura, Ciência e Arte, folhetos e jornais de propaganda (A VOZ..., 29 nov. 1908, ano I, n. 6, coluna 1, p. 6).

No início de 1909, o governo brasileiro mobilizava a população masculina para o recrutamento militar obrigatório, alimentado pelo boato de que um confronto armado estava prestes a ser deflagrado entre Brasil e Argentina. O movimento anarco-sindicalista, por sua parte, desencadeava ações antimilitaristas, com distribuição de panfletos, como esta em Campinas:

A Liga Operária de Campinas fez espalhar profusamente em toda a cidade uma manifesto intitulado Guerra à Guerra onde reproduzia as resoluções tomadas pela Confederação Operária Brasileira exortando também a todos os operários a manifestarem-se contra a guerra e sua causa mais direta: o militarismo. Transcreveu também, em castelhano, aquele impresso que a União Geral de los Trabajadores da Argentina fez distribuir na Republica do Prata. [...] Na Escola Social, mantida pela Liga Operária de Campinas, deu-se feriado aos alunos, aproveitando-se a ocasião para o professor fazer uma alocução aos meninos sobre os motivos do feriado e sobre a guerra [...] (A VOZ..., 13.jan.1909, ano I, n. 8, coluna 3, p. 2).

Com o título Os caixeiros querem trabalhar 12 horas, o jornal manifestava-se contra a falta de organização sindical dos empregados do comércio e com a falta de tempo dedicada aos estudos e à instrução, necessários para o crescimento intelectual de cada um e do movimento, de modo geral:

Os empregados do comércio mal têm o tempo necessário de ler o anúncio publicado nos jornais marcando as horas de disciplina ensinadas em sua associação! Diz o conferencista. Assistir a aulas, ouvir falarem os mestres, são coisas para outrem e não para aqueles que mourejam desde que o sol nasce até que há muito desapareceu. Infelizmente falta-lhes também o tempo para, em suas associações, ocuparem de coisas mais sérias, que os analfabetos fazem conquistar (A VOZ..., 01 maio 1909, ano I, n. 10, coluna 1-2, p. 2).

Os artigos e noticiário publicados ocupavam, em 1909, todas as quatro páginas do jornal, impedido de crescer pelas dificuldades financeiras, e, por essa mesma razão, pouco espaço sobrava para os anúncios das obras para leitura, como ocorria no início da publicação. Na edição no. 14, porém, três anúncios divulgam materiais de leitura. O primeiro comunicava a fundação de um grupo de militantes com o objetivo “de divulgar entre os

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operários as obras de propaganda e de conhecimento úteis, editadas em português, facilitando a sua aquisição pelo menor preço possível.” (A VOZ..., 08 jul.1909,n.14, coluna 2. p. 4). Além de divulgar, o grupo editaria folhetos, entre os quais Entre Camponeses, de Enrico Malatesta (1853-1932), famoso militante e intelectual anarquista italiano (A VOZ..., 08.jul.1909, n. 14, coluna 2, p. 4). Nessa mesma página anunciavam um folheto de 32 páginas chamado Tributo de Sangue, de Carlos Dias, considerado propaganda anti-militarista, e uma revista, considerada Revista Popular de Orientação Racional, com o nome de Amanhã, editada em Lisboa, com sede na rua dos Mouros.A edição de n. 15 voltava a anunciar jornais e revistas internacionais, com a inclusão de títulos novos, entre eles, O Construtor Civil de Matosinhos e O Povo de Aveiro; ambos de Portugal; vários de Buenos Aires, na Argentina; e da Espanha, La Voz del Pueblo, de Tarrasa, Barcelona e Al Paso, de Sevilha (A VOZ..., 22 jul. 1909, ano I, n. 15, colunas 1-2, p. 4).

Um dado intrigante é a recomendação para leitura do jornal O Clarim da Luz, órgão do Centro Espírita Caridade e Luz, Sorocaba, Estado de S. Paulo. Declaradamente, os anarquistas eram contra o Estado, Deus e a Religião, sobretudo, contra a Igreja Católica e seus procedimentos seculares. Ao divulgar, no entanto, uma obra espírita, os militantes acompanhavam uma conduta que esteve sempre presente nos movimentos de esquerda no Brasil, vinculados ao partido comunista, ou seja, a de contar entre seus militantes, de adeptos da doutrina dos Espíritos organizada pelo pedagogo francês Allan Kardec (1804-1869). Duas hipóteses podem explicar esse vínculo. A primeira, pela oposição que o espiritismo poderia fazer ao movimento clerical; e a segunda, por não considerar o aspecto religioso no conjunto da doutrina espírita, mas apenas o aspecto científico e o filosófico, com raízes socráticas e platônicas.

A edição n. 17 destacava a criação de uma publicação chamada Liberdade, cujo primeiro número traria artigos sobre as idéias anarquistas, poesia e arte: O método Anarquista, de Manoel Moscoso; O Cavador, poesia de Luiz Cebola; A Arte e o Povo, de Manuel Ugarte; Os condenados, de Manoel Moscoso; Sobre Educação Integral, de Deolinda Lopes Vieira; Morte de Deus e do Diabo, poesia de Gomes Leal e Constatações Tristes, de Ivan (A VOZ..., 30 ago. 1909, ano II, n. 17, coluna 1, p. 4).

A União dos Alfaiates anunciava, em setembro de 1909, sua nova sede e seus planos de funcionamento, entre eles o de abrir as aulas de corte, aulas primárias e sala de leitura e o de editar o jornal O Alfaiate, considerado como um dos principais meios para a propaganda. (A VOZ..., 30 set. 1909, ano II, n. 18, coluna 1-2, p. 4).

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A edição seguinte trazia na primeira página, extenso artigo, intitulado A Reação Espanhola: o jesuitismo a renascer, sobre a prisão e o fuzilamento de Ferrer. Registrava o articulista que

[...] mais de 4.000 pessoas percorreram as ruas levando à frente uma bandeira negra e a seguir-se o retrato de Ferrer, noutra mais atrás ia o retrato de Afonso XIII, em grande uniforme manchado de sangue e, ainda, noutra tela se via o rei assassino descabelado e Maura, ambos degolados e todos salpicados de sangue [...] (SANTOS, R., 1909, colunas 1-2, p. 1).

Essa manifestação, organizada pela COB no Rio de Janeiro, demonstrava a admiração e respeito que tinham pelo educador espanhol que havia auxiliado, com suas obras, a criação das Escolas Modernas que se espalhavam pelo movimento anarco-sindicalista brasileiro, como alternativa à educação burguesa.

A repressão ao movimento incluía, também, o confisco de livros, como indica em nota, um articulista, na edição n. 20, ao afirmar que “[...] já é a terceira vez que na capital paulista a polícia civilista assalta a sede da Federação Operária e rouba os móveis e livros que possuía; em Santos, mais uma vez” (A VOZ..., 30 set. 1909, ano II, n. 19, coluna 1, p. 3). Se a polícia, por seu lado, reprimia a circulação de livros adquiridos e recomendados pelo movimento, os anarco-sindicalistas também censuravam o que consideram literatura burguesa, como registra o artigo de primeira página da edição n. 20, o qual apontava o debate frustrado a ser realizado no Grêmio Literário dos trabalhadores da fábrica de tecidos Bangu, no Rio, a respeito da obra educacional de Francisco Ferrer. Alertado pelos trabalhadores de que haveria um orador a criticá-la, militantes para lá se dirigiram, mas, temerosos do embate, segundo acreditavam, a sessão fora suspensa. Entretanto, o artigo narra o que lá presenciaram:

Havia um teatro e um grêmio literário, mas como é fácil de prever, aí não se trataria senão de representar peças patrióticas e de estudar a literatura burguesa. Uma biblioteca filosófica ou um palco social constituiriam um perigo para a burra dos proprietários. Daí a ausência de tudo que se relaciona com a ciência. Os burgueses de Bangu são inteligentes e astutos (A ESCRAVIDÃO, 15 nov. 1909, ano II, n. 20, coluna 2, p.1).

Em 9 de dezembro de 1909 foi publicada a última edição do que seria posteriormente conhecida como o final da primeira fase da publicação de A VOZ DO TRABALHADOR, cujo desaparecimento deu-se pelas dificuldades financeiras e de mobilização por que passavam os sindicatos e confederações operárias. Nessa edição, é possível destacar apenas uma nota a respeito da expulsão do educador italiano Edmundo Rossoni (1884-1965):

Da capital não recebemos nenhumas informações diretas, mas

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sabemos que Rossoni foi expulso por querer ensinar, na escola de Água Branca, pelos métodos racionais. É a clericalhada a canalha governante que querem implantar o reino das trevas na classe operária. Mas não nos desanimará; no Brasil há muitos Rossonis que decerto não conseguirão expulsar. O progresso caminha! (A VOZ..., 09 dez. 1909, n. 21, coluna 2, p. 4).

Uma nova edição do jornal apareceria no dia primeiro de janeiro de 1913, quatro anos depois do fechamento, após a rearticulação do movimento anarco-sindicalista, coroado pela realização do II Congresso Operário Brasileiro, em que se debateram socialistas e anarco-sindicalistas, com a supremacia destes últimos. Essas edições entre 1913 e 1915 serão objeto de posteriores investigações.

Conclusão

A introdução deste artigo anunciava o objetivo de verificar as manifestações e recomendações de leitura dos anarco-sindicalistas brasileiros veiculadas pelo seu órgão de impressa confederativo, o jornal A VOZ DO TRABALHADOR, em sua primeira fase, entre 01.07.1908 e 09.12.1909, com o intuito de verificar o que recomendavam e por que recomendavam. A busca no período recortado, indicou que os operários publicavam anúncios e livros, jornais e panfletos, de teor revolucionário, com multiplicidade idiomática para atender a todos os imigrantes que no início do século XX tinham se instalado no Brasil. Para isso, criaram escolas e organizavam bibliotecas e salas de leitura nas sedes dos sindicatos, montavam livrarias próprias para adequar os preços ao poder aquisitivo do operariado.

A divulgação, todavia, não se restringia a panfletos e a folhetos impressos e divulgados com abundância, mas a obras de profunda reflexão produzidas por expoentes do anarquismo europeu; obras literárias e, sobretudo, obras teatrais encenadas nas sedes dos sindicatos que permitiam a participação até mesmo dos analfabetos. Deste modo, os materiais para leitura e a leitura produzida pelos operários deram-se pela necessidade criada nas e pelas relações sociais nascidas no enfrentamento entre capital e trabalho, tendo a exploração da força de trabalho como dispositivo detonador da busca pelos materiais que permitiriam a sua compreensão.

A leitura foi considerada, pelo movimento, ferramenta fundamental para atender às necessidades de preparação para as bases da rebelião, considerado o terceiro princípio orientador do movimento,

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precedido pelo da educação e pelo da propaganda, no interior dos quais se abrigava a leitura.

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Dagoberto Buim Arena é Mestre e Doutor em Educação pela UNESP, campus de Marilia-SP. Professor do Departamento de Didática e do Programa de Pós-Graduação da UNESP em Marila-SP. Líder do Grupo de Pesquisa Grupo de Pesquisa: Saberes e práticas da teoria histórico-cultural – Linha: Processos de leitura: apropriação e objetivação. CNPq/FUNDUNESP/Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa/UNESP. Endereço: Rua Guinetti Grassi, 255 – Bloco 1 – Apto. 133 - 17.527432 – Marilia – SP. Telefones: (14) 3402,1327 ou (14) 34549303.

Recebido em: 07/01/2006 Aceito em: 20/02/2006

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 105-120, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Caubóis e Caipiras. Os land grant colleges e a Escola Superior de Agricultura de Viçosa

Maria das Graças M. Ribeiro

Resumo

O artigo apresenta um estudo comparativo entre os land-grant colleges e a Escola Superior de Agricultura de Viçosa (ESAV). Pretende examinar o modo como a Escola adotou o modelo daqueles colleges, considerados a base da moderna educação superior de massa nos Estados Unidos. O estudo conclui que o processo de assimilação do modelo se completou no final da década de 1940, quando acordos de assistência técnica foram firmados com organismos norte-americanos. Tais acordos contribuíram para que a ESAV se tornasse universidade rural e, mais tarde, para envolvê-la nos programas da United States Agency for International Development no Brasil.

Palavras-chave: Educação Comparada; Escolas Agrícolas; Educação Superior.

Abstract

The paper presents a comparative study between the land-grant colleges and the Escola Superior de Agricultura de Viçosa (ESAV). It intends to examine the way this school has adopted the land-grant college model which is considered the basis of the modern mass higher education in United States. The study concludes that the process of assimilation was completed at the end of 1940s, when agreements of technical assistance were signed with American organisms. These agreements have contributed for ESAV to become into a rural university and later they involved the institution with United States Agency for International Development’s programs in Brazil.

Key-words: Compared Education; Agricultural Colleges; Higher Education.

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Introdução

O presente trabalho desenvolve uma análise comparativa entre os land-grant colleges, escolas superiores agrícolas, criadas no oeste e no meio-oeste dos Estados Unidos, a partir de meados do século XIX, e a Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa (ESAV), a qual, inaugurada em 1926, deu origem à atual Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Consciente das dificuldades relativas à realização dos estudos comparados em educação, tratei, na investigação, de identificar as similaridades e as diferenças da escola mineira com aqueles colleges, atenta às recomendações de Gvirtz (2001) no sentido de considerar que objetos ou problemas comparáveis se constituem de acordo com condições de caráter histórico-social.

Desse modo, além de ressaltar o contexto sócio-histórico que constituiu o pano de fundo para a criação daqueles colleges e aquele que constituiu o cenário da criação da ESAV, levanto como pontos de comparação as finalidades proclamadas nos atos de criação das instituições mencionadas; a forma como se constituiu a administração das instituições, em ambos os casos, e principalmente os eixos sobre os quais foram organizadas as suas atividades.

Para o estudo dos land-grant colleges foi consultada uma ampla literatura, tendo a atenção recaído principalmente nos estudos de Barrow (1990) sobre a constituição do sistema de educação superior dos Estados Unidos e de Bowman (1962) sobre a importância que tiveram os land-grant colleges no que diz respeito à formação de pessoal naquele país. Para o estudo da Escola Superior de Viçosa procedeu-se a um amplo levantamento de fontes documentais que permitiu o exame de atas de reuniões, relatórios, cartas, convites, fotos, regimentos, estatutos, boletins, circulares e outros documentos produzidos pela ESAV, além de decretos e leis editados pelo governo do estado de Minas Gerais.

Tomando por base categorias como modernização agrícola, ensino superior agrícola, educação rural e extensão rural, o trabalho pôs o seu foco sobre o período que tem início em 1862, quando o Presidente Lincoln assinou o Morril Act que deu origem aos land-grant colleges, e se encerra em 1948, quando a ESAV foi transformada em Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG).

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Os land-grant colleges

No início do século XIX, os Estados Unidos poderiam ser caracterizados como um país agrícola com 85% de sua população vivendo no meio rural. Eram ainda poucas as pequenas cidades ao longo da costa leste e não se fizera ainda a ocupação do Oeste. A sociedade norte-americana se pautava então por uma forte fé religiosa.

Até então, o país contava com um número significativo de colleges, inspirados nas universidades de Oxford e Cambridge, os quais estavam voltados, de um lado, para a formação dos futuros pregadores e, de outro, para o conhecimento clássico dos jovens gentlemen. Os que buscavam uma educação mais erudita iam para a Europa, principalmente para a Alemanha. Foi somente a partir de 1825 com mudanças curriculares realizadas em Harvard que apareceu a moderna universidade norte-americana. A pesquisa científica, contudo, só se desenvolveria a partir do final do século XIX com a criação da Universidade John Hopkins (Kerr, 1967).

Tal experiência se fez simultaneamente à emergência dos land-grant colleges. Estes foram instituídos a partir da promulgação da Lei Morril pelo Congresso Nacional, em 1862. Esta lei vinha contemplar a reivindicação dos fazendeiros de uma educação vocacional, liberando terras federais para a venda nos estados com o fim de que as receitas resultantes fossem usadas para o treinamento de jovens para a agricultura e as chamadas artes mecânicas. 1

Segundo Kerr (1967, p.23), a experiência de Hopkins e o movimento do land-grant college se constituíram como “duas correntes” que

acabaram por tornar-se mais conciliáveis do que se podia crer. Uma era, na origem, prussiana, a outra americana; uma se destinava à elite, a outra era democrática; uma era puramente universitária, a outra era sustentada por suas relações com a terra e com as máquinas. Uma dependia de Kant e Hegel, a outra de Franklin, Jefferson e Lincoln.

1 Para alguns autores (Bowman, 1962; Kerr,1967), o Senador Morril, que deu nome à lei, ao mesmo tempo em que se preocupava com a distribuição de terras públicas para grupos privados e com a deterioração do solo nas fazendas norte-americanas, também considerava necessário um novo tipo de educação mais adequada às necessidades do homem do campo. Para Cowley & Williams (1991), no entanto, a idéia de Morril foi originalmente mais voltada para liberar as terras federais para a especulação do que para promover educação.

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Referindo-se à Lei Morril, o grande educador brasileiro Anísio Teixeira (1998, p.57), afirmaria que “nenhum outro ato seria de maior alcance para a educação superior na jovem república”.

De todo modo, como afirma Bowman (1962, p.526), "[...] quando o Morril Act passou não ficou claro de todo o que exatamente os colleges deveriam ser e fazer". Para a autora, embora não estivessem evidentes, então, certas características básicas destas instituições, passados os anos, elas podem ser identificadas: a pesquisa aplicada e a difusão da escolarização e do conhecimento. Além destas, o conceito de undifferentiated American. Foi isto, segundo Bowman (1962), que fez o sistema de educação superior americano único no mundo.

Bowman (1962) também chama atenção para a contribuição dos land-grant colleges no que diz respeito ao ensino superior para mulheres. Ainda no século XIX, estes colleges rompiam a “barreira do sexo”, proporcionando um tipo específico de educação prática para as mesmas dando origem assim aos cursos de economia doméstica.

A ESAV

Em 1920, quando ocupou o governo de Minas Gerais, Arthur Bernardes assinou a lei n.761, que autorizava a criação de uma escola superior agrícola sob a responsabilidade daquele estado. Em 1922, o governo mineiro assinou um ato criando, em Viçosa, a Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Minas Gerais. A Escola foi finalmente inaugurada, em 28 de agosto de 1926, pelo viçosense Arthur Bernardes então Presidente da República.

O Regulamento da ESAV, aprovado ainda naquele ano, caracterizava a instituição como um estabelecimento essencialmente agrícola, cuja finalidade era a aquisição e a difusão de conhecimentos relativos “à economia rural”, em todos os seus graus e modalidades.

O ensino na Escola era gratuito e funcionava em regime de internato e externato. Primeiramente, começaram a funcionar os cursos elementar e médio. O curso superior de agronomia somente teve início em 1928 e o de veterinária em 1932. Logo depois foram criados cursos de especialização, com duração de dois anos, que destinavam-se a formar especialistas em Agronomia ou em Veterinária.

O Curso Elementar foi extinto em 1947 sob a alegação de que estava “sendo mais usado pelos alunos como mera passagem para o Curso Médio e, portanto, desviado de seus objetivos” (Borges et al., 2000, p. 21).

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Para o funcionamento dos seus cursos superiores, a ESAV contava, em 1931, com quinze departamentos: Agronomia; Anatomia; Cirurgia Veterinária; Clínica Veterinária; Economia e Legislação Rural; Engenharia Rural; Fisiologia; Fitopatologia; Horticultura e Pomicultura; Matemática e Contabilidade Agrícola; Microbiologia e Parasitologia; Química; Silvicultura; Solos e Adubos; Zootecnia.

No final da década de 1930, novos departamentos foram criados, destacando-se os de Genética, Experimentação e Biometria e o Departamento de Educação Rural.

Foi também na década de 1930 que teve início a prática da pesquisa na ESAV, sendo a atividade coordenada por professores catedráticos. Em 1939, foi lançada a revista Ceres, primeira de caráter científico editada pela instituição.

Além destas atividades, a Escola desenvolveu um trabalho de assistência sistemática junto aos agricultores da Zona da Mata mineira, o que acabou por projetá-la para além das fronteiras de Minas Gerais.

A partir de meados dos anos 1930, no entanto, a ESAV começou a viver uma fase de profundas dificuldades. Com pagamentos atrasados em até seis meses, alguns professores pediam demissão. Além disso, eram grandes as dificuldades para a aquisição de material e para manter o funcionamento regular da Escola.

Não obstante tais dificuldades, a Escola obteve o reconhecimento oficial do governo federal em 1935. No ano seguinte, todavia, o governo estadual cassou a sua autonomia, suprimindo seu órgão máximo – a Junta Administrativa – e nomeando um coronel para a sua direção.

Segundo relatos memoriais de ex-alunos e ex-professores, havia neste período muitos boatos afirmando que a Escola seria desativada, dando lugar a um quartel de polícia. Para completar, em 1942, a Escola de Veterinária era subtraída da ESAV, sendo transferida para Belo Horizonte.

Segundo estes relatos, foi um elemento decisivo para tirar a instituição daquela crise o impulso oferecido por entidades norte-americanas que com ela firmaram, a partir de meados dos anos 1940, alguns acordos de cooperação.

Desse modo, em 1948, quando a ESAV foi transformada em Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), pela lei n.272, os problemas pareciam estar superados.

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Pontos de comparação

Entre os poucos estudos realizados sobre a história da Universidade Federal de Viçosa, há um consenso em relação ao fato de Arthur Bernardes ter pensado a instituição, desde o início, como um land-grant college (Borges et al., 2000; Capdeville, 1991; Paniago, 1990). Chega-se mesmo a afirmar que, em 1920, Bernardes, admirado com o que ouvia a respeito das escolas superiores agrícolas norte-americanas, teria solicitado ao embaixador brasileiro em Washington o empenho para a indicação de um especialista que viesse implementar o projeto da Escola de Viçosa, havendo indícios de que somente o terceiro nome sondado teria aceito a missão (E. Coelho, 1996, p.16 e p.24).

Na verdade, conforme afirma José Murilo Carvalho, Bernardes, ao pensar na criação da ESAV, teria convidado inicialmente para coordená-la o francês Eugene Davenport, responsável pela organização da Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz, de Piracicaba. Por se sentir em idade avançada para a tarefa, Davenport teria indicado o nome de um professor norte-americano – o Professor Peter Henry Rolfs, o qual teria então tomado como referência o modelo dos land-grant colleges (Carvalho, 2002).

Vindo do Florida Agricultural College, onde era diretor desde 1915, Rolfs chegava a Viçosa em 1921, assumindo imediatamente a direção dos trabalhos de construção da Escola. Com a sua inauguração, foi nomeado seu primeiro diretor, cargo que manteve até 1929, quando transferiu-se para Belo Horizonte para exercer a função de Consultor Técnico da Secretaria de Agricultura de Minas Gerais.

A despeito de muito orgulhar a comunidade da Universidade Federal de Viçosa, a afirmação de que a ESAV foi um land-grant college no Brasil não apresenta, nos estudos antes mencionados, nenhuma fundamentação. Além disso, parece haver um desconhecimento generalizado acerca da história daquelas instituições.

Vejamos alguns pontos para uma comparação entre a ESAV e os land-grant colleges, considerando, conforme Gvirtz (2001,p.19), “[...] que algo que resulta comparável em um momento histórico pode não resultá-lo em outro”.

Em primeiro lugar, cabe considerar o contexto no bojo do qual tanto as escolas superiores agrícolas norte-americanas quanto a ESAV foram criadas.

No caso das primeiras, elas foram, em grande medida, resultado de movimentos que, nas décadas de 1840 e 1850, se espalharam pelo país, reivindicando o ensino agrícola, num cenário em que este tipo de ensino era

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praticamente inexistente nos Estados Unidos. Na verdade, desde as primeiras décadas do século XIX, pequenos e médios fazendeiros manifestavam insatisfação com a falta de apoio para a agricultura. Eles acreditavam ser a educação uma das possíveis soluções para o problema, reivindicando, então, a criação de escolas agrícolas com ensinamentos práticos.

Quando a Lei Morril foi editada, as terras dos fazendeiros enfrentavam um processo crescente de deterioração do solo por falta de conhecimentos sobre conservação. Não obstante a produção agrícola se expandisse, ela perdia importância para a manufatura, que, já a partir da década de 1860, conquistava a liderança entre as atividades econômicas do país. Neste contexto e impulsionado pela emergência de um sistema nacional de ferrovia, foi se formando um mercado nacional estruturado. Graças à edição do Morril Act, em 1862, e à criação do United States Department of Agriculture, no mesmo ano, as angústias dos fazendeiros foram, em grande medida, atenuadas, tendo a área cultivada se ampliado e a agricultura experimentado o início de sua mecanização.

O contexto de criação da ESAV, num certo aspecto, foi um tanto quanto diferente. Nas primeiras décadas do século XX, também não se tinha propriamente universidades no Brasil; porém desde o final do século anterior, foram surgindo escolas superiores isoladas de formação profissional. No caso do ensino agronômico, a primeira escola superior voltada para o mesmo foi a Escola Superior de Agronomia de Cruz das Almas na Bahia (1875), aparecendo, logo depois, a Escola Superior de Agronomia de Pelotas (1883) e várias outras em seguida. Só no estado de Minas Gerais, na década de 1920, havia três escolas superiores agrícolas – Escola Superior de Agricultura de Lavras, Escola de Agronomia e Medicina Veterinária de Belo Horizonte, Escola de Agronomia e Pecuária de Passa Quatro – e, ainda, duas escolas superiores de veterinária.

O cenário, neste aspecto, era pois bem diferente daquele em que se deu o aparecimento dos land-grant colleges. No entanto, a situação da economia mineira, basicamente agrícola, era preocupante no início dos anos 1920. Esta situação se agravava na Zona da Mata, voltada predominantemente para a cafeicultura, particularmente na região de Viçosa, a qual, juntamente com as cidades vizinhas, era constituída por pequenas e médias propriedades dedicadas ao cultivo do café. A criação da ESAV parece ter vindo no sentido de evitar a catástrofe que se anunciava para a economia da região.

Num discurso proferido em 1929, Bernardes afirmava ter criado a Escola com o intuito

[...] de abolir o empirismo agrícola, a que tantos mineiros

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consagravam suas energias, no amanho diuturno da terra como na creação e pastoreio dos seus rebanhos.” e manifestava a sua satisfação ao vê-la “despertando novos estímulos nas gerações, empenhadas, agora numa actividade racional e scientífica, que há de conduzil-as a maior e mais facil prosperidade. 2

Na verdade, A ESAV não evitou a crise da cafeicultura mineira, porém não há dúvidas de que veio contribuir significativamente para a modernização da agricultura de Minas Gerais.

Neste ponto colocam-se as finalidades proclamadas quando da criação das instituições.

Se os land-grant colleges tinham como objetivo promover os estudos “relacionados à agricultura e às artes mecânicas” e a educação liberal e prática das classes industriais “[...] sem excluir outros estudos científicos e clássicos [...] ” 3, as finalidades da ESAV eram um tanto quanto semelhantes tanto no decreto n.6053 de 1922 que definia o local de sua construção – “ministrar o ensino prático e teórico de Agricultura e Veterinária” e “realizar estudos experimentais que concorram para o desenvolvimento de tais ciências no Estado de Minas” – como no Regulamento de 1926 que previa que a Escola deveria ser um estabelecimento essencialmente agrícola tendo por finalidade adquirir e difundir conhecimentos relativos “à economia rural”, em todos os seus graus e modalidades, tendo em vista a educação da “população agrícola do Estado em todos os assuntos pertencentes à vida rural e melhorar as suas condições morais, mentais e econômicas, no mais breve tempo possível ”.

No que se refere à forma de administração dos land-grant colleges é curiosa a semelhança entre esta e a forma de administração da ESAV.

Os land-grant colleges eram instituições públicas, dirigidas por governing boards – quadros de dirigentes compostos pelo diretor e personalidades representativas da comunidade. Inicialmente, os governing boards dos land-grant colleges mantiveram forte vinculação com o mais tradicional interesse dos fazendeiros. Mais tarde, no entanto, se enfraqueceu o poder agrário e foram ganhando importância nos boards juristas, banqueiros e industriais (Barrow, 1990, p.56). No final dos anos 1910 e início dos anos 1920, foram muitos os atritos entre diretores, professores e os boards.

Desde que foi criada até 1931, a ESAV tinha como órgão máximo a Congregação. Esta era composta pelos professores e presidida 2 Discurso proferido em 29/03/1929. Ver Universidade Federal de Viçosa. UFV 70 anos. A trajetória da Escola de Viçosa. Viçosa: Imprensa Universitária, 1996. 3 Ver Cowley & Williams, 1990, p.121.

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pelo diretor da Escola, sendo subordinada à Secretaria de Agricultura do estado. Em dezembro de 1931, no entanto, o governo de Minas Gerais aprovou um novo regulamento para a ESAV. Este dava autonomia administrativa e financeira à Escola e constituía uma Junta Administrativa, que passava a se constituir como órgão máximo de poder, a qual era diretamente subordinada ao governo do estado.

A Junta Administrativa era constituída de nove membros, com mandato de três anos, renovada anualmente em 1/3. As nomeações eram feitas pelo governo do estado, recaindo em agricultores que não exercessem posição pública ou eletiva e de preferência em representantes das diversas zonas do estado de Minas Gerais. O representante da Zona da Mata deveria residir em município diverso ao da sede do estabelecimento.

Compuseram a Junta Administrativa, inicialmente, cinco agricultores de cinco municípios de Minas Gerais: Cataguazes, Ponte Nova, Juiz de Fora, Casca e Curvelo. Deixaram de participar de sua composição em razão de não comparecerem para a posse em seus cargos os representantes dos municípios de Patos, Itajubá e Uberaba.

Todos os indícios são de que na prática as decisões relativas a qualquer mudança significativa na vida da instituição acabaram acontecendo por iniciativa do governo estadual sem que atritos tenham se deflagrado entre a Junta Administrativa e o mesmo.

Em 1931, quando a Junta Administrativa foi criada, ganhou força na ESAV a figura do Departamento. Muito embora já houvesse referências ao mesmo no regulamento de 1926, é a partir de 1931, que o Departamento passa a ser enfatizado como unidade a partir da qual são organizadas as atividades de ensino e de pesquisa na Escola.

Vejamos as similaridades entre os land-grant colleges e a ESAV quanto à organização destas atividades.

A noção de prática era a base da educação desenvolvida nos land-grant colleges, os quais tiveram inicialmente como característica central a promoção de um ensino voltado para a "aquisição das artes e habilidades necessárias para ser fazendeiros, mecânicos, engenheiros, e professores de escolas” (Barrow, 1990, p.92).

Mesmo assim foram muitas as dificuldades nos land-grant colleges quando tiveram início os seus primeiros cursos. Além do baixo nível do conhecimento científico sobre os problemas da terra, a precariedade das condições para que as aulas fossem ministradas era tanta que os professores tinham que recorrer ao máximo de criatividade para suprir as deficiências. Comentado o fato, Bowman (1962) cita o caso de Isaac Roberts que para realizar suas aulas de veterinária sobre dentição de

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cavalos, desenterrava animais mortos e os virava no sentido do vento para que ele e seus estudantes pudessem suportar o odor.

À medida em que as instituições foram se consolidando, apareceu a “filosofia do land-grant college”. Tratava-se assim de “ensinar aos fazendeiros mais do que como cuidar da fazenda [...]” (Barrow, 1990, p.92).

Em alguns land-grant colleges, os “cientistas agrários” enfrentavam, como observa Barrow (1990, p.93), os interesses das pequenas empresas denunciando-as pela produção de alimentos contaminados ou adulterados em suas medidas e pesos. No entanto, quando houve o enfraquecimento do poder agrário e a abertura dos governing boards para a participação dos businessmen, estes apontaram para uma racionalização institucional dos colleges e para o ideal corporativo, o que gerou inúmeros atritos com o pessoal docente. Os land-grant colleges foram então acusados “de não contribuir para uma divisão socialmente eficiente do trabalho ao oferecer instrução em artes liberais e humanidades [...]” e se viram excluídos de recursos provenientes de instituições filantrópicas de suporte ao ensino superior (Barrow, 1990, p.93).

Com a vitória dos businessmen, os currículos dos land-grant colleges passaram a comportar somente aquelas disciplinas estritamente voltadas para a formação de homens para a agricultura e a educação para as artes mecânicas, definida como formação educacional ampla, cujo mais alto nível constitui os estudos para a formação de engenheiros. Além disso, havia as disciplinas para a formação de veterinários e, mais tarde, para a formação de economistas domésticas. Esta ênfase nos estudos voltados estritamente para as questões do meio rural foi, no período, tão forte que, como resultado, algumas instituições eram chamadas popularmente como “cow colleges”.

O ensino na ESAV, como foi mencionado no início deste trabalho, estava organizado, até 1947, em três níveis. O curso elementar, com duração de apenas um ano, era destinado à formação de agricultores e capatazes rurais, tendo um caráter basicamente prático. Esse curso atendia filhos de agricultores que não tinham oportunidade de receber uma instrução mais completa. De todo modo, os candidatos ao mesmo deveriam submeter-se a um exame de admissão na própria Escola, constando este de uma prova de caligrafia, uma prova de leitura, além de prova de escrita e aritmética. O curso médio, com duração de dois anos, era destinado à formação de técnicos agrícolas e administradores rurais, atendendo filhos de fazendeiros ou agricultores que não tinham oportunidade de freqüentar o curso ginasial. Para admissão ao mesmo, o candidato deveria apresentar atestado de aprovação final em grupo escolar reconhecido oficialmente ou

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submeter-se a exame de admissão na ESAV, do qual constavam provas escritas de português, de aritmética e de noções de geometria e desenho, além de prova oral sobre noções de geografia, história do Brasil e educação moral e cívica. Os cursos superiores tinham duração de quatro anos destinavam-se à formação de profissionais de agronomia e veterinária. Para admissão, o candidato deveria apresentar certificado de aprovação em estabelecimento ginasial equiparado ao Colégio Pedro II. Os cursos de especialização tinham duração de dois anos, destinando-se a formar especialistas em agronomia ou em veterinária, os quais recebiam o título de Doutor em Agronomia ou Doutor em Veterinária.

Em todos os casos, era enfatizado o caráter “teórico-prático e não livresco” do ensino na ESAV, não havendo nenhuma evidência de vestígios da chamada “filosofia dos land-grant colleges” na nossa instituição.

No que se refere ao currículo, as disciplinas também eram estritamente limitadas àquelas que parecem minimamente necessárias à formação de agrônomos e veterinários.

A ESAV teve como equivalente à educação para as artes mecânicas o Departamento de Engenharia Rural, cujas disciplinas eram Mecânica Agrícola, Topografia, Motores e Máquinas Agrícolas, Hidráulica Agrícola, Estradas de Rodagem, Construções Rurais, Desenho a Mão Livre, Geométrico, Topográfico e Arquitetura Rural.

Retomando a experiência dos land-grant colleges, no que se refere à pesquisa, ela foi originalmente resultado da “pressão para construir algo para ensinar” (Bowman, 1962, p.527).

Na verdade, até a Segunda Guerra Mundial, as pesquisas desenvolvidas se restringiam a pesquisas aplicadas desenvolvidas em estações experimentais tendo em vista a solução de problemas locais.

Quando chegou a Guerra, os land-grant colleges foram induzidos a cooperar em projetos bélicos, tendo alguns desenvolvido pesquisa com o uso de isotopos radioativos para avaliar reações químicas. Neste período, desenvolveram pesquisas sobre métodos de conservação de estoques de alimentos para que estes não perdessem suas propriedades nutritivas. Destacaram-se aí as pesquisas que resultaram na criação do milho híbrido e na descoberta de estreptomicina.

Depois disso, colocaram-se preocupações mais amplas em termos de pesquisa, principalmente quanto a pesquisa básica.

Na ESAV, a pesquisa, exclusivamente aplicada, também esteve voltada para a busca de soluções para problemas imediatos da região da Zona da Mata mineira. Ela foi organizada inicialmente com base nos Departamentos existentes, os quais deveriam realizar “experiências sobre

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plantas e animais, estudos e pesquisas originais com o fim de se descobrirem verdades básicas úteis a agricultura e a pecuária do Estado e se produzirem novas espécies e variedades, com valor econômico”, conforme o decreto n.7323 de 1931.

Neste contexto, foram realizadas experiências para o combate à saúva, para o combate a pragas em plantas como o feijão, o algodão, e, ainda, experiências com o álcool motor.

Em 1932, foi feita na Escola a proposta de criação de um Conselho Experimental de Agricultura. De todo modo, somente em 1938 foi criada uma Estação Experimental. Pouco antes disso, já vinham se desenvolvendo experiências para a hibridação do milho.

Assim como os land-grant colleges, que tinham em vista, desde a sua fundação, a produção de conhecimento que tivesse aplicação prática na vida das pessoas em geral, desde cedo, a ESAV tratou de organizar atividades extra muros que envolviam cursos de curta duração e visitas para demonstração nas fazendas vizinhas. Nos land-grant colleges, desde o início, a solicitação por esses serviços foi se avolumando, levando alguns professores a produzirem artigos para jornais e boletins e a freqüentarem com regularidade encontros com os fazendeiros. Logo muitos colleges começaram a organizar cursos fora do campus e a estruturar seus departamento de extensão. Desse modo, logo estabeleceu-se nos land-grant colleges a tripla função de ensino, pesquisa e extensão.

Na verdade, a prática extensionista iniciou-se, nos Estado Unidos, através das associações agrícolas, fundadas por fazendeiros que tinham a finalidade de discutir e buscar soluções para os problemas relativos à comercialização e ao aumento da produtividade de suas culturas e da pecuária. Nestas associações eram realizadas palestras, reuniões, feiras e concursos, visando um contato mais estreito entre os chamados farmers. Logo foram criados Conselhos de Agricultura, os quais, junto com as associações, promoviam conferências públicas e cursos de curta duração conjugados aos trabalhos desenvolvidos nos land-grant colleges. Assim, em 1914, quando o governo norte-americano editou o Smith Lever Act, a extensão agrícola já estava em marcha. De todo modo, sem as estações experimentais, criadas a partir de então, a história da extensão teria sido no máximo uma mera sombra do que se conheceu no século XX. (Bowman, 1962, p.537).

Vale notar que quando da inauguração da ESAV, não havia associações locais de agricultores estruturadas como aquelas dos Estados Unidos. Deste modo, o trabalho de difusão das atividades feito pela instituição teve grande repercussão, ensejando solicitações por consultas técnicas e por cursos de breve duração. Era comum a correspondência de

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fazendeiros, os quais enviavam cartas à Escola, pedindo informações sobre o combate a determinadas pragas, o uso de adubos químicos e indicação de melhores espécies vegetais para determinadas regiões. Também eram comuns as cartas solicitando catálogos de exposições realizadas pela instituição e os pedidos de compra de determinados produtos.

As constantes visitas de pequenos e médios proprietários rurais à Escola para cursos de breve duração acabou dando origem, em 1929, à Semana do Fazendeiro, evento que, ao modo das Farmer’s Weeks, criadas nos land-grant colleges por volta de 1914, reunia nos campus os agricultores e suas famílias.

A Semana do Fazendeiro se inscreveu definitivamente no calendário da ESAV, perpetuando-se pela Universidade Federal de Viçosa que a realiza anualmente. Sua finalidade original era a propaganda do trabalho agrícola da Escola, vindo o agricultor receber ensinamentos nas suas estações experimentais. A Semana do Fazendeiro é considerada um marco nas origens da extensão rural no Brasil.

Como os colleges, a ESAV organizou um departamento específico para coordenar todas as suas atividades de extensão – o Departamento de Educação Rural, criado em 1939.

A despeito do pioneirismo da ESAV quanto à extensão rural como prática de extensão universitária no Brasil, somente em 1948, ao transformar-se em UREMG, foi aprovado o Regimento do seu Serviço de Extensão. Junto com ele se constituía também o Serviço de Experimentação e Pesquisa. Estes, juntamente com a Escola de Especialização; a antiga Escola Superior de Agricultura; a Escola Superior de Veterinária, que era devolvida de Belo Horizonte para Viçosa, e a então recém criada Escola Superior de Economia Doméstica passavam a constituir as unidades básicas da instituição.

Assim estruturada, a UREMG contava com um “Fundo Universitário” para a garantia do seu funcionamento, o qual era constituído de apólices estaduais inalienáveis, “cujos juros rendam a importância de doze milhões de cruzeiros”, de duzentos e cinqüenta mil hectares de terras devolutas, de bens até então sob jurisdição da ESAV e de doações, subvenções e legados, conforme a lei n. 272 de 1948 responsável pela criação da Universidade Rural.

Considerações Finais

O modelo do land-grant college foi em grande parte absorvido pela ESAV. Em nossa instituição, todavia, tal modelo não conheceu a face

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mais progressista e democrática contida na chamada “filosofia dos land-grant colleges”, depurada daquelas instituições após a vitória dos businessmen sobre os fazendeiros. Desse modo, apesar das dificuldades enfrentadas, os conflitos em que esteve envolvida a ESAV foram de outra natureza. Com o afastamento do Prof. Rolfs da direção da Escola em 1929, seu sucessor, o Prof. Bello Lisboa, que passou a dirigi-la até 1936, atraiu para si a antipatia não só do próprio Rolfs, que tornou-se consultor técnico da Secretaria de Agricultura de Minas Gerais, à qual a Escola estava então subordinada, mas também dos estudantes, cuja insatisfação com o mesmo resultou numa greve que teria motivado a sua demissão. Cabe lembrar que foi sob a direção de Lisboa que a Escola esteve ameaçada de desativação.

A transformação da ESAV em UREMG parece concluir o ciclo de absorção do modelo. Três elementos são elucidativos: a criação do Fundo Universitário, a criação do curso superior de economia doméstica e a institucionalização do trabalho de extensão rural. No caso daquele Fundo, parecia constituir-se um patrimônio que desde a origem os land-grant colleges garantiram com a Lei Morril. Sobre o curso de economia doméstica, ele foi fundamental nos colleges, tendo papel dos mais importantes na extensão rural. No nosso caso, a atuação das economistas domésticas na extensão rural foi decisiva para a sua consolidação. A extensão universitária no Brasil, tratando-se de extensão rural, teve seu marco com os trabalhos da ESAV, mas foi com a institucionalização do Serviço de Extensão que ela adquiriu reconhecimento nacional, tornando-se uma referência.

Vale notar que a superação da crise da ESAV se fez, em grande parte, com o apoio de entidades norte-americanas com as quais foram estabelecidos convênios de cooperação. Estes resultaram numa série de programas, que além de gestar o curso de economia doméstica, implicaram a consolidação da extensão rural de nossa instituição, a qual acabou por estas razões, entre outras, por ser escolhida, nos anos 1960, como um dos locus principais dos trabalhos da United States Agency for International Development (Usaid) na área educacional no Brasil.

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Maria das Graças M. Ribeiro é Professora Adjunta da Universidade Federal de Viçosa. Socióloga e Doutora em Educação: História e Filosofia (PUC/SP). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Educação Pública: História e Política. E-mail: [email protected]. Endereço para contacto: Av. P.H. Rolfs, n.265 apt. 404. Viçosa-MG - Cep.36570-000

Recebido em: 20/07/2005 Aceito em: 20/01/2006

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 121-130, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

A fotografia e a pesquisa em História da Educação: elementos para a construção de uma metodologia

Elisa dos Santos Vanti

Resumo:

O artigo busca levantar questões sobre a análise da fotografia e sua contribuição para a metodologia de pesquisa em História da Educação, incluindo informações acerca da História da Fotografia, dos processos fotográficos e dos elementos de análise que devem ser observados tanto na fotografia objeto como na fotografia impressa em jornais ou revistas.

Palavras-chave: História da Educação; História Da Fotografia; Metodologia da Pesquisa.

Abstract:

The article searchs to raise questions on a study of the photography and its contribution for the methodology of research in History of Education, including informations concerning the History of the Photography, its processes and the elements of studies that they must in such a way be observed in the photography object as in the printed photography in newspapers or magazines.

Key-words: History of the Education; History of the Photography; Methodology of Research.

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A história da educação não pode ser mais contada usando-se apenas os registros e fontes escritas. Durante o século XX, a popularização do uso da imagem fixa beneficia a conservação das memórias escolares – as crianças convertidas em alunos, os docentes, os prédios e suas arquiteturas, as festividades.... assim, na medida em que foi sendo capturada pela câmara escura passa a contar com registros iconográficos contínuos que permitem um estudo comparado necessitando que historiadores da educação venham a apropriar-se de novos saberes que instrumentalizem a operacionalização dessas fontes.

A fotografia nasceu no ambiente positivista do século XIX, beneficiando-se de descobertas e inventos anteriores, como as câmeras escura e claras e, da vontade de se encontrar um meio que permitisse a reprodução mecânica da realidade visual. Dubois (1993) traça um interessante percurso histórico das diversas posições defendidas pelos críticos e teóricos da fotografia propondo pontos de vista diferenciados quanto à questão do realismo e do valor documental da imagem fotográfica. Em sua classificação os analistas preocuparam-se em estudar:

• a fotografia como espelho do real (o discurso da mimese) - que vê na fotografia uma reprodução mimética do real. Preocupando-se com a verossimilhança, ou seja, com as noções de similaridade e de realidade, de verdade e de autenticidade da fotografia diante do real. Trata-se aqui do primeiro discurso sobre a fotografia que vai se ampliando e se disseminando com o próprio surgimento da fotografia.

• a fotografia como transformação do real (o discurso do código e da desconstrução). A segunda atitude consiste em denunciar essa faculdade da imagem de se fazer cópia exata do real. Qualquer imagem é analisada como uma interpretação – transformação do real, como uma formação arbitrária, cultural, ideológica e percentualmente codificada. A foto é aqui um conjunto de códigos.

• a fotografia como um traço do real (o discurso do código e da desconstrução)- Nesse estágio, encontrando apoio nas teorias semióticas de Ch. S. Pearce, os analistas, segundo Dubois (1993), reconhecem a importância dos estágios anteriores como etapas para a construção da concepção do realismo no qual baseiam-se os analistas da fotografia na atualidade tratando a fotografia como índice e superando e relativizando a perspectiva de denúncia ideológica do “efeito do real”.

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É exatamente nesta terceira perspectiva que a análise iconográfica da fotografia deste ensaio parte, ou seja, partindo-se da denúncia da fotografia como produto ideológico e cultural liberta-se dessa perspectiva ao transcender a análise puramente simbólica buscando os sentidos e os efeitos de sentidos causados no próprio pesquisador.

Parece irrefutável que exista uma aproximação estreita entre a fotografia e a História, já afirma Barthes (1984, p.13): “o que a fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”. As imagens perpetuadas pela fotografia documentam por si só, a história. Toda a fotografia já é passado, pois, todo o momento vivido, congelado pela imagem fotográfica, é irreversível. A fotografia revela apenas o mundo físico do acontecimento, as emoções vividas pelo sujeitos retratados são invisíveis. São emoções que o leitor-analista não apenas sente, mas, imagina, sonha, e, portanto, as vê em um certo sentido. Além disso,

É indiscutível a importância da fotografia como marca cultural de uma época, não só pelo passado ao qual nos remete, mas também, e principalmente, pelo passado que traz à tona. Um passado que revela, através do olhar individual que envolve a escolha efetivamente realizada; e outro, coletivo, que remete o sujeito à sua época. A fotografia assim compreendida, deixa de ser uma imagem retida no tempo para se tornar uma mensagem que se processa através do tempo, tanto como imagem/documento quanto imagem/monumento. (CARDOSO, 1997, p. 406)

A fotografia por suas próprias características leva o Spectador (Barthes, 1984) a acreditar que a imagem fotográfica é a cópia da realidade, que a fotografia faz ver o objeto ele-mesmo - tal como foi. No entanto, uma imagem fotográfica é algo eminentemente fabricado. Essa característica aproxima a fotografia do mito.

O mito e a fotografia não são nada mais, nada menos que instrumentos recíprocos a serviço da incessante tentativa que os homens têm para dizer a realidade, a vida e a morte, realimentá-las incessantemente, para, assim sendo, relembrar-se dos mitos e provê-los de um presente indicativo de que sempre precisarão para que possam, também, existir. A vida e a morte, o presente e o passado, se confundem numa circularidade que o futuro do mito deixa sempre aberto. (SEMIAN, 1998, p. 130)

E como esse realismo fotográfico é produzido? O realismo fotográfico é, de certa forma, fabricado sob as

representações sociais e é constituído com finalidade de provocar determinados efeitos de sentido. Tecnicamente, o fotógrafo, executor do dispositivo fotográfico, dispõe de escolhas operadas sobre os aspectos mecânicos e/ou físico-químicos (objetiva, película, modalidades de

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revelação, tiragem...), escolhas que têm conseqüências significativas sobre essa produção e reprodução da realidade. Tais ajustes visam focalizar o objeto sob diferentes atributos: luminosidade mais nítida, contornos mais ou menos desfocados e contrastes modificados, por exemplo.

Um outro dispositivo de fabricação da realidade fotográfica que se poderia citar é o próprio enquadramento, ou seja, a escolha daquilo que estará dentro ou fora do campo da imagem a ser capturado, o ângulo de observação, a posição dos sujeitos dentro desse campo, etc. Podemos ir além, para questionar a relação do fotógrafo com os sujeitos a serem fotografados: se os sujeitos também têm gerência sobre essa fabricação (se eles tem ou não poder de escolha de ângulos, posições, etc), se a fotografia é ou não tirada com a permissão dos sujeitos que a compõem, entre outras relações.

Essa realidade (fabricada) é percebida e traduzida pelo Spectador da imagem fotográfica de acordo com seu conhecimento de mundo, por sua história de vida, pelo seu filtro cultural, pelos seus óculos sócio-históricos. A imagem, o referente é, então, resignificada (Blikstein, 1985).

No entanto, como acontece no caso dos enunciados gráficos, a forma de resignificar do simples leitor-observador é, essencialmente, diferente a do leitor-analista. Supõe-se que o leitor-analista, por sua entrega aos aportes teóricos, vai além do imaginário coletivo e ideológico que está presente na construção da realidade fotográfica e através de seu imaginário individual redimensiona as possibilidades de interpretação da imagem fotográfica, ou seja, o Spectrum da fotografia (Barthes, 1984).

Na busca de estratégias de interpretação encontra-se a análise iconográfica que exige uma incursão em profundidade na cena representada, mas que se situa ao nível da descrição e como um meio caminho na busca das significações da imagem. Porém, ver, conhecer e constatar não é suficiente. Num plano pós-iconográfico, busca-se a interpretação iconológica centrada no indivíduo enquanto intérprete de sua própria história.

Concordando com Barros (1992) existem dois níveis distintos de significações, um visível e outro dimensionável. O leitor-analista tem o compromisso de ir além do visível ampliando-o, buscando o que não está explícito ou não tão aparente, e sim o que a imagem oculta. Mas também, lembra Barthes (1984), da afinidade especial que desenvolvemos por algumas fotografias, afinidade essa que vai além do medíocre gostar e não gostar (Studium - Barthes, 1984), mas que, de alguma forma marcam, ferem, dilaceram, abrem uma brecha, imagens que saltam da fotografia, que pungem. A esse sentimento incomum gerado a partir do Spectador diante do Spectrum, Barthes chamou de Punctum. Assim que, a sensibilização do

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olhar e, mais ainda, a entrega emotiva, constituem esse redimensionamento da imagem e essa busca de outras interpretações. É Semian (1998, p. 12) que afirma que Barthes escolheu o caminho da infância, caminho um tanto selvagem da percepção e da imaginação erenunciando ao pensamento domesticado, renunciava a este império dos signos para suas interpretações semiológicas da imagem fotográfica.

A fotografia, uma técnica de registro de imagem através da impressão da luz que contém em si diversos dispositivos de representação cultural, de configurações de atividades sociais, de construção de objetos e de conceitos e de produção de subjetividade, é, concordando com Barros (1992), estética de uma ética. Portanto, a utilização da fotografia na pesquisa historiográfica deve superar o viés de pura ilustração ou confirmação de um realismo que, ideologicamente, acredita-se que ela contém. A fotografia na pesquisa historiográfica deve ser entendida como documento-monumento e tratada como tal, com componentes que devem ser desconstruídos, desmontados qualitativamente, procurando nessa outra aplicação da fotografia, o que Berger (1980) chamou de terceira utilização da fotografia, que prevê uma maior amplitude de associações e desdobramentos de um acontecimento retratado, imortalizado por essas lentes da memória.

Uma descrição escrita minuciosa dos componentes da fotografia, seu exame com lupa ou ampliação digitalizada do material, e o estudo cuidadoso e planejado que permita muitos retornos ao material para deter-se em impressões passageiras e obscuras a fim de esclarecê-las e aprofundá-las, ajudam na interpretação das imagens.

Uma análise comparativa de fotografias de tempos diferentes, sobre a mesma temática, buscando regularidades (permanências), descontinuidades, contradições (mudanças e transições), além de deixar-se mergulhar afetivamente em seus componentes semióticos são o coroamento desse processo.

Afirma Pavão (1997) que é possível definir-se períodos na evolução das técnicas de captação da imagem que contam a própria História da Fotografia. Entendendo por processo fotográfico o conjunto de procedimentos e processos químicos e fotoquímicos que conduzem à obtenção de uma fotografia, o autor entende que cada fotografia foi produzida por um processo fotográfico, que é possível identificar e que determina a sua estrutura e materiais componentes. Nos primeiros tempos da fotografia, todo o processo era realizado pelo fotógrafo, no seu estúdio e em casa, a partir de materiais simples como papel, vidro e sais de prata. Com a industrialização, a produção das fotografias passou gradualmente para empresas de produção e de foto-acabamento, os fotógrafos passaram a

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usufruir materiais mais elaborados, ficando apenas com s tarefas de expor, revelar e imprimir.

Na segunda metade do século XIX, com a separação das famílias devido a imigração, o Daguerreótipo pode favorecer um sentimento de proximidade entre os membros separados geograficamente, os retratos de família começaram a serem procurados por aqueles que podiam pagar por eles. Daguerreótipo ou Dagueorretipia era um processo inventado pelo francês Daguerre, onde as fotografias eram tiradas em lâminas de cobre revestidas de prata que produzia fotografias de alta qualidade que não podiam ser reproduzidas a não ser refotografando-as. O processo fotográfico era dispendioso e sua técnica era pouco acessível à população, estava mais imitada ao conhecimento do retratista.

O processo fotográfico utilizado pelos retratistas dessa época, que levava os modelos a permanecerem na pose escolhida por um longo período de tempo, contrastava com o propósito da fotografia. Isto é, a fotografia queria causar um efeito de sentido do perpetuar a imagem do instantâneo, do imediato, enquanto que a imagem do modelo e do cenário que a fotografia representava eram artificialmente arranjados em uma cena, fazendo-se que se oscilasse tão ambiguamente entre a execução do processo de daguerreotipia e a representação no produto final da fotografia.Alguns processos fotográficos foram tão importantes que, durante algum tempo, foram mais usados do que qualquer outro, dominando completamente a produção fotográfica. A história da fotografia pode ser dividida, por razões de estudo e de método, em grandes períodos consoante a técnica fotográfica dominante. Esses períodos são os seguintes:

• Período da daguerreotipia - de 1839 a 1855

• Período dos negativos de colódio húmido sobre o vidro e das provas de albumina de 1855 a 1880

• Período dos negativos em gelatina e brometo de prata sobre vidro e das provas em papel da fabricação industrial (de gelatina ou colódio) - de 1880 a 1910

• Período dos negativos em película e das provas em papel de revelação de 1910 a 1970

• Período da fotografia a cor cromogênea de 1970 a 1990

• Período da fotografia digital - de 1990 até os dias de hoje

A fotografia, ainda no século XIX, igualmente, desenvolveu sua utilização na publicidade. Desde 1850, ela iniciou a ser usada para vender

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produtos, procurando apresentar uma imagem persuasiva do artigo anunciado instigando a uma necessidade premente de compra.

No entanto, foi também nas últimas décadas do século XIX, que a máquina fotográfica foi sendo utilizada como instrumento de crítica e reforma social. As guerras foram sendo retratadas pelas máquinas fotográficas dos oitocentistas. Haviam fotógrafos na guerra civil americana (1861 - 1865) e na guerra da Criméia (1855). Essas imagens foram publicadas em jornais e revistas acompanhando a evolução tecnológica da imprensa. Esse emprego da fotografia foi anunciado na imprensa pelotense na seguinte nota:

Novas applicações da photographia - os correspondentes dos jornais illustrados de Londres e dos estados unidos estão-se servindo da photographia para enviar aos seus jornaes reproduções palpitantes dos principaies episodeos das batalhas. Quando se deu a ultima insurreição dos índios canadeanos, o capitão Peters, montado no seu cavalo, e servindo-se de uma machina registrou detalhes do fato. (Pelotas, Jornal Onze de Junho, 24 de julho de 1889).

Sob a premissa de que o testemunho mudo da fotografia teria mais impacto que a palavra escrita, Jacob Riibs, um imigrante dinamarquês residente nos bairros pobres de Nova York, tirou fotografias documentando as condições de vida nesse bairro na década de 1880 (Newhall, 1949).

Uma foto documental ou foto da imprensa é uma imagem de referente real, não é um produto de mercado como os demais, ela faz parte da história material da cultura e das relações de comunicação. Sintetiza a imagem como bem público, possui um contrato de credibilidade, exige uma relação de identidade com a tecnologia e comporta a experiência da mediação, isto é, mostra o mundo através de sua representação.

O interesse por esse tipo de fotografia acompanha os primórdios da invenção. A publicação francesa de “Traité Pratique d´Impression Photographique”, um livro de bolso distribuido pela primeira vez em 1874 como parte integrante da Biblioteca Fotográfica – coleção idealizada por Gauthier-Villars et Fils – imprimeurs – libraires de Paris, reeditado em 1877 e com terceira edição inteiramente ampliada e revisada três anos após a Segunda, dá a dimensão da atenção recebida por fotógrafos, litógrafos, tipógrafos e por aqueles que trabalham com impressão em talho doce.

A fotografia no século XX irá disseminar também novas técnicas que vão torná-la cada vez mais acessíveis ao manejo popular, como o filme flexível criado por George Eastman, Nova York, em 1888. Eastman introduziu para a sua câmera Kodak de 1888, um rolo de papel com revestimento sensível á luz. O revestimento negativo era deslocado do papel e utilizado para fazer as cópias. Cada rolo tirava 100 fotografias. Um ano depois, o rolo de papel foi substituito por celulóide. Uma vez que não

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requeria o laborioso processo de separar o papel do filme, era muito menos dispendioso de processar, e por isso deu grande incremento à popularização da fotografia (Gernshein & Gernshein, 1989).Nas primeiras décadas do século XX, configura-se, então, a fotografia de estúdio, a fotografia produzida pelos populares com as máquinas portáteis e a fotografia documental, impressa em jornais, revistas, livros...

Em qualquer uma dessas tipologias, os elementos constitutivos de uma análise iconográfica, conforme Kossoy (2000) são:

• O ASSUNTO - o tema escolhido, o referente fragmentado do mundo exterior (natural, social, etc.),

• O FOTÓGRAFO - o autor do registro, agente e personagem do processo

• A TECNOLOGIA DO PROCESSO FOTOGRÁFICO - os materiais fotossensíveis, equipamento e técnicas empregadas para a obtenção do registro, diretamente pela ação da luz.

Esses elementos ainda são permeados pelas coordenadas de espaço geográfico e cronológico que resultam na imagem registro fixo de parte do real, que reúnem em si um conteúdo composto de elementos icônicos, a fotografia.

Em relação a fotografia impressa deve-se envolver-se nas questões relativas a sua forma de impressão, incluindo os processos usados e as justificativas de escolhas desses processos, já que no final do século XIX, por exemplo, usavam-se vários procedimentos, tais como: a gravura em talho doce, a gravura em água forte, a gravura em tinta água, a tipografia e a litografia. Outro aspecto relevante de análise é observar são as melhorias tecnologócas exigidas para a efetivação do uso da fotografia impressa ou documental pois, isso implica na criação e aprimoramento de novos procedimentos somando-se ao processo de captação e revelação da imagem, a fim de atingir a inaterabilidade das provas, rapidez da tiragem, a tiragem sem uso de iluminação artificial, a igualdade perfeita como valor de tom das cores em todas as provas e cópias com extrema fidedignidade para um certo número de exemplares.

Ainda no caso da fotografia de imprensa deve-se acrescentar o fato de que esta não é uma estrutura isolada, é acompanhada do texto jornalístico, que também deve ser analisado comparativamente à imagem impressa, já que nem sempre elas são concorrentes (Barthes, 1990). Embora, a fotografia documental ou de imprensa pretenda ser analogia do real e ter como característica a objetividade, seus sentidos elaboram-se em diferentes níveis de produção fotográfica que envolvem escolhas (por parte

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do fotógrafo da prova a ser publicada), processamentos técnicos, enquadramento, diagramação. Além disso, a fotografia documental ainda pode sofrer procedimentos de conotação como trucagem (retoque, aproximação ou distanciamento de elementos presentes na imagem, etc), pose (postura ensaiada dos sujeitos captados pela objetiva), inclusão de objetos (inclusão de objetos que caracterizam o momento ou a mensagem que o fotógrafo quer representar), fotogenia (a imagem embelezada por técnicas de iluminação, impressão e tiragem), esteticismo (quando a fotografia se pretende arte, pintura, como no caso do pictorialismo do início do século XX) e sintaxe (quando temos fotografias em seqüência, onde a unidade de leitura é a própria seqüência e não os fragmentos desta).

Conforme Barthes (1990, p. 21), o código de conotação da fotografia não é na realidade, nem natural, nem artificial, mas histórico, ou cultural, código em que os signos são gestos, atitudes, expressões, cores ou efeitos, dotados de certos sentidos em virtude dos usos de uma determinada sociedade: a ligação entre os significante e o significado, isto é, a significação propriamente dita. Desse modo, pode-se verificar que assim como a transformação dos usos da fotografia fez evoluir a tecnologia do ato de captar luz e sombra, a análise da fotografia objeto de culto privado ou da fotografia impressa impulsiona a distensão e o aprofundamento da reflexão metodológica da pesquisa em História da Educação cujas as questões suscitadas nesse tipo de estudo procuram respostas cada vez mais criteriosas sob o ponto de vista da análise metodológica.

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Elisa dos Santos Vanti é pedagoga, especialista em Educação Infantil e doutora em Educação pela UFRGS, atua como coordenadora pedagógica da Escola Freinet em Pelotas. Atualmente, é professora adjunta da Universidade Federal de Pelotas - Pesquisa em Infância e História da Educação Infantil. Endereço: Rua Uruguay 1030 – Pelotas – RS. [email protected]. [email protected]

Recebido em: 12/08/2005 Aceito em: 20/01/2006

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 131-159, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

O conceito "Exclusão" na literatura educacional brasileira: os primeiros 25 anos (1974-1999) 1

Avelino da Rosa Oliveira

Resumo

O artigo investiga o aparecimento do conceito exclusão em quatro periódicos de circulação nacional, no período entre 1974 e 1999. Seu objetivo é identificar os contextos teóricos em que tal conceito passou a ser empregado na pesquisa em educação no Brasil, bem como discutir a precisão ou imprecisão das diferentes significações de que se revestiu. Observa-se que nos primeiros anos seu uso esteve associado ao temas da marginalidade cultural e da evasão-repetência, enquanto nos anos 1990 passou a ser utilizado em relação a uma variedade temática bem mais ampla. Conclui-se que a variedade de posturas teóricas aproxima-se mais da aleatoriedade do que da pluralidade, tornando seu emprego pouco eficaz.

Palavras-chave: história da educação; exclusão educacional; marginalidade cultural; analfabetismo; evasão escolar; repetência.

Abstract

The paper investigates the advent of the concept exclusion in four journals of education with a nationwide circulation in Brazil in the period ranging from 1974 to 1999. It aims both at identifying the theoretical framework in which this concept has started to be applyed in the researches in the field of education in Brazil and at discussing the accuracy or not of the different meanings it has attained. Its use has first been associated to the issues of cultural marginality or school failure and dropping out, while in the 1990’s it started to be used in relation to a much more varied set of subjects. The conclusion points out the limited efficacy of the utilization of the concept exclusion, since the wide variety of theoretical approaches is more aleatory than plural.

Key-words: history of education; educational exclusion; cultural marginality; illiteracy; school dropping out; school failure.

1 O presente texto é uma versão ampliada e aprofundada de trabalho apresentado no IX Encontro Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação, bem como no III Congresso Brasileiro de História da Educação.

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A produção bibliográfica dos educadores brasileiros contemporâneos tem acompanhado a tendência mundial das últimas décadas, no sentido de uma utilização cada vez mais freqüente do termo exclusão. Em diversos casos, restam sérias dúvidas relativamente aos propósitos que têm movido muitos desses autores, de vez que a necessária tematização, que poderia clarificar a amplitude conceitual pretendida no emprego de tal termo, nem sempre acompanha o argumento. Então, antes de um acréscimo, parece estar ocorrendo um desvio de compreensibilidade do fenômeno que se deseja apreender. Com base nesta hipótese, foram investigados quatro periódicos da área de educação – Educação e Realidade, Cadernos de Pesquisa, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos e Educação & Sociedade –, no período de 1974 a 1999. Buscou-se mapear uma série de conceitos cujos contextos teóricos estiveram relacionados, desde o nascimento, com o universo conceitual designado pela exclusão educacional, visando compreender o contexto do seu surgimento e utilização.

1 Exclusão no contexto da marginalidade

Uma das importantes temáticas da educação brasileira e que, sem qualquer dúvida, possui estreito relacionamento com a exclusão educacional é a marginalidade, cujas primeiras aparições no campo específico da educação são claramente marcadas como marginalidade cultural. É neste contexto que cobra sentido a indagação de Ruth Cardoso quanto à adequação ou não do conceito de subcultura para a designação dos grupos marginalizados. Em trabalho inserido nas discussões teóricas deste tema relativamente à educação, adverte sobre o poder uniformizador da cultura dominante transmitida, entre outros, pela escola. Acredita, entretanto, ser importante buscar padrões culturais que, por sua diferença em relação ao padrão dominante, possam servir como instrumento de resistência. Assim, justifica a descrição dos marginalizados urbanos como subcultura, alertando unicamente que “... é necessário não trabalhar com um conceito de cultura que descreve um sistema estático, mas adotar uma postura que permita vê-la como uma linguagem sempre refeita para permitir a comunicação dentro de um sistema complexo.” (CARDOSO, 1975, p.5)

A principal preocupação dos teóricos da marginalidade cultural na educação era o problema das altas taxas de evasão e repetência, especialmente na 1ª série do 1º grau. E, inicialmente, o trabalho com a noção de marginalidade cultural pareceria ter a capacidade de contribuir decisivamente na solução do problema.

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... uma solução é dar às crianças provenientes de ambientes desfavorecidos os elementos de que necessitam para desenvolver suas potencialidades naturais, antes da época de sua entrada oficial na escola, ou seja, quando sua plasticidade intelectual e sua capacidade de aprendizagem ainda não sofreram processos de deterioração ou estagnação. Tal solução supõe, portanto, planejar currículos adaptados às necessidades das crianças que nasceram e estão se desenvolvendo em ambientes não estimuladores. (POPPOVIC, ESPOSITO, CAMPOS, 1975, p.9)

Assim, a partir de dados empíricos, as autoras acabam concluindo que “... grandes diferenças separam as crianças culturalmente marginalizadas das que provêm de lares de classe média, tradicionalmente bem sucedidas na escola.” (POPPOVIC, ESPOSITO, CAMPOS, 1975, p.37) De posse destas conclusões, descartam definitivamente os objetivos tradicionais da pré-escola como organização para a socialização e adaptação afetiva. Para elas, havia já uma nova necessidade: a pré-escola deveria equipar a criança culturalmente marginalizada com o que dela seria exigido na escola e que lhe fora impossível obter no seu ambiente culturalmente marginal.

Retomar e insistir nas críticas que foram feitas e que ainda persistem sobre estas posições seria algo como “chutar cachorro morto”. Convém apenas concentrarmo-nos sobre a noção de marginalidade que aí está presente e lembrar que os desdobramentos desta posição levaram inclusive a iniciativas práticas que talvez devessem ser mais estudadas em nossos dias. É o caso do Programa Alfa, um currículo pensado como ciclo das três primeiras séries, acompanhado de amplo material de apoio às professoras, direcionado para as crianças culturalmente marginalizadas e projetado para ser implementado no contexto de um rol de soluções que “... embora não sejam as mais perfeitas e adequadas, contenham possibilidades de minorar o grave problema de repetição maciça em nível de 1ª série.” (POPPOVIC, 1977, p.41) Mais tarde, fazendo um balanço de todo o Programa já desenvolvido, os resultados mostraram-se, de acordo com sua principal artífice, mais satisfatórios que a própria projeção inicial. (Cf. POPPOVIC, 1981)

O tema da marginalidade – especialmente sob a forma de marginalidade cultural – era, na segunda metade dos anos 1970, o enfoque de momento dos educadores que se punham à busca de uma compreensão mais sólida sobre o fracasso da alfabetização escolar. Em torno da idéia de marginalização, articulavam-se as questões de cultura e subcultura, cultura dominante, currículo oculto, educação compensatória e outras. A maioria dos trabalhos publicados a respeito da falência generalizada do sistema educacional, que em suas primeiras séries resultava nos fenômenos da evasão e da repetência, refletiam fundados num universo conceitual em que

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essas idéias ocupavam lugar de destaque. Passemos à apresentação destas produções.

CAMPOS (1975), estudando os estilos de socialização em famílias de São Paulo e Brasília, discute até que ponto é possível a clara identificação, dentro de uma população de nível sócio-econômico baixo, de um grupo “marginal” e um “integrado”. Como não poderia deixar de ser, seu ponto de partida é a constatação de que se trata de assunto claramente em voga. Por isso, afirma: “Um dos temas mais discutidos e pesquisados atualmente na América Latina, tanto do ponto de vista econômico, como sociológico, antropológico e até psicológico, é o tema da marginalidade.” (p.75) E sua proposta é problematizar esta noção em termos de aplicabilidade prática. Assim, recuperando parte da discussão que se fazia, a autora mostra as controvérsias que já vinha causando o conceito de marginalização. Do ponto de vista econômico, teóricos como Anibal Quijano e José Num defendiam sua legitimidade. Para eles o conceito contribuía para entender uma nova contradição, própria do capitalismo latino-americano, introduzindo algo como uma “sub-classe” no interior do proletariado. Diferentemente, Francisco de Oliveira contestava esta posição, afirmando que o aparente dualismo marginal-integrado obscurece a existência de um sistema perfeitamente coerente, onde um setor moderno cresce e se alimenta da existência de outro atrasado. Maria Machado Malta Campos descreve as altercações entre os antropólogos favoráveis ao conceito “subcultura de pobreza” e aqueles que o contestam. Para ela, “... a argumentação feita em torno da legitimidade analítica do conceito de sub-cultura reproduz, em outro nível de análise, aquela que existe a respeito da noção de marginalidade.” (p.77) Todas estas discordâncias são recolocadas, portanto, para justificar sua pretensão de identificar “... as ambigüidades e contradições que a realidade empírica revela e que contradizem muitas vezes o que os modelos explicativos mais esquemáticos propõem.” (p.77) Ao final deste estudo comparativo, parcialmente negando a aplicabilidade prática do modelo explicativo da socialização através do conceito de marginalidade, a autora conclui:

... a questão teórica inicial da existência ou não de uma diferenciação nítida no interior da população de trabalhadores, que distinguiria claramente um grupo “marginal” de um não marginal, continua em aberto. Se, do ponto de vista analítico, essa diversidade básica pode ser fundamentada em posições razoavelmente coerentes, no nível empírico ela já não se coloca de forma tão cristalina. Assim, esquemas explicativos que parecem muito lógicos na teoria, às vezes não expressam com suficiente ênfase o caráter dinâmico e a ambigüidade que é sempre encontrada no real. (p.85)

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Em outro estudo, onde é posta em evidência a questão das diferentes culturas representadas por professores e alunos de periferia, BARRETO (1975) critica as soluções simplificadas com que os professores tentam enfrentar o complexo problema do confronto de culturas, quando uma impõe-se sobre a outra. Para a autora, este é um fato crucial, se pretendemos compreender adequadamente a educação formal. Os conhecimentos, habilidades e atitudes transmitidas, bem como os processos através dos quais ocorre esta transmissão, estão impregnados de valores, os quais são, na verdade, a forma peculiar de perceber e interpretar a realidade, própria de determinado grupo ou classe social. No nosso modelo de ensino, os professores são a via preferencial de transmissão e inculcação desses hábitos e valores. Professores e alunos, embora pertencendo ao mesmo contexto urbano, têm maneiras de ser diferentes. Ao confrontarem-se no processo educativo escolar, os primeiros servem-se de variados dispositivos para tornarem evidente a superioridade de sua maneira de ver o mundo, em relação à dos alunos. A análise de centenas de relatos de professores primários de periferia, a respeito das dificuldades encontradas na sala de aula, tanto dificuldades de natureza didático-pedagógica quanto relativas a problemas de comportamento dos alunos, evidenciam um conflito proveniente da confrontação da maneira de ver o mundo do professor – um indivíduo pertencente às camadas médias da população – e o modo vivenciado pelo aluno proveniente das camadas populares. Para BARRETO (1975), o que falta ao professor de periferia é “... a compreensão da realidade social como um todo e a perspectiva crítica que permitirá ver, para além das diferenças de grupos ou classes, a contribuição que cada um deles tem a oferecer à sociedade e, a partir daí, repensar sua atuação ao nível da sala de aula e da instituição.” (p.109)

Em texto que reflete a visão dominante no MEC à época, ROCHA (1976) defende a educação pré-escolar enquanto forma de oferecer condições para o desenvolvimento da criança, conforme sua necessidade, funcionando como alavanca indispensável para a universalização do ensino de 1º grau. A educação pré-escolar surge, então, como medida paliativa e preventiva, com o fim de suprir as deficiências que as crianças apresentam na 1ª série. Segundo o ponto de vista da diretora do Departamento de Ensino Fundamental do MEC, “... se não acudirmos as crianças antes que entrem nos cursos regulares, a escola pouco poderá fazer por elas, principalmente por aquelas marcadas por condições bio-psicossociais inferiores.” (ROCHA, 1976, p.473) Neste sentido, a grande contribuição e, portanto, missão insubstituível da pré-escola é funcionar como “... uma forma de ampliar-se o ‘currículo escondido’ da criança que se inicia nos processos de alfabetização, quando de seu ingresso no 1º grau.” (p.471)

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Portanto, a par de relatar todos os feitos governamentais em prol da educação pré-escolar, a autora deixa patente que sua proposta básica é servir de instrumento profilático para o insuficiente preparo das crianças que começam a freqüentar a 1ª série.

Num trabalho onde buscam analisar os efeitos da estimulação verbal sobre o vocabulário e sobre o aproveitamento escolar da criança marginalizada, BONAMIGO & BRISTOTI (1978) permitem-nos tomar contato mais íntimo com a tendência de recurso à idéia de marginalização que primeiro e mais fortemente viria a ser criticada. De acordo com a revisão prévia de literatura que apresentam, a caracterização da marginalidade acentua, entre outras coisas, o interesse no concreto e a predisposição à indução ao invés da motivação pelo abstrato e pela dedução, deficiência no comportamento verbal e ausência de toda sorte de pré-requisitos para a educação formal. Além disso, a população marginalizada tem uma cultura própria, diferente da cultura dominante. Entre as diferenças culturais mais marcantes destaca-se o aspecto lingüístico, ou seja, a literatura referida pelas autoras indica que os grupos sócio-econômicos menos favorecidos apresentam linguagem deficiente que lhes predispõe ao fracasso escolar. Assim, concluem inicialmente que há duas hipóteses a serem consideradas para contornar o problema do aproveitamento escolar deficiente das crianças marginalizadas, o qual encaminha para a evasão e a repetência: “... ou se modifica o padrão verbal da classe baixa, a fim de que ela tenha acesso à parte da cultura transmitida verbalmente pelas classes dominantes, ou então se deverá modificar a forma de transmissão de conhecimentos, usando na comunicação os códigos verbais dos sujeitos marginalizados.” (p.27) As autoras, então, desenvolvem um projeto experimental de enriquecimento verbal com um grupo de crianças marginalizadas, mantendo duas hipóteses: primeiro, que este impulso lingüístico afetaria positivamente o comportamento verbal dos sujeitos; segundo, que em função disso haveria elevação dos índices de aproveitamento escolar. Tinham, pois, o pressuposto de que a melhora na linguagem é condição essencial para a compreensão e rendimento adequado nas diversas disciplinas escolares. Ao final do experimento, os resultados foram avaliados em comparação com um grupo de controle. “Todavia, a segunda hipótese não foi aceita, uma vez que o tratamento estatístico não evidenciou diferenças significativas entre os dois grupos em relação a desempenho escolar.” (p.36)

Bem ao final da década de 1970, a teoria da marginalidade escolar começa a sofrer críticas lancinantes que a atingem não só sob o aspecto da marginalização cultural, senão em sua estrutura teórica mais geral. E para poder prosseguir o acompanhamento da gênese da exclusão na educação brasileira, teremos que agora sair por um momento do caminho

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principal, tomar uma via lateral e identificar as fontes teóricas das críticas endereçadas à teoria da marginalidade. Pode-se considerar que elas promanaram especialmente de duas direções.

Em primeiro lugar, de um grupo de pesquisadores articulados em torno do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Estes encontraram na tese de doutoramento de Lúcio Kowarick sua identificação teórica mais acabada. Diferentes formas da teoria da marginalidade são duramente criticadas, a partir de meticuloso trabalho de análise de seus fundamentos e práticas. Em resumo, KOWARICK (1977) acusa as teorizações até então desenvolvidas de restringirem o conceito de marginalidade a um somatório de “motivos pessoais”, jamais se constituindo em categoria analítica capaz de transcender as pessoas envolvidas na ação, ou então, no caso dos enfoques que opõem “tradicional” e “moderno”, de identificar a marginalidade meramente como “falta de algo” que poderia ser alcançado, desde que cumprida a trajetória das sociedades “evoluídas”. Em seguida, é buscada uma reorientação da teoria da marginalidade, segundo pressupostos semelhantes aos da teoria da dependência, já francamente desenvolvida e estabelecida.

É preciso superar estes tipos de categorização, equacionando a marginalidade em outro nível analítico. Ela deve ser vista como um processo que decorre de formas peculiares de inserção no sistema produtivo. Isto significa que é a partir do processo de acumulação capitalista que se torna necessário considerá-la. (p.60)

Coerentemente com sua matriz teórica, essa nova teoria, em que marginalidade e dependência estão constantemente articuladas, utiliza todos os conceitos marxistas em suas análises, mas guarda sempre uma certa “distância prudencial” que demarca seu nascimento no espaço geográfico da dependência. Acompanhemos as próprias formulações de KOWARICK (1977).

O problema central está em saber como a força de trabalho é integrada no processo produtivo na medida em que o capitalismo se expande, penetra e domina os diversos setores da economia. [...] É conhecido que o modo de produção capitalista, malgrado as diferenças existentes de país para país, traz dentro de sua própria lógica um conjunto de mecanismos que originam marginalidade...

Mas foge ao âmbito do presente trabalho situar a questão ao nível das leis gerais do processo de produção capitalista [...]

Ao que tudo indica, a evolução do capitalismo latino-americano, quando comparada à história trilhada pelos países desenvolvidos, parece ser marcada por fenômenos distintos no que tange a marginalidade. [...]

Situada a questão nestes termos, um vasto conjunto de contribuições

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teóricas desenvolveu um quadro interpretativo que procura dar conta da problemática da marginalidade na América Latina.

Este conjunto de teorias parte da constatação de que a marginalidade é inerente ao sistema capitalista. No entanto, ao analisar as sociedades latino-americanas, avança no sentido de categorizar novos processos que geram marginalidade decorrentes do fato de o sistema, além de ser capitalista, ser também dependente. (p.60-61)

A segunda fonte das críticas à teoria da marginalidade procede de autores abertamente identificados com o marxismo. Em muitos casos, os recursos analíticos que fundamentavam seus modelos de compreensão das relações sociais estavam irremediavelmente submersos no esquematismo estruturalista; em outros casos, recorriam unicamente à literatura secundária, deixando a desejar em termos de profundidade teórica; alguns marxistas, porém, passaram ao largo destas limitações e contribuíram decisivamente na superação das vertentes funcionalistas. No caso específico da crítica ao conceito de marginalização, o que importa destacar é que estes teóricos não pretenderam reorientar ou refundar uma teoria da marginalidade, senão que mantiveram suas análises relativas ao fracasso escolar dentro de outro universo conceitual.

Podemos agora retornar ao caminho principal de nossa argumentação que havíamos abandonado por um momento.

Um exemplo de crítica à idéia de marginalidade, fundamentada nos princípios do primeiro grupo, ou seja, numa tentativa de fazer a análise do fracasso escolar de acordo com uma orientação sócio-histórico-crítica sem, no entanto, abandonar o conceito de marginalidade, pode ser visto no trabalho de Carlos Eduardo M. Baldijão, produzido em contexto bem particular. Uma das recorrentes preocupações na educação brasileira, em função da companhia que nos faz a fome desde tempos imemoriais, tem sido a relação entre pobreza, desnutrição e desenvolvimento mental. Contribuindo com uma destas discussões, BALDIJÃO (1979) discute o significado da desnutrição na economia capitalista, a partir de uma visão histórica da sociedade, na qual o pauperismo e a fome são entendidos como aspectos estruturalmente ligados ao modo de produção capitalista e não como distorções de um sistema supostamente harmonioso. Seu primeiro movimento teórico é, pois, de afastamento e crítica da visão funcionalista que preside a maioria dos trabalhos em nutrição, os quais compreendem a sociedade como um todo funcional. Então, seu alvo volta-se para a teoria da marginalidade, afirmando que, aí, as análises, mesmo as relativas aos países periféricos, são feitas segundo as noções de “moderno” e “atrasado”, sendo que o primeiro refere-se ao processo de industrialização urbana, tomada como norma. Esta mesma dualidade é transplantada para a defasagem cultural. Enfim, a própria fome é explicada como aspecto disfuncional das

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populações marginais. É preciso, então, “... deslocar a idéia de que esta população ‘marginal’ seja disfuncional ao sistema, e o conceito de fome deve ser visto basicamente como uma contradição que precisa ser analisada na dinâmica do processo de acumulação do capital.” (p.49) Assim, o afastamento do funcionalismo encaminha a argumentação, logo a seguir, na direção de Marx, cujos conceitos mais importantes são retomados no contexto da explicação do papel do exército industrial de reserva no processo de acumulação do capital. BALDIJÃO (1979), entretanto, mantém-se ainda nos trilhos da teoria da marginalidade refundada por Kowarick. “A retomada da análise de Marx é importante, porque é possível estudar o exército industrial de reserva no Brasil, hoje, de forma semelhante a que ele fez para a Inglaterra no século passado, incluindo o estudo de marginalidade feito por Kowarick (1977).” (p.51)

SIRGADO (1980) não se afasta muito desta linha teórica. Não há, porém, em seu trabalho, convicção suficiente quanto à pertinência do conceito “marginalidade”. Isto o faz oscilar entre acompanhar Kowarick ou tentar um caminho autônomo. Envolvido nesta dúvida, emprega pela primeira vez o termo exclusão, referindo-se aos processos através dos quais a escola potencializa a evasão. Não obstante, é ainda a alternância conceitual que marca sua posição. O propósito do artigo é discutir a necessidade de uma pedagogia escolar que corresponda às características e necessidades do menor marginalizado, ou seja, o autor pretende “... questionar o papel do sistema educacional, como veículo das ideologias dominantes, na solução do problema do menor ‘marginalizado’.” (p.49) Entretanto, faz questão de salientar que toma o conceito de marginalidade “... não como um instrumento conceptual de análise sociológica, econômica ou política... mas como um instrumento de valor descritivo...” (p.49) De posse deste instrumento, o que o autor pretende é analisar o modo específico como os setores da classe trabalhadora de mais baixa renda inserem-se no sistema produtivo. Deste modo, com uma compreensão mais acurada desses menores, precariamente descritos como “marginalizados”, é possível pensar em novos fundamentos do sistema educacional, que se contraponham à escola elitista. Pois é justamente ao referir-se à realidade escolar e à forma de sua atuação que surge, repetidas vezes, a idéia da exclusão. Como concepção geral, SIRGADO (1980) refere-se ao não ingresso e à não permanência dos marginalizados no sistema educacional formal. “Não só a maioria deles não tem acesso à escola, mas quando nela entram, são rapidamente eliminados graças ao complexo sistema administrativo-burocrático de seleção e de exclusão.” (p.49) Sendo a escola um aparelho ideológico das classes dominantes, é responsável pelo processo de “iniciação” daqueles que garantirão a continuidade da sociedade de classes

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e dos privilégios dos dominantes. E insiste novamente na idéia da exclusão, referindo-se ainda à falta de acesso e à evasão. “Dessa iniciação são excluídos – no caso do Brasil – setores majoritários da população em idade escolar, os quais ou não têm acesso à escola ou, quando têm, são dela rapidamente eliminados graças aos mecanismos de seleção e de exclusão...” (p.51-52) Outras vezes a idéia retorna sempre descrevendo os mesmos fenômenos. Entretanto, quando já prepara a proposta de uma pedagogia radicalmente diferente da existente, refere-se não apenas ao sistema educacional, senão ao modelo social, do qual a escola é um dos instrumentos de reprodução, como gerador de exclusão e, simultaneamente, marginalização. Não torna claro, porém, se está a referir-se a conceitos diferentes ou, como é minha suspeita, se apenas demonstra a incerteza e a oscilação entre acompanhar a perspectiva da teoria da marginalidade e dependência ou abrir um caminho autônomo.

Falar, então, de pedagogia para o menor “marginalizado” equivale a falar numa outra categoria de pedagogia que é, em relação à pedagogia dominante, uma antipedagogia. Esta pedagogia só pode ser uma pedagogia denunciadora de um sistema social excludente e marginalizante e de uma concepção de educação alienante e elitista. (p.57)

No decurso dos anos 1980, embora os conceitos ainda façam algumas aparições esporádicas, a teoria da marginalidade e dependência entra em franco declínio. Neste contexto, o conceito de exclusão vai paulatinamente ocupando o cenário. Em 1982, a revista Educação e Sociedade organiza um número unicamente sobre A luta pela autonomia e contra a exclusão. De orientação nitidamente anarquista, o editorial adverte que a luta contra a exclusão social em geral implica na luta contra a exclusão escolar. Neste número, Lia Fukui, Efigenia Sampaio e Lucila Brioschi contribuem com um texto intitulado Escolarização e sociedade: um estudo de excluídos da escola. Neste artigo, a exclusão escolar é claramente tomada como a categoria analítica central de toda argumentação, sendo trabalhada em relação a diversos outros conceitos. Após situarem-se com relação às diferentes linhas teóricas adotadas pela Sociologia da Educação, as autoras anotam que o sistema educacional brasileiro é composto de um sistema regular e um supletivo e definem como sua característica essencial a ineficiência e conseqüente produção do excluído da escola. Citando dados do MEC e comparando resultados do Censo Demográfico de 1970 com dados posteriores relativos ao Estado de São Paulo, concluem que, mesmo nas regiões mais desenvolvidas do país, a totalidade da população escolarizável tem uma média de escolarização inferior a quatro anos. E o que é mais grave, constatam que “... embora a criança freqüente a escola vários anos, os estratos menos privilegiados têm

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pouca probabilidade de atingir a alfabetização funcional...” (FUKUI, SAMPAIO, BRIOSCHI, 1982, p.75) A partir destas constatações preliminares, as autoras buscam caracterizar socialmente os excluídos da escola e analisar o significado que a escola tem para eles. Neste contexto, oferecem uma definição clara da categoria com que estão trabalhando, a saber: “... o excluído neste trabalho é a criança ou adolescente entre 10 e 14 anos de idade que não freqüenta escola. Considerou-se como excluído parcial aquela criança que abandonou a escola depois de tê-la freqüentado; o excluído total, aquela que nunca freqüentou a escola.” (p.76) Para o desenvolvimento empírico da investigação, elegem uma das regiões economicamente mais desenvolvidas do Estado de São Paulo e aí fazem levantamentos – através de dados oficiais e de surveys – em áreas urbanas e rurais, bem como realizam entrevistas. Os resultados são apresentados separadamente em relação ao sistema escolar, à clientela e aos excluídos. De modo geral, entretanto, a constatação é de que, na região estudada, a quase totalidade das crianças ingressa na escola. Contudo, seja em função da própria organização escolar, seja devido às condições efetivas de permanência, a escolarização caracteriza-se como um processo profundamente seletivo. Deste modo, coerentemente com a conceituação com que trabalham, as autoras avançam para conclusões que tomam como referência o problema da exclusão escolar. Relacionando-a com a forma de organização do sistema escolar, afirmam: “O sistema educacional organizado, no que se refere à escola elementar, em ensino regular e supletivo tem como resultado a seletividade e a conseqüente exclusão de parte da população escolar.” (p.89) Por fim, relacionando a exclusão com a alfabetização, acabam por fazer justiça ao título do artigo. “Na realidade, a alfabetização funcional não chega a ser concretizada, dada a grande evasão que se verifica nas duas primeiras séries do 1º grau, caracterizando assim uma das formas de que se reveste a reprodução das desigualdades sociais no país: a exclusão do sistema escolar.” (p.90)

No mesmo ano de 1982, a revista Cadernos de Pesquisa também organiza um número especial monotemático, mas aqui o tema escolhido é Educação e marginalidade na América Latina. Guiomar Namo de Mello e Juan Carlos Tedesco, os organizadores, assinam dois textos – Apresentação e Conclusão – que claramente indicam, embora bem outro seja o propósito dos autores, o movimento de progressiva ocupação do espaço do conceito de marginalidade pelo de exclusão. Na verdade, há uma decidida defesa da teoria da marginalidade e dependência. Os organizadores não desconhecem as críticas a que foi submetido o conceito de marginalidade, entretanto, acreditam ainda em seu potencial teórico e político. Para eles, “... o conceito de marginalidade tem servido como referência importante, tanto em

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investigações quanto em formulações de políticas sociais.” (MELLO, TEDESCO, 1982a, p.4) Malgrado a defesa feita, demonstram estar titubeantes. Assim, já ao iniciarem a exposição dos critérios que pesaram na definição do tema, parecem usar indistintamente marginalidade e exclusão.

A existência de grandes segmentos sociais excluídos dos benefícios do desenvolvimento econômico pelo qual estão passando os países da América Latina vem motivando o grande interesse pelo estudo das relações entre tais segmentos e a dinâmica social. Desse modo, o problema da marginalidade tem constituído um dos eixos centrais ao redor dos quais giraram as interpretações da realidade social latino-americana. (p.4)

Para os autores, embora os estudos sobre a educação nem sempre dediquem muita atenção ao tema, a marginalidade é uma preocupação comum dos cientistas sociais e planejadores. No entanto, ao argumentar a favor de que a educação esteja mais atenta à temática da marginalização, formulam suas razões recorrendo à idéia de exclusão. “... porcentagens bastante significativas desses mesmos setores [populares] permanecem sem acesso ao sistema educacional, ou dele são precocemente excluídos...” (p.4) Pouco adiante, referem-se “... [à] crença um tanto ingênua de muitos educadores, de que o aumento quantitativo e o aperfeiçoamento técnico das instituições educacionais seriam suficientes para resolver o problema da exclusão dos setores populares.” (p.5) Mais à frente, revelam plena concordância com a posição de FUKUI, SAMPAIO, BRIOSCHI (1982) que comentamos anteriormente, afirmando que a despeito da expansão quantitativa do atendimento educacional nos países latino-americanos, “... na estrutura mesma das instituições educativas atuam fatores que materializam a exclusão e a expulsão das camadas populares.” (MELLO, TEDESCO, 1982a, p.5) E mesmo quando indicam a exigência que deve ser feita a quem estuda as relações entre educação e sociedade, é ainda em termos de compreender a exclusão e suas relações que a formulam. Para eles, é preciso tomar “... como um bloco único de problemas o acesso à educação, os mecanismos de exclusão nela existentes e os resultados produzidos em termos da destinação social dos que ela consegue, ainda que precariamente, atingir.” (p.5-6) Por fim, a forma como resumem a relevância de ser dedicado um número especial de um periódico às relações entre educação e marginalidade parece mesmo indicar que exclusão começava a ser um outro jeito de falar em marginalidade. “No que diz respeito à questão da marginalidade social, a delimitação da educação escolar justifica-se porque é em face dos sistemas de ensino formal que o acesso e a exclusão das camadas populares adquirem sentido enquanto processos de participação/marginalização...” (p.6-7)

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O texto conclusivo, ainda daqueles organizadores, segue o mesmo diapasão do anterior e entendo não ser necessária sua exposição. Apenas cito uma de suas passagens para contribuir na demonstração do que venho tentando dizer.

Estudos acerca da relação entre marginalidade educativa e os diversos componentes da organização escolar só ganham sentido sob o pressuposto de que o fracasso e a exclusão escolares são determinados, em alguma medida, pelas variáveis que definem e caracterizam a ação pedagógica. (MELLO, TEDESCO, 1982b, p.101)

No mesmo número especial que vínhamos comentando, CARVALHO (1982) apresenta os resultados de uma pesquisa realizada em bairros populares de Salvador. Seu objetivo é discutir a escolarização em famílias da classe trabalhadora, analisando-a sob os pontos de vista da valorização por parte da família, das possibilidades de acesso à escola, dos índices de aproveitamento e taxa de escolarização dos filhos de trabalhadores, bem como do fenômeno da evasão escolar. Ainda que o artigo faça parte de um número dedicado especialmente ao tema Educação e marginalidade na América Latina, diferentemente dos textos dos organizadores, aqui não há qualquer referência sequer ao termo marginalidade. Há, isto sim, um emprego reiterado da idéia de exclusão escolar, usada já como conceito relativamente bem determinado e aparentemente recebendo certa influência da definição proposta pouco antes por FUKUI, SAMPAIO, BRIOSCHI (1982). No fluxo argumentativo do artigo, inicialmente a autora analisa a inseparabilidade entre os fenômenos educacionais e as características básicas do modelo capitalista brasileiro, à época num estágio de acumulação de base urbano-industrial. Num contexto assim, caracterizado pelo importante papel do exército industrial de reserva e pela desnecessidade de uma força de trabalho com níveis de escolarização muito elevados, “... até mesmo a exclusão da escola constitui um mecanismo que legitima a sujeição daquela mão-de-obra...” (CARVALHO, 1982, p.28) Prosseguindo suas análises, a autora passa propriamente à exposição das constatações que foram possibilitadas pela investigação desenvolvida, mostrando, a cada passo, como elas são plenamente consistentes com aquela abordagem macroestrutural inicialmente apresentada. Ao longo de toda esta longa exposição, inúmeras vezes o conceito de exclusão escolar é empregado; para os nossos propósitos, é suficiente trazer alguns exemplos, como nas seguintes formulações: “... as parcelas mais amplas da força de trabalho, quando não são completamente excluídas do acesso à escola, têm suas oportunidades limitadas...” (p.28) “Essas determinações se tornaram um dos mecanismos significativos de exclusão educacional, pois, enquanto esperam por vagas que não lhes serão

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ofertadas...” (p.30) “... as dificuldades da família levavam os pais a selecionar um ou alguns filhos para entrar na escola, enquanto os outros aguardavam sua oportunidade ou terminavam excluídos permanentemente dela.” (p.32) Estas formulações deixam perceber que o sentido preferencial conferido à idéia de exclusão é o não-ingresso na escola. Quando pouco acima afirmei que a autora tem este conceito relativamente bem determinado, referia-me à existência de uma compreensão de fundo da exclusão, que atravessa o texto todo. Há, entretanto, ocasionalmente, abertura para uma outra possibilidade. É o que ocorre, quando a autora afirma, por exemplo, que “... a oferta insuficiente de vagas nas escolas públicas e a distribuição geográfica dessas escolas já representa um primeiro mecanismo da sua exclusão educacional.” (p.30) Neste caso, se o não-ingresso é um primeiro mecanismo de exclusão, parece que deve haver algum outro, incidindo após o ingresso na escola. O mesmo problema pode ser percebido novamente um pouco mais adiante, na seguinte afirmação: “Essas dificuldades tanto podem contribuir para a completa exclusão escolar como para uma redução da permanência no sistema de ensino, ocasionando a evasão.” (p.37) Neste caso, observando-se o uso da expressão “completa exclusão”, o que parece estar ocorrendo é um paralelismo parcial com a definição oferecida por FUKUI, SAMPAIO, BRIOSCHI (1982). Relembremos que elas usavam “excluído total” e “excluído parcial”, enquanto Inaiá Carvalho trabalha com a noção de exclusão preferencialmente referindo-se ao excluído total, entretanto, deixa uma certa abertura para a possibilidade de existência de um excluído parcial; este último, entretanto, ela ainda descreve através do conceito de evasão. Ao cabo de contas, porém, o que resta evidente é o uso da exclusão como conceito que não pode mais ser identificado meramente como outro jeito de dizer marginalização. Não deve ser casual, pois, o fato de a autora colocar todas as conclusões do seu artigo subordinadas à lógica da exclusão educacional. “Os dados e reflexões apresentados expressaram a exclusão e a discriminação educacional da classe trabalhadora, relacionando-a com as determinações estruturais da sociedade brasileira e discutindo os mecanismos como operam aquelas determinações.” (p.38) E na mesma linha de raciocínio, acrescentam ainda que esses mecanismos “... ocasionam completa exclusão educacional de parte da população em idade escolar, mas, principalmente, problemas de rendimento, progressão e permanência para os que ingressam no sistema de ensino... e que terminam, geralmente, por se evadir da escola...” (p.38)

O início dos anos 1980 é um período de acomodações conceituais e as idéias ainda não se encontram muito firmemente estabelecidas. No mesmo número especial dedicado ao tema Educação e marginalidade na

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América Latina encontra-se um artigo que visa discutir o problema da escola primária na Venezuela. Neste texto, Gabriela Bronfenmajer e Ramón Casanova empregam num mesmo contexto, mas distinguindo-os, os conceitos de exclusão e marginalidade. Inicialmente, aparecem num mesmo plano a exclusão da escolaridade e a marginalidade educativa. “O desenvolvimento capitalista da educação implicou, inicialmente, a exclusão de um grande volume da população trabalhadora da escolarização. Esta segregação representou historicamente a forma mais evidente de marginalidade educativa...” (BRONFENMAJER, CASANOVA, 1982, p.41) Em seguida, busca caracterizar mais precisamente o aspecto da realidade escolar venezuelana que ele identifica como marginalidade educativa. Para os autores, esta não é fruto unicamente da exclusão da escolaridade, mas também de carreiras escolares diferentes. Dito de outro modo, eles descrevem o sistema escolar daquele país como composto de escolas de melhor qualidade e reconhecimento (circuito privado) e de outras de baixa qualidade e desprestigiadas (circuito público). Assim, se é evidente que a exclusão escolar é um instrumento de marginalização, não é menos verdade que o acesso e permanência nas escolas do circuito de status inferior também conduz à marginalidade. Os autores descrevem o problema do seguinte modo:

Em todo caso, já não basta dizer que a escola, ao excluir, marginaliza. É preciso dizer que mesmo permitindo o acesso e facilitando a permanência prolongada e a abertura social aos ciclos universitários, como é o caso venezuelano, também marginaliza. Poder-se-ia falar de um produto escolar de volume numérico cada vez maior: o educado marginal, ou seja, aquele que fez uma “carreira escolar” por circuitos depauperados e desvalorizados e que, mesmo superando a escolaridade de seis graus e sobrevivendo nos escalões posteriores da pirâmide escolar, fica à margem da cultura, do trabalho e da participação. (p.42)

Em suma, o que pode ser depreendido das argumentações dos venezuelanos é que eles reservam o conceito de exclusão para se referirem mais particularmente à questão do não ingresso na escola, enquanto a marginalidade é compreendida como uma condição social de não participação plena nas estruturas sociais. É exatamente este conceito de marginalidade, elaborado e amplamente difundido pelo Centro para el Desarrollo Económico y Social de America Latina (DESAL), que está entre os que foram duramente criticados por KOWARICK (1977) e PERLMAN (1977).

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2 O contexto do analfabetismo, evasão e repetência

Além da questão da marginalidade, outro tema emblemático pode ser encontrado na origem das discussões sobre exclusão escolar: o binômio evasão e repetência. BRANDÃO, BAETA, ROCHA (1983) apresentam um documento onde sintetizam os achados de um estudo do tipo “estado da arte” sobre as pesquisas relacionadas com evasão e repetência no período de 1971 a 1981. A investigação foi motivada pela necessidade de fazer um balanço da produção acadêmica no período, sob a alegação de que era pequeno e limitado o conhecimento nesta área. De qualquer modo, encontraram 80 pesquisas que, de alguma forma, se relacionavam com o tema. Destas, escolheram uma amostra de 27, segundo o critério intencional de serem representativas da perspectiva teórica que as autoras entendiam como mais avançada, ou seja, aquela que não se limitava à parcialidade das análises de cunho psico-pedagógico, nem recaía no fatalismo social característico das abordagens reprodutivistas. As pesquisas estudadas estavam, então, no campo de uma “tendência que, segundo as autoras, recém despontava no horizonte da pesquisa educacional. Tratava-se de uma orientação teórica, “... que incorpora o contexto sócio-econômico e político de forma menos fatalista e que procura descobrir dentro da escola o que lhe é específico, sem descuidar do indivíduo nem do social, repensando a categoria ‘totalidade’ na análise da prática escolar.” (p.39) O resultado da análise das pesquisas examinadas pelas autoras foi distribuído por seis temas básicos: aspectos relativos ao aluno, aspectos relativos ao professor, aspectos institucionais, prática pedagógica, efeitos dos mecanismos de seleção e exclusão e aspectos relativos a subnutrição e aprendizagem. Sob a rubrica “efeitos dos mecanismos de seleção e exclusão” foram agrupadas as conclusões de diversos estudos sobre evasão e repetência, entretanto, não há qualquer indicação quanto ao entendimento que os diversos pesquisadores tinham e que os levava a referirem-se à evasão e à repetência em termos de exclusão. Só o que se pode concluir deste estudo de estado da arte é que, efetivamente, tal associação era feita por inúmeros pesquisadores.

Num período de oito anos, de 1984 a 1991, foram encontrados apenas cinco trabalhos que se dedicavam ao tema da exclusão escolar, sendo três destes de Alceu Ravanello Ferraro, cujo sobrenome à época era grafado como Ferrari. No primeiro, FERRARI (1985) faz um estudo do analfabetismo no Brasil, visando demonstrar como a escola de 1º grau continua produzindo o analfabetismo, através do processo de exclusão. A fim de alcançar seu intento, o autor confronta os dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) 1977 e 1982 e do Censo Demográfico de 1980 com as expectativas do Movimento Brasileiro de

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Alfabetização (MOBRAL) relativamente ao declínio dos índices de analfabetismo no Brasil na década de 1970. Dentro desta estratégia mais geral, são ainda comparadas as Unidades da Federação, mostrando as enormes desigualdades regionais em termos de analfabetismo em 1980. Além disso, o autor analisa ainda a tendência secular dos índices de analfabetismo, através de um estudo comparativo de dados que abrangem um período desde 1872 até 1980, tomando em conta tanto o Brasil como um todo quanto diversas Unidades da Federação em separado. Neste ponto são destacadas as desigualdades de tendência do analfabetismo e a origem histórica das desigualdades educacionais regionais. Além do farto volume de dados apresentados e da metodologia de comparação entre eles, possibilitando extrair dos dados quantitativos elementos indispensáveis para avançar adiante das meras aparências na análise da realidade educacional brasileira, há no escrito de FERRARI (1985) elementos que, para os propósitos deste trabalho, precisam ser postos em maior destaque. O primeiro é de que o analfabetismo é produzido pelo próprio modelo educacional, através de mecanismos de exclusão. “A ‘produção’ de novos analfabetos pode dar-se tanto pela exclusão pura e simples do processo, quanto pela ineficiência ou baixa produtividade no processo de alfabetização.” (p.48) Em segundo lugar já aparece aqui – ainda que não seja trabalhada tão detidamente como em escritos posteriores – uma conceituação nova da exclusão escolar, a qual contribui para a compreensão mais crítica do fenômeno do analfabetismo. O processo de exclusão em geral, responsável pela produção do analfabetismo, apresenta-se sob duas formas intimamente relacionadas, a saber: a exclusão do processo e a exclusão no processo. A primeira forma reúne num só grupo todas as crianças que, em idade escolar, não freqüentam a escola, ou seja, tanto as que jamais tiveram sequer a oportunidade de ingressar no sistema escolar, quanto aquelas que, tendo ingressado, foram eliminadas. A segunda forma diz respeito aos que ainda freqüentam a escola mas que, em virtude de fatores que se costumava designar como baixa produtividade e repetência, estão fora da série esperada, em condição de assincronia idade/série. Mostrar como este grupo, no momento seguinte, somar-se-á ao dos excluídos do processo e denunciar que não passa de eufemismo denominar “evasão escolar” o mecanismo que há de consumar esta passagem – esta é a novidade conceitual indicada por FERRARI(1985).

... [A] produção de novos analfabetos se faz através da exclusão praticada pelo aparelho escolar. São vítimas dessa exclusão: 1) todos aqueles que são excluídos in limine, os que nem sequer chegam a ser admitidos no processo de alfabetização na idade de escolarização obrigatória; 2) aqueles que, tendo sido admitidos, são posteriormente excluídos do processo; 3) aqueles que, ainda dentro do sistema de

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ensino, estão sendo objeto de exclusão no próprio processo de ensino através da reprovação e repetência e estão sendo assim preparados para a posterior exclusão do processo. A exclusão praticada no processo de alfabetização, através da reprovação e repetência, alimenta, no momento seguinte, através do que eufemisticamente se denomina de evasão escolar, o contingente dos já excluídos do processo. (p.48-49)

A despeito da relevância do conceito de exclusão que começa a ser construído a partir deste artigo, FERRARI (1985) tem consciência expressa de que esta é uma primeira tentativa de esclarecer as determinações mais fundas das relações entre analfabetismo e ensino de 1º grau. Por ora, sem dúvida o texto é mais descritivo; entretanto, mais do que suficiente para, ao menos, desmascarar o eufemismo da evasão e repetência.

No segundo artigo sobre o assunto, FERRARI (1987) apresenta uma abordagem conceitualmente bem mais amadurecida. O texto orienta-se segundo dois eixos principais: a avaliação das realizações do MOBRAL e o aprofundamento do papel desempenhado pela escola na produção do analfabetismo. Estes dois eixos, perfeitamente articulados no andamento da exposição, são desdobramentos de uma avaliação mais geral dos objetivos concernentes à alfabetização – eliminação do analfabetismo de adolescentes e adultos e estancamento de sua fonte –, proclamados pelo regime instalado no País após o golpe militar de 1964. Em relação ao primeiro objetivo, a análise dos dados das PNADs e dos Censos, desenrolando-se de forma semelhante ao procedimento metodológico já utilizado anteriormente, demonstra limpidamente o fracasso do MOBRAL na empreitada de eliminação do analfabetismo. Quanto a este aspecto, pois, não há propriamente novidades, mas uma reafirmação mais detalhada do que já fora afirmado no artigo anterior. O grande salto qualitativo ocorre no momento de tratar da fonte do analfabetismo, ou seja, quando analisa o papel desempenhado pela escola na produção do analfabetismo. Neste segundo eixo, revela-se a maturação do conceito de exclusão. Agora, todos os elementos que fazem parte da análise do processo de produção do analfabetismo pela escola são orientados pelos conceitos exclusão da escola e exclusão na escola. Mais ainda, todas as conclusões são articuladas ao conceito de exclusão, que se põe como categoria geral a sintetizar os elementos da análise. Assim, após fazer todas as análises, comprovando a crueza de um modelo educacional que produz uma taxa de exclusão de 60,5 % da população entre 7 e 14 anos, resta evidente que a nova conceituação proposta possibilita um olhar mais crítico, revelando com maior nitidez a gravidade e a extensão do problema. Enfim, as conclusões obtidas vão na direção de identificar o analfabetismo enquanto fenômeno socialmente produzido por um modelo educacional no qual a escolarização destinada às

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diferentes classes sociais é regido por lógicas também diferentes: nas escolas da burguesia, a lógica da progressão; nas destinadas à classe trabalhadora, a lógica da exclusão.

Encarar o analfabetismo como epidemia, como praga, como doença, não tem favorecido nem a compreensão, nem a solução do problema. O analfabetismo é produzido socialmente. Sua produção é mediada pela escola. A escola reservada às classes trabalhadoras é a escola regida pela lógica da exclusão. Acredito que tais formulações favoreçam mais a compreensão e a solução do problema, do que certos conceitos, como fracasso, reprovação, repetência, evasão, que mais escondem do que revelam o verdadeiro processo de produção do analfabetismo. Pelo menos, tais conceitos deveriam ser definidos em relação com o processo de produção social do analfabetismo. (FERRARI, 1987, p.96)

Em outro artigo, ainda sobre o problema da produção e distribuição do analfabetismo, FERRARI (1991) focaliza o Estado do Rio Grande do Sul, situando-o no contexto nacional. Neste texto, não há propriamente novidades em termos da definição da exclusão, senão uma reafirmação: “A escola... desempenha um papel mediador importante nessa determinação estrutural do analfabetismo. E o faz, como vimos, através de um duplo processo de exclusão: exclusão da escola e na escola.” (p.28) Para os propósitos da investigação que está sendo desenvolvida, o que agora aparece como novo e precisa ser explicitado diz respeito às fontes do conceito. Além da explícita referência a conceitos próprios da obra de Marx, a maioria dos quais já perpassavam os artigos anteriores, embora não houvesse, então, alusão direta a esta fonte, agora revela-se um peso considerável das formulações de Paulo Freire. O autor admite que a principal contribuição na definição do conceito de analfabetismo, fenômeno para cuja compreensão crítica são construídas as noções de exclusão da e na escola, provém do célebre educador brasileiro que denuncia a ingenuidade ou astúcia presentes nas noções correntes de analfabetismo e propõe compreendê-lo como expressão concreta de uma realidade social injusta e opressora.

3 O contexto da variedade temática

A partir da década de 1990, multiplicam-se os trabalhos que abordam a exclusão educacional, na mesma medida em que sua utilização passa a estar associada a uma ampla variedade de temas. No mesmo ano de 1991, enquanto Alceu R. Ferraro reafirmava os conceitos de exclusão da e na escola, e sepultava eufemismos, ocorria na 6ª Conferência Brasileira de

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Educação um simpósio intitulado A produção da exclusão social: violência e educação. Duas comunicações componentes do Simpósio foram publicadas e merecem, pelo menos, um rápido comentário.

Na primeira, FUKUI (1991) – a mesma autora que havia trabalhado com os conceitos de “excluído total” e “excluído parcial” – apresenta um estudo de caso de segurança nas escolas públicas estaduais de São Paulo, em que não há qualquer tematização da exclusão, senão no título do Simpósio. No primeiro momento, a autora faz um longo inventário dos problemas de segurança apresentados e analisa as medidas adotadas. Então, quando se poderia imaginar um diagnóstico ampliado que, se não tratasse de excluídos, ao menos estabelecesse vínculos com relações sociais, a solução apontada encaminha-se para a ingenuidade da redenção das mazelas sociais, através da formação do espírito. Em última análise, “... a questão da segurança nas escolas passa muito mais pela figura do professor, de sua ação educativa e sua atuação como formador de opinião...” (p.72) A seguir, todo o encaminhamento do artigo, que resultará em recomendações, é pautado pela contraposição entre “a escola que temos” e “a escola que queremos”. E neste ponto, surpreendentemente, persistem os eufemismos da evasão e do aluno que abandona os estudos. Dentre as características da realidade escolar, a primeira a ser destacada é “... uma relação entre o congestionamento das escolas e a evasão dos alunos [...] Alunos menos preparados, com problemas de disciplina ou de adaptação à rotina escolar, tenderiam a abandonar os estudos.” (p.72) Depois disso, somente ao final do artigo, em sua última frase, a autora reporta-se ao tema do Simpósio e faz uma referência à exclusão. Mesmo assim, para cobrar atitudes dos educadores. “Podem os educadores propor ações construtivas, que revertam a situação de exclusão e desigualdade social no cotidiano da escola?” (p.76)

Na outra comunicação, ADORNO (1991) aborda a questão dos jovens delinqüentes que são expulsos da escola, apontando aí um processo incompleto de socialização. Também neste texto, só há uma oportunidade em que o autor refere-se à exclusão; no entanto, o faz segundo uma conceituação mais pertinente. Para ele, no caso das classes populares, “... a escola se fixa na memória de dois modos: pela ausência ou pela exclusão violenta.” (p.78) Ademais, assim como no texto anterior, persiste a questão da evasão. Sua utilização, entretanto, ao menos está referenciada no contexto sócio-econômico e numa certa caracterização do sistema escolar. “Na memória dos biografados, a evasão apresenta-se como possibilidade segura, seja diante da contingência econômica, seja devido ao caráter monótono e nada estimulante da aprendizagem oferecida.” (p.79) De qualquer modo, considerando o tema proposto pelo Simpósio, não será infundado começar a suspeitar que a exclusão estaria passando a ser

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empregada, por certo setor da educação brasileira, não como um conceito que auxilia a compreensão do real, mas como garantia de estar acompanhando pari passu a última tendência em voga.

Permanecendo ainda no ano de 1991, encontramos o artigo de Maria Cecília Figueira de Mello, discutindo a segregação sócio-espacial na cidade de São Paulo. Partindo de um enfoque teórico bastante afinado com a teoria da marginalidade e dependência, a autora incorpora nesta perspectiva o termo exclusão, sem, no entanto, qualquer definição conceitual que justifique esta decisão. Assim, exclusão, marginalidade, segregação, discriminação, dominação, repressão e outros perfazem um grande grupo de termos que muitas vezes são usados como sinônimos ou conceitos equivalentes. Assim, por exemplo, há no artigo um subtítulo “o contexto da exclusão” e, pouco adiante, outro nomeado “a marginalização”. Em termos de conteúdo, no primeiro, é feita uma exposição dos indicadores sócio-econômicos que mostram o nível das contradições na cidade de São Paulo; no segundo, a autora discute a realidade das crianças em instituições de acolhimento, das crianças e jovens com prática de delito, das crianças e jovens de rua e das crianças e adolescentes no mercado de trabalho. Portanto, pareceria que o conceito de exclusão tem a ver com a segregação social dos setores da população vitimizados pelas desigualdades constitutivas do modelo macroestrutural da sociedade, enquanto a marginalização faz referência aos jovens e às crianças em processos desviantes de socialização. Entretanto, se à primeira vista esta distinção parece fazer sentido, são constantes as formulações como as que seguem: “É este o contexto da vida da criança e do adolescente de baixa renda. Pertencentes às famílias marginalizadas do mercado de trabalho, excluídos do acesso às políticas sociais básicas...” (MELLO, 1991, p.6) Por outro lado, pouco adiante, pode-se ler: “Excluídas [as crianças e adolescentes em instituições] do processo produtivo e das diversas políticas públicas, marginalizadas dos mecanismos de participação social...” (p.10) Afinal, ficamos sem saber se a autora classifica o não-trabalho como marginalização ou exclusão. E este tipo de formulação ambígua repete-se a todo instante. Por exemplo, na frase a seguir não é possível afirmar a que se refere a exclusão. “A situação de injustiças, violação de direitos, exclusão e discriminação, a que estão sujeitos amplos contingentes da população jovem de baixa renda, é fruto das opções políticas, econômicas e sociais que orientam a vida brasileira...” (p.10) Similarmente, nesta outra expressão, parece que exclusão e marginalização são tomadas como sinônimos. “Excluídos e marginalizados do atendimento através das políticas sociais básicas...” (p.10) E poderíamos continuar citando à exaustão exemplos deste tipo; isto, entretanto, parece desnecessário.

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LINHARES (1992) pesquisa a escola noturna, procurando identificar as necessidades e os desejos dos alunos, bem como a percepção que eles têm do processo escolar. Neste artigo, a autora utiliza a todo momento o conceito de exclusão, sem qualquer preocupação de defini-lo anteriormente. Utiliza-o, na verdade, como conceito já plenamente estabelecido, que não mais necessita ser esclarecido, deixando transparecer que, à época, a exclusão já estaria perfeitamente incorporada ao jargão educacional. Já na primeira frase do texto, é este termo que ocupa a posição central, dando a entender qual será a tônica do artigo. Entretanto, parece bem difícil identificar qual é mesmo o seu significado. “O capitalismo produziu, no Brasil, como na maioria dos países do Terceiro Mundo, um antagonismo entre escola e trabalho, e avança, atualmente, verticalizando exclusões múltiplas, que na instituição escolar vêm sendo camufladas como formas de ‘inclusão’.” (p.105) Ainda assim, a argumentação toda é muito instigante. De modo geral, a autora defende a necessidade de articular a escola e o mundo do trabalho, reconhecendo, entretanto, que isto só seria possível no contexto de uma transformação social radical, pois “... ao fazê-lo precisamos mudar o rumo dessas reiterações que favorecem o capital em detrimento do trabalhador...” (p.107) Ao tratar mais especificamente do objeto de sua pesquisa, a autora estabelece como noção de fundo a idéia de que, no caso do aluno trabalhador que freqüenta a escola noturna, sua inclusão no sistema escolar representa um processo de múltiplas exclusões. O próprio espaço escolar propicia a exclusão. Os alunos são tratados medíocre e infantilmente. Há interdições resultantes de preconceitos, ocorrendo também vigilância, cobranças, ritos de diminuição. A mais contraditória destas é a exclusão do próprio conhecimento sistematizado, pois “... as classes populares concentradas na cidade reclamam por escolas, e sua inclusão nelas se dá, simultaneamente, com processos que excluem essas classes da aprendizagem reclamada.” (p.121)

Num aprofundado estudo teórico, onde, de modo geral, visam provar que a categoria trabalho, assim como qualquer outro conceito, só ganha efetiva significação quando entendida como construção histórico-social, Maria Ciavatta Franco e Gaudêncio Frigotto analisam as questões da escola do trabalho e da centralidade do trabalho. Para os fins da temática que vem sendo perseguida aqui, importa principalmente que nos dediquemos ao ponto da crítica à pertinência dos argumentos que defendem a não centralidade do trabalho como categoria explicativa das relações sociais. Como fio condutor da argumentação, os autores expõem a tese de Claus Offe, um dos teóricos contemporâneos que mais dedicadamente propugna “... que a sociologia deve fundar seu objeto não mais na categoria trabalho e, por extensão, de classe social, mas em novas categorias.”

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(FRANCO, FRIGOTTO, 1993, p.542) Ainda segundo os autores, Offe abandona – eu diria que jamais chegou a acompanhar – o pensamento crítico de Horkheimer e Adorno e “... conclui que a ‘ação comunicativa’, por afastar-se da teoria dos conflitos, dá conta melhor da ‘dinâmica social das sociedades modernas’.” (p.548) Enfim, sem descrever o rico detalhamento da crítica a Claus Offe, saliento, unicamente, o que FRANCO, FRIGOTTO (1993) denunciam como origem do problema. Primeiro, o fato de Offe não considerar a dimensão ontológica do trabalho, mantendo-se preso ao “... reducionismo de aprender o trabalho pelo trabalho assalariado, forma mercadoria, trabalho abstrato e trabalho alienado.” (p.544) Segundo, a opção teórica assumida deliberadamente.

A não acuidade de Offe para analisar a questão do trabalho abstrato, trabalho mercadoria, em um nível de radicalidade das relações de exclusão, deriva, a nosso ver, da própria opção teórica e epistemológica de abandono da análise materialista histórica, e inscreve-se numa perspectiva racionalista e funcionalista. (p.548)

O problema na argumentação de FRANCO, FRIGOTTO (1993) está em que, de certo modo, deixam-se seduzir por aspectos da própria posição que criticam; ou então, dizendo de modo mais exato, empregam inadvertidamente conceitos centrais da posição que combatem, sem fazer qualquer referência a que o fazem segundo uma compreensão diversa. É isto que ocorre no caso da exclusão. Ao contraporem-se aos pontos de vista de Claus Offe e Jürgen Habermas, identificam-nos com a perspectiva teórica de Alain Touraine, chegando a citar o sociólogo francês. E o fazem com absoluta correção, pois, conforme observamos anteriormente, Touraine relega o trabalho a plano secundário e afirma serem anacrônicas as análises apoiadas no modelo vertical das relações de classe. Ato contínuo, aponta o modelo horizontal in/out como novo paradigma de análise e intervenção social, fundado na categoria exclusão social. Mesmo assim, os autores, críticos de Offe, Habermas e Touraine, empregam a todo momento o conceito de exclusão social, o qual é marcante, inclusive em suas principais conclusões.

Mais que contraposição de conceitos, como querem fazer crer alguns críticos das lutas pela ampliação dos processos participativos, das lutas pela democracia substantiva na sociedade e nas instituições educativas, tratam-se (sic) de demarcações teóricas e políticas que balizam processos de manutenção do status quo, da exclusão social e da ruptura destes processos. [...]

As teses da não centralidade do trabalho, do fim do trabalho, da visão fetichizada da tecnologia tomada como “fator” independente das relações sociais, capaz de per se nos levar à sociedade “pós-capitalista”, pós-industrial, longe de nos ajudar a penetrar na rebeldia das relações de exclusão cada vez mais perversas da

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sociedade capitalista contemporânea, podem reforçar perspectivas conservadoras. [...]

O enfrentamento desse desafio implica a capacidade de atuar no plano das contradições, ou seja, na crítica, e de combater, em todos os espaços, a forma alienadora, fragmentária e excludente das relações sociais. (p.550-551)

Penso que FRANCO, FRIGOTTO (1993), autores manifestamente preocupados com a correta definição de conceitos, se julgam indispensável referir-se à exclusão social, deveriam esclarecer com que entendimento empregam esse termo. Provavelmente, vêem a exclusão, diferentemente de Touraine, como relação vertical, uma vez que reafirmam o paradigma de classes. Entretanto, mesmo que seja este o caso, trata-se de um emprego pouco refletido, que não define adequadamente o seu lugar na rede de relações histórico-sociais e na articulação com os demais conceitos em jogo. Enfim, a despeito do louvável esforço dos autores em discutir o modo de construção das categorias, algumas formulações ainda recendem adesão insuficientemente refletida a um termo de ocasião.

GENTILI (1995) desenvolve um estudo em que relaciona neoliberalismo, trabalho e educação, buscando identificar se há, de fato, algo novo nas formas de exclusão proclamadas novedias. Para ele, o discurso neoliberal não passa de uma reformulação do enfoque economicista da teoria do capital humano. “As perspectivas neoliberais mantêm esta ênfase economicista: a educação serve para o desempenho no mercado e sua expansão potencializa o crescimento econômico.” (p.193) A “novidade” da perspectiva neoliberal é de que já não se trata de formar indivíduos que se desempenhem produtivamente num mercado de trabalho em permanente e ilimitada expansão; agora, face a um mercado altamente competitivo, a questão é “... formar para a competência num mercado de trabalho cada vez mais restrito...” (p.197) Na contramão do liberalismo, cuja promessa era universalista e de oportunidades para todos, esse novo matiz, o neoliberalismo, aposta na competência meritocrática, presente em toda a história da sociedade burguesa. Por isto, afirma o autor:

A escola pública é algo mais do que uma simples e conspiratória armadilha do capital para estender seu poder sobre as massas. Esse é um dos núcleos de sentido que o neoliberalismo pretende desintegrar: a própria idéia dos direitos sociais e a necessidade de uma rede de instituições públicas destinadas a materializá-los. A interpretação meritocrática do neo-economicismo baseia-se na necessidade de destruir a lógica dos direitos que garantem a conquista da cidadania e de impor a lógica mercantil segundo a qual os indivíduos realizam-se eles próprios, enquanto proprietários, como consumidores racionais. (p.199-200)

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Neste contexto, há alguma dificuldade em identificar com nitidez o sentido em que o autor emprega o termo exclusão, nas diversas vezes que o faz. Em certas passagens, como no excerto recém-citado, somos tentados a interpretar que busca a garantia dos direitos de cidadania, ou seja, tenta recuperar a lógica dos direitos sociais e das políticas públicas, ao feitio do Estado de bem-estar. A tônica geral do artigo, entretanto, não é esta. De modo geral, o autor faz uma dura e correta crítica a certo setor da esquerda que adota um referencial teórico estruturalista e mecânico, impeditivo da compreensão do verdadeiro curso da história.

Acontece que a história, de fato, se repete; mas, como Marx sustentava, o faz primeiro como tragédia e logo como farsa. Trata-se de dois gêneros que, em sua diversidade, transformam a dialética da história num processo original e, ao mesmo tempo, repetitivo. Reconhecer esta dinâmica onde se combinam a mudança e a permanência é fundamental para uma compreensão teoricamente rigorosa das lógicas de dominação existentes em nossas sociedades e para a construção de uma prática política radicalmente democrática orientada para a superação da sociedade de classes. (GENTILI, 1995, p.192)

Há oportunidades no texto de Pablo Gentili em que surgem formulações que, certamente, necessitariam algum aprofundamento. Tome-se o seguinte exemplo: “... sociedades onde as massas encontram-se condenadas historicamente à exclusão e à marginalidade.” (p.199) Ora, empregar estes dois termos como se óbvia fosse sua compreensão não parece a atitude teórica mais conveniente. Enfim, pouco se pode dizer com certeza, a não ser que, no caso do conceito de exclusão, parece não haver uma preocupação mais forte no sentido de investigar as razões porque hoje ele tem assento cativo nos discursos de todos os matizes.

ROSEMBERG (1999), em artigo que trata de como as hierarquias de gênero interagem com as de raça e classe, produzindo um sistema educacional profundamente excludente, trabalha com um conceito relativamente bem definido de exclusão. O que ela qualifica como exclusão está sempre associado a um entrecruzamento de subalternidades. Deste modo, seu estudo analisa “... o processo de exclusão de crianças negras e pobres resultante da política de expansão da educação infantil que vem ocorrendo no Brasil desde os anos 80.” (p.9) Para a autora, deve-se ainda somar o fato de que, embora a expansão da educação infantil tenha sido exaltada como busca da igualdade de oportunidades para as crianças das classes populares no ensino fundamental – educação compensatória –, na verdade, “... baseou-se na ideologia das aptidões naturais femininas para o exercício da função docente, que levou a um novo processo de exclusão de crianças pobres e negras, além da discriminação de mulheres adultas das

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classes populares.” (p.11) Neste sentido, os dados levantados por ROSEMBERG (1999) permitem dizer que não há relação direta entre expansão da educação infantil e democratização. No caso brasileiro, especificamente, a própria inclusão no processo de educação infantil ocasiona a exclusão. E aqui, novamente, com o sentido de um complexo entrecruzamento de subalternidades.

... a educação infantil, em seu processo de expansão, também criou e reforçou padrões de exclusão social e racial: crianças pobres e negras (em percentual ligeiramente mais freqüente entre meninos), mesmo no sistema de educação infantil público, freqüentam estabelecimentos de pior qualidade e que lhes impõem nível educacional inadequado à idade. Estabelecimentos de educação infantil de pior qualidade tanto significam lugares piores para a educação e cuidado das crianças, quanto piores locais de trabalho para os adultos. Locais de produção e reprodução da subalternidade. Mulheres, resistindo ao destino de empregadas domésticas, acomodando-se às sobras do sistema. Crianças, desde muito cedo, sendo socializadas para a subalternidade. (p.33)

Conclusão

Analisada esta amostragem da produção bibliográfica dos educadores brasileiros com relação à pertinência conceitual de utilização da exclusão, percebe-se que há diversos padrões de posturas teóricas, a saber: simples substituição terminológica de outros conceitos, elaboração conceitual autônoma, enquadramento não discutido em perspectivas teóricas mais gerais e, até mesmo, emprego como mera busca de apresentar-se em sintonia com um linguajar em voga. Penso que este panorama conceitual, mais aleatório do que plural, pouco contribui para a apreensão do real que, em sua infinda complexidade, desdobra-se ante nosso olhar muitas vezes atônito de pesquisadores/educadores. Portanto, sem um sério esforço de determinação conceitual, o recurso ao termo exclusão pode acabar obnubilando a própria realidade em que se desenvolve a práxis educacional.

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Avelino da Rosa Oliveira é professor titular de Fundamentos da Educação na Universidade Federal de Pelotas. Graduou-se em Filosofia na UCPEL, fez mestrado em Filosofia na PUCRS e doutorado em Educação na UFRGS, com a tese Educação e Exclusão: uma abordagem ancorada em Karl Marx (2002). É editor do periódico Cadernos de Educação, da FaE/UFPel. Publicou Marx e a Liberdade (EDIPUCRS, 1997), “Exclusão social e educação: um novo paradigma?” (Educação & Realidade, 1999), “Educação e exclusão: a contribuição da Filosofia da Educação na determinação conceptual” (Perspectiva, n.34, 2000), “Exclusão Social - o que ela explica?” (In: O mesmo e o outro da cidadania, L&PM, 2000), “A atualidade produtiva do pensamento de Karl Marx” (In: As Portas de Tebas, Ed. UPF, 2002), “A liberdade e o capital: ética pelo avesso” (In: Ética, Seiva Ed., 2003), Marx e a Exclusão (Seiva, 2004), “Opressão por Exclusão: uma troca lesiva” (In: Memória, diálogos e sonhos do educador, Pallotti, 2005), entre outros. Rua Capelini, 41 - Bairro Três Vendas 96020-550 – Pelotas/RS E-mail: [email protected]

Recebido em: 11/07/2005 Aceito em: 20/01/2006

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 163-165, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Alfabetto: Autobiografia Escolar de Frei Betto1 Gilse H. M. Fortes

Quem não tem presente em suas memórias as façanhas de sua trajetória escolar? Em Alfabetto: autobiografia escolar (Ática, 2002), frei Betto faz uma honesta descrição, recheada das melhores e das piores emoções, de sua trajetória de formação. Dividido em sete partes, a memória remonta os tempos de Jardim da infância, do Grupo Escolar, do Ginásio, do Colegial, da Universidade, da Escola de Fé e, por fim, fecha com uma bela crônica sobre o vôo da águia. Dessa forma, o livro termina quando a opção pela vida religiosa se solidifica.

Mas quem pensa que vai encontrar aí apenas a trajetória escolar, se engana. Betto elabora essa autobiografia escolar como memórias de formação. Dedica-se a personagens tão díspares e, ao mesmo tempo, formadores como o reitor de um ginásio católico padre Graziel e seu Romo, vigia noturno, e a vivências diferenciadas como a exposição sobre Musset em uma aula de Francês e ao mundo da militância estudantil. Percebemos ao longo do livro o significado e sentido que escola tem para ele, que escreveu com Paulo Freire, em 1988, Essa escola chamada vida.

Com texto ágil, Betto parece demonstrar que eram verdadeiras as percepções de alguns mestres seus do grupo escolar - quando foi elogiado aos oito anos por ser ele mesmo que escrevia suas composições - e quando, aos 11 anos, o padre Boaventura, avesso ao ensino frio de regras gramaticais mas incentivador da leitura e curiosidade juvenil, sentenciou em uma saída de aula: - Carlos, você só não será escritor se não quiser. A qualidade literária do texto de frei Betto perpassa todo o livro, que pode ser lido como uma coleção de 69 crônicas e contos sobre o universo de formação e uma crônica final de reflexão retrospectiva. Além da qualidade literária, destaca-se a capacidade de inter-relacionar o contexto político-social e familiar às vivências da escola e singulares das idades.

Dessa forma, revivemos os anos 50 com suas memórias do Jardim da Infância Grupo Escolar. Nas vivências de formação dessas fases, aparecem as diferenças de classe existentes (capítulo Vísceras, em que revela os conteúdos das merendas escolares); salientam-se as diferentes concepções de educação infantil encarnadas nas professoras Ruth e Celeste; as contradições família-escola em relação à literatura infantil, às questões

1 Resenha escrita para a disciplina Educação e cultura escolar: análise de discursos e práticas educativas – Profa. Dra. Maria Helena Câmara Bastos.

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religiosas, políticas (cômico capítulo JK), etc.; as interrogações e medos da idade e suas experiências em grupo; as formas de apropriação das crianças da realidade da época, principalmente, no que se refere aos judeus, facistas, racismo, comunistas, e, claro, à morte de Getúlio Vargas. Outra situação curiosa é a catequese, pois foi nessa experiência que teve seu gosto despertado para o cinema - quem assistisse às aulas teria direito a uma sessão de cinema.

A escola pública desses anos iniciais foi substituída por um Ginásio católico. Aí as contradições sociais eram menos visíveis, pois era um colégio para forjar uma casta masculina branca dentro de uma espírito de refinamento e dirigente. Nessa parte, Betto desvela as injustiças percebidas no cotidiano extremamente disciplinar da escola e os exercícios de transgressão dos estudantes. É nessa fase de sua vida que ingressa, quase por acaso e a partir de sua relação com amigos da rua, na Juventude Estudantil Católica. Mostra o processo de formação militante da época, seus medos, ações nesse início da adolescência. De quebra, vão surgindo também outros personagens, hoje conhecidos por todos nós, como Henfil, Betinho, etc.

No Colegial, em seu primeiro ano é expulso de uma escola particular e torna-se um estudante noturno de uma escola pública municipal. É início dos anos 60. Acontecimentos como a visita de Chê Guevara ao Brasil, a legalidade, a atuação da JEC e da JUC na educação popular, o debate ensino público / privado, a criação da Ação Popular são narrados pelos olhos desse militante em formação. Ao mesmo tempo, cabem lembranças internas da escola, a primeira reprovação, etc. Nessa fase, há uma grande virada geográfica e cultural em sua vida, pois, como dirigente da JEC, muda-se para o Rio de Janeiro. Lá, o processo de morar em república, a efervescência cultural e política daqueles anos são mostradas com a intensidade de quem viveu.

Seu início na Universidade, como estudante de jornalismo contém ainda o tom irreverente da juventude da época. Devido à sua militância, o golpe militar foi visto de Belém do Pará. Nessa narrativa, expõe as tensões internas da igreja católica da época. É nesse tempo, após prisões, que sua já latente vontade de seguir a vida religiosa se estabelece. Esse processo de afirmação, negação e reafirmação dessa opção, dentro de um convento dominicano, é contado em Escola de Fé.

Com o Vôo da águia, frei Betto encerra essas suas memórias reafirmando o que vimos ao longo de sua trajetória, ou seja, a necessidade de transformação pessoal por um processo que passa também pela autocrítica.

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Assim, mesclando contexto histórico, dimensão pessoal, culturas escolares e formativas vividas, o livro nos brinda com a auto-reflexão, salientando o quanto podemos ser e o quanto podemos fazer com o que tentam fazer de nós.

Gilse H. M. Fortes é Doutoranda em Educação PUC-RS.

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 169-172, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Apresentação

A Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação, criada em 1995, completou dez anos de existência em 2005. Ao longo do tempo tem se caracterizado como uma associação científica preocupada em articular pesquisadores identificados com a área de História da Educação, sendo um espaço de debate de questões da área e problematização de focos temáticos novos, divulgando o conhecimento produzido, especialmente entre os investigadores do Rio Grande do Sul, sob a forma de encontros anuais e por intermédio da Revista História da Educação.

O XI ENCONTRO SUL-RIO-GRANDENSE DE PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, ocorrido na Universidade do Vale do Rio dos Sinos em agosto de 2005, teve como foco temático a HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR E A CONTRIBUIÇÃO DOS 10 ANOS DA ASPHE. Uma das propostas do evento foi identificar como a disciplina de História da Educação esteve presente nos cursos de formação de professores, analisando currículos e livros escolares, perfil de seus docentes e a produção da área, bem como a importância e contribuição da mesma para a formação do professor.

O presente número da Revista Historia da Educação publica alguns dos trabalhos apresentados naquele evento, com o intuito de contribuir para o debate acerca do ensino de História da Educação, sua vinculação com a pesquisa e a produção da área e sua contribuição para a formação do educador. São onze os textos que compõem este bloco de textos que tematizam a Historia da Educação na dimensão de componente da formação do professor.

Clarice Nunes em seu artigo A disciplina História da Educação na formação de professores: desafios contemporâneos, ao fazer inicialmente uma breve retrospectiva sobre o campo da História da Educação, aponta os tradicionais cânones da produção na área e os principais embates envolvendo não só a crise da História enquanto disciplina, mas também a própria identidade do historiador. Situando as questões relacionadas ao papel específico dos historiadores da educação, ressalta que nem sempre são eles os que ensinam a respectiva disciplina. A seguir busca fazer uma breve genealogia do referido componente curricular, lembrando que no Brasil a História da Educação não pode ser dissociada da história da Escola Normal e do Curso de Pedagogia. Argumentando em

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favor das diferenças, mas também das conexões existentes entre ensinar e pesquisar, lembra que nesta área temos tido dificuldade “em renovar nossas bibliografias” no campo da docência, em parte pelo processo que construiu esta separação entre ensino e pesquisa. Ao finalizar, enfatiza a incondicional necessidade em destruir as certezas junto aos alunos de graduação, para que os mesmos aprendam a desnaturalizar sua própria experiência e, principalmente, aprendam a pensar historicamente.

Vinculada a linha de pesquisa “Educação Brasileira e Cultura Escolar: análise de discursos e práticas educativas (século XIX e XX)”, Maria Helena Câmara Bastos apresenta o texto A Disciplina de História da Educação no Curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1942 – 2002). A autora examina a história da disciplina no currículo das Escolas Normais e nos Cursos de Pedagogia, tendo como objeto específico de análise a história da disciplina na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. No texto enfatiza a localização desta disciplina na grade curricular, a carga horária, os docentes e sua formação, o conteúdo, a bibliografia básica e os principais procedimentos didáticos e de avaliação. Maria Helena Câmara Bastos inicia com breve introdução sobre o contexto dos estudo a respeito do tema e as tendências teóricas que inspiraram os mesmos, apresenta a forma como a disciplina História da Educação foi desenvolvida no Curso de Pedagogia da PUC/RS e em quais tendências esta atividade se ancorava, ao longo dos anos.

Aspectos da trajetória da disciplina História da educação no curso de Pedagogia do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria: temas clássicos e ordem cronológica, de Claudemir de Quadros, apresenta elementos que permitem entender a constituição da disciplina História da Educação naquela Instituição de Ensino Superior. Após um breve apanhado sobre a história da instituição, o autor incursiona pelas diferentes grades curriculares do Curso de Pedagogia, situando a posição da História da Educação em relação às demais disciplinas, vindo a apontar a paulatina perda no que se refere à carga horária, desde 1955 até a proposta curricular vigente nos dias de hoje. Apresenta igualmente os formatos avaliativos, bem como as respectivas bibliografias que acompanham as diversas propostas ao longo dos tempos. Confirmando o que ocorre na maioria dos currículos de formação docente em nosso país, ressalta a precária atenção em termos de conteúdo destinado a tratar do contexto da educação brasileira nos diferentes programas que analisou, além de identificar não só a tendência dominante da dimensão cronológica linear e da perspectiva doutrinária católica que ainda hoje encontra espaço significativo nas propostas desta disciplina. Conclui ressaltando o paradoxo existente entre a crescente

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produção da pesquisa na área e o visível distanciamento de tais implicações para a sala de aula.

A disciplina de História da Educação na Faculdade e no Centro Universitário La Salle texto de autoria de Miguel Alfredo Orth, identifica as principais características assumidas pela disciplina de História da Educação naquele Centro Universitário, a qual tem sua história vinculada à trajetória de congregação religiosa e à Obra Educacional Lassalista. O autor utiliza, como fontes, os currículos, os programas, a formação acadêmica dos professores, os livros escolares, os conteúdos, bem como entrevistas semi-estruturadas, a dotadas para esclarecer situações peculiares e relevantes que a análise indicava. A abordagem sobre o desenvolvimento da disciplina é feita através de seis blocos cronológicos, com a descrição das características assumidas entre 1981 e 2005. Com riqueza de informações, Miguel Orth demonstra que, na década de 1980, predominaram as disciplinas de História da Educação geral e clássica, enquanto que, na década de 1950, a prioridade foi conferida à educação clássica, bem como à história da educação brasileira e crítica. Já a partir de 2000, o foco adotado foi a história da educação brasileira e lassalista.

O artigo da professora Anna Rosa Fontella Santiago, O ensino de Historia da Educação na UNIJUÍ, debate a disciplina de Historia da Educação no contexto dos debates de formação de professores nas ultimas décadas. Analisa a posição dos eixos temáticos e linhas conceituais do currículo de formação de professores da Instituição e a condução que a disciplina recebeu, especialmente no currículo do Curso de Pedagogia, e suas relações com outros campos do conhecimento. Destaca que, ao longo do tempo, Historia da Educação foi tratada como instrumento básico de investigação e fundamental para a prática pedagógica, contribuindo para que a formação docente se situasse frente à dinâmica das relações políticas, sociais, culturais e econômicas.

Rosimar Serena Siqueira Esquinsani situa, em Ponha-se no seu lugar!!! A História da Educação no Curso de Pedagogia da Universidade de Passo Fundo: em busca do espaço institucional, o histórico do Curso de Pedagogia da UPF nele identificando a pouca valorização atribuída à disciplina de Historia da Educação no período estudado - 1971 a 2006. Analisa ementas e indica como hibrida a posição dessa disciplina no contexto do currículo, embora reconheça a importância epistemológica da mesma na formação do educador.

Flávia Werle e Berenice Corsetti apresentam em seu artigo Historia da Educação e a formação do professor na UNISINOS, a disciplina de História da Educação e seus desdobramentos dos anos cinqüenta até 2005, focando especialmente o Curso de Pedagogia. É um

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texto elaborado a partir da análise de ementas, objetivos, conteúdos programáticos e bibliografia da disciplina de Historia da Educação e Historia da Educação Brasileira. As autoras constatam a progressiva restrição da temática enquanto disciplina especifica no currículo da formação docente.

As professoras Regina Quintanilha Azevedo, Clarisse Ismério e Marilene Vaz Silveira analisam em Apontamentos sobre a disciplina de História da Educação na Universidade da Região da Campanha – URCAMP (1959 – 2001), como História da Educação foi se constituindo no curso de Pedagogia apresentando, previamente, o perfil da IES em relação ao contexto histórico da segunda metade do século XX. Tratam dos temas e da abordagem pedagógica recebida pela disciplina de História da Educação, quem eram as docentes que a ministravam e as obras de referência utilizadas. Para tanto, as autoras utilizaram fontes variadas como Atas e Relatórios para Avaliação do Ministério de Educação e Cultura, planos de curso e de estudos, bibliografias, plano pedagógico. Levaram também em consideração a formação dos professores explicitando o tratamento atual dessa disciplina.

Os professores Maria Stephanou e Elomar Tambara analisam em seus textos: O ensino de História da Educação na História da Faculdade de Educação da UFRGS: primeiras aproximações e História da Educação no curso de pedagogia da Universidade Federal de Pelotas a evolução e a natureza da presença desta disciplina em suas instituições de ensino.

O conjunto de textos aqui reunidos apresenta o itinerário institucional das disciplinas de História da Educação e História da Educação Brasileira em algumas IES do sul do Brasil, pretendendo contribuir para a discussão do papel das mesmas no contexto da formação de professores, fomentar a reflexão acerca das relações entre o ensino e a pesquisa em História da Educação e da constituição dos cursos de formação de professores em nível superior no Rio Grande do Sul.

Beatriz Teresinha Daudt Fischer Berenice Corsetti

Flávia Werle Lúcio Kreutz

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 173-180, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

A disciplina História da Educação na formação de professores: desafios contemporâneos

Clarice Nunes

Resumo

A avaliação institucional e de cursos, um dos procedimentos decisivos da política educacional no país dentro da conjuntura atual, afeta o ensino da disciplina História da Educação nos Cursos de Graduação em Pedagogia e colide com alguns desafios enfrentados pelo professor em sala de aula: o de atender às demandas sociais, pessoais e disciplinares; o de participar de um movimento de construção de identidades; o de levar ao ensino os achados recentes das investigações realizadas nos cursos de pós-graduação e o de elaborar outras formas de representação da pesquisa e do ensino que afetam a sua atuação e os resultados do seu trabalho. Propõe-se a discussão do que vem a ser um ensino e pesquisa de qualidade em História da Educação e, à luz da concepção que norteia o pensamento do autor, de algumas expectativas em relação à prática acadêmica desta disciplina.

Palavras-chave: Curso de Padagogia; disciplina História da Educação; formação de professores.

Abstract

The institutional and course evaluation, one of the decisive educational policy procedures within the present country circumstances, affects the History of Education discipline teaching in the Graduation Pedagogy Courses, and collide with some challenges faced by the teachers in the class: to attend to the social, personal and discipline demands; to participate of a identity construction moviment, to carry to the teaching the recent findings of the post-graduate courses researches and to elabore other research and teaching representation forms that affect his acting and work results. It is proposed the discussion of what a quality teaching and research on History of Education is and, in the light of the conception that orientates the author’s thought, of some expectations related to this discipline academic practice,

Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline; teacher formation.

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Fico muito honrada com o convite recebido da Associação Sul-Riograndense de Pesquisadores em História da Educação para participar do seu XI encontro. Vejo a ASPHE não apenas como instituição consolidada de reflexão sobre a produção acadêmica dos profissionais que reúne, mas também como instância da sociedade civil que, ao aglutinar seus associados e interlocutores interessados nos debates que promove em suas reuniões anuais, assim como em torno da produção da revista História da Educação, contribui significativamente para a criação de um forum democrático dos historiadores da educação brasileiros. E, em momentos de turbulência política como o que atravessamos, este evento sinaliza como é importante concentrar nossa atenção sobre a sociedade. Nosso querido e saudoso Herbert de Souza dizia quando foi provocado a fazer uma declaração de voto entre os candidatos à presidência Fernando Henrique Cardoso e Lula, quase profeticamente, num texto publicado em 1994:

Sem mudar a sociedade não adianta mudar o governo. A mudança é aparente, é uma mentira (...) Esse hoje é o meu credo. Entre o presidente e o cidadão, fico com o cidadão. Meu anti-estatismo não tem a mesma origem do pensamento neoliberal. Sou crítico do Estado porque quero democratizá-lo radicalmente, submetê-lo radicalmente ao controle da sociedade, da cidadania. Não quero o Estado no planalto, mas na planície. Não quero o presidente, mas o cidadão. Não quero o salvador, mas o funcionário público eleito para gerenciar o bem comum. Para mim, as eleições de outubro não tem o caráter de definir nosso futuro. Quem decide o nosso futuro somos nós a cada dia, hora, minuto de uma ação política contínua (...) Apesar de acreditar que não vá viver muito, o fato é que atuo como se a vida não terminasse nessa eleição (...) Creio em cidadania e por isso minha noção de tempo é diferente (SOUZA, 1994).

Uma Associação como a ASPHE, em seu décimo aniversário, mostra que o tempo das associações ultrapassa o dos acontecimentos e se mede a médio e longo prazo. A criação da ASPHE antecipou-se à criação da Sociedade Brasileira de História da Educação (1999) e surgiu num momento de grande efervescência do Grupo de Trabalho de História da Educação da ANPEd que funcionava como instância de visibilidade das dissertações e teses de doutoramento dos Programas de Pós-Graduação em Educação das universidades brasileiras, tendo direcionado seus esforços, já no início da década de 1990, para renovar a interpretação histórica no trabalho de antigas temáticas e na construção de novos objetos.

Se a pesquisa em História da Educação procurava romper os cânones tradicionais da sua produção, o seu ensino nos cursos de graduação continuava ancorado na tradição positivista. Nos programas de pós-graduação existentes, conviviam interpretações da educação brasileira e de sua história inspiradas nos positivismos e nos marxismos, gerando em

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alguns pesquisadores a insatisfação e a busca de outros aportes teóricos para produzir a pesquisa histórica em educação, dentre eles, a chamada Nova História, gestada na França, que já havia se propagado nos meios acadêmicos em nosso país nos anos de 1960 e 1970.

Enquanto os historiadores profissionais já vinham sendo formados nos cursos de licenciatura e bacharelado das Faculdades de Filosofia, antes portanto da expansão dos Cursos de Pós-Graduação em História na década de 1970 (FALCON, 1996), os profissionais especializados em produzir a história da educação são fruto dos Cursos de Pós-Graduação em Educação, criados nesse mesmo momento.

No início da década de 1990 os historiadores debatiam a crise da História e em meados dessa mesma década, começaram a encarar a crise da identidade do historiador, a partir de dois critérios diferentes e não necessariamente complementares: o da formação em História e o do reconhecimento de seus trabalhos como sendo de História (FALCON, 1996). Nós, historiadores da educação, no início da década de 1990, começávamos a nos afirmar como historiadores pela nossa prática e pelo nosso projeto de pesquisa, sendo percebidos pelos historiadores de formação às vezes como intrusos, às vezes como parceiros na produção do conhecimento. Fomos forjando nosso campo de atuação, a partir da fragmentação da própria oficina da História e não exatamente pela fragmentação dos objetos historiográficos que, sem dúvida, se multiplicaram entre nós de um modo acentuado.

O que se espera de um pesquisador de história da educação? Que conheça o seu ofício. O que se espera de um professor de História da Educação? Que ensine a pensar historicamente. Essa disciplina, como lembram Faria Filho e Rodrigues (2003), se situa no quadro mas amplo das disciplinas que compõem a formação do professor nos cursos de pedagogia e nas outras licenciaturas e, obviamente, se articula (ou não) com as pesquisas nessa área. Geralmente pesquisadores de história da educação ensinam esta disciplina. Mas há aqueles que a ensinam sem serem pesquisadores da área ou mesmo praticantes da pesquisa. E quando faço essa afirmação estou pensando na diversidade das instituições encarregadas da formação do professor e das condições para o exercício da pesquisa que revelam um espectro de situações, das mais favoráveis às mais improváveis. No entanto, não vou me estender nessa direção. Estou mais preocupada com as diferentes formas de representação que construímos da pesquisa e do ensino e que afetam nossa atuação, produzindo diferentes resultados, sobretudo numa conjuntura que tem na avaliação dos cursos de formação docente (mas não só deles) uma prioridade da política educacional após a

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aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e que vê na qualidade um objetivo a perseguir a qualquer custo.

Esta preocupação me leva a eleger um certo lugar para falar da disciplina História da Educação que não privilegia propriamente a sua história, o que fiz em outros textos que produzi, mostrando como ela apareceu nas universidades e escolas normais européias, no final do século XIX, forjada pela defesa da necessidade de um ensino sistemático da pedagogia, que se iniciaria justamente com a sua própria história e arte de ensinar (NUNES & CARVALHO, 1993). Recordo que, no Brasil, a história da história da educação não se dissocia da história da Escola Normal, nem da inserção da Pedagogia como seção da Faculdade Nacional de Filosofia ou da criação das Faculdades de Pedagogia e dos Programas de Pós-Graduação em Educação nos anos setenta do século XX (LOPES, 1986).

Optei por falar desse campo disciplinar a partir dos desafios contemporâneos, o que me permite, num primeiro momento, operar um certo descentramento das questões mais específicas que ele abriga até para poder voltar a elas de um ponto de vista mais amplo. Fazer um balanço da produção da ASPHE, identificar como a disciplina História da Educação esteve presente nos cursos de formação docente, delinear um projeto futuro para essa associação, objetivos deste encontro, pressupõem enfrentar a questão do que seja uma pesquisa ou ensino de história da educação de qualidade. Temos, portanto, mesmo que sucintamente, compreender de que qualidade falamos.

A qualidade, como define Juan Casassus (2002), é um juízo formulado por uma pessoa, um grupo ou uma instituição sobre um domínio específico que se reporta a certos critérios e padrões. É, portanto, um juízo socialmente construído. Logo, é histórico, multidimensional e pretende, do ponto de vista da política, atingir o sistema educativo como um todo.

Se considerarmos, ainda seguindo Casassus, que a pesquisa e o ensino são serviços prestados com o objetivo de satisfazer às necessidades de alguém, é preciso identificar que demandas são feitas para esses serviços e quem as faz. Se pensamos na disciplina História da Educação como possibilidade de desenvolvimento da cidadania, temos uma demanda que provém da sociedade. Se pensamos na mesma disciplina com ênfase na aquisição de certos conhecimentos considerados imprescindíveis, temos uma demanda que provém da área disciplinar. Se pensamos na disciplina História da Educação como possibilidade dos estudantes apropriarem-se de um saber fazer que muda constantemente e que dá visibilidade à singularidade dos sujeitos, de sua história e da memória dos grupos aos quais pertencem, que pretende atender às necessidades do seu desenvolvimento pessoal temos uma demanda que provém das pessoas. Se

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examinarmos, porém, o que ocorre com os processos de avaliação de qualidade que incidem sobre essa área disciplinar (e não apenas ela), vemos que nem a demanda da sociedade nem as das pessoas são levadas efetivamente em conta por quem toma a decisão de avaliar. Ou seja, a avaliação fica restrita ao rendimento escolar e, portanto, às demandas que emergem da disciplina. Ora, se permanecemos centrados no exame da disciplina escolar sem problematizar a decisão política de avaliar estamos alimentando um tipo de avaliação que não serve para melhorar a pedagogia da pesquisa nem a do ensino, mas apenas para determinar classificações e aplicar sanções.

A grosso modo, na implementação da disciplina História da Educação, no Brasil republicano, temos três grandes movimentos de construção de identidade através da mediação pedgógica do professor: aquele preocupado com a construção de uma identidade nacional e que toma a história como fonte de formação e de conteúdos para projetar sobre eles um futuro; um outro mais atento para o ensino de capacidades cognitivas do que de conteúdos, com vistas a atuação num contexto em mudança e ainda um movimento que se volta para a construção da subjetividade, para que quem aprenda história da educação ressignifique a sua vida e se torne, na medida do possível, mais consciente das suas escolhas. Esse terceiro movimento exige uma interação não linear entre professor, aluno e conhecimento. Exige também que se levem em conta as motivações, as expectativas, interesses, atitudes e conteúdos (mesmo que os julguemos equivocados) que o aluno traz na sua bagagem, além da compreensão de que a relação entre o currículo e a aprendizagem é um exercício ao qual podem ser atribuídos múltiplos sentidos que se reportam tanto ao que ocorre dentro, quanto ao que ocorre fora da escola.

Essa maneira de focalizar a questão disciplinar, saindo propositadamente dos limites da disciplina, não deixa que o orgulho que sentimos pelo trabalho específico que realizamos enquanto pesquisadores de História da Educação nos atrapalhe para pensar as questões relativas ao ensino. Tentarei explicar. Tanto a pesquisa quanto o ensino fazem parte de projetos de comunicação formadora.1 Em ambos só se transmite algo que seja verdadeiro e válido aos olhos daquele que se incumbe dessa responsabilidade. Partimos, portanto, do valor instrínseco da coisa ensinada. A prática da pesquisa introduz o estudante no ofício do historiador, no modo de operar a produção científica existente.

1 Realizei um sucinto comentário sobre o ensino como projeto de comunicação formadora no I Congresso de História da Educação em Minas Gerais, realizado em 2002. Retomo nesta oportunidade alguns argumentos que ainda considero válidos (NUNES, 2002).

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A pedagogia da pesquisa não se confunde porém com a pedagogia do ensino. Na pesquisa construímos um objeto de estudo por aproximações sucessivas e procuramos manter a vigilância nesse processo. No ensino, procura-se transmitir conteúdos provenientes da pesquisa (a própria e a dos outros) como um corpo constituído de inteligibilidade que, se não deve ser aceito acriticamente, possui certo aval de confiabilidade que lhe outorga a escolha realizada pelo docente. Na pesquisa interrogamos um aspecto particular do conhecimento de forma ativa e sistemática, problematizamos o pré-construído. Se a pesquisa procura romper com certas crenças, o ensino procura disseminar aquelas às quais chegamos e que também precisam ser postas à prova, mas no ensino esse processo tende a ser mais lento e as aquisições mais sedimentadas, do que no campo da investigação.

Na pesquisa a situação ideal, afirma Bourdieu (1989), é a do investigador que reúne uma cultura erudita no campo de conhecimento escolhido e, ao mesmo tempo, resiste ou se revolta contra as interpretações dominantes. Para Bourdieu, um dos obstáculos à pedagogia da pesquisa é a pedagogia do ensino que perpetua autores, métodos, conceitos. E isso ocorre porque os professores ao invés de iniciarem pelo ponto em que se situam as pesquisas mais avançadas dos pesquisadores de ofício, fazem os estudante percorrerem uma tradição que trabalha com fragmentos, pedaços que não ganham sentido de conjunto a não ser pela continuidade cronológica. Acrescento que às vezes também pecamos ao encaminhar o ensino pelos interesses quase exclusivos das nossas próprias pesquisas.

Temos tido dificuldade de renovar nossas bibliografias no campo do ensino, em parte pelo processo que construiu a separação entre ensino e pesquisa. Raro o professor de História da Educação que não teve aquela sensação de que há demasiada história para ser ensinada e aprendida. Permanece no ar questões que não nos abandonam: o que precisamos ensinar? O que queremos conhecer do passado? Porquê? Que diferença faria se não o conhecêssemos? O que a escola ensina e, sobretudo, a História da Educação, é uma parte bem restrita do que constitui a experiência coletiva, a cultura viva de uma comunidade humana, até porque há muita coisa que se rejeita, se esquece ou se abandona dos aspectos culturais e não se trata apenas de um abandono do passado, mas também de aspectos presentes na atualidade no interior da sociedade.

A graduação aparece como área estratégica de intervenção pedagógica, no sentido da melhoria do ensino e de incentivo à participação de estudantes em atividades de iniciação científica. Quem são os alunos da graduação: Em minha experiência são geralmente alunos trabalhadores, grupo heterogêneo quanto à capacidade de percepção e raciocínio histórico. O reconhecimento desse terreno, assimetricamente delineado, é de

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fundamental improtância para o processo comunicativo em andamento. Nele, cabe ao professor não propriamente ensinar a História da Educação, mas provocar e alimentar a recusa às verdades instituídas, a necessidade de recuo dos clichês e opiniões cristalizadas, seja pelo grupo familiar de origem, seja pelas escolas de formação anteriores. É preciso que o estudante encontre um caminho produtivo para o exercício do estranhamento.

Conseguir algum nível de estranhamento é decisivo para que os estudantes desnaturalizem sua própria experiência escolar e se dêem conta do processo de estereotipagem que se apodera da sua vida mental. Nada avança, na relação pedagógica, sem a desconstrução das certezas, das noções simplificadas que recobrem elementos contraditórios do real, que ignoram exceções e permanecem rigidamente imunes à experiência. Acomodar-se aos estereótipos, nas explicações dadas pelos grupos de poder, conduz a uma limitação da imaginação, a um estreitamento progressivo do campo mental, à uma menor tolerância à ambigüidade, ao apego à ordem, ao instituído.

Toda a dificuldade reside no trânsito da opinião para o conhecimento. Pensar seria justamente viver a experiência da relação entre sujeito e objeto. Pensar é assumir a diferença das representações. Afastar-se da necessidade que a opinião tem de incorporar a si mesma apenas o que lhe é semelhante, vendo em tudo a confirmação de si própria. Viver no terreno da opinião é não se espantar com nada. É viver na opacidade das certezas (BOSI, 1977).

Precisamos trabalhar, portanto, e duramente, na suspensão das certezas (as nossas e as dos outros). Só aí começamos a habitar plenamente nosso próprio mundo, principiando a aprendizagem de um certo vocabulário, de um estilo de interrogar, de exercer certas operações conceituais, de dar inteligibilidade ao que se aprende, de aprender a pensar historicamente. Mas para que isso ocorra o que se espera do professor? Dele se espera que:

• concilie, distinguindo, o seu papel de historiador e de educador;

• reveja continuamente, os seus conhecimentos e sua competência;

• discuta teoricamente as concepções de história implícitas na sua prática docente e de investigação;

• acompanhe o debate (nos encontros e colóquios, nas revistas especializadas da disciplina)

• busque o diálogo e o intercâmbio com outras áreas de conhecimento.

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Referências

BOSI, Ecléa (1977). A opinião e o esteereótico. Contexto. Rio de Janeiro (2): 97-104, março.

BOURDIEU, Pierre (1989). O poder simbólico. Lisboa: Difel.

CASASSUS, Juan (2002). Cambios paradigmáticos en educación. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: Autores Associados, (20): 48-59.

FALCON, Francisco J. C. (1996). A identidade do historiador. Estudos Históricos, Rio de Janeiro (17): 7-30.

FARIA, FILHO, Luciano Mendes de e RODRIGUES, José Roberto Gomes. A história da educação programada: uma aproximação da história da educação ensinada nos cursos de pedagogia em Belo Horizonte. Revista Brasileira de História da Educação. São Paulo: Autores Associados, (6): 159-176, julho/dezembro.

LOPES, Eliane Marta Teixeira (1986). Perspectivas históricas da educação. São Paulo: Ática.

NUNES, Clarice & CARVALHO, Marta Maria Chagas de (1993). Historiografia da Educação e Fontes. Cadernos ANPEd – Nova Fase, Porto Alegre, n. 5, setembro, pp. 7-64.

NUNES, Clarice (2002). História da Educação: interrogando a prático do ensino e da pesquisa. IN: LOPES, Ana Amélia Borges Magalhães et al. (org.). Anais do I Congresso de Pesquisa e Ensino em História da Educação em Minas Gerais. Belo Horizonte: FCHF/FUMEC.

SOUZA, Herbert (1994). Opção pela Sociedade. O Globo, Rio de Janeiro, 18/08.

Clarice Nunes é Professora Titular de História da Educação da UFF (aposentada). Pesquisadora do CNPq associada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF.

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 181-212, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

A Disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul (1942-2002) Maria Helena Camara Bastos Fernanda de Bastani Busnello

Elizandra Ambrosio Lemos

Resumo

O artigo busca contribuir para a discussão sobre o ensino da disciplina História da Educação nos Cursos de Pedagogia. Analisa a história da disciplina no currículo das escolas normais e no curso de Pedagogia. Tem como foco a história da disciplina na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no período de 1942 a 2002: localização na grade curricular; carga horária; docentes (formação); ementas/súmulas; conteúdo; bibliografia básica adotada, procedimentos didáticos e de avaliação.

Palavras-chave: disciplina História da Educação; Pedagogia; disciplina escolar.

Resumé

L'article essaie de contribuer à la discussion sur l'enseignement de l'Histoire de l'Education dans les Cours de Pedagogie. Il analyse l'histoire de la discipline dans le cursus des écoles normales et dans le cours de Pedagogie. Il a comme axe principal l'histoire de la discipline dans la Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul dans la période allant de 1942 à 2002: place occupée dans le cursus, charge horaire, professeurs (formation), sommaires, contenus, bibliographie de base adoptée, procédés didactiques et d'évaluation.

Mots clés: discipline Histoire de l’éducation; Pedagogie; discipline scolaire.

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Introdução

Nos últimos anos, ampliaram-se significativamente os espaços de produção em história da educação no Brasil. Criaram-se grupos de pesquisa e/ou associações de pesquisadores regionais, estaduais (Associação Sul-Rio-grandense de Pesquisadores em História da Educação/ASPHE – 1995) e nacional (Sociedade Brasileira de História da Educação/SBHE – 1999). Foram realizados inúmeros congressos – nacionais e internacionais -, aumentou a participação de pesquisadores brasileiros nos encontros anuais da Association internationale pour l’histoire de l’éducation (ISCHE), tendo a SBHE se filiado em 2000. Publicam-se periódicos especializados na área, como por exemplo, a Revista História da Educação (ASPHE/1996), a Revista Brasileira de História da Educação (SBHE/2001), os Cadernos de História da Educação (UFUb-Uberlândia/2002), a revista eletrônica da HISTEDBR (Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil/2000). Também há um aumento significativo de publicação de livros, destacando-se as coleções: CDAPH e Estudos CDAPH/ Centro de Documentação e apoio à Pesquisa em História da Educação, da Editora da Universidade de São Francisco; Memória da Educação e Documentos da Educação Brasileira, da Autores Associados; Série Clássicos de História e Filosofia da Educação, da Seiva Publicações (Pelotas/RS); Histórias e Memórias da Educação no Brasil, da editora Vozes. Os programas de pós-graduação no Brasil, os estágios de formação e de pesquisa no exterior também têm sido espaços privilegiados de construção e de ampliação do campo.

A profícua expansão da pesquisa em História da Educação, no entanto, não tem sido acompanhada de estudos sobre o ensino da disciplina nos cursos de Pedagogia . Em recente trabalho (Bastos, 2004), apontamos à carência de pesquisas envolvendo o ensino da história da educação . Podemos afirmar que há um hiato entre a pesquisa e o ensino, questão que tem sido silenciada pelos pesquisadores da área em geral. A pesquisa tem-se desenvolvido à margem da docência, pois muitos dos pesquisadores da área não são os professores da disciplina. Cabe registrar que o número seis (jul/dez. 2003) da Revista Brasileira de História da Educação traz dois textos sobre o tema . Assim, cabem as perguntas: que resultados têm trazido para a disciplina de História da Educação, nos cursos de graduação, a significativa produção da pesquisa na área? Qual a inserção das obras recentemente publicadas na bibliografia da disciplina na graduação?

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O presente artigo busca contribuir para a discussão sobre o ensino da disciplina História da Educação nos Cursos de Pedagogia, tendo como foco a história da disciplina na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no período de 1942 a 2002 : localização na grade curricular; carga horária; docentes (formação); ementas/súmulas; conteúdo; bibliografia básica adotada, procedimentos didáticos e de avaliação. Temos consciência de que os planos não expressam o que realmente ocorreu, mas são pistas, sinais e vestígios (Ginsburg, 1989) para adentrar no que foi e é privilegiado pelos docentes.

A Disciplina História da Educação no Currículo da Escola Normal e dos Cursos de Pedagogia

André Chervel (1990) destaca a história das disciplinas escolares como um campo de pesquisa , que consubstancia estudos de cultura escolar (Julia, 2001). As pesquisas nesta área objetivam analisar e explicar as transformações que as disciplinas sofrem ao longo do tempo, isto é, as mudanças de tendências, conteúdos, métodos de ensino, referencial teórico-bibliográfico, corpo docente . Essas mudanças ocorrem por interferência de fatores internos, ligados às próprias condições de trabalho na área, e fatores externos, relacionados à política educacional e às condições sociais (Santos, 1990).

Como disciplina, a História da Educação consolida-se na segunda metade do século XIX no conjunto de várias especializações da História e da Pedagogia científica. O seu surgimento corresponde ao período de consolidação dos sistemas educativos nacionais. Para Nóvoa (1994, p. 15), a construção da disciplina deve ser enfocada a partir de três processos simultâneos: a estatização do ensino, a institucionalização da formação de professores e a cientificização da pedagogia - o desenvolvimento da educação de massas e de busca de cientificização do conhecimento pedagógico com as chamadas ciências da educação – filosofia, psicologia, sociologia, biologia.

A disciplina História da Educação busca afirmar a pedagogia como ciência da educação e legitimar as idéias dos educadores. Para Compayré (1911), a história é a introdução necessária, a preparação para a própria ciência (In: Nòvoa, 1994, p.11).

A partir de 1860, são publicadas as primeiras obras que versam sobre a matéria e ministrados cursos em Universidades e Escolas Normais, em diversos locais da Europa. Em 1882, é criado o primeiro curso universitário de Pedagogia na Faculdade de Letras de Bordeaux\França,

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com o objetivo de racionalizar os métodos pedagógicos e de constituir uma ciência da educação. Segundo Gautherin (2002) é o momento da invenção da pedagogia universitária. A idéia não era nova, vinha sendo tentada através de diversas ações: curso de pedagogia nas escolas normais e na educação popular, as conferências pedagógicas, os congressos pedagógicos. Em 1874, Gabriel Compayré, professor na Faculdade de Letras de Toulouse, inaugura um curso de filosofia da educação, cujo programa consagra-se inteiramente à história das doutrinas da educação. Em 1883, a Sorbonne inaugura um curso de Ciências da Educação ou de Pedagogia, o primeiro de uma série que passa a compor a Faculdades de Letras (Gautherin, 2002, p.18). Em 1884, Wilhelm Dilthey (1833-1911) já ministrava o curso de História da Educação na Universidade de Berlim .

Nóvoa (1994, p.28) identifica quatro tradições no ensino de História da Educação:

1. de início, organiza-se como uma reflexão essencialmente filosófica, baseada na evocação das idéias dos grandes educadores, desde a Antiguidade ao período contemporâneo (século XIX). Através da glorificação do passado, descreve-se a evolução educativa como uma marcha do progresso, com o objetivo de tirar do passado o máximo de lições para o presente;

2. no final do século XIX e princípio do século XX, a disciplina assume uma visão marcadamente institucional. Através da rememoração legislativa, nomeadamente das principais reformas educativas, produz-se uma história legitimadora das opções presentes de política educativa, dando um caráter prático e funcional para a disciplina;

3. em meados do século XX, reação forte contra as duas tradições anteriores, feitas por historiadores e sociólogos, em uma perspectiva marxista e neo-marxista, trazendo uma dimensão social para a disciplina;

4. atualmente, há uma diversificação de perspectivas na forma de ensinar a disciplina e de justificar sua inclusão nos cursos de formação de professores. Há uma espécie de redescoberta da especificidade das temáticas escolares, do papel dos diferentes atores educativos e da sua experiência; uma tendência às práticas de história intelectual e cultural, a partir de novas concepções teóricas; uma revalorização das abordagens comparadas. Em 1960, com o fenômeno da “explosão escolar”, isto é, de expansão mundial da educação, há um renascimento das ciências da educação e, concomitantemente, da história da educação. A redefinição do campo da educação engendra a imposição de um discurso especializado, ancorado sobre uma legitimidade científica (Nóvoa, 1998, p.144-145).

No Brasil, a história da disciplina História da Educação não se dissocia da Escola Normal. O Dr. Carlos Maximiano Pimenta de Laet, em

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parecer sobre as Escolas Normais no Congresso de Instrução do Rio de Janeiro (1883-84) , recomenda como disciplina do currículo de formação - Pedagogia e metodologia geral: história da Pedagogia.

No Rio Grande do Sul, já em 1876, a História da Educação aparece como conteúdo da disciplina Pedagogia, que compreendia “sua história, suas divisões e aplicações práticas e princípios de direito natural”. O Padre Joaquim Cacique de Barros foi o primeiro professor de Pedagogia e diretor da Escola Normal do Estado, criada em 1869. Também lecionava Regras de Caligrafia, Gramática Nacional, Catecismo, História Sagrada e da Igreja e Gramática analisada. Em 1872, alertou as autoridades governamentais sobre a falta que a cadeira de Pedagogia fazia no curso, independente da cadeira de Gramática (Schneider, 1993, p.245).

No Decreto nº 874, de 28 de fevereiro de 1906, permanece essa situação - a disciplina Pedagogia deveria compreender sua história, educação física, intelectual e moral, metodologia, prática do ensino com duas horas por semana na terceira série. Somente o Decreto nº 4.277 de 13 de março de 1929, que regulamenta o ensino normal na Escola Normal de Porto Alegre e em escolas complementares, inclui a disciplina História da Educação no curso normal (Werle, 2003, p. 300-301) . Foram as reformas educacionais introduzidas a partir de 1930, que incluíram a cadeira nos planos das Escolas Normais. Em 1946, a Lei Orgânica do Ensino Normal (Decreto-lei nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946) estabelece que no currículo das Escolas Normais deveria ser ministrada a disciplina História e Filosofia da Educação, a ser ministrada na terceira série.

Na década de 40, com a criação dos cursos de Pedagogia, nas Faculdades de Filosofia, Ciência e Letras, ampliam-se os estudos pedagógicos e, como parte deles, o de História da Educação (Decreto-lei nº 1190, de 4 de abril de 1939). A Faculdade Nacional de Filosofia é instituída com o fim de “preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica; preparar candidatos ao magistério do ensino secundário e normal; realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que constituam objeto de estudo”. Para a operacionalização destes objetivos, cria cinco seções: Filosofia, Ciências, Letras, Pedagogia, Didática.

O Regimento Interno, aprovado pelo Conselho Universitário de 30 de agosto de 1940 e pelo Conselho Nacional de Educação em 15 de maio de 1942, determina que o curso de Pedagogia deva ser realizado em três anos, com a seguinte seriação: primeira série – complementos de matemática, história da filosofia, sociologia, fundamentos biológicos da educação; segunda série – estatística educacional, história da educação, fundamentos sociológicos da educação, psicologia educacional,

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administração escolar; terceira série – história da educação, psicologia educacional, administração escolar, educação comparada, filosofia da educação.

Quanto ao corpo docente da Faculdade, afirma que seria constituído pelos professores catedráticos, assistentes, docentes livres e, eventualmente, professores contratados. Na listagem das cadeiras (art.126), consta um professor catedrático para História e Filosofia da Educação, cátedra ocupada por Raul Jobim Bittencourt , o que marca a união das duas disciplinas em suas trajetórias nos cursos de formação de professores (Lopes; Galvão, 2001, p27).

O programa de História da Educação, para a segunda e terceira série do curso de Pedagogia, compreendia os seguintes tópicos: conceito de educação; a pedagogia e a história da educação no quadro geral dos conhecimentos; método de estudo da história da educação; a educação nas sociedades primitivas; a educação nas culturas orientais: do Egito, da Mesopotâmia, da Pérsia, da Índia, da China, de Israel; a educação na cultura clássica: educação helênica, educação romana; a educação na cultura ocidental: educação cristã na Alta Idade Média, educação cristã na Baixa Idade Média, a Universidade; a educação na Renascença, Humanismo, Reforma; educação moderna, século XVII e a primeira metade do século XVIII, de Comenius a Rousseau. Na terceira série o programa compreendia: a revolução intelectual do século XVIII e a educação, Enciclopédia, de Rousseau à revolução francesa; Pestalozzi e a educação contemporânea; diretrizes educacionais do século XIX: os continuadores de Pestalozzi – Froebel, Girard, desenvolvimento científico e sua influência na educação – Herbart, Spencer, Bain, a educação nos Estados Unidos – de Horace Mann a William James, a educação na América Latina – Sarmiento, Varela; exame das últimas idéias e práticas pedagógicas: escola nova – Sanderson, Montessori, Claparède, Decroly, Dewey; diretrizes educacionais dos Estados fascistas, comunistas, democráticos; a educação no Brasil: de Anchieta à república; leis, educadores e escolas do período republicano; síntese histórica, perspectivas futuras da educação (Programa do Curso de Pedagogia, 1942, p.30-31) . Esse programa incide sobre a evolução no tempo dos processos educativos e escolares, com ênfase nos principais representantes de cada período e uma descrição de fatos, idéias e práticas, levando à compreensão do “passado pelo passado”.

Com a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4024/61), o curso de Pedagogia passa por reformulação (Parecer do CFEnº 251/62) e a disciplina História da Educação permanece elencada como uma das cinco disciplinas obrigatórias do currículo mínimo.

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A Reforma Universitária de 1968 cria as Faculdades de Educação e o currículo do curso de Pedagogia é alterado através do Parecer CFE nº 252/69, passando a ter uma base comum, constituída por matérias básicas à formação de qualquer formação pedagógica, integrada pelas disciplinas: Sociologia Geral, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, História da Educação, Filosofia da Educação e Didática . A história da educação brasileira deixa de ser um conteúdo da disciplina geral e passa a integrar os currículos dos cursos de formação de professores como disciplina específica ou identificada como História da Educação II.

A partir de 1996, com a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9324/96) a maioria dos cursos de formação de professores passa por reformulações, buscando adequar-se às novas orientações e propostas. O Parecer CNE/CP 09/2001, de 8 de maio de 2001 , que institui diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da Educação Básica em nível superior, licenciatura de graduação plena, preconiza que o “curso de Pedagogia deve ter em seu currículo um núcleo de conteúdos básicos, articuladores da relação teoria e prática, considerados obrigatórios pelas IES para a organização de sua estrutura curricular e relativos – ao contexto histórico e sociocultural, compreendendo os fundamentos filosóficos, históricos, políticos, econômicos, sociológicos, psicológicos e antropológicos necessários para a reflexão crítica nos diversos setores da educação na sociedade contemporânea”. Dessa forma, a disciplina História da Educação e/ou História da Educação do Brasil permanece no currículo da maioria dos cursos de Pedagogia, em suas diferentes modalidades, mas varia no título e conteúdo, como em carga horária e semestre ministrada.

Em 2005, O Conselho Nacional de Educação ao instituir as “diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em Pedagogia”, entre os objetivos da formação (art. 3º) destaca o de “conhecer e avaliar teorias da educação geradas no contexto brasileiro e da América Latina, estabelecendo diálogo com pensamentos oriundos de outros contextos, a fim de elaborar propostas educacionais consistentes e inovadoras”. Essa meta, para ser plenamente alcançada, necessita um currículo com ênfase nos fundamentos filosóficos, sociológicos e históricos da educação, em uma perspectiva comparada.

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A Disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia da PUCRS (1942-2002)

A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul constitui-se como universidade em 1948 e como pontifícia em 1950. O marco inicial foi o curso superior de Administração e Finanças criado em 1931.

O curso de Pedagogia da Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras do Rio Grande do Sul começa a funcionar em 1943, tendo sido autorizado pelo Decreto 9.696, de 15 de junho de 1942. (Decreto-Federal nº 17.398, de 19 de dezembro de 1942). Em 26 de setembro de 1968, pelo Decreto 63.284, é criada a Faculdade de Educação da PUCRS.

Em 1945, a disciplina de História da Educação é ministrada pelo professor catedrático Irmão Gelásio e pelo professor contratado Moacyr Empinotti, na segunda e terceira série do curso, respectivamente. Há registro de quatro formandos em 1945.

De 1945 a 2002, a disciplina teve vinte e três professores (anexo 1). Para ampliar a compreensão do ensino da disciplina na PUCRS, realizamos um levantamento de características comuns das biografias dos docentes que a ministraram (anexo 2). Constata-se que os professores advêm de formação bastante diversificada: pedagogia, filosofia, sociologia, história, No grupo de professores, identificamos alguns poucos que produziram artigos ou capítulos de livros integrados à temática da disciplina: Alda Cardoso Kremer , Edgar Hegemülle , Aidê Dill , Lenira Weil .

A carga horária da disciplina apresentou pouca variação ao longo do período analisado. De 1945 a 1961, o curso de Pedagogia era dividido por séries anuais, sendo a disciplina ministrada na segunda e terceira série do curso, com 4 horas-aula semanais. De 1962 a 1971, a disciplina passa a ser ministrada somente na primeira série, com carga horária de 4 horas semanais. A partir de 1972, a disciplina é semestralizada, sendo ministrada no primeiro e segundo semestre do curso, com a denominação de História da Educação I e História da Educação II, com carga horária semanal de 4 horas, totalizando 60 horas-aula em cada semestre. A partir de 1980, as disciplinas passam a ter carga-horária semestral de 45 horas-aula, com três horas-semanais.

Quanto à ementa da disciplina, somente a partir da década de 1970, os programas a apresentam uma descrição resumida do conteúdo do programa oficial. Isto é, anunciam um resumo ou sumário do que vai ser ministrado. Observa-se que essas ementas sumariam os conteúdos trabalhados, seguindo o programa que vinha sendo adotado nas disciplinas,

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sem mudanças aparentes. Na década dos anos 90, constata-se uma modificação significativa: as ementas passam a sinalizar um conjunto de intenções analíticas (anexo 3).

Para a análise dos conteúdos programáticos da disciplina, optamos por selecionar um plano para cada década como representativo do período, sem deixar de assinalar as mudanças observadas (anexo4). A ênfase dos programas recai em uma exposição linear da história, passando em revista a educação e a escola desde a antiguidade até a época contemporânea, com uma visão sobre as doutrinas pedagógicas e seus principais representantes. O olhar está centrado nas contribuições advindas da Europa.

O plano da disciplina datado de 1969 apresenta somente a listagem dos conteúdos programáticos, minuciosamente discriminados: conceito de história; finalidades da história; fatores que atuam no processo histórico; conceito de pedagogia, educação, concluindo com sentido do estudo da história da educação na formação de professores; metodologia no estudo de história da educação; variação do conceito de educação através da história – Antigüidade: entre os povos primitivos, entre as primeiras civilizações, na Antigüidade grega, em Esparta, em Atenas, os sofistas, Sócrates, Platão, Aristóteles, entre os romanos; na Idade Média: a interrupção do humanismo educacional com a invasão dos bárbaros no século V, o aparecimento de uma nova civilização influenciada pelo cristianismo, a educação dos leigos, a educação cristã, a educação dos camponeses, a educação dos letrados, as escolas dos mosteiros, as escolas catedrais ou episcopais e as escolas paroquiais, evolução histórica até a fundação das Universidades nos séculos XI, XII e XIII, as universidades, a escolástica; na Renascença; as concepções educacionais modernas; os métodos de ensino através da História: os métodos didáticos, os métodos atraentes, o método interrogativo, os métodos intuitivos, os métodos ativos. Observa-se uma ênfase na história da civilização, da Antigüidade clássica à Renascença, em uma visão macro da educação e das instituições escolares. Os pensadores gregos são os destacados para estudo, não havendo preocupação com as idéias pedagógicas gestadas em outros momentos históricos. Cabe ainda assinalar o destaque dado para os métodos de ensino, como unidade final da disciplina, o que dimensiona uma visão voltada à didatização da formação docente.

Na década de 1970, há ainda um cuidadoso detalhamento do conteúdo da disciplina História da Educação I e II, conforme já observado nas ementas. A seqüência adotada tem forte aproximação com o detalhamento programático proposto em 1942, com ênfase na história da educação geral, sendo a educação brasileira enfocada como uma unidade do

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programa. A disciplina História da Educação I inicia estudando o conceito de educação e pedagogia e suas correlações; o método e as fontes de estudo da História da Educação, seu valor e importância; a História da Educação entre os povos primitivos; a educação entre as culturas orientais; a educação grego-romana; a educação na cultura ocidental; a educação na renascença. A disciplina História da Educação II continua com os temas: época do naturalismo pedagógico; a educação geral humana na pedagogia da Revolução e do Neo-humanismo; a educação no século XIX, a educação no século XX; história da educação brasileira (estudo dos diversos períodos).

Nas décadas de 1980 e de 1990, os programas mantêm a mesma distribuição dos conteúdos programáticos: conceito de educação; educação e pedagogia e suas correlações; método de estudo da história da educação; fontes de estudo da história da educação, seu valor e importância; história da educação entre os povos primitivos; a educação entre as culturas orientais; a educação greco-romana; a educação cristã primitiva; a educação medieval; a educação no Renascimento, humanismo e educação reformada; educação e o liberalismo burguês; educação contemporânea. Para a História da Educação II ou Brasil, o conteúdo privilegia os momentos históricos consagrados pela historiografia: educação colonial; educação imperial; da República Velha ao Estado Novo; Educação brasileira: do fim do Estado Novo a 1964; Educação brasileira: de 1964 ao Brasil atual. O final dos anos 90, os programas da disciplina apresentam uma sensível modificação, privilegiando temas como a história da infância, da alfabetização, da formação docente.

Quanto aos procedimentos didáticos, assinalados nos planos da disciplina, há referência de que “além das preleções”, havia trabalhos objetivos, relatórios de leitura, observações e debates (década de 1970). Na década de 1980, observa-se o uso de filmes (O Nome da Rosa) como recurso didático, a pesquisa bibliográfica e a produção textual dos alunos a partir de questões formuladas previamente. Na década de 1990, a preocupação é a formação do aluno como pesquisador através de “pesquisa bibliográfica e empírica: desenvolvendo a criticidade, coerência, realidade, estudo e autonomia”. Um plano analisado apresenta um roteiro de pesquisa bibliográfica que sinaliza para quatro pontos:

questão de pesquisa – relações da educação de uma sociedade e/ou civilização ou período histórico, com as realidades econômicas, políticas, culturais, sociais e religiosas no contexto histórico e relações com a atualidade; objetivo – estabelecer relações, analogias, análises dos momentos históricos;pesquisa bibliográfica – através da pesquisa resgatar as questões de organização social, relações políticas e religiosas, propostas econômicas, culturais, e as questões educacionais (educadores, métodos, teorias, procedimentos contextualizados, proposta pedagógica com a preocupação de

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conquistar a visão de totalidade da educação no período); pesquisa empírica – observação e/ou entrevista com pessoas fontes (através de instrumento construído previamente) evidenciando os conhecimentos estudados, para que assim, critérios e análises do que foi pesquisado possa ser explicitado e produzido textualmente (1999).

A preocupação em formar o pesquisador fica evidenciada na avaliação, quando são definidas as exigências de produção textual, participação em seminários e trabalhos em grupos para a pesquisa de campo.

Quanto à avaliação, na década de 1970 e de 1980, há indicação de sabatinas e provas escritas, fichas de leitura e documentação de pesquisas, freqüência e participação. O exame de alguns exemplares de provas permite verificar que a avaliação residia sobre o conteúdo ministrado, com ênfase na memória de fatos, datas, nomes, etc. As provas sinalizam as leituras realizadas e utilizadas pelo professor para formular as questões, pois apresentam excertos das obras de Roger Gal (1955;1968), Frederick Mayer (1960;1967), René Hubert (1948;1952), Robert Ulrich (1945;1970), a maioria em edições em espanhol (Paidós/Buenos Aires). Nóvoa (1994, p. 33) assinala esses manuais com predominância na Europa entre a Segunda Guerra Mundial e os anos de 1960.

Nos anos de 1980, a bibliografia indicada de História da Educação I (Geral) recomenda os manuais clássicos, produzidos na década de 1960 e 1970 - Abbagnano, N; Visalberghi, A. História da pedagogia (1957); Luzuriaga, Lorenzo. História da Educação e da pedagogia (1969), Dicionário de Pedagogia (1960); Marrou, Henri-Irenée. História da Educação na Antigüidade (1973); Monroe, Paul. História da Educação (1958); Larroyo, Francisco. História Geral da Pedagogia (1970); Eby, Frederick. História da Educação Moderna (1976-2ªed); mas, apresentam alguns manuais mais atualizados, em uma perspectiva mais crítica e analítica da história da educação - Ponce, Aníbal. Educação e luta de classes (1981); Manacorda, Mário. História da Educação (1989). Entre os autores brasileiros de manuais de história da educação destacam-se: Rosa, Maria da Glória. História da Educação através de textos (1971); Peixoto, Afrânio. Noções de História da Educação (1933); as obras de Nunes, Rui Afonso da Costa – História da Educação na Antiguidade Cristã (1978), História da Educação na Idade Média (1979), História da Educação no renascimento (1980), História da Educação no século XVII (1981); Piletti, Cláudio & Piletti, Nelson. Filosofia e história da educação (1993); Aranha, Maria Lucia de Arruda. História da Educação (1989); Gadotti, Moacyr. História das Idéias Pedagógicas (1993). Além destes, os planos incluem bibliografia

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de leitura geral, em que há indicação de obras fundamentais de Dewey, Gramsci, Durkheim, Rousseau.

Para a disciplina História da Educação II (Brasil), a bibliografia indicada, de forma sistemática pelos planos da década de 1980, é de produção mais recente e constam de obras de: Ribeiro, Maria Luisa. História da Educação Brasileira (1978); Romanelli, Otaíza. História da Educação no Brasil (1980-2ªed); Chagas, Valmir. Educação Brasileira. O ensino de 1º e 2º graus (1982- 3ªed); Werebe, Maria José Garcia. Grandezas e Misérias do Ensino no Brasil (1968-3ªed); Nagle, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República (1974); Teixeira, Anísio. Educação no Brasil (1969); Lima, Lauro de. Estórias da Educação no Brasil: de Pombal a Passarinho (1960-3ªed); Azevedo, Fernando de. A Cultura Brasileira (1971-5ªed); Freitag, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade (1979-3ªed); Freire, Paulo (várias obras); Saviani, Dermeval (várias obras); Barros, Roque Spencer Maciel de. Diretrizes e Bases da educação (1960).

Nos planos dos anos 90, permanecem muitas das obras já assinaladas, mas são incluídos autores identificados com a tendência mais crítica da escola capitalista: Apple, Michael. Educação e poder (1989), Ideologia e Currículo (1982); Enguita, Mariano. A face oculta da escola (1989); Durand, José Carlos. Educação e hegemonia de classes (1983); Pistrack, A escola do Trabalho (1981). Para a disciplina de história da Educação no Brasil destacam-se nomes como Luis Antonio Cunha, Carlos Jamil Cury, Celso Beisegel, Edgar Carone, Carlos Brandão, Raimundo Faoro, Manfredo Berger, Leôncio Basbaun, Xavier, Maria Elisabeth e outros. História da Educação. A escola no Brasil (1995). Como assinala Bontempi Junior (2002), há uma aproximação da história da educação com a literatura produzida na área da sociologia da educação. No entanto, não se percebe uma apropriação significativa dos estudos e pesquisas produzidas na área.

Atualmente, no curso de Pedagogia da PUCRS, as disciplinas História da Educação I e História da Educação II são ministradas no primeiro e no segundo semestre, respectivamente, dos cursos de Pedagogia Educação Infantil, Pedagogia - Séries Iniciais do Ensino Fundamental, Pedagogia – Educação Especial (Deficientes Mentais) com carga horária de 45 horas, cada uma, com três períodos semanais. O curso Pedagogia - Multimeios e Informática Educativa, criado em 1998, não incluiu a disciplina, mas no novo currículo, adotado a partir de 2003, inclui uma disciplina de História da Educação, no primeiro semestre, com 45 horas. Os cursos de Pedagogia – Orientação Educacional e Supervisão Escolar (currículo em suspensão) e de Psicopedagogia não apresentam a disciplina no currículo.

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Concluindo

Nóvoa (1996, p.421) ao analisar um conjunto de programas da disciplina História da educação, em Portugal, identifica quatro tendências, que de forma similar, buscando uma síntese, podemos adotar para os programas analisados:

1. o ensino está organizado segundo uma perspectiva cronológica;

2. os planos estão organizados segundo uma lógica descritiva e/ou interpretativa das idéias, fatos educativos, projetos;

3. a maioria dos programas, até a década de 90, incide no período da antiguidade clássica, medieval, renascença e tempos modernos, com menor ênfase na época contemporânea;

4. no que diz respeito à dicotomia nacional/internacional, os programas privilegiam uma visão da educação em uma perspectiva universal, abarcando toda a história da humanidade, com ênfase na história ocidental.

Constata-se uma permanência nos planos da disciplina História da Educação I e História da Educação II, ao longo do período analisado, com ênfase em uma visão linear e cronológica, com parâmetros consagrados pela historiografia da história política internacional e do Brasil, com forte tendência a uma perspectiva progressista e romântica da história da educação. Isto é, não são as questões provenientes da educação que remetem para a organização do conteúdo a ser trabalhado. Saviani (1982, p.34), na década de oitenta, já assinalava que a disciplina é ministrada com uma ênfase muito forte na primeira palavra da locução; isto é, a educação estaria secundarizada frente à história.

O conteúdo privilegiado reside na organização escolar e nas idéias pedagógicas , com ênfase em eventos, autores e marcos temporais consagrados pela historiografia, como já assinalado em outros estudos (Nunes, 1996, 2003; Kreutz, 1996; Faria Fº, Rodrigues, 2003), o que limita uma perspectiva historicizante do processo sócio educacional e pedagógico.

Há, ainda, uma dificuldade de articular os dois semestres da disciplina como um todo orgânico, integrando o nacional com o internacional e o internacional com o nacional. Isto é, partindo da inserção do Brasil no mundo moderno, articular os principais eventos nacionais e internacionais relativos à educação.

Nos planos pesquisados, não se encontra nenhuma referência à história da educação do Rio Grande do Sul, o que permitiria uma abordagem da educação transitando entre o local, o regional e o nacional. Também se constata a ausência de temas ligados à educação na América

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Latina, que possibilitaria uma compreensão dos problemas da educação em uma perspectiva comparada.

Com a intenção de ilustrar outras possibilidades de organização do programa da disciplina, especialmente o de história da educação ou da pedagogia no mundo, apresenta-se algumas sugestões:

1. Nóvoa (1994, p. 120) propõe uma organização de conteúdo para a disciplina que inova a tendência geral de uma abordagem com ênfase na cronologia dos fatos e das idéias pedagógicas. O objetivo da disciplina deve permitir a aquisição do conhecimento histórico da realidade educativa e os instrumentos e técnicas da investigação histórico-educativa. Assim, divide o curso em aulas teóricas e práticas visando à formação do professor pesquisador:

Aulas teóricas: 1. O lugar da História da Educação; 2. Produção e consolidação do modelo escolar (século XVI-XVIII); 3. A criação de um sistema estatal de ensino (século XVIII); 4. A consolidação de um sistema estatal de ensino (século XIX); 5. Para uma história quantitativa do sistema de ensino (séc. XIX e XX); 6. I República: das intenções generosas ao desengano das realidades; 7. A lenta alfabetização dos portugueses (séc. XIX e XX); 8. O processo de profissionalização do professorado (séc. XVIII-XX); 9. Educação Nova: a inovação pedagógica dos anos 20; 10. Da identidade à pluralidade das Ciências da Educação (e vice-versa); 11. A “Educação Nacional” (1930-1960); 12. A educação portuguesa ao ritmo internacional (1960-1990); 13. Formação de professores e Ciências da Educação; 14. Reformas educativas e Ciências da educação.

Aulas Práticas: 1. Apresentação das aulas práticas: reflexão metodológica; 2. Utilização de fontes secundárias; 3. Fontes primárias: roteiro de arquivos; 4. Fontes primárias: legislação; 5. As estatísticas escolares: usos e desusos; 6. Trabalhos dos alunos e manuais escolares; 7. Formação de professores: perspectivas históricas; 8. Educação de adultos: perspectivas históricas; 9. Administração educacional: perspectivas históricas; 10. Educação especial: perspectivas históricas; 11. A imprensa de educação e ensino; 12. Fontes iconográficas, fílmicas e materiais; 13. Biografias, autobiografias e história oral; 14. Bases de dados e organização de bibliografias; 15. Regras de apresentação dos trabalhos (escritos e orais). (Nóvoa, 1994, p. 123-124)

2. Compère (1995) sugere abordar a disciplina História da Educação a partir de quatro grandes temas: a alfabetização, a infância, a juventude, a universidade e sociedade. Essa sistemática permite uma melhor articulação entre o nacional e o internacional, assim como uma maior aproximação dos problemas do presente com o passado e do passado com o presente.

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3. Gauthier e Tardif (1998) elaboram um manual de história da pedagogia, seguindo uma linha cronológica, desde a Antigüidade aos nossos dias, mas com ênfase na teoria e na prática pedagógica. Para os autores, “La pédagogie: theóries et pratiques de l’Antiquité à nos jours” é um guia de viagem, uma referência para orientar o pensamento e eventualmente o agir. Meirieu, no prefácio, diz que a proposta dos autores é “fazer questão” e “fazer sentido”, mostrando que a “pedagogia humanista” ou os postulados da pedagogia libertária não merecem simplesmente serem conhecidos para enriquecer nossa cultura geral, nem para manter viva uma memória daquilo que construímos, mas trazer as questões que são sempre atuais e as soluções propostas. Os autores, depois de examinar as tendências importantes da história da pedagogia, apresentam os debates que atualmente estão em curso sobre a difícil questão das finalidades e dos métodos da educação. A obra está dividida em três partes, com 14 capítulos, os quais se iniciam sempre com um quadro sumário do conteúdo, do resumo, de questões para discussão em aula e de bibliografia:

“Parte 1 - A evolução das idéias e das práticas pedagógicas da Antigüidade aos nossos dias: Os gregos antigos e a fundação da tradição educativa ocidental, O nascimento da escola na Idade Média, A Renascença e a educação humanista, O século XVII e o problema do método de ensino ou o nascimento da pedagogia, Jean-Jacques Rousseau: o Copérnico da pedagogia;

Parte II - A evolução das idéias e das práticas pedagógicas contemporâneas: o século XX: Da pedagogia tradicional à pedagogia nova, Maria Montessori: a criança e a educação, A pedagogia Freinet, Alexander S. Neil e a pedagogia libertária; O projeto de criação de uma ciência da educação no século XX: análise e comparação de duas psicologias científicas, Rudolf Steiner e a corrente espiritualista, Carl Rogers e a pedagogia aberta;

Parte III – A situação de Quebec: evolução e estado atual: O pessoal docente de Quebec no século XX, As ideologias dos programas escolares em Quebec da metade do século XIX aos nossos dias, A Pedagogia e o amanhã.

Ao finalizar, é importante destacar a necessidade de avançarmos a pesquisa sobre o ensino da história da educação nos cursos de formação de professores. Um desafio aponta para a necessidade de um estudo aprofundado dos livros-texto adotados na disciplina, cujo conteúdo e estrutura sinalizam para uma tradição disciplinar adotada ao longo do século XX . Ao mesmo tempo, é importante analisar as recentes produções de manuais didáticos para a disciplina . Outro enfoque poderia ser encaminhado na direção de ouvir os docentes da disciplina para analisar a operacionalização adotada por cada um dos programas, as dificuldades,

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sugestões, o que permite avançar as questões relativas à produção de pesquisa e sua apropriação no ensino da disciplina.

Enquanto a década de noventa, do século XX, foi dedicada à ampliação da pesquisa e da discussão historiográfica da educação no Brasil, com novos temas e com novas e múltiplas abordagens (Ghiraldelli, 1993, p.50); a primeira década do século XXI necessita centrar esforços no sentido de aproximar da sala de aula, dos cursos de formação de professores, essa rica produção, revendo os conteúdos, procedimentos didáticos e bibliografia dos programas das disciplinas de História da Educação e da História da Educação do Brasil. Nessa perspectiva, também é importante instigar os professores da disciplina a terem novos olhares e abordagens vinculadas à história da cultura escolar. Outro desafio seria estender a disciplina para os demais cursos de formação de professores , pois os futuros docentes devem ter oportunidade de refletir sobre a natureza, as finalidades, as origens e as transformações do seu ofício, o que “contribui tanto para o desenvolvimento da reflexão pedagógica como para o debate democrático sobre a educação nas sociedades” (Meirieu, 1998, p.XIV).

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ANEXO 1 Professores da disciplina História da Educação na PUCRS (1942-2002)

Ano Disciplina Professor 1942 História da Educação 1943 História da Educação 1944 História da Educação

1945 História da Educação 2ª série - Irmão Gelásio (Oscar Mombach) 3ª série - Irmão Moacyr Empinotti

1946 História da Educação Irmão Gelásio (Oscar Mombach) 1947 História da Educação Irmão Dionísio Felix 1948 História da Educação 2ª série – Irmão Dionísio Felix

1949 História da Educação Irmão Dionísio Felix Irmão José Otão

1950 História da Educação 1951 História da Educação 1952 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci 1953 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci 1954 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci 1955 História da Educação 1956 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci 1957 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci 1958 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci 1959 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci 1960 História da Educação 2ª e 3ª série - Ângelo Ricci

1961 História da Educação 2ª série - Angelo Ricci 3ª série - Alda Cardoso Kremer

1962 História da Educação 1963 História da Educação 1964 História da Educação 1965 História da Educação 1966 História da Educação 1967 História da Educação Ely Carlos Petry 1ªsérie 1968 História da Educação Ely Carlos Petry 1969 História da Educação Ely Carlos Petra 1ª série

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201

1970 História da Educação Ely Carlos Petry 1971 História da Educação Ely Carlos Petry

1972/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle Ely Carlos Petry

1972/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle Ely Carlos Petry

1973/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle 1973/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle 1974/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle 1974/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle 1975/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle 1975/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle 1976/1 História da Educação I e II – Taurio Brand (horista) 1976/2 História da Educação I e II – Taurio Brand (horista) 1977/1 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle 1977/2 História da Educação I e II – Irmão Edgard Hegemülle

1978/1 História da Educação I – Maria Renate Alves II – Berta Weil Ferreira

1978/2 História da Educação I – Maria Renate Alves II – Berta Weil Ferreira

1979/1 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon 1979/2 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon 1980/1 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon 1980/2 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon

1981/1 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon Maria de Loudes da Cunha

1981/2 História da Educação I– Heitor Scomazzon Maria de Loudes da Cunha II - Heitor Scomazzon

1982/1 História da Educação I – Heitor Scomazzon II – Taurio Brand

1982/2 História da Educação I e II – Heitor Scomazzon

1983/1 História da Educação I – Lenira Weil Ferreira II – Taurio Brand

1983/2 História da Educação I – Lenira Weil Ferreira II – Taurio Brand

1984/1 História da Educação I – Aide Campello Dill Lenira Ferreira II – Taurio Brand

1984/2 História da Educação I – Aide Campello Dill Lenira Ferreira II – Taurio Brand

1985/1 História da Educação I – Lenira Weil Ferreira II – Clarissa Coiro Lenira Ferreira

1985/2 História da Educação I – Lenira Weil Ferreira II – Clarissa Coiro Lenira Ferreira

1986/1 História da Educação I – Lenira Weil Ferreira II – Lenira Ferreira

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202

Clarissa Coiro Raquel Morais

1986/2 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Lenira Ferreira

1987/1 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Lenira Ferreira

1987/2 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Lenira Ferreira

1988/1 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Lenira Ferreira

1988/2 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Lenira Ferreira

1989/1 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Ivonilda Mello Hansen

1989/2 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Salete Campos de Moraes

1990/1 História da Educação

I – Clarissa Coiro II – Alfredo da Silva Schlorke Salete Campos de Moraes Solon Eduardo Annes Viola

1990/2 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Alfredo da Silva Schlorke Salete Campos de Moraes

1991/1 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Alfredo da Silva Schlorke Salete Campos de Moraes

1991/2 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Alfredo da Silva Schlorke Salete Campos de Moraes

1992/1 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Alfredo da Silva Schlorke Salete Campos de Moraes

1992/2 História da Educação I – Clarissa Coiro II – Alfredo da Silva Schlorke Salete Campos de Moraes

1993/1 História da Educação I e II - Salete Campos de Moraes

1993/2 História da Educação I - Salete Campos de Moraes II - Lenira Weil Ferreira

1994/2 História da Educação I - Salete Campos de Moraes II - Lenira Weil Ferreira

1995/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira 1995/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira 1996/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira 1996/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira 1997/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira 1997/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira 1998/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira

1998/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira I – Salete Campos de Moraes

1999/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira

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203

1999/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira 2000/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira 2000/2 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira

2001/1 História da Educação I – Maria Elly Genro II – Lenira Weil Ferreira

2001/2 História da Educação I – Maria Elly Genro II – Lenira Weil Ferreira

2002/1 História da Educação I e II - Lenira Weil Ferreira

2002/2 História da Educação Maria Elly Genro Daisy Braighi Afonso Strehl

ANEXO 2 Formação dos Professores da disciplina História da Educação na PUCRS (1942-2002)

PROFESSOR Licenciatura Especialização Mestrado Doutorado

Afonso Strehl

Pedagogia – Orientação Educacional – PUCRS, 1976.

Educação – UFRGS, 1979.

Educação – PUCRS, 1999.

Aidê Capello Dill História – PUCRS, 1984

Alda Cardoso Kremer

Geografia e História – UFRGS, 1947.

Alfredo da Silva Schlorke

Pedagogia – FAPA, 1973.

Metodologia do Ensino Superior – UFRGS, 1979; Aconselhamento Psicopedagógico – PUCRS, 1985.

Educação – PUCRS, 1989.

Psicologia – Universidad Pontifícia de Salamanca – UPSA, 2000.

Angelo Ricci

Berta Weil Ferreira

Licenciatura em Pedagogia – PUCRS, 1965; Bacharel em Pedagogia – PUCRS, 1966.

Educação – PUCRS, 1973.

Educação – PUCRS, 1992.

Clarissa Coiro Psicologia – PUCRS, 1980.

Daisy Braighi

Pedagogia Magistério das Matérias Pedagógicas – PUCRS, 1993; Pedagogia Administração Escolar – PUCRS, 1994.

Educação – PUCRS, 1999.

Ely Carlos Petry Filosofia – Educação –

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204

FFNSIM, 1956; Pedagogia – FFNSIM, 1961; Didática e pedagogia – PUCRS, 1963.

PUCRS, 1977 Livre-docente – PUCRS, 1977.

Heitor Scomazzon

Irmão Dionísio Félix

Irmão Edgard Hegemülle

Pedagogia – PUCRS, 1962

Educação –UNISINOS, 1997

Irmão Gelásio

Ivonilda Mello Hansen

Ciências Sociais – PUCRS, 1973.

Sociologia Industrial – PUCRS, 1988.

Sociologia – UFRGS, 2004.

Lenira Weil Ferreira

Ciências Jurídicas e Sociais – PUCRS, 1979.

Métodos Educacionais PUCRS, 1983.

Educação – PUCRS, 1984.

Filosofia e História da Educação – PUCRS, 1994.

Maria de Lourdes Cunha

Maria Ely Genro Filosofia –UFSM, 1982. Educação –

PUCRS, 1992. Educação – UFRGS, 2000.

Maria Renate Alves

Moacyr Empinotti

Raquel Moraes

Salete Campos de Moraes

Licenciado em Ciências Sociais – PUCRS, 1984; Bacharel em Ciências Sociais – PUCRS, 1980; Licenciado em Estudos Sociais – PUCRS, 1978.

Supervisão Escolar – FAPA, 1997.

Sociologia – UFRGS, 1993.

Educação – UNISINOS, 2004.

Solon Eduardo Annes Viola

História – UFRGS, 1981.

História do Rio Grande do Sul – UFRGS, 1982.

História – UNISINOS, 1996.

Ciências Sociais Aplicadas – UNISINOS, 2000.

Taurio Edmundo Brand

Pedagogia – PUCRS, 1989. Educação –

PUCRS, 2000. Educação – PUCRS, ?

A disciplina de História da Educação também foi ministrada pela

professora Marilene Cardoso, no curso de Pedagogia/ Educação Especial.(Graduação em Pedagogia – Educação Especial – PUCRS, 1989.

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205

Mestrado em Educação – PUCRS, 2000. Doutorado em Educação – PUCRS, 2004).

ANEXO 3 Ementas da disciplina História da Educação – PUCRS (1972-2002)

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I E II 1972

Introdução. Variação do conceito educacional através da história da Antiguidade. Na Renascença e na Idade Moderna. O método de ensino através da história. O meio de ação.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I 1979 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO II 1979

História Geral, História da Cultura e História da Educação. Ciências da Educação e História da Pedagogia. História dos povos primitivos. Educação antiga: oriental (Egito, Palestina, Pérsia, Índia, China); Ocidental (Grécia e Roma e Cristianismo nascente). Educação Medieval. Educação Humanista e Renascimento. Educação, Reforma e Contra-Reforma. Educação realista (século XVII.) Educação e século das Luzes (século XVIII). Educação e Pedagogia Científica (século XIX). Escola Nova, métodos ativos e tendências atuais da educação (século XX). Perspectivas da educação.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I 1980

Conceitua Educação e relaciona os conceitos de Educação e Pedagogia; descreve o método de estudo da História da Educação, suas fontes de estudo, seu valor e importância; situa a Educação em vários contextos históricos: povos primitivos, culturas orientais, greco-romanas, cristã primitiva e medieval; analisa a Educação no Renascimento, o Humanismo e a Educação reformada, o liberalismo burguês e a Educação contemporânea.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I 1980 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I E II 1983

Conceituação da história da educação e pedagogia. Estudo da educação primitiva, oriental, grega e romana. Estudo da educação primitiva e medieval. Estudo da educação reformada. Estudo da educação nos séculos XVII e XVIII. As disciplinas de História da Educação I e II têm o objetivo de estabelecer relações, comparações, analogias e análises dos momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais e culturais. A ênfase é o contexto educacional de uma determinada cultura com o momento atual, onde seja referendado o estudo desta cultura e o seu contraponto com a realidade.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO II 1991

A disciplina trabalha o desenvolvimento da Educação no Brasil, abrangendo o período que vai do Brasil Colônia até a Nova República

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I 1995

Conceitua Educação e relaciona os conceitos de Educação e Pedagogia; descreve o método de estudo da História da Educação, suas fontes de estudo, seu valor e importância; situa a Educação em vários contextos históricos: povos primitivos, culturas orientais, greco-romanas, cristã primitiva e medieval; analisa a Educação no Renascimento, o Humanismo e a Educação reformada, o liberalismo burguês e a Educação contemporânea.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I 1998/2

Estuda a evolução da educação desde a história primitiva até a época contemporânea, estabelecendo relações, comparações e análises dos diferentes momentos históricos com as questões políticas, econômicas sociais e culturais. Contextualiza a História da Educação de uma determinada cultura e o momento atual, referendando o estudo desta cultura e a um contraponto com a realidade.

HISTÓRIA DA A disciplina de História da Educação tem o objetivo de estabelecer

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206

EDUCAÇÃO I E II 1999

relações, comparações, analogias e análises dos momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais e culturais, que são fundamentalmente educacionais. A ênfase é o contexto histórico educacional de determinada cultura, referendando sua historicidade e o contraponto com a contemporaneidade. A disciplina tem o objetivo de estabelecer nova cultura no aluno: como pesquisador.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I E II 2000/1

Estabelecimento de relações, comparações, analogias e análises dos momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais e culturais, que são fundamentalmente educacionais. A ênfase é o contexto histórico educacional de determinada cultura, referendando sua historicidade e o contraponto com a contemporaneidade. A disciplina tem o objetivo de estabelecer nova cultura no aluno: como pesquisador.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I 2001/1

A disciplina de História da Educação tem o objetivo de estabelecer relações, comparações, analogias e análises dos momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais e culturais, que são fundamentalmente educacionais. A ênfase é o contexto histórico educacional de determinada cultura, referendando sua historicidade e o contraponto com a contemporaneidade. A disciplina tem o objetivo de estabelecer nova cultura no aluno: como pesquisador.

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO I 2002/2

Estudo do processo educacional nos diferentes períodos históricos, estabelecendo relações, comparações, analogias e análises dos momentos históricos com as questões políticas, econômicas, sociais e culturais, que são fundamentalmente educacionais. Ênfase no contexto histórico educacional de determinada cultura, referendando sua historicidade e o contraponto com a contemporaneidade. A disciplina tem o objetivo de estabelecer nova cultura no aluno: como pesquisador.

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Maria Helena Camara Bastos. Doutora em educação - História e Filosofia da Educação; Pós-doutora no Service d’histoire de l’éducation/INRP-França; Professora do PPGE/PUCRS; Pesquisadora do CNPq.

Fernanda de Bastani Busnello. Aluna do sétimo semestre do curso de Psicopedagogia/PUCRS e bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq (2004-2006).

Elizandra Ambrosio Lemos. Aluna do sétimo semestre do curso de Psicopedagogia/PUCRS e bolsista de Iniciação Científica FAPERGS (2005-2006).

Page 213: História da Educação - RHE - n. 19

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 213-228, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Aspectos da trajetória da disciplina História da Educação no curso de Pedagogia do Centro

Universitário Franciscano de Santa Maria: temas clássicos e ordem cronológica

Claudemir de Quadros

Resumo

Este artigo apresenta alguns aspectos da constituição da disciplina História da Educação no curso de Pedagogia do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria. Abrange um olhar sobre a organização curricular do curso, sobre o programa e a bibliografia da disciplina e procura analisar o funcionamento desta a partir de uma perspectiva que questiona a sua forma de operacionalização vinculada, ainda, a uma perspectiva cronológica e linear.

Palavras-chave: Curso de Padagogia; disciplina História da Educação.

Abstract

This article presents some aspects of the constitution of the subject History of Education in the course of Pedagogy of Centro Universitário Franciscano of Santa Maria. It includes a view of the curriculum organization, the syllabus and bibliography of the subject and tries to analyse its operation from the perspective that questions its form of development linked to a chronological and linear perspective.

Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline.

Page 214: História da Educação - RHE - n. 19

214

Introdução

O Centro Universitário Franciscano de Santa Maria é uma instituição de ensino superior confessional católica. A trajetória dessa instituição remonta ao ano de 1835, quando foi criada, em Heythuysen, Holanda, pela Madre Madalena Daemen, a Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã. Essa congregação tinha por finalidade a educação das crianças na localidade de Heythuysen. Poucos anos depois, a escola também ministrava a formação de professores por meio da Escola Normal.

Dentre as motivações para o estabelecimento dessa congregação no Brasil, cabe destacar a imigração alemã para o Rio Grande do Sul e a política do Estado alemão - kulturkampf - que restringia as atividades religiosas católicas nas escolas.

Segundo Silva (1997, p. 20),

desde 1828, viviam grupos de colonos alemães no estado sulino do Brasil. Em 1859, padres jesuítas estabeleceram-se em São Leopoldo e assumiram a assistência religiosa junto aos imigrantes. Um deles, o padre Feldhaus, tendo conhecimento da Congregação das Irmãs Franciscanas, na Alemanha, dirigiu, em 1868, uma solicitação à Superiora Geral, madre Aloísia, pedindo algumas irmãs. No começo, bastariam duas que se dedicassem à educação da juventude feminina.

Logo em seguida a sua chegada a São Leopoldo, em 2 de abril de 1872, as irmãs deram início a sua missão de “educar a juventude feminina”. No primeiro dia de aula, 5 de abril, compareceram 23 alunas. Como não havia “sala disponível na casinha, as aulas foram dadas ao ar livre, à sombra de uma laranjeira. Mas os três velhos bancos escolares não suportaram o peso das alunas e quebraram-se no primeiro dia” (Ibid, p. 21).

A partir da sua instalação em São Leopoldo, a tendência da Congregação foi de expansão. A vinda de grupos de religiosas da Europa e a admissão de brasileiras na congregação levou à fundação, em Santa Cruz do Sul, em 1874, de um noviciado. Em 1942, já existiam 42 casas da Congregação no Brasil, “com 848 irmãs que se entregaram aos mais diversos trabalhos para o bem da Igreja e da humanidade” (Ibid, p. 22). Foi em função dessa expansão que, em 25 de março de 1951, a Congregação foi dividida em duas províncias: a do “Sagrado Coração de Jesus”, com sede em Porto Alegre, e a do “Imaculado Coração de Maria”, com sede em Santa Maria.

Page 215: História da Educação - RHE - n. 19

215

Em Santa Maria, as irmãs franciscanas já desenvolviam atividades desde 1903, concomitantemente à instalação do Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo. Dois anos mais tarde, em março de 1905, foi criado o Colégio Sant’Anna. O trabalho da Congregação também está registrado no Colégio Santa Teresinha, pertencente à Cooperativa dos Ferroviários, hoje Colégio Estadual Manoel Ribas; na Casa de Saúde; no Educandário São Vicente de Paulo; na Escola Santo Antônio; no serviço de assistência social e na cooperação à Diocese de Santa Maria.

A partir de meados dos anos de 1950, aprofundaram-se as discussões com vistas à constituição e instalação de instituições e de cursos superiores em Santa Maria. Esse trabalho teve continuidade nos anos seguintes e culminou, em 1955, com a instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição” e com a autorização, pelo Conselho Nacional de Educação, para funcionamento dos dois primeiros cursos: o de Pedagogia e o de Letras Anglo-Germânicas. Esses cursos, que iniciaram o seu funcionamento em 1956, tinham a direção de “formar candidatos ao magistério secundário e normal, promover e facilitar a prática de investigações originais, contribuir para o desenvolvimento de uma cultura intelectual informada pelos princípios cristãos e pelas diretrizes pontifícias” (Ibid, p. 37). Logo a seguir, em 1957, entraram em funcionamento os cursos de História, Geografia e Letras Neolatinas. Em 1958, foram autorizados os cursos de Filosofia, Matemática e Didática. Funcionaram também o curso de Orientação Educacional e os cursos Polivalentes de Letras e Estudos Sociais. Concomitantemente à implantação da FIC, foi criada a Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora Medianeira - Facem, que oferecia o curso de Enfermagem, único de nível universitário no interior do Estado do Rio Grande do Sul, na época.

Até 1995, a FIC e a Facem funcionaram isoladamente, seguindo as políticas estabelecidas pela mantenedora. Em 14 de novembro de 1995, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras "Imaculada Conceição" e a Faculdade de Enfermagem "Nossa Senhora Medianeira" foram unificadas e passaram a se denominar Faculdades Franciscanas - Fafra. Logo a seguir, em 1998, por transformação das Faculdades Franciscanas, constituiu-se o Centro Universitário Franciscano de Santa Maria - Unifra.

Em 2005, estão em funcionamento oito cursos vinculados à formação de professores: Filosofia, Geografia, História, Letras: Português e Inglês e Respectivas Literaturas, Letras: Português e Literaturas da Língua Portuguesa, Matemática, Pedagogia: Magistério da Educação Infantil e Pedagogia: Magistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Desde 1957, 7.685 estudantes concluíram os cursos de formação de professores mantidos pela instituição.

Page 216: História da Educação - RHE - n. 19

216

Currículo, programa e bibliografia

No Brasil, a introdução da disciplina História da Educação deu-se, inicialmente, no currículo da Escola Normal do Rio de Janeiro em 1928, no âmbito da reorganização do curso de formação para o magistério proposta por Fernando de Azevedo a partir de 1927. Para Vidal e Faria Filho (2003, p. 46), “a disciplina surgia no contexto das reformas que, nos anos 1920, pretendiam modificar a educação nacional, introduzindo princípios da escola ativa, posteriormente aglutinados em torno do ideal da escola nova no ensino primário.” 1

No Centro Universitário Franciscano de Santa Maria, a disciplina de História da Educação, desde a implantação dos cursos de formação de professores em 1955, esteve vinculada apenas ao curso de Pedagogia e a sua organização e carga horária variaram em decorrência das mudanças que acorreram nas estruturas curriculares, no geral motivadas pela legislação oriunda do governo federal.

Nas décadas de 1950-60, o currículo do curso correspondia ao esquema “3+1”, que se constituía, então, como padrão federal dos cursos de formação de professores, em que o estudante, em três anos, obtinha o título de bacharel e, após mais um ano do curso de Didática, era habilitado a lecionar.

O currículo do curso previa 150 horas dedicadas à história da educação, distribuídas na segunda e na terceira séries.

Quadro 1 - Currículo do curso de Pedagogia de 1955.

1a série Complementos de Matemática História da Filosofia Sociologia Fundamentos Biológicos da Educação Psicologia Educacional Introdução à Teologia 2a série História da Educação Estatística Educacional

1 Ver: a) GATTI JÚNIOR, Décio; INÁCIO FILHO, Geraldo (Orgs.). História da educação em perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas investigações. Campinas: Autores Associados, 2005; b) NUNES, Clarice. O ensino da história da educação e a produção de sentidos na sala de aula. Revista Brasileira de História da Educação. São Paulo: SBHE, n. 6, 2003, p. 115-158; c) FARIA FILHO, Luciano Mendes; RODRIGUES, José Roberto Gomes. A história da educação programada. Revista Brasileira de História da Educação. São Paulo: SBHE, n. 6, 2003, p. 159-175; d) NUNES, Clarice. Ensino e historiografia da educação: problematização de uma hipótese. Revista Brasileira de Educação, São Paulo: Anped, n. 1, jan./abr. 1996, p. 67-79.

Page 217: História da Educação - RHE - n. 19

217

Fundamentos Sociológicos da Educação Psicologia Escolar Teologia Dogmática 3ª série História da Educação Psicologia Educacional Administração Escolar Educação Comparada Teologia Moral Filosofia da Educação 4º série Didática Geral Curso de Didática Didática Especial da Pedagogia Doutrina Social da Igreja Fonte: Silveira et al, 2005.

O programa da disciplina que, com algumas alterações, discriminação mais ou menos detalhada, vigorou entre 1955 e 1994 foi marcado por três dimensões: a) a sua amplitude e generalidade: abrangia, numa visão panorâmica, o estudo da história da educação desde os povos primitivos até a contemporaneidade; b) um importante fundamento religioso, expressão do que Clarice Nunes (1996, p. 70) entende como a “permanência dos valores de uma civilização cristã”; c) a história da educação brasileira ficava restrita a uma síntese nas penúltimas unidades do programa.

Quadro 2 - Programa da disciplina História da Educação em 1955.

Curso: Pedagogia Disciplina: História da Educação I Carga horária semestral: 75h

I. Conceito de educação. II. Educação, pedagogia, filosofia.

III. Educação nas sociedades primitivas. IV. A educação do tipo oriental: valor do “Livro Sagrado”. V. O tipo helênico de civilização: a educação helênica nas suas fases fundamentais.

VI. A educação romana durante a Realeza, República e Império. VII. A educação nos primeiros tempos do cristianismo.

VIII. A educação da Idade Média. IX. A educação no humanismo e no Renascimento. X. Reforma protestante. Contra-reforma. Educação moderna: racionalismo e o

empirismo. XI. A educação católica do séc. XVII: São J. B. de La Salle

Curso: Pedagogia Disciplina: História da Educação II Carga horária semestral: 75h

I. O iluminismo na Inglaterra e na França. II. J. J. Rousseau.

III. A enciclopédia e a Revolução Francesa. IV. As idéias pedagógicas de E. Kant.

Page 218: História da Educação - RHE - n. 19

218

V. As idéias educacionais de Renascimento. Pestalozzi, Padre Girard, Froebel. VI. A pedagogia psicológica: Herbart.

VII. A educação nos Estados Unidos: de Horace Mann a William James. VIII. Educadores católicos contemporâneos: São João Bosco.

IX. Exame das últimas idéias e práticas educativas: A. Manjon, M. Montessori. S. Hensen F. G. Foster.

X. A educação no Brasil: de Anchieta à República. XI. Leis, educadores, escolas do período republicano.

XII. Rumos atuais da educação no Brasil. Fonte: Derca.

Alguns relatos dão conta que as aulas, “eram expositivas, muito tradicionais” e que era difícil “conseguir material para pesquisa, pois havia poucos livros e material didático na biblioteca que funcionava, nessa época, no Colégio Franciscano Sant’Anna e que permanecia chaveada; o acesso só era permitido com autorização” (Silveira et al, 2005, p. 33). As provas parciais - sabatinas - constavam de uma dissertação sobre um ponto sorteado no momento e, ainda, do desenvolvimento de testes e questões relativas ao mesmo. As provas finais eram orais ou práticas e o aluno devia se inscrever e pagar uma taxa de exame.

São poucos e esparsos os registros sobre o desenvolvimento da disciplina entre 1955 e 1975. As parcas anotações encontradas foram àquelas feitas, de uma maneira muito genérica, pelos professores responsáveis num livro de registro. Essas anotações se referem ao conteúdo programático da disciplina, que confirma os conteúdos relacionados no quadro acima. Poucas também são as anotações sobre a bibliografia usada como referência. Indícios sugerem, apenas sugerem, que os professores circulavam por uma bibliografia que envolvia, talvez dentre outros, os seguintes manuais:

1. Pequena história da educação, das madres Francisca Peeters e Maria Augusta de Cooman: a primeira edição é de 1936, tinha 151 páginas, das quais nove eram dedicadas à história da educação brasileira. A edição registrada no acervo da biblioteca é de 1965;

2. Esboço da história da educação, de Ruy Ayres Bello2: a primeira edição é de 1945 e dedica 25 das 250 páginas à história da educação brasileira. A edição registrada no acervo da biblioteca é de 1957;

2 No acervo da biblioteca constam outros dois livros: BELLO, Ruy de Ayres. Princípios e normas de administração escolar. Rio de Janeiro: Globo, 1956, e Filosofia pedagógica. Rio de Janeiro: Globo, 1946.

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3. Noções de história da educação, de Theobaldo Miranda Santos3, a primeira edição é de 1945 e das 512 páginas, 37 são dedicadas à história da educação brasileira. A edição registrada no acervo da biblioteca é de 1970.

Esses manuais de história da educação, de uso generalizado no Brasil, foram produzidos por autores que se vinculavam ao pensamento católico e que se constituíam, portanto, nas leituras autorizadas da disciplina numa instituição em que a fé católica e a formação religiosa deviam ser referências importantes nos currículos e participar de forma proeminente da formação dos estudantes. Essa direção fora expressa, de forma clara, na conferência inaugural da FIC, proferida em 1955 pelo irmão José Otão, então reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. A transcrição é longa, mas esclarecedora:

Apesar das mazelas assinaladas não padece dúvida que cabe às Faculdades de Filosofia o preponderante papel de incrementar e difundir a cultura no sentido autêntico da palavra. Se às demais escolas superiores está reservada, entre nós, a tarefa de preparar profissionais para as chamadas profissões liberais, à Faculdade de Filosofia, que invade os amplos setores da Filosofia, da Pedagogia, das Ciências e das Letras, cabe a formação cultural das elites. Podíamos, talvez, afirmar que as escolas superiores em geral e as técnico-profissionais são propulsoras da civilização, pois dão ao homem os instrumentos de subjugação e domínio do mundo material, dos seres corpóreos, do nosso exterior; ao passo que as Faculdades de Filosofia promovem a cultura, pois se ocupam principalmente do homem, do espírito e do mundo interior. Para estar a verdadeira cultura alicerçada em bases sólidas, é imprescindível, pois, que contenha noções exatas sobre o que seja perfeição do homem, quer na alma quer no corpo, os meios a empregar para obtê-la e os obstáculos a evitar. Ora, é a religião que

3 Theobaldo Miranda Santos tem um apreciável número de publicações. No acervo da biblioteca da Unifra constam, ainda: Orientação psicológica da criança: aprenda a educar seu filho. São Paulo: Nacional, [19--]; Noções de psicologia educacional. São Paulo: Nacional, 1955; Noções de filosofia da educação. São Paulo: Nacional, 1949; Noções de didática geral. São Paulo: Nacional, 1955; Noções de didática especial. São Paulo: Nacional, 1960; A arte de estudar e fazer exames: como estudar, como fazer exames, como adquirir cultura. São Paulo: Nacional, 1949; Métodos e técnicas do estudo e da cultura. São Paulo: Nacional, 1957; Metodologia do ensino primário. São Paulo: Nacional, 1957; Manual do professor secundário. São Paulo: Nacional, 1961; Noções de prática de ensino. São Paulo: Nacional, 1961; Manual do professor primário. São Paulo: Nacional, 1954; Manual de sociologia. São Paulo: Nacional, 1964; Introdução à pedagogia moderna. Rio de Janeiro: A Noite, [19--]; Noções de psicologia do adolescente. São Paulo: Nacional, 1957; Noções de psicologia da personalidade. São Paulo: Nacional, 1964; Noções de administração escolar. São Paulo: Nacional, 1957; Noções de sociologia educacional. São Paulo: Nacional, 1953; Psicologia da criança. Rio de Janeiro: Boffoni, 1948; Manual de economia: introdução didática ao estudo da economia política. São Paulo: Nacional, 1966; Psicologia do sonho. São Paulo: Nacional, 1957.

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nos fornece conceitos positivos sobre o que seja a perfeição no homem e os meios de obtê-la. A verdadeira cultura, a cultura integral, não pode, pois prescindir da verdadeira religião. E é por este motivo que as Faculdades Católicas de Filosofia incluíram, em seu currículo, largo programa de formação religiosa. Sim, contemplação operante, pois, da visão de Deus, da compreensão da sua lei de bondade e de amor, nasce a regulação da vontade e a ordenação dos atos humanos, nasce a verdadeira orientação na vida, a verdadeira cultura que então chamaremos sabedoria, que a escola superior católica deve fornecer a quantos a procuram. Nas escolas superiores leigas, porém, onde em virtude da liberdade religiosa é silenciado o nome de Deus, onde em nome da liberdade de pensamento são esposadas todas as idéias, onde, por vezes, divergem os docentes doutrinariamente, religiosa ou filosoficamente, desconcertando os discentes, não há, não pode haver unidade de formação, não há uma visão totalizada do universo, uma weltanschaung verdadeiramente orientadora dos atos da vida. A Faculdade de Filosofia é por si só uma verdadeira universidade cultural (Silva, 1997, p. 43).

Para esse período, 1955 a 1974, não foi localizado um instrumento ou formulário por meio do qual fosse apresentado o programa da disciplina, ementa ou objetivos. O primeiro documento que apresenta o programa de forma mais sistemática data de 1975. Ementa e objetivos aparecem em 1998. É a partir de 1981 que a bibliografia usada como referência acompanha o programa da disciplina. Até 1989 os manuais de Ruy Ayres Bello, Theolbaldo Miranda Santos e das madres Peeters e Cooman continuam citados. Depois, a partir de 1990, esses manuais tendem a ser substituídos e o número de referências cresce. Aparecem as publicações de Maria Lúcia de Arruda Aranha, Otaíza de Oliveira Ramanelli e Paulo Guiraldelli Júnior.

Bibliografia citada nos programas de 1981 a 1983:

AMADO, Padre Ramón Ruiz. História de la educacion y la pedagogia. Ed. Librería Religiosa, Barcelona - Espanha.

ANDRADE FILHO, Bento de. História da educação. São Paulo: Saraiva.

AZEVEDO, Fernando. A transmissão da cultura. São Paulo: Melhoramentos, 1976.

BECH, Robert Holmes. História social de la educacion. México: Editorial Hispano Americana.

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BELLO, Ruy de Ayres. Pequena história da educação. São Paulo: Brasil.

Bibliografia citada nos programas de 1984 a 1989:

BELLO, Ruy de Ayres. Pequena história da educação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva.

EBY, Frederick. História da educação moderna. 2ª ed. Porto Alegre: Globo, 1976.

FILHO, Bento de Andrade. História da Educação. São Paulo: Saraiva, 2ª ed.

LARROYO, Francisco. História geral da pedagogia. São Paulo: Mestre Jou, 4ª ed, 1982.

LUZURIAGA, Lorenzo. Historia da educação e da pedagogia. São Paulo: Nacional.

MARROU, Henri Irinés. Historia da educação na antiguidade. São Paulo: EPU, 1975.

MONROE, Paul. História da educação. São Paulo: Nacional, 1969.

PEETERS e COOMAN. Pequena história da educação. São Paulo: Melhoramentos.

SANTOS, Theobaldo M. Noções de história da educação. São Paulo: Nacional. 13.ed.

Bibliografia citada nos programas de 1990 a 1999:

AQUINO, Jesus Oscar. História das sociedades americanas. Livraria Eu e Você.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 1989.

BARBEIRO, Heródoto. Curso de história da América. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1984.

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COTRIM, Gilberto. PARISI, Mário. Fundamentos da educação: história e filosofia. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986.

CUNHA, Luiz Antonio. A universidade temporã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

FILHO, A. Bento. História da educação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva.

FILHO, M. B. Lourenço. Educação comparada. 2ª edição, Edições Melhoramentos, Vol V.

GILES, R. Thomas. História da educação. São Paulo: EPU, 1987.

GUIRALDELLI, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 1990.

LARROYO, Francisco. História geral da pedagogia. São Paulo: Mestre Jou, 1982.

MAIA, Pedro. Ratio studiorum: método pedagógico dos jesuítas. São Paulo: Loyola, 1987.

MARZ, Fritz. Grandes educadores. São Paulo: EPU, 1987.

MONROE, Paul. História da educação. 16ª ed. São Paulo: Nacional, 1984.

NISKIER, Arnaldo. CARVALHO, Marlene. Educação comparada moderna. Ed. Tabajara.

PILETTI, Nelson e Claudino. História da educação, São Paulo: Ática, 1990.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1988.

SANTOS, Theobaldo Miranda. Noções de história da educação. 12ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.

A licenciatura em Pedagogia foi regulamentada pelos pareceres n. 251/62 e 252/69, do Conselho Federal de Educação, que fixaram o currículo mínimo e a duração do curso. A licenciatura em Pedagogia, na forma estabelecida para os cursos de licenciatura em geral, devia ser cursada concomitantemente ao bacharelado, com duração de quatro anos.

Em 28 de novembro de 1968 foi promulgada a lei n. 5.540 que fixava normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua

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articulação com a escola média. Esta lei provocou profundas alterações no sistema universitário brasileiro que envolveu a matrícula por disciplina, o sistema de créditos, a divisão dos cursos em departamentos e a implantação de programas de pós-graduação. Os currículos dos cursos de Pedagogia passaram a ser estruturados com habilitações específicas, com uma parte comum e outra diversificada, em função da habilitação escolhida. A parte comum abrangia as disciplinas Sociologia Geral, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, História da Educação, Filosofia da Educação e Didática. O curso de Pedagogia deveria ter 2.200 horas de atividades e ser ministrado, no mínimo, em três anos.

Em 1973 foi aprovado o novo Regimento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição. Por esse regimento, o curso de Pedagogia oferecia as habilitações Orientação Educacional, Administração Escolar, Inspeção Escolar, Supervisão Escolar e Magistério. Nas décadas de 1980 e 1990, o curso passou por alterações curriculares que afetaram a carga horária da disciplina, que variou entre 210h, 240h e 120h.

Quadro 3 - Carga horária da disciplina História da Educação no curso de Pedagogia da Unifra entre 1955 e 2005.

Ano de currículo Carga horária da disciplina 1955 a 1958 120h 1959 a 1952 120h 1963 a 1966 120h 1967 a 1968 120h 1969 120h 1970-1973 150h 1974-1977 150h 1978-1984 210h 1985-1988 210h 1989-1994 240h 1995-1997 240h 1996-1999 120h 2000-2005 60h Fonte: Silveira et al, 2005.

Foi a partir de 1998 que a organização curricular da Pedagogia mudou substancialmente em função das discussões e posterior aprovação, pelo Conselho Nacional de Educação, das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de formação de professores para a educação básica que acarretaram, na Unifra, a extinção da habilitação Magistério das Disciplinas Pedagógicas do Ensino Médio e a implantação de novas habilitações: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.

Desde então, a disciplina História da Educação tem uma carga horária de 60h é ofertada no primeiro semestre do curso. O conteúdo

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programático envolve os temas e períodos clássicos da historiografia educacional brasileira tomados a partir de uma temporalidade da história política (Brasil Colônia, Império, República, Era Vargas, governos militares). Da mesma forma, a bibliografia citada apresenta os autores e as obras também consagradas, dentre os quais Paulo Ghirardelli Júnior, Otaíza Romanelli e Maria Luiza Santos Ribeiro.

Quadro 4 - Programa de História da Educação vigente no curso de Pedagogia da Unifra desde 1999.

Curso: Pedagogia Disciplina: História da Educação Carga horária semestral: 60h Ementa A educação no Brasil Colônia. A educação no Império. A educação na Primeira República. A educação entre 1945-1964. A educação brasileira após 1964. Educação e sociedade no Rio Grande do Sul. Objetivo Analisar as formas de organização escolar, as visões pedagógicas e as práticas educativas na sociedade brasileira da colonização até a atualidade; analisar as relações entre poder político e educação, em sua articulação com os processos históricos brasileiro; buscar uma compreensão mais profunda da realidade educacional brasileira em sua dinâmica histórica. Conteúdo programático 1) História da educação no Brasil: questões relativas a sua periodização. 2) A sociedade agro-exportadora e a constituição do ensino da elite; 2.1) a formação do Brasil colonial: a expansão européia no século XV e a incorporação do Brasil; 2.2) educação e cultura na sociedade colonial: a pedagogia jesuítica e as reformas pombalinas; 2.3) A educação no século XIX: a vinda da família real, o período do Império. 3) A República e a consolidação da sociedade urbano-industrial: a luta pela ampliação das oportunidades escolares: 3.1) a educação na Primeira República: do entusiasmo pela educação ao otimismo pedagógico; 3.2) a educação no período de Getúlio Vargas (1930-1945); 3.3) A educação e a revitalização da sociedade brasileira (1945-1964): os debates em torno da escola pública, os movimentos da educação de adultos e educação popular); 3.4) O estado militar e a política educacional (1964-1985); 3.5) A educação nas décadas de 1980 e 1990.

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4) A educação no Rio Grande do Sul: uma visão geral. Bibliografia básica GHIRARDELLI JUNIOR, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 1990. RIBEIRO, Maria Luiza. História da educação brasileira: a organização da escola. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979. ROMANELLI, Otaiza. História da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1998. Bibliografia complementar: AZEVEDO, Fernando. A educação na encruzilhada. São Paulo: Melhoramentos, 1957. ARAPIRACA, José Oliveira. A Usaid e a educação brasileira. São Paulo: Cortez, 1982. BEISIEGEL, Celso Rui. Educação e sociedade no Brasil após 1930. In: FAUSTO, Boris. (Org.) História geral da civilização brasileira: o Brasil republicano, v. 4, São Paulo: Difel, 1983, p. 383-416. BERGER, Manfredo. Educação e dependência. Porto Alegre: Difel/Ufrgs, 1970. BUFFA, Ester. Ideologias em conflito: escola pública x escola privada. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979. COMPARATO, Fábio K. Estado, educação e poder. São Paulo: Brasiliense, 1987. CUNHA, Luiz Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980. CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e contradição. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1985. _____. Ideologia e educação brasileira. São Paulo: Cortez e Moraes, 1978. FAZENDA, Ivani Catarina. Educação no Brasil nos anos 60: o pacto do silêncio. São Paulo: Loyola, 1985. FERNANDES, Florestan. Educação e sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus, 1966. FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. São Paulo: Moraes, 1980. HORTA, José Silvério Baía. O hino, o sermão e a ordem do dia: A educação no Brasil (1930-1945). Rio de Janeiro: UFRJ, 1994. LOURO, Guacira Lopes. História, educação e sociedade no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Educação e Realidade, 1986. NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EDU, 1974. XAVIER, Maria Elisabete. Capitalismo e escola no Brasil. Campinas: Papirus, 1980. Fonte: Derca.

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Perspectivas

Nos cinqüenta anos de funcionamento, o curso de Pedagogia teve dezessete estruturas curriculares e a carga horária da disciplina História da Educação4 variou a cada nova organização curricular que se implementou. Porém, nunca como atualmente foi tão pequena - 60 horas - e nunca precisou justificar a sua presença e caráter formativo diante de outras disciplinas consideradas ‘mais úteis’ com tanta ênfase como agora. É uma situação paradoxal, pois, se por um lado cresce substancialmente a produção acadêmica em torno da história da educação; criam-se grupos de pesquisa; institucionalizam-se associações regionais de pesquisadores; cresce o número de eventos nacionais e internacionais e registra-se um expressivo incremento na quantidade de impressos5, por outro, “en algunos países [...] há llegado a estar en peligro su misma existencia como disciplina en la dos últimas décadas o se há reducido notablemente el número de cursos o créditos de índole histórico-educativa” (Viñao Frago, 2003, p. 1).

Atualmente, a disciplina História da Educação na Unifra organiza-se a partir dos temas e dos períodos cronológicos clássicos da história da educação do Brasil - reproduz, portanto, o cânone disciplinar tradicional. Não há projetos de pesquisa em desenvolvimento e, dentre os trabalhos de conclusão de curso apresentados até o momento, nenhum teve como objeto a história da educação.

É visível, portanto, o distanciamento entre a amplitude e a diversidade de questões tratadas e que caracterizam a produção acadêmica dos pesquisadores da história da educação e o que se ensina. Isso, por certo, também mantém estreita relação com a constituição do campo e com a formação e o desenvolvimento profissional daqueles que trabalham no âmbito da disciplina.

Ao comparar essa situação àquela proposta por Viñao Frago (2003, p. 10), que sugere a substituição do cânone cronológico tradicional

por la exposición de procesos histórico-educativos prolongados en el

4 Foram professores da disciplina: Elisabeth Maria Ley (1955); Clecy Mayer (1956 a 1960); Oscar Mombach (irmão Gelásio) (1961-1975); Olindo Antonio Toaldo (1962, 1963, 1965); Heitor Pedro Scomazzon (1966); Iolanda Samuel (1971); Neusa Neves da Silva (1972 a 1974); Ieda Maria Rettamal Ribeiro (1975-1982); Zilca Rossetto de Moraes (1983); José Körbes (1983-1985); Frederinda Martins Pentiado (1984-1989); Maria Ivaldete Becker Borin (1987-1989); Celso Ilgo Henz (1997-1998); Maria Joanete Martins da Silveira (1999); Carmem Rosane Segatto e Souza (1997-2005); Claudemir de Quadros (2000 a 2002). 5 Ver BASTOS, Maria Helena Camara; BENCOSTTA, Marcus Levy Albino; CUNHA, Maria Teresa Santos. Uma cartografia da pesquisa em história da educação na região sul: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul (1980-2000). Pelotas: Seiva, 2004.

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tiempo (alfabetización, escolarización, profesionalización docente, formación de los sistemas educativos) o el análisis histórico-genealógico de una serie de temas o cuestiones relevantes para la formación de los psicopedagogos, pedagogos, profesores o maestros que desvele lo que en ellas hay de construcción socio-histórica. Un análisis en el que, si fuera necesario, el orden cronológico sea roto en el tiempo y asociaciones o relaciones entre fenómenos, hechos e procesos de diferentes épocas,

sinto que o ensino de história da educação no Centro Universitário Franciscano de Santa Maria vincula-se com uma perspectiva que pode ser desnaturalizada. A importância disso diz respeito, diretamente, à qualidade da formação de professores.

Referências

NUNES, Clarice. Ensino e historiografia da educação: problematização de uma hipótese. Revista Brasileira de Educação, São Paulo: Anped, n. 1, jan./abr. 1996, p. 67-79.

SILVA, Maria Virgínia dos Santos. FIC 1955-1995: 40 anos de história. Santa Maria: FIC, 1997.

SILVEIRA, Maria Joanete Martins da; BALD, Rosane; DELAZZANA, Ana Rosa Zurlo. O curso de Pedagogia e a formação de professores na Unifra: uma trajetória de 1956 a 2003. In: QUADROS, Claudemir (org.). Histórias e memórias dos 50 anos dos cursos de formação de professores do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria. Santa Maria: Unifra, 2005, p. 31-63.

VIDAL, Diana Gonçalves; FARIA FILHO, Luciano Mendes. História da educação no Brasil: a constituição histórica do campo (1880-1970). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, 2003, p. 37-70.

VIÑAO FRAGO, Antonio. La historia de la educación ante el siglo XXI: tensiones, retos y audiencias. In: Etnohistoria de la escuela: XII Coloquio Nacional de Historia de la Educación, Burgos, Universidad de Burgos y Sociedad Española de Historia de la Educación, 2003, p. 1063-1074 (mimeo.).

VIÑAO FRAGO, Antonio. La historia de la educación en el siglo XX: una mirada desde España. Revista Mexicana de Investigación Educativa, v. 7, n. 15, 2002, p. 223-256.

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Claudemir de Quadros é Professor no Centro Universitário Franciscano de Santa Maria.

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 229-242, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

A disciplina de História da Educação na Faculdade e no Centro Universitário La Salle

Miguel Alfredo Orth

Resumo

Este trabalho tem por objetivo identificar, resgatar e analisar como a disciplina de História da Educação do Unilasalle esteve presente desde 1981 no Curso de Pedagogia, enquanto componente curricular obrigatório e, a partir de 2003, na maioria dos Cursos de Licenciatura, enquanto um componente curricular obrigatório ou optativo, privilegiando, a partir de então, a História da Educação lasslista e brasileira.

Palavras-chave: História da Educação, Unilasalle, Formação de professores.

Abstract

This paper aims at identifying, recovering, and analysing how the discipline History of Education has been present since 1981 in the Pedagogy course as a compulsory course and since 2003 in most Teaching courses as a compulsory or optative course at Unilasalle, granting privileges, from then on, the history of Lasallian and Brazilian Education.

Key-words: History of Education, Unilasalle, teacher formation.

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Introdução

Ao analisarmos a disciplina de História da Educação, ao longo da história do Unilasalle, precisamos situar o leitor e ou o ouvinte nesta unidade de ensino superior. O Centro Universitário La Salle, como todas as instituições de ensino confessional, têm a sua história ligada à trajetória de uma congregação religiosa e, mais especificamente neste caso, à Obra Educacional Lassalista.

Estas têm a sua origem na proposta educativa de São João Batista de La Salle, sacerdote francês (1651 –1719) que renunciando a todos os privilégios da sua condição de nobre, dedicou-se à criação de escolas para as crianças das classes menos favorecidas.

O Ensino Superior dessa instituição foi criado a 02 de agosto de 1972, em Canoas –RS, sob a denominação de Centro Educacional La Salle de Ensino Superior – CELES, iniciando suas atividades com o Curso de Estudos Sociais em 1976. E em consonância com a orientação filosófica e pedagógica da congregação, vieram depois os cursos de Letras e Pedagogia.

Já no início da década de 90, por iniciativa da mantenedora e da comunidade acadêmica, iniciaram-se os trâmites legais para transformar o CELES em Universidade. Neste sentido, a 29 de maio de 1992, foi encaminhada uma carta-consulta ao MEC para transformar, via autorização, o mesmo em Universidade. Na mesma oportunidade, a mantenedora e a instituição tomaram uma série de iniciativas para incentivar a pesquisa e a extensão no CELES, bem como passaram a expandir a sua oferta de cursos de graduação e pós-graduação.

Durante a tramitação do processo, o Conselho Federal de Educação aprovou o funcionamento de mais cinco cursos de graduação, a saber: Administração, Filosofia, Ciência da Computação, Ciências Econômicas e Ciências. Com a alteração da legislação sobre o Credenciamento para Universidade, o CELES ingressou com o Processo para a Instalação do Centro Universitário, atendendo à Portaria 639, de 13/05/97, sendo credenciado a 30/12/98, através do Decreto Presidencial de 29 de dezembro de 1998.

Atualmente, o Unilasalle oferece 27 cursos de graduação e já conta com cerca de 5.000 alunos matriculados.

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1 A disciplina de História da Educação na Faculdade e no Centro Universitário La Salle

Analisando a disciplina de História da Educação no Unilasalle, é bom ressaltar que esta foi uma disciplina que sempre se fez presente no curso de Pedagogia da instituição, nos anos 80 como História da Educação I e II; nos anos 90 como História da Educação I, II e III e, a partir de 2002, como História da Educação; porém estendida à maioria dos Cursos de Licenciatura. Por essas razões, entre outras, iremos estudar essa disciplina a partir de seis blocos.

No primeiro, bloco iremos discutir a História da Educação oferecida pela instituição entre os anos de 1981 e 1984. No segundo bloco, trataremos da História da Educação Geral e do Brasil oferecida pela instituição entre 1985 e 1990. No terceiro bloco, analisaremos a disciplina de História da Educação Geral e do Brasil oferecida entre 1990 e 1996. E no quarto bloco, buscaremos elucidar a História da Educação do mundo e do Brasil oferecida e trabalhada nas disciplinas de História da Educação pela Instituição entre os anos de 1997 e 2000. No quinto bloco, iremos estudar a disciplina de História da Educação oferecida pela instituição na última década à maioria das licenciaturas, culminando com algumas considerações finais sobre o tema.

Para desenvolver este trabalho, dentro do esquema e da lógica acima expostos, consideramos os currículos, os programas, e a formação acadêmica dos professores das disciplinas de História da Educação no Unilasalle, bem como os livros escolares e os conteúdos privilegiados pelos mesmos em aula. Mas recorremos igualmente a entrevistas semi-estruturadas para elucidar situações peculiares e relevantes que a análise dos currículos, dos programas e da formação acadêmica dos docentes da disciplina exigia.

1.1 História da Educação trabalhada no Curso de Pedagogia da Instituição entre 1981 e 1984

O estudo dos programas de História da Educação I do período que vai de 1981 a 1996 revela que a bibliografia referendada no primeiro programa permanece inalterada durante quinze anos, sendo, porém colocada em ordem alfabética a partir de 1993/1.

Essa bibliografia sempre iniciava com a obra de José Van Den Besselar - Introdução aos estudos históricos, apoiada, na maioria das vezes, pela obra de Gilberto Cotrim e Mário Parisi - Fundamentos da Educação.

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Depois, apoiados na obra de Henri Marrou e Mario Curtis Giordani era tratada exaustivamente a história da educação da Antigüidade Clássica. Constam igualmente na bibliografia as obras de: Paul Manroe, Roger Gall e Ruy de Ayres Bello sobre a História da Educação, bem como as obras de T. F. Painter e Riboulet - História da Pedagogia.

Além dessas obras, a bibliografia traz a obra de: J. D. Forgione – Antologia Pedagógica Universal; Leonel França – Noções de história da filosofia; Fhilip Hughes – História da Igreja Católica e de Edward Mcnall Burns - História da Civilização Ocidental.

Outro aspecto, no mínimo curioso, é o de que essa disciplina manteve, durante quinze anos, a mesma bibliografia e mudou somente uma vez seus conteúdos programáticos. Mas nesse período, a disciplina foi ministrada por nada menos do que sete professores, com formação e culturas bem diferentes, a maioria deles com formação na área da história e da filosofia.

Agora, analisando os conteúdos programáticos dos programas de 1981 a 1984, percebemos que estes seguiram as ênfases e os enfoques dados aos temas e subitens trabalhados no livro de História da Educação da Maria Lúcia de Arruda Aranha, inclusive com grande ênfase à história da Antigüidade grega, romana e medieval.

Já a análise da História da Educação II, deste período, revela que, mesmo sendo os mesmos professores da disciplina de História da Educação I, nesta disciplina, os mesmos, diferentemente do que faziam com o programa de História da Educação I, imprimiam uma dinamicidade revisional da bibliografia e do conteúdo programático muito grande.

Desse modo, entre 1981 e 1983 a Disciplina de História da Educação II manteve a mesma bibliografia da História da Educação I, com exceções de um livro sobre Lutero e a Reforma, outro livro sobre a Igreja, a Reforma e a Civilização (Contra-Reforma) e outro sobre os Padres Jesuítas no Brasil, bem como de dois livros sobre a História das Civilizações.

Porém, pelos conteúdos programáticos dos Planos de Ensino, podemos constatar que só na primeira parte do programa é trabalhada a história da educação da Renascença e da Idade Moderna. E curiosamente o tema é tratado nesse período a partir de seus mais renomados pensadores na área da educação, que são: Rousseau, Pestalozzi, Spencer, Froebel, Locke, Comenius, Fénelon, La Salle, Rebelais entre outros.

Já a segunda parte do programa explorava a história da educação brasileira, desde a vinda dos jesuítas ao país, sua expulsão pelo Marques de Pombal, as escolas régias, a vida de D. João VI, a educação e o Ato Adicional de 1834, a Reforma de Ensino do Distrito Federal em 1854 (Rio

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de Janeiro), as reformas de ensino de Francisco Campos, Gustavo Capanema até a Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961.

Já em 1984 e 85, a bibliografia do programa de História da Educação II era constituída pelo livro do Ruy Ayres Bello – Pequena História da Educação; Afrônio Peixoto – Noções de História da Educação; Leonel França – A Igreja, a Reforma e a Civilização; Serafim Leite – História da Companhia de Jesus no Brasil; Fernando de Azevedo – História da Cultura Brasileira; e sete livros de história geral. O que nos leva a crer que, nesses dois anos, a História Geral e a História da Igreja Católica foram trabalhadas com mais intensidades do que a própria História da Educação, objetivo maior dessa disciplina.

Ao compararmos essa bibliografia com os conteúdos programáticos dos respectivos Planos de Ensino, observamos curiosamente que estes continuam inalterados em relação aos programas anteriores, sendo ministrado também pela mesma professora.

Já a História da Educação do Brasil, dada no Unilasalle na primeira metade da década de 80 se apoiou basicamente no livro História da cultura brasileira do Fernando de Azevedo e no livro História da Companhia de Jesus no Brasil, escrito pelo jesuíta Serafim Leite.

Esses dados sobre o uso de livros que falam da história da educação brasileira contrastam e em muito com a importância que a mesma recebeu no programa da época. De fato, dois terços do programa de História da Educação II era reservado para abordar tópicos da educação nacional. Entre os tópicos destacados no programa desse período enumeramos temas como: a educação jesuítica no início da colônia e a sua subseqüente expulsão do país; as origens das instituições escolares; a vinda de D. João VI ao Brasil e o incremento das instituições escolares; o ensino no Brasil Império e no Brasil República; as reformas de ensino de 1930 e 40; a Escola Nova no país; a LDB 4.024/61 e a reforma do Ensino Superior e do Ensino Fundamental.

1.2 História da Educação trabalhada no Curso de Pedagogia do Centro Educacional La Salle de Ensino Supeior (CELES) entre 1985 e 1990

A partir de 1985/2, o programa de História da Educação I fez com que a Antigüidade clássica passasse a dividir as horas letivas da disciplina com o estudo da História da Educação do mundo moderno e contemporâneo, especialmente o europeu e lassalista. Aliás, o estudo das teorias educacionais lassalistas é uma peculiaridade desta instituição e que se mantém ao longo de toda a sua história educacional de Ensino Superior como algo específico da mesma. O esquema programático dos conteúdos de

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História da Educação I, referendados no programa de 1985/2 se manteve inalterado até 1995, ano em que voltaram a ser privilegiados nesta disciplina os conteúdos da História da Educação Grega, Romana e Medieval.

Uma análise mais atenta da História da Educação I e II, deste período, nos leva a perceber que o corpo docente da época é bastante estável, e não raro ministra as duas disciplinas da História da Educação. No entanto, estes mesmos professores, diferentemente do que faziam na disciplina de História da Educação I, na disciplina de História da Educação II eram protagonistas de uma dinamicidade muito grande, quer na indicação bibliográfica, quer no desenvolvimento dos conteúdos programáticos da mesma.

Deste modo, entre os anos de 1985/2 e 1989/1, percebemos uma mudança radical na bibliografia, bem como no enfoque que o professor ministrante dava a sua disciplina de História da Educação II.

De fato, nesse período, a bibliografia se constituiu de livros específicos da área, entre os quais destacamos os livros: Cultura Brasileira do Fernando de Azevedo; História da Educação Brasileira da Maria Luiza Ribeiro; História da Educação no Brasil da Otaíza Oliveira Romanelli. Além destes livros, a bibliografia trazia uma vasta literatura complementar, a saber: Contribuição à história das idéias no Brasil, da Costa Cruz; Raízes do Brasil, do Sérgio Buarque de Holanda; História Econômica do Brasil, do Caio Prado Junior e Educação Popular e Educação de Adultos, da Vanilde Paiva.

Deste modo, a disciplina de História da Educação II deixava de trabalhar a História Contemporânea, voltando-se quase que exclusivamente à educação brasileira. Os grandes temas da História da Educação do Brasil continuam os mesmos, porém passaram a ser trabalhados, em maior profundidade, além, é claro, de serem estudados a partir de um modelo educativo próprio.

Assim, a educação do Brasil colônia era estudada a partir do monopólio educacional jesuítico; já a educação do Brasil Império era vista a partir do modelo educativo tradicional. A educação dos anos 30, 40 e 50 era identificada como a Educação da Escola Nova que, por sua vez, se associou no Brasil à escola pública e gratuita; que, por sua vez, coincidiu com a introdução do processo de industrialização do país. E a novidade propriamente dita desse programa é a introdução e a discussão da educação tecnicista e a sua identificação com a educação da década de 60 e 70. Assim, por um lado deixou-se de lado a mera apresentação da LDB, e se passou a discutir a educação do período a partir de um modelo. E esse modelo estava igualmente linkado ao processo de substituição de importações no país.

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Comparando essa bibliografia com os conteúdos dos programas da época, observamos que esses não traziam mais os conteúdos relacionados à história da educação geral moderna e contemporânea, já que esses passaram a ser tratados na História da Educação I. Quanto ao estudo da história da educação brasileira, observamos que os programas passaram a privilegiar mais a educação pós 1930, especialmente a Escola Nova, as reformas educacionais da época, passando pela primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional até o Regime Militar e sua proposta educacional.

1.3 A história da Educação trabalhada no Curso de Pedagogia do CELES entre 1990 a 1996

A partir de 1990, com a inclusão da História da Educação III no currículo das licenciaturas, a História da Educação II se voltou novamente ao estudo da história da educação renascentista, moderna, bem como deu uma ênfase maior à educação: iluminista; pública; confessional; nacional e suas vertentes teóricas.

E para fundamentar essa formação, os professores da disciplina se basearam em livros, como: da Maria Lúcia de Arruda Aranha – História da Educação; do Gilberto Cotrim – Fundamentos da Educação; do Lorenzo Luzuriaga – História da Educação e da Pedagogia; do Paul Monroe – História da Educação; do Biboulet – História da Pedagogia.

Mas analisando a estrutura do programa e os títulos e subtítulos do livro da Aranha podemos entrever uma clara semelhança entre ambos, o que nos leva a crer que os professores do período tenham se baseado nesse livro para montar o programa, além de servir de base na dinamização de suas aulas, como alguns professores da época o observam.

De 1993 a 1996 a estrutura do programa se identifica mais ainda com a estrutura didática do livro História da Educação, da Maria Lúcia de A. Aranha, mas há uma mudança significativa nas indicações bibliográficas.

De fato, mantêm-se as referências da Aranha, Luzuriaga e Romanelli, mas começa-se igualmente a explorar novas referências bibliográficas, como é o caso dos livros de: História da Educação: da antiguidade aos nossos dias, do Mário Manacorda; História da educação brasileira, da Maira Luísa S. Ribeiro; História das idéias pedagógicas, do Moacir Gadotti; e História da Educação do Thomas R. Giles. O curioso, deste período, é a exploração do livro História da Pedagogia, do Francisco Laroyo e História da Educação através dos textos, da Maria da Glória Rosa, ambos publicados no país na década de 1970, só agora aparecem no programa, mesmo sendo livros muito didáticos e atenderem os apelos gerais

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das ciências da época, no sentido de voltarem às fontes. Outro tipo de bibliografia explorada nesse período é aquela que aborda temas específicos, como o da: Escola Nova; origem da escola pública; Rousseau; a educação na infância; o conceito de disciplina em John Locke, entre outros.

Já a história da Educação brasileira, nessa época, passou a ser tratada como uma disciplina de 60 créditos que, por sua vez, apoiada na literatura específica da época passou a privilegiar basicamente três temas, que por questões didáticas identificamos como base histórica, base ideológica e base educacional.

A literatura educacional do programa pode ser subdividida entre autores que abordam a história da educação como um todo, ao longo de toda a história do país, como é o caso do livro História da Educação, da Maria Lúcia de Arruda Aranha; História da Educação no Brasi,l da Otaíza de Oliveira Romanelli; História da Educação Brasileira, da Maria Luísa Santos Ribeiro; História da Educação, do Paulo Ghiraldelli Junior. O outro grupo de autores explorados pelo programa traz aqueles que abordam a história da Educação do Brasil a partir de temas específicos, como é o caso do livro Grandezas e misérias do ensino no Brasil, da Maria J. G. Werere; Cultura popular e Educação popular, do Osmar Fávero (org.); Educação e Mudança, do Paulo Freire; Cuidado e Escola, da Rabette Harper; bem como a Educação na “Era Vargas” e os Militares e a educação, de vários autores.

E para situar os alunos nestas leituras e discussões, os professores buscavam ainda se apoiar em uma literatura específica da área de história, como é o caso dos livros: Casa Grande & Senzala; História do Pensamento; História de presidentes; Retrato do Brasil; A república brasileira de 64 a 84. E além dessa literatura geral, os programas da década de 90 privilegiavam bibliografias de temas específicos de história, como por exemplo: As ditaduras militares e o neoliberalismo; a invenção do trabalho; história da indústria e do trabalho no Brasil. O mercado e a política; a questão nacional na primeira república, entre outros.

Outro conjunto de referências que se destaca nesse período são aquelas ligadas direta ou indiretamente com a formação crítica dos sujeitos. Essa formação ideológica pode perpassar a identidade do brasileiro em si, como é o caso do livro da Luiza H. Paulo que fala do DIP e a juventude; Ideologia e Propaganda estatal, ou ainda, do livro de José Carlos Barreiro, que trata das Instituições a partir do trabalho e da luta de classes; bem como da discussão da própria educação enquanto mudança ou ainda as armadilhas neoliberais e as perspectivas da Educação.

Analisando os programas deste período, observamos que, de 1989/2 até 1993, os mesmos se voltaram a uma abordagem mais tradicional da disciplina, bem como passa a explorar mais o contexto histórico

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propriamente dito. Já na segunda metade dos anos 90, os programas procuram vincular mais a história da Educação aos grandes temas sociais, políticos e econômicos do país e do mundo e seu contexto histórico.

Por outro lado, os programas desse período não contemplam a História da Educação do Brasil Colônia, do Brasil Império e da Velha República. Chama igualmente atenção a grande ênfase que é dada ao contexto histórico e o estudo da história da educação a partir de subtemas, como por exemplo, o estudo do período de 1920 a partir da semana de Arte Moderna ou do manifesto da escola nova entre outros subtemas.

Já a História da Educação I, deste período, manteve as mesmas referências bibliográficas de 1981, porém privilegiando em seu conteúdo programático a história da educação antiga, medieval, moderna e contemporânea, mesmo que os últimos dois temas fossem tratados na História da Educação II.

Como podemos observar, a partir de uma análise comparativa da História da Educação I e II, é que os conteúdos se repetem nos semestres, mesmo que a bibliografia se diferencie substancialmente. Resta saber então se esses Planos de Ensino eram elaborados e entregues enquanto mera perfumasse acadêmica, já que havia uma distribuição formal e repetitiva do conteúdo, ou se realmente existiam no curso, programas paralelos de História da Educação.

1.4 A História da Educação trabalhada no Curso de Pedagogia do CELES – Unilasalle entre 1997 a 2000

A partir de 1997, as referências bibliográficas da História da Educação I passam por uma mudança radical e as referências da História da Educação II por mudanças significativas. Já o conteúdo programático que, no início dos anos 90, era trabalhado em três semestres volta a ser ministrado em dois semestres.

Essas mudanças obedeceram a princípios defendidos pelos próprios professores das disciplinas, bem como à realidade político-social do país. Entre estes princípios, destacamos o de escolher uma literatura que tratasse da essência dessa disciplina, que é a da “História da Educação”. Por outro lado, procurou-se preservar o livro clássico da área, completado-o com uma literatura que estivesse ao alcance dos alunos, quer pela qualidade, sua visão do todo, sua linguagem acessível, e também por levar em conta a diversidade teórica dos alunos e dos autores, como também de instigar os alunos a buscar as fontes primárias da História da Educação.

Deste modo, a bibliografia transita entre autores, como: Maria Lúcia de Arruda Aranha – História da Educação; Moacir Gadotti –

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História das Idéias Pedagógicas; Mário A. Manacorda _ História da Educação: da Antigüidade aos nossos dias; Maria da Glória de Rosa – A História da Educação através dos textos; bem como os livros de Tomas Ramson Giles e Claudino Piletti sobre Filosofia da Educação. No mesmo período, ainda aparece o livro do Francisco Larroyo – História Geral da Pedagogia; de Lorenzo Luzuriaga – História da Educação e da Pedagogia; de Paul Monroe – História da Educação; e do Frederick Eby – História da Educação Moderna.

Neste período, a História da Educação II trabalhou basicamente com a mesma literatura da História da Educação I, porém acrescida de autores que trabalhassem temas específicos da educação moderna, contemporânea e pós-moderna.

Assim, a bibliografia desse programa foi enriquecida por autores, como: Otaíza de Oliveira Romanelli; Maria E. Xavier e Paulo Ghiraldelli Junior que exploravam a História da Educação Brasileira. Ou ainda, de livros que discutiam temas específicos como: A escola e a Democracia, do Dermeval Saviani; Democratização da Escola Pública, do José Carlos Libâneo; Filosofia da Educação (Brasil), do Cipriano C. Luckesi; Rousseau: a educação na infância, da Beatriz Cerizapa, entre outros.

Agora, comparando essa bibliografia básica da disciplina com os conteúdos programáticos dos diferentes Planos de Ensino, observa-se que a disciplina sempre procurou situar, primeiramente, o tema ao longo da história e depois se preocupava em associar a educação de cada período com a formação social e política do mesmo. Razão pela qual associou, por exemplo: a educação da Grécia Clássica com o discurso filosófico e o saber lógico; a educação do Império Romano com a educação para o Estado; a educação da Idade Média com a educação dos conventos, mosteiros e paróquias que priorizava uma educação para a salvação das almas; a Educação da Modernidade com a educação estatal e nacional pública ou privada; e a Educação Contemporânea com a educação pública e as tendências teóricas de cada Estado Nacional e hoje a educação para a sociedade da informação e da comunicação.

1.5 A História da Educação trabalhada nos Curso de licenciatura do Unilasalle entre 2001 a 2005

Neste último período, as disciplinas de História da Educação que no início dos anos 90 se dividiam em I, II e III, a partir de 1997, voltaram a se constituir em duas disciplinas. E a partir das reformas curriculares de 2000 limitaram-se a uma disciplina, a qual, a partir de 2002, passou a

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integrar a lista das disciplinas escolhidas pela instituição para compor o núcleo comum da maioria das licenciaturas do Unilasalle.

Em termos de referências bibliográficas, não se processaram mudanças substanciais, os professores só incluíram na literatura da disciplina, referências bibliográficas sobre a educação brasileira até então trabalhadas na História da Educação II ou III e que agora deveriam ser trabalhadas e privilegiadas na disciplina denominada História da Educação. Foram incluídas, igualmente, novas obras, como a do Dicionário sobre os principais pedagogos brasileiros, bem como a História da Pedagogia, do Franco Cambi, entre outros.

Porém, se em termos de bibliografia não houve mudanças substanciais, em termos de conteúdo, a readaptação do programa ao novo currículo trouxe grandes repercussões na prática. Por que os conteúdos que, no início dos anos 90, eram dados ou trabalhados em três semestres e depois em dois e agora tinham que ser trabalhados em uma disciplina de 60h. Uma por que foram priorizadas outras disciplinas, como: Sociologia da Educação; Filosofia da Educação, Educação e Sociedade, entre outras. Com isto precisou-se priorizar alguns aspectos do conteúdo em detrimento de outros, como os alunos da filosofia sugeriram para seu curso, em 1999 e depois, em 2001, o próprio CONSEPE endossou esta sugestão dos alunos de filosofia e recomendou que todos os Cursos de Licenciatura oferecessem a disciplina. Segundo essas orientações, a disciplina de história da educação deveria privilegiar a História da Educação lassalista e a história da educação brasileira, entre outros aspectos.

Em conversas posteriores do professor da Disciplina com a coordenadora do Curso de Pedagogia ficou acordado que a Disciplina de Políticas Educacionais poderia e deveria dar um plus à história da Educação brasileira ao trabalhar a história das políticas educacionais no país, uma vez que era muito conteúdo a ser trabalhado em um semestre de aula.

1.6 Algumas considerações finais

A partir de 2003, com a reforma curricular das Licenciaturas, orquestrada pelo Parecer do CNE n. 28/2001 e a Resolução n. 01/2002 e 02/2004 do CP/CNE, esta disciplina passou a compor o núcleo comum dos conhecimentos filosóficos, educacionais e pedagógicos que fundamentam a ação educativa do Unilasalle na formação inicial de professores (Resol. 01/02, art. 11, V). Ou seja, esta disciplina faria parte da base institucional comum de disciplinas para todas as licenciaturas, enquanto cadeira obrigatória ou optativa.

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Esta disciplina passou a integrar a base institucional comum por ser um dos princípios pedagógicos lassalistas, junto com a Cultura Religiosa e a Ética. No entanto figura como cadeira optativa em vários cursos de licenciatura em função da redução da carga horária das licenciaturas de mais ou menos 3.300 horas para 2.800 horas. Os cursos que tornaram esta disciplina optativa na reforma curricular de 2003 privilegiaram a História da Educação sob o olhar da Filosofia ou da Sociologia. Mas enquanto disciplinas obrigatórias, a Historia da Educação, a Sociologia da Educação e a Filosofia da Educação, são locadas nos currículos dos cursos sempre no segundo semestre.

Nestas nossas considerações finais, chamamos a atenção inicialmente ao fato de que os livros da História da Educação publicados ou traduzidos na década de setenta não integraram as referências bibliográficas da época, nem chegaram aos professores. Por que será que alguns desses livros só chegaram a nossa Universidade na segunda metade da década de 90, apesar de sua didacticidade?

Outra constatação que deve saltar aos olhos do leitor no final deste trabalho é quanto às peculiaridades da História da Educação em cada período da história. Deste modo, na década de oitenta, por exemplo, as disciplinas de História da Educação oferecidas aos alunos do curso de Pedagogia privilegiavam a história da educação geral e clássica. Já na década de noventa, passou-se a privilegiar a história da educação clássica, bem como a história da educação brasileira e crítica. E na primeira década de dois mil, procurou-se trabalhar a história da educação a partir de temas relevantes para a educação, bem como a história da educação brasileira e lassalista.

A formação dos professores que ministravam as disciplinas de História da Educação, por sua vez, oscila entre a área da filosofia, história e educação, sendo, no entanto, a história a grande área de concentração desta formação.

Quanto ao nível de formação dos professores que lecionaram as disciplinas de História da Educação, ao longo destes vinte seis anos, nós podemos dividi-los em dois grupos. O primeiro grupo de docentes que atuaram como professores da disciplina na Instituição, formado exclusivamente de professores graduados e especialistas tendo trabalhado no CELES entre os anos de 1981 e 1994. O outro grupo de professores da disciplina começou a trabalhar na Instituição a partir de 1995, sendo constituído, em sua maioria, por educadores oriundos da área de história ou Educação, com formação em nível de mestrado ou doutorado.

Outro dado relevante que vem desta análise comparativa é o fato de que os programas, a própria disciplina e os professores sofreram a

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influência dos movimentos sociais, políticos e culturais de cada época. Isso fica claro quanto ao número de disciplinas de História da Educação oferecidas em um mesmo curso, no nosso caso, no Curso de Pedagogia, assim como pela lista de conteúdos programáticos e de referências bibliográficas sugeridas pelos professores em cada período da História Contemporânea.

Outro aspecto que gostaríamos de destacar nessas nossas considerações finais é quanto à necessidade de se colocar o educando da disciplina de História da Educação em contato: com textos dos próprios educadores; com textos de historiadores da educação; bem como o de localizar os mesmos no tempo e no espaço. Ou seja, a necessidade de se trabalhar a disciplina de História da Educação contextualizada, e também a necessidade de colocar os educandos em contato com os historiadores e os próprios educadores, para que os mesmos possam se embeber da História da Educação nas fontes históricas mais puras e singulares.

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PROFESSORES de História da Educação. [Entrevista] Canoas, 2005. Entrevistas semi-estruturadas gravada e transcrita por Miguel Orth para este trabalho.

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CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Ed. UNESP. 1999. pg. 701. (Encyclopaidéia).

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GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 4º ed. São Paulo: Ática, 1996.

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LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação e da pedagogia. 4º ed. São Paulo: Nacional. 1969.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira História da Educação no Brasil. 20º ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

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LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. V. I e II, São Paulo: Mestre You, 1974.

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LUCKESI, Cipriano C. Filosofia da Educação. (Brasil). São Paulo: Cortez, 1990. P. 181.

ROSA, Maria da Glória de. A História da educação através dos textos. São Paulo Ed. Cultrix, 1976.

MONROE, Paul. História da Educação. 8. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.

Miguel Alfredo Orth – Unilasalle – [email protected]

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 243-251, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

O Ensino de História da Educação na UNIJUI Anna Rosa Fontella Santiago

Resumo

O texto descreve o percurso teórico-metodológico do ensino de história da educação na UNIJUÍ, enfatizando sua integração ao Curso de Pedagogia onde assume o caráter de disciplina ligada à área das ciências histórico-hermenêuticas, voltadas à interpretação da ação pragmática do homem nas suas relações com a cultura e a sociedade. Na dinâmica da reestruturação curricular do Curso de Pedagogia, a disciplina articula-se aos aportes paradigmáticos que orientam a proposta de formação do educador para integrar-se ao conjunto de componentes e atividades curriculares com o objetivo de auxiliar na interpretação e entendimento das práticas educativas, numa proposta de curso que pretende ter a pesquisa como princípio educativo.

Palavras-chave: educação; formação; interpretação; história.

Abstract

The text describes the theoretical-methodological course of the teaching of history of the education in UNIJUÍ, emphasizing your integration to the Course of Pedagogy where assumes the character of linked discipline to the area of the sciences historical-hermeneutics, returned to the interpretation of the man's pragmatic action in your relationships with the culture and the society. In the dynamics of the restructuring curriculum of the Course of Pedagogy, the discipline pronounces to the contributions paradigmatics that they guide the proposal of the educator's formation to become complete to the group of components and activities curriculum with the objective of aiding in the interpretation and understanding of the educational practices, in a course proposal that intends to have the research as educational beginning.

Key-words: education; formation; interpretation;, history.

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Para dizer como tem ocorrido o ensino de história da educação na UNIJUI é preciso fazer referência aos aportes teóricos que têm sustentado o desenho curricular nos cursos de formação de professores que são, desde a fundação desta instituição, a sua marca distintiva. Em especial, é preciso destacar o Curso de Pedagogia, pois embora alguns conteúdos de história da educação estejam, de alguma forma, incluído no currículo de todas as licenciaturas, é na Pedagogia que a disciplina se destaca como um componente curricular importante para o entendimento das relações que, em contextos históricos específicos, produzem entendimentos singulares acerca do fenômeno educativo e das teorias que sustentam a práxis pedagógica.

Ao conduzir reflexões sobre as dimensões política, social, cultural e econômica, no contexto macro-estrutural onde têm origem as práticas pedagógicas e as políticas educacionais, a história da educação insere-se no conjunto de outras disciplinas do curso de Pedagogia como instrumento básico para a investigação, dando suporte aos/as acadêmico/as na busca de respostas para as questões educativas desde a realidade onde elas se configuram.

No que se refere ao percurso feito pela disciplina, em sua abordagem teórica, pode-se dizer que, até a década de 1980, à medida que a História da Educação fazia parte da área de “Fundamentos da Educação”, buscava-se na Filosofia da Educação o fio condutor para entrelaçar temas e conteúdos específicos relacionados às áreas de formação. Assim, as diferentes habilitações do curso de Pedagogia (Administração Escolar, Supervisão Escolar e Orientação Educacional) incluíam, sob o pano de fundo das relações sociais, políticas e econômicas - abordadas também em outras disciplinas como a Sociologia, a Filosofia e Estudos de Problemas Brasileiros -, as temáticas relativas à história das idéias pedagógicas, à organização dos sistemas de ensino, às políticas educacionais, dentre outras. Todos os conteúdos, porém, pretendiam articular-se a uma visão ampliada do contexto histórico, o qual se entendia ser ordenador das práticas educativas.

Pode-se dizer que, até então, a disciplina de História da Educação, ministrada em três semestres do Curso de Pedagogia, apresentava-se como um cenário de relações onde questões econômicas e políticas apareciam como determinantes das práticas societárias de onde emergiria a organização dos sistemas educacionais. Nessa perspectiva, entendia-se que a superestrutura ideológica gestaria concepções filosóficas, epistemológicas e, em conseqüência, idéias pedagógicas e teorias responsáveis pela gestão da educação e a condução do ensino.

Assumindo uma postura dialético-marxista, buscava-se, na interpretação da história da educação e da pedagogia, os sinais da luta de

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classes, das práticas de resistência, da exclusão e do percurso do homem na luta secular para superar a divisão entre os que estão autorizados a pensar, a decidir e a falar e os que estão fadados ao silêncio, ao trabalho e à submissão. O percurso metodológico era mais ou menos linear desde a Antigüidade, a Idade Média e a Modernidade, fazendo interlocução com teóricos clássicos como Mário Manacorda, Lorenzo Luzuriaga, Paul Monroe, Aníbal Ponce, Bogdan Suchodolski, Henri Marrou e, também, com pesquisadores brasileiros como Otaísa Romaneli, Maria Luiza Ribeiro, Maria Lúcia Arruda Aranha e outros que, durante o percurso, foram publicando seus estudos sobre a história da pedagogia e da educação brasileira e ampliando a literatura da área com suas contribuições.

A partir da década de 1990, inserindo-se no debate nacional sobre a reformulação dos cursos de licenciatura, o grupo da UNIJUI participou ativamente nos seminários promovidos pela AESUFOP (Associação de Escolas Superiores de Formação de Professores) e pela ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação), que desencadeavam uma discussão profícua sobre a identidade dos cursos de formação de professores e acerca dos aspectos teórico-metodológicos da reconstrução curricular, em especial dos cursos de Pedagogia, cuja proposta de formação do especialista em educação era veementemente questionada.

A partir das reflexões provocadas pelo debate nacional, na fecunda discussão coordenada por Mário Osório Marques acerca da identidade da Pedagogia e do lugar que esta deveria ocupar como ciência prática-hermenêutica na interpretação e condução da educação e, portanto, na reconstrução dos cursos de formação de professores, nasceu o livro “A Formação do Profissional da Educação” (MOM. Editora UNIJUI, 1992). Com esta obra, o emérito educador inseria-se no contexto das preocupações do Movimento Nacional de Reformulação dos Cursos de Preparação de Recursos Humanos para a Educação, vinculado à ANFOPE, trazendo sua contribuição numa proposta de formação onde a reciprocidade dialética de teoria e prática, em íntima relação, pudesse ordenar o currículo dos cursos, fazendo-se “práxis social/histórica” na mediação exercida pela educação e pelos educadores na produção/reprodução do conhecimento e dos sujeitos coletivos.

Apresentando a Pedagogia como ciência articuladora na formação de educadores, em qualquer habilitação, assim se expressava Marques:

(o curso) como forma de educação dos educadores necessita assumir seu próprio direcionamento teórico com estatuto de ciência específica, uma ciência que atenda as necessidades de compreensão, da organização e do direcionamento de objeto por natureza histórico e complexo. Tanto a educação como a ciência da educação

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necessitam ser mediadas pela ação do educador, para que possam, em reciprocidade, modela-la e construí-la. Teoria e prática se acham intimamente relacionadas e auto-exigentes numa práxis social/histórica, como tal vinculada sempre de novo à teoria que a faz práxis reflexiva”. (MOM, 1992, p. 11).

Amparado por reflexões desse nível, o grupo de professores responsáveis pelo Curso de Pedagogia, na UNIJUI, propôs uma experiência de organização curricular e uma proposta teórico-metodológica para o planejamento da ação docente que pretendia superar a visão fixista de currículo, a linearidade, a fragmentação e o isolamento das disciplinas. Na visão dinâmica que se adotava, o conhecimento era visto como “produção histórica, sempre provisória, falível e reiterativa, inseparável de seus portadores reais, vivos, que os produzem em suas práticas sociais concretas, entre as quais se situa a educação” (Marques, 1992, p. 104). Esse princípio epistemológico inspirava uma proposta de ação coletiva e interdisciplinar no curso de Pedagogia. Adotou-se, então, uma organização curricular centrada em eixos temáticos e conceituais que, transversalizando e, ao mesmo tempo, agregando as disciplinas em processo sempre recorrente a cada turma semestre, pudesse inter-relacionar as dimensões epistêmicas, metodológicas e organizativas do currículo.

Nesse desenho curricular, as tematizações estruturavam o curso em linhas conceituais e eixos que, verticalizando o currículo, teciam a rede de relações entre as disciplinas e os conteúdos específicos em todo o percurso da formação.

Os eixos temáticos eram tomados como momentos fortes em cada etapa do desenvolvimento curricular, concentrando esforços, tanto na retomada contínua dos passos dados, quanto na agregação de novas tematizações. Assim, na dinâmica do desenvolvimento curricular, a articulação vertical dos eixos temáticos e a agregação horizontal das diferentes disciplinas, cujos conteúdos integravam-se no planejamento interdisciplinar em cada turma semestre, teciam, em relação espiralada, a estrutura do curso.

Nessa proposta de interdisciplinaridade, não se dispensava, porém, a especificidade das disciplinas e das regionalidades do saber. As linhas conceituais que, em cada semestre, teciam a verticalidade dos eixos temáticos, faziam com que as disciplinas, embora estando presentes em todos os momentos do ensino aprendizagem na integração dos conteúdos, não tivessem sempre igual peso e ênfase. Havia, sempre, momentos fortes de determinadas disciplinas ou áreas de acordo com o eixo e a linha conceitual proposta em cada fase da formação.

Nessa estrutura de curso a história da educação, agregada à linha conceitual das ciências histórico-hermenêuticas, fazia parte do eixo

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temático “Conhecimento, Educação e Sociedade” que organizava disciplinas e conteúdos específicos no segundo, terceiro e quarto semestre do curso, com ênfase especial, em cada semestre, a um conceito específico: o conhecimento, a educação e a sociedade, respectivamente. As ciências histórico-hermenêuticas eram definidas como uma ampla área de conhecimento voltada à interpretação da ação pragmática do homem na relação intersubjetiva do mundo da vida. Daí porque agregava as disciplinas do Ciclo Básico e os conceitos trabalhados na primeira etapa da formação, no entendimento que sociedade, cultura e linguagem são pilares da significação e do conhecimento. Propunha-se, desse modo, a formação de uma sólida base conceitual, formada nos primeiros anos, para criar as condições de, em etapas posteriores, romper o caráter meramente técnico das disciplinas instrumentais.

A disciplina História da Educação tinha seus momentos fortes no segundo, terceiro e quarto semestres quando, articulada à Filosofia e à Sociologia da Educação, deveria dar ênfase a uma interpretação crítica do fenômeno educativo, pois segundo a proposta do curso,

A ação, porém, não se interpreta diretamente, mas enquanto projetada nos signos exteriores transmissíveis através dos tempos. Requerem teorias que façam ascender dos signos às ações e intenções dos atores, aos acontecimentos e respectiva significação. Processam-se no uso da linguagem pragmática exigida pela intersubjetividade da livre comunicação no mundo da vida, isto é, dos pressupostos que tornam possível a vida dos homens em sociedade, uma linguagem que, bloqueada e distorcida na prática histórica, necessita recuperar sua legitimidade pelo recurso às ciências histórico-críticas (Marques, 1992, p.168).

Esoerava-se, assim, que a História da Educação, no conjunto das disciplinas que constituíam os fundamentos da educação articulasse uma reflexão crítica sobre os modos como, no percurso histórico da humanidade, se constituíram entendimentos sobre a educação e a pedagogia, traduzidos estes em formas de organização, em sistemas e políticas que se refletem nas práticas pedagógicas. Articulando-se aos temas e conceitos estruturais do currículo, deveria trazer contribuição ao campo das disciplinas histórico-críticas1 e empírico-analíticas2 que teciam a unidade do curso, não só nos

1 O campo das ciências histórico-críticas era definido como aquele que agregava disciplinas, conteúdos e conceitos de caráter emancipatório, voltados ao resgate do processo histórico de auto-constituição dos sujeitos em contextos de comunicação. 2 As ciências empírico-analíticas, embora referidas a fenômenos empiricamente apreensíveis do mundo físico, o fazem através de quadros conceituais de interpretação que antecedem e guiam a experiência. Assim sendo, “Socorrem-se as ciências empírico-analíticas da Lógica e das Matemáticas, sempre porém referidas ao mundo físico, no qual está também o observador por

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semestres em que eram elas ministradas, mas também nos posteriores, onde o ciclo profissional tomado como eixo central da formação, retomaria o fio condutor da construção do conhecimento para tecer, nas Didáticas, Metodologias e Práticas de Ensino, os saberes exigidos pela prática profissional.

Ao colocar em prática essa proposta, percebeu-se logo que, embora avançando numa visão dinâmica de currículo, na pretensão de abandonar os determinismos essencialistas e metafísicos na concepção epistemológica que dava sustentação à estrutura do curso, continuávamos operando com a idéia de trabalhar os “fundamentos da educação”, cujo objetivo seria fornecer o suporte para a interpretação crítica e a formação profissional. Portanto, a dinâmica curricular ainda não dava conta de superar a linearidade do paradigma técnico-instrumental. Metodologicamente, a disciplina História da Educação, apesar do mérito de proporcionar aos/as acadêmicos/as a compreensão das origens greco-latinas da civilização ocidental e da tradição pedagógica que, por conta dessa cultura herdada, se faz presente nos processos educativos, deixava à margem o diálogo com as práticas locais e as culturas particulares que deveriam forjar a fecundidade do conhecimento, fazendo nascer o novo sem negar a tradição, a história e a cultura.

Nos últimos anos, como de resto todas as instituições formadoras de profissionais da educação, a UNIJUI, também foi atropelada pelas políticas públicas que vêm buscando definir diretrizes para a formação profissional e, em conseqüência, propondo a reestruturação dos cursos. Para adequar-se à legislação e às orientações oficiais do Ministério da Educação, o Curso de Pedagogia sofreu alterações significativas em sua estrutura curricular porém, o grupo de docentes por ele responsável procura manter-se atento para que as determinações normativas não se sobreponham às discussões teórico-metodológicas.

Todavia, pela necessidade imposta de ampliar a carga horária nas disciplinas prático-instrumentais, a história da educação perdeu espaço em um semestre letivo. Procura-se compensar essa perda com uma reorganização em seu projeto pedagógico que inclui, além das disciplinas, outros componentes curriculares como seminários temáticos, oficinas e ciclos de estudos, cujo objetivo é a discussão de temas que proporcionem a atualização e a complementaridade do currículo. Nesse contexto de mudanças a história da educação não se desviou dos fins e objetivos delineados, desde a década de 1990, na velha matriz dos cursos de formação

ele afetado e afetando-o de modo a exigir que a interpretação igualmente recorra aos saberes histórico-hermenêuticos e histórico-críticos” (Marques, 1992, 168)

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do educador, mas insere-se, hoje, numa proposta que visa, em especial, a formação do pedagogo da sala de aula e, nesse sentido, adequa-se à nova política curricular procurando dar conta de sua tarefa em dois semestres letivos.

Os aportes teóricos que organizam o ensino também são outros e a estratégia utilizada para ganhar em qualidade o que se perde em quantidade de tempo no currículo tem sido a reestruturação metodológica dos conteúdos, privilegiando uma organização temática, flexível e articulada aos demais componentes curriculares.

A contribuição do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, em funcionamento desde 1994, também merece destaque no processo de reconstrução e adequação dos cursos de formação de professores. O curso de Mestrado em Educação emergiu das reflexões que animavam o Departamento de Pedagogia, no inicio da década de 1990, e sua criação garantiu a continuidade e o aprofundamento das discussões, em outro nível, agregando um grupo de doutores em educação e áreas afins, todos envolvidos com a pesquisas e a produção científica na área da educação e da formação docente. As pesquisas e a reflexão teórica que ali se produz alimentam as discussões, no âmbito dos departamentos, acerca da proposta político-pedagógica dos cursos de graduação, ajudando a redimensionar, não só a estrutura curricular para adequação às exigências oficiais, mas também a dinâmica do ensino nas disciplinas ministradas. O Estágio em Docência na Graduação, oferecido no curso de mestrado como disciplina obrigatória para alunos bolsistas da CAPES e optativa para os demais, tem trazido significativa contribuição dos mestrandos às discussões sobre a docência universitária, com a divulgação de suas pesquisas, a publicação de coletâneas e artigos.

No que se refere ao ensino da história da educação no curso de Pedagogia, pode-se dizer que o seu redirecionamento teórico-metodológico beneficia-se com a oferta da disciplina “Sociedade Brasileira e Educação” no curso de mestrado, ministrada, nos últimos quatro anos, pela autora deste artigo juntamente com o professor Doutor Paulo Afonso Zarth. Os estudos realizados no desenvolvimento dessa disciplina, que envolvem aspectos históricos e sociológicos na reflexão sobre a educação brasileira, têm se constituído em espaço privilegiado para uma profícua discussão acerca dos discursos que produzem, em diferentes épocas, imagens do Brasil, do povo brasileiro, da educação e de seu papel na constituição da nação.

Assim, sem abandonar as referências teóricas que, historicamente, vêm constituindo a identidade do curso de Pedagogia, a proposta de ensino, da história da educação, avança na dinâmica constante da reestruturação curricular e dos aportes paradigmáticos que sustentam as

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pesquisas e a produção intelectual na UNIJUI. Hoje, pode-se dizer que o esforço teórico-metodológico no desenvolvimento da disciplina situa-se no sentido de superar os sistemas de pensamento que se propõem a anunciar verdades estáveis e coerentes para inscrever-se na linha daqueles que acreditam no papel constitutivo da linguagem. Nessa perspectiva, o ensino da história da educação abandona o objetivo de abordar os aspectos macro estruturais da sociedade e da cultura para entender o processo educativo e assume a posição de um componente curricular que, integrando-se ao conjunto de atividades curriculares auxilia na interpretação/entendimento das práticas educativas, numa proposta de curso que pretende ter a pesquisa como elemento articulador da formação.

Concordando com Nóvoa de que “a linguagem deve ser vista como um sistema que constrói mais do que reflete, que prescreve tanto quanto descreve” (in Monarcha, 1999, p.12) a disciplina integra-se ao currículo numa dimensão de pesquisa e reflexão sobre a pedagogia e a sociedade brasileira a partir das práticas locais procurando entendê-las no contexto cultural em que se produzem. Nessa perspectiva, o cenário histórico é apresentado para uma leitura da realidade educacional sem pretensão de “fundamentar” a interpretação ou apresentar as “causas” que determinam ou fixam os sentidos, mas sim como discurso que sedimentam a interpretação de fatos, que encaminham políticas públicas ou que provocam resistências e rupturas. Parte-se, então, da realidade vivenciada pelos/as educandos/as tematizando aspectos que se constituem em objeto de pesquisa e, na interlocução com os textos e autores lidos, vão-se construindo reflexões e entendimentos.

Temas como o currículo, a disciplina, a educação infantil, a educação especial a educação popular, a educação de jovens e adultos e outros de interesse dos/as acadêmicos são estudados nesse cenário, articulando as dimensões históricas, filosóficas, antropológicas e sociológicas. Abandona-se, porém, a pretensão de interpretar um contexto para trabalhar com a idéia de analisar os textos como abordagens amplas que organizam os discursos e (re) constituem a realidade social e educativa.

Metodologicamente, vimos trabalhando com o princípio da pesquisa, partindo de investigações locais sobre os temas de interesse dos/as acadêmicos/as para evoluir em leituras e reflexões mais amplas que são apresentadas ao final de cada etapa semestre na forma de seminários e pôsteres, com o intuito de publicizar e ampliar pesquisas e discussões articuladoras entre o local e o global, os saberes culturais e a conhecimento legitimado pela ciência (doxa e episteme), acreditando, ainda, na possibilidade de romper as fronteiras disciplinares e tecer, em relações

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dialógicas, a ampla e complexa teia da formação, sempre exigente de continuidade e renovação.

Referências

MARQUES, Mário Osório, A Formação do Profissional da Educação. Ijuí: Editora UNIJUI, 1992.

MONARCHA, Carlos (Org.) História da Educação Brasileira. Ijuí: Editora UNIJUI, 1999.

SANTIAGO, Anna R. F. Formação do Educador e Compromisso Pedagógico.In DALBOSCO Et. All. Sobre Filosofia e Educação: subjetividade-inbtersubjetividade na práxis pedagógica. Passo Fundo: Editora UPF, 2004.

Anna Rosa Fontella Santiago é Doutora em Educação e Professora da UNIJUI.

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 253-261, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

A História da Educação no curso de pedagogia da Universidade de Passo Fundo: aportes na história

recente em busca de novas perspectivas Rosimar Serena Siqueira Esquinsani

Resumo

O artigo discorre sobre o ensino de História da Educação na Universidade de Passo Fundo, região norte do Rio Grande do Sul, fazendo dois movimentos: primeiro resgatando minimamente as idas e vindas do componente curricular na grade do curso de Pedagogia ao longo dos últimos 35 anos e, num segundo movimento, tecendo ponderações sobre a atual ementa do componente, lançando questões que apontem para o redimensionamento do ensino de História da Educação no âmbito institucional.

Palavras-chave: ensino de História da Educação; curso de pedagogia; redimensionamento do ensino.

Abstract

The article discourses about the teaching of History of the Education at the University of Passo Fundo, north region of the Rio Grande do Sul State, making two movements: the first one is a minimum rescue of the comings and gone of the grating's resume component of Pedagogia's Course through the past thirty and five years; and, on a second movement weaveeing balances about the current summary of the component, launching questions which points on respect to the new dimension of the teaching of History of the Education in the institucional scope.

Key-words: teaching of History of the Education; Pedagogia's Course; new dimension of the teaching.

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No processo de (re) pensar o ensino de História da Educação, enquanto componente curricular do curso de Pedagogia (Séries Iniciais e Educação Infantil) da Universidade de Passo Fundo/UPF1, garimpei um contexto que mostrava a ‘disciplina’ relegada a um valor secundário nos cursos em que era ofertada. Um componente curricular que, ao longo dos anos, perdeu espaço (material e simbólico); um dos fundamentos da educação tratado de forma periférica em relação aos demais componentes curriculares.

Em amplos traços, (re) pensar o ensino de História da Educação buscando redimensionar o espaço institucional e o respeito epistemológico por este fundamento da educação, pressupôs dois movimentos: o primeiro veio com pinceladas na história institucional e nas idas e vindas que o componente curricular sofreu ao longo de um dado recorte temporal; o segundo movimento nasceu de considerações acerca do status atual do componente, disseminando questões que apontem para novas perspectivas para o ensino de história da educação.

Para escrita do texto demarquei, como tempo de análise, os últimos 35 anos (1971-2006). O ano de 1971 é balizador por assinalar o início dos cursos de licenciatura em regime de férias na Universidade de Passo Fundo, cursos dentre os quais figura a Pedagogia que é ofertada (sempre com grande procura) ainda hoje2.

O espaço da Historia da Educação no currículo do curso de pedagogia: o olhar sobre as últimas três décadas

O curso de pedagogia iniciou, em Passo Fundo, na secunda metade do século XX. No dia 04 de dezembro de 1956 foi autorizado o funcionamento do curso de pedagogia junto à Faculdade de Filosofia mantida pelo Consórcio Universitário Católico de Passo Fundo (Both, 1993, p.42). Consórcio que, alguns anos mais tarde e associado à Sociedade Pró-Universidade, iria dar vida à Fundação Universidade de Passo Fundo, mantenedora da Instituição com mesmo nome.

1 Este processo de (re) pensar a História da Educação na Universidade de Passo Fundo veio como uma das incumbências da docência nesse componente curricular, docência a qual me dedico desde 2001. 2 No mês de janeiro de 2006 exemplarmente, funcionaram junto a Faculdade de Educação, 08 turmas de pedagogia em regime especial, distribuídas entre as habilitações anteriormente referidas e ainda a habilitação em Educação Especial.

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Em 1971, a Universidade de Passo Fundo recebe do Conselho Federal de Educação a autorização para fazer funcionar licenciaturas (entre elas a de pedagogia) em regime intensivo de férias (UPF, s/d, p.02).

No currículo do curso de pedagogia (Habilitação em Administração Escolar e Habilitação em Orientação Educacional) em regime de férias constam História da Educação com 06 créditos (ou 90 horas/aula) e, ainda, História da Educação no Brasil, com 04 créditos (ou 60 horas/aula);

Paralelamente o curso regular de pedagogia aparece, no início da década de 1970, dividido em diurno e noturno. No diurno, a pedagogia assumia status de licenciatura plena e era desenvolvida em 08 semestres ou níveis, sendo que o currículo acentuava a História da Educação, ofertando tal componente curricular no nível III (ou terceiro semestre do curso) com o nome de História da Educação I (03 créditos ou 45 horas/aula) e História da Educação no Brasil I (02 créditos ou 30 horas/aula); já no semestre seguinte ou nível IV, era apresentada História da Educação II e História da Educação no Brasil II, a primeira com 03 créditos e a segunda com 02 créditos, sendo igual carga horária do semestre anterior, o que totalizava, ao longo do curso, 04 componentes curriculares que tratavam sobre a História da Educação e 10 créditos, ou 150 horas/aula (UPF, 1973, 44).

Já o curso noturno era de curta duração (licenciatura em pedagogia) com apenas 05 semestres ou níveis. Ainda assim, a História da Educação I tinha 04 créditos e era lecionada no nível II e História da Educação II abrangia iguais 04 créditos e era lecionada no nível III ou terceiro semestre do curso (UPF, 1973, 46). A diferença entre a plena e a curta era que, enquanto a licenciatura curta encerrava-se no quinto semestre, a plena abria-se em habilitações: Orientação educacional e Administração escolar, além do magistério.

Em 1976, o curso de pedagogia passa a existir unicamente como Licenciatura Plena e Habilitações, sendo que História da Educação é apresentada nos níveis III, IV e V, sob as denominações de História da Educação I e II (ambas com 03 créditos) e História da Educação Brasileira, com 04 créditos (UPF, 1976, pp.29-30), respectivamente.

A partir de 1980, o currículo da pedagogia modifica-se, passando o curso a atender pela denominação de Pedagogia: professor para as Séries Iniciais da Escolarização e disciplinas da Formação especial da Habilitação de magistério de 2o. Grau, sendo que a História da Educação figura apenas no nível I (ou primeiro semestre do curso) com 04 créditos equivalentes a 60 horas/aula (UPF, 1981, p.61). Em tal reformulação curricular também são extintas as habilitações em Administração Escolar e

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Orientação Educacional e mantida, por mais alguns anos, a habilitação em Supervisão Escolar.

Atualmente, o curso de Pedagogia divide-se em habilitações que dão conta de formar professores para atuarem com educação infantil, educação especial e ainda séries iniciais do ensino fundamental e matérias pedagógicas de nível médio. Em cada um dos cursos a História da Educação apresenta-se materialmente da mesma forma: apenas 04 créditos no primeiro semestre do curso, com ementa similar para cada habilitação.

Contrastando com o espaço atribuído a História da Educação no início do recorte temporal analisado, o ano de 1980 encerra tal componente no primeiro semestre do curso com um restrito espaço na grade curricular, ou ínfimos 3% da carga horária total da pedagogia (e habilitações), espaço que perdura ainda hoje.

Há que se constatar que dos fundamentos da educação (sociologia, psicologia, filosofia e biologia da educação)3 a história da educação é o único que tem somente 04 créditos (60 horas aula), sendo ofertado apenas uma vez ao longo do currículo dos cursos. Se levados em consideração como elementos integrantes do núcleo básico do curso de pedagogia (UPF, 2002, p.12), os fundamentos da educação distribuídos da maneira como se encontram hoje, carecem do princípio de eqüidade entre seus distintos componentes.

A falta de relevo desse componente curricular fica evidente até mesmo quando se atenta para números da pós-graduação stricto sensu vinculada à Faculdade de Educação, onde apenas 6% das temáticas desenvolvidas no programa encetam pesquisas ligadas à Historia da Educação4.

A materialidade do componente curricular, entendida como a carga horária semestral; o lugar ocupado na grade curricular do curso; o(s) semestre(s) (nível ou níveis) de oferta, entre outras questões, além de demonstrarem escolhas próprias dos colegiados e instâncias decisórias da instituição, desenham a relevância situacional atribuída à História da Educação. Em muitos casos, ter mais ou menos espaço na grade curricular

3 A Sociologia da Educação ganhou, com a reforma curricular de 2002, o moderno nome de Estudos Sócio-culturais da Educação, sendo trabalhada nos níveis II e III, em ambos com 04 créditos. 4 Desde 1997 a Faculdade de Educação desenvolve o Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado, sendo que até 23 de dezembro de 2005 (www.upf.br) foram 157 dissertações defendidas, dentre essas apenas 09 versavam sobre história da educação, ou cerca de 6%. Sabendo da vocação regional da Universidade de Passo Fundo, tal número é mais assustador, pois somente duas egressas do curso de Pedagogia da UPF aventuraram-se, ao longo dos quase nove anos do programa, a pesquisar sobre História da Educação.

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de um curso, longe de ser uma discussão marginal, reflete a relevância formativa que o componente curricular assume ante os docentes do referido curso.

Tais questões são definidoras da organização curricular, entendida como listagem e seqüência de conteúdos, a ser desenvolvida durante a oferta do componente. A organização curricular está, aliás, diretamente vinculada ao tempo ou à carga horária destinada à História da Educação.

Com o tempo para o desenvolvimento dos conteúdos de História da Educação reduzido, a abordagem de cada tema, bem como a escolha de temas que serão trabalhados em detrimento de outros, passa a ser fator de enfraquecimento e tratamento superficial do componente.

A intervenção docente no desenrolar da aula, bem como as prioridades de conteúdos estabelecidos, deságuam na legitimação de opções de docência e de metodologia de ensino, bem como na defesa de uma história da educação vinculada a um projeto de sociedade. Assevera-se, assim, a não-neutralidade do currículo (aqui tratado em seu plano visível: a listagem de conteúdos), mas a sua vinculação com o momento histórico que o gesta. É o jogo entre o que se ensina, quem ensina, para quem ensina e em que contexto ensina, e o ensino de História da Educação também navega por tais determinantes.

Ponderações sobre o ensino de História da Educação: elementos de organização dos temas e abordagens a partir da experiência no curso de Pedagogia da UPF

É mister acentuar a relevância epistemológica da Historia da Educação enquanto um dos fundamentos da educação, sobretudo no contexto da formação de docentes no ensino superior.

Da mesma forma, estou de acordo com o posicionamento de Nóvoa quando remete ao fato que “ as ciências humanas são históricas por natureza, tanto pelos seus objetos como pelos seus modos de conhecimento”(2004, p.11). Assim, não há como dissociar a Educação da História do processo histórico no qual ela se constitui.

Para tanto, discussões sobre o que se ensina são fulcrais por trazerem à luz elementos que dão indicativos do que (e por que) se prioriza em termos de conteúdos, abordagem que contribui para a proposição de novas formas de pensar e organizar o ensino de História da Educação.

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A ementa de História da Educação, no início dos anos 1990, vigorou até a reformulação curricular de 2002 e rezava ser tal componente responsável por desenvolver conteúdos acerca da

História da educação e da pedagogia. Educação dos povos primitivos. Educação dos povos orientais. Educação clássica. Educação na Idade Média. Educação humanista. Educação cristã-reformada. Educação e pedagogia do século XVII ao século XX. História da Educação brasileira (UPF, 1994).

Já a ementa utilizada atualmente no curso de pedagogia da Instituição de Ensino Superior em foco, amplia e qualifica os itens anteriormente mencionados, dando maior destaque para a História da Educação brasileira e aferindo o regional e o local enquanto campo de estudos, possibilidades, pesquisas e construções:

Introdução ao estudo da história da educação: conceituação, métodos, fases e fontes. A educação nas sociedades primitiva, oriental, clássica e medieval. A educação humanista e o Estado Moderno. A política educacional brasileira frente à ação colonizadora: a fase jesuíta e a fase pombalina. A educação da elite na sociedade agro-exportadora: a experiência imperial. A constituição do sistema nacional de ensino no Brasil na Primeira República e na Era Vargas. A organização educacional brasileira sob o domínio do estado Militar (1964 - 1985). A experiência educacional recente no âmbito regional e local. Perspectivas atuais da educação nacional (Ambiente do Professor, www.upf.br).

A atual ementa, grosso modo, pode ser classificada como um detalhamento da ementa apresentada em 1994, com algumas inovações significativas, embora de forma ainda tímida, como o fato de tangenciar o âmbito regional e local enquanto partícipes da ‘História da Educação’. Tal abordagem admite, por um lado, que o regional e o local estão inseridos em um processo histórico e, por outro, que tanto regionalmente quanto localmente desenvolvem-se experiências educativas que assinalam significativamente o cenário no qual o egresso do curso de pedagogia irá atuar.

Entretanto, em ambos os casos, tem-se um componente curricular que sustenta, na proposição dos conteúdos, a estrutura quadripartite da história geral e brasileira (periodização assentada no modelo europeu / francês) arquétipo que se reflete na periodização linear e na proposição de conteúdos seqüenciais.

Tal proposição de conteúdos desconsidera as escolhas de periodização do ensino de história e sua relação com elementos de poder e projetos sociais, bem como atribui uma pseudo-neutralidade e inocência ao currículo enquanto orientador da prática educativa.

Sobre tal assunto, Chesneaux indica que:

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O quadripartismo tem como resultado privilegiar o papel do Ocidente na história do mundo e reduzir quantitativa e qualitativamente o lugar dos povos não - europeus na evolução universal. Por essa razão, faz parte do aparelho intelectual do imperialismo. Os marcos escolhidos não têm significado algum para a imensa maioria da humanidade: fim do Império Romano, queda de Bizâncio. Esses mesmos marcos destacam a história das superestruturas políticas, dos Estados, o que também não é inocente (1995, p. 95)

A disposição quadripartite contribui para que o discente perceba a história da educação de forma linear, pois os fatos, dados, nomes, assuntos, idéias e ideais pedagógicos são apresentados por meio de uma sucessão cronológica, sendo dispostos linearmente e cotejados por uma noção de evolução que tende a uma explicação simplista (por aparentemente lógica) de causa X efeito.

Com a estrutura linear de organização da História e o tempo do componente curricular assentado em 60 horas/aula, alguns temas podem ser desconsiderados ou superficialmente tratados, já que a preocupação de ‘vencer o conteúdo’ acaba por macular relações mais expressivas.

Arma-se, assim, a cilada do conteúdo pelo conteúdo, da narrativa, do proselitismo sem as necessárias reflexões, deixando o docente refém de uma angustia que domina alguns professores com relativa freqüência, “...preocupados em dar toda a matéria e frustrados diante dessa tarefa impossível” (Pinsky, 2003, p. 28).

O que será enfatizado ou omitido, neste caso, depende do docente que estiver encarregado de tal disciplina. Licenciados em Pedagogia, Filosofia, História, Sociologia e Geografia já se incumbiram de trabalhar História da Educação ao longo dos últimos anos. Cada um, por certo, deu suas cores (as cores de suas preferências) para os temas previstos (ênfases e omissões).

O certo é que, nesta aquarela, o estatuto híbrido da disciplina (Nóvoa, 2004), aquinhoado entre a história e a pedagogia, fica mais carregado das cores da indefinição, ora seguindo a linha da história, ora seguindo os temas relevantes e pontuais da educação.

Estou de acordo com Nóvoa quando pondera que “...a reflexão histórica, mormente no campo educativo, não serve para ‘descrever o passado’, mas sim para nos colocar perante um patrimônio de idéias, de projetos e de experiências” (2004, p.11).

Destarte, apresentar linearmente o passado (como se pudesse ser reduzido a uma relação simples de causa/efeito) não está de acordo com a reflexão histórica no campo da educação. E mesmo tal descrição não pode ser fruto de um trabalho educativo qualquer, sob pena de continuar relegando tão importante componente a um lugar secundário no rol dos

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elementos que compõem a formação do pedagogo que se quer engajado e crítico, criticidade que só vem com o olhar da história e sobre a história.

Tais constatações me permitem tomar partido, defender uma posição acerca de como a História da Educação pode continuar a ‘escrever’ sua história enquanto componente curricular da pedagogia.

Defendo aqui uma História da Educação assentada em recortes pertinentes e significativos, em temas e abordagens que dêem conta de problemas situacionais e não apenas do relato linear (que percebo reducionista, de acordo com a forma como for trabalhado), pois entendo que:

... os diferentes recortes da História permitem que o aluno abra enormes horizontes que podem acolher, inicialmente a sua curiosidade, depois, sua análise e, finalmente, sua identificação com essa ‘gente como a gente’ que construiu o processo histórico do qual ele mesmo faz parte (PINSKY, 2003, p. 35).

Destarte, caberia o tratamento de temas significativos, problematizadores. Temas que reforcem (e não subtraiam) identidades e coletivos, temas que ampliem a visão do aluno/mestre do curso de pedagogia sobre o real sentido do estudo da História da Educação, tendo em vista que “... a História da Educação pode oferecer fatos e interpretações pertinentes, idéias, perspectivas à própria educação, aos que pensam e agem sobre a educação” (Lopes, 2004, p.29)

Tais temas talvez sejam (e perceba o leitor que aqui enveredo pelo campo puro e simples da suposição) relevantes como condição de trazer o espaço perdido (material e por conseqüência simbólico) da História da Educação enquanto elemento essencial no processo de formação do aluno/mestre do curso de pedagogia. Esse processo de (re) pensar o currículo pode permitir aquilatar coerentemente o valor formativo desse fundamento da educação.

Referências

BOTH, Agostinho. Criação da Universidade de Passo Fundo. Passo Fundo: Editora da Universidade de Passo Fundo, 1993.

CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tabula rasa do passado? Sobre a história e os historiadores. São Paulo: Ática, 1995.

LOPES, Eliane Marta Teixeira. O aprendiz de feiticeiro e o mestre historiador: quem faz a história? In: STEPHANOU, Maria; BASTOS,

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Rosimar Serena Siqueira Esquinsani é Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e professora de História da Educação – Faculdade de Educação / Universidade de Passo Fundo.

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 263-274, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Historia da Educação e a formação do professor na UNISINOS

Flávia Obino Corrêa Werle Berenice Corsetti

Resumo

Esse artigo focaliza como os estudos referentes a História da Educação foram tratados no contexto dos cursos de formação de professores da Unisinos desde os anos cinqüenta do século XX até 2005. Apresenta-se um retrospecto histórico do Curso de Pedagogia para seguir com a análise da disciplina História da Educação no contexto do referido currículo. Considerou-se na construção do texto a ementa, objetivos, conteúdos programáticos, bibliografia e professores ministrantes da disciplina de História da Educação. Metodologicamente procedeu-se a uma organização cronológica dos planos por disciplina e a construção de tabelas com categorias decorrentes de sua constituição, formato e informações, seguida de análise interpretativa.

Palavras-chave: Curso de Padagogia; disciplina História da Educação; formação de professores.

Abstract

This article focuses on how the studies referring to the History of Education have been treated in the context of the courses of teacher education at UNISINOS since the decade of the fifties of the 20th century until 2005. Initially we present a hitorical retrospect of the Course of Pedagogy, and afterwards we analyze the subject matter History of Education in the context of the respective curriculum considering especially its summary, objectives, programmatic contents, bibliography and teachers. Methodologically we proceeded through a chronological organization of the teaching plans by subject matter and the construction of tables with categories decurring from its constitution, format and informations, followed by the individual interpretative analysis, as well as conjunctly between the authors.

Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline; teacher formation.

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A presença de cada uma das disciplinas escolares no currículo, sua obrigatoriedade ou sua condição de conteúdo opcional e, ainda, seu reconhecimento legitimado por intermédio da escola, não se restringe a problemas epistemológicos ou didáticos, mas articula-se ao papel político que cada um desses saberes desempenha ou tende a desempenhar, dependendo da conjuntura educacional (BITTENCOURT, 2003, p. 10)

A Historia da Educação, entregue à responsabilidade de professores com marcada orientação religiosa, “nasceu para ser útil” e, por longo tempo, constituiu-se como apêndice da Filosofia da Educação, ambas tidas como disciplinas formadoras e não especificamente como ciências (WARDE, 1998, p. 91-2). As considerações apresentadas nesse texto reiteram e exemplificam essas afirmações bem como a de que, mais atualmente, as propostas dessa disciplina apresentam-se envolvidas por uma “onda culturalista” (WARDE, 1998, p. 96).

As considerações aqui apresentadas acerca das disciplinas de História da Educação e História da Educação Brasileira em cursos de licenciatura da Unisinos abrangem, predominantemente, sua posição no Curso de Pedagogia a partir do ano de 1983, tendo como base de análise os planos de disciplina arquivados no setor de registro da Universidade. Esse procedimento foi o viável tendo em vista o tempo disponível embora concordemos com Bittencourt (2003, p. 35) quando afirma que os conteúdos escolares “analisados pelos currículos formais, pelos textos normativos e livros didáticos expressam apenas parte do que se concebe por disciplina, e [que] há estudos que têm avançado tendo em vista perceber as práticas escolares, as ações e criações de professores e alunos no cotidiano das salas de aula”, utilizando fontes orais, cadernos escolares, além de fontes escritas tradicionais como programas de ensino e legislação.

A partir do histórico do Curso de Pedagogia, analisa-se a disciplina História da Educação considerando ementa, objetivos, conteúdos programáticos, bibliografia e professores ministrantes. Tendo coletado os programas, procedeu-se a uma organização cronológica do material e a construção de tabelas com categorias decorrentes de sua constituição, formato e informações, seguida de análise interpretativa realizada, individualmente, e, em conjunto, entre as autoras. Apenas a partir de 1983 os programas de disciplinas de graduação estão organizados em bases informatizadas o que exigiu a coleta de dados em relatórios e arquivos da Universidade para apresentar um panorama mais abrangente da disciplina.

Embora se reconheça a limitação do material empírico analisado e as muitas possibilidades de articulação e desdobramento que um programa pode ter em decorrência do conhecimento e abordagem que cada professor aporta em seu trabalho docente, e da diversidade no perfil das turmas de

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alunos, essa será a fonte prioncipal de análise utlizada neste artigo. É preciso registrar que pode ter ocorrido, ao longo do tempo, um processo de inércia quanto a atualização formal dos programas das disciplinas mas, no contexto das salas de aula, terem sido reinterpretados de forma vigorosa. Por outro lado considera-se também a hipótese de impossibilidade de seu cumprimento, embora as disciplinas referidas nesse texto tivessem, cada uma, 60 horas aula a cada semestre.

O fato da discussão da disciplina de História da Educação centrar-se em sua posição no curso de Pedagogia advém de que as licenciaturas na Unisinos nunca tiveram em seu currículo este tema tratado como disciplina individualizada. Apenas alunos das licenciaturas de Geografia e de História poderiam matricular-se nessas disciplinas, complementarmente, na modalidade de disciplina optativa.

Anos cinqüenta: instalação do Curso de Pedagogia na Unisinos

Na Unisinos a disciplina de História da Educação nasce com a criação do curso de Pedagogia que foi autorizado pelo Parecer no. 14/55 do Conselho Nacional de Educação. O curso de Pedagogia funcionou de 1957 a 1969, com um mesmo currículo, passando seu primeiro decênio praticamente sem alterações. A lei 4024/61, sim, impacta profundamente a estrutura do Curso de Pedagogia. Dentre as alterações ocorridas registra-se a exigência de estágio sendo que, o primeiro grupo de alunos desse curso realiza seu estágio em escolas do sistema de ensino, em 1963. A reforma universitária, Lei 5540/68 também introduz modificações no currículo desse curso, quando são criadas as habilitações de orientação educacional e administração escolar vinculadas à de magistério das matérias pedagógicas de 2º. grau. Nessa época as disciplinas de História da Educação I e História da Educação II, do currículo mínimo, eram oferecidas no 4o. e 5o. semestres, totalizando 120 horas de aula e compunham tanto o Curso de Pedagogia magistério e habilitação específica em orientação educacional, como o de magistério e habilitação específica administração escolar. O Curso de Pedagogia oferecido apenas no diurno, tinha pelo, Parecer CFE no. 252/69, uma duração de 2.200 horas ou 138 créditos, e pertencia à Escola de Educação que era uma unidade universitária que operava na área de conhecimento aplicado. Concluído o Curso de Pedagogia, as alunas tinham direito de requerer, junto ao MEC, além da habilitação especifica freqüentada era em Sociologia da Educação e Psicologia da Educação.

Nessa forma, funcionou até 1976 e, com base em um levantamento realizado junto aos alunos foi feita uma reformulação

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curricular desvinculando a habilitação de magistério das habilitações específicas de Orientação Educacional e de Administração Escolar as quais passam para o nível da pós-graduação, constituindo-se em cursos de especialização. Com a reformulação o novo Curso de Pedagogia passa a ser implantado gradativamente a partir de 1978, oferecido no período noturno e a disciplina de História da Educação passa a compor o currículo no 3o. semestre do curso e a de História da Educação Brasileira, no 4o. semestre, mantendo cada uma 60 horas de aula. É quando a licenciatura plena em Pedagogia passa a oferecer apenas Habilitação das Matérias Pedagógicas para a formação de professores em cursos de nível médio sendo que o aluno depois de formado poderia requerer registro em três disciplinas dentre: Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, Didática e Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1o. Grau. Portanto, quando voltado para a formação do professor que atuaria no curso Normal ou no Magistério 2o. Grau, o currículo do Curso de Pedagogia da Unisinos, nunca deu direito ao registro em História da Educação, mas em outras áreas que compõem os Fundamentos da Educação. História da Educação compunha o leque de fundamentos da educação mas sem a força de profissionalizar o acadêmico de Pedagogia a ponto de constituir-se em área de registro no MEC.

No ano de 1986 altera-se novamente a proposta do curso, agora organizada em três dimensões – Fundamentos da Educação, Metodologia de Ensino e Prática de Ensino -, passando a oferecer habilitação em séries iniciais. A dimensão Fundamentos da Educação visava “a proporcionar a compreensão ou ‘leitura’ da realidade. Para tanto, concorrem as ciências da educação, enquanto instrumentos criticamente elaborados, de compreensão do homem e do mundo”(SILVA e BOHN, 1990, p.56). A disciplina de História da Educação compondo essa dimensão desdobra-se em duas: História da Educação e História da Educação Brasileira.

Em 1998, sob o impacto da nova lei de diretrizes e bases da educação nacional, Lei 9394/96, o Curso de Pedagogia da Unisinos reorganiza-se, agora diferenciando a formação oferecida sob a forma de ênfases em Educação Infantil, em Séries Iniciais, em Ensino Religioso, em Educação e Trabalho e em Educação de Jovens e Adultos. Esse curso atualmente (2005/2006) está em processo de extinção e, o novo currículo em implantação, reorganizado, não inclui Historia da Educação como disciplina, mas como uma atividade dentro do Programa de Aprendizagem, unidade pedagógica que substitui atualmente a anterior designação de disciplina nas licenciaturas da Unisinos.

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Anos oitenta: a História da Educação abordando vultos históricos, movimentos civilizatorios de longa duração

No Curso de Pedagogia, nos anos oitenta, os planos de disciplina continham apenas quatro elementos além de dados de identificação: o nome do(s) professor(es) ministrante(s), os objetivos, os conteúdos programáticos da disciplina e a bibliografia. Era uma época em que a disciplina de História da Educação sugeria, em seus objetivos, o compromisso com a periodicidade de longo prazo pela intenção de abordar a educação como fenômeno processado através dos tempos em diversas épocas, bem como a noção de continuidade histórica e de aprendizagem a partir das experiências da humanidade. Os conteúdos abordavam a educação na Índia, China, Pérsia, Egito, entre os assírios e babilônios, na Grécia, Esparta e Atenas. Tratava de grandes figuras gregas– Sócrates, Platão, Aristóteles -, educadores romanos – Cícero, Sêneca, Quintiliano -, educadores cristãos, a educação medieval, o renascimento, a reforma e tendências como o pragmatismo, o naturalismo e o psicologismo. A disciplina estava capturada por um periodismo de largo espectro, tradicional no campo da história, acentuando a educação na antiguidade e representações de educação como algo épico/heróico/inédito, a partir de grandes vultos de educadores. As referências bibliográficas eram Larroyo (História geral da pedagogia), Riboulet (História da educação moderna) e Mayer (História do pensamento educacional), bem como Eby e Paul Monroe.

Por três anos esse plano permanece inalterado, tendo os objetivos, em 1986, sofrido uma alteração de redação mantendo a abordagem de história de longa duração e de situações afastadas do “aqui e agora” dos alunos, embora tenham sido incluídos conteúdos relacionados à educação brasileira e reformas de ensino no século XX, bem como educação na atualidade brasileira, problemas e possíveis soluções. Mesmo com estas inclusões temáticas a bibliografia permanece inalterada.

Embora tendo havido uma alteração do currículo do Curso de Pedagogia que passa de habilitação para as matérias pedagógicas do magistério, a Pedagogia com habilitação magistério 2o. grau e para as séries iniciais de 1o. grau, a programação da disciplina de História da Educação se mantém praticamente a mesma ao longo da década de oitenta.

Em 1989, sete anos depois, há uma alteração de bibliografia e de objetivos da disciplina, os quais denotam preocupações antropológicas e com mais ampla contextualização. Passa-se a falar em uma disciplina de História da Educação que se quer crítica das tradições educativas, de seus significados e pressupostos ao longo da história do homem. Entretanto, embora os conteúdos programáticos apareçam formulados com menos

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detalhe, permanece a mesma orientação para história de longa duração e com as anteriores categorizações tendo sido incluídos entretanto, os temas: América Latina e educação: Argentina, Cuba, Nicarágua. A bibliografia difere da que vinha sendo mantida desde o inicio dos anos oitenta, incluindo um livro de historia geral das civilizações, a obra de Lorenzo Luzuriaga (História da educação e da pedagogia) e a de Eliane Marta Lopes (Perspectiva histórica da educação).

Final da década de noventa: modificações teórico-metodológicas na abordagem da disciplina de História da Educação

Nos primeiros oito semestres da década a relação bibliográfica (cinco livros) expressa nos anos oitenta mantém-se, acompanhando a proposta marcadamente voltada para a periodização de longa duração. Ou seja, mantém-se a mesma programação – objetivos, conteúdos programáticos e bibliografia - no inicio dos anos noventa e, em 1994 os objetivos comprometem-se mais com o desenvolvimento de capacidades dos alunos e possivelmente com destaque aos aspectos pedagógicos:

identificar e analisar criticamente as diversas concepções educacionais ao longo da historia. Identificar-lhes a presença no momento atual, sob a forma de pressupostos, práticas, atitudes e preconceitos. Posicionar-se de forma critica em relação as referidas concepções educacionais (Programa de História da Educação, 1994/1)

Os conteúdos entretanto mantém a perspectiva de grande duração (povos primitivos, povos orientais, idade clássica ocidental, Grécia e Roma, medievo, renascença, reforma e contra-reforma, educação nos setecentos e no oitocentos, educação contemporânea). Em 1994 a bibliografia se diversifica e amplia de cinco para vinte obras.

Entretanto, é apenas no final dos anos noventa que a disciplina é rearticulada numa perspectiva metodológica nova e com outras bases teóricas pois a ampliação de bibliografia ocorrida a partir de 1994 não parece ter provocado impacto na formulação dos objetivos da disciplina.

É nos dois semestres de 1998 que vai ocorrer uma grande alteração na proposta da disciplina, encontrando-se registros diferenciados em seu plano que inclui específicos temas expressando uma nova postura epistemológica de abordagem da história da educação. Os objetivos denotam uma preocupação conceitual com “representações”, é explicitado um principio epistemológico que destaca a importância de entender as articulações e pressupostos que inspiram uma dada formatação de conhecimentos, enfatizando que “tendências e correntes em educação

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implicam concepções de homem, mundo e sociedade elaboradas em momentos específicos para objetivos específicos” (Programa da disciplina História da Educação, 1998/1). É nesse semestre que o plano dessa disciplina inclui também um elemento pedagógico inédito “filmes sobre educação”, sugerindo alterações metodológicas no trato dos temas em sala de aula, relacionando doze filmes disponíveis no comércio e locadoras. A bibliografia é ampliada consideravelmente passando a 31 títulos, incluindo livros, capítulos de livros e artigos de periódicos.

No ano de 1999 novas temáticas expressas em objetivos diferenciados em visão macro e visão micro, esta última incluindo o conhecimento da metodologia de pesquisa em História, a vivência de pesquisa através de textos históricos, a leitura de histórias invisíveis (crianças, negros, mulheres, minorias), a problematização das origens da História da Educação bem como a análise de filmes, fotografias, e outros recursos.

Registra-se portanto, no final dos anos noventa uma alteração significativa na proposta de objetivos, ementa, e pela inclusão do tema “A educação no terceiro milênio – paradigmas e desafios” (Programa da Disciplina História da Educação, 1999/1). Por três semestres a ementa acena para processos de compreensão, interpretação e para o emprego da hermenêutica crítica na disciplina de História da Educação.

Ano 2000: diferenciação na programação das disciplinas; impactos na disciplina de Historia da Educação

É a partir de 2000/2 e até 2005/1 que a disciplina, atendendo normas da Universidade, adquire um formato mais amplo incluindo identificação sumária de conteúdos, exigências prévias de conhecimentos e habilidades, padrões mínimos de desempenho, metodologia, técnicas e recursos de ensino e de avaliação da aprendizagem, bibliografia básica e complementar. A formulação de padrões mínimos de desempenho permite identificar as capacidades a serem desenvolvidas, destacando elementos importantes para a formação do professor tais como:

Capacidade de relacionar fatos históricos como elementos de análise da realidade contemporânea; autonomia na escrita de um texto observando-se como sujeito histórico; exercitar a hermenêutica que considere a história como possibilidade (Programa de História da Educação, 2000/2)

Dessa maneira, embora a disciplina de Historia da Educação não figure individualizadamente no currículo, preserva-se o tratamento da perspectiva histórica em cursos de formação de professores, como elemento

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fundamental para compreender a realidade contemporânea e, conquista-se sua inclusão em todas as licenciaturas para além do curso de Pedagogia. Muitos embates foram travados ao longo do processo de reformulação dos currículos na direção de dar mais espaço aos estudos de História da Educação e, convém registrar que mantém-se contida mas não calada a aspiração de um reposicionamento formal mais abrangente do campo da História da Educação nos cursos de formação de professores da Universidade.

História da Educação Brasileira: ênfase na configuração do contexto brasileiro e atrelamento a uma obra/manual

A disciplina inicia em 1988, mantendo-se inalterada, por quase dez anos, até o primeiro semestre de 1997, objetivando o

desenvolvimento de um processo de raciocínio que envolva as capacidades de identificação, interpretação, análise e critica. O conhecimento do processo histórico brasileiro de 1549 até a atualidade com o objetivo de compreender a evolução e as estruturas da dinâmica da educação brasileira (12127, Historia da educação, 1988/1. Destaques das autoras)

A proposta da disciplina de Historia da Educação Brasileira pauta-se, pela lógica temporal, a articulação do conteúdo em grandes períodos e a história econômica como pano de fundo no qual a educação se insere. Destaca-se no objetivo a ênfase no amplo processo histórico brasileiro, a idéia de evolução e de estrutura. Coerentemente com tais destaques o livro adotado ao longo de todos esses quase dez anos é o de Maria Luiza Santos Ribeiro, Introdução à história da educação brasileira. O conteúdo programático segue passo a passo os oito períodos propostos pela autora, os quais referem modelos econômicos como referência das articulações da sociedade e da educação (consolidação do modelo econômico agrário exportador, crise desse modelo, alterações econômicas e do modelo político, incentivo à industrialização, alterações promovidas pela república, estruturação, consolidação e crise modelo nacional desenvolvimentista).

Há uma relação de 7 livros, sendo que apenas três deles são nitidamente produção de história da educação, incluindo Educação e dependência de Manfredo Berger, O que é educação de Carlos Brandão, História da Educação de Paul Monroe – 1968 -, Otaiza Romanelli, e dois livros de Dermeval Saviani, além do de Maria Luiza Santos Ribeiro.

No final dos anos noventa (1996 – 1997) modifica-se a concepção da disciplina à qual é agregada a possibilidade de relativizar a história oficial e discussões tais como

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há várias histórias da educação que se constroem contraditória e relacionalmente,... são possíveis várias releituras das propostas educativas e que procedê-las auxilia a construir uma visão ampla e crítica da educação atual. Fomentar a construção de novas hipóteses sobre a estruturação da instrução pública.... Sensibilizar para a importância de documentar a educação que fazemos e para a preservação de documentos históricos na medida em que trabalhar com documentos – marca/aparência preservada do passado enriquece e amplia a compreensão da educação hoje.... Analisar a posição da disciplina de Historia da Educação em cursos de 2º. grau magistério.(Programa de História da Educação Brasileira, 1998/1, grifo das autoras)

Nesse período a bibliografia é grandemente incrementada listando 57 referências em semestres de 1997 e 1998. No ano de 1999 a disciplina mantém algumas características configuradas nos últimos anos e acrescenta preocupações com a análise de realidades educativas da história brasileira bem como da latino-americana. Outro destaque é a escrita de memorial individual, estratégia sensibilizadora para a importância do trabalho com narrativas da vida escolar e de documentar a educação e a preservação de documentos históricos.

Do ano 2000 em diante a orientação conteudística é reforçada pelo que fica explicitado nos objetivos:

identificar as principais características do período colonial, nos aspectos econômico, social, político, educacional; caracterizar a economia, a sociedade, a política e a educação no período imperial; destacar aspectos mais significativos do contexto econômico, social, político e educacional nas diferentes fases da vida republicana brasileira; relacionar os principais elementos integrantes do processo histórico-educacional brasileiro com a situação atual da educação brasileira.(Programa de História da Educação Brasileira, 2000/1).

A estrutura programática alterada pela Universidade a partir do ano 2000, passou a conter uma proposta assemelhada à de quando a disciplina de História da Educação (final dos anos 80) foi criada, tratando a questão da educação desde a época colonial até a atualidade, privilegiando a relação entre educação e sociedade em cada um dos períodos. Os padrões mínimos de desempenho também expressavam, em forma de capacidades, o periodismo tradicional, o conteudismo e lógica temporal expressa nos objetivos:

capacidade de relacionar fatos históricos como elementos de análise da realidade brasileira, capacidade de relacionar aspectos econômicos, sociais, políticos e educacionais como integrantes da realidade historico-educacional brasileira; capacidade de exercer autonomia intelectual na analise critica de temas estudados. (Programa da Disciplina História da Educação Brasileira, 2000/2).

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Em 2005/1, como referido em páginas anteriores, há profunda rearticulação metodológica nas licenciaturas da Unisinos provocando nova alteração no currículo do Curso de Pedagogia sendo eliminadas as disciplinas de História da Educação e História da Educação Brasileira. A forma Programas de Aprendizagem – PA - é adotada no conjunto dos cursos de formação de professores da instituição e a historia da educação dissolve-se no PA Culturas, Linguagem e Educação, compondo uma pequena parte da atividade História social e pensamento educacional, na qual a história da educação é incluída como perspectiva e são trabalhados textos de autores clássicos (Comenius, Comte, Herbart, Dewey, Gramsci, Rousseau, Piaget, os pioneiros, Paulo Freire) como expressão de época e dos debates educacionais do período.

Elementos conclusivos

Nos quase 50 anos de existência do Curso de Pedagogia da Unisinos, em seus diferentes momentos e até 2005, a História da Educação tem sido considerada como conhecimento necessário para a ação profissional do pedagogo habilitado para lecionar as matérias pedagógicas do 2o. grau ou para a ação de administração escolar, orientação educacional, supervisão escolar ou para formar professores para as séries iniciais de escolarização.

Presentemente e de forma contraditória, quando a formação ofertada no Curso de Pedagogia se amplia para as habilitações de GESTÃO E SUPERVISÃO DE PROCESSOS EDUCATIVOS, ou de PEDAGOGIA DO TRABALHO ou de EDUCAÇÃO ESPECIAL os estudos sistemáticos de história da educação, como disciplina formal com carga horária definida são suprimidos dissolvendo-se na proposta de Programas de Aprendizagem. Por outro lado tal PA é ofertado como disciplina comum a todas as licenciaturas da Universidade o que nos levaria a supor um ganho para a formação do professor.

A análise do programa da disciplina de História da Educação nos anos oitenta, indicou uma abordagem de linha filosófica com destaque a pedagogos de reconhecimento internacional, origem européia ou norte-americana. Essa abordagem foi subsumida por outra periodizadora e presa a temporalidades de longa duração, embora tal característica também estivesse presente no período anterior.

Quanto a História da Educação Brasileira, a periodização é também marcante - vinculada ao emprego da obra de Maria Luiza Santos Ribeiro, cuja primeira edição foi em 1978 -, relacionada diretamente a

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questões super estruturais, ao surgimento, consolidação e crise de modelos econômicos nos quais a educação é tratada como subsidiária pois prevalece a visão de totalidade e de estrutura social macro. Por breve período houve preocupação com a história da educação latino-americana, a história invisível das minorias e com a problematização e relativização da história oficial, com a construção de um memorial individual, bem como com a forma como, no magistério 2o. grau, a história da educação era apresentada. A breve permanência dessas abordagens na disciplina de História da educação demonstra o desconhecimento e afastamento da produção historiográfica que se fez dos anos oitenta em diante. Se as afirmativas de Miriam Warde no Prefácio, incluído nas páginas 9 e 10 da oitava edição (1979) eram válidas para o final dos anos setenta foram elas, progressivamente, perdendo a força tanto é que em edições posteriores tal prefácio não mais foi incluído. Na ocasião Miriam Warde afirmava que a história da educação era um área de conhecimento que gerava poucas pesquisas acadêmicas, que os trabalhos omitiam as conexões entre o objeto particular e a configuração educacional mais ampla e com a dinâmica social inclusiva (WARDE apud RIBEIRO, 1979, p. 9).

Pode-se concluir que a forma de encaminhamento das disciplinas de História da Educação e de História da Educação Brasileira na Unisinos não tinha uma intencionalidade de desenvolver uma postura voltada para a investigação e para a problematização da educação na perspectiva histórica. De maneira geral o encaminhamento mostrou-se conteudístico, marcado por uma abordagem da história geral do Brasil, mais do que por temáticas nitidamente educacionais, relacionados, por exemplo, à história da educação infantil, história das disciplinas escolares, história das relações entre a escola púbica e a escola privada no Brasil.

Conclui-se que embora nos cursos de formação de professores da Unisinos esteja presente o discurso de que a educação é um fato histórico, tal noção não se fará, do ano de 2005 em diante, por disciplinas específicas. A perspectiva histórica pode, entretanto, marcar presença na abordagem de temáticas de várias disciplinas que, mesmo não tendo a designação de história, abordam temas específicos educativos em perspectiva histórica, tal como a tematização da educação infantil tratada inicialmente pela abordagem do contexto histórico educativo identificando suas raízes na Grécia antiga, passando por Comenius no século XVII. Ou a história da alfabetização, ou da Administração escolar, esta desenvolvida a partir do aparecimento e especialização dos sistemas educativos e como teoria sofreu e sofre o impacto da produção da Teoria Geral da Administração.

Há que ressaltar que o conhecimento de História da Educação na Unisinos foi tratado até o ano de 2005 como necessário ao pedagogo mas

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não à formação das demais licenciaturas, pois nunca compôs o currículo da formação de professor de Matemática, de Física, de Educação Física, de Ciências Sociais, de Filosofia, estando apenas opcionalmente presente no currículo da licenciatura em História.

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 275-294, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

Apontamentos sobre a disciplina História da Educação na Universidade da Região da Campanha – URCAMP

(1959-2001) Regina Quintanilha Azevedo

Clarisse Ismério Marilene Vaz Silveira

Resumo

A proposta deste trabalho é fazer um levantamento de dados sobre a disciplina de História da Educação, entre 1959 e 2001, no Curso de Pedagogia, na Universidade da Região da Campanha – URCAMP. Estes apontamentos servirão como contribuição para um futuro mapeamento sobre a disciplina da História da Educação no ensino superior no Brasil. O texto está dividido em três partes: primeiro o perfil da Universidade da Região da Campanha, na segunda parte focalizamos a disciplina de História da Educação no Curso de Pedagogia, nessa Instituição, entre 1959 – 2001 e no terceiro momento o trabalho das professoras da disciplina de História da Educação, atualmente, na URCAMP. Foi realizada uma investigação no arquivo morto da Diretoria de Ingressos e Registros (DIR) da URCAMP, nas pastas dos Registros Acadêmicos, no mesmo setor e no setor de Recursos Humanos da Instituição - nas pastas de professores, arquivo digital e no arquivo morto e na Biblioteca. Com um novo olhar na História da Educação foi realizada uma análise das diversas fontes entrecruzadas, tendo a preocupação de que esta apreciação sirva de aporte para novos trabalhos.

Palavras-chave: Curso de Padagogia; disciplina História da Educação; formação de professores.

Abstract

The proposal of this work is to make a data collecting on disciplines of History of the Education, between 1959 and 2001, in the Course of Pedagogy, in URCAMP (Universidade da Região da Campanha). These notes will serve as contribution for a future mapping on disciplines of History of the Education in superior education in Brazil. The text is divided in three parts: first the profile of the URCAMP, in the second part we focus on disciplines of History of the Education in the Course of Pedagogy, in this Institution, between 1959 - 2001 and at the third moment, the work of the teachers of disciplines of History of the Education, currently, in this University. It was made an inquiry in the archive dead of the Direction of Ingressions and Registers (DIR) of the URCAMP, in the folders of the Academic Registers, in the same sector and in the sector of Human Resources of the Institution - in the folders of professors, digital archive and in the archive dead and the Library. With a new look in the History of the Education was carried through an analysis of the diverse intercrossed sources, having the concern of that this appreciation serves of arrives in port for new works.

Key-words: Pedagogy Courses; History of Education discipline; teacher formation.

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No XI Encontro da ASPHE com os focos temáticos História da Educação na Formação do Educador e A Contribuição dos 10 Anos da ASPHE, realizado na UNISINOS de 29 a 31 de agosto de 2005, cumprindo com um dos seus objetivos foi apresentado um painel (Painel 1) intitulado Ensino da disciplina História da Educação nas Universidades e IES do Rio Grande do Sul: ontem e hoje, com a participação de Elomar Tambara e Eduardo Arriada – UFPel; Miguel Orth – UNISALLE; Maria Helena Câmara Bastos – PUC-RS; Maria Stephanou – UFRGS; Berenice Corsetti e Flávia Werle – UNISINOS; Claudemir de Quadros – UNIFRA; Jorge Luiz Cunha – UFSM e Anna Rosa Santiago – UNIJUI.

Na reunião da ASPHE, após exposição desse primeiro painel, no dia 29/08/2005, foi colocada a importância da adesão de professores de História da Educação de outras instituições de ensino superior que ainda não participam da ASPHE e que, também, deveriam ser convidados a produzir textos sobre sua experiência com o ensino da História da Educação.

Como professoras da URCAMP nos sentimos compelidas a participar, colaborando para que se tenha uma visão da realidade sobre as propostas pedagógicas da disciplina História da Educação e considerando o convite como um desafio a todas as universidades.

No primeiro momento achamos que a tarefa era fácil, mas logo vimos dificuldades na procura dos documentos. O tempo era exíguo e exigia uma dedicação maior para que pudéssemos fazer a investigação do material que estávamos propondo analisar.

Foi realizada uma verificação no arquivo morto da Diretoria de Ingressos e Registros (DIR) da URCAMP, neste mesmo setor - nas pastas dos Registros Acadêmicos e no setor de Recursos Humanos da Instituição - nas pastas de professores, arquivo digital e arquivo morto e na Biblioteca.

Analisamos os dados considerando como apontamentos sobre a História da Educação, no Curso de Pedagogia da URCAMP, pensando na contribuição para um futuro mapeamento sobre a disciplina no ensino superior no Estado, ou na Região Sul, ou mesmo no Brasil.

Dividimos o texto em três partes: primeiro traçamos o perfil da URCAMP – Universidade da Região da Campanha; na segunda parte focalizamos a disciplina de História da Educação no Curso de Pedagogia, nessa Instituição, entre 1959 – 2001 e no terceiro momento o trabalho das professoras da disciplina de História da Educação, atualmente, na URCAMP.

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Ao começar este estudo procuramos todos os planos de estudos1 relacionados à disciplina de História da Educação para analisarmos os conteúdos programáticos e as bibliografias utilizadas. Defrontamo-nos com a falta de seqüência do material, por isso nos interessamos por documentos que explicassem como era estruturada a disciplina e que mostrassem como a disciplina de História da Educação foi organizada ao longo das cinco décadas que passamos a investigar. Essa verificação foi realizada não só nos planos de estudos, mas nos Relatórios e Atas de Avaliação da Instituição.

As pistas, as marcas, os documentos, são fragmentos que não possuem uma verdade inerente, pronta a ser desvelada pelo pesquisador. A partir da operação particular de transformar vestígios em dados de pesquisa, o historiador/pesquisador produz um discurso, uma narrativa que constitui sua leitura do passado (Stephanou e Bastos, 2005, p. 417-418).

Passamos a fazer nossa leitura investigando os documentos relacionados ao curso de Pedagogia. Perseguimos as pistas e localizamos novos dados nos documentos, encaixando as peças e inserindo no contexto das políticas educacionais das décadas de cinqüenta, sessenta, setenta, oitenta e noventa.

Consideramos relevante saber sobre a formação dos professores, a habilitação para que pudessem trabalhar na disciplina História da Educação, assim como a bibliografia utilizada por esses docentes. Desta forma, foi realizada uma análise das diversas fontes, sem ter a pretensão de esgotar sobre o assunto, mas tendo a preocupação de que essa apreciação sirva de aporte para novos trabalhos.

Com os dados retirados das Atas e dos Relatórios para Avaliação do Ministério de Educação e Cultura, entrecruzados com os planos de estudos é que passamos a refletir sobre essa disciplina no Curso de Pedagogia.

Foi importante cruzarmos os diversos documentos investigados, entendendo que o cruzamento e confronto das fontes poderá também ajudar no controle da subjetividade do pesquisador (Lopes e Galvão, 2001, p. 93 – 94).

Dentro de uma visão geral descrevemos o perfil da Universidade da Região da Campanha apontando seu papel social e indicando seu objetivo, que nasce no município de Bagé e atualmente se estende por sete municípios: Dom Pedrito, Sant’Ana do Livramento, Alegrete, Caçapava do Sul, São Gabriel, São Borja e Itaqui.

1Quando falamos em plano de estudo nos referimos ao plano da disciplina elaborado pelo/a professor/a. Em 1990 era chamado Plano de Ação, em 1991 é denominado Plano de Curso e em 2000 Plano de Estudo.

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Perfil da Universidade da Região da Campanha

A primeira manifestação do Ensino Superior no município de Bagé acontece com a Faculdade de Ciências Econômicas, em 1953, com sua Entidade Mantenedora – Associação de Cultura Técnica e Econômica, sendo reconhecida em 1955, dissociada dos cursos de Filosofia e Pedagogia que também são criados, ainda na década de cinqüenta, com vínculo direto na Universidade Católica de Pelotas2 (Processo 30.687/57 – Decreto 62.697/68). Mais tarde foram autorizados, pelo Governo Federal, o funcionamento de outros cursos, sendo registrada em 1969 a criação da Fundação Universidade de Bagé3 (Ata nº 9, 12/12/1965) que, depois se transforma em Fundação Attila Taborda (FAT4) com uma única administração, sendo mantenedora das Faculdades Unidas de Bagé (FUnBa). Com a reunião de todas as Faculdades que se criaram no final da década de cinqüenta e sessenta, na cidade de Bagé, passa a se caracterizar como instituição educacional autônoma. Novos cursos são criados nas décadas de setenta e oitenta culminando em 1989 (Portaria 052 – 16/02/89, Parecer CFE 183/89, conforme Processo nº. 23001.000771/86-45) com o reconhecimento de Universidade – URCAMP (Universidade da Região da Campanha), continuando com sua Mantenedora a FAT.

2 “Aos que esse nosso decreto virem saudação, as bênçãos de Nosso Senhor.

Fazemos saber que atendendo as grandes necessidades de formação intelectual e moral da juventude da cidade de Bagé, com uma população escolar já muito elevada, contando com 9 estabelecimentos de ensino secundário e uma Escola Superior;

Considerando a necessidade de formar seu próprio professorado secundário para atender mais facilmente aos mencionados estabelecimentos;

Considerando que sem um estabelecimento próprio para o fim citado Bagé vê-se obrigada a enviar seus filhos a Porto Alegre, Pelotas e Santa Maria havemos por bem fundar nesta data a Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras de Bagé, mantida pela Mitra Diocesana de Pelotas, com a colaboração das beneméritas Irmãs Franciscanas e de elementos de projeção da sociedade bageense com o decidido apoio das excelentíssimas autoridades locais.

Dado o passado na cidade de Bagé, aos 27 de maio de 1957.

Antonio Zattera, Bispo de Pelotas” (Decreto do Gabinete Episcopal, copiado na íntegra. Livro da Fundação Attila Taborda, encontra-se na Biblioteca da URCAMP). 3 Conforme Parecer nº. 1.028/73 – CESu (1º Grupo), aprovado em 3 – julho – 1973 (Proc. nº. 1.146/72 CFE) 4 A denominação da entidade Mantenedora teve que ser alterada por ser considerada indevida a expressão “universidade”, sendo aprovada como Fundação Attila Taborda. No mesmo Relatório consta um documento da Universidade Católica de Pelotas desligando as Faculdades de Filosofia e Letras e de Direito (Parecer nº 1.028/73 – CESu (1º Grupo), aprovado em 3 – julho – 1973 (Proc. Nº 1.146/72 – CFE)).

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O período5 em que o Ensino Superior passa a ser discutido na cidade de Bagé, foi marcado por grandes mudanças políticas no panorama nacional. Primeiro com a eleição do presidente Getúlio Vargas (1950-1954) na bandeira do nacionalismo e o trabalhismo getuliano com a preocupação na educação para as classes populares, mais voltadas ao ensino primário do que o superior. O suicídio de Vargas em agosto de 1954 não pôs fim ao getulismo. Pelo contrário, deu novo alento à coligação PSD-PTB que, com a chapa Juscelino Kubitschek (PSD) e João Goulart (Jango) (PTB), conquistou o governo em 1955 em eleições diretas, com a bandeira da “educação para o desenvolvimento” priorizando o ensino técnico-profissionalizante, para o Ensino Médio e acreditando que o ensino primário também deveria ter uma educação voltada para o trabalho. Com a preocupação que a escola atendesse o mercado de trabalho passa a beneficiar, entre 1957 e 1959, o ensino industrial com recursos financeiros, deixando a universidade para aqueles que tivessem “vocação intelectual” (Guiraldelli Jr., 2003, p.112-113).

A década de cinqüenta caracterizou-se pelas discussões sobre a reforma de ensino, com a apresentação do anteprojeto, em 1958, culminando em 1961 com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. No período de 13 anos, do primeiro anteprojeto à promulgação da Lei, ocorrem alterações no foco das discussões e das divergências, orientando-se primeiro em torno das concepções acerca da organização do sistema educacional, traduzido no conflito centralização-descentralização e, num segundo momento passa a preponderar o conflito público-privado, tema de embate entre católicos e liberais (Vieira e Freitas, 2003, p.114-115).

A Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras de Bagé foi criada como extensão da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), com o apoio do Bispo Dom Antônio Záttera, que também era o Reitor dessa Universidade. Passando a funcionar, provisòriamente, no edifício do Colégio Espírito Santo [colégio tradicional da ordem Franciscana que tem uma tradição como escola de formação de professores] situado à rua General Osório nº 1254, na cidade de Bagé, Estado do Rio Grande do Sul (Registro de Avaliação pelo Inspetor Dr. Osvaldo da Costa Moraes, conforme Portaria 105 de 9 de setembro de 1946 - Livro de Documentos de Instituições – Livro encontra-se na Biblioteca da URCAMP).

Segundo Souza (1997) na década de 30 surge a Universidade de São Paulo reunindo os cursos superiores existentes no estado com a

5 Podemos conferir nos trabalhos de Romanelli, 2002; Ghiraldelli Jr., 2003; Vieira e Freitas, 2003; Hilsdorf, 2005 o registro histórico sobre as mudanças políticas e educacionais.

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tentativa de verdadeira integração universitária. Destaca o papel da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras com a finalidade de servir como um tronco comum de estudos básicos, contendo as matemáticas, as letras, a física, a química, a biologia, a geografia, a história, as ciências sociais e políticas, além da própria filosofia, a partir do qual se prolongariam os diversos galhos dos cursos profissionalizantes (p.24).

No discurso de Almeida Prado, citado por Souza (1997), como primeiro diretor da USP, ressalta:

(...) Somente a Faculdade de Filosofia poderá ministrar esse ensino medularmente científico, o ensino, como escreveu judiciosamente um grande entendedor do assunto, o professor Souza Campos, ’Da matemática feito pelo matemático, da física pelo físico, da zoologia pelo zoólogo, da botânica pelo botânico que sejam realmente integrados no campo da sua ciência, não por uma adaptação provisória ou circunstancial, mas porque se fizeram, nos seus ramos de atividade, por vocação natural, e formação universitária acurada’. No exercício dessa missão estaria a faculdade de Filosofia inteiramente dentro de sua competência. Não representaria uma usurpação de direitos, mas sim a evocação exata de funções, na discriminação específica da finalidade de cada componente do organismo universitário (p.25).

Alicerçadas na idéia de integração dos conhecimentos organizaram-se diversas universidades federais, estaduais e particulares nas décadas de 50 a 70. Período esse que a URCAMP começa sua caminhada, agregando os cursos superiores e os novos cursos que foram criados na cidade.

Conforme Ata nº. 36 do Conselho Universitário – Universidade Católica de Pelotas – UCPel, em 07 de agosto de 1970, o Presidente da Fundação da Universidade de Bagé, Dr. Attila Taborda6

encaminhou ao Reitor Magnífico e a êste Conselho um Memorial com exposição de motivos, acompanhada de diversos requerimentos, que foram objeto de criteriosa apreciação. Os requerimentos são os seguintes:

- Anexação de novas Faculdades – O Presidente da Fundação da Universidade de Bagé solicita que sejam agregadas a esta Universidade a FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS e a FACULDADE DE BELAS ARTES, ambas de Bagé. A primeira funciona desde 1954, com o curso único de Ciências Econômicas, já devidamente reconhecido. A Faculdade de Belas Artes é a fusão do

6 Dr. Attila Taborda: 1960 – Diretor da Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras; 1969 – institui por escritura a Fundação Universidade de Bagé; 1970 – Presidente da Fundação Universidade de Bagé; 1972 – Empossado Pró-Reitor das Faculdades Unidas de Bagé agregada à Universidade Católica de Pelotas; 1975 - falecimento.

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Curso de Artes Plásticas, que funciona desde 1960 no Instituto do mesmo nome, com os Cursos de Música e Canto, que funcionam desde 1964, também todos definitivamente reconhecidos por Decreto Presidencial. As duas Faculdades já estão sendo mantidas pela Fundação Universidade de Bagé, e agora solicita-se que sejam agregadas a esta Universidade Católica, nos termos do art.5º, Nº. 2 do Estatuto, que prevê a possibilidade de agregação de estabelecimentos de Ensino Superior mantidos por outras Entidades. O objetivo visado por êsse pedido de agregação é a adequação jurídica da Fundação Universidade de Bagé às exigências do Ministério de Educação e Cultura, em preparação a criação da futura Universidade de Bagé. Os membros dêste Conselho, unanimente, declararam-se favoráveis a agregação das mencionadas Unidades, com a cláusula de que seus regulamentos se adaptem integralmente ao estatuto desta Universidade. Uma vez satisfeitas estas exigências, as duas Faculdades mencionadas, de CIÊNCIAS ECONÔMICAS e de BELAS ARTES de Bagé, passarão a ser agregadas a esta Universidade Católica de Pelotas (xerox do Livro de Documentos de Instituições – Livro encontra-se na Biblioteca da URCAMP).

Nessa mesma Ata consta o pedido para criação dos cursos de Engenharia Operacional Rural, Biblioteconomia, Ciências Biológicas e de Ciências Contábeis e Ciências Administrativas, agregados a UCPel. O que foi considerado pelos membros do Conselho Universitário como iniciativa elogiável. Mas quando foi encaminhado o pedido para que a Faculdade de Educação passasse a ser autônoma e com o nome de Faculdade de Educação não foi aceito, porque consideravam contrárias às determinações legais que priorizavam que os cursos fossem agregados e se estabelecessem em departamentos.

Com a Lei nº 5.540/68 e uma série de Decretos o ensino superior passa por profundas modificações que perduram até os dias atuais, tendo como finalidade aumentar a eficiência e a sua produtividade. Uma dessas mudanças é a reunião num mesmo departamento as disciplinas afins, com a finalidade de se evitar a duplicação de trabalhos e para aumentar a taxa de utilização de recursos, espaços e instalações. Outra mudança foi à extinção da cátedra vitalícia, em que anteriormente cada disciplina tinha um professor concursado, autoridade máxima naquele domínio de estudos, que dirigia os trabalhos até sua morte ou aposentadoria, sem que houvesse qualquer possibilidade de se compartilhar esse poder quase absoluto (Catani e Oliveira, 2000, p.97-98).

A URCAMP formou-se no contexto da realidade política educacional brasileira, na década de 50, cumprindo as exigências impostas e estruturadas pela legislação, dentro de uma linha fundamentada na Ação

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Católica7, que tinha como objetivo fazer o leigo cristão marcar sua presença de forma ativa nos grupos e instituições, levando a diante os ensinamentos e dogmas católicos para edificar o movimento da neocristandade. Os Cursos de Filosofia e Pedagogia demonstram fortemente esse perfil, pois através de suas disciplinas de Apologética e Dogma8, observamos a filosofia da neocristandade. Cabe ainda destacar que o diretor da instituição Sr. Attila Taborda recebeu da Santa Sé, representada na figura do Papa Pio XII9, em 1957 a comenda de “Cavaleiro da Ordem Eqüestre de São Silvestre Papa”, distinção honorífica concedida pelos serviços prestados à causa da Igreja Católica.

7 A Ação Católica foi criada em 1920 pelo Papa Pio XI (Ambrósio Damião Ratti) e espalhou-se por todo o mundo para levar Cristo Rei a todos os povos através da eleição de um laicato difusor de seus princípios. No Brasil foi criada em 9 de junho de 1935 a Ação Católica Brasileira (ACB), para promover com maior eficácia o movimento laico católico e fortalecer o movimento nacionalista católico. Quando Pio XII assume, em 1939, mantém a mesma postura filosófica de seu antecessor. No Rio Grande do Sul D. João Becker foi o grande incentivador da Ação Católica.(ISMÉRIO, 2002, p. 161-168). 8 Cadeira Apologética – Conteúdos: A Existência de Deus: conceito nominal, problema e sentença; A existência de Deus deve ser demonstrada – Tradicionalismo – inducionismo; Tese Tomista da Demonstração – Demonstração Aposteriore – Demonstração Apriori – Assimultânea – Valor do Princípio de Causalidade – Demonstração da Existência de Deus pela Mutação – Demonstração da Existência de Deus pela dependência do Ser e pela corruptibilidade – Contringência – O materialismo Moderno é o Materialismo Científico e Filosófico - Milagre – Rousseau – Milagre e Objeções – Pentateuco: Historicidade, etc. – Evangelhos: Historicidade, Integridade a veracidade, autenticidade – Os Judeus esperavam um Messias – Jesus tinha a consciência de ser um Messias – Jesus afirmou ser um Messias desde o início de sua vida pública – Jesus Messias segundo o evangelho de São João “Jesus se diz filho de Deus” – Sinópticos – Jesus Filho de Deus segundo São João – Milagres de Jesus – adversários – Verdade histórica dos milagres de Jesus – Verdade (histórica) filosófica, teológica e relativa dos milagres de Jesus – Morte de Jesus e s/ Ressurreição

Cadeira Dogma – Conteúdos: O Reino de “DEUS”, anunciado por “CRISTO”...; O Mundo Cristão e o Mundo Pagão, sua história, seus dogmas; Comunismo, sua ideologia e sua força; A necessidade do conteúdo, vivência e comunicação; Resumo do conteúdo doutrinário da Religião Católica; O conteúdo do Cristianismo: Fé, Esperança e Caridade; A situação atual e o Comunista. (Relatório das 2ª provas parciais, 1961). 9 Pio XII (Eugênio Giuseppe Maria Giovanni Pacelli) que assumiu o nome de Pio XII assumiu o papado em 2 de março de 1939. O novo Papa era de origem romana e foi o Secretário de Estado preferido de Pio XI. Era considerado um homem de grande envergadura e zelo pastoral, por conviver com II Guerra Mundial e a perseguição dos regimes totalitários a Igreja Católica. Defendeu e a redemocratização do mundo através da vontade e determinação dos cristãos, suas idéias influenciaram o movimento católico brasileiro e incentivou a formação de partidos católicos. (ISMÉRIO, 1999, p. 251-305).

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A disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia

O Curso de Pedagogia inicialmente oferecia a habilitação para docência nas Matérias Pedagógicas, posteriormente, foram incluídas as habilitações de Orientação Educacional, Supervisão e Administração Escolar e, por fim, Pré-escola à 4ª série do 1º grau (Projeto Pedagógico, 2002, p. 6).

Conforme o Inspetor Dr. Osvaldo, no Relatório de 1960, o corpo docente da Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras de Bagé consta[va] de 12 professores diplomados todos eles pelo ensino superior e especializados em suas respectivas disciplinas. Estes professores especializados estão relacionados no corpo docente dos Cursos de Filosofia e Pedagogia como professores catedráticos. Importante observar que já atuavam no ensino fundamental ou médio e, principalmente, em curso de formação de professores/as.

Disponibilizamos o documento 1 com a relação das disciplinas, categoria e docentes das duas primeiras séries do Curso de Pedagogia, conforme o Relatório de 1960.

Verificamos que a disciplina História da Educação estava incluída no currículo do Curso de Pedagogia na segunda série, com 45 h/a contando com três créditos, tendo duas professoras para disciplina, a catedrática Profª Clotilde Ma. L. Q. Magalhães e a Profª Eva da Nova, contratada.

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Documento 1 Relação do Corpo Docente Ativo – Curso de Pedagogia

Fonte: Registro de Avaliação do Inspetor Dr. Osvaldo da Costa Moraes, conforme Portaria 105

de 9 de Setembro de 1946 - Livro de Documentos de Instituições –Biblioteca da URCAMP.

Os conteúdos estabelecidos na segunda série eram desenvolvidos numa seqüência cronológica, do homem primitivo, a representação da civilização oriental e da ocidental, na Antigüidade, conforme é registrado abaixo.

Curso: Pedagogia:

Série: segunda

História da Educação

Orientação para o trabalho na cadeira. História da Educação: conceito e objetivo. A educação primitiva. A educação chinesa. Crítica da educação chinesa. A educação hindu: civilização, educação e filosofia. Crítica da filosofia e da educação hindu. Mérito da educação hindu. Egito: civilização e educação. Crítica sobre a educação. Apreciação sobre a educação dos hebreus. Determinação de trabalhos aos grupos (grifo nosso). Períodos da educação grega. Educação em Esparta. Educação ateniense; Educação grega: novo período. Sofistas. Sócrates. Idem. Platão. Apresentação de trabalhos pelas alunas – cultura – divisão de classes e educação egípcia. Apresentação de trabalhos pelos alunos (grifo nosso)- Educação chinesa (Registro de Avaliação do Inspetor Dr. Osvaldo da Costa Moraes, conforme Portaria 105 de 9 de Setembro de 1946 - Livro de Documentos de Instituições –Biblioteca da URCAMP).

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Junto à indicação dos conteúdos está inserida a metodologia adotada – determinação de trabalhos aos grupos e apresentação de trabalhos pelos alunos - demonstrando que as aulas não seriam só expositivos, mas com a participação dos/as alunos/as.

Na década de 70 o “Fluxograma do conteúdo programático” da História da Educação não foge da mesma ordem que os conteúdos estão relacionados acima. Na I Unidade: Introdução ao estudo da História da Educação – História da Educação: conceito e importância; História da Educação: fatores – fases – fontes; II Unidade: A educação primitiva – cultura e sociedade dos povos primitivos; A educação nos povos primitivos; Apreciação da educação primitiva; III Unidade: A educação oriental – Educação hindu: a cultura hindu. O bramanismo. A educação. Apreciação da educação hindu. Educação chinesa: cultura e organização social da China. Organização escolar. Apreciação da educação chinesa. Educação egípcia: estrutura social do Egito. A cultura egípcia. A educação. Apreciação da educação egípcia. A educação hebraica. Educação persa. Meios e fins da educação. Apreciação da educação persa; IV Unidade: A educação clássica – educação grega: o humanismo pedagógico. Educação espartana. Educação ateniense. Educadores gregos. Apreciação da educação grega. A educação romana: influência grega. Períodos da educação romana. Educadores romanos. Apreciação da educação romana; V Unidade: O cristianismo pedagógico – educação apostólica: conceito. O cristianismo e a educação. Apreciação da educação apostólica. Educação patrística: a cultura medieval. Evolução da educação. Escolas patrísticas: educadores. Apreciação da educação patrística. Educação monástica: conceito. Escolas monásticas.Educadores. Juízo sobre a educação monástica. Educação escolástica: importância. As universidades. Objetivos da educação escolástica. Educadores. Otimismo. Apreciação da educação escolástica; VI Unidade: A educação medieval – Educação feudal: conceito. As cruzadas. A cavalaria. Finalidades da Educação Apreciação da educação feudal. Educação muçulmana: conceito. Islamismo. Escolas árabes. Apreciação da educação muçulmana. Educação Renascentista: naturalismo pedagógico. Causas do Renascimento. Conseqüências do Renascimento. O renascimento e a educação. Idéias pedagógicas de Vitorino de Feltre. Desidério Erasmo: vida e obra.Educação Reformista: conceito. Causas do movimento. Conseqüências. Educação Contra-Reformista: características gerais. A Companhia de Jesus. Conseqüências educacionais. Educação Jansenistas: caracterização. Educadores. Educação Realista: Realismo Literário. Realismo social. Realismo científico. Causas e conseqüências educacionais. Francisco Bacon. João Comênio e Descartes. Educação Disciplinar: características gerais. Conseqüências educacionais. Educadores. Educação

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Pietista: características gerais. Causas e conseqüências. Educadores. Educação Racionalista: visão propedêutica. Educadores. Educação Naturalista: conceito de naturalismo. O naturalismo e a educação. Conseqüências educacionais. Vida e obra de Rousseau. Educação Filantropista: características gerais. Causas, conseqüências e educadores. Educação Revolucionária: a Revolução Francesa. Causas. Conseqüências educacionais. O espírito da Educação Revolucionária. Educadores. Educação Psicológica. Causas. Conseqüências educacionais. Educadores. Educação Científica: caracterização. Augusto Comte: vida e obra. Herbert Spencer: idéias pedagógicas. Causas. Conseqüências.

Nesse período as duas professoras10 que ministraram as aulas de História da Educação estruturaram o plano de estudo, na linha esquematizada acima, demonstrado no fluxograma.

Para a professora Gladys Brasil o objetivo geral da disciplina era:

Integrar o universitário no desenvolvimento histórico das idéias e das instituições pedagógicas, com o objetivo de contribuir para o equacionamento dos problemas inerentes ao Sistema Educativo, sendo que o objetivo específico era de informar o universitário, visando: assimilação de conhecimentos filosóficos e pedagógicos. Identificar as causas e conseqüências das diversas correntes filosóficas e pedagógicas que influíram na História da Educação, estimulando o interesse para a realidade educacional e, desenvolver hábitos de leitura, de pesquisa e de trabalho (Plano de Estudo de 1977, material da Diretoria de Ingressos e Registros – DIR-URCAMP).

A professora Teresa Not descreve nas informações gerais do plano que a História da Educação visa analisar, comparar e criticar os diversos sistemas da educação através dos tempos, o que se constitui excelente meio para conhecer e aprimorar o processo educacional da atualidade. Para a professora Gladys Brasil a História da Educação, contribui, de maneira expressiva para o possível equacionamento da problemática de Ensino (Plano de Estudo de 1977, DIR – URCAMP).

Nos Planos de Estudos de 1991, de responsabilidade da professora Teresa Vernet Not, estão registrados como objetivos da disciplina História da Educação I, II, III e IV:

Analisar criticamente o desenvolvimento histórico das idéias e das instituições pedagógicas, evidenciando a conexão existente entre a teoria educacional e a prática pedagógica nas diferentes épocas.

Sugerir relações com a atividade educacional dos nossos dias a fim

10 Professora Gladys Martins Brasil – formação em Pedagogia e Teresa Vernet Not – formação em Filosofia.

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de que a História da Educação oriente a busca criativa de soluções para os problemas que hoje desafiam o homem e a sociedade como um todo (História da Educação I).

Pela visão crítica obter uma visão sócio-política da educação no seu acontecer histórico que leve à compreensão da realidade educacional, em especial a do Brasil, e que oriente a busca criativa de soluções para os problemas com que hoje se defronta o homem em seu contexto global (História da Educação II).

Obter visão de conjunto da história da educação e da pedagogia, através da exposição clara e precisa do desenvolvimento histórico das idéias e das instituições pedagógicas, atendendo-se principalmente àquelas que sobreviveram às mudanças dos tempos e podem contribuir para resolver os problemas dos nossos dias (História da Educação III).

Pela análise e reflexão críticas obter uma visão sócio-política da educação no seu acontecer histórico que leve à compreensão da realidade educacional, em especial a do Brasil, e que oriente a busca criativa de soluções para os problemas do nosso tempo (História da Educação IV).

Sendo apresentado como objetivo do Curso de Pedagogia

Formar profissionais de educação capazes de, crítica e criativamente, repensar a prática pedagógica em favor de melhores condições de vida para o educando e para a sociedade.

Nas bibliografias dos planos de estudos são citados os autores Guilherme Dilthey, Roger Gall, Lourenzo Luziriaga, Paul Monroe, Maria da Glória de Rosa, L. Riboulet e René Hubert que se encontravam listados nos planos das duas professoras e seguirão indicados nos planos de 80 e 90. Mas, é importante dizer que a bibliografia citada pelas professoras não se esgotava apenas nessas obras, também eram indicados outros autores como: Afrânio Peixoto, Henri Marrou, Teodoro Miranda dos Santos, Frederich Eby, J.C.Figueiredo, Ruy de Aires Bello, Bento de Andrade Filho, Vanilda Pereira Paiva, Dante Morando, Nicholas Hans, Florestan Fernandes, Hohan D. Pulliam, Peeters & Cooman, Michele Frederico Sciacca, A. D. Salvador, José Antonio Tobias, Paul Nasch, Alberto Pimentel, Bento de Andrade Filho, Jacques Maritain, August Messer, E. Gilson, Marie Angeles Galino, Leonel Franca, Hermann Baumhauer, Edward McNall Burns, Oliveira Lima, Klimke e Colomer, João Ameal, Alberto Pimentel, Gilberto Cotrin e Mário Parisi e, no início da década de 90 passa a ser incluído o conteúdo a visão geral da evolução histórica da educação brasileira, sendo citadas as obras de Paulo Freire, Nelson Piletti e Claudino Piletti.

A disciplina História da Educação, nos períodos que mencionamos, tem a preocupação com a utilidade dos conhecimentos, tendo em vista as práticas pedagógicas (Lopes e Galvão, 2001, p.26). Pelas

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obras utilizadas percebe-se cunho pedagógico, como também filosófico e social de estruturação e organização da disciplina. Conforme Lopes e Galvão (2001) a Filosofia vai acompanhar a História da Educação em sua trajetória, e, por muito tempo, não havia quase distinção entre as duas disciplinas, sendo que em alguns cursos eram chamadas de Fundamentos da Educação.

O currículo do Curso de Pedagogia, na URCAMP, vem sofrendo mudanças ao longo da metade da década de 90 adaptando-se as novas determinações legais e adequando as exigências da LDB 9.394/96. Dentro dessas alterações do currículo temos como Fundamentos da Educação as disciplinas de Filosofia, História, Sociologia, Antropologia e Psicologia da Educação.

A partir do final da década de 90 a disciplina passa a ser ministrada pela professora Regina Lúcia de Ornellas Goulart com 165 h/a em três semestres. No primeiro semestre com 45 h/a e nos dois seguintes 60 h/a, em cada um.

A organização dos conteúdos apresentava-se dentro da ordem cronológica da História Geral, com a Educação Primitiva à Educação na Idade Média - no primeiro semestre, da Idade Moderna à Contemporânea - no segundo semestre, no contexto da História Geral, já no terceiro semestre os conteúdos se referem ao desenvolvimento dos modelos educacionais no plano político e social do Brasil - a Educação no Brasil Colônia à Educação na Nova República.

Conforme Ghiraldelli (2003), colocando a posição de Saviani no trabalho - “A função do ensino de filosofia da educação e de história da educação” – na década de 70, diz que na disciplina História da Educação era dado uma ênfase muito forte na palavra história, levando ao entendimento da história da educação como uma mescla entre os acontecimentos gerais e o desfilar das doutrinas pedagógicas, sem muita discussão se isso era ou não história da educação e que os programas ora eram construídos a partir de uma visão determinada, ora seguiam um ecletismo em que passava-se em revista as instituições educacionais e/ou doutrinas pedagógicas da Grécia Antiga até a época contemporânea (p. 242).

A partir de 2001, a estrutura curricular do Curso de Pedagogia estabeleceu uma proposta interdisciplinar, promovida através de eixos temáticos, articuladores das diversas disciplinas que compõem cada semestre (Projeto Pedagógico, 2002, p. 12).

A disciplina História da Educação I que está relacionada no primeiro semestre tem como eixo temático - Ética Profissional e a Valorização do Trabalho Docente - e na História da Educação II, no

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segundo semestre, o eixo temático é - A historicidade do professor e sua trajetória.

Nessa estrutura curricular o trabalho desenvolvido na disciplina deixa de priorizar a organização de conteúdos e incluem determinadas categorias consideradas relevantes para o entendimento da história da educação.

As alterações e as metodologias utilizadas foram se estruturando, em cada semestre, conforme organização das atividades elaborada pelo grupo de professores/as. Com o amadurecimento dos trabalhos desenvolvidos surge a atual proposta de trabalho na disciplina e História da Educação.

A Proposta da disciplina História da Educação e o trabalho atual das Professoras

A proposta metodológica desenvolvida atualmente na disciplina de História da Educação está voltada para formação do professor/pesquisador, pois temos como objetivo a inserção do aluno na pesquisa científica. Conforme Castanho (2005)

o ponto-de-vista aqui defendido é o da essencialidade da pesquisa para o ensino de qualidade. (...) O silogismo pode ser montado na forma que se segue: 'Todo aprendizado exige pesquisa. Ora o ensino exige o aprendizado. Logo, o ensino exige a pesquisa. (p. 80).

A pesquisa permite que o professor/pesquisador busque novas informações e as sistematize através do método, tornando prático o conhecimento científico e, por isso, contribui de maneira ampla e significativa para a prática da docência. As pesquisas são estruturadas na linha teórico-metodológica da História Cultural, envolvendo temas ligados a educação como gênero, mentalidades, imaginário social, identidade cultural e memória.

Nessa perspectiva desenvolvemos um projeto de Educação Patrimonial11, em nosso Núcleo de Pesquisa em História da Educação, 11 Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando para melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural (HORTA, GRUMBERT & MONTEIRO 1999, p. 6).

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procurando ampliar os dados sobre a história, cultura e educação da região. Atualmente conta com o trabalho de quatro alunas bolsistas de iniciação cientifica que estão empenhadas no levantamento de dados, na montagem de um banco de dados e na composição de seus “diários de pesquisa”, nos quais relatam o dia-a-dia do pesquisador. As experiências e as primeiras análises do material serão divulgadas através de oficinas e palestras feitas pelas alunas nas escolas, na universidade e para a comunidade.

Fluxograma da Disciplina de História da Educação 1960 - 2005

Titulação: Ciências Sociais e História

Objetivos (1960-1999) • Formar profissionais de educação críticos; • Repensar a prática pedagógica; • Integrar o universitário no

desenvolvimento histórico das idéias e das instituições pedagógicas;

• Assimilar conhecimentos filosóficos e pedagógicos;

• Identificar as causas e conseqüências das diversas correntes filosóficas e pedagógicas.

Objetivos (2000 - 2005) • Identificar as mudanças na estrutura

educacional em diferentes períodos da História;

• Analisar as práticas escolares nos diferentes espaços e tempo;

• Refletir a influência dos aspectos políticos, econômicos, culturais e sociais na educação;

• Favorecer a prática de pesquisa, a produção acadêmica, as vivências pedagógicas concretas e prática profissional;

• Propor uma reflexão sobre as questões gênero, identidade cultural e imaginário social;

• Promover a “alfabetização cultural” através de pesquisa na área de Educação Patrimonial.

Titulação: Pedagogia

Titulação: Doutorado em História

Titulação: Mestrado em Educação HISTÓRIA

DA EDUCAÇÃO

Titulação: Teologia

Titulação: Filosofia

Fonte: Dados construídos pelas autoras a partir dos dados coletados nos Planos de Estudos e

Atas da Universidade, 2006.

Observando os dados do fluxograma podemos destacar que a disciplina História da Educação dos anos de 1960 –1999 tinha como objetivo a formação profissional voltada para a docência pedagógica, através de um perfil filosófico.

Nos anos de 2000 – 2005 constatamos uma mudança bastante significativa, pois a disciplina passou a formar professores e pesquisadores. Primeiramente o pensamento pedagógico passou a ser interpretado segundo o contexto histórico, econômico, social e cultural de cada época. Num segundo momento a pesquisa passou a ser estimulada como uma ferramenta de sistematização do conhecimento científico.

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Corpo Docente

Profª Clotilde Maria L.Q. Magalhães Profª Eva da Nova Pe. Firmino H. Dalcin Prof José Tinoco Barreto Major Augusto Pinheiro Grande Profª Gladys Martins Brasil Profª Tereza Vernet Not

Profª Esp. Regina Lúcia De Ornellas Goulart Profª MsC. Berenice Guedes De Bem Profª MsC. Regina Quintanilha Azevedo Drª Clarisse Ismério Oliveira

Fonte: Dados construídos pelas autoras a partir dos dados coletados nos Planos de Estudos e Atas da Universidade, 2006.

O corpo docente acompanhou as necessidades e o crescimento da instituição, primeiramente eram professores de primeiro e segundo grau, catedráticos e possuíam o conhecimento característico que a disciplina requeria. Com a exigência de capacitação, imposta pelo mercado cada vez mais competitivo, ocorreu à inevitável atualização e especialização dos docentes. Atualmente a disciplina conta com professores/pesquisadores.

Referências

ATTILA TABORDA E SEU TEMPO. Bagé: URCAMP, 1997.

CASTANHO, Sérgio.Ensino como Pesquisa na Graduação. In:VEIGA, Ilma Passos Alencastro e NAVES, Marisa Lomônaco de Paula (Orgs.). Currículo e Avaliação na Educação Superior. Araraquara, SP: JM Editora Ltda., 2005.

CATANI, Afrânio Mendes e Oliveira, Romualdo Portela de (Orgs.) Reformas Educacionais e, Portugal e no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica,2000.

PROJETO PEDAGÓGICO. Centro de Ciências e Comunicação e Artes. Bagé: URCAMP, 2002.

GHIRALDELLI JR., Paulo. Filosofia e História da Educação Brasileira. São Paulo: Manole, 2003.

HILSDORF. Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira: Leituras. Reimpr. da 1. ed. São Paulo: Thomson, 2003.

HORTA, Maria de Lourdes, GRUMBERT, Evelina & MONTEIRO, Adriane Gia Bárico. Guia Básico da Educação Patrimonial. Brasília: IPHAN, 1999.

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ISMÉRIO, Clarisse. Igreja e Nacionalismo: O Movimento Renovador da Cristandade (1930-1945). Tese de doutorado PUC-RS, 1999.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5. ed., Campinas, SP: Editora UNICAMP, 2003.

LOPES, Eliane Marta Teixeira e GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

PESAVENTO, Jatahy. História & História Cultural. 2. ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no BRASIL. (1930/1973). 27.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.

SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de. LDB e Ensino Superior. São Paulo: Pioneira, 1997.

STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (Orgs.). Histórias e Memórias da Educação no Brasil. Vol. III – Século XX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

VIEIRA, Sofia Lerche e FREITAS, Isabel Maria Sabino de. Política Educacional no Brasil. introdução histórica. Brasília: Plano editora, 2003.

Regina Quintanilha Azevedo é Professora de História da Educação e Metodologia dos Estudos Sociais (Curso de Pedagogia) na Universidade da Região da Campanha. Mestre em História da Educação (UFPel - RS).

Clarisse Ismério é Professora de História da Educação (Curso de Pedagogia) e Economia Brasileira (Curso de Administração) na Universidade da Região da Campanha. Doutora em História do Brasil (PUC – RS).

Marilene Vaz Silveira é Professora de Integração e Cooperação Internacional, Empreendedorismo (Curso de Administração) e Economia e Mercados (Transações Imobiliárias). Mestre em Integração e Cooperação Internacional

Professoras do Núcleo de Pesquisa em História da Educação e Centro de Estudos Interdisciplinares da URCAMP.

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 293-300, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

O ensino de História da Educação na História da Faculdade de Educação da UFRGS: primeiras

aproximações Maria Stephanou

Resumo

O artigo procede a uma primeira aproximação da trajetória da disciplina de História da Educação, no âmbito da Faculdade de Educação da UFRGS, no período de 1973 a 2004, com o objetivo de identificar como a área vem se fazendo presente nos cursos de formação de professores. Seu intuito é de que, no diálogo com os levantamentos realizados em outras instituições formadoras, seja possível efetivar uma análise histórica e comparativa entre diferentes tempos, concepções e propostas curriculares de História da Educação. Para um mapeamento inicial tomaram-se como documentos privilegiados os planos de ensino das diferentes disciplinas que enfocaram a História da Educação. Sugere-se que uma análise mais exaustiva dos planos de ensino das disciplinas que podem ser caracterizadas como História da Educação, embora sob denominações diversas, sua contrastação na extensão do período analisado possibilitará que se identifiquem as tendências da área, seja quanto à formação dos docentes, as temáticas privilegiadas e as emergentes, os autores adotados, as filiações teóricas, bem como as articulações dessas disciplinas no currículo do Curso de Pedagogia e das demais licenciaturas.

Palavras-chave: Faculdade de Educação – UFRGS; História da educação.

Abstract

History of education teaching in historiy of the faculty of Education – UFRGS – first approaches This article makes a first approach to the trajectory of the discipline History of Education at Faculty of Education – UFRGS, from 1973 to 2004, aiming at identifying how the area of history has been present in teachers’ education courses. Its goal is to make possible a historical and comparative analysis between different moments, conceptions, and curricular strategies in History of Education, through a dialogue with surveys conducted in other formation institutions. Firstly, teaching plans of diverse disciplines that focus on History of Education were taken as privileged documents. We propose a more exhaustive analysis of teaching plans of the disciplines that can be characterized as History of Education, although under diverse designations. Their confrontation along the analized period might enable the identification of the tendencies in the area, as to the formation of the professors, privileged and emergent issues, authors adopted, theoretical affiliations, and the linkages of these disciplines inside the curriculum of both Pedagogy and other teachers’ formation courses.

Key-words: Faculty of Education – UFRGS; History of education.

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Antes de mais nada...

Identificar como a disciplina de História da Educação esteve presente nos cursos de formação de professores foi o desafio lançado pelo XI Encontro da ASPHE realizado na UNISINOS, São Leopoldo, em 2005, no intuito de possibilitar uma análise histórica e comparativa entre diferentes tempos, instituições formadoras, concepções e propostas curriculares. Este breve artigo procede a uma primeira aproximação da trajetória desta disciplina no âmbito da Faculdade de Educação – FACED, da UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O período focado estende-se de 1973 a 2004. Para um mapeamento inicial, fez-se necessária uma pesquisa junto à documentação da Faculdade, quando a primeira constatação foi a de que inexiste na mesma um acervo documental sistematizado da História e da memória da FACED, de modo que a documentação mais antiga encontra-se em depósito, sob a forma de “arquivo morto”, não catalogado. Os planos de ensino do mesmo período, embora com significativas lacunas, encontram-se sob a guarda do Departamento de Estudos Básicos da FACED e constituíram documentação privilegiada para esta aproximação inicial1.

A partir do acompanhamento dos Planos de Ensino localizados, são tecidas considerações preliminares que, desde já, deve-se sublinhar, não se assentam em pesquisa exaustiva, tampouco de suficiente fôlego, tratando-se de indicações de pontos a acrescentar às discussões e reflexões propostas sobre Ensino de História da Educação e formação de professores, no âmbito da comunicação oral em mesa redonda do evento2. Tal ressalva, ainda, visa não apenas indicar a incompletude e provisoriedade dos pontos tratados a seguir, como também sinalizar para a necessidade de aprofundamento do registro documental, especialmente de depoimentos orais de alunos e docentes, planos de ensino dos anos não localizados,

1 Os planos de ensino localizados correspondem aos anos de 1973 a 1975, 1977-1978, 1980, 1987, 1998, 2000 a 2004 e registram diferentes disciplinas que abordam a História da Educação no Curso de Pedagogia. 2 Cabe registrar que a própria autora, embora integre o grupo de pesquisa Histórias e Memórias da Educação e da Cultura Escolar no Brasil, do diretório dos grupos de pesquisa/ CNPq, e atue como docente do Programa de Pós-Graduação em Educação, ministrando disciplinas e orientando teses e dissertações sobre Historiada Educação, não atuou efetivamente como professora de História da Educação nos cursos de graduação, não possuindo, assim, uma memória pessoal que pudesse aproximá-la da trajetória da disciplina, o que tornou a elaboração deste ensaio, a partir do desafio lançado pela ASPHE, uma situação inusitada.

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trajetórias acadêmicas e filiações teóricas de docentes envolvidos, reformas curriculares e repercussões na disciplina de História da Educação, dentre muitos outros.

Indícios e fragmentos

Deparar-se com a inexistência de um Acervo da História e da memória da Faculdade foi, de certa forma, deparar-se com a ausência ou a inconstância da memória da formação de professores do Curso de Pedagogia. No contexto da UFRGS, em que outros cursos, como Direito, Medicina, Engenharia, por exemplo, possuem acervos documentais organizados, sugere pensar, no mínimo, na hierarquia dos saberes e dos campos de conhecimento, sua repercussão na formação de professores, tarefa posta aos historiadores da educação.

A documentação localizada, como referido anteriormente, apresentou-se lacunar e repetitiva, em especial aquela caracterizada como planos de ensino, que em alguma medida, percebe-se ter assumido um espécie de função burocrática, atestando junto ao departamento, semestralmente, o oferecimento da disciplina. Os planos de ensino, embora esparsos no período examinado, permitem identificar docentes, súmulas, objetivos, conteúdos, planos de trabalho, em alguns casos os cronogramas e distribuição de leituras, procedimentos, práticas avaliativas, além das referências bibliográficas indicadas e/ou utilizadas.

Outro aspecto a destacar é de que os conteúdos de História da Educação, no período, estiveram presentes em diferentes disciplinas da formação, e não apenas em uma nominalmente História da Educação. Assim, pode-se, por exemplo, verificar os conteúdos de História da Educação, geral ou brasileira, nas seguintes disciplinas da Faculdade de Educação, algumas delas simultâneas, outras que se alternaram no tempo:

1973 – EDU 122 - História da Educação I e EDU 123 - História da Educação I;

1978 – Além de Educação 122 e 123, EDU 101 - Evolução da escola brasileira

1987 – EDU 159 - História da Educação no Brasil

2000 – EDU 01159 e EDU 01158 - História da Educação e da Pedagogia

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2004 – EDU 1147 - História da Educação: análise da educação brasileira I

Além dessas disciplinas, em fins dos anos 90 e início de 2000, é reativada a disciplina de História da Educação no Rio Grande do Sul, como disciplina eletiva, que finda por afirmar-se em sua periodicidade de oferecimento face ao crescente interesse de alunos, não apenas da Pedagogia, mas também de outras licenciaturas.

No período 1998-2004 cabe registrar, no âmbito da FACED/UFRGS, a existência de um Projeto Tridisciplinar, experiência de trabalho articulado, no curso de Pedagogia, com as disciplinas Sociologia, História, Filosofia – da Educação – e Metodologia da Pesquisa II3, experiência que buscou avançar em práticas curriculares interdisciplinares na formação inicial de professores, motivada por uma insatisfação com o isolamento e a fragmentação vivenciada pelos formadores e pelos discentes.

Já em 2005, implementa-se uma reforma curricular em que passará a figurar a disciplina História da escolarização brasileira e processos pedagógicos como disciplina própria para o estudo da História da Educação na formação de pedagogos.

Pistas e pontos: muito ainda a reconstruir e pensar

No período analisado, 1973-2004, podemos afirmar que apenas a partir dos anos 2000 a proposta de trabalho acentua uma perspectiva inovadora, com temáticas voltadas a questões emergentes, como educação indígena, gênero, etnia, multiculturalismo e uma certa ênfase em temas de interesse dos docentes, notadamente no elenco dos conteúdos programáticos e nas referências bibliográficas adotadas como leituras da disciplina. Prevalece, entretanto, na trajetória da disciplina, uma visão panorâmica da educação, assentada numa seqüência cronológica, que se estende da educação dos povos primitivos aos dias atuais, além de partir da história da educação universal para depois propor o estudo da história da educação no Brasil.

Registre-se que, em alguns anos, além da “história dos diferentes processos educativos das sociedades humanas do passado”, desde seus primórdios, nos conteúdos programáticos figura um primeiro conjunto de temas que constituem uma introdução ao estudo da História da educação,

3 Para um maior detalhamento do Projeto, consultar: Bergamaschi, Machado, Ribeiro e Pardo (2001).

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tais como: objetivos, divisão e métodos de estudo em História da Educação (1973 a 1975)4; conceito, fatores interferentes, fases e relações com outras áreas (1978); A História da Educação e da Pedagogia e seu papel na história, o significado social da investigação histórica da Educação e a constituição da disciplina de História da educação (2003). Tais conteúdos que figuram sob a forma de introdução indicam, mesmo que possam ter se assentado em perspectivas tradicionais, uma certa preocupação com a História da Educação como campo de produção de conhecimentos e não apenas como descrição dos eventos e personagens do passado educacional.

Poder-se-ia dizer que uma perspectiva enciclopédica e cronológica caracteriza a organização do programa de ensino especialmente nos anos 70 e 80. História da Educação I inicia com o estudo do que se denomina “tradicionalismo pedagógico” – educação nos povos primitivos, na China, na Índia, em Israel, egípcia, pré-colombiana -, passando pelo “humanismo pedagógico” – educação espartana, ateniense, romana -, pelo “cristianismo pedagógico” – a educação apostólica, patrística, monástica e escolástica -, para ser finalizada com a educação na Idade Média – cavalaria, corporações, educação árabe - e a educação renascentista. História da Educação II se estende da educação na Reforma e na Contra-Reforma, antecedentes da Educação Moderna- educação realista, racionalista, naturalista, psicológica e científica -, passando pelo neo-naturalismo pedagógico- educação socialista, pragmatista e técnica -, para ser concluída com temas como “cibernética e máquinas de ensino”, cooperação internacional na Educação (ONU), pedagogia do futuro e interpretação histórica da educação brasileira.

De forma contrastante, em 2001 o plano de ensino de História da Educação no Brasil lista as seguintes temáticas do programa: “projeto colonialista e processos educativos: o projeto dos jesuítas; processo histórico de implantação da escola pública no Brasil;educação indígena; educação dos/para os negros; educação das/para as mulheres; formação de professores, políticas de formação; movimentos docentes, idéias e propostas pedagógicas; industrialização, urbanização e escolarização”.

De outra parte, relativamente às obras de referência propostas como leituras da disciplina, podemos assinalar a ênfase, em todo o período, de autores do campo da educação e de compêndios ou obras da História da educação propriamente dita, percorrendo, supostamente, toda sua História.

Grosso modo, figuram nas referências do período: autores de textos fundantes da Pedagogia, como de Rosseau, Comenius, Claparède,

4 Temas suprimidos do Plano de Ensino de 1977 e 1978, embora mantidos os demais relativos ao percurso cronológico da História da Educação.

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Pestalozzi, Froebel, Herbart, Dewey, Maritain, dentre outros e da educação brasileira, como Afrânio Peixoto, Anísio Teixeira, dentre outros. Nos anos 70, nota-se a referência a diversas obras de autores norte-americanos e não traduzidas e, ainda, é marcante a aproximação da História da Educação com a Filosofia da Educação, comparecendo autores que estudam os sistemas de pensamento e a educação em diferentes tempos. Artigos da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, do INEP, passam a ser referidos já em 1973.

Embora alguns autores como Henri-Irénée Marrou, Paul Monroe, Lorenzo Luzuriaga possam ser considerados como autores “tradicionais”, numa acepção singela, constata-se que, especialmente Luzuriaga e Marrou encontram-se ainda entre as referências bibliográficas dos anos 2000.

De qualquer forma, é possível afirmar que um conjunto de autores faz-se presente em determinados períodos, e outros clássicos não deixam de figurar, como nos anos 2000, em que Maria Luísa Ribeiro, Otaíza Romaneli, Moacir Gadotti e Paulo Ghirardelli são listados juntamente a autores emergentes, especialmente aqueles que passam a figurar com pesquisas temáticas nas revistas de História da Educação, lançadas em fins dos anos 90. Nesse momento, os planos de ensino detalham novos conteúdos, temas específicos, como educação indígena, educação feminina, educação dos negros, a história social da infância, etc. Indiscutivelmente, uma análise de maior imersão possibilitaria examinar em que medida a inserção de temas específicos está relacionada a interesses de pesquisa dos docentes dessas disciplinas, docentes nem sempre pesquisadores da História da Educação propriamente dita.

Mais uma observação: nas bibliografias recomendadas nos anos 70 a 90, em geral, não são listados autores estritamente do âmbito da História, constatação que não se sustenta para os anos 2000, quando autores como Ariès, Le Goff, Hobsbawm, Duby, dentre outros, encontram-se indicados nos planos das disciplinas de História da Educação. Constata-se, ainda, no contexto da ampliação das possibilidades de publicação, uma rápida inserção de lançamentos editoriais, alterando referências de ano a ano e sinalizando para os processos de renovação e formação continuada oportunizados aos docentes, através da participação em eventos da área, desenvolvimento de pesquisas e acesso rápido a bibliografias através do uso da internet.

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Outras incursões e desafios a um adensamento das reflexões

Nos últimos anos, especialmente desde fins da década de 90, algumas iniciativas vêm alterando práticas usuais da disciplina de História da Educação. A emergência de experiências interdisciplinares, como o Projeto Tridisciplinar anteriormente referido, a inserção de atividades discentes caracterizadas como práticas de pesquisa relacionadas às temáticas das disciplinas, seja através de registros de memórias e história oral, pesquisa iconográfica e bibliográfica, dentre outras, a realização de trabalhos de campo como visitas históricas e contato direto com arquivos e museus, além de uma maior articulação com as demais disciplinas dos semestres em que são oferecidas as disciplinas de História da Educação, vêm produzindo novos arranjos curriculares e, não menos importante, um maior engajamento e interesse discente nessas disciplinas, temas e propostas lançadas para o desenvolvimento dos estudos da área.

Além disso, já no início dos anos 90, houve uma renovação significativa dos professores da área, docentes estes com formação inicial em História e pós-graduação em Educação, que protagonizam a formulação de novas propostas e vêm adotando produções recentes da área, uso crescente de autores do campo da História propriamente dita, o que remete para reflexões epistêmicas e contextuais, além de uma atenção a estudos monográficos e recortes temáticos bem localizados no tempo e no espaço e, portanto, menos homogeneizadoras. Temáticas contemporâneas, como por exemplo a educação de jovens e adultos, a trajetória do ensino médio, a educação indígena, a “conformação micropolítica das experiências educacionais escolares sob a ótica de gênero, raça/etnias e classes sociais”, sinalizam para a superação de uma perspectiva enciclopédica, cronológica e universal das abordagens tradicionais da História da Educação.

Se de uma parte a renovação dos docentes da área, suas formações específicas e áreas de atuação como pesquisadores da História da Educação, vêm contribuindo para o que se poderia adjetivar como sendo uma qualificação da área e retomada de validade de sua contribuição nos processos de formação inicial de professores, importância reconhecida pelos estudantes, de outra parte há que se registrar, no âmbito específico da universidade pública federal, a presença, por longos períodos, de professores substitutos nessas disciplinas, o que não significa, em nenhuma hipótese, desmerecer a excelência desses profissionais, mas registrar a efemeridade de algumas propostas implementadas, pelas limitações próprias do tempo de vínculo com a instituição, e da condição de docentes sem a exigência da realização de pesquisas.

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De qualquer forma, uma análise mais exaustiva dos planos de ensino das disciplinas que podem ser caracterizadas como História da Educação, embora sob denominações diversas, sua contrastação na extensão do período 1973-2006, por exemplo, possibilitará que se identifiquem as tendências da área, seja quanto à formação dos docentes, as temáticas privilegiadas e as emergentes, os autores adotados, as filiações teóricas, bem como as articulações dessas disciplinas no currículo do Curso de Pedagogia. Acresce a importância de acompanharmos atentamente as reformulações que vêm sendo operadas nos demais Cursos de Licenciatura que têm prevista a ampliação das disciplinas de formação pedagógica e, em decorrência, a introdução da História da Educação no conjunto das disciplinas a serem oferecidas aos estudantes de diferentes áreas do conhecimento.

Desse modo, um estudo específico das disciplinas de História da Educação oferecidas a cursos que não a Pedagogia poderá trazer importantes subsídios para pensarmos nos arranjos curriculares e contribuições específicas que a área tem a oferecer na formação de professores.

Referências

BERGAMASCHI, Maria A., MACHADO, Carmem L.B., PARDO, Eliane R., RIBEIRO, Marlene. Interdisciplinaridade como solidariedade: desafios à formação de professores. Educação & Realidade. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Educação, v.26, n.2, jul./dez. 2001, p.127-156.

Planos de Ensino. [Disciplinas de História da Educação – 1973-2004]. Departamento de Estudos Básicos, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Maria Stephanou é Licenciada em História. Doutora em Educação. Professora do Departamento de Estudos Básicos e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFRGS.

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 301-308, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

História da Educação no Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pelotas

Elomar Tambara

Resumo

Este texto analisa a evolução da disciplina história da educação no curso de pedagogia da Universidade Federal de Pelotas. Esta trajetória revela a crescente importância que esta disciplina vai assumindo no currículo tendo seu ápice no final dos anos 90 do século passado. Na última reforma curricular a história da educação desaparece como disciplina e transforma-se em conteúdo diluído pelo longo do currículo.

Palavras-chave: Universidade Federal de Pelotas; History of Education.

Abstract

This article analyses the evolution of History of Education discipline in Pedagogy Course at the Federal University of Pelotas. This trajectory reveals the increasing importance that discipline was assuming in the curriculum, having its top in the end of the last 90. On the last curriculum reform, History of Education desapeared as discipline and only some of its contents survived (and was transformed in content) diluted along the curriculum.

Key words: Federal University of Pelotas; History of Education.

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Sem sombra de dúvidas a trajetória da disciplina História de Educação no curso de pedagogia da UFPel apresenta uma trajetória de contínua ascensão até que na última reforma curricular torna-se difícil quantificar sua real participação pela dificuldade em dimensionar a efetiva participação de seu conteúdo.

O curso de pedagogia tem passado por várias alterações curriculares desde sua implantação em 1979. Estas alterações refletem claramente a hegemonia de determinadas concepções de mundo, e particularmente, formas diferenciadas de conceber a profissão de pedagogo, e de modo especial, a de professor de série iniciais.

De certa forma, ainda hoje se discute, sem se chegar a consenso, sobre os requisitos indispensáveis para a efetivação de uma formação de qualidade deste profissional de ensino.

Para efeito desta análise, apresentamos inicialmente de forma quantitativa a evolução da participação da História da educação na grade curricular. Preliminarmente, é indispensável esclarecer que desde o início, a História da Educação não era vista como uma mera história da educação escolar, de tal forma que desde logo a disciplina foi denominada “Historia da Educação e Cultura” denotando a idéia de uma compreensão mais ampla da mesma. Também, desde logo, agregou-se a este conteúdo uma outra disciplina “Sistema Educacional Brasileiro” na qual eram ministrados os conteúdos mais vinculados com a educação brasileira. Como, de certa forma, eram também ministrados na disciplina Filosofia da Educação.

Entretanto, para esta análise preliminar consideraremos apenas as disciplinas História da educação e Cultura e Sistema Educacional Brasileiro.

O que se observa é que paulatinamente a área de história da educação vai se consolidando, e vai ocupando cada vez mais carga horária no currículo. Este processo tem seu momento de solidificação por ocasião das alterações curriculares efetuadas em 1992 e a partir de então, apesar de ter havido várias “reformas curriculares”, na área especifica de história de educação não há alteração significativa.

Assim em 1979 o currículo contemplava apenas 3 créditos (45 horas semestrais) para o que chamaríamos núcleo duro da área – a disciplina História da Educação e Cultura). Entretanto, observa-se que a disciplina Sistema Educacional Brasileiro – Aspectos Históricos, Sociais e Estruturais ocupava 8 créditos (90 horas semestrais)

Currículo 1979-1981 História da educação e Cultura 3 creditos 45 h/aula Sist. Educ. Bras: aspectos hist. Soc. e estrut 8 creditos 120 h/aula Total de créditos 173 créditos 2775 h/aula

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Na primeira reformulação curricular já se observa o percurso de ampliação do espaço ocupado pela História da Educação. O aumento também da carga horária na disciplina Sistema Educacional Brasileiro nesta reforma encontra-se um pouco distorcida em relação ao objeto que nos interessa, pois agregou-se a ela os conteúdos de Estrutura e funcionamento do ensino 1º grau na disciplina de Sistema Educacional Brasileiro I enquanto que na II se encontrava embutido os conteúdos de Estrutura e funcionamento do ensino 2 º grau

Currículo 1981- 1987 História da educação e cultura I 6 créditos 90 h/aulas História da educação e cultura II 5 créditos 75 h/aulas Sistema educacional Brasileiro 3 créditos 45 h/aulas Sistema Educacional Brasileiro 8 créditos 120 h/aulas Total de créditos do curso 181 créditos 3.000 h/aulas

Em 1988 teremos o que podemos chamar de consolidação da área de história da educação em termos quantitativos. O conteúdo de Estrutura e Funcionamento do Ensino passa a constituir uma disciplina específica com quatro créditos. Há então uma depuração dos conteúdos, de tal forma, que se pode considera-los tipicamente de história da educação.

Currículo 1988- 91 Historia da educação e cultura I 4 creditos 60 h/aulas História da educação e cultura II 4 créditos 60 h/aulas História da educação e cultura III 4 créditos 60 h/aulas Sistema educacional brasileiro I 3 creditos 45 h/aula Sistema educacional brasileiro II 4 créditos 60 h/aulas Total de créditos 184 3150 h/aulas

Em 1992 há uma nova reformulação curricular, mas a carga horária destas disciplinas permanece a mesma. Entretanto, há uma alteração significativa na distribuição nos conteúdos. A partir deste ano a disciplina História da Educação e Cultura III passa a tratar exclusivamente de conteúdos vinculados de forma específica à história da educação do Rio Grande do Sul.

A disciplina Sistema Educacional Brasileiro se consolida, como sendo a análise da história da educação brasileira. Assim a emenda de Sistema I rezava: “ O estudo das estruturas educacionais brasileiras dentro de uma análise do processo histórico, não apenas estudando o período colonial, imperial e republicano, mas sim, articulando com a realidade atual.

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Possibilitar um conhecimento teórico sobre a educação brasileira, dos seus primórdios aos dias atuais, salientando principalmente as instituições educacionais e o papel do estado.”

Este aspecto é reforçado pela ementa de Sistema II “Analisar o sistema educacional brasileiro a partir da 1ª República até nossos dias, considerando o contexto econômico e político, a política educacional, as pedagogias e as ideologias educativa de cada período: 1889-1930, 1930-1946; 1946-1964, 1964-hoje. “

É ilustrativo o conteúdo programático das disciplinas de história da educação pois os mesmos denotam a divisão das temáticas privilegiadas nas respectivas ementas e que, a rigor, revelam os princípios conceituais que embasaram sua estruturação.

Conteúdo programático da História da educação e cultura I

Introdução: -Educação e cultura -Educação na comunidade Primitiva

A Educação na Grécia: - A educação homérica - A educação hesiodéica - A educação no período clássico - O conteúdo e os fins da educação

A educação em Roma: - A educação na família - Literatura, escola e sociedade - A escola de Estado

A educação na Idade Média - O cristianismo e o novo ideal educacional - A escolástica - As universidades

A educação no Renascimento - Tendências gerais do Renascimento - O humanismo - Conseqüências educacionais

A educação no início dos tempos modernos - Reforma e contra-reforma

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- A ciência moderna: Bacon, Galileu e Descartes - Comenius e sua didática magna.

Conteúdo programático de História da Educação e Cultura II

-História do pensamento educacional (síntese)

-As principais doutrinas modernas: a) Liberalismo b) Neo-liberalismo c) Socialismo d) Anarquismo

- Estudo de caso:

1. Rousseau: a) Vida e obra (Emílio) b) A educação da natureza c) O papel da criança na pedagogia de Rousseau

2. Marx: a) Vida e obra (manifesto do partido comunista e ideologia

alemã) b) Necessidade de uma sociologia marxista da educação c) Conceitos fundamentais do marxismo que podem ser

aplicados na educação

3. Makarenko: a) Vida e obra (poema pedagógico) b) A pedagogia socialista c) A educação comunitária

4. Freinet: a) Vida e Obra (para uma escola do povo) b) A pedagogia social

5. A educação literária (anarquista) a) a teoria (Bakunin – Kropotkin) b) A prática (Faure – Pelllontier)

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Conteúdo programático de História da Educação e da Cultura III

EVOLUÇÃO SOCIO-POLÍTICA E ECONOMICA DO RIO GRANDE DO SUL - o Rio Grande do Sul Colonial - O Rio Grande do Sul Imperial - O Rio Grande do Sul atual

O PERÍODO COLONIAL - O ensino nas missões - A educação nos primeiros tempos - Situação do sistema escolar rio-grandense

O PERÍODO IMPERIAL - década de 60 - Considerações gerais - Criação da Escola Normal - Instrução secundária - década de 70 e 80 - Considerações gerais - A escola normal - O Liceu em 1870 - Instrução primária - Instrução secundária

EDUCAÇÃO E POSITIVISMO - Sociogênese do Castilhismo - O partido Republicano Rio-grandense e a educação - A influência do positivismo - A instrução pública no Rio Grande do Sul sob o castilhismo -A instrução privada -a educação alemã -a educação italiana

A EDUCAÇÃO NOS ANOS DE 1930 E 1940 - A “Escola Nova” - O período do Estado Novo - A situação do ensino primário e secundário

A EDUCAÇÃO RECENTE - Os anos de 1950 - O fechamento político e a prática educacional entre 64/71

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- Universidade no Rio Grande do Sul

O conteúdo efetivo da disciplina de história da educação pode ser apreendido pela bibliografia utilizada neste período que vai desde a criação do curso de pedagogia em 1979 até sua consolidação. A rigor, a disciplina teve um início caracteristicamente conservador e paulatinamente passou ter uma abordagem mais crítica.

Assim, estes eram os livros mais utilizados em sala de aula:

EBY, Frederick. História da Educação Moderna. Porto Alegre, Globo, 1978. ANDRADE FILHO, Bento de. História da Educação. São Paulo, Saraiva, 1941

LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação e da Pedagogia. São Paulo, Editora Nacional, 1967

MONROE, Paul. História da Educação. São Paulo, Editora Nacional, 1958

PEIXOTO, Afrânio. Noções de História da Educação. São Paulo, Editora Nacional, 1933.

RIBOULET, L. História da Pedagogia. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1951

A consolidação programática dar-se-á então no início da década de 90 quando em termos bibliográficos alguns textos se constituíram em referências fundamentais; MANACORDA, Mário Alighiero. História da educação da Antiguidade aos nossos dias. São Paulo Cortez 1989. PONCE, Aníbal. Educação e Lutas de Classes, São Paulo, Fulgor, 1963. AZEVEDO, Fernando. A Cultura Brasileira, São Paulo, Melhoramentos, 1964. ROMANELLI, Otaíza de. História da educação no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1980.

O que se pode observar é que os textos de Ponce e de Manacorda é que constituíram o cerne do processo de ensino aprendizagem.

Por ocasião da última mudança curricular a disciplina “história da Educação” com esta denominação desapareceu como as demais de “fundamentos da educação” como “sociologia da Educação” e “Filosofia da Educação”. Todas fundiram-se na disciplina dando a luz a disciplina Educação, Cultura e Sociedade e em termos de currículo pressupõe-se a presença dos aspectos históricos, filosóficos e sociológicos em todas as outras disciplinas. Ainda é cedo para uma efetiva avaliação do sucesso ou insucesso deste formato curricular.

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Elomar Tambara é Professor titular de História da Educação na Universidade Federal de Pelotas

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História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, p. 309-310, abr. 2006 Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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