História Da Loucura e O Alienista

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Pinel e a Reforma Psiquiátrica Segundo Amarante, a Revolução Francesa foi um momento histórico ímpar, palco de várias transformações sociais, políticas e econômicas muito importantes para a área da medicina e o campo da saúde e, particularmente, para a história da psiquiatria e da loucura. Uma das mudanças mais relevantes, segundo Amarante, diz respeito à transformação do hospital em instituição médica. Inicialmente, na Idade Média, o hospital tinha como objetivo dar abrigo, alimentação e assistência religiosa aos pobres, miseráveis etc. Já no século XVII, os hospitais passaram a cumprir uma função de ordem social e política mais explícita. Amarante, ao dizer isso, cita especificamente o Hospital Geral, criado a partir do ano de 1656, pelo rei da França. Esse hospital é referido por Foucault como “A Grande Internação” ou “O Grande Enclausuramento”. Com o intuito de humanizar essas instituições, houve uma intervenção médica no espaço hospitais. Assim, o hospital assumiu uma nova finalidade: tratar os enfermos. Neste processo o hospital torna-se um espaço de exame, tratamento e reprodução de conhecimento. Com isso, o médico torna-se personagem fundamental do hospital. É assim que, como detentor do poder máximo hospitalar, Philippe Pinel iniciou sua grande obra de medicalização do Hospital Geral de Paris. Em 1793, dirigiu o Hospital Geral de Bicêtre, e posteriormente o La Salpêtrie. Através de sua incursão médica sobre a loucura, Pinel funda uma tradição: a da Clínica, como orientação consciente e sistemática. Hábitos bizarros, atitudes estranhas, gestos e olhares são observados, registrados e comparados com o que está perto, com o que é semelhante ou diferente. O alienista, portanto, valendo-se de sua percepção social, determina o que é normal e o que é patalógico. Pinel então desacorrenta os loucos para encaminhá-los às suas instituições asilares. O primeiro, e mais importante, passo para o tratamento destes indivíduos viria a ser o isolamento do mundo exterior, uma construção pineliana que

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Pinel e o alienista de Machado.

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Pinel e a Reforma Psiquiátrica

Segundo Amarante, a Revolução Francesa foi um momento histórico ímpar, palco de várias transformações sociais, políticas e econômicas muito importantes para a área da medicina e o campo da saúde e, particularmente, para a história da psiquiatria e da loucura. Uma das mudanças mais relevantes, segundo Amarante, diz respeito à transformação do hospital em instituição médica.

Inicialmente, na Idade Média, o hospital tinha como objetivo dar abrigo, alimentação e assistência religiosa aos pobres, miseráveis etc. Já no século XVII, os hospitais passaram a cumprir uma função de ordem social e política mais explícita. Amarante, ao dizer isso, cita especificamente o Hospital Geral, criado a partir do ano de 1656, pelo rei da França. Esse hospital é referido por Foucault como “A Grande Internação” ou “O Grande Enclausuramento”.

Com o intuito de humanizar essas instituições, houve uma intervenção médica no espaço hospitais. Assim, o hospital assumiu uma nova finalidade: tratar os enfermos. Neste processo o hospital torna-se um espaço de exame, tratamento e reprodução de conhecimento. Com isso, o médico torna-se personagem fundamental do hospital. É assim que, como detentor do poder máximo hospitalar, Philippe Pinel iniciou sua grande obra de medicalização do Hospital Geral de Paris. Em 1793, dirigiu o Hospital Geral de Bicêtre, e posteriormente o La Salpêtrie.

Através de sua incursão médica sobre a loucura, Pinel funda uma tradição: a da Clínica, como orientação consciente e sistemática. Hábitos bizarros, atitudes estranhas, gestos e olhares são observados, registrados e comparados com o que está perto, com o que é semelhante ou diferente. O alienista, portanto, valendo-se de sua percepção social, determina o que é normal e o que é patalógico.

Pinel então desacorrenta os loucos para encaminhá-los às suas instituições asilares. O primeiro, e mais importante, passo para o tratamento destes indivíduos viria a ser o isolamento do mundo exterior, uma construção pineliana que até os dias atuais não está totalmente superada. Para ele, se as causas da alienação estão presentes no meio social, é o isolamento que permite afastá-las.

“Este, no entanto, não significa a perda da liberdade, pois muito pelo contrário, é o tratamento que pode restituir ao homem a liberdade subtraída pela alienação” ( Amarante, 2007, pág. 29).

Esquirol, posteriormente, apresenta cinco justificativas para o isolamento:

1. Garantir a segurança pessoal dos loucos e de suas famílias;2. Liberá-los das influências externas;3. Vencer suas resistências pessoais;4. Submetê-los ao regime médico;5. Impor-lhes novos hábitos intelectuais e morais.

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Segundo Paulo Amarante, “a possibilidade de aglutinar os loucos em um mesmo espaço, para conhecer e tratar suas loucuras permite o nascimento da psiquiatria”. E foi exatamente isso que aconteceu no século XVIII, onde Pinel cria o primeiro hospital psiquiátrico.

O alienista: uma alusão ao modelo de Pinel

"O alienista", de Machado de Assis, foi um conto publicado sob a forma de folhetim entre 1881 e 1882. Neste conto clássico, Machado utiliza-se de um tom irônico e humorístico para antecipar todas as críticas ao paradigma psiquiátrico, que anos depois seriam aprofundadas por autores como Michel Foucault, Franco Basaglia, entre outros.

O protagonista, o Doutor Simão Bacamarte, e sua Casa Verde, asilo criado por ele, são uma clara alusão à Pinel e seus asilos. Assim como o médico francês, Bacamarte utiliza-se do isolamento como meio terapêutico para tratar os alienados. Mas a semelhança não se encerra aqui. Temos diversos outros pontos de semelhança entre a história da loucura, do pai da psiquiatria e a estória do personagem e sua cidade, Itaguaí.

Toda a fundamentação teórica do alienista parece sair dos escritos de Pinel. A observação do comportamento dos internos. A ideia de internar todos os loucos em um único espaço, pois só aí seria possível pesquisar e identificar todos os tipos de loucura. Machado deixa isso bem claro em seu conto. O próprio Bacamarte diz que “o principal nesta minha obra da Casa Verde é estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus, classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal”. Essa era uma das ideias de Pinel ao criar suas instituições asilares.

Também é possível traçar um paralelo entre a visão do alienista e de Pinel no que diz respeito aos alienados e suas alienações. Os dois enxergam na loucura uma ausência da razão, perigosos para si mesmos e para terceiros. Como Bamarte diz, “a razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia”. Portanto, o alienista retira os loucos de suas casas e das ruas para uma “prisão privada”, como faz Pinel, que liberta as correntes dos chamados alienados, mas faz do seu trabalho terapêutico o isolamento.

Machado de Assis nos traz suas críticas brilhantemente mergulhadas na estória, recheadas de amargura e sarcasmo, nos aproximando da história real de Philippe Pinel e de seu trabalho na construção do alienismo.

No Brasil, não muito tempo atrás, esse modelo de instituição psiquiátrica ainda estava presente. Pessoas eram socialmente marginalizadas, internadas e desumanizadas. Tratadas de maneiras absurdas. A cura dessas pessoas parecia ser a última preocupação. Essa é um dos vários motivos de entendermos como se deu a criação dessas instituições, entender a história da loucura, pois como disse Edmund Burke, “aquele que não conhece a história está fadado a repeti-la”.