História do Estado - fd.unl.pt · No que concerne à prestação do serviço militar obrigatório...
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1º ano de Licenciatura em Direito
1º semestre
História do Estado
Texto 3: Pedro Tavares de Almeida, «A burocracia do Estado no
Portugal Liberal», pp. 53-82
Docente: Professor Doutor Rui Branco
Discentes
Andreia Guerreiro - 002457
Ana Isabel - 002429
Anna Meneses - 002398
Tânia Marques -002414
Ano Lectivo 2010/2011
A burocracia do Estado no Portugal Liberal
( 2ª metade do século XIX)
A regeneração (1851) pôs termo a uma era de convulsões e incertezas, inaugurando um longo ciclo de relativa estabilidade política que proporcionou a consolidação e uma certa modernização do aparelho administrativo do Estado liberal.
Neste contexto iremos apresentar as características essenciais da estrutura e dinâmica da burocracia do Estado na segunda metade do século XIX.
Os testemunhos coevos: uma avaliação crítica A centralização administrativa
Na segunda metade do século XIX, um dos temas principais e mais recorrentes nas descrições do Estado liberal é o da exagerada centralização dos mecanismos de decisão administrativa. A tal, eram atribuídos vários malefícios. Por um lado, era responsável por enfraquecer o “espírito público”. Por outro lado, a centralização administrativa favorecia os procedimentos discricionários e o estrangulamento e ineficiência da actividade burocrática.
A centralização administrativa está necessariamente correlacionada com a centralização política, pois reforçam-se mutuamente. Segundo Herculano, “ a centralização é o despotismo administrativo, e o despotismo administrativo gera logicamente o despotismo político”.
A configuração em pirâmide do sistema político-administrativo, assente em relações verticais de poder fortemente assimétricas, para além de gerar uma lógica de dependência e subordinação passiva da periferia face ao centro, era também encarada como um factor de viciação da “espontaneidade do sufrágio popular” e uma fonte de corrupção e imoralidade. Ainda segundo Herculano, “a centralização põe no vértice da hierarquia administrativa a concessão de todos os cargos retribuídos, depois de viciar os gratuitos na sua base eleitoral”.
As lamentações contra a excessiva e absorvente centralização estatal no Portugal oitocentista reflectem, sem dúvida, uma importante dimensão ou tendência estrutural do modelo de administração territorial implantado pelo regime liberal, que era tangível em múltiplos aspectos concretos da vida social na época.
A verdade é que os meios materiais e humanos eram ainda limitados, o controlo central efectivo da acção política e burocrática, e a capacidade de penetração territorial do Estado, não equivaliam à imagem que imperava de uma centralização omnipotente. Tudo isto resultava num controlo administrativo precário.
O exercício da autoridade territorial do Estado continuava a esbarrar com fortes resistências, estando dependente da cooperação de notáveis locais, o que determinava sérios limites á eficácia da acção administrativa. As dificuldades estavam no exercício regular de duas funções vitais do Estado: a exacção tributária e o recrutamento militar.
As dificuldades na arrecadação dos impostos directos condicionaram em muito a estrutura das receitas públicas.
No que concerne à prestação do serviço militar obrigatório existia um défice de recrutas. Esta falta de alistamentos derivava da instrumentalização política das operações de alistamento.
A «pletora burocrática» e a «empregamania»
O Estado liberal é caracterizado pela representação social que evidência um excesso de
empregados públicos. Embora se reconhecesse que as novas necessidades criadas pelos processos de
modernização social e política, de caracter centralizador, não podiam deixar de induzir a expansão e
especialização dos vários ramos da administração, e consequentemente o aumento do número de
funcionários – sendo este um fenómeno comum «na passagem do regime absoluto para o sistema
representativo em todas as nações da Europa».
Havia porém uma opinião generalizada de que em Portugal o crescimento da burocracia era
desmesurado. Três razões fundamentais e inter-relacionadas eram aduzidas para explicar essa
hipertrofia burocrática. Por um lado, esta era uma consequência directa da exorbitante centralização
administrativa.
Em segundo lugar, a extensão do funcionalismo público derivava da intensa promiscuidade entre
a administração e a pólitica, que se traduzia no sistemático recurso ao spoil system como forma de aliciar
ou recompensar clientelas por parte das facções e partidos que se alcandoravam ao poder.
Uma terceira justificação, de pendor mais sociológico, condensava-se nas referências à
«empregomania», ou seja, a forte atracção e apetência pelos empregos públicos que permeava os mais
diversos grupos e camadas sociais, e que era fruto quer da escassez de recursos económicos e da falta
de alternativas ocupacionais, quer das vantagens materiais e/ou simbólicas atribuídas aos empregos
públicos.
Essa espécie de vocação burocrática nacional tinha medrado sobretudo com «a transformação política de
1834 e as reformas que se lhe seguiram»:
A supressão dos conventos, o resfriamento dos sentimentos religiosos, diminuíam a oferta e também a
procura de lugares na Igreja. As causas económicas anteriores já tinham, pode dizer-se, suprimido a
navegação; as tentativas industriais manufactureiras do marquês de pombal não tinham vingado; e a
recente crise de oito anos [1826-34], rematada por um terramoto das velhas instituições sociais, viera
talar os campos, arruinar a agricultura.
A preferência pelos empregos públicos prendia-se também com vantagens instrumentais e objectivos de
status. Para além de haver alguns cargos superiores – ou mesmo subalternos – que eram relativamente
bem remunerados; o ingresso nos quadros do funcionalismo era uma garantia de «estabilidade vitalícia e
aposentação na velhice», ao mesmo tempo que proporcionava um trabalho profíssional menos pesado e
susceptível de ser acumulado com outras actividades. Mas os cargos públicos também eram vistos como
uma fonte de prestígio e influência.
Apesar das dificuldades e riscos de uma comparação internacional, as estatisticas disponíveis indicam
aliás que no contexto europeu, e em termos relativos, o peso do funcionalismo público no Portugal da
Regeneração não tinha uma dimensão anómala, sendo inferior à de vários outros países na mesma
época.
De acordo com as fontes oficiais, em 1853 o número total de funcionários da Administração Central era
cerca de 10 mil (2,6 por mil habitantes); em 1890, situar-se-ia nos 22 mil (4,4 por mil habitantes). É
inegável que durante a Regeneração houve um crescimento significativo dos efectivos da Administração
central, traduzido num acréscimo de cerca de 114%; de assinalar que, entre 1853 e 1890, a população
total aumentou cerca de 31,5%. Quanto aos empregados da Administração Local em 1859 eles
ascenderiam a mais de 30 mil.
Contudo, uns eram da opinião que: «Não seria […] excessivo o número dos funcionários, se a cada um
se distribuísse o trabalho correspondente e necessário, em vez de se acumularem, principalemente no
Porto e em Lisboa, em verdadeiras colmeias […].»
Assim sendo, e tendo em conta as estatísticas do funcionalismo, é legítimo supor que a imagen da
«pletora (supraabundância) burocrática» fosse, pelo menos em parte, uma projecção deformada da
«empregomania», já que a uma larga procura de empregos públicos corresponderia, de facto, uma oferta
relativamente limitada, ainda que em contínua expansão.
O «patronato oficial»: favoritismo e depurações administrativas
Um outro vício atribuído ao Estado liberal, intimamente associado à escessiva centralização e expansão
burocárticas, e que constitui uma das causas das recriminações recíprocas entre os partidos que
disputavam o poder, era a permeabilidade ao«patronato oficial», considerado uma fonte permanente de
perturbação e inefeciência da engranagem administrativa. O ingresso ou a continuidade no funcionalismo
não eram regulado por critérios de isenção e competência, mas pelo compadrio, as fidelidades partidárias
ou as conveniências eleitorais. Uma vez que os constrangimentos financeiros impunham limites à oferta
de novos empregos públicos, a face mais vísivel do «patronato oficial» era o favoritismo nas promoções
e as purgas periódicas do funcionalismo.
Os processos de depuração administrativa teriam sido, no entanto, mais drásticos e generalizados no
conturbado período de 1834 a 1851. Durante a Regeneração, o «cutelo demissório» continuava a atingir
os empregados amovíveis e subalternos, na sua grande maioria ligados à administração periférica do
estado, mas só raramente ameaçava o pessoal do quadro das repatições centrais ou dos corpos
especializados. Havia uma elevada estabilidade, pois os mesmos indivíduos mantinham-se em funções
durante longos períodos servindo diferente governos. Poupados ao risco da demissão compulsiva, esses
funcionários estavam expostos, porém, ao arbítrio ministral no que respeitava sobretudo às oportunidades
de preogressão na carreira e a eventuais transferências forçadas.
Diferente era, porém, o panorama nos serviçoes fiscais e alfandegários, nas repartições distritais ou na
administração municipal, onde as transferências e demissões de empregados eram frequentes quando
ocorria uma mudança de governo. Assim, por exemplo, enquanto nas secretarias dos ministérios a
grande maioria dos lugares amanuense e oficial era, desde 1859, provida por «concurso público», nas
repartições dos Governos Civis o acesso a essas categorias só foi regulamentado pelo Código
Administrativo de 1878, e na administração concelhia só em 1892 foi pela primeira vez adoptado o
princípio do «concurso» na admissão a vários empregos.
“O vício papelista”
- Críticas ao expediente das repartições públicas: O afã da regulamentação, o excesso de formalidades, a
ritualização dos meios em detrimento dos fins, a repetição mecânica dos gestos independentemente da
especificidade das circunstâncias, a procrastinação e lenta tramitação dos assuntos, o dispêndio
supérfluo deenergias e o avolumar de “papelada” constituíam.Nas repartições dependentes do Estado
dominam as influências papelistas.
- Consequências do formalismo e ritualismo burocráticos: Acerca do “vício papelista” o deputado Gomes de Castro profere “é confessado por toda a gente que a organização actual das repartições públicas, que o nosso maquinismo burocrático reclama um pessoal imenso, e não satisfaz às necessidades públicas”. Por sua vez, o Conde de Cavaleiros propunha em 1872 a reforma dos serviços públicos “por forma tal que se dispense a imensa quantidade de papelada que haja é necessária por qualquer cousa, sendo precisos homens e homens só para sobrescriptar essa papelada, que para nada vale”. E quatro depois, reincidida nas suas críticas, invocando a sua experiencia pessoal “a muita escrita, ou multiplicados ofícios, provenientes das exagerações burocráticas, prejudicaram o bom e rápido andamento dos nossos negócios públicos. Eu, como provedor da Santa Casa da Misericórdia, tenho muitas ocasiões de ver estas demoras…” A necessidade de simplificação dos procedimentos e costumes burocráticas foi um objectivo expressamente enunciado por sucessivos governos da Regeneração e que se traduziu em diversas reformas orgânicas dos serviços públicos. Queixas idênticas às que eram então formuladas em Portugal ocorriam também na generalidade dos
países europeus, queixas essas que espalhavam a desconfiança e hostilidade geral do pensamento
liberal face à crescente intervenção e burocratização do Estado.
Morfologia da Burocracia : Traços Fundamentais
A modernização do aparelho administrativo central
- Portugal Oitocentista
Processo de transformação histórica do sistema de Administração Pública.
Pedro Tavares de Almeida destaca três momentos decisivos :
1. Revolução Vintista
a. Proclamou a divisão dos poderes do Estado
b. Anunciou o fim da patrimonialização dos cargos públicos
2. Reformas decretadas por Mouzinho da Silveira entre 1832-1834
a. Desmantelaram definitivamente a rede institucional herdada do Antigo Regime
b. Estabeleceram o duplo principio da diferenciação e centralização funcionais
3. Regeneração
a. Criou condições de estabilidade político
b. Suscitou um novo impulso modernizador dos meios de gestão burocrática
Assistimos a uma substituição da antiga estrutura pelo regime ministerial a acção administrativa
passou a ser dirigida e canalizada através das Secretarias de Estado , que se transformaram assim nos
principais órgãos da actividade burocrática. Eram também o alvo preferencial de sucessivas reformas
destinadas a melhorar a qualidade e eficiência dos serviços públicos.
Qual o sentido geral dessas reformas ? Em que medida as inovações introduzidas configuram uma
dinâmica de modernização e racionalização burocráticas do Estado Liberal?
Segundo, podemos referir três tendências fundamentais:
1. Especialização Funcional
Estimulada à medida que aumentava o volume e a complexidade das tarefas da Administração Pública. A
sua expressão orgânica mais importante foi a criação do Ministério das Obras Públicas, Comércio e
Indústria em 1852. A crescente divisão do trabalho burocrático formava novas repartições dentro dos
Ministérios e desdobrava repartições já existentes.
2. Reforço da estruturação hierárquica
a. A nível dos serviços – generalização de um novo modelo de organização escalonado
em três níveis : as Direcções-Gerais, as Repartições e as Secções.
b. A nível dos funcionários – nítida acentuação do ordenamento hierárquico do
funcionalismo administrativo.
3. Esforço de uniformização das normas de organização, dos procedimentos burocráticos e do
estatuto e carreira dos funcionários
a. Regras gerais foram estabelecidas desde o início do regime liberal, regulando a fixação
das categorias do quadro pessoal dos serviços centrais e dos respectivos vencimentos
base.
b. Implantação de uma matriz comum na estrutura organizativa dos Ministérios:
Instituiram-se os «concursos»
Regulamentaram-se as condições de aposentação e o montante das pensões
de reforma
Fixaram-se as sanções disciplinares (elemento indispensável na afirmação de
uma ética de responsabilidade dos funcionários)
À luz das premissas weberianas, é notória a existência de uma dinâmica de modernização e
racionalização burocráticas em Portugal na segunda metade do século XIX. Esta dinâmica, conjugada
com maiores condições políticas e institucionais, traduziu-se num aumento das capacidades
administrativas do Estado.
Apesar de todas estas transformações, estas inovações institucionais e legais não suscitaram uma
rápida e profunda renovação dos hábitos e comportamentos administrativos. De facto, não foi criada de
imediato uma burocracia com características inteiramente modernas e uma elevada eficiência. Há
suficientes elementos que comprovam que, em relação a certos aspectos vitais, as reformas encontraram
resistência e tiveram um impacto limitado ou tardio.
Exemplo disso :
Critérios de recrutamento e promoção dos funcionários
o A progressiva instituição dos concursos instituiu um mecanismo fundamental para a
modernização dos costumes administrativos, embora não tenha sido suficiente para
erradicar ou insularizar as práticas de clientelismo e nepotismo e transformar uma
burocracia baseada no patrocinato numa burocracia baseada no mérito.
O recrutamento dos funcionários administrativos: patrocinato vs. Meritocracia
Uma das principais inovações burocráticas do século XIX foi a introdução e generalização do mecanismo
do concurso público por meio de provas práticas específicas (ou exames), o primado da competência na
selecção dos empregados administrativos, em substituição das práticas discricionárias de favoritismo
pessoal e de patrocinato político, visando assegurar a igualdade e de oportunidades.
Identificado como um instrumento indispensável à plena modernização e racionalização da Administração
Pública, bem como à democratização dos seus canais de recrutamento, o regime dos “concursos” não
constitui, no entanto, uma solução original instituída pelos modernos Estados oitocentistas. Um
dispositivo semelhante foi inventado na China antiga, o acesso a certas posições burocráticas era
regulado por um sistema formal de exames. O moderno “sistema de concursos” oitocentista constitui uma
influente fonte de inspiração.
Na Europa oitocentista, a institucionalização de um princípio de selecção meritocrática dos funcionários
da Administração Pública foi um processo tardio e lento. Com a excepção da Prússia, que desde os
primórdios do século XIX já tinha implantado um sistema bastante eficiente de exames extensivo aos
vários escalões hierárquicos da burocracia, nos restantes países só a partir da segunda metade de
oitocentos é que começam a dar os primeiros passos decisivos nessa direcção. São alguns exemplos
significativos: em França, desde 1791 ficou consagrado o princípioda igualdade jurídica de todos os
cidadãos no acesso aos empregos públicos, sendo a triagem feita de acordo com o mérito e as
capacidades pessoais.
Em Inglaterra, apesar das numerosas críticas anteriormente formulados ao sistema de nepotismo e
patrocinato que permeava os serviços públicos, foi a partir de 1855, na sequencia do Relatório Northcote-
Tervelyan, que se introduziram os primeiros concursos como método alternativo de recrutamento dos
funcionários da Administração Central. O seu impacto real foi, bastante limitado até à reforma de 1870,
que criou um dispositivo mais rigoroso e eficaz das provas práticas de selecção generalizado a todos os
organismos superiores do Estado (com excepção do Foreign Office).
Nos Estados Unidos, desde os tempos da presidência de Andrew Jackson (1829-1837) se enraizava em
larga escala o modelo de spoilsystem, o primeiro texto normativo que regulou as condições de ingresso
no federalismo federal, instituindo o mecanismo do concurso no provimento de certos cargos, só foi
adoptado em 1833. O Pendleton Act foi um importante ponto de viragem no desenvolvimento da
burocracia federal norte-americana, no entanto não significou uma ruptura imediata e radical com a
tradição de patrocinato político instalada.
No Portugal liberal oitocentista, esforço de inovação e racionalização das técnicas administrativas
acompanhou, quando não precedeu, o movimento de reformas burocráticas em outras nações
consideradas mais desenvolvidas.
A regra do mérito e da competição aberta no provimento dos lugares do quadro da Administração Central
foi, originariamente, consignada logo a seguir à revolução vintista. A Lei de 12 de Junho de 1822, que
estabelecia um conjunto de critérios gerais que deviam ser adoptados na reorganização das Secretarias
de Estado, determinava que “para os lugares, que faltavam a preencher, o Conselho de Ministros
escolherá, precedendo concurso, e exame público, quaisquer pessoas, em que se verifiquem as
habilitações de futuro necessárias para ocupar os empregos das Secretarias”.
E o texto constitucional promulgado em Setembro desse mesmo ano fixou no seu artigo 12º. Que “todos
os portugueses podem ser admitidos aos cargos públicos, sem outra distinção, que não seja a dos seus
talentos e das suas virtudes”.
Nas duas décadas seguintes, a formação de um corpo estável de funcionários públicos escolhido com
base em critérios de competência constituiria uma preocupação fundamental retomada por alguns
publicistas e reformadores, tanto mais que a seguir ao término da guerra civil o acesso aos empregos
públicos se transformou num dos focos principais na luta política. Após 1834 verificaram-se algumas
tentativas para regularizar as condições de ingresso e promoção nos serviços de administração
ministerial, que num ou noutro caso previam a escolha através de concursos públicos.
A introdução e aplicação de critérios minimamente definidos de recrutamentomeritocrático só começou a
difundir-se durante a Regeneração. Em 1852, o regulamento orgânico do recém-criado Ministério das
Obras Públicas determinava que as vagas nos lugares de amanuenses de primeira e segunda classe
fossem preenchidas por concurso público com provas práticas, mediante certos requisitos de idade e
instrução; a promoção ao lugar de “oficial” seria baseada no critério da antiguidade. No ano seguinte o
MNE adoptava também a regra do concurso para administração em algumas categorias dos serviços
administrativos, consulares e diplomáticos. Momento crucial forma as reformas burocráticas de 1859, que
introduziram o mecanismo do concurso em todas as repartições centrais dos Ministérios e prepararam o
terreno para o seu posterior alargamento a outros serviços da Administração Central. Desde então foi
elaborada uma série de regulamentos mais ou menos minuciosos do regime de concursos nos diversos
Ministérios, como o jornal oficial, o Diário do Governo, passou a publicar regularmente quer os editais a
anunciar a sua abertura, quer a classificação final dos concorrentes. Tratava-se de uma mudança
inovadora nos procedimentos administrativos.
Em termos absolutos, o número de indivíduos oficialmente arrolados como “empregados do Estado”,
independentemente da natureza do seu vínculo contratual, era um pouco mais de 10 mil no início da
Regeneração e ascendia a cerca de 22 mil em 1890; ou seja, nesse intervalo de tempo o funcionalismo
da Administração duplicou.
Dimensão e composição do funciolamismo público
Após análise podemos constatar que, o Ministério que manteve sempre o maior contingente
pessoal foi o da Fazenda. Até 1876 seguiam-se-lhe na escala de grandeza o Ministério do Reino e o
Ministério da Guerra. O primeiro, que durante esse período se consolidou como o segundo maior, sofreu
contudo uma súbita redução do seu tamanho em 1878, com a transferência do professorado primário
para a tutela da Administração Local. O Ministério da Guerra, que registou, pelo contrário, um decréscimo
progressivo dos seus efectivos até 1876, entre esta data e 1890 conheceu uma inversão dessa
tendência, readquirindo uma dimensão próxima da que possuía no início da Regeneração.
O Ministério das Obras Públicas foi o que teve um crescimento mais espectacular, que o elevou
de forma bem destacada à segunda posição da hierarquia de grandeza em 1890. Por último, os
ministérios da Justiça, da Marinha e Ultramar e, sobretrudo, o dos Negócios Estrangeiros eram os
organismos da administração superior do Estado que tinham o quadro de pessoal mais reduzido.
Na tentativa de uma ordenação estratificada do funcionalismo, cruzando os níveis salariais e as
exigências de qualificações literárias, identificam-se quatro escalões, que hierarquizam os principais
grupos ou posição de status.
A fonte dominante de recrutamento social do funcionalismo da Administração Central – e, por
conseguinte, também o fulcro essencial da “empregomania” – era a classe média. No seio desta
destacam-se as suas camadas inferiores (a “pequena burguesia”), que constituiram o principal grupo de
origem dos empregados públicos que integravam o escalão (C).
Uma questão que importa tentar esclarecer é se na Regeneração havia um excesso de
funcionários públicos.
É difícil determinar se o volume de funcionários era desajustado em relação às necessidades
administrativas reais do país. Em termos comparativos, na Europa ao longo da segunda metade do
século XIX indicam que Portugal não figurava entre os países onde era maior a expansão da burocracia.
Acauteladas as dificuldades e limitações, estabeleceu-se algumas comparações possíveis.
Em França nos começos do século XX pelo director dos serviços de estatística, a evolução do
número funcionários da Administração Central foi a seguinte: em 1839, eram 130 mil (0,38% da
população total); em 1871, 220 mil (0,60%); em 1911, 350 mil (0,89%). Em Portugal o mesmo universo de
funcionários representava em 1853, 0,26% da população total, e em 1890, 0,43%.
Na Grã-Bretanha, o contingente do funcionalismo civil da Administração Central (excluindo os
militares) era cerca de 43 mil (0,24% da população total) em 1851, ultrapassando os 90 mil (0,37%) em
1890. O que significava uma proporção superior à que se verificava no nosso país: em 1853, os
empregados civis do Estado representavam 0,19% da população total; em 1890, 0,28%.
Na Alemanha, onde havia um acentuado desenvolviemento burocrático, a proporção dos
efectivos globais do funcionalismo, segundo uma estimativa aproximada, era duas vezes superior à da
Grã-Bretanha em finais do século XIX.
Em Itália, por último, os efectivos da Administração Central (com a exclusão dos magistrados)
representavam 0,23% da população total em 1881, e 0,39% em 1891. Trata-se, portanto do único país
europeu aqui examinado onde o peso dos servidores do Estado tinha aparentemente uma expressão
ligeiramente menor do que em Portugal.
Em síntese, o funcionalismo no Portugal da Regeneração não teria um tamanho exagerado no
contexto europeu da época, ocupando eventualmente uma posição intermédia numa escala de grandeza.
Os salários do funcionalismo público
A Regeneração implicou uma mudança indispensável para que fosse assegurado um mínimo de
estabilidade e lealdade do funcionalismo pagamento regular e pontual dos salários.
Esta alteração fundamental não foi no entanto acompanhada por uma melhoria geral dos níveis salariais
e das condições de vida dos empregados públicos :
Ordenados baixos cujo o valor nominal permanecia inalterado durante décadas em algumas
categorias profissionais.
Perante isto, durante a segunda metade do século XIX as queixas e reivindicações foram uma constante.
Ainda assim, a insuficiência das remunerações fixas era atenuada pelas gratificações (ordinárias ou
extraordinárias).
No geral, a atracção exercida pelos empregos públicos não residia nas vantagens salariais. A maior parte
da burocracia acumulava actividades ou «empregos» paralelos.