HISTÓRIA E POLÍTICA

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HISTÓRIA E POLÍTICA: ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS Walmir Barbosa O estudo da Política é uma necessidade que se impõe de forma intensa na nossa contemporaneidade. Estudo que deve buscar combinar abordagens macro e micro estruturais. Em termos macro estruturais porque, em face da globalização e do neoliberalismo, convivemos com contradições e conflitos que se expressam de múltiplas formas. Vivenciamos o aprofundamento da distância entre ricos e pobres (Norte versus Sul; e entre dominantes versus dominados), o agigantamento da destruição ambiental, a multiplicação das guerras regionais, a exacerbação da violência, a instrumentalização da ciência pelo capital. Em termos micro-estruturais porque, em face da afirmação cultural dos grupos étnicos oprimidos, da revolução feminina, da afirmação social da criança e do adolescente, entre outros processos, convivemos com contradições e conflitos de cunho privado e cotidiano que também se expressam de múltiplas formas. Vivenciamos a crise da relação de gênero, o ressurgimento do xenofobismo, o conflito de gerações. A nossa contemporaneidade expressa, também, a viabilidade de construção de um novo processo civilizatório erigido sobre as macro estruturas da lógica do capital, da razão

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HISTRIA E POLTICA: ELEMENTOS INTRODUTRIOS

Walmir Barbosa

O estudo da Poltica uma necessidade que se impe de forma intensa na nossacontemporaneidade. Estudo que deve buscar combinar abordagens macro e microestruturais. Em termos macro estruturais porque, em face da globalizao e do neoliberalismo, convivemos com contradies e conflitos que se expressam de mltiplas formas.Vivenciamos o aprofundamento da distncia entre ricos e pobres (Norte versus Sul; e entredominantes versus dominados), o agigantamento da destruio ambiental, a multiplicaodas guerras regionais, a exacerbao da violncia, a instrumentalizao da cincia pelocapital. Em termos micro-estruturais porque, em face da afirmao cultural dos grupostnicos oprimidos, da revoluo feminina, da afirmao social da criana e do adolescente,entre outros processos, convivemos com contradies e conflitos de cunho privado ecotidiano que tambm se expressam de mltiplas formas. Vivenciamos a crise da relao degnero, o ressurgimento do xenofobismo, o conflito de geraes. A nossa contemporaneidade expressa, tambm, a viabilidade de construo de umnovo processo civilizatrio erigido sobre as macro estruturas da lgica do capital, da razocrtica instrumental e do burocratismo estatal. So evidencias dessa realidade a insurgnciarepresentado pelo movimento contra a globalizao, a multiplicao de novos movimentossociais, o constrangimento frente a desigualdade, pobreza e violncia no mundo. A viabilidade de construo de um novo processo civilizatrio demanda, tambm, asuperao das micro estruturas do machismo, da discriminao racial, da discriminao dejovens e velhos. So evidencias dessa realidade o surgimento de novas experincias derelacionamento de gnero, de encontro de diversidades religiosas e tnicas. Mestre em Histria das Sociedades Agrrias e professor de Cincia Poltica pela UCG. A tomada de uma conscincia dos problemas mundiais em termos macro e microestruturais uma necessidade e amplia a importncia da Poltica. Ela pode atuar no sentidode compreende-los, bem como contribuir para a construo de respostas coletivas para osmesmos. A compreenso da Poltica pode ser respaldada pela disciplina Cincia Poltica. Da aimportncia de abordarmos o conceito de poltica, os problemas advindos do seu mtodo edo seu objeto, os seus limites. Pode, tambm, ser respaldada pelas possibilidades abertas pormeio do dilogo que a disciplina Cincia Poltica pode estabelecer com outras disciplinasdas cincias humanas, bem como com outras esferas de manifestao da nossasubjetividade. Da a necessidade da questo poltica ser abordada em uma perspectiva detotalidade e interdisciplinar. O presente texto tem como propsito conduzir uma reflexo acerca da Poltica a partir da histria do mundo ocidental. Ele se constitui em uma reflexo introdutria, para fins acadmicos, sobre o desenvolvimento da poltica como prxis e como disciplinaconstruda no processo histrico, tendo em vista uma reflexo futura mais consistente.Todavia, necessrio registrar que, mesmo com todos os limites, as contribuies de CamilaDalul Mendona e os dilogos crticos com Paulo Faria e Sebastio Cludio Barbosa temsido de grande valia.

22 SUMRIO APRESENTAO 1 A UTILIDADE DA POLTICA1.1 A Constituio de uma Sociedade Rica Politicamente2 CONCEITUANDO POLTICA2.1 Poltica e Poder2.2 A Finalidade da Poltica2.3 Poltica e Conflito2.4 A Delimitao da Poltica2.5 Poltica e Moral3 CONCEITUANDO CINCIA POLTICA3.1 Surgimento e desenvolvimento da Cincia Poltica3.2 Concepes a cerca da Cincia Poltica3.3 Papel da Cincia Poltica3.4 Cincia Poltica e interdisciplinaridade3.5 Mtodos e Tcnicas3.6 - O Procedimento da Comparao3.7 O Problema da Avaliao4 A GRCIA E A INVENO DA POLTICA4.1 A Vida Poltica de Esparta4.2 A Vida Poltica de Atenas4.3 A Criao da Poltica4.4 A Finalidade da Poltica Para os Gregos4.5 Os Regimes Polticos5 ROMA: O DOMNIO DO PRAGMATISMO ARISTOCRTICO5.1 A Repblica Romana5.2 O Movimento Reformista dos Irmos Traco 5.3 O Imprio Romano5.4 A Virtude Personificada6 IDADE MDIA E O PODER TEOLGICOPOLTICO6.1 Sociedade e Economia Medieval6.2 A Expanso Feudal6.3 A Crise Feudal6.4 As Bases das Teorias Polticas Crists Medievais6.5 As Teorias Teolgico-Polticas Medievais 6.6 Auctoritas e Potestas6.7 O Poder Dual6.8 O Pensamento Poltico da Cristandade Tardia 33 7 MAQUIAVEL E O NOVO PRNCIPE7.1 A Itlia de Maquiavel7.2 Maquiavel e a Criao do Pensamento Poltico Moderno7.3 Principados e Repblicas7.4 A Revoluo na Poltica7.5 Os Limites de Maquiavel8 O CONTEXTO HISTRICO DAS TEORIAS MODERNAS8.1 O Renascimento8.2 A Reforma Protestante8.3 Os Estados Nacionais Aristocrticos8.4 Estado Nacional e Mercantilismo8.5 O Iluminismo e a Razo9 REVOLUO ARISTOCRTICO-BURGUESA NA INGLATERRA9.1 Revoluo Aristocrtico-Burguesa na Inglaterra9.2 Tericos da Revoluo Aristocrtico-Burguesa na Inglaterra9.2.1 Hobbes e o Contrato Social9.2.2 O Estado de Natureza9.2.3 O Contrato Social em Hobbes9.2.4 Locke e a Teoria Liberal9.3 Estado e Propriedade9.4 Locke e o Pensamento Liberal10 REVOLUO BURGUESA NA FRANA10.1 Rousseau e a Vontade Geral10.2 A soberania10.3 As Leis e o Legislador10.4 O Governo10.5 A Religio Civil10.6 A Propriedade Privada e a Desigualdade Social10.7 Crticas ao Pensamento de Rousseau 10.8 - Montesquieu e os Trs Poderes10.9 Os Trs Poderes10.10 A Teoria dos Trs Poderes11 A CONTEMPORANEIDADE11.1 Liberalismo, Cidadania e Estado11.2 Capitalismo e Contestao do Mundo do Trabalho11.3 Crise do Capital e Welfare State11.4 A Grande Crise do Capitalismo e os Novos Regimes 12 A FRANA PERMANECE REVOLUCIONRIA12.1 A Comuna de Paris de 187113 A REVOLUO DE OUTUBRO DE 1917 44 14 TEORIAS E PENSAMENTOS POLTICOS CONTEMPORNEOS14.1 O Pensamento Positivista14.2 Estado e Poltica Cientfica14.3 Sociedade e Vontade Poltica14.4 Concepo Anarquista14.5 Autoridade, Estado e Lei14.6 A Revoluo Social Anarquista14.7 - Sociedade, Estado e Poltica no Marxismo14.8 Sociedade e Totalidade em Marx14.9 A Concepo Materialista da Histria14.10 A concepo Marxista do Estado14.11 A Construo da Concepo de Estado de Marx14.12 A influncia de Hegel14.13 O Estado no Jovem Marx14.14 A concepo de Estado de Marx de 1848 185214.15 As Contribuies de Gramsci14.16 - O Pensamento Liberal de Marx Weber14.17 As Razes do Mtodo de Weber14.18 Capitalismo e tica Protestante]14.19 Ao Social e Racionalidade14.20 Classe Social e Estamento14.21 Poltica e Poder14.22 A burocracia14.23 Liberalismo e Vontade Poltica15 IMPRIO E DESTRUIO15.1 Capital Globalizado e Destruio15.2 O Que Fazer?16 ATUAIS DESAFIOS PARA A POLTICA E A TICA16.1 A Dimenso da Poltica 16.2 Poltica tica16.3 Elementos de Orientao Para Uma Poltica tica16.3.1 O Homem como Ser e como Fim16.3.2 Equivalncia entre Igualdade e Diferena16.3.3 Pauta, Processo e Luta pelos Direitos Humanos16.3.4 Radicalizar a Prtica Poltica Democrtica16.4 Liberdade, Igualdade e Justia Como Realizao tica ANEXO 1BIBLIOGRAFIA

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66 1) A UTILIDADE DA POLTICA Qual a utilidade da Poltica? Certamente a sua utilidade varia segundo as nossasopes e escolhas sociais, ou seja, a forma de leitura construda, os interesses sociais com osquais nos comprometemos, e assim por diante. Na perspectiva liberal conservadora a Poltica poderia ser til para a tomada demedidas que assegurassem a ordem, a coeso e a paz social. Destas medidas dependeria aviabilidade do progresso econmico e social da sociedade. A Poltica seria o campo da prtica social dos operadores polticos (governos,partidos, polticos, burocratas, etc), tendo em vista a conduo de reordenamentosinstitucionais que poderiam readequar o Estado, o governo e as instituies s necessidadesde uma sociedade em constante evoluo. O campo privilegiado da poltica seria o Estado, ordenado por meio dos seus trs poderes. No seu mbito e de forma vertical seriam definidas as polticas de reforma, de regulao e de controle da sociedade.Na perspectiva liberal progressista a Poltica poderia ser til para a conquista da justia social, da cidadania para todos. Conquista esta que passaria, entre outras iniciativas,pela reverso do fenmeno da pobreza. Da pobreza scio-econmica, isto , da carnciamaterial fruto da reproduo do fenmeno da concentrao de renda, do mercado informalde trabalho, do desemprego e subemprego. E da pobreza poltica, isto , da carncia polticafruto da tragdia histrica de um povo impedido de gerir seu prprio destino, de se organizarpara a defesa dos seus direitos, de se libertar da manipulao poltica, de institucionalizar ademocracia. Na perspectiva liberal progressista, na qual a pobreza poderia, enfim, manifestar-seem uma dimenso scio-econmica e em uma dimenso poltica, elas estariam mutuamentecondicionadas. Por exemplo, ganhos de renda da sociedade poderia ser acompanhado porsua distribuio regressiva, o que demonstra que no seria possvel resolver o problema dapobreza scio-econmica sem a participao poltica das camadas populares. Em outroexemplo, uma poltica assistencialista poderia at distribuir benefcios e minorarconjunturalmente a fome, mas poderia, todavia, terminar por agravar a pobreza poltica,desmobilizando, assim, a Poltica das massas e dos movimentos sociais. Poderia, ainda, alongo prazo, agravar a prpria pobreza scio-econmica na medida em que exerceria umaao destrutiva sobre a capacidade de presso poltica das camadas populares. 77 Na perspectiva igualitria e libertria a Poltica poderia ser til para aconstruo/organizao do mundo do trabalho em uma perspectiva de transformao dasociedade capitalista e burguesa. O horizonte utpico seria a construo de uma nova ordemsocial na qual o homem esteja no centro da sociedade, no o capital. Na perspectiva igualitria e libertria esta transformao teria que se dar a partir domundo do trabalho e de forma radical, isto , de baixo para cima e revolucionariamente. Istoporque a profundidade das transformaes haveria de colocar um fim na propriedadeprivada, nas classes sociais, na desigualdade social e no Estado (tal como o conhecemos). Qualquer que seja a perspectiva que se tenha da Poltica ela deve ser pensada emuma dimenso tica, isto , deve se pautar pela busca permanente da liberdade, da igualdadee da justia entre os homens. Nesta direo, a Poltica se constitui em um campo de prxis eem uma disciplina por meio da qual uma sociedade, diferenciada por classes e grupos sociais, formula suas reivindicaes e projetos sociais e os coloca claramente no debate e na disputa poltica e social. Identificar as bases sobre as quais se reproduz a sociedade, revelar as relaes que estas bases estabelecem com as formas de poder e resgatar/indicar formas de organizao eexperincia poltica historicamente construdas se constitui, seguramente, em um passonecessrio nesta direo.

1.1 A Construo de uma Sociedade Rica Politicamente

necessria a construo de uma conscientizao poltica a respeito da injustiasocial. A construo desta conscincia por parte de amplos setores sociais podecircunscrever-se nos limites da sociedade capitalista e burguesa. Expressar-se enquantoconscincia de direitos sociais dos quais uma parcela da sociedade encontra-se impedida,isto , reconhecer a pobreza scio-econmica como injustia e a pobreza poltica comorepresso. A construo da conscincia poltica da injustia social pode, ainda, ultrapassar oslimites da sociedade capitalista e burguesa. Amplos setores sociais podem compreender apobreza scio-econmica e a pobreza poltica como decorrncia dos fundamentos de ummodo de produo que gera, de um lado, o desperdcio, a sub-utilizao das forasprodutivas, a distribuio regressiva da riqueza e propriedade, a exausto dos recursosnaturais, e de outro, o domnio poltico, a opresso ideolgica, a pasteurizao dasidentidades culturais. Uma conscincia que se faz libertria e igualitria. 88 A perspectiva de conscientizao poltica da injustia social pode ser diversificada.Todavia, necessrio o desenvolvimento de trs grandes processos sociais, sem os quais noser possvel a formao de atores polticos crticos, motivados por projetos polticosprprios e fortemente organizados para viabiliz-los. Efetivar a universalizao da educao pblica, gratuita e de qualidade e conquistaros espaos de educao (escola, universidades, etc) do Estado e do capital so passosnecessrios para a construo da conscientizao poltica contra a injustia social. De umlado, porque a educao permite a aquisio, desde instrumentaes primeiras para aconscientizao poltica como ler, escrever, informar, interpretar, analisar, at o acesso aoconhecimento cientfico e tecnolgico desenvolvido pela humanidade. De outro, porque aconquista dos espaos da educao e sua transformao em sociedade civil organizadapermite que sejam orientados para formar o mundo do trabalho para a liberdade, no para o capital, na medida em que podero ser criados projetos de educao alternativa e impulsionar projetos sociais alternativos tendo a educao e o espao em que ela ocorrecomo ferramentas. necessrio preservar ou mesmo reconstruir as identidades culturais comunitrias. Acondio de classes e grupos sociais atuando como sujeitos sociais e polticos possui comofundamento a cultura de cada povo. Esta necessidade torna-se urgente quando os centros depoder do capital aciona poderosas foras pasteurizadoras e homogeneizadoras da cultura, aexemplo das novas mdias, dos oligoplios de informao, dos novos kits culturais. Por fim, as classes, grupos e indivduos sociais necessitam se organizar e sedefender. Operar redefinies no Estado e limites na economia de mercado, ou mesmocolocar em questo as bases sobre as quais a sociedade atual se articula, no atual perodo deluta de classes, somente ser possvel por meio da construo de uma vasta organizao dasociedade civil do mundo do trabalho. necessrio libertar organizaes tradicionais dasociedade civil do mundo do trabalho, a exemplo dos sindicatos e dos partidos polticos, doimobilismo burocrtico, do favorecimento material de grupos polticos encastelados na suaestrutura e da tradio vertical e autoritria de relao com a base, bem como impulsionar acriao de organizaes novas da sociedade civil do mundo do trabalho, como ONGs,movimentos de ambientalistas, de sem-teto, de minoria. A Poltica pode ser til na construo destes trs grandes processos sociais, tendo emvista a conquista da conscientizao poltica acerca da injustia social. Eles podem serinsuficientes para a conquista da justia social, mas pouco poder ser efetivamente realizadonessa direo sem os mesmos. 99

1010 2) CONCEITUANDO POLTICA

O termo Poltica deriva do adjetivo grego Plis (politiks), que significa tudo o que se refere cidade e, consequentemente, o que urbano, civil e pblico. Na sua origem otermo Poltica assume uma significao mais comum de arte ou cincia do governo, comintenes descritivas e/ou normativas. No mbito deste significado, o termo Poltica , tambm, utilizado para designarobras dedicadas ao estudo da esfera de atividade humana que se refere s coisas do Estado.Em certa medida uma influncia da obra Poltica de Aristteles, o primeiro grande marcona abordagem da natureza, funes e diviso do Estado. Com Marx o termo Poltica incorpora o sentido de conflito ou luta de classes. Comisto ocorre um deslocamento ontolgico da abordagem da Poltica da esfera pblica para a sociedade diferenciada socialmente. A esfera pblica passa a ser concebida como realidade determinada pelo conflito ou luta de classes.Com Michel Foucault o termo Poltica ultrapassa o que se refere ao Estado e as classes sociais. Incorpora poltica as relaes sociais no plano das micro estruturas sociais,reproduzidas no cotidiano e que se materializam em uma rede infinita de poder. Estasrelaes perpassariam as relaes de gnero, de grupo etrio, etc, e se expressariam na redede poder.

2.1 Poltica e Poder Poltica pode ser definida como o campo de prxis e o conjunto de meios quepermite aos homens alcanarem os objetivos desejados. Para alcanar estes objetivos aPoltica lana mo do poder, isto , de uma relao entre sujeitos, dos quais um (ou alguns)impe ao outro (ou outros) a prpria vontade e determina o seu comportamento. Forma-se o poder poltico, ou seja, uma forma especfica de poder, que se distinguedo poder que o homem exerce sobre a natureza e de outras formas de poder que o homemexerce sobre outros homens (poder paterno, poder desptico, etc). O poder poltico natradio clssica ocorre apenas nas formas corretas de Governo. Nas formas viciadas opoder poltico exercido em benefcio dos governantes, o que significa um poder nopoltico. 1111 Podemos distinguir trs grandes classes de poder. O poder econmico, que se baseiana posse de certos bens para induzir aqueles que no os possuem a manter um certocomportamento, sobretudo na realizao de um certo tipo de trabalho. De tal forma queaqueles que possuem abundncia de bens so capazes de determinar o comportamento dequem se encontra em condies de penria, por meio de promessa, concesso de vantagens,e assim por diante. O poder ideolgico, que se baseia na influncia que as idias formuladasde um certo modo, por um grupo investido de certa autoridade, expressas em certascircunstncias e difundidas mediante certos processos, exercem sobre as condutas dasociedade. Este poder pode assumir uma forma laica ou religiosa. O poder poltico, que sebaseia na posse dos instrumentos mediante os quais se exerce a fora fsica. o poder coatorno sentido mais estrito da palavra. Essas trs formas de poder fundamentam e mantm uma sociedade de desiguais, isto , dividida em ricos e pobres com base na primeira classe de poder; em sbios e ignorantes com base na segunda classe de poder; e em fortes e fracos com base na terceira classe depoder. As trs grandes classes de poder esto profundamente condicionados pelas relaesde produo dominantes em cada sociedade, isto , pela forma como os homens, distribudospor meio de classes sociais e em conflito, organizados a partir de um tipo especifico depropriedade e de trabalho, produzem e distribuem os excedentes. Portanto, o conflito, nombito das relaes de produo, percorre as trs grandes classes de poder e vice-versa. Daa necessidade de apreendermos as trs grandes classes de poder em perspectiva ampla, isto, de maneira a incorporar as formas de contra-poder. O poder poltico, como possui como meio especfico de exerccio a fora, o podersupremo ao qual todos os demais esto de algum modo subordinados. Exatamente por isso o poder a que recorrem todos os grupos sociais dominantes (a classe dominante), em ltimainstncia, para manter o domnio interno, para se defender dos ataques externos e paraimpedir a desagregao do seu prprio grupo e sua eliminao. Por conseguinte, aconstruo do contra-poder a que recorrem todos os grupos sociais dominados (classe social,grupo tico, etc) consciente da sua condio, tendo em vista resistir ou construir uma novaordem social e, por conseqncia, um novo poder. A possibilidade do uso da fora o que distingue o poder poltico das outras formasde poder, mas isso no significa que ele se resolva no seu uso. Mesmo quando poder polticoe Estado se identificam plenamente, como na perspectiva liberal, a possibilidade do uso dafora no suficiente para a preservao do poder poltico dos grupos dominantes. Por issoa necessidade da legalidade e da legitimidade para o seu uso, sem o que os grupos 1212 dominantes no poderiam construir a idia do uso da fora como um imperativo damanuteno da ordem e da coeso social. Segundo Bobbio, (...) o que caracteriza o poder poltico a exclusividade do uso da foraem relao totalidade dos grupos que atuam num determinadocontexto social. Exclusividade esta que o resultado de um processo demonopolizao da posse e uso dos meios com que se pode exercer acoao fsica. Este processo de monopolizao acompanha o processode incriminao e punio de todos os atos de violncia que no sejamexecutados por pessoas autorizadas pelos detentores e beneficirios detal monoplio (Bobbio, 1992, p. 956). O Estado, na perspectiva liberal, concebido como uma empresa institucional de carter poltico. Um aparelho poltico-administrativo que leva avante, em certa medida ecom xito, a pretenso do monoplio da coero fsica como ato legtimo, com vistas aocumprimento das leis em um determinado territrio. Enquanto a perspectiva liberal oculta o fato de que o monoplio da coero fsica relativa a um determinado grupo social, o marxismo parte justamente deste ponto no tocantea sua concepo de Estado. O Estado, na perspectiva marxista, concebido como uminstrumento da classe poderosa economicamente para que a mesma possa tornar-se a classedominante politicamente, de forma a adquirir os meios fundamentais para dominar eexplorar a classe oprimida. O poder poltico sob uma hegemonia social busca alcanar a exclusividade, isto ,no permitir, no mbito de seu domnio, a formao de grupos armados independentes ou deinfiltraes ou agresses oriundas do exterior, bem como de debelar ou dispersar os queporventura vierem a se formar; a universalidade, isto , a capacidade que tm os detentoresdo poder poltico de tomar decises legtimas e eficazes para toda a coletividade, no que dizrespeito distribuio e destinao dos recursos materiais e culturais; a inclusividade, isto, a possibilidade de intervir, de modo imperativo, em todas as esferas possveis da atividadedos membros do grupo e de encaminhar tal atividade ao fim desejado ou de desvi-la de umfim no desejado, por meio de instrumentos de ordenamento jurdico (Bobbio, 1992, p. 957). O poder poltico possui possibilidades e limites. As possibilidades e limites podemdecorrer da prpria formao poltica. Um Estado teocrtico, por exemplo, estende o seupoder sobre a esfera religiosa, enquanto que o Estado laico declina diante dela. As 1313 possibilidades e limites podem ser definidos institucionalmente no mbito do prprio poderpoltico. A instituio da ditadura na Repblica Romana, por exemplo, encontra-se previstana lei sob determinada circunstncia, forma de exerccio e tempo de durao.

2.2 A Finalidade da Poltica Ao se identificar o elemento especfico da Poltica pelos meios de que ela se serve,caem as definies teleolgicas da Poltica, ou seja, definies que se apoiam numaarticulao necessria entre o fato e sua causa final, ou, ainda, pelo fim ou fins que elapersegue. Os fins que se pretende alcanar pela ao dos agentes polticos so aqueles que, emcada situao, so considerados primordiais para uma determinada classe ou grupo social, ou para amplos setores sociais: em pocas de lutas sociais e civis, por exemplo, o fim poder ser a unidade do Estado, a concrdia, a paz, a ordem pblica, etc; em tempos de paz internae externa, o fim poder ser o bem-estar; em tempos de opresso por parte de um Governodesptico, o fim poder ser a conquista dos direitos civis e polticos. A Poltica no tem finsperpetuamente estabelecidos e, muito menos, um fim que os englobe a todos e que possa serconsiderado como o seu nico fim. Os fins da Poltica variam de acordo com os interessesde classes, o tempo e as circunstncias. Esta rejeio do critrio teleolgico no significa que no se possa falar de um fimmnimo na Poltica. A prpria leitura de Maquiavel nos indica como fim bsico da poltica aordem pblica nas relaes internas, a defesa da integridade nacional de um Estado emrelao a outros Estados e a proteo do povo em face dos poderosos. Este fim o fimmnimo porque condio necessria para a consecuo de todos os demais fins,concilivel, portanto, com eles. Mesmo um estado de desordem social desencadeado porum partido ou movimento revolucionrio no o seu objetivo final, mas um objetivoconjuntural necessrio para a mudana da ordem social e poltica vigente e criao de umanova ordem. A superao das concepes teleolgicas de Poltica, acarreta, ainda, a superao derecomendaes polticas prescritivas, isto , que no definem o que concreta enormalmente a Poltica, mas indicam como que ela deveria ser para ser uma boa Poltica.Obviamente, tal superao tende a valorizar a ao concreta conduzida pelos atores polticosem aliana e/ou conflito, no cotidiano, onde a prxis se realiza. 1414 Finalmente necessrio superar as definies de Poltica que a concebem como umaforma de prtica de poder que no tem outro fim seno o prprio poder, isto , onde o poder um fim em si mesmo. A concepo de Poltica que concebe o exerccio do poder pelopoder decorre, por um lado, do fato de que no h um objetivo especfico da poltica que seconvertesse em um guia da ao poltica, do outro, da prpria construo de umarepresentao subjetiva de quem ocupa o poder e de quem teoriza esta ocupao,relativizando/banalizando a importncia do poder de forma a sacrificar o seu sentido pblicoe instrumentaliza-lo por meio de uma ao voltada para os seus prprios interesses pessoaisou corporativos. Caso o fim da Poltica fosse realmente o poder pelo poder, de nada serviria a Poltica.Esta concepo de poltica, que se materializa na prtica do homem poltico maquiavlico,busca respaldo por meio de uma leitura parcial e deturpada de Maquiavel. 2.3 Poltica e Conflito O conflito acompanha a histria do homem. Nos primrdios o homem conflituaconsigo mesmo por meio de comunidades. Ordenadas a partir do sexo e da idade epraticando economias destruidoras dos recursos naturais, as comunidades disputam asregies de caa e as florestas. A liberdade e o igualitarismo da comunidade contrasta com aconstante conduo de guerras s outras comunidades. No h lugar para a Poltica porqueno h conflito de interesses sociais distintos e uma estrutura de pensamento racional nacomunidade. O surgimento da propriedade privada, usufruda pela aristocracia agrria, a exemploda Antiga Grcia, ou da propriedade pblica, usufruda pela burocracia de Estado, aexemplo do Antigo Egito, inaugura o conflito de interesse social distinto. A comunidade dlugar sociedade, isto , uma organizao social fundada na diferenciao social. A Poltica, tal como a conhecemos hoje, inventada em uma sociedade na qual apropriedade privada, a desigualdade social e os novos conflitos so acompanhados por umaforma racional de conceber o mundo. A Poltica consiste em uma forma racional deadministrar e/ou superar os conflitos a partir da construo de uma esfera pblica por meiode leis, de instituies e da prtica do debate pblico. A Poltica no assegura objetivos comuns. A Poltica se constitui inicialmente em umcampo de prtica tendo em vista legalizar, justificar e legitimar a propriedade privada e aopresso sobre o mundo do trabalho. Nesta direo, a classe proprietria e dominante lana 1515 mo dos filsofos (intelectuais) que, liberalizados da produo, produz idias e concepesde mundo do interesse desta classe. A Poltica se constitui, tambm, em um campo de prtica tendo em vista resistir e, nolimite, romper com a propriedade privada e a opresso do mundo do trabalho.Diferentemente da classe proprietria e dominante, as classes do mundo do trabalho nopde dispor, por um longo perodo histrico, de filsofos (intelectuais) que, liberalizados daproduo, produzissem idias e concepes de mundo do seu interesse. A Poltica possui como funo associar e defender os amigos em face dos inimigos.Estes podem se servir de leis, instituies, instrumentos polticos, isto , de diversos meioslegais, fsicos e culturais para atingir os prprios fins. Isto transforma o poder poltico emum poder superior a todas as outras formas de poder e ao qual todos recorrem para resolveros conflitos. A no soluo dos conflitos no contexto de uma ordem social e/ou internacional pode acarretar a decomposio do Estado e/ou da ordem internacional, de forma a dar lugar a anarquia destrutiva do Estado e/ou da ordem internacional e das prprias relaes deproduo, a reformulao do Estado e/ou da ordem internacional nos limites das relaes deproduo vigentes ou a construo do novo Estado e/ou nova ordem internacional a partir denovas relaes de produo.

2.4 A Delimitao da Poltica

Na tradio clssica a Poltica compreende toda a vida da Plis. Abrange toda sorte de relaes sociais, de tal forma que o poltico coincide com o social.A delimitao da Poltica no mundo ocidental tem incio com o cristianismo. Ele efetua a separao entre o poder espiritual e o poder temporal com a prpria idia deressurreio de Cristo, isto , Cristo morre em matria e renasce em esprito, o que ter queser vivenciado por todos que queiram alcanar a salvao. Os homens podem escolher entreagir segundo o poder espiritual ou o poder temporal, sendo que o primeiro possui primaziaem relao ao segundo perante Deus. O cristianismo, nascido na teocracia judaica, subtrai a esfera Poltica do domnio davida religiosa e inaugura o conflito entre poder espiritual e poder temporal. Conflito quepode configurar, no mbito da separao, o domnio do poder espiritual sobre o podertemporal (Alta Idade Mdia Ocidental), o domnio do poder espiritual por parte do podertemporal (Idade Moderna Ocidental) ou a separao sem interdependncia direta entre opoder espiritual e o poder temporal (Idade Contempornea Ocidental). 1616 O surgimento da economia mercantil burguesa no perodo moderno um outromomento desta delimitao. A liberdade de ao econmica da burguesia em um mercadosob controle relativo por parte do Estado (mercantilismo) expressa um momento inicial dasubtrao das relaes econmicas da esfera da poltica. Tem origem, a partir de ento, acontraposio da sociedade civil - enquanto o domnio da vida material privada, isto , aesfera privada - em relao sociedade Poltica - enquanto o domnio da esfera pblica, isto, o Estado. O tema fundamental da Filosofia Poltica moderna o tema dos limites do Estado(sociedade poltica), principal organizao da esfera pblica, em relao aos indivduos(sociedade civil), esfera da vida privada, seja em relao a vida religiosa, seja em relaovida poltica, seja em relao a vida econmica. Desse modo, surgem na Filosofia Polticamoderna dois tipos ideais de Estado: o Estado absolutista, hobesiano, anti-liberal, com tendncia a estender sua influncia sobre amplos nveis da vida social, em uma clara reao ao sacrifcio da esfera pblica esfera privada em curso com a acumulao primitiva decapital e a progressiva afirmao da economia de mercado; e o Estado liberal, lockeano,anti-absolutista, com tendncia a declinar em intervir nas esferas privadas religiosas,polticas e econmicas, em uma clara expresso do projeto de classe burgus, cuja afirmaodepende da total liberdade econmica, da afirmao de uma ordem social baseada napropriedade e riqueza e do fim do monoplio aristocrtico sobre o Estado. A delimitao da poltica em face do social, do religioso e do econmico; a crescentecapacidade de organizao, conscientizao e interveno poltica de amplos setores sociaisdo mundo do trabalho; e a crtica do Estado como aparato poltico-administrativo-militarseparado da sociedade e instrumentalizado pela classe dominante, d lugar no sculo XIX hiptese de desapario do Estado. Esta desapario ocorreria num futuro mais ou menosremoto, com a conseqente absoro do poltico pelo social. O fim (supresso) da Polticaenquanto prtica realizada de forma privilegiada pela burocracia estatal e partidos polticos efavorvel aos detentores da propriedade, daria lugar a uma liberdade e igualdade socialusufruda por todos os homens. O fim da Poltica, nesta perspectiva, no significa o fim de toda forma deorganizao, de instituies e de poder. Significa o fim de uma determinada forma deorganizao, de instituies e de poder fundada na propriedade privada e na desigualdadesocial e regida pelo uso exclusivo da coero e do domnio.

1717 2.5 Poltica e Moral

A reflexo acerca das relaes estabelecidas entre Poltica e Moral deve ter comoreferncia primeira a tica. tica pode ser definida como pensamento e como ao queconcorra para a construo da liberdade, da igualdade e da justia. Uma esttica depensamento e de ao do indivduo, do grupo social e da sociedade, presente no cotidiano enos diversos processos sociais, voltada para a prpria humanizao do homem e a conquistada felicidade. Humanizao e felicidade somente alcanvel na medida em que se alcana aliberdade, igualdade e justia. Moral pode ser definida como o conjunto de regras consideradas vlidasindependente do tempo, do lugar e do indivduo ou grupo social. A moral tende a ser maisfechada, a-crtica e a-histrica quanto mais condicionada estiver das concepes religiosas e menos condicionada estiver da tica, e tende a ser menos fechada, a-crtica e a-histrica, quanto menos condicionada estiver das concepes religiosas e mais condicionada estiver datica. O critrio de julgamento de uma ao moralmente boa ou m a do respeito a umanorma cuja preceituao tida por categrica, independentemente do resultado da ao.Todavia, poder no ser dogmtica quando referenciada pela tica. A Poltica pode ser definida como o campo de prxis e o conjunto de meios quepermite aos homens alcanarem os seus objetivos. A poltica tende a ser mais autoritria,corrupta e excludente quanto mais desmobilizado for o mundo do trabalho e menos relaesestabelecer com a tica, e tende a ser mais democrtica, proba e inclusiva quanto maismobilizado for o mundo do trabalho e mais relaes estabelecer com a tica. O critrio dejulgamento de uma ao politicamente boa ou m, por sua vez, pura e simplesmente o doresultado da ao. Isto porque, como vimos, a poltica no possui fins perpetuamenteestabelecidos. Os fins da Poltica variam de acordo com os interesses de classes, do tempo edas circunstncias. Todavia, poder no ser instrumental quando referenciada na tica. Pode haver aes morais que so imPolticas (ou aPolticas) e aes Polticas que soimorais (ou amorais). preciso ressaltar que, embora uma ao Poltica boa ou m diferente de uma ao Moral boa ou m, elas possuem uma profunda relao. Do ponto de vista da poltica, quando Poltica e Moral no podem se harmonizar naprxis humana, a responsabilidade poltica para com um resultado almejado pode impor osacrifcio da Moral. Neste caso emerge a instrumentalizao da poltica e a licena para umaprtica autoritria. Maquiavel exemplifica isto quando afirma que nas aes de todos oshomens, sobretudo dos prncipes, quando no h tribunal qual recorrer, deve-se considerar 1818 o resultado. Assim, um prncipe deve conquistar e manter um Estado. Os meios serosempre considerados honrados e por todos louvados (Maquiavel, 1999, p. 108). Do pontode vista da Moral a recomendao de Maquiavel no vale, j que uma ao, para ser julgadamoralmente boa, pode ser praticada com o nico fim de cumprir o prprio dever. Para o universo da Moral o que pode contar a pureza de intenes e a coerncia daao com a inteno. O critrio do seu julgamento, neste caso, seria o da tica da convico,geralmente usado para julgar as aes individuais. Para o universo da Poltica o que podecontar a certeza e fecundidade dos resultados. O critrio do seu julgamento, neste caso,seria o da tica da responsabilidade que se usa ordinariamente para julgar aes de grupo, oupraticadas por um indivduo, mas em nome e por conta do prprio grupo, seja ele a classe, opovo, a nao, a Igreja, o partido. A Moral e a Poltica movem-se de fato no mbito de dois sistemas ticos diferentes. Para alguns pensadores seriam mesmo contrapostos. Todavia, mais do que imoralidade da Poltica e de impoliticidade da Moral se deveria falar corretamente de dois universos ticosque se movem segundo princpios diversos, de acordo com situaes singulares em que oshomens se encontram e agem. Mas se interagem profundamente. O contraste entre Moral e Poltica entendido por alguns pensadores como contrasteentre tica individual e tica de grupo, tambm utilizado para demonstrar e explicar asecular disputa existente em torno da razo de Estado, isto , dos princpios e mximassegundo os quais aes no justificadas moralmente quando praticadas por um indivduo,so justificadas e por vezes exaltadas e glorificadas se praticadas por quem quer que exerao poder em nome do Estado. A razo de Estado representa uma clara licena para odetentor do poder desenvolver aes moralmente injustas e que, no raramente, trazem decontrabando um contedo anti-tico. Neste caso, a contraposio entre Poltica e Moralassume a condio de teorizao instrumental para justificar o sacrifcio da construo daigualdade, da liberdade e da justia em favor de interesses materiais e espirituais privados emesquinhos de determinados indivduo, grupo ou classe social. A alegao de que a Poltica a razo do Estado, isto , da esfera pblica, temrepleta correspondncia na afirmao de que a Moral a razo do indivduo, isto , da esferaprivada. Assim, formariam-se duas razes que quase nunca se encontrariam. necessrioressaltar que, para esta concepo, a razo do Estado traduziria a tica de grupo em seumais alto grau de expresso e de potncia, isto , a coletividade, de forma a ocultar omovimento social de totalidade que integra o local, o nacional e o internacional e que revelacontradies e conflitos de interesses sob a manta da coletividade. 1919

2020 3) CONCEITUANDO CINCIA POLTICA

A Cincia Poltica no se encontra perfeitamente conceituada. Primeiramente, porque se trata de uma cincia muito recente, de forma que o seu objeto no se encontra bemdefinido e nem o seu domnio inteiramente explorado. Em segundo lugar, no h umconsenso quanto a existncia da Cincia Poltica, de forma que para muitos trata-se apenasde um ramo da Sociologia a Sociologia Poltica (Pedroso, 1968, p. 9). Alguns concebem a Cincia Poltica como sendo a cincia do Estado, reconhecidocomo instituio superior a todas as demais. Esta concepo subdivide-se em duas outrasconcepes: em cincia do Estado-governo e em cincia do Estado-nao. A concepo da Cincia Poltica como cincia do Estado-governo compreende que oseu mbito de atuao se restringe ao Estado em sentido estrito, isto , os governantes, os poderes do Estado, o sistema de governo etc. A concepo da Cincia Poltica como cincia do Estado-nao compreende que o seu mbito de atuao se dirige ao Estado em sentidolato, isto , a ao e reao dos indivduos e grupos sociais sobre o Estado-governo, alm claro dos temas concernentes ao prprio Estado-governo. A concepo da Cincia Poltica como a cincia do Estado, ainda que algunsampliem esta concepo de forma a incluir a ao e reao dos indivduos e grupos sociaiss polticas do Estado-governo, restringe a viso da Cincia Poltica. Ela tende, como vimos,a dar nfase s estruturas polticas institucionais e orientar-se na direo destas estruturaspolticas formais e institucionais. Alguns concebem a Cincia Poltica como sendo a cincia do poder, podendo esteassumir diversas formas. O fenmeno da autoridade e do poder de Estado seria apenas umadas manifestaes do poder. O poder estaria presente, ainda, na empresa, na universidade,nas ONGs, na famlia etc. A concepo da Cincia Poltica como sendo a cincia do poder, ainda que algunsatribuam um papel privilegiado ao Estado, amplia a viso da Cincia Poltica. Assim,querendo ou no, consciente ou inconscientemente, todos fazem poltica por que todos estointegrados em uma infinidade de estruturas de poder (famlia, igreja, empresa, classe socialetc). A poltica seria, portanto, um fato da condio social do homem. Arriscando uma definio do que venha a ser Poltica e reconhecemos de incio quetoda definio sempre problemtica - podemos afirmar que a ela um campo, um processoe um sistema de relaes polticas pelo qual as pessoas com determinadas metas evalores polticos se agrupam com o objetivo de formular e aplicar polticas pblicas e 2121 privadas. Estas polticas so conduzidas por atores polticos como o eleitor, o cliente, opartido poltico, as personalidades, as classes sociais, o departamento de governo, os grupostnicos, as organizaes da sociedade civil, o pai etc. Pode assumir a forma da greve, dolobby, da guerra, das presses sub-liminares etc. A Cincia Poltica, por sua vez, estuda este campo, processo e sistema de relaespolticas. Ocupa-se das instituies do governo e do Estado, das organizaes da sociedadecivil, dos interesses dos diversos grupos sociais, da conscincia poltica dos indivduos emface da poltica, das idias e doutrinas polticas, da interdependncia entre a poltica local,regional, nacional e internacional. Ocupa-se, enfim, da macro e da micro-poltica. A Cincia Poltica deve, portanto, possuir uma viso e um poder de abordagemmicro-poltica (anlise do comportamento poltico individual e de pequenos grupos, das suasexpectativas e objetivos polticos, e dos seus desdobramentos na poltica como um todo) e uma viso e um poder de abordagem macro-poltica (anlise da totalidade da poltica, de forma a enfocar as relaes inter-institucionais a nvel local, regional, nacional einternacional, as relaes extra-institucionais etc.) (Sorauf apud Pedroso, 1968, p. 13).

3.1 Surgimento e desenvolvimento da Cincia Poltica

A Poltica, enquanto um campo de prtica social em que os indivduos se colocam e so reconhecidos como capazes de transformar a realidade, portanto, livre de concepesteocrticas e teo-deterministas, surge na Grcia Antiga. Neste momento, surge tambm aPoltica enquanto disciplina que investiga a Poltica como campo de prtica social. A poltica apoiava-se mais no raciocnio dedutivo, e no tanto na observao dosfatos. Por outro lado, caracterizava-se fundamentalmente por um contedo filosfico eorientada por uma perspectiva normativo-descritiva. Ela normalmente declinava em face dainterpretao da poltica como ela realmente era, mas se concentrava em definir comodeveria ser o poder e como os indivduos deveriam agir para alcan-lo. Aristteles (384 322 a.C.) representou um marco tendo em vista a futura formaoda Cincia Poltica. Isso porque, mesmo no mbito da filosofia e orientado pela Polticaideal, adotou o mtodo indutivo, realando a observao das diversas formas de poder (e nopoder) poltico, conforme atesta a sua anlise das constituies e dos regimes polticosgregos e das constituies e dos regimes impolticos ou no-polticos. Maquiavel representou um outro marco no processo de formao da Cincia Poltica.A obra O Prncipe dessacraliza a poltica e a coloca como um terreno puramente humano, 2222 cuja dinmica determina o curso da sociedade como um todo, isto , no h mais Deus e noh mais destino, apenas os homens com as suas escolhas, opes, interesses e lutas. Oobjetivo da poltica a conquista e manuteno do poder para assegurar a ordem, preservaras instituies e ampliar o poder do Estado-governo; e o alcance dos objetivos e das metasdepende de uma tcnica poltica, sem a qual o governante (prncipe, doge, rei etc) no possuieficcia poltica, isto , virt. A poltica afastada da filosofia e da deduo ao valorizar omtodo da observao direta e objetiva do fenmeno poltico, livre de pr-conceitos eelementos morais cristos, e ao valorizar a tcnica da comparao entre as diversasexperincias de poder na Pennsula Itlica. H, ainda, uma busca pela apreenso das leis,isto , das tendncias e dinmicas que regem os fatos sociais e polticos. Montesquieu, por meio da sua obra O Esprito das Leis, tambm contribui com aformao da Cincia Poltica. Isto na medida em que, lanando mo do mtodo da observao e do raciocnio indutivo e orientado por uma objetividade cientfica, busca identificar as leis, os sistemas jurdicos e os sistemas polticos de diversos pases, bem comocorrelacion-los com as condies sociais, culturais, polticas e naturais de cada pas. Oobjetivo era apreender as caractersticas das diversas leis, sistemas jurdicos e sistemaspolticos e em quais ambientes histricos-scios-naturais as diversas leis e sistemas seadequariam. Montesquieu evidenciou uma concepo de Estado como uma totalidade real,de forma que as leis, instituies e costumes expressariam uma unidade concreta enecessria, na qual se intercomunica territorialidade, cultura, experincia poltica, religio, eassim por diante. Marx, que reconhecia a realidade como em contnuo movimento e permeada decontradies e conflitos e que props uma abordagem de totalidade da mesma, lana asbases definitivas para a formao da Cincia Poltica. No todo, expresso pelo modo deproduo, haveria uma articulao necessria entre a base - estrutura scio-econmica e asuperestrutura estrutura formada pelas estruturas jurdicas, polticas e ideolgicas. De talforma, que no seria possvel compreender o fenmeno poltico unicamente pelo universopoltico, mas necessariamente tendo que integrar na investigao os demais nveis da vidasocial, isto , na perspectiva da interpretao de totalidade. O Estado nesta abordagem, por exemplo, no mais se apresentaria como umaestrutura a-histrica e supra-classes sociais. Nem tampouco as tcnicas polticas usuais seapresentaria como a forma da poltica. O Estado definiria-se, respectivamente, por meiode um direito e de um burocratismo determinado pelas relaes de produo isto , a 2323 forma como a propriedade, o trabalho e a apropriao do excedente encontra-se estruturadona sociedade e nele expressaria uma hegemonia de uma classe social. Michel Foucault contribuiu com a criao da Cincia Poltica na medida em queultrapassou o que se refere macro-estrutura e s classes sociais na abordagem da Poltica.Incorpora anlise poltica as relaes sociais em nvel das micro estruturas sociais, porquenelas tambm encontram-se estruturas de poder e porque h interdependncia eintercomunicao entre as macro e as micro-estruturas de poder. A Cincia Poltica foi profundamente influenciada, a partir do final do sculo XIX,pela busca por parte das cincias sociais em geral de um conhecimento cientfico com amesma veracidade e exatido das cincias naturais. Agregou-se a esta perspectiva osentido instrumental do estudo e da pesquisa, isto , almejava-se respostas s necessidadesconcretas colocadas na esfera do poder (no sentido Estado-governo e Estado-nao). Esta concepo de Cincia Poltica desenvolveu-se como sendo a Cincia Poltica. Dos Estados Unidos estendeu-se pelo mundo, apoiada no desenvolvimento e aprimoramentodos mtodos de pesquisa das cincias sociais, com grande nfase na quantificao e nacriao de instrumentos de medio de opinies, tendo em vista identificar comportamentose expectativas polticas dos eleitores. Nos Estados Unidos esta concepo de CinciaPoltica materializou-se nas vertentes de anlises: a) Legalista, preocupada em ocupar-sedas estruturas legais e constitucionais, das instituies e dos direitos e deveres dos cidados;b) Reformadora, preocupada em ocupar-se dos problemas governamentais e legislativos ede influenciar os governos e legislativos para a criao de institutos de pesquisa institucional(institutos de pesquisa governamental e legislativos) dirigidos por estes poderes; c)Filosfica, preocupada em ocupar-se dos estudos de Teoria Poltica (idias, valores edoutrinas polticas); d) Cientfica, preocupada em ocupar-se da pesquisa por meio daobservao emprica sistemtica (Sorauf apud Pedroso, 1968, p. 22). Esta concepo de Cincia Poltica reproduziu caractersticas como a fragmentaodo objeto (hiperfactualismo), a instrumentalizao da pesquisa, o vnculo direto com o podere a limitao dos estudos e pesquisas aos Estados Unidos. A crtica s caractersticas destaconcepo de Cincia Poltica ocorreu entre 1950 e 1965, no justo momento em que aCincia Poltica deixou de ser basicamente norte americana. Atualmente, encontra-se ainda muito presente a concepo de Cincia Poltica quefragmenta o objeto, de forma a restringir-se observao emprica e a recusar-se teoriasexplicativas gerais. Encontra-se tambm ainda presente a preocupao em explicar como ascoisas so, de forma a valorizar a estabilidade e coeso social e a subestimar as tenses, 2424 contradies e conflitos inerentes vida social, em especial quando envolve o mundo dotrabalho. Todavia, encontra-se tambm muito presente a concepo de Cincia Poltica crticada quantificao excessiva, da obsesso pela medio do comportamento poltico dos grupossociais e da pretensa neutralidade cientfica. Concepo que valorizadora da abordageminterdisciplinar no mbito das cincias sociais, tendo em vista a busca da apreenso detotalidade do fenmeno poltico; e que busca o necessrio equilbrio na apreenso do como edo por que tenso e estabilidade, mudana e conservao, dissenso e consenso,materializam-se no processo poltico.

3.2 Concepes a cerca da Cincia Poltica Atualmente h pelo menos duas grandes concepes acerca da Cincia Poltica. A concepo dialtica da Cincia Poltica, que reconhece a transitoriedade de todas as formaspolticas e que busca compreender a poltica como parte da compreenso do todo social, e aconcepo emprica da Cincia Poltica, que reconhece a existncia de uma mecnica docomportamento poltico do homem e que esta pode ser apreendida. A concepo dialtica da Cincia Poltica a concebe como uma disciplina que seocupa dos estudos dos clssicos da poltica, bem como dos fenmenos e das estruturaspolticas, investigados de forma sistemtica e rigorosa, apoiada em um amplo e cuidadosoexame das obras polticas, dos fatos e da documentao de pesquisa. Apia-se nas tcnicasde pesquisa que se utiliza da coleta de dados de documentao histrica. Tcnicas das quaisse valem estudiosos polticos do passado, como Aristteles, Maquiavel, entre outros. Para a concepo dialtica de Cincia Poltica ela se constitui em uma disciplinahistrica, ou seja, uma forma de saber cujo objeto de investigao parte da inconstanteao humana e se desenvolve no tempo, sofrendo contnua transformao. Isto faz do objetoconcreto investigado pela Cincia Poltica um objeto singular, que no se repete. Do que seconclui ser impossvel, de fato, um dos procedimentos fundamentais que permitem aosfsicos e aos bilogos a confirmao ou a refutao das prprias hipteses formuladas, isto ,a experimentao e/ou demonstrao do objeto do mundo natural, determinado em umarelao de causalidade necessria e cuja mutabilidade somente se verifica em milhes deanos. A concepo emprica da Cincia Poltica a concebe como uma cincia organizadapor meio das metodologias das cincias empricas mais desenvolvidas, a exemplo da fsica e 2525 da biologia. O que deve orientar o estudo do fenmeno poltico segundo esta concepo ocomportamento que indivduos e que grupos sociais expressam na ao Poltica. Soexemplos do comportamento poltico de indivduos e grupos sociais o exerccio do voto, aparticipao dos filiados na vida de um partido, a prtica parlamentar, a participaoeleitoral das mulheres das camadas populares. O estudo do fenmeno poltico na concepo emprica da Cincia Poltica deveapoiar-se tanto na investigao com base na anlise de dados quanto no emprego daobservao direta ou da pesquisa de campo por meio de tcnicas tiradas da SociologiaDurkeiminiana (ela mesma inspirada nas metodologias das cincias empricas), como aaplicao de questionrios, de entrevistas, etc. Assim, o estudioso do fenmeno da polticana concepo emprica da Cincia Poltica, cujo objeto o comportamento dos indivduos egrupos sociais, deve recolher dados e submete-los a tcnicas de investigao de forma a captar as leis que comandam o movimento da Poltica. Estas tcnicas exigem, para a sua padronizao, o uso sempre crescente de mtodos quantitativos. O rigor na conduo dos estudos na concepo da Cincia Poltica emprica, deforma a recolher dados e obter resultados seguros passa pela classificao, formulao degeneralizaes e conseqente formao de conceitos gerais, determinao de leis (pelomenos de leis estatsticas e provveis, de leis de tendncia, de regularidade ouuniformidade), e elaborao de teorias. A concepo da Cincia Poltica emprica ambicionao status de cincia na perspectiva de explicar fenmenos e no apenas limitar-se suadescrio. A concepo da Cincia Poltica emprica busca, tambm, a previso, o seu grandeobjetivo e finalidade prtica. A pretendida previso da cincia emprica, adequada para ascincias naturais, so impossveis, a nosso ver, quando se trata de cincias humanas. Istoporque o comportamento do homem deriva de algumas caractersticas da maneira de agir dohomem. O homem um animal teleolgico, isto , suas aes se servem de elementos teispara obter seus objetivos, conscientes ou no; um animal simblico, isto , se comunicacom seus semelhantes por diversos meios; um animal ideolgico, isto , se utiliza devalores vigentes no sistema cultural no qual est inserido a fim de racionalizar seucomportamento; um animal social, isto , a sua ao construda coletiva econflituosamente e se expressa em todos os nveis da vida social; um animal constitudo demanifestaes subjetivas imprevistas e de escolhas imponderveis, isto , foge de um padrode comportamento que configurasse uma mecnica social. 2626 A Cincia Poltica, segundo a concepo dialtica, no pode formular previsescientficas. Pode e deve oferecer, com base em estudos de totalidade e interdisciplinar,cenrios possveis para os fenmenos polticos em curso estudados. A pretenso dosestudiosos da concepo da Cincia Poltica emprica de formular previses pode levar, namelhor das hipteses, a conjecturas e, na pior, a profecias.

3.3 Papel da Cincia Poltica

A Cincia Poltica, assim como as demais cincias, possui a vocao de proporcionar conhecimentos e informaes e de socializ-los na comunidade poltica. O seu uso por partedas classes e grupos sociais e dos diversos atores polticos certamente variar mediante aforma de incerso de cada classe e grupo social no processo de produo e distribuio dos bens materiais e culturais. Conforme Marx, a forma da referida incerso determinar a natureza e a qualidade da conscincia de cada classe e grupo social (Marx e Engels, Volume1, p. 3001). Duverger, partindo desta descoberta de Marx, demonstrou como o papel da polticareflete esta realidade que contraditria. Conforme Duverger,

(...) desde que os homens refletem sobre a poltica, tem eles osciladoentre duas interpretaes diametralmente opostas. Para uns, a poltica essencialmente uma luta, um combate: o poder permite aos indivduos egrupos que o detm assegurar sua dominao sobre a sociedade e delatirar proveito; os outros grupos e outros indivduos se erguem contraesta dominao e esta explorao, esforando-se por resistir-lhe edestru-los. Para outros, a poltica um esforo no sentido de reinar aordem e a justia: o poder assegura o interesse geral e o bem comumcontra a presso das reivindicaes particulares. Para os primeiros, apoltica serve para manter os privilgios de uma minoria sobre amaioria. Para os segundos, ela um meio de realizar a integrao detodos os indivduos na comunidade e de criar assim a sociedade justa deque falava Aristteles.(...) os indivduos e as classes oprimidas, insatisfeitas, pobres, infelizes,no podem julgar que o poder assegure uma ordem real, mas somenteuma caricatura da ordem, sob a qual se mascara a dominao dos 2727 privilegiados: para eles a poltica luta. Os indivduos e as classesabastadas, ricas, satisfeitas, crem que a sociedade harmoniosa e queo poder mantm uma ordem eautntica: para eles a poltica integrao (Duverger apud Pedroso,1968, p. 24). Todavia, Duverger chamou a ateno para o fato de que esta realidade, defundamentao slida, no esgota a problemtica e a ambivalncia da Poltica. Isto porque,mesmo os mais conservadores, atarracados defesa da ordem social, tem que reconhecerque a poltica no d conta de assegurar de maneira plena a referida ordem, o que lhesobriga admitir a continuidade do conflito e a necessidade de concesses; e mesmo os maiscrticos, atarracados defesa da transformao social, tem que reconhecer que a Poltica no se restringe ao domnio, o que lhes obriga admitir que a poltica e a esfera pblica institucional em particular realize algumas funes do interesse de todos. Esta problemticae ambiguidade reflete no prprio carter e papel do Estado. Conforme Duverger,

O Estado e, de um modo geral, o poder institudo em uma sociedade sempre e em todo lugar, ao mesmo tempo, instrumento de dominaode certas classes sobre outras... e um meio de assegurar uma certaordem social, uma certa integrao de todos na coletividade para o bemcomum. A proporo de um e outro elemento muito varivel, segundoas pocas, as circunstncias e os pases; mas os dois coexistem sempre(Duverger apud Pedroso, 1968, p. 25).

3.4 Cincia Poltica e interdisciplinaridade

Para muito, a Cincia Poltica, por ser uma cincia jovem, no possui um mtodo e um objeto consolidado e definido. O que aparentemente poderia ser uma fragilidade em facedas demais cincias sociais, pode representar uma flexibilidade e uma vantagem. Isto porqueela pode compor mais facilmente com as demais cincias na busca de uma abordagem detotalidade do fenmeno poltico, que tambm objeto das demais cincias sociais. Portanto,a interdisciplinaridade, que uma necessidade na perspectiva da abordagem de totalidade doobjeto, na Cincia Poltica um imperativo quando se quer evitar as simplificaespositivistas ou as interpretaes superficiais. 2828 Com a Sociologia a Cincia Poltica compartilha estudos como o desenvolvimento edinmica do Estado, a crise dos regimes polticos e luta das classes e demais grupos sociais;com a Histria a Cincia Poltica compartilha estudos como a formao do Estado, odesenvolvimento do pensamento poltico e o processo das revolues e contra-revoluessociais; com a Economia a Cincia Poltica compartilha estudos como a correlao entre aforma de insero dos grupos e classes sociais nas estruturas de produo e distribuio dosbens materiais e culturais e a conscincia social que estes mesmos grupos e classes sociaisreproduzem, a correlao entre interesses econmicos e grupos de presso e a correlaoentre teorias econmicas e teorias polticas; com a Psicologia a Cincia Poltica compartilhaestudos como a dinmica e forma dos fundamentos do poder e da obedincia so absorvidospelos indivduos, a sugesto subliminar de objetivos pelo marketing poltico e atransformao e/ou instrumentalizao de mitos e arqutipos em fora poltica; com a Geografia a Cincia Poltica compartilha estudos como a construo e/ou prolongamento das relaes de poder das classes e grupos sociais dominantes no espao urbano, os fundamentose estratgias geopolticas e os interesses polticos que permeiam as polticas pblicas para omeio ambiente; com a Antropologia a Cincia Poltica compartilha estudos como aconstruo da identidade e seus desdobramentos polticos, as conseqncias dorebaixamento tico e esttico da indstria cultural e a reposio dos padres de domnioideolgico-cultural e as relaes de poder e de domnio presente nas relaes de gnero,etnias e etrias. Com a Filosofia a Cincia Poltica compartilha estudos como as obras defilosofia poltica, o pensamento e teoria poltica e a relao do filsofo (e pensador em geral)com o poder. Com as reas de formao, estudo e investigao, como a Pedagogia, a CinciaPoltica compartilha estudos como a relao entre a Pedagogia e os compromissos polticos,o teor poltico subjacente s polticas educacionais e o papel scio-poltico do educador emsentido lato; com o Direito Constitucional a Cincia Poltica compartilha estudos como oprocesso de formulao e reformulao das leis, a hegemonia de classe expresso naarquitetura constitucional e a ao e reao dos grupos, classes e segmentos sociais pormeio das suas organizaes scio-polticas (ONGs, partido poltico etc) sobre a constituio. Para muitos cientistas polticos a especificidade da investigao da Cincia Polticaseria o resduo abandonado pelas demais cincias sociais, pela filosofia e pelos demaiscampos disciplinares, como o partido poltico, os polticos, o governante etc (Pedroso,1968, 16 e 17). Todavia, este resduo tambm pode ser estudado pelas demais cincias edisciplinas. O que no raramente ocorre o estudo do dito resduo de forma fragmentada e 2929 instrumental, isto , fora das mltiplas determinantes em que o mesmo se encontra inserido ena perspectiva de formular proposies a seu aperfeioamento. A Cincia Poltica pode e deve, portanto, buscar a interdisciplinaridade. Nestaperspectiva poder almejar a sntese de totalidade na abordagem do seu objeto.

3.5 Mtodos e Tcnicas

A Cincia Poltica lana mo dos mtodos e tcnicas adotados pelas cincias sociais. Frequentemente adota como procedimento: 1) O estudo exploratrio preliminar do objeto; 2)A delimitao (cronolgica, espacial e temtica) do objeto; 3) A formulao de hiptesesexplicativas; 4) O desenvolvimento da pesquisa por meio da observao direta, da conduode entrevista, da aplicao de questionrios, da anlise documental (cartas, notcias, memrias, papis oficiais, relatrios oficiais, dados censitrios etc), da quantificao de dados e resultados etc; 5) A elaborao de interpretaes acerca do objeto, bem como aformulao de teorias sobre o mesmo. 3.6 O Procedimento da Comparao

A disponibilidade de dados gerais e amplos, como aqueles de carter econmico,histrico, social, e de dados especficos e delimitados, como de opinio, elite, proporcionanovas fontes para o estudo da Cincia Poltica. A tendncia o enriquecimento dos estudosda Cincia Poltica voltados para identificar o comportamento de indivduos e grupos sociaisem uma dada conjuntura, bem como estudos de estrutura, a exemplo das relaes polticasentre e inter classes sociais. As possibilidades de estudos comparados so ampliados a exemplo dos estudos deregimes polticos, dos sistemas partidrios, da relao entre os poderes, da relaoEstado/sociedade civil, entre os diversos pases. Os estudos de Poltica comparada chega aponto de induzir alguns estudiosos a identificar a Cincia Poltica contempornea com estaabordagem especifica, ou seja, distinguir os estudos polticos do passado com a abordagemcientfica comparada dos estudos polticos contemporneos. A comparao, que para muitos constitui-se em um mtodo, no propriamente ummtodo, nem tampouco um monoplio da Cincia Poltica. A comparao um dosprocedimentos mais elementares e necessrios para toda pesquisa que tem por objetivotornar-se cientfica. 3030 O estudioso de Poltica comparada no deve se limitar somente a utilizar o processode comparao com o fim de identificar realidades polticas (regimes, partidos, etc) dosdiferentes pases, mas pode tambm fazer largo uso dos mtodos histrico e estatstico. Emsuma, a Poltica comparada no deve ter apenas a exclusividade da comparao (Bobbio,1992, p. 165 e 166). A tcnica da comparao ocupa, enfim, uma grande importncia na conduo dapesquisa. De um lado, porque permite a comparao entre dois ou mais objetos (processosou fatos scio-polticos) investigados, de forma a possibilitar a identificao dascontinuidades e descontinuidades entre os mesmos. De outro, a comparao pode seconstituir em um recurso tendo em vista convalidar pesquisa e resultados obtidos, na medidaem que permite averiguar limites e erros na conduo da pesquisa e na avaliao dosresultados obtidos. 3.7 O Problema da Avaliao

A Cincia Poltica uma cincia em que a objetividade cientfica mais dificilmentealcanvel. Todavia, mesmo sem pretender a ilusria neutralidade cientfica necessriobuscar o quanto possvel suspender os juzos de valor durante a pesquisa, de forma a obter omais possvel de objetividade cientfica. O desenvolvimento da Cincia Poltica no deve ser direcionado pelo ideal empricoe positivista de uma Poltica cientfica, isto , de uma ao Poltica baseada noconhecimento e domnio das dinmicas objetivas do desenvolvimento da sociedade e docomportamento poltico dos indivduos e cujos resultados poderiam ser previstos. Mas deveproporcionar referncias aos atores polticos para que no fiquem abandonados sua prpriaintuio.

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3232 4) A GRCIA E A INVENO DA POLTICA

A histria da humanidade encontra-se marcada por um desenvolvimentocaracterizado por crises expansivas e regressivas. A histria grega uma evidncia dessedesenvolvimento. O perodo Micnico (1950 a 1100 a. C.) da histria grega sucumbe diante dasinvases dricas. A Grcia passa a conviver com um modo de vida agrrio, articulado apartir das comunidades familiares que possuem e trabalham coletivamente a terra. O perodo Homrico (1100 a 800 a. C.) marca a rearticulao da Plis por meio daredistribuio da terra entre as aldeias e da unificao das mesmas em cada regio. Ao finaldo perodo Homrico j possvel identificar alguns aspectos que so de extremaimportncia para a compreenso do desenvolvimento histrico posterior da Plis. Primeiramente a formao de pequenos Estados constitudos por meio de uma cidade principal. Tal processo decorre em grande medida da prpria conformao orogrficada Grcia, regio bastante montanhosa e irregular. O segundo refere-se a relaes entre aPlis e os organismos polticos menores (ghenos, fratria e tribo). A Plis assume acondio de um centro poltico superior dos organismos polticos menores e voltados paraos interesses pblicos gerais. O terceiro se refere qualidade e quantidade das funesassumidas pela Plis. Funes que emergem da prpria sobreposio da Plis aosorganismos menores sem, contudo, se amesquinhar mediante os interesses particularistas.Por fim, cada Plis preserva a sua identidade em face das demais. As ligaes sagradas,materializadas em torno de clebres santurios, por exemplo, no conseguem exercer umaao eficaz a favor da unificao poltica da Grcia. Desse modo, formam-se unidades cantonais ligadas por vnculos federativos, masque no renunciam s prerrogativas de soberania. O temor da hegemonia de uma cidadesobre as outras acompanha a identidade dos cidados. Nesse perodo a Plis governada porreis, embora no fossem sagrados. O perodo Arcaico (800 a 500 a. C.) convive com o surgimento da propriedadeprivada da terra e com a dinmica da sua concentrao. Em consequncia, ocorre aseparao da sociedade entre proprietrios (pequenos, mdios e grandes) e no-proprietrios.O grupo de poderosas famlias guerreiras concentra as terras, adquire escravos, constitui-sena aristocracia tradicional e limita os poderes dos reis. Pequenos proprietrios empobrecidose endividados so reduzidos condio de escravos ou perdem a propriedade da terra e so 3333 assentados em suas antigas propriedades como hectmoros ou sexteiros, isto , trabalhadoresagregados que retm um sexto dos excedentes por eles produzidos. O final do perodo Arcaico tm incio um movimento colonizador, responsvel porproporcionar uma vlvula de escape para os conflitos sociais, por desencadear umarecomposio social e por desencadear uma intensa expanso mercantil da Plis grega. Talprocesso determina o fortalecimento do carter urbano da Polis, que inaugura umaexperincia social de intensa sociabilidade e uma abordagem no mitolgica da realidade; aconverso da tradicional agricultura de cereais (trigo e cevada) para a agriculturaespecializada de oliveiras e vinhas, que redunda na concentrao das terras e escravos nasmos da aristocracia tradicional; o surgimento de uma nova aristocracia vinculada aconstruo de navios e ao comrcio, que ameaa por meio da riqueza monetria ahegemonia aristocrtica; e o empobrecimento do campesinato vinculado a pequena propriedade, que desencadeia um ambiente favorvel para a formao de rebelies populares. O perodo Clssico (500 a 338 a. C.) tm incio com a nova realidade social eeconmica, bem como com o esgotamento do movimento colonizador, at ento fator demoderao dos conflitos sociais. Este contexto histrico concorre para uma crise do regimearistocrtico. Tem incio a presso da nova aristocracia e das camadas populares para a aberturado regime e para as reformas sociais. Uma aliana poltica entre a nova aristocracia e ascamadas populares determina a converso das leis interpretadas segundo a tradio em leisescritas; a passagem da justia privada para a justia pblica; a interrupo da tendncia deconcentrao de terras e de reduo da populao grega pobre condio de escravos ou detrabalhadores sexteiros; e a consolidao da pequena propriedade. O regime aristocrtico sucumbe definitivamente em algumas Plis por meio datirania, uma forma de governo ilegtimo, fruto da presso sobre as instituies e conduzidopor meios coercitivos. A base social e poltica destes regimes a aliana entre a novaaristocracia e as camadas populares, com o objetivo de dar fim ao monoplio poltico daaristocracia, de impulsionar das atividades comerciais, de consolidar a pequena e mdiapropriedade e de impedir a transformao de gregos em escravos. A necessidade de escravos passa a ser preenchida basicamente pela pirataria e pelasguerras. De tal forma que a construo da democracia em diversas cidades, com o cultivo docio para as artes, os esportes e a poltica, se mantm por meio da expanso do escravismo,isto , o processo de maior elevao da humanizao do homem se apoia no processo de 3434 maior brutalizao do homem. Uma ideologia escravista sustenta esta sociedade. SegundoAristteles, H na espcie humana indivduos to inferiores a outros como o corpoo em relao alma, ou a fera ao homem; so os homens nos quais oemprego da fora fsica o melhor que se obtm. Partindo dos nossosprincpios, tais indivduos so destinados, por natureza, escravido;porque, para eles, nada mais fcil que obedecer. Tal o escravo porinstinto: pode pertencer a outrem (...) e no possui razo alm donecessrio para dela experimentar um sentimento vago; no possui aplenitude da razo (Aristteles, A Poltica, cap. II, p. 7 e 13).

A no constituio de um Estado de vastas dimenses no permite a formao de uma sociedade de massa, isto , de relaes sociais e polticas impessoais em face do podere da poltica. O carter comunitrio da Plis, em que pese a diviso social de classes que apropriedade privada e o escravismo provoca, no completamente perdida. A prpriarelao cotidiana e direta dos indivduos em torno da Polis repe este carter comunitrio,apenas que mais conflitivo em decorrncia da desigualdade. Esta realidade expe os interesses dominantes (propriedade, poder, etc) apermanente questionamento. Agrega-se a esta realidade o fato de que os mitos rememoram avida na Hlade homrica, precedente propriedade privada da terra. Se, por um lado, talrememorao no alimenta no homem livre, pobre e cidado a perspectiva de retorno a umparaso perdido pr-propriedade privada e escravismo, devido a prpria condio de homemprivilegiado em face do escravo, por outro, o coloca em conflito com o aristocrata queconcentra a maior parte da propriedade da terra e dos escravos e com o poder que exerce emprol da defesa dos seus interesses. A democracia grega do perodo Clssico reflete, portanto, a contradio de umademocracia direta e restrita em uma sociedade de maioria escrava; a contradio de umacamada social de homens livres, pobres e cidados que alimentam sonhos que o presentecircunscreve como sombras do passado, mas que no podem assumir transparncia e lucidezdevido a legitimidade do escravismo, fruto do amesquinhamento ideolgico-poltico cujasbases materiais so as vantagens sociais em relao aos escravos; a contradio da camadasocial aristocrtica, que mediante as lutas polticas levada a admitir a participao polticados homens livres e pobres, mas que sempre age no sentido de remover e/ou restringir esta 3535 participao poltica, quando na verdade esta democracia escravista e esta participaoasseguram uma singular cumpricidade dos homens livres, pobres e cidados com a defesa dapropriedade privada, o escravismo e da Polis. O perodo Helenstico (338 a 275 a. C.), sob domnio macednico, marca a perdada liberdade e autonomia poltica da Grcia antiga. Marca, ainda, a expanso da culturagrega em direo ao oriente.

4.1 A Vida Poltica de Esparta

A expanso de Esparta ocorre entre 730 e 720 a. C. com a conquista das regies daLacnia e Messnia e a reduo dos seus habitantes condio de escravos. Forma-se umasociedade composta por cidados (espartanos), camada superior com privilgios; periecos, camada intermediria, livre e sem direitos polticos que dedicam-se ao comrcio, artesanato e agricultura; e hilotas, camada inferior de escravos pblicos. Esparta, por meio do legislador Licurgo, estabelece uma organizao social epoltica apoiada na igualdade e solidariedade dos cidados (espartanos), sem o que no seriapossvel preservar uma sociedade na qual para cada cidado h 10 escravos, expropriados eescravizados em sua prpria terra natal. A militarizao , portanto, uma manifestao deum estado de guerra latente. Os cidados recebem, em regime de usufruto, lotes (kleroi) e escravos depropriedade pblica; tm inibido o esprito de concorrncia, individualismo e vaidade;levam uma vida simples e despojada, mas totalmente devotada cidade; submetem-se a umaeducao pblica bsica; e dedicam-se a serem bons soldados. H uma discreta desigualdade econmica e social, visto que permitido acumularlotes por meio do casamento, bem como comercializar as terras no enquadradas no sistemade loteamento estatal. Contudo, as prprias exigncias de envolvimento e de participaodos cidados (espartanos) menos favorecidos economicamente na guerra contra a rebelioque os hilotas messnios realizam entre 650 e 620 a. C., determina a reformulao daestrutura poltica. Ocorre a reduo dos poderes do Conselho de Ancios (Gersia), aampliao do poder da Assemblia dos Cidados (pela), a ampliao da participaopoltica dos cidados (espartanos) e a conteno de processos de aprofundamento dadesigualdade econmica e social entre os cidados (espartanos). Esparta passa a possuir um sistema poltico peculiar. Possui uma diarquia (doisreis), apoiada em duas famlias dinsticas (gidos e Euripntides) que no podem casar 3636 entre si. As funes dos reis so basicamente militares e religiosas. Possui a Gersia, umconselho de 28 ancios agregada pelos dois reis, qual os prprios reis esto submetidos.Possui a Assemblia dos Cidados (pela) que elege os membros da Gersia e discute eaprova propostas de governo encaminhadas pela Gersia. Finalmente, possui o Eforato,organismo composto por cinco foros tambm eleitos pela Assemblia dos Cidados(pela), de autoridade executiva e cujo mandato se estende por um ano.

4.2A Vida Poltica de Atenas

Atenas, fundada pelos Jnios, inicia a unificao da tica por volta do sculo XIIIa. C.. Organizada inicialmente sob o governo da monarquia, rapidamente cede lugar para aaristocracia. O governos aristocrtico de Atenas apoia-se nos euptridas (bem-nascidos) ou como eles se chamam, os aristoi (os melhores). Compe-se de trs magistrados eleitos porum ano para o Arcontado: o arconte basileu (rei), o arconte polemarco (chefe militar) e oarconte epnimo (aquele que empresta o nome ao Arcontado). O ncleo real de poderencontra-se no Conselho dos Ancios (Arepago). Finalmente, existe a Assemblia doPovo (Eclsia), com poderes bastante reduzidos. A ascenso de uma nova aristocracia enriquecida com o comrcio, com aconstruo naval e com o artesanato mercantil, excluda do governo aristocrtico, e a revoltados camponeses com a perda das suas terras e a sua reduo condio de escravos ou dehomens livres forados a trabalhar como hectmoros ou sexteiros, isto , trabalhador queretm um sexto do produzido, igualmente excludos, converte-se em movimentos de pressopor reforma no regime aristocrtico. Drcon, um arconte de origem euptrida, d incio s primeiras reformas, demaneira a buscar atender algumas das reivindicaes das camadas populares. Drcon atendea reivindicao do estabelecimento de leis escritas, mas as concebe dentro de um esprito deextrema rigidez. Slon, que tambm euptrida, nomeado arconte em 594 a. C.. Probe aescravido por dvida, fortalece as pequenas e mdias propriedades e rompe formalmentecom o monoplio poltico dos euptridas. Cria um regime poltico censitrio com base emvalor referenciado no rendimento da terra, de forma abertamente favorvel aos euptridas,a classe que detm a propriedade sobre a maior parte das terras. Os cidados so divididospelo regime poltico censitrio em quatro classes polticas: os pentacosiomedimnas, 3737 basicamente euptridas, que colhem 500 medidas ou mais, que podem usufruir das altasmagistraturas; os cavaleiros, basicamente ricos comerciantes e armadores (novaaristocracia), que colhem entre 300 e 500 medidas, que podem usufruir das altasmagistraturas; os zeugitas, basicamente camponeses mdios, que colhem entre 200 e 300medidas, que podem usufruir dos cargos da baixa administrao; e os thetas, basicamentecamponeses pobres (pequenos proprietrios ou sexteiros), artesos, marinheiros, que colhemmenos de 200 medidas, que podem apenas usufruir do direito de voto na Assemblia doPovo (Eclsia), mas sem uso da palavra. Cria o Conselho dos Quatrocentos (Bul) comatribuio de preparar as sesses da Assemblia do Povo (Eclsia), o que efetivamentereduz o poder do Conselho de Ancios (Arepago), de forma a restringi-lo aos assuntosreligiosos. E, finalmente, cria o Tribunal Popular (Helieu ou Helia) no qual todas asclasses tem acento. Slon, sob um esprito reformista moderado, recusa autorizar a distribuio de terras e edifica uma estrutura de poder de participao popular restrita. Suas reformas, se porum lado, esto aqum do que as camadas populares almejam, por outro, vo alm do que oseuptridas estavam dispostos a ceder. Como conseqncia, se segue trinta anos de anarquiapoltica. Mesmo a subsequente substituio da renda da terra para a renda em dinheiro comoa referncia de valor para identificar as classes no regime poltico censitrio, o queefetivamente d incio a quebra o monoplio poltico dos euptridas e permite o real acessoda nova aristocracia mercantil sobre as altas magistraturas, no suficiente para deter osconflitos, em especial o descontentamento das camada populares. Conforma-se uma crise de hegemonia aristocrtica. A aristocracia no conseguedominar como no passado e resiste em conduzir de maneira inequvoca a reformulao doregime poltico e das bases sobre as quais a sociedade se apoia. A nova aristocracia e,principalmente, as camadas populares, no se deixam dominar como no passado e exigem asreformulaes polticas e sociais. Os interesses e conflitos em curso cristalizam trs partidos polticos bemidentificados do ponto de vista social, econmico e geogrfico: os pedienses, grandesproprietrios da plancie, a aristocracia tradicional; os paralianos, moradores da costa, anova aristocracia mercantil vinculada ao desenvolvimento do comrcio; e os diacrenses,pequenos proprietrios das montanhas, vinculados principalmente propriedade da terra. Este contexto poltico proporciona um ambiente favorvel para o aparecimento deuma liderana poltica forte, na medida em que pode se apoiar na insatisfao dosparalianos e diacrenses. o que faz Pisstrato, possuidor de grande fortuna e de 3838 notoriedade por, respectivamente, ser aristocrata e ter ocupado o cargo de arcontepolemarco (chefe militar). Aps simular a condio de vtima de uma tentativa de assassinato e manobrar parausufruir de uma guarda pessoal, toma o poder apoiado nos paralianos e diacrenses e na suaprpria guarda. Aps uma alternncia de deposio e reconduo ao poder, Pisstrato oassegura definitivamente em 540 a. C., o que o torna o primeiro tirano de Atenas. O seugoverno notabiliza-se por ter derrotado a aristocracia tradicional, de forma a reduzirsignificativamente o poder dessa classe, e por ter conduzido grandes realizaes sociais eeconmicas: independncia dos pequenos e mdios proprietrios em relao aos grandesproprietrios, estmulo ao comrcio e artesanato, criao de empregos para os pobres,realizao de emprstimos pblicos para os camponeses; realizao de obras pblicas deinteresse popular, remodelao da arquitetura de Atenas; criao de uma justia intinerante; apoio a grandes festas populares religiosas, estmulo a concursos teatrais, etc. Hiparco e Hpias, filhos e sucessores de Pisstrato, fracassam na manuteno datirania. Intensifica a oposio dos euptridas, que buscam o apoio de Esparta, e a violnciaconverte-se em mtodo bsico da tirnia, inclusive com a encomenda de assassinatos. Apso assassinato de Hiparco, Hpias deposto em 510 a. C. pelos euptridas com o apoio deEsparta. A queda da tirania, em que pese o papel desempenhado pelos euptridas e porEsparta, no reconduz Atenas para o regime aristocrtico. A luta poltica que se segue serevolve favorvel aos novos aristocratas e as camadas populares, de forma a levar Clstenesao poder. A superao definitiva do poderio aristocrtico e o temor do retorno da tirania seexpressa por meio de um novo reordenamento social, responsvel pela criao dademocracia ateniense. Os atenienses so divididos em cem circunscries territoriais,denominados demos; os demos esto distribudos por trs regies: cidade, costa e interior;os cem demos foram agrupados em 10 tribos; as tribos agrupam demos das trs regiespara evitar particularismos e corporativismos. Tal reforma proporciona: a participao detodos os cidados, visto que todos pertencem a um demo; a composio dos demos fortaleceos interesses polticos e sociais gerais em detrimento de particularismos e corporativismos; alimitao da influncia da aristocracia tradicional. As instituies polticas de Atenas so ajustadas nova organizao social. OArcontado, a magistratura suprema, passa a ter dez arcontes (um por tribo); o Conselhodos Ancios (Arepago), rgo tradicional da aristocracia, reduz-se a funes religiosas; o 3939 Conselho dos Quatrocentos transforma-se em Conselho dos Quinhentos (Bul), comcinquenta representantes por tribo, elabora as leis; a tribo passa a possuir um general(estratego) escolhido por eleio; e a Assemblia Popular (Eclsia), com a participaodireta de todos os cidados, discute e vota as leis. A democracia ateniense atinge no governo de Pricles o seu ponto alto. AAssemblia Popular (Eclsia) delibera, enquanto o Conselho dos Quinhentos (Bul)restringe-se a elaborar projetos de lei. Pricles introduz a acusao pblica de paranomia,usada contra o proponente de um decreto em contraste com as leis, com o fim de reduzir operigo de constantes derrogaes das leis por parte da Assemblia Popular (Eclsia). O Tribunal de Justia (Helieu ou Helia) dividido em dez tribunais autnomos,com quinhentos jurados cada um, sorteados a condio de 50 por tribo. O Arcontado, assimcomo o j ocorrido com o Conselho de Ancios (Arepago) tm o seu poder esvaziado, sendo os cargos de arcontes reduzido a ttulo honorficos. Por fim, foi instituda a remunerao diria para jurados do Tribunal de Justia e para marinheiros e soldados doEstado. Aps a morte de Pricles este procedimento ser estendido para os participantes daAssemblia Popular (Eclsia). A democracia ateniense apresenta problemas de ordenamento jurdico. Para Bonini, acomposio do Tribunal de Justia (Helieu ou Helia) de Atenas na poca democrtica, noqual todo cidado tem direito de participar, e a deficiente configurao de Estado comopessoa jurdica, em que no ocorre o estabelecimento de um verdadeiro poder judicirio e aseparao de poderes, proporciona um ambiente institucional frgil. Conforme Bonini, (...) exercendo as funes judicirias, o cidado participa diretamente dasoberania da Plis, entendida como sociedade de politai. claro que ono-profissionalismo de um juiz oferece algumas vantagens, pois evita,acima de tudo, que o corpo judicirio se isole como uma casta (quasesempre protegida por meio de ordenamentos ultrapassados); mastambm no se pode ignorar que isso d azo para a incompetncia e,consequentemente, para a corrupo (Bonini in Bobbio, 1992, p. 953). Outro problema relevante est na relao estabelecida entre lei e decreto, em umordenamento constitucional no qual a Assemblia Popular (Eclsia) ocupa posto de granderelevncia. Ela tende em alguns momentos a modificar a lei existente por meio de umasimples deliberao sem ter, contudo, ab-rogado anteriormente a lei em vigor. Da o esforo 4040 por evitar as constantes subverses da ordenao jurdica. O principal instrumento jurdicopolticocriado nesta direo, conformevimos, a acusaopblicade paranomia.

Configura-se uma situao de conflito. De um lado, a aristocracia pouco numerosa,mas amparada pelos seus intelectuais, isto , pelos filsofos, livres da atividade econmica eelaboradores de concepes e idias que interessam a esta classe, tendentes a reagir aqualquer ad-rogao. De outro, uma numerosa camada de homens livres e pobres, mas semseus intelectuais, tendentes a converter a sua vantagem numrica na Assemblia do Povo(Eclsia) em medidas que atendam seus interesses, de forma a desautorizar leis. O perodo de Pricles marcado pela guerra do Peloponeso. Esta guerra deflagraconflitos violentos entre os defensores da repblica democrtica e os defensores da repblicaoligrquica nas diversas Pleis gregas. Ocorre em Atenas um temporrio retorno oligarquia. O episdio mais relevante neste sentido o do Governo dos Trinta. A restaurao do regime democrtico d-se em 403 a.C., com a volta constituio de Clstenes e Pricles. O regime democrtico, no obstante os contnuos conflitos entre asPleis e entre as classes sociais no mbito destas, mantm-se estvel a partir de ento at338 a.C., ou seja, at a batalha de Queronia, que assinala a supremacia dos macedniossobre os gregos. Em que pese a profunda reorganizao poltica da cidade de Atenas, ela possui umademocracia restringida. Somente reconhece como cidado o homem nascido que pode searmar (possuidor de propriedade) e que esteja dispostos a sacrificar a sua vida para defendela.Dela encontram-seexcludosos escravos,as mulheres,os estrangeirose os jovens.

Democraciaexercida,defato,por aproximadamente10% doshabitantes de Atenas.

4.3A Criao da Poltica

O surgimento da poltica enquanto campo de prtica social e de pensamento dehomens reconhecidos como legalmente livres e concebidos como racionais e iguais estadeterminada, em ltima instncia, pelo surgimento da propriedade privada e da desigualdadesocial. A propriedade privada e a desigualdade social gera o conflito social. O conflito e abusca da coeso constituem objetivos da poltica a partir de ento. Todavia, isto somenteser possvel porque a cultura grega reconhece o homem como ser livre, constitudo derazo, capaz de transformar os espaos naturais e sociais. A poltica, que em ltima instncia decorre do conflito oriundo da propriedade e dadesigualdade, ser para as classes dominantes o campo da prtica e do pensamento cujo 4141 objetivo ser manter a ordem vigente, isto , preservar e/ou reformar a ordem social deforma a assegurar a reproduo das relaes de produo. Quanto s classes dominadas sero espao de prtica e de pensamento da construo da esperana da igualdade, da liberdade eda justia, configurada na reforma ou na ruptura da ordem vigente. Os gregos criam a Poltica porque eliminam as caractersticas teocrticas e despticasda autoridade e do poder. Tomam iniciativas para impedir a concentrao dos poderes e daautoridade nas mos de um rei, senhor da terra, da justia e das armas e representante dadivindade. Segundo Chaui, os gregos inventam o poder poltico porque: separam a autoridadepessoal privada do chefe de famlia do poder impessoal pblico, pertencente coletividade;separam autoridade mgico-religiosa do poder temporal laico, impedindo a divinizao dosgovernantes; criam a idia e a prtica da lei como expresso de uma vontade pblica, definidora dos direitos e deveres para todos os cidados, evitando que fosse confundida com a vontade pessoal de um governante; criam instituies pblicas para aplicao das leis egarantia dos direitos; criam o espao poltico (pblico) no qual os que possuem direitosiguais de cidadania discutem suas opinies, defendem seus interesses, deliberam emconjunto e decidem por meio do voto, podendo, tambm pelo voto, revogar uma decisotomada (Chaui, 1995, p. 375 e 376). A criao da Poltica implica a criao da representao de que na Plis o que dointeresse de todos transforma-se em interesse pblico, em objeto de publicidade e em temade debate. Em que pese as contradies e conflitos que determinam o surgimento da polticae que a percorre em sua prtica e pensamento, ela assume, portanto, a condio deinstrumento social construdo com base na discusso pblica, bem como em um mtodopara responder s diferentes formas assumidas pelas lutas de classes. A cada soluo encontrada novos conflitos e lutas surgem exigindo novas solues.A publicidade e o debate da poltica passa a submeter o pensamento e as idias dosindivduos a imperativos, em especial a coerncia de conduta e o rigor e lgica nasargumentaes. Segundo Chaui, Em lugar de reprimir os conflitos pelo uso exclusivo da fora e daviolncia das armas, a Poltica aparece como o desenvolvimentolegtimo dos conflitos, de tal modo que o fracasso nesse trabalho acausa do uso da fora e da violncia (Chaui, 1995, p. 376). 4242 A sociedade grega antiga agrria, escravista e patriarcal. Os escravos estoexcludos dos direitos polticos e da vida poltica e as mulheres esto excludas da cidadaniae da vida pblica. Esta excluso atinge tambm os estrangeiros e os miserveis. A cidadania exclusiva dos homens adultos livres, nascidos no territrio da cidade.A diferena de classe social nunca apagada, mesmo quando os pobres tm direitospolticos. Assim, para muitos cargos, o pr-requisito da riqueza vigora e h mesmoatividades de prestgio que somente os ricos podem realizar, como por exemplo, a liturgiagrega. A Poltica uma criao de uma sociedade contraditria e conflituosa. um campode prtica e de pensamento tendo em vista encaminhar suas diferenas, suas contradies eseus conflitos, sem escond-los sob a sacralizao do poder e sem fechar-se temporalidadee s mudanas. Mas a atuao das classes dominantes busca no permitir, por sua vez, que estas mesmas diferenas, contradies e conflitos se revelem em todo a sua extenso e fundamento, o que seguramente ameaaria o seu domnio.

4.4 A Finalidade da Poltica Para os Gregos

Para se compreender a finalidade da poltica para os gregos necessrio partir doideal de perfeio humana do grego, denominado aret. Inicialmente aret significa a forae agilidade do guerreiro. Posteriormente, incorpora uma dimenso de corpo (aret docorpo) que so o vigor e a sade, e uma dimenso de esprito (aret do esprito), que avivacidade da inteligncia. O aret representa inicialmente o ideal de perfeio da aristocracia tradicional. Oseu momento pleno de manifestao a realizao de grandes feitos de forma a culminarcom a morte no campo de batalha. Com o tempo esse ideal se transforma acessvel ebuscado pela sociedade grega na construo da Plis, enquanto espao de justia, igualdadee liberdade. Um ideal de perfeio que se faz tico na Plis, isto , na esfera pblica. Para os gregos, a finalidade da vida poltica a justia na comunidade. A justia, porsua vez, a gnese e o processo de conquista da vida boa. Segundo Chaui, (...) inicialmente, a noo de justia elaborada em termos mticos, apartir de trs figuras principais: themis, a lei divina que institui a ordemdo Universo; cosmos, a ordem universal estabelecida pela lei divina; e,dike, a justia entre as coisas e entre os homens, no respeito s leis 4343 d