Histórico Das Drogas Na Legislação Brasileira e Nas Convenções Internacionais

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Histórico das drogas

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Histrico das drogas na legislao brasileira e nas convenes internacionais

Histrico das drogas na legislao brasileira e nas convenes internacionais

Antnio Fernando de Lima Moreira da SilvaElaborado em 06/2011.

Pgina 1 de 2Desativar Realce a AA primeira legislao criminal no Brasil que puniu o uso e o comrcio de substncias txicas vinha contemplada nas Ordenaes Filipinas, que tiveram vigncia no Brasil de 1603 at 1830, quando entrou em vigor o Cdigo Penal Brasileiro do Imprio. O texto era o seguinte:

Livro V

Ttulo LXXXIX.

Que ningum tenha em sua casa rosalgar, nem o venda nem outro material venenoso.Nenhuma pessoa tenha em sua caza para vender rosalgar branco, nem vermelho, nem amarello, nem solimao, nem gua delle, nem escamona, nem pio, salvo se for Boticario examinado, e que tenha licena para ter Botica, e usar do Officio. E qualquer outra pessoa que tiver em sua caza algumas das ditas cousas para vender, perca toda sua fazenda, a metade para nossa Camera, e a outra para quem o accusar, e seja degredado para Africa at nossa merc. E a mesma pena ter quem as ditas cousas trouxer de fora, e as vender a pessoas, que no forem Boticarios.

1. E os Boticarios as no vendo, nem despendo, se no com Officiaes, que por razo de seus Officios as ho mister, sendo porem Officiaes conhecidos per elles, e taes, de que se presuma que as no daro outras pessoas, E os ditos Officiaes as no daro, nem a vendero a outrem, porque dando-as, e seguindo-se disso algum dano, havero a pena que de Direito seja, segundo o dano for.

2. E os Boticarios podero metter em suas mezinhas os ditos materiaes, segundo pelos Mdicos, Cirurgies, e Escriptores for mandada. E fazendo o contrario, ou vendendo-os a outras pessoas, que no forem Officiaes conhecidos, pola primeira vez paguem cincoenta cruzados, metade para quem accusar, e descobrir. E pela segunda havero mais qualquer pena, que houvermos por bem

Como se v, a pena era perder a fazenda ou ser deportado para frica. No Cdigo de 1830 no havia nenhuma meno sobre a proibio do consumo ou comrcio de entorpecentes. Desse perodo at 1890 haviam apenas restries esparsas em posturas municipais [01], como a proibio pela Cmara Municipal do Rio de Janeiro da venda e uso do pito de pango, o cachimbo de barro usado para fumar maconha. O vendedor era multado em 20 000 ris, e os escravos e demais pessoas, que dele usarem, em trs dias de cadeia.

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Consideraes acerca dos institutos despenalizadores das Leis n 9.099/95 e n 8.069/90 O trfico e consumo de drogas no anteprojeto de reforma do Cdigo Penal Penas do mensalo Hierarquia e disciplina como garantias individuais e para a sociedade: fundamento para afastar a extino da parte geral do Cdigo Penal Militar. Uma anlise das diferenas mais relevantes e essenciais Casos prticos de uma delegacia de polcia: roubo x princpio da insignificnciaA proibio em nvel nacional voltou no Cdigo Penal de 1890, j sob o modelo republicano. O artigo 159 do Cdigo, includo no Ttulo III da Parte Especial (Dos Crimes contra a Tranqilidade Pblica) previa como crime: "expor venda, ou ministrar, substncias venenosas sem legtima autorizao e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitrios". A pena era de multa. A proibio era destinada aos boticrios, para prevenir o uso de veneno para fins criminosos. Nada pronunciava a respeito dos usurios. At ento no havia uma normalizao que permitisse extrair uma coerncia programtica especfica.

O quadro comeou a mudar com o surgimento das primeiras Convenes Internacionais sobre drogas. Importante contextualizar o aparecimento de tais convenes.

Os europeus entraram em contato com um grande nmero de substncias psicoativas desde as Grandes Navegaes (sculo XVI), e as introduziram, progressivamente, em suas sociedades com finalidades mdicas ou recreativas. No sculo XIX, Europa e Estados Unidos passaram a conviver com grande variedade de novas drogas, com as quais tinham pouca ou nenhuma identificao cultural. Paulatinamente, da expanso europia revoluo industrial, as substncias psicoativas deixaram de ser ministradas segundo preceitos culturais, ritualsticos e litrgicos, para se converterem em mercadorias, bens de consumo. O marco definitivo desse processo foram as Guerras do pio (1839 e 1865), pelas quais os ingleses, que declararam guerra China em favor do "livre comrcio" [02], garantiram o monoplio internacional, consolidaram o domnio no Extremo Oriente e implementaram a prtica comercial de substncias psicoativas em larga escala.

A partir de ento, houve a popularizao do consumo desses produtos no contexto scio-cultural de cada nao - desprovido de qualquer lastro cultural que funcionasse como mecanismo de controle informal do consumo -, o que acarretou uma srie de desdobramentos e impactos sociais, tais como relatos de overdoses, complicaes crnicas sade e o desmantelamento de hbitos sociais locais tradicionalmente institudos.

Com isso, surgiu a necessidade de elaborao de polticas pblicas, com o intuito de solucionar os prejuzos causados pela massificao do consumo dessas substncias, que passou a ser considerado causa de morbidade, merecendo aes de sade como qualquer outra doena.

Os Estados Unidos foram o principal expoente na cruzada moral contra o consumo de drogas. Passaram a tentar, em nvel internacional, controlar o comrcio de pio para fins no medicinais. Haveria, por parte dos americanos, dois motivos, que se sobreporiam aos aspectos sanitrios: adaptar os imigrantes do sculo XIX ao esteretipo moral da elite anglo-saxnica protestante, penalizando os desviantes; e conquistar espao de manobra e poder econmico nos mercados do oriente, ento dominado pelos ingleses.

A presso americana faz com que em 1909, representantes de pases com colnias no Oriente e na Prsia se reunissem em Shangai na Conferncia Internacional do pio. Posteriormente, realizou-se em 1911 a Primeira Conferncia Internacional do pio, em Haia. Dessa conferncia resultou a "Conveno do pio", em 1912, pela qual os pases signatrios criaram o compromisso de tomar medidas de controle da comercializao da morfina, herona e cocana nos seus prprios sistemas legais. Vale ressaltar que outras substncias, como a cocana, foram adicionadas devido a uma presso inglesa, para que o nus econmico da proibio recasse tambm sobre outros pases (Frana, Holanda, Alemanha), que estavam tendo lucros com o comrcio da cocana atravs da emergente indstria farmacutica [03].

No prprio ano de 1912, com as presses internacionais que at hoje perduram, o Brasil subscreveu o protocolo suplementar de assinaturas da Conferncia Internacional do pio. O Decreto 2.861, de 08 de julho de 1914, sancionou a Resoluo do Congresso Nacional que aprovara a adeso. Por meio do Decreto 11.481, de 10 de fevereiro de 1915, que mencionava "o abuso crescente do pio, da morfina e seus derivados, bem como da cocana" o Presidente Wenceslau Braz determinava a observncia da Conveno.

A partir da, a poltica criminal brasileira comeou a adquirir uma configurao definida, que Nilo Batista [04] chamou de "modelo sanitrio", caracterizado pelo aproveitamento dos saberes e tcnicas higienistas, com as autoridades policiais, jurdicas e sanitrias exercendo funes contnuas, s vezes fungivelmente. O viciado era tratado como doente, com tcnicas similares s do contagio e infeco da febre amarela e varola e no era criminalizado, mas objeto de notificaes compulsrias para internao com deciso judicial informada com parecer mdico. O prprio trfico se alimentava do desvio da droga de seu fluxo autorizado, feito por boticrios, prticos, funcionrios da alfndega, etc. O consumo de drogas no era massivo, mas ligado a grupos exticos, a um universo misterioso, sem significao econmica.

Sucederam, ento, os Decretos 4.294, de 06 de julho de 1921, - que revogou o artigo 159 do Cdigo Penal de 1890 - e o Decreto 14.969, de 03 de setembro do mesmo ano. Dispunham a respeito da internao dos toxicmanos, sobre o controle dos entorpecentes nas alfndegas e farmcias, e previram a responsabilizao no s do farmacutico como tambm dos particulares que participassem, de qualquer forma, na venda ou prescrio de tais substncias, deixando claro que se tratava de crime comum.

Com o fim da primeira guerra mundial e a posterior formao da Liga das Naes, ocorreram outras convenes, sendo a Conveno de Genebra de 1925 a mais importante. Todas subscritas pelo Brasil e promulgadas internamente [05]. Configurava-se o que Salo de Carvalho [06] denominou de transnacionalizao do controle.

Com as sucessivas convenes internacionais veio o Decreto 20.930, de 11 de janeiro de 1932, alterado pelo Decreto 24.505, de 29 de junho de 1932, e revogado pelo Decreto 891, de 25 de novembro de 1938. O Decreto 20.930 passou a considerar a toxicomania como doena de notificao compulsria e determinou, entre outras coisas, que a lista das substancias txicas deveriam ser revisadas periodicamente. As normas criminalizadoras do Decreto foram consolidadas no Decreto 22.213, de 14 de dezembro de 1932 (Consolidao das Leis Penais, de autoria do Desembargador Vicente Piragibe).

Iniciava-se o fenmeno que Zaffaroni [07] chamou de "multiplicao dos verbos": o tipo do trfico comeou a acumular ncleos (vender, ministrar, dar, trocar, ceder, ou, de qualquer modo, proporcionar). A posse ilcita passou a ser criminalizada (art. 26). Foram trazidos ainda vrios efeitos severos penais e extrapenais: inafianabilidade do trfico; perda do cargo se funcionrio pblico; excluso e trancamento da matrcula para os estudantes; proibio da concesso do sursis e do livramento condicional; equiparao do crime tentado ao crime consumado; expulso do estrangeiro do territrio nacional; reincidncia era causa de duplicao da pena aplicada. Para se ter uma idia do contexto moralista dessa legislao, o art. 36 previa como agravante "a procura da satisfao de prazeres sexuais nos crimes deste decreto".

Em 1936, surgiu o Decreto n 730, de 28 de abril daquele ano, que instituiu a Comisso Nacional de Fiscalizao de Entorpecentes, cuja atribuio, dentre outras, era esboar um anteprojeto de consolidao de todas as leis e decretos at ento editados sobre a matria. Por fim, antes do advento do Cdigo Penal de 1940, tivemos o Decreto-Lei 891/38, de vida curta. Este antecipou a punio para os atos preparatrios (plantar, cultivar, colher) e tornou mais radical a internao obrigatria, que poderia ocorrer "quando provada a necessidade de tratamento adequado ao enfermo, ou for conveniente ordem pblica" (art. 29 ), no poderia ser no domiclio (art. 28) e poderia ser por tempo indeterminado (art. 29, caput).

Adveio o Cdigo Penal de 1940. A matria passou a ser tratada no captulo de crimes contra a sade pblica, art. 281, com o caput sob a rubrica: Comrcio, Posse ou Uso de Entorpecente ou Substncia que determine Dependncia Fsica ou Psquica. Foram equiparados trfico e porte para uso prprio (1, inciso III), descriminalizou-se o consumo e reduziu-se o nmero de verbos. De resto, apenas distribuiu entre pargrafos e incisos as disposies incriminadoras do Decreto-Lei 891/38.

Depois disso e at 1964 foram institudos alguns Decretos com pequenas mudanas. O decreto-lei 4720/42 fixou "normas para o cultivo de plantas entorpecentes e para a extrao, transformao e purificao dos seus princpios ativo-teraputicos". O Decreto-lei n 8.646 de 11 de janeiro de 1946, que alterou o Decreto-lei n 891/98, centralizando em determinada repartio pblica o poder de autorizar a "importao, e exportao de substncias entorpecentes a drogarias, laboratrios, farmcias e estabelecimentos fabris". E o Decreto n 20.397, de 14 de janeiro de 1946, que regulou o funcionamento da indstria farmacutica no Brasil, tratando nos arts. 19 a 26 dos laboratrios que fabricassem especialidades contendo entorpecentes.

Com o fim do Estado Novo e a redemocratizao em 1946, a questo das drogas foi sendo relegada a segundo plano, com estatsticas irrisrias sobre o trfico e o consumo abusivo, que no chegavam a chamar ateno de juristas, criminlogos e legisladores. Contudo, a transformao em mercadoria aventava o quo lucrativo seria esse negcio no futuro, alm de contribuir para tirar dos operadores sanitrios o papel principal no comrcio.

Firmaram-se, em seguida, dois protocolos sobre o controle das drogas. Um, assinado em Paris em 19 de Novembro de 1948, colocando sob fiscalizao internacional certas drogas no visadas. O outro, o Protocolo para Regulamentar o Cultivo de Papoula e o Comrcio de pio, promulgado em Nova Iorque (23 de junho de 1953).

Em 1961, surge a Conveno nica Sobre Entorpecentes de Nova York - ratificada por cerca de cem pases, liderados pelos Estados Unidos -, unificando e fortalecendo os anteriores tratados sobre drogas. A Conveno estabelece as medidas de controle e fiscalizao, disciplina o procedimento para a incluso de novas substncias que devam ser controladas e fixa a competncia das Naes Unidas em matria de fiscalizao internacional de entorpecentes. Aponta ainda as medidas que devem ser adotadas no plano nacional para a efetiva ao contra o trfico ilcito, prestando-se aos Estados assistncia recproca em luta coordenada, providenciando que a cooperao internacional entre os servios se faa de maneira rpida. Trouxe disposies penais, recomendando que todas as formas dolosas de trfico, produo, posse etc., de entorpecentes, em desacordo com a mesma, fossem punidas adequadamente e recomendou tratamento mdico aos toxicmanos e que fossem criadas facilidades sua reabilitao.

Em terra brasilis, com o golpe militar de 1964, criaram-se as condies para a implantao daquilo que Nilo Batista batizou de modelo blico [08], com o ingresso definitivo do Brasil no cenrio internacional de combate s drogas. Sobrando o modelo sanitrio para quem se encaixasse no esteretipo da dependncia, isto , os jovens de classe mdia e alta [09]. No mesmo ano, j sob a ditadura, o Decreto n 54.216 promulgou a Conveno nica sobre Entorpecentes e a Lei 4.451 alterou a redao do artigo 281 do Cdigo Penal, acrescentando o verbo "plantar".

necessria uma breve anlise do contexto histrico que favoreceu a mudana do modelo sanitrio para o modelo blico. Estava-se na poca da "guerra fria", com "uma aliana de setores militares e industriais para a qual a iminncia da guerra era condio de desenvolvimento" [10]. Havia gastos bilionrios com armamentos por parte dos dois blocos antagnicos (Estados Unidos e Unio Sovitica), sendo fundamental para ambos a militarizao das relaes internacionais e tambm em nvel interno. Com o suporte ideolgico da doutrina de segurana nacional, criou-se a figura do inimigo interno que transbordou os limites da guerra fria, perdurando at hoje -, antes os criminosos polticos, depois os comuns.

Por outro lado, a dcada de 60 era a dcada dos movimentos de contracultura, como os "hippies"; dos movimentos de protesto poltico, como as guerrilhas na Amrica Latina. Especialmente, era o momento do estouro da droga, aumentando o consumo da maconha tambm entre jovens de classe mdia e alta, e estourava tambm a indstria farmacutica, que criou drogas sintticas, como o LSD [11]. Como o consumo j no era apenas dos guetos, passou a se mostrar um problema moral, uma "luta entre o bem e o mal". O mal, representado pelo pequeno distribuidor, vindo dos guetos, que incitaria o consumo, qualificado como delinqente. O bem, pelo consumidor, "filho de boa famlia", corrompido pelos traficantes, qualificado como doente/dependente, merecendo tratamento por mdicos, psiclogos e assistentes sociais.

"O consumo de substncias psicoativas passa a ser tratado como questo de segurana nacional, (...) uma vez que j no se podia aceitar que tantos jovens americanos fossem desprovidos de virtudes" [12]. Assim, surgem os discursos, absorvidos no mbito jurdico, sustentando que

a generalizao do contacto de jovens com drogas devia ser compreendida, no quadro da guerra fria, como uma estratgia do bloco comunista, para solapar as bases morais da civilizao crist ocidental, e que o enfrentamento da questo devia valer-se de mtodos e dispositivos militares. [13]Assim, os EUA colocaram em marcha uma prtica efetiva de intervenes diplomtico-militares [14], transferindo para os pases marginais a responsabilidade pelo consumo interno, com a teoria de pases-vtimas e pases-agressores. Deste lado, os pases produtores, como Colmbia, Bolvia e China. Do lado das vtimas, Estados Unidos e os pases da Europa Ocidental. Ou seja, "a criminalizao do estrangeiro aplaca a vitimizao domstica" [15]. Foi dado o passo para transnacionalizar o controle [16], com a globalizao da represso s drogas. Reunia-se o elemento religioso-moral com o elemento blico - com cada vez mais verbas para o capitalismo industrial de guerra -, que resulta numa "guerra santa" contra as drogas, que tem a vantagem de no ter restries nem padres regulativos, com os fins justificando os meios [17].

Os reflexos do projeto externo norte-americano incidiram diretamente nas polticas de segurana pblica de praticamente todos os pases da Amrica Latina [18], que passaram a assumir o discurso dos EUA. Dessa forma, se adequando aos compromisso internacionais, o Presidente Castello Branco em 10 de fevereiro de 1967 edita o decreto-lei 159, estabelecendo no art. 1 que qualquer substncia capaz de determinar dependncia fsica ou psquica, mesmo que no considerada entorpecente, seria aplicada a legislao repressiva sobre drogas. O pargrafo nico dava ao Diretor Nacional do Servio de Fiscalizao da Medicina e Farmcia do Departamento Nacional de Sade a atribuio de relacionar as substncias. Em maro do ano seguinte, foi editado o Decreto n 62.391, dispondo sobre a fiscalizao em laboratrio da produo de substncias txicas e entorpecentes.

Importante alterao trouxe o Decreto-lei n 385, de 26 de dezembro de 1968, que alterou a redao do art. 281 do Cdigo Penal. O entendimento jurisprudencial do STF era que o artigo no abrangia os consumidores, vez que em seu pargrafo 3 previa a punio do induzidor ou o instigador, estando excludo o usurio, visto que bastaria a regra geral do art. 25 (atual art. 29) do Cdigo Penal de 1940 para configurar a co-autoria [19]. Devido descriminalizao via jurisprudncia, o Decreto-lei equiparou a pena do usurio, que "traz consigo para uso prprio", do traficante, indo contra a orientao internacional, que trazia o discurso de diferenciao. De acordo com Ney Fayet de Souza, citado por Salo de Carvalho, "o Decreto-Lei n 385 abalou a conscincia cientfica e jurdica da Nao, dividindo juristas, mdicos, psiquiatras, psiclogos" [20]Alguns meses depois, o Decreto-Lei 753, de 11 de agosto de 1969, tratou da fiscalizao de laboratrios que produzissem ou manipulassem substncias entorpecentes e equiparadas mostrando preocupao com a distribuio de amostras desses produtos.

Dando grande passo para a completa descodificao da matria, veio a Lei 5.276 de 29 de outubro de 1971, que manteve, contudo, o art. 281 do Cdigo Penal e a equiparao entre usurio e traficante, aumentando a pena para 01 a 06 anos de recluso. Em seu artigo 1 a Lei convoca a nao para a "guerra santa contra as drogas", dizendo ser dever de todos "colaborar no combate ao trfico e uso de substncias entorpecentes ou que determinem dependncia fsica ou psquica". Como salientou Nilo Batista, utilizou da estrutura normativa da imposio do dever jurdico, fundamento dos ilcitos omissivos, para converter opinies dissidentes em espcie de cumplicidade com as drogas [21]. Em decorrncia disso, diretores de escola ficavam obrigados, sob pena do cargo, a denunciar casos de uso e trfico ocorridos no mbito escolar (art. 7). Alis, se assim fizessem estariam prestando "servio relevante" (art. 24). Voltou o caso de trancamento da matrcula para alunos flagrados com qualquer substncia "maligna" (art. 8). Alm disso, incluiu o 5 no art. 281, inaugurando no cenrio jurdico a famigerada "quadrilha de dois" (Associarem-se duas ou mais pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer qualquer dos crimes previstos neste artigo e seus pargrafos).

No mbito processual, criou um procedimento bem clere. A lei trouxe ainda a inimputabilidade do usurio que "em razo do vcio, no possui ste a capacidade de entender o carter ilcito do fato ou de determinar-se de acrdo com esse entendimento" (art. 10); estaria sujeito a uma medida de recuperao, consistente em internao em estabelecimento hospitalar para tratamento psiquitrico pelo tempo necessrio sua recuperao. A lei foi regulamentada pelo Decreto n 69.845, de 27 de dezembro de 1971.

Neste mesmo ano, em Viena, se firmou a Conveno sobre as Substncias Psicotrpicas, visando atualizar a fiscalizao, devido diversificao e ampliao do uso de drogas. Introduziu controle a novas drogas, sintticas, como as anfetaminas e o LSD. No ano seguinte, na data de 26 de maro, em Genebra, firmou-se protocolo modificando e aperfeioando a Conveno nica sobre Entorpecentes de 1961. Foi alterada a composio e as funes do rgo Internacional de Controle de Entorpecentes, ampliadas as informaes que deviam ser fornecidas para controle da produo de entorpecentes naturais e sintticos e salientada a necessidade de tratamento ao toxicmano. O Decreto n 76.248, de 12 de setembro de 1975, promulgou o Protocolo de Emendas da Conveno nica sobre Entorpecentes de 1961.

Em 1976 entra em vigor a Lei 6.368/76, que revogou o art. 281 do Cdigo Penal, marcando a completa descodificao da matria e instaurou no Brasil "modelo indito de controle, acompanhando as orientaes poltico-criminais dos pases centrais refletidas nos tratados e convenes internacionais" [22]. As condutas criminalizadas no diferiram, havendo apenas aumento das penas. Permaneceu o dever jurdico do art. 1 da lei anterior, mas a palavra combate foi substituda pela expresso "preveno e represso". Alunos j no teriam as matrculas trancadas, diretores no eram obrigados a delatar. Mantida a clusula de inimputabilidade para adictos consoante a lei anterior. O Decreto n 78.992 de 21 de dezembro de 1976 regulamentou a lei.

Passados doze anos, foi concluda a Conveno de Viena de 1988, prevendo medidas abrangentes contra o trfico de droga, incluindo disposies contra o branqueamento de capitais e o desvio de precursores qumicos. Prev ainda a cooperao internacional atravs, por exemplo, da extradio de traficantes de droga.

No mesmo ano, em harmonia com a Conveno, foi promulgada a Constituio Federal de 1988. Nela encontramos, no ttulo dos direitos fundamentais, o art. 5, inciso XLIII, equiparando o trfico de drogas aos tais crimes hediondos, prevendo a inafianabilidade e a proibio de graa ou anistia. Ainda como "direito fundamental" temos o inciso LI do mesmo artigo autorizando a extradio do brasileiro naturalizado se "comprovado envolvimento com trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins". O artigo 144, pargrafo 1, II, d a Polcia Federal atribuio de prevenir e reprimir o trfico de drogas. E o artigo 243 previu a expropriao das terras e confisco dos bens decorrentes do trfico de drogas.

Com o fim das ditaduras latino-americanas apoiadas pelos EUA e o fim da "guerra fria" era necessrio um novo motivo para justificar a interveno norte-americana no plano internacional. O vcuo deixado pela queda progressiva da ameaa comunista seria ocupado pelo narcotrfico, um novo perigo identificado pelo governo norte-americano. Assim seria possvel ocupar a Amaznia, e ter fuzileiros e conselheiros na Colmbia, por exemplo. O discurso da segurana nacional deslocado para esse novo inimigo.

Nesse contexto, dois anos depois, editada a Lei 8.072/90, regulamentando e extrapolando o inciso XLIII do art. 5 da CF. Alm das restries constitucionais, acrescentou ao trfico de drogas a proibio de progresso de regime, liberdade provisria e indulto, alm de aumentar prazos da priso temporria e para o livramento condicional.

No ano de 2002, sob o argumento do senso comum, incluindo juristas, que "a punio do comrcio malfico necessariamente deve ser agravada, e de forma exemplar" [23], aprovada mais uma mudana legislativa. Resultou na Lei n 10.409/02, que teve o captulo acerca dos crimes e das penas vetado pelo Presidente da Repblica, provocando uma confuso legislativa. Aplicava-se a parte processual dessa lei, com os crimes e penas da Lei n 6.368/76.

A ltima mudana legislativa ocorreu em 23 de agosto de 2006, quando foi promulgada a Lei n 11.343, a qual institui o Sistema Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas SISNAD; prescreve medidas para preveno do uso indevido, ateno e reinsero social de usurios e dependentes de drogas; estabelece normas para represso produo no autorizada e ao trfico ilcito de drogas; define crimes e d outras providncias. A lei refora o discurso mdico jurdico, aplicando modelos de descriminalizao para o usurio e penas mais altas para as condutas identificadas como trfico de drogas.

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/19551/historico-das-drogas-na-legislacao-brasileira-e-nas-convencoes-internacionais#ixzz2EgBVHXaJBIBLIOGRAFIA

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Notas

1. Conceitualmente, postura municipal significa: "o conjunto de regras de conduta dos muncipes de uma cidade visando o bem estar da coletividade".

2. ZACCONE, Orlando. Acionistas do nada: quem so os traficantes de drogas. 1ed. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2007, p. 77.

3. Ibidem, p. 80

4. BATISTA, Nilo. "Poltica criminal com derramamento de Sangue". Revista Brasileira de Cincias Criminais. So Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, ano 5, n. 20, p. 129, outubro-dezembro de 1997.

5. Pelos Decretos 22.950, de 18 de julho de 1933, 113, de 13 de outubro de 1934 e 2.994, de 17 de agosto de 1938.

6. DE CARVALHO, Salo. Poltica Criminal de Drogas no Brasil, A - Estudo Criminolgico e Dogmtico. 4 ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2007, pp. 14-19.

7. La legislacin antidrogas latinoamericanas: sus componentes de derecho penal autoritrio. In: Fascculos de Ciencias Penais, v. 3, n 2, Porto Alegre: 1990, Fabris, p. 18.

8. ob. cit.

9. Cf. BATISTA, Vera Malaguti. Difceis Ganhos Fceis. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

10. BATISTA, Nilo. ob. cit., p.138.

11. DEL OLMO, Rosa. A Face Oculta da Droga. Rio deJaneiro: Revan, 1990, p.33.

12. ZACCONE, Orlando. ob. cit., p. 88/89.

13. BATISTA, Nilo. ob. cit. p. 140.

14. RODRIGUES, Tiago. Narcotrfico e as Guerras Presentes (Parte 2). Disponvel em: http://www. cenariointernacional.com.br/ri/default3.asp?s=artigos2. asp&id=11. Acesso em: 10 jul. 2008. Diz o autor que o discurso da guerra s drogas deve ser entendido como uma diretriz de segurana nacional na medida em que colocou em marcha uma prtica efetiva de intervenes diplomtico-militares patrocinadas pelos Estados Unidos.

15. DE CARVALHO, Salo de. Poltica Criminal de Drogas no Brasil, A - Estudo Criminolgico e Dogmtico. 4 ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2007, p. 22.

16. Transnacionalizar o controle das drogas, que parte de um projeto maior, de transnacionalizao/ uniformizao do controle social.

17. BATISTA, Nilo. ob. cit., p. 140/141.

18. DE CARVALHO, Salo. ob. cit., p.22.

19. DE CARVALHO, Salo. Poltica Criminal de Drogas no Brasil, A. Rio de Janeiro: Ed. Luam, 1997, p.24.

20. DE CARVALHO, Salo. Poltica Criminal de Drogas no Brasil, A - Estudo Criminolgico e Dogmtico. 4 ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2007, p. 18.

21. Ibidem, p. 139.

22. Ibidem, p. 21.

23. MARCO, Renato. A lei e o crime de trfico de drogas . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 87, 28 set. 2003. Disponvel em: . Acesso em: 14 ago. 2008.

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