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História, Fenomenologia e Memoria conciliadora os olhares sobre a biografia de Edith Stein Danilo Souza Ferreira Resumo: A vida de Edith Stein se desenvolve entre os anos 1891-1942. Transcorre sua existência num período marcado pelos fomentos da República de Weimar e pelo advento do nazismo, de Adolf Hitler, líder do Partido Nacional Socialista. Edith Stein durante o seu período de formação na Universidade de Breslau, havia escolhido disciplinas de natureza humanística, além de filosofia e psicologia particularmente literatura e história. Em sua filosofia, são delineados “os traços de uma filosofia no feminino”, que começava a se fazer presente nos meios intelectuais alemães. Podemos perceber a presença desses ‘traços de uma filosofia feminina’, no período de 1913 em que se inscreve na Faculdade de Filosofia de Gottingen , para ter aulas com Edmund Husserl, fazendo parte de um grupo denominado Sociedade Filosófica, que sobre a orientação de Husserl, estavam homens como Adolf Reinhard, Roman Ingarden, e Johannes Hering mais também intelectuais mulheres como Rose Guttmann, e Hedwig Conrad-Martius com quem vai desenvolver uma forte amizade é que será sua madrinha de batismo, quando se converte ao cristianismo. As duas intelectuais Hedwig Martius apresentam trajetórias acadêmicas semelhantes ambas as mulheres fazem a sua primeira formação em ciências do espirito ambas escolheram os cursos de psicologia e história, uma faculdade que lhe fosse útil também para o ensinamento. Ambas seguem a fenomenologia de Husserl e tentam conciliar a ciências naturais das ciências do espirito. Apesar de um ponto de aproximação entre as duas intelectuais ser o campo profissional ligado a educação em especial as ciências do espírito, já que outras profissões eram limitadas a participação das mulheres como o direito, mesmo nesse campo de atuação a educação é a filosofia era incomum a participação feminina como Ângela Belo aponta eram ‘É, esse, um fenômeno singular, de fato, se observarmos outros círculos filosóficos daqueles anos nos damos conta da quase total falta de figuras femininas’. O projeto filosófico e biográfico de Edith Stein despertou o interesse de ativistas em toda a Polônia que têm enfrentado os problemas de representar a comunidade judaica da Polônia desde o colapso do comunismo em 1989. Esses "ativistas da memória" escolhem objetos específicos da memória e caminhos específicos da memorialização. Esta comunicação enfoca a lembrança de Stein na cidade de Wroclaw. Argumenta que a abordagem ativista da memória da "reconciliação cultural" é problemática, no caso de Stein, na medida em que se baseia em uma leitura errada do judaísmo de Stein, depois de sua canonização na igreja católica por João Paulo II. A comunicação defende uma abordagem alternativa “fronteiriça” que reconhece o papel persistente da violência na construção de identidades e culturas. Palavras-chave: Edith Stein, fenomenologia, história intelectual. Nesta comunicação trazemos uma breve biografia de Edith Stein. Tal trabalho se justifica por dois motivos: o primeiro é a apresentação da filósofa, que é pouco conhecida pela academia brasileira, e o segundo motivo é a íntima relação entre a sua vida e os acontecimentos históricos cruciais que marcaram a primeira metade do século XX, principalmente a História da Alemanha no período moderno, bem como a Primeira

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História, Fenomenologia e Memoria conciliadora os olhares sobre a

biografia de Edith Stein Danilo Souza Ferreira

Resumo: A vida de Edith Stein se desenvolve entre os anos 1891-1942. Transcorre sua

existência num período marcado pelos fomentos da República de Weimar e pelo advento

do nazismo, de Adolf Hitler, líder do Partido Nacional Socialista. Edith Stein durante o

seu período de formação na Universidade de Breslau, havia escolhido disciplinas de

natureza humanística, além de filosofia e psicologia particularmente literatura e história.

Em sua filosofia, são delineados “os traços de uma filosofia no feminino”, que começava

a se fazer presente nos meios intelectuais alemães. Podemos perceber a presença desses

‘traços de uma filosofia feminina’, no período de 1913 em que se inscreve na Faculdade

de Filosofia de Gottingen , para ter aulas com Edmund Husserl, fazendo parte de um

grupo denominado Sociedade Filosófica, que sobre a orientação de Husserl, estavam

homens como Adolf Reinhard, Roman Ingarden, e Johannes Hering mais também

intelectuais mulheres como Rose Guttmann, e Hedwig Conrad-Martius com quem vai

desenvolver uma forte amizade é que será sua madrinha de batismo, quando se converte

ao cristianismo. As duas intelectuais Hedwig Martius apresentam trajetórias acadêmicas

semelhantes ambas as mulheres fazem a sua primeira formação em ciências do espirito

ambas escolheram os cursos de psicologia e história, uma faculdade que lhe fosse útil

também para o ensinamento. Ambas seguem a fenomenologia de Husserl e tentam

conciliar a ciências naturais das ciências do espirito. Apesar de um ponto de aproximação

entre as duas intelectuais ser o campo profissional ligado a educação em especial as

ciências do espírito, já que outras profissões eram limitadas a participação das mulheres

como o direito, mesmo nesse campo de atuação a educação é a filosofia era incomum a

participação feminina como Ângela Belo aponta eram ‘É, esse, um fenômeno singular,

de fato, se observarmos outros círculos filosóficos daqueles anos nos damos conta da

quase total falta de figuras femininas’. O projeto filosófico e biográfico de Edith Stein

despertou o interesse de ativistas em toda a Polônia que têm enfrentado os problemas de

representar a comunidade judaica da Polônia desde o colapso do comunismo em 1989.

Esses "ativistas da memória" escolhem objetos específicos da memória e caminhos

específicos da memorialização. Esta comunicação enfoca a lembrança de Stein na cidade

de Wroclaw. Argumenta que a abordagem ativista da memória da "reconciliação cultural"

é problemática, no caso de Stein, na medida em que se baseia em uma leitura errada do

judaísmo de Stein, depois de sua canonização na igreja católica por João Paulo II. A

comunicação defende uma abordagem alternativa “fronteiriça” que reconhece o papel

persistente da violência na construção de identidades e culturas.

Palavras-chave: Edith Stein, fenomenologia, história intelectual.

Nesta comunicação trazemos uma breve biografia de Edith Stein. Tal trabalho se

justifica por dois motivos: o primeiro é a apresentação da filósofa, que é pouco conhecida

pela academia brasileira, e o segundo motivo é a íntima relação entre a sua vida e os

acontecimentos históricos cruciais que marcaram a primeira metade do século XX,

principalmente a História da Alemanha no período moderno, bem como a Primeira

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Grande Guerra, a República de Weimar e a ascensão do nazismo na Alemanha, além do

surgimento de correntes teóricas como a fenomenologia. Buscaremos em especial, neste

texto, descrever as fortes influências que Stein sofreu do psicólogo William Stern,

membro da escola de Wurzburg e professor em Breslau, e do fenomenólogo Edmund

Husserl, que ministrou aulas de Filosofia em Gottingen, e com quem ela desenvolveu a

sua reflexão sobre o papel da Empatia como constitutiva da relação entre os indivíduos,

bem como a sua relação com a História.

A vida de Edith Stein se desenvolve entre os anos 1891-1942. Transcorre sua

existência num período marcado pelos fomentos da República de Weimar (1919-1933) e

pelo advento do nazismo, de Adolf Hitler (1933), líder do Partido Nacional Socialista.

Por meio de sua história, podemos conhecer os fundamentos de uma vida familiar judia,

que permite o desenvolvimento de uma personalidade completa e harmônica, a

determinação interior diante das horas mais difíceis da existência; a evolução e a

estruturação de seu pensamento, sua atividade acadêmica e social, sua passagem do

judaísmo para o cristianismo e sua escolha para a vida religiosa como carmelita. Como

afirma Ângela Ales Bello: não é possível compreender (sua história de vida) sem

considerar este pano de fundo, (...) os eventos do seu tempo não foram passivamente

vividos por ela, mas incitaram tomadas de posição de um ponto de vista moral e social.

(BELLO,2003, p.14).

Diferente de seu orientador o professor Edmund Husserl, vinculado durante seus

anos de formação universitária às áreas de matemática e às ciências físicas, Edith Stein

durante o seu período de formação na Universidade de Breslau, havia escolhido

disciplinas de natureza humanística, além de filosofia e psicologia particularmente

literatura e história.

Além disso, não é secundária, principalmente na juventude, a sua atenção a

questões política e sociais, o que a faz entender como o mundo da vida, na multiplicidade

de seus aspectos, está presente nas suas preocupações teóricas e práticas, como nas

manifestações pelo voto feminino na Alemanha nas eleições de 1919 é o apoio ao Partido

Social- Democrata Alemão, sendo assim uma intelectual que buscou registrar as

transformações de seu presente como afirma L. Gelbe organizador da edição das obras

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completas em italiano : “Quis (Edith) revelar também para nós a forma como olhava para

suas relações familiares mais íntimas”. (GELBE,1992, p.7)

Em 1933 no livro A estrutura da Pessoa Humana a filosofa Edith Stein, ao

refletir sobre as ciências humanas que compreendia como uma forma de ascensão

espiritual do “ente” em especial no momento em que o cientista social exerce a sua

função, isso é, ao escrever um texto o historiador além de sua fidelidade na análise

documental, busca dar vida ao texto, ao arquivo pela leitura que faz. E mesmo sendo sua

metodologia rigorosa, é sua sensibilidade que transparece em seu estilo e faz existir a

pessoa ou o momento histórico, descrito pelo historiador.

Se o conhecimento é uma captação espiritual de um ente, é lícito dizer que

conhecemos o modo de ser próprio de um homem: este modo de ser se mostra

através das múltiplas formas de expressão nas quais o “interior” se

“exterioriza” e nós compreendemos esta linguagem (...). O modo de ser próprio

de uma pessoa se expressa em formas que podem seguir existindo separadas

dela em sua letra, no estilo que se reflete em suas cartas ou em outras

manifestações literárias, em todas as suas obras, e também nos efeitos que

produziram em outros homens. (STEIN,2000,583)

Edith Stein descreve que durante a escrita ocorre um duplo movimento a primeira

uma expressão “interior” que é o conjunto de vivências e as subjetividades presentes que

compõe o autor e também a expressão “exterior” que são as formas de escrita, isso é, a

forma em que compõe o texto. Assim, o interesse dos historiadores pela pessoa e pela

variabilidade de suas formas em função da estrutura das sociedades faz parte de uma

sensibilidade pelo espaço subjetivo de reflexão e de interrogação

Recolher estas fontes e restos, do modo mais completo possível é o trabalho

preliminar do historiador. Sua tarefa principal é compreendê-los: penetrar na

individualidade por meio da linguagem desses signos (...). Em seguida vem a

missão ulterior de pôr ao alcance de outros a individualidade que se captou.

Não se pode lograr este fim dando à individualidade uma denominação

universal ou enumerando muitas características suas (por sua vez captadas de

modo universal). Ou tampouco vendo-a como a intersecção de diferentes tipos.

Tudo isso são apenas instrumentos que talvez tenham que ser usados. Mas o

importante na hora de permitir a alguém que capte uma individualidade quando

não se pode proporcionar um encontro vivo é assinalar o caminho pelo qual

alcançou a meta. Para que se possa executar o ato de compreender se deve

relatar traços especialmente eloquentes e sobretudo, sempre que possível,

oferecer expressões originais da pessoa em questão. Conseguir executar isto

reside a arte da exposição, na qual as tarefas do historiador e do artista

coincidem em boa parte assim como a arte da interpretação, isto é, a reflexão

acerca de expressões pessoais, que é comum a ambos. (STEIN,1996,584-585)

Podemos perceber que para Edith Stein a história, compreendida como oficio tem

como tarefa fundamental compreender o conjunto de fenômenos que compõe a

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individualidade de cada personagem inserido, possibilitando desvelar a dignidade da

pessoa que compõem esses personagens históricos retratados no texto historiográfico,

assim aproximando o historiador da figura do artista, pois ambas as funções podem

revelar as expressões pessoais dos retratados.

Como Edith Stein realizou ao escrever a sua autobiografia intitulada História de

uma família judia. Traços autobiográficos: infância e os anos juvenis, redigido, em sua

maior parte, no ano de 1933, como reação após a tomada do poder político da Alemanha

pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemão que e conseguintemente a

ascensão de Adolf Hitler, e do antissemitismo.

Eu quero fazer um relatório daquilo que tenho conhecido como humanidade

judaica. (...). Aquilo que irei escrever nestas páginas, não quer ser uma

apologia do judaísmo, e (nem menos da história de minha família). Para

desenvolver a ideia da religião judaica, ou escrever a história do povo judeu,

para tudo isso existe pessoas competentes. E quem gostaria de se informar a

propósito, encontrará uma ampla bibliografia. (STEIN,1992, p.24)

Edith Stein havia sido demitida do cargo de assistente universitária de Munster é

como não conseguiria se manter na cidade sem o emprego, retornou sua cidade natal

Breslau onde se dedicou durante seis meses (abril a setembro) a redação do primeiro

capítulo: Memórias de minha mãe. Continuando a escrever o segundo capítulo O mundo

de duas irmãs mais jovens, durante os seis meses sucessivos apenas interrompendo a

elaboração dessa obra em maio de 1935, a pedido de seus superiores, que a orientaram a

dar continuidade ao seu estudo filosófico é teológico, Ser finito e ser eterno, continuando

a elaboração deste trabalho até o dia 27 de abril de 1939, primeiro aniversário da morte

de Edmund Husserl é como tributo descrevendo a experiência vivenciada pelos dois no

dia da defesa de sua tese em Friburgo: ‘Husserl estava irradiante de alegria. O próprio

decano havia proposto a nota Summa cum laude. ’ (STEIN,1992, p.374). Sendo este os

último marco de sua trajetória descrita nessa autobiografia. Sendo interrompida, pela

tarefa confiada a ela de escrever um ensaio biográfico sobre São João da Cruz em ocasião

dos seus 400 anos de nascimento.

Além de biografa que buscava registrar o seu lastro histórico é de demais

personagens ligados a tradição judaica como os membros da sua família e da tradição

cristã como o cardeal John Henry Newman, São João da Cruz é Santa Teresa de Ávila a

intelectual Edith Stein, também atuou como sujeito de seu próprio tempo, como quando

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se inscreve aos 20 anos de idade no dia 28 de abril de 1911, na universidade de Breslau,

é descreve que essa conquista pessoal , era fruto da conquista do movimento das mulheres

do século XX. Ela descreve:

Todos os pequenos auxílios, que a carteirinha de estudante nos garantia – os

descontos nos bilhetes para o teatro e para os concertos e assim por diante – eu

considerava com carinho o zelo que o Estado tinha para com seus filhos, e isso

suscitava em mim o desejo de retribuir e agradecer ao povo e ao Estado com

minha futura profissão. Ficava indignada com a indiferença com que a maioria

dos meus colegas estudantes se posicionava diante das questões de caráter

geral: a maior parte deles, durante o primeiro semestre, pensava apenas na

diversão, outros se preocupavam apenas com superar os exames e, em seguida,

certificar-se do pão cotidiano (alimento). Foram estes sentimentos fortes de

responsabilidade social que me levaram, também, a lutar pela causa do direito

de votos para as mulheres. (STEIN,1992, p.173).

1. A formação acadêmica literatura é fenomenológica de Edith Stein

Os escritos de Edith Stein percorrem temáticas femininas por meio de dados

históricos, interpretações e fontes variadas, bem como possibilitam conhecer seu

percurso, sua identidade, sua relação com a história familiar e a história do seu povo e

seu dilema na busca da “verdade”.

Rosvitha Blume Friesen descreve que somente a partir das primeiras décadas do

século XIX, com o advento do romanticismo possibilitou um gradual processo de

emancipação intelectual da mulher, apesar de que neste período era privilégio de algumas

poucas mulheres da classe social mais elevada, que buscavam reconhecimento ante um

vasto público leitor e perante a crítica literária. (BLUME FRIESEN,2000, p.718) esse é

o cenário herdado por Edith Stein.

Ela se apresenta como mulher que deixou uma herança intelectual, não apenas na

história da filosofia contemporânea, mas também na história do pensamento feminino.

Em sua filosofia, são delineados “os traços de uma filosofia no feminino” (BELO,2005,

p.199), que começava a se fazer presente nos meios intelectuais alemães.

Podemos perceber a presença desses ‘traços de uma filosofia feminina’, no

período de 1913 em que se inscreve na Faculdade de Filosofia de Gottingen , para ter

aulas com Edmund Husserl, fazendo parte de um grupo denominado Sociedade

Filosófica, que sobre a orientação de Edmund Husserl, estavam homens como Adolf

Reinhard, Hans Theodor Conrad, Mortiz Geiger, Alexandre Koyré, Roman Ingarden, e

Johannes Hering mais também intelectuais mulheres como Grete Ortmann, Érika Gothe,

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Rose Guttmann, Betty Heymann, Dietricht von Hildebrand (MORAN,2011,p.59), e

Hedwig Conrad-Martius com quem vai desenvolver uma forte amizade e inspiração de

intelectual é que será sua madrinha de batismo, quando se converte ao cristianismo. Alles

Belo descreve Hedwig Conrand-Martius:

Hedwig Conrad-Martius nasceu em Berlim, morreu em Mônaco em 1966. Foi

uma das primeiras mulheres que completou os estudos universitários. Formou-

se em história e literatura na universidade de Rostock. De 1909 a 1912,

frequentou os cursos de filosofia, psicologia e história da arte em Mônaco e

em Gottingen; segue as aulas de fenomenologia com Edmund Husserl. Em

1912, preside a Sociedade Filosófica em Gottingen, e se forma em filosofia

sob a orientação de A. Pfänder. Casou-se com seu colega Hanns Theodor

Conrad. Em 1919, por causa das dificuldades de permanência das mulheres na

universidade, transfere-se para Bergzabern onde se dedica às suas pesquisas e

à preparação das suas conferências. Publica suas obras maiores na área da

filosofia da natureza e nas ciências, mantendo sempre presente a prospectiva

teológica. Seu grande mérito é ter encontrado uma articulação e não uma

separação entre as diferentes ciências. Examina os princípios da fé à luz da

fenomenologia (ALES BELLO; BREZZI, 2001, p. 28).

As duas intelectuais Hedwig Conrad-Martius apresentam trajetórias acadêmicas

semelhantes ambas as mulheres fazem a sua primeira formação em ciências do espirito

ambas escolheram os cursos de psicologia e história, uma faculdade que lhe fosse útil

também para o ensinamento. Ambas seguem a fenomenologia de Edmund Husserl e

tentam conciliar a ciências naturais das ciências do espirito. No caso de Edith Stein na

escolha de sua profissão, os familiares esperavam que escolhesse medicina ou direito, um

ramo que lhe oferecesse oportunidades econômicas, mas como naquele tempo as

mulheres não eram admitidas, nenhum familiar contrariou a escolha profissional:

Minha mãe abençoou com sua mão protetora. Ocasionalmente dizia ter

preferido se tivesse escolhido leis (direito). Mas se podia replicar que as

mulheres não eram ainda admitidas para o exame de direito. Para um trabalho

social nenhuma das duas pensavam. Por outro lado, a preocupação de minha

mãe era apenas uma discreta sugestão. Entendia me deixar livre: ‘Ninguém,

nunca te disse o que deves fazer, e não existe ninguém que possa fazê-lo. Faça

aquilo que achar justo’. Assim podia caminhar por minha estrada sem

preocupação. (STEIN, 1992, p.158).

Apesar de um ponto de aproximação entre as duas intelectuais ser o campo

profissional ligado a educação em especial as ciências do espírito, já que outras profissões

eram limitadas a participação das mulheres como o direito, mesmo nesse campo de

atuação a educação é a filosofia era incomum a participação feminina como Ângela Alles

Belo aponta eram ‘É, esse, um fenômeno singular, de fato, se observarmos outros círculos

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filosóficos daqueles anos nos damos conta da quase total falta de figuras femininas’.

(ALES BELLO,2005, p. 199)

Assim apontamos a importância social é política que a reflexão de Edith Stein

sobre a questão feminina e o compromisso da mulher na sociedade remonta à experiência

vivida nos anos da universidade, este sentimento de responsabilidade social e de gratidão

com o Estado que impulsionará a jovem universitária a visitar as crianças internas no

instituto situado em Warteberg, próximo a Obernigk. Sua abertura com relação aos

problemas pedagógicos da atualidade a estimulava a buscar informações acerca das

instituições sociais e centros de formação para cegos, surdos e deficientes mentais.

De fato, Edith Stein, entre os anos 1922-1933, defenderá energicamente, em suas

conferências, a inserção e a ativa participação da mulher na vida do Estado. Como

universitária em Breslau, participa de vários movimentos e associações, empenhando-se

socialmente e, vive, não obstante o indiferentismo religioso, uma grande experiência

inter-religiosa. Já nas primeiras semanas na universidade de Breslau, conhece Kaethe

Schol, colega de estudos, proveniente de uma família protestante, membro do movimento

de mulheres, com a qual estreita uma forte relação de amizade.

Kaethe Schol participava de diversos círculos que iniciavam as damas da

sociedade para as questões filosóficas e históricas. A ‘diversidade de origem e

de confissão não incomodava nossa amizade’, pois também para Kaethe Schol,

não me parecia que a Escritura significasse algo de sagrado. (STEIN,1992,

p.172).

Os laços disciplinares da história e da filosofia aproximam Edith Stein, tanto das

intelectuais Kaethe Schol é do círculo das damas de alta sociedade de Breslau como

posteriormente em Gottingen a aproxima com Hedwig Conrad-Martius, assim o campo

disciplinar da história não é apenas um campo de atuação reflexiva mais também de

atuação política e social, que aproximavam esse grupo de intelectuais.

Durante o período em que estudou na universidade de Breslau fez parte do grupo

de mulheres de Kaethe Schol, que se encontrava todas as semanas, por duas horas, durante

a noite. Onde haviam conferências e debates cujo tema central era os assuntos

pedagógicos, eram convidados para ministrar as palestras eram os reitores e professores

das diversas disciplinas que compunham a universidade de Breslau. Quando não havia

palestrantes, o grupo escolhia alguns livros com os clássicos da literatura é ou de filosofia.

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Para além da discussão e produção intelectual havia no grupo uma atuação social

através da visita a escolas auxiliares, institutos de cegos, surdos-mudos, colégios para

órfãos e abandonados e asilos de portadores de necessidades especiais e doentes mentais.

Além desde grupo pedagógico Edith Stein também participou da associação acadêmica

de estudantes afiliada pela sociedade Humboldt para a instrução popular, onde os

membros se colocavam à disposição para ministrar cursos e aulas para os trabalhadores

pobres, cursos diferentes daqueles ofertados, nas universidades populares. (STEIN,1992,

p.183).

2. A conferencista Edith Stein a Mulher na esfera da literatura

Em fevereiro de 1916, quando estava preparando sua tese de doutoramento, entrou

no magistério. O motivo era de ordem financeira, mas ela mesma conta que pesava ainda

mais a alegria e o interesse de ensinar. A essa altura, já estava habituada a assumir uma

posição docente diante de crianças e jovens.

Depois de vários estágios no liceu feminino em Breslau, ela deu durante uma

década as aulas de alemão no instituto das dominicanas em Speyer, tanto no seminário

para professoras quanto no liceu para moças. Posteriormente assumiu um cargo de

professora no Instituto Alemão de Ciências Pedagógicas em Münster; depois de um ano

e meio de atividade docente, ela teve que renunciar a esse cargo em consequência das

mudanças políticas ocorridas em 1933. Sua especialidade tinha sido o estudo da educação

feminina.

Cristina Ruiz Alberdi Fernández aponta que a sociedade alemã da década de 1920,

estavam testemunhando uma evolução social em que a questão feminina era debatida pela

maioria dos círculos intelectuais. Nessa época, Edith Stein era professora na escola

Dominicana de Spira, quando um aluno lhe perguntou por que havia tana conversa sobre

a atuação das mulheres, sobre a sua essência, e em quais espaços ela deveria atuar, levou

a Stein conversar com suas alunas das disciplinas de literatura e história, pois como

observa a discussão sobre o papel da mulher, despertava opiniões contraditórias que

deveriam ser discutidas:

Vemos mulheres na poesia hoje e nas últimas décadas como se ela fosse o

diabo do abismo. Em ambos os lados, temos uma grande responsabilidade.

Nosso senso e nossa vida são apresentados a nós como um problema.

(STEIN,1999, p.83).

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Assim como educadora Edith Stein, compreende que é seu papel elucidar para as

suas alunas sobre o papel da mulher é investigar como estavam sendo representadas pela

sociedade, para a autora tentar alcançar a parte mais íntima do que ser mulher. Investigar

a alma feminina não é uma tarefa fácil. Sendo que a psicologia não conseguiu responder

às perguntas que foram levantadas. Porque era uma ciência incompleta pois procurava

estabelecer tipos universais de mulheres, não valorizando as singularidades assim como

a teologia e a filosofia que também não resolveriam o problema porque falavam da alma

em geral, a do ser humano por isso também de maneira universal.

Mesmo abstraindo das Individualidades, existe um tipo de mulher? O que

ainda existe em comum no tipo de mulher que encontramos em O Sino, de

Schiller, ou em Vida e Amor de Mulher, de Chamisso ou nas mulheres

retratadas por Zola, Strindberg, Wedekind? Toda a diversidade presente na

vida concreta pode ser subordinada a um denominador comum e esse

denominador comum, por sua vez. Pode ser diferenciado da alma masculina?

Aqui não é o lugar de provar filosoficamente que existe no âmbito do ser algo

que poderíamos chamar de espécie de alma feminina e que há uma função

especial de conhecimento que permite reconhecê-la. (STEIN,1999, p.107).

O caminho proposto por Edith Stein, para compreender a alma feminina é através

da literatura, pois não optem por uma prova filosófica que demonstra que existe um tipo

ideal de mulher. Portanto percebendo essa dificuldade em estabelecer um tipo mulher, ela

decide pesquisar na literatura, pois e no fazer literário que os ‘tipos’ femininos são

observados e idealizados.

Nesta tarefa de procurar por "tipos" femininos, ela escolhe três autores. Mas eles

não os escolhem aleatoriamente, mas de uma maneira muito significativa, uma vez que

os autores escolhidos são feministas ou de seu ambiente cultural. Esses escritores são:

Sigrid Undset (1882-1949), Henrik Ibsen (1828-1906) e Johann Wolfang Von Goethe

(1749-1932). Todos os três são relativamente contemporâneos a Stein.

Sigrid Undset a única mulher do grupo é norueguesa assim como o dramaturgo

Henrik Ibsen, como aponta Cristina Ruiz Alberdi Fernández os países nórdicos foram os

primeiros países em que o movimento feminista alcançou mais conquistas.

(FERNÁNDEZ,2010, p.217). Johann Wolfang Von Goethe é alemão como Edith Stein.

Cada um desses escritores oferece a ele uma personagem feminina para refletir: Undset,

Ingunn; Ibsen, Nora e Goethe, Ifigênia. Com eles Edith Stein elabora três tipos femininos.

3. Os Tipos de feminino em Undset, Ibsen e Goethe

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Edith Stein escolhe do romance Olav Audunssön de Sigrid Undset a personagem

Ingunn que cresce em um sítio nórdico, durante a Idade Média, sem receber muitos

cuidados nem educação sofisticada. É educada para se tornar noiva de seu irmão de

criação, Olav, em cuja companhia e de outras crianças vagueia pelas redondezas, sem

disciplina de seus desejos e vontades.

O desejo afetivo e desperto aos 15 anos, e a ele cedem Ingunn e Olav , a vida deles se

resume a ceder ao insaciável desejo de amar , porem a família se opõem ao casamento e

separa o casal , embora ambos se considerassem unidos pelos vínculos do matrimônio.

Devido a proibição familiar, Ingunn vai encontrar compensação em seus sonhos por sua

felicidade perdida; causando crises nervosas e paralisia com o tempo se torna vítima de

outro sedutor. Ingunn através de uma intervenção divina, reconhece sua queda, reage e

põe fim à relação pecaminosa. Quando reencontra com Olav, faz uma confissão ao marido

que a assume como esposa e cria o filho e o torna herdeiro. Porém Ingunn, vive abatida

pela consciência de sua falta. O destino também não admite que ela seja feliz; e todos os

seus outros filhos nascem mortos. Durante anos, Ingunn e Olav aceitam o quadro trágico

em silêncio. Só perto do fim da vida de Ingunn, Olav começa a suspeitar que na alma de

sua mulher devia ter germinado algo mais do que uma afeição surda e irracional; deve ter

havido a compreensão de um mundo superior. Depois de falecida Olav continua no

romance a cuidar do filho de Ingunn.

Edith Stein compreende este romance como uma confissão de Sigrid Undset, que

busca representar o sentimento de culpa que uma mulher poderia ter. O personagem

Ingunn para Stein, simboliza a mulher que e instintiva, pois cresceu sem orientação

familiar como um animal selvagem, por isso não conseguia controlar os seus desejos.

Olav só observa a esposa Ingunn, no final da vida e nessa observação que percebe que a

mulher que ele amava tanto e que às vezes era caprichosa e frágil, brilhava uma luz divina

que ele devia ter trazido à tona.

Ingunn, portanto, poderia ser compreendida como a representação do tipo de

instintiva cuja vida sempre foi organizada pelas pessoas ao seu redor, sendo primeiro a

família, depois o sedutor e por último o marido Olav.

No caso de Sigrid Undset, ninguém pensará que o motivo tenha sido l'art pow·

l'art. Sua literatura é confissão sem concessões. Tem-se até a Impressão de que

ela sente uma verdadeira compulsão de expressar o que a realidade brutal lhe

impõe. E eu acho que todo aquele que observa a vida com sinceridade e

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objetividade não pode negar que ela trabalha com tipos reais, mesmo que

tenham sido escolhidos com uma certa unilateralidade. Parece que essa

unilateralidade exprime uma determinada tendência: ela destaca o elemento

animalesco e instintivo em oposição a um idealismo mentiroso e um

intelectualismo exagerado que gostaria de elevar-se acima da realidade terrena.

(STEIN, 1999, p.111)

A segunda personagem que representaria um tipo de mulher que é elegida por Edith

Stein é Nora da peça teatral A casa de Bonecas de Henrik Ibsen, a escolha da personagem

serve como representação do oposto da selvagem Ingunn. Nora é criada em um ambiente

urbano e moderno, possui educação sistemática, mas é mimada pelo seu pai que a trata

como boneca, e será a boneca preferida de seu esposo, e tratara seus filhos como seus

bonecos.

O pai de Nora tem problemas burocráticos e o governo encarrega a Helmer que é

advogado, investigar o caso. Nora e Helmer se conhecem por causa dessa investigação e

se casam e tem três filhos. A situação econômica não é boa, mesmo assim Nora, espera o

extraordinário para a sua família.

Para Nora, a sua família em especial o seu marido e o centre de sua vida. Ele toma as

decisões, ela o obedece e, se algo lhe interessa muito, mesmo que Helmer não aprove, ela

o faz e depois se arrepende da decisão, e busca a orientação de sua amiga a Sra. Linde

que representa a mulher que vive na realidade, a quem Nora confidencia que teve que

solicitar um empréstimo ao banco, para pagar o tratamento de saúde do marido, mas este

teve que ser garantido pelo pai; Desde que acabara de morrer, ela forjou sua assinatura,

porém não havia contado a ele:

Sra. Linde- E então? Você nunca confiou em seu marido? -Nora- Deus não

permita! Como você teve essa ideia? Ele, tão severo por essas coisas! De resto,

Torvaldo (Helmer), com sua auto-estima como homem, acharia muito doloroso

e humilhante saber que ele me devia algo. Nossos relacionamentos teriam sido

estragados e a felicidade de nossa casa teria sido abandonada para sempre.

(IBSEN, 1999, p.27)

Nora é chantageada por Rank Krogstad que havia emprestado o dinheiro a ela, e exige

que fuja com ele mais é negado pois Nora e fiel ao marido Helmer. Com a negativa

Krogstad se vinga escrevendo uma carta para Helmer, relatando que ele quem concedeu

o empréstimo a Nora e sabe que a assinatura e falsa. Helmer recebe a carta e descobre a

verdade, porem sua reação é contra Nora, onde depois de disser que a despreza ficaria ao

seu lado apenas para manter as aparências sociais.

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A partir da fala de Helmer que a condena por ter falsificado a assinatura, é diz que

apenas ficara ao seu lado para manter as aparências, Nora percebeu que o primeiro dever

é consigo mesmo. A despedida questiona se realmente existe um casamento real. Quando

Nora sai, Helmer a lembra do que costumava dizer, que um milagre pode acontecer. A

que Nora, com certo ceticismo, responde:

Helmer-Oh, é odioso!" Trair os deveres mais sagrados! -Nora- Como você

chama seus deveres mais sagrados. Helmer-Terei de lhe contar? Seus deveres

para com seu marido e filhos? - Nora-eu tenho outros deveres não menos

sagrados. (IBSEN, 1999, p.27)

Edith Stein ao analisar a personagem Nora, da peça de Henril Ibsen, queria estar

totalmente do lado das mulheres, endossando a causa feminista. Nora não aprendeu a

tomar decisões. A casa de Bonecas descreve a atmosfera típica de uma família de classe

média condicionada por preconceitos sociais. Ingunn e Nora estão cercados pelas

mentiras das pessoas ao seu redor. Nora tenta procurar a verdade, é por isso que ela quer

se encontrar. Ele percebeu seu grande vazio interior

Na desilusão, reconhece Nora a si própria e o marido descobrindo que o vazio

de sua convivência não merecia ser chamado de casamento. Afastado o risco

de um escândalo social, ele se dispõe a perdoar tudo e a restabelecer as coisas

em seu estado anterior. Mas agora ela já não pode voltar atrás, pois sabe que

precisa tornar-se outra pessoa antes de tentar outra vez ser esposa e mãe.

Também Robert Helmer precisaria trasnformar-se em ser humano, deixando

de ser apenas uma figura social, para que sua convivência pudesse transformar-

se em casamento. (STEIN, 1999, p.109).

A última obra literária analisada por Edith Stein é Ifigênia de Tauris, de Goethe, a

peça apresenta o enredo da filha de Agamenon e Clitemnestra, irmã de Electra e de

Orestes. Pertence a linhagem maldita dos tantálidas. Que foram condenados pela soberba

por Zeus a morrer de forma trágica. Agamenon e assassinado pela esposa a rainha

Clitemnestra. Orestes vinga a morte de seu pai matando a mãe e sento condenado pelas

Erínias, A irmã Ifigênia e salvada pela deusa Diana, quando seu pai decide oferece-la em

sacrifico aos deuses. Ela é transferida para o país dos citas, governado pelo rei Thoas. Lá,

ela vive no templo e se torna a sacerdotisa da deusa Diana. Ele cresce fazendo o bem a

todos, mas sua grande ilusão é retornar à sua terra grega, com a sua. Suas orações são

especialmente direcionadas ao irmão Orestes. O rei Thoas, vendo a bondade de Ifigênia,

sente-se atraído por ela e quer fazer dela sua esposa. Ifigênia com grande doçura diz que

não. Diante de tal desprezo, o rei se defende humilhando a mulher.

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Rei Thoas- Embora eu devesse esperar. Ele não sabia, talvez, que estava

lidando com uma mulher? -Ifigênia- Não deprecie nosso pobre sexo, ó rei!

Armas não são como suas mulheres refulgentes; mas nem ignóbil. Acredite

que estou à sua frente em algo; em que sua felicidade é melhor do que você

imagina. Sem te conhecer ou me conhecer, você se dá a ilusão de que uma

união entre os dois mais próximos de ambos o faria feliz. Encorajados pela

melhor intenção e pela melhor vontade, você me incentiva a concordar; mas

agradeço aos deuses por me emprestarem a integridade necessária para recusar

uma união que eles não aprovam (GOETHE, 1869, p.1735).

Diferente dos tipos de representação de mulheres, analisadas por Edith Stein, isso é,

Ingunn e Nora a sacerdotisa Ifigênia, toma uma decisão ao responder ao rei Thoas em

defesa das mulheres. Ifigênia está convencida de continuar no treinamento do templo e

mantém a ilusão de que um dia ela poderá retornar à sua terra natal. Seu irmão Orestes e

sua amiga Pilades decidem resgatá-la do país cita. Eles chegam na praia e são pegos pelos

guardas do rei. Era costume naquele país que estrangeiros fossem sacrificados aos deuses.

Quando Ifigênia descobre que há dois homens sob sentença de morte, ela intercede

pelo rei. No começo, ela não os reconhece, mas Pilades fala com ela e diz quem são e o

que queriam quando a procuravam. O caráter de Orestes representa o homem que sofre

com o remorso do crime. Ele precisa ser libertado pelo perdão dos deuses. Pilades

conversa com Ifigênia para explicar que seu irmão precisa se libertar da angústia de seu

passado. Ifigênia, Pilades e Orestes estão convencidos de que o rei os matará quando

descobrir que eles foram procurar Ifigênia para levá-la com a deles, portanto planejam

escapar. Mas para isso é necessário roubar a imagem da deusa Diana, pois foi ela quem

libertou Ifigênia da morte. Ifigênia precisa tomar uma decisão que envolva a luta entre

verdade e mentira. É o grande teste que você precisa passar. Diga a verdade ao rei, apesar

do risco de morrer ou escapar. Ifigênia decide falar com o rei e dizer a verdade. A primeira

reação do rei é muito violenta, ele quer lutar contra Orestes; No entanto, a sinceridade de

coração que ele observa em Ifigênia o desarma de tal maneira que ele lhes permite retornar

à sua terra natal:

Ifigênia-Não! Essa prova sangrenta não é necessária, ó rei! Tire sua mão do

aço! Pense em mim e no meu destino. A breve luta imortaliza o homem; em

um instante ele cai e os poetas o elogiam em suas canções. Mas a prosperidade

silenciosamente passa as lágrimas, as infinitas lágrimas das mulheres que

sobreviveram abandonadas e o bardo de milhares de noites e dias não dizem

nada que, a planície consome uma alma mansa, dissolvendo-se em vão

invocações ao amigo prematuramente perdido, em meio a dores abrasadoras.

(GOETHE, 1869, p.1735)

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Assim ao analisar a personagem Ifigênia Edith Stein, a descreve como um modelo

de representação da mulher que a descreve como capaz de tomar as suas decisões é que

foi possível de tomar essa atitude porque foi educada no templo de Diana. Sendo assim

pode realizar seu maior desejo que é de retornar aos seus familiares. Ela não quer ter laços

que o impeçam de fazer essa viagem, então ele rejeita a proposta de casamento do rei

Thoas. Você tem que passar nesse teste difícil. Seu medo é que, se ela escapar com seus

irmãos, essa ação a levará a perder sua liberdade, porque ela será vítima de remorso por

ingratidão em relação ao rei e a si mesma. Ela age assim porque acredita na bondade do

rei Thoas e que ela pode dialogar com ele. No final, ele alcança a vitória do bem sobre o

mal.

A trama clássica de Goethe, a grandeza singela e a ingenuidade sublime da

mais nobre de suas figuras femininas talvez pareçam ao homem moderno sinais

da maior irrealidade. E certamente estamos diante de uma idealização, mas

nem por isso trata-se de uma construção da fantasia, é uma imagem ideal

baseada, experimentada e sentida na vida. O grande plasmador deu forma

plástica àquilo que se lhe apresentou como humanidade pura e, ao mesmo

tempo, como é eterno feminino, destituído de qualquer intenção tendenciosa.

É por isso que nos sentimos comovidos de uma maneira que só o totalmente

genuíno e eternamente verdadeiro podem provocar. (STEIN, 1999, p.111).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise das três representações de ‘tipos’ de mulher presentes nas obras literárias

Edith Stein vê como traço comum entre as mulheres o desejo de dar e receber amor, isso

é, de viverem em comunidades e bem como a aspiração a serem tiradas de um meio social

que retirava delas a autonomia e consequentemente assumirem o controle da sua própria

vida. Tornar-se aquilo que se deve ser e deixar amadurecer pelo amor a humanidade

latente na forma individual especial que foi posta em cada mulher: eis o traço

característico da alma feminina, para Edith Stein. (STEIN,1999, p.113).

Assim na busca pela compreensão da especificidade feminina, Edith Stein procura

distingui-la da especificidade do masculino, demonstrando no ambiente cultural do teatro

e da literatura como estes descreve a singularidade dos diversos tipos de ‘mulher’ como

Undset, Nora e Ifigênia, mas ao mesmo tempo revela uma característica universal que é

a capacidade de transmitir amor.

Essa analise fenomenológica de Edith Stein, permite que defenda que o

amadurecimento no amor é a aspiração mais profunda do desejo tipicamente feminino,

ao passo que a aspiração tipicamente masculina parece dirigir-se mais aos efeitos

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externos, à ação e ao desempenho objetivo do que ao ser pessoal tanto do próprio homem

como dos outros.

É claro que não se pode separar completamente as duas dimensões. Em sua estrutura

básica, a alma é de mesmo tipo para todo o gênero humano, mas a alma e o corpo

individuais produzem uma unidade sólida: sobre a base da sensorialidade, que é tanto

corpórea como psíquica, a singularidade de cada ente humano repousa também sobre uma

dimensão espiritual, a capacidade de autoconsciência, autorreflexão e abertura à

alteridade. É essa unidade radicalmente trina (psicofísico-espiritual) que permite a cada

um entrar no mundo objetivo dos valores e interferir no mundo pela vontade e de modo

criativo.

Assim os traços biográficos de Edith Stein como acadêmica que procurou refletir

sobre a importância das ciências humanas e do âmbito cultural, bem como o seu

posicionamento político em defesa da mulher, e sua inserção no mundo do trabalho e no

meio social, possibilitam que compreendamos que o corpo humano não é matéria

animada por uma alma; é um corpo de uma alma, um corpo típico de ser humano, dotado

da possibilidade de ver-se a si mesmo e ver a alteridade.

Assim, ao falar de ‘alma feminina’ e ‘tipos de representação da mulher’, Edith Stein

não pensa ao modo de um dualismo substancial de uma ‘alma de mulher’ inserida em

uma porção de matéria, nem ao modo de um dualismo de uma ‘alma de homem’ inserida

em outra porção de matéria. Ela pensa em modos de existir, em modos de ser totalmente

individuais, embora a individualidade seja uma forma de realizar o que há de comum na

espécie humana. A individualidade, numa palavra, contrai o universal da espécie em

unidades tipicamente femininas e tipicamente masculinas.

Se torna fundamental para Edith Stein, que as mulheres se percebam como indivíduos

e que possam manifestar as suas individualidades nos diversos modos de existir, sendo

uma forma de descrição dessas vivências a escrita literária e o teatro. Apresentando os

campos de análise cultural como uma forma da mulher manifestar a suas características

individuais e universais.

REFERÊNCIAS

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