HOSPÍCIO É DEUS

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HOSPÍCIO É DEUS: DIÁRIO I: A mulher desafiando os silêncios da história Orientanda: Rosângela Lopes da Silva Orientadora: Olívia Aparecida Silva

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HOSPÍCIO É DEUS: DIÁRIO I:A mulher desafiando os silêncios da história

Orientanda: Rosângela Lopes da Silva

Orientadora: Olívia Aparecida Silva

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Primeiras palavras

• A presente pesquisa tem por finalidade discutir a condição feminina diante de uma sociedade que ainda mantém rígidos valores patriarcais, usando-se para tanto a escrita de Maura Lopes Cançado em seu livro Hospício é Deus: Diário I.

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• Dentre as temáticas abordadas nesta obra, focalizamos a condição feminina. A escolha justifica-se na intenção de evidenciar na escrita confessional a situação da mulher moderna frente ao discurso patriarcal que durante séculos busca mantê-la submissa e, parte de inquietações relacionadas à ausência de mulheres escritoras no estudo de Literatura, especificamente Literatura Brasileira.

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• As mulheres não eram tão criativas quanto os homens e por isso não tiveram sua arte reconhecida?

• Por que elas só começaram a escrever a partir do século XX?

• Por que o número de escritoras femininas é tão reduzido?

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• Além disso, o contexto presente na obra em estudo possibilita a reflexão sobre os silêncios aos quais as mulheres foram submetidas. Silêncios estes, que as restringiu ao espaço doméstico e privado. Leva ainda a um âmbito muito mais amplo, no qual se observa que a conquista do espaço público pelas mulheres não significou o fim de suas lutas por direitos iguais aos desfrutados pelos homens.

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• Assim, serão observados os aspectos mencionados, apresentando uma análise crítica do texto. Para tanto, recorremos a fragmentos da obra citada e de textos críticos. Por ser esta uma pesquisa bibliográfica, foi realizada um levantamento de referenciais teóricos que subsidiem reflexões sobre a escrita de autoria feminina e o papel da mulher em uma sociedade de concepções patriarcais.

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OS SILÊNCIOS DA HISTÓRIA.

• Atualmente é frequente ouvirmos dizer que as mulheres conversam demais e que os homens permanecem mudos quando elas se fazem presentes: mudos porque elas não os deixam falar, “são tagarelas”. Esse discurso, que muitas vezes provoca o riso, esconde no não dito o quanto à voz feminina incomodou e continua a incomodar a ideologia patriarcal, esta que por meios autoritários buscou manter a superioridade masculina e excluiu as mulheres do espaço público. A elas foi reservado o espaço doméstico e o silêncio perante a voz masculina.

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• Segundo PERROT (2005, p.9) a irrupção da voz feminina em locais públicos é uma inovação do século XIX. Uma invasão que muda o “horizonte sonoro” e substitui as “muitas zonas mudas” que caracterizavam a submissão feminina. Ela atribui esses silêncios a partilha desigual dos traços, da memória e da História, pois esta havia esquecido as mulheres “como se, por serem destinadas à obscuridade da reprodução, inenarrável, elas estivessem fora do tempo, ou ao menos fora do acontecimento”.

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• A falta de registros históricos sobre as mulheres causa a falsa sensação de que elas não foram “capazes” de criar, inventar ou se destacar tanto quanto os homens. Isso se deve ao fato de que o discurso predominante inferia a elas certa inferioridade. Para tanto, ele baseava-se nas várias teorias médicas, científicas, religiosas e históricas que atribuíam funções submissas às mulheres.

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• De acordo a Alves & Pitanguy (2003, p.11) desde o início da Civilização as mulheres têm sido desvalorizadas frente ao poder masculino e suas funções eram geralmente associadas aos escravos. “Em Atenas ser livre era, primeiramente, ser homem e não mulher, ser ateniense e não estrangeiro, ser livre e não escravo”.

• Platão apud Alves & Pitanguy, afirma que “Se a natureza não tivesse criado as mulheres e os escravos, teria dado ao tear a propriedade de fiar sozinho”

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• Ao longo dos séculos, pensamentos como estes foram difundidos pela sociedade. A figura feminina foi associada à reprodução da espécie humana e a tudo aquilo que era diretamente ligado à subsistência masculina

• Se as Ciências e a Religião seguiram a lei do ritmo na História da humanidade, onde ora predominava a fé, ora a razão, ao se referirem as mulheres esses discursos parecem completar um ao outro, como se este justificasse aquele.

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• A leitura do discurso religioso feita pela sociedade afirmava que a lei deixada por Deus “aos homens” determinava a submissão feminina.

• A ciência, por sua vez, vem a encontro do discurso religioso ao tentar provar a inferioridade da mulher diante dos homens.

A Religião e a Ciência

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• Ambroise Pare apud Alves & Pitanguy (2003 p.21-22), afirma que a inferioridade feminina pode ser vista no organismo da mesma. Segundo ele “o que o homem tem externamente a mulher tem internamente, tanto por sua natureza quanto por sua imbecilidade, que não pode expelir e pôr para fora essas partes

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A escrita de autoria feminina e os silêncios da história

• A existência de discursos como esses, evidencia a razão do reduzido número de escritas femininas até o século XX. Virginia Woolf em Um teto todo seu, reflete a respeito das dificuldades que uma mulher nascida no século XVI teria enfrentado caso tivesse grande talento. Diante da declaração feita por um bispo de que seria “impossível a qualquer mulher, do passado, presente, ou porvir, ter a genialidade de Shakespeare”, Woolf usa-se de sua imaginação para criar, para Shakespeare, uma irmã maravilhosamente dotada.

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Qualquer mulher nascida com grande talento no século XVI teria certamente enlouquecido,

ter-se-ia matado com um tiro, ou terminaria seus dias em algum chalé isolado fora da

cidade meio bruxa, meio feiticeira, temida e ridicularizada. Pois não é preciso muito conhecimento de psicologia para se ter

certeza de que uma jovem altamente dotada que tentasse usar sua veia poética teria sido

tão contrariada e impedida pelas outras pessoas, tão torturada e dilacerada pelos

próprios instintos conflitantes, que teria decerto perdido a saúde física e mental.

(WOOLF, 1928, p. 62)

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• São vários os exemplos de mulheres que tentaram, ao longo da história literária, ter as suas obras reconhecidas e assim conquistar o espaço estritamente reservado ao homem.

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• O silêncio ao qual a produção de autoria feminina foi submetida possibilitou o refúgio a uma escrita intima que durante longo tempo foi vista com certa discriminação.

• A partir do final do século XX a literatura volta seu olhar para escritas de memórias, diários e autobiografias na busca de preservar recordações e fatos históricos

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• E aqui cabe a pergunta: Por que privilegiar a literatura escrita por mulheres para auscultar esse caos? (...) Se nesse naufrágio de valores as coisas mudaram de maneira irreversível para o homem, em relação à mulher, tais mudanças (...) alteraram não só o seu lugar na sociedade, mas principalmente sua consciência do próprio eu, em relação à imagem-de-mulher da tradição e em face do mundo em transformação (COELHO, 2002, p. 17).

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• os silêncios da história, mantido durante séculos por um discurso simbólico, parece se desfazer a partir da crescente conquista do espaço público pela figura feminina. Uma inovação do século XIX que tem se concretizado mediante a coragem de mulheres que desafiaram a ordem estabelecida e fizeram ouvir as suas vozes além das paredes da casa

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HOSPÍCIO É DEUS: DIÁRIO I - A MULHER DESAFIANDO OS SILÊNCIOS DA

HISTÓRIA.

• Dentre os textos de caráter memorialista, confessional e autobiográfico do século XX, encontra-se Hospício é Deus: Diário I, no qual a escritora Maura Lopes Cançado assume a voz do seu próprio eu e passa a narrar memórias de sua infância e dos momentos ao lado de sua família.

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• Embora não seja objeto dessa pesquisa, torna-se necessário estabelecer um breve comentário a respeito do gênero literário que estrutura a narrativa de Maura Lopes Cançado.

• A escrita autobiográfica

• A escrita em forma de diário

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• A escrita em forma de diário, segundo Lejeune, configura-se como um ato de liberdade de expor emoções particulares que fazem parte do seu cotidiano, misturadas às lembranças do passado que se entrelaçam às imagens do presente. Ao se tornar narradora de sua própia história e colocar na vitrine os seus medos e desejos ocultos, Maura não se torna apenas a narradora de sua própria história como, também, passa a representar as inúmeras mulheres que foram impedidas de apresentar a sua arte e que, desde antiguidade, via a personagem feminina a partir da ótica masculina.

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• Se antes a sociedade impusera a imagem cultural que havia sobre Deus para silenciar a voz feminina e consequentemente mantê-las submissas: “Vós, mulheres, submetei-vos a vossos maridos, como ao Senhor” (Efésios 5:22), Maura se mostra insatisfeita diante desses dogmas. A restrição oferecida pela moral social aparece em meio à narração íntima como barreira a existência humana que limita a sensibilidade e acarreta uma insatisfação inexplicável. A sociedade seria a principal culpada pela loucura humana e Deus, assim como lhe foi apresentado, assume a figura do “demônio” de sua infância.

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Mais ou menos nessa época mim impuseram Deus, um ser poderoso, vingativo, de quem nada se podia ocultar (...) minhas esperanças e temores brotavam da terra – o céu passava sobre mim em forma de medo.(...)Minhas relações com Deus foram as piores possíveis – eu não me confessava odiá-lo por medo de sua cólera. Mas a verdade é que fugia-lhe como julgava possível – e jamais o amei. Deus foi o demônio da minha infância.

( CANÇADO, 1979, p. 20- 21)

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• O seu cotidiano, enquanto menina abre espaço a sentimentos que desde tempos remotos aprisionaram e ocasionaram o silenciamento das mulheres: a solidão, o sexo, o casamento, a imagem do pecado, o corpo e a reflexão. No entanto, a escritora aborda esses temas e mostra uma personagem feminina que expõe suas ideias e não se cala diante da moral social e da voz masculina. Ela desafia os valores e expõe a suas ideias ainda que elas venham de encontro aos dogmas defendidos pela sociedade da época. A mulher em Hospício é Deus fala em sexo, em desejos ocultos e em pecados sem restringir-se.