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http://www.mcdb.org.br/materias.php?subcategoriaId=23 Quando os europeus chegaram à América, por volta do século XV, encontraram uma surpreendente diversidade de povos e culturas. Apenas no Brasil estima-se terem encontrado ao redor de mil povos distintos e uma população em torno de cinco milhões de pessoas, que, segundo o lingüista Aryon Rodrigues (Rodrigues, 1994), falavam pouco mais de 1.200 línguas. Nestes 500 anos de colonização no Brasil, os povos indígenas foram quase dizimados física e culturalmente chegando a menos de 200 mil pessoas, ao redor da metade do século XX. Na atualidade é o seguimento populacional que mais cresce no país, (ABEP, 2005), com cerca de 700 mil indígenas, de 215 povos distintos, os quais representam cerca de 0,4% da população brasileira[1] e falam 180 línguas distintas. Mesmo assim, apesar de uma perda de aproximadamente 85% das línguas nativas, o Brasil segue, ainda, com a maior diversidade lingüística das Américas[2] . O maior desafio enfrentado pelos povos indígenas na atualidade, no Brasil, segue sendo a posse dos territórios tradicionais, base necessária para a sua sustentabilidade e autonomia e um dos fatores mais relevantes para explicar a persistência de elevados índices de pobreza e precárias condições de vida verificada entre muitos povos. O avanço sistemático da colonização sobre os territórios indígenas e seus recursos naturais é conseqüência da imposição histórica de um projeto de desenvolvimento monocultural, no âmbito dos Estados Nacionais. A situação dos povos indígenas hoje, não só no Brasil, mas em diversos países da América Latina, traz marcas profundas desse mesmo projeto de desenvolvimento que se caracterizou, também, pela sistemática e planejada busca de superação da sociodiversidade, percebida, inclusive, pelos Estados Nacionais que aqui se implantaram, como um estorvo. Permanece no senso comum a noção equivocada de que a presença dos povos indígenas, além de sinal de atraso (impede o avanço das fronteiras do progresso – agricultura, pecuária de exportação, entre outros), significa, ainda, o risco de futuras fragmentações políticas para o país. Durante quase 500 anos o Estado brasileiro defendeu a hipótese do desaparecimento dos povos indígenas, devido à drástica diminuição de sua população (cada novo grupo ao entrar em contato com os colonizadores sofriam, na sequência drástica depopulação) ou mediante a integração na sociedade ocidental. Esta dura realidade, na perspectiva dos povos indígenas que sobreviveram se traduziu em desintegração de seus territórios, modos de vida, organização social, economias, religiões e cosmovisões. Seus conhecimentos, tecnologias de manejo ambiental, medicina e agricultura, sob a ótica do agronegócio e de grande parte da classe política, ainda são considerados insignificantes, imprestáveis e sinal de atraso e de não civilização. Essa era, de certa forma, a visão subjacente à política indigenista do Brasil, durante todo este período, quando os povos indígenas foram, efetivamente, considerados como povos “passageiros” ou “transitórios” (Lima, 1995), cujo destino era “insumir-se” ou integrar-se através da superação de sua identificação étnica, caminhando em direção a um “índio genérico” ou um brasileiro sem identidade

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Quando os europeus chegaram à América, por volta do século XV, encontraram uma surpreendente diversidade de povos e culturas. Apenas no Brasil estima-se terem encontrado ao redor de mil povos distintos e uma população em torno de cinco milhões de pessoas, que, segundo o lingüista Aryon Rodrigues (Rodrigues, 1994), falavam pouco mais de 1.200 línguas.

Nestes 500 anos de colonização no Brasil, os povos indígenas foram quase dizimados física e culturalmente chegando a menos de 200 mil pessoas, ao redor da metade do século XX. Na atualidade é o seguimento populacional que mais cresce no país, (ABEP, 2005), com cerca de 700 mil indígenas, de 215 povos distintos, os quais representam cerca de 0,4% da população brasileira[1] e falam 180 línguas distintas. Mesmo assim, apesar de uma perda de aproximadamente 85% das línguas nativas, o Brasil segue, ainda, com a maior diversidade lingüística das Américas[2].

O maior desafio enfrentado pelos povos indígenas na atualidade, no Brasil, segue sendo a posse dos territórios tradicionais, base necessária para a sua sustentabilidade e autonomia e um dos fatores mais relevantes para explicar a persistência de elevados índices de pobreza e precárias condições de vida verificada entre muitos povos. O avanço sistemático da colonização sobre os territórios indígenas e seus recursos naturais é conseqüência da imposição histórica de um projeto de desenvolvimento monocultural, no âmbito dos Estados Nacionais.

A situação dos povos indígenas hoje, não só no Brasil, mas em diversos países da América Latina, traz marcas profundas desse mesmo projeto de desenvolvimento que se caracterizou, também, pela sistemática e planejada busca de superação da sociodiversidade, percebida, inclusive, pelos Estados Nacionais que aqui se implantaram, como um estorvo. Permanece no senso comum a noção equivocada de que a presença dos povos indígenas, além de sinal de atraso (impede o avanço das fronteiras do progresso – agricultura, pecuária de exportação, entre outros), significa, ainda, o risco de futuras fragmentações políticas para o país.

Durante quase 500 anos o Estado brasileiro defendeu a hipótese do desaparecimento dos povos indígenas, devido à drástica diminuição de sua população (cada novo grupo ao entrar em contato com os colonizadores sofriam, na sequência drástica depopulação) ou mediante a integração na sociedade ocidental. Esta dura realidade, na perspectiva dos povos indígenas que sobreviveram se traduziu em desintegração de seus territórios, modos de vida, organização social, economias, religiões e cosmovisões. Seus conhecimentos, tecnologias de manejo ambiental, medicina e agricultura, sob a ótica do agronegócio e de grande parte da classe política, ainda são considerados insignificantes, imprestáveis e sinal de atraso e de não civilização.

Essa era, de certa forma, a visão subjacente à política indigenista do Brasil, durante todo este período, quando os povos indígenas foram, efetivamente, considerados como povos “passageiros” ou “transitórios” (Lima, 1995), cujo destino era “insumir-se” ou integrar-se através da superação de sua identificação étnica, caminhando em direção a um “índio genérico” ou um brasileiro sem identidade específica (caboclo e bugre são alguns dos termos utilizados para designar grupos que resultaram desse processo de miscigenação).

 

FUNASA/IBGE - Senso de 2000POPULAÇÃO INDÍGENA716.605ETNIAS INDÍGENAS 283TERRAS INDÍGENAS 597ALDEIA INDÍGENAS 4.067LÍNGUAS INDÍGENAS 180

Os objetivos que nortearam a criação, em 1910, do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão subordinado ao Ministério da Agricultura, eram colocar as populações indígenas sob a égide do Estado, por meio do instituto da tutela[3], prometendo assegurar-lhes assistência e proteção, enquanto tal integração não se efetivasse. No entanto, o objetivo principal da política indigenista oficial, na primeira metade do século XX, era permitir a efetiva e segura expansão capitalista nas áreas ocupadas por populações indígenas.

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Dentro dessa lógica, uma das primeiras áreas demarcadas pelo então presidente do SPI, Marechal Cândido Rondon[4], foi para o povo Terena, no Mato Grosso do Sul: Cachoeirinha e Taunay-Ipegue. O SPI demarcou, ainda no mesmo período, entre os anos de 1915 a 1928, oito reservas de terra, destinadas aos Kaiowá e Guarani, no sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul, perfazendo um total de 18.124 há. A demarcação desses espaços e o decorrente aldeamento dos Kaiowá e Guarani desempenhou um papel fundamental no processo de liberação e disponibilização de terras para a colonização, criando os almejados espaços livres para a empresa privada (Lima, 1995). Com esse procedimento, o SPI conseguiu, ainda, progressivamente, desarticular as bases da economia indígena, mediante a restrição territorial ou confinamento[5], interferindo, dessa forma, profundamente na organização social de cada povo.

O Estado de Mato Grosso do Sul possui hoje uma população indígena estimada em 63 mil pessoas[6], na qual se destacam os Kaiowá e Guarani, os Terena, os Kadiwéu, os Guató e os Ofaié[7], sendo que os Kaiowá e Guarani e os Terena apresentam-se com o maior contingente populacional; os primeiros com cerca de 40 mil pessoas, os Terena, com 23 mil pessoas[8] e os Kadiwéu com uma população que gira ao redor de 1500 pessoas.

 

As etnias presentes no MS

1. ATIKUM2. GUARANI KAIOWÁ3. GUARANI ÑANDEVA4. GUATÓ5. KADIWÉU6. KINIQUINAU7. OFAIÉ8. TERENA

KAMBA (grupo não reconhecido oficialmente)

ETNIAS POPULAÇÃO KAIOWÁ/GUARANI 42.409

TERENA 23.234KADIWÉU 1.358

OFAIÉ 61GUATÓ 175

KINIKINAU 141ATIKUM 55KAMBA ?TOTAL 67.433

 A questão da terra é de vital importância para estes povos, tendo em vista que todos, sem exceção, constroem seu próprio sentido de pessoa e de mundo, a partir da relação com a terra. Em outras palavras, a relação com o território é condição para a reprodução física e cultural destes povos.

Neste sentido, pode-se afirmar que à exceção do povo Kadiwéu, que possui a maior área indígena fora da Amazônia legal (ao redor de 500 mil hectares), os demais povos do Estado de Mato Grosso do Sul estão ocupando reduzidíssimas parcelas do que antigo território em que habitavam antes do avanço das frentes de colonização, nos séculos XVIII, XIX e, sobretudo, no século XX.

O mapa abaixo[9] demonstra cabalmente, na comparação com os povos indígenas da região amazônica, a pequena quantidade de terra disponível para os indígenas deste Estado. Com a segunda maior população indígena do país, cerca de 15%, os povos indígenas do Mato Grosso do Sul ocupam apenas 0,6% das terras indígenas demarcadas no Brasil.

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É importante ressaltar a relação desenvolvida culturalmente por estes povos com a terra, é em muitos aspectos, completamente diferente daquele praticado pela civilização ocidental e capitalista, baseada na exploração e no esgotamento dos recursos visando o lucro. Os povos indígenas, de maneira geral, desenvolveram uma relação de maior equilíbrio e respeito ao meio ambiente, onde os produtos da terra (peixes, frutos, caça, etc.) são vitais para seu sustento, assim como a relação com a terra é repleta de elementos simbólicos, espirituais e sobrenaturais. A relação com a terra é base para as elaborações da cosmologia, dos mitos, rituais, assim como interpretações e significados que dão sentido à existência destes povos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABEP. Demografia dos Povos Indígenas no Brasil. RJ: Editora Fiocruz/Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2005.

AZANHA, Gilberto. As terras indígenas Terena no Mato Grosso do Sul. In: Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v.2, n.1, p.61-111, jul. 2005.

BRAND, Antonio. O confinamento e o seu impacto sobre os Pãi/Kaiowá. Dissertação de Mestrado em História/ Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1993.

________. O impacto da perda da terra sobre a tradição Kaiowá/Guarani: os difíceis caminhos da Palavra. Tese (Doutorado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.

LIMA, Antônio C. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.

RODRIGUES, Aryon D. Línguas Brasileiras, São Paulo: Ed. Loyola. 1994.

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[1] O último censo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica uma importante população indígena nos centros urbanos, elevando a estimativa populacional a 700 mil pessoas - disponível emhttp://www.ibge.gov.br .

[2] Cabe destacar que essas línguas se distribuem em 41 famílias, dois troncos e uma dezena de línguas isoladas. No entanto, essas línguas têm, hoje, uma média de até 200 falantes (Rodrigues, 1994).

[3] O Decreto n° 5484/1928 previa a incapacidade dos índios “enquanto não se incorporarem eles à sociedade civilizada” (ver Lima, 1995, p. 207).

[4] De origem indígena: parte de seus bisavós maternos (Bororo e Terena) e bisavó paterna (Guaná).

[5] Conceito desenvolvido por Brand (1993, 1997), no qual defende que o confinamento dos Kaiowá e Guarani deu-se por diferentes fatores, em especial, em decorrência da perda de seus territórios tradicionais, provocando a falta de condições para manterem seu ethos nas aldeias tradicionais, sendo, compulsoriamente, aglutinados dentro das reservas instaladas pelo SPI no início do século XX.

[6] http://www.sis.funasa.gov.br/index.htm acessada em 08/06/2009.

[7] Há, ainda, a presença de Kinikinau (subgrupo Guaná), de Kamba (bolivianos, sediados em Corumbá, na fronteira com a Bolívia) e de Atikum, oriundos de Pernambuco (sediados na Área Indígena Terena de Nioaque/MS).

[8] Esses números podem ser superiores devido à grande presença de indígenas nos meios urbanos.

[9] Fonte: Instituto Socioambiental - http://pib.socioambiental.org