huizinga - o outono da idade média
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MY H.s.1 MaryVicentia Huizinga-Scharer
------- ...._--_.
. .o OUTONO DA IDADE MEDIA
ESTUDO SOBRE AS FORMAS DEVIDA E DE PENSAMENTO
DOS SEcULOS XIV EXV NA FRANt; :A E NOS PArSES BAIXOS
)O HA N H UIZIN GA
ENSAIOS
Peter Burke eAnton van der Lem
ENTREVISTA
Jacques LeGoff
lCONOGRAFIA
Anton van der Lem
TRADU<;:iio
Francis Petra Janssen
REVISAO TEcNICA
TerezaAline Pereira dsQueiroz
COSACNAIFY
•......_.__ ~L-- - - - L , . "
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Jacques LeGo f f
Sem dtiv ida Huiz inga foiinfluenciado pelo celebre livro de Spengler
o dedfnio do Oddente, alias elogiado e igualmen-
te criticado pelo autor. Mas0itulo adotado na
prirneira edicao francesa do livro e uma trai-
<;ao Le Declin d u M o ye n A ge ]. Emprimeiro lugar,
o o u to n o d a I d ad e M e d ia , longe de toda essa ideia
de desvalorizacao moral presente na palavra
"declinio", apresenta a beleza e a dimensao
poetica do livro. E essa poesia que exprirne a
ClaudeMettra E e nesse outono que se elabo-ram osfermentos das primaveras vindouras.
J LG Cre io que, se t ivessem pe rguntado a
Huizinga qual era 0t ema fundamental do
livro, em primeiro Iugar ele ter ia falado da
int ima imbr icacao ent re a Idade Media e0
que chamamos de Renascimento. Pois a Idade
Media do seculo xv eum outono exacerbado,
de forma alguma morto, pelo contrar io: de
grandeza e,aomesmo temp,?, 0 l imi te daobra . urna vitalidade extraordinaria e tao vivoque
Mas toda a concepcao de Huizinga sobre a his- prosseguira e semantera profundamente pre-
toria esta bem expressa na palavra "outono",
o outono e a estacao em que todas as
fecundidades e todas as cont radicoes da
natureza parecern se exacerbar. E 0que, na
arte, Eugenio d'Ors chama de fase barroca,
aquela onde semanifesta evidente, sem mas-
cara, a exaltacao das tendencias profundas
de urna epoca. E essa exaltacao que a torna
tao fascinante. Pois, como a cantava Agrippa
d'Aubigne:
U n e r o se d 'a ut o mn e e s t p l u s q u 'u ne a ut re e x qu is e
[Uma rosa de outono e de toda s a mais r ar a . .. ]
Em tal memento historico, os contrastes
aparecem com urn brilho extraordinario, e
e nesse momenta que se pode melhor com-
preender 0que e uma civilizacao: e quando
surgem a plena luz astensoes nela existentes.
sente em pleno seculo XVI; como bern mos-
trou Lucien Febvre em sen livro sobre Rabe-
Iais. ' E da mesma maneira , em plena seculo
xv, ja e 0 seculo seguinte que sefazOUvIT.
Naverdade, nota-se 0quanto Huizinga se
sentia incomodado pelas periodizacoes care-
goricas que predominavam na pesquisa his-
torica, Para ele, os conceitos de Idade Media
e Renascirnento sao formas vazias. Ele sabe
. rnuito bern que 0problema nao reside nes-
sa divisao abstrata do tempo. Quando atingi-
mos as camadas profundas da historia, 0que
vernos sao continuidades.
Algumascorrentes
prosseguem se exa-
cerbando, enquanto outras se tornam debi-
l itadas. Outras nascem Ientamente, e mal se
veem suas fontes. Nesse nivel de profundida-
de, a periodizacao e irnpossivel.'
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E uma das fa lha s do be lo l iv ro de Eric Erik-
son sobre Lutero, porque ele considera que a
pessoa nasce com aReforma. Naverdade, no
seculo xv ha uma relacao singular entre 0
individuo e 0grupo,
A pessoa seconstroi no plano da afetivida-
de, da sensibilidade, da emocao, e e iS50que
inversao - e que as representacoes perten-
cern, em parte, a s infraestruturas.
Hoje, quem nos confirma essa intnicao
de Huizinga nao sao oshistor iadores, e sim
as etnologos - como, por exemplo, Maurice
Godelier - , que descobrem nas sociedades
arcaicas um pensamento simb6lico e repre-
eM E nao sera talvez esse rom pimento
implfcito dos limites t emporais que da a 0
ourono d a I d ad e M e di a essa liberdade, essa apa-
rencia de vastidao oceanica, mais condizen-
tes com a sensibilidade de 1975 doque com
a de 1920?
entre a l uz e a escuridao, 0s ilencio e 0
era muito maior doque hoje,
Em primeiro lugar , a vida e isto: 0
corpo, 0uso dos sentidos.
eM E com relacao a esse peso do
sentacoes tao profundamente inscritos no estamos redescobr indo agora. Resta sabe r
desenvolvimento humano que acabarn par quais saos os materiais de que dispoe um
defini-las como infraestruturas. Nao por aca- historiador para descrever essa afetividade,
so , e com um pressent imento genial , Hui - Huiz inga sebaseou muito na I ite ra tura e na
JL G De fato, 0 livro talvez pareca mais
moderno do que na epoca em que foi lancado, sonho urn personagem ativo da •••."~u_"
mesmo que nao provoque 0mesmo impacto.
Ora, creio ser possivel captar a finalidade
da visao dele em algumas palavras-chave que zinga se refere varias \ '~zes aetnologta ea s
comunidades primitivas, ainda que 0conhe-
c imento dele sobre a a rea pa reca confuso eseu comparativismo pouco critico,
a "visao", aparece todas as vezes em que
zinga quer nos apresentar a dimensao
dos homens da Idade Media. Ha 0
arte ... Evidentemente, 0que mudou bastante
desde 1919 foi essa abordagem da literatura.
Desde entao, a sociologia da literatura nostrouxe muitos esclarecimentos sobre a rela-
c;aoentre as obras e0real como mostra, por
exemplo, 0belo livro deErich KohlerAav en tu -
ra cava1eiresca: ilusiio e real idade no r omanc e cor te s .
Em termos gerais, Huizinga considerava que
a l ite ra tura e ra a expre ssao e a te mesmo 0
espelho da sociedade. Alias,nao sem algumas
mostram c1aramente a natureza autentica
dessa descoberta do passado.Prirneiramente a palavra "vida".Prova disso
sao os proprios titulos dos capitulos: "Avee-
rnencia davida", "0 anseio por uma vidamais
bela", "A arte na vida..... E urn tema que reen-
contramos em LucienFebvre.
Mas 0 que significa essa obsessao pela
vida? Significa que, em 1919, os historiado-
res que nao sao marxistas, mas tampouco se
consideram os herdeiros do positivismo, tern
por principio urn certo vitalismo. Por meio
davida, eles tentam incorporar a biologia a
historia; procuram a presenca do corpo vivo
num ambiente tambem vivo, A prime ir a
pagina do livro traz esta frase, fundamental:
"0contraste entre a doenca e a satide era
maier": urn ponca mais adiante: "0contraste
heroismo e deamor, heranca dacavararra;
a visfio da morte , a presenca
eM Esse olhar sobre 0sonho esta l igado a
urn olhar sobre as quimeras e ao que hoje
charnartamos de loucura, Em certos aspec-
tos, ao descrever a relacao medieval entre
os ind ividuos e 0 sonho, Huizinga parece
mas. Ha ai lima bifurcacao pstcanannca-c
reencontramos na terceira palavra-chaee
compartilhar a preocupacao das correntes dtividas. Ele desconfia que a realidade litera-
antipsiquiatricas atuais, representadas, par
exemplo, por Ronald Laing.Para ele,0 seculo
xv confere aoindividuo uma identidade pes-
soal inalienavel. E a exacerbacao do outono
medieval e quase a antiloucura.
r ia e uma realidade entre outras, mesmo que
mantenha relacoes particularmente carrega-
das de sentido com asoutras realidades.
Pelo menos as obras The fornecem um
inventario de alguns fenomenos que, hoje,
a hist6ria considera fundamentais: como
as pessoas se a limentavam, sevest ia rn, se
divertiam, brigavam, amavam, Desde entao
co. Para os marxistas tradicionais, 0
completo das representacoes pertence
JLG Por rnuito tempo sustentou-se a ideia
de uma Idade Media que ignorava a pessoa,ra - e osmarxistas comecam a elaborar .•
590 . ENTREVISTA 591
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os historiadores tentam fundar urn c o rpus
da realidade da epoca, que Huizinga nfio
poderia prever, Seria precise, por exemplo,
reconstituir a partir de textos e da iconogra-
fia 0s is tema dos gestos da Idade Media ou
de urn periodo da Idade Media, mas a l e sta
a questao, UtiIizando os trabalhos dos etno-
logos, deveriamos ser capazes de delimitar
rnelhor uma das grandes intuicoes de Hui-
zinga: 0 fa to de ser necessario procurar 0
sentido deuma sociedade em seu sistema de
representacoes e no lugar que esse sistema
ocupa nas estruturas sociais e na"realidade",
eM Na busca das representacoes, Huizinga
considera fundamentals a inteligencla docor-
po e ,sobretudo, a sensorial idade . Capta-se a
vida na maneira como os homens usam os
ouvidos, os olhos, a boca, a mao, 0nariz . 0
o u to n a d a I da de M e d ia e povoado de sons, per-
fumes e ate caricias.
J LG Como urn historiador pode da r con ta
desse uso dos sentidos? Estao em curso traba-
lhos consideraveis, ern particular pesquisas
sobre as representacoes do corpo feminine
na Iiteratura, nos tra tados de medicina, emtodas asfontes que tra tam dele.
De modo geral, temos uma documenta-
<;:aonfinitamente maior que aquela a que
592 • ENTREVISTA
Huizinga teve acesso. Falta le-la. Houve
sofos-historiadores como Paul Zumith()r<
Michel Foucault, que propuseram a
de documento-monumento. AoCOlllu'arin'<1
que acreditava a historia positivista, 0
da epoca, por razoes precisas,
involuntarias , e so poderemos UWHL,.,.-.U
rna conjunto da sociedade.
Masnem sempre sabemos como
rnesma,
eM E as pessoas funcionam da
maneira,
J LG Arelacao dohistoriador com os
e extremamente significativa.
o silencio foi uma das grandes
tas de Michelet. Mas eIe0 interpretou
maneira: considerou-o acirna de tudo 0 .
lho da opressao . 0 s ilenc io se ria aesmagada, e , com a visao ao mesmo
apaixonante e perigosa da historia
surreicao integral do passado, Mtchelet.c
intuitivamente preencher os silendos, Mas
e le os preencheu com sua propria pessoa ,porque tinha uma personalidade devorado-
ra. Assim, se conhecermos Michelet, seus
delirios, suas obsessoes, veremos os silencios
ocupados pela propria paixao dele, e que 0
historiador deve separar da obra deMichelet,
Dal a importancia doensaio de Barthes"para
nos, Ieitores criticos da Hist6ria da Franw
Mas por t ra s de todos Esse s s ilenc ios se
oculta 0 psiquismo profundo de uma socie-
dade. Como decifra-Io? Aqui 0 historiador
penetra inevitavelmente nos territories da
pslcanalise. E 0 que faz Huizinga, especial-
mente quando concede ao tema da melanco-
lia urn lugar privilegiado, pois a partir dela
(eIe escreve: "Os homens que exprimem mais
intensamente amelancolia nao sao os que se
retiraram do mundo") ele revela um conceito
intelectual e artistico solidamente ancorado
na sensibilidade intrabiologica da epoca,"
o que aproxima Huizinga da psicanalise eo erotismo, Algobastante surpreendente em
:1919,eque se explica em larga medida pelo
fato de Huiz inga pe rtencer a uma ter ra , os
antigos PaisesBaixos(que e tambem aterra de
outro grande historiador dessa geracao, HenriPirenne, presente em paisagens, em imagens
de Bosch e de Brueghel) , uma terra tradicio-
nalmente aberta a esse tipo de curiosidade.
E 0 que permite a Huizinga descobrir 0
fundamento erotico do espirito de coragem
cavaleiresca. Assim ele compreende como a
etica coletiva pode ter como base0 recalque
coletivo. Mas cada epoca tern seu proprio
recalque. Qual e 0 do seculo xv? Naquele
tempo, as pessoas possuiam urn sentimento
muito vivo do corpo, elas viviam sua sensua-
lidade. Se existia recalque, era em outro nfvel,
Para compreende-lo, podemos tomar cer-
tas analises weberianas. Uma das ideias fun-
damentais de Max Weber, que estuda a rela-
~ao entre capitalismo e protestantismo, e a
seguinte: ao impedir que as energias sejam
aplicadas no campo doprazer, visando it sen-
sualidade, 0protestantismo exige que elas
sejam aplicadas no trabalho, no crescimen-
to economico, no desejo de lucre.
Durante urn born tempo, a Idade Media
conseguiu integrar 0 recalque numa certa
liberdade dos sentidos. Isso foi possivel por-
que 0 cristianismo medieval havia se revela-
do capaz de uni r duas formas de re ligiao : a
religiao popular e a religiao dos letrados, que
e ou tende a ser uma religiao racionalizada.
Ora, no final da Idade Media essa uniao
se rompe, 0 que triunfa e a religiao insti-tucionalizada, racionalizada, 15S0 sera ain-
da mais verdadeiro no seculoXVI, t an to no
catolic ismo quanta no protestantismo. Em
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decorrencia disso, a religiao popular que nao
esta mais integrada, que e oprimida, nao tern
outro meio de expressao a nao ser a magia,
Media: de urn lado 0 travestimento religiose
dos letrados, e se hoi travestimento somos
remetidos ao olhar psicanalitico, e de outro
uma aspiracao a vida sub lime por me io do
erotismo, 0 que me impressiona nesse olhar
sobre a sociedade medieval e que Huizinga,
com suavontade de penetrar nas profundezas,
demergulhar no outro, descobre 0 seculo xv
como 0etnologo descobre a sociedade arcai-
ca, isto e , com 0 sentimento de permanecer
estranho a seu objeto, que ainda esta por ser
594 • ENTREVISTA
compreendido. 1 3 uma humildade
mente Inedita na pesquisa historica,
dores da Iiteratura, como jolles e seu
das formas simples' e Paul Zumthor com
ensaios de poetica medieval. Em pouC;p
povimos aparecer cinco livros sobre0
de Ja Rose , e todos se dispoem a H::~VJ.l!LdJ
parte propriamente aleg6rica de
de Loris, considerada, em comparacao
Jean de Meun, como puramente
Entende-se que 0 universe alegorico,
ge de ser 0 espelho do gratuito, COITes;poJ
cae, sem diivida, uma cultura de
Testa saber como ela foi recebida, consumu
camada de intelectuais a uma epoca antiga:
existem continuidades historicas. E a chave
de urn periodo jamais pode ser buscada dez
seculos antes, apagando tudo 0 que hoino
eM Naoereio que 0 simbolismo tenha agoni- intervale. Sem dtivida, para compreender
zado ousido gratuito em momenta algum do nossa civilizacao e preciso remontar ao neo-
seculo xv, visto que ele se manifesta vigoro- lit ico, mas remontar demodo continuo, sem
samente em todo 0primeiro Renascimento,. saltar por cima de seculos inteiros,
desempenhando urn papel muito maior do Para compreender 0 que se passa no
e como 0 sistema de representacoes elabo-
rado nos meios privilegiados podia ser urn
alimento para 0 imaginario popular.
Renasc imento, nao se deve vol ta r a Roma
ou a Atenas de outrora , e sim olhar 0 que se
JlG 1 3 0que Huizingafrisa bern no fina l do s ituaimediatamente antes doperiodo.
l ivr e: "Foi da a lma da'p ropria Idade Media Ha urn exemplo espec ia lmenre marcan te .
que surgiram os novos tempos e, como ago- Atr ibui-se ao Renascimento, isto e , ao nasci-
que 0 ressurgimento do mundo antigo.
ra se reconhece, a Antiguidade ter ia desem-
penhado nesse surgimento apenas urn papel
analogo ao dasflechas de Filocteto, certeiras e
funestas". Defato, a referencia a Antiguidade,
para oshomens doRenascimento, foi apenas
urn artificio para expressar uma serie de des-
cobertas e deprotestos contra a rotina. Elessc
valem do passado para provar sua novidade,
sua modernidade, e acabarn caindo na pro-
pria cilada, Ii a i que sepode ava liar como e
mento do capitalismo, a consideracao pelo
trabalho. Essa sacralizacao do trabalho se
expr irne com vigor na maldicao que pesa
sobre 0mendigo sadio, que poderia trabalhar
e prefere viver como parasita do trabalho
dos out ros. 0 mendigo sadio e condenado;
nos paises protestantes, e claro, mas tam-
bern nos pafses catolicos,
Ora, 0momenta principal da criacao dessa
figura particular e 0 seculo xv, e ela nasce no
exagerado chamar essa epoca deRenascimen- seculoXIII. OSestudos recentes dejean-Clan-
to e como e necessario rever a cristalizacao
que se operou nesse terrno a partir deJacob
Burkhardt, tao admirado por Huizinga.
Pois a origina lidade de uma epoca nao
pode ser definida pelo retorno de uma
de Schmidt sobre asbeguinas e osbegardos
mostram i550 claramente. Esses marginais,
a inda mais perigosos por serem marginais
religiosos, foram qualificados pela Igreja
no seculo XIV como hereges. Ii 0 rotulo de
595
eM Urn dos aspectos mais desconcertanm
eM Eassim ela seabre a feiticaria, e, sem duvida, mais questionaveis na
sagem descrita par J . Huizinga e a sua
JlG Sirn, a relacao entre a nova religiao tica do simbolisrno medieval. Ele ve na
racionalizada e uma religiao popular que
enlouquece, que e condenada it loucura , se s is tema de decadenc ia , como se as
exprime por meio da feiticaria eda repressao tendo perdido seu significado dinamico,
it feiticaria, visto que a feiticaria so existe por
intermedio da repressao. a sensibilidade da epoca.
Sobesse aspecto, 0seculo xv e urn periodo
dearticulacao e Huizinga tem uma visaomuitoclara dessas tensoes extremas, desses contras-
tes queiran provocar ~andes transformacoes,
E gracas a essa ruptura entre as duas religioes
que Huizinga toma consciencia das duas for-
mas desublimacao contidas no fina da Idade
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J lG Aldade Media de Huizinga niio tem uma
localizacao, embo~'a0 subtitulo ernholandes
cite a Franca e os Paises Baixos. Ora, a verda-
de ir a unidade cultura l doseculo xv e a c ri s- movimento con tra rio: Huizinga nn,.""p,-,h
t andade . Na mesma epoca, na Ital ia ou no uma de te rminada expe riencia h istorica ,
Languedoc, encontra-se fundarnentalrnente das regioes entre 0Reno e 0Sena, . ' ! - ela
a rnesma ideologia dominante, representada corresponde precisamente a experiencia
pela Igre ja , e a s mesmas est ru tu ra s soda is . torica de toda a c ri standade .
No entanto, a paisagem cultural e mental e Portanto, releiamos Huizinga numa
rnuito diferente . E nessa busca de uma his- pectiva atual. Lembrando que, ontem, ele
tor ia das profundidades, e preciso ver clara- gou 0veu de uma historia orgulhosamente
eM Johan Huizinga fala daIdade Media como
urn todo. Mas poderiamos perguntar sea Idade
Mediaque lhe interessa nao e, prioritariamen-
te, a rnais proxima a elc , ouseja , ados Paises
Baixosou, em termos mais amplos, incluindo
ainda a area de Flandres e Borgonha?
J ,
;1
I
I
exclusao da comunidade. Noseculo xv foram
igualmente excluidos, mas dessa vez qualifi-
cados como mendigos sadios. Foi no coracaodooutono medieval que seforjou 0estereo-
tipo que conheceria tao grande fortuna nos
tempos modernos.
mente como uma rnesma cultura, com todas
as suas vicissitudes, se revela com extraordi-
naria diversidade,o que nos torna sensfveis a essa diversi-
dade, hoje, e a propagacao dosmovimentos
596 . ENTREVI5TA
regionalistas. Vemos agora que as entidades
socia ls sao herdeiras de urn longo passado
profundarnente enraizado nurna regiaodeterminada, um passado de natureza regio-
nal, encoberto, decerta forma, durante perio-
dos mais ou menos longos, por uma histotia
unificadora.
Alem disso, nos pe rcebemos me lhor os
Se
l evarmos em conta apenas a ra iz n':~lLlll'U,.·.
que foi cortada e condenada ao suericio,
estaremos ignorando todo 0 peso da
r ia unificadora - aquela que Michelet
senta quando pre tende desc reve r a
cida da aglomeracao sucessiva das
ser urn rnestre doerro com suas UtH<"t:llLlc
seu esteticismo e seu diletantismo.continua a abrir portas que levarn a
a ser feita no futuro.
Notas
1 L e r rco te me d e l ' lncroyance au XVI' siecle: laRdig ian
d e R a b e 1 a ls . Paris: Albin Michel, 1942. Ed. bras.:
o p r ob l ema . da in c r edu l idade n o s i eu l a XV1: a religiao
de RabeJais . Sao Paulo: Cornpanhia das Leu-a s,
: 1 .0 0 9 . [ N . E . ]
2 Huizinga era fascinado POl'esses periodos de
rnetamorfose em que a fenix renasce de suas
cinzas. Ele deixou t rechos de uma his t6ria do
seculo XIIcomo sendo a transforrnacao dororna-
nico em g6tico. Sonhava escrever a historia da
passagem daAntignidade para a Idade Media
3 Mas Huizinga, que admire seu gosto pela psi -
cologia coletiva e faz referencia ao psic6Jogo
americana William James, se detern diante de
Freud - quase contemporanso sen, ainda pouco
conhecido, defato - e do freudismo.
4 Alguempoderia argumentar que "vida", "snnho"
e " irnagem" seencont ram em todas as epocas,
Nao e tatalmente verdade. Aqui Huizinga nao se
dedicau - ecomopoderia, em 1919?-a urn estu-
do quantitativa e qualitative dovocabularto, Mas
quem tern alguma familiaridade COIn 0 que nos
legou a Idade Media ha de reconhecer que Hui-
zinga teve uma boa "intuicao".
5 Roland Barthes. Michelet. Paris: Editions du Seuil,
1954 Ed.bras.: Miche l e t . Sao Pauio: Companhia
da s Letras, 1991. IN. E. }
6 Sera pre ci so lembrar 0 trabalho de Pritz Wax! e de
Erwin P an o fs ky s ob re a melanco1ia? [Dwers Melen-
cholla I-B i ne q u el le n - u n d o /pengeschicht l iche Unte rsu-
chung . LeipzigfBerhm: B.G.Teubner, 1923 - N.E.]
7 Que data de 1931 - e que Hui zi nga conhecia .
[Andre Jo11es. As [ o n n as s i m p !e s . Sao Pau lo : C uI-
trix, 1976 - N. E .}
59 7
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Johan Huizinga (1872-1945)e um dosmais erni-
nentes historiadores da cultura no seculo xx.
Ele fbi urn homem de amplos interesses, tao
largos que achou dificil deixar assenta-los para
se espeeializar em hist6ria, muito menos em
urn periodo deterrninado. Como estudante, na
Universidade de Groningen nos anos 1890,par-
ticipou deum grupo de estetas que cultivavam
a atmosfera da decadencia , entao em moda, e
liam Huysrnans e Verlaine. Ele se tomou urn
interessado em budismo, aprendeu sanscri to e ,
embora se distraisse de seus estudos filol6gicos
com as operas de Wagner, escreveu urna tese
sabre 0 papel dopalhaco no drama indiano
antigo. Num dado momenta , pensou em se
dedicar a hist6ria do Isla,
Foi apenas depois do inicio da Primeira
Guerra Mundial, quando contava quarenta
e POliCOS anos, que ele comecou a publicar
os livros e ensaios sobre a historia cultural
europeia pelos quais hoje e lembrado, ensaios
sobre "ideais devida na historia", "a questao
do Renascimento", sobre Erasmo, a "civiliza-
<;aoholandesa no seculo XVII", sobre 0pen-
samento do seculoXII, 0 elemento hidico na
cultura e, por fim, 0mais famoso de todos,
seu estudo sobre a Franca e a Holanda nos
seculos XIV e XV, 0 ou to no da I d ad e M e d i a.
Praticamente toda a sua obra historiogra-
f ica foi escrita para 0 leitor comum, tanto
quanto para seus colegas de oficio. Ele escre-
veu regularmente para urn periodico holan-
des, DeGids [0 Cuia], voltado para um publi-
co nao especializado, de modo que nao seria
dif ic il imagina-lo escrevendo hoje em dia
para Histary Today.
Huizinga era um homem timido, exigente,
sensivel e formal, "urn incorrigfvel sonhador
acordado" (nas suas proprias palavras), sem
nenhuma simpatia pelo seculo xx. Ele tinha
forte aversao - dentre outras coisas - por
ciencia moderna, arte abstrata (aspinturas de
Kandinski e Mondrian, por exemplo), cinema,
radio, Marx, capitalismo, Freud e pelos Esta-
dosUnidos, pals em queviapouca ordern, pou-
ca forma ou, para usar uma das suas expres-
soes favoritas, pouco "estilo". "Mecanico" era
urn dos termos que mais gostava deusar em
sentido pejorativo. Como estudante, ele "igno-
rou a politica completamente", como confes-
sou rnais tarde, e nunca leu urn jornal. Por
volta de 1930, entretanto, ele se pas em dia
com a politica, ou vice-versa, e sua crftica ao
mundo modemo estendeu-se ate uma dentin-
ciado fascismo. Quando osalemaes invadiram
a Holanda, Huizinga foi preso e levado para
urn campo de concentracao. Faleceu em uma
vila perto deArohem logo aposa Liberacao,o estilo historiografico de Huizinga foi
resumido em seu artigo programatico de 1929
599
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sobre 0proposito e as exigencias da cultura
historica. Nesse manifesto. ele declara que 0
principal objetivo do historiador da cultura e
aquele que diz respeito a morfologia, E retra-
tar padroes de cultura, em outras palavras,
descrever pensamentos e sentimentos, e suas
expressoes ou materializacoes em obras litera-
rias e de arte. 0 historiador, sugere, descobre
padroes de cultura ao estudar "tenias, fignras,
motives, simbolos, estilos e sentimentos".
Poi exatamente 0 que fez Huizinga em
seus estudos mais importantes, explicita-
mente em 0 o uto no d a Id ad e M ed ia , onde
estao implicados temas como 0declinio, a
importancia dosimbolismo na arte e no pen-
samento medievais tardios, 0estilo de pinto-
res como os irmaos Van Bycke sentimentos
como a preocupacao com a morte. Tal pro-
grama nao e tao abstrato quanta pode pare-
ce r, "Que t ipo de ide ia podernos formar de
uma epoca", escreveu Huizinga certa vez , "sc
nao olharmos para aspessoas que aviveram7
Se oferecermos explicacoes generalizantes,
criarernos apenas urn deserto e chamaremos
isso de historia." De fato, 0 o ut on o d a I da de
Media e como urn enxame de individuos con-
cretos, do poeta picaresco frances FrancoisVil lon ao mistico Henrique de Suso, do pre-
gador popular Olivier Maillard ao cronista da
corte Georges Chastellain.
600 • HUIZtNGA. PROFETA DE'SANGUE E ROSAS'
E impossivel praticar tal t ipo de
gra fi a de urn modo frio e objetivo.ga acreditava que a racionalidade
t inha que ser complementada pela
compreensiio hist6rica quanta no prazer
t emos da contemplacao do passado. "A
gralidade", escreveu certa vez, "esta
envolver alguma distorcao, e nao apenas
que tendemos a medir 0passado por
medic depadroes alheios a ele." Ele nao
ficado surpreso se sedissesse que seus
meio e sua epoca, mas tambem dos
tes passados aos quais cada qualse
pri a epoca sao rna is obvias em sua
rna 0 o u t o n o cia I dade Media, titulo que
de sugerir tanto a ideia dernaturidade
a de decadencia. E urn livro extremamen
pessoaL Hanele a visao que 0garoto de
la Huizinga tinha da Idade Media,
cavaleiros com seus capacetes emplurnac
E igualmente marcado pelos interesses
esteta dos anos 18,90.0 entusiasmo pela
sia simbolista foi deslocado para 0
mente metaforica: "Dura e colorida",
Huizinga. "a vida era capaz de tolerar 0
misturado de sangue e rosas", uma sentenca
que em si mesma tern 0olor dos anos 1890.
o senso da decadencia no final do seculo XIX
se mescla ao senso da decadencia expresso
por escri tores no final da Idade Media. Urn
f i n -de-s i ec le depara-se com sell reflexo noutro.
A aversao de Huizinga pelo mundo moder-
no, 0 mundo das rnaquinas e do declinio das
formas (para nao mencionar a Primeira Guer-
ra Mundial), fez dele um nostalgico dacultura
medieval. "Quando 0mundo era cinco secu-
los rnais jovem", assim comeca 0 livro, "todos
os acontecimentos da vida eram dotados de
contornos bern mais nft idos que os de hoje.
Entre a dol 'e a alegria, 0 infortunio e a felici-
dade, a distancia parecia maior do que para
nos; tudo que 0homem vivia ainda possuia
aquele teor imediato e absolute que no rnun-
dode hoje soseobserva nos arroubos infantis
de fel icidade e dor, Cada momento da vida,
cada fei to era cercado de formas enfat icas e
expressivas, realcado pela solenidade de urn
estilo de vida rigido e perene."
Essa nostalgia pOI'aquilo que nao deveria
acabar e pelo que em sua prop ria epoca se
sabia decadente confere a 0 o uto n o d a Tdade
Midia uma vida propr ia , sua percepcao damelancolia e da transitoriedade, bern como
sell poder sobre as emocoes do leitor, E a urn
sotempo urna obra de scholarship, baseada no
conhecimento int imo da arte, daIi teratura e
do pensamento desse perfodo historico, e urn
caso de medievalismo romantico a maneira
de SirWalter Scott ou Dante Gabriel Rossetti,
cujos poemas impressionaram fortemente 0
jovem Huizinga.
Mas senao sesentia inteiramente em casa
na ldade Media e ,mui to menos , no rnundo
moderno, a que epoca Huizinga pertencia7
Qualquer resposta breve a tal tipo depergun-
ta esta fadada a ser simples demais, porem a
mais sat isfatoria delas poderia ser a de que
sellmundo era 0 da burguesia holandesa tra-
dicional. Quando escreve sobre a republicaholandesa, 0tom, raro em Huizinga, e de cele-
bracao. "Nos, holandeses, sabernos", concluia
em seu estudo sobre a civilizacao holandesa
no seculo XVII, "que tudo 0 que fez a grande-
za denosso pai s e de n0550 povo no seculo
XVII - vigor, deterrninacao, justica efair p l ay ,
caridade, piedade e fe em Deus-nao esta per-
d ido para osque vivemos hoje em dia nem
para osque virao depois de nos." Ele nunca
demonstrou tanta simpatia pelo seu objeto
como aqui, mas issonao resultou no seu livre
mais interessante. Aambivalencia que sentia
em relacao a Idade Media gerou mais i n s igh t s .
A abordagem extremamente pessoal e
intui tiva de Huizinga em relacao a Idade
Media tern urn preco e ha algumas serias
601
5/12/2018 huizinga - o outono da idade m dia - slidepdf.com
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abrangente a perspectiva d a historia cultural,
seu genero favorito.
Em rnuitos senridos, tanto na pratica
quanta na teoria, Huizinga foi urn fiel segui-
dor de Jacob Burckhardt, 0maior historiador
f ragi lidades em seu estudo . Quando peco e mesmo os conf li tos ent re a s cul tur as
a meus alunos que 0 leiam, sempre sugiro diversosgrupos sociais.
como urn titulo de ensaio: "A I dade Media Huizinga estava tao preocupado
realmente decaiu?".Ii claro que a pergunta e
impossivel de ser respondida, mas seu propo-
sito e simplesmente 0 de plantar assementes damente urn do poeta Eustache Ut·M:.Ul[~
da duvida, Huizinga passa muito facilmente
de discussoes a respeito dosenso dedecaden- detrinta vezes aolongo dolivro.
c ia em certos escritores medievais para con- cer tamente acreditava que0mundo
clus6es sabre 0 "real" declinio nos seculosXIV proximo do fun. " Te m ps e n e rr eu r p re s
e xv (sem discutir a evidencia da, digamos, c ion," Entretanto, como urn seguidor
contracao das atividades comerciais). Ele com- Joaquim de Fiore , ele acreditava que,
pO e urn mosaico a partir de citacoes de seus
escritores favorites - 0 poeta Eustache Des-
champs, 0 cronista J~an Proissart, 0 mistico
Dionisio Cartuxo - e de referencias a seus pin-
tendo muitos pregadores menonitas entre
seus ancestrais. e que eIe assumiu a critica
da religtao medieval feita mais adiante pela
Reforma sem procurar ver como essa mesma
religiao surgia da anterior. Estudos recentes
sobre a guerra na Baixa Idade Media sugerem da cultura no seculoXIX. Ambos rejeitaram
que Huizinga errou ao levar demasiadarnen- 0positivismo e deram importancia ao papel
te a serio os to rneios que - como a re ligiao
medieval tardia - interpretou como sintomas
dedecadencia ou- inconsistente como possa
parecer - como sobrevivencias do "barbaro"
e do "primitive".
Essa tentat iva de "descons trucao" de 0
ou tano da ldade Media, nao apenas no sen-
tide urn t an to vago de "reduzir a pedac;:os"
mas tambem no sentido precise de "mostrar
como 0autor foi arrebatado pela metafora",
muito provavelmente nao teria incomodado
Huizinga que, no final da vida, reavaliando
o ded in io do Oc iden te , de Oswald Spengler,
da intuicao no entendimento do passado. Em
seu ensaio A c ul tu m do R e na s ci m en t o n a Italia
(1860),' Burckhardt escreveu, exatamente
como Huizinga recomendaria aos historia-
dores da cultura , sobre temas tais como·0
desenvolvimento do individuo", sobre figu-
ras como 0 humanista Leon Batista Alberti
e 0 escultor Benvenuto Cellini, sobre estilos
como 0 "realismo" tal como 0 entendia, e
sobre sentimentos como 0 "moderno sen-
t imento da fama" e seu cor re tivo , 0 senti-
mento de zombaria, Embora 0 ou r ono da
ldade Media envolva uma critica implicita
o conilito e outros males iriam
d i ss e nc u m s] N 'a u ro n t p l us l ie u , e r MUS
C a r a s se z t o st s e ro n t n o s m a u Ix f in i s. "
dopoema nao foi c itada por H,-r;7.imQ·: 't 'ores predile tos, mas nao se detem para per-
guntar se esses individuos sao representativos.
Urn importante exemplo em sentido con-
trario foi citado por Bruce Mcfarlane em seu
estudo sobre 0 pintor Hans Memling.' Mcl'ar-
lane observou que "dificilmente ho i traces" de
qualquer preocupacao morbida com a morte
na obra de Memling e tambem que "e le e ra
tao requisitado como pintor que se tornou
urn dos mais abastados cidadaos da opulen-
ta Bruges", Huizinga trata da "epoca" como
urn s o bloco evirtualmente ignora avariacao
regional entre Franca e Holanda, as diferen-
cas entre os seculos XIV e xv e as contrastes
Por outro lado, 0Huizinga
da Idade Media algo desnecessariame
descreveu como exernplos naif s de antro- de Burckhardt, por considerar mudanca e
pornorf ismo suas metaforas recorrentes, a
saber , juventude e velhice , f lorescimento e
fenecimento, primavera e outono. De todo
modo, os feitos positivos de Huizinga como
historiador prevalecern de longe sobre ascri-
ticas que foram dirigidas contra ele, A forcae a qualidade de sua imaginacao historica
podem ser igualadas por apenas uns pou-
cos r ivais, e ele tambem tornou muito mais
o;:aoa toda e qualquer coisa
bastante ambivalente, Sua simpatiaa
abre caminho para a aversao e seu
na indiferente au entao algo
teoAssim, par exemplo. e le
"modernidade" como termos equivalentes
e por sugerir que as transformacoes cultu-
rais importantes dos seculos XIV e XV aeon-
teceram somente na Italia,0livro perrnanece
como ~a obra de mesmo tipo queA c u lt u ra
do Renascimento na ltalia.
Contudo, 0 estilo de historia cultural pra-
ticado por Huizinga modif ica de fate, e em
muitos sentidos, 0de Burckhardt. Sentidos
tilizada". Nesse ponto e necessario.u
que Huizinga foi criado como
60302 • HUrZINGA, PROFETA DE"SANGUE E ROSAS"
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vade "0modo simbolico de pensamento", e "antropologos-historiadores", mas ele ja
uma das resultantes de seu interesse pela
antropologia, Outra, igualmente significati-
va, e sua extensao da ideia de cu1tura para
alem da arte e da literatura e para alem de
Burckhardt. EmA d v i li z a~ i lo h o l a n d e s a n o s i m l a
XVII [1941], par exemplo, ele inclui pagmas
que setornaram muito importantes no final
do seculo xx. Quando tinha cerca de dezes-seis anos, ele leu urn dos primeiros traba-
lhos de antropologia social, P r i m it i ve C u l tu r e
[1871J, de E.B. Tyler, com 0 qual ficou bas-
tante impressionado. Rernemorando essa
experiencia, Huizinga disse: "Esselivro abriu
perspectivas que, num certo sentido, sempre
me inspiraram desde entao".
o fato de ter side treinado como urn orien-
talista antes de se especializar na historia da
Europa ocidental auxiliou - como 0trabalho
de campo para os antropologos - a desfarni-
I iarizar Huizinga em relacao a sua propria
cultura para elaborar perguntas mais pene-
trantes sobre ela, Seu interesse pelo simbo-
lismo, e mais especialmente pelo que chama-
604 . HUIZINGA. PROFETA DE"SANGUE E ROSAS"
fascinantes a respeito da preocupacao
holandcses com 0 asseio.Em Homo looms [19381,3 Huizinga
o que vern a denorninar "0 elemento
co" na cultura, abordando atividades
como jogos e jogos como coisas "serias",
pergunta, por exernplo, 0 que Sao
"noiva". De fato acreditava nela como
pessoa ou estava apenas usando uma
de linguagem? Huizinga responde que "a
tude de Sao Francisco mistura crenca e
crenca ... Sao Francisco estava jogando
a fignra da pobreza". 0 grande
seus colegas de of ic io chamariam a s i
prios de "historiadores da s rnentalidades"
nao apenas como urn generalista
urn estilista e autor de urn best-seI ler da
toriografia, mas tambem como urn
que alargou asfronteiras da hist6ria
Notas
1 Kenneth Bruce Mcfarlane, Han s Mem l in g .
Oxford: Oxford Unive rs ity hes s. ~972. [N,E .]
2 A cu l tu ra do R en as dm e nt o n a Ttcf lia. Trad. Sergio
Tellaroli Sao Paulo: Companhia das Let ra s,
2009· [N.E.]
3 H o mo l ud en s - 0j og o c o m o elemenro do cu l tu ra . 'Irad,
Joao Paulo Monteiro. Sao Paulo: Perspectiva,
2008,57 edicao. [N.B.]
605