Ian Fleming - Os diamantes são eternos

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    IAN FLEMING

    OS DIAMANTES SOETERNOS

    traduo de JOS LAURNIODE MELO

    2.a edio

    EDITORA CIVILIZAO BRASILEIRA S. A.RIO DE JANEIRO

    SRIE JAMES BOND volume 4

    Ttulo do original em ingls:Diamonds Are ForeverCopyright 1954 by Glidrose Productions Ltd.

    IMPORTANTE:

    Esta edio no pode ser vendidaem Portugal, no continente europeu

    ou nas colnias portuguesas.

    Direitos para a lngua portuguesa adquiridos comexclusividade para o Brasil pela

    EDITORA CIVILIZAO BRASILEIRA S.A.Rua 7 de Setembro, 97que se reserva a propriedade desta traduo.

    1965

    Impresso nos Estados Unidos do BrasilPrinted in the United States of Brazil

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    AJ. F. C. B.

    eE. L. C.

    e memria deW. W. Jr.

    em Saratoga. 1954 e 55

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    Sinopse

    Os diamantes eram contrabandeados na frica, lapidados naEuropa e gastos na Amrica. James Bond desvenda uma complicadatrama internacional cujos agentes partiam do lema: "Tudo passa, s osdiamantes so eternos". A frica misteriosa, as emoes de umacorrida em Saratoga e uma trepidante visita a Los Angeles fazem partedo sensacional roteiro que o leitor percorrer ao lado de Bond,

    enquanto o agente secreto de Sua Majestade tenta desbaratar umaformidvel gang de criminosos aptridas que agiam em todo o mundo.

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    NDICE

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    1 - Abre-se o canal

    COMASDUAS patas de combate estendidas para a frente como os braos

    de um lutador, o grosso escorpio pandinus emergiu com um rangido secode dentro do buraco, do dimetro de um dedo, cavado debaixo da pedra.No centro de uma nesga de terra dura e plana, fora do buraco, o

    escorpio se deteve, apoiado nas pontas de seus quatro pares de patas, osnervos e msculos tensos, prontos para uma retirada brusca, os sentidosatentos s mnimas vibraes que lhe ditariam o passo seguinte.

    O luar, derramando-se por entre a espessa copa do espinheiro, extraacintilaes de safira das seis polegadas do corpo slido, negro e lustroso, e

    faiscava plidamente no aguilho mido e branco que ressaltava do ltimosegmento da cauda, encurvada agora em linha paralela ao dorso achatado doescorpio.

    Vagarosamente o aguilho deslizou para dentro da bainha e os nervos dabolsa de peonha se relaxaram. O escorpio decidira. A gula suplantara omedo.

    Doze polegadas alm, no fundo de um declive abrupto de areia, obesouro mido procurava apenas arrastar-se at outros pastos mais ricos do

    que os que encontrara debaixo do espinheiro. A arremetida veloz doescorpio, declive abaixo, no lhe deu tempo sequer de abrir as asas. Agitouas pernas em sinal de protesto quando a pata impetuosa lhe circundou ocorpo, e morreu no instante em que foi lancetado pelo aguilho projetado porcima da cabea do escorpio.

    Depois de matar o besouro, o escorpio ficou imvel quase cincominutos. No decorrer desta pausa identificou a natureza de sua vtima esondou mais uma vez o terreno e o ar em busca de vibraes hostis.Tranqilizado, retirou da presa semi-destruda a pata de combate e, valendo-se das duas minsculas pingas que usa para comer, ps-se a esgravatar acarne do besouro. E durante uma hora, com extrema delicadeza, comeu suavtima.

    O frondoso espinheiro, sob o qual o escorpio matou o besouro, era umponto de referncia na vastido da estepe ondulada, a umas quarenta milhasao sul de Kissidugu, na regio sudoeste da Guin Francesa. Por todos oslados divisava-se um horizonte de colinas e selva. Mas aqui, numa superfciede vinte milhas quadradas, o terreno era plano e rochoso, quase desrtico. Nomeio da catinga tropical somente esse espinheiro, talvez porque houvessegua no solo debaixo de suas razes, elevava-se altura de uma casa e podiaser visto a muitas milhas de distncia.

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    O arbusto situava-se mais ou menos na juno de trs Estados africanos.Estava na Guin Francesia, mas apenas cerca de dez milhas ao norte daextremidade mais setentrional da Libria e cinco milhas a leste da fronteirade Serra Leoa. Do outro lado dessa fronteira localizam-se as grandes minasde diamantes em volta de Sefadu. Pertencem Sierra International, que

    parte do poderoso imprio mineiro da Afric International, a qual, por suavez, propriedade da Comunidade Britnica.Uma hora antes, dentro da toca entre as razes do gigantesco espinheiro,

    o escorpio fora alertado por dois tipos de vibraes. Primeiro houve oinsignificante rudo dos movimentos do besouro. Estes pertenciam svibraes logo reconhecidas e diagnosticadas pelo escorpio. Depois houveuma srie de estrondos incompreensveis em torno da rvore, rematados porum estremecimento final que escavou parte do buraco do escorpio. Seguiu-

    se ento um tremor ritmado do solo, to regular que em breve se converteunuma vibrao habitual, despida de interesse. Aps uma pausa, voltou orudo dbil do besouro. E foi a avidez que, ao fim de um dia de fuga parabem longe do mais implacvel de seus inimigos o sol eclipsou damemria do escorpio os outros rumores e o impeliu a sair do esconderijopara as rstias do luar.

    E agora, enquanto sugava com as pinas os nacos da carne do besouro, osinal de sua morte soou distante, a leste, audvel para um ouvido humano

    mas formado de vibraes que escapavam ao sistema sensorial do escorpio.A alguns passos dali, uma mo pesada e rude, de unhas rodas, ergueu

    cautelosamente uma pedra pontuda.No houve rudo, mas o escorpio sentiu uma leve perturbao no ar.

    Imediatamente as patas de combate se voltaram para cima, golpeando scegas, o aguilho retesou-se na cauda rgida, os olhos mopes tentaramencarar o inimigo.

    A pedra foi arremessada. Filho duma gua.O homem ficou observando enquanto o inseto esmagado se debatia em

    sua agonia mortal.O homem bocejou. Em seguida ergueu-se sobre os joelhos na depresso

    arenosa junto ao tronco do arbusto onde estivera sentado quase duas horas e,protegendo a cabea com os braos, arrastou-se para fora.

    O barulho do motor, que o homem estivera esperando e que tinha

    assinado a sentena de morte do escorpio, era miais alto agora. Ao pr-seem p e fitar a trajetria da lua, o homem viu que uma forma negra edesajeitada, vindo do leste, avanava clere em sua direo. Por um instanteo luar incidiu nas lminas girantes do rotor.

    O homem limpou as mos noshortcaqui encardido e rodeou o arbusto a

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    passos rpidos, indo at o ponto em que a roda traseira de uma velhamotocicleta saa do esconderijo. Duas sacolas de ferramentas, de couro,pendiam dos lados do assento traseiro. De uma delas sacou um embrulhopequeno e pesado que guardou por dentro da camisa, Da outra retirou quatrolanternas eltricas baratas e dirigiu-se a uma clareira plana, mais ou menos

    do tamanho de uma quadra de tnis, a umas cinqenta jardas do espinheiro.Acendeu as lanternas e enfiou trs delas no cho, pela base, em trs cantosda quadra. Depois, com uma na mo, tomou posio no quarto canto eesperou.

    O helicptero movia-se lentamente agora. Estava a menos de cem ps docho, e as lminas do rotor giravam a pouca velocidade. Assemelhava-se aum inseto descomunal e mal construdo. Para o homem que o esperava,parecia, como de costume, barulhento demais.

    O helicptero parou, baixando de leve, exatamente sobre a cabea dohomem. Um brao saiu da cabina e uma lanterna piscou. Ponto-trao, A emcdigo.

    O homem respondeu, piscando B e c. Enterrou a lanterna no cho eafastou-se, protegendo os olhos do redemoinho de poeira. No alto, a marchadas lminas do rotor diminuiu imperceptivelmente, e o helicptero pousousuavemente no espao compreendido entre as quatro lanternas. Oestardalhao do motor cessou, dando uma tossidela final, o rotor da cauda

    girou alguns segundos em ponto morto e as lminas do rotor principalcompletaram umas poucas rotaes canhestras e pararam.

    No silncio cheio de ressonncias, um grilo ps-se a zumbir noespinheiro, e ouviu-se nas proximidades o trinado aflito de uma ave noturna.

    Depois que o p assentou, o piloto abriu com estrondo a porta da cabina,empurrou para fora uma escadinha de alumnio e desceu todo empertigado.Esperou ao lado do aparelho, enquanto o outro homem percorria os quatrocantos da quadra e recolhia as lanternas. O piloto chegara meia hora atrasadoao local do encontro. Irritava-o a perspectiva de escutar a inevitvel queixado outro. Desprezava todos os africaners. Esse em particular. Para umalemo e piloto da Luftwaffe, que combatera sob as ordens de Galland emdefesa do Reich, esses africaners eram uma raa bastarda, hipcrita, obtusa egrosseira. verdade que esse imbecil cumpria uma tarefa espinhosa, masque no era nada em comparao com a de pilotar um helicptero por cimade quinhentas milhas de floresta, em plena noite.

    Quando o outro se aproximou, o piloto saudou-o com um aceno. Tudo bem? Assim espero. Mas voc se atrasou de novo. Agora s vou atravessar

    a fronteira de madrugada. Defeito no magneto. Todos temos os nossos aborrecimentos. Graas a

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    Deus s h treze luas cheias por ano. Bom, se voc trouxe o negcio, me d. s abastecer e eu vou embora.

    Sem dizer uma palavra, o homem das minas de diamante levou a mo camisa e entregou o embrulho pesado e bem feito.

    O piloto recebeu o pacote, mido do suor das costelas do contrabandista,

    meteu-o num bolso lateral do bluso elegante, ps a mo para trs e enxugouos dedos no fundo doshort. timo disse ele e voltou-se para o aparelho. Um momento disse o contrabandista de diamante. Havia em sua

    voz uma nota sombria.O piloto virou-se e encarou-o. Pensou: a voz do criado que tomou

    coragem para reclamar da comida.Ja. O que ?

    As coisas esto esquentando l nas minas. No vo nada bem.Chegou de Londres um sujeito do servio secreto. Conhecido. Voc deve terlido a respeito dele. Um tal de Sillitoe. Dizem que foi contratado pelaDiamond Corporation. Surgiram novos regulamentos e todas as puniesforam duplicadas. Isso apavorou meu pessoal mido. Tive de ser implacvele... bem, um deles pagou caro. Serviu de exemplo. Mas tive de pagar mais.Dez por cento extra. E ainda no esto satisfeitos. Um dia desses o pessoalda segurana vai botar a mo em cima de um de meus agentes. E voc sabe

    como so esses negros imundos. No resistem a um acocho bem dado. Fitou um instante os olhos do piloto e logo desviou a vista. Alis, eu duvido que haja algum que possa agentar. Nem mesmo

    eu. E da? perguntou o piloto. E depois de uma pausa: Quer que eu comunique essa ameaa ABC? Mas no estou ameaando ningum corrigiu o outro

    imediatamente. Quero somente que eles saibam que o negcio estficando preto. Devem saber disso. Devem ter ouvido falar desse Sillitoe. Eveja o que disse o presidente em nosso relatrio anual. Disse que as nossasminas esto perdendo mais de dois milhes de libras por ano emcontrabando e compra ilegal de diamantes, e que compete ao governo prum paradeiro nisso. O que que isso significa? Significa que vo acabarcomigo!

    E comigo disse o piloto, conciliador. O que que voc quer

    ento? Mais dinheiro? Sim respondeu o outro, obstinado. Quero um quinho maior.Vinte por cento mais, ou ento largo tudo. Tentou ler alguma simpatia norosto do piloto.

    Est bem disse o piloto com indiferena. Darei o recado a

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    Dakar. Se eles estiverem interessados comunicaro a Londres. No tenhonada com isso, mas se eu fosse voc o piloto falou pela primeira vez semreserva no pressionaria muito essa gente. Eles podem ser mais duros doque esse tal de Sillitoe ou ia Companhia ou qualquer governo. Precisamentenessa extremidade do nosso canal, trs homens morreram nos ltimos doze

    meses. Um por ser covarde. Dois por terem surrupiado uma parte da bolada.Voc sabe disso. Foi danado o acidente sofrido por seu antecessor, no foi?Belo lugar para esconder gelignite. Debaixo da cama. E logo quem? Ele, queera to cuidadoso em tudo.

    Ficaram um momento em silncio, olhando um para o outro, ao luar. Ocontrabandista de diamantes deu de ombros.

    Est certo falou. Diga-lhes apenas que estou em apuros epreciso de mais dinheiro. Eles compreendero minha situao e, se forem

    sensatos, acrescentaro outros dez por cento s pra mim. Se no... noconcluiu a frase e aproximou-se do helicptero. Vamos. Vou ajud-lo aencher o tanque.

    Dez minutos depois o piloto encarapitou-se na cabina e arrastou aescada. Antes de fechar a porta, levantou a mo.

    At logo disse. Virei v-lo daqui a um ms.O homem que estava no cho sentiu-se" s de repente.Totsiens respondeu, com um aceno que era quase o aceno de um

    amante. Alies van die best. Recuou e levou a mo aos olhos para seresguardar da poeira.

    O piloto sentou-se e amarrou o cinto de segurana, examinando com osps o pedal do leme de direo. Certificou-se de que os freios da rodaestavam em ordem, empurrou para baixo a alavanca de comando, ligou ocombustvel e comprimiu o arranque. Satisfeito com o batimento do motor,soltou o freio do rotor e torceu o acelerador. Do lado de fora das janelas dacabina, as compridas lminas do rotor giraram lentamente. O piloto lanouuma olhadela para o rodopiante rotor traseiro. Recostou-se no assento eesperou que o indicador de velocidade do rotor acusasse 200 rotaes porminuto. Quando a agulha atingiu a casa dos 200, desprendeu os freios daroda e puxou para cima, devagar e com firmeza, a alavanca. No alto, aslminas do rotor tomaram impulso e penetraram fundo no ar. Recebendomaior acelerao, o aparelho comeou a subir lenta e ruidosamente at que, acerca de cem ps, o piloto manobrou o leme para a esquerda e impeliu para

    frente o manche que estava entre seus joelhos.O helicptero deu uma guinada para o leste e, ganhando altura evelocidade, afastou-se roncando na trilha da lua.

    No cho, o homem viu-o sumir-se, levando as 100 000 libras emdiamantes que seus homem haviam subtrado das jazidas durante o ms

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    anterior e guardado displicentemente na boca at o momento em que ele, dep ao lado da cadeira de dentista, lhes perguntava com indiferena ondesentiam as dores.

    E enquanto falava dos dentes, arrancava-lhes as pedras da boca,examinava-as luz do refletor, em voz baixa oferecia 50, 75, 100, os homens

    assentiam com a cabea, recebiam as notas, escondiam-nas e saam doconsultrio com duas aspirinas enroladas num papel, como um libi. Tinhamde aceitar o preo que ele queria pagar. Os nativos no tinham possibilidadealguma de ficar com os diamantes Quando os trabalhadores saam das minas,uma vez por ano, para visitar a tribo ou enterrar um parente, tinham desubmeter-se a exames de raios-x e purgantes de leo de rcino. Estavamdesgraados quando eram apanhados. Era to fcil procurar o consultrio dodentista, escolher o dia em que "Ele" estava de planto. E o papel-moeda no

    aparecia no raios-x.O homem empurrou a motocicleta pela trilha estreita, aberta no cho

    acidentado, e partiu em direo s colinas da fronteira de Serra Leoa. Elasestavam mais distantes agora. Ele tinha tempo apenas de chegar cabana deSusie antes do amanhecer. Fez uma careta ao pensar que tinha de ir para acama com ela ao fim de uma noite fatigante. Mas no tinha outro jeito. Odinheiro no dava para comprar o libi que ela lhe garantia. Era o corpobranco dele que ela desejava. Depois, outras dez milhas at o clube, onde

    tomava caf e ouvia as pilhrias grosseiras de seus amigos.- Boa incrustao, doutor? Ouvi dizer que ela tem os mais belos

    incisivos da Provncia. Diga-me uma coisa, doutor, o que que a luacheia tem de especial para o senhor?

    Mas cada pacote de 100 000 libras significava 1 000 libras para ele numdepsito seguro em Londres. Maravilhosas cdulas de cinco libras. Valia apena. Por Deus como valia! Mas no por muito tempo mais. No. De formaalguma! Aos 20 000 iria parar de uma vez. E ento...

    Com a cabea repleta de sonhos grandiosos, o homem seguiu aossolavancos, e to depressa quanto lhe era possvel, o caminho atravs daplanura deixando para trs o frondoso espinheiro, onde o canal da maisrica operao de contrabando do mundo iniciava a rota tortuosa que o levariafinalmente a desaguar em colos macios, a cinco mil milhas de distncia.

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    2 - Pura gema

    No, assim no. Torcendo, como um parafuso disse M, impaciente.

    James Bond, retendo na memria a recomendao de M a fim de pass-laao Chefe do Pessoal, apanhou a lupa na escrivaninha onde ela tinha cado econseguiu desta vez fix-la no olho direito.

    Embora fosse fim de julho e a sala estivesse inundada de sol, M ligara almpada da escrivaninha e a inclinara de modo a iluminar Bond. Este pegouo brilhante e segurou-o contra a luz. Enquanto o rodava nos dedos, todas ascores do arco-ris feriram-lhe a retina, dardejadas pelo emaranhado dasfacetas. Afinal, o olho aturdiu-se, ofuscado.

    Bond retirou a lupa e procurou pensar em algo adequado para dizer.M olhou-o zombeteiro. Bela pedra? Fascinante respondeu Bond. Deve valer muito dinheiro. Algumas libras pela lapidao disse M secamente. um pedao

    de quartzo. Mas vejamos outras.Consultou uma lista que tinha diante de si na escrivaninha, escolheu um

    envoltrio de papel de seda, verificou o nmero, desembrulhou-o e

    empurrou-o para o lado de Bond.Bond recolocou o quartzo no invlucro correspondente e apanhou a

    segunda amostra. Para o senhor fcil sorriu para M. O senhor est a par dos

    macetes.Atarraxou outra vez a lupa no olho e suspendeu a gema, se que era

    gema realmente, contra a luz.Desta vez, pensou, no podia haver dvida. Essa pedra tambm tinha as

    trinta e duas facetais em cima e as vinte e quatro em baixo, como o quartzo,e pesava tambm uns vinte quilates, mas tinha um ncleo de chama azulada,e as infinitas cores que se refletiam e refratavam em suas profundezaspenetravam no olho como agulhas. Com a mo esquerda, Bond agarrou oquartzo e colocou-o ao lado do diamante, diante da lupa. Era um corpo semvida, quase opaco, junto da deslumbrante transparncia do diamante. Airisao que percebera minutos antes era agora grosseira e turva.

    Bond reps o quartzo no lugar e tornou a contemplar o corao dodiamante. Agora podia compreender a paixo que os diamantes inspiraramao longo dos sculos, o amor quase sensual que despertavam naqueles que osusavam, lapidavam ou com eles negociavam. Era a ascendncia de umabeleza to pura que comportava uma espcie de verdade, uma autoridade

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    divina, diante da qual todas as outras coisas materiais se transformavam,como o pedao de quartzo, em barro. Bond entendeu o mito dos diamantes esentiu que jamais esqueceria o que tinha entrevisto no corao dessa pedra.

    Botou o diamante na tira de papel e deixou cair a lupa na palma da mo.Fitou o olhar atento de M.

    Sim disse Bond. Entendo. M reclinou-se. Isso o que Jacoby quis dizer quando almocei com eles, outro dia, naDiamond Corporation afirmou. Disse que se eu pretendia me metercom diamantes devia procurar entender o que havia no mago do negcio.No s os milhes em dinheiro, ou o valor do diamante como barreira contraa inflao, ou as modas sentimentais que mandam usar diamantes nos anisde noivado e coisas parecidas. Ele me disse que preciso entender a paixopelos diamantes. Assim ele s fez me mostrar o que eu estou lhe mostrando

    agora. E M fez um ar de riso se isso pode lhe proporcionar algumasatisfao, eu fui to engabelado por esse pedao de quartzo como voc.Bond ficou quieto e nada respondeu.

    Agora vamos dar uma olhada nos demais continuou M, acenandopara a pilha de embrulhos de papel que tinha diante de si. Eu disse a eleque gostaria de tomar emprestado algumas amostras. Parece que o meupedido no causou espanto e hoje de manh, ainda em casa, recebi todo esselote. M consultou a lista, abriu um invlucro e aproximou-o de Bond.

    O que voc acabou de examinar era o mais valioso... um "Fine Blue-white". Apontou para o grande diamante frente de Bond. Esse a um "TopCrystal", dez quilates, talhe de baguette. Pedra finssima, porm vale ametade de um "Blue-white". Repare que h nela um vestgio amareladoquase imperceptvel. O "Cape", que vou lhe mostrar agora, diz Jacoby quetem um ligeiro toque acastanhado. Macacos me mordam se eu possoenxerg-lo. Duvido que algum possa, exceto os peritos.

    Obediente, Bond apanhou o "Top Crystal", e durante o quarto de horaseguinte M conduziu-o atravs de uma gama completa de diamantes atesbarrar numa srie maravilhosa de pedras coloridas, vermelho rubi, azul,cor-de-rosa, amarelo, verde e violeta. Afinal, M apresentou um pacote depedras menores, todas defeituosas, riscadas ou de cores esmaecidas.

    Diamantes industriais. No so o que eles chamam de "pura gema".Usados em mquinas, ferramentas etc. Mas no os despreze. A Amricacomprou 5 milhes de libras dessas pedras no ano passado, e a Amrica

    apenas um dos mercados. Bronsteen me informou que foram pedras comoessas que foram empregadas no corte do tnel de St. Gothard. No outro pratoda balana, os dentistas fazem uso delas nas suas brocas. So a substnciamais resistente do mundo. No se gastam nunca.

    M tirou o cachimbo e ps-se a ench-lo.

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    Agora voc sabe tanto a respeito de diamantes quanto eu.Bond recostou-se na poltrona e correu os olhos pelas tiras de papel de

    seda e pelas pedras rutilantes espalhadas sobre o tampo de couro vermelhoda escrivaninha de M. Tentou adivinhar o que tudo aquilo queria dizer.

    Ouviu-se o som spero de um fsforo raspando a lixa, e Bond viu M

    socar o fumo aceso no fornilho do cachimbo, guardar a caixa de fsforos nobolso e inclinar a cadeira na posio preferida para refletir.Bond baixou a vista para olhar o relgio. Eram 11,30. Pensou com prazer

    na pilha de papis com o rtulo "Ultra-Secreto", que abandonaraalegremente na bandeja dos despachos, ao soar, havia coisa de uma hora, acampainha do telefone vermelho. Estava convencido agora de que no teriade manuse-los. Suponho que alguma misso informara o Chefe doPessoal em resposta pergunta de Bond. O homem diz que no receber

    mais ningum antes do almoo e j marcou uma entrevista pra voc, s duashoras, na Scotland Yard. Corra. Bond pegara o palet e entrara na salacontgua, onde vira com simpatia sua secretria protocolando outra pilhavolumosa com a nota "Urgentssimo".

    M disse Bond quando ela levantou o olhar. Bill cr que umamisso. Acho bom voc no pensar que vai ter o prazer de atirar essapapelada na minha bandeja. Por mim, pode botar no correio para o DailyExpress. Arreganhou os dentes num sorriso. Sefton Delmer no seu

    namorado, Lil? Sujeito de sorte!Ela o olhou como se o estivesse examinando. A gravata est torta disse com frieza. Afinal de contas, eu mal

    conheo o rapaz.. Curvou-se sobre seus registros, e Bond saiu para o corredor, sentindo-

    se feliz por ter uma bonita secretria.A cadeira de M estalou, e Bond olhou para o outro lado da mesa, onde

    estava o homem a quem dedicava afeio, lealdade e obedincia.Os olhos cinzentos fitaram-no pensativamente. M tirou o cachimbo da

    boca. H quanto tempo voc regressou das frias na Frana? Duas semanas. Divertiu-se? Um pouco. J para o fim estava comeando a me entediar.M no fez comentrios.

    Estive passando a vista pela sua ficha. Manejo de armas leves,perfeito. Combate desarmado, satisfatrio. O ltimo exame mdico mostraque voc est em tima forma. Fez uma pausa. O caso prosseguiusem emoo que eu tenho uma incumbncia difcil para voc e queriater a certeza de que voc estava em condies de aceit-la.

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    claro, senhor. Bond estava ligeiramente exasperado. No se engane a respeito dessa misso, 007 disse M com

    severidade. Quando lhe digo que poder ser arriscada, no estou sendomelodramtico. H muita gente velhaca que voc ainda no encontrou, epode ser que alguns tipos dessa categoria estejam envolvidos nesse negcio.

    Alguns dos mais eficientes. Por isso, no se meta a impertinente quando eupenso duas vezes antes de lhe confiar essa misso. Desculpe, senhor. Est bem, ento. M largou o cachimbo e curvou-se, com os braos

    cruzados, sobre a mesa. Vou lhe contar a estria e depois voc decide setopa ou no. Faz uma semana continuou um dos chefes doTesouro veio me ver. Estava acompanhado do Secretrio Permanente doMinistrio do Comrcio. O assunto era diamante. Parece que a maior parte

    do que em todo o mundo conhecido como "gema" minerada em territriobritnico e que noventa por cento de todas as vendas de diamantes seefetuam em Londres. Pela Diamond Corporation. M deu de ombros. No me pergunte por qu. Os britnicos se apoderaram do negcio nocomeo do sculo e at agora conseguiram agarrar-se a ele. Atualmente ocomrcio vultoso. Cinqenta milhes de libras por ano. a maior fonte dedivisas de que dispomos. Por isso, quando alguma coisa anda errada nessesetor, o governo fica preocupado. E isso o que aconteceu. M lanou um

    olhar conciliador a Bond. Pelo menos dois milhes de libras emdiamantes so contrabandeados da frica anualmente.

    muito dinheiro disse Bond. E para onde vo as pedras? Dizem que para a Amrica respondeu M. E eu tambm sou da

    mesma opinio. A Amrica sem dvida o maior mercado de diamantes. Eas quadrilhas que l existem so as nicas que poderiam comandar umaoperao de tal vulto.

    Por que as companhias de minerao no reprimem o contrabando? Tm feito tudo quanto podem disse M. Voc provavelmente leu

    nos jornais que De Beers contratou nosso amigo Sillitoe logo que estedeixou o MI5. Sillitoe est l agora, trabalhando em cooperao com apolcia sul-africana. Imagino que ele deve ter sugerido medidas drsticas edado algumas idias brilhantes para colocar as coisas nos eixos, mas -oTesouro e o Ministrio do Comrcio no esto muito propensos a p-las emprtica. Julgam que a questo complexa demais para ser resolvida por um

    grupo de companhias isoladas, por mais eficientes que sejam. Alm disso,tm um motivo muito forte para desejarem agir oficialmente por contaprpria.

    E qual esse motivo? Agora mesmo existe em Londres uma quantidade enorme de pedras

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    contrabandeadas disse M, e seus olhos cintilaram do outro lado daescrivaninha. Esto aguardando o momento de serem transportadas para aAmrica. E a Agncia Especial sabe quem vai ser o portador. Logo queRonnie Vallance soube da estria, por intermdio de uma de suasalcoviteiras do Soho, gente do seu "Esquadro Fantasma" como ele gosta de

    dizer, correu ao Tesouro. O Tesouro comunicou-se com o Ministrio doComrcio, e os dois ministrios foram ao Primeiro Ministro, que osautorizou a usarem o Servio.

    Por que no deixar que a Agncia Especial do MI5 tome conta docaso? perguntou Bond, achando que M parecia atravessar uma fase deintromisso nos negcios alheios.

    evidente que podiam prender os portadores assim que elesrecebessem a encomenda e tentassem sair do pas disse M com

    impacincia. Mas isso no acabar com a traficncia. Esse povo no dotipo que d com a lngua nos dentes. E de resto os portadores so s a arraia-mida. Provavelmente s fazem receber o embrulho de um homem numparque e entregar a outro homem, noutro parque, quando chegam ao outrolado. O nico meio de ir ao fundo da coisa seguir a pista at a Amrica ever aonde vai dar. Infelizmente o FBI pouco poder fazer pra nos ajudar. Isso uma parte insignificante de sua batalha com as grandes quadrilhas. Etambm no causa prejuzo algum aos Estados Unidos. Antes pelo contrrio.

    S quem perde a Inglaterra. Alm do mais, a Amrica est fora dajurisdio da polcia e do MI5. S O Servio pode encarregar-se dessetrabalho.

    verdade concordou Bond. Mas temos algum outro ponto dereferncia?

    J ouviu falar da House of Diamonds? Claro que ouvi disse Bond. Os famosos palheiros americanos.

    Rua 46 em Nova York e Rue de Rivoli em Paris. Imagino que hoje eles soto importantes como Cartier, Van Cleef e Boucheron. Subiram bemdepressa desde a guerra.

    Exatamente continuou M. So eles mesmos. Tm uma lojinhaem Londres tambm. Em Hatton Garden. Compravam muito nas exposiesmensais da Diamond Corporation. Mas nos ltimos trs anos vmcomprando cada vez menos. Embora, como voc diz, suas vendas de jiasvenham aumentando de ano para ano. Devem receber seus diamantes de

    alguma parte. Foi o Tesouro que os mencionou outro dia, em nossa reunio.Mas no h nada contra eles. S que mantm aqui um dos figures da firma,o que estranho, j que compram to pouco. Um sujeito chamado Rufus B.Saye. Pouco se sabe a respeito dele. Almoa diariamente no ClubeAmericano, em Piccadilly. Joga golfe em Sunningdale. No bebe nem fuma.

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    Mora no Savoy. Cidado modelar. M deu de ombros. Mas o comrciode diamantes uma espcie de negcio de famlia, com seus requintes eformalidades, e a impresso que a gente tem que a House of Diamondsparece um pouco deslocada. S isso.

    Bond achou que j era tempo de formular a pergunta decisiva.

    E onde que eu entro? indagou, fitando os olhos de M. Voc tem um encontro com Vallance na Scotland Yard dentro de M consultou o relgio uma hora, precisamente. Ele por voc em ao.Vo prender o portador hoje de noite e voc o substituir.

    Os dedos de Bond crisparam-se ligeiramente em volta dos braos dapoltrona.

    E depois? Depois respondeu M com simplicidade voc vai contrabandear

    os diamantes para os Estados Unidos. Pelo menos esse o plano. Que me dizdisso?

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    3 - Gelo quente

    JAMES BOND fechou, atrs de si, a porta do gabinete de M. Deu um

    sorriso aos clidos olhos castanhos de Miss Moneypenny, atravessou a sala eentrou no escritrio do Chefe do Pessoal.O Chefe do Pessoal, um tipo magro e sossegado, mais ou menos da

    mesma idade de Bond, largou a pena e reclinou-se na cadeira. Viu Bond,num gesto automtico, meter a mo no bolso traseiro da cala, puxar acigarreira achatada de cor cinza-chumbo, caminhar at a janela aberta econtemplar Regents Park l embaixo.

    Nos movimentos de Bond havia um qu de refletida deliberao que

    respondia pergunta do Chefe do Pessoal. Ento voc topou a parada. Bond voltou-se. Topei sim disse ele e acendeu um cigarro. Seus olhos miravam o

    Chefe do Pessoal atravs da fumaa. Mas me diga s uma coisa, Bill. Porque o velho est to cauteloso a respeito desse negcio? Chegou at a ver osresultados de meu ltimo exame mdico. Por que est to preocupado?Afinal no se trata de nenhuma incumbncia por trs da Cortina de Ferro. AAmrica um pas civilizado. Mais ou menos. O que o atormenta? Era dever

    do Chefe do Pessoal saber o que se passava na cabea de M. Seu cigarro seapagara, e ele acendeu outro, atirando depois o fsforo gasto por cima doombro esquerdo. Virou-se para ver se tinha cado na cesta de papis usados.Tinha. Sorriu para Bond.

    Prtica constante disse ele. No h muitas coisas quepreocupem M, James. E voc sabe disso to bem quanto qualquer outrapessoa do Servio. A SMERSH, naturalmente, uma delas. Os alemesvioladores de cdigos. A pandilha chinesa do trfico de pio... ou pelomenos sua influncia no mundo inteiro. O prestgio da Mfia. E tem umbruto respeito por elas, as quadrilhas americanas. As grandes. Isso tudo.So as nicas pessoas que realmente apoquentam o velho. E parece quasecerto que essa estria dos diamantes vai levar voc luta com as quadrilhas.Elas so a ltima categoria de gente com que ele nos quer ver envolvidos. Jtem muito que fazer sem elas. Foi isso que o tornou cauteloso.

    No vejo nada de extraordinrio nesses bandidos americanos protestou Bond. No so americanos. Quase todos so italianos vadios,que usam camisas com monogramas, passam o dia comendo espaguete ealmndegas e se perfumam dos ps cabea.

    o que voc pensa objetou o Chefe do Pessoal. Bom, narealidade, esses so os que a gente v. Mas h outros, superiores, por trs

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    deles, e outros ainda mais superiores por trs desses ltimos. Veja o caso dosnarcticos. Dez milhes de viciados. E de onde recebem a liamba? O jogo deazar... refiro-me ao jogo legalizado. Duzentos e cinqenta milhes de dlarespor ano a receita de Las Vegas. E h tambm o jogo por baixo do pano, emMiami, Chicago e outras cidades. No comando esto as quadrilhas e seus

    testas-de-ferro. H alguns anos deram as contas de Bugsy Siegel s porqueele queria uma cota maior da receita de Las Vegas. E ele era duro. Essasso as grandes operaes. Voc j pensou que o jogo a maior indstria daAmrica? Maior do que a do ao? Maior do que a de automveis? E arapaziada no poupa nada pra manter a coisa funcionando sem atropelo. Seno acredita, pegue um exemplar do Relatrio Kefauver e leia. E agora essesdiamantes. Seis milhes de dlares por ano um bocado de dinheiro. Podeapostar o que quiser como o negcio bem protegido. O Chefe do

    Pessoal fez uma pausa. Olhou impaciente para o vulto alto, de palet sacoazul-escuro, e para os olhos obstinados no rosto magro e trigueiro. Talvezvoc no tenha lido o relatrio do FBI sobre o crime nos Estados Unidos.Relatrio deste ano. Bastante ilustrativo. Trinta e quatro crimes de morte pordia. Quase 150 000 americanos assassinados nos ltimos vinte anos. Bond pareceu incrdulo. fato, no conversa no. Arranje essesrelatrios e verifique voc mesmo. por isso que M quis se certificar de quevoc estava em forma antes de lhe confiar essa misso. Voc vai topar de

    testa com essas quadrilhas. E vai estar sozinho. Satisfeito agora?O rosto de Bond se descontraiu. Ora vamos, Bill! disse ele. Se

    isso o que me aguarda, eu lhe pago o almoo. a minha vez e eu querocelebrar. Estou livre do papelrio at o fim do vero. Levarei voc ao Scottse l teremos um cozido de caranguejo e uma caneca de cerveja. Voc metirou um peso da conscincia. Pensei que havia algum problema srio arespeito desse negcio.

    Est bem, vamos. Raios o partam! O Chefe do Pessoal ps departe as apreenses que partilhava com seu chefe e saiu com Bond dogabinete, batendo a porta atrs de si com desnecessria violncia.

    Mais tarde, s duas horas em ponto, Bond trocava um aperto de mo como tipo garboso e simptico do antiquado escritrio que ouve mais segredosdo que qualquer outro escritrio da Scotland Yard.

    Bond tinha feito amizade com o Comissrio Assistente Vallance no casoMoonraker. Assim, nenhum dos dois perdeu tempo com prembulos.

    Vallance empurrou para o outro lado da escrivaninha duas fotos deidentificao tiradas pelo Departamento de Investigao Criminal. Elasmostravam um rapaz bem-apessoado, de cabelos negros e cara de fanfarro,na qual os olhos sorriam sem malcia.

    o tal disse Vallance. Voc poder passar por ele perante

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    algum que s o conhea de descrio. Peter Franks. Tipo simptico. Boafamlia. Estudou em bons colgios, etctera e tal. Depois transviou-se e athoje. Especialidade: gatunagem. Pode ter tomado parte no roubo do Duquede Windsor em Sunningdale, h alguns anos. Ns o apanhamos uma ou duasvezes, mas em coisas bobas. Agora ele deu com a lngua nos dentes.

    Costumam fazer isso quando se metem num ramo que no conhecem. Eutenho duas ou trs pequenas que so nossas informantes l no Soho. E eleest caidinho por uma delas. O mais engraado que ela tambm pareceestar cada por ele e pensa que pode regener-lo, conquist-lo para o bomcaminho, enfim, essa xaropada toda. Mas ela tem sua tarefa, e quando elefalou nesse negcio, sem dar muita importncia, como se fosse uma simplespagodeira, ela veio aqui me contar. Bond fez um movimento com a cabea.

    Esses vigaristas especializados nunca levam a srio as atividades dos

    outros. Aposto que ele no teria dito nada a ela se se tratasse de uma de suastrampolinagens nas casas de campo.

    De jeito nenhum concordou Vallance. De outra forma ns oteramos trancafiado h muito tempo. Bom, o que certo que ele foiabordado por um amigo e concordou em passar uma muamba para osEstados Unidos por 5 000 dlares. A pagar na entrega. A pequena quis saberse era entorpecente. A ele riu e disse: "Que nada! Coisa mais fina, geloquente". Os diamantes j estavam com ele? No. ainda tinha que entrar em

    contacto com sua "guarda". Amanh de noite no Trafalgar Palace. s cinco,no quarto da dona. Ela se chama Case. Ela diria o que ele tinha de fazer eviajaria com ele. Vallance ergueu-se e ps-se a passear de um lado paraoutro defronte do quadro de cdulas falsas de cinco libras, pregado na paredeoposta s janelas. Esses contrabandistas geralmente andam aos paresquando a carga preciosa. O portador nunca merece confiana integral, e oshomens no outro extremo da linha gostam de ter uma testemunha para o casode haver alguma encrenca na alfndega. E se o portador falar, os maioraisno sero apanhados desprevenidos.

    Carga preciosa. Portadores. Alfndega. Guardas. Bond apagou o cigarrono cinzeiro da escrivaninha de Vallance. Quantas vezes, em seus primeirostempos no Servio, tinha ele passado por esse ramerro de Estraburgopara a Alemanha, de Niegoreloye para a Rssia, por cima do Simplon,atravs dos Pirineus? A tenso. A boca ressequida. As unhas enfiadas naspalmas das mos. E agora, diplomado em todas essas matrias, l iria ele

    passar outra vez pela mesma rotina. , estou vendo disse Bond, furtando-se s lembranas que oassediavam. Mas qual o quadro geral? Tem alguma idia? Em que tipode operao Franks ia ser encaixado?

    Bem, seguramente os diamantes vm da frica. Os olhos de

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    Vallance eram impenetrveis. Talvez no das minas da Unio. maisprovvel que venham do grande vazamento que o nosso Sillitoe andainvestigando em Serra Leoa. Talvez passam pela Libria, ou, melhor ainda,pela Guin Francesa. Da para a Frana, possivelmente. E desde que essepacote veio dar em Londres, de presumir que Londres faz parte tambm da

    rota.Vallance interrompeu o passeio e fitou Bond. E agora que sabemos que esse pacote est a caminho da Amrica, o

    que nos intriga o que vai acontecer quando chegar l. Os operadores noiriam tentar economizar dinheiro na lapidao... nisso vai metade do dinheirode um diamante... Por isso parece que ias pedras so canalizadas paraalguma firma do ramo, depois lapidadas e lanadas no mercado como asoutras. Vallance deteve-se um instante. No se importar se eu lhe der

    um conselho? Ah, no seja ridculo! Pois bem continuou Vallance em todos esses negcios a

    recompensa paga aos subalternos de modo geral o elo mais frgil dacadeia. E como que esse Peter Franks ia receber 5 000 dlares? De quem?E se fosse bem sucedido, seria contratado outra vez? Se eu estivesse na suapele, Bond, prestaria ateno a esses pontos. Procuraria descobrir quem faz opagamento e tentaria aproximar-me dos chefes. Se eles forem com a sua

    cara, no ser difcil. Bons portadores no aparecem todos os dias, e iatemesmo os maiorais vo se interessar pelo novo recruta.

    Perfeito disse Bond meditativo voc tem razo. A dificuldadeprincipal ser passar pelo primeiro contacto na Amrica. Vamos torcer paraque eu no seja descoberto na alfndega de Idlewild. Vou ficar com cara debobo se o inspetoscpio me pilhar. Mas espero que essa dona Case tenhaalgumas idias brilhantes sobre a maneira de transportar a muamba. E agora,qual o primeiro passo? Como que voc me vai fazer passar por PeterFranks?

    Vallance reiniciou o passeio. Acredito que isso no ter maiorescomplicaes disse ele. Vamos engaiolar Franks hoje de noite, sob 'aacusao de que ele est conspirando para burlar a alfndega. Fez um arde riso. pena que a gente v desfazer uma amizade to bela com aminha pequena do Soho. Mas o jeito. Depois, a idia geral de voc ir aoencontro de Miss Case.

    Ela, o que que sabe a respeito de Franks? Descrio e nome respondeu Vallance. o que ns supomos,pelo menos. Acho que ela nem conhece o homem que abordou Frank.Ningum conhece ningum nessa linha intermediria. Cada um faz seuservio num compartimento estanque. Assim, abrindo-se um buraco, no se

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    perde tudo. E voc, o que que sabe a respeito dela? As ninharias do passaporte. Cidad americana. 27 anos. Nascida em

    So Francisco. Loura. Olhos azuis, 1,68 de altura. Profisso: solteira. Esteveaqui umas doze vezes nos ltimos trs anos. Pode ter estado muito mais sob

    outros nomes. Sempre se hospeda no Trafalgar Palace. O detetive do hotelinforma que ela parece sair muito pouco. Raramente recebe visitas. Nuncafica alm de duas semanas. Nunca cria problemas. tudo. No se esquea defabricar uma boa estria quando for falar com ela. Explique por que vai fazero servio e assim por diante.

    Eu cuido dessa parte. Mais alguma coisa em que possamos ajudar?Bond pensou um pouco. Cabia-lhe tomar conta do resto. Uma vez em

    ao, trataria de improvisar, de acordo com as circunstncias. Ento lembrouda joalheria.

    E essa House of Diamonds que despertou as suspeitas do Tesouro?Parece uma conjetura um pouco vaga. Alguma sugesto?

    Para ser franco, eu no tinha me preocupado com ela. O tom devoz de Vallance era o de quem se desculpava. Tomei informaes sobreesse tal de Saye. Tambm aqui no achei nada alm dos detalhes dopassaporte. Americano. 45 anos. Negociante de diamantes. E por a vai. Ele

    viaja muito para Paris. De fato, nos ltimos trs anos tem ido l uma vez porms. possvel que v ver uma garota. Mas quer saber de uma coisa? Porque no vai dar uma olhada na loja e nele? Nunca se sabe o que se podeganhar com isso.

    E como que eu fao pra ir l? perguntou Bond em dvida.Ao invs de responder, Vallance apertou um boto do interfone, em cima

    de sua mesa. Pronto, senhor atendeu uma voz metlica. Por favor, Sargento, mande subir Dankwaerts e Lobiniere. E depois

    me consiga uma ligao telefnica com a House of Diamonds, a joalheria deHatton Garden. Diga que quer falar com Mr. Saye.

    Vallance afastou-se e olhou pela janela para o rio. Tirou um isqueiro dobolso do colete e comeou a golpe-lo de leve, distrado. Houve umapancada na porta, e o secretrio de Vallance enfiou a cabea.

    Sargento Dankwaerts, senhor.

    Mande-o entrar disse Vallance. Retenha Lobiniere at que eu ochame.O secretrio segurou a porta aberta, dando passagem a um indivduo de

    feies comuns e vestido paisana. Usava culos, tinha o rosto plido e ocabelo comeava a rarear. A expresso era de bondade e solicitude. Poderia

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    ser um funcionrio graduado de qualquer estabelecimento comercial. Boa tarde, Sargento disse Vallance. Este o Comandante Bond,

    do Ministrio da Defesa. O Sargento sorriu polidamente. Eu queriaque o senhor levasse o Comandante Bond House of Diamonds em HattonGarden. Ele ser o "Sargento James" do seu corpo de auxiliares. O senhor

    acredita que os diamantes roubados em Ascot esto a caminho da Argentinaatravs dos Estados Unidos, e dir isso a Mr. Saye, o chefe da firma. Osenhor calcula que talvez Mr. Saye tenha ouvido algum boato a respeito, porintermdio da matriz em Nova York. Sabe como , discrio e amabilidade.Mas no deixe de fit-lo dentro dos olhos. Pressione o mais que puder, semdar motivo algum para queixa. Depois pea desculpas, retire-se e esqueatudo o que foi dito. Certo? Alguma pergunta?

    No, senhor respondeu o Sargento Dankwaerts, impassvel.

    Vallance proferiu algumas palavras no interfone e, segundos depois,surgiu na sala um tipo plido, insinuante, elegantemente trajado paisana eportando uma pequena pasta para documentos. Aguardou de p, junto porta.

    Boa tarde, Sargento. Venha dar uma espiada neste amigo meu.O Sargento deu alguns passos, parou perto de Bond e, com gestos

    corteses, virou-o para a luz. Dois olhos escuros e penetrantesesquadrinharam atentamente o rosto de Bond durante um bom minuto.

    Depois, o homem afastou-se. No posso garantir a cicatriz por mais de seis horas disse ele.

    Neste calor impossvel. Mas o resto no tem dificuldade. Quem que elevai ser, senhor?

    Vai ser o Sargento James, do corpo de auxiliares do SargentoDankwaerts. Vallance consultou o relgio. S por trs horas, possvel?

    Sem dvida. Posso comear? A um sinal afirmativo da cabea deVallance, o policial conduziu Bond a uma cadeira junto janela, botou apasta no soalho ao lado da cadeira, ps um joelho no cho e abriu a pasta. Edurante dez minutos, seus dedos geis ocuparam-se com a cara e o cabelo deBond.

    Conformado, Bond escutou a conversa de Vallance com a House ofDiamonds.

    S s 3,30? Nesse caso, poderia dizer a Mr. Saye que dois de meus

    homens iro v-lo s 3,30 em ponto? Sim. importante, parece-me. Meraformalidade, naturalmente. Investigao de praxe. No creio que tome maisde dez minutos do tempo de Mr. Saye. Muito obrigado. Sim. ComissrioAssistente Vallance. Perfeito. Scotland Yard. Sim. Muito grato. At logo.

    Vallance colocou o receptor no gancho e voltou-se para Bond.

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    Diz a secretria que Mr. Saye s estar de volta s 3,30. Sugiro quevocs cheguem l s 3,15. No faz mal nenhum examinar antes o local.Sempre til tirar um pouco o equilbrio do homem que vocs vo visitar.Como vai indo isso a?

    O Sargento Lobiniere segurou um espelho de bolso diante de Bond.

    Um toque branco nas tmporas. A cicatriz eliminada. Vaga sugesto deconcentrao nos cantos dos olhos e da boca. Leves sombras debaixo dasmas do rosto. Nada em que se pudesse colocar o dedo, mas tudo juntototalizava algum que certamente no era James Bond.

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    4 - "Que se passa aqui?"

    No CARRO DA patrulha, o Sargento Dankwaerts estava imerso em seus

    pensamentos. Em silncio, percorreram toda a extenso do Strand, subiramChancery Lane e foram sair em Holborn. Em Gamages entraram esquerdapara Hatton Garden, e o carro estacionou nas proximidades dos * portaisalvos e limpos do London Diamond Club.

    Bond seguiu o companheiro pela calada at uma porta vistosa, nocentro da qual havia uma lustrosa placa de bronze com a inscrio: "TheHouse of Diamonds". Logo abaixo lia-se: "Rufus B. Saye. Vice-Presidentepara a Europa". O Sargento Dankwaerts apertou a campainha. Uma bonita

    moa judia abriu a porta, levou-os por um corredor alcatifado e introduziu-osnuma sala de espera apainelada.

    Estou esperando Mr. Saye a qualquer momento explicou a moacom indiferena e retirou-se, fechando a porta.

    A sala era luxuosa e, graas ao braseiro extemporneo da lareira Adam,excessivamente calorenta. No centro do tapete cor-de-vinho e sem uma rugahavia uma mesa circular de pau-rosa Sheraton e seis poltronas, que Bondcalculou terem custado pelo menos mil libras. Em cima da mesa

    espalhavam-se nmeros recentes de revistas e vrios exemplares doDiamond News de Kimberley. Os olhos de Dankwaerts brilharam ao veremessas publicaes. Ele sentou-se e comeou a folhear o nmero de junho.

    Em cada uma das quatro paredes havia um quadro de flores numamoldura dourada. A tridimensionalidade desses quadros chamou a atenode Bond, e ele deu alguns passos para examinar um deles. No era pintura,mas um arranjo estilizado de flores naturais, dispostas por trs de vidros emnichos forrados de veludo acobreado. Todos eram iguais, e os quatro jarrosWaterford em que se encontravam as flores formavam um conjunto perfeito.

    A sala estaria mergulhada em completo silncio no fosse o tique-taquehipntico de um grande relgio de parede em forma de sol irradiante e obrando murmrio de vozes atrs de uma porta defronte da entrada. Ouviu-seum estalido, a porta abriu-se ligeiramente e uma voz com carregadaentonao estrangeira tagarelou uma queixa:

    Mas, Mister Grunspan, por que tanta inflexibilidade? Todos temos deganhar a vida, no assim? Estou lhe dizendo que esta maravilhosa pedrame custou dez mil libras. Dez mil! No acredita em mim? Mas eu juro.Palavra de honra!

    Houve uma pausa de recusa e a voz lanou a derradeira proposta: Melhor ainda! Aposto cinco libras com voc! Soou uma gargalhada.

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    Willy, voc o tal falou uma voz americana. Mas nada feito.Gostaria de ajud-lo, mas essa pedra no vale mais de nove mil, e por cimadisso dou cem s pra voc. Agora v embora e pense na proposta que lhe fiz.Voc no achar oferta maior.

    A porta abriu-se completamente e um homem de negcios americano, de

    pince-nez e boca severa, conduziu para fora um judeuzinho perplexo, quetrazia uma enorme rosa vermelha enfiada no boto da lapela. Ambos ficaramespantados ao perceber que a sala de espera estava ocupada e, com um"Perdo" sussurrado a ningum em particular, o americano quase empurrouo outro para o corredor. A porta fechou-se atrs deles.

    Dankwaerts ergueu o olhar e piscou para Bond. Est a em sntese todo o comrcio de diamantes disse ele. Esse

    que saiu Willy Behrens, dos mais conhecidos corretores da praa. Trabalha

    por conta prpria. Suponho que o outro o comprador de Saye.Voltou sua leitura, e Bond, reprimindo o impulso de acender um

    cigarro, continuou a examinar os "quadros" das flores.De repente, o luxuoso, alcatifado e hipntico silncio da sala foi

    interrompido por um rudo semelhante ao do cuco de um relgio. No mesmoinstante, uma acha de lenha caiu na lareira, o resplandecente relgio deparede bateu a meia hora, a porta abriu-se com violncia e um homenzarromoreno deu duas passadas rpidas dentro do quarto e estacou, olhando com

    firmeza de um para outro visitante. Meu nome Saye disse com aspereza. Que se passa aqui? Que

    desejam vocs?Tinha deixado a porta aberta. O Sargento Dankwaerts ergueu-se e,

    polido mas imperturbvel, passou pelo homem e fechou-a. Depois, voltou aocentro da sala.

    Sou o Sargento Dankwaerts, da Agncia Especial da Scotland Yard disse ele numa voz calma e sossegada.

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    de quartzo. Tinha a cara quadrada, cujas arestas eram acentuadas pelo cabelode arame, curto e negro, cortado en brosse e sem costeletas. O rosto estavaescanhoado e os beios formavam uma linha reta, fina e comprida. O queixoretangular tinha uma fenda profunda e os msculos avultavam nasextremidades da mandbula. Vestia um terno folgado, preto, de palet saco,

    camisa branca e uma gravata preta quase da grossura de um enfiador desapato, presa por um alfinete de ouro representando uma lana. Os braoscompridos pendiam com naturalidade ao longo do corpo e terminavam emduas mos enormes, agora ligeiramente fechadas, cujas costas cobriam-se deplos negros. Os ps avantajados, metidos num par de sapatos pretos e caros,deviam calar 44.

    Bond julgou-o um homem rude e eficiente, que tinha triunfado num bomnmero de escolas violentas e que parecia estar ainda cursando uma delas.

    ...e essas so as pedras em que estamos particularmente interessados concluiu o Sargento Dankwaerts, recorrendo cadernetinha preta. Um"Wesselton" de 20 quilates. Dois "Fine Blue-white" de cerca de 10 quilatescada um. Um "Yellow Premier" de 30 quilates. Um "Top Cape" de 15quilates e dois "Cape Union" de 15 quilates. Levantou a vista dacaderneta e encarou os olhos negros e implacveis de Mr. Saye. Teralgum deles passado pelas suas mos, Mr. Saye, ou por sua firma de NovaYork? perguntou no mesmo tom de voz.

    No respondeu secamente Mr. Saye. No passaram. Deumeia volta, foi at a porta e abriu-a. E agora, senhores, passem bem.

    Sem lhes dar mais ateno, Mr. Saye saiu da sala e os dois ouviram-nogalgar alguns degraus. Uma porta abriu-se, fechou-se e, por fim, silncio.

    Impvido, o Sargento Dankwaerts enfiou a caderneta no bolso do colete,pegou o chapu, entrou no corredor e saiu para a rua. Bond seguiu-o.

    Entraram no carro e Bond deu o endereo de seu apartamento, numa dastransversais de King's Road. Quando o veculo se ps em movimento, oSargento Dankwaerts desafivelou a mscara oficial. Voltou-se para Bond eolhou-o divertido.

    Gostei da experincia disse alegremente. No todos os diasque a gente topa com um sujeito to disposto. E o senhor, conseguiu o quequeria?

    Bond deu de ombros. Pra lhe dizer a verdade, Sargento, no sei exatamente o que que eu

    queria. Mas estou satisfeito de ter visto Mr. Rufus B. Saye. O cara pravaler mesmo, sabe? S que no corresponde muito idia que eu fao de umhomem que negocia com diamantes.

    O Sargento Dankwaerts deu uma risadinha gutural. De diamante ele no entende nada disse. Aposto!

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    Como que o senhor sabe? Quando eu li a lista de pedras procuradas o Sargento Dankwaerts

    sorriu deliciado mencionei um "Yellow Premier" e dois "Cape Union". E da? Acontece somente que no existem pedras com esses nomes.

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    5 - "Feuilles mortes"

    BONDSENTIU s suas costas o olhar do ascensorista, enquanto avanava

    pelo corredor comprido e silencioso em direo ao Apartamento 350. No sesurpreendeu. Sabia que se cometiam mais infraes neste do que emqualquer outro dos grandes hotis de Londres. Vallance tinha-lhe mostradocerta vez o mapa mensal do crime na cidade. Apontara para a floresta debandeirolas fincadas em torno do Trafalgar Palace e dissera:

    Este local a dor de cabea dos homens que preparam esses mapas.Todo ms fica to perfurado que eles tm de colar nova folha de papel prareceber os alfinetes do ms seguinte.

    Ao aproximar-se do fim do corredor, Bond comeou a ouvir um pianoque lanava ao ar as notas de uma melodia melanclica. porta do 350,percebeu que a msica vinha do quarto. Reconheceu a melodia. Era FeuillesMortes. Bateu.

    Entre.Haviam telefonado da portaria, e a voz o aguardava. Bond introduziu-se

    na sala de estar e fechou a porta. Feche com a chave a voz vinha do quarto de dormir.

    Bond obedeceu e depois, atravessando o centro da pea, foi postar-sedefronte da porta aberta do quarto de dormir. Quando passou pela radiolaporttil sobre a escrivaninha, o pianista comeava a tocarLa Ronde.

    A mulher, seminua, estava escarranchada numa cadeira diante dotoucador, e olhava por cima do espaldar para o espelho triplo. O queixodescansava sobre os braos cruzados no espaldar. A espinha arqueava-se, ehavia arrogncia no conjunto formado pela cabea e pelos ombros. O cordopreto do porta-seios atravessado nas costas nuas, as calcinhas pretasrendadas e coladas nos quadris e o abandono das pernas fustigaram ossentidos de Bond.

    Desviando o olhar da prpria imagem, a moa inspecionou-o no espelho,rpida e friamente.

    Creio que voc o novo auxiliar disse ela com indiferena, numavoz baixa e algo rouca. Sente-se e aprecie a msica. O melhor disco demsica popular gravado at hoje.

    Bond achou graa. Docilmente deu alguns passos at uma poltrona baixae confortvel, moveu-a um pouco do lugar de modo que pudesse ver a moaatravs da porta aberta e sentou-se.

    Posso fumar? perguntou, sacando a cigarreira do ibolso e botandoum cigarro na boca.

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    Pode, j que assim que pretende morrer.Miss Case retomou a silenciosa contemplao do prprio rosto no

    espelho, enquanto o pianista tocava J'attendrai. Depois o disco chegou aofim.

    Com indiferena, ela sacudiu os quadris para fora da cadeira e ficou de

    p. Inclinou ligeiramente a cabea, e os cabelos louros, que caampesadamente sobre os ombros, curvaram-se com o movimento e apareceramiluminados.

    Pode virar o disco, se quiser disse ela em tom displicente. Estarei a num minuto e desapareceu num canto do quarto.

    Bond foi at a radiola e apanhou o disco. Era George Feyer comacompanhamento de ritmo. Olhou para o nmero e gravou-o na memria.Vox-500. Examinou o outro lado e, saltando La Vie en Rox para evitar as

    recordaes, colocou a agulha no princpio deAvril au Portugal.Antes de afastar-se da radiola, puxou com cuidado o mata-borro que

    estava por baixo e levantou-o contra a lmpada do quebra-luz ao lado daescrivaninha. Virou-o de lado e relanceou o olhar pela superfcie. Noencontrou sinais. Sacudiu os ombros, tornou a enfi-lo no lugar e voltou paraa poltrona.

    A msica parecia combinar com a jovem. Era como se todas as melodiaspertencessem a ela. No admirava que esse fosse o seu disco preferido, pois

    tinha dela a sensualidade atrevida, a petulncia das maneiras, o toquepungente que Bond vislumbrara nos olhos que o fitaram melanclicamentedo espelho.

    Bond no se dera ao trabalho de imaginar a mulher que o vigiariadurante a viagem. No poderia ser outra seno uma velhusca desenxabida,masculinizada, de olhos sem vida uma mulher arrogante e cruel,"passada", cujo corpo j no tinha o menor interesse para a quadrilha que aempregava. E a estava essa garota. Valente, sim, as atitudes o proclamavam.Mas qualquer que fosse a estria de seu corpo, a pele irradiara vida sob aclaridade.

    Qual seria seu primeiro nome? Bond levantou-se outra vez e dirigiu-seao toca-discos, de cuja ala pendia uma etiqueta da Pan American Airways,onde se lia: Miss T. Case. E esse T? Bond voltou para a poltrona. Teresa?Tess? Thelma? Tilly? No, esses nomes no quadravam. Mas no podia serTrixie, nem Tony e muito menos Tommy.

    Ainda se divertia com o problema, quando ela surgiu sem rudo namoldura da porta, encostou um cotovelo no portal, apoiou a cabea na mo eolhou-o pensativa.

    Bond ergueu-se sem pressa e retribuiu o olhar.Ela estava pronta para sair. Mas o chapu, minsculo objeto preto,

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    rodava nos dedos da outra mo. Vestia um elegante tailleurnegro por cimade uma blusa verde-oliva abotoada no pescoo. Calava meias de nylon, deum amarelo queimado, e sapatos pretos de crocodilo, de bico quadrado, quedeviam ter custado muito dinheiro. Num dos punhos trazia um relgio fino,de ouro, preso a uma correia preta, e no outro uma grossa corrente de ouro.

    Uma baguette chamejava no anular da mo direita e um brinco de prolaemoldurado em ouro aparecia na orelha direita que a abundante cabeleiraloura deixava a descoberto.

    Era bela em seu estouvamento, como se guardasse sua beleza para si eno ligasse impresso que causava nos homens. Um caimento irnico dassobrancelhas delicadamente riscadas acima dos olhos grandes, rasos,acinzentados e algo desdenhosos, parecia dizer:

    Venha. Experimente. Mas com cuidado.

    Os prprios olhos tinham a qualidade rara da opalescncia. Quando asjias so opalescentes, a cor de sua refulgncia se altera com o movimentoda luiz. A cor dos olhos da moa parecia oscilar entre o cinzento claro e ocinza-azulado profundo.

    A pele era levemente bronzeada, e o nico vestgio de maquilagemresidia no vermelho intenso dos lbios carnudos, macios, com o laivo deenfado necessrio para produzir o efeito daquilo que se chama "bocapecadora". Mas, pensou Bond, decerto essa no teria pecado' muito, a julgar

    pelos olhos rasos e pela sugesto de autoridade e tenso que deles emanava.Agora esses olhos cravaram-se, impessoais, nos de Bond. Ento voc Peter Franks disse a moa. Havia na voz abafada e

    agradvel um tom de condescendncia. Sou, sim confirmou Bond. Estou procurando descobrir o que

    que o T significa.Ela pensou um instante. Creio que pode descobrir na escrivaninha disse ela. Esse T de

    Tiffany. Foi at o toca-discos e desligou-o na metade de Je ren connaispas Ia fin. Depois voltou-se: Mas no de domnio pblico acrescentou com frieza.

    Bond encolheu os ombros, dirigiu-se para a janela, encostou-se aopeitoril e cruzou os ps.

    Sua despreocupao pareceu irrit-la. Ela sentou-se escrivaninha. Bem, agora disse ela com impacincia falemos de negcios.

    Em primeiro lugar, por que aceitou esse trabalho? Algum morreu. Oh ela o encarou com espanto. Disseram-me que o seu ramo

    era furto. E aps uma pausa: Em luta ou a sangue frio? Em luta.

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    E voc quer se safar. . Isso e o dinheiro. Ela mudou de assunto. Tem perna de pau? Dentes postios? No. Tudo real.Ela franziu a testa.

    Peo sempre que me mandem um homem com uma perna de pau.Mas est bem. Algum passatempo favorito? Mania por alguma coisa? Temalguma idia a respeito do transporte das pedras?

    No disse Bond. Jogo baralho e golfe. Mas creio que as alasde malas e maletas so bons lugares para esse tipo de coisa.

    O pessoal da alfndega tambm pensa assim disse ela secamente.Ficou em silncio por uns instantes, refletindo. Depois, puxou uma folha depapel e um lpis. Qual o tipo de bola de golfe que voc usa?

    perguntou com ar srio. o que chamam Dunlop 65 ele tambm tinham o ar srio.

    uma idia!Ela no fez nenhum comentrio, mas anotou o nome. Levantou a vista: Tem passaporte? Bom, tenho um admitiu Bond. Mas est em meu verdadeiro

    nome. Oh. Novamente ela se tornou desconfiada. E qual seria esse

    nome? James Bond.Ela riu com desdm. Tambm serve. Deu de ombros. Afinal, tanto faz. Pode obter

    um visto do Consulado americano em dois dias? E um atestado de vacina? No vejo por que no possa respondeu Bond (O Departamento Q

    arranjaria tudo isso). No h nada contra mim na Amrica. Nem napolcia daqui. Nada que me impea de viajar. Isto , no nome de Bond.

    timo disse ela. Agora, preste ateno. A Imigrao vai querersaber disso. Nos Estados Unidos voc vai ser hspede de um homemchamado Tree. Michael Tree. E vai ficar no Astor de Nova York. Tree umamigo seu. Vocs se conheceram durante a guerra. Ela se ps mais vontade. Para seu governo, esse homem realmente existe e confirmar suaestria. Mas nem todos sabem que ele se chama Michael. "Shady" Tree como chamado pelos amigos... se que tem algum concluiu com

    azedume.Bond sorriu. Ele no to engraado como voc pensa disse, rspida.Em seguida abriu uma gaveta da escrivaninha e tirou um mao de

    cdulas de cinco libras, envoltas num elstico. Folheou-as apressadamente

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    com o polegar, separou mais ou menos a metade e colocou de volta nagaveta. Enrolou as restantes, prendeu-as com o elstico e atirou o pacotepara Bond, que se curvou para a frente e aparou-o quase no soalho.

    A esto umas quinhentas libras mais ou menos disse ela. Reserve acomodaes no Ritz e d o endereo do hotel Imigrao. Arranje

    uma boa maleta j usada e ponha nela tudo que normalmente se leva parauma temporada de golfe. No esquea os seus tacos. Desaparea dacirculao. Compre passagem no Monarch da BOAC para Nova York.Quinta-feira de noite. Amanh logo cedo tire a passagem. Sem ela, aembaixada no lhe dar o visto. O carro ir apanh-lo no Ritz s 6,30.Quinta-feira de noite. O chofer lhe entregar as bolas de golfe. Vai coloc-las na sua bagagem. E... fitou-o nos olhos no pense que vai poderdesaparecer sozinho com os diamantes. O chofer ficar a seu lado at que a

    bagagem seja transportada para o avio. E eu estarei no aeroporto deLondres. Assim, melhor no tentar nenhuma falseta. Entendido?

    Bond encolheu os ombros. O que que eu poderia fazer com esse tipo de mercadoria? disse

    ele com indiferena. muito alto pra mim. E o que vai acontecer quandoeu chegar a Nova York?

    Outro chofer estar aguardando do lado de fora da alfndega. Ele lhedir ento o que tem de fazer. Veja bem havia certa nsia na voz da moa

    se acontecer alguma coisa na alfndega, aqui ou l, voc banca oinocente. No sabe de nada, entendeu? No sabe como as bolas foram pararna sua bagagem. A todas as perguntas voc vai respondendo: "Eu?". No dizmais nada. Eu estarei observando. Talvez outros tambm estejam. Isso eusei. Se for preso na Amrica, recorra ao Cnsul britnico e insista nisso. Noreceber nenhuma ajuda de nossa parte. Mas para isso que est sendo pago.Entendido?

    Perfeitamente respondeu Bond. Voc seria a nica pessoa comquem eu poderia me encrencar. Olhou-a com interesse. Eu no queriaque isso acontecesse.

    Bobagem disse ela com desdm. Voc no tem nada comigo. Enem precisa se preocupar, meu amigo. Sei cuidar de mim mesma. Ergueu-se, deu alguns passos e parou diante dele. E nada de assumir essesares de meu protetor disse com rispidez. Estamos tratando denegcios. Sei me defender sozinha, mais do que voc pensa.

    Bond aprumou-se e deixou o peitoril da janela. Deu um sorriso para osolhos cinzentos e brilhantes que estavam agora escuros de impacincia. "Sei fazer tudo melhor do que voc". Calma. Voc no ter queixa de

    mim. Mas sossegue e largue essa eficincia por um instante. Gostaria de v-la outra vez. Ser que a gente pode encontrar-se em Nova York, caso tudo

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    corra bem?Bond sentiu que estava sendo desleal ao pronunciar essas palavras.

    Gostava da moa. Queria fazer amizade com ela. Mas isto significava usar aamizade para penetrar mais a fundo na organizao para a qual elatrabalhava.

    Ela o encarou, pensativa, por alguns instantes e, pouco a pouco, os olhosforam clareando. Os lbios apertados relaxaram-se e se entreabriramligeiramente. Quando voltou a falar, pareceu hesitante.

    Eu, ah... quero dizer deu as costas a ele bruscamente. Diabo! exclamou, mas a palavra soou artificial. No tenho nada pra fazer sexta-feira de noite. Acho que poderamos jantar juntos. Clube 21, na Rua 52.Todos os motoristas de txi conhecem o lugar. s oito horas. Isto , se tudocorrer bem. Convm a voc? Voltou-se para o homem, olhando-o na boca

    e no nos olhos. timo disse Bond e pensou que j era tempo de ir embora antes

    que cometesse alguma tolice. Bem falou com jeito de homem prtico. H mais alguma coisa?

    No ela respondeu. E ento, de repente, como se lhe tivesseocorrido uma lembrana, perguntou: Que horas so?

    Bond consultou o relgio. Dez para as seis.

    Tenho o que fazer agora disse ela. Como se o despedisse,caminhou para a porta. Bond seguiu-a. Com a mo na chave, ela se voltou eencarou-o. Voc se sair bem falou. Mas mantenha-se longe demim no avio. No se deixe tomar de pnico se houver alguma dificuldade.Se se sair bem voltou-lhe voz a nota de condescendncia arranjareimais servio para voc.

    Obrigado disse Bond. Isso me alegra. Gostaria de trabalhar comvoc.

    Com leve meneio de ombros, ela abriu a porta e Bond passou para ocorredor.

    Irei v-la no 21 disse ele.Desejava falar mais, encontrar uma desculpa para ficar ao lado dela, ao

    lado dessa moa solitria, que ouvia msica no toca-discos e se contemplavano espelho. Agora, porm, ela lhe parecia distante. Podia ser uma estranha.

    Est bem disse ela com indiferena. Fitou-o uma vez mais; depois,

    devagar mas com firmeza, fechou-lhe a porta no nariz.Enquanto Bond caminhava pelo corredor em direo ao elevador, a moapostou-se junto porta, atenta s passadas, e l ficou at que elas sedissiparam. Depois, com olhar meditativo, aproximou-se lentamente do toca-discos e ligou-o. Apanhou o disco de Feyer e procurou a faixa que desejava

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    ouvir. Colocou o disco no prato e a agulha no sulco. A melodia era Je renconnais pas Ia fin. E, enquanto escutava a msica, ia pensando no homemque de um momento para outro, inesperadamente, entrara em sua vida. Deusdo cu, disse para si mesma com _ sbito desespero furioso, outro vigarista!No poderia ela nunca ver-se livre deles? Mas quando a msica parou, seu

    rosto estava feliz. Cantarolando a melodia com a boca fechada, empoou onariz e preparou-se para sair.Ao chegar rua, parou e olhou para o relgio. Seis e dez. Dispunha de

    cinco minutos. Cruzou Trafalgar Square e encaminhou-se para a estao deCharing Cross, arranjando mentalmente as frases que deveria proferir.Entrou na estao e foi direta cabina telefnica que sempre usava.

    Eram precisamente 6,15 quando discou o nmero em Welbeck. Aps asduas costumeiras campainhadas, ouviu o estalido do gravador automtico

    registrando a chamada. Durante vinte segundos escutou apenas o chiadoforte de uma agulha girando sobre a cera. Depois, a voz neutra que era seudesconhecido patro disse uma nica palavra: "Fale". Voltou, ento, osilncio entrecortado pelo chiado do gravador.

    Havia muito deixara ela de se perturbar com a ordem abrupta eincorprea. Falou rapidamente e com clareza dentro do bocal negro: DeCase para ABC. Repetindo: Case para ABC. Fez uma pausa. Portadorsatisfatrio. Diz que o nome verdadeiro James Bond e usar esse nome no

    passaporte. Joga golfe e levar tacos. Sugere bolas de golfe. Usa Dunlop 65.Todas as outras providncias foram ajustadas. Pedirei confirmao s 19,15e 20,15. Nada mais.

    Escutou por um momento o chiado do gravador. Colocou o fone nogancho e voltou para o hotel. Ligou para o servio do hotel e pediu ummartini seco duplo. Quando este chegou, ela sentou-se, acendeu um cigarro,ps o toca-discos em funcionamento e esperou at as 7.15.

    Depois, ou talvez s depois de ter discado outra vez s 8,15, ouviu a vozneutra e abafada no receptor: ABC para Case. Repetindo: ABC para Case... e seguiram-se as instrues.

    E em algum lugar, num quarto alugado de Londres, o chiado do gravadorparou quando ela botou o fone no gancho. Ento, possvel que uma portase tenha fechado, passos tenham descido cautelosamente uma escada edesaparecido na rua.

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    6 - Em trnsito

    ERAM SEISHORAS da noite de quinta-feira. Bond arrumava a maleta em

    seu quarto no Ritz. Era uma valise Revelation, de couro de porco, cara masusada. O contedo era adequado ao disfarce do viajante. Traje a rigor; umterno leve, preto e branco, para o campo e o golfe; sapatos Sxone de golfe;uma companheira de fatiota de estambre tropical azul-escuro; camisas deseda branca e de algodo Sea Island, azul-escuro, de colarinho e de mangascurtas; meias, gravatas, roupa de baixo de nylon e dois compridos palets depijama, de seda, que ele usava em lugar dos pijamas de duas peas.

    Nenhuma dessas coisas levava, nem tinha levado alguma vez, quaisquer

    marcas ou iniciais.Terminada essa tarefa, Bond passou a colocar numa pasta, tambm de

    couro de porco e j usada, o resto de suas coisas: material de barba e banho,o livro de Tommy Armour, Como Jogar Sempre Bem o Golfe, as passagens eo passaporte. A pasta lhe tinha sido arranjada pelo Departamento Q econtinha um compartimento estreito sob o couro, no fundo, onde seescondiam um silenciador para sua arma e trinta cartuchos de muniocalibre 25.

    O telefone tocou. Bond sups que fosse o carro, um pouco antes da horaaprazada. Mas era da portaria do hotel, e lhe informavam que estava l embaixo um representante da "Exportadora Universal" com uma carta para lheser entregue pessoalmente.

    Mande subir disse Bond, intrigado.Alguns minutos depois abriu a porta para um homem paisana, que

    reconheceu como um dos mensageiros da sede do Servio. Boa noite disse o homem, tirando do bolso do palet um grande

    envelope comum e passando-o s mos de Bond. Devo aguardar e levaristo de volta depois que o senhor o tiver lido.

    Bond abriu o envelope branco e rompeu o sinete do envelope azul quevinha dentro.

    Encontrou uma folha de papel de ofcio azul, datilografado, semendereo nem assinatura. Bond identificou os caracteres gradosempregados nas comunicaes pessoais de M.

    Indicou uma cadeira ao mensageiro e foi sentar-se escrivaninha dianteda janela.

    Washington (dizia o memorando) informa que Rufus B. Saye no outro senoJack Spang, de quem se suspeita ser o gangster mencionado no relatrio Kefauver,

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    mas que no registra antecedentes criminais. , entretanto, irmo gmeo deSeraffimo Spang, com quem chefia a chamada "Turma de Spang", que opera emdiversas partes do territrio norte-americano. Os irmos Spang adquiriram ocontrole da House of Diamonds h cinco anos, "a ttulo de investimento". No hnada contra essa firma, que parece perfeitamente legal.

    Os irmos mantm tambm uma "rede de palpites" que serve aos corretores deapostas no autorizados, de Nevada e Califrnia, e , portanto, ilegal. O nome dessaorganizao Infalvel. Possuem ainda o Tiara Hotel de Las Vegas. Este o quartel-general de Seraffimo Spang e tambm, para se beneficiarem das leis tributrias de

    Nevada, o escritrio central da House of Diamonds.Washington acrescenta que a Turma de Spang tem interesse em outras

    atividades criminosas, como narcticos e prostituio organizada. Tais atividadesso dirigidas de Nova York por Michael (Shady) Tree, que j foi preso cinco vezes

    por delitos vrios. A quadrilha tem agentes em Miami, Detroit e Chicago.

    Washington qualifica a Turma de Spang entre as mais poderosas quadrilhas dosEstados Unidos, acobertada por alguns setores das administraes estaduais efederal e pela polcia. Disputa o primeiro lugar com o grupo de Cleveland e dos"Vermelhos" de Detroit.

    Nosso interesse nessas questes no foi dado a conhecer a Washington. Mas nahiptese de que as suas investigaes o levem a estabelecer contactos perigosos comessa quadrilha, informe-nos imediatamente. Ser ento afastado do caso, o qual

    passar aos cuidados do FBI.Isto uma ordem.

    A devoluo deste documento num envelope timbrado ser entendida como umsinal de que voc recebeu esta ordem.

    No havia assinatura. Bond correu os olhos outra vez pelo papel, dobrou-o e colocou-o num envelope do Ritz. Ergueu-se e entregou o envelope aomensageiro.

    Muito obrigado disse Bond. Sabe onde fica a escada? Sei sim, muito obrigado disse o mensageiro. Caminhou para a

    porta e abriu-a. Boa noite, senhor. Boa noite.A porta fechou-se sem rudo. Bond atravessou o quarto e, na janela, ps-

    se a contemplar Green Park.Por um momento recordou com nitidez o vulto magro e envelhecido,

    recostado na cadeira em seu gabinete tranqilo.Entregar o caso ao FBI? Bond sabia que M falava srio. Mas tambm

    sabia quanto seria penoso para M ter de pedir a Edgar Hoover que ficasse frente de um caso do Servio Secreto e tirar do fogo as castanhas da Gr-Bretanha.

    As palavras importantes do memorando eram "contactos perigosos".E o que constitua "contacto perigoso" caberia a Bond decidir. Em

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    comparao com os adversrios que enfrentara antes, esses desordeiros noeram l grande coisa. Ou eram? Bond lembrou-se ento da cara quadrada, dequartzo, de Rufus B. Saye. Bom, de qualquer maneira no poderia haver malnenhum em dar uma olhada no irmo de nome extico. Seraffimo. Nome degarom de buate ou de vendedor ambulante de sorvete. Mas esse pessoal era

    assim mesmo. Barato e teatral.Bond deu de ombros. Consultou o relgio. 6,25. Passou a vista peloquarto. Tudo estava pronto. Num impulso, ps a mo direita por dentro dopalet e puxou a Beretta calibre 25 do boldri de camura, suspenso poucoabaixo da axila esquerda. Era a nova arma que M lhe havia dado "como ummemento", depois da ltima misso, com uma nota escrita com a tinta verdede M: Voc pode precisar disto.

    Bond foi at a casa, removeu o pente e lanou na colcha de rendas o

    cartucho que estava na cmara. Experimentou vrias vezes o mecanismo esentiu a tenso na mola do gatilho quando pressionou e disparou a armavazia. Puxou para trs a culatra, verificou que no havia poeira em volta dopino, que passara tanto tempo a limar, e correu a mo pelo cano azul, de cujaponta tinha serrado pessoalmente a rombuda massa de mira. Depoisrecolocou o cartucho no pente e o pente no alojamento, examinou omecanismo pela ltima vez, armou o registro de segurana e tornou a enfiara arma dentro do palet.

    O telefone tocou. Seu automvel acaba de chegar, senhor.Bond reps o receptor no gancho. Ento chegara o momento. A partida.

    Dirigiu-se pensativamente janela e mais uma vez espraiou o olhar pelasrvores verdes. Sentiu ligeiro vcuo no estmago, uma angstia inesperadaao cortar as amarras com aquelas rvores verdes que representavam Londresno auge do vero, uma impresso de isolamento ao pensar no alto edifcio deRegents Park, a fortaleza que iria ficar fora de alcance, a menos que gritassepor socorro, o que, sabia, no faria nunca.

    Houve uma batida na porta. Era o rapaz que vinha buscar a bagagem.Bond seguiu-o pelo corredor. Varrera tudo da mente, exceto a expectativa doque o aguardava boca do tortuoso conduto, escancarado para o receber dolado de fora das portas de vaivm do Ritz Hotel.

    O carro era um Armstrong Siddeley Sapphire negro, chapa vermelha. Vai gostar de vir na bolia disse o chofer uniformizado.

    No era um convite. A bagagem e os tacos de golfe foram arranjados noassento traseiro. Bond sentou-se comodamente e, enquanto entravam emPiccadilly, observou a fisionomia do motorista. Tudo quanto podia ver eraum perfil duro e annimo debaixo de um bon pontiagudo. Os olhosescondiam-se por trs de uns culos escuros. As mos protegidas por luvas

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    de couro dirigiam com percia. Acalme-se e aprecie a paisagem. O sotaque era de Brooklyn.

    No queira puxar conversa, que me deixa nervoso.Bond fez um ar de riso e no respondeu. Portou-se como o outro

    mandou. Quarenta anos, pensou. 78 quilos. Um metro e setenta e sete. Bom

    chofer. Conhecedor do trnsito londrino. Nenhum cheiro de fumo. Sapatoscaros. Bem vestido. Nem sombra de bebida. Barbeia-se cuidadosamenteduas vezes por dia com barbeador eltrico.

    Depois do desvio no fim de Great West Road, o chofer parou beira daestrada. Abriu o porta-luvas e retirou com toda a ateno seis novas Dunlop65, acondicionadas em papel preto e com os selos intactos. Deixando omotor em ponto morto, abandonou a bolia e abriu a porta traseira. Bondolhou por cima do ombro e viu o homem desafivelar a sacola da maleta de

    golfe e introduzir, uma a uma, as seis bolas entre as velhas e novas que asacola j continha. Depois, sem dar uma palavra, montou na bolia e ps ocarro em movimento.

    No aeroporto, Bond atravessou despreocupado a rotina de bagagem epassagem, comprou o Evening Standard, permitindo que seu brao, quandoprocurava as moedas no bolso, roasse uma loura bonita, num costume corde bronze, que folheava preguiosamente uma revista mundana, e,acompanhado pelo chofer, seguiu atrs da bagagem para o balco da

    alfndega. S objetos de uso pessoal? S. E quanto leva em moeda inglesa? Umas trs libras e algum dinheiro mido. Muito obrigado, senhor.O giz azul riscou uma garatuja nas trs maletas, o carregador apanhou a

    bagagem e jogou no carrinho. Siga a lmpada amarela para a Imigrao, senhor disse o

    carregador e saiu empurrando o carrinho para o compartimento de carga.O chofer dirigiu uma saudao irnica a Bond, que divisou por um

    instante a mancha de dois olhos, por trs dos vidros escuros dos culos, e oslbios apertados num meio sorriso.

    Boa noite, meu senhor. Boa viagem. Muito obrigado, meu valete respondeu Bond alegremente e teve a

    satisfao de ver sumir-se o sorriso quando o chofer deu meia volta e saiuapressado.Bond apanhou a pasta, mostrou o passaporte a um jovem simptico, com

    cara de menino, que lhe ticou o nome na lista de passageiros, e entrou na salade embarque. Ouviu, bem s suas costas, a voz abafada de Tiffany Case

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    dizer "muito obrigada" ao jovem de cara de menino. Um momento depoisela entrou na sala e escolheu uma cadeira entre Bond e a porta. Bondreprimiu um sorriso. Era onde ele teria sentado se estivesse nos calcanharesde algum que fosse necessrio vigiar.

    Bond abriu oEvening Standarde ps-se a observar os outros passageiros

    por cima do jornal.O avio devia estar lotado. Bond chegara muito tarde para reservar umleito, e sentiu alvio ao ver que entre as quarenta pessoas da sala no haviauma s cara conhecida. Vrios ingleses, duas das freiras que habitualmentecruzam o Atlntico no vero

    Lourdes, talvez americanos, a maioria homens de negcios, doismeninos de colo para no deixar ningum dormir, e um punhado de europeusindefinveis. A carga de sempre, pensou Bond, conquanto admitisse que se

    dois dos passageiros, ele prprio e Tiffany Case, tinham seus segredos, nohavia razo para que vrios desses tipos inspidos no tivessem tambmmisses estranhas a cumprir.

    Bond sentiu que estava sendo observado, mas era somente o olhar vagode dois dos homens que ele havia catalogado entre os negociantesamericanos. Os olhos de ambos desviaram-se dele, e um dos homens, jovemde rosto mas de cabea encanecida, murmurou alguma coisa para o outro. Osdois puseram-se em p, pegaram os Stetsons, que, apesar do vero estavam

    encaixados em capas impermeveis, e passaram para o bar. Bond ouviu-ospedir doses duplas de conhaque e gua. O segundo homem, que era plido egordo, tirou um vidrinho do bolso e engoliu uma plula com o conhaque.Dramamina, presumiu Bond. O homem devia passar mal no avio.

    A despachantes de vo da BOAC aproximou-se de Bond. Segurou otelefone para o controle de vo, imaginou Bond

    e disse: Tenho quarenta passageiros na sala de embarque. Aguardou a

    aprovao, depois colocou o telefone no ganchoe apanhou o microfone. Ateno, Sala de Embarque.Auspicioso incio de travessia do Atlntico, refletiu Bond. Em breve

    estavam todos atravessando a pista de macadame alcatroado e entrando nogigantesco Boeing. Pouco depois, com uma rajada de fumaa de petrleo emetanol, os motores comeavam a trabalhar, um a um. O comissrio anun-

    ciou pelo alto-falante que a prxima escala seria Shannon, onde jantariam, eque o tempo de vo seria de uma hora e cinqenta minutos. Afinal, o imensoavio estratosfrico, de dois andares, rolou lentamente na pista leste-oeste. Aaeronave tremeu nos freios quando o piloto acelerou os quatro motores, umpor um, at atingir a velocidade de decolagem, e pela janela Bond

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    quatro dlares, as peludas e insuportveis roupas de tweed, as delicadastoalhinhas e guardanapos de linho irlands. Por fim, irrompeu no alto-falantea burundanga irlandesa, em que s eram inteligveis as palavras "BOAC" e"Nova York", e seguiu-se a traduo em ingls. Um ltimo olhar lanado Europa, e logo depois elevavam-se a 15 000 ps, tomando o rumo do

    prximo contacto com a superfcie da Terra, emitindo sinais de rdio para osnavios meteorolgicos Jig e Charlie, que marcam passo ao sabor da rosa-dos-ventos em alguma parte do Atlntico.

    Bond dormiu bem e, ao acordar, estavam chegando costa meridional daNova Esccia. Foi ao banheiro, barbeou-se, gargarejou, expelindo da boca ogosto de uma noite de ar pressurizado, retornou ao seu lugar entre as filas depassageiros estremunhados e amarfanhados, e teve seu costumeiro instantede alegria quando o sol despontou na orla do mundo e a aurora tingiu de

    sangue a cabina.Pouco a pouco, com o raiar do dia, o avio tornou vida. Vinte mil ps

    abaixo as casas comearam a destacar-se como gros de acar espalhadosnum tapete escuro. Nada se movia na superfcie da Terra, exceto a larva finada fumaa de um trem, a seta retilnea e alva da esteira de um pesqueirocruzando um estreito, o lampejo de cromo de um minsculo automvelapanhado pelo sol; mas Bond quase podia ver os movimentos das corcovassonolentas que comeavam a despertar sob os lenis, e, nos pontos em que

    um filete de fumaa rasgava o ar tranqilo da manh, podia aspirar o cheirodo caf coado nas cozinhas.

    Serviram o caf da manh, essa incongruente mistura de alimentos quenos anncios da BOAC apresentada como tpica de uma casa de campoinglesa, e o comissrio distribuiu os questionrios da alfndega norte-americana Frmula N. 6063 do Departamento do Tesouro. Bond leu aletrinha mida do impresso omitir qualquer objeto ou deliberadamenteprestar declaraes falsas... multa ou priso ou ambas e escreveuObjetos de Uso Pessoal, assinando despreocupada-mente a mentira.

    E durante trs horas o avio pairou imvel no ar; apenas as rstiasbrilhantes do sol, oscilando vagarosamente para cima e para baixo nasparedes da cabina, davam a impresso de movimento. Afinal, Bostonapareceu esparramada l em baixo, depois foi a vez do arrojado desenho dasauto-estradas de Nova Jrsey, e voltou o mal-estar aos ouvidos de Bond coma descida sobre o labirntico manto dos subrbios de Nova York. Vieram,

    ento, em sucesso, o silvo e o cheiro enjoativo da bomba inseticida, ogemido estridente, hidrulico, dos freios de ar e do trem de pouso quebaixava, o mergulho do nariz do avio, o violento encontro dos pneus napista, o feio bramido das hlices invertidas para reduzir a velocidade doavio, o sacolejante avano por cima do gramado a caminho do ptio de

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    manobras, o estardalhao da porta que se abria. Tinham chegado.

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    7 - "Shady" Tree

    O FUNCIONRIO DA alfndega, um tipo panudo e descansado, com

    manchas escuras de suor nos sovacos da camisa cinzenta da farda, caminhousem pressa da mesa do Supervisor para o local onde Bond se encontrava,tendo frente os trs volumes de sua bagagem, arrumados no compartimentoda letra B. Na porta contgua, letra c, a moa tirou da bolsa um mao deParliaments e colocou um cigarro na boca. Bond ouviu vrios estalidosimpacientes do isqueiro e um clique mais agudo quando ela reps o isqueirona bolsa e travou o fecho. Bond estava consciente de que ela o vigiava.Desejou que o nome da moa principiasse com z; assim no a teria a seu

    lado. Zarathustra? Zacharias, Zophany...? Mr. Bond? Sim. sua assinatura? , sim. Objetos de uso pessoal, somente? S. Est bem, Mr. Bond.

    O homem destacou um selo do talo e colou-o na maleta. Fez a mesmacoisa na pasta. Aproximou-se dos tacos de golfe e deteve-se, com o talo namo. Levantou a vista. Qual o escore, Mr. Bond?

    Bond no entendeu direito. So tacos de golfe. Estou vendo disse o homem, paciente. Mas, qual o seu escore

    normal?Bond teve vontade de esmurrar. Ah, oitenta e poucos, creio. Nunca na vida cheguei aos cem disse o funcionrio e pregou um

    bendito selo no flanco da maleta, a poucas polegadas do mais vultosocontrabando que j passou por Idlewild. Boas frias, Mr. Bond.

    Muito obrigado respondeu Bond.Fez um aceno para o carregador e seguiu a bagagem at a ltima

    barreira, onde estava o Inspetor. A demora foi breve. O homem curvou-se eprocurou os selos, carimbou-os e indicou a sada.

    Mr. Bond?A voz vinha de um homem de rosto fino e comprido, cabelo cor de lama

    e olhar duro. Trajava cala esporte marrom escura e camisa cor-de-caf. Estou com um carro sua espera.

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    Quando ele se virou e, tomando a dianteira, saiu para a manh quente eensolarada, Bond notou-lhe a salincia quadrangular no bolso traseiro dacala. Pelo formato era uma automtica de pequeno calibre. Tpico, pensouBond. Rotineiro. Esses bandidos americanos eram bvios demais. Tinhamlido muitas estrias em quadrinhos e visto muitos filmes de gangsters.

    O carro era um Oldsmobile Sedan negro. Bond no esperou pela ordem.Tomou assento na bolia e deixou que o outro se encarregasse de arrumar abagagem e gratificar o carregador. Quando deixaram a melanclica pradariade Idlewild e fundiram-se na corrente do trfego de Van Wyck Parkway,Bond achou que devia dizer qualquer coisa.

    Como vai o tempo aqui?O motorista no tirou os olhos da estrada. A pelos trinta e poucos, mais ou menos.

    Quente pra burro disse Bond. Em Londres pouco passa devinte.

    Verdade? Qual o programa agora? perguntou Bond depois de uma pausa.O homem olhou para o espelho retrovisor e manobrou para a pista do

    centro. Durante um quarto de milha ocupou-se em cortar um grupo de carrosvagarosos nas pistas interiores. Quando chegaram a um trecho vazio daestrada, Bond repetiu a pergunta:

    Qual o programa?O chofer olhou-o de esguelha. Shady quer v-lo. Quer? disse Bond.De sbito sentiu-se impaciente e perguntou a si mesmo quando iria

    entrar em choque com aquela gen